Você está na página 1de 9

A conduta omissiva (a omissão)

Os factos penalmente relevantes podem ser praticados por ações e por omissões.

Distinção entre agir e omitir


Na ação há um processo corporal que caminha no sentido de um evento criminoso, enquanto na omissão não se
verifica um tal investimento energético determinado. Ex: o nadador-salvador que afoga um banhista na piscina
emprega as suas forças para produzir o resultado morte, enquanto o nadador-salvador que apenas contempla
impavidamente, o afogamento do banhista que não sabe nadar não mobiliza nenhuma fonte de energia para
produzir o resultado morte, limitando-se a deixar as coisas acontecerem.

O centro de gravidade do desvalor do comportamento


A realização de uma determinada ação implica, ao mesmo tempo, a omissão de um conjunto indeterminável de
outras ações.
Sem adotar as medidas necessárias de desinfeção da matéria-prima, o gerente de uma fábrica distribui aos seus
funcionários um grande volume de lã de cabra contaminada por um agente patogénico. Em contacto com o lote
infetado, alguns dos trabalhadores morrem em consequência da contaminação. Assim, tanto a ação de entregar a
matéria-prima contaminada, quanto a omissão das medidas de desinfeção podem ser subsumidas ao tipo legal de
homicídio.
Para resolver estes casos, a doutrina costuma procurar o centro gravitacional da censurabilidade. De acordo com
esta fórmula, a distinção deve repousar em parâmetros normativos que se prendem com o significado objetivo
(social). Se o peso da ação por maior que o peso da omissão, estaremos diante de um crime comissivo. Se o peso da
omissão for maior que o peso da ação, estaremos diante um crime omissivo.
Contra esta intuição fala o princípio da preferência ou primado da ação diante a omissão – a omissão só entrará em
consideração se a responsabilidade criminal não puder apoiar-se numa ação do autor (princípio da subsidiariedade).

Crimes de omissão própria


Enquanto nos crimes de omissão própria a conduta a ser castigada preenche um específico tipo penal cristalizado na
PE e configurado como de delito de mera conduta, nos crimes de omissão imprópria a punibilidade deriva da
intenção normativa entre um tipo penal cristalizado na PE e uma cláusula de extensão formulada.
Crimes de omissão própria – art.138 b); 284; 257 n1; 190 n1; 200.

A estrutura analítica deste crime resume-se a dois momentos:


 Capacidade de ação – para que se possa falar numa verdadeira omissão é preciso que o comando de agir
encontre condições de efetiva densificação no concreto cenário de atuação, o que só acontecerá se o
destinatário reunir as aptidões físicas necessárias para empreender a esperada ação – a passividade de alguém
que não sabe nadar e por isso apenas observa, não obstante o seu desespero, alguém prestes a afogar-se, não
é uma conduta que preencha o tipo legal da omissão de auxílio.
 Segundo momento, é o não aproveitamento de uma possibilidade de agir (no sentido esperado) que se
encontra à disposição do destinatário do comando normativo.

Crimes de omissão imprópria


Artigo 10 CP n2 e 3 – três eixos estruturantes dos crimes de omissão imprópria – existência de um dever jurídico de
impedir a ocorrência do resultado descrito no correspondente tipo comissivo; a capacidade de realizar a ação de
evitação ordenada; a não realização da ação adequada a alcançar o pretendido efeito de salvaguarda do bem jurídico.

O ponto de toda a problemática da omissão imprópria reside na correta compreensão quanto ao dever jurídico de
garante que recai sobre a pessoa do omitente. A relação de garante é uma relação construída, uma norma de norma.

