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CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

DISCIPLINA: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

PERÍODO: 04/2023

PROFª. MA. MICHELE AMARAL DILL

5. INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES - arts. 389 a 420, C.C/2002

A relação obrigacional nasce, vive, prolonga-se no tempo e tem como finalidade


primordial sua extinção. Pode ocorrer, no entanto, o descumprimento da obrigação
assumida pelo devedor, tendo o credor o direito de vê-la cumprida (solvida).

DISTINÇÃO ENTRE OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE: Contraída a obrigação, duas


situações podem ocorrer:

1º) O devedor paga (cumpre) a prestação assumida e a obrigação se extingue; ou

2º) O devedor se torna inadimplente (surge a responsabilidade) e o credor poderá buscar,


coercitivamente, no patrimônio do devedor, através do Poder Judiciário (se necessário), o
cumprimento da prestação. Logo:

► Cumprimento: extinção - direito material.

OBRIGAÇÃO

► Inadimplemento: responsabilidade - direito processual.

O descumprimento da obrigação pode decorrer da impossibilidade:


✓ involuntária do devedor (nesse caso, há a extinção da obrigação, sem a
entrega da prestação); ou voluntária do devedor (nesse caso, pode o credor
voltar-se contra o patrimônio do devedor, a fim de ver cumprida a prestação, ou
exigir o equivalente mais perdas e danos);

✓ subjetiva (quando a prestação se refere a circunstâncias pessoais ligadas ao


devedor ou ao credor); ou objetiva (quando a prestação é atingida em si
mesma);

✓ absoluta/definitiva (devedor não cumpriu a prestação e o credor não tem mais


interesse em recebê-la no futuro – Enunciado 162 da III Jornada de Direito Civil;
art. 395, parágrafo único, C.C/2002); ou relativa/provisória (o devedor não
cumpriu a prestação, porém tem possibilidade de cumpri-la no futuro e o credor
ainda tem interesse em recebê-la);

✓ total (quando a prestação é totalmente sonegada); ou parcial (quando apenas


parte da prestação é sonegada).

Base legal:

- Art. 389, C.C/2002: ver art. 186, C.C/2002.

- Art. 390, C.C/2002: ver arts. 250 e 251, C.C/2002. Não há inadimplemento relativo,
mas absoluto.

- Art. 391, C.C/2002: ver arts. 789, 831 a 836, CPC; Lei nº 8.009/90; súmulas 364 e 549
do STJ.

- Art. 392, C.C/2002:

1ª parte: contratos benéficos - ver arts. 582, 629, 667, C.C/2002; súmula 145
do STJ.

2ª parte: contratos onerosos - ver arts. 492, 567, 570, C.C/2002.

- Art. 393, C.C/2002:

Caput: elemento objetivo: inevitabilidade do evento; elemento subjetivo:


ausência de culpa no comportamento.

Parágrafo único: “o conceito de caso de força maior tem subjacente a ideia de


inevitabilidade: será todo o acontecimento natural ou ação humana que, embora
previsível ou até prevenido, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas
consequências. Ao passo que o conceito de caso fortuito assenta a ideia de
imprevisibilidade: o fato não se pode prever, mas seria evitável se tivesse sido
previsto.” (Costa apud Rizzardo, p. 438, 2013, grifos nossos).

A distinção entre força maior e caso fortuito, entretanto, não é relevante, uma
vez que o Código Civil empresta o mesmo significado às expressões.

a) MORA: arts. 394 a 401, C.C/2002.

A mora consiste no retardamento (atraso) do cumprimento da obrigação ou


no cumprimento defeituoso de uma obrigação por parte do devedor (debitoris vel
solvendi), que não efetua o pagamento no tempo, lugar e/ou modo que a lei ou a
convenção estabelecer, ou por parte do credor (creditoris vel accipiendi), que não quer
receber a prestação no tempo, lugar e/ou modo estabelecido em lei ou convencionado
entre as partes.

a.1) Requisitos da mora:

DO DEVEDOR:

a) exigibilidade da prestação, ou seja, dívida vencida, líquida e certa/definida;


b) inexecução culposa/dolosa;
c) constituição em mora (apenas no caso de mora ex persona);
d) possibilidade de cumprimento tardio da obrigação com utilidade para o credor
(Enunciado 162 da III Jornada de Direito Civil), caso contrário teremos
inadimplemento absoluto e não simples mora.

