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22/09/2021
Bibliografia:
Das obrigações em geral, Antunes varela;
Direito das Obrigações, Meneses Leitão;
Direito das Obrigações, Ribeiro Faria;
O tratado do Direito Civil, Meneses Cordeiro;
Livro da Mafalda;
Comentário ao Código Civil, direito das obrigações;
- Avaliação – exame final (título facultativo, pode ser feito um trabalho, não mais de 10 páginas,
poderá valorizar a nota num máximo de 2 valores. – Este trabalho tem que ser entregue até ao final
do ano civil (31 de Dezembro); existem sempre 2 temas, escolhidos pelo Dr.).
PLANO DE ESTUDOS:
1. Introdução – responsabilidade civil no nosso sistema jurídico;
2. Concurso de responsabilidade: haver ou não haver contrato, eis a questão;
3. Pressupostos da Responsabilidade civil subjetiva;
3.1. Facto voluntário
3.2. Ilicitude
3.3. Culpa (imputação subjetiva)
3.4. Danos (princípios da sua reparação) e do nexo de causalidade (imputação objetiva)
4. Responsabilidades civis especiais: Acidentes de viação e na sua ligação com o seguro de
responsabilidade civil;
1. Considerações iniciais
A responsabilidade civil é um instituto de aplicação constante. As sociedades quanto mais
economicamente débeis forem, mais conflitualidade apresentam.
1
Note-se o seguinte:
Quando se fala em relação – é preciso não esquecer que o princípio da boa-fé, este princípio
também atinge a responsabilidade civil, porque eu lesado ao sofrer um dano, tenho um dever
ou ónus de não agravar. Logo, a lesão não deve tomar proporções, e se não agravar o dano
ou se tentar reduzi-lo deve fazê-lo de acordo princípio da boa-fé.
Devemos distinguir três pessoas diferentes:
causador do dano;
responsável pelo dano;
reparador do dano;
São três pessoas, à partida podem ser diferentes, por exemplo, o causador pode ser um cão, porém,
não vou chamar ao cão lesante, porém, este também não é responsável, será sim o seu dono ou
vigilante. Temos um causador e um responsável, para a responsabilidade civil o que importa é o
responsável. O lesante pode não ser responsável.
E também há diferença entre responsável e reparador, normalmente, quem é responsável repara o
dano – exemplo – se atropelo alguém, sou responsável, independentemente da culpa. Mas reparador
será a minha companhia de seguros, esta companhia não é responsável, ela assume a minha
responsabilidade.
A responsabilidade civil não está toda consagrada no CC. O que nós temos são
responsabilizações dentro da responsabilidade civil, temos conexões e especializações com outros
setores jurídicos. A principal conexão é com a responsabilidade penal, há muitos ilícitos civis e
criminais – acidentes de viação e que o condutor é julgado criminalmente.
A responsabilidade civil e penal tem valores e objetivos diferentes. A responsabilidade civil, é
virada para a tutela de interesses privados, e a penal de interesses públicos. O que faz com que as
finalidades sejam diferentes, a responsabilidade civil mais reparadora, e a penal mais repressiva.
Sucede que por força do art.71º CPP, vigora o princípio da adesão, por força da lei, as
indeminizações que sejam reclamadas, havendo um ilícito civil e penal, devem ser reclamadas no
processo penal.
2
A responsabilidade civil tem conexões com o direito constitucional – há um princípio que na
jurisprudência coloca questões quanto ao princípio da igualdade. Toda a responsabilidade civil tem
uma base constitucional.
E ainda uma ligação importante ao direito da união europeia. E ainda ligações com o processo
civil, a designada litigância de má-fé.
Assim como, ligações com o direito do trabalho e direito do consumo (as práticas agressivas e
desleais, desenvolvem responsabilidade civil). Relações com o a biomedicina, direito da família
(dois tipos de ilícitos diferentes – chamados de indícios endofamiliares, em que incluem as
responsabilidades parentais e a violência doméstica, danos causados por animais de companhia, a
exposição ao trabalho de um filho. E nos campos dos ilícito exo familiares, onde se devem estudar
acidentes de viação.
Existe ainda relação com o direito do desporto, ambiente, propriedade intelectual e o direito da
informática. E outras conexões.
Nos últimos tempos, tem surgido novos objetos de estudo da responsabilidade civil, não só trabalhos
sobre o COVID. A responsabilidade civil e os algoritmos. E ainda a inteligência artificial. Assim
como, os veículos autónomos. E ainda a questão dos animais.
Acórdão da relação de Évora 17 de Junho – ocorreu uma camara municipal que leva a cabo uma
obra de arvores, da qual resulta a queda de ramos que danificam um veículo estacionado na via
3
publica. O dono deste veículo ao demandar a camara municipal tem de o fazer num tribunal
administrativo.
O mesmo evento embora praticado por diferentes sujeitos leve isto para duas jurisdições diferentes,
também se passa na responsabilidade médica, o mesmo ato cirúrgico mal-executado, no serviço
nacional de saúde, leva a questão para o tribunal administrativo. Já se for no privado, será no tribunal
civil.
Não obstante, esta clara cisão apresentada pela doutrina portuguesa, entre a responsabilidade
extracontratual e responsabilidade contratual:
4
Extracontratual - na qual uma assenta na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou
não ingerência de direitos absolutos.
Sendo que a outra resulta do não cumprimento, dos deveres relativos próprios das obrigações,
como deveres acessórios de conduta.
Ao lado, das duas hipóteses suprarreferidos, temos ainda de atender à responsabilidade civil
por factos lícitos, que podem ser factos responsabilizantes, porém, menores e residuais e
menos importantes. Traduz-se na responsabilidade independentemente da ilicitude do facto
praticado pelo agente, apenas se verifica em casos expressamente previstos no CC e
legislação avulsa – art.1348º/2) e art.1349º/3) CC.
1
Antunes Varela, das obrigações em geral, pp.522
5
A responsabilidade civil subjetiva, também designada como geral, obriga os lesados a fazer
prova de 5 pressupostos:2
Facto voluntário do lesante e não um mero facto natural causador de danos, porque
apenas o homem enquanto ser racional, é capaz de controlar a sua vontade. Este facto
tanto pode provir de um facto praticado pela pessoa do responsável, assim como, pode
ser praticado por terceiro, factos naturais ou até factos do próprio lesado, como é o
caso de acidentes de trabalho causado pelo operário, sem culpa grave.
Ilicitude – a ilicitude pode ser descrita através de duas variantes fundamentais, nas
quais se revela o carater antijurídico ou ilícito do facto:3
z Violação do direito de outrem – art.483º CC;
z Violação de leis que protegem interesses alheios;
Culpa/Nexo de imputação do facto ao lesante – é necessário que o autor tenha
atuado com culpa, ou seja, não basta que este tenha agido mal. Tem de ocorrer uma
violação ilícita praticada com dolo ou mera culpa.
Agir com culpa, significa que em termos de conduta, merece uma reprovação ou
censura do direito, a conduta do lesante é censurável, quando pela sua capacidade e
em face das circunstâncias ele podia e devia ter agido de outra forma.
Dano – significa que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém.
Dentro do conceito de dano podemos encontrar diversos tipos, desde dano real a dano
patrimonial, dano patrimonial e dano não patrimonial, danos direitos e danos indiretos,
dano de cumprimento e dano da confiança.
Nexo de causalidade – nem todos os danos que decorrem do facto ilícito são incluídos
na responsabilidade do agente, apenas aqueles que resultam do facto, os causados por
ele. Logo, impõe-se perguntar que danos são postos a cargo do autor do facto
constitutivo da responsabilidade. Este problema foi solucionado pela tese da condição
sine qua non. Não obstante existem outras teses nomeadamente, a tese da causalidade
adequada, teoria dos fins da proteção da norma, teoria das esferas do risco (Mafalda
Miranda Barbosa)
2
Esta é a sistematização apresentada por Manuel Andrade e Pereira Coelho. Porém, há autores com visões distintas como
é o caso de Pais Jorge que reduz os pressupostos a dois (ato ilícito e prejuízo reparável). Enquanto na doutrina francesa,
temos autores que falam de um tríplice requisito (dano, ilícito culposo e relação de causalidade) – CARBONNIER.
3
Ver sebenta do Tomás para mais desenvolvimento.
6
Do ponto de vista legal, ao que se diz, embora alguns autores o digam com mais enfase do
que outros – divide-se a responsabilidade civil extracontratual – art.433º e seguintes da
responsabilidade civil contratual - temos campos de responsabilidade diferentes. O
legislador depois fez uma síntese com normas aplicáveis a ambas as responsabilidades –
art.562º a 572º CC, ou seja, normas que se aplicam tanto para a responsabilidade
extracontratual como contratual.
Há autores que dizem que não há no CC uma responsabilidade civil obrigacional, isto
pode ser discutido. Menezes Leitão, entende que são apenas duas responsabilidades civis
que existem. Nem todos pensam assim. Nessa perspetiva legal, não vamos encontrar a
responsabilidade civil por factos lícitos, essa não encontramos, o legislador pretendeu não a
sistematizar.
Na perspetiva da doutrina vai-se mais longe, diz-nos por exemplo que é possível com base
em determinadas normas do CC descortinar uma responsabilidade civil pós-contratual.
Em segundo lugar, há autores não satisfeitos com essa dualidade – responsabilidade
contratual e, defendem uma terceira via de responsabilidade – Menezes Leitão e Carneiro
da Frada – entendem que há situações não solucionáveis, nem com extracontratual ou
obrigacional, tem um regime misto ou terceira via.
Nesses casos, nem é lesado o dever principal de prestação, mas também não estamos perante
uma lesão de deveres genéricos próprios da responsabilidade extracontratual (gestão de
negócios). Há aqui uma ligação particular que dizem esses autores que o melhor é a terceira
via – na questão da prova, a norma própria da responsabilidade contratual, mas também
podemos chamar da responsabilidade extracontratual. Esta terceira via, tem sido criticada
apesar de ser sedutora.
Há um jurista que defende uma quarta via, Carneiro da Frada, esta dá-nos um facto
responsabilizante autónomo, a chamada lesão da confiança, ou responsabilidade pela
confiança. Estas expetativas criadas por alguém e que depois são postas em causa e que
conduzem aos investimentos da confiança, aqui o indicado seria uma responsabilidade
própria que não é contratual, extracontratual, nem terceira via.
Nesta linha de Carneiro da Frada, temos os comportamentos contraditórios, podemos
responsabilizá-lo pela lesão da confiança, e também aquele outro caso da rutura injustificada
das negociações esta moldura injustificada conduz a uma responsabilidade pela confiança que
não é com base em qualquer ilicitude. Os nossos tribunais aderiram a essa quarta via –
Acórdão Relação de Coimbra 2012, 24 de Janeiro.
2.1.Princípio da precaução
Mas a doutrina também tem colocado a possibilidade de haver um outro facto responsabilizante, um
outro fundamento da responsabilidade. Que se trata da responsabilidade por violação do chamado
princípio da precaução.
7
Este princípio da precaução, não costuma ser muito referido provavelmente por não ser de
fácil caracterização, este princípio tem sobretudo aplicação no direito do ambiente
(composto pelo poluidor pagador e princípio da precaução).
Este princípio traz para responsabilidade civil uma compreensão chamada preventiva, temos
a ideia de que a responsabilidade civil só repara, porém, cada vez mais há que abordar a
responsabilidade civil no plano preventivo – mais vale prevenir do que remediar.
Este princípio parte da constatação do perigo e da ameaça de danos irreversíveis (a Ciência
não consegue demonstrar o contrário) para a prevenção do risco destes últimos. Segundo a
versão mais radical, não se deve agir quando houver o risco de dano irreversível, ou seja, em
situações de incerteza científica, de risco hipotético face aos atuais conhecimentos. Não
havendo identificação de todos os riscos, há que ser prudente. Os que querem exercer certa
atividade devem provar com concludência que não surgirão danos significativos (por ex., na
coincineração4).
Em consonância, há que realizar estudos prévios sobre os eventuais efeitos da atuação (deve a
vacina continuar a ser ministrada se há suspeita de que provoca doença grave? Deve certa
bebida energética ser comercializada havendo dúvida sobre os efeitos na saúde? E quanto aos
possíveis efeitos adversos de novo medicamento? Ou de um produto químico como o
glifosato? Deve a linha de muito alta tensão manter-se em local com incidência de doenças
oncológicas? Não deve ser valorada uma atividade sísmica recorrente?5). Se um certo agente
cria condições de perigo que podem concretizar-se em danos graves, porque não defender
uma responsabilidade por antecipação, fundada na falta de prudência, na falta de precaução.
Na ponderação entre o que é conhecido e o ignorado, o melhor é o agente evitar riscos
desconhecidos. Para lá de respondermos pelos resultados do nosso concreto atuar, e por não
termos prevenido os riscos já provados e conhecidos (por ex., sucessão de pequenos abalos de
terra em zona sensível) ou que devíamos razoavelmente prever, também devemos responder
por não termos sido prudentes, por não termos evitado o dano (caso ele ocorra).
Naturalmente, que a camada de ozono sofrerá com sucessivos atos poluidores…
O princípio tem interesse não só na área nuclear e ambiental mas também na saúde humana
(fármacos e nanomateriais utilizados no diagnóstico médico ou em próteses), biotecnologia (cereais
geneticamente modificados67), segurança alimentar (em 1985 a Comissão europeia proibiu o uso de
4
CARLA AMADO GOMES, And now something completely different: a co-incineração nas malhas da precaução, in CJA,
nº 63, pp. 39 e ss., refere o caso da cimenteira de Souselas numa providência cautelar intentada pela Câmara Municipal
de Coimbra. O que não deve, para a autora, é exigir-se prova da “inocuidade da actividade” para se obter autorização,
com base num critério de “comprovabilidade razoável”, pois não se consegue provar a ausência de risco.
5
Foram julgados em Itália sete cientistas e um ex-governante por “negligência e imprudência” na avaliação de centenas
de abalos de fraca intensidade (antecedendo o terramoto ocorrido em Aquila, em 2009, houve 400 sismos em quatro
meses).
6
Em 2007 os chamados “cereal killers” destruíram, no Algarve, uma plantação de milho. Quanto aos efeitos dos OGM a
Agência Europeia de Segurança Alimentar e outras organizações científicas já vieram declarar que as plantas
geneticamente cultivadas não oferecem perigo para a saúde pública ou ambiente. Ver o Decreto-Lei nº 55/2015, de 17
de abril sobre os organismos e os microrganismos geneticamente modificados.
7
Ver o ac. C-111/16 do TJUE, de 13 de setembro de 2017.
8
hormonas de crescimento na alimentação animal), radiações das telecomunicações (telemóveis 8 e
antenas), exposição a campos eletromagnéticos9 e novas tecnologias.
Uma vez verificado o dano (ou mesmo sem ele?), pessoal/ambiental, difuso ou não, há que ver se,
conhecendo o sujeito a possibilidade danosa de certa ação, adotou todas as medidas adequadas a
impedir/minimizar esse mesmo dano (trata-se de um dever de diligência agravado 10, pois, não se
lidando com riscos conhecidos ou prováveis (é sabido que não se deve acampar na base de uma
falésia algarvia) , será responsável aquele que perante a incerteza do risco não tiver adotado
medidas de gestão do risco, de precaução – presunção de causalidade). O princípio visa prevenir uma
responsabilidade futura (tem, pois, evidente escopo preventivo), embora certa doutrina (GILLES
MARTIN) pense ser mais adequado o regime de responsabilidade objetiva (não lida com o risco de
danos?) dada a dificuldade de censurar o agente (diluído numa organização coletiva) e de estabelecer
o nexo causal. Será novo fundamento (pode assentar mais na garantia do que na incerteza?), deve ser
integrado na responsabilidade subjetiva (omissão de medidas aptas a impedir danos incertos) ou deve
figurar como princípio no seio de normas criadoras de responsabilidades objetivas?
Precaução, não é sinonimo de prevenção. Quando o Código da Estrada me obriga a colocar o cinto
de segurança, isto sucede porque é sabido se ocorrer acidente e se tiver cinto, normalmente, sofro
menos lesões, trata-se de uma atitude preventiva. O mesmo se verifica na retirada do amianto das
escolas.
Na precaução é diferente porque os dados científicos ainda não estão perfeitamente consolidados.
Há suspeita, mas ainda existem dúvidas.
(NOTA 1: Há suspeitas que as linhas de alta tensão, são prejudiciais à saúde, mas não há certezas)
(NOTA 2: em França, um agricultor intentou uma ação contra uma entidade numa linha de alta
tensão porque as suas ovelhas começaram a aparecer doentes. Perante as suspeitas o melhor é a
prevenção.)
Como quer que seja, a “zona do infortúnio”, do “azar” (o caso do relâmpago que, na zona de Arcos
de Valdevez, matou 70 cabras), é tanto menor quanto mais amplo for o âmbito das fontes
responsabilizantes (cfr. o alargamento da área coberta pela responsabilidade pelo risco), quanto
melhor for o providencialismo social (a assunção coletiva de certos riscos liga-se à intervenção do
Estado e dos Fundos de Garantia, como o Automóvel, Viagens e Turismo, de Calamidades, de
Aleatoriedades Climáticas – ver a Portaria nº 318/2011, de 30 de dezembro - e de acidentes de
trabalho) e quanto maior for o estímulo à celebração de seguros pessoais (alguns são até
obrigatórios, como o escolar). Para melhor garantia dos lesados e fazer face aos danos resultantes da
8
Na linha do sucedido relativamente à indústria tabaqueira, foram instaurados processos, nos Estados Unidos, contra a
Vodafone e operadores norte-americanos, por vítimas de tumores cerebrais.
9
Ver a Lei nº 30/2010, de 2 de setembro. (proteção contra a exposição aos campos elétricos e magnéticos derivados de
linhas de instalações e de equipamentos elétricos). Ver, também, as Resoluções da AR nº 210/2016, de 28 de outubro
(recomendação de regulamentação do diploma de 2010) e 216/2018, de 30 de julho, o DL nº 11/2018, de 15 de
fevereiro e a Lei nº 20/2018, de 4 de maio (aletra a Lei nº 30/2010). Ver, ainda, a Lei nº 64/2017, de 7 de agosto
(proteção dos trabalhadores contra riscos da exposição a campos electromagnéticos durante o trabalho).
10
Há quem o considere como prevenção alargada, ou seja, só se distingue da prevenção por uma “questão de grau”.
Mesmo não havendo comprovação científica ou estatística, a “dúvida fundamentada” de certa atividade provocar
danos é bastante. Há quem, em Itália, o releve apenas no direito público, identificando-o, no direito privado, com a
culpa (preventiva) e remetendo a solução dos casos para o art. 2050º.
9
evolução tecnológica e das atividades mais perigosas, a responsabilidade pelo risco tem ganho, nos
últimos decénios, um papel preponderante em relação ao fundamento subjetivo assente numa
liberdade responsabilizante. Trata-se de uma marca da zona extracontratual, dotada de
imperatividade, excecionalidade (perspetiva não aceite por todos), relatividade (não há
responsabilidade pelo risco havendo alguma causa exoneratória, algum evento que afaste o dano do
círculo do risco tipificado, como sucederá, por ex., no caso do peão que vai de encontro a um
veículo), aliada, em regra, a um seguro obrigatório e tendencialmente limitada (na perspetiva
indemnizatória), já que, no plano negocial, a responsabilidade tenderá a exigir, em geral, a culpa do
devedor. O esmorecer da culpa extracontratual representa o declínio da responsabilidade-sanção
individual em favor de uma certa resposta ao quesito: não podendo condenar-se o autor inocente,
deixa-se o lesado sem reparação?
Os autores questionam se isto ainda não se coloca na responsabilidade subjetiva? Porquê que
estamos a introduzir um fundamento próprio, não estamos a lidar com uma causalidade.
Na responsabilidade civil extracontratual, encontramos aquela que está codificada, como
subjetiva, objetiva e por factos lícitos.
Depois temos responsabilidades civis privadas de natureza especial – acidentes de aviação,
responsabilidade de administradores e gerentes, etc. Temos que fixar nos factos
responsabilizantes.
Se olharmos para o lesante e lesado que são os grandes personagens da responsabilidade
civil, podemos fazer algumas divisões – os lesantes podem ser responsabilizados ou por ação
ou por omissão.
Os lesantes podem ser responsabilizados individualmente, solidariamente ou
subsidiariamente.
A responsabilidade pode ser por facto próprio ou por facto alheio (responsabilidade dos
comitentes por facto do comissario).
Olhando para os lesados, podem ser imediatos ou mediatos (reflexos).
Há lesados difusos, quando estão em causa interesses difusos.
O Estado pode ser lesado, as pessoas coletivas podem ser lesadas.
Aula 2 – 29/09/2021
10
Em alguns casos os lesados devem ser responsabilizados e deve averiguar-se quem foi o
responsável para exercer o respetivo reembolso;
Podem existir dos fundos de garantia, estes destinam-se para os casos em que não foi
celebrado um seguro de responsabilidade.
Também atuam os fundos de garantia quando não se sabe quem foi o responsável, não é
possível identificá-lo, se não existisse o FGA, tanto nos casos em que não existe seguro o
de responsabilidade ou em que não se sabem quem foi o responsável, os lesados ficaram
sem ser indemnizados.
Os fundos de garantia também apresentam relação com o facto de o Estado assumir o
pagamento das indeminizações, isso sucede numa serie de situações, em alguns casos,
pode até haver responsáveis, noutros casos, a existência de responsáveis pode ser mais
duvidosa:
o Em 2000, com a queda da ponte Entre-os-Rios. Antes do apuramento das
responsabilidades o próprio Estado chamou a si o pagamento das indemnizações
o O mesmo sucede para indemnização dos crimes violentos – Lei 104/2009.
o O mesmo sucedeu para os incêndios em 2017.
o Derrocada em Borba de uma pedreira, em 2018. O Estado também assumiu o
pagamento das indeminizações, para que as pessoas não tivessem que esperar pelo
apuramento da indeminização.
o O mesmo para o pagamento da indemnização pela morte de um cidadão
ucraniano.
Há lesados privilegiados?
o No CC, na sua redação inicial, o legislador não privilegiou qualquer grupo
particular de lesados.
o É verdade que depois com o passar dos tempos, ocorreram alterações no 504º do CC –
no caso dos transportados trata mais favoravelmente os transportados a título
oneroso do que os transportados a título gratuito.
Este tratamento tem fundamento no seguro obrigatório de responsabilidade.
o Pode-se dizer que quando o Código nasceu havia um tratamento melhor do que os danos
corporais melhores tratamento do que os danos materiais.
11
o A legislação avulsa que foi aparecendo no sentido de desvalorizar as culpas dos lesados,
admitindo a concorrência entre culpa e risco – nítido no regime de responsabilidade
civil do produtor. A jurisprudência tem decidido, no sentido de relacionamento do risco
e da culpa dos lesados.
Já está mais preparado para lidar com outro tipo de danos, relacionado com a proteção dos
interesses difusos.
Nos interesses difusos, fala-se da proteção de determinados bens, nas áreas do consumo, da
concorrência, do ambiente, do património. É possível haver a ação popular para a tutela
dos interesses difusos.
12
o Que interesses são estes?
Note-se Ac. STJ de 8/09/2016 – os interesses são individuais ou são públicos ou são
coletivos (interesses de pessoas sindicalizadas) ou são difusos (com dimensão
individual e supra individual, com titularidade a caber a todos e a cada um dos
membros de uma comunidade, recaindo sobre bens protegidos
constitucionalmente, e que podem ser fruídos de forma não exclusiva (quer
ambiente, património, consumo).
o Ou seja, se estamos mal na questão das respostas aos chamados danos de massa, já
não estamos mal na resposta de danos de interesses difusos.
o No Código Civil apenas titula no 483º CC, os interesses individuais e não com os
interesses mais coletivos ou difusos.
13
inibitória (art. 25º do DL nº 446/85, de 25 de outubro, 10º da Lei nº 24/96, de 31 de julho, Lei nº
25/2004, de 8 de julho, 16º do DL nº 57/2008, sobre as práticas comerciais desleais), com interesse
para a supressão de cláusulas gerais proibidas19 20. Sendo a indemnização fixada globalmente (art.
22º,2 da Lei nº 83/95), há dificuldade na compensação dos danos não patrimoniais, podendo mesmo
acontecer que, individualmente, o lesado nunca viesse a obter uma indemnização. Nos Estados
Unidos a ação vem por vezes associada aos punitive damages
o Mas fora do Código Civil, não haverá situações em que a indeminização reveste
uma função punitiva?
19
Ver, por ex., o ac. do STJ, de 13-10-2011 (OLIVEIRA VASCONCELOS), a propósito de cláusulas abusivas em contrato de
locação financeira.
20
Ver, também, o art. 878º do CPC e cfr. o art. VI. – 1:102 do DCFR (Prevention). Um francês de 51 anos, acusado de
perseguir Kirsten Dunst, foi condenado, até 2015, a respeitar uma distância mínima de 100 metros da atriz do filme
"Homem Aranha".