Fontes jurídicas do dever de garante – vem classificar (quanto ao conteúdo) as obrigações de garantia jurídio-
penalmente relevantes em duas grandes categorias: os deveres de vigilância e os deveres de proteção.
Enquanto os deveres de vigilância impõem ao seu titular a obrigação de evitar todos os resultados desvaliosos que
possam advir de uma determinada fonte de perigo, independentemente de qual seja o bem jurídico em questão, nos
deveres de proteção, a obrigação de impedir o resultado apoia-se na especial relação do obrigado com um
determinado bem jurídico, que deve ser resguardado perante toda e qualquer fonte de perigo.
Deveres de vigilância associados a três grupos de situações:
 Deveres de asseguramento – dever de controlar perigos que emanam do próprio corpo; quem detém posse ou
a guarda de um animal deve evitar que ele prejudique bens jurídicos alheios.
 Hipóteses de ingerência – estão em consideração os deveres de evitação que surgem em consequência de
uma conduta anterior do próprio obrigado – quando o condutor, sem infringir qualquer regra de cuidado,
atropela um peão, ainda que não tenha culpa no acidente, deverá providenciar socorro da vítima, sob pena de
responder pelo eventual resultado morte.
 Assunção contratual – ou meramente fática de uma específica tarefa ou função de vigilância sobre uma
determinada fonte de perigo – se diante de um cenário de desastre automobilístico um terceiro se
compromete, perante os demais sujeitos então igualmente dispostos a ajudar, a avisar o serviço de
ambulância, ele torna-se responsável pelas consequências que resultarem do não chamamento do socorro.

Deveres de proteção também ilustrados por uma tríade de grupos:


 Vínculos familiares.
 Segundo grupo, situações que abraçam posições de garantia que obrigam alguns funcionários públicos no seio
de determinadas instituições oficiais – o bombeiro (em turno de serviço) que se recusa a apagar o fogo que
consome um prédio realiza, com esta omissão, o tipo legal do crime de incêndio.
 Assunção do obrigado – que voluntariamente se compromete com a salvaguarda de determinados bens
jurídicos – baby-sitter que aceita cuidar de uma criança durante a ausência dos seus progenitores,
responsabilizando-se, durante esse período, pela sua integridade existencial.

Nullum crimen sine lege – princípio de direito penal de todos os países democráticos – não há delito sem lei
anterior que o defina – alguém só pode ser preso se a lei disser que a sua ação ou omissão constitui um fato
delituoso.

A conduta tentada (a tentativa)


Figura da tentativa – A com dolo de matar, efetua um disparo contra B, passando o projétil, entretanto, ao largo do
alvo: ainda que o agente já viole o específico dever jurídico-penal que deriva da norma de comportamento
subjacente do respetivo tipo legal de crime falta, em princípio, o lado objetivo do facto.
De acordo com o modelo do chamado iter criminis, todo o facto doloso punível cumpre um trajeto desde a mera
cogitação (nuda cogitatio) até a consumação do tipo legal e o seu eventual exaurimento, passando pela prática de
atos de preparação (conatus remotus) e pela tentativa (conatus proximus).
Diferença entre consumação formal e material. Consumação formal – basta-se com a realização de todos os
elementos do tipo penal; Consumação material – produção de um efeito que, embora textualmente mencionado
na descrição legal como ponto de referência da intencionalidade do comportamento do agente, não constitui um
elemento compreendido no tipo-de-ilícito, trata-se da verificação do resultado “extra-típico” que o agente busca
obter com a prática do delito.
Na tentativa temos desvalor de intenção, mas não há desvalor de resultado.

Elementos do tipo legal de crime de tentativa


Artigo 22 n1 CP. Poderá ser composto em três elementos: a decisão de cometer o facto, concebido este como crime
descrito em algum tipo penal da PE; a prática de atos de execução daquele facto e a ausência de consumação deste
mesmo facto.
Não há como refletir sobre a figura da tentativa sem recorrer ao chamado plano do agente. É nele que
encontraremos o eixo de referência para o estudo da responsabilidade do agente (art.22 n1). A dispara contra B,
que sofre um ferimento não letal na região do abdómen. Como saber se estamos diante de uma ofensa à
integridade consumada ou de uma tentativa de homicídio se não perscrutarmos a intencionalidade que levou A a
efetuar o disparo contra B?
Só há delito tentado se o sujeito age com dolo intencional e não é possível punir a tentativa com dolo eventual
sem violar a proibição de analogia in malam partem.

