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Obrigações
Aulas Práticas
Turma 1
Esta sebenta respeita às aulas práticas de Direito das Obrigações do ano letivo de 2019/2020,
lecionadas pelo docente Miguel Pestana de Vasconcelos. A sebenta foi realizada com base nos
apontamentos das vogais do Departamento de Pedagogia Inês Vale de Amorim e Joana Moreira.
A sua elaboração foi realizada com o objetivo de auxiliar os estudantes para o exame de
Direito das Obrigações. Relevamos ainda que, a leitura desta sebenta não substitui a leitura da
bibliografia obrigatória ou recomendada, sendo apenas um instrumento de auxílio ao estudo.
Caso sejam detetados alguns erros, agradecemos que estes sejam comunicados através do e-
mail da CC3: cc3fdup1920@gmail.com de modo, a que o documento seja aperfeiçoado
Bom estudo!
10 de fevereiro de 2020
Aula lecionada pela Dra. Rute Pedro
Caso nº1
• Ato = facto voluntário: neste caso há um ato positivo por força da vontade
humana, dado que A desvia o dinheiro voluntariamente.
• Ilicitude: neste caso está em causa a ilicitude por violação de um direito absoluto,
mas também pode ocorrer por violação de uma norma de proteção ou por abuso
de direito. Há um contrato de depósito bancário, que não tem como efeito a
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Direito das Obrigações 2019/2020
transmissão dos direitos reais. O dinheiro continua a ser dos clientes, logo o ato
de A comporta uma violação do direito de propriedade dos clientes sobre o
dinheiro.
• Culpa: Nos termos do artigo 487º/2, CC, a culpa apura-se em abstrato, ou seja,
em comparação com as diligências que um bom pai de família teria adotado nas
circunstâncias em apreço. Nesta situação, um bom subgerente nunca teria tido esta
atitude; quanto à modalidade da culpa, temos aqui uma atuação dolosa (dolo
direto)
• Dano: houve danos patrimoniais emergentes (a perda do dinheiro depositado) e
lucros cessantes (juros gerados pelo tempo)
• Nexo de causalidade entre o ato e o facto: verifica-se, pela aplicação da teoria da
causalidade adequada
Reunidos estes requisitos, cumulativamente, verifica-se que o comissário – A – tem
uma responsabilidade subjetiva por factos ilícitos; pode aplicar-se o artigo 500º e o
comitente tem uma responsabilidade objetiva. Ambos respondem solidariamente, sendo
exigível a indemnização a qualquer uma das partes, havendo depois direito de regresso
na medida das respetivas culpas.
Se o banco não tiver culpa nenhuma, terá direito de regresso total. Porém, o banco
pode também ter culpa - in eligendi ou in vigilando-, respondendo também por factos
ilícitos e não tendo direito de regresso total.
Também poderá haver responsabilidade contratual, apenas imputável ao banco que
responde pelos atos dos seus auxiliares (800º).
Tendo isto em conta, que regime se aplica? Há várias teses, nomeadamente a da
consunção.
Não se aplica o enriquecimento sem causa pois este é um instituto subsidiário.
Resposta da Dra. Rute Pedro - A responsabilidade do banco deve ser equacionada como
responsabilidade do comitente, nos termos do artigo 500º. Para o efeito, é necessário que
se verifiquem cumulativamente os seguintes 3 requisitos, que se extraem do 500º/1 e 2:
1. Tem de existir uma relação de comissão. A comissão existe quando alguém
(comissário) atua por conta e sob a direção de outrem (comitente). A atividade em causa
pode ser intelectual, material, temporária, duradoura, etc.. O comissário pode ou não ter
sido escolhido pelo comitente, o que se exige é que atue por conta deste, ou seja, no
interesse e para benefício do comitente; por outro lado, o comitente tem de ter um poder
que lhe permita dar ordens ao comissário e vigiar a sua atuação (poder de direção e
fiscalização). Neste caso, estes requisitos estão preenchidos, atuando A, subgerente, por
conta e sob direção do banco.
2. É necessário que o facto danoso seja praticado no exercício das funções, não
bastando que seja praticado por ocasião do desempenho das mesmas. Não basta uma mera
relação espacial ou temporal, o facto danoso tem de ser proporcionado pelas funções
desempenhadas – tem de haver nexo causal. Neste caso, os atos praticados pelo
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Direito das Obrigações 2019/2020
subgerente cabiam no âmbito das suas funções. Note-se que o facto de A ter atuado contra
as indicações de B e dolosamente não exime o banco da responsabilidade.
3. Tem de se verificar a responsabilidade do comissário. Exige-se que sobre o
comissário recaia a obrigação de indemnizar. É o que acontece neste caso, já que se
verificam os pressupostos cumulativos do artigo 483º. Há um facto voluntário de A, que
desvia o dinheiro, e que é ilícito uma vez que viola o direito absoluto de propriedade sobre
o dinheiro dos clientes. Além disso, o subgerente atua dolosamente, com dolo direto –
tem intenção de produzir os danos. Produzem-se danos, desde logo patrimoniais,
nomeadamente danos emergentes (a perda do dinheiro entregue em depósito) e lucros
cessantes (perda dos juros remuneratórios a que se teria direito por força do contrato de
depósito). Não se exclui a possibilidade de danos não patrimoniais que mereçam tutela
ao abrigo do artigo 496º. Não há dúvidas que também se verifica o nexo causal entre o
ato de desvio de dinheiro e os danos acabados de referir. Verificados estes requisitos, que
devem ser todos provados pelo lesado (342º + 487º), conclui-se que há responsabilidade
extracontratual por factos ilícitos da parte de A.
Assim, o banco responderá objetivamente ao abrigo do artigo 500º e o subgerente A
responderá por factos ilícitos ao abrigo do artigo 483º. A responsabilidade de ambos é
solidária (500º/3 + 497º + 494º). Se o banco não tivesse culpa e tivesse de pagar a
indemnização, teria direito de regresso total. Mas tem de se equacionar a possibilidade do
banco ter atuado culposamente, por culpa in eligendi (na eventual escolha de A como
subgerente) ou por culpa in vigilando (por não ter tomado as devidas diligências de
fiscalização). Havendo culpa do banco, este responderia por força do 483º, solidariamente
com o comissário, que responde, também no âmbito do 483º. O direito de regresso entre
os responsáveis determinar-se-á em função das respetivas culpas e das consequências das
mesmas (artigo 497º).