14
Art.211º do Código de Autor de Direitos Conexos e art.347º Do Código de
Propriedade Industrial – há quem entenda (Adelaide Menezes Leitão), neste âmbito,
de direitos de autor e propriedade industrial a indemnização não está circunscrita ao
dano.
E tanto no 211º e 347, não só tem natureza punitiva, mas também preventiva.
É certo que temos uma solução que não está no CC, de determinação da
indeminização encontrando o lucro obtido pelo infrator.
Também no art.22º do Estatuto do Jornalista, havendo a utilização abusiva do direito
de autor, pode haver indemnização, sendo uma solução sancionatória punitiva.
O que o nosso sistema faz é entrar na fixação da indeminização com os lucros obtidos, mas não os
manda restituir. Apenas permite a fixação da indemnização. ⚠️Esta é uma questão que mercearia
um tratamento legislativo. (Ac. 25/02/2014 – relator Maria Clara Sottomayor).
o Não nos podemos esquecer dos lucros obtidos pelo culposo. Deveria o legislador
encontrar melhor solução. Quando se discute as funções da responsabilidade civil, não
podemos esquecer de uma função cada vez mais em causa – função preventiva da
responsabilidade civil.
o No nosso sistema, esta função já aflora na área da violação dos direitos de
personalidade, particularmente, para casos em que estes são ameaçados de lesão.
Esta finalidade joga aqui num tempo em que não há propriamente lesão – art.70º CC e
878º e 879º CPC – verificamos a finalidade preventiva da responsabilidade civil.
15
- Norma do CC argentino e Anteprojeto Belga (5176º) – ambos com soluções
interessantes.
A responsabilidade civil é uma relação inter-subjetiva e o CC parte dessa base individual (de
quem foi a culpa? Houve ilicitude?) tendo o lesado de suportar pesado ónus probatório.
A responsabilidade Civil é uma relação intersubjetiva.
A debilidade não está na circunstância de estarmos perante lesante e lesado, mas na
circunstância de a responsabilidade civil principal, exige um ónus probatório pesado.
Na prova da culpa pode haver alguma flexibilidade – prova prima facie, esta prova atenua
o rigor. Dr. Brandão Proença considera isto uma debilidade do nosso direito.
Também não parece adequado o critério do bom pai de família, como standard de
apreciação da culpa – art.477º - é um modelo pouco arcaico.
Hoje em dia, as legislações abandonaram este critério e assentam numa determinação que
assenta na razoabilidade, o chamado homem razoável.
Também é débil o facto de o sistema de responsabilidade extracontratual não apresenta
normais gerais sobre a sua regulação convencional.
16
No nosso direito há alguma coisa, na parte de transporte dos acidentes de viação, mas não há
mais nada, na legislação fora do CC é diferente, por exemplo, na responsabilidade do
produtor, há regulação convencional.
Norma incoerente – art.500º - generaliza os comitentes e consagra o direito de regresso cego
e esbate o sentido da responsabilidade objetiva do comitente. Dr. Brandão Proença - critica
a redação do art.500º.
Há situações desiguais, nas situações que merecem um tratamento semelhante (porquê
tratar melhor o condutor não comissário?)
E a mulher do atropelado mortalmente face à mulher do transportado falecido. Há juristas que
dizem que há razoes para isto, outros defendem o contrário, por ofensa do princípio da
igualdade.
Ausência de articulação entre a responsabilidade e o seguro obrigatório de veículos.
Pode o CC impedir uma aplicação do DL nº291/2007? Não há uma sintonia perfeita entre
os dois quadrantes.
17
Porque é que há regimes diversos se pensarmos que, por ex., os acidentes equestres (e outras
atividades) também provocam lesões graves?
O relevo do dano está rigidamente dependente dos bens/interesses tutelados, persistindo a
dúvida de saber se a presença do chamado dano-evento (a lesão qua tale, como, por ex., a
lesão da saúde e a privação do uso) é suficiente para a reparação;
Não parece, hoje, adequado o critério, de sabor romanista, do «bom pai de família», já
substituído em França, em diversas normas, por um critério de «razoabilidade»;
Ausência de normas gerais sobre a regulação convencional da responsabilidade;
A responsabilidade objetiva prevista no art. 500º visa todo e qualquer comitente, pequeno
artesão ou grande empresa, estatuindo um direito de regresso puramente cego e fazendo,
afinal, da culpa o «motor» de uma norma cuja redação não é clara;
Insuficiência da «teoria da diferença» para o cálculo de certos danos;
Falta de coordenação entre as indemnizações a cargo do responsável e existência de outras
entidades, públicas ou privadas, de satisfação ou que adiantam montantes pecuniários21;
Com implicações no Regulamento Roma II, e dada a “interdependência” entre a
responsabilidade civil e o seguro, não existe uma devida articulação, o que também
transparece, como já dissemos, na jurisprudência do TJUE ao desvalorizar, em proveito dos
lesados, a responsabilidade como pressuposto de aplicação do seguro. Não tem, na verdade,
muito
Algumas questões:
1. É suficiente o âmbito da ilicitude?
Prevista no 483º. Não deveria ter um âmbito mais alargado.
2. Há suficiente demarcação entre a zona das atividades perigosas e a zona avulsa do
risco? Onde é que termina o regime das atividades perigosas e termina da responsabilidade
pelo risco, não estão suficientemente demarcadas no código.
3. Não deviam danos semelhantes ter um tratamento idêntico sem diversidade
jurisdicional?
4. É adequado o começo da imputabilidade civil aos 7 anos?
5. Não devia haver idade mínima para a culpa do lesado?
PARTE II – CONCURSO DE RESPONSABILIDADE
1. O problema
É uma matéria que nos manuais é tratada a correr, poucas linhas. Mas é importante!
É uma questão que se encara com alguma frequência, como é dito o problema surge quando, mas
não só, incumprimento de um contrato seja do seu dever principal, por exemplo, um contrato de
transporte, nesse caso, é um dever principal. Ou no dever lateral, e particularmente uma
categoria, é os deveres laterais de cuidado e de proteção ou de consideração. E quando lesa bens
pessoais e materiais, protegidos extracontratualmente.
21
Ver, para uma adequada articulação, o art. 4º, 4 e 5 da Lei nº 104/2009, de 14 de setembro.
18
Exemplo - depositário lesa bem depositado. Temos um dano material que surge do incumprimento
do contrato de deposito. Este depositário incorre em responsabilidade contratual e
extracontratual.
Exemplo – A entrega a B um animal doente que contagia outros – há mal cumprimento do contrato,
é evidente que temos uma responsabilidade contratual, mas ao mesmo tempo esse animal contagia
outros pertencente outros do comprador, havendo uma responsabilidade extracontratual.
O problema da conexão entre os dois regimes principais de responsabilidade interessa não havendo
regulação expressa, o que não acontece, de certa forma, nos acidentes relacionados com transportes 22,
ou se o legislador, como o nosso, não tomar posição. Havendo aqui um concurso de fundamentos
para uma mesma pretensão, há que diferenciar esse caso do concurso de normas dentro do mesmo
fundamento ou do concurso de fundamentos diferentes em danos diversos (ver o caso decidido
pelo STJ no ac. de 23 de maio de 1995 – RAMIRO VIDIGAL: responsabilidade contratual do
senhorio por destruição do objeto do contrato e extracontratual por danificação de móveis do
inquilino23).
Este problema não surge nos casos de compra e venda, um vendendo não entrega o bem vendido,
aqui só há incumprimento contratual. Assim como, não surge nos casos em que A difama B ou A
agride B. Nesses casos, não pode haver concurso de responsabilidades.
JURISPRUDÊNCIA:
Ac. STJ, de 22/02/2007 - ‘’acórdão da sandes de frango’’: Alguém comprou uma sandes de
frango, supondo como estava anunciado que o frango não tinha ossos, sucede que não estava,
e isso provocou que o frango tinha um osso e proferiu uma perfuração do esófago do
comprador. Este caso suscitou alguma dúvida de qualificação porque a 1ª instância e a 2ª
instância, resolveram-no numa base extracontratual, não podemos aqui esquecer que sandes
de frango tinha sido adquirida, existe componente contratual. O Supremo acabou por se
inclinar para a responsabilidade contratual, por violação culposa dos deveres do vendedor.
Mas como vemos, há um caso em que ao mesmo tempo temos o cumprimento defeituoso de
uma compra e venda, mas por outro, temos a lesão de bens do comprador, na tutela
extracontratual.
Ac. STJ de 18/06/2014: Neste ‘’acórdão do anzol’’, sucede que um consumidor adquire num
supermercado um peixe, este peixe tinha no seu interior o seu anzol, este não se via como é
evidente. Houve consumo desse peixe e danos causados pelo consumo, há concorrência de
22
Ver, por ex., o art. 7º do Regulamento (EU) nº 181/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de
2011 (direitos dos passageiros no transporte rodoviário) sobre a indemnização por morte, lesões corporais e outros
danos dos transportados.
23
Para um falso concurso de responsabilidades, ver, igualmente, o ac. da RG, de 11-03-2021 (o mesmo evento causou
danos ao dono da obra e a terceiro).No ac. da RP, de 05-11-2020 (JOÂO VENADE), a propósito de danos causados por
um cão num imóvel que foi restituído devido a resolução do contrato-promessa, discutiu-se se a responsabilidade dos
«ocupantes» era ou não contratual e qual o prazo de prescrição. No ac. da RL, de 28-04-2020 (RIJO FERREIRA) foi
decidido um regime de solidariedade de um responsável contratual (hospital privado) e de um responsável
extracontratual (o médico auxiliar contratado pelo hospital). Mas, não havia, no caso, um só tipo de responsabilidade
centrada na aplicação do art. 800º?
19
responsabilidades. Curiosamente, os tribunais neste caso, decidiram na linha do direito do
consumo, da responsabilidade do produtor, e com a culpa do próprio do comprador. Esta
discussão sobre o concurso de responsabilidades, não aflora neste acórdão, mas não deixa de
ser um caso em que existe essa concorrência.
Ac. STJ de 29/05/2014: Neste ‘’acórdão da viagem para observação das baleias’’, foi uma
viagem de barco para observação de baleias, este só podia levar um número de pessoas, e
levava uma pessoa a mais, e esta sofreu danos, houve acidente. Houve um contrato de
prestação de serviços de transporte, havendo danos corporais protegidos
extracontratualmente.
Ac. STJ de 22/04/2018: Neste ‘’acórdão da canaloscopia’’, que foi mal-executada, este
acórdão foi relatado pela conselheira Maria de Grácio Trigo, em que houve uma perfuração
do cólen, uma lesão da integridade física do paciente, mas ao mesmo tempo tudo isto inserido
numa base contratual.
20
o Podemos ter que aplicar o art.500º, havendo comitente e comissario.
o Por outro lado, está prevista um prazo de prescrição normal de 3 anos.
o Há aqui aspetos muito característicos, podemos acrescentar que na
responsabilidade extracontratual, é mais fácil haver compensação por danos não
patrimoniais.
Está aqui presente a dualidade do regime. Havendo esta diversidade, o problema é relevante por
haver certas diferenças de regime entre as duas responsabilidades concorrentes o que revela serem
responsabilidades dogmaticamente diferentes e, por isso, a defesa dominante do chamado dualismo.
Para MENEZES LEITÃO a responsabilidade civil tem natureza unitária, sendo muito
reduzidas as diferenças entre a responsabilidade contratual e extracontratual (na
mesma linha PAULO CUNHA, GOMES DA SILVA, PESSOA JORGE, ROMANO
MARTINEZ, J. ALBERTO GONZÁLEZ)24. Para o jurista, se o devedor não cumpre
ilícita e culposamente surge uma nova obrigação cuja raiz é a responsabilidade
obrigacional. Não há mera modificação da prestação, não coincidindo prestação e
21
CALVÃO DA SILVA, DÁRIO MOURA VICENTE e a jurisprudência), apesar de
aspetos convergentes, há uma diversidade essencial (as contraposições dever
genérico/dever específico, lei/vontade, “possuir justificado/poder de adquirir”, função
conservadora/programa contratual não realizado) entre ambas as responsabilidades, sendo
a responsabilidade obrigacional uma mera modificação da obrigação preexistente (a
indemnização surge como dever secundário de prestação coexistente ou sucedâneo do
dever principal de prestação, sujeito neste caso ao mesmo prazo de prescrição da
obrigação não cumprida).
22
A indemnização autonomiza-se (do cumprimento do dever de prestação?) ou por normal
indemnização de danos patrimoniais concretos, atípica indemnização abstrata e compensação
(segura?) de danos não patrimoniais. São indemnizados os danos puramente patrimoniais.
Não há lugar para danos punitivos (há, contudo, algumas soluções sancionatórias de tipo
pecuniário), podendo relevar o dano da perda de chance, a privação do uso, a compensação
de vantagens e a consideração da atitude passiva do credor (agravamento ou não contenção
do dano).
É duvidoso que o devedor pouco culpado possa invocar em seu favor o disposto no artigo
494º. O crédito indemnizatório pode estar sujeito a um prazo de prescrição vinte anos.
É o domínio por excelência da disciplina convencional reguladora do an e do quantum
indemnizatórios, com respeito dos limites legais (arts.809º e 800º,2). Relevo dos seguros de
crédito em caso de incumprimento (nas vendas internacionais a crédito), regras próprias
quanto à competência jurisdicional e aplicação do Regulamento Roma I.
25
No art.504º é o legislador que trata diversamente os transportados com contrato oneroso e os sem contrato ou com
contrato gratuito.
23
Embora esta terceira via pudesse resolver o problema, também o podemos fazer
através da aproximação destas situações do contrato.
Mesmo que o regime contratual seja o mais favorável, pode defender-se que o contrato integra no
seu âmbito protetor a lesão de bens pessoais ou esta proteção está reservada à tutela extracontratual?
Destes dois, o mais favorável, parece ser o regime contratual. Também já estamos a ver que pode ter
interesse como plano da construção jurídicas situações que não são contratuais.
NOTA: Tentar resolver os casos que tem nos elementos de apoio – o da Antónia e o caso da Rosa e
o caso do Júlio, do Restaurante e o Joaquim e depois da gravidez da júlia.
Aula 3 – 06/10/2021
Têm os lesados liberdade para escolherem o regime que entendem? Tendo essa liberdade –
qual o regime mais favorável? É mais favorável fundamentar o pedido indemnizatório
contratual ou extracontratualmente?
Já sabemos que balanceando tudo o regime da responsabilidade obrigacional é mais favorável.
Porém, não é perfeito, há aspetos que não podem ser determinados pela contratual e podem ser pela
extracontratual.
24
situações danosas cuja natureza é duvidosa, tentar contratualizar essas situações. Tentar
ver esses casos arrastando-os para o enquadramento contratual.
O problema tem sido resolvido, tendo em conta que o legislador não o resolveu no CC, tem
sido resolvido por um lado, pela doutrina e por outro lado, pela jurisprudência.
4. Respostas da DOUTRINA:
Como tratar as situações em que durante a execução contratual (ou, até, no período pré ou
pós- contratual) são lesados bens com tutela extracontratual?
Ou seja, ou escolhe a via obrigacional ou via extracontratual, é aquilo a que se designa opção ou
escolha.
O lesado pode combinar normas de uma responsabilidade e normas de outra
responsabilidade. Aquelas que vê que são melhores de um lado e melhores de outro lado.
Aquilo a que se chama de ação híbrida.
Só que Vaz Serra não conseguia uma liberdade absoluta porque ele dizia o seguinte ‘’ o
disposto anterior não tem lugar quando a responsabilidade contratual é atenuada pela
lei’’. Aqui o lesado não poderia contornar isso e cair na responsabilidade contratual.
Ou quando do contrato se concluir que as partes ao fazer o contrato estavam a renunciar ou a
excluir a responsabilidade extracontratual. Aqui já não há escolha, tem de ser o recurso à
via contratual.
Esta ideia propugnada por Vaz Serra não foi seguida. Se atendermos na doutrina dominante –
Antunes Varela, Rui de Alarcão, Pinto Monteiro, Ferreira Pinto, todos estes autores defendem a
posição do Vaz Serra.
A opção ou ação híbrida, fazem parte do que chamamos cúmulo de responsabilidades.
O que é de rejeitar é a chamada duplicidade de ações. O problema do concurso não permite que
haja duas ações, o dano é apenas um, não há dois danos diferentes, não tem sentido que haja duas
ações. Assim como, não tem sentido que se intente uma ação baseada na responsabilidade
extracontratual e caso não proceda pede-se que condene com base na responsabilidade contratual. A
ação deve ser apenas uma só.
25
Esta doutrina é de alguma forma herdeira das posições de Vaz Serra.
26
SILVA) afasta o concurso de ações (há apenas um direito de indemnização ou uma só pretensão com
um diferente fundamento – no caso da “agressão a internado em Casa de Saúde” foram invocadas
ambas as responsabilidades), cede perante norma em contrário, é atenuada havendo exigência
contratual de culpa qualificada e tem de ter em conta a existência de regulação da
responsabilidade.
Para a dominância da tese do cúmulo é importante saber que também é dominante a consideração
de que a relação contratual integra a relação de prestação e a relação de proteção ou segurança
(deveres laterais de cuidado com a pessoa e os bens da contraparte26) – MOTA PINTO, RUI DE
ALARCÃO, ANTUNES VARELA, SINDE MONTEIRO, RIBEIRO DE FARIA, MENEZES
CORDEIRO, FERNANDO FERREIRA PINTO27. Mas também é sabido que o interesse de
integridade (que abarca terceiros e que releva mesmo sendo inválida a relação de prestação) recebe
tutela delitual quanto mais não seja por lesão de bens absolutamente protegidos (artigos 483º e 486º -
ROMANO MARTINEZ28, FERREIRA DE ALMEIDA, PAIS DE VASCONCELOS - referindo a
fase pré-contratual29). Para NUNO PINTO OLIVEIRA os deveres de cuidado são deveres especiais,
podendo afirmar-se analogia estrutural com os deveres de prestação (daí a possível aplicação dos
artigos 799º e 800º e dos danos patrimoniais puros). Contudo, e numa outra perspetiva, são deveres
funcionalmente análogos aos extracontratuais (o que justificará a aplicação do artigo 498º) pois não
está em causa o interesse de cumprimento. Para a defesa do regime do artigo 799º (presunção de
culpa e de ilicitude), ver MENEZES CORDEIRO (segurança a cargo do transportador) e para uma
“responsabilidade intermédia”, criticada por MENEZES CORDEIRO, ver CARNEIRO DA FRADA
(os deveres de proteção não são assimiláveis ao delito, mas também não são vinculações negociais) 30.
27
Mas mesmo outra jurisprudência (TRC – 21/03/2006) – exemplo - contrato de hospedagem
em que o automóvel do hospede é colocado na garagem do hotel, só que houve uma
inundação de grandes proporções na garagem do hotel e este sofreu danos assinalados, para
esta situação a TRC entrou em consideração com a relação contratual complexa,
nomeadamente, deveres principais. Em que o hotel falhou no cumprimento de deveres
laterais e aplicou depois o regime da responsabilidade contratual. São raras as decisões nos
nossos tribunais de aplicação ao concurso de responsabilidade de tutela extracontratual.
Encontramos a defesa da posição dominante, os tribunais reconhecem qual a melhor solução, mas
invariavelmente acabam por decidir adotando implicitamente a posição do Prof. Almeida Costa.
Evita que os lesados tenham que provar a culpa de quem os lesou, jurisprudencialmente as coisas
apresentam-se mais lineares do que na doutrina. Havendo contrato as coisas devem ser resolvidas
com base no contrato.
o caso do doente internado em hospital psiquiátrico (ac. do STJ, de 07-05- 1974, in BMJ nº
237, pp. 196 e ss. – ARALA CHAVES). Tutela delitual na queda do doente pela janela do 2º
andar.
o caso da resinagem abusiva (ac. do STJ, de 10-05- 1989, in BMJ nº 387, pp. 547 e ss. –
BARROS DE SEQUEIRA). Tutela delitual para os cortes excessivos nos pinheiros.
ac. do STJ, de 08-02-1994 – FERNANDO FABIÃO (prevalência da tutela contratual
sobretudo para o caso da prescrição pois o 498º só vale delitualmente
o caso da “máquina instalada em ginásio” (ac. do STJ, de 14-01-1997 – TORRES PAULO –
tutela contratual),
o caso do “transporte Berlengas-Peniche” (ac. do STJ, de 13-02-2001 – FERNANDES
MAGALHÃES – tutela delitual),
nos casos da “explosão da botija de gás” (ac. do STJ, de 08-05-2003 – ARAÚJO DE
BARROS) e da “explosão do motor” (ac. da RG, de 18-02-2004 – ESPINHEIRA BALTAR)
foi defendida a tese da consunção. O ac. da RC, de 10-01-2006 (acidente em autoestrada) e a
tese da opção
o caso da “agressão a internada em Casa de Saúde” (ac. do STJ, de 22-09-2005 – LUCAS
COELHO – tutela contratual)31;
o caso da inundação em garagem de hotel (ac. da RC, de 21-03-2006 – CURA MARIANO –
tutela contratual
o caso da falta de proteção do telhado (ac. do STJ, de 01-07-2010 – MARIA DOS
PRAZERES BELEZA – tutela contratual)
o caso da “queda do aparelho de ar condicionado” (ac. do STJ, de 16-6-2011 – PIRES DA
ROSA – tutela contratual).
Ac. da RC, de 29-11-2011 (CARLOS QUERIDO): para os danos como efeito dos vícios em
empreitada (privação de uso e danos não patrimoniais) vale a prescrição contratual.
o caso do transporte ferroviário (acs.do STJ, de 31-01-2012 – FERNANDO BENTO – e de
26-9-2013 – TÁVORA VICTOR -tutela contratual)
31
Incluindo o período pós-operatório no contrato, o Supremo entendeu existir “um dever de garantir a segurança e a
protecção da autora”, salientando a riqueza de conteúdo do contrato de internamento.
28
o caso do transporte para observação de cetáceos (ac. do STJ, de 29-05-2014 – GRANJA DA
FONSECA – tutela contratual)
o caso da colonoscopia (ac. do STJ, de 01-10-2015 – MARIA DOS PRAZERES BELEZA –
tutela contratual). Ver, também, para um caso semelhante, o ac. de 22-03-2018- MARIA DA
GRAÇA TRIGO.
o caso da destruição de plantas (ac. da RL, de 24-09-2019 – JOSÉ CAPACETE – tutela
contratual)
o caso da queda em transporte coletivo de passageiros (ac. da RL, de 24-10-2019 – NUNO
RIBEIRO – tutela contratual e admissão hipotética da responsabilidade extracontratual)
Para que o lesado tenha ao seu dispor o máximo de garantias ou pelo menos a melhor garantia vamos
tentar contratualizar situações danosas, mas que à partida não se apresentam como contratos.
Podemos tentar contratualizar com alguns argumentos essas situações, isto leva-nos para os seguintes
casos: (ver os apontamentos do Brandão Proença para resolução)
29
1. André indicou ao vendedor o objeto que pretendia comprar. O vendedor, ao pegar no
objeto, deixou-o cair, ferindo André. Como indemnizar os danos corporais de André?
Ainda estamos num âmbito pré-contratual
;
A responsabilidade pré-contratual, é discutida, há quem diga que tem natureza contratual,
outros dizem extracontratual outros dizem que nem uma coisa, nem outra.
Romano Martinez – não decidiria desta forma. Este dano corporal não teria relacionado com
a execução do contrato introduziria apenas a tutela extracontratual para este tipo de danos.
2. Rosa, de oito anos, acompanhou a mãe a uma grande superfície, dado esta precisar de
fazer algumas compras de alimentação. Já dentro do hipermercado, Rosa escorregou
numa folha de couve, tendo sofrido danos. Supondo que a folha foi deixada cair por um
empregado do hipermercado, como indemnizar os danos de Rosa?
Neste caso, não temos contrato.
Este acidente ocorre em fase pré-contratual, pode até nem haver contrato nenhum, a pessoa só
entrou, mas não ia comprar nada.
Não havendo contrato, a Rosa será protegida de que forma?
Se entrarmos com a figura jurídica é uma dupla configuração dos deveres de proteção.
Aproximar a fase pré-contratual, em que esses deveres existem e depois estendê-los à própria
Rosa.
Nós conseguimos proteger a Rosa se dissermos que os deveres protegem a mãe e a filha,
tendo eficácia para terceiros que abrange não só o potencial contratante, mas também o
familiar.
3. Antónia, pessoa idosa, caiu, sofrendo uma grave hemorragia. A sua filha pediu ajuda a
um casal (vizinhos) para que chamassem os bombeiros. Como a vinda destes demorava,
o casal (Luís e Maria) prestou auxílio à idosa, tentando conter a hemorragia. Luís
desmaiou, sofrendo graves lesões. Responderá Antónia perante Luís?
