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Sebenta de Direito

Processual Civil
Aulas Teóricas
Prof. Dr. Fernando Pereira

Faculdade de Direito da Universidade do Porto


Nota introdutória:

Esta sebenta respeita às aulas práticas de Direito Processual Civil do ano letivo de 2019/2020,
lecionadas pelo docente Fernando Pereira. A sebenta foi realizada com base nos apontamentos da
vogal do Departamento de Pedagogia, Margarida Matias e na Sebenta do Prof. Tavares de Sousa, bem
como no manual “A Ação Declarativa Comum” do José Lebre de Freitas.

A sua elaboração foi realizada com o objetivo de auxiliar os estudantes para o exame de
Direito Processual Civil. Relevamos ainda que, a leitura desta sebenta não substitui a leitura da
bibliografia obrigatória ou recomendada, sendo apenas um instrumento de auxílio ao estudo.

Caso sejam detetados alguns erros, agradecemos que estes sejam comunicados através do e-
mail da CC3: cc3fdup1920@gmail.com de modo, a que o documento seja aperfeiçoado

Bom estudo!

A Comissão de Curso do 3º ano de Direito


Direito Processual Civil 2.º semestre
17/12/19

Patrocínio judiciário
Designa a atuação processual autorizada de uma pessoa habilitada para a atividade
forense em nome e por conta de uma das partes da ação.
Este pode ser obrigatório ou voluntário. É obrigatório quando seja a própria lei a impor,
para que a parte atue processualmente, que a mesma seja representada por alguém dotado
de qualificações adequadas ao exercício da atividade forense. É voluntário quando a lei
não o impõe, e quando seja, portanto, da iniciativa de uma das partes da ação, a atribuição
a alguém da qualidade de mandatário judicial. Quando as partes não sejam representadas
perante um mandatário, há determinadas consequências.
São duas as razões que se apontam para fundamentar o patrocínio judiciário. Uma
razão de ordem psicológica e outra de ordem técnica ou prática.
Razão de ordem psicológica: Diz respeito ao desiderato de se garantir um certo
distanciamento face ao objeto do litígio. A parte pode estar emocionalmente afetada pelo
litígio e nutrir sentimentos de várias ordens: raiva, agressividade, impaciência, que
prejudicam a boa resolução do mesmo. Isso pode eventualmente prejudicar a prossecução
dos seus próprios interesses.
O processo é uma forma de resolver o litígio segunda a palavra e a frieza da razão daí ser
particularmente relevante recorrer a um terceiro que não esteja envolvido no litígio. Mas
mais ainda, não basta a parte afirmar que tem razão, tem de demonstrar os fundamentos
que levam a que, no seu entender tenha razão e, por isso, é preciso objetividade, paciência,
distanciamento.
Da mesma forma, o recurso ao patrocínio judiciário pode facilitar e conduzir a uma
solução consensualizada (art. 594.º CPC), pelas mesmas razões.
A razão de ordem técnica, por sua vez, diz respeito aos conhecimentos específicos que só
alguém que está habilitado para o exercício da prática forense dispõe. Há atos processuais
que exigem conhecimentos técnicos, são conhecimentos estritamente práticos como
quanto ao modo de dispor e apresentar uma ação; apresentar a matéria de facto e de
Direito; apresentar a matéria de facto por artigos- art. 147.º/2 CPC, que é uma técnica. E
depois conhecimentos materiais relativos ao próprio Direito a aplicar e, nesse sentido, a
qualificação dos profissionais forenses é o instrumento da redução da complexidade dos
processos. Portanto, são estas as razões.
Em auxílio dos diferentes membros da comunidade jurídica, são sinalizados aqueles que
se encontram habilitados para o exercício da prática forense, e, em especial, o patrocínio
judiciário, através da concessão de um título profissional específico. Em primeira linha,
essa atribuição é feita pela atribuição de título de advogado aqueles que estejam inscritos
na Ordem dos Advogados- art. 66.º da Lei 145/2015 de 9 de setembro e art. 5.º da Lei
49/2004 de 24 de agosto.
A Ordem dos Advogados é, do ponto de vista estrutural, uma associação pública
profissional que integra a chamada Administração Autónoma do Estado. Trata-se de uma

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pessoa coletiva de Direito Público. Uma das atribuições é justamente a de atribuir o título
de advogado e regulamentar o acesso e exercício a essa profissão- art. 3.º, al. c) do
Estatuto. Nos termos do art. 66.º, n.º 1 do Estatuto, só aqueles que estejam inscritos, com
a inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem exercer essa função; os estagiários
podem praticar alguns atos- art. 196.º do Estatuto, estando também habilitados para
assumir o patrocínio de certa causa.
Além dos advogados estão habilitados a assumir o patrocínio os solicitadores de
execução. Há uma ordem profissional específica, a Ordem dos Solicitadores e Agentes
de Execução- cujo estatuto foi aprovado pela Lei 154/2015 de 14 de setembro. À
semelhança da OA, tem a competência para a atribuir o título profissional de solicitador
e de agente de execução (art. 3.º/2/c), sendo que é incompatível, nos termos do Estatuto
da OA (art. 85.º, n.º 1), ser simultaneamente advogado e solicitador.
Num e noutro caso, há uma Lei que fixa os atos que só os advogados e solicitadores
podem praticar- a Lei dos atos próprios dos advogados e de solicitadores- Lei 49/2004 de
24 de agosto. O exercício de mandato forense e a consulta jurídica, são atos que só
podem ser praticados por advogados e solicitadores, estando tipificado como crime o
exercício destas atividades por parte de outros sujeitos.

− O mandato forense
O modo típico de atribuição de poderes para ser mandatário forense é o mandato judicial-
art. 43.º do CPC.
Notar que o termo mandato no CPC não trata com distinção o contrato de mandato
(contrato através do qual as partes acordam a atuação jurídica de alguém em nome e por
conta de outrem- arts. 1157.º e ss CC) e a procuração (por sua vez a procuração é um NJ
unilateral através do qual alguém confere a outrem, poderes para agir em seu nome- arts.
262.º e ss CC). Esta distinção fez caminho desde a obra de Laband e foi acolhida na
doutrina portuguesa de tal forma que a matéria da procuração está regulada na parte geral
do Código Civil, sendo que o mandato se encontra regido nos contratos em especial. No
CPC são considerados indistintivamente porque as normas são anteriores a esta
autonomização, há este tratamento indistinto.
- O regime do mandato judicial tem, então, três fontes, isto é, é fixado, do geral
para o especial, pelo: Estatuto da Ordem dos Advogados; pelo CPC e pelo CC.
i) Relativamente ao modo de constituição, o mandato e a procuração têm diferentes
modos de constituição. A procuração constitui-se por negócio jurídico unilateral e o
mandato, no que diz respeito à criação da obrigação do mandatário em agir, é constituído
por contrato.
Os dois pontos acabam por se articular porque, na prática, a atribuição de poderes
representativos pode ser conferida como NJ unilateral devendo observar-se alguma das
formas previstas no art. 43.º do CPC que remete para o DL 267/92 de 28 de novembro.
Nos termos deste DL, o mandato pode ser conferido por documento particular, devendo
o advogado aprovar. Se o mandato judicial pode ser conferido por documento particular,
significa isso que pode, à partida, ser conferido por declaração unilateral, à semelhança
do que vale para a procuração. Contudo, nos termos do art. 44.º, n.º 4 CPC, para que o

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patrocínio judiciário seja eficaz, é necessário que seja aceite por parte do mandatário, seja
no ato de concessão, seja por comportamento concludente, por exemplo, através de atos
processuais. O dever de agir do mandatário só surge a partir desse momento.
ii) Relativamente à extensão do mandato: o âmbito de poderes conferidos ao mandatário
é fixado nos artigos 45.º e 46.º do CPC. Nos termos do artigo 45.º, n.º 1 CPC que remete
para o art. 44.º, n.º 1, o mandato atribui ao mandatário, poderes para representar a parte
em todos os atos e termos do processo principais e seus incidentes, mesmo perante os
tribunais superiores. Este é o conteúdo supletivo do mandato. O mandato, estende-se,
portanto, à prática de todos os atos necessários à condução daquela ação, executando-se
apenas, os atos para os quais se exijam poderes especiais. Um dos domínios em que se
exige autorização especial é a prática de atos de disposição sobre o objeto do processo-
para a confissão da ação, a desistência e a transação existe a atribuição de poderes
especiais pela parte ao mandatário, está em causa a tomada de posição sobre as próprias
relações jurídicas e esse poder está reservado a quem é titular dessas mesmas relações, é
esse o seu propósito. Ver o art. 291.º, n.º 3- o ato é nulo. Os formulários de procuração já
contêm a atribuição destes poderes especiais de contestar, transigir e desistir.
Regime especial aplica-se no caso da confissão de facto- art. 46.º. O princípio que via de
regra vale para a confissão é o princípio da irretratabilidade da confissão, no entanto, as
confissões feitas pelo mandatário em articulado podem ser retiradas ou retificadas
enquanto não forem especificadamente aceites pela contraparte.
Dentro do âmbito dos poderes do mandatário encontra-se, ainda, o poder de
subestabelecer o mandato- art. 44.º, n.º 2. O advogado não pode ir a um julgamento, tem
um impedimento e subestabelece com reserva os poderes para aquela prática do ato.
O advogado pode ainda fazer-se assistir durante a produção de prova por pessoa dotada
de aptidão técnica para se ocupar dessas questões- art. 50.º, n.º 1 CPC, este técnico é um
verdadeiro mandatário judicial para este efeito específico e apenas para este efeito, para
a discussão técnica para a qual está particularmente qualificado. Por exemplo, pode-se
fazer assistir por um médico, ou um engenheiro civil no caso de uma empreitada. A
assistência técnica pode ser recusada quando o tribunal considerar a mesma
desnecessária- art. 50.º/3. O juiz também pode fazer acompanhar-se de um técnico nos
termos dos artigos 492.º e 601.º do CPC.
12/02/2020
iii) A relação entre o mandante e o mandatário: podemos falar numa relação de “agere
pro alter ego” - o mandatário assume a obrigação de agir por conta de outrem e de
transmitir para outrem o resultado de toda esta atividade jurídica. Do ponto de vista
inverso, o mandante está sujeito a arcar com os efeitos da atividade do mandatário.
Neste tipo de RJ o que acontece é que o conteúdo da esfera jurídica de alguém acaba por
ser determinado ou conformado pela atuação de uma outra pessoa. Por esta razão, ao nível
de Direito material, procura-se garantir que a atuação por parte do mandatário seja
conforme ao interesse do mandante, daí que, por via de regra, não se considere integrar
no mandato a concessão de poderes para confessar, desistir e transigir. Também por essa
razão, nos termos do artigo 1161.º, al. a) do CC, o mandato deva ser exercido de acordo
com as instruções do mandante- se alguém é obrigado a suportar a atividade de outra

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pessoa pode, pelo menos, definir o sentido que a atividade do agente deve ter. Só pode
afastar-se das específicas instruções que lhe são dadas nos casos previstos no art. 1162.º
CC, daí que o mandato possa ser revogado a todo o tempo.
No entanto, é de real importância conservar a autonomia técnica do advogado. No
mandato judicial, quem tem a competência técnica é o mandatário. Isto é, ao mandante
cabe definir o fim pretendido, através de instruções verdadeiramente vinculantes; mas ao
mandatário é dada autonomia técnica para escolher o melhor meio para satisfazer as
finalidades pretendidas pelo mandante. Esta autonomia técnica encontra-se ressalvada e
protegida no Estatuto da AO, devendo considerar-se nula qualquer cláusula que ponha
em causa essa autonomia técnica.
iv) Quanto à cessação da relação de mandato judicial. Esta cessa nos termos previsto
no Código Civil, quer mediante revogação por parte do mandante, quer mediante
renúncia pelo mandatário. O mandante pode revogar, o mandatário renunciar aos
poderes- 1170.º CC e 47.º CPC. O princípio fundamental aqui é o de que ninguém deve
ser obrigado irrestritamente a colocar as suas capacidades ao serviço de outrem, nem o
mandante pode ser colocado numa posição servil.
A este propósito há que distinguir dois aspetos diferentes:
- a eficácia da cessação dos poderes de representação
- o eventual dever de não fazer cessar essa relação
Uma coisa é a eficácia outra coisa é saber se a parte pode ser responsabilizada pelo modo
como revogou ou renunciou.
Na verdade, é possível que, embora haja o dever de não fazer cessar uma determinada
relação de mandato, o ato que entenda a respetiva cessação, seja válido e eficaz.
No que diz respeito ao efeito extintivo deve entender-se que a revogação e renuncia
podem ser efetuadas a todo o tempo, nos termos do art. 47.º, n.º 1 CPC. Tais atos devem
ter lugar no processo e devem ser notificados ao mandatário ou ao mandante consoante a
iniciativa de fazer cessar o mandato e à parte contrária. Por outras palavras, para que a
relação de mandato seja considerada extinta é necessário que integre o processo e que a
revogação seja comunicada ao mandatário ou então que a renúncia seja comunicada ao
mandante. Já perante a parte contrária da ação, a comunicação tem um escopo meramente
informativo, mas é essencial para a eficácia do mandato. Opera-se a extinção, ela tem
efeitos processuais, quando a revogação é comunicada ao mandatário ou quando a
renúncia é comunicada ao mandante. Portanto, a revogação é sempre eficaz, quanto muito
pode haver tutela indemnizatória da contraparte.
v) As possíveis consequências da revogação ou renúncia:
Relativamente à revogação, olhado para o CC, por via de regra, o mandato é sempre
revogável, mesmo na presença de convenção em contrário- art. 1170.º, n.º 1 do CC, sem
prejuízo do direito de indemnização em caso de revogação intempestiva- art. 1172.º do
CC. Não quer dizer que a revogação não seja eficaz, pode é gerar este dever de
indemnizar.

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No que diz respeito à renúncia por parte do mandatário, o mandatário tem o dever de não
fazer cessar sem justa causa o patrocínio das questões que lhe tenham sido confiadas- art.
100.º/1/e) do Estatuto da Ordem dos Advogados. Mesmo que com justa causa, o
mandatário não o deve fazer de forma a impossibilitar o seu cliente de obter, em tempo
útil, a assistência de outro advogado- art. 100.º, n.º 2 do Estatuto da OA. Caso viole estas
regras, a renúncia é eficaz, mas nasce o dever de ressarcir a parte pela cessação indevida
ou intempestiva do mandato.
vi) A falta de poderes de representação (ou porque não lhe foram conferidos ou porque
foram revogados).
Pode ser conhecida a todo o tempo, quer arguida pela parte contrária, quer conhecida
oficiosamente- art. 48.º, n.º 1 CPC. Este regime vale quer para a total ausência de poderes
do advogado (completa falta de poderes para representar o mandante); quer para a
existência de representação, mas não atribuição de poderes para os atos que o advogado
concretamente pratica (há um mandato para a prática de certos atos, mas não há para os
concretos atos que estão a ser praticados pelo mandatário); quer, ainda, para os casos em
que houve atribuição de poderes, mas com um vício formal (há um mandato, mas com
inobservância da forma legalmente prescrita, sendo a consequência a nulidade- art. 220.º
CC).
Nestes casos o juiz deve fixar um prazo para a regularização do processado mediante a
concessão de poderes adequados e a ratificação dos atos que tenham sido praticados- art.
48.º, n.º 2 CPC. Caso não seja feita esta regularização, fica sem efeito tudo o que tenha
sido praticado pelo mandatário- art. 268.º CC- sendo o mandatário condenado nas custas
dos atos a que tenha dado caso e, se tiver agido culposamente, devendo indemnizar os
prejuízos a que tenha dado causa, tudo isto resulta do art. 48.º CPC.
vii) A nomeação oficiosa de advogado
O mandato judicial é, à partida, conferido, no que respeita aos poderes de representação,
por negócio unilateral do cliente e, quanto à eficácia, carece de aceitação pelo mandatário.
Significa que pode acontecer uma certa pessoa não conseguir obter um advogado que
queira patrocinar a causa.
Nestes casos, caso não encontre, na sua circunscrição judicial, ninguém que se
predisponha a patrocinar a causa, pode pedir à Ordem dos Advogados que lhe seja
designado oficiosamente um advogado. Não se confunde com o apoio judiciária, sendo
que, aqui, trata-se de designar um advogado quando nenhum outro, ainda que a título
renumerado, aceite patrocinar certa causa. O princípio que aqui vale é o mesmo princípio
que vale em sede de serviços públicos essenciais, cria um verdadeiro dever de contratar,
não por razões de direito privado, mas público.
Como associação pública que é, cabendo esta atribuição à Ordem dos Advogados, esta
tem uma obrigação de garantir o acesso ao Direito- art. 3.º, al. b) do Estatuto da AO. A
competência para esta designação oficiosa compete aos Conselhos Regionais da AO, nos
termos do art. 54.º, n.º 1, al. o) do Estatuto. Segundo o artigo 51.º/1 CPC, a parte solicita
o desígnio do tal advogado oficiosamente e, de acordo com o artigo 51.º, n.º 2 CPC, o
patrocínio judiciário só pode ser recusado por justa causa, há um verdadeiro dever público

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de assumir patrocínio. Se não tiver causa legítima para recusar está sujeito a procedimento
disciplinar.
viii) O apoio judiciário
O apoio judiciário é um caso diferente. Tem a ver com a garantia de acesso ao Direito e
aos tribunais. Este direito de acesso à justiça está constitucionalmente consagrado no art.
20.º, n.º 2 da CRP e ainda no art. 26.º, n.ºs 1 e 2 da LOSJ- o apoio judiciário é tomado
como uma das dimensões do direito de acesso à justiça. Existe uma lei de apoio judiciário,
a Lei 34/2004 de 29 de julho com as respetivas alterações. De entre as diversas
modalidades do art. 16.º, podemos mencionar o do n.º 1 da al. b)- a nomeação e
pagamento da compensação de patrono, patrono esse designado pela Ordem dos
Advogados.
ix) A atuação em gestão de negócios
A última modalidade de atuação judicial em nome de outrem é a gestão de negócios. Para
efeitos processuais, a diferença entre a gestão de negócios e a representação sem poderes,
é que, na gestão de negócios, a falta de poderes do gestor é feita a saber pelo advogado-
art. 49.º, n.º 2 do CPC. Também aqui deve ser fixado um prazo para a ratificação da
gestão, notificando o dono do negócio- art. 49.º, n.º 3 CPC- sob pena de o gestor ser
condenado nas custas e danos que tenha gerado.
Segundo o art. 49.º, n.º 1, a gestão de negócios só pode existir em caso de urgência, tendo
de ser alegada a mesma por parte daquele que assume o patrocínio a este título. O interesse
desta gestão em termos práticos verifica-se, por exemplo, na situação de o advogado
recorrer à gestão de negócios quanto está em risco a caducidade de um certo prazo ou a
prescrição de determinado direito, não conseguindo, em tempo útil, obter uma procuração
por parte do mandante.
x) O patrocínio judicial obrigatório
Nos termos do art. 40.º, n.º 2 do CPC, mesmo quando seja necessária a constituição de
advogado, os advogados e estagiários, os solicitados e as próprias partes, podem fazer
requerimentos em que não se suscitem questões de Direito. Não se justifica a necessidade
de um profissional qualificado, porque não se suscita uma questão de direito.
No art. 40.º, n.º 3, caso nenhum mandatário haja sido constituído, agindo as partes por si
próprias, a inquirição de testemunhas é feita por um juiz, cabendo ainda a este adequar a
tramitação processual às especificidades da situação.
O patrocínio é obrigatório nas hipóteses do art. 40.º, n.º 1:
Art. 40.º, n.º 1, al. a)- Em primeiro lugar, em interpretação corretiva da al. a) (tem de se
fazer uma interpretação corretiva!), é obrigatório o patrocínio judiciário nas ações de
valor superior à alçada dos tribunais de 1.ª instância, fixada no art. 44.º, n.º 1 da LOSJ,
que é de 5 000€ (valor que se atribui para efeitos de limitação do recurso ordinário-
629.º/1 CPC).
Art. 40.º, n.º 1, al. b)- exige-se a constituição de advogado nas causas em que seja sempre
admissível recurso ordinário, independentemente do valor da causa. Ex: art. 629.º/3/a)
CPC, quando esteja em causa uma ação relativa à apreciação da validade, substância ou

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cessação de contratos de arrendamento, mesmo que o valor seja inferior ao valor da alçada
da 1.ª instância.
O professor Tavares de Sousa chama a atenção que este regime também vale para as
hipóteses de arrendamento em que essa questão seja introduzida apenas pelo réu. A
obrigatoriedade do patrocínio judiciário é uma questão que se coloca perante o objeto
concreto do processo e a definição global deste também pode depender de questões
suscitadas na contestação.
Art. 40.º, n.º 1, al. c)- nos recursos e causas propostas nos tribunais superiores. As causas
que devem ser propostas junto dos tribunais superiores constam dos arts. 68.º e 69.º do
CPC e art. 55.º LOSJ (quanto ao STJ) e 73.º LOSJ (quanto aos Tribunais da Relação).
Nos julgados de paz, o patrocínio judiciário só é obrigatório nos casos previsto no art.
38.º/2 da Lei dos Julgados de Paz- a regra é que é facultativo. Ou seja, passa-se o oposto
do que se passa nos tribunais judiciais porque, só nestes casos muito excecionais, é que o
patrocínio judiciário é obrigatório.
Havendo patrocínio judiciário obrigatório, a petição inicial e a contestação devem ser
acompanhados de procuração.
As consequências: sendo o patrocínio judiciário obrigatório, o regime aplicável as
hipóteses de falta de constituição de mandatário por parte do autor ou pelo réu, são
hipóteses diferentes. Em qualquer outro caso fixa a ideia de que o patrocínio judiciário
mais do que um pressuposto processual objetivo da instância, é um pressuposto da
atuação processual das partes.
Citação do prof. Castro Mendes: “O regular patrocínio judiciário, quanto à demanda, é,
assim, um pressuposto processual. O regular patrocínio judiciário quanto a qualquer outro
ato de parte que não a demandada, é pressuposto apenas desse ato”. Isto é, o patrocínio
judiciário, no que diz respeito à demanda é um pressuposto processual—se o autor intenta
a ação, devendo estar patrocinado e não estando, esse é um pressuposto processual, cuja
falta é sanável. Outra coisa é o réu não constituir mandatário sendo a representação
obrigatória, aí não é um pressuposto processual, mas da prática daquele ato não sendo
absolvido da instância.
Não constituindo o autor um mandatário judicial no momento em que propõe a ação, a
petição inicial que devia referir o mandatário (art. 552.º, n.º 1, al. b) CPC) deve ser
recusada pela secretaria (art. 558.º, n.º 1, al. c) CPC) porque não refere um elemento
essencial. Mesmo que não seja identificada nesse momento, a falta de mandatário judicial
faz nascer uma exceção dilatória (sendo isso obrigatório)- art. 577.º, al. h) CPC, que é
fundamento da absolvição do réu da instância- art. 278.º/1/e) CPC.
Pode, ainda, ser detetada em momento posterior, valendo o mesmo regime do art. 41.º
CPC. Oficiosamente ou a requerimento da parte, o juiz vai fixar um prazo para regularizar
a instância, é uma exceção dilatória sanável, é um pressuposto da ação.
Do ponto de vista do réu, não fazia sentido ser absolvido, se não estava encontrada a
fórmula para ser sempre absolvido da instância.

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Há um regime diferente para as hipóteses em que de facto houve mandatário constituído,
mas na pendência da ação, o mandatário tenha renunciado ao mandato. Caso o mandatário
renuncie a o mandato, o mandante goza do prazo de 20 dias para constituir novo
mandatário. Este regime parece dever valer, por identidade de razão, para a revogação do
mandato. Não o fazendo, a instância suspende-se- art. 47.º, n.º 3, al. a) CPC. Caso não
haja regularização da instância no prazo de 6 meses, ou seja, se não se constituir novo
mandatário judicial nesse prazo, a instância pode extinguir-se por deserção- art. 281.º, n.º
1 CPC. Deve admitir-se que o réu requeira a prossecução dos termos da ação.
Outro regime diferente se afirma no caso da não constituição de advogado por parte do
réu, sendo que o regime é fundamentalmente o mesmo, é o do artigo 41.º, mas a
consequência da sua não constituição é a ineficácia da defesa do réu (art. 41.º CPC),
aplicando-se o regime da revelia previsto no art. 567.º, n.º 1 CPC.
Caso se trate de cessação superveniente da relação de mandato, vale com as necessárias
adaptações mesmo regime. Não constituindo mandatário no prazo de 20 dias, o processo
segue os seus termos- art. 47.º/3/b) CPC.
Ver, ainda, o artigo 47.º/3/c)- cessando a relação de mandato e, não sendo constituído um
mandatário no prazo de 20 dias, na hipótese do autor ou do réu serem requerentes de um
incidente ou procedimento, a consequência é a extinção.
Por último, está previsto um regime especial para os casos de cessação do mandato
por morte do mandatário- morte ou impossibilidade absoluta de exercer o mandatoem
virtude de um facto jurídico natural. Não se trata de uma manifestação de vontade das
partes nesse sentido.
O falecimento do mandatário, não é o falecimento da parte, ou a sua impossibilidade
absoluta de exercer o mandato e está configurada no CPC como uma causa de suspensão
da instância- art. 269.º, n.º 1, al. b) que se refere também ao caso em que faleça o
representante legal da parte, mas não é isso que estamos a tratar agora.
A instância suspende-se logo que seja feita prova do facto- art. 271.º CPC. A suspensão
da instância cessa logo que a parte contrária tenha conhecimento judicial ou de que foi
constituído novo advogado ou que tenha conhecimento judicial de que cessou a
impossibilidade- art. 276.º, n.º 1, al. b) CPC.
Demorando a respetiva constituição, pode a contraparte requerer que seja fixado um prazo
para a constituição de novo advogado, sob pena de se aplicar o regime previsto para a
falta de constituição inicial- arts. 276.º, n.º 3 e art. 41.º CPC.
18/02/2020

A competência dos tribunais


O pressuposto processual da competência é um pressuposto relativo ao tribunal.
A competência interna
A relação jurídica processual tem rigorosamente 3 polos: as próprias partes (o autor e réu)
que colocam uma determinada questão ao sistema público de justiça e, por outro lado o
tribunal, a quem é conferido o poder de dirimir ou oferecer uma solução ao litígio, são

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unidos por essa relação jurídica processual. Para isso é necessário que seja reconhecido
ao tribunal o poder jurisdicional. Para além disso, é necessário também que seja
reconhecida a concreta competência como da causa.
A competência é, assim, um pressuposto processual atinente ao próprio tribunal. A falta
deste pressuposto origina uma exceção dilatória- art. 577.º, al. a), proibindo o tribunalde
apreciar o fundo da causa- art. 576.º, n.º 2.
A matéria de competência encontra-se regulada nos artigos 59.º e ss do CPC.

