Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Os factos penalmente relevantes podem ser praticados por ações e por omissões.
O ponto de toda a problemática da omissão imprópria reside na correta compreensão quanto ao dever jurídico de
garante que recai sobre a pessoa do omitente. A relação de garante é uma relação construída, uma norma de norma.
Fontes jurídicas do dever de garante – vem classificar (quanto ao conteúdo) as obrigações de garantia jurídio-
penalmente relevantes em duas grandes categorias: os deveres de vigilância e os deveres de proteção.
Enquanto os deveres de vigilância impõem ao seu titular a obrigação de evitar todos os resultados desvaliosos que
possam advir de uma determinada fonte de perigo, independentemente de qual seja o bem jurídico em questão, nos
deveres de proteção, a obrigação de impedir o resultado apoia-se na especial relação do obrigado com um
determinado bem jurídico, que deve ser resguardado perante toda e qualquer fonte de perigo.
Deveres de vigilância associados a três grupos de situações:
Deveres de asseguramento – dever de controlar perigos que emanam do próprio corpo; quem detém posse ou
a guarda de um animal deve evitar que ele prejudique bens jurídicos alheios.
Hipóteses de ingerência – estão em consideração os deveres de evitação que surgem em consequência de
uma conduta anterior do próprio obrigado – quando o condutor, sem infringir qualquer regra de cuidado,
atropela um peão, ainda que não tenha culpa no acidente, deverá providenciar socorro da vítima, sob pena de
responder pelo eventual resultado morte.
Assunção contratual – ou meramente fática de uma específica tarefa ou função de vigilância sobre uma
determinada fonte de perigo – se diante de um cenário de desastre automobilístico um terceiro se
compromete, perante os demais sujeitos então igualmente dispostos a ajudar, a avisar o serviço de
ambulância, ele torna-se responsável pelas consequências que resultarem do não chamamento do socorro.
Nullum crimen sine lege – princípio de direito penal de todos os países democráticos – não há delito sem lei
anterior que o defina – alguém só pode ser preso se a lei disser que a sua ação ou omissão constitui um fato
delituoso.
Regime sancionatório
Artigo 23 n1 CP. A tentativa só é punível se ao respetivo crime consumado corresponder pena superior a três anos
de prisão. Assinalar a existência de três linhas básicas: a primeira oferecida pelas linhas objetivas, tem por
denominador comum a ideia de que o facto tentado deve ser sancionado penalmente porque carrega um perigo
próximo de consumação do tipo; segunda orientação, contida nas teorias subjetivas, afirmando que o facto
tentado deve ser punido porque nela já se manifesta uma vontade contrária ao direito, sendo a violação da norma
tematizada exclusivamente do ponto de vista do seu autor.
A ideia de que o comportamento punível deve ser ilícito-típico e individualmente censurável estabelece um
princípio – princípio da culpa – que se desdobra em três estratos de análise:
No quadro de princípio orientador de política criminal – O poder punitivo não se esgota na imposição de
sanções reguladas pelo princípio da culpa. O nullum crimen sine culpa apresenta finalidades na política
criminal do Estado. O princípio da culpa detém de autonomia do normativo.
No plano de ideia regulativa – realiza-se e verifica-se no modo-de-ser do homem e da comunidade jurídica.
No horizonte de pura censurabilidade concreta – a culpa carrega um denso e rico significado ético-social.
Por um lado, exige-se do agente um esforço de tensão axiológica mediadora para com os valores
fundamentais da comunidade (mínimo ético). Por outro, o agente sabe que se cumprir aquele dever ético-
social nunca sofrerá a imposição de pena.
Culpa e liberdade – Só se pode falar que alguém é jurídico-penalmente responsável se, se considerar essa pessoa
como ser-livre e autónomo. O nullum crimen sine culpa vale somente onde se trata da imposição de uma pena,
enquanto consequência jurídica da prática de um facto ilícito-típico e culposo. O seu âmbito de vigência não
abrange a medida de segurança, enquanto consequência jurídica da prática de um facto ilícito-típico, mas não
culposo.