Este caso insere-se num grupo de hipóteses em que há pessoas que procuram ajudar outras,
ou porque são chamadas ou pode o vizinho oferecer-se.
A situação não se altera, temos alguém que é assistido e alguém que funciona como pessoa
que graciosamente quer ajudar outro, só que nesses casos as coisas não correm totalmente
bem.
Este nem é o caso mais sintomático destas hipóteses, o que se pretende é chegar à figura de
ver entre a senhora assistida e este casal, uma convenção de assistência tácita.
Ou seja, não há rigorosamente contrato, não posso dizer que há contrato na forma
clássica.
Mas há uma situação factual que se aproximará do contrato tácito. A assistência tácita
não é a mesma coisa que o contrato de facto.
30
Esta figura tem dificuldades em contratualizar isto. Este senhor com hipótese de ser
indemnizado, tendo em conta que ninguém o agrediu, poderá ser considerado um risco da
própria intervenção
Esta forma como o caso foi resolvido, em que se poderá falar em espécie de contrato tácito.
Com objeto imaterial e gratuito, parece que se possa falar na escolha da via que seja mais
favorável.
4. Joaquim, tio de Carlos, de 5 anos, levou-o num passeio à Serra da Estrela. Quando
Joaquim estava a visitar certo local, Carlos, aproveitando uma distração do tio,
aproximou-se e caiu numa ravina, tendo sofrido lesões graves. Podem os pais de Carlos
responsabilizar contratualmente Joaquim?
Também não há contrato, podemos tentar defender situação próxima contratual;
5. Júlia, durante a gravidez, foi assistida pelo seu médico Romeu. Este não evitou, podendo
fazê-lo, que o filho de Júlia viesse a nascer com uma doença grave. Mais tarde, o marido
de Júlia responsabilizou Romeu por danos não patrimoniais. Quid juris?
Figura da eficácia do contrato para proteção de terceiros;
Neste caso, a proteção seria do marido de Júlia, em função do contrato celebrado com o
médico.
6. Num restaurante, numa noite de passagem de ano, Eva, quando jantava, foi atingida
num dos olhos por estilhaços de um prato. Na mesa vizinha, várias pessoas atiravam
pratos ao chão para comemorar o novo ano, tendo um dos fragmentos atingido Eva.
Esta veio responsabilizar o dono do restaurante. Com razão? A que título?
O tribunal conclui que nem tribunal contratual, nem extracontratual.
Esta situação de outras pessoas que estão no restaurante, este restaurante não tinha forma de
prevenir aquele acontecimento. Não há para o restaurante o dever lateral de evitar que outros
nos lesem, isso não faz parte destes deveres de proteção.
Por isso é que se afastou a via contratual, mas nos fundamentos da via extracontratual não se
encontrou.
Se fosse o dono a atirar os pratos, poderíamos falar de uma atividade perigosa, mas não está
aqui em causa.
Se formos para as omissões, temos que ter dever legal ou contratual, a não ser que a lei
proibisse este tipo de atividades.
Não conseguimos contratualizar isto, poderíamos talvez falar da relação obrigacional
complexa, mas não é o caso.
31
E do contrato com eficácia para proteção de terceiros.
Não se fala porque a figura não tem grande aplicação e é uma figura estudada no direito
alemão – a liquidação de dano de terceiro. (Novas tendências da responsabilidade civil –
Artigo de um Professora da Católica de Lisboa, Fernando Sá – liquidação do dano de
terceiro)
Este caso nº 4, temos uma hipótese em que há um contrato de compra e venda, o vendedor
teria que enviar a compra para o domicílio do comprador, e só ficaria dono quando
recebesse a coisa. Entretanto, a comoda é entregue a uma transportadora para se serem
entregues. Esta não foi entregue por culpa do transportador, estamos perante danos materiais.
Estamos perante danos com tutela extracontratual, se reparamos bem quando o transportador
provoca danos na comoda, o comprador ainda não tinha direito real de propriedade, logo, não
poderia invocar contra a transportada tutela extracontratual, e como não tinha feito contrato
com o transportador não tinha tutela contratual.
Então como é? O comprador fica sem a comoda? Não é indemnizado?
Aqui surge a tal figura, chamada de liquidação do dano de terceiro, como se o comprador e
vendedor tivessem feito contrato estipulando que havendo dano causado pelo transportador a
indeminização deve ser pedida pelo vendedor e ser entregue depois ao comprador.
O vendedor vendeu a comoda devia ter chegado e não chegou, verdadeiramente quem
está lesado é o comprador que será apenas ressarcido pela figura, este contrato não com
eficácia de proteção para terceiro, mas com liquidação do dano de terceiro.
A título de conclusão:
Temos que ter cuidado em identificar concursos de responsabilidades.
Por vezes, parece concurso, mas não é! Estamos é perante danos diferentes, e temos concurso
real de responsabilidades que é diferente do concurso de responsabilidades;
Temos que ver se a lei, sobre o contrato de transporte, mesmo legislação regulamentar
provinda da União Europeia, temos que olhar para ela e chegar a conclusão de que o
lesado está condicionado pela própria legislação.
Não esquecer que em certos setores não há legislação, mas que direciona o lesado num certo
sentido;
Havendo contrato, temos que ver o que consta do contrato, pode estar afastada a via
contratual, não estamos a lidar com coisas de ordem publica, este afastamento da tutela
extracontratual.
☞ Brandão Proença – a doutrina da opção, é boa! Mas também sejamos francos, uma posição
como a de Almeida Costa, é satisfatória embora seja mais limitativa. Os lesados estão bem servidos
ou com a opção ou com a consunção.
⚠️É de afastar é a ação híbrida. Porque juridicamente é algo controverso que vai chocar normas que
não devem chocar porque quer a responsabilidade contratual e extracontratual, tem princípios
próprios e se é assim, não tem sentido as misturas. Estamos a lidar com responsabilidades
diferentes.
32
PARTE III – DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
SUBJETIVA
Esta como sabemos é a responsabilidade civil principal. Mas é uma responsabilidade que depende
do preenchimento dos 5 pressupostos, quase todos tem que ser provados pelo lesado.
Facto voluntario
Ilicitude
Nexo de imputação do facto ao lesante
Dano
Nexo de causalidade
A. FACTO VOLUNTÁRIO
Esta pressupõe um facto humano voluntário, não podemos responsabilizar os animais e as
máquinas, mas podemos responsabilizar as pessoas.
O facto tem de ser voluntário, pode ser ativo ou omissivo.
Se alguém me obriga pela força a lesar alguém, não há facto voluntário da minha parte, ou se
eu por causa de rajada de vento mais violenta e essa pessoa cai, também não pratica facto
voluntário.
Já na responsabilidade objetiva, a conduta humana não é tao importante, o que é mais
importante é o evento danoso. Até poderemos dizer que é uma responsabilidade que
prescinde do facto e prescinde da ilicitude. Vamos sobretudo olhar para os eventos danosos,
não nos preocupamos tanto com aquilo que o condutor fez ou não fez.
33
Ele atropelou alguém e não podendo ser responsabilizado subjetivamente, temos que olhar
para o evento de atropelamento, e iremos responsabilizar ou não pelo risco.
Facto voluntário não é sinonimo de facto intencional. Ou seja, o que interessa para a
responsabilidade subjetiva é a voluntariedade é praticar algo que a minha vontade está a
controlar, agora se estou com intenção ou sem intenção, não interessa para este primeiro
requisito.
É por isso que se diz que os próprios inimputáveis podem praticar factos involuntários.
Exemplo – duas pessoas que estão a conversar e uma delas está a gesticular muito e parte uma
jarra, há facto voluntário ou não? Sim há. É o facto voluntário praticado sem consciência.
Há determinadas situações em que há dúvidas, em que ao lesado se pode ou não imputar facto
voluntário. Em 1967 o STJ decidiu um caso, de um atropelamento na Foz de uma pessoa que andava
a passear e há uma vaga do mar que surge inesperadamente e a pessoa por instinto salta para a faixa
de rodagem e é atropelada. Discutiu-se se o acidente podia ou não ser imputado ao lesado. É
discutível se é facto voluntário. Nestes casos, em que é o instituo de conservação da vida, em que a
pessoa age por reflexo, não parece que haja facto voluntário.
B. ILICITUDE
A ilicitude civil (rectius, o facto voluntário ilícito) avoca uma ideia de antijuridicidade
(Rechtswidrigkeit) ou de contrariedade ao direito (quod non iure factum est, hoc est contra
ius), mas não se confunde com a ideia de ilegalidade No direito romano havia o delictum, ou
seja, e segundo SANTOS JUSTO32, “o acto ilícito sancionado com uma pena”.
O ilícito corresponde ao que os romanos chamavam de delitum.
Os ilícitos civis e penais andaram muito tempo juntos, mas quando ouvimos falar de ilícito,
associamos à ideia da prática de um facto antijurídico, em que alguém fez algo que não devia
ter feito, fez algo que deve ser reprovado.
Só que na responsabilidade civil temos dois níveis de reprovação:
o reprovação objetiva, na ilicitude procuramos distanciar da pessoa em concreto que
praticou aquele ilícito.
o reprovação subjetiva, a questão da culpa, como vamos ver se fez e não devia ter
feito, porquê que fez, se fez porque quis fazer ou não quis fazer.
Não me parece que a ilicitude seja sinonimo da ilegalidade. A ilegalidade é mais restrita
do que a ilicitude também não parece sinonimo de irregularidade. Já parece mais próximo da
32
Direito privado romano, II (Direito das Obrigações), 3ª ed., 2008, p. 119. Havia vários delicta (furtum, rapina, iniuria e
o damnum iniuria datum), tutelados por actiones. A iniuria consistia na ofensa à integridade física ou moral, enquanto o
damnum iniuria datum consistia na “produção culposa de um dano em res alheia”. Na Lex Aquilia estava prevista a
morte do escravo ou do quadrúpede alheio, sendo exigido a iniuria, o dano e o dolus ou culpa.
34
expressão contrariedade à lei, e também parece próximo do abuso de direito, é um ilícito –
art.334º CC. Podemos utilizá-la para captar a ideia do que é uma ilicitude.
33
Para MENEZES CORDEIRO a culpa contratual corresponde ao conceito francês de faute, ou seja, abarca a ilicitude.
35
Exemplo – Condutor que vindo a conduzir normalmente, atropela um peão, vem atento. A
violação do direito à vida de alguém, à partida da origem a um quadro de ilicitude, só existe
se não houver causas de justificação e aqui até podemos pensar que o peão se queria suicidar,
aqui temos de excluir a ilicitude. Por isso, é que não devemos ver a ilicitude do lado do
resultado, mas sim do lado da conduta.
Menezes Leitão - conceção particular sobre o que é a ilicitude, adota uma conceção que
encontramos mais no direito penal, designada como finalística. Aqui temos que ver se o fim
da ação é proibido ou não, sendo certo que só há ilicitude se houver dolo, não havendo dolo,
não haverá ilicitude.
Existe uma coisa perigosa, de misturar a ilicitude e culpa (Antunes Varela chama atenção
para isso).
No CC, fala daquilo que se chama de hétero ilicitude, ou seja, uma ilicitude perante o outro,
ao lesar o outro à partida cometo um facto ilícito, pergunta-se haverá também uma espécie de
Auto ilicitude? É possível afirmar em ilicitude contra a própria pessoa.
o Há peões que não cumprem o código da estrada, atravessam fora das passadeiras, no
Código da Estrada leva a contraordenação e se o peão é atropelado. Cometeu um
ilícito civil?
o E a pessoa que envolvida no acidente de viação, não levava cinto de segurança e sofre
lesões mais graves do que sofreria? Aqui há ilicitude civil?
o Ou os ciclomotoristas que não levam capacete de proteção.
Esta questão é importante porque se existir um ilícito civil, nos podemos sancionar e reprovar a
conduta, mas sobretudo a legitima defesa só é possível se houver um ato ilícito – art.337º CC.
A pessoa que quer destruir um bem valioso que é seu, será que perante esta conduta, pode
alguém intervir em legitima defesa ou não?
No caso da tentativa de suicídio, se esta for uma ilicitude, então aqui há legitima defesa. Se
existe ilícito perante o outro e perante o próprio existem consequências práticas,
realisticamente só podemos definir um ilícito perante o outro, nem o nosso legislador pensou
noutra coisa.
Nestes casos supra, podemos falar das culpas dos lesados, não há propriamente de ilícitos
dos lesados, é certo que as normas não foram observadas, mas também a lesão foi nos
próprios, não houve lesão de ninguém, aceitamos em falar em culpa do lesado.
Estas normas que nos obrigam a certos comportamentos, não são apenas ditadas para nossa
proteção, quando o código da estrada me obriga a colocar o cinto não está a pensar apenas em
proteger-me, mas há outros interesses que estão a ser salvaguardados.
1.1. Há aqui uma preocupação de se proteger os outros, mas afinal para que serve a
ilicitude?
O legislador entendeu que há que balizar a liberdade de cada um, cada um deve saber o que pode
fazer e o que não pode fazer. Eu tenho cada um de nos sabe até onde pode ir, aquilo que já vai
receber. E também tenho que saber se as pessoas a que se lesa, se todas ela tem direito ou não a ser
indemnizadas. Também tenho que saber isso, e sei isso através do pressuposto da ilicitude e quando
vejo que o legislador considerou como condutas ilícitas, ou seja, conhecendo o âmbito da ilicitude
sei o que posso fazer e o que não posso fazer.
36
Exemplo – condutor atropelou um pianista, este atua num restaurante ao fim de semana. Pode o
dono do restaurante responsabilizar o condutor?
Neste caso, o dono do restaurante não pode ser indemnizado, e o atropelante não será
responsabilizado pelo dono do restaurante porque aquilo que o dono do restaurante sofreu é
aquilo que chama de perdas patrimoniais.
O dono do restaurante sofre de danos puramente patrimoniais, estes danos não houve aqui
violação de direitos absolutos do dono do restaurante, foi apenas afetado no seu
património, este que não constitua objeto de direito absoluto.
Não pode invocar ilicitude na forma de violação de direitos de outrem e não há lugar a
indeminização deste tipo de dano puramente patrimoniais. Para que isso acontecesse o dono
do restaurante teria de alegar e provar que o atropelante violou norma que protegesse
interesse dele, dono do restaurante. Ou teria de alegar abuso de direito, algum ou alguma
ilicitude especifica.
Este exemplo mostra que é a ilicitude que nos diz, baliza a nossa conduta e diz-nos o que
podemos e não podemos fazer, em função desta determina-se os danos que podem ser
ressarcidos. Não há problema quando são violados direitos absolutos. Ou então quando há
violação de normas protetoras de interesses ou então algum dos casos especiais de ilicitude.
A grande função da ilicitude é a de limitar o neminem laedere (que liberdade no agir e no
omitir?), circunscrevendo a zona dos danos indemnizáveis, ao mesmo tempo que traduz uma
reprovação, uma carga preventiva-sancionatória.
1.2. De que ilicitude se fala? Da heteroilicitude? Ou também da ilicitude contra nós mesmos
(Quod quis ex culpa sua damnum sentit, non intelligitur damnum sentire)?. Há ilicitude
quando o peão é atropelado com culpa sua? Violou algum dever semelhante ao dever geral de
respeito? Podemos violar os nossos direitos ou as normas que nos protegem? Sobre um
eventual lesado recai algum dever geral de prevenção do perigo? Há para o lesado o reverso
simétrico do art. 483º, 1? É possível configurar um abuso do direito num uso
desproporcionado de um direito meu mas que não interfira com os outros? Qual o valor da
autolesão, da tentativa de suicídio, do ato destruidor de bens? Interesse da questão: havendo
ilicitude pode surgir legítima defesa, havendo ilicitude tout court posso “sofrer” certas
sanções.
Âmbito da ilicitude: O nosso legislador tinha de nos dizer quando há e quais os casos que conduzem
a condutas ilícitas, o nosso legislador seguiu um caminho, nem muito aberto, nem muito restrito,
ficou numa via intermedia.
No código francês, é muito aberto. No sistema alemão é um sistema mais restritivo, o nosso ficou em
caminho intermedio e consagra as formas gerais de ilicitude, de direitos de outrem e de normas
protetoras de interesses de outras.
37
VAZ SERRA não acolheu a fórmula italiana, genérica e equívoca, do “dano injusto” 34 ou outras
linhas mais gerais (a francesa – “dommage réparable” - ou a dos sistemas de common law),
preferindo acolher um critério de base germânica (igualmente existente nos diplomas suiço,
holandês, austríaco), relativamente tipicizado, com extensão à zona dos interesses juridicamente
protegidos e relevando alguns ilícitos mais específicos (arts. 484º a 486º).
Aula 4 – 13/10/2021
Há pessoas que sofrem danos puramente patrimoniais, e estes desde que não tenham
resultado da violação de um direito protegido pelo 483º CC, direito de personalidade ou real,
esses danos puramente patrimoniais, não são pura e simplesmente, ressarcidos. (Graça
Trigo, nota isso mesmo no Ac.12/09/2019.)
Estes danos, podem ser ressarcidos noutras situações de ilicitude que veremos de
seguida.
Se A dispõe do direito de B (por ex., o terceiro forja a qualidade de credor; o cedente remite o
crédito com o devedor) A pode ser responsabilizado por lesão/apropriação do crédito em si
(coisificação do crédito). Seguramente que na expressão do art.483º,1, estão abrangidos os
direitos de personalidade, reais, de autor sobre obra literária e programa informático.
E o direito à empresa? SINDE MONTEIRO e MENEZES LEITÃO aceitam;
E os direitos de crédito? Abarca o art.483º/1 os direitos relativos? Não abarcando o
incumprimento, que provoca responsabilidade obrigacional, há dever de os terceiros
respeitarem os créditos, com subsunção ao quadrante do art.483º/1?
Se houver (como pensam alguns autores quanto à indução dolosa ao
incumprimento), fica resolvida, por ilicitude direta, a questão da sua interferência
nos créditos existentes
Se não houver, a sua responsabilização terá de conhecer um fundamento
específico (concorrência desleal, abuso do direito, nulidade do contrato concluído
com o devedor por força do art.281º ou por ofensa aos requisitos da licitude
patentes no art.280º/2).
34
Igualmente refletida no Decreto 32171, de 1942. Hoje, no sistema italiano, equivale a situação juridicamente tutelada
(mesmo constitucionalmente), distinguindo a melhor doutrina (SALVI, LIBERTINI, MONATERI) o dano da ilicitude. A
ambiguidade do critério legal tem consequências paradoxais pois se alguém utilizasse um bem alheio sabendo que não
lhe vai causar dano não haveria ilicitude… Abarca hoje atuações contra a pessoa (direitos pessoais), contra o património
(emissões, ambiente, direitos reais), ataques aos direitos de crédito (cumplicidade do terceiro no incumprimento) e
mesmo a integridade do património (o caso da venda de um quadro que afinal era falso).
38
☞A questão que temos de tratar, é de saber como é que o nosso legislador definiu o chamado o
âmbito material de ilicitude, se foi mais expansivo ou restritivo?
Nos elementos de apoio, temos as perspetivas do legislador que se referem ao âmbito da
ilicitude. E na verdade, os legisladores tem diferentes formas de definir o âmbito da
ilicitude, uns são mais generosos de que outros.
No Código de Seabra, apenas se considerava como situação inicial de ilicitude, a violação
de direitos de outrem, não colocava a hipótese de violação das normas protetoras de
interesse.
O nosso legislador ficou numa posição intermédia, não foi tao aberto como francês, mas
também não foi tao fechado como o alemão.
O nosso legislador não acolheu um âmbito de ilicitude que cubra certos danos patrimoniais
puros (derivados da concessão de crédito, de informações financeiras inexatas, auditorias ou
peritagens deficientes, interferências de terceiros – os cable cases)
Este meio termo, consiste no art.483º CC, na definição do que constitui as grandes
previsões de ilicitude civil, ou os grandes casos de ilicitude civil:
Primeiro relaciona-se com a violação de direitos de outrem;
Segundo grupo com a violação de qualquer disposição legal destinada a
proteger interesses alheios.
O nosso legislador não acolheu um âmbito de ilicitude que cubra certos danos patrimoniais
puros (derivados da concessão de crédito, de informações financeiras inexatas, auditorias ou
peritagens deficientes, interferências de terceiros – os cable cases). Os danos puramente
económicos (pure economic loss) são os que atingem o património (individual e
empresarial?) sem que haja lesão de um direito protegido (não confundir com a parcela
patrimonial dos danos sofridos pelos lesados).
Nós temos necessidade de colocar questões, perguntando por exemplo, se apenas constitui
ilicitude a violação de um direito, será que não constitui a violação de uma expetativa
jurídica? Embora o 483º não se refira as expetativas jurídicas, Brandão Proença julga que
nada impede que tendo havido violação de expetativa jurídica se possa colocar uma
questão de ilicitude.
Como o dano jurídico está circunscrito pela ilicitude não é possível defender esse tipo de
danos no domínio extracontratual sem que haja lesão de direitos absolutos, normas genéricas
que protegem certos interesses, comportamento abusivo caracterizado por conduta fortemente
censurável ou regulação legal específica (o caso do artigo 495º do CC e do artigo 10º do
CVM – responsabilidade dos auditores por danos a emitentes e a terceiros por deficiência do
relatório ou parecer). É assim preservada, segundo CARNEIRO DA FRADA, uma
determinada “liberdade de atuação”, mesmo económica (concorrência no mercado).
No exemplo de ANTUNES VARELA (se A atropela B não será obrigado a
indemnizar o dono do teatro onde B deveria atuar, nem o arrendatário do bar que não
funcionou;
Nem o crítico teatral que não recebeu a respetiva remuneração);
39
Caso recolhido da jurisprudência australiana (A, agricultor, sofreu prejuízos na venda
de batata, que não na batata em si, pelo facto de B, seu vizinho, ter plantado um tipo
de batata infetada) vê-se uma aplicação dessa ideia.
Atenção ao consagrado nos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil
(o artigo 2:102 (4) prevê como interesses protegidos os interesses puramente
económicos) e no DCFR (a responsabilidade por informações incorretas e a indução
ao incumprimento são exemplos de ressarcimento de danos patrimoniais puros –
artigos VI. - 2:207 e 2:211).
Menezes Cordeiro, entende que a violação dos direitos de crédito podem gerar uma
responsabilidade extracontratual. Não está a pensar nas situações em que o direito de
crédito não é cumprido.
☞ Se um terceiro interfere com uma relação contratual existente?
Doutrina moderna – a obrigação tem eficácia externa, devendo os terceiros respeitar todos
os direitos alheios (incluindo a posição de credor). O corolário desse dever é o surgimento de
uma responsabilidade civil com fundamento nos art.483º CC e 490º CC (solidariedade
perante a cumplicidade – o devedor pode igualmente agir apenas para prejudicar o credor
face a preço idêntico oferecido por terceiro).
Há um autor que defendeu esta ideia na tese – Santos Júnior – tutela extracontratual para
estes casos de interferência de terceiros nos tais direitos de crédito, embora exige-se por
parte de terceiros um comportamento doloso.
☞ Animais de Companhia:
A introdução recente no CC, em 2017 no art.417ºA – faz também pensar que constitui um
ilícito civil a violação e na medida em que a hipótese não caberia no art.433º - os animais não
estão equiparados a coisas, mas este artigo cria uma hipótese especifica de ilicitude e
relativamente a outras pessoas que tenham socorrido animal e tenham tido despesas.
Essas pessoas têm direito a serem indemnizadas, por expressa, previsão legal serão reparados.
40
Temos o campo relacionado com a violação de direito de outrem e o campo relacionado
com a lesão e morte de animal, sobretudo animais de companhia.
41
proteger os utentes, neste caso, os autores da ação não pertenciam ao círculo da proteção que
as normas visam assegurar. Como os autores não eram os próprios utentes, entendeu-se que
não estava preenchido o pressuposto da ilicitude civil.
Ac. TRC 15/07/2008 – através de sistema de videovigilância diz que as normas para a
instalação de videovigilância, não regula interesses particulares e prosseguem apenas
interesses da ordem publica.
Ac. TRC 13/11/2013 – normas quanto ao regime jurídico de urbanização, entendeu-se que a
norma relativa ao regime jurídico de urbanização tem carater bifronte, porque tutela
interesses públicos e particulares, que visam a responsabilidade civil
Ac. STJ de 12/02/2009 – ‘’age com abuso de direito a seguradora que trata o sinistro como
acidente de trabalho e em função do seu estado, faz cessar a aprestação, recusando a
prestação médica, porque o evento não teve aquela natureza (..)’’. A seguradora deve
indemnizar os danos sofridos pelo autor, com fundamento na sua conduta abusiva.
Ac. TRL 24/11/2009 – ao lado dos casos de ilicitude do 483º, podemos acrescentar o abuso
de direito.
