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Esta sebenta respeita às aulas teóricas da turma 2 de Direito das Obrigações do ano letivo de
2019/2020, lecionadas pelo docente Manuel A. Carneiro da Frada. A sebenta foi realizada com os
apontamentos dos vogais do Departamento de Pedagogia Ricardo Silva e Sofia Torres.
A sua elaboração foi realizada com o objetivo de auxiliar os estudantes para o exame de
Direito das Obrigações. Relevamos ainda que, a leitura desta sebenta não substitui a leitura da
bibliografia obrigatória ou recomendada, sendo apenas um instrumento de auxílio ao estudo.
Caso sejam detetados alguns erros, agradecemos que estes sejam comunicados através do e-
mail da CC3: cc3fdup1920@gmail.com de modo a que o documento seja aperfeiçoado.
Bom estudo!
Capítulo I – Introdução
1. Direito das Obrigações e obrigação
Direito das obrigações (segundo Antunes Varela): Conjunto das normas jurídicas
reguladoras das relações de crédito, sendo que as relações de crédito consistem em
relações jurídicas em que ao direito subjetivo atribuído a um dos sujeitos corresponde um
dever de prestar especificamente imposto a dada pessoa. É o dever de prestar a que uma
pessoa fica adstrita, no interesse de outra, que distingue a relação obrigacional de outros
tipos próximos de relações.
Artigo 397º CC: noção de obrigação – “Obrigação é o vínculo jurídico por virtude
do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação.”
Para o professor, é estranho que o legislador defina legalmente o que se entende por
obrigação, na medida em que as definições no âmbito jurídico podem ser perigosas, por
serem incompletas, muitas vezes. Apesar de a noção de obrigação possuir um conteúdo
legalmente estabelecido, ela é polissémica. O termo “obrigação” não corresponde apenas
ao disposto no artigo 397º, abarcando uma multiplicidade de sentidos. “Vínculo” é uma
noção técnica, formal, mas muitas vezes quando falamos em obrigação estamos a referir-
nos à situação subjetiva daqueles sobre quem impende o vínculo ou a um título de crédito
– outros significados que a palavra “obrigação” pode ter.
O Direito das Obrigações não pode ser totalmente definido a partir do artigo 397º,
como se mostra pela existência de relações obrigacionais complexas, mas não deixa de
estar no artigo 397º uma noção piloto, central.
O que é uma prestação? É adotar uma conduta, desenvolver uma atividade, sendo
que essa atividade não é específica, mas sim variável. Ex: vendedor que vende um
automóvel está adstrito a entregá-lo ao comprador; empreiteiro está adstrito a realizar a
obra e o dono da obra tem direito a que o empreiteiro realize a obra, é o credor. O preço
é uma quantia devida – o credor dessa conduta (pagamento) é agora o empreiteiro. Num
contrato de empreitada e de compra e venda há duas obrigações sinalagmáticas – são
contratos onerosos, sinalagmáticos.
O interesse do credor só é conseguido através da mediação do devedor – o bem
atribuído ao credor só lhe é efetivamente atribuído se o devedor colaborar.
Tem havido grande discussão sobre o que é realmente a obrigação, porque não se
percebia que uma pessoa tivesse direito a uma conduta de outrem, mas o facto é que
dizermos que a prestação é devida não significa que se coloque o devedor numa situação
de escravatura (ele é livre, mas tem de cumprir o que a ordem jurídica impõe, até porque
se o devedor está nessa posição de devedor é porque quis, foi sua vontade vincular-se).
O Direito das Obrigações é importante no que respeita aos serviços, há muitos
contratos mediante os quais se asseguram necessidades das pessoas, ex: contrato de
prestação de serviços. A compromete-se a dar explicações a B – traduz-se num vínculo
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jurídico, sendo que o explicador deve a explicação, e o explicando tem direito à
explicação, por isso o explicando é credor (tem esperança do cumprimento, “crê”).
No fundo, o Direito das Obrigações é o Direito modelo da colaboração e interação
entre as pessoas. Regula as estruturas intersubjetivas de colaboração. Obrigação é uma
noção estrutural, retrata abstratamente muitas relações da vida – é uma relação.
Potencialmente, toda a nossa vida social se reconduz a esta noção de obrigação.
Obrigação autónoma: Obrigação que nasce entre pessoas que não se encontram
previamente vinculadas entre si, nasce entre pessoas entre as quais não há uma
relação jurídica preexistente ou há uma relação preexistente alheia à obrigação.
Tem existência própria, não pressupõe a existência de uma relação jurídica
prévia. Ex: A atropela B, B exige indemnização – a obrigação de indemnizar
nasce com o dano, não com uma relação prévia.
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Obrigação não autónoma: Obrigação que nasce no contexto de relações
jurídicas prévias, ex: 1578º CC.
5. Função da obrigação
É através da estrutura a que chamamos obrigação que se possibilita o cumprimento
de prestações. As obrigações permitem o trâmite dos bens, é assim que esse trânsito
jurídico dos bens é assegurado. Podemos dizer que é um Direito de mobilidade dos bens,
que permite a sua aquisição, o acesso a esses bens. Ex: através de um contrato de
arrendamento adquiro um bem – a possibilidade de habitar no Porto.
Também é função do Direito das Obrigações corrigir repartições patrimoniais
injustas. A tutela é feita através de mecanismos obrigacionais – responsabilidade civil.
No enriquecimento sem causa temos alguém que tem um enriquecimento injusto à custa
de outros. Se A entrega a B 50 euros pensando que lhos deve, há que reverter este
enriquecimento injustificado – há a obrigação de restituir (473º e ss. CC). O artigo 397º
CC não contempla o mecanismo da responsabilidade do devedor – limita-se a
caraterizar a obrigação como um vínculo entre duas pessoas, não refere a tutela, sendo
essa a grande crítica feita.
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não nos põe em relação com os outros – só acessoriamente é que a relação é chamada à
coação. A lógica da relação jurídica não funciona para os Direitos Reais, porque a relação
jurídica prende-se com uma relação humana, e nos Direitos Reais não há verdadeiramente
uma relação humana – a relação do sujeito é com a coisa.
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propriedade, ou poderá haver relação entre pessoas quando alguém lese o direito de
propriedade de outrem. O conceito de relação jurídica, para funcionar, tem de ser alargado
a uma extensão demasiado exagerada. Então a relação jurídica é uma categoria abstrata
que não se aplica a todo o Direito Civil, mas na nossa disciplina é muito importante,
porque a obrigação é uma relação.
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10.2. Teorias Realistas
Para estas teorias, o que importa é saber o que o credor pode fazer perante um devedor
que não cumpre. Aquilo que manifesta a juridicidade da relação obrigacional é a ação
creditória, sendo que os únicos mecanismos de tutela são os patrimoniais.
Quando o devedor não realiza a prestação, ataca-se o seu património para satisfazer o
interesse do credor. Assim, para esta doutrina, a obrigação tem por base um poder do
credor sobre o património do devedor.
O dever do devedor seria um dever hipotético e não jurídico. Jurídico seria apenas o
poder de agressão do credor sobre o património do devedor, em caso de incumprimento
da obrigação. O devedor não estaria realmente constrangido, o seu património é que
estaria sujeito a responder em caso de incumprimento.
Estas teses veem a obrigação como um dever livre, ou seja, apesar da existência do
vínculo jurídico que faz impender sobre o devedor o dever de cumprir a prestação a que
se vinculou, se ele não o quiser fazer, não o faz, e por isso o direito do credor é hipotético.
É por este motivo que num momento posterior ao incumprimento o credor pode acionar
os mecanismos da responsabilidade contratual.
Temos então um direito hipotético do credor e um dever livre do devedor, sendo
que esta última expressão acaba por ser contraditória. Se é um dever, não pode ser livre
– a pessoa está vinculada à conduta, se cumpre ou não cumpre é outro problema.
Confunde-se o direito do credor com uma mera expectativa, mas o Código Civil
prevê o dever de prestar, pelo que não se trata de um dever livre. Por exemplo, a previsão
do artigo 829ºA só existe porque o dever de prestar não é livre, assim como a ação de
cumprimento só existe porque o dever não é livre.
O direito de crédito seria um direito sobre bens indeterminados do património do
devedor. O núcleo da obrigação, que é o poder de agressão do património do devedor, só
é trazido à superfície pelo incumprimento do devedor.
Críticas:
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Esta teoria confunde a essência da obrigação (direito à prestação e dever de
prestar) com a sua sanção (mecanismos em caso de incumprimento). Pretende-
se que as obrigações sejam respeitadas e não que se possa escolher entre
cumprimento e sanção.
Referência à teoria das relações entre patrimónios: segundo esta teoria, a
obrigação pode ser reduzida a uma relação entre patrimónios, ou seja, a obrigação
não vincularia diretamente o credor e o devedor, mas sim os seus patrimónios. O sujeito
das obrigações não seria a pessoa, seria o património – o credor e o devedor seriam meros
representantes jurídicos dos seus bens. Na constituição da obrigação, o devedor alienaria
bens do seu património, mas essa alienação só seria eficaz havendo incumprimento. Esta
teoria não pode ser aceite, já que a obrigação depende de dois sujeitos.
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Assim, na sua estrutura e pureza, reduzindo aos elementos analíticos mais simples,
a designação de obrigação do artigo 397º parece estar correta.
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corresponde grosso modo às obrigações de resultado (as obrigações estipuladas
no Código Civil são sobretudo de resultado);
Devedor responsabiliza-se se o terceiro não quiser ou não puder praticar o facto –
obrigação de garantia (responde-se mesmo sem culpa).
Qual a consequência de fazer uma venda de coisa futura? Artigo 893º re. artigo 880º
CC. Em regra, a prestação de coisa futura cria uma obrigação de meios. Ou seja, se
contra a expectativa e os esforços do alienante, a coisa não vem a pertencer à sua esfera
de titularidade, a obrigação extingue-se e o devedor fica desonerado da contraprestação.
O artigo 880º nº2 diz que mesmo que o alienante não consiga adquirir a coisa para a
transmitir, o devedor obriga-se a pagar a contraprestação – este artigo não
responsabiliza o devedor, mas sim o credor. Porquê que alguém se sujeitaria a um contrato
destes? São contratos de risco, negoceiam a esperança – pode correr bem ou mal para o
devedor, é um risco. Nos swaps negoceia-se o risco, tem a ver com a subida e descida das
taxas de juro. Outro exemplo é o contrato de compra e venda de uma produção de laranjas
do ano seguinte. Quando se negoceia o risco, o preço é mais baixo, por isso é que vale a
pena para quem deve o preço. E afinal de contas, o credor sabe que vai receber aquele
valor, enquanto o devedor nem sabe se vai ter a produção que comprou ou não.
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Prestações infungíveis: Não é possível que se substitua o devedor por um terceiro
no cumprimento, ex: se Picasso se compromete a pintar uma obra, não poderá ser o seu
vizinho a pintá-la. Por vezes a infungibilidade não deriva da natureza das coisas, mas sim
de uma convenção das partes – infungibilidade convencional.
Fungibilidade relativa: Não tem de ser aquele devedor específico a prestar, mas há
um número limitado de pessoas que o pode substituir, ex: cirurgião está doente e não pode
operar, só outro cirurgião o pode substituir.
Consequências da distinção:
Ao nível da impossibilidade: A impossibilidade subjetiva só extingue a prestação
se ela for infungível. Se for fungível, o devedor deve substituir-se por outrem.
Ao nível da ação executiva: Na prestação de facto fungível, o credor pode exigir,
no processo de execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor.
A sanção pecuniária compulsória é exclusiva das prestações de facto infungíveis.
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Não se devem confundir as obrigações duradouras com as obrigações fracionadas.
Nas obrigações duradouras, a prestação devida depende do fator tempo, que tem
influência decisiva na fixação do seu objeto. Nas prestações fracionadas, o tempo não
influi na determinação do seu objeto, apenas se relacionando com o modo da sua execução
– o seu cumprimento protela-se no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas,
mas o objeto da prestação está previamente fixado, sem dependência da duração da
relação contratual (preço pago a prestações; fornecimento de certa quantidade de
mercadorias ou de géneros a efetuar em várias partidas).
Impactos da diferença entre prestações fracionadas e periódicas ao nível do regime:
Resolução do contrato: Nas prestações duradouras, a resolução não abrange as
prestações já efetuadas, opera apenas quanto às prestações futuras ou quanto à
duração futura da prestação em curso, por causa da ligação entre a prestação
duradoura e o tempo, que faz com que cada prestação tenha uma certa
independência face às prestações futuras. Nas prestações fracionadas, a resolução
do contrato implica a obrigação de devolver as prestações já efetuadas – eficácia
retroativa, pois o tempo não faz parte da essência da prestação.
Perda de benefício do prazo (artigo 781º CC): Nas prestações fracionadas, a falta
de cumprimento de uma das frações provoca o vencimento antecipado das
restantes – o devedor perde o benefício do prazo, tem de imediatamente pagar
tudo, pois o credor perde a confiança nele. Nas prestações periódicas não funciona
assim, porque o que está em causa nestas prestações não é o prazo, é o tempo no
qual a relação se materializa.
No artigo 934º CC há uma exceção que se aplica só à compra e venda a prestações
(foi pensado para proteção do consumidor) – estabelece requisitos mais exigentes para a
resolução e para a perda de benefício do prazo.
O credor ou escolhe a resolução ou escolhe a perda de benefício do prazo, em caso de
faltar uma prestação.
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Aula do dia 7 de outubro
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se aplicarem. Exemplo: A compra bilhetes de entrada no zoo para si e para o seu filho,
mas há um animal que está solto, que magoa a criança – poderá haver lugar a uma
indemnização, porque não se verificou o dever de cuidado. Não pode o zoo alegar a
anulabilidade ou nulidade do contrato (ex: dolo de A, por ter falsificado a sua idade para
ter o bilhete mais barato) para se livrar do dever de cuidado, porque esse dever permanece
independentemente da validade do negócio, dado que vai além das obrigações – é algo
que faz parte da vida. Assim, a invalidade do contrato abrange apenas os deveres
principais de prestar.
