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DIREITO CIVIL II

DIREITO DAS
OBRIGAÇÕES

Cinthia Louzada
Ferreira Giacomelli
Revisão técnica:

Gustavo da Silva Santanna


Bacharel em Direito
Especialista em Direito Ambiental Nacional
e Internacional e em Direito Público
Mestre em Direito
Professor em cursos de graduação e pós-graduação em Direito

D597 Direito civil II: direito das obrigações [recurso eletrônico ] /


Marcelo Neves Schneider... [et al.]; [revisão técnica:
Gustavo da Silva Santanna]. – Porto Alegre: SAGAH,
2018.

ISBN 978-85-9502-538-7

1. Direito civil. 2. Obrigações (Direito). I. Schneider,


Marcelo Neves.
CDU 347.4

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin — CRB 10/2147


Inadimplemento
das obrigações I
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir inadimplemento das obrigações.


 Analisar as espécies de inadimplemento.
 Conceituar mora.

Introdução
As obrigações surgem no universo jurídico para que sejam cumpridas.
No entanto, não raras vezes, isso deixa de acontecer, gerando o inadim-
plemento obrigacional, que pode ser compreendido como um dever
descumprido que gera ao credor o direito de buscar o atendimento do
que foi pactuado com o devedor ou a reparação de perdas e danos, de
acordo com o caso concreto.
O inadimplemento pode ser classificado em absoluto ou relativo,
sendo cada espécie com características e repercussões jurídicas espe-
cíficas: do inadimplemento relativo, por exemplo, surge a mora, que
implica ao credor o direito de obter o que lhe é devido, acrescido de
juros, correção monetária e reparação de eventuais prejuízos.
Neste capítulo, você vai conhecer o conceito de inadimplemento das
obrigações, quais são as suas espécies e o que é a mora.

O que é inadimplemento das obrigações?


As obrigações surgem para que tenham uma existência temporária, pois a
sua razão de existir é que sejam cumpridas e, com isso, extintas. O ideal é
que as obrigações de todas as esferas sejam cumpridas, mas, não raras vezes
isso deixa de acontecer, gerando o inadimplemento obrigacional. Para Caio
Mário Pereira (2009, p. 309):
2 Inadimplemento das obrigações I

[...] quando se impossibilita a prestação, duas hipóteses podem ocorrer: ou a


impossibilidade é inimputável ao sujeito passivo, e resulta pura e simplesmente
a extinção da obrigação sem outras consequências; ou o devedor é responsável
pelo não-cumprimento, e então cabe ao credor exercer sobre o patrimônio do
devedor o poder de suprir a ausência da prestação, direta ou indiretamente.

Nesse sentido, prevê o artigo 389 do Código Civil que “Não cumprida a
obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários
de advogado” (BRASIL, 2002, documento on-line).
O inadimplemento da obrigação gera para o devedor o dever de prestar
ou indenizar, assim como, para o credor, há a faculdade de exigir. Não se
cogita nova obrigação: é a mesma que, não cumprida, sofre mutação objetiva
e passa a permitir a exigência de perdas e danos. No entanto, ressalta-se que
não se trata de regra absoluta, de maneira que a obrigação pode persistir
concomitantemente com a exigência de perdas e danos.
Portanto, o inadimplemento surge de uma falta do devedor, de algo que
deveria ter feito e não fez, ou a uma abstenção que não cumpriu. Diante dessa
perspectiva, é importante considerar os seguintes elementos: dolo ou culpa
na conduta do devedor.
Dolo é a infração do dever que é cometida voluntariamente, com a intenção
de não cumprir a obrigação, enquanto a culpa não contém o elemento da
vontade — o devedor não possui consciência da violação do dever. Na culpa,
como afirma Caio Mário Pereira (2009, p. 314), “[...] a ação é voluntária, no
que diz respeito à materialidade do ato gerador das consequências danosas,
mas o agente não procura o dano como objetivo de sua conduta, em procede
com a consciência da infração”.
No âmbito da culpa, destaca-se, ainda, a classificação contratual ou ex-
tracontratual. Culpa contratual é aquela que se refere a uma infração de-
corrente de cláusula de contrato celebrado entre as partes, enquanto a culpa
extracontratual (também conhecida como aquiliana) decorre do dever legal
de respeitar o bem jurídico alheio, de não causar dano a outrem. Tanto a culpa
contratual quanto a culpa extracontratual conduzem à mesma consequência:
a indenização.
A obrigação de pagar a indenização, independente da culpa, está subordi-
nada a estes princípios comuns:

1. O fundamento básico da reparação dos danos está no erro de conduta


do agente, que conduz à indenização por perdas e danos.
2. O segundo elemento é a ofensa a um bem jurídico.
Inadimplemento das obrigações I 3

3. O terceiro elemento é a relação de causalidade entre a antijuridicidade


da ação e o dano causado, não bastando o erro de conduta.