Culpa e fundamento onto-antropológico – O fundamento de punir é a culpa, que se fundamenta na pena e não
apenas em servir-lhe de limite. A pena é aplicada porque o agente é censurado, porque ofendeu culposamente
bens jurídicos quando podia e devia ter agido de outra forma sendo então punido.
Especial (dirigida ao próprio criminoso), a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do
delinquente com o fim de evitar, que no futuro, cometa novos crimes. Pode ser:
Positiva – finalidade de criar as condições necessárias para que o delinquente possa continuar a vida sem
cometer crimes.
Negativa – a pena visa atemorizar o delinquente até ao ponto em que este não cometa mais crimes.
Teorias retributivas (absolutas) – olham para o passado como reação merecidamente imposta em razão de
exigências de restabelecimento da justiça. A pena é a justa paga do mal. Esta doutrina é recusado pois não é
verdadeiramente uma teoria dos fins das penas e pela sua inadequação à legitimação, à fundamentação e ao
sentido da intervenção penal.
Prof. Faria Costa segue a doutrina – neo-retribuiçao – não compreende a culpa como pressuposto, mas como
fundamento da pena, como razão de ser. Entende-se como liberdade de cumprir a norma ou não. Defende a
existência de um direito humano a uma pena justa. Há aqui o princípio da igualdade – para factos iguais vou ter
penas iguais. Raciocínio 2 ideias – a responsabilidade e liberdade e uma ideia de igualdade.
Imputabilidade diminuída – não num sentido de um grau menor, mas sim de uma imputabilidade duvidosa –
comprova-se a existência de anomalia psíquica, mas sem que se tornem claras as consequências que daí devem
fazer-se derivar. São casos em que o juiz tem dúvidas, e não considera a pessoa completamente inimputável.
Dolo (art.14)
Compreensão – o dolo pode ser imediatamente percebido como a vontade consciente de realizar o facto previsto
no tipo legal de crime, consiste em saber e querer os elementos que desenham a factualidade típica.
Estrutura – o dolo reflete em 2 pilares fundamentais que sustentam a vida psíquica e que orientam a compreensão
normativa do conceito de inimputabilidade – cognoscibilidade e vontade. -> Saber constitui o elemento “cognitivo”
ou “intelectual” – o agente conheça, saiba e tenha consciência de facto que preenche um tipo de ilícito objetivo; ->
Querer corresponde o elemento “volitivo” ou “emocional” – exige a prática do facto seja presidia por vontade
dirigida à sua realização.
Problemas atinentes ao conhecer e ao querer – a dogmática do dolo ocupa-se de 4 problemas fundamentais:
Problema de fundamentação – diferença quanto ao regime de sancionamento. Nos sistemas jurídicos o dolo
recebe um tratamento mais severo do que a negligência.
Problema de definição – o problema coloca-se relativamente à intensidade da representação das circunstâncias de
facto.
Problema de prova – só o autor tem acesso aos seus próprios estados mentais e na inviabilidade de certificar ou
atestar a existência de um determinado estado mental, o máximo que o intérprete pode fazer é submeter a questão
do reconhecimento do dolo ao teste discursivo-dialógico das melhores razões argumentativas.
Problema da complexidade do objeto a ser coberto pela projeção do dolo – momento cognitivo e momento
volitivo do dolo projetam-se sobre as circunstâncias do facto enunciado pelo tipo legal de crime. Quanto maior o
número de elementos do tipo legal de crime e quanto mais volátil for o seu conteúdo mais complexa será a
determinação do dolo no caso concreto.
Formas de dolo – o que determina esta distinção é a conformação material do elemento volitivo:
Dolo direito ou dolo de 1º grau – art.14 n1 – o agente representa a consequência penalmente típica da sua
conduta e deseja realizá-la sem nenhum tipo de hesitação ou reserva.