42
A própria jurisprudência, tem consciência de que o abuso de direito não se restringe apenas a
um papel neutralizador, mas pode constituir uma situação de ilicitude civil.
O abuso do direito no seu papel neutralizador (e resultante, em rigor, do disposto no
art.334º), sintonizado com a boa-fé, compreende o abuso no exercício de certas posições
jurídicas (por ex., do terceiro que, com má-fé, invoque o art.435º/promitente-comprador que,
comportando-se como se o contrato fosse válido, vem, passados meses, arguir a invalidade).
A coloração extracontratual da figura tem interesse para a colisão danosa com direito
alheio (A exerce o seu direito para prejudicar B) e para a área da lesão dos créditos sob a
forma de abuso da liberdade de contratar (indução do devedor ao incumprimento ou
conclusão de contrato em sobreposição com o existente, mas já não se o terceiro de boa-fé
aceita uma proposta feita pelo devedor). Se A dá preferência a B e acaba por vender a C, este,
à partida, age ao abrigo da autonomia privada não tendo que indemnizar B. Já no exemplo de
FERRER CORREIA/VASCO XAVIER (A, distribuidor de combustível, induz certos
revendedores a quebrar o contrato com outro distribuidor, pagando as cláusulas penais
existentes nos respetivos contratos) seria possível condenar A por conduta abusiva). SINDE
MONTEIRO, para aplicar o art.483º na lesão de direitos de crédito, exige dolo e lesão dos
bons usos da vida social, MENEZES LEITÃO avoca “o único fim de lesar” em casos em que
só o devedor possa fazer a prestação (como suporte do art.334º), não bastando o mero
conhecimento do crédito, ALMEIDA COSTA teoriza o abuso como critério (delitual) de
imputação objetiva à margem da culpa e MENEZES CORDEIRO, para aplicar o art.483º
(violação do direito do credor, ou seja, oponibilidade erga omnes), exige um prévio abuso da
autonomia privada, mas não sendo o abuso critério responsabilizante (não parece que haja
responsabilidade se o terceiro contrata sem intenção lesiva). A eticização das condutas, a
tutela dos créditos e a faceta preventiva da responsabilidade como argumentos a favor da
doutrina da “externalidade” dos créditos.
43
⚠️ Se o facto é verdadeiro, mas diz respeito à vida privada, se este viola um
direito de personalidade, faz incorrer o seu autor numa ilicitude, não pode
sequer o divulgador invocar uma qualquer razão que exclua a ilicitude porque é
um conhecimento que não interessa, não há interesse publico legitimo.
1.6. Anteprojeto Vaz Serra, o Ac. de 26 de Março de 1980 e o papel divulgador de Menezes
Cordeiro.
Menezes Cordeiro - tem uma visão cética do 486º, porque se há um dever de intervenção
legal deve ser responsabilizada ou estamos perante situações como o 491º, 492º e 493º, e o
496º não acrescentaria nada, porque se há dever negocial e este não é cumprido caímos sobre
a via responsabilizacional.
Menezes Cordeiro entra com uma figura importante na responsabilidade civil que a
jurisprudência faz aplicação frequente – dever da prevenção do perigo ou deveres no
tráfego, entende que este artigo 486º serve de base legal para a defesa desses deveres de
prevenção do perigo ou deveres no tráfego.
44
Os chamados deveres de prevenção do perigo ou deveres no tráfego (árvores, armas, piscinas não
protegidas – limite à assunção de risco por parte de crianças35, buracos) reconduzem-se ao artigo
483º,1 ou estão mais próximos das condutas omissivas como pretendia VAZ SERRA?
Estes deveres de prevenção do perigo ou deveres no tráfego foram considerados pelo Vaz
Serra, na norma do anteprojeto na norma das omissões tínhamos estes deveres tinha
consciência da ligação das omissões.
No entanto, trata-se deste dever de prevenção jurídico é uma construção da
jurisprudência alemã no início do século XX. Os primeiros casos em que a jurisprudência
alemã consagra estes deveres, foi com a queda de uma arvore que não tinha sido conservada e
tinha apodrecido e causou danos em prédio adjacente e num outro caso, em que uma pessoa
caiu em escadas de um edifício publico que não tinha sido limpas da neve. E que levaram os
Tribunais Alemães a construir os deveres da prevenção do perigo, devido às restrições da
ilicitude do próprio CC alemão.
☞ Como definimos estes deveres?
Todo o criador de situação particular de perigo, em lugar publico ou privado, tem um
dever de impedir a sua concretização em dano, tomando medidas, por exemplo, fecho de
portas ou chamando atenção para esse perigo, e terá que haver mais prevenção se o dano
puder ser grave se é provável, se os custos preventivos são razoáveis e se é fraca a
possibilidade de autoproteção dos eventuais lesados.
NOTA: estaleiro de construção perto de uma escola – se não estiver protegido, como a
capacidade de proteção desses alunos se for de baixa idade a proteção é mais intensa.
Não deixa de haver uma certa analogia funcional com os deveres de proteção, de conteúdo
específico e inserção negocial.
A principal importância deste dever de proteção do perigo é que mesmo que não haja normas que
indiquem ao criador do perigo o que este deve fazer, pois se houver aplicamos diretamente o 486º.
Mesmo que haja ou não, há seguramente um conjunto de cuidados que terão que ser tomados em
face das circunstâncias e que serão preventivos do perigo, estamos num domínio em que a
responsabilidade civil, está a aparecer no seu papel que por vezes é esquecido, que é o papel
preventivo.
Se a arvore está podre, tem de se cortar, tem de se vedar o acesso;
Se tenho uma arma, tenho que esconder;
Se tenho um restaurante no 1º andar, e as pessoas bebem tenho que contar que a escada tem
de estar sinalizada.
45
Ac. STJ de 29/03/2012 - caso que um jogador de casino que pediu a sua interdição, pediu à
inspeção geral de jogos a interdição de frequentar os casinos, o pedido foi deferido, para essa
pessoa nasceu a expetativa jurídica de que independentemente da sua vontade, seria impedido
de aceder às salas de jogos dos casinos, este tornou a frequentar o casino, não foi impedido de
entrar apesar da proibição que tinha sido decretada, entendeu-se que o casino violou uma
disposição da lei do jogo, porque devia ter proibido o acesso a este jogador. E incorria na
aplicação do 486º.
NOTA: Estes deveres do tráfego, devemos ler o texto com base numa hipótese prática de Rui Paulo
de Ataíde – revista de direito da responsabilidade ‘’deveres no tráfego’’, publicado em 2019, pp 95 e
seguintes.
46
Não confundir com a possibilidade de haver uma valida convenção de exclusão de
responsabilidade extracontratual – limites: lei, culpa grave, dolo, danos corporais.
Uma coisa é algo que permite justificar o ilícito e outra coisa é as próprias partes terem
através do acordo excluído a responsabilidade extracontratual, o nosso CC nada refere quanto
a estas convenções porque elas não são vulgares.
A ilicitude pode ser justificada em geral pelo exercício (não abusivo) de um direito e pelo
cumprimento de um dever mais importante (em caso de conflito entre dois deveres cuja
incompatibilidade não foi criada pelo justificante), PESSOA JORGE36 enuncia os seguintes aspetos
comuns às causas específicas da ação direta, da legítima defesa e do estado de necessidade:
“afastam um perigo de lesão ou de maior lesão”;
consistem na prática de um ato material e positivo;
pressupõem a “impossibilidade prática de recorrer aos meios normais de tutela”;
implicam uma atuação ponderada, proporcionada, ou seja, não devem provocar danos
superiores aos que se pretendem evitar.
47
☞ Causas especiais de Exclusão de ilicitude:
Ação direta – art.336º CC:
Necessidade de realizar/assegurar o próprio direito;
Recurso à força;
Proporcionalidade/contenção.
Se na ação direta – com utilidade para tutelar direitos reais e direitos pessoais de gozo 37 - é
sintomático o recurso a uma força (por ex, o dono de uma valiosa peça de arte sacra apodera-
se dela antes de ser destruída por um comodatário) não excessiva (para evitar que um ladrão
fuja o dono do bem roubado não deverá destruir o veículo se puder apropriar-se das chaves) e
que não sacrifique interesses superiores
48
z A, vendo o seu prédio em chamas, salta da janela caindo sobre o capot de um
automóvel de B
Há quem40 faça uma interpretação extensiva do art.339º de forma a incluir nele os atos de apropriação
ou detenção de coisas, a lesão de créditos sobre o bem atingido (num dos exemplos de PESSOA
JORGE, A, vendedor de um bem com reserva de propriedade, destrói esse bem para salvar um outro
bem mais valioso) ou de créditos de prestações de facto (recorrendo mais uma vez ao exemplo de
PESSOA JORGE41, um eletricista deixa de cumprir um contrato porque leva ao hospital uma pessoa
que carece de cuidados médicos urgentes). Parece-nos, contudo, que estas hipóteses terão mais a ver
com o cumprimento de um dever relativo a um bem mais importante ou mesmo com uma ideia de
inexigibilidade (de cumprimento do dever contratual).
Embora ALMEIDA COSTA admita que possam ser causados danos pessoais pouco relevantes para se
evitar a lesão de bens patrimoniais valiosos, não parece que a norma do art.339º acolha tal
solução. Do mesmo modo, não é possível vermos um estado de necessidade se A trava para evitar
atropelar uma criança, ficando ferido, com essa manobra, um passageiro transportado ou se,
para evitar uma colisão frontal, A desvia o veículo para a berma, sendo aí colhido um peão.
z Parece haver ilicitude e, consequentemente, uma obrigação de indemnização nos termos
gerais, se a situação de necessidade resultar de uma conduta culposa exclusiva do agente (por
ex,
z A, em excesso de velocidade, para não atropelar B, causa danos no prédio de C ou A;
z Apesar do aviso sobre a perigosidade do cão, liberta-o, tendo, de seguida, que o matar). Esta
mesma solução deverá ser aplicada ao que, tendo criado o perigo (por ex, incêndio por
negligência), venha a beneficiar de uma atuação alheia em seu proveito.
z Nos casos em que na origem da figura estejam causas naturais ou não culposas, se a ratio da
indemnização está mais na ideia de uma “justiça comutativa” (ANTUNES VARELA) do que
no risco (PESSOA JORGE), é incerta a pessoa sobre quem deve recair esse encargo (o
agente? o que beneficiou com a actuação do agente? o que contribuiu involuntariamente para
o estado de necessidade?).
(⚠️ O que se entende por coisa alheia? Menezes Cordeiro diz que mesmo a palavra coisa, não
significa coisa corpórea, porque pode significar bens imateriais e bens da personalidade. Esta não é a
opinião de Vaz Serra e Almeida Costa (admite que se cause lesão leve para defender e evitar que
fique destruído uma obra muito valiosa).
Menezes Leitão chama atenção para a separação do Estado de necessidade da Gestão de Negócios.
No caso desta o dano ocorre em bens do próprio gestor, se este atua para remover o perigo em
relação a alguém e vê danificada uma coisa dele gestor, aplicamos a gestão de negócios e não gestão
de necessidade. Mas também há separação do Estado de necessidade do consentimento do lesado, se
alguém utiliza carro alheio para levar alguém ao hospital age em estado de necessidade, agora se
utilizo o automóvel do próprio necessitado, já funciona o consentimento do próprio lesado.)
Consentimento do lesado – art.340º - in volenti non fit injuria – Auto disposição consciente
(ou presumida), voluntária e lícita do ato lesivo de um direito.
40
PESSOA JORGE, cit., pp. 254-256.
41
Pp. 164-165.
49
Como a responsabilidade civil diz respeito a uma esfera privada é evidente que a pessoa
pode consentir na lesão dos seus direitos e desde que consinta temos uma justificação
para esse ilícito, esta ideia já estava refletida em ideia do direito romano – não há ilicitude,
quando há vontade de sofrer o dano. Este consentimento é uma auto disposição consciente do
ato lesivo de um direito, logo, eu de forma voluntario e consciente e licita, estou a dar
autorização a consentir que alguém lese um direito meu.
O consentimento (informado) para ato médico, para acesso a dados pessoais,
para divulgação de segredo bancário e no âmbito dos seguros;
Há que distinguir o consentimento do lesado do chamado concurso de culpa do
lesado, na medida em que no primeiro existe uma atitude declarativa expressa ou não
expressa do lesado, justificadora da lesão efetiva dos seus próprios interesses,
enquanto no segundo o lesado tem uma conduta material culposa que concorre para o
dano ou o agrava. Daí, na primeira hipótese, a exclusão da responsabilidade por falta
de um dos seus pressupostos básicos e, no segundo, uma normal redução
indemnizatória no quadro principal de uma ponderação das culpas do lesante e do
lesado (art.570º).
Assunção de risco (exposição consciente a perigo típico conhecido ou
reconhecível) culposa (entrada em prédio alheio apesar do aviso do perigo) e não
culposa (participação em corrida de cavalos, jogo de futebol ou largada de
touros).
Para lá dos casos em que há consentimento do lesado, a pessoa pode expor-se
voluntariamente a certos perigos conhecidos (A aceita viajar com um condutor embriagado ou
não habilitado para conduzir).
Esta assunção do risco - que não deve identificar-se com qualquer consentimento presumido
- poderá influir no conteúdo indemnizatório a cargo do lesante se puder ser considerada
culposa (art.570º). Excetuando o caso do boxe, onde parece visível a atribuição (válida?) de
um poder de lesão, relativamente aos danos típicos sofridos em desportos que impliquem
contacto físico (futebol, andebol, judo, luta greco-romana, corridas de automóveis), mais do
que ver aí um consentimento tácito ou uma “aceitação tácita e recíproca dos riscos de
acidentes”, é mais rigoroso falar-se de uma assunção não culposa dos riscos de danos, desde
que o lesante não tenha tido uma conduta dolosa e tenha respeitado as leges artis (o que não
sucederá se, por ex., um hoquista empurrar outro propositamente contra a vedação do recinto,
provocando lesões muito graves e causa de tetraplegia).
Diga-se, ainda, que a validade do consentimento não afasta o surgimento de uma obrigação de
indemnização, atendendo à possibilidade de ocorrerem danos anormais (por ex., por
transfusão de sangue contaminado) e que a “irregularidade” do consentimento (dado para um
duelo ou para um jogo ilícito), não afastando a culpa do lesado, nem a ilicitude do ato lesivo,
submete a hipótese ao âmbito de aplicação do art.570º.
50
próprio do jogo, por exemplo, participação em corridas de cavalos, como é o caso de queda de
cavaleiros, é o caso dos jogos de futebol ou em largadas de touros.
Há em segundo lugar, de diferenciar das verdadeiras colisões de direitos das colisões aparentes –
Menezes Cordeiro e Elsa Vaz Sequeira, há colisão aparente nos casos de contitularidade regulada
de direitos, nos casos de propriedade horizontal há vários direitos em exercício, mas legislação
regula esse exercício, noa podemos falar em direitos em colisão. Também não colisão de direitos
quando em rigor só existe um direito – ac. STJ de 9/05/2006.
Exercício de um direito pode conhecer limitações sem que gere colisão com outro – relevo da
chamada adequação social;
Colisões mais frequentes:
direitos de personalidade versus direitos reais (e liberdade económica);
direitos de personalidade versus direito à liberdade de informação;
direitos de liberdade económica versus direito à preservação ambiental.
A lesão de vizinhos pelo ruído 42 pode ser resolvida pelas normas reais (emissões
acústicas), pelas normas gerais privadas de tutela dos direitos pessoais e pelo direito
administrativo ambiental.
Se os direitos em conflito forem desiguais há que fazer uma análise circunstancial, e não
meramente abstrata, para determinar o direito prevalecente (ver o chamado caso do «direito
à insolação» decidido pelo STJ no ac. de 28-10-2008 – SEBASTIÃO PÓVOAS e o caso,
mais recente, decidido pelo STJ, no ac. de 22-3-2018 – MARIA DA GRAÇA TRIGO,
relativo à incompatibilidade entre o direito ao repouso e o direito da EDP em manter um
poste “ruidoso” de média tensão).
Nesses critérios de prevalência circunstancial, MENEZES CORDEIRO salienta:
antiguidade relativa;
a avaliação dos danos (não só económicos) do não exercício do direito;
a avaliação dos lucros (não só económicos) do exercício do direito;
a prevalência em abstrato (de um direito pessoal sobre um direito real – pode tratar-
se de uma valoração constitucional);
o sacrifício recíproco/cedência mútua e a composição aleatória;
Também ELSA VAZ SEQUEIRA43 advoga, como critérios de aferição da prevalência, o
«interesse ou fim em concreto», a «minimização dos danos», a «probabilidade do dano» e os
«lucros do exercício». Há que não esquecer que, muitas vezes, é possível encontrar-se
42
Ver o ac. do STJ, de 27-02-2020 (MARIA OLINDA GARCIA).
43
Colisão de direitos, in Cadernos de Direito Privado, nº 52, 2015, pp. 33-34.
51
soluções ponderadas ou proporcionais, limitando o horário de funcionamento dos
estabelecimentos comerciais (ou de maquinismos geradores de ruído) ou impondo medidas
de isolamento acústico44.
A jurisprudência adota o chamado princípio da “concordância prática” 45 (cfr. o art.18º, 2 da
CRP) ou “compressão recíproca”, de cunho ponderativo, auxiliado pela adequação social e
pelo princípio da proporcionalidade (o que afastará, em regra, a prevalência absoluta de um
direito sobre o outro) e pela interpretação/aplicação de normas de direito internacional (por
ex., a CEDH46).
Se os direitos são iguais, qual a solução no caso de não ser possível aplicar o critério do nº 1
do art.335º? MENEZES CORDEIRO aceita que um deles possa ser considerado superior
(pelos critérios aduzidos).
Aula 5 – 20/10/2021
44
Ver os acs. do STJ, de 13-09-2007 (ALBERTO SOBRINHO) – direito ao repouso/sossego v. laboração de padaria e de 18-
09-2018 (LIMA GONÇALVES) – direito ao repouso v. laboração de lavandaria.
45
O princípio é, sobretudo, aplicado no conflito entre direitos fundamentais individuais (honra, bom nome) e a
liberdade de imprensa (ver o ac. do STJ, de 13-07-2017, relatado por LOPES DO REGO e anotado por FILIPE
ALBUQUERQUE MATOS nos Cadernos de Direito Privado, nº 62, 2018, pp. 14 e ss.). Ver, ainda, os acs. do STJ, de 18-06-
2009 (ALBERTO SOBRINHO) – liberdade de imprensa exercida com lesão do bom nome e reputação e de 17-12-2009
(OLIVEIRA ROCHA). Diz-se neste último que “há que entender que a liberdade de expressão não possa (e não deva)
atentar contra os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à imagem, salvo quando estiver em causa um
interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal
divulgação. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade”).
46
Cfr. o ac. da RC, de 14-12-2020 (LUÍS CRAVO) num conflito entre o direito ao bom nome e o direito à liberdade de
informação. Neste conflito é importante ter em conta decisões do TEDH na aplicação que faz do art. 10º da CEDH.
52
z Ac. STJ 18/09/2018 – lavandaria que funcionava no rés do chão, e uma
senhora que habitava no 1º andar, colocava o direito ao descanso, agravado
pela saúde da senhora
z Ac. STJ 20/04/2021 – atividade industrial de secagem de palete que
funcionava 24/7, produzindo imenso ruido.
53
Colisão entre direito à liberdade de expressão/liberdade de
imprensa/informação vs. Direito à honra/bom nome/reserva da vida privada.
z Ac. CEJ do Abel que estava em causa uma situação deste tipo. TRL ainda
recentemente decidiu sobre uma colisão deste tipo.
z Ac. STJ (relator Lopes) 13/06/2017 – Filipe Albuquerque Matos – ver
tese.
Mas como é que sabemos qual o direito que deve ser considerado superior?
A chamada prevalência abstrata tem sido muito usada pelos tribunais. Hoje em
dia, já não se faz muito isso, a não ser que não haja hipótese de resolver por outra
forma.
A doutrina tem tido um papel integrador deste critério do nº2 do 335º CC –
Menezes Cordeiro e Elsa Vaz Sequeira, tem indicado critérios para a fixação da
prevalência, o que não quer dizer que essa fixação permita resolver logo o
problema. Atentemos:
z Não sendo exercido um desses direitos, qual deles é que provoca mais
prejuízos.
z Qual dos dois gere mais lucros? Deve ser prevalecente o que sendo
exercido terá maiores lucros.
Temos que olhar para a forma como os tribunais decidem estas decisões, numa
fase inicial, tínhamos decisões da prevalência abstrata, mas nos nossos dias, o que
temos defendido é um critério da concordância pratica. Há quem fala de
harmonização. Há quem fala da compressão recíproca. E ainda o critério da
proporcionalidade.
Estes critérios significam todos a mesma coisa. São sobretudo aplicados na
colisão de direitos de 1º tipo – personalidade vs. Propriedade ou liberdade
económica. Os tribunais procuram uma harmonização.
Ou seja, em vez decretar que a atividade económica cesse, o tribunal não decreta
isso a não ser que essa seja a única solução. Mas que a máquina por exemplo,
funcione menos horas. Tentar que os dois direitos no fundo possam ser exercidos,
não de forma integral, mas havendo algumas cedências sobretudo por parte do
direito que em teoria deve ser considerado menos importante.
Há aqui um ponto que não devemos esquecer, isto é, fazemos parte da União
Europeia, há textos legais a que os tribunais estão vinculados, há decisões que tem
de ser observadas. E nesta matéria é cada vez mais frequente quando está em
54
causa direitos de personalidade, liberdade de expressão, conflitos com o direito à
honra – invocar-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, Carta dos
Direitos Fundamentais do Homem.
Na convenção dos direitos do homem, no art.10º - sobre a liberdade de expressão,
em que esta é vista com certa predominância e os nossos tribunais têm aí tendência
para dar ponderância à liberdade de imprensa e informação e só secundariamente
analisam os aspetos da honra.
a) Pode Abel reagir judicialmente contra Celso para ser compensado dos seus danos?
Temos violação de direitos personalidade – bom nome do profissional, da sua imagem.
Direitos reconhecidos pela CRP e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Há um aspeto processual importante – processo especial de tutela de personalidade – art-
878º e 879º CPC;
Quando há iminência de ofensa ou ofensa continuada, pode a titular do direito reagir,
pedir ao tribunal que condene o lesante a parar com a violação.
55
c) Como decidiria o tribunal, reconhecendo a conduta ilícita de Celso, mas também o seu
direito de exercício da liberdade de imprensa?
Nesse caso do Abel, também há colisão de direitos, com invocação da concordância pratica,
tentar a harmonização caso seja possível – art.10º da Convenção dos Direitos do Homem e
uma visão secundária das restrições desse direito de liberdade de expressão.
1º) Poderá Carla exigir judicialmente que Elsa seja vinculada a adotar medidas que impeçam
os seus cães de ladrar?
2º) Admita que o tribunal reconhece a Carla um direito ao descanso, e a Elsa um direito à
salvaguarda da sua segurança e da sua moradia. Que decisão deve ser proferida?
Neste conflito, estava em causa, o direito ao descanso da Carla e da sua filha e estava em
causa o direito de propriedade da vizinha, e o direito à segurança pessoal porque tinha
um cão de guarda.
Referencia à Declaração dos Direitos Homem e Convenção dos Direitos do Homem.
Processo especial para tutela de personalidade – art.878º e 879º CPC;
É na parte da colisão em que estamos perante desiguais, não podemos fazer prevalecer o
direito da Carla, e tanto errado é que se entendeu que era direito da Carla que deveria ser
comprimido, no caso em concreto, tinha que suportar porque rigorosamente não era
muito afetada no seu direito ao repouso.
56
CASO 3 - CHEF SOJA (ver soluções página CEJ)
Este caso revela a violação de vários direitos de personalidade – nome, pseudónimo,
reservada da vida privada, imagem;
Existem alguns aspetos, como os pedidos indemnizatórios que foram feitos questiona-se os
danos punitivos. No nosso direito não se pode incluir os lucros que os comerciantes tenham
conseguido à custa da violação dos direitos de personalidade.
C. CULPA
A culpa é o pressuposto mais estigmatizante da responsabilidade civil. Ninguém quer ser
culpado;
Diz-se sempre que “os culpados são os outros”. O culpado foi Adão, Eva ou a serpente? O
lesante dirá que o lesado foi o culpado e o lesado dirá que a culpa foi do lesante. E há sempre
alguém que dirá que o outro foi mais culpado. Se as crianças não têm culpa de não ter culpa,
há quem não se possa desculpar com as culpas alheias. Há a culpa efetiva ou provada, a
presumida, a culpa contra si mesmo, a culpa individual, a culpa organizativa 47, há a culpa in
vigilando, in instruendo, in educando, a culpa subjetiva, a culpa objetiva, a culpa psicológica,
a culpa normativa, a culpa como vontade deficiente, a culpa como conduta deficiente, a
inconsciência da culpa, há a aparência de não haver culpa e há diversos graus de culpa.