Uma vez verificados os pressupostos que determinam o dever de repa-


ração, é importante considerar que indenizar o prejuízo não é o mesmo que
restaurar o objeto da prestação. Aliás, não se pode acumular a execução direta
e as perdas e danos, caso sejam compensatórios, ou seja, caso se refiram ao
suprimento da obrigação em si; se é viável a execução específica, pode ser
adicionado a ela as perdas e danos moratórios, que se referem ao atraso no
adimplemento obrigacional.
No que se refere à prova do dano sofrido, quem o alega deverá apontá-lo. Tal
comprovação deve ocorrer no tocante a dano emergente e ao lucro cessante, de
forma que o dano moral não precisa de comprovação, mas apenas quanto aos
seus reflexos. Como conceitua Caio Mário Pereira (2009), o dano emergente
se refere à efetiva e imediata redução patrimonial sofrida em razão do evento
lesivo, podendo consistir na diminuição do ativo ou no aumento do passivo.
Já o lucro cessante, mais difícil de estimar, corresponde a tudo aquilo que a
vítima deixou “razoavelmente” de ganhar em virtude da inexecução da obri-
gação. A esse respeito, assim dispõe o artigo 402 do Código Civil: “Salvo as
exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor
abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou
de lucrar” (BRASIL, 2002, documento on-line).

É importante ressaltar que o dano emergente e o lucro cessante podem surgir juntos
ou separadamente. De fato, é plenamente razoável a verificação de situações nas
quais não há dano emergente mas há lucro cessante. Um exemplo: no furto de uma
máquina industrial que, furtada por alguns dias, retorna ao proprietário sem qualquer
dano, a privação do uso do equipamento por alguns dias já enseja um prejuízo, que
é a não aferição de valores no patrimônio do proprietário.

Por fim, cumpre ressaltar o instituto da perda de uma chance. O inadim-


plemento da obrigação pode resultar na perda de uma chance, que não se
confunde com lucros cessantes, pois se funda na probabilidade aleatória
de um ganho ou de que um prejuízo seria evitado, de forma que disso se
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resulta um dano. A perda de uma chance será indenizada não de acordo com
o benefício esperado, mas com base em percentuais maiores ou menores de
probabilidade, que seguem regras de estatística, aplicáveis ao evento danoso.

Espécies de inadimplemento
O inadimplemento poderá ser absoluto ou relativo. Será absoluto caso a
obrigação não seja cumprida de acordo com o tempo, o lugar e a forma pac-
tuados, e nunca possa ser cumprida conforme convencionado. Essa hipótese
é verificada em duas situações: fatos relativos ao objeto da prestação, seja
o perecimento ou apenas a deterioração da coisa, ou fatos concernentes ao
interesse do credor na realização da prestação, como é o caso, por exemplo,
da recusa do devedor em cumprir a obrigação.
Ainda, o inadimplemento absoluto poderá ser total ou parcial: total, se a
obrigação deixar de ser cumprida na sua totalidade, e parcial, se a obriga-
ção compreender vários objetos e houver a entrega de apenas um deles, por
exemplo. Qualquer que seja o descumprimento, a obrigação principal poderá
ser convertida em dever de indenizar.
Nos casos de inadimplemento absoluto, a principal consequência é ao
pagamento de previsto no artigo 404 do Código Civil:

Art. 404 As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão


pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente esta-
belecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo
da pena convencional (BRASIL, 2002, documento on-line).

Já o inadimplemento relativo se refere à obrigação que não foi cumprida


de acordo com o tempo, o lugar e a forma pactuados, mas ainda pode ser.
Para Caio Mário Pereira (2009, p. 308), há inadimplemento relativo “[...] se
apenas parte da res debita deixou de ser prestada, ou se o devedor não cumpriu
oportunamente a obrigação, havendo possibilidade de que ainda venha a fazê-
-lo, o que constituiu matéria enfeixada sob a epígrafe genérica da ‘mora’[…]”.
A mora será objeto de considerações mais adiante, mas podemos entendê-la
aqui como atraso no cumprimento da obrigação.
Inadimplemento das obrigações I 5

Um exemplo de inadimplemento é o jargão popular “Devo, não nego, pago quando


puder”.