DO CREDOR:

a) vencimento da obrigação;
b) oferta da prestação;
c) recusa injustificada em receber;
d) constituição em mora mediante a consignação em pagamento (art. 335, I,
C.C/2002).

a.2) Base legal:

- Art. 394, C.C/2002: mora debitoris/devedor (mais comum); mora creditoris/credor.


Pode haver, também, mora de ambos os contratantes (simultâneas – sem indenização;
ou sucessivas – com compensação dos prejuízos).
- Art. 395, C.C/2002: mora do devedor.

Caput: todos os prejuízos causados pela mora deverão ser provados pelo
requerente, pois, caso contrário, terá direito apenas aos juros da mora, conforme art.
407, C.C/2002. Ver também os arts. 406 e 475, C.C/2002.

Parágrafo único: ver enunciado 162 da III Jornada de Direito Civil.

- Art. 396, C.C/2002: mora do devedor. Inadimplemento inimputável ao devedor. Ver


art. 280, C.C/2002 e enunciado 354 da IV Jornada de Direito Civil.

- Art. 397, C.C/2002: modalidades de mora do devedor. Incide apenas nas obrigações
positivas: dar e fazer.

Caput: mora ex re – princípio da mora automática. Sem necessidade de


qualquer providência do credor. Ex. arts. 390 e 398, C.C/2002.

Parágrafo único: mora ex persona. Necessidade de interpelação ou notificação


por escrito. Ex. art. 240, caput, CPC; súmula 369 do STJ; art. 562, C.C/2002.

- Art. 398, C.C/2002: mora do devedor (ex re – ato ilícito extracontratual). Ver art. 390,
C.C/2002, súmulas 43 e 54 do STJ.

- Art. 399, C.C/2002: mora do devedor.

- Art. 400, C.C/2002: mora do credor. Ver art. 492, C.C/2002.

-Art. 401, C.C/2002: purgação/emenda/neutralização (diferente de inexistência e


cessação) da mora (desde que injustificada), inclusive mediante ação consignatória
(arts. 304, 305, 335, C.C/2002).

I - decisão unilateral do devedor (ou terceiro, mas mesmas condições do


devedor);

II - ou do credor.

O acordo, todavia, sempre é possível, se as partes tiverem interesse.


b) PERDAS E DANOS: arts. 402 a 405, C.C/2002.

Quando ocorre o descumprimento culposo da obrigação (no todo ou em parte)


por parte do devedor, ao credor é facultado obter o cumprimento coativo, através de
provimento judicial, compelindo o devedor a entregar a coisa devida (obrigação de dar),
a realizar o fato ou o ato (obrigação de fazer), ou desfazer o que havia se proposto
(obrigação de não fazer). Quando o cumprimento da obrigação, entretanto, não é
mais possível (ou útil ao credor) fazem-se presentes as perdas e danos. Não se trata
de um enriquecimento do credor, mas sim de uma reparação/compensação financeira
pelos danos, patrimoniais e/ou extrapatrimoniais, sofridos pelo credor.

Segundo Fernandes (2010, p. 257), “as perdas e danos são devidos pela mora”.

b.1) Requisitos das perdas e danos:

a) agente tenha agido de forma contrária a lei ou ao convencionado entre as


partes;

b) esteja presente a culpa ou o dolo (contratual ou extracontratual) do agente;

c) ofensa a um bem jurídico patrimonial ou não-patrimonial;

d) nexo causal entre o inadimplemento e o prejuízo.

b.2) Base legal:

- Art. 402, C.C/2002:

- dano emergente/dano positivo (atual e visível): diminuição do patrimônio.

- lucro cessante/dano negativo (futuro e provável): perda de ganho esperado.

- Art. 403, C.C/2002: teoria do dano direto (e ricochete) e imediato (certo e atual),
excluindo-se o dano remoto ou hipotético. O dolo não agrava o valor da indenização
(ver arts. 944 a 946, C.C/2002).

- Art. 404, C.C/2002: perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro.


- Art. 405, C.C/2002: aplicação residual: inexecução culposa de contrato; contrato sem
prazo; obrigação ilíquida; ilícito extracontratual (responsabilidade objetiva) – mora ex
persona. Enunciados 163 e 428 das Jornadas de Direito Civil. Ver art. 240, CPC.

c) JUROS LEGAIS (MORATÓRIOS): arts. 406 e 407, C.C/2002.

No Direito, os frutos podem ser civis, naturais ou industriais. Os frutos civis


são os juros e os rendimentos; os frutos naturais são as frutas das árvores e as crias
dos animais; os frutos industriais são, por exemplo, os carros produzidos por uma fábrica
de automóveis.