Dolo necessário ou dolo de 2º grau – art.14 n2 – O agente quer um resultado de forma direta, mas não se importa
com a ocorrência de um outro resultado que está escondido necessariamente no primeiro. Ex. A decide fazer justiça
com as próprias mãos e ateia fogo na casa do inimigo B mesmo sabendo que lá se encontra um velho criado enfermo e
acamado que não tem nenhuma relação com a questão patrimonial e que vem a morrer em razão das chamas- há dolo direto
em relação ao incêndio e dolo necessário em relação ao homicídio.
Dolo eventual – art.14 n3 – supõe um alargamento das margens de punibilidade e dividido com a categoria da
negligência consciente.
Negligência (art.15)
Compreensão – é um juízo de censura por o agente ter violado de um dever de cuidado que
as circunstâncias obrigavam e de que era capaz – art.15 e é punível apenas nos expressamente previstos art.13.
Estrutura fundamental da negligência – Violação de um dever objetivo de cuidado; Exige-se que a produção do
evento não querido pela lei seja previsto ou ao menos previsível. Donde, só a omissão do dever impede a previsão
do resultado típico.
A fundamentação da punição da negligencia assenta – o agente não ter querido, em face do conhecimento de que
certos resultados são puníveis, preparar-se para representar esses resultados (negligência inconsciente – art.15 b)
ou os representar justamente (negligência consciente – art.15 a). Consubstancia 2 realidades normativas: a
definição de condutas e resultados proibidos de realização não vinculada (norma A) e a afirmação sustentada da
ideia de necessária violação de um dever objetivo de cuidado (norma B).
O dever objetivo de cuidado impõe medidas de preparação para a observância da norma de conduta jurídico-penal
e cautela no trato com os bens jurídico alheios. Não se perfila com a mesma intensidade para todos
os casos.
Princípio da confiança -> importante papel na delimitação do concretamente exigível, ao permitir que cada um
possa legitimamente contar com o comportamento lícito (correto, devido) dos outros. Tem o seu fundamento
material no princípio da autorresponsabilidade – não se responde pela falta de cuidado alheio, o direito autoriza
que se confie em que os outros cumprirão o dever de cuidado.
Distinção entre negligência consciente e dolo eventual – A conceção dominante é a teoria da conformação, art.14
n3 – há dolo eventual quando o agente representa o resultado ilícito como possível e se conforma com ele. Na
negligência consciente, o agente não se conforma com o resultado, apesar de representar o resultado da sua
conduta como possível, confia levianamente que ele não se vai realizar.
Incompatibilidade material com a tentativa e com a comparticipação – Tentativa – uma vez que a própria noção
de facto tentado pressupõe a existência de um plano ou de uma decisão no sentido da prática do crime - art.22 n1
CP, está desde logo bloqueada a possibilidade de se falar em uma tentativa negligente. Comparticipação – tanto o
ato de determinação efetuado pelo instigador quanto o ato de auxílio prestado pelo cúmplice implicam, o querer do
partícipe em relação aos elementos do tipo legal de crime realizado pelo autor - art.26 e 27 CP.
Combinações de dolo e negligência – Próprias – O direito penal sempre conheceu hipóteses em que a concreta
punição do agente só podia ser explicada e fundamentada através da combinação entre dolo e negligência. Este foi
o caso dos chamados “crimes preterintencionais”. Impróprias – crimes agravados pelo evento (art.18).
Problemática do erro
O erro nada mais é do que uma desconformidade com o real.
Erro sobre a factualidade típica – O dolo assenta no conhecimento e na vontade de realização da factualidade
típica. Existe um erro sobre a factualidade típica sempre que a errónea representação da realidade recair sobre uma
circunstância relevante para o preenchimento do tipo-de-ilícito.
Efeito da exclusão do dolo com base em erro – não significa o efeito de afastamento de todo e qualquer nexo de
imputação subjetiva. Pois o agente que incorre a um erro sobre a factualidade típica pode ainda responder a título
de negligência - art.16 n3 CP - a afirmação da negligência depende do exame acerca da possibilidade de evitar o
erro. Se, de acordo com as regras da experiência, o erro for evitável - o agente terá praticado o respetivo delito
negligente; se o erro for inevitável não haverá nenhum juízo de censura.