− Jurisdição e competência
Em primeiro lugar importa distinguir dois termos: jurisdição e competência.
Jurisdição: O termo jurisdição é usado com um certa polissemia, etimologicamente,
jurisdição designa a dicção do direito, ou seja, o poder de, com força vinculante, dizer o
direito de cada um. Trata-se deste de um poder que nas modernas comunidades que o
Estado chama a si para o exercer em monopólio.
Ao lado do exercício exclusivo da força física, sem prejuízo de existirem modos de
autotutela, o Estado chama também a si o monopólio da jurisdição, é um aspeto essencial
do Estado soberano. É uma das principais pretensões do Estado e da comunidade política.
Pode acontecer e acontece em termos bastante amplos, que o Estado reconheça a terceiras
entidades, o poder de exercício de jurisdição. Que essas entidades possam exercer de
forma vinculante esse exercício. Mas o Estado não prescinde o poder de determinar a
quem reconhece esse poder.
Por jurisdição entende-se então, este poder que o Estado chama a si de determinar, em
última palavra, quais são as posições jurídicas de cada um. Daí se usar a expressão o
poder jurisdicional do Estado.
Num sentido mais restrito, e deixando de parte quer o Tribunal Constitucional, a quem
cumpre o exercício da jurisdição em matéria jurídica constitucional- arts. 221.º e ss da
CRP e 30.º da LOSJ e por outro lado o Tribunal de Contas a quem cabe garantir a
regularidade da despesa pública daqueles sujeitos à sua tutela- arts. 214.º CRP e art.
29.º/1/c) da LOSJ, distinguem-se duas ordens jurisdicionais ou duas grande categorias de
tribunais- arts. 209.º/1 CRP e 29.º da LOSJ:
- A ordem dos tribunais judiciais: integrada pelo STJ, pelos Tribunais da Relação (de
segunda instância) e pelos tribunais de 1.ª instância (art. 211.º da CRP e 31.º e ss. da
LOSJ)
- A ordem dos tribunais administrativos e fiscais: integrada pelo Supremo Tribunal
Administrativo e pelos demais tribunais administrativos e fiscais (arts. 212.º CRP e
29.º/1/b) da LOSJ).
No Direito português a competência entre estas duas ordens jurisdicionais articula-se
numa relação de especialidade e generalidade. À ordem dos tribunais judiciais cumpre a
pronuncia sobre todas as matérias não atribuídas a nenhuma outra ordem jurisdicional-
art. 211.º CRP e 64.º CPC, têm uma competência residual.

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Em síntese: o termo jurisdição, em sentido amplo, designa o poder atribuído ao conjunto
de todos os tribunais (por exemplo, a questão da competência internacional) e, em sentido
restrito, designa o poder atribuído ao conjunto de todos os tribunais integrantes de uma
certa ordem jurisdicional (por exemplo, o poder para dirimir um determinado litígio
pertencente aos tribunais jurisdicionais, aquié uma situação de jurisdição, não estamos a
falar de competência).
Quando estamos perante um litígio plurilocalizado, temos de determinar qual a ordem
jurisdicional competente. Uma vez fixada a jurisdição, a competência designa a fração
de poder que é atribuída a cada tribunal concretamente delimitado. A competência é a
fração de poder delimitada dentro daquela ordem jurisdicional.
Por razões organizativas, o Estado divide a sua rede judiciária em diferentes tribunais,
repartindo o exercício concreto de julgar por esses diferentes tribunais. Assim, a
competência designa o quantum de jurisdição que é atribuída a cada concreto tribunal ou
juízo. A repartição da competência entre estes tribunais está, assim, estritamente ligada à
organização judiciária, ou seja, as regras de delimitação da competência pressupõe já a
existência de diferentes tribunais, um certo modelo de organização judiciária. Por Direito
da organização judiciária entende-se o direito institucional dos órgãos jurisdicionais.
Tratando-se de tribunais judiciais, o sistema de justiça tem-se organizado de acordo com
determinadas ideias matrizes, sendo uma delas a ideia de especialização que significa a
criação de tribunais de competência especializada para uma certa causa ou matéria.
Relativamente as razões subjacentes a este entendimento, há uma ideia de justiça de
proximidade e de especialização, que os juízes devem ser especializados em dadas
matérias específicas para conseguirem oferecer a melhor resolução possível aos litígios
cuja apreciação lhes seja suscitada. Contudo, é fundamental que haja tribunais que
funcionem em todo o território nacional, a especialização não deve ser de tal forma que
os membros da ordem jurídica se tenham de deslocar várias horas para julgar a sua causa
ou para ir a tribunal- isto é, a especialização não deve ser feita à custa do isolamento de
certas frações do território. E também é importante referir que a parir de uma certo grau
de especialização, já não é conveniente continuar a repartir a competência do tribunal em
razão das matérias sob pena de se perder a unidade do sistema jurídico e, em última
instância, termos juízes inábeis a conhecer da complexidade dos problemas colocados.
Henrique de Araújo, relativamente a este assunto, diz-nos que o juízo da primeira
instância em funções nas secções especializadas tende a ficar afastado do conhecimento
interligado dos vários ramos do Direito e a cristalizar as suas aptidões.
Cabe ao poder político harmonizar estas linhas matrizes. A regra é a de que a legislação
em matéria da organização judiciária é de competência reservada da AR- art. 165.º, al. p)
da CRP.
− Princípios gerais
Vale como regra fundamental de delimitação da competência dos tribunais, o princípio
da “kompetenz-kompetenz” ou da competência-competência: a competência de se
pronunciar sobre a própria competência. É um princípio que foi desenvolvido para
designar a competência dos tribunais públicos que foi estendido para o campo arbitral.
Isto significa que, via de regra, a cada tribunal é conferido o poder de, pelo menos, se

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pronunciar sobre a sua própria competência para conhecer o mérito da causa. Por outras
palavras, o tribunal onde a ação é intentada tem o poder de, pelo menos se pronunciar
sobre a sua própria competência- pode ser absolutamente incompetente, mas terá, pelo
menos, competência para se declarar absolutamente incompetente.
Pode haver conflitos de competência e de jurisdição. Pode ser um conflito positivo-
ambos dizem que são competentes ou um conflito negativo de competência- ou dizem
que nenhum é.
Outro aspeto importante é que a competência dos tribunais, como outros pressupostos
processuais, é fixado no momento em que a ação se propõe em função do modo como é
delineada a ação pelo autor- art. 38.º da LOSJ. Este é um corolário do princípio da
independência dos tribunais. Desta forma garante-se que no processo de designação do
juiz não intervêm quaisquer preferências pessoais, é o princípio do juiz natural que dita
que a competência do juiz é fixada por lei.
A competência afigura-se como um pressuposto processual, ou seja, como uma daquelas
condições que tem de se verificar para que o tribunal possa conhecer do fundo da causa.
A falta de competência dá lugar ao surgimento de uma exceção dilatória- art. 577.º, al. a)
CPC que obsta a que o tribunal conheça do fundo da causa. Esta exceção dilatória pode
conhecer duas consequências diferentes: nos casos de incompetência absoluta dá lugar à
absolvição do réu da instância- art. 278.º/1/a) CPC; nos casos de incompetência relativa
dá lugar à remessa do processo para o tribunal competente (arts. 576º/2 e 105º/3 CPC).
Caso se desrespeite as regras de repartição de competência, vai ter as consequências que
acabamos de ver. Contudo, se o tribunal incompetente proferir uma decisão sobre o mérito
da causa, o facto de terem sido desrespeitadas estas regras de repartição, não é
fundamento de oposição à sentença. Não pode haver embargo do executado, não é
fundamento, tal como não é fundamento de recurso de revisão (recurso extraordinário) -
arts. 728.º e 629.º CPC.
A incompetência do tribunal, mesmo que seja na modalidade mais grave, mesmo que se
trate de uma incompetência absoluta, participa no regime geral dos pressupostos
processuais. Uma vez alcançado o trânsito em julgado da sentença sobre o mérito da
causa, a deficiência que afetou o processo perde a sua “nocividade”. O vício ocorrido
situa-se num patamar (o da admissibilidade do processo) que não interfere com a validade
do ato de julgamento. A decisão final de mérito está apta a projetar normalmente para o
exterior a eficácia de caso julgado material, não obstante, que ao processo em que foi
produzido esse caso julgado falte esse pressuposto processual. Coisa diferente é o tribunal
do segunda instância, no âmbito de recurso, reconhecer a incompetência do tribunal. A
decisão foi proferida pelo tribunal judicial, mas a competência era do administrativo, num
caso como este, o tribunal de recurso podia absolver o réu da instância com base na
incompetência absoluta, mas absolve relativamente à parte do objeto da ação que foi
interposta para recurso.
19/02/2020
− Critérios do Direito português para efeitos da repartição de competência:
- Critério da matéria: arts. 64.º e 65.º do CPC e 40.º da LOSJ

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- O valor da causa: art. 66.º CPC e 41.º LOSJ
- A hierarquia- arts. 67.º a 69.º CPC e 42.º LOSJ
- O território- arts. 70.º e ss. do CPC e 43.º da LOSJ
- A estes quatro critérios que segue o CPC deve-se juntar a forma do processo. O
legislador não o disse quando se refere aos critérios no artigo 60.º, n.º 2 do CPC, mas ser
na forma de processo comum é fator de competência para determinação da competência
do juízo central cível de acordo com o art. 117.º, n.º 1, al. a) da LOSJ.
As regras de repartição da competência servem também um propósito que é o de garantir
a independência dos próprios tribunais. É a lei que estabelece os critérios de competência
e se a competência está determinada por lei, o tribunal será designado através da aplicação
desses critérios de legalidade e não por preferência, por exemplo.
Se, por um lado, a montante ao tempo da propositura da ação se fixa a competência do
tribunal– art. 38.º da LOSJ, a jusante, proíbe-se o respetivo desaforamento- art. 39.º LOSJ.
“ Ubi acceptum est semel iudicium, ibi et finem accipere debet”- “uma vez aceito um
juízo, também se deve aceitar o seu fim”.
Ainda dentro da competência podemos fazer uma distinção entre competência interna e
competência internacional.
Competência interna: é aquela que temos vindo a considerar e é a fração de competência
que é atribuída a cada tribunal.
Competência internacional: é competência dos tribunais no seu conjunto queconsideram
ter os limites da sua jurisdição para julgarem uma qualquer questão ou conexão com o
ordenamento jurídico estrangeiro.
Critérios de determinação da competência:
Da competência dos tribunais judiciais em razão da hierarquia
Apelando para aquilo que vimos na aula prática; os tribunais judiciais (é a ordem
jurisdicional que nos importa tratar) estão hierarquizado da seguinte forma:
- Supremo Tribunal da Justiça
- Tribunais da Relação
- Tribunais de primeira instância
Esta é que é a pirâmide dos tribunais judiciais.
A ordem dos tribunais judiciais encontra-se hierarquicamente organizada. Esta
organização hierárquica serve duas finalidades:
Em primeiro lugar, a hierarquização dos tribunais tem a finalidade de permitir, dentro de
determinados requisitos, a reapreciação das decisões pelos tribunais que estão num
escalão superior. Visa-se permitir o direito ao recurso que é uma forma de reação dentro
do processo que ainda está a correr, a decisão ainda não transitou em julgado (transita
quando já não seja suscetível de recurso ordinário), isto é, o recurso é uma forma de

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reação, dentro de um processo que ainda decorre, aos erros cometidos na apreciação de
questões submetidas a julgamento- art. 42.º, n.º 1 LOSJ.
A segunda finalidade, é permitir que os tribunais superiores funcionem como primeira
instância para um conjunto de causas particulares.
Na ordem deste ponto de vista hierárquico e, sem prejuízo dos casos excecionais em que
os Tribunais da Relação e o STJ têm competência na primeira instância- arts. 68.º, n.º 1;
69.º, n.º 1 CPC; 73.º, als. d) e e) e 55.º, al. c) da LOSJ (por exemplo, as secções cíveis do
STJ têm competência para julgar as ações propostas contra juízes do STJ), as ações dão
entrada nos tribunais que se situam na base da hierarquia, nos tribunais de 1.ª instância,
independentemente do seu valor, do valor da ação.
É importante não fazer confusão, quando o valor da ação é superior ao valor da alçada da
Relação (30 000€), isto tem a ver a com a admissibilidade do recurso ordinário- art. 44.º,
n.º 1 LOSJ e o art. 629.º, n.º 1 do CPC. Quando o valor da causa é superior ao da alçada
de que se recorre- só aí se pode recorrer. Como o valor da ação é superior a 30 000€, não
significa que seja competência do TR. Independentemente do valor da ação, dá entrada
na primeira instância. O recurso é que não é sempre admissível.
São competentes sempre que não pertença a nenhuma outra ordem jurisdicional, como os
tribunais administrativos.
Quando seja admissível o recurso de apelação (arts. 629.º e 644.º e ss. do CPC), esta
intervenção do Tribunal da Relação não corresponde propriamente a um novo
julgamento. Cada recurso apresenta o seu objeto próprio, seja no plano de apuramento de
facto, seja no julgamento da aplicação do Direito- arts. 635.º, n.ºs 2 e 4; 639.º e 640.º, o
seu âmbito está delimitado pelo âmbito do recurso.
Para o Tribunal da Relação é possível recorrer da matéria de facto- o tribunal tem a
obrigação de fundamentar a sua decisão, sendo que se não o fizer há um vício da sentença.
Se considerou determinado facto como provado e a parte entende que a decisão do
tribunal não foi correta, que o facto devia ter sido considerado como não provado. Fora
do objeto do recurso, o tribunal superior apenas pode pronunciar-se de situações de
conhecimento oficioso- art. 608.º, n.º 2, parte final CPC, mas tem de garantir que cumpre
o princípio do contraditório previsto no art. 3.º, n.º 3 do CPC.
O recurso para o STJ tem requisitos mais apertados, o valor da alçada é superior e os
poderes de conhecimento do STJ são mais restritos- tem uma função específica que diz
respeito à reapreciação de tema que não envolva a formulação de juízos sobre a prova
sujeita a livre apreciação das instâncias. Pode entender que houve omissões. Outra coisa
é entender que foi violada uma norma, um problema de direito, não é um problema de
livre apreciação da prova. Em suma, o STJ tem um papel de aperfeiçoamento da aplicação
do Direito.
Repartição de jurisdição em função da matéria
A delimitação da competência em razão da matéria atende ao tipo de problema cuja
resolução é colocada à avaliação do tribunal. Para esse efeito tem de se interpretar a
petição inicial, qualificar o problema jurídico que se suscita.

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As regras de delimitação da competência em razão da matéria interessam a dois níveis
diferentes: em primeiro lugar, é por seu intermédio que se determina qual é que é a ordem
jurisdicional competente para conhecer da causa, em segundo lugar, é também através
destas regras que se determina dentro de cada ordem jurisdicional qual é o concreto
tribunal competente para a ação e já sabemos que a competência diz respeito ao quantum
de ação atribuída a cada tribunal.
Havendo diferentes ordens jurisdicionais há que perguntar qual delas é competente para
conhecer do fundo da causa. Os tribunais judiciais têm uma competência residual, são
competentes quando não é competente nenhuma outra ordem jurisdicional- arts. 211.º/1
da CRP; 40.º, n.º 1 da LOSJ e 64.º do CPC. Deve-se considerar a competência dos
tribunais administrativos- arts 4.º e 5.º do ETAF. Contudo, há certas matérias que são
mais delicadas e em que não há assim uma distinção tão clara, por exemplo, as ações de
responsabilidade civil propostas contra entidades públicas. O art. 4.º, n.º 1, al. h) do ETAF
estatui que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a ações que tenham
por objeto por responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja
aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas
de direito público. A Lei 67/2007 de 31/12 alterada pela Lei 31/2008 de 17/07 que
estabelece o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais
entidades públicas, determina no seu art. 1.º que esta responsabilidade pode resultar da
função legislativa, jurisdicional e administrativa e de, acordo com o seu n.º 2, corresponde
ao exercício da função administrativa as ações e omissões adotadas no exercício de
prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito
administrativo. Consoante se conclua ou não que determinado ato resultou de
prerrogativas de Direito Público, a competência será do tribunal administrativo. Caso
contrário, é dos tribunais judiciais.
Vamos supor que a ordem dos tribunais judiciais é materialmente competente. A partir
deste momento é preciso dentro dos tribunais judiciais determinar qual é concretamente
competente. O caminho será sempre este na aferição da competência do tribunal:
da especialidade para a residualidade.
Por regra e independentemente do seu valor, as ações dão entrada nos tribunais de 1.ª
instância e, por regra, os tribunais de primeira instância são Tribunais de Comarca. As
Comarcas alargaram, abarcando hoje uma série de município e não apenas um- art. 33.º/2
e art. 79.º da LOSJ.
Os tribunais de 1ª instância são, então, os Tribunais de Comarca e também os Tribunais
de Competência Territorial Alargada (art. 83.º LOSJ), que são a exceção à regra. Os
tribunais judiciais têm competência em matéria civil e penal. Com exceção do tribunal
marítimo, estes tribunais têm competência sobre todo o território nacional.
Aplicando este critério trata-se de determinar se estamos perante Tribunais de Comarca
ou Tribunais de competência territorial alargada.
Os Tribunais de competência territorial alargada são tribunais de competência
puramente especializada que abrangem as seguintes matérias:
- Tribunal da Propriedade Intelectual (art. 83.º/3/a) e 111.º da LOSJ): Tem competência
para conhecer das causas constantes do art. 111.º- matéria que diga respeito,

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abstratamente, aos direitos de autor e direito conexos e ao direito de propriedade
industrial, desde que previstos nesse artigo. Tem competência, do ponto de vista
territorial, sobre todo o território nacional e tem sede em Lisboa de acordo com o Anexo
III da LOSJ.
- Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (art. 83.º/3/b) e 112.º da LOSJ): tem
competência para conhecer das causas do art. 112.º da LOSJ. Tem sede em Santarém e
competência sobre todo o território- Anexo III LOSJ. No essencial, o seu objeto são ações
de natureza administrativa, na ordem dos tribunais judiciais, mas são ações de natureza
administrativa ativas à impugnação de atos praticados por autoridades reguladoras
independentes. Isto é possível porque a regulação não é feita em geral, é feita
especialmente. No ETAF não está fixada a competência de tais tribunais para conhecerem
destas ações, logo não são competentes os tribunais administrativos e fiscais.
- Tribunal Marítimo (art. 83.º/3/c) e art. 113.º da LOSJ): tem competência para conhecer
as causas do art. 113.º da LOSJ. Tem sede em Lisboa- anexo III da LOSJ. Nos termos do
n.º 3 do art. 113.º da LOSJ, nas ações não abrangidas na competência do Tribunal
Marítimo, estas são atribuídas ao respetivo Tribunal da Comarca- no departamento
marítimo das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Na resolução de um caso, faz sentido começar por pensar se a competência para a
respetiva ação é de algum destes tribunais, já que são competentes em razão da matéria e
independentemente do valor e da forma do processo.
Relativamente aos Tribunais de Comarca: este divide-se em juízos que se podem
dividir em juízos de competência puramente especializada ou juízos de competência
genérica- se a competência não pertencer a nenhum outro tribunal ou juízo cabe aí, é uma
competência residual.
Após resolver esta questão falta saber qual a Comarca competente territorialmente que
vai ser o nosso critério final. Uma vez identificado o tribunal territorialmente competente,
estes distribuem-se em juízos e olha-se à matéria, valor e forma de processo para
identificar onde se insere a causa.
Juízos de competência puramente especializada:
- Juízos de execução (arts. 81.º/3/j) e 129.º LOSJ)
- Juízos de Família e Menores (arts. 81.º/3 g) e 122.º a 125.º LOSJ)
- Juízos de Trabalho (arts. 81.º/3 h) e 126.º e 127.º LOSJ)
- Juízos de Comércio (arts. 81.º/3/i) e 128.º LOSJ)
A especialização destes tribunais significa que julgam tão-só aquelas matérias que lhe
foram discriminadamente atribuídas pelo legislador. As questões que não constem destas
listas de fixação de competência entram na jurisdição dos tribunais de competência
genérica ou residual, sem necessidade de uma norma que contenha essa indicação
explícita. Da articulação entre a competência genérica e competência especializada
resulta uma diretriz hermenêutica, aliás, comum aos vários tipos de especialização
consagrados na LOSJ. As normas atributivas de competência nos referidos tribunais não
devem ser utilizadas através de uma pretensa aplicação analógica, como veículo destinado

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a promover a entrada na sua esfera de competência de outras matérias afins das que lhe
estão expressamente atribuídas, mas que não foram selecionadas para o efeito do seu
julgamento numa sede especializada. A competência especializada é definida por
intermédio de um sistema de discriminação positiva que circunscreve, para cada um dos
conjuntos de tribunais destacados no n.º 3 do art. 81.º e no n.º 3 do art. 83.º da LOSJ, as
questões que são chamados a decidir. Recorrer à analogia neste domínio seria contrariar
o pensamento legislativo subjacente ao modelo que o legislador instituiu para o
relacionamento entre os diferentes tribunais judiciais.
Na base desta especialização estão também as formas de processo. O Juízo de família e
menores é competente para as causas dos artigos 122.º a 125.º da LOSJ. O elemento
comum a estas diferentes causas é a sua relação com o estado familiar. Muitos processos
de família e menores seguem uma forma processual específica- jurisdição voluntária e
aquela que estão previstas na Organização Tutelar de Menores. Os Juízos de trabalho são
competentes para qualquer uma das causas dos artigos 126.º e 127.º da LOSJ e também
muitas das ações seguem formas específicas, tendo mesmo um código processual próprio:
o Código de Processo do Trabalho. O Juízo do comércio é competente para as causas do
art. 128.º- ações respeitantes à insolvência; ou então que dizem respeito à orgânica de
sociedades comerciais. Não entram, deste modo, na sua esfera de competência, todas as
questões resultantes do desenvolvimento de relação que, perante a lei substantiva,
assumem natureza mercantil- Código Comercial. Os Juízos de execução têm competência
para a ação executiva- art. 129.º. Estes juízos, têm competência para estas matérias, se for
o caso serão eles competentes independentemente do valor e da forma do processo.
Competência em razão do valor da ação e da forma do processo
Juízos de competência especializada
- Juízos centrais cíveis (art. 81.º/3/a) e art. 117.º LOSJ)
- Juízos locais cíveis (art. 81.º/3/b) e art. 130.º LOSJ)
De acordo com o art. 66.º do CPC, cabe às leis de organização judiciária determinam
quais as causas que, pelo seu valor, se inserem na competência da instância central e da
instância local. O art. 41.º da LOSJ procura concretizar o alcance prático deste critério de
repartição da competência.
Não sendo da competência de nenhum destes juízos que acabamos de analisar, então ele
será da competência dos juízos centrais ou locais cíveis, e aí já não se fixa em razão da
matéria, mas em razão do valor e da forma do processo. Só quando a forma do processo
seja a comum é que entra a funcionar o valor do processo como critério positivo de
atribuição da competência à secção cível: a preparação e o julgamento de todas as ações
desta natureza, que excedam 50 000€, pertence à secção cível da instância central,
deixando aos tribunais especializados tudo o que sejam matérias integráveis nas suas
áreas de formação, independentemente do valor de cada processo.
Se o processo seguir forma especial é de competência de um juízo local. Se seguir a forma
comum a competência entre os juízos centrais e os juízos locais reparte-se em razão do
valor do processo.

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A partir daqui atendemos ao valor e a forma do processo. Ainda assim, o legislador chama
a estes juízos: juízos de competência especializada, mas já falamos disso, ao contrário
dos juízos de competência genérica, estes só têm competência em matéria cível, os juízos
de competência genérica têm competência quer em matéria cível, quer em matéria penal
ou criminal. Mas sendo juízo de competência especializada cível, a competência reparte-
se entre eles em razão da matéria e em razão da forma do processo.
Os Juízos Centrais Cíveis, nos termos do art. 117.º, n.º 1 da LOSJ, têm competência
para:
Al. a)- As ações declarativas cíveis (é por isso que se diz de competência especializada,
porque se cinge à matéria cível) que sigam a forma de processo comum (por isso é que a
forma também é importante ainda que não mencionada no art. 37.º/1 da LOSJ que faz
referência aos critérios- o que significa que se a forma do processo for especial, a
competência já não é dos juízos centrais cíveis, mas dos locais cíveis, ou seja, a forma de
processo comum constitui um fator de atribuição de competência ao juízo central cível)
de valor superior a 50 000€ (por outro lado, temos aqui o valor).
Al. b)- As ações executivas de natureza cível de valor superior a 50 000€;
Al. c)- os procedimentos cautelares relativos a qualquer uma das ações da sua
competência;
Nos termos do art. 117.º, n.º 2, os juízos centrais cíveis são também competentes para as
ações dos juízos do comércio quando têm valor superior a 50 000€, quando não são
constituídos na respetiva comarca. São tribunais de competência residual.
Juízos Locais Cíveis: têm competência para todas as demais causas desde que se trate de
matéria cível- art. 130.º, n.º 2 da LOSJ. São tribunais de competência residual em matéria
cível. São competentes desde que estejam constituídos na respetiva comarca e desde que
sejam territorialmente competentes, isto é, sempre que se tratando de matéria cível, a
competência não seja de nenhum outro tribunal.
Juízos de competência genérica: A diferença entre os juízos locais cíveis e de
competência genérica é que estes últimos gozam também de competência em matéria
criminal. Ambos são tribunais de competência residual, os de competência genérica, tem
competência em matéria cível e criminal.
Existem, ainda, os Juízos de Proximidade (arts. 130.º, n.º 5 e n.º 6 da LOSJ): operam
como meras repartições administrativas dos tribunais que podem praticar determinados
atos processuais, mas não são centros de decisão.
26/02/2020
Competência em razão do território
Este critério tem duas finalidades:
- Serve para repartir o conhecimento das ações pelas diferentes Comarcas.
- Serve para repartir a competência pelos diferentes juízos existentes num Tribunal da
Comarca. Por exemplo: Na Comarca de Lisboa Oeste, existem 5 juízos locais cíveis e 2
juízos centrais cíveis. Imaginado que não cabia em nenhum dos tribunais de competência

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puramente especializada e cujo valor da ação fosse superior a 50 000€ , então cabia no
juízo central cível. A competência de cada juízo pode estar repartida dentro de cada
território.
De modo sintetizado, as regras de competência têm estas duas finalidades: qual a comarca
competente e repartir a competência dentro de cada comarca nos respetivos juízos.
Para este efeito segue-se a lei dos critérios de conexão: fatores cuja presença na relação
jurídica litigada permite localizá-la, associando-a a um juízo específico. Deve interpretar-
se a petição inicial para haver essa fixação- art. 38.º/1 da LOSJ, é necessário qualificar o
pedido e a causa de pedir, para determinar o problema concreto colocado ao tribunal para
conseguir a sua localização.
São dois os critérios gerais que norteiam o legislador em matéria de competência em
razão do território: preocupação que conheça da causa um tribunal territorialmente
próximo onde se encontrem certos bens, próximo do objeto da ação e a intenção de
facilitar a proteção do réu, facilitando a sua defesa. São estes dois vetores que justificam
uma parte das normas que vamos estudar.
As regras de competência podem ser alvo de diferentes classificações:
1- O elemento de conexão pode ser legal ou convencional:
Legal: quando é a própria lei que determina o tribunal competente para o conhecimento
da causa;
Convencional: quando são as partes, por acordo, dentro dos limites consentidos pela lei,
que o determinam.
2- As regras de competência podem ser especiais ou residuais. Falta de um qualquer
critério especial, recorre-se ao residual.
Critério residual: é aquele que diz respeito ao foro do domicílio do réu: forum rei, que
se aplica na falta de critério especial.
O foro do réu representa o elemento de conexão que releva para a determinação de
competência, sempre que não exista um critério diferente de ligação do litígio ao espaço
territorial onde exercem jurisdição outros tribunais- arts. 80.º e 81.º CPC. É o fator geral
de atribuição da competência em razão do território. A sua aplicação depende de
previamente apurar que, no caso concreto, não ocorre nenhum critério de ligação que
implique o julgamento do litígio por tribunal situado em circunscrição diferente daquele
onde o réu está domiciliado. Prevalece a solução de prejudicar o menos possível a parte
que, no comum das situações se encontra em posição de maior fragilidade, fazendo recair
sobre o autor os custos de litigar na comarca do domicílio do réu.
Critério especial: é, por exemplo, o forum rei sitae- foro real ou da situação dos bens.
Numa ação de reivindicação de um bem imóvel- art. 1311.º do CC, de acordo com o art.
70.º do CPC, a ação deve ser intentada no foro da situação do bem, o local onde se
encontra o imóvel. O critério é um critério especial neste caso- é o critério do local onde
se situa o respetivo imóvel. Se o imóvel for na rua dos Bragas, o tribunal competente é o
tribunal da comarca do Porto.