Não podemos esquecer que a responsabilidade do banco poderia fundar-se ao abrigo
da responsabilidade contratual, nos termos dos artigos 798ºss, por atos praticados pelo
seu auxiliar (800º). Esta via apresenta a vantagem da aplicação da presunção de culpa do
artigo 799º, não tendo o lesado que provar a culpa do banco.
Caso nº 2
B, pretendendo clarear a cor do seu cabelo, dirige-se ao cabeleireiro X. Eduarda,
proprietária do estabelecimento, determina que seja C, empregada recém-
contratada e com pouca experiência em atividades de cabeleireiro, a encarregar-se
de tal tarefa. Em virtude de uma tardia remoção da substância aplicada no cabelo,
por esquecimento de C, B sofre lesões no couro cabeludo que lhe provocam a queda
de cabelo. Consulta um médico dermatologista que lhe prescreve a aplicação de uma
série de fármacos. Os custos de todo o tratamento, que se prolongou durante dois
meses, ascendem a 600 euros. Durante esse período, B, angustiada e muito abatida,
não sai de casa. Deixa de trabalhar, perdendo duas avenças. No primeiro mês padece
de dores intensas.
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Caso nº 3
A, sempre que se ausenta de casa por mais de um dia, entrega o seu cão, um
pitbull, a um tratador, X, para que este cuide dele. Assim, tendo de se deslocar a
Hamburgo, para aí assistir, durante uma semana, a uma série de conferências, A
deixa o seu cão ao cuidado de X. o tratador leva o dito cão a passear para um jardim
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17 de fevereiro de 2020
Caso nº 4
No dia 3 de Outubro de 2000, por volta das 13h30, ocorreu um embate na
Estrada Municipal que liga Lama a Oliveira, em Barcelos, no qual intervieram o
veículo ciclomotor de matrícula 11-22-ZZ, propriedade de B e conduzido pelo seu
filho (a quem o primeiro empresta o veículo regularmente para deslocações ao fim
do dia e ao fim-de-semana), A, e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 44-
55-TT, conduzido pelo respetivo proprietário, C, dono de uma empresa de
mobiliário. O ciclomotor circulava pela referida Estrada Municipal no sentido
Oliveira - Lama. Por seu lado, o veículo ligeiro de mercadorias circulava em sentido
contrário. No local do embate, a estrada tem 5,70 m, duas faixas de rodagem, uma
para cada sentido de trânsito, com piso em paralelo, seco e com aderência. A estrada
apresenta uma ligeira curva. No que concerne às circunstâncias em que o acidente
se produziu, apenas se prova que:
- Ambos os veículos circulavam a velocidade não superior a 50 kms/hora;
- Os condutores de ambos os veículos travaram, deixando o veículo ligeiro de
mercadorias marcado no pavimento um rasto de travagem com a extensão de 11,50
metros.
- A e o ciclomotor foram cair na berma do lado direito da Estrada Municipal,
atento o sentido Oliveira - Lama.
(Adaptação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2006,
in: www.dgsi.pt).
Pergunta-se:
1. Recai sobre A alguma presunção de culpa?
Temos em causa um acidente de viação, cujo regime está previsto no 503ºCC no que
respeita à responsabilidade pelo risco; no que respeita à responsabilidade por culpa,
aplica-se o regime geral do artigo 483º, com algumas particularidades. Uma delas é que
o regime do risco, embora de forma sistematicamente menos adequada, comporta uma
presunção de culpa – 503º/3. Essa presunção de culpa recai sobre o comissário (Assento
1/83 define o sentido do 503º/3). Tendo isto em conta, recai sobre A alguma presunção
de culpa? Relativamente a B, A é um comodatário, não um comissário. Por isso, a resposta
a esta pergunta é negativa; a presunção de culpa do artigo 503º incide apenas sobre o
comissário, definido nos termos do artigo 500º (sendo exigível a existência de poder de
direção). Esta relação é de mero comodato entre pai e filho.
2. A resposta seria a mesma se o veículo de mercadorias de C fosse conduzido
pelo seu empregado, D, que procedia ao transporte de uma mobília a casa de
um cliente? Quid iuris quanto aos danos derivados do acidente?
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Caso nº 5
A celebra com B um contrato de aluguer, pelo qual se obriga a proporcionar a
B o gozo de um automóvel enquanto este fica vinculado ao pagamento de alugueres
mensais num período de quatro anos. B utiliza o referido automóvel durante um
ano, quando uma falha de travões associada a óleo na estrada levou a uma
derrapagem que fez B atropelar C que circulava no passeio. Quem é o responsável?
A que título?
Trata-se de um atropelamento. Pode haver responsabilidade por factos ilícitos e, não
havendo, pelo risco.
Há uma locação entre A e B, e não há nenhuma presunção de culpa para este caso.
Logo, não havendo, também, culpa demonstrada, não há responsabilidade por factos
ilícitos.
Porém, temos uma responsabilidade pelo risco. Porquê?
É um caso clássico em que não há culpa, mas em que há um conjunto de riscos que
o funcionamento do veículo comporta. Quem é responsável? Temos de aplicar o critério
do artigo 503º - quem usa o veículo no seu interesse. Em princípio, num contrato de
aluguer, entende-se que a detenção do veículo e o interesse no seu uso pertencem tanto
ao locador como ao locatário. Responderiam os dois.
Falharam os travões – está em causa a mecânica do veículo, estando dentro do risco
do mesmo. O óleo relaciona-se com o funcionamento do veículo, também se incluindo
no risco.
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Em que termos é que A e B são responsáveis face ao lesado? – para proteger o lesado,
a responsabilidade pelo risco é sempre solidária. Ter-se-iam de aferir as quotas internas,
de acordo com o interesse na utilização do veículo. Artigo 507º.
• Na responsabilidade pelo risco, temos, primeiro, de ver quem responde – artigo 503º
• Depois temos de ver quem beneficia da responsabilidade pelo risco
• Temos também de ver quando é que a culpa é excluída. Aplica-se o risco quando não se
possa provar a culpa
• Há ainda o caso específico da colisão de veículos – 506º. Tem de se fazer a soma dos
danos e reparti-los internamente pelos responsáveis
• Quanto as pessoas transportadas? A questão não está prevista, mas estende-se o raciocínio
do 506º a essas pessoas. O mesmo relativamente a coisas transportadas onerosamente.
• Coisas transportadas gratuitamente por pessoas transportadas – detentor do veículo onde
a coisa é transportada não responde; detentor do outro veículo responde na medida da sua
contribuição para o acidente.