A delimitação entre preparação e tentativa: o início da execução


A tradição portuguesa e a maioria dos sistemas jurídicos atuais – considera que os atos preparatórios não são, em
princípio, puníveis (art.21), enquanto os atos de execução são um dos elementos da tentativa (art.22).
Claro é que se quaisquer atos preparatórios consubstanciarem a conduta prevista em um tipo de crime autónomo
(A furta uma arma para matar B) não deixarão de ser punidos segundo a moldura penal prevista para este mesmo
delito (art.344). A punição dos atos preparatórios é uma medida excecional e só se justifica em uma dupla
vertente. Por um lado, só quando estão em jogo bens jurídicos que sejam suporte à natureza ou à própria
compreensão de um Estado de direito e, por outro, na dimensão interna, quando já houver um plano do crime e
uma intenção definida.
Há tentativa quando o agente pratica atos de execução de um crime que decidiu cometer (art.22) – n2 a) – reflete
um critério objetivo-formal; b) – assume um critério objetivo-material.

Regime sancionatório
Artigo 23 n1 CP. A tentativa só é punível se ao respetivo crime consumado corresponder pena superior a três anos
de prisão. Assinalar a existência de três linhas básicas: a primeira oferecida pelas linhas objetivas, tem por
denominador comum a ideia de que o facto tentado deve ser sancionado penalmente porque carrega um perigo
próximo de consumação do tipo; segunda orientação, contida nas teorias subjetivas, afirmando que o facto
tentado deve ser punido porque nela já se manifesta uma vontade contrária ao direito, sendo a violação da norma
tematizada exclusivamente do ponto de vista do seu autor.

A tentativa impossível ou inidónea


Alguns ordenamentos jurídicos punem a chamada tentativa impossível ou inidónea (art.23 n3). A verdadeira cerne
da punibilidade da tentativa impossível reside na avaliação da perigosidade referida ao bem jurídico, sendo certo
que, o bem jurídico não existe, o que há é uma aparência de bem jurídico. Entende-se, dado o circunstancialismo
em que o agente atuou, o desvalor da ação merece ser punido, não obstante, não existir bem jurídico. E merece-o
porque denotou perigosidade a um bem jurídico de mera aparência.
Para que a tentativa punível deixe de o ser, estabelece o art.24 n1, que o agente desista voluntariamente de
prosseguir na execução do crime, ou impeça a sua consumação, ou, não obstante a consumação, impeça a
verificação do resultado não compreendido no tipo penal de crime. A desistência requer sempre como seu
elemento conceitual, a voluntariedade da conduta de abandonar o inicial plano delitivo.
A conduta do desistente não é suficiente para determinar a sua imputabilidade: tem de se esperar por um facto
independente da conduta do desistente. A englobar a não consumação ou a não verificação do resultado tem de
haver sempre, por parte do agente, uma vontade séria, exteriormente manifestada no sentido de querer evitar
aquelas finalidades.
A conduta culposa (a culpa)
A culpa constitui o juízo de desvalor ou de censura que os outros podem fazer sobre o comportamento jurídico-
penalmente relevante quando o agente podia e devia ter agido de outra maneira. O legislador não define o
conceito de culpa, mas o ordenamento jurídico - art.20 CP- define negativamente as nervuras materiais que
constituem os dois pilares básicos da noção de culpa jurídico-penal:
 Conceito de culpa esta em contacto direito e intencional, na capacidade de compreensão ou avaliação da
ilicitude do facto (aspeto cognitivo), e na capacidade de determinação do comportamento segundo aquela
representação (aspeto volitivo).
 Num plano estritamente formal, a culpa é a imputação através do qual se afirma a responsabilidade do
agente pela realização de um facto ilícito-típico.