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3- A competência pode ser exclusiva ou concorrente:
Exclusiva: fixa só um tribunal competente;
Concorrente: permite que o autor escolha entre opções onde vai interpor a ação.
Normalmente a competência é exclusiva, pontualmente é concorrente e dá-se esta
liberdade de escolha.
4- Competência fixada através de um critério objetivo ou subjetivo:
Objetivo: quando o elemento de conexão respeite a uma característica da relação jurídica
litigada. Por exemplo, lugar do imóvel, do cumprimento da obrigação.
Subjetivo: quando o elemento de conexão respeite a uma característica do autor ou do
réu, isto é, dos sujeitos da relação processual. É aferida em função de uma caraterística
do autor e do réu, como o respetivo domicílio.

− Competência legal
Regras especiais de competência:
Art. 70.º CPC- Foro real ou da situação dos bens (“forum rei sitae”): Ações reais ou
relativas a bens imóveis.
É uma norma especial de atribuição de competência. O “forum rei sitae” foi destinado às
ações que o legislador destacou no n.º 1 do art. 70.º CPC com alguns esclarecimentos
complementares acrescentados nos nºs 2 e 3 do mesmo preceito, de modo a
contemplarem-se as hipóteses de o pedido envolver a pronúncia do julgador sobre alguns
direitos referentes a bens móveis ou simultaneamente a bens móveis e imóveis. Assim,
pertence ao tribunal da situação dos bens decidir as ações seguintes:
- todas aquelas que envolvam a apreciação de direitos reais de gozo sobre bens imóveis
(n.º 1): como é o caso do direito de propriedade (arts. 1302.º e ss. CC); o usufruto (arts.
1439.º e ss. CC); o uso e habitação (arts. 1484.º e ss. CC); o direito de superfície (arts.
1524.º e ss. CC); direito de servidão predial (arts. 1543.º e ss. CC). Se se tratar de uma
ação que tenha por base o exercício de direitos reais de gozo sobre imóveis, aplicar-se-á
este critério de conexão e, portanto, ocorre numa ação de reivindicação de qualquer um
destes direitos: arts. 1311.º e 1315.º do CC. Nesta disposição explicam-se em particular:
as ações de despejo, ações de preferência: 1410.º e 1421.º CC; ações de execução
específica: art. 830.º/1 CC, todas elas sobre imóveis. Embora não decorra desta norma
expressamente, deve também aplicar-se às ações possessórias, já que as pretensões
possessórias têm eficácia real.
- em segundo lugar, também se aplica as ações que envolve a apreciação de direitos
pessoais de gozo sobre bens imóveis. Por exemplo ao abrigo do contrato de locação:
arts. 1022.º e ss. CC e do contrato de comodato: arts. 1129.º e ss. CC que conferem ao
locatário ou comodatário não um direito real de gozo, mas um direito pessoal de gozo.
- quando a ação tiver por objeto uma universalidade de facto, ou bens móveis e imóveis,
ou vários bens imóveis situados em circunscrições diferentes- neste caso a ação deve
ser proposta no tribunal onde se situam os imóveis de maior valor ou o imóvel de maior
valor (n.º 3 do art. 70.º CPC). A aplicação deste preceito à universalidade de facto (art.

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206.º/1 CC) pressupõe que esta universalidade contenha bens imóveis, não se aplica se a
universalidade de facto for composta apenas por bens móveis. Ficam de fora as
universalidades de direito, maxime, a herança.
- Por último, o “forum rei sitae” aplica-se ainda a ações de reforço, substituição, redução
ou expurgação de hipotecas (a hipoteca é um direito real de garantia)– art.70º, n.º 1, parte
final. Contudo, se esta ação disser respeito a navios ou aeronaves (art. 70º/2) deve ser
instaurada na circunscrição da respetiva matrícula. O processo de apreensão deve ser
interposto no local da residência atual ou na sede do proprietário. Isso resulta dos artigos
15.º, n.º 1 e 21.º do Código do Registo da Propriedade Automóvel- DL n.º 54/75 de 12
de fevereiro, com as respetivas alterações.
Não se enquadra no âmbito desta disposição, a ação destinada a declarar a nulidade de
um contrato real ou uma ação destinada à respetiva anulação de um contrato por mero
efeito do qual se produziu um efeito real que diz respeito à transmissão do direito de
propriedade. Entram por isso, na regra geral do foro do domicílio ou sede do réu as ações
em que o vendedor pede a condenação do donatário na restituição do imóvel que lhe foi
doado, com base na falsidade da procuração utilizada para a concretização da liberalidade,
ou ainda, em que o autor se serve da impugnação pauliana para conseguir a declaração da
ineficácia do contrato pelo qual o seu devedor vendeu a terceiro um imóvel.
Esta regra de competência territorial, do art. 70.º, é de conhecimento oficioso- art.
104.º/1/a) CPC e não pode ser modificada por convenção das partes/ por acordo das
partes, como vamos ver posteriormente, a violação das regras da competência em razão
do território originam uma incompetência relativa do tribunal que só é de conhecimento
oficioso nos casos previstos no art. 104.º, não sendo modificável por convenção das
partes.
Art. 71.º, n.º 1 CPC- Foro obrigacional (“forum obligationis”): obrigações contratuais
As ações que, em atenção ao seu objeto específico, determinam a competência deste foro
são, nos termos do n.º 1 do art. 71.º, unicamente as que se destinam a “exigir o
cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou cumprimento
defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento”. Relativamente à
resolução do contrato por falta de cumprimento, há quem entenda que não há interesse
em agir porque opera por declaração recetícia; quem defende esse entendimento,
interpreta a norma da seguinte forma: referindo-se à resolução do contrato como
apreciação da causa de resolução para efeitos de outro pedido, como para a restituição do
que foi prestado ou para aferir se o direito de resolução foi ou não corretamente exercido.
A ação deve ser proposta no tribunal do domicílio do réu, corresponde ao critério residual.
Se, contudo, o réu for uma pessoa coletiva ou o autor e o réu tenham domicílio na mesma
área metropolitana: área metropolitana do Porto e de Lisboa, essa matéria está regulada
na Lei 75/2013 de 12 de setembro com as respetivas alterações, mais concretamente no
anexo II desta Lei.
Relativamente ao modo de determinação do tribunal ou dos tribunais competentes para o
respetivo julgamento, permite-se que o autor escolha o tribunal onde vai propor a ação,
optando por uma das seguintes alternativas: lugar do cumprimento da obrigação ou

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domicílio do réu. O exercício da faculdade de escolha do tribunal competente não levanta,
em princípio, dificuldades quando as partes convencionaram o lugar do cumprimento.
Se não puder determinar-se esse lugar por interpretação do contrato, haverá que recorrer
às normas de direito material que fixam a título supletivo o lugar de cumprimento das
obrigações- arts 772.º e ss do CC- por via de regra, o lugar do cumprimento corresponde
ao lugar do domicílio do devedor. Transpondo isto para relação jurídica processual, o
devedor ocupa uma posição de réu na ação, e aqui não haveria, se fosse esse o caso,
nenhuma alternativa. Todavia, há outras regras, regras essas que determinam que o local
do cumprimento, já não é o do domicílio do devedor, mas o do credor que vai ser autor
da ação.
Se no exemplo do autor pretender uma indemnização após a resolução do contrato pelos
prejuízos que lhe causou o não cumprimento, na impossibilidade de se apurar o local
convencionado para a prestação, o foro opcional relativamente ao domicílio do réu tem
de determinar-se a partir do que no art. 774.º do CC se estabelece sobre o lugar do
cumprimento das obrigações pecuniárias. Permite que o autor escolha o foro do seu
próprio domicílio em detrimento do foro do domicílio do réu. O foro do autor pode surgir
como resultado do funcionamento do mecanismo unilateral de escolha previsto a nível da
disciplina interna do foro obrigacional. O 774.º tem grande relevo prático, tem a ver com
as obrigações pecuniárias.
Estando em causa um obrigação pecuniária, aí, sendo o devedor uma pessoa coletiva e
tendo o autor e o réu a mesma área metropolitana como residência, partindo-se do
pressuposto que nada foi convencionado, tem de haver uma articulação com o art. 774.º.
Exemplos de situações em que há um foro concorrente facultativo: artigos 885.º, 1039.º,
1195.º, 1531.º e 2270.º CC.
Sendo a ação proposta contra pessoa singular e uma pessoa coletiva, em razão da proteção
que é reservada à pessoa singular, a ação deverá ser proposta no foro do domicilio do réu,
isto partindo do pressuposto que não se aplica a parte da norma que diz respeito ao autor
e o réu terem domicílio na mesma área metropolitana. Mas a norma também dá opção ao
autor quando o réu é uma pessoa coletiva. Um dos réus é uma pessoa coletiva, existe uma
norma a do art. 82.º/1 CPC, que vem na sequência do art. 80.º. Estamos no âmbito de
aplicação do art. 70.º/1, podia-se dar o caso de se querer aplicar a norma anterior, mas
não é isso que acontece. Sendo proposta uma ação destinada a efetivar a resolução de um
contrato por incumprimento contra dois réus: uma pessoa singular e outra pessoa coletiva,
mas sendo dirigido parte dos pedidos contra ambos, prevalece a regra aplicável às pessoa
singulares. O n.º 1 do art 82.º aplica-se quando uma ação é interposta contra mais do que
um réu, só se o critério for relevante em relação a todos os réus para determinação da
competência territorial do respetivo domicílio. Isto para concluir que não se aplica a
norma do 82/1 quando se aplica a norma do 70/1.
Artigo 71.º, n.º 2- Foro delitual (forum delicti commissi): Ações de responsabilidade
extracontratual
Tratando-se de uma ação de responsabilidade civil extracontratual, a ação deve ser
proposta no lugar da prática do facto danoso. Esta regra vale para a responsabilidade civil
extracontratual a título de culpa e de risco.

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Pode questionar-se qual é o regime aplicável na responsabilidade pré-negocial: Teixeira
de Sousa entende que se aplicam as regras da presente disposição. Se o facto for um facto
complexo, com elementos em várias circunscrições, neste caso, a ação deve ser proposta
no local onde os factos mais relevantes foram praticados.
Art. 72.º: Foro do autor (forum actoris): Ação de divórcio e separação
É competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor. O casamento civil foi
originariamente decalcado do casamento canónico, tendencialmente só era admitido o
divórcio quando havia uma justa causa objetiva grave ou o incumprimento por parte de
um dos cônjuges de algum dos deveres conjugais. O propósito da regra era evitar que o
cônjuge que se pretendia divorciar, incumpridos com gravidade deveres conjugais, tivesse
de se deslocar ao foro do cônjuge que tinha incumprido tais deveres. Procura-se assim
proteger a parte mais fraca. O regime do CC foi, no entanto, muito modificado.
Art. 73.º, n.º 1: Forum conexitatis: Ação de honorários
A ação de honorários deve ser proposta na comarca em que foi prestado o serviço pelo
mandatário judicial ou pelos técnicos judiciais. Já, caso se trate de uma ação relativa por
exemplo a uma simples consulta jurídica que não deu lugar a nenhuma ação judicial, vale
a regra geral das obrigações contratuais- art. 71.º, n.º 1.
Outros casos especiais de competência:
- Regras de competência atinentes a ações relativas a navios- arts. 74.º a 77.º CPC.
- Regras de competência para a propositura de procedimentos cautelares e diligências
anteriores à ação principal- vale o art. 78.º/1/c) CPC- a ação deve ser proposta no tribunal
em que devesse ser proposta a ação principal. Caso a providência cautelar seja pedida na
pendência da ação principal vale o mesmo regime, mas agora por força do art. 364.º, n.º
3 CPC.
- Regras de competência para as notificações judiciais avulsas- art. 79.º. e artigos 266.º a
268.º CPC. A notificação judicial avulsa é um ato-fim e independente, ou seja, toda a
atividade que nela se exerce é conducente à notificação, por isso, esta notificação avulsa,
distingue-se das notificações relativas a processos pendentes, nesse caso são atos-meio e
servem apenas de instrumento, de meio, num processo em curso, cujo o fim não tem nada
a ver com o objetivo do direito da notificação.
- Ação executiva (artigos 85.º a 90.º CPC);
- Foro hereditário (forum heraditatis): A competência para efetuar “o processamentodos
atos e termos do processamento do inventário e da habilitação de uma pessoa como
sucessora por morte de outra” pertence aos cartórios notariais sediados no município do
lugar da abertura da sucessão. Quanto aos atos que permanecem na competência do juiz,
a competência é a do tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi
apresentado (n.ºs 1 a 3 e 7 do art. 3.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário,
aprovado pela Lei n.º 23/2013 de 5 de março). Quanto ao lugar da abertura de sucessão,
que funciona como fator de conexão para se determinar o tribunal competente, sempre
que deva ser chamado a intervir, o art. 2031.º do CC, localiza-o no último lugar de
domicílio do autor da sucessão.

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Regra residual:
Com isto chegamos à regra residual que se aplica se não for de aplicar nenhuma das
regras que vimos até este momento- art. 80.º a 81.º CPC- forum rei. Caso não seja de
aplicar qualquer uma das regras especiais anteriormente referidas, cabe aplicar a regra
supletiva de atribuição e competência em razão do território, sendo que é competente o
tribunal do domicílio do réu.
O domicílio do réu nos termos da norma do art. 82.º, n.º 1 do CC é o lugar da sua
residência habitual. Com esta regra, aquilo que se pretende é proteger a posição do réu
facilitando a respetiva defesa. Caso o réu não tenha residência habitual ou esta não poder
ser determinada- art. 80.º, n.º 2, 1.ª parte CPC, ele será demando pelo tribunal do
domicílio do autor, salvo quando se pretenda requerer a curadoria dos seus bens- artigos
89.º e ss do CC. Nesta hipótese, de a ação ir para curadoria provisória ou definitiva dos
seus deverá a ação ser intentada no seu último domicílio- art. 80.º/2 CPC.
Uma hipótese que é regida em particular é aquela em que o réu tem domicílio ou
residência em pais estrangeiro e aí valem as seguintes regras- art. 80.º/3 CPC:
- Se, apesar de ter residência em pais estrangeiro, o réu se encontrar em Portugal é
competente o tribunal em que ele se encontra;
- Se não se encontrar em território português, então será competente o tribunal do
domicílio do autor.
- Se o próprio autor residir em pais estrangeiro é competente o Tribunal de Lisboa.
Tratando-se de pessoa coletiva, cabe distinguir: se o réu for o Estado- é competente o
tribunal do domicílio do autor (art. 81.º/1 CPC); já se o réu for outra pessoa coletiva ou
uma sociedade, é demandado no tribunal da sede da administração principal ou na sede
da sucursal, agência, filial, delegação ou representação, conforme a ação seja dirigida
contra aquela ou contra estas- art. 81.º, n.º 2 CPC.
Exemplos de ações que cabem dentro do critério de aplicação do art. 80.º:
- Ações de declaração de nulidade, de anulação de um contrato, ou de nulidade ou
anulação de uma deliberação social;
- Ação que diga respeito a bens móveis.

− Pluralidade de réus e cumulação de pedidos


Havendo vários réus, nos termos do art. 82.º, n.º 1 CPC, a ação deve ser proposta no
tribunal do domicílio do maior número de réus. Caso o n.º de réus seja igual, então o autor
pode escolher por qual dos tribunas optar.
Havendo cumulação de pedidos e sendo competentes tribunais diferentes no que toca a
território, o autor pode escolher o tribunal para a propositura da ação, tribunal que seria
competente, salvo se se verificar algum dos casos do art. 104.º CPC- quando a regra de
competência de certo tribunal para o conhecimento da causa seja de conhecimento
oficioso, casos de conhecimento oficioso da incompetência relativa. Nessas situações a
ação deve ser proposta nesse tribunal- art. 82.º, n.º 2 CPC.

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Se, por outro lado, os pedidos estiverem numa relação de prejudicialidade, a ação deve
ser proposta no tribunal competente para conhecer da ação principal- art. 82.º, n.º 3 CPC.
03/03/2020
− Pactos de competência ou pactos de aforamento e pactos de jurisdição
(atribuição de competência em razão do território de fonte convencional).
À partida, as regras de competência resultam de ponderações de oportunidade e
conveniência, são de interesse público, no entanto, o sistema jurídico admite, em certos
termos, que a competência seja modificada por convenção das partes. Esses acordos
designam-se ou por pactos de jurisdição- quando dizem respeito à competência
internacional; ou por pactos de competência ou de aforamento- quando dizem respeito à
competência interna.
O nosso direito não admite que as regras da competência em razão da matéria, da
hierarquia ou do valor da causa possam ser afastadas pela vontade das partes, sendo,
apenas, possível o afastamento das regras da competência em razão do território que não
sejam de conhecimento oficioso- isso resulta do art. 95.º. n.º 1 do CPC e art. 104.º/1 CPC.
Se isto não for respeitado o pacto é nulo e têm de ser seguidas as regras legais. Vamos
ver posteriormente que a violação destas regras gera uma situação de incompetência
relativa. Há casos em que essa incompetência é de conhecimento oficioso,
tradicionalmente não o é, mas há casos em que si, que são os casos previstos no art. 104.º.
A nulidade dos pactos de aforamento pode também resultar do sistema de proteção
instituído para a parte que se limita a aderir a um conjunto de cláusulas contratuais que
foram elaboradas de antemão pelo respetivo proponente. A al. g) do art. 19.º do DL
446/85 de 25 de outubro, integra estas cláusulas entre as “relativamente proibidas”,
aplicando a proibição, quer nas relações entre empresários ou entidades equiparadas, quer
nas relações destes com os consumidores finais (arts. 17.º e ss e 20.º do mencionado DL).
Consideram-se iníquas, ficando atingidas pela correspondente nulidade, as cláusulas que
estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes,
sem que os interesses da outra o justifiquem.
A validade dos pactos de aforamento exige a observância de determinados requisitos
formais:
i) Só podem ter por objeto o afastamento de regras de competência em
razão do território que não sejam de conhecimento oficioso nos termos do art. 104.º.
ii) A declaração negocial deve ser expressa (art. 95.º, n.º 1 CPC e art. 217, n.º 1 do CC-
noção de declaração expressa).
iii) Deve observar a forma do contrato para resolução de cujo litígio dele emergente fixa
certa competência- art. 95.º, n.º 2 CPC. Conforme dispõe também este artigo, em todo o
caso, deve tal pacto ser reduzido a escrito.
iv) Deve fixar o critério para a determinação do tribunal competente- art. 95.º/2 CPC e
deve, também, designar as específicas questões para cujo conhecimento determina o
tribunal competente, através da especificação do facto jurídico que as possa originar.

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Se falhar algum destes requisitos a convenção é nula- art. 280.º CC. Estando preenchidos
os requisitos legais, os pactos de competência são obrigatórios para as partes e também
para os tribunais, nos termos da competência definida por via legislativa (art. 95.º, n.º 3)-
considera-se competente para o conhecimento da causa o tribunal escolhido pela partes,
aplicando-se o regime da competência em razão do território.

− Âmbito e extensão da competência


A escolha que é feita pelo legislador e que diz respeito a critérios de garantia da qualidade
e rapidez das decisões judiciárias, tem, por vezes, de ser corrigida perante a necessidade
de se acautelarem princípios fundamentais do processo, em particular ligados à eficácia
da defesa do réu, outras vezes, são meras razões de operacionalidade que levam à
introdução de desvios ou de adaptações nos critérios que serviram de ponto de partida
para a atribuição de competência.
i) Um dos aspetos fundamentais que preside a organização do processo diz respeito à
possibilidade de o réu submeter à apreciação do tribunal todos os meios de defesa
de que entende prevalecer-se. Devem, por isso, afastar-se as conexões que concorrem
para a definição da competência territorial, sempre que a sua aplicação estrita acabe por
arrastar para outros tribunais a apreciação de argumentos aduzidos pelo réu com a
finalidade de fundamentar a improcedência (total ou parcial) do pedido. Está em causa a
norma do art. 91-º, n.º 1 de acordo com a qual o tribunal onde o processo se encontra
pendente tem competência para conhecer os incidentes que nele se levantem e, sobretudo,
“das questões que o réu suscite como meio de defesa”. Quer dizer que a abertura ao
conhecimento pleno da defesa mantém-se, mesmo que ele obrigue à apreciação de aspetos
que, se considerados isoladamente, deviam ser objeto de julgamento em tribunal diferente
daquele onde o réu tem o ónus de apresentar a respetiva contestação. Marca aqui presença
também a necessidade de dar realização ao princípio de que o tribunal se encontra
institucionalmente vinculado a decidir as questões que as partes lhe submetem, não
podendo o juiz abster-se de julgar o litígio sob que pretexto- art. 8.º/ 1 CC.
Por exemplo, se uma sociedade comercial como sede no Porto propuser no Tribunal da
Comarca de Coimbra ação contra uma pessoa singular domiciliada nessa comarca, em
que pede a indemnização pelo não cumprimento de determinado contrato celebrado entre
ambas as partes, a invocação pelo réu de uma causa de anulabilidade do referido negócio
jurídico (defesa por exceção perentória- vem arguir que o contrato não é válido) cabe na
competência desse mesmo tribunal- resulta do art. 91.º/1- “questões que o réu suscite
como meio de defesa”. Funciona o critério do forum rei do art. 80.º. Imaginado que era
uma situação de erro quanto ao objeto- é um negócio jurídico anulável. Se o factos
constitutivos fossem deduzidos como fundamento do pedido de anulação daquele
contrato, apresentado em ação autónoma dirigida a esse fim específico, a competência
territorial pertencia à comarca do Porto, por ser aí que se localiza o fator de conexão
relevante para a ação constitutiva proposta pelo contraente que procura prevalecer-se da
alegada invalidade (art. 81.º/2 CPC).
Em suma, se o sujeito que é réu intentasse uma ação autónoma o tribunal competente
seria o do Porto, mas como é um meio de defesa e assim é o de Coimbra na mesma.

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Embora não se esteja no estrito domínio da defesa, o mesmo artigo 91.º, alarga a
competência do tribunal onde decorre determinada ação, de modo a “conhecer dos
incidentes que nela se levantam”. Ou seja, se no decurso da ação se levantar qualquer
incidente (tramitação eventual ou acessória), como, por exemplo, a habilitação (inter
vivos ou mortis causa), a falsidade ou for suscitada alguma das modalidades de
intervenção de terceiros, o tribunal competente para julgar a causa principal dispõe de
competência para decidir as questões incidentais correspondentes. Agora, é a ligação
funcional que se estabelece com a ação principal que determina a perda da autonomia da
nova questão, quando se trata de fixar o tribunal competente para o seu conhecimento-
estabelece-se entre a tramitação incidental e a ação principal.
A garantia da apreciação da defesa em toda a sua plenitude perante o tribunal onde
corre o processo, mesmo que lhe falte competência territorial para o efeito, implica o
julgamento de questões que se prendem com o fundo da causa perante um juiz que, de
acordo com o critério geral aplicável, não dispunha de competência para analisar
semelhante matéria. Apesar da limitação existente, o legislador considera a decisão
admissível através da ampliação “ad hoc” da competência, mas coloca a sua eficácia, uma
vez transitada, no plano do caso julgado formal. A incompetência do tribunal para se
pronunciar sobre aquela defesa deixa de ter relevo enquanto pressuposto processual, mas
a decisão do tribunal só vai ter força dentro daquele processo. Ressalva-se a hipótese de
a defesa integrar diretamente o objeto da ação, porque, nessa circunstância, a questão
suscitada a título incidental desempenha a função de segmento condicionante da decisão
de mérito a proferir, formando com ela um todo único, suscetível de originar caso julgado
material.
Pode a defesa incidental remeter o julgador para a apreciação de aspetos do mérito, mas
que não integram o objeto do processo tal como o foi definido pelo autor. A extensão da
competência, ditada pelo interesse no funcionamento do processo sem a demora inerente
à dedução desse pedido perante o juiz dotado de competência para sobre se pronunciar,
leva consigo a limitação do alcance do decidido no processo onde a defesa foi invocada.
Porém, qualquer um das partes pode requerer que a questão nascida como incidente
receba o tratamento processual reservado aos pedidos autónomos, o que conduzirá a um
decisão de mérito, sobre o ponto específico suscitado na defesa, apta a desenvolver a
eficácia do caso julgado material, se o tribunal onde a ação foi proposta dispuser
simultaneamente de competência internacional, em razão da matéria e da hierarquia (n.º
2 do art. 91.º).
Não confundir a noção de questões incidentais com a noção de questões prejudiciais.
As questões prejudiciais consistem nos casos em que o réu transporta para o processo
temas que entram na zona dos tribunais criminais ou dos tribunais administrativos. O n.º
1 do art. 92.º já não admite, como bem se compreende, que o tribunal possa, mesmo dentro
de um condicionalismo apertado, pronunciar-se sobre elas mediante decisão apta a
produzir o efeito do caso julgado material, porque está em jogo a competência absoluta
do julgador. Este pode, caso entenda ser essa a solução mais equilibrada em face das
circunstâncias concretas do processo, “sobrestar na decisão, até que o tribunal competente
se pronuncie”. Mas a suspensão da instância, enquanto se aguarda a resposta do tribunal
competente à questão prejudicial, está submetida a limites destinado a evitar a demora

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excessiva do processo. A suspensão cessa, “se a ação penal ou a ação administrativa não
for exercida dentro de um mês ou se o respetivo estiver parado, por negligência das partes,
durante o mesmo prazo”. Se a instância não tiver sido suspensa, ou a suspensão ficar sem
efeito, atribui-se competência ao juiz da causa para decidir a questão prejudicial, mas a
eficácia desta decisão fia confinada ao processo em que foi proferida- art. 92.º, n.ºs 1 e 2
CPC.
Se a suspensão ficar sem efeito atribui-se competência ao juiz da causa para decidir a
questão prejudicial, mas a força daquela decisão restringe-se a um caso julgado
meramente formal, apenas tem força dentro daquele processo.
ii) Relativamente aos pedidos reconvencionais: O réu pode utilizar a contestação para
deduzir pedidos contra o autor, dentro do condicionalismo previsto na lei (art. 266.º CPC).
Ao utilizar esta faculdade, o réu alarga o âmbito de questões submetidas à apreciação do
tribunal, o que levanta o problema da aferição da competência do tribunal da ação “para
as questões deduzidas por via de reconvenção, desde que tenha competência para elas em
razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia”. De novo, aparece dispensada a
competência relativa, de modo a facilitar o uso da reconvenção pelo réu. Rege sobre esta
matéria o n.º 1 do art. 93.º (remissão para o 266.º)
04/03/2020