47
Ver SINDE MONTEIRO na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 139º, 2009, pp. 130 e ss.
48
O cuidado entre a ilicitude e a culpa, Revista de Direito Civil, 4, 2017, p. 840.
57
No OJ Inglês tem um sistema próprio, não tem um conceito unitário de culpa, eles têm a
separação entre negligencia e o dolo. Mas não há separação entre o que seja ilicitude e
culpa.
Quando se fala em culpa, podemos encontrar outra expressão para designar este pressuposto -
.. subjetiva. No nexo de causalidade, estudamos o nexo de imputação objetiva, aqui vamos
imputar a alguém um facto, uma conduta e vamos imputar no sentido de concluir pela
censura da conduta.
Enquanto na ilicitude temos censura objetiva, do condutor que conduza a mais de 120 km –
pratica um ilícito, mas nós na perspetiva da ilicitude, vamos reprovar a condução.
58
A culpa é quase sempre individual. Na parte dedicada à responsabilidade civil do
CC, ligada ao lesado a analise da culpa, mas numa sociedade como a nossa complexa
em que as organizações e empresas não são simples, meios complexos, não só
recursos humanos e ainda máquinas.
Há danos provocados por uma culpa que não se pode chamar individual, por
vezes, nem se sabe se há culpado tem se falado, é a chamada culpa de organização.
Pode ter a ver com o setor empresarial.
Temos a responsabilidade dos comitentes e comissários – é o comitente que
escolhe mal o comissário ou dá instruções erradas – logo, o art.500º não é exemplo de
culpa de organização.
Ac. STJ 31/01/2012 – passageiro do comboio ficou preso numa porta, e chegou-se à
conclusão de que naquela plataforma, não havia funcionários para prevenir o acidente.
O STJ entendeu desse ponto atribuindo à empresa ferroviária a culpa pelo acidente.
Esta culpa de organização já não é tao estranha ao direito público.
No art.7º da Lei 67/2007, que fala do funcionamento anormal do serviço. Temos que
ter presente que a questão da culpa não se resolve do ponto de vista individual, mas
temos que culpabilizar o gestor da organização a quem compete a organização
daqueles serviços e a quem imputamos por falhas dos recursos humanos e do
funcionamento daquela natureza.
No texto dos princípios europeus da responsabilidade civil – a responsabilidade que
assenta na culpa organizativa – ‘’responsabilidade empresarial’’.
No CC o legislador nas normas que interessam à culpa, no art.490º e vemos a
responsabilidade de autores, instigadores e auxiliares, o legislador teve consciência
que por vezes, o dano é resultado da comparticipação das pessoas, tendo todas atuado em
conjunto. Também temos o instigador e podemos ter os auxiliares, aqueles que são
cúmplices do ato ilícito, todos eles vão responder. É uma espécie de culpa coletiva, a
conduta é só uma, não existem várias.
Temos que separar esta hipótese do 490º dos casos em que há responsabilidade
solidária, uma coisa é a comparticipação, a conduta é única, outra coisa diferente é
termos três pessoas ou mais e todas elas concorreram de forma autónoma. Mas culposa
para a verificação do dano. Um peão pode ser atropelado por dois condutores. Temos dois
culpados, com condutas diferentes, e aplica-se o 497º CC e não o 490º CC.
Até sabemos que estamos perante condutas diferentes, porque as culpas dos condutores
podem não ser iguais, e isso vai ser importante para o direito de regresso e para o direito
de regresso que tem sobre o outro, condicionado pela medida das respetivas culpas e
consequências que delas advier.
O que não é possível é censurar alguém sem esse alguém ser imputável, a
imputabilidade é pressuposta prévio da censura, não podemos censurar inimputáveis. O
nosso legislador afere a imputabilidade por dois critérios - é imputável quem tiver
capacidade de querer e entender;
Só há um caso de imputabilidade presumida – menores de 7 anos; até aos 6 anos
completos, ela presume-se inimputável, isto é uma presunção relativa, é possível provar
que a criança tinha a dupla capacidade de entender e querer. Mas também é possível
59
provar que o menor de 12 ou 13 anos, no momento em que praticava o facto ilícito, agiu
num estado de imputabilidade.
Também há casos de inimputabilidade transitória/passageira, pessoas que sendo
normalmente imputáveis, por uma razão ou outra, praticam um facto ilícito em
estado de inimputabilidade. Esta inimputabilidade é involuntária. Houve circunstâncias
alheias
a sua vontade e não podem ser censuradas.
Será diferente se a inimputabilidade transitória for voluntaria, quando a pessoa toma
drogas ou bebidas alcoólicas, colocando-se porque quer só que nesse caso, são os casos
em que as pessoas respondem como imputáveis. Se o agente se colocou culposamente
nesse estado – art.488º CC;
O legislador quando tratou os inimputáveis deparou-se com a dúvida de que por um lado,
teve a perceção de que estas pessoas não eram passiveis de censura, rigorosamente, não
poderiam ser responsabilizados, mas por outro lado, também olhou para os lesados e
pensou que aquela pessoa é imputável, mas irá ficar sistematicamente sem
reparação, não será justo que em certos casos possa haver reparação.
Por isso, o legislador nos deu uma solução de compromisso no art.489º. Mesmo assim o
tribunal só responsabiliza, mas só há reparação na hipótese de não ser possível obter
reparação das pessoas com encargo de vigiar esses inimputáveis. Esta reparação a
cargo dos inimputáveis tem natureza subsidiária. Nunca é a título principal.
Também é certo nem todos os inimputáveis tem vigilantes. Os menores têm que são os
pais. Nas inimputabilidades transitórias não há vigilantes.
Acidente de viação causado por pessoa não imputável – 503º/2) CC;
A Doutrina preocupa-se em encontrar fundamento do art.489º CC – há quem diga que o
legislador institui uma responsabilidade objetiva, sem culpa – Almeida Costa.
Antunes Varela entende que a responsabilidade dos inimputáveis não deixa de ser
responsabilidade por factos ilícitos, embora enfraquecida, diferente da ilicitude
normal.
Brandão Proença – tem a ver com a razoes de justiça do que propriamente encontrar
um fundamento mais técnico.
Nesta parte da culpa do CC, vemos as normas que vão surgindo e temos uma norma que é
das mais importantes e talvez a importância esteja a decrescer, é o art.494º CC.
É uma espécie de resticio da junção entre a responsabilidade civil e penal. Se a
responsabilidade se fundar no dolo, a indeminização deve corresponder aos danos que
tiverem sido causados, mas se fundar na mera culpa, na negligencia, poderá a
indeminização ser fixada equitativamente em montante inferior ao que responderia
dos danos causados. Desde que o grau de culpabilidade, das circunstâncias o justifiquem.
Esta norma não é original do CC, temos normas semelhantes no CC Brasileiro, Código
Holandês.
O art.494º CC, levanta uma serie de questões:
A sua explicação – qual é afinal a natureza desta norma? Qual a sua função?
Está aqui porquê e para quê?
60
z A norma não está consonante com a principal função da responsabilidade
civil que é a do saber reparador, porque se fosse assim, havendo dolo ou
mera culpa, a indeminização deveria sempre responder aos danos, este artigo
diz que não tem de ser necessariamente assim. Também não tem uma
finalidade sancionatória.
z Até pode ter alguma função sancionatória, mas não tem definitivamente uma
função punitiva. Não há no nosso sistema danos punitivos, não é possível,
com base no CC um tribunal fixar uma indeminização acima do dano. Pode o
tribunal na área dos danos não patrimoniais, pode conceder compensações
elevadas. Não se trata de fixar danos punitivos, está a sancionar o lesante, está
a dizer tu fizeste isto, por isso, agora vais pagar mais, mas não é punir no
sentido de danos punitivos.
z Será que tem função preventiva? Talvez, a pessoa sabe que se atuar com
dolo, paga tudo se não o fizer não paga.
z Esta norma desempenha o papel do art.489º CC – função de justiça. Tem uma
ideia de proporcionalidade, adequar a indeminização à intensidade da
conduta, se é intensa do ponto de vista do gozo, o lesante não tem de se
queixar, se foi uma conduta ligeira, é justo e adequado que a indeminização
possa ser reduzida. Isto é feito com cuidado. Esta norma é uma barreira
excecional a indemnizações individuais desproporcionais. Não deve
funcionar quando por exemplo, há seguros obrigatórios, quando o lesante
beneficia de seguro obrigatório de responsabilidade civil.
z Não tem sentido, haver um benefício que poderia ser para a seguradora, a não
ser naquela parte que o seguro já não cobre. Se os danos ultrapassam uma
certa barreira, o lesante já pode ter que pagar do seu bolso.
61
responsabilidade pelo risco, até porque estes casos têm limites de
indeminização e introduzir outro, não tem sentido.
No caso do ciclista que atropela um peão, não há obrigatoriedade de o ciclista
ter que fazer um seguro, até hoje será que o ciclista não pode pedir para
reduzir? BP entende ser possível, mas pode ser difícil o tribunal fazê-lo Ac.
STJ 7/09 (Graça Amaral) – defende aplicação do 494º.
MODALIDADES DA CULPA:
Dolo;
Negligencia;
62
Na responsabilidade civil é uma distinção que tem algum interesse, atentando no 494º CC.
É muito importante ver se houve dolo ou negligencia. Sabemos que o dolo tem várias
modalidades, assim como, a negligencia. Há dificuldades na separação de dolo eventual e
negligencia consciente.
Para concluir pela existência de dolo eventual, temos de utilizar a forma positiva de Frank,
permite saber se o agente aderiu ou não ao resultado que concretizou.
Sabemos que o dolo, como modalidade mais intensa da culpa, tem um elemento volitivo,
mas também tem um elemento intelectual. O elemento volitivo está nas três figuras do dolo:
necessário, direto e eventual. E o elemento intelectual, temos a consciência da licitude para
que alguém atue com dolo, é necessário que a pessoa saiba que não pode destruir bens
alheios, o ato é proibido. Mas também tem de estar na posse das circunstâncias de facto, ou
seja, tem de saber que aquele bem é de outro, se destrói bem que é dele, não há dolo.
Na responsabilidade civil mais do que nas modalidades da culpa, não serão mais importantes
os graus da mera culpa. Os romanos consideravam que a mera culpa tinha dois graus, a
culpa leve a culpa grave, e mais adiante os glosadores, concluíram que afinal 3 graus de
culpa – grave, leve, levíssima. Estes graus são importantes para o art.494º CC, este só deve
ser aplicado havendo culpa leve ou levíssima, nunca com culpa grave, mas estes graus
também são importantes para o 497º, no direito de regresso dos vários culpados.
A culpa leve, é a omissão da diligencia normal, logo, aquele que a omite incorre em
culpa leve.
A culpa levíssima, é a omissão de cuidados que só são adotados por pessoas
excecionalmente escrupulosas. Hoje em dia, a culpa levíssima praticamente desapareceu,
mas há uma norma do 493º/2) CC, que se entende que ainda lá está. Para não se incorrer
em culpa GRAVE basta atuar como atuaria um bom pai de família. Para não ocorrer
em culpa leve, basta atuar como o diligentíssimo pai de família. Ac. STJ 27/05/1997
As graduações da culpa operam ao nível dos arts.494º (aplicável, tipicamente, havendo culpa
leve, não havendo seguro e havendo situações económicas favoráveis), 497º e 570º, havendo
equiparações doutrinárias entre o dolo e a culpa grave nos arts.814º/815º, 800º,2 e 809º e
legal no art.1323º,6. Há casos em que só o dolo releva? Será o caso do art.957º? Ligação
interessante é o efeito no seguro da provocação dolosa de acidentes de viação.
E a negligência é modalidade de culpa ou elemento da ilicitude?
Enquanto para ESSER não há ilicitude se o condutor observou o cuidado exigível
Já para ANTUNES VARELA há ilicitude, mas não há culpa.
Para RUI ATAÍDE49 “o cuidado externo exprime-se através dos deveres de
conduta…cuja violação gera a ilicitude do comportamento, servindo assim a defesa
dos bens jurídicos cristalizados nos chamados interesses de integridade’’
Já na culpa “investiga-se se a pessoa comum do círculo de tráfego a que pertence o
agente, agindo nas condições concretas deste e empregando as normais capacidades
intelectuais, emocionais e físicas, poderia ter previsto a verificação do evento e evitá-
lo, mediante a adoção do comportamento apropriado”.
49
Cit., pp. 842 e 845.
63
Aula 6 – 27/10/2021
64
Não é muitas vezes fácil avaliar a culpa de alguém, porque a aplicação de critério
abstrato numa conceção mais radical (Antunes varela), pode ser excessiva. Mas
também não podemos cair no oposto e desculpar circunstâncias que não podemos
perdoar. Temos de ver até onde se pode ir e quais os limites.
Além de não ser um critério universal, também não é o único que existe de apreciação
da culpa.
PROVA DA CULPA
Esta prova-se através dos factos carreados para o processo, com base neles o julgador vai
depois avaliar a existência ou não da culpa;
Na responsabilidade extracontratual, por força do 487º CC é ao lesado que incumbe provar
a culpa da lesão.
O lesado tem o ónus da prova da culpa porque como é ele que pede a indeminização dos
factos constitutivos;
Esta questão é delicada e importante. Não é fácil a prova direta da culpa, particularmente,
em determinados setores, como nos casos da responsabilidade médica e como não existe um
fundamento objetivo de responsabilização.
Havia autores, como o Teixeira de Sousa, entendia que era responsabilidade médica tivesse
enquadramento contratual ou extracontratual a prova da culpa cabia sempre ao lesado,
ao autor na ação. A prova era processada sempre nos mesmos termos
Até certa altura, a responsabilidade médica começa a surgir na área contratual, pela
prestação de serviços médicos e aí surge outra discussão de saber se os médicos contraem
uma obrigação de meios ou de resultado. Entender-se que a ilicitude teria que ser provada
pelo lesado, mas quanto à culpa, teria que ser o médico a provar que não tinha culpa
Hoje em dia, há um princípio dominante segundo o qual o lesado prova a ilicitude, mas tem
que ser o médico a provar que não há culpa, há presunção de culpa e tem de ser o médico a
provar que não teve culpa, o que é favorável para o próprio lesado.
Ac. TRL – retrata a atual jurisprudência na responsabilidade medica em que os lesados tem a
vida facilitada porque o enquadramento na responsabilidade contratual facilita a questão do
ónus probatório;
Além das presunções legais de culpa e no art.699º em que existe uma presunção legal de
culpa, o lesado pode beneficiar da prova primae face, também designada como prova de
primeira aparência. Esta prova traduz já não uma presunção legal de culpa, mas uma
presunção judicial (experiência ou simples), é uma técnica probatória em que a culpa
pode ser provada de forma indireta. É uma técnica de inferência, lógica e dedutiva, hoje
em dia, não muito necessidade de a aplicar à responsabilidade médica. Esta é muito utilizada
nos acidentes rodoviários, esta vai operar por indícios.
Quando o condutor viola norma do código da estrada, há presunção simples de que se trata de
uma violação culposa. Isto é uma inferência lógico-dedutiva, há uma primeira impressão de
que há culpa, é a tal prova indireta da culpa e cabe ao condutor fazer a tal contraprova. Os
tribunais recorrerem muito a esta técnica de prova indireta da culpa
65
Apesar do princípio legado para que seja o lesado a fazer a prova da culpa., há como um
aligeiramento ou exclusão desse ónus, de haver presunção legal de culpa ou presunção de
responsabilidade que se aproximará de presunção de responsabilidade.
Assim como o lesado procura fazer a prova da culpa do lesante, o lesante procura fazer
a prova de que não teve culpa. Para já, não vamos confundir culpa e ilicitude, ambas podem
ser justificadas, não tanto pela invocação da inimputabilidade, porque esta havendo, nem
sequer avançamos mais, a inimputabilidade é pressuposta essencial da censura.
Quando a culpa é presumida e é o lesante que a tem de a afastar temos de ver como o
lesante pode afastar a culpa presumida.
Este afastamento de uma culpa presumida, pode ser pela forma negativa – ou seja, através
de uma prova em que o presumido culpado vai tentar convencer o tribunal de que foi
diligente, zeloso e cumpridor. Desde que o consigo, tudo bem e a presunção de culpa é
afastada.
O presumido culpado não deve provar o evento concreto que esteve na origem dos
danos, como o facto de terceiro ou culpa do lesado? Não é necessário, caso consiga fazer
prova genérica convincente isto bastará. Se quiser pode ao mesmo tempo que faz prova
genérica, pode para reforçar a ausência de culpa, provar a existência de possível evento que
esteve na origem dos danos.
Nas presunções de culpa o presumido lesante, prova que o dano ficou a dever
exclusivamente a culpa do lesado. Ou seja, por força do 570º/2) CC – diz que sempre que
haja presunção legal de culpa e culpa do lesado, a prova da culpa do lesado, tem que ser
prova exclusiva do lesado – exemplo de queda de uma arvore;
66
Culpa na produção do dano e culpa no seu agravamento. Ausência do dever de reduzir
o dano?
570º - olha para a culpa nesta dupla perspetiva: 1) culpa na produção; 2)
culpa no agravamento;
Sobre o lesado recai um dever lateral de cooperação com o lesante, este dever
lateral de cooperação, pode ser a base que nos permita defender que no nosso
sistema, o lesado tem um dever de redução do dano.
JURISPRUDÊNCIA:
Ac. STJ de 1995 – doente mental que fugiu de hospital que foi atropelado
Ac. – criança afogada em piscina do avo
Esquema:
1. Excecionalidade protetora dos lesados (incorporam deveres de prevenção do perigo);
2. Só valem para danos causados a terceiros;
3. Processo similar ou quase similar de afastamento da presunção
4. É possível defender que a presunção não é apenas da culpa?
Os presumidos culpados ou provam que não tiveram culpa e cumpriram o seu dever
de vigilância e não tiveram culpa ou provam que o dano se teria produzido mesmo
que tivessem sido diligentes – prova da relevância negativa da causa virtual.
67
O afastamento disto ocorre em duas normas – 483º/2 CC (presumido culpado tem que
provar) e 503º/3 (não está prevista a prova da relevância negativa da causa virtual, o
comissário está limitado a provar que não teve culpa.
Há uma dúvida que estas presunções legais de culpa colocam, alguns juristas na
interpretação destas normas vão mais longe e vão dizendo que não há apenas uma
presunção de culpa e também presunção de ilicitude e de causalidade. Há uma
presunção de ilicitude e de não observância dos deveres objetivos de cuidado.
68
pais, também não incide sobre ele o dever legal, a questão é idêntica à dos avos, teríamos que
falar em vigilância de facto. É duvidoso que o 491º abarque a vigilância de facto.
JURISPRUDENCIA E O ART.491º CC
Ac. de 2 de Março de 1978 – menor de 14 anos que matou com caçadeira outro menor de 13
anos. O tribunal revelou as circunstâncias de vigilância preventiva, vigilância pautada pelas
conceções dominantes e pelos costumes.
Ac. STJ de 13 de Fevereiro de 1979 - A mesma valoração pode ser encontrada no caso de
Belarmino – menor de 6 anos que atirou fogo a arrecadação.
Ac. do TCAN de 18/11/2016 – é um caso de culpa in vigilando se a avo em caso de menor
de 5 anos, o deixa ir para linha férrea de alta velocidade, e o menor vindo a ser colhido por
uma composição. O acórdão não refere o 491º, porque não se aplica a uma avó. Provou-se
concorrência de culpas da avó e da REFER, afastando a culpa do risco por parte da CP,
condutor do comboio fez todos os esforços para evitar o embate-
Ac. 25 de Novembro de 1992 – atropelamento por um velocípede conduzido por menor de
15 anos e pertence a namorada da irmã, apesar deste menor ser trolha e sair a noite com
frequência, para participar em reuniões não tinha licença de condução. De nada valeu aos pais
alegar o desconhecimento da saída do filho
Ac. TRC de 5 de Dezembro de 2006 – velocípede conduzido por menor de 16 anos,
pertence o veículo aos pais, não se tendo provado que os pais sabiam que utilizava o veículo,
não se provou que estava fechado, que tinham ensinado ao filho que não podia usar – não
afastar a presunção
Ac. de 5 de Julho de 2007 – não ficou provado que o ciclomotor pertence aos pais de menor
de 14 anos, estava fora do alcance do vigiado.
69
Ac. da TRP de 15/10/2013 – faz aplicação do art.492º CC, onde se fala em coisa móvel ou
imóvel, com o dever de a vigiar, reporta-se às atividades perigosas em geral.
Caso de queda de chaminé que danificou dois automóveis que os proprietários não
foram indemnizados porque não conseguir vicio de construção ou defeito de
conservação. Se seguirmos a linha da Relação do Porto, pode suceder que em certos casos os
lesado não são indemnizados, porque muitas vezes não sabem se o edifício foi bem
construído. BP discorda desta jurisprudência da relação do Porto, porque é melhor e mais
protetora a jurisprudência deste acórdão (TRL de 29-06-2016) – é uma via de maior
facilidade para o lesado, porque observado a dinâmica do evento danoso, pode funcionar e
funcionou para este acórdão uma presunção de aparência, cabendo ao presumido culpado
fazer a contraprova.
70
Por um lado, o legislador não nos diz o que é uma atividade perigosa, Ac. de TRL de
10/09/2019 – é conceito indeterminado que a lei não define, nem em geral, nem para os
efeitos dos dispostos no art.493º/2).
Esta exigência probatória da parte final do 493º, se a lei não esta a consagrar um critério de
apreciação da culpa superior ao critério do bom pai de família, a questão não é simples.
Há quem diga que aqui já estamos perante um critério superior ao abstrato do 487º. Há quem
não entende isso, mas que esse critério está adaptado às exigências
Nem o supremo responde à questão, dizendo que apenas o dever de evitar é mais rigorosa.
Pensa-se que é um critério superior, mas também pode ser uma adaptação do critério abstrato.
Ac. de TRL de 10/09/2019 – atividade perigosa pressupõe que é perigosa mesmo quando
exercida de forma regular e habitual – são atividades que mesmo sendo exercida de forma
regular são perigosas.
Não se trata de responsabilidade objetiva, mas de culpa presumida agravada, avocando, para
certa doutrina, prova de diligência superior, de uma pessoa ideal (que comete culpas
levíssimas). Será uma responsabilidade quase-objetiva?
A norma não se aplica à condução de veículos por força do assento 1/80.
Ac. do STJ de 17/06/2010, defendeu interpretação restritiva do assento não o aplicando a
uma empilhadora dado estar em causa a particular perigosidade do veículo e não a mera
circulação dele.
O mesmo deve ser defendido para o Karting (TER de 29/11/2001), provas de rally (TRP de
5/11/1991) e o transporte de matérias inflamáveis. Não é propriamente o veículo, mas a
perigosidade deste.
Exemplificação de atividade perigosa:
Ac. STJ, DE 1/7/2010 – Rappel
Ac. TRG de 4/4/2017 – fogo de artificio
AC. de STJ DE 17/05/2017 – mecanismo elevatório
Ac. STJ, de 8/3/2017 – atividade constrição civil
Ac. de STJ de 9/07/2015 – auto grua telescopia pesada para remoção de
cofragens
Ac. TRP de 13/09/2016
Ac. 13/06/2019
Ac. TRG de 5/12/2019
Ac. TER de 17/06/2021
Ac. TRL, de 22/06/2021
A CULPA E O ART.500º
71
A norma reflete uma estrutura artesanal – não pensada para o grande empresariado, mas
para as pequenas empresas, para o artesão com 2 ou 3 de empregados. Mas na altura do
surgimento do CC era adequada, teria necessidade de ser modificada.
A responsabilidade do comitente por facto do comissario exige uma dupla imputação e daí o
regime solidário;
Como separar o âmbito de aplicação do art.500º e 800º. Este exige uma obrigação, uma
relação entre o devedor e o auxiliar, a atuação deste no cumprimento. A perspetiva de Pessoa
Jorge (o caso da entrega do televisor).
Aula 7 – 10/11/2021
(continuação do pressuposto da culpa)
Há quem diga (Antunes Varela), para que o comitente responda, sem culpa, é preciso
que o comissario tenha culpa.
Se concluirmos que só o comitente teve culpa, só ele responde, só que não vai
responder com base no art.500º, mas sim de acordo com as regras gerais da
responsabilidade subjetiva.
O art.500º CC, é uma norma que até certo ponto tem alguma parecença com o art.491º
CC. Podemos dizer que em ambos os casos são responsabilidades por factos alheios.
No caso do 491º CC, a responsabilidade também é por facto próprio do vigilante, o
dano é causado, presumindo-se a culpa do vigilante, há um facto próprio em cena.