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ser o lesado a mostrar que o outro sujeito contra o qual pede indemnização teve culpa
(artigo 487º CC). Às vezes não é claro se a pessoa em questão teve ou não teve culpa,
então na dúvida não há indemnização. Os deveres de proteção, que se destinam a permitir
o correto desenvolvimento da relação obrigacional, são deveres que, se não forem
observados, levam à presunção da culpa, ou seja, há uma inversão do ónus da prova
da culpa, podendo aplicar-se analogicamente o artigo 799º CC (cabe ao devedor
demonstrar que não foi culpa sua). Este regime dos deveres de proteção é mais correto,
tendo em conta a finalidade que se pretende alcançar, que é o correto desenvolvimento da
relação obrigacional. O dever de proteção protege a relação pré-contratual.
Exemplo: Pessoa escorrega num supermercado e parte a perna. A boa fé implica
que o dono do supermercado garanta a segurança – tem de ser ele a fazer prova
de que fez limpezas e de que teve os cuidados devidos, caso contrário tem de
indemnizar a pessoa que escorregou. Se não admitíssemos os deveres de proteção,
teria de ser a pessoa que escorregou a provar que há culpa do dono do
supermercado, e provavelmente não conseguiria indemnização, por ser difícil
provar isso. O contrato até podia vir a ser nulo (por a pessoa ter trocado códigos
de barras, p. ex.), mas isso não vai prejudicar a existência do dever de proteção –
ele permanece.
Os deveres acessórios de conduta irradiam para terceiros que têm com a obrigação
uma relação especial de proximidade, o que contraria a característica da relatividade
das obrigações. Por exemplo, num arrendamento entre A e B, todos aqueles para além de
B que habitem o imóvel estão abrangidos pelos deveres de proteção e são também
responsáveis pela proteção da coisa.
No cumprimento defeituoso, a prestação é cumprida, mas a relação não decorre
como devia ter decorrido. Ex: A entregou o café que trespassou, mas demorou muito
tempo a conduzir o processo na Câmara Municipal, a passar os contratos de luz e gás, etc.
São incumprimentos em sentido amplo – verifica-se o dever de prestar, mas não se
adotaram comportamentos que deviam ter sido adotados. Se não admitirmos que a relação
obrigacional é complexa, ou seja, que vai para além do dever de prestar, não conseguimos
a solução adequada para estes litígios.
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disposições na lei, princípios ou valores jurídicos que limitem a liberdade, a regra é a
liberdade - tudo aquilo que não é proibido, é permitido.
Isto vale nos contratos, mas nos negócios unilaterais vigora o princípio da
tipicidade (artigo 457º CC). A razão pela qual o legislador é tao restritivo nos negócios
unilaterais tem a ver com o facto de entender que deve proteger o sujeito de si próprio,
pois pode a sua total autonomia levar a circunstâncias adversas para si próprio.
Há situações em que há obrigação de contratar, mas é residual. Há também
comportamentos sociais típicos que levam à celebração de contratos, muitas vezes a
pessoa que faz uma viagem de metro nem se lembra que está a celebrar um contrato – há
autonomia privada mesmo que a pessoa não tenha consciência atual da celebração do
contrato. Estas situações não são incompatíveis com a existência de autonomia privada.
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A declaração de insolvência consiste numa liquidação universal do património do
devedor, dividindo-se o seu património por todos. Nesse processo de insolvência pode
não haver património para todos os devedores. Imaginemos que A tem 1000 euros, mas
deve 700 euros a B e outros 700 euros a C – o seu património não chega, por isso tem de
se ver a quanto correspondem os 700 euros de cada um dos credores havendo apenas 1000
euros. Pode acontecer que haja preferência sobre um credor – se A for credor
hipotecário, ele tem preferência sobre os demais credores.
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Boa fé em sentido objetivo: Boa fé como regra de conduta, como padrão de aferição
de situações jurídicas. Exemplos: artigos 227º, 762º, 239º (integração de lacunas), 437º
(alteração de circunstâncias), 334º (abuso de direito) e 272º (pendência da condição).
A boa fé protege expectativas, tem um papel na tutela da confiança. Quem está
de boa-fé vê-se com efeitos favoráveis atribuídos à sua posição jurídica, e se não fosse a
boa fé esses efeitos positivos não se produziriam. Vejam-se os artigos 898º e 899º CC.
Mas a boa fé não se limita a proteger a confiança. Expressa padrões objetivos de
conduta do sujeito que não estão dependentes das representações dos sujeitos. Ex: deve o
vendedor explicar como funciona uma máquina – não se está aqui a proteger a confiança,
mas sim a adotar um comportamento exigível de acordo com os parâmetros da boa-fé. A
boa fé tem esta dupla face: por um lado, protege expectativas; por outro lado, exige um
comportamento correto, independentemente da relação dos sujeitos.
Abuso de direito
O abuso de direito é uma cláusula geral, estando previsto no artigo 334º CC. O direito
é exercido de uma forma que a ordem jurídica condena. Este instituto nasceu em
França, quando uma pessoa, na titularidade do seu direito de propriedade, construiu uma
chaminé falsa na sua casa. Parece não haver problema, mas aquilo foi feito com o intuito
de tirar luz natural à casa do vizinho, então temos abuso de direito. Modalidades:
1) Venire contra factum proprium
Consiste numa contradição de comportamentos. Ex: senhorio que convence o
inquilino a instalar uma indústria doméstica e depois aciona o inquilino por o ter feito,
quando foi o próprio senhorio que o convenceu. O problema não está nas mudanças de
comportamento, isso não parece ilícito, o problema é que se podem frustrar expectativas
de sujeitos que acreditam na continuidade de um comportamento, é violada a confiança.
Para haver venire contra factum proprium é preciso que a mudança de comportamento
lese a confiança de outrem. O inquilino acredita na continuidade do comportamento,
justificadamente, e depois o senhorio tem um comportamento contraditório com o seu
comportamento anterior.
No que toca à rutura das negociações, ela, em si, é um ato perfeitamente lícito,
porque não há obrigação de contratar, por isso não há culpa in contrahendo, não há
violação da boa fé. Mas o que é certo é que não se deixa de justificar uma responsabilidade
por uma expectativa gorada – é uma responsabilidade por atos lícitos. Na rutura das
negociações temos uma verdadeira situação de venire contra factum proprium.
Violação de prescrições de forma: a forma, em princípio, é para ser observada. Há
no Direito português casos em que não se pode alegar vícios de forma? Ex: dono de um
café exige de volta o café que trespassou, em virtude da nulidade do contrato, por falta de
forma, sendo que sabia que era necessária escritura pública. Cria-se na outra parte a
expectativa de que está tudo bem e mais tarde há problemas. Nestas situações, segundo o
professor, é pensável a existência de inalegabilidades formais, mas apesar disso o venire
poderá ajudar a corrigir consequências irreparáveis e indesejáveis. Aqui, o venire não
significa necessariamente que o sujeito tenha tido um propósito inicial (reserva mental).
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O artigo 286º não manda o tribunal declarar a nulidade, diz que o pode fazer, então perante
a situação tem de ver se é oportuno declarar a nulidade ou não. Segundo o professor, o
vício de forma pode ser, nalguns casos, invocado, e a contraparte pode ser protegida
através de indemnização – há uma tutela para quem confiou, mas é uma tutela que não
opera através da paralisação do direito de invocar a nulidade, mas sim através do
mecanismo indemnizatório.
2) Supressio ou neutralização
Dá-se a supressão do direito em virtude de ele não ser exercido por muito tempo,
levando a contraparte a crer que já não vai ser exercido. Ex: sócio de uma sociedade
que é gerente mas não há nada que diga que ele é gerente, e ele todos os meses tira uma
pequena quantia da caixa, à vista de todos, por exercer essas funções, e passado um grande
lapso de tempo um dos sócios vem dizer que há que repor todas as quantias levantadas,
porque esse senhor era um gerente de facto, mas não era formalmente um gerente, visto
que não tinha havido uma deliberação nesses termos, mas o que acontece é que isto era
pacífico. Não parece justo que passado tanto tempo se venha exigir a restituição dessas
quantias – não é que não tenham esse direito, mas durante muito tempo isso aconteceu
sem que ninguém se opusesse, por isso reagir ofende a legítima expectativa do indivíduo
que, tendo feito tudo às claras, seria agora prejudicado. Outro exemplo: fornecedor decide
suspender o fornecimento em virtude de queixas da contraparte por defeitos, a contraparte
não disse nada e passados dois anos reclama prejuízo de mora – se a contraparte queria
que o fornecimento continuasse, porque precisava das mercadorias, precisava tê-lo dito
num prazo de tempo razoável.
Diferença em relação ao venire: No venire há uma conduta que induz confiança e
depois há uma contradição, ao passo que na supressio há silêncio, uma omissão, e muito
mais tarde uma manifestação – toda a gente sabia, mas ninguém fez nada, ninguém se
manifestou, e mais tarde vieram reclamar. Na supressio temos um lapso de tempo
excessivo entre o surgimento de um direito e o seu exercício.
Qual o problema da supressio? Pode acontecer que se encurtem prazos de
caducidade. Quem estiver dentro do prazo, à partida pode atuar, por isso dentro do prazo
de caducidade não se devem criar expectativas. Mas se os prazos são muito longos, é
concebível, a título de exceção, que se invoque o abuso de direito. Ex: empresa que dá
uma gratificação aos trabalhadores, que não consta dos seus salários para efeitos de
Segurança Social – não é obrigatório, por isso pode ser negado a qualquer momento, mas
podemos vislumbrar situações em que negar a concessão à boca da concessão desse
benefício pode prejudicar uma expectativa legítima, até porque era habitual.
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4) Exercício desproporcionado dos direitos
Há uma desproporção entre o proveito que vai causar a um indivíduo e o
prejuízo que vai causar a outrem. Ex: sócio de um banco, que detinha uma pequena
quantidade de ações, não foi convocado para uma deliberação, porque se entendia que a
sua posição não ia alterar em nada a deliberação – parece desproporcionado admitir ao
sócio não convocado a possibilidade de anular todo o processo, com grandes prejuízos
para muitas pessoas. Reconhece-se a existência da sua posição jurídica – ele devia ter
sido convocado, e por não ter sido tem direito à anulação da deliberação, mas há limites:
o que está certo para a normalidade das situações, pode não estar numa ou outra situação.
Há casos em que a desproporção não pode ser invocada, ex: senhor que não aceita
a colocação de um aerogerador num terreno seu que não tem nada – o prejuízo do
proprietário do terreno seria pouco ou nulo e o investidor teria um enorme proveito, mas
o direito de propriedade prevalece (é um direito absoluto, o proprietário faz o que
entender), independentemente da desproporção.
Nos direitos de natureza obrigacional, o exercício desproporcionado de posições
jurídicas pode consubstanciar abuso de direito, mas nos direitos absolutos parece que não.
Será que o abuso de direito é um instituto? Alguns autores dizem que não, visto
que temos uma figura fragmentada. Não podemos falar numa unidade, e a unidade é um
pressuposto para existir um instituto. No abuso de direito temos preocupações de justiça
material, de equilíbrio de posições e uma tutela da confiança.
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que arrendou; pessoa que se compromete a declamar um poema; pessoa que se
compromete a ajudar outrem.
Parece que a coercibilidade do vínculo fica afetada, mas na verdade há tutela mesmo
que não esteja subjacente um valor pecuniário, ex: sanção pecuniária compulsória,
cláusula penal, execução específica, resolução do contrato, compensação por dano moral
(artigo 496º CC). Ou seja, a patrimonialidade não é requisito da juridicidade. Além
disso, os mecanismos de autotutela também valem para as obrigações não patrimoniais.
Importa distinguir as situações em que há obrigações não avaliáveis em dinheiro das
situações em que não temos uma verdadeira obrigação. Há vinculações que impendem
sobre as pessoas, mas não têm caráter jurídico, pertencem a outra ordem normativa:
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é característica necessária das obrigações. Porém, a execução específica implica, também,
a intervenção / mediação de terceiro, neste caso, o tribunal.
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Imaginemos que A tem de entregar um quadro a B, quadro esse que C destrói. C viola
um direito de propriedade alheio e é responsável (artigo 483º nº1 CC). Só que o direito
de propriedade é um direito absoluto e nós estamos a tratar de direitos de crédito. C, ao
destruir o quadro, também vai interferir na obrigação de A para com B, então C pode ser
também responsável perante o credor cujo interesse fica por satisfazer?
Segundo os autores que defendem a eficácia externa das obrigações, o crédito é
oponível a terceiros – o crédito é suscetível de ser violado por terceiros, então C tem de
indemnizar o credor.
A tese clássica diz que à partida a obrigação é relativa e, por conseguinte, só pode
ser violada pelo devedor, logo, os interesses do credor não são alvo de proteção perante
terceiros em termos de responsabilidade – só o devedor é que pode responder. O credor
pode obter uma tutela não por ser credor, mas por haver alguma circunstância que o
justifique – tem de haver uma circunstância qualificativa da posição de C que faz com
que o ordenamento jurídico não possa admitir o prejuízo causado por terceiro, ex: C não
gosta de B e destrói o quadro de propósito para o prejudicar (há malícia na conduta de C).
Imaginemos que A é canalizador e que se compromete para com B a fazer uma
reparação. C telefona a pedir uma reparação à mesma hora e A opta por contratar com C.
Não é justo que C seja suscetível de ser responsabilizado perante B pelo facto de saber
que o seu crédito foi satisfeito à custa da insatisfação do crédito de outro credor.
Por que é que a doutrina clássica aposta na relatividade? Porque ao dizer que o
crédito é relativo, está em prol da liberdade, da autonomia. Neste caso, há um respeito
da autonomia de C, porque ele não agiu com malícia. Além disso, A tem o direito de
escolher a quem presta o trabalho – ele deve poder agir na vida económica sem
constrangimentos, deve poder escolher a quem quer prestar o serviço.
Doutrina do terceiro cúmplice: O cúmplice do devedor na frustração do interesse
do credor é responsável perante o credor. É uma doutrina que aparenta ser muito boa, mas
depara-se com grandes dificuldades. Podemos considerar C cúmplice do canalizador A?
Parece que não. Se A e C tivessem o propósito comum de prejudicar B, já era diferente.
Em suma, as obrigações são relativas, por isso são vínculos entre credor e devedor,
ou seja, o credor exige do devedor a prestação e em caso de incumprimento é o devedor
que responde. O terceiro só responderá em circunstâncias especiais. É o que defende a
teoria clássica.