− Regimes da incompetência
A infração das regras de competência previstas no CPC origina a aplicação de dois
regimes diferenciados: a incompetência absoluta e a incompetência relativa. Neste caso
o tribunal em que a ação foi intentada, deverá, consoante o caso, considerar-se
incompetente para conhecer da causa, formando-se uma exceção dilatória nos termos do
art. 577.º, al. a) CPC.
Temos, então, esta dualidade de regimes jurídico-processuais típicos da incompetência: a
incompetência absoluta e a incompetência relativa. Esses regimes distinguem-se em razão
dos seguintes fatores: o regime do conhecimento; o tempo para o conhecimento da
incompetência e os efeitos do conhecimento.
Em comum têm o facto de, o momento próprio para dela conhecer, ser o da fase da gestão
inicial/fase da condensação e do saneamento do processo, o que não significa que não ser
conhecida antes ou depois. Idealmente, a decisão de incompetência deverá ser proferida
antes do despacho saneador. Já a decisão de competência pode ser tomada no próprio
despacho saneador. Isto para que, no caso de incompetência relativa, o despacho saneador
venha a ser proferido pelo tribunal competente a conhecer da causa e não haver nenhuma
perda de economia processual e, nos casos de incompetência absoluta, para não ser
proferido inutilmente.
Surge a este propósito um problema: muitas vezes, quase sempre ou mesmo sempre,
quer os juízes, quer os advogados, servem-se de formulários processuais que contêm um
conjunto de fórmulas de estilo para os diferentes atos processuais. Quando precisam de
redigir uma peça processual, fazem-no a partir de um modelo. Esses formulários
processuais têm duas finalidades essenciais: poupança de tempo e fazer com que o
advogado ou juiz não se esqueça de um conjunto de elementos. O juiz identifica as partes

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e segue esse formulário. No despacho saneador, o tribunal é chamado a conhecer da
regularidade da instância e é usual que o tribunal use fórmulas do género: o tribunal é
competente, há interesse em agir… é uma fórmula de estilo. O tribunal quando utiliza
este tipo de fórmulas de estilo não está a conhecer concretamente dessa situações e para
não se formar um caso julgado formal, o legislador teve o cuidado de no art. 595.º, n.º 3
CPC referir que o despacho saneador, no que toca ao conhecimento de exceções
dilatórias, constitui caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.
Não basta, portanto, que refira que é competente. É fundamental que suscite
concretamente a questão da competência, que justifique porque é que é competente,
porque se não o fizer não há caso julgado formal. Lei dos julgados de paz- art. 7.º é um
artigo importante.
Incompetência absoluta
Causas de incompetência absoluta: A partir de 2013 foi introduzido um regime duplo
para o conhecimento da incompetência absoluta, em resultado de terem vindo a integrar
esta modalidade de incompetência duas situações que dela não faziam parte
anteriormente: a violação do pacto privativo de jurisdição e a preterição de tribunal
arbitral- art. 96.º.
As causa encontram-se fixadas no art. 96.º do CPC. As causas tradicionais de
incompetência absoluta são as regras de repartição da competência em razão da matéria,
da hierarquia e da competência internacional (art. 96.º/a) CPC).
Exemplos: Uma ação que é da competência de tribunal administrativo, dá entrada num
tribunal judicial- não é materialmente competente, tem competência residual, seria um
caso de violação de competência em razão da matéria e, por isso, é uma situação de
incompetência absoluta. Uma situação em que a ação é da competência de uma tribunal
de competência material alargada e é intentada num juízo local cível. Situação de uma
trabalhador que é despedido ilicitamente- quem era materialmente competente era um
juízo de trabalho e deu entrada num tribunal central cível.
Na última reforma, como dissemos anteriormente, introduziu-se a al. b) - que refere a
preterição do tribunal arbitral. Assim como também gera incompetência absoluta a
violação de pacto privativo de jurisdição.
Legitimidade para arguição: Vale como regra que a incompetência absoluta pode ser
arguida pelas partes ou conhecida oficiosamente pelo tribunal- arts. 97.º/1 e 578.º CPC.
Vale como exceção que a violação do pacto privativo de jurisdição e a preterição do
tribunal arbitrário, porque decorrem de um simples acordo privado, têm de ser arguidas
pelas parte- os mesmos artigos.
Tempo de arguição: o tribunal, em regra, pode conhecer a todo o momento, de forma
provocada ou oficiosamente, até ao trânsito em julgado quanto ao fundo da causa- art.
97.º/1 CPC. Pode ser conhecida pelo tribunal de recurso, mas, havendo absolvição da
instância, esta tem como limite o objeto do próprio recurso porque o resto transitou em
julgado.
Imaginemos o seguinte exemplo: o tribunal aprecia a questão da competência e julga-se
competente, forma-se um caso julgado. O tribunal de recurso está vinculado aquele caso

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julgado que decidiu da matéria. Há uma regra do CPC que resolve isto que é a regra dos
casos julgados formais contraditórios- é a norma do art. 625.º, n.º 2.
Tratando-se, porém, da violação das regras de competência em razão da matéria entre
tribunais judiciais, a questão só pode ser arguida ou oficiosamente conhecida até ser
proferido o despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência
prévia. É isto que nos diz o artigo 97.º, n.º 2.
É preciso saber se se trata de uma incompetência absoluta fora dos tribunais judiciais ou
dentro dos tribunais judiciais. A do artigo 97.º, n.º 2 é uma incompetência absoluta entre
tribunais judiciais. O momento próprio para o reconhecimento da incompetência absoluta
está previsto no art. 98.º. Se a incompetência for arguida antes do despacho saneador,
pode conhecer-se dela imediatamente ou pode ter lugar no próprio despacho. Se for
arguida posteriormente ao despacho, coisa que não é possível se for entre tribunais
judiciais por força do art. 97.º, n.º 2 CPC, então, deve conhecer-se logo da arguição.
Tudo recomenda que a decisão que considera o tribunal desprovido de competência
absoluta seja proferida antes do despacho saneador, desde que tenha sido assegurado
previamente o contraditório, antes as consequências da procedência da exceção dilatória-
absolvição da instância. Já não existe inconveniente, no plano da economia processual,
em deixar para o despacho saneador a decisão que reconhece a competência absoluta do
tribunal. Como o processo continua a ser tramitado no tribunal onde teve início, não há
que considerar o risco de desaproveitamento da atividade desenvolvida em juízo,
provocado pela extinção da instância.
Efeitos da arguição: Se a leitura da petição inicial revelar, sem necessidade de mais
averiguações, que há incompetência absoluta e a tramitação do processo admitir despacho
liminar, o juiz deve pôr fim de imediato à instância. Quando o despacho liminar faça parte
da fase inicial do processo, o juiz deve utilizá-lo para indeferir o ato em que assenta a
preposição da ação, sempre que haja manifesta incompetência absoluta (arts. 590.º/1 e
99.º/1 CPC)- indeferimento liminar da petição inicial, a menos que não seja de
conhecimento oficioso. Serve para fazer controlo do processo antes mesmo da
admissibilidade, antes mesmo de o réu ser citado.
Sendo a incompetência detetada em momento posterior, ou, não havendo despacho
liminar, o processo finda através da absolvição da instância, uma vez que a relação
processual já se encontra plenamente constituída em resultado da citação do réu (art. 99.º,
n.º 1), produzindo um caso julgado formal- arts. 100.º, 620.º e 628.º CPC. O legislador
quis, com esta norma, que tais decisões não projetassem eficácia fora do processo a que
respeitam, de modo a assegurar a cada tribunal o poder de apreciar livremente a sua
própria competência- princípio da “kompetenz-kompetenz”. Assim, o mesmo tribunal
que se considerou incompetente em razão da matéria quanto ao julgamento de
determinada questão pode, mais tarde- se o autor depois do trânsito em julgado da
absolvição da instância repetir a ação perante ele- decidir no sentido de que goza de
competência material para se pronunciar sobre o mérito da questão que lhe foi submetida.
Destina-se a assegurar a liberdade de julgamento dos outros tribunais relativamente à sua
própria competência.

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A fim de evitar os inconvenientes que resulta da completa falta de vinculação dos
tribunais ao conteúdo das decisões proferidas no âmbito da competência absoluta, o art.
101.º prevê um mecanismo destinado à fixação definitiva do tribunal competente. Se o
tribunal da Relação decidir, em via de recurso, que o tribunal é incompetente, o STJ, ao
julgar o recurso que vier a ser interposto, fixa o tribunal competente, ainda que seja tão-
só a revogação do acórdão impugnado (101.º/1). Quando a Relação fundamentar a
incompetência material no facto de esta pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa
e fiscal, o recurso será dirigido ao Tribunal dos Conflitos, mesmo que o recorrente não
peça a fixação do tribunal competente e se limite a requerer a revogação do acórdão
impugnado (art. 101.º, n.º 2). O Tribunal de Conflitos é chamado para fixar a ordem
jurisdicional a que pertence a competência para o julgamento do litígio.
Todavia, apesar da absolvição da instância, permite-se, em certos termos, o
aproveitamento dos articulados, mediante a respetiva remessa ao tribunal competente.
Para tanto é necessário que estejam preenchidos os requisitos mencionados no art. 99.º,
n.º 2 CPC: decisão que julga verificada a incompetência absoluta posterior ao
encerramento da fase dos articulados; existência de acordo das partes no sentido da
utilização dos mesmos articulados perante o tribunal em que a ação devia ter sido proposta
(pode o réu opor-se alegando que não exerceu os seus meios de defesa); e requerimento
do autor a pedir o envio dos autos a esse tribunal, no prazo de 10 dias a contar do trânsito
em julgado da decisão. É uma solução que se baseia em razões de economia processual,
contudo, circunscreve-se apenas aos articulados já oferecidos, aos documentos que os
acompanham e às taxas de justiça entretanto pagas, não abrangendo outra atividade
constante do processo, nomeadamente, outras provas produzidas ou despachos
proferidos. Ou seja, podem aproveitar-se todos os elementos que em si não são afetados
pela incompetência absoluta do tribunal. É diferente do regime da incompetência
absoluta.
Este mecanismo, de acordo com o art. 99.º, n.º 3 CPC, não é utilizável nas situações de
violação do pacto privativo de jurisdição e preterição do tribunal arbitral.
Impugnação das decisões sobre a competência absoluta: Dispensa da regra daalçada-
O caráter público dos interesses subjacentes à atribuição competência justifica que se
mantenha aberta em todas as ações, independentemente do seu valor processual, a
possibilidade de reapreciação pelos tribunais superiores do modo como o tribunal “a quo”
aplicou, no caso concreto, os critérios de repartição da competência internacional ou da
competência interna determinada em função da matéria e hierarquia. Por outras palavras,
é sempre admissível recurso com fundamento nas regras de distribuição da competência-
art. 629.º, n.º 2, al. a) CPC- estando o objeto do recurso limitado ao tema da violação das
regras de competência absoluta, não podendo nela incluir-se aspetos relativos ao mérito
da causa.
Incompetência relativa
Quando se verifica: Corresponde às situações de infração das regras de competência
fundadas no valor da causa ou na forma do processo (ex: ação dá entrada num juízo local
cível quando é competência do juízo central cível, ou vice-versa), na divisão judicial do
território ou decorrentes da inobservância de estipulações destinadas a regular

30
convencionalmente a competência interna (pactos de competência ou de aforamento)- art.
102.º CPC.
Legitimidade para a arguição: Com reflexo do nível secundário em que se situam os
interesses da ordem pública na incompetência relativa, esta só adquire relevância, em
princípio, se for arguida pelo réu, podendo ser deduzida na contestação, oposição ou na
resposta ou, não havendo lugar a estas, no primeiro meio de defesa de que o réu disponha-
art. 103.º, n.º 1 CPC- devendo, o réu, indicar as provas que considere pertinentes- art.
103.º, n.º 3 CPC.
O autor pode responder no articulado subsequente a que haja lugar ou, se este não ocorrer,
em articulado próprio no prazo de 10 dias (art. 103.º/2 CPC). A regra é que a competência
deve ser arguida pelo réu, abre-se aqui um incidente, é uma tramitação incidental que
obtemos dentro da própria ação e não por apenso. O autor responde em articulado próprio
ou subsequente.
Todavia, a regra do conhecimento mediante arguição admite várias exceções no sentido
de atribuição ao tribunal do poder de se pronunciar oficiosamente, sempre que os
autos forneçam os elementos necessários ao julgamento da questão da competência
relativa. É o que se verifica, desde logo, nas situações previstas na al. a) do n.º 1 do art.
104.º CPC, no âmbito das quais se encontram as ações relativas aos foros dos bens (art.
70.º); as ações que envolvam o não cumprimento ou cumprimento defeituoso dos
contratos (71.º/1/1.ª parte); as ações destinadas a efetivar a responsabilidade civil
extracontratual (art. 71.º/2); nos procedimentos cautelares e diligências antecipadas (art.
78.º); julgamento de recursos (art. 83.º)… Ainda no n.º 1, cabem os processos em que a
decisão não seja precedida da citação do requerido (art. 104.º/1/b) CPC) e nas causas que
devam correr na pendência de outro processo (art. 104.º/1/c) CPC). Sempre que exista
infração das normas que operam com critério do valor para repartição da competência, o
tribunal também deve declarar oficiosamente essa incompetência (art. 104.º, n.º 2).
Esta enumeração não esgota as situações em que a incompetência territorial se encontra
submetida ao regime do conhecimento oficioso.
Prazo de arguição: A incompetência relativa deve ser arguida dentro do prazo fixado
para a contestação, oposição ou resposta; se a estrutura do processo não comportar as
referidas peças processuais, a arguição faz-se no prazo destinado à apresentação deoutro
meio de defesa que caiba ao réu deduzir- art. 103.º, n.º 1 CPC. Para arguição da
incompetência do tribunal de recurso- quando se esteja perante a infração do disposto no
art. 83.º- existe o prazo de 10 dias, a contar da primeira notificação que for feita ao
recorrido ou da primeira intervenção que ele tiver no processo- art. 108.º, n.º 1 CPC, sem
prejuízo do conhecimento oficioso previsto para esta exceção- art. 104.º/1/a) CPC.
Momento em que deve ser decidida a exceção de incompetência relativa: A
incompetência só pode ser conhecida até ao despacho saneador, ou, não havendo lugar ao
mesmo, até ao primeiro despacho subsequente à fase dos articulados- art. 104.º, n.º 3
CPC. A fim de se proteger o réu contra a eventualidade de ficar exposto ao ónus de
produzir prova dos factos que interessam à defesa perante tribunal incompetente em
função do território e, por outro lado, com o objetivo de evitar a inutilização da atividade

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processual desenvolvida no tribunal onde está pendente a ação. Caso se considere
competente, pode decidir no próprio despacho.
O reconhecimento definitivo da incompetência leva a que todo o expediente que integra
a fase dos articulados seja remetido ao tribunal que dispõe do poder jurisdicional
necessário para o julgamento do mérito.
Efeitos da incompetência relativa: a decisão respeitante à incompetência relativa
resolve definitivamente a razão da competência- art. 105.º, n.º 2 CPC. A precedência da
exceção de incompetência dá lugar à remessa do processo para o tribunal competente (art.
105.º, n.º 3 CPC). O envio dos autos ao tribunal competente tem o sentido de assegurar o
aproveitamento dos atos praticados no tribunal de origem, através da ligação que se
estabelece entre as duas fases da vida da ação. O tribunal julgado competente não pode
reapreciar a decisão da competência, não vale o princípio da “kompetenz-kompetenz”.
Da decisão, nos termos do art. 105.º, n.º 4, cabe reclamação, com efeito suspensivo, para
o presidente da Relação respetiva, o qual decide definitivamente a questão, assim, evita-
se o risco de se estar a desenvolver no tribunal onde a ação foi proposta atividade
processual que mais tarde teria de ser anulada, caso seja reconhecida a incompetência.
Conflitos de jurisdição e conflitos de competência
São conflitos que, quer um quer outro, resultam, por um lado, do facto de dois juízes
diferentes fazerem uma interpretação diferente das mesmas normas e, por outro lado, do
princípio de que cada juiz pode fixar a sua competência (kompetenz-kompetenz)- é por
causa destas duas ordens de razão que se geram conflitos.
Em alguns casos, como acontece na incompetência relativa, é a própria lei que cria um
procedimento destinado a obstar ao surgimento de um verdadeiro conflito de
competências, isto porque, nestas hipóteses se a exceção da incompetência for julgada
procedente, o próprio processo é remetido para o tribunal competente para a ação
continuar a ser julgada. Isto porque o incidente previsto para a apreciação da
incompetência relativa termina com uma decisão que retira ao tribunal a possibilidade de
entrar na apreciação da própria competência- art. 105.º, n.º 2 CPC, mesmo que se trate de
uma questão de conhecimento oficioso. No caso desta incompetência, então, nunca há
verdadeiramente um conflito, porque temos este procedimento que o evita e que se
resolve com base na aplicação do art. 625.º do CPC: a regra da primazia do primeiro caso
julgado, é um conflito meramente aparente.
Os conflitos de jurisdição e de competência podem ser positivos e negativos. Estamos
perante um conflito positivo nos casos em que as autoridades ou os tribunais envolvidos
reconheçam, ambos, que lhes cabe decidir aquela questão e são negativos no caso
inverso, isto é, ambas as autoridades e os tribunais consideram que são incompetentes, é
uma classificação com assento no art. 109.º, n.ºs 1 e 2 CPC.
Diferença entre conflitos de jurisdição e competência:
Conflitos de jurisdição: intervenções discordantes de órgãos integrados em diferentes
atividades do Estado ou intervenções discordantes de tribunais pertencentes a diferentes
ordens jurisdicionais. Ex: quando a secção de família e menores da instância central e o
conservador do registo civil (que não é um tribunal, é uma conservatória) se declaram

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simultaneamente competentes para se pronunciarem sobre o pedido de divórcio por
mútuo consentimento requerido pelo casal (conflito positivo). Outro exemplo: um
conflito que surgiu num tribunal judicial e administrativo.
Já os conflitos de competência geram-se no interior, isto é, dentro de órgãos integrantes
da mesma atividade do Estado ou da mesmo ordem jurisdicional. Por exemplo, um
conflito entre um juízo de trabalho e um juízo local cível, consideram-se ambos
competentes ou incompetentes.
Para que exista um conflito, seja positivo, seja negativo, seja de competência seja de
jurisdição, é necessário que as decisões antagónicas hajam transitado em julgado- art.
109.º, n.º 3 CPC. Só se justifica desencadear o processo de resolução do conflito se os
tribunais da causa já se tiverem pronunciado em termos definitivos sobre a matéria da
competência. No entanto prevê-se, no art. 114.º CRP, a aplicação do processo a outros
casos, prevê-se uma extensão do mecanismo processualdestinado a eliminar as situações
de conflito a situações em que ainda não ocorreu o trânsito em julgado das respetivas
decisões. Notar a propósito da redação deste art. que, na origem dos conflitos, pode
encontrar-se o facto de a mesma causa estar a correr ao mesmo tempo em tribunais
diferentes, é uma anomalia e significava que não tinham funcionado os dois mecanismos
processuais previstos para evitar essa pendência simultânea: as exceções dilatórias da
incompetência e da litispendência (artigo 577.º, als. a) e i) CPC). Se qualquer destas
exceções houvesse procedido, uma das causas teria terminado, por decisão de forma
proferida no tribunal onde foi levantada (art. 576.º, n.º 2 CPC).
Entidades que decidem sobre estes conflitos:
Conflitos de jurisdição:
A resolução dos conflitos de jurisdição, atentos os planos em que se situam as entidades
que estiveram na génese das decisões incompatíveis, pertence, conforme determina o art.
110.º, n.º 1, umas vezes ao Supremo Tribunal da Justiça- art. 62.º, n.º 3 da LOSJ, outras
vezes, ao Tribunal dos Conflitos.
Se se tratar de um conflito entre tribunais pertencentes a ordens jurisdicionais distintas,
isto é, entre tribunais judiciais e tribunais administrativos e fiscais, a competência para a
sua resolução cabe ao Tribunal de Conflitos- art. 205.º, n.º 2 CRP e art. 110.º, n.º 3 do
CPC- seguindo-se o processo estabelecido na legislação: art. 17.º do DL n.º 23/185 de 30
de outubro de 1933.
Por outro lado, se se tratar de conflitos onde não se achem envolvidos Tribunais de ordem
administrativa, a competência para a sua resolução pertence ao Presidente do STJ,
podendo este delegar essa função no vice-presidente ou em algum dos vice-presidentes:
artigos 62.º, n.º 4; 63.º, n.º 1; 76.º, n.º 2 e 77.º, n.º 1 da LOSJ.
Exemplo de um conflito que seria resolvido nestes termos: Quando a secção de família e
menores e o representante do Ministério Público que junto dela exercem funções
declinam reciprocamente a competência para decidirem sobre o pedido que o
representante legal do incapaz necessite de obter para intervir em determinado ato
(conflito negativo)

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O tribunal dos conflitos pode intervir a título preventivo para evitar o surgimento do
conflito de jurisdição- art. 101.º, n.º 2 CPC. De acordo com este artigo, a impugnação de
um acórdão do tribunal da Relação que declara incompetente o tribunal judicial por a
causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, tem de ser interposta para
o Tribunal dos Conflitos.
Conflitos de competência:
Os conflitos de competência são solucionados pelo presidente do tribunal de menor
categoria hierárquica (ou vice-presidente no qual tenha sido delegada competência para
o efeito- arts- 43.º/4 e 59.º/2/in fine LOFTJ) que, dentro da respetiva espécie, exerça
jurisdição sobre ambas as autoridades em desacordo- arts. 110.º/2 CPC e artigos 62.º/3 e
76.º/2 da LOSJ. Aqui nunca se dá a intervenção do Tribunal dos Conflitos.
Semelhante sistema de resolução do conflito pode conduzir à atribuição de competência
ao Presidente do STJ, mesmo que as decisões em confronto provenham de tribunais de
1.ª instância. É o que acontece se o conflito se estabelecer entre tribunais de comarca ou
entre tribunal de comarca e tribunal de competência territorial alargada, quando estiverem
sediados na área de jurisdição de tribunais da Relação diferentes (art. 62.º/3/e) da LOSJ).
O tribunal de menor categoria hierárquica que exerce jurisdição sobre os dois tribunais
de 1.ª instância é, nas hipóteses referidas, o STJ, uma vez que a competência de cada
tribunal da Relação está confinada a um conjunto de agrupamentos de comarcas definido
por lei (art. 32.º, n.º 1 e Anexo I da LOSJ). Assim, tudo dependerá se estão ou não sujeitos
à jurisdição do mesmo tribunal da Relação.
Por exemplo, o conflito de competência entre o tribunal da comarca de Aveiro o tribunal
da comarca do Porto terá de ser solucionado, em princípio, pelo Presidente do Tribunal
da Relação do Porto, porque se está perante tribunais de 1.ª instância sediados em
comarcas agrupadas sob a égide do mesmo Tribunal da Relação. Mas se o conflito se der
entre o tribunal da comarca de Aveiro e o Tribunal da comarca de Viseu, apesar do
envolvimento se referir tão-só a tribunais de 1.ª instância, a resolução do conflito pertence
ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Estas comarcas fazem parte de
agrupamentos integrados nas áreas de competência de diferentes tribunais da Relação
(Porto, quanto a Aveiro; Coimbra, no que respeita a Viseu).
Quanto à tramitação, relativamente a qualquer um dos conflitos, tem de se olhar ao que
está disposto nos artigos 111.º e seguintes do CPC por força do art. 110.º/4 CPC.
10/03/2020

A marcha processual
Formalismo do processo declaratório comum ordinário
Por marcha processual entendemos a concreta sequência de atos que compõe o processo.
Para designar a dimensão corpórea ou física ou eletrónica do processo fala-se em autos.
Vale como princípio de que o processo é público- art. 163.º do CPC, podendo ser
requerido o exame e a consulta dos autos, assim como a obtenção de cópias e de certidões,
conforme o n.º 2. Ver os artigos 163.º a 171.º. O art. 164.º é relativo às limitações à

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publicidade do processo; o art. 165.º versa sobre a confiança do processo (levar
fisicamente o processo); o art. 169.º é relativo ao registo da entrega dos autos.

− Cabe distinguir entre forma comum e formas especiais- art. 546.º, n.º 1 CPC.
A determinação da forma é feita em forma de pedido deduzido pelo autor em
petição inicial e é determinada pela lei vigente à data da propositura da ação- art.
136.º/2.
A forma de processo comum tem uma aplicação residual, aplica-se à falta de
uma forma especialmente prevista fora de uma determinada causa. No atual processo civil
o processo comum de declaração tem forma única- art. 548.º. Até 2013 o processo comum
de declaração seguia forma de processo abreviado, sumário e sumaríssimo, hoje dia, há
apenas uma forma. O legislador criou um módulo capaz de servir de base ao
processamento da generalidade das ações. As disposições do processo comum são
subsidiárias relativamente aos processos especiais- art. 549.º, n.º 1. Isto é, as normas que
disciplinam o processo comum de declaração têm, além do seu âmbito de aplicação direta,
o âmbito de aplicação indireta definido pelo art. 549.º: na falta de disciplina específica de
um processo especial, aplicam-se as normas estabelecidas para o processo comum (n.º 1).
Sem prejuízo da tendencial unidade do processo comum, continua a haver diferenças
consoante o valor do processo, isto é, consoante o valor da ação há especificidades na
tramitação processual:
- Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação (15 000€) parece ser
expectável que sejam introduzidas alterações à marcha processual- art. 597.º, al. d) CPC.
Há, também, limitações à perícia- art. 468.º, n.º 5 CPC.
- Por sua vez, nas ações não superiores a 5 000€ (não superior à alçada da 1.ª instância)
só se podem oferecer 5 testemunhas, em vez das 10 testemunhas- art. 511.º/1/parte final.
As alegações orais e de réplica são respetivamente de 30 mins e 15 mins que é metade do
tempo regularmente concedido- art. 604.º/5/parte final CPC.
Os processos especiais aplicam-se aos casos especialmente previstos no CPC: há
uns com natureza declarativa, outros executiva e outros mista. Estão previsto nos arts.
878.º e ss. do CPC. Além dos processos especiais previstos no CPC, há, também, formas
especiais previstas em legislação avulsa como é o caso do processo de inventário ou do
processo de insolvência e recuperação de empresar (previsto no CIRE) e do processo de
expropriação litigiosa, assim como o processo especial para o cumprimento de obrigações
pecuniárias emergentes de contratos (DL 269/98 de 11 de setembro)- é uma forma
processual que vale para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de um contrato
de valor não superior a 15 000€. Este DL regula também o procedimento de injunção
destinado a obter um título executivo. Ao nível do procedimento do direito comunitário,
temos o processo europeu para ações de pequeno montante.
O erro na forma de processo: pode o autor indicar uma forma de processo
diversa daquela que resulta da lei, ocorrendo então o erro na forma de processo- art.
193.º(devia seguir forma especial, mas a parte indica forma comum ou vice-versa). Este
erro é aferido em face do pedido deduzido e não perante a natureza objetiva da RJ material
(não deve confundir-se a questão de fundo com a questão de forma).

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O erro na forma de processo deve ser oficiosamente conhecido pelo juiz (art. 196.º), sem
prejuízo de o réu o poder invocar na contestação. Esse conhecimento tem lugar no
despacho saneador, se o juiz não tiver tido antes dele contacto com o processo- art. 200.º,
n.º 2 CPC. Os atos praticados até ao momento em que o juiz conheça o erro só são
anuladores se não puderem ser aproveitados para a forma adequada, devendo o juiz
ordenar a prática dos atos que forem estritamente necessários para que a sequência
processual já decorrida se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (art.
193.º, n.º 1 CPC), bem como o prosseguimento do processo segundo a forma adequada.
Não são, porém, aproveitados os atos já praticados se daí resultar diminuição das garantias
do réu- art. 193.º, n.º 2. No caso extremo de não se poder aproveitar sequer a petição
inicial, todo o processo é nulo, tendo lugar a absolvição do réu da instância (art. 278.º/1/b)
CPC).
O n.º 3 deste art. 193.º trata já não do erro na forma do processo global, mas do erro do
meio processual utilizado pela parte no âmbito do processo, para a prática de
determinado ato. Exemplos: imaginando que notificado da contestação sem reconvenção,
o autor apresenta uma réplica em que alega um facto superveniente- art. 588.º. Os factos
têm de ser trazidos nos articulados respetivos e há a figura do articulado superveniente
que só pode ser apresentado em momento adequado. O réu exceciona em vez de reconvir
ou reconvém em vez de excecionar (a defesa por exceção perentória não é uma
reconvenção).
Outro exemplo é o terceiro cessionário do direito litigioso requerer a sua intervenção
principal na causa em vez de requerer a sua habilitação- art. 356.º CPC.
Determina este n.º 3 o aproveitamento do ato que a parte tenha erradamente qualificado,
mas que o conteúdo se adequa ao meio, o juiz oficiosamente corrige o erro e manda
proceder à tramitação própria.