No art.500º CC, não há propriamente isto, pode ser uma pequena empresa que utiliza
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ao seu serviço, no seu interesse e no seu proveito, utiliza pessoas que o vão ajudar,
são os chamados comissários. Mas a intervenção do comitente não passa disto. Ele
quer que as coisas corram bem, que o comissario exerça adequadamente a sua
missão. Só que se o comissario causar danos e segundo alguns dizem, se tiver culpa
o comitente irá responder, no papel que se diz similar aos das companhias de
seguros, o comitente é uma espécie de garante.
É a pessoa com mais poder económico, e o lesado tem um bom refúgio patrimonial,
mas esse papel de garantia por o ser, não afasta o que se chama direito de regresso
do próprio comitente. A seguradora tem também direito de regresso, em casos graves.
Esta norma do art.500º CC, coloca na doutrina alguns problemas, a norma é fruto do
tempo de que o Código surge e é uma norma que não está bem arquitetada,
deveria ter uma estrutura mais empresarial, mas não tem:
⚠️Temos que saber que quando usamos automóvel de outra pessoa, não somos
considerados comissários, só somos quando usamos o automóvel no interesse
daquela pessoa dona do automóvel. O importante é que alguém esteja a atuar
nas ordens decididas por de outra pessoa.
(Ac. STJ de 06/07/2011 – negou existir uma relação de pretensão, perante
tribunal e solicitador de execução, este último não poderia ser considerado
comissario de um determinado tribunal).
Exemplo - A supor que em época de vacinação, e um enfermeiro se aproveita do ato para furtar um
relógio de uma pessoa que vacina, se pudermos partir de uma relação de comissão, apesar do
enfermeiro estar no exercício da função, o dano já não é por causa da função, é praticado por
ocasião e todo o dano praticado por ocasião, não deve responder o comitente.
Existe um terceiro grupo de casos que tem um tratamento semelhante, relacionado com casos em que
os comissários estando também no exercício da função estes atuam em proveito próprio,
desviando-se da sua função - é o caso dos funcionários bancários que em muitas situações tem
havido responsabilização das instituições de crédito, responsabilização dos seus comitentes porque
numa situação destas para tolerar a confiança dos clientes, acreditaram que a pessoa que contactou
com eles, não desconfiou do investimento proposto. Ou seja, aproveitando os comissários da
aparência social, se reparamos nestes casos, o comitente não teria de responder. No entanto, há
aqui um outro interesse a salvaguardar, Ac. TRG 15/09/2015, responde solidariamente com o
funcionário gerente do balcão, a instituição bancaria foi condenada em responsabilidade solidaria
por danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
74
500º é mais protetor, depois dá exemplo que: em casos de força maior,
questiona se o Abel responde pelo art.500º ou 800º?
Desvalorizando algo que temos que ver necessariamente, a aplicação do
art.800º pressupõe que haja uma relação jurídica obrigacional entre
credor e devedor ou então que a lei crie para alguém uma determinada
obrigação. A partir deste pressuposto se o devedor para cumprir a obrigação
legal ou se para cumprir o vínculo obrigacional utilizar comissários (auxiliares
de cumprimento).
☞ Pessoa Jorge - não coloca as coisas dessa forma, se neste exemplo havia um
obrigado a entregar televisor e o Abel encarrega Bernardo de o fazer.
Brandão Proença isto só pode ser resolvido com base no art.800º CC.
Se alguém tem acidente por razoes de força maior, o art.800º pressupõe que o
auxiliar tem de ter culpa, não podemos prescindir desta, neste caso, não haveria
responsabilidade se o automóvel tivesse avariado. Pessoa Jorge diz que podemos
aplicar o 500º CC, como a avaria é um risco e os comitentes podem responder
desde que os comissários respondam, e os comissários respondam pelo risco, já
haveria responsabilidade com base no art.500º CC.
Esta construção é artificial. Há razoes para que o 500º esteja num lugar o 800º
num outro.
D. DANO
75
braço esquerdo. E ainda os montantes que em virtude dessas intervenções e tratamentos médicos
venha a deixar de auferir, os lucros cessantes e perda de rendimentos e que é uma parte do dano a ter
em conta.
Exemplo (ver elementos de apoio V) - Em virtude de um acidente António, de catorze anos de idade,
sofreu esfacelo do pé esquerdo, a amputação do 4º e 5º dedos desse pé e a fratura múltipla do tarso e
metatarso do mesmo pé. Tendo tido alta hospitalar, António foi assistido na clínica da Seguradora do
lesante, tendo esta, desde o dia do acidente, providenciado pelo tratamento de António e custeado as
despesas hospitalares. Nessa mesma clínica, António foi sujeito a várias intervenções cirúrgicas,
tendo sido considerado curado (em certa data) com desvalorização, ficando com um défice funcional
permanente de 35%. António tem dificuldades em andar e manter-se de pé, não podendo acompanhar
os amigos nas idas ao futebol ou à discoteca e outras atividades fora de casa, o que lhe causa muito
sofrimento. António desistiu de se candidatar ao ensino superior, tendo ficado pelo 12º ano e nunca
exerceu qualquer atividade profissional?
76
A ESFERA DA CASUALIDADE (RES SUO DOMINO PERIT/CASUM SENTIT
DOMINUS): o dano fica no lesado, não sendo reparado por falta de um responsável físico
ou jurídico (exemplo da colheita destruída por temporal, do prédio destruído por tremor de
terra ou do contrato não cumprido por morte do devedor). Esta esfera não é mais do que um
reflexo do chamado risco geral de vida. O dano pode, contudo, ser assumido coletivamente
(seguro, Fundo de Calamidades, Estado-Providência).
A ESFERA DA ATUAÇÃO UNILATERAL AUTOLESIVA: o dano fica com o lesado,
sendo fruto da sua conduta, do seu comportamento de risco, da sua imprudência ou
intencionalidade (os exemplos dos desportos radicais, do consumo de drogas legais ou
mesmo do suicídio). A procura do perigo estabiliza o dano na esfera do lesado. Alguns
desses comportamentos são violadores de normas legais (caso de não colocação do cinto de
segurança). Como não há, em princípio, perigo de dano para terceiros, a ordem jurídica
assume uma geral posição de neutralidade, não proibindo grande parte dessas condutas.
Já não assim a partir do momento em que a minha liberdade possa conflituar com os
direitos/bens alheios ou em casos nos quais o Estado queira proteger-me contra mim
mesmo. A colocação do cinto de segurança, a proibição do consumo de álcool, de drogas, a
existência de locais para fumadores – Lei nº 37/2007 -, a proibição das grávidas
frequentarem solários são exemplos que avocam essa duplicidade. Como quer que seja, os
poderes públicos, não proibindo que alguém fique surdo por ouvir música em tom elevado ou
frature uma perna em escalada perigosa, confia nas opções conscientes, na prevenção e no
poder da informação.
A ESFERA DO CONSENTIMENTO/TOLERÂNCIA DO LESADO: o dano fica com o
lesado por vontade sua consubstanciada na atribuição de um válido poder de lesão
(exemplo do dano da competição desportiva ou da intervenção cirúrgica curativa) ou
chamando a si os danos do cumprimento tardio ou do não cumprimento.
A ESFERA DA AUTORESPONSABILIDADE CULPOSA OU NÃO CULPOSA: o dano
pode ficar com o lesado (se for o causador exclusivo do seu dano) ou ter que ser reparado
(em maior ou menor medida) pelo lesante, verificada que seja a conjugação causal de duas
condutas (em regra, culposas).
Na verdade, o lesante/devedor e o lesado/credor podem concorrer para o dano inicial ou
pode o lesado concorrer apenas para o agravamento ou a não redução do dano. Esta
zona de confluência de condutas (configurável entre uma responsabilidade pelo risco de um
detentor de animal e uma assunção não culposa de risco por parte do lesado) pode levar (e
tem levado noutros países) a soluções legais e de política jurídica mais favoráveis aos
lesados culpados (exigência de culpa, de culpa grave ou de uma causalidade exclusiva).
A ESFERA DA RESPONSABILIDADE (NEMINEM LAEDERE): a partir de um facto
responsabilizante, o dano (direto e indireto) não fica com o lesado sendo transferido para
o lesante, imputável ou inimputável. Pode haver dissociação entre o responsável e o pagador.
Nesta esfera estão compreendidos os danos agravados pelas predisposições do lesado, desde
que estas tenham sido conhecidas ou reconhecíveis pelo lesante. Esta esfera é tanto menor
quanto maior for a esfera anterior. Tem de o remover da esfera da qual surgiu.
Distinções:
77
Há uma terminologia importante, por exemplo, a distinção entre o lesado imediato e lesado
mediato.
Podemos explorar a distinção entre grandes lesados (grandes traumatizados) sobretudo nos
acidentes de viação, ficam em estados graves e sofrem um tipo de lesão incapacitante e
cuja indemnização é feita em moldes consonantes da gravidade da lesão.
Acontece também que o lesado sofre o dano, mas pode não ser ele a receber a indeminização,
é o caso da lesão ocorre nessa pessoa, mas indemnização pela compensação do dano da morte
é recebida por outra pessoa. Também é possível que o lesante não seja o pagador.
O dano pode ser maior do que a indemnização recebida, há um mecanismo redutor, no
art.494º CC, pode levar a que a indemnização seja reduzida. Às vezes, o lesado tem de
suportar receber uma indemnização menor.
Dano é uma coisa enquanto pressupostos de responsabilidade implicando uma ideia de
prejuízo, com categorias próprias. E o empobrecimento é ligado ao enriquecimento sem
causa, uma outra figura que pode num caso ou outro haver coincidência, mas também pode
não haver.
Dano real – lesão propriamente dita, também chamado dano evento, no caso da morte;
Dano em concreto – também chamado dano consequências, os efeitos patrimoniais e não
patrimónios da própria lesão.
Uma questão que se coloca, (é especulativa) (Mafalda Miranda Barbosa), o chamado dano evento
pode ou não ser indemnizado ou se para haver indemnização tem de haver consequências do
dano real. Este problema é interessante e relaciona-se com situações práticas, com a questão de
saber se a morte em si é ou não indemnizável ou se para haver indemnização tem de ter determinadas
consequências. A lesão da saúde, pode trazer consigo indemnização ou não, ou tem de haver
consequências.
Há uma hipótese que aflora mais nos tribunais, a chamada privação de uso – um condómino teve de
abandonar a fração onde residia houve um rebentamento do cano e o condomínio descurou a
manutenção da canalização, será que este condómino só pelo facto de ter saído e ter ficado privado
da indeminização, pode ser indemnizado? Tem tido respostas divergentes.
De uma forma geral, não se é muito favorável à indeminização do dano real porque se diz que
se confunde ilicitude com dano, uma coisa é a lesão e a violação do direito. Agora quando
entramos no campo do dano, é preciso que haja juízos concretos, o lesado tem de provar as
desvantagens.
O dano da morte é compensado per si, aqui já não poderia valer esta ideia geral.
Caraterísticas do dano:
As vezes é individual. Outras vezes, é coletivo.
Sob o ponto de vista temporal:
Há danos instantâneos, como é morte.
Há danos de natureza continuada, aquela que tem de se submeter a sessões
continuadas de fisioterapia.
Há danos definitivos.
Há danos temporários.
78
Há danos tardios, aparecem passados os danos, relacionados com efeitos colaterais
de medicamentos.
Danos presentes e danos futuros – os futuros para serem concebidos ou são certos
ou são previsíveis.
Danos eventuais – é um dano incerto que é um dano que encontramos na designada
perda de chance.
Os nossos tribunais quando decidem estas questões, jogam sempre com determinadas categorias de
danos, nós não temos propriamente uma nomenclatura de danos. Há países que tem, podemos
sempre procurar em fazer as nossas classificações dos danos, nos elementos de apoio temos algumas
classificações, algumas mais simples, outras mais elaboradas.
Portarias 377/2008, de 26/5 e 679/2009, de 25/6 (com aplicação ao Cap. III do Tit. II do
D-L nº 291/2007) - BASE DA CHAMADA PROPOSTA RAZOÁVEL FEITA PELAS
SEGURADORAS EM ACIDENTES DE VIAÇÃO)
Morte (gera dano da vida, danos morais/danos não patrimoniais decorrentes, danos
patrimoniais futuros, perdas salariais da vítima e despesas). Estas duas últimas
categoriais são designadas, no art.10º, por danos patrimoniais emergentes.
Outros danos corporais (geram danos patrimoniais futuros, dano biológico, perdas
salariais e despesas)
Danos morais complementares (dano estético, dor, incapacidade permanente absoluta,
incapacidade permanente com exigência de maior esforço, perda do feto)
79
PROPOSTAS PESSOAIS:
1- MAIS SIMPLES
Danos patrimoniais;
Danos não patrimoniais;
Nos danos patrimoniais, temos assistência médica, adaptação da casa, adaptação do próprio
veículo, tudo entra na categoria dos danos patrimoniais.
Os danos não patrimoniais, temos as dores, os sofrimentos, a tristeza pela cicatriz por
exemplo, a perda de qualidade de vida.
Os danos pessoais também chamados de danos corporais devem ter uma consideração
melhor que os danos materiais.
Também dentro da mesma ideia se um dano corporal, se a pessoa foi atropelada, havendo
danos de natureza patrimonial e não patrimonial, o tribunal não deve desvalorizar os danos
não patrimoniais. Deve olhar para os danos patrimoniais, mas também não deve colocar de
lado os não patrimoniais.
Quanto aos danos não patrimoniais, durante muitos anos, não se concediam grandes
quantias.
Antunes Varela, dizia que as quantias que os tribunais fixavam não eram nada. Hoje em dia,
já não são assim, como sabemos os danos patrimoniais são fixados equitativamente, há uma
margem, há quem diga que deveria haver um teto máximo para esses danos.
O que os tribunais por vezes fazem, mas não se sabe se é correto, é desdobrar a categoria dos
danos patrimoniais - Ac. STJ de 7/07/2009.
Há certos danos não patrimoniais devem ser autonomizados, como é o caso do dano
estético, este conhece uma escala de 1 a 7 e por isso, há necessidade de determinar dentro da
escala, qual o número correspondente. E este por vezes, tem feição não patrimonial, onde fica
com uma cicatriz e fica com tristeza, por vezes, tem implicações patrimoniais.
Relacionados com perturbações emocionais, afetivas, físicas e psíquicas - no art.496º, fala de
suficiente gravidade destas perturbações. Por outro lado, a ideia pode ser mais de compensar,
80
por isso, é que os tribunais antes, não fixavam um quantitativo grande. E tem de ser alegados
e provados. É natural que havendo dano grave o quantitativo compensatório possa ser grande.
O 496º, pode ter uma função sancionatória.
Os danos patrimoniais não são suscetíveis de reparação natural? Depende. As ofensas à
honra da pessoa, pode haver retratação da pessoa que ofendeu, pode publicar uma sentença
condenatória, é uma forma de restauração natural, não está de todo afastada.
Se começarmos a ler os valores atribuídos aos danos patrimoniais, tirando o dano da morte, cujos
valores estão estabilizados, em todos os outros casos de lesões pessoais. E mesmo nos danos
patrimoniais próprios sentidos com morte de pai ou mãe, temos dificuldade em perceber a quantia
fixada, mas temos de compreender que é uma fixação quantitativa.
Hoje em dia, há dificuldade da compreensão do dano biológico. Desde logo, é o dano sobre o
ponto de vista teórico o que se alega até se pode compreender, o dano biológico é o dano
causado à saúde da pessoa, à integridade física e psíquica de alguém.
Mas pergunta-se – estamos a falar de um dano patrimonial ou será um dano não
patrimonial? Ou será que nem é uma coisa ou outra? É um dano autónomo? Há muita
confusão na jurisprudência sobre isto, há aqui umas ideias, relacionadas (Graça Trigo – Ac.
STJ 6/12/2017; Ac. STJ 29/10/2020).
Este dano, relaciona-se com a incapacidade geral permanente da pessoa que
determina uma incapacidade geral maior ou menor e esta incapacidade geral é
aquela que interessa para a qualificação deste dano, é avaliada por pontos que vão
de 0 a 100. Há uma tabela de avaliação permanente de danos em direito civil.
Não se relaciona com a incapacidade profissional, pode ser requerido por pessoas que
não trabalham, ou que estão reformadas, em causa não esta a profissionalidade
propriamente dita, porque esta é aferida por outra tabela (incapacidade para o trabalho
e doenças profissionais) calculadas por critérios diferentes.
Ac. TRL de 5/05/2021 – a propósito do dano biológico se confundem as coisas e se
fazem cálculos que não se relaciona com dano biológico, mas sim profissional.
81
Temos de considerar a componente patrimonial do dano. Embora as pessoas possam
continuar a desenvolver a sua atividade, já sabemos que isso pode custar mais.
Também é verdade que elas sofrem o que se chama de perda de capacidade geral de ganho.
Aquela pessoa afetada na sua integridade física, perde uma capacidade geral de ganho e
esta perda, tem de ser compensada, tem de ser indemnizada, deve sê-lo equitativamente.
Com base em que fatores? Esta perda de capacidade geral de ganho, tem em conta a idade,
nestas questões indemnizatórias é sempre importante, o grau de incapacidade, as suas
potencialidades de aumento de ganho antes da lesão, o grau de incapacidade.
Dentro dos danos não patrimoniais, há quem diga que o dano mais importante é o dano
da morte. Também há quem diga que não.
Em termos teóricos, o dano da morte é o mais importante, enquanto ‘’dano não patrimonial
central’’, é controverso, há sistemas jurídicos que não o reconhecem. Mesmo textos
europeus não consagram, mesmo entre nos há alguns juristas (João Bernardo – ‘’dano da
morte’’) mas o dano é hoje concebido quer se goste ou não.
O quantitativo para este dano tem variado número, em 1976 era 400€, em 2003 era 20.000,
em 2008 era 30.000, hoje em dia, tirando casos excecionais o máximo que os tribunais fixam
100.000€.
O dano da morte é igual para todos? Seja a pessoa que morre nova, velha, intelectual,
analfabeto, etc.
Há divergências de opinião, há quem diga que deve ser igual para todos (teoria
objetivista);
Há quem entenda que devem intervir fatores de natureza pessoal (idade, quantia tanto
maior quanto for jovem, a sua saúde, e aquilo que fazia).
A morte pode ser imediata ou pode não ser, quando não é há um tipo de danos que o
lesado sofre que é o dano intercalar, as dores e sofrimento, receio da morte. A
indemnização será recebida, neste caso, deveria ser os herdeiros, há quem diga que devem
ser os do nº2. A quantia concebida para este dano intercalar, já se leu que seria 2.000
euros. Mas numa decisão de 2016, já se viu 20.000.
Aula 8 – 17/11/2021
Os danos não patrimoniais reflexos: só na morte e não lesão corporal grave do lesado imediato?
O pensamento de Vaz Serra, o AUJ 6/2004 e desenvolvimentos posteriores;
82
Antunes Varela – defende que a compensação cabe por direito próprio às pessoas fixadas
no nº 2 do art.496º CC. Como exemplo, desta posição Ac. STJ 12/10/2016 – ‘’ como tem
vindo a ser entendido pela jurisprudência do STJ, sufraga-se a tese de atribuição ex novo do
direito às pessoas do nº2 do art.496º’’.
Antunes Varela – cabe as pessoas do nº2 do 496º o recebimento da compensação pelo dano
da morte, mas que estas pessoas ainda têm direito nos termos do nº4 do 496º, os danos
patrimoniais específicos sofridos por elas. Podem invocar os seus próprios danos não
patrimoniais especiais.
Nesta parte dos danos não patrimoniais próprios ou especiais é possível que o tribunal encare
diferentemente estes familiares - O tribunal concedeu indemnização superior a um filho de 4
anos, porque tinha uma relação com maior proximidade, e fixou menor compensação ao filho
de 18 anos, que vivia na Canadá e falava esporadicamente com o pai e não tinha a
proximidade o que não acontecia com o filho de 4 anos. Embora não seja vulgar os tribunais
podem no quantitativo dos danos não patrimoniais fazer destrinças e estabelecer maiores ou
menores quantitativos.
É curioso no dano da morte que na Portaria 377/2008 de 26 de Maio, esta portaria também
nos fala do chamado direito à vida, do dano da morte e atribui este dano, esta
compensação aos herdeiros. O direito à vida está estabelecido não só em função da idade,
o que é um ponto discutível, nesta portaria, entra-se em confronto com a idade, e por outro
lado, é necessário verificar quem são os herdeiros, esta questão não dispõe de idêntico
tratamento nos tribunais.
A proposta razoável no diploma do seguro obrigatório, esta proposta para os danos
corporais é feita com aplicação destes quantitativos da Portaria, mas há que dizer duas
coisas:
1. É proposta extrajudicial e é proposta que vale apenas como proposta, os lesados podem
recusar os quantitativos, nesse caso, recorrem aos tribunais.
2. Tribunais fixam as indemnizações segundo os seus próprios critérios, baseados no CC e
nos padrões jurisprudenciais, não estão vinculados a seguir as orientações e quantitativos
da Portaria.
Art.496º - coloca alguns problemas porque faz depender a concessão dos danos não
patrimoniais da morte da vítima.
Não havendo morte da vítima, só a própria pessoa lesada. Esta posição do legislador não era a
posição que Vaz Serra queria consagrar porque admitia que quando não houvesse morte,
mas houvesse lesão corporal, poderia haver indemnização por danos não patrimoniais, mas
esta conceção não ficou. Mas é verdade que os tribunais de vez em quando, defenderam
soluções de aqui ser defendida a ideia de que mesmo não havendo morte, poderia as pessoas
ter direito a compensações de danos não patrimoniais. Estes foram adotando vários
argumentos, ou situando a pretensão no nº1 do art.496º. Ou então mediante interpretação
extensiva do nº2 do art.496º.
Sucede que se formaram duas posições jurisprudências, uma mais presa à letra da lei a não
admitir a compensação a não ser no caso de morte.
83
Esta questão teve que ser uniformizada que veio acontecer com o Ac. Uniformizador
6/2014, relatado por João Bernardo e de acordo com este ‘’os art.493º/1 e 496º/1, devem ser
interpretados no sentido de não abranger danos patrimoniais não graves, sofridos por cônjuge
do que morreu, atingida de modo particularmente grave’’. Esta solução não circunscrita à
letra do 496º/2, mas também limitada ao caso de estar em causa o cônjuge de vítima
sobrevivente, este que tenha sofrido danos não patrimoniais particularmente graves e por
outro lado, que o lesado tenha sido atingido de modo particularmente grave.
Tribunal constitucional em 2019 no Ac. 624 – diz que não é inconstitucional por não se
referir ao unido de facto e apenas se refere ao cônjuge.
Depois do AC. uniformizador foi-se entendendo que era demasiado restritivo indemnização
apenas para o cônjuge e então, note-se: Ac. TRG de 25/01/2018; Ac. TRP de 17/02/2017; Ac.
TRC de 16/12/2015;)
Ac. 20/04/2021
Há acórdãos do STJ que nega no nº2 deve estar os nascituros concebidos. A questão é
complexa porque não é estritamente jurídica, embora os contornos jurídicos giram em torno
da personalidade jurídica dos nascituros já concebidos.
Há jurisprudência recente que tem defendido a concessão da compensação do dano da
morte do nascituro já concebido. Por exemplo, AC. TRC de 29/01/2013, Ac. TRL de
14/11/2019.
É verdade que este acórdão da TRL tem um voto de vencido, mas no seu sumário diz-se que
ainda que se entenda que o nascituro concebido não tem personalidade jurídica plena, ele é
face ao art.170º uma criança em gestação, ou seja, bem jurídico autónomo, logo, tem direito
ao seu desenvolvimento. Estando em causa o bem jurídico da vida ultra uterina. Este acórdão
é muito firme, na defesa do chamado do dano da morte para os nascituros já concebidos. A
questão é uma questão que envolve várias leituras, não é simples.
Também não é simples, uma questão de saber se morrendo o pai, o nascituro concebido e
que venha a nascer mais tarde, tem ou não direito de compensação do dano da morte do
pai?
Na Jurisprudência a questão já recebeu resposta positiva, assim como, resposta negativa – Ac.
STJ de 17/02/2009. A Relação de Lisboa em 30 de Junho de 2020, entendeu ser favorável à
inclusão do nascituro como titular da compensação do dano da morte do pai. E ainda num Ac.
do STJ, entende que por um princípio de igualdade, havendo 2 filhos, um deles com 16
meses, ter direito à compensação e já não ter o que nasceu 18 dias após a morte do pai.
84
E o dano da vida indevida (wrongful life), pelo facto de a criança ter nascido com
deficiência grave?
A indemnização é pedida em nome da própria criança, é uma ação em que os pais
representam a própria criança, pedindo indemnização e alegando que a criança nem
sequer deveria ter nascido.