A responsabilidade de terceiros requer fatores especiais. O terceiro é suscetível
de ser responsabilizado se houver atos emulativos (atos em que a única pretensão é lesar),
se houver atos de concorrência desleal ou se houver abuso de direito. O crédito é
relativo, por isso é tutelado através destes institutos que tenham esse efeito indireto – no
fundo, um efeito mediato destes institutos é a tutela do crédito.
Imaginemos que A tinha uma obrigação de exclusivo com B, mas C oferece
condições melhores a A, então A contrata com C. Será que C poderá ser responsável? À
partida não, em função da relatividade das obrigações, mas C ter-se-á comprometido a
pagar a A todos os custos que A teria por incumprir o contrato com C. Então C tinha
excedido os limites da concorrência leal. A concorrência leal consiste em fazer uma
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oferta, não em corroer a eficácia vinculativa de um contrato. Só ao devedor é que cabe
medir as consequências do seu incumprimento, o terceiro não pode interferir diretamente.
Há uma tutela mediata do crédito, porque é uma tutela feita através dos pressupostos da
concorrência desleal.
A crítica que é feita à doutrina clássica prende-se com a ideia de que ao não permitir
a responsabilidade de terceiros em termos gerais não permite a tutela do crédito em todas
situações. Então esta crítica pode ser alvo de resposta: na doutrina clássica temos tutela
na mesma, simplesmente usamos outros instrumentos jurídicos. Não temos uma tutela
imediata do crédito, mas temos uma tutela mediata.
Notas:
A igualdade dos credores demonstra a relatividade das obrigações – não há sequela,
não há prevalência (604º).
Há casos em que o crédito pode ser oponível a terceiros: 413º e 421º CC (atribui-se
eficácia real). Precisamente por haver estas estipulações específicas da eficácia externa
das obrigações, depreende-se que a regra não será essa, mas sim a relatividade.
Sub-rogação, artigo 606º CC: Suponhamos que A é devedor de B em 1000 e que é
credor de C em 1000. O Direito permite a sub-rogação do credor ao devedor, i.e., B
substitui-se a A para ver satisfeito o seu interesse. É uma forma de conservar a garantia
patrimonial. Alguns dizem que o crédito de B é oponível a C (terceiro), pelo que isto
prova a eficácia externa da obrigação, mas não é assim, porque aquilo que B faz é exercer
o direito de crédito de A contra C, não está a exercer o seu próprio direito contra C.
Obrigação de alimentos, artigo 495º nº3 CC: É uma regra específica em que há um
crédito de alimentos que deve ser satisfeito por terceiro, mas só em situações muito
específicas (lesão corporal ou morte do lesado).
26
o gozo de uma coisa. São direitos de crédito especiais, conferem um direito, mas
assentam num vínculo pessoal, por isso não são direitos reais.
Ao contrário do que se poderia pensar, estes direitos não constituem um numerus
clausus. Isso é próprio dos direitos reais. Há situações além das previstas na lei pensáveis
para a existência de um direito pessoal de gozo (atípico). O direito de caçar num prédio
alheio, por exemplo, é um direito pessoal de gozo.
Esta qualificação tem muita relevância, pois da qualificação decorre um regime.
Aplica-se a estes direitos o regime dos direitos de crédito, com exceções:
Artigo 407º CC: Havendo conflito entre dois direitos pessoais de gozo,
prevalece o primeiramente constituído (manifestação do princípio da
prevalência). Ao abrigo deste artigo, prevalece o direito mais antigo, sem
prejuízo das regras próprias em juízo. Imagine-se que A aluga um automóvel a B
e aluga depois o mesmo automóvel a C – há um conflito entre direitos pessoais
de gozo. Prevalece o direito mais antigo (direito de B), dando ideia que aqui
vigora o princípio da prevalência, característico dos direitos reais.
27
se estivesse em causa um direito real. Se o titular do direito pessoal de gozo tem tutela
possessória, também tem tutela indemnizatória.
Na servidão legal de passagem, o que está em causa é uma relação entre prédios, por
isso está em causa um direito real de gozo. Se um vizinho me deixa passar pelo seu prédio,
eu tenho um direito pessoal de gozo, não se constitui um direito real de gozo, pois o
vínculo é pessoal. Temos de ver se o direito que proporciona o gozo da coisa é de natureza
pessoal ou real.
28
O sistema de fontes de Direito das Obrigações português é um sistema completo ou
podemos admitir fontes das obrigações para lá daquilo que está previsto na lei? A nossa
lei indica um conjunto de fontes das obrigações, não dizendo se o elenco é taxativo ou
exemplificativo. Não podemos excluir que existam fontes de obrigações além das que
o Código indica.
Em suma, temos os atos lícitos, que são atos humanos contratuais ou traduzidos em
negócios jurídicos unilaterais; os atos ilícitos, a que corresponde a responsabilidade; e
temos, por fim, os factos jurídicos, de que são exemplos o enriquecimento sem causa e a
gestão de negócios – há uma vontade, mas essa vontade não é relevante para efeitos de
desencadear a obrigação (por exemplo, no enriquecimento sem causa o que justifica o
surgimento das obrigações é a deslocação patrimonial existente).
2. Contratos
Artigo 405º CC: princípio da liberdade contratual. O contrato está previsto com
grande amplitude. Temos autonomia privada a manifestar-se na liberdade de celebração
e liberdade de modelação dos contratos. Mas esta autonomia privada é temperada com
dois outros princípios:
O contrato está sujeito a limitações, mas se nada se disser, as partes podem modelar
o seu conteúdo. A grande preocupação da ordem jurídica é com a formação da vontade e
com a sua formulação adequada, deixando a modelação do contrato para as partes.
29
A ordem jurídica policia a formação do acordo, não o conteúdo do acordo. A
ordem jurídica procura assegurar que as pessoas estão de forma esclarecida e livre a
celebrar os contratos. Se o contrato vencer o teste da vontade, segue os efeitos que as
partes determinaram, mas é sempre preciso ter em conta os limites gerais impostos pela
lei, ex: artigos 280º nº2 (o negócio jurídico não pode ir contra a ordem pública ou ser
ofensivo dos bons costumes), 282º e 1146º CC.
Hoje discute-se se não deverá haver limites para os contratos duradouros, ex: contrato
de fornecimento de 50 anos – devia haver a possibilidade de denúncia ao fim de um tempo
razoável. O problema do arrendamento está resolvido, pois temos o prazo máximo de 30
anos (artigo 1025º CC).
Artigo 406º CC: princípio pacta sunt servanda – cumprimento pontual dos
contratos. Só se pode modificar ou extinguir o contrato por acordo das partes ou nos casos
em que a lei o permite fazer unilateralmente.
A partir do momento em que o contrato é celebrado, toda a conduta das partes tem de
se conformar àquilo que estabeleceram, e naquilo que não estabeleceram estão
subordinadas a uma regra de equilíbrio, de proporcionalidade. Batista Machado fala na
cláusula do razoável, pretende transmitir que a partir do momento em que o sujeito
celebra o contrato fica sujeito a critérios que não apenas relacionados com a sua
autonomia. O equilíbrio manifesta-se num conjunto de disposições do Código Civil:
Artigo 237º: Estabelece uma regra de equilíbrio quando houver dúvidas acerca
do resultado interpretativo. Nos casos duvidosos, nos negócios onerosos deve
preservar-se o sentido que conduzirá ao maior equilíbrio das prestações, já nos
contratos gratuitos deve-se optar pelo sentido menos gravoso para o disponente;
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Artigo 239º: Integrar a lacuna de acordo com a vontade hipotética das partes, caso
tivessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando
outra seja a solução por eles imposta – não pode haver soluções arbitrárias;
Artigo 437º: Pode acontecer que, em caso de alteração superveniente das
circunstâncias, a exigência das obrigações assumidas contrarie o princípio da boa
fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato, o que pode levar à sua
resolução – há uma superveniência que atinge o contrato e, de acordo com a
razoabilidade, é um caso em que uma das partes pode resolver o contrato e impor
isso unilateralmente à outra parte;
Artigo 812º: O juiz pode moderar a cláusula penal no caso de ela ser excessiva.
Artigo 408º CC: Os contratos podem ter eficácia real. Podem produzir efeitos reais
por si só, sem necessidade de um ato ulterior, mas isso só opera em relação aos contratos
sobre coisas determinadas, ex: se vendo um livro a A, há um efeito real sem necessidade
de um ato. Mas se não é uma coisa determinada, é preciso um ato ulterior, ex: A vende a
B 5 ovelhas do seu rebanho – é preciso saber quais são as ovelhas, é preciso individualizar
as ovelhas, pois só existem direitos reais sobre coisas determinadas.
Artigo 409º CC: No caso de não cumprimento do comprador (artigo 886º CC), a
propriedade transferida não volta à esfera do alienante, por isso há interesse na cláusula
de reserva de propriedade, que pode ser feita através de condição suspensiva (o
vendedor transfere a propriedade quando for pago) ou resolutiva (o vendedor transfere a
propriedade, mas o contrato resolve-se se o preço não for pago.
Os contratos típicos são aqueles regulados na lei como tipo, enquanto os contratos
atípicos surgem fora dos modelos traçados na lei, não sendo alvo de regulamentação legal
específica. Os contratos nominados, que são aqueles que têm um nome próprio, que os
distingue dos demais, podem não ser típicos. A locação, por exemplo, está regulada na
lei e também tem nome próprio, mas há casos em que o nome dos contratos está na lei,
mas não há regime – é o caso da hospedagem, prevista no artigo 755º b) CC. É comum
falar-se em contratos sociais típicos, ao lado dos tipos legais. Estes contratos, conquanto
não tenham disciplina legalmente prevista, são amplamente reconhecidos socialmente e
habitualmente praticados em certos setores, identificando-se facilmente o seu conteúdo.
31
Sinalagma funcional: Há um entrelaçamento das prestações previstas no
contrato (é percetível nas obrigações duradouras). Só se compreende o
cumprimento de uma obrigação em função do cumprimento da outra. As
obrigações têm que ser exercidas em paralelo, porque uma é pressuposto lógico
da outra (ex: contrato de trabalho ou de locação).
Os contratos normativos criam regras aplicáveis para lá do âmbito das partes que o
celebraram, as suas regras aplicar-se-ão como padrão contratável obrigatório para os
contratos individuais que as partes entendem celebrar sob a sua égide, ex: convenções
coletivas de trabalho – exceção à relatividade dos contratos do artigo 406º CC.
32
mistos. As partes, ao invés de realizarem dois ou mais contratos típicos, celebram apenas
um contrato com prestações de natureza diversa.
33
regras mais pesadas da denúncia ou resolução do contrato de arrendamento. O intérprete-
aplicador tem de corrigir um pouco a doutrina da absorção.
34
ou substancial que faz com que um interfira no regime do outro, havendo uma
interdependência juridicamente relevante. Podem assumir tipos diferentes:
o Casos em que um dos contratos é condição do outro: A encomenda
refeições no restaurante de B, mas só se B lhe arranjar alojamento na
localidade. Se um dos contratos não se realizar, haverá consequências
relativamente ao contrato que é a condição.
o Casos em que um dos contratos é uma contraprestação do outro: A vende
o seu apartamento a B, se B em troca lhe vender o seu automóvel – nexo de
reciprocidade, um dos contratos é tido como contraprestação do outro.
o Casos em que um dos contratos é motivo do outro: A arrenda um
apartamento na Guarda porque está convencido de que lá vai ser colocado
(contrato de arrendamento e contrato de trabalho), mas a transferência dá-se
para Lisboa – trata-se de um erro sobre os motivos. A união pode não ser
visível, a outra parte pode não saber, mas se for interposta uma condição
suspensiva (arrenda se for colocado) já é visível a união interna de contratos.
o Casos em que um dos contratos é a base negocial do outro: O contrato de
sociedade serve de base negocial aos futuros contratos celebrados pela
sociedade com outros, como os contratos de distribuição e fornecimento.
35
Uniões de contratos com regime de prevalência: Um contrato prevalece sobre
o outro.
Uniões de contratos com regime paritário: Os contratos unidos ocupam a
mesma posição.
2.4. Contrato-promessa
Representa uma espécie de modelo estrutural do contrato. Encontra-se previsto no
título das obrigações em geral. Os contratos previstos no título II têm a sua finalidade
própria, mas no contrato-promessa não temos uma única função económico-social, o
contrato-promessa é mais um tipo estrutural de contrato do que um contrato com uma
função económico-social determinada, porque pode haver contratos-promessa de todos
os outros contratos.
A primeira consiste em permitir às partes uma vinculação mesmo que não estejam
reunidas as condições de forma ou outras condições que permitam celebrar o
contrato visado, ou seja, permite antecipar os efeitos de contratos que ainda não se
podem realizar, ex: falta uma licença da Câmara Municipal, mas pode haver uma
vinculação antes de ser obtida essa licença; falta financiamento bancário; há
indisponibilidade do bem – pretende-se uma compra e venda de uma propriedade que está
a ser construída, só quando houver uma determinação da fração é que se pode constituir
um direito de propriedade sobre ela, mas pode desde logo haver um contrato-promessa.
36
Cartas de intenção: Uma pessoa declara que tem uma intenção, por exemplo de
celebrar um contrato ou de conceder crédito. Isso não é ainda um contrato, é uma
declaração unilateral que manifesta a intenção de emitir uma declaração negocial.
Acordo de negociação: É um negócio jurídico que disciplina a forma como vão
decorrer as negociações, não implicam a obrigação de contratar (acordo-base,
acordo-quadro).
Promessa pública de contratar: Um indivíduo vincula-se unilateralmente a
celebrar um contrato com quem se encontre em determinada situação ou pratique
determinado facto.
Obrigações de contratar de origem não negocial (dever legal de contratar):
Obrigação que decorre de um estatuto a que a lei sujeita um conjunto de entidades
que fornecem serviços essenciais, ex: EDP é obrigada a fornecer eletricidade,
mas essa obrigação decorre do estatuto da entidade.