A ideia de que o comportamento punível deve ser ilícito-típico e individualmente censurável estabelece um
princípio – princípio da culpa – que se desdobra em três estratos de análise:
 No quadro de princípio orientador de política criminal – O poder punitivo não se esgota na imposição de
sanções reguladas pelo princípio da culpa. O nullum crimen sine culpa apresenta finalidades na política
criminal do Estado. O princípio da culpa detém de autonomia do normativo.
 No plano de ideia regulativa – realiza-se e verifica-se no modo-de-ser do homem e da comunidade jurídica.
 No horizonte de pura censurabilidade concreta – a culpa carrega um denso e rico significado ético-social.
Por um lado, exige-se do agente um esforço de tensão axiológica mediadora para com os valores
fundamentais da comunidade (mínimo ético). Por outro, o agente sabe que se cumprir aquele dever ético-
social nunca sofrerá a imposição de pena.

Culpa e liberdade – Só se pode falar que alguém é jurídico-penalmente responsável se, se considerar essa pessoa
como ser-livre e autónomo. O nullum crimen sine culpa vale somente onde se trata da imposição de uma pena,
enquanto consequência jurídica da prática de um facto ilícito-típico e culposo. O seu âmbito de vigência não
abrange a medida de segurança, enquanto consequência jurídica da prática de um facto ilícito-típico, mas não
culposo.

Culpa e fundamento onto-antropológico – O fundamento de punir é a culpa, que se fundamenta na pena e não
apenas em servir-lhe de limite. A pena é aplicada porque o agente é censurado, porque ofendeu culposamente
bens jurídicos quando podia e devia ter agido de outra forma sendo então punido.

Culpa e fins das penas


Ao longo dos séculos, foram sendo avançadas várias teorias para o problema do fim das penas, que podemos
reconduzir a dois grupos:
Teorias preventivas (relativas): olham para o futuro e concebem a pena como mecanismo que buscar impedir ou
evitar a prática de novos crimes. Podendo ser:
 Geral (dirige a toda a comunidade) que se subdivide:
Geral positiva – a pena é um instrumento estatal destinado a reforçar padrões de comportamento adequados às
normas, tendo efeitos de confiança, aprendizagem e integração;
Geral negativa – a pena é concebida como uma forma de intimidação das outras pessoas através do sofrimento
que com ela se inflige ao delinquente, cujo receio as conduzirá a não praticar factos puníveis.

 Especial (dirigida ao próprio criminoso), a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do
delinquente com o fim de evitar, que no futuro, cometa novos crimes. Pode ser:
Positiva – finalidade de criar as condições necessárias para que o delinquente possa continuar a vida sem
cometer crimes.
Negativa – a pena visa atemorizar o delinquente até ao ponto em que este não cometa mais crimes.

Teorias retributivas (absolutas) – olham para o passado como reação merecidamente imposta em razão de
exigências de restabelecimento da justiça. A pena é a justa paga do mal. Esta doutrina é recusado pois não é
verdadeiramente uma teoria dos fins das penas e pela sua inadequação à legitimação, à fundamentação e ao
sentido da intervenção penal.

Prof. Faria Costa segue a doutrina – neo-retribuiçao – não compreende a culpa como pressuposto, mas como
fundamento da pena, como razão de ser. Entende-se como liberdade de cumprir a norma ou não. Defende a
existência de um direito humano a uma pena justa. Há aqui o princípio da igualdade – para factos iguais vou ter
penas iguais. Raciocínio 2 ideias – a responsabilidade e liberdade e uma ideia de igualdade.

Estrutura dogmática da culpa


O juízo de culpa jurídico-penalmente constitui 4 elementos fundamentais: imputabilidade, dolo ou negligência,
consciência da ilicitude e exigibilidade.