− A tramitação processual comum


A sequência processual pode ser dividida em: fase dos articulados, da condensação e
saneamento do processo, a fase da instrução, da discussão e julgamento e a fase da
sentença.
A fase pode compreender-se em dois diferentes termos: em termos cronológicos (esta
noção de fase processual designa o conjunto de atos que decorrem num período temporal
limitado do processo) e em termos teleológicos (designa o conjunto de atos que
satisfazem um certo fim processual). Existe tendencialmente uma equivalência entre
ambas as noções, isto é, em cada momento do processo praticam-se atos com um
propósito específico. Podem praticar-se atos executórios antes mesmo do processo de
acordo com este entendimento teológico como a prestação antecipada de depoimento.
Noção de ato processual: o processo vem do verbo latino procedere que significa
avançar ou progredir, é um meio progressivo de resolução de litígios, pretende-se que
com cada nova fase se esteja mais perto do desfecho do litígio. O professor Tavares de
Sousa diz que o processo é um sistema de válvulas e está-se cada vez mais perto da
solução. É uma sequência progressiva de atos humanos que se reportam a atos anteriores
e que querem levar o processo a um novo plano. Os atos de sequência processual
ordenam-se em fases sucessivas, findas as quais pode precludir a possibilidade de práticas

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atos que, nelas se integrando, não hajam sido praticados. Por exemplo, o ato da citação
que supõe a petição inicial, pretende levar o processo para o novo ato da contestação. O
despacho pré-saneador pressupõe os articulados e já está a olhar para o despacho
saneador.
Entende-se por ato processual uma atuação humana que vise a produção de efeitos
processuais. As pessoas que os podem praticar estão previstas nos artigos 144.º e ss., via
de regra através do seu mandatário e o tribunal, seja através do juiz (art. 150.º e ss.), seja
através da secretaria (art. 157.º). Claro que os atos praticados por uns e outros têm intuitos
diferentes, a função dos atos processuais praticados pelo mandatário é fazer valer a
posição jurídica das partes que representam e a prática de atos pelo magistrado tem em
vista a administração da justiça.
Princípios fundamentais:
- Não se deve praticar qualquer ato que a lei não admita- art. 195.º/1 CPC.
- Não se deve omitir uma formalidade que a lei prescreve.
Em relação a qualquer um destes aspetos, não sendo respeitados, geram uma
irregularidade e, se for suscetível de influir na decisão da causa então temos uma nulidade
processual- arts. 186.º e ss. CPC. Relativamente a este aspeto devemos distinguir entre
atos legítimos e atos prescritos- atos legítimos são aqueles que podem ser praticados e
atos prescritos são aqueles que devem ser praticados.
- Princípio da proscrição da prática de atos inúteis: relativamente à oportunidade dos atos,
vale o art. 130.º CPC.
- Quanto ao tempo para a prática dos atos- art. 137.º CPC e 28.º da LOSJ. Articulação
entre os n.ºs 1 e 2- pode haver uma citação em férias judiciais, mas o prazo não correr em
férias, a não ser que seja um processo urgente.
- Forma dos atos- vale o princípio de que os atos devem observar a forma que melhor se
preste à prossecução do fim que visem. Acontece que muitas vezes esta forma já está
delimitada pela lei. A forma dos atos determina-se pela lei vigente ao tempo em que os
atos são praticados- art. 136.º, n.º 1 CPC.
- Os atos devem ser praticados em língua portuguesa- art. 133.º, n.º 1 CPC. Os não falantes
de língua portuguesa podem expressar-se em língua estrangeira, devendo nomear-se um
intérprete quando necessário- art. 133.º, n.ºs 2 e 3. Surge a figura do tradutor- art. 134.º
CPC.
- Os atos podem ser escritos, orais ou materiais. São atos escritos aqueles que seguem a
forma escrita, são atos orais aqueles que seguem a forma verbal, são atos materiais
aqueles que têm uma natureza física que é o caso de uma diligência judicial. Quer os atos
verbais, quer os materiais podem ser reduzidos a escrito, sendo que, quaisquer atos
escritos devem observar as cautelas formais dos arts. 131.º, nºs 3 e 4 CPC. Os atos
processuais escritos podem ser executados por via eletrónica- art. 131.º, n.º 5 e por regra
são tramitados eletronicamente- art. 132.º CPC. Ver também os artigos 144.º a 146.º- os
atos presentados a juízo que devem ser apresentados por escrito, tramitados
eletronicamente e comunicados também por essa via.

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- A audiência final é sempre gravada- art. 155.º, n.º 1. Tratando-se de outros atos
processuais presididos pelo juiz, a realização do conteúdo dos diferentes atos é
documentada em ata que é da responsabilidade do funcionário judicial- art. 155.º, n.ºs 7
e 8 CPC.
11/03/2020

− Prazos processuais
Em primeiro lugar, os prazos podem ser substantivos ou processuais:
- O prazo substantivo é aquele que regula a repercussão no tempo de todas as relações
jurídicas que não revistam natureza processual. É uma sucessão de tempo enquadrada no
Direito Civil e a sua contagem processa-se fora da tramitação processual, tem regras
próprias e formas de contagem próprias. Relativamente aos prazos civis, a legislação civil
portuguesa faz menção específica aos de prescrição, caducidade e não uso do direito no
art. 298.º do CC.
- O prazo processual é aquele que se destina a regular a prática de um ato dentro do
processo ou a produção de um determinado efeito jurídico-processual.
Modalidades de prazos processuais:
Quanto à sua fixação: os prazos processuais podem ser legais, judiciais ou
convencionais
- Prazo legal: é aquele que é fixado pela lei. Por exemplo, os artigos 569.º, n.º 1 CPC
(prazo de 30 dias para a contestação); 575.º (notificação da contestação ao autor); 638.º,
n.º 1 (prazo para a interposição do recurso).
- Prazo judicial: é aquele que é oficiosamente fixado pelo juiz. Há requisitos para o juiz
possa fixar o prazo- a lei deve ser omissa quanto ao prazo e a lei tem de atribuir
expressamente ao juiz essa competência ao abrigo do seu dever de direção e gestão do
processo previsto no art. 6.º do CPC. Se a lei não atribuir essa competência expressa,
aplica-se o prazo supletivo previsto no art. 149.º, n.º 1 do CPC (na falta de disposição
especial, é de 10 dias o prazo para prática de qualquer ato ou diligência pelas partes, para
arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder
processual). De acordo com o n.º 2, o prazo para qualquer resposta conta-se sempre da
notificação do ato. Pode também acontecer a lei estabelecer limite máximo aos prazos
estabelecidos pelo juiz- ex. do art. 483.º, n.º 1 CPC.
- Prazo convencional: é aquele que dentro dos limites da lei é livremente fixado pelas
partes. Por exemplo, as partes podem acordar uma suspensão da instância no prazo que
entenderem conveniente, não podendo exceder o prazo de 3 meses, é o que diz o art. 272.º,
n.º 4 do CPC, as partes podem requerer a suspensão da instância se estão a tentar chegar
a um acordo. O prazo só pode ser fixado por acordo das partes quando o mesmo não viole
regras de ordem pública. Por exemplo, o prazo para o oferecimento da contestação. As
partes não podem estabelecer prazos que já se encontrem legalmente previstos.
Quanto à sua natureza: prazos perentórios, cominatórios e dilatórios

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- Prazos perentórios: por regra, os prazos processuais estabelecidos por lei ou fixados pelo
juiz têm esta natureza, está ligado ao princípio da preclusão e princípio da
responsabilidade das partes, isto porque, um prazo perentório é aquele cujo curso,
ressalvadas as exceções previstas na lei, implica a extinção do direito de praticar o ato por
caducidade. Ver o disposto nos artigos 139.º, n.ºs 3 e 4 e art. 140.º CPC. São prazos que
se destinam a acelerar a tramitação processual e têm em vista a eficiência do mesmo. A
lei sanciona quem não respeita estes prazos- art. 638.º CPC.
- Prazo cominatório: é aquele que compreende uma ameaça de sanção que funciona como
um estímulo para que a parte pratique o ato dentro do prazo estabelecido, sob pena de,
não o fazendo, sofrer uma sanção decorrente da falta de prática do ato que se pode traduzir
num pagamento da multa ou desentranhamento de uma peça processual, por exemplo. É
o caso da falta de apresentação de documentos destinados a fazer prova dos fundamentos
da ação ou da defesa nos respetivos articulados- art. 423.º CPC. E, ainda, dos artigos
552.º, n.º 6 e 570.º, n.ºs 2 e 3 CPC.
- Prazo dilatório: enquanto ao anterior é um prazo acelerador do processo com vista à sua
eficiência, o prazo dilatório é um prazo suspensivo ou desacelerador. Adia a possibilidade
da prática de um ato para certo momento ou o início da contagem de um prazo- art. 139.º,
n.ºs 1 e 2 CPC. De acordo com o art. 142.º, quando um prazo perentório se segue a um
dilatório, os dois contam-se com um só. Provocam um atraso ou um compasso de espera
com vista a garantir a igualdade de armas e o equilíbrio. Ex: No caso de substituição de
uma testemunha, não é admissível a prestação de depoimento sem que hajam decorridos
5 dias sobre a data em que a substituição foi notificada à parte contrário, salvo se esta
prescindir do prazo- isto decorre do art. 510.º, n.º 1 CPC. Serve para proteger a parte da
substituição da testemunha. Outro exemplo é o do art. 526.º/2. O estabelecimento de um
prazo dilatório para que o réu apresente a sua contestação- art. 245.º. O que se pretende é
que o réu exerça o seu direito de defesa com toda a amplitude possível.
Para a contagem do prazo ter em atenção as normas do art. 138.º do CPC. O art. 138.º
prevê a regra da continuidade dos prazos, nomeadamente o n.º 1. As férias judiciais
estão previstas no art. 28.º da LOSJ. O prazo processual só não se suspende nas férias
judiciais se a sua duração for igual ou superior a 6 meses ou se se tratar de um processo
com natureza urgente- é o caso das providências cautelares. O n.º 2 do art. 138.º também
é essencial- se o prazo acaba sábado, transfere-se para segunda, podendo ainda ser
praticado dentro dos 3 primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo mediante o
pagamento de uma multa (art. 139.º, n.º 5 CPC), assim, no nosso caso, o ato podia ser
praticado até quinta. O art. 141.º diz respeito à prorrogação. De acordo com o art. 146.º,
n.º 2, deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento de omissões
puramente formais de atos praticados. Os prazos para o tribunal são meramente
ordenadores. Para as partes preclude-se o direito, mas não fica o juiz precludido da
possibilidade de praticar o ato.
Mencionar, ainda o art. 279.º do CC- o réu considera-se citado no dia “x”, esse dia não
conta, só se conta a partir do dia seguinte e é contínuo, pode não ser um dia útil (não se
interrompe nem nos feriados nem no fim-de-semana).

− Nulidades processuais- arts. 186.º a 202.º CPC

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O processo é uma sequência processual, de modo a que a invalidade de um ato pode
repercutir-se em todos os atos subsequentes. Este regime está plasmado nas normas dos
art. 186.º a 202.º do CPC.
No 186.º temos plasmado um vício próprio da petição inicial que é o primeiro ato
processual de todo o processo- a ineptidão da petição inicial. Uma coisa é haver nulidade
da citação e outra é haver o vício mais grave da falta da citação- arts. 187.º a 190.º CPC.
O 191.º é relativo à nulidade da citação, o 193.º ao erro na forma de processo e o 194.º à
falta de vista ou exame ao MP como parte acessória.
Regime: A nulidade pode decorrer de prescrição expressa da lei ou de cláusula geral. No
despacho saneador o juiz pronuncia-se sobre as exceções dilatórias e nulidades-se forem
de conhecimento oficioso ou se forem levantadas pelas partes. A nulidade do processo
figura no elenco das exceções dilatórias- art. 577.º, al. b) e 278.º, n.º 1, al. b). As regras
gerais sobre a nulidade dos atos estão no art. 195.º. Quando não haja uma prescrição
expressa da lei, a nulidade afere-se por dois requisitos (art. 195.º, n.º 1): a prática indevida
ou a omissão indevida de um certo ato processual e a sua possível influência sobre o
exame ou decisão da causa. Se não estiverem preenchidos estes requisitos é uma mera
irregularidade.
Salvo nos casos previstos no art. 196.º que prevê as nulidades de conhecimento oficioso
enquanto não sanáveis, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância
da respetiva formalidade ou ato- art. 197.º, n.º 1, não podendo ser arguida por aquele que
lhe deu causa ou por aquele que expressa ou tacitamente renunciou à arguição- art. 197.º,
n.º 2 CPC.
Quanto ao tempo de arguição, o artigo 198.º, n.º 2 dispõe que, a falta de citação nos
termos do art. 187.º (que não é o mesmo que nulidade de citação) e a falta de vista ou
exame ao MP como parte acessória nos termos do art. 194.º, podem ser conhecidas em
qualquer estádio do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas. Neste caso, o
juiz conhece da nulidade logo que se aperceba da mesma- art. 200.º, n.º 1 CPC. Paraeste
último efeito, acrescenta-se o caso do art. 191.º/2/2ª parte que tem a ver com a citação
edital.
Dispõe o art. 198.º, n.º 1 que a nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial (art.
186.º) e decorrente do erro na forma do processo (art. 193.º, n.º 1), só podem ser invocadas
até à contestação ou na contestação, sendo, à partida, apreciadas no despacho saneador-
art. 200.º, n.º 2.
Nos outros casos, deve a nulidade ser invocada na primeira oportunidade ou até que
termine o ato que esteja a decorrer ou então no prazo de 10 dias a contar do momento em
que a parte possa tomar conhecimento do ato, devendo ser apreciadas logo que sejam
reclamadas (art. 200.º, n.º 3). Este prazo de 10 dias é o prazo geral do art. 149.º, n.º 1 e
do art. 199.º, n.º 1.
Caso um ato seja anulado, anulam-se também todos aqueles que dele dependam- art.
195.º, n.º 2. Por exemplo, uma parte pode requerer ao tribunal o depoimento da parte
contrária com vista a extrair desta uma confissão (é o depoimento da parte) ou a própria
parte pede para prestar declarações, é diferente. O depoente tem de prestar juramento- art.
459.º, n.º 2- se não o prestar, há uma nulidade decorrente desta falta de juramento,

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omitindo-se um ato que a lei prescreve. Ao abrigo do art. 195.º, n.º 2, uma vez verificada
a possibilidade de o depoimento influir na instrução e decisão da causa, esta nulidade vai
implicar a anulação da própria decisão, mas não leva à anulação dos outros atos, ainda
que posteriores, relativos a outros procedimentos probatórios. O ato nulo não poderá ser,
em princípio, repetido caso esteja esgotado o prazo para a sua prática- art. 202.º CPC.
Ainda quanto aos atos, relativamente ao comprovativo do pagamento da taxa de justiça
(previsto no art. 145.º CPC), importa fazer referência ao Regulamento das Custas
Processuais- DL n.º 34/2008 de 26 de fevereiro com as respetivas alterações.

− Fases do processo
Os articulados
A primeira fase do processo declaratório comum é a fase dos articulados.
O propósito desta fase no conjunto do processo é a formação da relação jurídica
processual ou da instância. É nesta fase que se definem todos os elementos essenciais da
instância, isto não obstante a possibilidade de ulterior modificação do pedido, da causa
de pedir, das partes ou de alterações posteriores previstas na lei.
É nos articulados que se indicam as partes, o objeto do litígio e o tribunal (que tem, pelo
menos, o poder de se pronunciar pela sua própria competência pelo simples facto de lhe
ter sido dirigido o pedido). Dentro do tribunal, é também nesta fase, através do ato de
distribuição, que se designa o juiz competente para julgar a causa, que ficará investido do
poder jurisdicional que se esgota aquando da prolação da sentença.
Esta fase toma o nome de “articulados” porque a apresentação das peças processuais em
que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos
correspondentes, havendo mandatário constituído (seja ela advogado ou solicitador), é
feita sob a forma de artigos, cada um dos quais deve conter um facto- art. 147.º, n.ºs 1 e
2 CPC. Esta exigência está limita à matéria de facto e impõe-se apenas quando haja
mandatário constituído, pressupõe-se que apenas alguém com certa qualificação prática
consiga deduzir artigos. Além dos fundamentos de facto, devem as partes, já sem
obrigatoriamente o deverem fazer por articulados, invocar as razões que, no entender de
cada uma delas, deverão constituir fundamentos de direito da decisão.
Quanto à forma: os articulados têm de ser redigidos em língua portuguesa- art. 133.º, n.º
1 CPC e a sua transmissão ao tribunal deve, sempre que haja mandatário constituído, ser
feita por via eletrónica (art. 144.º, n.ºs 1 e 7). Não havendo mandatário constituído, pode
o ato ser pratica pelo meio da apresentação do articulado na secretaria- art. 144.º, n.º 7
CPC.
Data: O ato comunicado eletronicamente considera-se praticado na data de expedição-
art. 144.º, n.º 7 CPC.
Nesta fase, os grandes protagonistas são as partes, mas também há atos praticados pelo
tribunal, desde logo três atos muito relevantes: o ato da distribuição, que é a atribuição do
processo a um certo juiz (art. 203.º CPC); um eventual despacho liminar, nos casos em
que a lei o preveja- art. 226.º, n.º 4 CPC e a citação (art. 219.º e ss. CPC). O autor pode
pedir que a citação seja feita pelo mandatário, mas em regra é pela secretaria- art. 219.º.

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Espécies de articulados:
- Articulados normais: são a petição inicial (em que o autor deduz o pedido) e a
contestação (com que o réu dele se defende)
- Articulados eventuais: a réplica (com que o autor responde à reconvenção, quando haja,
ou à contestação da ação da ação de simples apreciação negativa).
- Articulados supervenientes: também são de caráter eventual e são aqueles que, a convite
do juiz, completam os articulados deficientes e os de resposta às exceções deduzidas no
último articulado apresentado. São admitidos excecionalmente- arts. 588.º e 589.º e são
apresentados já depois de terminada a fase dos articulados. Servem para trazer factos
novos ao processo, fixam o momento preclusivo.
24/03/2020
1. Petição inicial
A primeira peça processual é a petição inicial, e é o ato que dá início à ação.
Princípio do pedido: a iniciativa do autor é insubstituível, pois só a ele cabe solicitar a
tutela jurisdicional, que não pode ser oficiosamente concebida (art. 3.º, n.º 1 CPC). Sem
a petição inicial o tribunal não pode atuar.
O autor formula, assim, na petição inicial, um pedido- art. 552.º CPC, considerando-se a
ação proposta logo que o ato é ou se tem por praticado- art. 259.º, n.º 1. Se a petição
inicial é o primeiro ato da relação processual da ação, a partir do momento em que este
dá entrada na secretaria considera-se constituída a instância, a ação já está pendente- art.
259.º, n.º 1 conjugado com o art. 144.º, n.ºs e 7. Tem relevo prático por causa dos prazos
de caducidade. Constitui-se a instância, como relação jurídica entre o autor e o tribunal,
dizendo-se a partir daí, pendente a ação, e é impedida a caducidade do direito, através
dela feito valer, que só judicialmente possa ser exercido (art. 331.º, n.º 1 do CC).
Nota: A prescrição interrompe-se com a citação do réu, a caducidade com a propositura
da ação.
Da petição inicial devem constar todos os elementos referidos no art. 552.º, n.º 1 CPC:
importa ressalvar que é na petição que se identificam as partes (al. a)), que se expõem os
factos que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento
à ação (al. d)- o nosso código segue uma teoria da substancialização, o autor deve expor
os factos para fundamentar o pedido e que se formula o pedido (al. e)). Ou seja, é na
petição inicial que se delimita o objeto do processo: partes, pedido, causa de pedir.
O juiz é chamado a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua
apreciação- art. 608.º, n.º 2 CPC, não podendo condenar em quantidade superior ou em
objeto diverso do pedido sob pena de nulidade- arts. 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, als. d) e e)
CPC.
Os elementos essenciais para delimitação subjetiva e objetiva da ação:
Quanto às partes/ delimitação subjetiva: a relação jurídica processual trava-se entreas
partes e o tribunal, o autor deve designar qual é o tribunal/ juízo em que a ação é proposta
e deve identificar as partes mediante a indicação dos seus nomes (al. a) do n.º 1 do art.

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552.º CPC), os seus domicílios ou sedes e, sempre que possível, números de identificação
civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho. Caso o autor não saiba do
paradeiro do réu, então, deve identificá-lo como ausente ou em parte incerta- art. 236.º,
n.º 3 CPC. Isto tem consequências a nível do modelo da citação. Caso o autor constitua
mandatário judicial, deve ser indicado o respetivo domicílio profissional- art. 552.º, n.º 1,
al. b) CPC- e também a procuração forense.
Pedido: na petição inicial o autor deduz o pedido que é a específica tutela que o autor
solicita ao tribunal. No caso das ações declarativas, essa tutela pode traduzir-se numa
ação de simples declaração (para averiguar a existência ou inexistência de um facto ou
direito), numa ação de condenação ou numa ação constitutiva (produção de uma mudança
no ordenamento jurídico) - art. 10.º, n.º 3 CPC. O pedido pode ser sujeito a múltiplas
classificações:
Em primeiro lugar, o pedido pode ser uno ou múltiplo. É uno quando o autor solicita
apenas uma providência contra o réu. O pedido é múltiplo quando sejam solicitadasduas
ou mais providências contra o réu, isto é, ao autor é facultado deduzir mais de um pedido
contra o mesmo réu,
Os pedidos múltiplos podem estar em relação de cumulação (art. 555.º CPC) ou de
subsidiariedade (art. 554.º), mas só desde que não se verifique nenhuma das situações que
obste à coligação (art. 37.º CPC). Na cumulação, o autor deduz contra o réu, num só
processo, pedidos compatíveis, isto é, pede uma coisa e outra, já na relação de
subsidiariedade, o autor deduz um segundo pedido que só vai ser tomado em consideração
se o primeiro não proceder, ou seja, pede uma coisa ou outra.
Se estiverem numa relação de subsidiariedade e o autor a definir como uma relação de
cumulação, pode gerar a ineptidão da petição inicial (e vice-versa). Exemplo de pedidos
numa relação de subsidiariedade: é o caso de o autor pedir a impugnação pauliana de um
negócio jurídico a título principal e pedir a declaração da sua nulidade a título subsidiário
ou vice-versa. Quando se impugna paulinamente o negócio jurídico, estamos a falar de
um NJ válido. Se a ação proceder, o negócio jurídico seja ineficaz face ao credor que
pode intentar uma ação contra terceiro.
Outro exemplo, é pedir a título principal a restituição da coisa que foi prestada ao abrigo
do contrato nulo e, a título subsidiário, a condenação do réu ao cumprimento desse
contrato. Numa relação de cumulação seriam, mais uma vez, pedidos incompatíveis, mas
numa relação de subsidiariedade, são pedidos múltiplos.
O pedido deve ser certo, individualizado e concretizado, mas admite-se a formulação de
pedidos alternativos (art. 553.º CPC), a formulação de pedidos genéricos ou ilíquidos (art.
556.º/1) e de pedidos de prestações vincendas (art. 557.º).
Há lugar à dedução de pedidos alternativos (art. 553.º CPC), quando o direito que se quer
fazer valer é, por sua natureza ou origem, alternativo (como acontece na obrigação
alternativa: art. 543.º CC, ou pode resolver-se em alternativa, por exemplo, quando,
perante o incumprimento do devedor, o credor tem a opção entre insistir pelo
cumprimento e resolver o contrato, querendo manter ainda a indefinição.

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A lei permite também a dedução de pedido genérico ou ilíquido, isto é, de pedido
respeitante a um bem não rigorosamente determinado. De acordo com o art. 556.º, é
admitido o pedido genérico respeitante a uma universalidade, de facto ou de direito, à
indemnização decorrente de facto ilícito ou a um quantitativo dependente de prestação de
contas ou de outro ato a praticar pelo réu. No primeiro caso, o autor não tem de
individualizar os elementos que integram a universalidade (herança, biblioteca,
estabelecimento comercial, etc.). No segundo caso, o autor pede uma indemnização cujo
quantitativo não precisa, quer por tal lhe ser ainda impossível (não é ainda conhecida toda
a extensão do dano), quer por querer usar da faculdade que lhe confere a 1.ª parte do art.
569.º CC (a de não indicar uma quantia exata em que avalia o dano). No terceiro caso, é
pedida a condenação do réu no saldo que venha a resultar das conta que apresente ou no
montante resultante de outro ato que deva praticar. Por seu lado, o art. 557.º admite o
pedido de condenação em prestações vincendas (juros, rendas ou outras prestações
periódicas, em número e/ou quantitativo, ainda indeterminado), que configura,
igualmente, um pedido genérico.
A determinação do objeto a que o pedido respeita faz-se: nos casos da universalidade e
da indemnização por facto ilícito, mediante o incidente de liquidação, a deduzir na ação
declarativa, até ao momento do início da discussão da causa em 1.ª instância (art. 358.º,
n.º 1 CPC)- caso o tribunal entenda a ação procedente, condena no que vier a ser
liquidado- art. 609.º, n.º 2 CPC. A liquidação vai ter lugar já na ação executivo. No caso
em que a ação depende de ato a praticar pelo réu, pela prática deste ato ou de outro que o
supra, com subsequente pronúncia do tribunal. No caso de prestações vincendas,
mediante o cálculo aritmético do seu quantitativo total, fixando a sentença a parte que, à
data em que é proferida, for já liquidada, isto é, respeitante às prestações já vencidas- art.
609.º, n.º 2.
Caso, por força dessa não individualização, não seja possível sequer determinar o que o
autor pretende, deverá considerar-se inepta a petição inicial por ininteligibilidade: art.
186.º/1/a) CPC, o objeto é inidóneo. Se a falta não tiver essa gravidade, se puder ainda
assim determinar-se o fim prosseguido pelo autor, deverá o tribunal convidar o autor a
concretizar o pedido- art. 590.º, n.º 4 CPC. Se não o fizer, o juiz deve absolver o réu da
instância.
Quanto à causa de pedir: Na petição inicial deve o autor indicar os factos que entende
fundarem uma qualquer regra de direito que permita garantir a procedência do pedido.
Desta forma, a causa de pedir permite delimitar o modo como o autor compreende o
pedido. Ele aquilo por causa daqueles factos, o pedido é substanciado pela causa de pedir.
Quer o pedido, quer a causa de pedir servem para delimitar o objeto do processo. Por
exemplo: o autor pretende ser indemnizado pelo réu, a causa de pedir é constituída pela
prática de certos factos por parte do réu. Esses seriam os factos que integrariam a causa
de pedir. O pedido e a causa de pedir devem ser considerados em correlação. Segundo a
teoria da substancialização, o pedido é substanciado pela causa de pedir. O autor tem o
ónus da substanciação.
Art. 552.º, n.º 1, al. d)- O autor há-de indicar os factos constitutivos da situação jurídica
que quer fazer valer ou negar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência
afirma, os quais constituem a causa de pedir- 581.º, n.º 4.