Bilaterais ou unilaterais
o Contrato-promessa bilateral: Nascem obrigações para ambas as partes, ex:
contrato-promessa de compra e venda – alguém promete vender e alguém
promete comprar. Ex: A quer comprar um prédio e B quer vender-lho, mas
não podem celebrar o contrato no imediato porque A aguarda a aprovação de
um empréstimo – para superar a dificuldade, celebram um contrato-promessa
de compra e venda.
o Contrato-promessa unilateral: Nascem obrigações apenas para uma das
partes, só uma das partes fica vinculada, a outra parte pode decidir mais tarde
se quer ou não celebrar o contrato – é a chamada reserva. Ex: A quer vender a
B um móvel, e embora B não tenha a certeza de que o quer comprar, interessa-
lhe vincular A àquele contrato, para evitar a subida do preço, por exemplo.
o Posto isto, percebemos que o contrato-promessa é a convenção pela qual
ambas as partes (promessa bilateral) ou apenas uma delas (promessa
unilateral) se obriga(m) a celebrar determinado contrato (contrato prometido),
dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos.
Com eficácia real e sem eficácia real: No artigo 413º CC admite-se que as partes
atribuam eficácia real a um contrato-promessa. O contrato-promessa não produz,
por si mesmo, efeitos reais, mas se as partes atribuírem eficácia real ao contrato-
promessa, a posição do sujeito passa a ser suscetível de ser oposta a terceiros.
o A compra e venda, no direito português, além dos efeitos obrigacionais, tem
efeitos reais, dado que a transferência de propriedade se dá por mero efeito do
contrato (408º nº1 CC). Em países como a Alemanha e Brasil isto não se
verifica – a compra e venda tem meramente efeitos obrigacionais (a
transferência dos direitos reais sobre a coisa, se for móvel, dá-se com a entrega
da coisa). Assim, o contrato-promessa de compra e venda só tem efeitos
obrigacionais, por isso desempenha o papel da compra e venda na Alemanha.
37
Com ou sem execução específica: Ver os artigos 827º e ss. CC, especialmente
o artigo 830º CC. A execução específica consiste na realização coativa da
prestação em espécie. O tribunal substitui-se ao promitente faltoso.
38
Também por ato entre vivos se pode transferir a posição resultante de contrato-promessa
– cessão da posição contratual (artigos 424º e ss. e 577º e ss. CC).
39
prova de que as partes o teriam querido se tivessem previsto a invalidade, e isso é próprio
da conversão. A solução, materialmente, é a da conversão.
Há uma exigência de forma especial para os contratos-promessa respeitantes à
celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre
edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir –
artigo 410º nº3 CC. Requisitos de forma:
Documento escrito assinado pelas partes, nos termos do artigo 410º nº2 CC;
Reconhecimento presencial da(s) assinatura(s) do(s) promitente(s), por parte do
notariado;
Certificação notarial da existência da licença de construção ou de utilização.
Pretende-se combater vinculações cujo cumprimento incida sobre edificações
clandestinas ou não licenciadas, por isso é que já no contrato-promessa tem o notário de
reconhecer que o edifício está em condições de ser utilizado. Há aqui um controlo
administrativo a cargo do notário.
No caso de prédio rústico, não se aplica este artigo, porque mesmo que o prédio
rústico tenha edificações, elas não têm autonomia, ex: se se quer vender uma bomba de
gasolina, aplica-se este artigo, mas normalmente o que se vende é o terreno, e aí já não se
aplica este artigo. É preciso determinar o que se transaciona, e normalmente é o terreno,
por isso ficamos no nº2. A venda de quinhão hereditário não é uma venda de edifícios,
porque tem de haver partilha, por isso aqui também não se aplica o nº3, mas sim o nº2.
Quid iuris se os requisitos do nº3 não se verificarem? O reconhecimento presencial
da assinatura e a certificação da existência de licença são formalidades que não têm
propriamente que ver com a declaração negocial em si, mas não deixam de ser uma
formalidade essencial (formalidade ad substantiam). Como consequência para a
inobservância destas formalidades, o promitente-vendedor só pode invocar a falta dos
requisitos formais se essa falta tiver sido causada culposamente pelo promitente-
comprador. Mas podem terceiros (por exemplo, credores do promitente-vendedor)
invocar a falta destas formalidades? E pode o tribunal fazê-lo oficiosamente? Há na lei
uma omissão a este respeito. Antunes Varela responde afirmativamente a estas questões,
afirmando por isso a aplicação do regime geral da nulidade (artigos 220º e 286º CC). Já
Calvão da Silva diz que está subjacente ao nº3 uma finalidade de proteção do promitente-
comprador, pelo que a omissão dos requisitos formais gerava anulabilidade. Esta última
posição é reiterada pelos assentos 15/94 e 3/95, que vêm dizer, respetivamente, que as
omissões de formalidades do artigo 410º nº3 CC não podem ser invocadas por terceiros e
que essas mesmas omissões não podem ser conhecidas oficiosamente pelo tribunal.
Assim sendo, estamos perante a anulabilidade, mas falamos em anulabilidade mista ou
atípica, na medida em que não se sana com o decurso do tempo.
40
produzem efeitos reais (o que significa sobretudo que são oponíveis a terceiros),
mediante atribuição de eficácia real à promessa, pelas partes.
Se o promitente-vendedor aliena a terceiro o bem que prometeu vender, há um
conflito entre a posição do promitente-comprador e a posição do terceiro que tem o direito
real. De acordo com as regras gerais, prevalece a posição do terceiro – o promitente-
comprador pode apenas requerer indemnização pelo incumprimento contratual, por isso
percebe-se que o contrato-promessa meramente obrigacional é relativamente débil. Se as
partes atribuírem eficácia real à promessa (artigo 413º CC), já não se passa assim, pois a
posição do beneficiário da promessa passa a ser oponível ao terceiro adquirente, prevalece
o direito do promitente-comprador.
Diz o nº1 deste artigo 413º que a atribuição de eficácia real só é possível para os
contratos-promessa que visam a transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens
imóveis ou móveis sujeitos a registo.
Para poder haver eficácia real, é precisa a verificação destes requisitos cumulativos:
As partes têm de declarar expressamente no contrato-promessa a sua intenção
de lhe atribuírem eficácia real (artigo 413º nº1 CC);
Os direitos emergentes do contrato-promessa têm de estar inscritos no registo
(artigo 413º nº1 CC) – aqui o registo é constitutivo, é uma condição da eficácia
real da promessa;
Quanto à forma, o contrato-promessa tem de ser celebrado por escritura pública
ou documento particular autenticado, salvo se o contrato-prometido não exigir
essa forma – nesse caso, basta documento particular com reconhecimento das
assinaturas de quem se vincula (artigo 413º nº2 CC).
41
ter interesse para o credor. O prejuízo é a frustração da totalidade do interesse do
credor, por isso a indemnização deverá ser maior. Aqui não interessa ao credor
uma ação de cumprimento.
Cumprimento defeituoso: A prestação é cumprida, mas com imperfeições.
Recusa antecipada do cumprimento: Imagine-se que os promitentes
combinaram que o contrato prometido seria celebrado no mês seguinte, mas hoje
um promitente diz que não vai cumprir – recusa antecipada, tem consequências.
As consequências do incumprimento dos contratos são diferentes consoante o
contrato seja ou não sinalizado. Assim sendo, passemos a analisar a matéria do sinal.
Sinal
O sinal é a quantia que pode ou não acompanhar o contrato-promessa. O sinal
não tem de estar presente sempre do mesmo modo e com a mesma intensidade, tendo uma
multiplicidade de funções:
Função confirmatória da vontade de produção de efeitos jurídicos: Pode
servir para confirmar a vontade negocial, funcionando como prova de seriedade
do propósito negocial do sujeito e garantia do cumprimento;
Função coercitiva/compulsória: Pode funcionar como coação ao cumprimento;
Função penitencial (função de preço do arrependimento): É uma função
liberatória – o sujeito liberta-se do vínculo pagando o sinal. O sujeito
compromete-se, mas também que ter a liberdade de sair do contrato com o mínimo
de consequências, no caso de se arrepender, e a consequência será pagar o sinal.
Um dos aspetos particulares do contrato-promessa tem a ver com o regime do sinal,
que está ligado à tutela do credor perante o incumprimento. O contrato que mais
frequentemente está ligado ao mecanismo de sinal é precisamente o contrato-promessa.
As consequências do incumprimento do contrato-promessa serão diferentes consoante o
contrato seja ou não sinalizado.
O facto de haver sinal num contrato-promessa significa que ambas as partes estão
vinculadas ao mesmo, logo, a existência de sinal demonstra que estamos perante um
contrato-promessa bilateral.
Artigo 441º CC: Este artigo aborda especificamente o sinal no regime do contrato-
promessa de compra e venda. Coloca-se a questão de saber o que a quantia entregue
significa. Será que o promitente-comprador está a antecipar o cumprimento da sua
prestação? A mera qualificação das partes no sentido de que a quantia representa uma
antecipação da obrigação não é suficiente para eliminar o caráter de sinal. Presume-se
que a quantia é sinal, ao contrário do que acontece nos outros contratos – veja-se o artigo
410º CC, em que a quantia é havida como antecipação do cumprimento, embora as partes
possam atribuir-lhe caráter de sinal. A regra é inversa.
Quando se trate de uma promessa sinalizada, aplicar-se-á o disposto no artigo 442º.
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Artigo 442º nº1 CC: Se o indivíduo presta o sinal em dinheiro e se a prestação devida
por ele é em dinheiro, imputa-se na prestação; mas se a prestação devida por ele não for
em dinheiro, não se trata de coisas iguais, por isso tem de se restituir o sinal.
A cláusula sinal é uma cláusula real quanto à constituição, porque não há sinal sem
a entrega da coisa sinalizada.
O sinal é uma liquidação expedita do contrato. Corresponde a uma fixação
antecipada da indemnização por força do incumprimento. De acordo com os artigos 798º
e 799º CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação é responsável
pelo prejuízo que causa ao devedor, e presume-se a culpa do devedor, mas o credor tem
de provar os danos, o que pode ser demorado, pelo que o sinal, em contraposição, é
extremamente prático.
Em princípio, o sinal é uma sanção para o incumprimento definitivo, porque só é
devido a partir do incumprimento definitivo – não pode ser perdido ou ser restituído em
dobro perante uma simples mora do sujeito na realização da prestação, pois se assim fosse
o credor tinha direito à prestação e também ao sinal, e em princípio não é assim. Contudo,
é sempre a vontade das partes que decide, pelo que estas podem atribuir ao sinal uma
função de indemnizar a simples mora. Numa situação de mora, o sinal tem uma função
compulsória, dado que coage ao cumprimento, induz ao cumprimento do devedor.
Artigo 442º nº3 CC: O sinal, no caso do contrato-promessa, afasta a execução
específica, como regra. Quando se constitui sinal, isso significa que as partes renunciam
à execução específica e se contentam com a cláusula de sinal.
Artigo 830º nº2 CC: Tanto o sinal como a pena convencional afastam a execução
específica – é uma presunção iuris tantum. A pena convencional é uma cláusula penal –
indemnização do devedor no caso de não cumprir. Distingue-se do sinal pelo caráter
unilateral e também pelo facto de não implicar qualquer entrega para se constituir.
43
Aula do dia 11 de novembro
Artigo 442º nº2 2ª parte CC: Vale para todos os sinais. O sinal tem mais
consequências quando está ligado à tradição da coisa. Quando no contrato-promessa há
tradição da coisa para o promitente-comprador, gera-se uma legítima expectativa da
celebração do contrato, porque o promitente-comprador já está na posse e domínio da
coisa, que era o seu derradeiro interesse. Assim, a perda do sinal ou restituição em dobro
pode não ser suficiente.
Havendo tradição da coisa, pode funcionar o sinal ou pode funcionar a
indemnização pelo valor da coisa.
A tradição da coisa pode configurar um direito pessoal de gozo conhecido, como o
comodato ou a locação, sendo possível a tutela possessória de quem recebeu a coisa.
Nota: para simplificar, partiremos do pressuposto de que o promitente faltoso é o
promitente-vendedor, o que não invalida a existência de situações em que o promitente
faltoso é o promitente-comprador.
Exemplo: Duas pessoas celebram um contrato-promessa de uma casa no valor de
50 mil euros. O promitente-comprador constitui um sinal de 10 mil euros. Se o
promitente-vendedor se recusar a cumprir, o promitente-comprador terá direito a receber
20 mil euros (dobro do sinal). Agora suponhamos que estamos num período de
especulação imobiliária, havendo uma acentuada subida dos preços dos imóveis –
passados alguns anos da celebração do contrato-promessa, o imóvel vale 100 mil euros,
em vez dos 50 mil euros, então o promitente-vendedor será tentado a alienar o bem a um
terceiro que lhe dá os 100 mil euros. A alienação a terceiro mostra a fragilidade do
promitente-comprador quando o contrato-promessa tem mera eficácia obrigacional. Esta
precariedade é particularmente sensível se houver tradição da coisa. O mecanismo do
sinal pode não ser suficiente. Se em vez de o sinal de 10 mil euros, o sinal fosse de 40 mil
euros, o promitente-comprador teria direito a receber 80 mil euros, mas normalmente os
sinais não são assim tão grandes. Então o que fez o legislador? Criou, em alternativa ao
sinal, a possibilidade de exigir do promitente-vendedor o valor do direito a constituir
sobre a coisa (direito de propriedade) e, por isso, se hoje o valor é de 100 mil euros, o
promitente-comprador terá direito ao valor dos 100 mil euros, para ficar totalmente
ressarcido do seu prejuízo, que à data do incumprimento é de 100 mil euros e não de 50
mil euros, mas desconta-se desse valor o valor da contraprestação – de acordo com o
contrato-promessa, ele tinha de despender 50 mil euros, então 100 000 – 50 000 = 50 mil
euros. Desta forma não há enriquecimento injusto do promitente-vendedor (que seria
contemplado com uma valorização do imobiliário tendo violado o contrato) nem há
empobrecimento do promitente-adquirente (que tem de satisfazer as suas necessidades no
mercado a preços atuais). Se o promitente-comprador faz funcionar a indemnização pelo
valor da coisa descontado da contraprestação, ele tem de devolver a coisa e tem
direito à restituição do sinal.