A conduta inimputável (a inimputabilidade)


Em razão da idade
O legislador considera inimputáveis as pessoas que tenham menos de 16 anos no momento da prática do facto -
art.19 CP. No entanto, o facto de os menores de 16 anos não serem passiveis de responsabilidade penal não
significa que são imunes a todo e qualquer tipo de resposta jurídica. Assim os jovens com mais de 12 e menores 16
que tenham praticado um facto ilícito-típico podem ser sujeitos a medidas tutelares educativas.

Em razão de anomalia psíquica


Para determinar uma situação de inimputabilidade é o momento da prática do facto, disciplinado através do
critério art.20 CP. Se a pessoa for portadora de anomalia psíquica que se tenha concretizado naquele facto, quase
podendo dizer-se que não foi ele que atuou, mas a anomalia psíquica nele, isso retirará a possibilidade de uma
censura pela própria ordem jurídica.
Juízo de imputabilidade é um juízo duplamente concreto: 1) não se faz sobre um grupo de pessoas, mas apenas
sobre aquela especifica pessoa; 2) não faz referência a todos os tipos legais de crime, mas apenas em relação a uma
determinada espécie de crimes. Assim o juízo acerca da capacidade de culpa está sujeito a uma dupla relatividade.

Imputabilidade diminuída – não num sentido de um grau menor, mas sim de uma imputabilidade duvidosa –
comprova-se a existência de anomalia psíquica, mas sem que se tornem claras as consequências que daí devem
fazer-se derivar. São casos em que o juiz tem dúvidas, e não considera a pessoa completamente inimputável.

A actio libera in causa


Situação em que o próprio agente provoca a sua inimputabilidade com a intenção de praticar um facto ilícito-típico
sem receber um juízo de censura da culpa – art.20 n4 CP.

As condutas dolosa e negligente (dolo e negligência)


São categoria que estão em estreita relação material e conceitual com as duas capacidades psicológico-normativas
relevantes para a afirmação da imputabilidade: cognoscibilidade e vontade. O dolo é a passagem da potência de
conhecer e querer ao ato de efetivo conhecer e querer; a negligência no plano da potencialidade. O CP pune as
condutas dolosas e negligentes – art.13 CP.

Dolo (art.14)
Compreensão – o dolo pode ser imediatamente percebido como a vontade consciente de realizar o facto previsto
no tipo legal de crime, consiste em saber e querer os elementos que desenham a factualidade típica.

Estrutura – o dolo reflete em 2 pilares fundamentais que sustentam a vida psíquica e que orientam a compreensão
normativa do conceito de inimputabilidade – cognoscibilidade e vontade. -> Saber constitui o elemento “cognitivo”
ou “intelectual” – o agente conheça, saiba e tenha consciência de facto que preenche um tipo de ilícito objetivo; ->
Querer corresponde o elemento “volitivo” ou “emocional” – exige a prática do facto seja presidia por vontade
dirigida à sua realização.
Problemas atinentes ao conhecer e ao querer – a dogmática do dolo ocupa-se de 4 problemas fundamentais:
Problema de fundamentação – diferença quanto ao regime de sancionamento. Nos sistemas jurídicos o dolo
recebe um tratamento mais severo do que a negligência.
Problema de definição – o problema coloca-se relativamente à intensidade da representação das circunstâncias de
facto.
Problema de prova – só o autor tem acesso aos seus próprios estados mentais e na inviabilidade de certificar ou
atestar a existência de um determinado estado mental, o máximo que o intérprete pode fazer é submeter a questão
do reconhecimento do dolo ao teste discursivo-dialógico das melhores razões argumentativas.
Problema da complexidade do objeto a ser coberto pela projeção do dolo – momento cognitivo e momento
volitivo do dolo projetam-se sobre as circunstâncias do facto enunciado pelo tipo legal de crime. Quanto maior o
número de elementos do tipo legal de crime e quanto mais volátil for o seu conteúdo mais complexa será a
determinação do dolo no caso concreto.