Caso nº 6
A, camionista de B, entra numa bomba de gasolina para atestar o depósito e
também para verificar a pressão dos pneus. C, dono da estação de serviço, designa
D, empregado recém-contratado e com escassa preparação, para verificar a pressão
dos pneus do camião. D, ao desempenhar a sua tarefa, acaba por manusear mal a
máquina, enche de mais um dos pneus que rebenta, indo atingir E, transeunte que
estava no passeio. Este sofreu um traumatismo craniano. Quem reponde e com que
fundamento perante E?
Temos aqui dois ou quatro potenciais responsáveis, e, portanto, é necessário analisar
os pressupostos de responsabilidade relativamente a cada um deles.
A é camionista de B, temos aqui uma relação de comissão. B é comitente e A é
comissário. Quando é que o comitente responde? Quando se pode afirmar a
responsabilidade civil por factos ilícitos (artigo 483º) do comissário, ou seja, quando há
culpa. Não se verificam aqui nenhum dos requisitos da culpa, portanto, não é possível
provar a culpa. Contudo, sabemos que existem presunções de culpa. Aplica-se a
presunção do artigo 503º/3? Não há distinção entre o veículo estar em andamento ou
parado. Se esta presunção funcionasse aqui, tínhamos a culpa do comissário
(responsabilidade civil por factos ilícitos), havendo uma responsabilidade pelo risco, no
âmbito do art.500º, do comitente. Há, portanto, responsabilidade solidária face ao lesado.
O comissário poderia afastar a presunção de culpa, sendo que caso isto aconteça já não
há responsabilidade por factos ilícitos nem a responsabilidade pelo risco do comitente.
Todavia, B não deixa de ser dono do veículo. Portanto, o comitente, nos termos do
artigo 503º/1, responde pelo risco, uma vez que tem a direção efetiva do veículo e este é
utilizado no seu interesse (requisitos cumulativos). O comissário aqui não responde pelo
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risco, a não ser que esteja a usar o veículo fora do exercício das suas funções. Responde
o comitente como detentor do veículo, é um risco decorrente dessa qualidade (≠ do artigo
500º, em que o comitente só responde se o comissário responder por factos ilícitos, está
numa posição de garante).
É possível afastar aqui a responsabilidade pelo risco? A responsabilidade pelo risco
automóvel é afastada nos casos do artigo 505º. A explosão do pneu não é um facto de
força maior estranho ao funcionamento do veículo. O que causou o rebentamento do
pneu? Um ato de terceiro. Um ato de terceiro afasta sempre a responsabilidade pelo risco?
Há uma divergência doutrinal:
(1) Basta que a causa tenha sido de um ato de terceiro ou do lesado para se afastar
a responsabilidade pelo risco (mais idêntica à letra da lei);
(2) O facto de o terceiro ter agido com culpa leve não corta o nexo entre o risco e
o dano. Se o terceiro tiver atuado com negligência (culpa leve) e não culpa
grosseira, não se afasta a responsabilidade pelo risco.
É necessário analisar a responsabilidade de C e D. Entre C e D há uma relação de
comissão. C tem culpa, in instruendo e in eligendo. Aplica-se o critério do bom pai de
família face às circunstâncias do caso concreto, do bom operador de determinado ramo
(artigo 487/º2). D tinha formação? Não, logo a exigência aqui é mais diminuta. Ele tem
culpa ou não? A culpa pode ser vista de dois pontos: do comissário, que não sabia encher
pneus e podia dizer que não sabia, e do comitente que também tem culpa ao contratar
alguém sem experiência, bem como pelo facto de não lhe ter dado instrução. Afirmando-
se a responsabilidade deles, respondiam solidariamente ao abrigo do artigo 497º
(responsabilidade solidária no caso de culpa). Havendo responsabilidade pelo risco, quem
respondia face ao lesado? Respondiam solidariamente ao abrigo do artigo 507º. Seria
possível que a culpa em concreto, de qualquer um deles, quer do dono da estação, quer
do funcionário, fosse afastada por facto imputável a terceiro? Estamos face a culpa grave
ou culpa leve? Temos de atender aos critérios de decisão. Qual o critério da culpa leve?
Bom operador de determinado ramo, bom pai de família nas circunstâncias do caso
concreto. O bom operador de determinado ramo não manda o funcionário sem formação
desempenhar aquela tarefa. Ele agiu com culpa leve, não há dúvidas. Diferente de culpa
leve é a culpa grave ou negligência grosseira, é um ato quase inadmissível. Não se trata
aqui de culpa grave, porque o dono não colocou um cego a desempenhar a tarefa nem fez
de propósito sabendo que a máquina estava meia avariada. A culpa grosseira trata-se de
um ato especialmente grave, está no limite. Como não é culpa grave, só resta
responsabilidade pelo risco; depois é necessário, nas relações internas, ver o direito de
regresso.
2 de março de 2020
Caso nº7
A, B e C, que se dedicam a comprar café para revenda, compram a D meia
tonelada de café moído por € 90.000.
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Caso nº8
A conduzia o seu veículo numa rua do Porto. Atrás dele seguia um camião
conduzido por B. Em determinada altura do percurso, o camião teve uma quebra
dos travões e embateu na traseira do veículo de A que tinha afrouxado de velocidade.
Não foram apuradas culpas de qualquer dos condutores. Durante a reparação do
veículo, A teve de se deslocar de táxi para o emprego. Em virtude do acidente,
provou-se que o autor sofreu incómodos. A pede a condenação de B no pagamento
1.600 €, em que 1.100 € são a título de danos patrimoniais e 500 € a título de danos
não patrimoniais.
a) Quid iuris?
Estamos perante um caso de um acidente de veículos. É necessário averiguar se
estamos perante responsabilidade por factos ilícitos ou pelo risco, ou até mesmo ambas.
No caso em concreto, não foram provadas quaisquer culpas, nem se aplica aqui nenhuma
presunção, logo assumimos que estamos no âmbito da responsabilidade pelo risco. Temos
um caso de colisão de veículos, previsto no artigo 506º. Quais são as regras da colisão
de veículos? Temos de averiguar se ambos os veículos contribuíram para os danos ou se
só um deles contribuiu. No caso em apreço, é óbvio que só um é que contribuiu para os
danos, havendo uma quebra nos travões. Há limites na responsabilidade pelo risco, para
proteger o lesado, o que não se aplica ao caso. Este pede a condenação, nos termos do
enunciado. Pode? Quanto aos danos patrimoniais pode, porém, quanto aos danos não
patrimoniais, não, dado que simples incómodos não são tutelados pelo Direito. Assim,
neste caso, não existiam danos não patrimoniais.