O promitente-vendedor não cumpre, o promitente-comprador tem créditos sobre o
promitente-vendedor (valor da coisa) e está na posse da coisa. Esse crédito é pouco
consistente em termos práticos se não for protegido. O promitente-comprador pode
reservar para si o andar enquanto o promitente-vendedor não lhe pagar a indemnização –
44
direito de retenção (artigo 755º nº1 f) CC). Isto não é uma exceção de não cumprimento,
porque o promitente-comprador recusa a entrega do andar enquanto não for indemnizado,
mas essa entrega não é uma prestação a que ele se tenha vinculado pelo contrato. Temos
uma indemnização acautelada pelo direito de retenção – o promitente-comprador tem
o direito indemnizatório e pode acautelar esse direito através do direito de retenção.
Vamos imaginar que o banco tem uma hipoteca sobre a casa em questão, em virtude
de um empréstimo pedido pelo promitente-vendedor. Este direito de retenção seria uma
ilusão se não fosse oponível ao banco, porque o banco tem um direito real de garantia,
que pode ser exercido pelo seu titular onde quer que a coisa se encontre (manifestação do
princípio da sequela). O direito de retenção vai prevalecer sobre a hipoteca, o que
permite tutelar a posição do promitente-comprador – a sua posição é oponível aos
credores hipotecários mesmo que a hipoteca tenha sido anteriormente constituída.
Significa isto que o titular do direito de retenção é primariamente ressarcido em relação
aos titulares da hipoteca.
Alguns autores criticaram esta solução, dizendo que este mecanismo acaba por se
voltar contra os promitentes-compradores, porque os bens ficam mais caros, então a
solução adequada seria a contrária – o professor não concorda. Veio-se dizer que o direito
do promitente-comprador só é oponível ao credor hipotecário se o primeiro for um
consumidor final – se o promitente-comprador for comerciante, o seu direito já não é
oponível ao credor hipotecário. A ideia é esta: só devem ser protegidos aqueles que
realmente precisam de ser protegidos, ou seja, aqueles que vão utilizar a casa para
habitação. O professor entende que é uma restrição que também não faz justiça pelo
menos aos pequenos comerciantes. Segundo o professor, a solução primeiramente
encontrada seria a melhor, porque todos ficariam protegidos, incluindo o credor
hipotecário (também ele é tratado com justiça, visto que o seu direito se reporta ao valor
da coisa na altura da hipoteca e não ao aumento desse valor). Se não fosse assim,
beneficiar-se-ia quem tem hipotecas em detrimento dos promitentes-compradores.
Artigo 442º nº3 1ª parte CC: O promitente-comprador pode em alternativa pretender
executar especificamente a promessa, nos termos do artigo 830º CC. É uma
possibilidade abstrata, ou seja, não significa que a execução específica possa operar
sempre – se, entretanto, surgir um direito real incompatível com o direito de crédito, a
execução específica não será possível. Se o promitente-vendedor, entretanto, perdeu a
titularidade da coisa, a sentença não pode considerar transmitida a propriedade,
prejudicando um terceiro. Se não houver alienação da coisa pelo promitente-vendedor, aí
sim o promitente-comprador pode recorrer à execução específica.
Artigo 442º nº3 2ª parte CC: Quando o promitente-comprador optar, em detrimento
da execução específica, pelo aumento do valor da coisa, pode a outra parte obstar a essa
possibilidade, cumprindo a promessa. Trata-se de uma exceção do cumprimento da
promessa, que só pode operar se não se verificar o previsto no artigo 808º CC, isto é, esta
exceção do cumprimento tem como limite a perda do interesse do credor (ex: só
interessa à noiva ter o vestido de noiva pronto até ao dia do casamento) e a
inexigibilidade de manutenção do vínculo em virtude de o credor dar um último prazo
para o cumprimento e a prestação não ser cumprida – o credor converte a mora em
45
incumprimento definitivo, através da interpelação admonitória (comunicação para que
o devedor cumpra, sob pena de se considerar a prestação definitivamente incumprida).
Artigo 442º nº4 CC: No caso de se optar pelo mecanismo do sinal ou pelo aumento
do valor da coisa à data do não cumprimento, não haverá lugar, em princípio, a qualquer
outra indemnização pelo incumprimento do contrato. No nosso exemplo, se se optar pelo
mecanismo do sinal, o promitente-comprador, que dá o sinal de 10 mil euros, verá a
restituição desse valor em dobro, em virtude do incumprimento do promitente-devedor,
e depois não poderá alegar que 20 mil euros não chegam para comprar outra casa, dado
que ativou o mecanismo do sinal.
46
todos os contratos-promessa, mas há alguns que pela sua própria natureza não devem
ser alvo de execução específica. Situações em que tal sucede:
Contratos prometidos do tipo pessoal: têm por objeto uma prestação infungível
(ex: contrato de trabalho, certos contratos de prestação de serviços, contrato de
sociedade, contrato de mandato). Aqui, o juiz não se pode substituir ao devedor
– a infungibilidade das prestações não permite a substituição do devedor;
Contratos prometidos reais quoad constitutionem: a entrega da coisa (requisito
de conclusão do contrato) tem de ser feita pessoalmente, visto que é um ato de
confiança, sendo insubstituível o devedor, mesmo pelo juiz (ex: contrato de
comodato, mútuo e depósito);
Violação de contrato-promessa sem eficácia real em que tenha havido a
transmissão do bem a terceiro.
Situações em que não se pode admitir verdadeiras promessas vinculativas de
contratos, ex: doação, casamento.
Artigo 830º nº2 CC: Presume-se que existe convenção em contrário se houver sinal
ou cláusula penal (artigo 810º e ss. CC). Trata-se de uma presunção iuris tantum, por
isso as partes podem estabelecer que, não obstante o sinal ou cláusula penal, se pretende
que haja a possibilidade de execução específica.
Artigo 830º nº3 1ª parte CC: A possibilidade de afastamento da execução
específica não existe nas promessas a que se refere o artigo 410º nº3 CC – as
promessas respeitantes à celebração de contratos onerosos de constituição ou transmissão
de direito real sobre edifícios ou frações autónomas deles têm sempre aberta a
possibilidade de execução específica, ou seja, não é por haver sinal que se vai retirar a
possibilidade de execução específica, nestes casos. Quando se promete a compra e venda
de um terreno para construção, não está em causa um contrato-promessa de alienação dos
edifícios a construir lá, por isso esta situação não se insere no artigo 830º nº3 CC.
Artigo 830º nº3 2ª parte CC: Para recompor o equilíbrio do contrato, o tribunal poderá
declarar uma modificação do contrato – dá-se a possibilidade ao tribunal de atualizar o
valor, a requerimento do faltoso. O indivíduo estava em falta e vai ter direito à
modificação do contrato (se tivesse cumprido, não teria direito). No fundo, ele vai
beneficiar de uma falta, mas a verdade é que pode haver superveniências não imputáveis
ao promitente faltoso, pelo que esta possibilidade já parece justificável.
Artigo 830º nº4 CC: Vamos imaginar que o promitente-vendedor recorre a um
empréstimo e a garantia do banco é uma hipoteca (direito real de garantia) sobre os
andares. O promitente-comprador não fica totalmente satisfeito com a transferência da
propriedade, porque vai responder por uma dívida que não é dele. Assim, a sentença, além
de declarar transferida a propriedade, pode condenar o promitente-vendedor à entrega das
quantias necessárias para que o promitente-comprador possa pagar ao banco e expurgue
a hipoteca. No fundo, se estivermos perante um contrato-promessa a que se refere o artigo
410º nº3 CC e se o bem estiver hipotecado, o requerente da execução específica pode
também pedir a condenação do promitente faltoso no pagamento da quantia
necessária à expurgação da hipoteca, de modo a ser paga a dívida garantida e extinta a
hipoteca. De outra forma, a hipoteca acompanha o bem na sua transmissão ao promitente-
comprador, visto que é um direito real de garantia.
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Artigo 830º nº5 CC: O promitente faltoso pode invocar a exceção de não
cumprimento, se preenchidos os seus requisitos. Imaginando uma situação em que o
promitente faltoso é o promitente-vendedor, só é justo que se transfira a propriedade
mediante a disponibilidade do preço, isto é, não faria sentido o tribunal, ao substituir a
declaração negocial do promitente-vendedor, declarar transmitida a propriedade sem que
o promitente-comprador pagasse o preço. Assim, para a ação proceder, o requerente tem
de consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal. Este
artigo só se aplica se a parte demandada em execução específica suscitar o problema,
visto não se tratar de um instituto de conhecimento oficioso. A lei não regulou a hipótese
inversa, de a execução específica ser requerida pelo promitente-alienante – integramos a
lacuna tornando esta possibilidade bilateral, ou seja, o juiz deverá condenar o promitente-
adquirente a depositar o preço e só depois decreta a execução específica pretendida, de
forma a garantir que o promitente-vendedor não aliena sem receber o preço. A execução
específica é bilateral, funciona para os dois lados – o promitente-vendedor pode pedir ao
tribunal a condenação do promitente-comprador na entrega da quantia.
Segundo Menezes Cordeiro, a execução específica aplica-se não só aos contratos-
promessa, como a todas as obrigações de contratar, a não ser que lei especial diga o
contrário ou que a natureza da obrigação não permita execução específica. Isto porque o
que se pretende é que os contratos sejam cumpridos – assim, além da reconstituição
natural e da fixação de indemnizações, deve ser admitida a execução específica.
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repercutem até à atualidade. Para fazer esta prova terá de se chegar ao facto constitutivo
originário, que tipicamente é a usucapião, que confere o direito de propriedade. Assim, é
muito complicado provar a propriedade.
A outra tese prende-se com a não relatividade das obrigações excecional – eficácia
externa que nalguns casos a ordem jurídica estabelece. É uma tese do mero direito de
crédito, mas com eficácia externa. O promitente-comprador só tem de provar o seu direito
de crédito e a sua oponibilidade a terceiros nos termos do artigo 413º CC. O professor
Carneiro da Frada concorda com esta posição.
É possível fazer o registo provisório da aquisição (registo antes de haver aquisição),
que pode permitir efeitos parecidos com o contrato-promessa com eficácia real, mas não
é o sucedâneo perfeito.
Tudo isto pressupõe que haja um contrato-promessa válido. Assim, a primeira coisa
a analisar é a validade do contrato-promessa, nos requisitos de substância e de forma.
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se exige documento, a forma desta preferência é a forma escrita, com assinatura do
obrigado a preferir. Fora destes casos em que o contrato objeto da preferência tem forma
específica, vigora o princípio da liberdade de forma (artigo 219º CC).
Classificações
Preferências convencionais versus preferências legais: As preferências
convencionais têm origem numa convenção, num contrato. As preferências legais são
aquelas que decorrem da lei – existem muito no direito da vizinhança (no caso de
alienação de prédio encravado, há direito de preferência do prédio contíguo) e no direito
do arrendamento (os arrendatários têm preferência na alienação do local arrendado).
Preferências obrigacionais versus preferências reais: Na preferência obrigacional,
a violação da preferência representa a violação de um direito de crédito – não dá ao titular
do direito de preferência qualquer pretensão contra um terceiro que tenha adquirido a
coisa com preterição da preferência. Se A não oferece a preferência a B e vende a um
terceiro, na preferência obrigacional há um conflito entre direito de preferência
obrigacional e direito real de terceiro, prevalecendo a posição do terceiro. O titular do
direito de preferência será tutelado, mas será uma tutela típica da violação de direitos de
crédito (indemnização). Nas preferências reais (preferências com eficácia real), o titular
do direito de preferência pode opor o seu direito a terceiros, então, independentemente da
indemnização, ele pode exercer o seu direito de preferência e substituir-se ao terceiro.
As preferências convencionais, em princípio, são obrigacionais, mas as partes
podem atribuir eficácia real à preferência, nos termos do artigo 421º CC, à semelhança
do que acontece no contrato-promessa (artigo 413º CC). Adquirindo eficácia real, o pacto
de preferência passa a produzir efeitos em relação a terceiros, podendo-lhes ser oponível.
Normalmente, as preferências legais têm eficácia real, porque se é a própria lei a
estabelecer a preferência, haverá interesse em que o sujeito a possa exercer.
50
essa comunicação é necessária. Se a comunicação não for completa, há um
incumprimento da obrigação de preferência, que pode ter consequências indemnizatórias.
A forma para a comunicação da preferência não está prevista em sede geral.
Normalmente, utilizam-se meios seguros, como cartas registadas. A forma escrita é
importante para efeitos probatórios, porque conhecemos a falibilidade das testemunhas.
O obrigado à preferência terá interesse em recorrer a um meio seguro que lhe permita
provar o cumprimento da sua obrigação de preferência.
Artigo 416º nº2 CC: Se a comunicação é feita, o titular do direito de preferência tem
de decidir se quer ou não exercer o seu direito, sendo estabelecido um prazo supletivo de
8 dias para se pronunciar, sob pena de caducidade do seu direito. Para tal, pressupõe-se
que a comunicação foi bem feita, ou seja, se A anuncia a intenção de vender uma jóia,
mas não diz o preço ou não diz as condições de pagamento, temos uma comunicação
insuficiente, por isso o direito do titular da preferência não caduca – só caduca se a
comunicação não for bem feita e/ou se a decisão não for tomada dentro do prazo.
O titular pode renunciar à preferência (ex: diz que não quer comprar por aquele
preço), e ao fazê-lo perde o direito de preferência. Num caso assim, o obrigado cumpriu
a obrigação e pode vender a peça a qualquer terceiro, mas respeitando as condições
oferecidas ao preferente. Se vier a ser celebrado um contrato com terceiro em termos mais
vantajosos para o adquirente do que os oferecidos ao titular da preferência, o direito deste
manter-se-á em relação ao contrato efetivamente celebrado.
O titular pode, também, exercer o seu direito de preferência:
Se o contrato não tiver forma especial (como é o caso da compra e venda de uma
joia), na comunicação há uma proposta, então, a partir do momento em que o
titular exerce o seu direito de preferência, aceita, e forma-se o contrato.
Se o contrato tiver forma especial, quando a comunicação obedeça à forma
prescrita para o contrato a celebrar, e incluindo todas as cláusulas da convenção,
serve de proposta contratual que, sendo aceite, dará automaticamente lugar à
celebração do contrato.