Ac. STJ de 19/06/2001 – esse direito não existe e negou a pretensão, quando seja
criança nascida com malformações
Ac. TRL de 10/1/2021 – responsabilidade por nascimento de criança sem membro
inferior esquerdo, com ecografias feitas com falta de cuidado
Ac. TRP de 1/03/2012
Ac. STJ, de 17/01/2013
Ac. STJ, de 12/03/2015
O que se conclui é que a partir do momento em que seja alegada e provada a
responsabilidade médica ou dos técnicos que efetuaram os exames e não detetaram as
anomalias aos pais, há lugar de indemnização de danos patrimoniais relacionados com
acréscimo de despesas que a criança irá provocar ao longo da vida, devido à sua
deficiência.
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A jurisprudência, no entanto, está mais dividida. Contrariamente a Pinto Monteiro,
entende que podem ter danos não patrimoniais – Ac. TRC de 27/04/2017 (tinha sido
afetado o prestígio de pessoa coletiva, quando esta comprou um determinado andar e afixou
na varanda o seguinte ‘’humidades, paredes rachadas, pinturas deficientes, garantia igual a
0’’. O lesante ao fazer isto punha em causa o bom nome e prestígio do lesado da pessoa
coletiva, e fixou uma compensação por danos não patrimoniais).
A doutrina inclina-se mais para a rejeição da compensação. A jurisprudência ainda vai
admitindo.
86
Os estabelecimentos hospitalares que prestam assistência a lesados mediatos, tem uma dupla
garantia, podem pedir a indemnização ao lesante, tem prazo de 3 anos, mas também ao ser
estabelecida uma relação com o lesado, também é possível que haja pretensão indemnizatória
contra o lesado, mas esta já está sujeita a prazo de 2 anos.
FORMAS DA REPARAÇÃO:
Temos duas formas reparadoras:
1. Restauração natural – art.562º CC;
2. Indeminização em dinheiro
RECONSITUIÇÃO NATURAL:
Art.566º/1:
Reconstituição natural impossível – como é o caso da morte, restituição de peças
únicas
E também nos casos em que reparação natural não repara na totalidade dos
danos.
E ainda a limitação com a excessiva onerosidade para o devedor da
restauração natural.
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A restauração natural compete ao lesante. No caso de acidente de viação, deve a segurador
mandar reparar o veículo, salvo a urgência do lesado. Este deve evitar agravamento do
dano (recusa de reparação, novos danos, custos de parqueamento).
A indemnização em dinheiro pode coexistir com a restauração natural – art.566º/2.
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uma espécie de acerto de contas, com os lucros e vantagens. A indemnização não deve ser
algo lucrativo para o lesado.
Em que situações se deve fazer a compensação?
Os autores dizem que é necessária conexão adequada entre os danos e as vantagens. Isso
também não ajuda muito, o melhor seria ver os casos concretos. Não tem sentido para o
lesado, compensar os ganhos aos prejuízos, não pode o lesante tirar proveito de esforço
complementar do lesado a que não estaria obrigado.. Mas se o facto danoso, pelo facto de
seguro feito pelo lesado, entregue alguma quantia, também não deve o lesante aproveitar-se
dessa vantagem, pq o lesado teve esforço a pagar os prémios
Já é diferente nos casos clássicos de compensação, em que o rebanho entra na propriedade
alheia, e destrói, mas coloca estrume o que também implica uma certa vantagem. Aqui há
conexão justificadora da compensação, mas torna a não haver a partir do momento em que a
vantagem decorre de vantagem de lesado.
JURISPRUDÊNCIA UNIFORMIZADORA:
AUJ 4/2002 (9/5/2002) – sobre a atualização da indemnização.
AUJ de 9/2015 (14/05/2015) Pinto de Almeida – sobre o pedido de juros de mora;
AUJ de 5/2018 (26/09/2018) – sobre o efeito da insolvência do lesante no pedido de
indemnização formulado em processo penal.
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danos (Ac. TRG de 5/11/2020). Isto também pode ter a ver com os bens lesados, rendimentos do
lesado, há toda uma seria de fatores ligados ao lesado que podem fazer com que a indemnização seja
mais elevada. Pode invocar o art.494º, para tentar uma eventual redução, também há agravamentos
imputáveis ao próprio lesado. O lesado pode recusar cuidados de saúde, pode alugar automóvel de
luxo, ou seja, há determinadas situações em que a indemnização e o seu agravamento se devem a
condutas culposas do próprio lesado e nesse caso, desde que o lesado prove os agravamentos
imputáveis ao lesado, não ira responder por eles.
90
É um dano que persiste até ao momento a que o veículo seja reparado, ou até momento
em que há lugar ao pagamento de indemnização que permite o pagamento de um outro
veículo
É um dano que tem uma vertente patrimonial mais evidente.
Mas também uma vertente não patrimonial e existe jurisprudência que tem fixado
compensações pela circunstância e desgosto e incomodidades das pessoas em ficarem
privadas do seu veículo, não é de espantar que haja aqui uma compensação por danos não
patrimoniais.
Pode ser agravado por culpa do lesado (retarda a autorizar a reparação, aluga veículo
melhor, inercia na resolução de litígio).
É bastante discutida quer na doutrina e nos tribunais, o que é necessário para que o dano seja
reparado. Como indemnizar este dano? Há 4/3 posições:
Vê o dano apenas em componente patrimonial. (?)
Exige prova dos prejuízos efeitos, tem que demonstrar que a privação provou o
dano B e C.
Prova da mera privação do uso/lesão do direito real?
Prova (facilitada por presunção natural) da concreta possibilidade de utilização;
intenção real, efetiva de o utilizar. (podemos aqui falar numa 4ª posição ou
aperfeiçoamento da 3ª tese- BP entende que é aperfeiçoamento da 3ª tese).
NOTA: Brandão Proença – a mera privação não é a tese mais correta. Deve exigir-se prova.
Não sendo alegados prejuízos efetivos, mas apenas a privação, aqui os tribunais fixam a
indemnização em termos equitativos. Qual o quantitativo? Tem se formado uma corrente
jurisprudencial que entende que é razoável 10€ diários, pela privação (ac. TRG de 11/07/2017; Ac.
TRP de 28/05/2020; Ac. STJ 28/09/2021 - Apelando-se à equidade para fixar a responsabilização, o
tribunal entendeu fixar 13€, porque se tratava de um veículo especial.
Aula 9 – 24/11/2021
(continuação do dano)
Este pressuposto do dano, ensina-nos muita coisa, desde logo, todos os danos se reconduzem a três
grandes categorias:
1. Danos patrimoniais
2. Não patrimoniais
3. Danos materiais
Há danos que pela sua importância ou natureza, os tribunais fazem sobressair mais:
Dano estético - é um dano com algum relevo, com graduação de 1 a 7, este pode conhecer
uma bifurcação para danos patrimoniais e não patrimoniais.
Dano biológico - com dignidade própria. Discute-se a sua autonomia, também nos dá uma
diversidade para a vertente patrimonial e não patrimonial.
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Dano da privação de uso - surge uma questão de saber se não havendo prejuízos concretos
pode ou não pode o dano ser considerado, no ressarcimento do lesado, vimos que até podia,
embora, nem todos concordem com isso.
Danos da perda de chance - Há um dano que tem conhecido nos tribunais importância, é um
dano da ‘’moda’’ – também pode ser designado como, dano da perda de oportunidade.
Este dano como veremos em síntese, este aparece na área da responsabilidade contratual que
não é a que estudamos na unidade curricular.
Mas esta tem surgido sistematicamente ligado ao incumprimento ou ao cumprimento
defeituoso. Por exemplo, no contrato de mandato forense ou contrato de prestação de
serviços em que o cumprimento defeituoso tem levado os clientes/lesados a intentar ações de
responsabilidade pendido a indeminização pela perda de chance. Os mandatários segundo os
seus clientes não agiram devidamente ou porque não intentaram a ação que deveriam ter
intentado ou porque não recorreram e vem se invocar a perda de chance ligada ao
hipotético ganho da ação ou ao hipotético vencimento do recurso.
92
propostas que poderiam ganhar o concurso uma delas era da lesada, o tribunal conclui
que tinha pelo menos 50% de ganhar o concurso, logo, concede 50% dos tais 23.000€.
☞ Ac. STJ de 16/12/2010 – confrontado novamente com este dano, a propósito de
acidente de viação em que há uma pessoa que sofre o atraso de um ano, na conclusão
da sua licenciatura de desenho, invocado que perdeu a chance de ter ganho naquela
profissão 14.000€. Mas o Tribunal colocou alguns obstáculos, pois para afirmar que
conseguisse logo emprego ou que recebesse no 1º ano o 13º mês, o Tribunal mediante
critérios de equidade, concedeu apenas 7.000€.
☞Ac. STJ de 17/05/2018 - Chances processuais – o mandatário não corrigiu a
petição inicial e o credor hipotecário perdeu a oportunidade de ver o crédito
recuperado, aqui o Tribunal concedeu este dano.
☞Ac. TRL de 18/02/2020 – um acidente de viação, em que o condutor era
praticamente de motociclismo e praticava em provas. Tinha sido 3x campeão de todo-
o-terreno e etc e ganhava prémios por volta de 6.000 anuais.
Em consequência do acidente ficou afastado da prática desportiva. (também pode ser
visto no âmbito do dano biológico e no dano existencial). Mas aqui esteve em causa o
dano da perda de chance, se naturalmente ganhava veio invocar a perda de obter
prémios pecuniários, o Tribunal considerando que este lesado tinha 30 anos à data do
acidente e que participariam pelo menos mais 10 anos em competições desportivas,
fixou em termos equitativos uma indemnização de 30.000 para a perda de chance,
fundamentado na ideia de que o lesado pelo seu histórico era alguém que tinha
chances consistentes de ganhar as provas e nessa medida, não era complicado afirmar-
se a indemnização por esta perda de oportunidade.
93
Havendo probabilidade de 5%, já se considera que seria bastante.
Este fixa-se das seguintes formas:
Por vezes fixam na equidade.
Outras vezes, atendem na taxa de probabilidade
Também é possível de ser numa perspetiva não patrimonial
Muito dificilmente o que o tribunal fará é conceder toda a indemnização que o lesado pede
que este indique e prove que seria o que obteria caso, por exemplo, a ação tivesse sido
intentada, porque não se sabe o que aconteceria. Embora devemos atender nos seguintes
casos limites (embora muito académicos):
☞ Se havia apenas um lugar, e o candidato reunia as condições para a promoção –
aqui o dano a indemnizar deve-se ligar ao prejuízo que efetivamente teve.
☞ O problema jurídico que o mandatário descurou era de fácil resolução, havia apenas
um erro de direito que o recurso alteraria sem dúvida nenhuma, aqui também é um
campo praticamente de certeza que não impediria que a indemnização fosse fixada na
perda que não se conseguiu.
⚠️Ac. TRL de 14/06/2016 – bom acórdão sobre a área do dano da perda de chance;
⚠️Revista Julgar (2020) – Patrícia Cordeiro da Costa – Perda de Chance 10 anos depois;
E. NEXO DE CAUSALIDADE
Este podem ser designado de outra forma – nexo de imputação do facto aos danos.
Ou ainda nexo de imputação subjetiva.
Todos estes pressupostos têm que estar presentes!
Este não é mais importante que os outros, porém, vemos que muitas ações fracassam
porque este pressuposto não se prova. Não se pode dizer que provar a culpa é fácil, mas
por exemplo, na responsabilidade médica é difícil fazer prova do nexo de causalidade.
Há juristas que consideram dois nexos diferentes:
Mafalda Miranda Barbosa – tem vindo a distinguir:
(1) causalidade fundamentadora da responsabilidade – ligação da conduta do
lesado e do direito, essa conexão traduz uma inspiração do direito alemão.
(2) causalidade preenchedora da responsabilidade - em que se analisa a relação entre
a lesão desse direito ou desse interesse protegido pela norma e os danos daí
derivados.
Ou seja, se a causalidade fundamentadora da responsabilidade nos leva ao dano
evento, esta leva-nos para o problema da circunscrição dos danos que devem ser
imputados ao autor de uma certa conduta ilícita.
94
Não basta ter alguém que pratica facto ilícito, danos e culposo, para que seja indemnizado
temos que chegar ao 5ª plano de demonstrar que o dano(s), devem ser atribuídos ao autor do
facto. Podem não ser todos atribuídos.
Causalidade é uma coisa e condicionalidade é outra! Não são sinónimos.
Por vezes, dizemos que o facto é condição do dano, mas não quer dizer que o facto foi
causa do dano!!
Não há um único critério para solucionar o problema dos danos que devem ser imputados
objetivamente ao lesante, há várias possibilidades, vários critérios:
Critério da conditio sine qua non, embora como mero ponto de partida.
Temos depois os 2 critérios preferidos:
1. Causalidade adequada – este quase sempre adotado nos tribunais.
2. Causalidade normativa ou teleológica ou escopo de proteção da norma
(MENEZES CORDEIRO E MENEZES LEITÃO). Apesar de este ser um
bom critério, é satisfatório quando a ilicitude viola normas protetoras de
interesses.
E temos ainda outras possibilidades mais residuais:
1. Causalidade presumida – falamos em culpa presumida.
2. Causalidade probabilística – com um juízo de prognose póstuma,
vendo se aquele facto era em abstrato provável de provocar aquele dano.
3. Responsabilidade pelo risco - ver se o dano está conexionado com o
círculo do risco pelo qual alguém responde (quem tem um animal,
assume riscos à detenção desse animal e se o dano se relacionar com
aqueles riscos, é efeito da ação do animal e o dono responde).
O nosso legislador não nos facilitou a vida, porque nos deixa o 563º CC.
Esta norma é muito enigmática, há quem diga que consagra a conditio sine qua non (BP o
que não parece) – o prof. Vaz Serra queria consagrar a causalidade adequada e até queria
consagrar a fórmula negativa. Mas entre o queria e o que ficou há uma grande distância.
Para Menezes Cordeiro, o art.563º CC não impõe a causalidade adequada, mas também
não vê qual a alternativa.
O ilício tem que ser danoso o que é outro problema porque na privação de uso, pode o
ilícito não ser danoso. E ainda porque a norma não exige a prova do decurso causal, mas
apenas a probabilidade razoável da sua existência.
Também interessa saber se a afirmação deste pressuposto leva a que os lesantes tenham que
responder por danos que não previsíveis. O lesante nunca pode dizer que não indemniza o
dano porque estava longe de o prever, a previsibilidade não pode ser chamada aqui, trata-se
apenas de averiguar o decurso causal, se um facto daquele tipo é ou não idóneo se foi ou não
indiferente para a produção do dano, se houve circunstâncias anómalas para a produção do
dano.
Nada de subjetividade ou previsibilidade.
95
Também é importante é que o facto lesivo não é um facto simples, às vezes começamos a
analisar o problema e podemos encontrar a intervenção de factos fortuitos, condutas de
terceiros, condutas dos próprios lesados.
Estes problemas de nexo de causalidade, são dentro da dificuldade os que são mais simples de
estabelecermos uma causalidade exclusiva. Olhar para o facto e ver que o facto foi causa adequada
e exclusiva dos danos, embora isto não seja muito frequente. O caso costuma ser mais complexos.
No concurso de responsabilidade, quando falamos da causalidade múltipla, com várias
variantes, a maior parte conduz a um regime de responsabilidade solidária.
Mas podemos ter a causalidade concorrente necessária, isto é, aquele dano foi
provocado por duas causas e ambas concorreram para o dano, pode ser conduta culposa
do lesante e do lesado.
o É solidária na há causalidade cumulativa, pessoa que envenena o cão e
depois vem outra que faz o mesmo. Qualquer desta determina a morte do cão,
uma delas bastaria, mas como há duas ações, nesta chamada causalidade
cumulativa, ambas respondem solidariamente.
o Ela também é solidária numa causalidade imediata, em que uma causa e
outra e temos de considerar ambas, a causa mediata e a segunda causa
imediata, que é que verdadeiramente provoca o dano, mas como a segunda
está ligada à primeira, justifica a responsabilidade solidária dos que colocam
em casos as duas causas.
96
Isto não exclui a responsabilidade do autor da causa real. Por vezes, temos que atender no
comportamento alternativo lícito, temos que atender nessa conexão (Pedro Lima –
causalidade virtual do chamado comportamento alternativo lícito)
o Por vezes, surge nos tribunais caso em que há uma rixa, e uma delas aparece
morta, não se sabe quem matou, na perspetiva da apreciação causal isto leva a
uma causalidade alternativa também chamada causalidade incerta. E nestes
casos, o que se faz de forma geral, é responsabilizar todos, a não ser que algum
deles prove que não foi ele.
o Esta também tem aplicação em caso de gravidas que tomar hormonas
produzidas por laboratórios, em virtude disso os filhos nasceram com
malformações e agora quer saber qual dos laboratórios, qual foi o produtor,
não se sabendo respondem solidariamente, a não ser que algum demonstre que
não foi ele.
o Na parte em que os tribunais apreciam quais as causas implicadas no evento
danoso, ou seja, quando tentam averiguar em ponto de vista naturalista, quais
as condições sem as quais o dano não se teria produzido, isso é considero mera
questão de facto, logo, o STJ não tem possibilidade de controlar isso. Na parte
de aplicação do critério jurídico da causalidade adequada, aplicando o CC isso
já pode ser questão de direito, por exemplo, afirmando que o critério foi mal
aplicado.
97
relação aos advogados é mais fácil porque quase sempre se vincula a obrigações
de meios. Já é mais difícil na área médica. E podemos até ter um concurso de
responsabilidades.
De uma forma geral há muitas responsabilidades profissionais. Mas o profissional só
responde se tiver culpa.
A responsabilidade é subjetiva. De forma geral, os profissionais quando iniciam a sua
atividade tem que fazer seguro de responsabilidade civil, por exemplo, administradores
tem um seguro obrigatório, os peritos avaliadores de imoveis também.
Este seguro obrigatório os advogados já não estão, assim como, os médicos também não
estão.
Este seguro tem algumas caraterísticas comuns:
o Há um capital mínimo de garantia;
o Seguro não cobre pagamentos que o profissional tenha que fazer a título criminal,
disciplinar ou contraordenacional.
o Havendo uma franquia, existe uma importância que o seguro tenha pagado o lesante
terá que devolver à seguradora, porque não faz parte do seguro.
o Em caso de atuações ou omissões dolosas, ou ações que pratique sob influencia de
álcool e drogas.
1. RESPONSABILIDADE MÉDICA:
Também se discute em algumas atividades profissionais – médicos e advogados, se podem
ser consideradas relações de consumo. Há jurisprudência do STJUE sobre esta questão.
A responsabilidade médica, pode atingir médicos, hospitais, enfermeiros, laboratórios.
Pode haver culpa organizativa, se o hospital estiver mal-organizado e houver danos para um
doente, pode ser suscitada a responsabilidade.
A responsabilidade médica pode ser contratual ou extracontratual ou pode se abrir um
conjunto de responsabilidade;
É importante saber se o hospital em que o médico trabalha é do SNS ou Privado.
É importante saber o tipo de contrato que o doente fez com a clínica, há quem distinga três
tipos:
(1) total – envolve internamento e prestação de serviços médicos;
(2) total com escolha do médico – pode escolher o médico que o quer tratar;
(3) dividido – há um internamento prestado pela clínica, mas o paciente faz contrato
autónomo com o médico que o vai tratar, a clínica é apenas o local onde será tratado o
médico.
Nesta área temos o problema da competência jurisdicional, as ações ou são intentadas nos
tribunais administrativos ou não administrativos, é importante nesta área o consentimento
prestado para o ato médico, surgindo acórdãos que se conclui que não houvesse esse
esclarecimento.
Caso recente de responsabilidade civil médica – TRL de 24/01/2019 – clínica que fez com
que uma paciente em contrato de prestação de serviço médico dentário, visava a colocação de
implantes, isto correu mal e a senhora responsabilizou a clínica, mas também a médica que
tinha sido contratada pela clínica e iria responder como auxiliar da clínica (art.800º CC).
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A presunção de culpa não foi ilidida e o acórdão parte de algo discutível, em que a colocação
de implantes é uma obrigação de resultado. Mas se a paciente quisesse responsabilizar
diretamente a médica, só o poderia fazer extracontratualmente porque fez o contrato com a
clínica e não com a médica.
2. RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR:
Prevista no DL 383/99 de 6 de Novembro;
Este resultou de uma Diretiva de 1985, e o DL consagrou e isto tem sido entendido sem
dúvida que há aqui uma responsabilidade objetiva do produtor, responsabilidade de natureza
extracontratual causado por defeitos dos produtos colocados em circulação.
A boa aplicação deste decreto pressupõe termos ideias precisas sobre 4 aspetos:
Saber quem é considerado produtor – art.2º;
o (não se aplica aqueles que são meramente vendedores de produtos defeituosos)
o (também não se aplica a vendedor que importa da UE)
o (também não se pode aplicar os prestadores de serviços);
Saber o que é o produto – art.3º;
Saber o que é um defeito – art.4º - relacionado com a segurança do produto,
sobretudo nos bens pessoais.
— A desconformidade do produto, leva-nos mais para o regime da
responsabilidade pela compra e venda de bens defeituosos.
⚠️Ac. TRL de 27/02/2007 - air bag que explodiu e libertou gases que queimaram o condutor, há aqui
um produto que se revelou perigoso e que caberia no âmbito do Dec. Lei.
⚠️O mesmo para embalagem de álcool explode para aquecer grelhador de pedra, esta explosão com a
qual não consta, é reveladora de determinada perigosidade;
Do ponto de vista probatório, é bastante pesado para o lesado, este tem que fazer a
prova não só dos seus danos, tem ainda de fazer a prova do defeito. O tribunal tem de
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aceitar, uma prova não muito exigente, diga-se de primeira aparência. E o lesado tem de
provar a relação causal, entre o defeito e os seus próprios danos.
Art.5º - produtor. Tem a possibilidade de provar algumas circunstâncias que vão excluir
a sua responsabilidade ou de possível exclusão indemnizatória (culpa de lesado).
Art.6º - preocupa com a possibilidade de haver várias pessoas responsáveis, logo, na
resp. extracontratual, são solidários na responsabilidade.
Art.7º - culpa concorrente da lesão – exclusão redução da indeminização.
A culpa do lesado pode consistir em várias condutas:
i) uso errado do produto;
ii) instalação do produto;
iii) não ler as instruções do produto;
iv) apesar de ter lido, toma o medicamente aceitado o risco inerente à sua potencial
toxicidade – medicamentos (Ac. TRG de 27/06/2007) - Por vezes, não é fácil, o
tribunal adere à tese do concurso do risco e culpa do lesado, a questão é de saber
se o produto é defeituoso, ou o lesado não leu as instruções;
Ac. STJ de 15/09/2016, relatora Graça Trigo – no âmbito do regime da
responsabilidade civil do produtor (DL 383/89), é irrelevante o apuramento da culpa dos
produtos (trata-se de uma responsabilidade de índole objetiva), bem como, estando em
causa danos resultantes de lesão corporal, o uso profissional ou privado dado ao produto
perigoso; por seu turno, a culpa do lesado, qualquer que seja o seu grau, não determina
necessariamente, a exclusão da obrigação de indemnizar.
A indeminização do diploma tem os limites do art.9º, é um regime que não pode ser
excluído ou limitado, perante o lesado.
Perante o art.10º, deve-se reconhecer que isto é norma própria do direito do consumo.
Temos um prazo de prescrição de 3 anos. E de caducidade de 12 anos, desde o momento
que o produtor coloca em circulação o produto.
Para desenvolvimento destes aspetos – Prof. Graça Trigo, Responsabilidade Civil (temas
especiais); Revista Eletrónica de Direito – Vera Lúcida – Responsabilidade do produtor
de produtos defeituosas;
100
Se pensarmos que a ilicitude surge ligada a uma ideia de reprovação objetiva, não podemos
falar rigorosamente em ilicitude, a não ser em alguns casos, vendo a ilicitude como ilicitude
de resultado quando há atropelamento de peão, temos a lesão de direitos de personalidade,
mas isso é uma conceção algo estática de ilicitude, porque nestes casos, não está aqui
presente aquela ideia de responsabilização objetiva;
A circunstância de estes responsáveis, responderem sem culpa, não significa que não possam
responder por culpa.
A responsabilidade pelo risco, é um reforço de tutela que não afasta e absorve a
responsabilidade por culpa – podemos ter atropelamento porque o condutor ia distraído e
porque o pneu do veículo rebentou (em muitas destas situações devemos saber se há culpa ou
não há culpa, porque não havendo culpa, haverá limites de indeminização, por isso, se houver
culpa, não há limites indemnizatórios)
Não é responsabilidade absoluta, por exemplo, na do produtor víamos que existiam
válvulas de escape para não responder (art.5º), mas na responsabilidade do produtor passa-se
por todas as responsabilidades objetivas, na medida em que o responsável poderá invocar e
alegar a culpa do lesado, ou de um terceiro.
Estas responsabilidades e questão indemnizatória, devem ser vistas na perspetiva do nexo de
causalidade, para haver responsabilidade deve se apurar se estão em conexão com a
própria ideia de risco que preside a cada uma destas responsabilidades.