Formas de dolo – o que determina esta distinção é a conformação material do elemento volitivo:
Dolo direito ou dolo de 1º grau – art.14 n1 – o agente representa a consequência penalmente típica da sua
conduta e deseja realizá-la sem nenhum tipo de hesitação ou reserva.
Dolo necessário ou dolo de 2º grau – art.14 n2 – O agente quer um resultado de forma direta, mas não se importa
com a ocorrência de um outro resultado que está escondido necessariamente no primeiro. Ex. A decide fazer justiça
com as próprias mãos e ateia fogo na casa do inimigo B mesmo sabendo que lá se encontra um velho criado enfermo e
acamado que não tem nenhuma relação com a questão patrimonial e que vem a morrer em razão das chamas- há dolo direto
em relação ao incêndio e dolo necessário em relação ao homicídio.
Dolo eventual – art.14 n3 – supõe um alargamento das margens de punibilidade e dividido com a categoria da
negligência consciente.

Negligência (art.15)
Compreensão – é um juízo de censura por o agente ter violado de um dever de cuidado que
as circunstâncias obrigavam e de que era capaz – art.15 e é punível apenas nos expressamente previstos art.13.
Estrutura fundamental da negligência – Violação de um dever objetivo de cuidado; Exige-se que a produção do
evento não querido pela lei seja previsto ou ao menos previsível. Donde, só a omissão do dever impede a previsão
do resultado típico.

A fundamentação da punição da negligencia assenta – o agente não ter querido, em face do conhecimento de que
certos resultados são puníveis, preparar-se para representar esses resultados (negligência inconsciente – art.15 b)
ou os representar justamente (negligência consciente – art.15 a). Consubstancia 2 realidades normativas: a
definição de condutas e resultados proibidos de realização não vinculada (norma A) e a afirmação sustentada da
ideia de necessária violação de um dever objetivo de cuidado (norma B).

O dever objetivo de cuidado impõe medidas de preparação para a observância da norma de conduta jurídico-penal
e cautela no trato com os bens jurídico alheios. Não se perfila com a mesma intensidade para todos
os casos.
Princípio da confiança -> importante papel na delimitação do concretamente exigível, ao permitir que cada um
possa legitimamente contar com o comportamento lícito (correto, devido) dos outros. Tem o seu fundamento
material no princípio da autorresponsabilidade – não se responde pela falta de cuidado alheio, o direito autoriza
que se confie em que os outros cumprirão o dever de cuidado.

Distinção entre negligência consciente e dolo eventual – A conceção dominante é a teoria da conformação, art.14
n3 – há dolo eventual quando o agente representa o resultado ilícito como possível e se conforma com ele. Na
negligência consciente, o agente não se conforma com o resultado, apesar de representar o resultado da sua
conduta como possível, confia levianamente que ele não se vai realizar.
Incompatibilidade material com a tentativa e com a comparticipação – Tentativa – uma vez que a própria noção
de facto tentado pressupõe a existência de um plano ou de uma decisão no sentido da prática do crime - art.22 n1
CP, está desde logo bloqueada a possibilidade de se falar em uma tentativa negligente. Comparticipação – tanto o
ato de determinação efetuado pelo instigador quanto o ato de auxílio prestado pelo cúmplice implicam, o querer do
partícipe em relação aos elementos do tipo legal de crime realizado pelo autor - art.26 e 27 CP.

Combinações de dolo e negligência – Próprias – O direito penal sempre conheceu hipóteses em que a concreta
punição do agente só podia ser explicada e fundamentada através da combinação entre dolo e negligência. Este foi
o caso dos chamados “crimes preterintencionais”. Impróprias – crimes agravados pelo evento (art.18).

Problemática do erro
O erro nada mais é do que uma desconformidade com o real.
Erro sobre a factualidade típica – O dolo assenta no conhecimento e na vontade de realização da factualidade
típica. Existe um erro sobre a factualidade típica sempre que a errónea representação da realidade recair sobre uma
circunstância relevante para o preenchimento do tipo-de-ilícito.