44
Se houver só uma deficiência na apresentação dos factos, isto é, se a causa de pedir não
estiver suficientemente determinada, aplica-se o que vimos quanto à falta de
individualização do pedido.
Por outro lado, o autor deve, na petição inicial, invocar as razões de direito pelas quais
entende que o seu pedido merece acolhimento. Trata-se de aplicar o direito aos factos que
constituem a causa de pedir, de modo a que permita a conclusão constantes do pedido.
Ao contrário do que acontece com a causa de pedir (manifestação do princípio do
dispositivo- o tribunal não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não
invocada pelo autor- art. 608.º/2 CPC- sob pena de nulidade a sentença- art. 615.º/1/d)
CPC) e com o pedido, a fundamentação de direito da petição não condiciona o conteúdo
da sentença: o juiz permanece livre na indagação, interpretação e aplicação do direito (art.
5.º, n.º 3 CPC). Mas a fundamentação de direito, não tendo embora função
individualizadora da pretensão, não deixa de constituir um ónus, na medida em que o
autor, se não fizer, no mínimo, a indicação da norma jurídica ou do princípio jurídico que
tenha por aplicável, não poderá vir a arguir a nulidade da sentença que venha a ser arguida
com fundamento jurídico que elas não tenham anteriormente considerado. As razões de
Direito avançadas pelas partes têm grande importância, uma vez apresentadas as razões
de direito o juiz também deve tomar uma posição sobre elas.
Deve o autor indicar, ainda, a forma do processo (art. 512.º, n.º 1, al. c) CPC), que pode
seguir forma comum ou especial; o valor da causa (al. f) e arts. 296.º e ss. CPC); a
indicação do agente de execução ou mandatário responsáveis pela citação (al. g)); o
rol de testemunhas e documentos comprovativos destinados à prova que alega (art.
423.º, n.ºs 1 e 2 e 552.º, n.º 2 CPC). Deve também indicar a prova que pretende que seja
realizada na instrução e deve apresentar um documento comprovativo do pagamento da
taxa de justiça- art. 552.º, n.º 3. É este o momento, também, em que pode o autor requerer
a intervenção principal de outro autor, seja título de litisconsórcio necessário, seja a nível
de coligação ativa.
Valor da causa: Merece especial nota o valor da causa. Este é fixado no momento em
que a ação é proposta- art. 299.º, n.º 1 CPC e é determinado em função da utilidade
económica do pedido- art. 296.º, n.º 1 CPC.
Regras importantes de determinação do valor da causa:
- No caso de se exigir uma quantia em dinheiro, o valor da ação é o da quantia exigida-
art. 297.º/1.
- Em caso de cumulação de pedidos, atende-se à soma de valores- art. 297.º, n.º 2.
- Em caso de pedidos alternativos, atende-se ao pedido de maior valor- art. 297.º, n.º 3.
- Já em caso de pedidos subsidiários atende-se ao pedido feito em primeiro lugar- art.
297.º/3/2ª parte.
Assim, a distinção que vimos há pouco entre pedidos alternativos e subsidiários reflete-
se na regra sobre o valor da causa.
- Se estiver em causa a existência, a validade, o cumprimento, a modificação ou a
resolução de um ato jurídico atende-se ao valor do objeto tal como determinado pelas

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partes- art. 301.º, n.º 1 CPC. Por outro lado, se estiver em causa o direito de propriedade
ou a divisão de coisa comum atende-se ao valor da coisa- art. 302.º, n.º 1. Por exemplo,
uma ação de reivindicação, tem por base esta norma. Tratando-se de outro direito real,
atende-se ao seu conteúdo: art. 302.º, n.º 4 CPC.
- Por sua vez, se estiver em causa uma ação sobre o estado das pessoas ou se estiverem
em causa interesses imateriais ou difusos, então o valor da ação corresponderá ao valor
da alçada + 0,01.
O valor deve ser indicado pelo autor na petição inicial e pode ser impugnado pelo réu na
contestação (art. 305.º, n.º 1 CPC). O momento em que se fixa definitivamente o valor da
causa é, em princípio, o despacho saneador- art. 306.º, n.º 1 CPC. As regras do valor
importam diretamente para: determinar a competência do tribunal (art. 296.º/2 CPC); a
forma do processo de execução e a relação da causa com a alçada, que importa para o
funcionamento do sistema de recursos.
Vícios da petição inicial
i. Ineptidão
A petição inicial pode sofrer de vícios próprios. O vício mais relevante e grave da petição
inicial é a ineptidão que tem por consequência a nulidade de todo o processo: art. 186.º,
n.º 1 CPC. As causas de ineptidão revelam uma gravidade tal que o juiz se revela incapaz
de compreender e conhecer aquilo que o autor afinal pretende. As causas de ineptidão da
petição inicial constam do art. 186.º, n.º 2 CPC- a falta de formulação do pedido ou de
indicação da causa de pedir ou quando, embora aparentemente existente, o pedido ou a
causa de pedir é referido de modo tão obscuro que não se entende qual seja.
Pode também acontecer que ambos tenham sido claramente formulados, mas entre eles
haja uma contradição- o pedido está em contradição com a causa de pedir (por exemplo:
o autor invocando uma causa de invalidade de um contrato pede a condenação do réu no
cumprimento desse contrato. Pedido: ação de condenação, causa de pedir: a invalidade
desse contrato, a concreta causa de invalidade. O juiz não consegue a partir da nulidade
do contrato concluir pelo cumprimento do mesmo, é manifestamente impossível, há uma
contradição lógica).
Também há ineptidão da petição inicial quando se formulem causas de pedir ou pedidos
substancialmente incompatíveis. Assim, é nulo o processo em que seja pedida, ao mesmo
tempo, a condenação na realização da prestação e na omissão de a realizar, ou então, a
resolução de um contrato e a condenação do réu no seu integral cumprimento (art. 555.º
CPC).
Estas causas elencadas tornam impossível ao juiz conhecer o objeto da ação, daí a
consequência de todo o processo ser nulo. Estes são vícios cuja gravidade radica em que
não é sequer compreensível o pedido ou a causa de pedir, não tendo o tribunal sobre o
que se pronunciar. A ineptidão, por via de regra, não é um vício sanável, contudo há um
caso em que poderá acontecer- art. 186.º, n.º 3- é o caso em que o réu compreendeu a
finalidade do autor. O réu contesta, ainda que arguindo a ineptidão, verificando-se, após
a audição do autor, que interpretou convenientemente a petição inicial, a despeito do vício
verificado. O julgado compreende qual é o objeto da ação e aí já tem um objeto sobre o

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qual se pronunciar. Neste caso, mas apenas quando, apesar desta falha, seja claramente
determinado o fim a prosseguir pelo autor, pode o juiz convidar o mesmo a suprir certas
insuficiências ou imprecisões, aperfeiçoando a petição inicial (art. 590.º, n.º 4 CPC).
Nos termos da lei, o tribunal pode convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial quando
deduziu pedidos incompatíveis entre si? Imaginando que o autor pede a declaração de
nulidade do contrato e a impugnação pauliana do mesmo, podiam estar numa relação de
subsidiariedade, mas não, estão cumulados, é claro para o réu qual é o fim que quer o
autor- atacar uma certa venda. A impugnação pauliana é sobre um negócio válido. O
tribunal pode convidar o autor ao aperfeiçoamento da PI, mediante a escolha daquele
pedido que pretende que seja apreciado na ação ou a ordenação de ambos em relação de
subsidiariedade. Fora destes casos, a ineptidão da petição inicial dificilmente deixará de
constituir nulidade insanável.
Trata-se de uma nulidade de conhecimento oficioso- art. 196.º. Se houver despacho
liminar nos termos do art. 226.º, n.º 4 e art. 590.º, n.º 1, a petição inicial deve ser indeferida
liminarmente. Não havendo despacho liminar, o juiz deve conhecer da ineptidão no
despacho saneador, absolvendo o réu da instância e anulando todo o processo (art. 200.º,
n.º 2 CPC; 278.º, n.º 1, al b) CPC e 595.º/1/a) CPC). O réu pode arguir a nulidade na
contestação (art. 198.º/1, 571.º/2 e 577.º/b) CPC).
Não se confunde com a recusa da petição inicial: nesta primeira fase da ação, por via de
regra, não há qualquer contacto com o juiz, mas apenas com a secretaria. A secretaria é
chamada a fazer controlo da petição inicial, é um controlo de natureza externa, recusando-
a se faltar algum dos elementos do art. 558.º CPC. Não é um indeferimento da petição
inicial! Desta recusa da petição pela secretaria cabe a possibilidade da reclamação para o
juiz- art. 559.º, n.º 1 CPC- como não houve distribuição nesta fase, deve chamar-se o juiz
de turno: art. 89.º da LOSJ. Cabe recurso desta decisão (caso o juiz confirme a recusa)
até à Relação nos termos da norma do art. 559.º, n.º 2 do CPC. O autor pode em todo o
caso corrigir o vício e propor uma ação no prazo de 10 dias- art. 560.º do CPC,
aproveitando os primitivos efeitos da propositura da ação.
2. Distribuição
Uma vez recebida a petição inicial, se não houver nenhuma razão para a secretaria recusar
a mesma, segue-se o ato de distribuição, matéria a que se referem os arts. 203.º e ss. do
CPC. A distribuição visa igualar o número de processos que corre em cada secção e
consequentemente, a repartição do serviço entre juízes de funcionários (art. 203.º) e, por
outro, evitar a intervenção da vontade na determinação do juiz do processo, que há de ser
o juiz natural.
A distribuição é aleatória e automática, tendo lugar diariamente (art. 208.º), sendo feita
por meios eletrónicos (art. 204.º, n.º 1 CPC), de acordo com a regulamentação da Portaria
280/2013 de 26 de agosto (prática de atos processual por via eletrónica na parte que se
refere especificamente à distribuição).
Uma vez designado o juiz competente constitui-se o poder de julgar na esfera do concreto
julgador.
25/03/2020

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3. Despacho liminar
O ato que se pode seguir é um despacho eventual, o despacho liminar. Em casos
excecionais, o processo é, após a distribuição, apresentado ao juiz para despacho liminar-
arts. 226.º, n.º 4 e 590.º, n.º 1, por determinação legal ou por determinação do próprio
juiz- ordens internas que o juiz dá à secretaria para que todos os processos sejam
apresentados a despacho liminar ou então para determinados tipos de processo.
Levando o processo ao juiz, este pode indeferir liminarmente a petição inicial, quando o
pedido seja manifestamente improcedente e quanto ocorra uma exceção dilatória (art.
278.º, n.º 1) e a falta de pressupostos não seja suscetível de sanação- situação em que não
se justifica que os tribunais conheçam da causa. Este despacho tem por função indeferir
liminarmente se há algum problema processual ou se a petição não é manifestamente
improcedente. Só assim sendo é que vai citar o réu. Ao despacho liminar sucede a citação.
Nos termos da norma do art. 590.º, n.º 1, este despacho pode ter um de dois sentidos:
- ou a ordem do início do procedimento de citação (despacho de citação) que, por norma,
é feita pela secretaria, oficiosamente, mas quando há despacho liminar já não. Se o juiz
não encontrar nenhuma anomalia, ordena à secretaria que proceda com a citação.
- ou pode indeferir liminarmente o pedido deduzido pelo autor (despacho de
indeferimento liminar da petição inicial).
Pode o autor, nos termos da mesma norma (art. 590.º/1/parte final que remete para o
560.º) propor nova ação no prazo de 10 dias beneficiando dos efeitos da primeira ação. É
sempre admitido o recurso até à Relação- art. 629.º, n.º 3, al. c). A consequência é a
extinção da instância e não a absolvição do réu da instância porque este ainda não foi
citado.
À partida são estes os dois sentidos possíveis (citação ou impedimento). O terceiro sentido
a que a norma não se refere tem a ver com a possibilidade de o juiz já neste processo
ordenar os atos para garantir a regularidade da instância no caso de existirem exceções
dilatórias sanáveis: o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, se existir falta
manifesta de pressupostos processuais submetidos a conhecimento oficioso e suscetíveis
de sanação. Pode o juiz convidar o autor à regularização nos termos do art. 6.º, n.º 2 do
CPC, ou, se possível, proceder oficiosamente a essa regularização. Contudo, só deve
ordenar a citação do réu depois de a instância ser regularizada, isto é, se o juiz estiver já
em condições de, no despacho liminar, exercer o poder-dever que o n.º 2 do art. 6.º
confere, parece ser só de ordenar a citação do réu se a deficiência que o processo apresenta
tiver sido previamente corrigida, não deixando apenas para o despacho pré-saneador a
iniciativa do convite de aperfeiçoamento. Isto porque, uma vez que a presença da
respetiva exceção dilatória é um obstáculo ao conhecimento do mérito da ação, não faz
sentido que o réu tenha de suportar os efeitos da ação se o processo não é regular.
Além das hipóteses previstas no art. 226.º, n.º 4 (hipóteses em que a lei prevê que seja
apresentada a ação a despacho liminar), é de admitir que a secretaria, após receber a
petição inicial tome a iniciativa de, afigurando-se manifesta a falta de um pressuposto
processual (falta essa que não é, nos termos previstos na lei, causa de recusa) apresentar
a petição a despacho do juiz. Essa possibilidade estava expressamente prevista na versão

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antiga do CPC no art. 234.º-A, n.º 5, mas na atual versão já não está. Contudo, há o
princípio geral do art. 157.º, n.º 2, segundo o qual incumbe à secretaria realizar
oficiosamente as diligências necessárias para que o fim dos atos por si praticados possam
ser prontamente alcançado. Os atos da secretaria estão subordinados à finalidade do
processo, podendo-se retirar daqui a possibilidade de a secretaria apresentar a petição
inicial a despacho fora dos casos previstos no art. 226.º, n.º 4.
4. Registo da ação (o professor remeteu para as páginas 69 a 73 do manual do
professor José Lebre de Freitas)
Estão sujeitas: a registo predial ou de bem móvel as ações que tenham por fim, principal
ou acessório: a) o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de direito
sobre bens imóveis, automóveis, navios ou aeronaves, ou outros dos referidos no art. 2.º/1
do Código do Registo Predial, no art. 5.º do Registo da propriedade automóvel…
Estão sujeitas a registo comercial as ações que tenham como fim principal ou acessório:
a) o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de direito resultante de
facto referido nos arts. 3.º a 8.º do Código do Registo Comercial; b) a declaração de
nulidade ou anulação de contrato de sociedade, de agrupamento complementar de
empresas ou de agrupamento europeu de interesse económico, de ato constitutivo de
cooperativa ou estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou de deliberação
social; c) a reforma, declaração de nulidade, anulação ou cancelamento de registo- art. 9.º
CRCom.
A inscrição da ação relativa a direito sobre imóveis assegura ao autor a prevalência do
seu direito sobre o de terceiro que, depois dele, efetue uma inscrição relativa ao mesmo
bem (art. 5.º/1 e 6.º do Código do Registo Predial). O mesmo acontece no âmbito do
registo dos automóveis, navios e aeronaves e quando respeite a quotas ou partes social,
no âmbito do registo comercial.
5. Citação
Entende-se por citação, nos termos do art. 219.º /1 CPC- o ato pelo qual se dá
conhecimento ao réu de que uma ação foi contra si proposta (proporcionando-lhe o
exercício do direito de defesa), mas também se chama citação ao ato pelo qual se chama
alguém pela primeira vez no processo para ser parte na ação com interesse na causa.
Se o ato tiver uma finalidade meramente notificativa então chama-se notificação- art.
219.º, n.º 2 CPC, a citação é uma modalidade particular da notificação- o réu é citado para
contestar, o autor não é citado de que o réu apresentou contestação. A partir da primeira
citação do réu, quando é chamado ao processo, já não serão citações, mas sim notificações
dos atos que se dirigem ao réu.
Na citação devem dar-se a conhecer ao réu os elementos essenciais à sua defesa, ver o
art. 227.º, n.º 1- remessa e entrega tem que ver com as modalidades de citação.
Atualmente é a secretaria que oficiosamente tira estas cópias. Se fossem 5 réus tinha-se
de tirar 5 cópias e uma para a secretaria, mas atualmente envia-se. Tudo isso deve ser
comunicado no ato de citação, se assim não for a consequência é a da nulidade do ato da
citação- art. 191.º CPC.
Os efeitos: A citação tem efeitos processuais e materiais.

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O efeito processual próprio da citação é a perfeição da instância que se torna oponível ao
réu- art. 259, n.º 2- e se torna estável quanto às partes, quanto ao pedido e quanto àcausa
de pedir- arts. 260.º e 564.º, al. b), podendo, contudo, haver alterações nas causas previstas
na lei. Em suma, a estabilização dos elementos essenciais da causa.
Surge, neste momento, a exceção da litispendência não se podendo conhecer do mérito
de uma nova ação destinada à apreciação da mesma questão jurídica entre as mesmas
partes: arts. 564.º, al. c), 577.º, al. i) e 580.º CPC. O art. 581.º ajuda-nos a perceber quando
é considerada repetida uma causa. De acordo com o n.º 2 do art. 582.º, para efeitos de
litispendência, considera-se proposta em segunda lugar a ação em que o réu foi citado
posteriormente, precisamente porque só a partir desse momento é que a instância se
estabiliza. Na ação em que o réu foi citado posteriormente, há uma absolvição do réu da
instância.
A ação A é intentada em primeiro lugar e só depois a ação B, mas na ação B o réu é citado
primeiro, na ação A é citado depois e é nessa ação que é invocada a litispendência. Não
obstante ter sido intentada em primeiro lugar, só a partir do momento da citação do réu é
que a instância se considera estabilizada, daí esta solução.
O segundo efeito processual consiste no início da contagem do prazo para a contestação
do réu- prazo de 30 dias (art. 569.º/1 CPC) ao qual pode acrescer uma dilação de acordo
com o 245.º. Dando-se aqui a criação de um ónus (não de um dever jurídico) que é o ónus
de contestar: se o réu não contestar sofre consequências negativas- art. 567.º- que diz
respeito ao regime da revelia.
Efeitos materiais: faz cessar a boa fé do possuidor- art. 564.º, al. a) CPC; interrompe o
prazo da prescrição- art. 323.º, n.º 1 CC e 561.º CPC- e da usucapião- art. 1292.º CC,
mesmo havendo absolvição da instância, podem aproveitar-se os efeitos civis da citação,
caso o autor proponha nova ação e o réu for para ela citado no prazo de 30 dias do trânsito
em julgado da sentença- art. 279.º, n.º 2 CPC.
A citação pode ainda ter outros efeitos materiais: provoca o vencimento da obrigação-
art. 610.º, n.º 2, al. b) CPC e art. 805.º, n.º 1 CC. No seguimento da anterior, constituição
do devedor em mora. Vale também como notificação de cessão de créditos, tratando-se
aqui do meio idóneo para dar a conhecer ao réu- art. 583.º, n.º 1 CC.
Vale como regra, a oficiosidade da citação, sendo, à partida, a citação da responsabilidade
da secretaria do tribunal- art. 226.º/1 e art. 562.º. Se não for efetuada no prazo de 30 dias,
deve o autor ser informado das razões de não haver citação do prazo (art. 226.º, n.º 2
CPC). Corridos novos 30 dias, deve ser apresentada ao juiz- art. 226.º, n.º 3 CPC. Só
excecionalmente é que a citação é precedida do despacho liminar- 226.º/4.
Modalidades de citação: art. 225.º, n.º 1 CPC. A citação de pessoas singulares é pessoal
ou edital. A citação pessoal pode ser um citação pessoal em sentido próprio ou quase-
pessoal.
- Citação pessoal: procura-se que haja um qualquer tipo de contacto pessoal com o réu.
Procura-se fazer a entrega ao réu, sempre que possível em mão, do duplicado da petição
inicial e das cópias dos documentos juntos. Distingue-se entre a citação pessoal em
sentido próprio e a citação quase-pessoal. A primeira é o próprio réu que é contactado a

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citação faz-se pessoalmente na pessoa do próprio réu que é contactado por um profissional
judiciário ou por um distribuidor postal. É feito na pessoa do réu e não na pessoa de
terceiro. Na citação quase-pessoal é um terceiro que é contactado, mas que assume ele
próprio a responsabilidade de contactar o réu, ficando obrigado a entregar no prazo mais
breve possível a citação ao mesmo. A citação edital é subsidiária e só se recorre a ela
quando não é possível a citação pessoal.
Verificando-se alguma das causas do art. 245.º/1/a) CPC, quando a citação é realizada em
pessoa diversa do réu, acresce uma dilação de cinco dias ao prazo de defesa do citando.
É uma regra que vale para a citação de via postal e de hora certa que são submodalidades
de citação pessoal.
Modalidades de citação pessoal e quase-pessoal: citação por via postal (sendo essa a
regra); citação por agente de execução ou funcionário judicial; citação por mandatário
judicial- arts. 225.º, n.ºs 2 e 3.
Citação por via postal: arts. 227.º e 228.º CPC. Tratando-se de pessoa singular,
a citação por via postar é feita através de carta registada com aviso de receção, seguindo
o modelo oficial (regulado na Portaria n.º 953/2003, de 09 de setembro). É dirigida ao
citando e endereçada à sua residência ou ao seu local de trabalho- art. 228.º, n.º 1 CPC.
A citação, nos termos do art. 225.º, n.º 5, pode ser efetuada em pessoa diversa do
mandatário com poderes para a receber mediante procuração passada há menos de 4 anos.
Por sua vez, tratando-se de incapazes, pessoas coletivas, sociedades, condomínios,
patrimónios autónomos, a citação é feita na pessoa dos seus legais representantes- art.
223.º, n.º 1. Em caso de pluralidade de representantes, basta que um deles seja citado- art.
223.º, n.º 2- citação disjunta. A norma do art. 223.º, n.º 3 tem relevo prático, consideram-
se as pessoas coletivas e sociedades pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de
qualquer empregado que se encontre na sede ou no local de funcionamento normal da
administração.
A assinatura do serviço postal pode ser feita pelo réu ou por qualquer outra pessoa desde
que em condições de a entregar prontamente ao citando- é a citação quase-pessoal- art.
228.º, n.º 2 CPC.
O distribuidor do serviço postal deve identificar o citando ou então o terceiro que assina
o serviço de receção, se entregar ao terceiro, deve adverti-lo que deverá entregá-la de
imediato ao réu- art. 228.º, n.º 4, sob pena de responder sob pena de responder em termos
equiparados ao de litigante de má fé- art. 228.º, n.º 1 CPC. Neste caso, da citação quase-
pessoal, é enviada ainda uma segunda carta no prazo de dois dia úteis- art. 233.º CPC, por
precaução, mas sem aviso de receção.
Se não for possível fazer-se a citação é deixado um aviso ao citando e a carta permanece
por 8 dias em estabelecimento postal identificado- art. 228.º, n.º 5 CPC. Nos termos do
art. 228.º, n.º 6, havendo recusa da assinatura o distribuidor toma nota do incidente.
Considera-se eficaz e realizada a citação do réu, e logo considera-se o réu constituído para
a instância, logo que se mostre assinado o aviso de receção, mesmo assinado por terceiro:
art. 230.º, n.º 1 CPC. Pode, contudo, o citado ilidir a presunção de que teve conhecimento
da ação que sobre si impende, caso em que se considera haver falta de citação- art. 188.º,
n.º 1, al. e) CPC.

51
Particularidades que valem para as seguintes hipóteses:
- Nos termos do art. 229.º, quando se trate de ação por cumprimento de obrigações
pecuniárias, quando essas obrigações sejam emergentes de contrato redigido a escrito
(exigência de forma específica); quando haja domicílio convencionado (o domicílio
convencionado pode ser alterando nos termos do n.º 2 do art. 229.º) e quando o valor da
ação não exceda a alçada do Tribunal da Relação (art. 44.º LOSJ), salvo se se tratar de
fornecimento continuado de bens e serviços, a citação é feita no domicílio convencionado
e, mesmo que haja recusa para assinar o aviso de receção ou em receber a carta, a citação
tem-se como realizada, mediante a certificação desta recusa pelo distribuidor postar, nos
termos do art. 229.º, n.º 3 CPC (os pressupostos constam do art. 229.º, n.º 1 e a
consequência do n.º 3).
- Quando se trate da citação de pessoas coletivas, a citação deve ser feita por carta
endereçada ao endereço inscrito no registo nacional de pessoas coletivas- art. 246.º, n.ºs
2, 3, 4 e 5.
Num e noutro caso (na hipótese de domicílio convencionado ou de pessoas coletivas
inscritas no regimes nacional de pessoas coletivas), se o réu ou um seu funcionário recusar
assinar a carta ou o aviso de receção a citação tem-se por realizada mediante a certificação
dessa ocorrência pelo distribuidor postar. Tem muita importância prática- ver o art. 229.º,
n.º 3 e o art. 246.º, n.º 3. Caso falhe a citação por outra razão, então vale o disposto nos
n.ºs 4 e 5 do art. 229.º, sendo este último aplicável às pessoas coletivas por força do art.
246.º, n.º 4. Conjugar o 229.º, n.º 5 com o 230.º, n.º 2.
Citação por agente de execução ou por funcionário judicial:
A citação por agente de execução ou mandatário judicial é outra modalidade de citação.
O paradigma da citação é a citação por agente de execução, valendo estas disposições,
por identidade de razão e com as devidas adaptações para o mandatário judicial, há uma
remissão. Esta modalidade tem duas submodalidades: a citação por contacto pessoal ou
citação por hora certa.
A citação por agente de execução ou funcionário judicial tem lugar em dois grandes
grupos de casos:
1. º- aos casos
em que se frustrou a citação pessoal, devendo, nesse caso, ser dada ao autor
a possibilidade de escolher a modalidade de citação que entende mais conveniente.
Imaginando que foi recusado o recebimento da carta, não se considera a citação eficaz,
logo, frustrou-se a citação pessoal do autor.
2. º-casos em que o autor declare na petição inicial que pretende, desde o início, que a
citação seja realizada pelo agente de execução (art. 231.º, n.º 8 CPC) ou pelo funcionário
judicial (art. 231.º, n.º 9 CPC).
Tratando-se de citação por agente de execução, este pode ser designado pelo autor na
petição inicial- art. 552.º, n.º 1, al. g) CPC. O agente de execução, que é um profissional
liberal, pode aceitar ou recusar, sendo que para a recusa- o art. 552.º, n.º 8 CPC- a
designação fica sem efeito. Também pode ser feita oficiosamente pela secretaria- arts.
226.º, n.º 6 e 720.º, n.º 2 CPC.