No caso de o contrato exigir uma forma especial para a sua celebração e a
comunicação não revestir a forma exigida para o contrato a que se reporta a
preferência, não chega o titular dizer que exerce a preferência naqueles termos
para que o contrato se celebre, ex: compra e venda de um terreno implica forma
especial. Nestes casos, a partir do momento em que o titular do direito de
preferência exerce a preferência, temos a formação de um contrato-promessa –
da proposta e aceitação nasce uma obrigação de contratar, que é uma vinculação
emergente de um direito de preferência. Assim sendo, é possível exercer a ação
de execução específica – artigo 830º CC (é um preceito que pode alargar-se a
outras situações da obrigação de contratar, mesmo de base legal).
Artigo 417º nº1 CC: Coloca-se a questão de saber se o direito de preferência pode ser
exercido apenas em relação à coisa singular ou se terá de ser exercido em relação a todas
as coisas vendidas. Nos termos deste artigo, o direito pode ser exercido em relação à
coisa singular, pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído. Num caso de
alienação de prédios por parte de uma seguradora no concelho do Porto, a Câmara
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Municipal do Porto tinha direito de preferência sobre alguns deles e pôde exercer a
preferência apenas em relação aos quais tem o direito de preferência. No entanto, se a
separação causar um prejuízo apreciável, pode o obrigado à preferência exigir que a
preferência abranja, também, as restantes coisas que pretende alienar.
Artigo 418º CC: Imagine-se que A pretende vender um terreno que é objeto de direito
de preferência de B – o terceiro interessado na aquisição do terreno pode, acessoriamente,
dizer que presta um serviço de consultoria profissional a A. Será que se mantém a
preferência? Se a prestação do terceiro fosse uma prestação essencial, não havia sequer
obrigação de comunicar ao titular do direito de preferência, porque o contrato era
substancialmente diferente. Mas aqui estamos a falar de prestações acessórias, que não
desvirtuam o perfil do contrato objeto de preferência e que o titular do direito de
preferência pode não estar em condições de oferecer. Ele não pode fazer aquilo que o
terceiro se ofereceu a fazer (por não ter conhecimentos técnicos naquela área), mas pode
pagar uma quantia, por isso a preferência não se extingue. Na hipótese de a prestação
oferecida não ser avaliável em dinheiro (ex: declamar poesia), a preferência extingue-se,
a não ser que se presuma que a venda seria efetuada mesmo sem a prestação estipulada
ou que a prestação foi convencionada precisamente para excluir a preferência (se o
terceiro não souber declamar, é possível presumir que se pretendia afastar a preferência,
por isso ela não se extingue).
Artigo 419º CC: Nos termos do nº1, se o direito for encabeçado por vários titulares,
só todos eles podem exercer o direito. Vejamos agora uma situação típica do nº2: há vários
arrendatários de um prédio, o dono do prédio pretende alienar o prédio no seu conjunto,
os arrendatários têm direito de preferência – os vários inquilinos querem preferir, então
haverá lugar a um leilão entre eles. Quem vencer o leilão tem direito a haver para si o
prédio que é vendido e reverte o excesso do resultado do leilão para o alienante. Quando
é que temos só um direito de preferência com vários titulares ou vários direitos de
preferência? Depende de poderem ou não exercer a sua posição individualmente.
Artigo 420º CC: O legislador estabeleceu o caráter intuitu personae da
preferência, seguindo uma regra diferente da que vimos no contrato-promessa. Neste, os
direitos e obrigações, em princípio, transmitem-se (só não se transmitem os direitos e
obrigações pessoais). No artigo 420º CC estabelece-se a regra contrária – considera-se
que o direito de preferência é pessoal, por isso, em princípio, não será transmissível. Isto
vale para as preferências convencionais, porque não há obrigação de estabelecer
preferência e ela é estabelecida, então, à partida, a razão de ser disso será pessoal (é com
aquela pessoa e não com o seu filho, por exemplo, que se pretende que haja pacto de
preferência). E aplica-se às preferências obrigacionais, porque nas preferências reais
pretende-se conservar a situação real em si, que é independente das pessoas.
Violação da preferência
Partindo do princípio de que a comunicação foi bem feita e que o titular do direito de
preferência exerce o seu direito de preferência, não havendo exigência de forma,
considera-se o contrato celebrado. Se houver exigência de forma, tem de se celebrar o
contrato prometido, o que pode não vir a acontecer. Pode também acontecer que o
52
obrigado à preferência nem sequer comunique ao titular do direito de preferência e celebre
o contrato com terceiro. Estamos, assim, perante situações de violação da preferência.
Há autores que afirmam que do direito de preferência decorre apenas a obrigação de
não contratar com terceiro caso o titular do direito de preferência pretenda contratar, mas
a maioria da doutrina diz que é uma obrigação positiva – obriga o sujeito a contratar com
o titular da preferência, caso este o queira. A obrigação decorrente do exercício da
preferência não é a de não contratar com terceiro, é sim uma obrigação de conteúdo
positivo de contratar com quem exerce o direito de preferência.
O sujeito está vinculado a cumprir, mas pode não cumprir e alienar a um terceiro. Se
o pacto de preferência tiver eficácia meramente obrigacional, o direito real prevalece,
mas o obrigado à preferência tem de indemnizar, dado que é responsável pelos danos
provenientes do desrespeito do direito de preferência – artigo 798º CC. Para que seja
possível opor a preferência ao terceiro, é necessário que ela seja dotada de eficácia real.
Não é exigível que o terceiro tenha conhecimento do direito de preferência
convencional, por isso nada obsta a que ele se apresente para contratar. Além disso, não
terá de indemnizar o titular do direito de preferência se as suas expectativas ficarem
frustradas, pois a relatividade das obrigações assim o determina.
Artigo 421º CC: Nas preferências que não são meramente convencionais, ao titular
do direito de preferência abre-se a possibilidade uma ação de preferência. Essa
possibilidade também está aberta aos titulares de preferências convencionais, se a elas for
atribuída eficácia real. Através da ação de preferência, prevista no artigo 1410º CC, o
direito de preferência prevalecerá sobre o contrato já realizado.
A ação de preferência permite ao titular do direito de preferência substituir-se ao
adquirente no contrato realizado, com efeitos retroativos – tudo se passa como se o
contrato tivesse sido celebrado ab initio entre o obrigado à preferência e o preferente.
Não é obrigatório o recurso à ação de preferência, mas há um prazo para recorrer a
este meio de tutela (artigo 1410º CC), por uma questão de certeza e segurança jurídicas.
53
Mas, às vezes, as simulações visam enganar o fisco e não o titular do direito de
preferência. Ex: o preço real é de 20 mil euros, mas o preço declarado é 10 mil euros,
para que o imposto incida apenas sobre 10 mil euros. Coloca-se a questão de saber por
que preço deve o titular poder preferir – preço real ou preço declarado? Vejamos o artigo
243º nº1 CC – a simulação não pode ser oposta pelos simuladores a terceiros de boa fé.
Ora, se o titular do direito de preferência vier exercer o seu direito por 10 mil euros, que
é o que está na escritura, não pode ser obrigado a preferir pelo preço real, porque isso
implicaria invocar a simulação perante terceiro de boa fé. Mas se o preço real foi de 20
mil euros, então como é que o titular pode aproveitar-se de simulação alheia para poder
preferir por preço inferior? A doutrina diverge e os tribunais também não têm uma
orientação clara. Diz-se que o titular do direito de preferência deve poder preferir,
mas apenas pelo preço real, porque com o artigo 243º nº1 CC não se pretende que o
terceiro à simulação enriqueça à custa dos simuladores. Portanto, invocar a
inoponibilidade da simulação nestes casos representaria abuso de direito. Este é o
pensamento mais consistente, que deve ser acolhido, segundo o professor.
Antunes Varela diz que o titular pode preferir pelo preço declarado, porque a
simulação deve ser profundamente reprimida. Apresenta, ainda, outro argumento, de
ordem prática: se não fosse assim, estariam abertas as portas a fáceis maquinações entre
o obrigado à preferência e o terceiro no sentido de obter um proveito que de outra forma
não obteriam, inventando simulações onde elas não existiam. Ex: não há qualquer
simulação, eles combinam dizer que o preço é 30 mil euros em vez dos 10 mil euros que
pretendem, por isso vão obrigar o titular do direito de preferência a especular, e depois
podem repartir os ganhos da venda, por exemplo (através de uma simulação fictícia,
obtêm um benefício à custa do titular do direito de preferência).
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Trata-se de uma figura que não está regulada no Código e que é próxima dos pactos
de preferência. Os pactos de opção são contratos mediante os quais uma das partes tem
o direito de, mediante uma declaração unilateral de vontade, fazer surgir um certo
contrato anteriormente combinado com o declaratário. Enquanto no pacto de
preferência o titular do direito de preferência fica investido na posição de preferido num
negócio que o obrigado à preferência venha a combinar com um terceiro, num pacto de
opção ele pode forçar o contrato com o obrigado ao pacto de opção – desde que se
verifique a situação, o titular do direito de opção pode fazer surgir um contrato com o
obrigado à opção. É um contrato optativo – o sujeito ainda não sabe se quer celebrar um
contrato, mas combina que, caso venha a querer, faz surgir esse contrato unilateralmente.
Uma das partes emite uma declaração negocial, tendo a outra o direito potestativo de
concluir ou não o contrato.
Estes pactos podem formar-se autonomamente ou podem ser inseridos como
cláusulas noutros contratos. Exemplo da inserção como cláusula noutro contrato:
normalmente, nos contratos de leasing há uma cláusula segundo a qual o locatário pode
optar pela compra do automóvel.
Outros aspetos:
Os pactos de opção só são lícitos na medida em que os contratos a respeito dos
quais se estabelece a opção sejam lícitos.
Se o contrato em que se exerce a opção é formal, a opção também terá de revestir
uma forma mínima compatível com a forma do contrato.
Os pactos de opção só têm efeitos entre as partes, não vinculam terceiros.
55
Representação: Quando há representação, o representado é o verdadeiro
contraente, por isso não podemos dizer que se trata de um terceiro. O
representante não assume direitos para si mesmo, mas para o representado.
Assim, através da representação não se visa satisfazer o interesse de alguém
alheio ao contrato.
Mandato sem representação: O mandatário vai agir no interesse e por conta do
mandante, sendo o mandatário a assumir os direitos e obrigações do contrato que
celebrar – o mandante tem direito a que o mandatário lhe transfira os direitos
decorrentes do contrato que este celebrou. Ex: B compra a A uma casa no
interesse e por conta de C – o direito de C de ver transferida a propriedade para a
sua esfera jurídica deriva do contrato de mandato que celebrou com B e não do
contrato de compra e venda entre A e B, pelo que não podemos considerar este
último contrato um contrato a favor de terceiro.
Contrato com eficácia de proteção para terceiro: São contratos que não
atribuem direitos a terceiros, mas atribuem-lhes uma certa proteção, ex: contrato
de locação – confere proteção à família do locatário, que beneficia do contrato
celebrado, mas a família não tem direitos face ao locador, já que só o locatário
pode exigir do locador o cumprimento da prestação; assim, não se trata de
contrato a favor de terceiro.
Há três tipos de relações a considerar no contrato a favor de terceiro:
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Artigo 448º CC: Embora o terceiro beneficie da promessa independentemente de
aceitação, só a aceitação é que torna a promessa irrevogável (salvo estipulação em
contrário). A adesão faz-se mediante declaração ao promitente e ao promissário (artigo
447º nº3 CC).
Artigo 449º CC: Ex: poderá A recusar-se ao cumprimento perante C porque o
promissário não pagou os prémios de seguro? A resposta é sim. Se a relação-base tiver
alguma vicissitude, o terceiro sofrerá por causa disso – é justo que assim seja. A relação
de atribuição depende da relação-base. O que não pode o promitente fazer é opor os
meios de defesa da relação de valuta – é uma relação que não diz respeito ao promitente,
pois as razões pelas quais o promissário pretende que o promitente faça uma prestação a
terceiro só dizem respeito ao promissário e ao terceiro. Vimos no artigo 442º nº2 CC que
tanto o terceiro como o promissário podem exigir do promitente o cumprimento da
prestação, mas se eles não estiverem de acordo, em princípio prevalecerá a posição do
terceiro – se assim não fosse, permitir-se-ia ao promitente que opusesse meios de defesa
da relação de valuta, o que não pode acontecer (só pode opor meios de defesa da relação-
base), além de que a finalidade do contrato a favor de terceiro é a atribuição de um
benefício a um terceiro.
Figuras próximas
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Representação: Havendo representação, os efeitos reproduzem-se diretamente na
esfera do representado, não há substituição da parte contratual, e sabe-se quem é o
terceiro. No contrato para pessoa a nomear, ele é celebrado em nome próprio, mas com
reserva de nomeação, por isso pode haver substituição da parte contratual (com efeitos
retroativos – artigo 455º nº1 CC) e não sabemos quem é o terceiro.
Contrato a favor de terceiro: Aqui, o terceiro nunca faz parte do contrato, embora
o contrato tenha efeitos na sua esfera, enquanto no contrato para pessoa a nomear o
terceiro vai integrar o contrato, uma vez aceite a nomeação. É perfeitamente possível
haver contrato a favor de terceiro com cláusula para pessoa a nomear.
Mandato sem representação: Aqui, os efeitos são entre os contraentes, depois tem
de haver transferência da propriedade para o mandante. É possível haver mandato sem
representação em que o mandatário se reserva o direito de nomear o mandante. Havendo
mandato sem representação, tem de se transferir a propriedade, mas havendo cláusula de
pessoa a nomear é bem mais simples – o mandante intervém diretamente no negócio, não
há necessidade da posterior transferência de propriedade.
Gestão de negócios: Consiste em alguém espontaneamente gerir negócio alheio, ex:
pessoa que compra ração para alimentar o cão do vizinho, já que o vizinho está
hospitalizado. Alguém atua no interesse e por conta de outrem sem estar autorizado.
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do contrato e a nomeação. Não sendo a cláusula registada, parece que devem prevalecer
os direitos adquiridos por terceiro entre o momento da celebração do contrato e o
momento da nomeação.
59
mas que há contratos em que não é necessária a vontade – conceito funcional de contrato,
que resolveria este problema, pois determina que temos aqui um contrato, embora não
haja vontade, e por isso o preço é devido, ao abrigo de um contrato de facto. Mas é
perigoso adotar esta conceção, porque somos seres livres.