Destaca-se que não se pode confundir fruto com produto, pois este se esgota
(ex: uma pedreira, uma mina de ouro, um poço de petróleo), enquanto aquele se renova.

Juro “é a compensação ministrada pelo devedor ao credor em razão do uso de


uma quantidade de coisas fungíveis”. (Crome apud Scavone, 2015, p. 541). Destaca-se
que, tanto o juro como o capital podem ser constituídos por valores pecuniários ou por
quaisquer outras coisas fungíveis. Os juros podem ser classificados:

Quanto à origem: Quanto à forma de Quanto à finalidade:


contagem:

Convencionais: Simples: juros Compensatórios ou remuneratórios: têm a


decorrem da calculados sobre o finalidade de remunerar o capital e, em regra,
manifestação de valor do capital são convencionados entre as partes, mas
vontade das partes. apenas, ou seja, não podem decorrer de lei, como no caso previsto
se acumulam com o no art. 591, C.C/2002.
principal para a
contagem de novos
juros.

Legais: decorrem da Compostos: juros Moratórios: decorrem do retardamento no


lei, calculados sobre cumprimento da obrigação e podem ser
independentemente capital e juros, ou convencionados entre as partes ou respeitar
da vontade das juros sobre juros, ou determinação legal.
partes, como no caso juros capitalizados.
dos arts, 389 e 395, Ou seja, acumulam-
C.C/2002. se com o principal
para a contagem de
novos juros, cuja
prática é denominada
de ANATOCISMO.
ANATOCISMO OU CAPITALIZAÇÃO DE JUROS: De modo geral, é proibida a prática
– art. 591, C.C/2002; Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura), art. 4º; súmula 121, STF; Lei
n º 9.514/97, art. 5º, III. Exceções: mútuos rural, comercial e industrial, cuja
normatização permite a capitalização semestral (Dec.-Lei nºs. 167/67, 413/69, Lei nº
6.840/80); financiamento habitacional, SFH, cuja normatização permite a capitalização
mensal (Lei nº 11.977/2009, art. 75); súmulas 102, 539 e 541 do STJ.

c.1) Base legal:

- Art. 406, C.C/2002: ???

* Primeira opção: SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia, criada


por leis ordinárias (nºs. 8.981/95 e 9.779/99), é uma taxa de juros calculada pelo
Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do Banco Central do Brasil. Não
há lei definindo a taxa, sendo flutuante e já incluindo no seu bojo a correção
monetária.

* Segunda opção: art. 161, § 1º, CTN – Código Tributário Nacional (Natureza
de lei complementar). Juros máximos de 1% ao mês. Ver Enunciado 20 da I
Jornada de Direito Civil.

* Atenção: art. 192, § 3º, CF/88 revogado pela Emenda Constitucional nº 40 de 2003.

- Art. 407, C.C/2002: incidem de pleno direito, salvo art. 552, C.C/2002. Ver também
art. 322, § 1º, CPC; súmula 254 do STF; Lei nº 4.595/64, arts. 1º, 4º, IX.

d) CLÁUSULA PENAL OU PENA CONVENCIONAL: arts. 408 a 416,


C.C/2002.

A cláusula penal é uma cláusula acessória (contrato ou ato unilateral) que


impõe uma sanção econômica (valor pecuniário ou outra obrigação de dar, fazer ou
não fazer) àquele que não cumpre uma obrigação. Além disso, a cláusula penal tem a
finalidade de:

a) garantir o fiel cumprimento da obrigação principal (pelo seu caráter


intimidatório);
b) estipular antecipadamente o valor da indenização (perdas e danos), caso a
obrigação seja inadimplida, e, se isso ocorrer, o credor não precisará apresentar
qualquer prova do prejuízo;
c) punir o devedor inadimplente.

d.1) Base legal:

- Art. 408, C.C/2002: Requisitos: 1) Haja uma obrigação principal; 2) Uma cláusula
penal estipulada; 3) Obrigação principal vencida; 4) Inadimplemento imputável ao
devedor (culpa ou dolo); 5) Devedor constituído em mora (art. 394, C.C/2002).

- Art. 409, C.C/2002: estipulação (limite temporal), objetivo e finalidade da cláusula


penal.

- Art. 410, C.C/2002: a cláusula penal apresenta-se como uma alternativa para o credor
– cláusula penal compensatória (prevista para o total inadimplemento).