Nota: A soma total dos danos faz-se quando ambos contribuíram para os danos.
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Caso nº9
E e F são devedores solidários de € 50.000 face a G. G interpela E no dia 1 de
março de 2014, para que ela cumpra a obrigação. De imediato, ela entrega-lhe €
50.00 em dinheiro e parte de férias para o Brasil, sem informar F do pagamento
efectuado. No dia 1 de abril de 2014, F, preocupada, envia a G um cheque de €
50.000, que este desconta. Quando F exige a E € 25.000, a última diz-lhe que já
pagou.
a) Quid iuris?
Nos termos do artigo 476º/1, esta é uma obrigação inexistente. Temos uma obrigação
solidária, em que o credor interpelou um dos codevedores para que ele cumpra, e E, ao
cumprir, extinguiu a obrigação. Porém, não informou F, o outro codevedor, do
pagamento.
F não foi demandado pelo credor, apenas pagou porque achava que a obrigação ainda
existia, tratando-se assim do cumprimento de uma obrigação inexistente e, como tal, ao
abrigo do artigo 476º/1, teria direito a que o outro lhe restituísse o que tinha sido
entregue.
O codevedor que pagou, E, violou um dever de informação que decorre, em termos
genéricos, do artigo 762º/2. Os codevedores solidários têm uma relação interna, sendo
que há estes deveres que dela emergem.
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Caso nº10
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escolha interna, a escolha unicamente realizada pelo devedor não tem o efeito externo de
concentrar a obrigação, sendo que apenas quando se der a concentração é que a obrigação
passa de genérica a específica. Se assim fosse, então, em princípio, teríamos uma solução
igual à da alínea anterior, mas não temos. Falamos aqui de um Toyota Yaris azul daqueles
que B tinha em stock, há uma delimitação do género, sendo que este foi reduzido. Ou
tinha havido uma escolha dentro daquele género de um bem específico por parte do credor
(concentração), ou não tinha havido, havendo um género limitado. Neste último caso, a
concentração continua a dar-se na mesma, no tempo e local do cumprimento. Assim, só
se tinha transmitido a propriedade e o risco naquela data e com a entrega.
Como todo o stock de B ardeu, o género extinguiu-se, pereceu. Consequentemente,
há uma extinção da obrigação por facto imputável ao devedor e depois, nos termos do
art.795º, extingue-se também o direito à contraprestação, o direito ao preço.
c) A resposta seria diversa, se A tivesse adquirido o Toyota Yaris cinzento que
se encontrava em exposição no stand?
Aqui, a obrigação nunca foi genérica, sendo que ele comprou aquele carro concreto.
Assim, a obrigação é específica, transmitindo-se a propriedade e o risco – artigos 408º e
796º.
d) 1) Suponha que não se tinha verificado qualquer incêndio e que as partes
contratuais acordavam que o Toyota Yaris deveria ser entregue no 10 de março
na estação de comboios de Campanhã. Quid iuris, se o comboio em que o
automóvel era transportado sofresse um descarrilamento e todas as
mercadorias que nele se encontravam ficassem totalmente destruídas?
A entrega tem de ser feita na estação de Campanhã- sendo uma venda FOB, o risco
é do devedor até à entrega ao transportador, transmitindo-se depois para o comprador. Ao
acontecer algo durante o transporte, quem corre o risco é o comprador, dado que a
concentração já se deu.
2) Suponha agora que se tinha acordado que o cumprimento se realizaria
no domicílio de A. B opta por enviar o Toyota Yaris por comboio. Quid iuris se
o comboio descarrilasse?
O risco e propriedade eram de B. B não tem culpa de o comboio ter descarrilado. A
obrigação genérica mantém-se, tendo de cumprir a obrigação com outro automóvel.
Caso nº 11
A, criador de cavalos, é proprietário de 50 animais. A vende a B um dos seus
dois cavalos lusitanos, o cavalo X ou o cavalo Y, combinando-se que a entrega do
animal se faria no primeiro dia da Feira do Cavalo a realizar em Santarém. Quando
C, empregado de A, transporta os cavalos para a referida feira, despista-se, numa
curva fechada, devido à velocidade excessiva em que conduzia. Deste acidente
resulta a morte do cavalo Y. Quando B sabe o que ocorrera, recusa-se a aceitar o
cavalo X e a pagar o preço.
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a) Quid iuris?
Temos aqui uma obrigação alternativa, uma vez que ela incide sobre mais do uma
prestação. Tanto é possível entregar o Cavalo X como o Cavalo Y. Apesar de ter como
objeto duas prestações, reforce-se que esta é uma obrigação alternativa e que as ditas
prestações não são para ser realizadas em conjunto (não são conjuntivas). Apenas se
realiza uma das prestações, consoante a que venha a ser escolhida.
O que temos de definir em primeiro lugar é a quem cabe o poder de escolher a
prestação. Nos termos gerais do artigo 543º, se as partes nada tiverem dito, a escolha
cabe ao devedor. Depois, o regime que temos é o da impossibilidade da prestação. Uma
coisa é a impossibilidade originária, que aqui não se verifica; outra coisa é a
impossibilidade superveniente, que decorre, neste caso, do facto de o cavalo ter acabado
por morrer por ato que é imputável ao devedor, uma vez que C é empregado de A e que
os atos por si praticados se projetam na esfera do último. Tendo havido impossibilidade
de uma das prestações por facto imputável ao devedor e sendo ele, também, a realizar a
escolha, ele simplesmente terá de realizar a outra prestação, o que significa que terá de
entregar o Cavalo X. Isto nos termos do artigo 546º.
Repare-se que, cabendo a escolha ao devedor, ele tanto poderia entregar o Cavalo
X como o Cavalo Y, não podendo o credor exigir-lhe um dos cavalos em concreto. Assim,
a impossibilidade da realização da outra prestação conduz a este resultado, em que o
devedor pode simplesmente cumprir através da outra prestação possível (entregar o
Cavalo X).
b) 1) E se tivesse sido acordado que a escolha do cavalo caberia a B?
Aquilo que varia nesta hipótese é a escolha do cavalo. Se a escolha do cavalo cabia
a B, ele podia ter escolhido ou o Cavalo X ou o Cavalo Y, podia ter escolhido qualquer
um destes cavalos. O que pode B fazer?