Perante estes problemas, Haupt apresentou a tese das relações contratuais de facto,
segundo a qual é possível haver contratos decorrentes não de declarações de vontade, mas
sim de comportamentos de facto. Segundo este autor, temos vários casos de relações
jurídicas fácticas de tipo contratual:
Culpa in contrahendo: Quando as pessoas, antes de celebrarem o contrato, se
põem de acordo em encetar comportamentos que levam a contratos, temos um
contrato de facto.
Obrigações duradouras inválidas: Em certas prestações duradouras, como a
prestação de trabalho, a destruição retroativa dos efeitos do negócio levanta
problemas, uma vez que o trabalho já prestado não pode ser restituído e o
enriquecimento gerado por esse trabalho pode já ter desaparecido. Pode acontecer
que tudo esteja a funcionar bem, até que se averigua a existência de um vício de
forma, que supostamente conduz à nulidade, mas é muito difícil aplicar
retroativamente a obrigação de restituição do artigo 289º CC, pelo que seria aqui
de admitir um contrato de trabalho fáctico.
Comportamentos sociais típicos: Estamos no domínio da contratação de massas,
havendo comportamentos mecanizados das pessoas, como entrar no metro ou no
autocarro. Não há, nestes casos, uma consciência atual, que é necessária para
haver contrato. Pode não só não haver consciência atual, como até ignorância. O
indivíduo adota um comportamento social típico que é um comportamento que
leva a que se celebre um contrato, mas ele não tem consciência disso. Assim, mais
uma vez, estamos perante relações contratuais fácticas.
O que dizer destas considerações?
60
ser de admitir que o problema seria resolvido pela tutela da confiança. Há uma
situação de confiança que tem de ser protegida. Através da proteção da confiança
conseguimos estabelecer limites à obrigação de restituição.
Quanto aos comportamentos sociais típicos: O artigo 234º CC e o artigo 217º
CC (declaração negocial tácita) dão cobertura legal à ideia de que, nalguns casos,
se prescinde da declaração da aceitação. Nos comportamentos rotineiros não há
uma consciência atual, mas parece de admitir que isso não seja preciso. Prescinde-
se de uma declaração de aceitação, mas nunca se prescinde da vontade, que é
revelada pelo comportamento adotado, pela experiência social.
O caso do parque de estacionamento de Hamburgo é diferente, porque a pessoa disse
desde o início que não queria celebrar contrato, ou seja, não se trata da falta de consciência
atual da celebração de um contrato. Será que por causa disto devemos abrir uma nova
categoria contratual? Uma das vias é a responsabilidade civil, porque há violação de
propriedade alheia. Além disso, há lucro cessante, porque o dono do parque não ganhou
dinheiro com aquela pessoa, e essa pessoa, inclusive, impediu o lucro que se obteria caso
o lugar pudesse ser ocupado por outrem. Contudo, havia muitos lugares vazios, pelo que
não podemos dizer que há lucro cessante. Entra aqui outro instituto: enriquecimento sem
causa – o sujeito está a enriquecer à custa do dono do parque; ele está a usufruir de
utilidades que pertencem à esfera jurídica de outrem. Não há um sinalagma, não há
contrato, mas o senhor tem de pagar na mesma, porque não pode enriquecer
injustificadamente. O mesmo acontece quando um estudante vai ao bar, come um bolo e
diz que não quer pagar, porque é muito caro – não pode fazer isso, porque usufruiu de
uma utilidade que pertence à esfera jurídica de outrem.
Posto isto, podemos concluir que não há relações contratuais de facto.
61
Uma das razões para a inadmissibilidade de vinculação através de uma promessa
unilateral é a de que quando alguém se vincula unilateralmente sem receber uma
contraprestação, há uma dúvida razoável se isso corresponde uma verdadeira vontade de
vinculação, de subordinação a efeitos jurídicos. Se o beneficiário não tem de fazer
nenhum sacrifício, há uma gratuitidade que está na fronteira do não direito. Tem
dignidade para a justiciabilidade uma promessa sem correspetivo? Exemplo: “dou-te um
carro quando tirares a carta de condução” – é esta promessa justiciável? No direito anglo-
saxónico diz-se que só há promessa vinculativa se houver contraprestação, é ela que dá
solidez à promessa, deve haver um sacrifico da contraparte. É preciso separar as
promessas do mundo social e das relações de cortesia das promessas do mundo do Direito,
que se relacionam com a justiciabilidade.
A outra razão consiste em não se justificar que alguém fique vinculado através de
uma promessa unilateral se ninguém acreditar nela.
Não basta a promessa, não é razoável manter alguém obrigado com base numa
simples declaração de vontade unilateral, nem basta que essa promessa crie expectativas.
As expectativas devem ser razoáveis e consistentes, e devem manifestar-se por meio da
aceitação ou de uma contraprestação. Para além disso, a ordem jurídica exige muitas
vezes uma forma especial para essas declarações – a forma escrita. O Direito procura,
nestes casos, proteger o indivíduo de si mesmo.
Artigo 458º CC: Na promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida temos
alguém que promete pagar uma dívida ou que reconhece que deve algo. Esta promessa
não é a causa da dívida, tem a ver com uma dívida já existente. São falsos negócios
unilaterais como fontes autónomas de obrigações, mas não deixam de ser negócios
unilaterais. Esta promessa não cria a obrigação, mas institui uma presunção de causa que
sustenta aquela dívida, porque o nosso sistema não é abstrato – não se pode impor esse
reconhecimento a alguém sem uma causa válida. A promessa ou reconhecimento tem de
constar de documento escrito (é uma exigência de forma inspirada na prova).
Artigos 459º a 461º CC: Na promessa pública temos uma verdadeira fonte de
obrigações. Exemplo disto é alguém prometer dar uma certa quantia em dinheiro a quem
descobrir o seu cão, que desapareceu. O anúncio mencionado no nº1 do artigo 459º pode
ser feito através dos meios de comunicação social ou da afixação de cartazes, por
exemplo. A promessa mantém-se pelo prazo de validade indicado pelo promitente; se não
for determinado prazo de validade, a promessa mantém-se até ser revogada nos termos
do artigo 461º CC. A revogação, para ser eficaz, tem de obedecer à forma prevista no
artigo 461º nº2 CC. Na medida em que há publicidade, geram-se legítimas expectativas
em relação ao cumprimento da prestação.
Artigo 462º CC: Quando várias pessoas se encontrem na situação prevista no anúncio,
e não havendo estipulação em contrário, a prestação é dividida entre todas, atendendo-se
à parte de cada uma no resultado, ex: várias pessoas colaboraram para encontrar o cão.
Artigo 463º CC: Aborda os concursos públicos, de que são exemplo os concursos de
televisão. O nº1 tem a ver com quem pode ser admitido ou excluído: determina que a
oferta de prestação como prémio de um concurso só é válida quando se fixa um prazo
para a apresentação dos interessados. O nº2 tem a ver com saber quem escolhe o
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premiado: preferencialmente, serão as pessoas designadas pelo promitente (júri); na falta
de determinação, será o próprio promitente.
4. Gestão de negócios
Iniciamos aqui o estudo das fontes não negociais de obrigações. A figura da gestão
de negócios está regulada entre os artigos 464º e 472º do Código Civil.
Artigo 464º CC: Tendo em conta a noção que nos é dada por este artigo, podemos
imaginar um exemplo: pessoa que, sabendo que o seu vizinho está internado, cuida do
seu cão, sem para tal estar autorizado, ou que repara o seu telhado que em virtude do mau
tempo ficou danificado. Não é um contrato, mas podemos falar num quase-contrato, já
que como é no interesse e por conta de outra pessoa, à partida essa pessoa aceitaria.
Modalidades
Gestão simples e gestão conexa, consoante os interesses das pessoas: a gestão
simples visa apenas o interesse alheio, enquanto na gestão conexa se prossegue
simultaneamente um interesse próprio e um interesse alheio.
Gestão própria e imprópria: A gestão é própria quando o gestor atua no interesse
de outrem, é imprópria se o sujeito atua exclusivamente para proteger um interesse seu.
Sendo a gestão imprópria, não a podemos considerar uma verdadeira gestão de negócios.
Gestão comum e gestão de emergência: A gestão de emergência pode resultar, por
exemplo, do estado de necessidade, ex: arrombar a porta da casa do vizinho para ir buscar
o extintor e apagar o fogo nessa casa.
Gestão de lucro capiendo e gestão de dano evitandum: A primeira modalidade
atribui a outrem um benefício; a segunda modalidade é aquela em que se procura evitar
um dano ou prejuízo.
Gestão representativa e gestão não representativa: Se o gestor atua em nome
próprio, será uma gestão não representativa. Se o gestor atua em nome alheio, será uma
gestão representativa. Se um indivíduo vende a fruta do vizinho para ela não apodrecer,
essa venda pode ser feita em nome próprio ou em nome do vizinho, havendo ineficácia
em relação ao representado enquanto não houver ratificação.
Gestão legítima e gestão ilegítima, consoante estejam ou não verificados no início
da gestão os requisitos da gestão de negócios: se o sujeito assume assuntos alheios pelos
seus próprios interesses, a gestão é ilegítima, portanto os efeitos têm de ser outros, não se
podem dar ao gestor os mesmos direitos que na gestão legítima.
Gestão regular e não regular, consoante o gestor observe ou não os deveres que lhe
cabiam na execução da gestão. Pode acontecer que a gestão no momento inicial seja
legítima e depois se torne irregular – ninguém obriga a iniciar a gestão, mas a partir do
momento que se iniciou, tem de se terminar (o gestor está vinculado a terminar, pelos
deveres de conduta).
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Gestão conforme com a vontade real do dominus, gestão conforme com a
vontade presumível do dominus e gestão desconforme com a vontade do dominus
(real ou presumível): O sujeito, por vezes, sabe qual é a vontade do dono do negócio;
outras vezes pode não saber qual a vontade, mas presume que seria aquela. Não confundir
a vontade e o interesse, que muitas vezes não coincidem.
Gestão aprovada e gestão não aprovada: Na gestão aprovada, o dono do negócio
manifesta a sua concordância com a conduta do gestor; na gestão não aprovada, manifesta
a sua discordância com a conduta do gestor. Não confundir com a modalidade seguinte.
Gestão ratificada e gestão não ratificada: Na gestão ratificada o dominus chama a
si os efeitos do negócio, mesmo que a conduta do gestor não mereça a sua concordância.
A ratificação tem a ver com a apropriação pelo dominus dos efeitos do negócio. O
dominus pode não concordar, mas querer na mesma aproveitar o negócio.
Funções
Dar um título jurídico de legitimação à cooperação espontânea das pessoas não
contratualizada, à solidariedade humana.
Função desformalizadora e desburocratizadora, no sentido em que se facilita o
tráfego jurídico, contornam-se formalidades e burocracias.
Prevenção de danos.
Função distributiva, no sentido em que muitos ou todos podem ganhar com a
intervenção dos gestores (é uma matéria de interesse coletivo).
Regime
Temos uma relação gestória que se estabelece entre o gestor e o dominus. Não
obstante, tratando-se de atos com eficácia em relação a terceiros, temos de analisar a
relação do gestor com terceiros e do dominus com terceiros. Nem sempre a gestão de
negócios envolve terceiros, mas pode acontecer.
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Artigo 465º CC: Encontramos neste artigo os deveres do gestor. Relativamente à
alínea a), importa referir que estamos a falar da atitude inicial de decidir desencadear uma
gestão e da forma como a gestão de negócios é exercida. Ninguém é obrigado a ser gestor
de negócios, mas a partir do momento em que alguém assume esse papel tem de o levar
a cabo corretamente – há um dever de proteção dos interesses do dominus. Além disso, o
gestor tem de se ater ao interesse e à vontade real ou presumível do dono do negócio; essa
vontade só é relevante se estiver de acordo com a lei, com a ordem pública e com os bons
costumes. Quando há conflito entre interesse e vontade, o gestor não se pode sobrepor ao
dominus e impor-lhe uma conduta que ele por si não teria realizado.
Artigo 466º CC: É um dever de comportamento que está aqui em causa. Há uma
responsabilidade que advém de deveres de proteção, que é diferente da
responsabilidade delitual dos artigos 483º e ss. CC (na primeira, presume-se a culpa do
devedor; na segunda, cabe ao lesado provar a culpa). É preciso saber se a culpa é definida
em abstrato (olhando para as capacidades do homem médio) ou se é uma culpa subjetiva
(de acordo com a diligência de que o sujeito é capaz). Se seguirmos um caminho mais
objetivista, da culpa em abstrato, o dominus terá direito ao ressarcimento dos danos. Por
outro lado, se dissermos que está em causa um fenómeno de cooperação humana em que
temos de desculpar algum descuido do gestor, tendo em conta que fez o melhor que sabia
e tem boas intenções, o dominus não terá direito a esse ressarcimento. Menezes Cordeiro
segue um caminho mais objetivista de proteção do interesse do dominus, mas o professor
entende que é uma culpa aferida em relação às aptidões individuais. A posição adotada
pelo professor (a da culpa subjetiva) acaba por ser mais prejudicial para o dono do
negócio, mas a verdade é que ele tinha o ónus de atuar tendo em vista os seus interesses
e não o fez, o que permitiu que outra pessoa atuasse em seu lugar.
Artigo 467º CC: Quando há pluralidade de gestores, a lei manda aplicar a
solidariedade. Todos respondem por todos, pelo que há a vantagem de todos se
controlarem e vigiarem uns aos outros para que tudo corra bem na gestão – fortalece-se a
posição do dono do negócio. Aplicando-se o regime da solidariedade, qualquer um dos
gestores é responsável pelas obrigações dos demais, o que significa que o dominus pode
exigir a totalidade das obrigações de qualquer um deles.
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Aula do dia 9 de dezembro
Na aula passada, analisamos os deveres do gestor. Passemos agora a analisar a
posição do dono do negócio.
Artigo 468º CC: Para que exista o dever de reembolsar e indemnizar o gestor, é
preciso que a gestão tenha sido feita em conformidade com o interesse e com a vontade
do dominus (gestão regular). Se houver dissociação, o gestor deve abster-se de atuar. Se
a gestão não tiver sido exercida em conformidade com o interesse e vontade do dominus,
este, nos termos do nº2, responde apenas segundo as regras do enriquecimento sem causa
– o gestor não tem direito a uma indemnização dos prejuízos e reembolso das despesas,
mas na medida em que tenha atribuído benefício a outrem, há obrigação de restituir nos
termos do enriquecimento sem causa. A gestão de negócios favorece o gestor, no sentido
em que é mais favorável que a responsabilidade, e quando temos gestão irregular
funcionam as regras do enriquecimento sem causa. Se a gestão for regular, não há
nenhuma limitação dos direitos do gestor face ao dominus.