Efeito da exclusão do dolo com base em erro – não significa o efeito de afastamento de todo e qualquer nexo de
imputação subjetiva. Pois o agente que incorre a um erro sobre a factualidade típica pode ainda responder a título
de negligência - art.16 n3 CP - a afirmação da negligência depende do exame acerca da possibilidade de evitar o
erro. Se, de acordo com as regras da experiência, o erro for evitável - o agente terá praticado o respetivo delito
negligente; se o erro for inevitável não haverá nenhum juízo de censura.

Modalidades do erro sobre a factualidade


Error in persona vel objeto
O defeito de representação do autor recai sobre o objeto do facto, ou seja, sobre a identidade da coisa ou da
pessoa afetada. Trata-se de uma hipótese de erro na própria formação da vontade pois o agente não se equivoca no
processo de execução do facto, mas somente na identificação do seu alvo. Existe uma análise acerca da igualdade
ou equivalência típica entre os objetos envolvidos:
Tipicamente iguais – o erro é tido como irrelevante, pois a lei proíbe a lesão não de um determinado objeto ou
indivíduo, mas de todo e qualquer objeto ou pessoa compreendidos no tipo de ilícito ex: A confunde B com o
inimigo C e mata-o.
Tipicamente diversos – em que o agente erra sobre as qualidades tipicamente relevantes da pessoa ou da coisa, ex:
quando A quer atingir no cão de B, mas acaba por acertar em B.

Error sobre o processo causal


Não há nenhuma razão lógico-material que exclua a possibilidade de o agente representar equivocadamente o
desenrolar causal da sua conduta criminosa. A solução dos casos de erros sobre o processo causal depende da
análise de carácter:
Essencial (não-regular) – não podem ser imputados ao dolo do agente, ex: C fere D como dolo de homicídio, mas D
só vem a morrer no hospital após um incendio.
Não-essencial (regular – normais) – devem ser imputados ao dolo do agente. O que acontece nos crimes de
realização livre. Ex: A empurra B de uma ponte para morrer afogado, mas acaba por morrer a bater nas rochas.

Aberratio ictus
A conduta do agente erra no processo de execução (erro sobre factualidade) do facto e atinge um objeto diverso do
originalmente pretendido. É um desvio da trajetória ou do golpe (aberratio ictus vel impetus). A relevância ou
irrelevância do erro depende do exame acerca da igualdade ou equivalência típica entre os objetos envolvidos:

Tipicamente iguais – irrelevância do erro, não há exclusão do dolo. O agente deve ser imputado como doloso o
crime inicialmente pretendo como se tivesse sido consumado.
Tipicamente diferentes – vale o princípio da relevância do erro da execução, exclui-se o dolo, sem prejuízo de
punição a título de negligencia art.16 n1 e 3. Ex: D lança uma perda para uma jarra, mas atinge E, que estava ao
lado da jarra, D responde por tentativa de dano com ofensas corporais negligentes.

Erro sobre a proibição (sobre a ilicitude)


O problema – Atua sem culpa quem age sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável -
art.17 n2 CP. O erro sobre a proibição não conduz à exclusão do dolo, mas determina a falta de consciência da
ilicitude e elimina o juízo de reprovação a título de culpa. É um erro valorativo: a pessoa é capaz de perceber, mas
não de valorar corretamente essa atividade.

Teorias do erro sobre a proibição:


Teoria estrita do dolo – o erro sobre a proibição exclui a imputação a título de dolo, pois a consciência do ilícito é
uma componente da qualidade do dolo.
Teoria limitada do dolo – a consciência da ilicitude do facto constitui um momento da qualidade do dolo, mas
estende a imputação a título de dolo àquelas situações em que a falta de consciência da ilicitude pode ser atribuída
a uma atitude de cegueira ou inimizade em relação ao ordenamento jurídico.
Teoria estrita da culpa – o dolo tem um carácter neutral (dolus naturalis), assumindo-se como dolo do facto ou do
tipo, deixando então de pressupor consciência do ilícito, que passa a figurar como um elemento autónomo do juízo
de culpa. Enquanto o erro sobre a factualidade típica exclui o dolo, o erro sobre a proibição exclui a culpa.
Teoria limitada da culpa – introduz restrições ao efeito de exclusão da censura.