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• Uma terceira alternativa que a lei confere a B, nos termos do artigo 546º/1, in fine,
é resolver o contrato e pedir também uma indemnização. Se B resolvesse o contrato,
ficaria desvinculado da sua contraprestação, e depois teria direito a uma
indemnização, também aqui calculada pelo interesse contratual positivo. No entanto
teria de se retirar daqui o valor da prestação que B não realizou. Dever de prestar é
substituído pelo dever de indemnizar.
2) E, nessa hipótese, quid iuris se a morte do cavalo ocorresse por abatimento
tornado imprescindível devido a várias fracturas sofridas pelo animal causadas
pelo descuido de B quando testava as capacidades daquele?
Neste caso, temos a escolha por parte do credor, e temos também a impossibilidade
da prestação por facto imputável ao credor. Nestas circunstâncias, o credor teria sempre
podido escolher a entrega daquele animal, e, portanto, considera-se realizada a obrigação;
não pode exigir a entrega do outro cavalo, vai ter de pagar o preço, e no, que diz respeito
ao devedor, considera-se que a obrigação está cumprida.
Nota do Professor (1): no caso de impossibilidade da prestação por facto imputável ao devedor,
o que sucede é o seguinte: nesta hipótese, o credor podia exigir uma indemnização pelo interesse
contratual positivo, ou seja, por aquilo que teria ganho se a prestação tivesse sido pontualmente
cumprida. Numa relação obrigacional complexa, os deveres principais de prestação, se se
tornarem impossíveis, podem ser substituídos pelo dever de indemnizar. Repare-se que nesta
relação obrigacional complexa, que se insere num contrato de compra e venda, o devedor não
entrega o animal, entrega antes a indemnização, no entanto a contraparte continua vinculado a
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pagar o preço. Alternativamente, para o credor não ficar vinculado à contraprestação, é possível
que resolva o contrato. Mais à frente será explicada a articulação entre a resolução do contrato e
a indemnização pelo interesse contratual positivo)
Nota do Professor (2): no que toca às obrigações alternativas, é sempre necessário qualificá-las,
em primeiro lugar, e distingui-las das obrigações genéricas, sendo certo que nas obrigações
genéricas só há uma prestação e que o seu objeto é determinado quanto a um género e a uma
quantidade. Nas obrigações alternativas, há pelo menos duas prestações. Em alguns casos, podem
ter por objeto coisas genéricas. Depois, o aspeto principal é definir quem tem o poder de escolher
a prestação, e o que sucede na eventualidade de uma das prestações se tornar impossível. Aqui
importa distinguir as impossibilidades originárias das supervenientes; sendo uma impossibilidade
superveniente, temos de ver quem tem o poder de escolher a prestação e a quem se atribui a
impossibilidade. Repare-se que podemos ter casos de obrigações alternativas em que uma das
prestações tem o objeto definido quanto a um género e a uma quantidade e a outra prestação não
(Exemplo: entregar um dos automóveis que o devedor tem no seu stand ou entregar o Cavalo X).
São obrigações alternativas em que uma das prestações tem por objeto uma coisa genérica. Assim,
se fosse o devedor a escolher e escolhesse a prestação que não é genérica, teria de entregar o
cavalo X (retomando o exemplo); se fosse escolhida, pelo credor ou pelo devedor, a prestação
que tem por objeto uma coisa genérica, teria de haver concentração nessa prestação e, depois,
definir o bem a entregar, aplicando-se aqui, subsequentemente, o regime das obrigações
genéricas.
Caso nº 12
A empresta € 100.000 a B pelo prazo de 2 anos. Os juros fixados foram de a 5%
ao ano, com vencimento anual. Para garantir o pagamento, B constitui uma hipoteca
sobre um prédio urbano seu. Pergunta-se:
a) Poderia A, decorrido um ano, não pagando B os 5.000 € de juros, juntá-los
ao capital?
O ato de juntar os juros ao capital chama-se “capitalização de juros”, e corresponde
ao chamado anatocismo. Há uma proibição do anatocismo porque isso implica que o
devedor possa ter dificuldade em calcular desde o início o valor integral a pagar. A
inclusão de juros constituídos e vencidos no capital leva ao aumento desse mesmo capital,
sobre o qual se constituem novos juros. Esta prática pode levar a um grande do valor em
dívida, especialmente se as capitalizações forem realizadas em períodos relativamente
curtos. Isto justifica a proibição, em geral, do anatocismo pela nossa lei civil. Ela só
admite a capitalização de juros nas circunstâncias definidas no artigo 560º. Desde logo,
a convenção não pode ser anterior - é possível convenção, mas esta tem de ser posterior;
os juros têm de dizer respeito a um período de tempo de pelo menos um ano; também
pode haver anatocismo se houver uma notificação judicial do credor ao devedor no
sentido de pagar os juros, caso contrário procederá à sua capitalização.
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Direito das Obrigações 2019/2020
Temos aqui um crédito que está garantido por uma hipoteca. O devedor, por causa
que lhe é imputável, levou a que o imóvel ardesse. Consequentemente, há aqui uma
diminuição muito acentuada do valor da garantia, provavelmente uma quase extinção da
garantia, uma vez que o imóvel pouco valerá. É aplicável o artigo 780º, o que significa
que o credor poderia fazer uma de duas coisas:
• exigir a substituição ou o reforço da garantia. Supondo que o imóvel ainda valeria
alguma coisa depois de ter ardido (em vez de valer 6.000€, valeria 2.000€, por
exemplo), o credor podia pedir um reforço, a constituição de uma outra garantia.
Também podia pedir a substituição daquele imóvel por outro de valor idêntico ou
superior, para se repor o valor da garantia;
• alternativamente, podia exigir o cumprimento imediato da obrigação, que neste
caso passa pela restituição do pagamento. Não podia pedir o pagamento dos juros
futuros, visto que ainda não se constituíram.
2) E se o incêndio tivesse sido fortuito?
Se o incêndio tivesse sido fortuito, teríamos na mesma uma diminuição do valor da
garantia, mas já não seria por facto imputável ao devedor. Como tal, não se aplica o
regime do artigo 780º, mas o regime do artigo 701º (que se aplica também ao penhor). O
credor teria, em primeiro lugar, o direito subjetivo de pedir a substituição ou reforço da
garantia e, só no caso de o devedor não reforçar ou não substituir a garantia, em termos
de se repor o valor desta, poderia provocar o vencimento da obrigação de restituição do
capital. Isto diz respeito só à restituição do capital e não dos juros, pois ainda não se
constituíram.