Artigo 469º CC: Se o dominus aprova uma gestão que era irregular, a gestão passa a
ser regular. O facto de o gestor aprovar significa que reconhece os direitos de reembolso
e indemnização do gestor, assim como significa que o dominus renuncia ao direito a
uma indemnização que possa ter contra o gestor, no caso de ter havido um descuido
deste último.
Artigo 470º CC: Em princípio o gestor não tem direito a uma remuneração, porque
há um certo espírito de liberalidade, mas se o gestor for um profissional da área, já terá
direito a indemnização. Ex: se um carro cai numa ravina e uma empresa de reboques o
tira de lá sem para isso estar autorizada, esta terá direito a uma remuneração, além do
reembolso das despesas e indemnização dos prejuízos.
Segue-se a análise da posição dos terceiros afetados pela gestão. Estamos a tratar
gestões jurídicas e não gestões materiais. As gestões materiais não afetam terceiros.
Diferente é o caso em que o gestor celebra negócios com terceiros. Para se perceber a
posição do terceiro, é preciso distinguir a gestão representativa da não representativa.
Na gestão representativa, o gestor atua em representação do dominus, mas como é
uma intervenção não autorizada, não há transmissão de poderes, pelo que os negócios que
o gestor faça em nome do dominus não vinculam o dominus enquanto ele não ratificar –
artigo 268º CC. Havendo representação, o terceiro sabe que estava a contratar com o dono
do negócio e não com o gestor, que é só o representante.
Se o dominus não ratificar, o terceiro não pode exigir do dominus o pagamento do
preço. E pode exigir do gestor o pagamento do preço? Parece que não – não é justo que o
gestor suporte o pagamento do preço quando não era a sua vontade ser parte daquele
negócio. E se o gestor escondesse o facto de ser representante sem poderes? Aí, será
responsável por culpa in contrahendo (artigo 227º CC) por criação de uma confiança
indevida, mas não é responsável pelas vinculações emergentes desse contrato.
Exemplo: O gestor, em representação do dominus, contrata com um terceiro para que
este repare o telhado do dominus, sendo que o custo da empreitada é de 2000 euros. O
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terceiro compra os materiais de que necessita, que custaram 1000 euros. O dominus não
ratificou o negócio, por isso não é responsável pelo pagamento do preço da obra. O gestor
celebrou o contrato em nome do dominus, por isso também não pode ser responsável pelo
pagamento do preço da obra. Se o gestor disse abertamente que está em representação do
vizinho, mas que não tem poderes, o terceiro sabe os riscos que corre, então não merece
nenhuma tutela particular. Se o gestor não disse que não tinha poderes, é responsável por
ter induzido confiança ao terceiro, mas vai indemnizar em virtude da tutela da confiança.
O terceiro só pode exigir do gestor os 1000 euros que gastou com os materiais que
comprou, não pode exigir dele os 2000 euros, porque ele não estava vinculado ao contrato.
Se o dominus ratifica, passa o dominus a assumir os efeitos do negócio celebrado pelo
gestor. Não se deve confundir a ratificação com a aprovação. A ratificação é o ato
mediante o qual o representado chama a si os efeitos do negócio. A aprovação tem outra
finalidade, visa o reconhecimento ao gestor dos direitos que ele tem em virtude de uma
gestão regular, destina-se apenas a produzir efeitos na relação gestória estrita, entre gestor
e dominus. Pode haver ratificação sem aprovação, assim como o inverso.
Havendo gestão não representativa, o gestor tem o dever de transferir para o
dominus todos os proveitos decorrentes do negócio celebrado com terceiro. Em relação a
obrigações, é o gestor que as suporta, mas o dominus tem de o indemnizar. O terceiro não
pode exigir nada do dominus, porque foi o gestor em nome próprio que assumiu a
obrigação. De acordo com o artigo 471º CC, imaginamos que há nesta situação um
mandato sem representação. O gestor atua em nome próprio, é equiparado ao mandatário.
Artigo 472º CC: Trata-se aqui a gestão de negócio alheio julgado próprio. Nestes
casos, só é aplicável o regime da gestão de negócios se houver aprovação. Se o dono do
negócio não aprovar, são aplicáveis as regras do enriquecimento sem causa e da
responsabilidade civil.
Também se pode dar uma gestão de negócio alheio julgado alheio, o que o CC não
prevê diretamente. É o caso de alguém que extraiu areia de um prédio confinante com o
rio, para a vender, sendo que o sujeito sabia que a areia não era sua, mas sim do
proprietário do prédio – interveio na esfera jurídica alheia para obter um proveito próprio.
O sujeito que era dono do prédio não era comerciante de areia, pelo que não tinha interesse
na areia, e além disso o prédio ficou nas mesmas condições que tinha antes da extração
da areia (porque o rio, quando enchia, repunha a areia), mas o que é certo é que neste
espaço de tempo houve alguém que enriqueceu. Não podemos encontrar um dano
juridicamente relevante, mas temos um enriquecimento. O sujeito tem de restituir aquilo
que lucrou à custa da intervenção na esfera jurídica alheia destinada a retirar utilidades
para a própria esfera. Isto remete-nos para a matéria do enriquecimento sem causa.
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enriquecimentos injustificados. Este instituto encontra-se previsto nos artigos 473º e ss.
CC, que são o corolário de uma evolução histórica que se iniciou no direito romano, em
que o enriquecimento sem causa tinha caraterísticas mais rígidas do que tem hoje.
Temos no nº1 do artigo 473º CC uma cláusula geral e no nº2 uma enumeração
exemplificativa. Temos uma grande amplitude de previsão do enriquecimento sem causa
no nosso ordenamento jurídico. No direito romano, só se houvesse uma condictio é que
era possível exigir a restituição do enriquecimento sem causa. Estas condições do direito
romano pertenciam a um sistema de tipos – havia um conjunto de hipóteses em que havia
lugar à restituição. Com o tempo, construiu-se uma teoria geral do enriquecimento sem
causa, e hoje temos uma cláusula geral (o legislador não distingue entre as diversas
condictio). Temos, hoje, uma figura com muita amplitude.
No fundo, este instituto visa preservar os patrimónios das pessoas em harmonia
com o que o direito estabelece, evitando que alguém possa enriquecer à custa de outra.
No enriquecimento sem causa há uma deslocação patrimonial que tem de ser
corrigida, a consequência é a restituição. Quando se fala em deslocação patrimonial,
falamos num termo que deve ser entendido muito genericamente: existe sempre que
alguém tem uma vantagem que não lhe pertence, que contraria a ordenação substancial
dos bens aprovada pelo Direito, à custa de outrem. Existem duas modalidades de
deslocação patrimonial: transferência (vantagem patrimonial que se movimenta de um
património para outro) e intervenção numa esfera jurídica alheia, retirando-se
utilidades que lhe pertencem.
Existem três grandes grupos de situações de enriquecimento sem causa:
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a B os 50 euros, então A fica enriquecido, porque acabou por não sofrer no
seu património um sacrifício correspondente ao pagamento da dívida.
É de realçar que, para efeitos de enriquecimento sem causa, o dano pode ser
entendido como mero desvio das utilidades que cabiam ao sujeito. Ex: alguém que
vive no Porto tem um carro parado na casa de férias no Algarve e um vizinho usa o carro
– não há dano, todavia há utilidades que são desviadas da esfera jurídica do proprietário.
Só através da teoria do conteúdo da destinação é que conseguimos enquadrar
devidamente estas hipóteses. O dano patrimonial tem a ver com a teoria da diferença
(atribuída a Mommsen), que diz que para efeitos de indemnização temos de comparar a
situação atual do lesado com a situação hipotética em que ele estaria se não tivesse havido
dano. Quando não há diferença, como nos casos de enriquecimento sem causa, o dano
não pode ser entendido como dano patrimonial, mas sim como dano real, apurado ao
abrigo da teoria do conteúdo da destinação.
Caso do padeiro alemão: Um padeiro tinha um ajudante que fazia fornadas de pães
à parte que vendia autonomamente, fora da padaria. O dono da padaria nunca notou,
porque vendeu sempre o seu pão, já que o ajudante fazia o mesmo número de pães, só
que com menos farinha, de forma a sobrar para fazer fornadas à parte. Não podemos dizer
que há responsabilidade civil, porque, afinal de contas, não havia lucro cessante. Mas há
um enriquecimento deste ajudante à custa do seu patrão, não obstante o patrão não poder
invocar prejuízo. Há aqui uma intervenção numa esfera jurídica alheia – o ajudante do
padeiro aproveita-se de utilidades de uma esfera jurídica que não lhe pertence. Assim, é
necessário que se restitua o enriquecimento.
Artigo 473º nº1 CC: Contém uma cláusula geral. O CC regula sobretudo o
enriquecimento por prestação, mas como existe esta cláusula geral incluem-se aqui as
outras modalidades que analisámos.
Artigo 473º nº2 CC: Contempla o enriquecimento por prestação. Há a obrigação de
restituir o que for recebido:
para saldar uma dívida inexistente (ex: A dá 50 euros a B pensando que tinha
para com ele uma dívida, que na verdade não existia);
em virtude de uma causa que deixou de existir (ex: alguém paga adiantadamente
um serviço que vai contratar a outrem e o contrato não vem a ser celebrado);
em vista de um efeito que não se verificou (ex: A dá a B uma quantia para ele
sinalizar um contrato de compra e venda que acaba por não se celebrar).
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como o enriquecimento sem causa não se destina a reparar prejuízos, o enriquecido só
tem de restituir aquilo que roubou, porque o resto foi uma alea que foi ele que constituiu.
Alguns autores dizem que quando há má fé tem de se restituir a totalidade. Outros
autores dizem que se trata de saber em que medida é que há um enriquecimento à custa
de outrem, independentemente de boa ou má fé. Todos concordam que havendo boa fé,
aquilo que é motivo da sua perícia não tem de ser restituído. No exemplo do padeiro,
Antunes Varela entende que há má-fé e, por isso, tem de se restituir tudo; Pereira Coelho
diz que só há que restituir aquilo que objetivamente resulta do empobrecimento alheio.
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causa serve para remover enriquecimentos, não para remover empobrecimentos – aí
intervirá a responsabilidade civil, que visa recuperar a situação que existiria se não
houvesse dano.
Os artigos 476º, 477º e 478º CC têm que ver com o enriquecimento por prestação
– alguém executa uma prestação que não tem causa justificativa. Vamos analisar alguns
exemplos a propósito de cada artigo.
Artigo 476º CC: Se A entrega a B 50 euros para pagar uma dívida que não existe, B
tem de restituir os 50 euros, mas se ele foi a um restaurante e só tem 30 euros, só tem de
restituir 30 euros. Se estivesse de má fé (sabia que o seu enriquecimento não tinha causa),
responde integralmente pelos 50 euros. Ou seja, aquilo que for prestado indevidamente
pode ser repetido (reavisto, repetição = reaver aquilo que se prestou).
Artigo 477º CC: A convenceu-se de que era devedor de B, mas o verdadeiro devedor
era C. O indivíduo que prestou indevidamente goza do direito de repetição. Isso não
acontecerá se B também achasse que o devedor era A – aí deixa de haver obrigação de
restituir. Parece injusto, mas não é, porque A, que entrega os 50 euros e depois não os
pode reaver, objetivamente, tem um direito contra C, porque C está enriquecido – a dívida
dele está saldada, então A tem uma pretensão de enriquecimento sem causa contra C, que
é o verdadeiro devedor.
Artigo 478º CC: A entrega 50 euros a B, sabendo que não é devedor. Ele sabe que a
dívida de C, mas acha que está obrigado a cumpri-la, porque, por exemplo, é seu fiador.
A pensa que está obrigado para com o devedor a cumprir, há uma situação de erro – a sua
conduta não lhe permite reaver aquilo que prestou, isto é, não há direito de repetição
contra o credor, mas A pode exigir do devedor o dinheiro, dado que este enriqueceu.
Contudo, se o credor se apercebe do erro, tem de restituir.
Podia perfeitamente aplicar-se estes preceitos nos casos de invalidade de negócios
jurídicos, então por que é que não o fazemos? Porque temos a norma específica do artigo
289º CC quanto à invalidade dos negócios, que no fundo é uma regulamentação particular
de um problema que, dogmaticamente, é de enriquecimento sem causa. Então quando
recorremos a estes artigos do enriquecimento sem causa? Quando estamos perante
negócios inexistentes e negócios ineficazes, porque para negócios inválidos temos a
norma específica do artigo 289º CC.
Artigo 475º CC: Se aquele que presta entrega uma quantia para determinada
finalidade que sabe que é impossível obter, não pode vir exigir a restituição. Esta
previsão também se alarga a hipóteses em que o efeito não é impossível, mas é ilegal – o
indivíduo que paga luvas ao funcionário da Câmara para promover obras (corrupção) não
tem direito a restituição, porque o efeito é ilegal. O recetor da quantia não pode ficar com
ela, mas também o autor da corrupção não tem direito a essa quantia. O valor tem de ser
restituído à autarquia e aos seus munícipes na generalidade.
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outra maneira de atender aos seus interesses. Quando há um divórcio, há necessidade de
uma partilha dos bens – são regras que têm prevalência sobre o enriquecimento sem causa,
há que entregar a cada um aquilo que lhe pertence, evitando-se enriquecimentos sem
causa. Apesar de se tratar de um problema de enriquecimento sem causa, temos regras
especiais, por isso não se aplicam os preceitos deste instituto.
Alguns autores dizem que o enriquecimento sem causa tem pouca aplicabilidade,
porque é subsidiário, mas o professor não concorda. No âmbito da partilha conjugal, se
houver um regime de partilha que é insuficiente, podemos entender que estas disposições
do enriquecimento sem causa podem suprimir essas deficiências. Assim, o este instituto
tem mais aplicação do que se pensa, no entender do professor.
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patrimonial sem vontade do empobrecido, por isso a doutrina vai admitindo, nestes casos,
uma pretensão de enriquecimento sem causa contra terceiro.
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