Aberratio ictus
A conduta do agente erra no processo de execução (erro sobre factualidade) do facto e atinge um objeto diverso do
originalmente pretendido. É um desvio da trajetória ou do golpe (aberratio ictus vel impetus). A relevância ou
irrelevância do erro depende do exame acerca da igualdade ou equivalência típica entre os objetos envolvidos:
Tipicamente iguais – irrelevância do erro, não há exclusão do dolo. O agente deve ser imputado como doloso o
crime inicialmente pretendo como se tivesse sido consumado.
Tipicamente diferentes – vale o princípio da relevância do erro da execução, exclui-se o dolo, sem prejuízo de
punição a título de negligencia art.16 n1 e 3. Ex: D lança uma perda para uma jarra, mas atinge E, que estava ao
lado da jarra, D responde por tentativa de dano com ofensas corporais negligentes.
O regime legal da relevância do erro – art.16 e 17 – assume o modelo da teoria limitada da culpa. Assim, ao
carregar o significado material e sistemático da falta de consciência da ilicitude, o erro de proibição exclui a culpa do
agente, desde que a equivocada representação da realidade não lhe seja censurável.
Problema da censurabilidade do erro – o juízo de reprovação do erro deve continuar a ser perspetivado e medido
pelo critério da possibilidade de o evitar (vencibilidade).
O erro sobre as proibições legais – Para efeitos legais, age sem dolo quem pratica um facto ilícito-típico sem
conhecer a sua ilicitude. Erro sobre a proibição do art.17 e erro sobre as proibições legais art.16.
Casos especiais:
Erro sobre as causas de justificação – exclui o dolo do agente o erro sobre um estado de coisas que, a existir,
excluiria a ilicitude do facto - art.16 n2 CP. O erro sobre os pressupostos fácticos de uma causa de justificação ou
erro permissivo – Ex: A dispara mortalmente sobre B para se defender de uma suposta agressão ilícita atual, representando
erroneamente que a vítima, ao colocar a mão no bolso traseiro das próprias calças para retirar um lenço, estava a tirar uma
arma de fogo a ser imediatamente utilizada contra ele. Nestas situações o erro não exclui o dolo, mas conclui a culpa,
segunda as regrais do erro sobre a ilicitude – art.17 CP.
Erro nos crimes de omissão impura – nestes crimes o juízo de tipicidade do comportamento depende infração do
dever de evitar o resultado. Constitui um elemento objetivo-normativo do tipo omissivo impróprio (dolo pode ser
afirmado se o agente tiver conhecimento dos pressupostos fácticos do dever de agir). Ex: um pai deixa o seu filho
afogar-se pensando que dera o filho do seu inimigo.
A ideia de inexigibilidade de conduta diversa não vale sem limites – art.35 n1 CP. O ponto de vista decisivo está
naquilo que seria razoavelmente de esperar de alguém com as capacidades do agente. Logo, se for irrazoável ou
inexigível não poderemos consubstanciar um juízo de censura e não há fundamento para a punição.
Cláusula geral de não exigibilidade – O legislador não consagrou expressamente um princípio geral de não
exigibilidade, apenas alguns afloramentos do princípio jurídico (art.35 n1 e 2, art.33 n2 e art.37CP).
O excesso de legitima defesa – situação de ultrapassagem dos limites de intensidade da conduta justificante.
Quando houver excesso nos meios empregados na legitima defesa o agente não é punido se esse excesso resultar
de estados emocionais asténicos como perturbação, medo, debilidade – art.33 n2, caso resulte de estados
emocionais de violência ou força, raiva, vingança, o agente será punido.
A obediência indevida desculpante – Age sem culpa o funcionário que cumpre uma ordem sem conhecer que
conduz à prática de um crime, não sendo isso evidente nas circunstâncias por ele representadas - art.37 CP.