3) E se a hipoteca tivesse sido constituída por C, pai de B, a pedido deste, tendo
a casa ardido por descuido dele (C).
Nesta hipótese, não há culpa do devedor na diminuição do valor da garantia e, como
tal, não podemos estar a aplicar aqui o regime do artigo 780º. Mais uma vez, temos de
recorrer ao regime do artigo 701º. O artigo 701º/2 contempla um caso em que a hipoteca
foi constituída por terceiro, e o regime é o seguinte: temos de verificar se o devedor foi
ou não estranho à constituição da dívida por terceiro. Neste caso, não foi. Na hipótese
inversa, se a hipoteca não tivesse sido constituída a pedido do devedor, então teríamos a
aplicação do art.701º/2, última parte, hipótese em que sempre que houver uma
diminuição da garantia por facto imputável a esse terceiro, é possível exigir o
cumprimento ao terceiro. No entanto, são precisas duas coisas: (1) o devedor tem de ter
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Direito das Obrigações 2019/2020
sido estranho à constituição da hipoteca e (2) que tenha havido um facto imputável ao
terceiro. No caso em apreço, não se verifica o primeiro requisito, visto que o devedor não
foi estranho à constituição da hipoteca. Foi, aliás, por causa dele que a hipoteca se
constituiu. Assim, nesta circunstância, aplica-se o art.701º/2, 1ª parte, nos termos do
qual, o credor pode exigir ao devedor, em primeiro lugar, a substituição ou o reforço da
garantia, e só se o devedor não o fizer é que ele pode pedir o cumprimento imediato da
obrigação (também ao devedor, e não ao terceiro).
c) Tendo a hipoteca sido constituída por C, pai de B, poderia A executá-la se B
caísse numa situação de insolvência decorrido um ano de empréstimo?
Nos termos do artigo 780º, se B, devedor, tivesse caído numa situação de insolvência
(e falamos aqui numa situação de insolvência de facto), ele perdia o benefício do prazo,
caso o credor quisesse, desde logo, provocar o vencimento da obrigação, que não é
automático.
Essa perda do benefício do prazo estende-se também ao terceiro que constituiu a
garantia real? De acordo com o artigo 782º, não há essa extensão. Ou seja, o credor
poderia exigir imediatamente ao devedor o cumprimento da obrigação, mas,
relativamente à execução da hipoteca, não a poderia executar de forma imediata se o
devedor não pagasse. Ele teria de esperar pelo decurso do prazo e só aí, e mantendo-se o
incumprimento do devedor, é que o credor poderia executar a hipoteca, pois a perda do
benefício do prazo diz respeito ao devedor, mas não se estende a terceiro. Assim, o
terceiro que constitui a hipoteca continua a beneficiar desse prazo, o que significa que a
hipoteca não pode ser executada até decorrido o prazo contratual.
d) Suponha agora que o mútuo era celebrado em março de 2014, que o valor
mutuado era de 50.000 €, que a dívida era garantida através de uma hipoteca
constituída sobre um terreno de B, sendo estipulados juros anuais 9%. Quid
iuris?
O Direito Português tem regras para os juros moratórios e também para os juros
remuneratórios. Neste caso em concreto, estamos face a juros remuneratórios, visto que
eles consistem numa contrapartida da disponibilização do capital. Os seus limites
decorrem do artigo 1146º. As partes podem fixar livremente o valor dos juros,
simplesmente há limites legais para estes. Nos termos deste artigo, sempre que tivermos
a constituição de uma garantia real, os juros não podem exceder 3% a taxa de juro legal.
Como a taxa de juro legal é, neste momento, de 4%, os juros não podem exceder 7%.
Tendo os juros excedido 7%, o contrato não é nulo integralmente, segundo o artigo
1146º/3 - o que se verifica é uma redução automática dos juros ao valor/limite máximo
permitido pela lei. Assim, estes juros serão reduzidos para 7%. O contrato e a obrigação
de juros mantêm-se, só que reduzida ao máximo legal, decorrente do artigo 1146º/4.
Caso nº13
No dia 1 de Julho de 2014, a empresa Y, norte-americana, vende à empresa X,
portuguesa, 15.000 computadores. É acordado o preço de 750.000 dólares a ser pago,
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Direito das Obrigações 2019/2020
Caso nº 14
A, com dez anos de idade, é credor de B em 300 euros. Este dirige-se a casa dos
pais de A para fazer o pagamento. Encontrando A na porta do prédio, entrega-lhe
logo essa quantia. Poderá o pai, C, e em que circunstâncias, anular a prestação?
O credor tem de ter capacidade para receber a prestação. Neste caso, A, o credor, é
menor, logo não tem capacidade. A prestação não é feita ao representante legal do
incapaz, mas ao próprio incapaz, logo, em princípio, poderia ser impugnada. Todavia, o
devedor poderia opor-se ao pedido de anulação na medida em que, apesar de a prestação
ter sido recebida pelo menor, este entregou a quantia ao pai. Ou seja, o representante legal
obteve a prestação. Se A não tivesse entregado o dinheiro ao pai, a prestação já poderia
ser impugnada.
20 de abril de 2020
Caso nº 15
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Direito das Obrigações 2019/2020
Podemos, aqui, começar pelo efeito. No que lhe diz respeito, podemos estar face a
uma impossibilidade objetiva, que leva à extinção da obrigação, ou perante uma
impossibilidade subjetiva, que leva à extinção da obrigação sempre que a prestação for
infungível. Também podemos estar face a uma impossibilidade temporária, sendo óbvio
não se tratar do caso.
Na hipótese em apreço, a impossibilidade é objetiva, visto não ser possível entregar
aquele carro, uma vez que este pura e simplesmente já não existe. Nessa medida, aplica-
se aqui o artigo 790º CC. Tratando-se de um contrato bilateral, e havendo
impossibilidade de realização e uma das prestações nele fixadas, temos de ver o que
acontece com a contraprestação. Aplica-se assim o regime do artigo 795º CC, o que
significa que o sujeito, neste caso, o credor, ficaria desobrigado de realizar a
contraprestação. Simplesmente temos também de ter em conta o regime do risco, que
decorre do artigo 796º CC. Esse regime tem uma regra geral e depois tem um conjunto
de exceções.