O regime legal da relevância do erro – art.16 e 17 – assume o modelo da teoria limitada da culpa. Assim, ao
carregar o significado material e sistemático da falta de consciência da ilicitude, o erro de proibição exclui a culpa do
agente, desde que a equivocada representação da realidade não lhe seja censurável.

Problema da censurabilidade do erro – o juízo de reprovação do erro deve continuar a ser perspetivado e medido
pelo critério da possibilidade de o evitar (vencibilidade).

O erro sobre as proibições legais – Para efeitos legais, age sem dolo quem pratica um facto ilícito-típico sem
conhecer a sua ilicitude. Erro sobre a proibição do art.17 e erro sobre as proibições legais art.16.

Casos especiais:
Erro sobre as causas de justificação – exclui o dolo do agente o erro sobre um estado de coisas que, a existir,
excluiria a ilicitude do facto - art.16 n2 CP. O erro sobre os pressupostos fácticos de uma causa de justificação ou
erro permissivo – Ex: A dispara mortalmente sobre B para se defender de uma suposta agressão ilícita atual, representando
erroneamente que a vítima, ao colocar a mão no bolso traseiro das próprias calças para retirar um lenço, estava a tirar uma
arma de fogo a ser imediatamente utilizada contra ele. Nestas situações o erro não exclui o dolo, mas conclui a culpa,
segunda as regrais do erro sobre a ilicitude – art.17 CP.

Erro nos crimes de omissão impura – nestes crimes o juízo de tipicidade do comportamento depende infração do
dever de evitar o resultado. Constitui um elemento objetivo-normativo do tipo omissivo impróprio (dolo pode ser
afirmado se o agente tiver conhecimento dos pressupostos fácticos do dever de agir). Ex: um pai deixa o seu filho
afogar-se pensando que dera o filho do seu inimigo.

Causas de exclusão da culpa


O comum da exclusão da culpa é a existência de um contexto de pressão exterior que restringe consideravelmente a
liberdade de decisão do sujeito e dificulta a observância da norma.

A ideia de inexigibilidade de conduta diversa não vale sem limites – art.35 n1 CP. O ponto de vista decisivo está
naquilo que seria razoavelmente de esperar de alguém com as capacidades do agente. Logo, se for irrazoável ou
inexigível não poderemos consubstanciar um juízo de censura e não há fundamento para a punição.
Cláusula geral de não exigibilidade – O legislador não consagrou expressamente um princípio geral de não
exigibilidade, apenas alguns afloramentos do princípio jurídico (art.35 n1 e 2, art.33 n2 e art.37CP).

O estado de necessidade desculpante – A 1º manifestação legal do princípio da não exigibilidade é a figura do


estado de necessidade desculpante - art.35 n1. Tanto no estado de necessidade justificante (proteção de bens
jurídicos preponderantes) como no estado de necessidade desculpante (salvaguarda de bens jurídicos com igual ou
menor importância relativamente ao bem jurídico ofendido), há situação de conflito entre bens jurídicos onde um
dos interesses envolvidos só pode ser salvaguardado através do sacrifício do outro.

O excesso de legitima defesa – situação de ultrapassagem dos limites de intensidade da conduta justificante.
Quando houver excesso nos meios empregados na legitima defesa o agente não é punido se esse excesso resultar
de estados emocionais asténicos como perturbação, medo, debilidade – art.33 n2, caso resulte de estados
emocionais de violência ou força, raiva, vingança, o agente será punido.

A obediência indevida desculpante – Age sem culpa o funcionário que cumpre uma ordem sem conhecer que
conduz à prática de um crime, não sendo isso evidente nas circunstâncias por ele representadas - art.37 CP.

Você também pode gostar