Contudo, as espécies de inadimplemento absoluto e relativo podem estar


vinculadas. Em algumas situações, apesar de, à primeira vista, o elemento
tempo ter sido cumprido, verifica-se o inadimplemento, cuja classificação
entre relativo e absoluto igualmente dependerá do interesse objetivamente
econômico do credor.
Considere o seguinte exemplo: o devedor entrega ao credor, no dia e local
convencionado, um objeto de qualidade inferior à que estava obrigado. Será
inadimplemento relativo se o devedor se comprometer a substituí-lo e o credor
puder recebê-lo mesmo que fora do tempo acordado. Será absoluto, porém, se
a necessidade econômica do credor não comportar essa possibilidade.
Essa situação pode se complicar ainda mais ao imaginar que o credor
recebeu, no vencimento, o objeto de qualidade inferior, mas com a condição
de ser substituído em determinado prazo. Aqui, estaria configurado um caso
de relatividade do inadimplemento, pois é provisório e corrigível. No entanto,
ultrapassado o prazo de substituição, o devedor pleiteia a prorrogação, que,
por ser inviável para o credor, não é concedida. Dessa forma, o devedor não
corrigiu a execução contratual e a correção não tem mais utilidade para o credor.
Nesses termos, podemos afirmar que houve a passagem do inadimple-
mento relativo para o absoluto, ainda que parcialmente adimplido. A princípio,
portanto, são aplicáveis as consequências jurídicas previstas, mas de forma
mitigada, tendo em vista que o tempo em que o credor ficou com a coisa, que
poderá ser devolvida ao devedor, conforme o disposto no parágrafo único do
art. 395 do Código Civil, deverá ser considerado no momento de apurar as
perdas e danos.
Assim prevê o referido dispositivo: “Art. 395. [...] Parágrafo único. Se a
prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e
exigir a satisfação das perdas e danos” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Percebe-se, portanto, que o inadimplemento exige cuidadosa análise das
circunstâncias fáticas do caso concreto para que seja identificada a espécie
na qual se enquadra e os seus consequentes efeitos jurídicos.
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Mora
O adimplemento da obrigação se vincula, entre outros aspectos, ao tempo.
Quando uma das partes não cumpre o tempo de adimplir a obrigação, há um
atraso, ao qual chamamos de mora. Para Caio Mário Pereira (2009, p. 293),
“[...] a mora é este retardamento injustificado da parte de algum dos sujeitos
da relação obrigacional no tocante à prestação”. Embora a mora mais comum
seja do devedor, é importante destacar que a mora poderá ser tanto do credor
quanto do devedor.
Para que se configure a mora do devedor, há a necessidade primeira de
que a obrigação seja exigível. Não há mora de dívida vincenda. Quando a
obrigação é de prazo final determinado para o cumprimento, basta o advento
desde prazo para que o devedor se constitua em mora. Assim prevê o art. 397
do Código Civil:

Art. 397 O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo,


constitui de pleno direito em mora o devedor.
Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação
judicial ou extrajudicial (BRASIL, 2002, documento on-line).

Quanto às obrigações ilíquidas, elas não são exigíveis, até que se trans-
formem em valor certo, mas o art. 398 do Código Civil, ao tratar de obriga-
ções decorrentes de ato ilícito, prevê que o devedor estará em mora desde a
ocorrência do ato.
Outro aspecto importante para a caracterização da mora é a culpa. Além
da exigibilidade da obrigação, é necessário que haja culpa do devedor em não
a adimplir. Caio Mário Pereira (2009, p. 307) afirma que:

[...] se, no dia do vencimento da obrigação, por exemplo, houve greve bancá-
ria, não pode a instituição financeira cobrar juros e cláusula penal, pelo não
cumprimento da obrigação no vencimento. Escusa-se o devedor da mora, se
provar caso fortuito ou força maior. A culpa é essencial para a caracterização
da mora, ainda que esta deflua diretamente de fatos objetivos do contrato.
Inadimplemento das obrigações I 7

Além desses aspectos, há também a necessidade de que o devedor seja


constituído em mora, o que ocorre com o decurso do prazo. É de ressaltar
que, caso haja processo judicial, a citação do processo também tem o efeito
de constituir o devedor em mora.
Quanto à mora do credor, o artigo 400 do Código Civil prevê:

Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade


pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas emprega-
das em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao
devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e
o da sua efetivação.

Assim, quando o credor constitui mora, o devedor exonera-se dos ônus pela
guarda da coisa. Essa exoneração somente será excluída se não houver dolo.
Ainda, na mora do credor, havendo oscilação de valores, o devedor pagará
com o valor que lhe for mais favorável.
A mora, enquanto efeito decorrente do inadimplemento relativo, poderá
ser purgada. A purgação da mora refere-se ao fato de sanar a falta cometida,
cumprindo a obrigação com a reparação de eventuais prejuízos causados ao
outro sujeito da relação obrigacional. Para Flávio Tartuce (2017, p. 219):

[...] a purgação da mora pelo devedor se dá pela oferta da prestação, com o


acréscimo de juros, correção monetária, multa e honorários advocatícios, sem
prejuízos das eventuais perdas e danos. Por outra via, a purga da mora pelo
credor ocorre quando esse se oferece para receber a prestação do devedor,
sujeitando-se aos efeitos da mora já ocorridos. Tanto o devedor quanto o credor
podem, conjuntamente, purgar a mora na hipótese em que ambos renunciarem
aos prejuízos dela decorrentes.

Considerando os principais aspectos da purgação da mora, é fundamental


não a confundir com a cessação da mora. Enquanto a purgação refere-se ao
adimplemento tardio da obrigação, a cessação diz respeito ao fato extintivo
de efeitos pretéritos e futuros da obrigação, como o que ocorre com a extinção
obrigacional em virtude de novação, remissão de dívidas ou renúncia do credor.
8 Inadimplemento das obrigações I

Referências

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 25 jul. 2018.
PEREIRA, C. M. S. Teoria geral das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
TARTUCE, F. Direito das Obrigações e responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

Leituras recomendadas
DINIZ, M. H. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2013.
VENOSA, S. S. Teoria geral das obrigações e dos contratos. São Paulo: Atlas, 2012.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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