Segundo a regra geral, sempre que o contrato incida sobre coisa certa e determinada,
como é o caso (A vende o seu automóvel – não se trata de uma obrigação genérica, mas
sim de uma obrigação específica), aplica-se o artigo 408º CC e depois, também, o artigo
796º CC. Quem é o dono do automóvel aqui é B¸ por isso, em princípio, seria ele quem
correria o risco e que teria de realizar a contraprestação. Todavia, repare-se que, embora
a venda tenha ocorrido no dia 1 de maio, foi fixado um termo para a entrega, que sucederia
dali a quinze dias. Este termo foi fixado para que A, o alienante, não ficasse sem carro
antes de ter um novo – este é um caso comum. Aquilo que foi fixado para a obrigação de
entrega foi um termo a favor do devedor da obrigação de entrega. Assim sendo, o risco
não corre ainda por conta do adquirente (B), que em rigor é até o proprietário do bem,
nos termos do artigo 796º/2, primeira parte. Quem corre o risco é ainda o devedor (A),
apesar de já não ser o proprietário, aplicando-se assim o artigo 795º/1 CC, o que quer
dizer que, nestas circunstâncias específicas, não há direito à contraprestação (repare-se
que a obrigação de entrega está sinalagmaticamente ligada à obrigação de pagar o preço).
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Direito das Obrigações 2019/2020
B não está desobrigado da contraprestação e não se aplica o 795º/1. Em suma, ainda que
a obrigação de entrega do automóvel se extinga, B tem de pagar o preço.
Acontece que esta situação não tem previsão direta no artigo 796º/1 nem no 796º/2.
O artigo 796º/3 contém duas regras. Uma é relativa ao contrato sujeito a condição
resolutiva (o contrato em si); outra incide sobre o contrato sujeito a condição suspensiva.
Se um contrato estiver sujeito a uma condição suspensiva, não produz imediatamente
nenhum dos seus efeitos. Se o contrato estiver sujeito a uma condição resolutiva, o
contrato produz todos os seus efeitos, e nessa medida, mais tarde, não se verificando a
condição, é possível a destruição retroativa e completa desses mesmos efeitos.
Se o contrato fosse celebrado sob condição resolutiva, o risco do perecimento durante
a pendência da condição correria por conta do adquirente se a coisa lhe tivesse sido
entregue. O problema é que o contrato em apreço não foi celebrado sob condição
resolutiva; há um único efeito do contrato que está suspenso, mas os restantes produzem-
se, por isso também não foi celebrado sob condição suspensiva. Daqui decorre que este
caso – a venda com reserva de propriedade, a prestações ou não – não está prevista
diretamente no artigo 796º. Há uma lacuna legal e, como tal, temos de encontrar uma
situação similar – um caso análogo - para a tentar preencher. O professor encontra solução
nos termos da locação financeira e, sendo assim, o risco corre por conta do adquirente
(não por conta do alienante) que, nessa medida, teria sempre de pagar o preço.
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Direito das Obrigações 2019/2020
Caso nº 16
A acorda com B, mecânico, a reparação do motor do seu automóvel, tendo-se,
desde logo, fixado o preço (€ 400) e a duração do conserto (toda a manhã do dia 20
de maio). Na noite anterior à data acordada, o automóvel de A fica com o motor
gripado por este se ter esquecido de mudar o óleo. No dia 20 de maio, B espera até
60 minutos após a hora fixada, e depois trata dos outros automóveis. Estas
reparações rendem-lhe € 250.
a) Terá A que pagar o preço da reparação?
Em primeiro lugar temos de qualificar a situação. Em rigor, este é um contrato de
prestação de serviços em que o devedor, que neste caso é o mecânico (B), pode realizar a
prestação, mas há aqui uma impossibilidade decorrente de um facto imputável ao próprio
credor (A). É o credor que acaba por gripar o motor, não podendo este ser recuperado. O
mecânico está, portanto, disponível para realizar a prestação, mas não o pode fazer por
facto imputável ao credor. B continuaria, então, a ter direito à contraprestação, nos termos
do artigo 795º/2, o que significa que A teria de lhe pagar o preço acordado (400€).
Todavia, e decorrendo de uma aplicação do enriquecimento sem causa, tendo B obtido
vantagens por não realizar a prestação (neste caso, pôde usar aquele tempo para fazer
outras reparações noutros veículos), essas vantagens (250€) têm de ser descontadas na
contraprestação que ele tem direito a receber. Em suma, A tem de pagar a B uma quantia
no valor de 150 euros.
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Caso nº 17
A 1 de março de 2014, L vende a M, por € 11.500, os 23 volumes de uma
enciclopédia única muito antiga que havia adquirido, dez anos antes, num
alfarrabista. O primeiro obriga-se a entregar os tomos da referida obra, no domicílio
do segundo, quinze dias depois, momento em que já estariam instaladas as estantes
que este havia encomendado a O. Para proceder à entrega L recorre aos serviços de
N, transportador. Durante a realização do transporte, a carrinha de N, quando
estava parada num semáforo, é atingida pelo automóvel de Paulo que, conduzindo
em excesso de velocidade, não conseguiu travar atempadamente. Deste choque
resultou a destruição de 13 volumes da referida enciclopédia.
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sim com o momento do vencimento da obrigação, porque este prazo para o cumprimento
da obrigação de entrega foi fixado a favor do comprador. Todavia, ele está a cumprir a
prestação na data do vencimento da obrigação. Assim, aquando do acidente, e nos termos
do artigo 796º/2, CC, o comprador é quem corre o risco, que neste caso se traduz no risco
de ter de realizar a contraprestação. Nesta medida, M tem de aceitar os livros que
sobraram, que já lhe pertencem, e manter o pagamento dos 11.500 euros, visto que o risco
do perecimento dos bens corre por sua conta.
Na relação entre o credor e o devedor, no âmbito do contrato de compra e venda, a
situação resolve-se nestes termos, e é tudo o que é pedido na pergunta. Note-se, porém,
que Paulo praticou um facto ilícito e culposo, tendo causado danos ao dono dos livros,
que terá, na posição de proprietário, direito a ser indemnizado ao abrigo da
responsabilidade civil extracontratual.
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ato tivesse sido praticado por ele, nos termos do artigo 800º, CC. Assim sendo, estamos
face a um caso de impossibilidade de realização da prestação por facto imputável ao
alienante, uma vez que os volumes da enciclopédia foram destruídos. Trata-se de um
artigo único, que foi integralmente destruído. Portanto, trata-se de um regime de
impossibilidade definitiva culposa.