101
Este regime do 502º, é um regime algo penalizador para os detentores dos animais.
Porque:
O 502º não tem limites indemnizatórios, o legislador não considera limites, talvez
pensando que a indeminização seria perfeitamente suportada pelos detentores;
Não é possível, neste âmbito, os detentores estarem a invocar circunstâncias de
força maior, estas constituem uma boa circunstância exoneratória; (margem reduzida
para a intervenção da força maior).
Como circunstâncias exoneratórias – culpa do lesado (mesmo aqui pode ser
compatível com o risco, intervenção de terceiros)
Perigo especial – exigência da conexão de risco, se o dono do gato pega nele e o atira a
alguém, não está preenchida essa parte do art.502º, aqui haverá puramente responsabilidade
subjetiva.
Culpa do lesado – circunstância exoneratória mais relevante, a jurisp. Nem sempre se revela
coerente:
Ac. TRP de 14/06/2016 – aqui a questão principal, como vemos é mais a conduta do
lesado do que considerar o risco especial do cão. A relação de lisboa, num ac. de
5/03/1998 – o facto de alguém ter franqueado a entrada em jardim vedado, sem
anúncio prévio, vindo a ser mordido por cão, não afasta a responsabilidade objetiva
do dono do cão. Temos situações aparentemente similares, mas conduzem a
resultados diferentes;
Ac. TRG de 15/10/2020, Cristina Cerdeira – confronta o âmbito de aplicação do 493º
e 502. ‘’ No âmbito da responsabilidade civil por danos causados por animais, o
preceito do art.502p é especial em relação ao 493º, do mesmo código, pelo que aquele
prevalece sobre este’’.
102
⚠️Danos causados por danos utensílios de energia, não são reparáveis nos termos desta disposição,
estes danos se relacionarem com a defeituosidade equivalente à perigosidade podem determinar a
responsabilidade do produtor por produtos defeituosos.
Sujeita a limites de responsabilidade – art.510º;
103
os riscos específicos do veículo, poderiam ter sido conseguidos com outra
coisa qualquer, não funcionado a garantia do seguro.
— Este Ac. veio a ser criticado pela Maria José Rangel de Mesquita, e também é
certo que passado algum tempo, o mesmo STJ no Ac. de 6/07/2011,
conselheiro Hélder Roque, o Supremo neste caso, alterou a sua posição.
— POSIÇAO SECUNDADA PELO TJUE (C-503/16) – CASO DELGADO
MENDES – prevê a posição do Ac. do STJ de 06/07/2011, relator Hélder
Roque.
Esta dúvida de saber se é ou não acidente de viação, também surgiu noutras decisões,
por exemplo - TRC em 18/10/2008:
— Pronunciou-se sobre caso em que um automóvel em logradouro privado,
atropelou uma catatua, os donos desta vieram responsabilizar o condutor, a
Relação de Coimbra, entendeu que o logradouro era privado, não poderia
haver aplicação do Código da Estrada, o que não significa que não seja
acidente de viação, e se aplicasse as normas do CC, relativas à culpa e ao
risco.
— Neste caso, conclui-se por uma concorrência da culpa do condutor e da
catatua, mas se consultarmos este acórdão, no sumário não traduz o seu
conteúdo, pq no sumário diz que não é acidente de viação, a morte de um
animal provocada por manobra de automóvel.
Ac. TRG de 10/07/2018 – pronunciou-se sobre a existência ou não de acidente de
viação, no caso de atropelamento de um trabalhador, por retroescavadora que
trabalhava na obra quando a máquina fazia marcha a ré.
— Entendeu-se que, a Relação de Guimarães, entendeu eu seria apenas um
acidente de trabalho, não deve ser abrangido pelo seguro de responsável
automóvel, mas antes de laboração inere tente ao funcionamento da máquina
industrial. Teve a ver com os riscos próprios de laboração inerentes ao
funcionamento da máquina industrial e não com os riscos de circulação
enquanto veículo automóvel.
— Há determinados de veículos, por exemplo, tratores, podem ter diversas
funções, pode funcionar apenas como máquina agrícola, não se coloca aqui a
questão de existência de um acidente de viação, mas já poderá funcionar (Ac.
TRE de 11/01/2018), como veículo de circulação terrestre – art.4º do SORCA,
pode relacionar-se com a função de transporte rodoviário.
Ac. STJ de 17/06/2010 – caso de uma empilhadora que num armazém de
mercadorias aberto ao publico, atropelou uma pessoa.
— Aqui o Supremo não teve dúvidas em considerar que era um acidente de
viação, aplicando o 503º do CC, embora no caso em concreto, o respetivo
condutor, o comissário tinha tido culpa efetiva.
— Neste caso, como se tratava de um armazém aberto ao publico e o veículo
circulava, movimentava-se, funcionado como circulação terrestre.
Assento 1/80 – o 493º, nº2 – não se aplica aos veículos de circulação terrestre.
— Este acórdão suscitou várias críticas, gerou problemas de possível
inconstitucionalidade, e as críticas mais contundentes são da GRAÇA TRIGO
104
(nos cadernos de direito privado), diz que o Assento 1/80, teve efeitos
perversos, porque os chamados comissários são colocados numa posição
de desfavor em relação a todos os outros condutores.
— Fazendo uma proposta de iluminação do 503º, nº3 – defendendo a aplicação
do 493º, nº2, a todos os acidentes de viação.
— Esta posição também foi defendida por PINTO DE OLIVEIRA, e não só, mas
enquanto o legislador não tomar posição é certo que o 493º, nº2 não é aplicado
aos acidentes de viação que envolvem veículos de circulação terrestre.
— O tribunal tem levado a cabo uma interpretação restritiva do assento, ou
seja, não o aplicar no caso de acidente ocorridos com veículo em que há
atividade perigosa da circulação e se junte uma perigosidade especial, estando
em causa veículos especialmente perigosos, não se trata de um mero veículo
como é o automóvel, ou autocarro, ou motorizada, mas é veículo com especial
perigosidade. Por exemplo, camião que transporta combustíveis ou caso de
veículos automóveis em rally.
Artigo 503º CC – a ideia principal do 503º, nº1, é a ideia do detentor que é o primeiro
responsável, detentor não é condutor, embora há detentores que são condutores.
Se é certo que a propriedade faz presumir a detenção, em princípio o proprietário é o
seu detentor, há detentores que não são proprietários, é o caso do usufrutuário, do
locatário. Há uma distinção entre proprietário, detentor e temos ainda o condutor
(caso do comissário que não é proprietário, nem detentor).
A responsabilidade é pelos riscos dos danos próprios do veículo, mesmo que não se
encontre em circulação. Mas também há que dizer que para que funcione a
responsabilidade do 503º, não é necessário que haja qualquer contacto.
Os riscos são ligados aos condutores, mas também ligados aos próprios veículos e
outras anomalias, também ligados às próprias vias de circulação.
Qualquer veículo de circulação terrestre? Temos de consultar o código da estrada
para verificar os veículos abrangidos.
Responsabilidade do comissário – este apenas responde por culpa e por culpa presumida
ou provada. Para responder pelo risco, tem de conduzir fora do exercício das suas funções,
com autorização do dono responderá ou pode responder pelo risco. Temos de conjugar isto
com a responsabilidade do comitente.
Assento 1/83 – clarificou o que no nº3 do 503º, se consagra presunção de culpa;
Assento 3/94 – esclareceu a dúvida dizendo que o artigo 503º, nº3, também se
aplica na colisão de veículos.
Assento 7/94 – veio dizer que no caso de o comissario responder por culpa
presumida não se aplicaria os limites máximos previstos no 508º. Também
desnecessário porque havendo culpa, já não funciona os limites máximos que se
fazem valer quando não há culpa.
Beneficiários da responsabilidade:
105
Terceiros – peão, condutor do outro veículo, transportado no outro veículo;
Pessoas transportadas – distinção entre:
— transportados a título de contrato (aqueles que pagam);
— transportados a título gratuito.
Os primeiros, a responsabilidade abrange os danos que atinge a própria pessoa e as
coisas por ela transportada, há maior proteção por aqueles ligados por virtude do
contrato, por exemplo, mulher ou filhos do transportado apenas pode recorrer ao 496º,
havendo culpa do transportador.
No nº3, surge duas categorias: 1) à boleia; 2) os que são transportados ao abrigo de transporte
gratuito. O regime é que a responsabilidade abrange apenas os danos pessoais.
A grande questão do nº2 e 3, é saber se a pessoa é transportada a título gratuito ou oneroso,
aqueles que utilizam o critério económico – se o transporte foi pago, é oneroso e aplica.se o
nº2.Se não foi pago, aplica-se o nº3 – Antunes Varela.
Há juristas que aplicam o critério do interesse, o transporte pode ser oneroso mesmo que
não seja pago, quando o transportador tem interesse em transportar aquela pessoa,
profissional, não profissional, deve ser considerado oneroso, se o marido transporta a mulher,
não paga, mas como há interesse.
Aula 11 – 20/12/2021
(continuação)
ACIDENTES DE VIAÇÃO:
Casos em que o lesado, não tem o cinto de segurança;
Casos em que sabe que o condutor não está habilitado;
Casos em que o próprio transportado sabia que estava alcoolizado;
106
A ideia é de proteger ao máximo os lesados mesmo que se concluía que estes tiveram
alguma culpa, na origem dos seus próprios danos.
Art.505º CC - é particularmente relevante porque estão aqui as causas que permitem aos
detentores, permitem afastar esta responsabilidade.
Primeira causa exoneratória – inicialmente, até 2007, o tribunal não admitia a culpa
do lesado pudesse concorrer com a responsabilidade pelo risco.
Havendo acidente em que não se demonstrasse a culpa do condutor e demonstrava a
culpa do lesado, não se admitia outra coisa que não fosse a exclusão da indeminização. A
culpa absorvia o risco, não se admitia situações de flexibilidade.
Em 2007, há um ponto de viragem na jurisprudência, este é representado por Ac. (Santos
Bernardino) de 4/10/2007, afirmando que o texto do 505º que nele se acolhe a regra do
concurso de culpa do lesado e risco do veículo, só demonstrando que a causa do
acidente radicou exclusivamente na conduta do lesado é que não haveria concurso entre a
culpa e risco. Ao concurso aplica-se o disposto do 570º do CC.
Este conselheiro (Santos Bernardino), em 2009 relata o Ac. de 22 de Janeiro, onde
defende as mesmas ideias, esta interpretação atualista, a partir de 2007 e antes, foi
defendida por outros juristas – CALVAO DA SILVA, BRANDAO PROENÇA, VAZ
SERRA.
z Ac. STJ, de 25/05/2021 (Clara Sottomayor);
z Ac. TRP de 4/02/2019 (Carlos Gil) – na linha de uma jurisprudência mais rígida,
‘’deve considera-se excluída a responsabilidade objetiva pelos danos provenientes
dos riscos próprios de veículo num caso em que resulta ferido um menor, com 10
anos, que saiu do interior do veículo onde estava (..)’’
z Ac. TRL, de 14/01/2021 (Jorge Leal) – não há impossibilidade em termos
absolutos de ocorrer o concurso. Tratando-se de um adulto com passadeira e
atravessa subitamente, apesar de em termos teóricos admitir o concurso depois
este foi excluído.
z Ac. TRC de 14/10/2015 (Pilar de Oliveira) – este acórdão, na interpelação
atualista tenta-se proteger os utentes vulneráveis, estes são as crianças, ciclistas,
pessoas com alguma deficiência, pessoas com mobilidade reduzida, como neste
caso, não era nenhum destes utentes, de que não se justificaria uma interpretação
atualista.
Art.506º CC:
Esta norma tem várias situações,
O regime depende da dinâmica do acidente.
Não havendo culpa de nenhum dos condutores, deve ser repartida as cotas de risco, da
aptidão para causar danos e são fixadas as cotas contributivas, o veículo ligeiro tem cota
maior do que velocípede, e depois são fixadas as respetivas indeminizações.
Em caso de dúvida, considera-se igual a medida de contribuição de cada um dos veículos
para causar os danos.
107
A responsabilidade civil funda muitos casos de responsabilidade solidária;
Se cair sobre várias pessoas, todas respondem solidariamente, mesmo que haja culpa de
alguma ou algumas.
Enquadramentos contratuais:
STJ, 22 de Junho de 2004:
108
z Defendeu a existência de responsabilidade contratual da própria
concessionária pelo acidente ocorrido em certa autoestrada.
z Partiu do princípio de que havia contrato entre o utente e a concessionaria,
contrato inominado em que o utente tem como prestação o pagamento de
uma taxa (portagem), como preço do contrato e a BRISA, a contraprestação
com a condição de utilizar a autoestrada com comodidade e segurança. Logo,
teria de ser a concessionaria a provar que não tinha culpa devido ao
aparecimento de um cão que provocou o acidente. Isto teve alguma aceitação
por parte de dois juristas – SINDE MONTEIRO e ARMANDO
TRIUNFANTE.
Tese de que haveria aqui um contrato a favor de terceiro, portanto, o contrato
entre a concessionário e o Estado, seria um contrato a favor dos utentes. Logo,
este contrato dava aos utentes direitos de exigir determinadas prestações.
Tribunal de STS de 2 de Maio de 1976 - Outra tese, defendia que havia contrato
entre concessionaria e Estado com eficácia de proteção para terceiros.
Enquadramentos extracontratuais:
Ac. STJ, de 14/10/2004:
z Responsabiliza a concessionaria extracontratualmente, com base no 483º
do CC. Por violação de normas protetoras de interesses.
Ac. TRC de 29/11/2005 – diz que no âmbito da responsabilidade extracontratual
que esta a chave para problemática dos acidentes de autoestradas.
Na doutrina foi acolhida por CARNEIRO DA FRADE e MENEZES
CORDEIRO.
Pode ainda ser defendido com aplicação do 492º/1 do CC, ao ver a autoestrada
como obra causadora de dano.
Ou com aplicação do 493º, nº1, causados por coisas com o dever de as vigiar.
Enquadramento de fusão:
z Concurso de responsabilidades. Foi isso que fez o AC. de TRC de 10 de Janeiro
de 2006.
O que alterou o art.12º da referida lei? A questão mais importante do conteúdo provatório
da concessionária.
Esta lei de 2007 e particularmente o art.12º, não entra na questão do enquadramento
jurídico. Os lesados saberão devidamente auxiliados pelos advogados saberão o
melhor enquadramento.
É evidente que lendo o art.12º, há um segmento que pode fazer tender para
enquadramento contratual, embora esse seguimento não tem muita força para isso.
A grande preocupação com o art.12º, foi aliviar os utentes do ónus da prova,
bastante difícil de demonstrar a culpa das concessionarias.
Sendo certo que o legislador sobrecarregou as concessionarias com um ónus da
prova, particularmente exigente, ao ponto de que o TC se pronunciou sobre a
possível inconstitucionalidade do art.12º - Ac. TC 596/2009.
109
A norma vem dizer que nas autoestradas em caso de acidente rodoviário com
consequências danos para pessoas ou bens o ónus da prova, cabe à concessionaria
desde que a causa diga respeito:
1. objetos arremessados para a via
2. atravessamento de animais
3. líquidos na via quando não resultantes de mau tempo.
Este artigo 12º, só é possível de aplicação nestas três hipóteses, noutros casos,
aplica-se simplesmente o CC e não este artigo.
Discute-se se o art.12º consagra uma concessão de culpa sobre as concessionarias ou
presunção de responsabilidade ou presunção de incumprimento.
Crê-se que talvez seja mais correto afirmar que há presunção de incumprimento,
não há aqui referencia á presunção de culpa, nem referencia à presunção de
irresponsabilidade.
Ac. TRG 17/12/2012 – não entendeu bem a Relação de Guimarães.
Esta lei foi considerada interpretativa e não inovadora. Já consagrava coisa que se
defendiam anteriormente.
Na jurisprudência administrativa, em acidentes de auto estrada, competem à justiça
administrativa. O que é certo é que os nossos tribunais, são particularmente exigentes
na prova que as concessionarias tem de fazer para não responder não basta prova
genérica e se o tribunal fiar com duvidas de como apareceu o animal, esta responde,
tendo de ser convincentes e persuasiva, provando que o acidente sempre teria ocorrido
ou o animal foi colocado por alguém.
z Ac. do TCAS de 26/11/2020 (Celeste Carvalho);
z Embora o art.12º exige a confirmação das causas do acidente por
autoridade policial competente, há um acórdão que entende que não há
aqui essa obrigatoriedade – Ac. TRP de 14/Janeiro de 2013;
DIREITO SUBSTANTIVO DOS ACIDENTES DE VIAÇAO E SORCA – O
JOGO DA CORDA
A primazia deve ser dada à responsabilidade civil, devemos começar por encontrar os
responsáveis civis. E depois fazer funcionar o seguro obrigatório – basta ler algumas normas
do DL 291 de 2007, no art.1º, art.11º e 15º -
Questão essencial: Como configurar o relacionamento entre a responsabilidade civil e o
seguro obrigatório? O caso paradigmático do AUJ nº 12/2014;
Esta questão é paradigmática o Ac. uniformizador – este é um acórdão relatado pelo
Sérgio Poças - diz que no caso de morte do condutor de veículo causado por culpa
exclusivamente do mesmo as pessoas do nº2 do 496º, não tem direito a qualquer
compensação de danos não patrimoniais decorrentes daquela morte, por
exemplo, despiste por culpa própria, a sua esposa e filhos não tem direito a
compensação de danos não patrimoniais pela morte.
Este Ac. teve vários votos de vencido e foi anotado em sentidos diferentes:
1) CALVAO DA SILVA – criticou este acórdão uniformizador porque conferiu
maior primazia ao seguro, surge nesta perspetiva, porque colocava em causa o
110
efeito útil das diretivas e que o ac. colocava em causa a logica do seguro
obrigatório, de ampla proteção dos lesados e intervém mesmo nos casos de
acidentes dolosamente causados.
2) FILIPE ALBUQUERQUE MATOS – considerou acertado o ac. uniformizador
dentro da própria logica da responsabilidade civil, porque não havia um terceiro
causador do acidente, estes não seriam considerados terceiros lesados.
Art.506º - preocupa-se com a fixação dos responsáveis e a lógica do seguro é outra, que é a
fixação dos terceiros que devem ser protegidos, pode assim haver soluções que se
desencontrem.
É verdade que a segurador só é obrigada na medida em que seria o segurado caso
respondesse pessoalmente?
É um seguro pessoal porque cobre uma responsabilidade, cobre o pagamento de
indemnização da pessoa que seja civilmente responsável, mas também é certo que
este seguro adquire uma feição real, precisamente nos casos do art.15º.
O seguro é uma garantia do pagamento das indeminizações a cargo dos segurados que
beneficia terceiros.
É um seguro perante terceiros e vem a cobrir a responsabilidade daquelas pessoas que
por um lado, está obrigado a fazer o seguro, mas também cobre a responsabilidade
dos legítimos detentores e condutores. O veículo pode ser conduzido não pelo
proprietário, mas por um comodatário ou comissário, e nessa hipótese o seguro cobre
a respetiva responsabilidade.
O âmbito de cobertura, tem um capital mínimo seguro previsto no art.12º, este é
revisto de 5 em 5 anos, é de 7 milhões, para danos corporais e danos materiais.
Há neste diploma a importante norma do art.14º, das exclusões, temos a lógica do
próprio seguro, havendo certos riscos que não estão cobertos. Exclui-se os danos
corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro. Exclui-se danos materiais
causados.
No caso de falecimento, em consequência de qualquer acidente da alínea e) e f) é
excluída qualquer indeminização ao responsável do acidente.
No nº3, sanciona-se os responsáveis pelo acidente, já assim no nº1 do art.14º, o que
também nos faz pensar que o acórdão uniformizador não será assim tão incorreto
como alguns críticos fizeram crer.
Há um aspeto na parte do dano, desses diferentes pontos de vista entre o código e o
seguro, a questão da excessiva onerosidade, o art.41º, deste diploma de 2007, tem
excessiva onerosidade.
Temos de considerar a importância do fundo de garantia automóvel – este tem um
papel subsidiário, apenas intervém na hipótese do art.47º, responsáveis desconhecidos
ou isentos da obrigação de seguro, ou em razão do veículo em si mesmo ou
responsáveis incumpridores da obrigação de seguro.
Art.62º e artigo 64º - estes litisconsórcios, sucede que as ações são intentadas contra a
seguradora, dentro do âmbito do art.12º e este tipo de ação intentada apenas contra a
seguradora, é o que se chama de ação direta.
Ac. TRC de 12/07/2017, Vítor Amaral – importante para a noção de terceiros.
111
QUESTÕES PRÁTICAS:
1. Se um garagista, considerado detentor, não tiver seguro, pelos danos causados por ele
responde o seguro do dono do veículo ou o FGA?
O garagista está obrigado no âmbito da profissão a ter seguro de responsabilidade
civil – art.6º, nº3.
Em determinadas situações a detenção pode passar para o garagista. Pode haver
acidente quando o veículo está nas mãos do garagista e fora da detenção do
proprietário e o garagista não ter feito seguro, responde a seguradora do dono
do veículo ou FGA?
o Temos de aplicar o art.23º:
Se não houver seguro de garagista, responde o seguro do proprietário,
Caso tenha este porque se não tiver tem de entrar em jogo o FGA.
No caso e a indemnização ser paga pelo seguro do proprietário, existe
direito de regresso pela companhia de seguros, art.27º.
o No 27º, há duas alienas que causam controvérsia:
alínea c) – tem direito de regresso contra o condutor quando tenha
dado causa ao acidente e com taxa de álcool superior à admitida ou
consumo de drogas.
Sobre esta hipótese, houve no âmbito do DL 502/85, Acórdão
Uniformizador, 28 de Maio de 2002, segundo o qual, a al. c),
correspondia à aliena c) do art.27º, exige para a procedência do direito
de regresso sobre o condutor o ónus da prova, pela seguradora do
nexo de causalidade adequada entre o efeito do álcool e o acidente.
A alínea c) do art.19º, não tem a mesma redação do artigo 27º, mas
discutia-se se teria de haver prova entre a condução com o álcool e a
causa do acidente.
Tem de provar que o condutor: 1) deu causa ao acidente e 2) provar que
conduzia com taxa de alcoolemia superior à admitida. Agora não tem de
fazer a prova de nexo de causalidade (BP – defende a exigência da prova de
nexo de causalidade).
alínea d) - exigindo o direito de regresso, quando o condutor não está
habilitado ou quando abandona o sinistrado, é necessária a prova do
nexo de causalidade?
No caso do abandono, houve acórdão uniformizador (Ac. 11/2015).
No artigo 19º, praticamente coincide com a alínea d) do art.27º, e hoje
se consultamos jurisprudência sobre o abandono dos sinistrados,
vamos encontrar reflexos do ac. uniformizador. (BP entende que esta
solução do Ac. Uniformizador não é a melhor pq está a onerar, o
condutor com uma indeminização ou parte dela que é pura e
simplesmente da responsabilidade da companhia de seguros).
112
2. CASO CONDUTOR DE VELOCIPEDE NÃO MOTORIZADO ATROPELE UM
PEAO, PODE O LESADO DEMANDAR O FGA? (Ac. STJ de 20/11/2019; Ac. TRG de
16/05/2019).
Aqui o que se decidiu e bem, não havia possibilidades de o peão demandar o fundo de
garantia automóvel porque só há obrigatoriedade nos casos de veículo a motor, sendo
bicicleta não há obrigação de segurar. DL 491/2007
4. Estão cobertos pelo SOCRA os danos não patrimoniais sofridos pelos familiares do
condutor falecido em virtude de acidente a si imputável? Ac. AUJ nº 12/2014
5. Tem o marido culpado pela morte da mulher transportado direito a ser indemnizado? E
se o acidente resultar do rebentamento de um pneu? E, nesta hipótese, morrendo um
transportado à boleia, teria o cônjuge direito a ser indemnizado?
o A resposta, tendo em conta a culpa do marido, a questão da responsabilidade está
decidida. Agora se perguntarmos se o marido pode ser considerado um 3º e neste
caso, ser indemnizado, a resposta está no art.14º, nº3.
o No caso de o acidente resultar de rebentamento de pneu e não relacionado com culpa
do condutor, temos de olhar para o CC, e podemos entender que a mulher é
transportada a título oneroso e quanto a estes o CC, só repara os danos da própria
pessoa transportada e das coisas que transporta consigo, e não dá reparação a mais
ninguém. Neste caso, significa que se o CC, o seguro não pode dar.
o O mesmo se dirá morrendo o transportado a boleia. No caso dos transportes gratuitos
apenas se repara os danos corporais do transportado.
8. O que entende por ‘’responsável civil’’ no art.62º, nº1 do SOCRA? Se a utiliza veículo
de B sem autorização, B é responsável civil pela circunstância de não ter seguro? Ac. C-
80/17 do TJUE.
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