- Art. 411, C.C/2002: a cláusula penal pode ser cumulada à obrigação principal –
cláusula penal moratória (prevista para o caso de mora ou descumprimento de
cláusula especial da obrigação principal). Ver art. 404, C.C/2002.

- Art. 412, C.C/2002: 1º Limite da pena. Salvo art. 416, parágrafo único, C.C/2002. Ver
também Dec. nº 22.626/33, arts. 8º e 9º; Lei nº 6.766/79, art. 26, V; art. 85, § 2º, CPC;
art. 1336, § 1º, C.C/2002.

- Art. 413, C.C/2002: 2º Limite da pena – Princípio da Proporcionalidade. Poder-dever


do juiz de reduzir equitativamente o valor da pena quando: 1) Manifestamente
excessiva; 2) Superior ao valor da obrigação principal (art. 412, C.C/2002); 3)
Parcialmente cumprida a obrigação principal (desde que útil ao credor).

- Art. 414, C.C/2002: obrigação principal indivisível.

- Art. 415, C.C/2002: obrigação principal divisível.

- Art. 416, C.C/2002:

Caput: desnecessidade de prova do prejuízo obtido pelo credor.

Parágrafo único: possibilidade de indenização suplementar. Enunciado 430 da


V Jornada de Direito Civil.
*** Ver súmula 472, STJ.

*** MULTA MORATÓRIA AO CONTRÁRIO OU AO AVESSO OU SANÇÃO PREMIAL:


bônus ao bom pagador; desconto oferecido para o pagamento da prestação até
determinada data (antes do vencimento).

e) ARRAS OU SINAL: arts. 417 a 420, C.C/2002.

É a quantia em dinheiro ou bem móvel entregue por um dos contratantes ao


outro, como confirmação do acordo de vontades ou prefixação das perdas e danos em
caso de arrependimento de um dos contratantes, podendo servir as arras, em ambos
os casos, como princípio de pagamento – art. 417, C.C/2002 (ver art. 413, C.C/2002).

As arras constituem cláusula acessória, uma vez que dependem do contrato


principal.

As arras têm cabimento apenas nos contratos bilaterais translativos de


domínio.

e.1) Espécies:

a) arras confirmatórias: representam a garantia do contrato firmado, fazendo


prova do acordo final. Sendo assim, o contrato se torna obrigatório após a
entrega das arras – arts. 418 e 419, C.C/2002.

b) arras penitenciais: são denominadas dessa forma quando as partes


contratantes expressam o direito de arrependimento, prevendo a
indenização - art. 420, C.C/2002 (ver súmula 412 do STF).

Silente o contrato sobre a modalidade das arras, presumem-se confirmatórias.


Por outro lado, se as partes contratantes entenderem que as arras devam ser
penitenciais, assim devem expressar no contrato.

e.2) Funções:

a) confirmar o contrato;

b) servir de prefixação das perdas e danos em caso de arrependimento;


c) constituir princípio de pagamento.

e.3) Hipóteses em que a devolução do sinal deve ser pura e simples: conforme a
jurisprudência.

a) Havendo acordo nesse sentido;

b) Havendo culpa de ambos os contratantes (inadimplência de ambos ou


arrependimento recíproco);

c) Se o cumprimento do contrato não se efetiva em razão do fortuito ou outro


motivo estranho à vontade dos contratantes.

e.4) Distinções:

a) arras e cláusula penal: as arras têm cunho real, aperfeiçoando-se com a


entrega do dinheiro ou de bem móvel, como início de acordo, enquanto que
a cláusula penal tem cunho pessoal, e o devedor só é devedor desta se
descumprir a obrigação. Nas arras o contrato só se aperfeiçoa com a entrega
do sinal, já na cláusula penal o pagamento será após o inadimplemento da
obrigação. Além disso, as arras têm cabimento apenas nos contratos
bilaterais translativos de domínio.

b) arras penitenciais e obrigação alternativa: nas arras penitenciais existe


para os contratantes a alternativa de desistir ou de cumprir o contrato. Nas
obrigações alternativas também existe uma escolha, entre duas ou mais
prestações – art. 252, C.C/2002. Entretanto, nas obrigações alternativas o
negócio já nasce com mais de uma obrigação e o cumprimento de qualquer
uma delas opera como adimplemento. As arras, diferentemente, servem de
reforço do vínculo obrigacional, que é um só, e ainda fixam antecipadamente
as perdas e danos.

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