O comprador pode exigir uma indemnização pelo interesse contratual positivo,
mantendo a sua contraprestação (aquilo que já pagou) e tendo de provar os danos que
sofreu pela não execução do contrato. Neste caso, coloca-se a questão de saber se a
indemnização seria calculada pelo interesse contratual positivo ou se seria calculada pelo
interesse contratual negativo. Neste âmbito há uma divergência doutrinal – de acordo com
a doutrina tradicional, se o comprador resolvesse o contrato teria direito única e
exclusivamente a uma indemnização calculada pelo interesse contratual negativo; para
uma posição mais recente da doutrina, ainda que não unânime em termos jurisprudenciais,
ele poderia ainda assim pedir uma indemnização pelo interesse contratual positivo, ou
seja, considerando aquilo que M teria ganho se o contrato tivesse sido integralmente
cumprido. Significa isto que se M tivesse podido revender a enciclopédia pelo dobro do
preço, era esse valor a que ele teria direito, abatendo-se o valor da contraprestação.
Alternativamente, nos termos do artigo 801º/2 CC, poderia resolver o contrato e exigir a
restituição da sua prestação.
Caso nº 18
A vende a B 10 computadores marca CVB daqueles que têm em armazém. A
obriga-se a entregá-los no estabelecimento de B no dia 1/6. Para o efeito, contrata o
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Caso nº 19
A vende a B 10 computadores RTE daqueles que tinha em stock. Ficou acordado
que os computadores deveriam ser entregues a B no dia 1 de junho. A 30 de maio,
por descuido do vigilante da empresa de A que deixou o portão do armazém aberto,
este é assaltado, sobrando só 7 computadores que os assaltantes não conseguiram
transportar. A pretende entregar estes 7 computadores a B, reduzindo
proporcionalmente o preço. B não aceita.
a) Tem razão? Quais os seus meios de defesa?
Em primeiro lugar, temos aqui uma obrigação genérica, determinada quanto a um
género e a uma quantidade, e delimitada, quanto aos bens que A tinha em stock. Houve
um assalto que levou a que os bens, neste caso, os computadores, ficassem reduzidos a 7
unidades. A questão que se coloca é se B pode recusar a entrega desses 7 computadores
que sobraram e, nessa medida, não realizar a sua contraprestação.
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analisar os seus efeitos. O que sucede aqui é que há A não poderá entregar a totalidade
dos computadores a B, configurando isto um incumprimento definitivo (porque o objeto
eram os computadores existentes em stock), mas parcial (visto que os computadores que
sobraram podem ser entregues). Note-se ainda que há um auxiliar que não cumpriu o seu
dever de vigilância, o que levou ao assalto e à consequente impossibilidade de realização
da entrega daqueles computadores. Assim, para além de ser uma impossibilidade
definitiva parcial, esta é também uma impossibilidade culposa.
Sendo um caso de impossibilidade parcial, aplica-se o regime do artigo 802º, CC.
Efetivamente, o credor pode exigir a entrega do que for possível, reduzindo a sua
contraprestação e tendo direito a uma indemnização pelo incumprimento.
Alternativamente, a resolução do contrato é também um direito que lhe assiste, o que
significa que não aceitaria a prestação parcial, ficando desvinculado da sua
contraprestação e pedindo uma indemnização. O cálculo dessa indemnização será feito
segundo o interesse contratual negativo (segundo a doutrina tradicional) ou segundo o
interesse contratual positivo (de acordo com a doutrina mais recente). Todavia, há um
travão – o do artigo 808º/2, CC – que impede o sujeito de resolver o contrato se o
incumprimento tiver escassa importância. Neste caso, o incumprimento não tem escassa
importância: B comprou 10 computadores, e desses 10 computadores apenas 7 podem ser
entregues. Trata-se então de um caso em que ele poderia resolver o contrato, ficando
desvinculado da sua contraprestação e podendo exigir uma indemnização pelo
incumprimento definitivo da totalidade da obrigação.
Note-se que o credor pode efetivamente exigir só a entrega de parte dos bens e reduzir
a contraprestação, todavia isso é um direito do credor, e não do devedor. Este último não
pode decidir entregar os 7 computadores e conduzir á redução proporcional do preço. É
uma escolha que não lhe compete.
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Incumprimento Incumprimento
temporário e definitivo e
não culposo não culposo
Incumprimento Incumprimento
temporário e definitivo e
culposo - Mora culposo
(804º ss) (801º+803º)
Caso nº 20
A, grossista, obriga-se a fornecer ao supermercado B, 5 toneladas de laranjas,
no valor de € 25.000 para serem vendidas a Festa da Fruta que se irá realizar,
durante o fim-de-semana de 24 e 25 de maio, nesse supermercado. A iniciativa foi
muito publicitada, através da distribuição de panfletos e de spots nas rádios locais.
Como contrapartida, o supermercado B entregaria a A um camião usado no valor
de € 30.000. A, no entanto, não entrega as laranjas nos dois dias de festa, em virtude
de dificuldades no escoamento do produto, oferecendo-se, no entanto, para o fazer
mais tarde. A dita festa realiza-se, apesar de tudo, com outras variedades de fruta.
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Nota prática: na resolução de casos deste tipo, temos sempre de fazer referência à doutrina
tradicional e à do Dr. Batista Machado (ou à conceção desenvolvida pelo Professor). Isto porque,
apesar de, atualmente, a posição mais recente ser dominante em termos doutrinais, não é
necessariamente dominante em termos jurisprudenciais, logo temos de estar a par de ambas as
conceções.
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acontece que o risco da impossibilidade de realização da prestação passa a correr por sua
conta, nos termos do artigo 815º/1, CC. Sendo o risco da impossibilidade superveniente
da prestação atribuído ao credor, o devedor não terá de realizar a sua prestação, mas o
credor não fica desvinculado de ter de realizar a sua.
Comparação com o caso 18, alínea b: há aqui uma diferença, pois neste caso tratamos
uma questão de risco e no anterior tratámos a atenuação da responsabilidade. Neste caso,
verificou-se uma impossibilidade de realização da prestação por facto não imputável nem
ao credor, nem ao devedor, logo o que nos cabe é apenas saber quem corre o risco. No
outro caso, em que também houve mora do credor, deu-se uma impossibilidade de
realização da prestação, mas aí foi por facto imputável ao devedor. Simplesmente, como
o devedor atuou com mera negligência e não com dolo, e como o credor estava em mora,
o primeiro viu a sua responsabilidade atenuada. São, portanto, circunstâncias diferentes.
O artigo 815º é uma questão de risco, já o artigo 814º é uma questão de atenuação da
responsabilidade do devedor, havendo uma atuação ilícita e culposa do mesmo.
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