52
Ao citando devem ser entregues todos os documentos de comunicação obrigatória pelo
agente de execução ou pelo funcionário judicial- art. 231.º, n.ºs 2 e 3 CPC conjugado com
o art. 227.º CPC. Mas, se ainda assim o citando se recusar a assinar a certidão do ato de
citação ou a receber o duplicado, o agente de execução dá conhecimento dessa situação
na certidão que lavra e dá conhecimento ao citando de que todo o expediente fica acessível
na secretaria do tribunal, onde pode ser levantado- art. 231.º, n.º 4 CPC. Para reforço da
advertência feita, envia-se posteriormente ao citando carta registada simples a notificá-lo
para o que dissemos anteriormente- art. 231.º, n.º 5.
Discute-se a consequência do não envio da carta? O não envio da carta (art. 231.º, n.º 5
CPC) é uma mera irregularidade, sem consequências para a validade do ato da citação.
Só assim não será se, à luz das circunstâncias do caso, o envio dessa carte revelasse para
a defesa do citado (art. 191.º, n.º 4 CPC).
Assim, em princípio, a citação considera-se feita no momento do contacto pessoal, isto é,
na data em que o agente de execução ou o funcionário judicial contactaram o citando e o
informaram de que, não obstante a recusa de colaboração, se considerava citado a partir
daquele momento, sem o benefício de qualquer dilação- art. 245.º, a contrario.
Citação por hora certa: o agente de execução ou funcionário judicial, apurando que o
réu trabalha efetivamente no local indicado ou reside no local indicado, mas não
conseguindo proceder a citação do mesmo, devem recorrer à citação por hora certa- art.
232.º CPC- sendo fixado o dia e a hora designados para a comparência do citado. Por
outras palavras, recorremos à citação por hora certa quando, nos casos de citação por
agente de execução ou funcionário judicial em que não se consegue contactar o citando,
mas se apura que ele reside ou trabalha no local indicado.
Esta variante começa com uma nota em que se indica a hora a que o agente de execução
ou funcionário se deslocará novamente ao local. Faz-se entrega da nota a quem estiver
em melhores condições de a transmitir ao citando e, sendo isso impossível, afixa-se o
respetivo aviso em local adequado a fim de proceder à citação com hora certa- art. 232.º,
n.º 1.
No dia e hora designados pode acontecer uma de três coisas:
- Fazem a citação na pessoa do citando, se este for encontrado;
- Fazem a citação na pessoa capaz que esteja em melhores condições de o transmitir ao
citando, ficando esse terceiro incumbido de comunicar o ato ao destinatário e assina a
certidão correspondente: art. 232.º, n.º2- deve-se advertir esse terceiro que cometerá um
crime de desobediência se não entregar logo que possívela citação ao citando: art. 232.º,
n.º 5 CPC.
- Se não for possível encontrar terceiro que receba a citação, esta realiza-se mediante
afixação da nota de citação no local mais adequado e na presença de duas testemunhas-
art. 232.º, n.º 4 CPC.
Em qualquer um destes dois últimos casos é enviada uma carta no prazo de dois dias com
os elementos fundamentais para a defesa- art. 233.º CPC. O momento relevante para se
determinar a data da citação é, consoante as situações, o da assinatura da certidão de
citação ou da afixação da nota de citação. Todavia o prazo para a contestação só começa

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a contar-se depois de decorrida a dilação de 5 dias- 245.º/1/a) CPC. A citação com hora
certa considera-se pessoal- 232.º/7.
Citação por mandatário judicial: é outra submodalidade, e está prevista nos artigos
237.º e 238.º, sendo que segue com as necessárias adaptações o regime do art. 231.º.
Citação edital
A citação edital visa permitir a chamada ao processo do réu ausente em parte incerta.
Nesta modalidade abdica-se do contacto pessoal com o citando, perante a ausência dos
elementos indispensáveis à determinação da pessoa, ou do seu paredeiro.
Em 1.º lugar, procura-se determinar o último paradeiro ou residência conhecida nos
termos da norma do art. 236.º, n.º 1. Esta possibilidade depende de prévio despacho
judicial e quando o juiz o considera absolutamente indispensável, vai-se à procura do réu-
art. 236.º, n.º 3. Se não se encontrar o último paradeiro do réu, então, procede-se à citação
edital que é feita mediante a afixação de um edital em página de acesso público- art. 240.º,
n.º 1- e à porta da última residência ou sede conhecida. A Portaria n.º 280/2013, de 26 de
agosto regula os vários aspetos da tramitação eletrónica dos processos judiciais,
importando para a nossa matéria o art. 1.º, n.º 6, al. h)- relativo à publicação do anúncio
de citação edital em página informática e o art. 24.º do mesmo diploma.
A citação considera-se feita no dia da publicação do anúncio- art. 242.º, n.º 1 CPC. Art.
242.º, n.º 2 CPC- é também a partir dessa data que começa a correr um prazo dilatório de
30 dias (art. 245.º, n.º 3 CPC).
A citação edital também se aplica às hipóteses em que o próprio réu é desconhecido, por
exemplo- na citação de herdeiros ou representantes de pessoas falecidas desconhecidas
do autor.
Claro que a citação edital não oferece garantias muito seguras, assim adota-se uma série
de expedientes que se destinam a proteger a posição do réu, nomeadamente, o MP é
chamado para a respetiva defesa- art. 21.º/1 CPC. No caso de revelia do réu e se ele
permanecer em revelia absoluta, a revelia considera-se inoperante- art. 568.º, al. b) CPC.
Citação no estrangeiro- rege nesta matéria a norma do art. 239.º CPC.

− A falta e nulidade da citação


A citação pode conhecer de dois vícios próprios: a falta de citação e a nulidade qualificada
da citação.
Falta de citação: existe falta de citação quando se verifique alguma das circunstância do
art. 188.º, n.º 1 CPC, ou seja, há falta de citação quando: o ato é completamente omitido,
quando tenha havido erro da identidade do citado, quando se tenha empregue
indevidamente a citação edital e quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento
do citando ou da extinção deste e quando se demonstre que o destinatário da citação não
chegou a ter conhecimento do ato por facto que não lhe seja imputável. Por outro lado, só
pode ser empregue quando esteja o réu ausente em parte incerta, só mesmo não sabendo
do seu paradeiro.

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A consequência é a nulidade da citação e de todos os atos que se lhe sigam: art. 187.º, al.
a) CPC- esta norma deve ser interpretada restritivamente porque podem ter sido
praticados atos que não padeçam de vício, como a distribuição e pode ter ocorrido um
outro ato, o despacho liminar, já temos dois atos: a distribuição e o despacho liminar e
portanto, pode ser o caso de não se anular tudo o que se processa, por isso é que a norma
deve ser interpretada restritivamente, de modo a salvaguardar os atos anteriores à citação
e que não padeçam de nenhum vício.
A falta de citação é de conhecimento oficioso- art. 196.º, podendo ser arguida em qualquer
fase do processo- art. 197.º, n.º 2 CPC. Se o réu intervir no processo sem arguir a falta de
citação, considera-se sanada a nulidade- art. 189.º CPC.
A nulidade da citação: vale quando não seja observada uma certa formalidade prescrita
na lei- art. 191.º, n.º 1 CPC, desde que tal facto tenha prejudicado a defesa do citando-
art. 191.º, n.º 4 CPC. A nulidade da citação não é, via de regra, de conhecimento oficioso-
art. 196.º, 2.ª parte, devendo ser arguida pelo réu no prazo da contestação- arts. 197.º, n.º
1 e 191.º, n.º 2, 1.ª parte CPC.
Contudo, quando não tenha sido indicado o prazo para a defesa ou em quando se tenha
empregue a citação edital, a nulidade é arguível a todo o momento e pode ser conhecida
oficiosamente até que seja sanada pela intervenção do réu, sem imediata arguição- arts.
196.º e 191.º, n.º 2, 2.ª parte. Em qualquer um dos casos deve ser a citação repetida ou
feita se houve falta.
Por último, em comum a ambos os regimes estão os seguintes elementos:
- Em caso de revelia absoluta do réu, o juiz deve verificar qualquer irregularidade
geradora da falta ou nulidade da citação. Se o réu não der sinal de vida no processo, o
tribunal deve verificar se há nulidade da citação ou falta da citação- art. 566.º.
- É admitido um recurso de revisão (que é extraordinário) quando se fundamente na falta
ou nulidade da citação- art. 696.º/e) CPC.
- É admitida a oposição à ação executiva quando o réu não interveio no processo- art.
729.º/d) CPC.
31/03/2020
6. Contestação
Uma vez citado para a ação, os efeitos da instância já são oponíveis ao réu que fica assim
sujeito aos efeitos de um possível caso julgado. Da mesma forma que o tribunal não pode
conhecer de uma certa ação sem que tal lhe seja pedido por uma das partes, daí a petição
inicial; não poderá o tribunal fazê-lo também sem que seja dada a oportunidade à parte
contrária de contrariar o autor- é o direito do contraditório plasmado no art. 3.º, n.º 1 do
CPC.
Prazo: O prazo para a contestação é de 30 dias a contar da citação, começando a
correr desde o termo de qualquer dilação a que possa haver lugar- art. 569.º, n.º 1 que se
pode conjugar com o art. 245.º, ambos do CPC. Nestes termos, se existir um prazo
dilatório, conta-se primeiro este e só depois o prazo perentório. Excecionalmente o prazo

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pode ser prorrogado até ao limite máximo de 30 dias nos termos do art. 569.º, n.º 5 CPC,
possibilidade também prevista no n.º 4 do mesmo artigo.
No caso de haver vários réus, todos beneficiam do prazo que termina em último lugar-
art. 569.º, n.º 2- isto pode acontecer ora porque os réus não foram citados na mesma data,
ora porque algum deles beneficia do prazo dilatório. Podem, por isso, os réus citados
aguardar a última citação para, quando ocorra, ficarem a saber até quando poderão
efetivamente contestar, mas, se o autor entretanto desistir da instância ou do pedido
relativamente a um réu não citado, serão os que ainda não contestaram notificados da
desistência, a partir da qual corre o prazo para a contestação- n.º 3 do mesmo art..
Nos termos do art. 286.º, n.º 1 do CPC, a desistência da instância depende da aceitação
do réu desde que seja requerida depois de oferecida a contestação. No n.º 2 deste art. diz-
se que a desistência do pedido é livre, não carece de consentimento réu, mas não prejudica
a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional seja dependente do pedido
formulado pelo autor.
Ónus de contestar e regime da revelia
Se é certo que o prazo dado para a contestação tem a finalidade de garantir esta
oportunidade de pronúncia por parte do réu, isto é, o prazo para contestação encontra-se
no benefício do réu para lhe oferecer a sua defesa. Contudo, verdadeiramente há um ónus
de contestação, o réu pode sofrer consequências negativas quando não conteste. Caso o
réu não conteste, consideram-se os factos articulados pelo autor provados por admissão-
art. 567.º, n.º 1 CPC. A esta situação de ausência de contestação dá-se o nome de revelia.
Resulta daqui que a fase da constatação pode terminar de uma de duas formas: ou com a
inércia do réu que não apresenta a contestação ou mediante a produção de contestação.
Do ponto de vista da atividade do réu distingue-se entre revelia absoluta e revelia
relativa e quanto aos efeitos da própria revelia distingue-se entre revelia operante e
revelia inoperante.
Temos uma situação de revelia absoluta quando o réu não intervém de modo alguma no
processo, isto é, quando o réu não desencadeia qualquer atividade processual, nem sequer
constituindo mandatário. No caso da revelia relativa, o réu, dentro do prazo da
contestação, intervém de outro modo no processo, nem que seja apenas para constituir,
por procuração mandatário judicial, isto é, limita-se a não contestar, mas dá sinal de vida
nos autos. Esta distinção tem interesse porque, no caso da revelia absoluta, o tribunal tem
o dever de verificar se a citação foi regulamente feita- art. 566.º. Havendo alguma
irregularidade, deve ordenar, novamente a citação. É assim porque esta completa ausência
de atividade processual levanta a suspeita que pode ter havido qualquer falha na citação
e essa seria a razão que estava na base de não ter sido apresentada defesa. Então, em suma,
deve verificar da regularidade da citação e ordenar a mesma, esta é a diferença de regime
entre ambas.
Quer a revelia absoluta, que a relativa, podem, por sua vez, gerar ou não o efeito próprio
da revelia que é, em regra, um efeito probatório- prova dos factos alegados pelo autor por
admissão (art. 567.º, n.º 1 CPC). É corrente denominar este regime-regra de revelia
operante. Não se confunde com a confissão, o réu ou o autor que confessem um facto
que lhes é desfavorável- este é um meio de prova.

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Contudo, há casos em que este efeito não se produz e aí surge a revelia inoperante queé
excecional. A inoperância pode ser total ou parcial.
Nota: costuma haver aqui um lapso que consiste em associar a revelia absoluta à revelia
operante e a revelia relativa à inoperante, mas não é isso que acontece, não se devem
cruzar assim os conceitos.
Notar que o efeito da revelia, sendo ela operante não é necessariamente a procedência da
ação, daí que se diga que o nosso sistema é um sistema cominatório semipleno, sendo
que seria pleno se a consequência da revelia, sendo essa totalmente operante, fosse a
procedência da ação- como não contestou a ação seria julgada procedente pelo tribunal.
O nosso sistema não é esse, o efeito próprio da revelia não é necessariamente a
procedência da ação, o que acontece é que os factos alegados pelo autor são tidos como
verdadeiros dada a ausência da contestação, contudo, cabe ao juiz aplicar o direito à causa
(o direito é de conhecimento oficioso por parte do juiz, este cai subsumir aqueles factos
à espécie legal correspondente), podendo a ação improceder se o juiz assim o concluir.
Distingue-se dos sistemas de contestação ficta, em que a omissão de contestação não tem
valor de prova legal.
Se a revelia for operante, o processo seguirá a tramitação simplificada constante do art.
567.º, n.ºs 2 e 3 e é contestada pelo advogado do autor e do réu- o processo é facultado
ao autor e ao réu e depois o tribunal julga de direito. De acordo com o n.º 3, se a resolução
da causa for simples, a sentença pode limitar-se à parte decisória, então, deixa de ser
necessário realizar atividade instrutória já que esta de destina a provar a veracidade dos
factos.
Contudo, há exceções a este regime-regra, o efeito de prova nem sempre se produz. Os
casos de revelia inoperante (independentemente de esta ser relativa ou absoluta) estão
plasmados no art. 568.º CPC:
- Al. a): Se houver vários réus, a contestação de um, aproveita aos outros quanto aos
factos que o contestante impugne. Há um ónus de impugnação especificada. Esta exceção
ocorre em qualquer situação de pluralidade de réus, seja ela litisconsórcio, seja coligação
e limita a sua eficácia aos factos de interesse para o réu contestante e para o réu revel. A
revelia será inoperante no que diz respeito aos factos que um outro réu tenha impugnado.
- Al. b) / 1.ª parte: Quando o réu, ou algum dos réus, for incapaz, e o litígio se situar no
âmbito da incapacidade. Numa situação em que haja outro réu revel para além daquele
que é incapaz, também não se produz contra ele o efeito da revelia na parte respeitante a
factos de interesse comum.
- Al. b) / 2.ª parte: Quando houver sido citado editalmente e permaneça em situação de
revelia absoluta. A probabilidade de desconhecer da ação é grande, é um regimegravoso
por isso é não se produz o efeito cominatório.
- Al. c): Quando o facto diga respeito a posições jurídicas não modificáveis por vontade
das partes. Quando respeite a situações ou posições jurídicas indisponíveis.
- Al. d): Quando se trate de factos que devam ser provados por documento escrito. Esse
documento não é dispensável, pelo que o silêncio da parte não se lhe pode sobrepor. O

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autor alega com o réu o contrato de compra e venda de um bem imóvel- para provar que
cumpriu a forma exigida por lei tem de apresentar o documento.
- art. 354.º, al. c) do CC: Não podem ser dados como provados factos que sejam física
ou legalmente impossíveis ou notoriamente inexistentes.
Nestes casos, fala-se em revelia inoperante. A inoperância pode ser total ou parcial, no
caso da citação edital, aí a revelia é totalmente inoperante, se houver factos que devam
ser provados por documento escrito aí é parcialmente inoperante- os factos são admitidos,
mas se têm de ser provados por documento, relativamente a eles não se verifica o efeito
próprio, aí é inoperante.
Em alternativa, pode o réu apresentar contestação.
Contestação
A contestação deve conter os elementos constantes do art. 572.º. Deve-se, de acordo com
a al. a), individualizar a ação; expor as razões de facto e de direito (al. b)); expor os factos
essenciais (al. c)); ter em atenção a al. d) no caso de ter havido reconvenção, se o réu
apresentar pedido reconvencional.
Modalidades da contestação: Há duas modalidades de contestação: contestação-defesa
e contestação-reconvenção. A primeira é aquela em que réu se defende do pedido
deduzido pelo autor, ora impugnado os factos, ora mediante a invocação de uma exceção,
isto é um, uma razão que embora não coloque em si mesma em causa os direitos
subjetivos do autor, obsta à prossecução da instância (exceção dilatória) ou à prossecução
do pedido (exceção perentória). Duas são, também, as modalidades de defesa ao alcance
do réu: a defesa por impugnação e a defesa por exceção.
A contestação-reconvenção é aquela em que o réu formula um contra-pedido contra o
autor, há uma ação por iniciativa do réu. Rigorosamente, há uma segunda ação por
iniciativa do réu dirigida contra o autor, é um pedido autónomo deduzido pelo réu contra
o autor, não é uma mera consequência da defesa apresentada pelo réu. Na contestação-
defesa também se termina com um pedido, pede para o tribunal o absolver da instância,
mas neste caso é uma mera consequência da defesa apresentada, não se trata de um contra
pedido.
01/04/2020
Vamos focar, agora, o estudo, na contestação-defesa:
Princípios a que obedece a contestação-defesa:
I) Princípio da concentração de toda a defesa na contestação. A exposição nominal
deste princípio já desvenda o que significa. Toda a defesa deve ser deduzida na
contestação, sob pena de não poder ser mais tarde- art. 573.º, n.º 1. Este é o princípio geral
e compreende-se à luz da finalidade da fase dos articulados, nesta fase pretende-se que se
traga à ação tudo o que possa importar para o desfecho da causa. Atenção ao n.º 2 do art.
573.º, a partir deste momento só podem ser introduzidos novos meios de defesa quando
esses sejam supervenientes (se o meio de defesa em causa for superveniente, então não
podia ter sido trazido no momento da contestação) e quando a lei expressamente o admita

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(que é o caso do art. 97.º, n.ºs 1 e 2, regime relativo à arguição da incompetência absoluta),
ou então quando sejam de conhecimento oficioso (retardável).
Note-se que quanto a esta última hipótese (conhecimento oficioso) abrange-se desde logo
a impugnação de direito. O réu pode impugnar um direito, mas, se não o fizer, é de
conhecimento oficioso. Acontece, também, com a maioria das exceções dilatórias (art.
578.º) e exceções perentórias (art. 579.º).
Os factos em que as exceções se baseiam apenas podem ser introduzidos no processo
pelas partes no momento oportuno, excetuados os casos em que o juiz pode conhecer
oficiosamente de factos- artigo 412.º. Devem ser introduzidos no processo na fase dos
articulados ou então com os limites definidos na lei no que respeita aos articulados
supervenientes. Excetuados os factos de conhecimento oficioso, o juiz não pode conhecer
oficiosamente dos factos, eles devem ser introduzidos no processo pelas partes.
Excetuados os três casos que acabamos de ver (factos supervenientes, quando a lei
expressamente admite ou quando são de conhecimento oficioso), o réu não poderá mais
recorrer ao meio de defesa que não invocou na contestação. Isto irá ter consequências no
que respeita ao efeito do caso julgado. Ele abrange também os meios de defesa que
podiam ter sido deduzidos, mas não foram.
Modalidades de defesa (art. 571.º):
A defesa por impugnação: pode ser de facto ou de direito. É de facto quando o
réu se opõe à versão da realidade apresentada pelo autor, negando (direta ou
indiretamente) os factos alegados na petição inicial.
Ex: o contrato não foi celebrado ou não o foi nos termos alegados pelo autor- na petição
inicial, numa ação de condenação com base no regime de responsabilidade contratual, o
autor vem alegar que celebrou um contrato com o réu com determinado termos e o réu
vem dizer que não celebrado contrato nenhum (impugnação direta) ou então vem dizer
que os termos da celebração foram outros, ocorrendo essencialmente quando são
contratos não sujeitos a forma escrita, podendo ser celebrados oralmente; ou, então, a
colisão entre o veículo do autor e do réu não se deu como autor descreve- é uma ação de
responsabilidade extracontratual, o réu vem dizer que a colisão entre o veículo do autor e
do réu não se deu como o autor descreve na petição inicial. Está a pôr em causa a versão
da realidade do autor.
É de direito quando o réu contradiz o efeito jurídico (normalmente o direito subjetivo
material por eles constituído) que o autor deles pretende extrair, pondo em causa a
determinação, interpretação ou aplicação da norma de direito feita pelo autor na petição
inicial. Não põe em causa os factos, mas o efeito jurídico que o autor pretende extrair dos
factos.
Ex: o contrato que o autor e o réu celebraram nos termos alegados pelo autor, não tem a
qualificação jurídica de compra e venda, mas sim de empreitada- o réu não nega que foi
celebrado um contrato, mas não foi celebrado nos termos alegados pelo autor. Ou então
que a descrição do acidente de viação feita pelo autor resulta que este é que teve culpa da
ocorrência e não o réu. Outro exemplo: da descrição do acidente feita pelo autor, partindo
dos factos alegados pelo autor, resulta que a culpa da ocorrência foi do autor e não do réu.

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Não existe um ónus de impugnação de direito, mesmo que o réu não impugne, o tribunal
pode fazer interpretação ou aplicação diferente da norma invocada pelo autor, mas deve
dar oportunidade às partes para discutirem isso. Já sabemos, contrariamente, existe um
ónus de impugnação de facto.
Impugnação dos factos:
No âmbito da impugnação, reveste maior importância a impugnação de facto, dado o
efeito cominatório que resulta da omissão de impugnar. A impugnação dos factos
constitutivos alegados pelo autor pode ser direta ou indireta. É direta quando o réu nega
frontalmente os factos, dizendo que não se verificaram. O autor afirma a realidade do
facto “x” e o réu nega essa realidade. Ex: o autor diz que entregou ao réu uma determinada
quantia pecuniária com base na celebração de um contrato de mútuo e o réu vem dizer
que essa quantia nunca foi entregue.
A negação indireta ou «per positionem» ocorre:
- quando o réu, confessando ou admitindo parte dos factos alegados, como causa de pedir,
pelo autor, afirma, por sua vez, factos cuja é incompatível com a realidade de outras
também alegados pelo autor no âmbito da mesma causa de pedir, que assim desvirtua. Na
confissão o réu declara a existência de um facto que lhe é desfavorável, a admissão, pelo
contrário, resulta da não impugnação dos factos alegados pelo autor. Ex: No exemplo
anterior, o réu defende-se dizendo que a quantia lhe foi entregue, não ao abrigo de um
contrato de mútuo, mas de uma doação, isto é, o autor não tinha intenção de a mutuar,
mas antes de a doar- assim, fica, por admissão, provada a entrega, mas o autor terá de
provar que a fez para a quantia lhe ser restituída. Os factos da fatispécie constitutiva do
direito do autor são, deste modo, parcialmente contrariados por via indireta, o que a
doutrina alemã designa como negação indireta ou imotivada.
- quando alega factos instrumentais (art. 5.º, n.º 2, al. a) CPC) probatórios incompatíveis
com os factos alegados, como causa de pedir, pelo autor. Ao invés, os factos probatórios
que o autor alega na petição inicial não têm de ser diretamente impugnados pelo réu: a
este basta impugnar o facto principal que deles se deduz, visto que, este último é que
integra a causa de pedir, ficando assim indiretamente impugnados os factos instrumentais
que a ele permitem chegar. Mas se o autor apenas tiver alegado factos instrumentais
porque deles se retira o facto principal ou porque condia que o julgador retira deles a
ilação desejada, o réu pode impugná-los.
Importa aqui fazer referência à parte final do n.º 2 do art. 574.º que parece levar-nos a
interpretar que os factos instrumentais não especificamente impugnados, ficariam
provados até que fosse produzida prova posterior que, pelo menos, criasse dúvida no
espírito do julgador. Esta interpretação não se harmoniza com a preocupação da lei que
os articulados cumpram a sua função de alegação restringida aos factos principais da
causa, assim temos de lhe dar a interpretação restritiva que mencionamos anteriormente.
Importa referir a distinção entre factos essenciais- que integram a causa de pedir e os
instrumentais- com uma função probatório, que servem para provar outros factos, não há
um ónus de impugnação dos atos instrumentais, basta que se impugne o ato essencial que
os atos instrumentais se destinam a provar. Nos termos do art 5.º do CPC, o tribunal pode

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conhecer dos factos instrumentais sem violar o princípio do dispositivo porque não têm
uma função modelar do objeto do processo.
- quando com estes é incompatível o conjunto de factos alegados pelo réu ou a negação,
pelo réu, de um dos factos alegados pelo autor, do qual os restantes dependem (art. 574.º,
n.º 2). Se, por exemplo, o autor baseia o seu pedido de indemnização numa conduta
culposa do réu, o réu não tem de tomar uma posição definida sobre cada um dos factos
alegados pelo autor, basta apresentar uma versão dos acontecimentos globalmente
contraposta à do autor, que seja incompatível com qualquer dos factos por este alegados.
Poderá bastar a alegação de um simples facto: tendo o autor alegado que, em determinada
data, o réu entrou no seu prédio rústico localizado em Santarém e destruiu frutos que se
encontravam por colher na árvore, o réu limita-se a dizer que nessa data estava em Lisboa.
O réu não tomou uma posição específica sobre aquele facto, mas esse está em oposição
com a defesa considerada no seu conjunto. A impugnação de um equivale a impugnação
dos demais.
Da importância da impugnação de facto decorre um verdeiro ónus de impugnação- não
se impugnando esse facto ele considera-se admitido por acordo- é o que resulta do art.
574.º, n.º 2. Só assim não será em alguns casos previstos no mesmo artigo- quanto aos
factos que hajam de ser provados por documento escrito, quanto aos factos que não
admitam confissão (art. 354.º CC) e quando o réu seja incapaz, ausente ou incerto,
representado pelo MP ou por advogado oficioso- art. 574.º, n.ºs 2 e 4. Ónus de
impugnação especificada: desde a revisão do CPC de 1996 que deixou de ser exigido na
nossa lei processual, como vimos agora mesmo, que a impugnação seja feita facto por
facto. Falava-se de um ónus de impugnação especificada, que obrigava o réu a tomar
posição sobre cada uma dos factos articulados pelo autor, individualizadamente.
Hipótese especial: Direta ou indireta, a impugnação, normalmente, repousa numa certeza:
o réu afirma que o facto alegado pelo autor não se verificou ou que se verificou um com
ele incompatível. A afirmação e a negação constituem declarações de ciência, que são
informações sobre a realidade baseadas no conhecimento do declarante. Mas pode
acontecer que o réu esteja em dúvida sobre a realidade de determinado facto: assim, em
vez de pôr em causa os factos alegados pelo autor, declara que não sabe se os factos são
verdadeiros ou não. A solução que a lei dá está plasmada no art. 574.º, n.º 3, distinguindo
os factos pessoais dos não pessoais. Constitui facto pessoal ou que o réu deve ter
conhecimento, não só o ato praticado por ele ou com a sua intervenção, mas também o
ato de terceiro perante ele praticado ou o mero facto ocorrido na sua presença e, ainda, o
conhecimento de facto ocorrido na sua ausência. Pretende-se com a expressão “de que o
réu deva ter conhecimento” cobrir os casos que, pela natureza e pelas circunstâncias
concretas em que ele se produziu, o juiz deve entender, segundo o seu prudente arbítrio,
usado em conformidade com as regras da experiência, que a parte dele teve conhecimento.
Os factos não pessoais são os restantes, que o réu não tinha de ter conhecimento. Se se
trata de um facto pessoal, então o facto considera-se admitido por acordo; se se trata de
um facto não pessoa, a declaração do réu equipara-se à impugnação desse facto.
Na prática o que se costuma dizer é o seguinte: Por não se tratar de um facto que o réu
deva ter conhecimento impugnam-se os artigos “x” e “y” nos termos do art. 574.º/3.
Defesa por exceção:

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Em lugar de colocar em causa os factos alegados pelo autor, isto quanto à impugnação de
facto, pode o réu impugnar pela inadmissibilidade da ação (que é porque falta uma
pressuposto pessoal, aqui a defesa é por exceção dilatória), ou pela improcedência das
ação à luz de outros fundamentos - são os dois planos da ação.
Nota: a origem da noção “exceção” vem do Direito Romano. No processo formulário, o
autor começava por se dirigir ao pretor para adquirir uma fórmula. Se a fórmula fosse
concedida, então inicia-se uma ação junto do iudex. Grande parte da evolução do Direito
romano foi atribuída a estas fórmulas- onde existisse uma fórmula, existia um direito de
ação. Entretanto desenvolveu-se uma categoria que era a da exceção.
As exceções são contra direitos que são exercidos pelo réu contra o autor para efeitos de
defesa.
Classificação legal das exceções: De acordo com o art. 576.º do CPC, as exceções podem
ser dilatórias (aquelas que obstam ao conhecimento do mérito da causa) ou perentórias
(aquelas que determinam a improcedência do pedido).
Por exemplo uma ação que tem como objetivo levar o réu a cumprir com determinada
obrigação- o autor alega que é credor do réu, sendo este seu devedor à luz de um
determinado contrato. O direito do autor emerge do próprio contrato. Se o réu impugna a
existência do contrato, então, defende-se por impugnação, atacando um facto queintegra
a causa de pedir. Um facto que é necessário que exista para que possa ser aplicada a norma
que neste caso é a condenação do réu. Mas agora imaginemos que ele não coloca em
causa a existência da obrigação, mas traz à colação um facto novo que é justamente o seu
cumprimento- é um efeito extintivo do direito invocado pelo autor, é uma contra-norma
que é justamente a norma de acordo com a qual o cumprimento é uma causa de extinção
das obrigações- aqui já seria uma defesa por exceção, neste caso, perentória.
Esta matéria deve ser articulada com outra matéria que é a matéria do ónus da prova
prevista no art. 342.º do CC. O réu reconvinte também tem o ónus da prova dos factos
constitutivos do seu direito. Atenção ao n.º 2 deste artigo- a prova dos factos impeditivos,
modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação
é feita- assim, a prova desses factos compete ao réu, ou ao autor reconvindo. Em suma, o
autor tem a prova dos factos constitutivos do seu direito, o mesmo se aplica ao réu
reconvinte, o réu tem o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos, ou extintos,
o mesmo se aplicando ao autor reconvindo.
No que diz respeito ao modo de invocação distinguem-se:
- Exceções em sentido próprio: aquelas que dependem da invocação por parte do réu. São
exceções de conhecimento provocado. Aqui cabe a prescrição, alguns casos de
incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral.
- Exceções em sentido impróprio: são aquelas de conhecimento oficioso a que se chamam
objeções. Arts. 578.º e 579.º do CPC.
Defesa por exceção dilatória
O art. 577.º CPC contém um elenco extenso, mas não exaustivo das exceções dilatórias-
não é taxativo. Já sabemos que para o tribunal se possa ocupar do mérito da causa,

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decidindo-a, é necessário que se verifiquem determinadas condições, que são os
pressupostos processuais e que, quando algum deles não se verifica, ocorre uma exceção
dilatória. Assim, o efeito da sua verificação é obstarem a que o juiz conheça do mérito da
causa, convidando as partes a sanar a instância ou realizando ele mesmo os atos
necessários para a regularização (art. 6.º, n.º 2). Se a falta do pressuposto não for sanada,
o juiz deverá proferir uma sentença de absolvição (do réu) da instância (arts. 278.º/1 e
576.º/2 CPC) ou, consoante os casos, remeter o processo para outro tribunal (arts. 99.º,
n.º2; 105.º/3; 278.º/2 e 576.º/2 CPC).
Admite-se que o juiz possa, excecionalmente, proferir uma sentença de mérito, ainda que
a falta do pressuposto processual não esteja sanada, quando o pressuposto processual vise
proteger a posição de uma das partes e nenhum motivo obste no momento da apreciação
da exceção a que se profira uma decisão de mérito integralmente favorável a essa parte-
art. 278.º, n.º 3 CPC.
Defesa por exceção perentória
Traduz-se a exceção perentória, na invocação de novos factos pelo réu cuja verificação
permite a aplicação de uma norma que impede, modifica ou extingue o direito invocado
pelo autor, assim, a consequência da sua invocação será a improcedência total ou parcial
do pedido- art, 576.º, n.º 3 CPC. Quando o réu invoca uma exceção perentória ele está a
alargar o objeto do processo para estritos efeitos de defesa, há um alargamento da matéria
de facto, isto é, o juiz continua a ter de conhecer do pedido ou causa de pedir antes de se
pronunciar sobre o mérito da causa, mas, agora, também terá de conhecer dos factos que
integram a exceção antes de proferir uma decisão de mérito.
Para intentar uma exceção perentória, dado que se pode tratar de um facto impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito invocado pelo autor, há que considerar de que forma
a atendibilidade dos novos factos invocados pelo réu interferem com a posição do autor-
art. 576/3/2ª parte.
A exceções podem ser perentórias impeditivas, modificativas ou extintivas.
Exceções perentórias impeditivas: o caso da anulabilidade de um negócio jurídico no
sentido de que a anulação radica num facto contemporâneo ou anterior à celebração de
um NJ. O facto que impede o exercício do direito que o autor invocou é um facto
contemporâneo e anterior à celebração do negócio jurídico.
Exceções perentórias extintivas: é o caso da resolução do contrato; causas de extinção das
obrigações- como o cumprimento; caducidade do direito; decurso do prazo de um direito
real menor (como o usufruto).
Só em função do molde em que interage com o direito exercido é que é possível identificá-
la. Por exemplo, a novação no 857.º. A novação é simultaneamente extintiva de uma
obrigação e constitutiva de uma outra. Se o autor demanda o réu para o cumprimento de
uma obrigação extinta e se o réu vem invocar uma novação, invoca um facto extintivo.
Exceções perentórias modificativas: o autor alega a existência de um contrato com
determinado teor e o réu vem dizer que esse contrato for alterado por acordo entre as
parte, por exemplo, foi constituída uma moratória.

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Classificações doutrinais das exceções:
I- Exceções materiais e exceções processuais: Esta é uma classificação doutrina que
encontra reflexos na lei no art. 847.º do CC e diz respeito à matéria da compensação- é
uma causa de extinção da obrigação. A al. a) do n.º 1 refere a exceção de direito material-
a lei utiliza esta classificação doutrinal. É diferente da anterior é exceção material dilatória
e perentória.
Exceções processuais: quando dizem respeito à concreta relação processual.
Exceções materiais: quando operam no plano da relação material controvertida e têm por
finalidade obstar à produção do efeito jurídico pretendido pelo autor.
II- Exceções perentórias e exceções dilatórias: Qualquer uma das anteriores cabe nesta
distinção. Assim:
As exceções processuais perentórias: têm por consequência a absolvição do réu da
instância, as dilatórias têm por consequência a remessa do processo para outro tribunal.
Por sua vez as exceções materiais podem ser, também, perentórias ou dilatórias. São
materiais perentórias quando têm por consequência a absolvição do réu do pedido. As
exceções materiais dilatórias têm uma consequência diferente, a consequência é que o
direito não pode ser exercido no momento em que o autor pretende. O direito não pode
ser exercido naquele momento, o que não quer dizer que não possa ser exercido em
momento posterior. Enquanto não se verificar a suspensão ele não o pode exercer. Ter em
consideração a norma do art. 621.º relativo ao alcance do caso julgado resultante da
procedência da exceção material dilatória- a sentença constitui caso julgado nos precisos
termos em que se julga. Este artigo tem de ser conjugado com o art. 610.º do CPC. Ex: o
direito de retenção, enquanto o réu o tiver, o autor não pode reivindicar a coisa.
As exceções materiais perentórias têm por consequência a absolvição do réu do pedido.
Um caso particular de difícil classificação é aquele que diz respeito a exceção de não
cumprimento prevista no art. 428.º do CC- a discussão é saber se se trata aqui de uma
defesa por exceção ou por impugnação?
É corrente, na doutrina nacional, a sua apresentação como exemplo de defesa mediante
exceção material dilatória, porque o réu será condenado a cumprir se e quando o autor
efetuar a contraprestação a que se encontra obrigado. O que defendem é que o réu põe em
causa o direito do autor mediante o facto impeditivo do direito. A dúvida é saber se é um
facto constitutivo do seu direito.
No entanto, esse enquadramento tradicional suscita dúvidas porque a defesa utilizada, em
rigor, não resulta do aproveitamento de um contra norma (modificativa) de que o réu
procura prevalecer-se para afastar a condenação imediata no pedido. Esta é a segunda
posição, é que a prévia realização da prestação do autor não é um pressuposto do seu
direito, mas um meio de defesa próprio dos contratos sinalagmáticos. Assim, esta situação
ia ser configurada como uma negação (impugnação) daquele segmento factual presente
na causa de pedir.
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/01/2013, relator: Jorge Arcanjo:
Dentro desta nossa classificação, a exceção de não cumprimento é, então, uma exceção

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material dilatória. Há um regime específico- o ponto de vista processual a invocação da
exceção de não cumprimento deverá dar lugar a este regime especial, é isto que o acórdão
nos diz: “A procedência da excepção do não cumprimento do contrato implica, não a
absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo”. Pode o tribunal condenar logo
o réu, desde que o autor realize a prestação, assim, pode condenar em simultâneo quer o
autor, quer o réu no mesmo processo.
A ordem da defesa: Em primeiro lugar apresenta-se a defesa por exceção dilatória- se
procede uma então o tribunal não se vai poder pronunciar sobre o mérito da causa, está
prejudicado o conhecimento restante da causa, leva à absolvição da instância- por uma
questão de procedência lógica. Depois virá a defesa por impugnação e, seguidamente, a
defesa por exceção perentória.
Contestação-reconvenção
O articulado contestação serve, também, para o réu deduzir pedidos contra o autor, em
exercício do direito de ação e em ampliação do objeto do processo (art. 266.º, n.º 1 CPC).
Denomina-se reconvenção o pedido assim deduzido pelo réu, que no âmbito da
reconvenção toma a designação de reconvinte, enquanto o autor da ação é nela o
reconvindo. A reconvenção traduz um verdeiro exercício de um direito de ação por parte
do réu que é verdadeiramente uma autor.
A reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação e com os elementos e
indicações das als. d) e e) do art. 552.º (art. 583.º, n.º 1 CPC). Só é permitida nos termos
do art. 266.º, n.º 2- tem de se verificar algum dos elementos de conexão com o pedido do
autor indicados no art. 266.º, n.º 2 e não poderá verificar-se nenhum dos requisitos
negativos da compatibilidade a que refere o n.º 3.
Requisitos de admissibilidade da reconvenção:
Requisitos substantivos:
Al. a) do n.º 2: quando o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de
fundamento à ação ou à defesa. Por exemplo: numa ação de responsabilidade de
cumprimento defeituoso de uma empreitada pode o réu pedir a condenação no preço. Ou,
outro exemplo, invertendo a situação: a obra já foi concluída e o dono da mesma recusa-
se a pagar o preço que falta pagar- o réu, o dono da obra, vai dizer que não aceita receber
a obra porque houve atrasos na obra e a obra tem defeitos, vai fazer um pedido
reconvencional em que pede que o empreiteiro seja condenado a desfazer os defeitos da
obra. O código anotado tem muitos exemplos.
Al. b) do n.º 2: Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas
relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida.
Al. c) do n.º 2: quando o réu pretenda o reconhecimento de um crédito, ora para obter a
compensação, ora para obter o pagamento do valor em que o crédito excede o pagamento
do autor.
Natureza jurídico-processual da compensação de créditos: Esta alínea vem sequência de
uma grande discussão doutrinal. A compensação é o direito potestativo de extinguir uma
dívida mediante o exercício de um direito de crédito, faz-se por simples declaração. O

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que se discutia era se o autor demandar o réu para o cumprimento de uma obrigação e o
réu, na contestação, declarar o crédito extinto por compensação, isto é, se o réu quiser
invocar a existência de um contra crédito para extinguir o direito que o autor está a exercer
contra ele, como é que o deveria fazer? Materialmente é uma defesa por exceção
perentória extintiva, mas processualmente, isso deveria ser feito por defesa por exceção
perentória ou pedido reconvencional?
O contra crédito que o réu vem invocar pode ser de valor igual ou inferior, mas também
pode ser de valor superior. Então o réu pode invocar o contra crédito para operar a
extinção, mas pode também pedir a condenação do autor no remanescente do contra
crédito. Assim, até 2013, havia quem entendesse que para fazer operar a compensação
apenas (até ao valor do crédito peticionado na ação), seria através da contestação-defesa
por exceção perentória; se quisesse o remanescente tinha de recorrer à reconvenção. Mas
também, nesta altura, havia quem defendesse que, mesmo para operar apenas a
compensação, era necessário recorrer à via reconvencional porque a compensação
traduziria o surgimento de uma nova relação jurídica para a ação e, por estar uma nova
relação jurídica em causa, para fazer operar a compensação, teria de se recorrer a um
pedido reconvencional. Depois de 2003, surge esta al. que nos diz exatamente o mesmo
que esta posição final defendia- para obter o efeito extintivo, como se trata para trazer
uma nova RJ para a lide, tem de se recorrer à reconvenção.
Al. d) do n.º 2: quando o réu pretende obter o mesmo efeito jurídico que o autor pretende
obter. Ex: num acidente de viação em que o autor propõe um ação de responsabilização
contra o réu alegando que este era o autor e o réu diz que o autor é que era o condutor
culpado.
Requisito processual: Art. 266.º, n.º 3: Em todo o caso, não é admissível a reconvenção
quando ao pedido do réu corresponda diferente forma de processo, salvo quando o juiz o
autorizar.
Art. 583.º, n.º 2 CPC- o reconvinte deve ainda declarar o valor da reconvenção. A
contestação não pode ser recusada pela falta de indicação do valor da reconvenção; mas
esta não será atendida se o reconvinte, convidado a indicá-la, não o fizer.
Articular com o art. 117.º, n.º 3 da LOSJ- relativamente à indicação do valor que diz que
são remitidos aos juízos centrais civis os processos pendentes- pode ser o caso aqui, o
valor da reconvenção pode acrescer ao valor da ação passando a ser competentes os juízos
centrais cíveis (ação declarativa e de valor superior a 50 000€).
14/04/2020
1. Réplica
Quando haja reconvenção, pode existir um outro articulado que é a réplica- art. 584.º
número 1 (também é assim nas ações de simples apreciação negativa, nos termos do n.º
2) para responder ao pedido reconvencional. Isto é, quando o réu haja deduzido
reconvenção, o autor tem, para lhe responder, um outro articulado, que é a réplica.
Função: Atualmente, a réplica tem uma única função- a réplica desempenha, em face da
reconvenção, o mesmo papel que a contestação (defesa) do réu em face da petição inicial:
é, por sua natureza, uma contestação da reconvenção, inteiramente sujeita, ressalvadas as

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devidas adaptações, ao regime da contestação. Tem por função a dedução de defesa no
que toca ao pedido reconvencional. A réplica está para a reconvenção como a contestação
está para a petição inicial. O réu, separadamente, pode deduzir um pedido reconvencional.
No caso em que acontece, o autor terá o direito e um ónus de impugnar a matéria de facto
avançada na contestação-reconvenção- art. 587.º, n.º 1 (a falta de apresentação daréplica
ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no art.
574.º).
No art. 574.º- o réu tem o ónus de contestar e tem também o ónus da impugnação
especificada, se não observar esse ónus, os factos articulados pelo réu consideram-se
admitidos por acordo. Aplica-se o regime cominatório predisposto para a revelia do réu,
o pedido reconvencional será decidido no despacho saneador se, consequentemente, todos
os factos relevantes alegados pelo reconvinte deverem ser considerados provados.
Estamos então perante um ónus de impugnação especificada- tem o ónus de replicar e
impugnar a matéria de facto trazida pelo réu na contestação. Contudo, não podem dar-se
por provados por falta da impugnação da réplica, os factos que o autor tenha negado na
petição inicial, não porque o tivesse de fazer, mas porque o autor previu a possibilidade
de ter de o fazer num momento posterior.
Ex: uma ação de reivindicação de um bem imóvel e, o autor, antecipando a possibilidade
admitida na lei de o réu vir a deduzir um pedido reconvencional alegando o direito à
indemnização por benfeitorias, logo na petição inicial, nega que o réu tenha feito
quaisquer obras no imóvel. O réu contesta e vem deduzir um pedido reconvencional com
este sentido, mas como o autor, embora não o tivesse de ter feito na PI, já o negou, assim,
não há admissão do facto por acordo.
O autor pode defender-se por impugnação (face aos factos deduzidos pelo réu na causa
de pedir do seu pedido reconvencional) ou por exceção (apresentar factos que extinguem,
impendem ou modificam o efeito jurídico) e devem ser deduzidos separadamente dada a
remissão do n.º 2 do art. 587 para o 572.º/c).
Nas ações de simples apreciação negativa (art. 584.º, n.º 2- destinadas à declaração da
inexistência de um facto ou de um direito- provatio agendum), a réplica aqui tem uma
função diferente, aqui o réu é provocado a agir contra o autor, pelo que a petição inicial
destina-se a que o autor exponha os factos segundo os quais o réu diz que tem aquele
direito e porque é que há uma situação de incerteza, e a contestação tem a função de o réu
vir a alegar os factos constitutivos desse direito, assim a réplica tem como função a
impugnação desses factos pelo autor. O autor tem o ónus de impugnar, na réplica, os
factos constitutivos alegados pelo réu, bem como o de deduzir as exceções perentórias,
baseadas em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo réu
ou em elementos impeditivos do facto jurídico cuja existência o réu haja afirmado.
No Código de Processo Civil de 2013, a réplica deixou de ter lugar para resposta às
exceções deduzidas na contestação, função esta que anteriormente também
desempenhava. Nela o autor impugnava os factos que o réu tivesse alegado como
fundamento das exceções deduzidas, sob pena de se terem por provados por admissão,
em termos idênticos e com as mesmas exceções que vigoram para o réu na contestação.
As partes têm de ter possibilidade de se pronunciarem pelos factos trazidos. O autor
estava, pois, sujeito, na réplica, ao ónus de impugnação dos factos constitutivos das

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exceções deduzidas pelo réu. Na réplica tinha ainda o autor, com sujeição ao mesmo
regime de preclusão a que está sujeito o réu, a contestação, o ónus de deduzir as contra-
exceções (exceções às exceções deduzidas pela parte contrária) que tivesse a opor à
contestação, alegando os factos impeditivos, modificativos, ou extintivos dos efeitos dos
alegados pelo réu em sede de exceção. Finalmente, cabia ao autor invocar os fundamentos
jurídicos que tivesse a opor às exceções deduzidas pelo réu, bem como aqueles em que
fundasse as contra-exceções que deduzisse, com a vantagem, quando a estes, de preservar
a faculdade de arguir eventual nulidade por violação judicial do princípio do
contraditório.
Com outro regime, a função desaparecida é agora desempenhada pelo articulado do art.
3.º/4, sem prejuízo de, havendo réplica, o autor a dever aproveitar para antecipar esse
articulado de resposta às exceções, com manifesta economia processual. Pode não ser
admissível a réplica porque esta só é admissível agora nos casos previstos no artigo 584.º,
fora destes não é admissível – por isso o artigo 3º, n º4 diz que as exceções deduzidas no
último articulado admissível que pode ser a contestação, no caso de não ser admitida a
réplica, a resposta a essas exceções tem lugar na audiência prévia ou no início da
audiência final.
Há autores que entendem que sendo admissível a réplica (art. 584.º), deve nela ter lugar
a resposta às exceções, se o réu se tiver defendido por exceção e se a réplica for admitida
então pode ter por função e deve ser aproveitado este articulado para se responder as
exceções, Lebre Freitas entende isto, embora não seja o que resulta da lei. Pode acontecer
que o tribunal, sobretudo quando quer resolver a causa no saneador, entenda que a
exceção se verifica e dar ao autor um articulado típico de resposta, ao abrigo do princípio
da gestão processual, isto é possível. Há uma tendência dos juízes a admitir que haja
resposta às exceções desta forma.
Além destas funções primárias, antes de 2013, a réplica tinha ainda uma função
secundária importante: o autor podia modificar ou ampliar o pedido ou a causa de pedir
– ou ambos, alterando ou ampliando o objeto do processo, e por maioria de razão podia
o autor também aproveitar a réplica para completar ou retificar a matéria de facto que
integrava a causa de pedir.
Esta função foi suprimida no novo Código. Lebre Freitas refere que isso não exclui que ,
havendo réplica nos casos em que seja admitida, que o autor nela possa reduzir o pedido
ou ampliá-lo em consequência do pedido primitivo – art. 265.º, n.º 2; ou alterar ou
ampliar a causa de pedir nos termos do art. 265.º, n.º 1 – bem como completar ou
concretizar a matéria de facto alegada na petição inicial – art. 590.º, n.º 4. Existindo
réplica nos casos em que a lei prevê, poderá aproveitar-se para este efeito. Pode também
na réplica alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado – 552.º, n.º 2.
Prazo: o prazo para a réplica é de 30 dias contados da data da notificação da contestação
ao autor (art. 585.º). Este prazo, igual ao da contestação, justifica-se pela natureza da
reconvenção.
2. Articulados supervenientes
Em primeiro lugar, pode fazer-se uma distinção entre articulados supervenientes em
sentido amplo e em sentido restrito. Em qualquer dos casos o que se trata é que estamos

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perante articulados que pertencem logicamente à fase dos articulados, mas que
cronologicamente não se integram. Vimos este entendimento lógico e cronológico
aquando do estudo das várias fases processuais.
Em sentido amplo são todos aqueles que tenham lugar depois de terminada a fase dos
articulados em sentido cronológico. Podem dar-se alguns exemplos:
- Articulado resultante do convite dirigido pelo juiz à parte (antes era um poder
discricionário do juiz, agora entende-se que é um poder dever do juiz com consequências
– se não observar este poder-dever temos uma nulidade processual por omissão da prática
de um ato que a lei prevê) ao aperfeiçoamento da matéria de facto, no caso de haver
insuficiência ou imprecisão na exposição da matéria de facto, com direito a resposta da
parte contrária: art. 590.º, n.ºs 2, al. b) e 4 e art. 591.º/1/c). O autor tem o ónus de alegar
os factos constitutivos do seu direito ou em matéria de facto que integra a matéria de
exceção por parte do réu e a alegação desses factos pode ter sido insuficiente ou
imprecisa-lacunosa, o juiz deve dirigir um convite ao aperfeiçoamento.
- Havendo sido deduzida uma exceção no último articulado (normal ou eventual)
integrado na respetiva fase, a parte contrária pode responder-lhe na audiência preliminar
ou na audiência final (art. 3.º/4 CPC).
- O requerimento de modificação unilateral do pedido por redução ou amplificação (art.
265.º, n.ºs 2 e 4 CPC), a alteração da causa de pedido por acordo (art. 264.º CPC).
- A dedução de uma exceção que, não sendo superveniente, a lei admita depois da fase
dos articulados por ser de conhecimento oficioso (art. 573.º/2 CPC) - vem ser deduzida
uma exceção depois da fase dos articulados. Em princípio não o podia fazer o réu porque
há um princípio da concentração da defesa na contestação – devia ter sido deduzido na
contestação, mas há exceções – uma delas é tratar-se de matéria de conhecimento
oficioso. E a parte vem a fazer isso através de um articulado superveniente em sentido
amplo.
Em sentido estrito, próprio ou técnico: aquilo a que habitualmente nos referimos quando
nos referimos a articulados supervenientes – são apenas aqueles articulados que servem
para alegação de um facto superveniente e que estão cronologicamente situados numa
fase posterior à fase dos articulados – é com base nesta noção que partimos para os artigos
588.º e 589.º. Ocorrendo factos supervenientes, a parte a que aproveita pode alegá-los em
articulado superveniente, com direito a resposta da parte contrária (art. 588.º).
É destes articulados que agora falaremos. Eles servem para trazer ao processo factos
supervenientes ao momento em que se apresentou o último articulado admissível. Servem
quer para a alegação pelo autor ou réu reconvinte de factos constitutivos, quer para a
alegação pelo réu ou autor reconvindo de factos impeditivos, modificativos e extintivos-
art. 588.º, n.º 1.
Os factos impeditivos são contemporâneos da constituição do direito – quando o réu
apresenta a contestação, os factos impeditivos já ocorreram necessariamente. Mas pode
haver uma superveniência subjetiva. No caso, por exemplo, de ter existido coação que
pode não ter terminado ainda.
A superveniência pode ser (art. 588.º, n.º 2), então, subjetiva ou objetiva:

69
Objetiva: quando os factos só tenham ocorrido depois de terminada a fase dos articulados.
Os factos não existiam ainda, só ocorrem depois. Por exemplo, ocorreu um novo dano
que ainda não se tinha produzido no momento em que foi apresentado o respetivo
articulado.
Subjetiva: quando esses factos já se tenham verificado, mas a parte só tenha conhecimento
deles posteriormente, isto é, só agora conhece o vício oculto da coisa (que já existia).
Devendo, neste caso, fazer-se prova da superveniência, não basta alegá-la. Exemplo: só
agora o autor conhece um vício oculto da coisa. Ou seja, o vício já existia, mas estava
oculto.
Podem apresentar-se estes factos até ao encerramento da discussão- art. 588.º, n.º 1:
havendo factos supervenientes devem ser trazidos até este momento. A razão para este
momento temporal prende-se com o facto de ser em função dele que se fixam os limites
do caso julgado. A sentença deve corresponder à situação existente no momento do
encerramento da discussão- art. 611.º, n.º 1, parte final.
Estes factos supervenientes podem e devem ser trazidos até este momento – é o momento
último até ao qual podem ser trazidos factos supervenientes ao processo. A partir do
encerramento da discussão é que não podem. Se houver factos posteriores a este
momento, a existência desses factos não ficam abrangidos pelo caso julgado – pode haver
uma nova ação com base nesses factos. Os que estão até este momento temporal que
foram trazidos ao processo ou deviam ter sido – não podem ser integrados noutra ação no
sentido de fundar um outro pedido porque ficam abrangidos dentro dos limites do caso
julgado.
Existem, contudo, momentos de preclusão específicos dependentes do momento da sua
ocorrência ou conhecimento, que o art. 588.º, n.º 3 indica: audiência prévia (quando os
factos hajam ocorrido ou tenham sido conhecidos até ao respetivo encerramento); termo
do prazo de 10 dias contados da notificação da data da realização da audiência final
(quando não se tenha realizado a audiência prévia); audiência final (quando os factos
ocorreram ou se tenha conhecimento deles em data posterior às referidas nas als.
anteriores). Se teve conhecimento em data posterior, são momentos de preclusão
específica.
Apresentado o articulado com oferecimento da prova relativamente aos factos alegados,
o juiz profere despacho de admissão, ordenando a notificação da parte contrária para
responder em 10 dias, ou então despacho de rejeição, podendo esta ter um de dois
fundamentos: apresentação fora de tempo por culpa da parte ou a manifesta inviabilidade
(art. 588.º, n.º 4).
Com a resposta também deve ser oferecida prova. Notificada a parte contrária, esta está
sujeita a um ónus de impugnação – o que significa que se não responder ou não impugnar
todos os factos alegados, aqueles que não impugnados são dados como provados por
admissão- há uma dupla remissão do art. 588.º, n.º 4 parte final para o art. 587.º, n.º 1 que,
por sua vez, remete para o art. 574.º. Os factos impugnados e aqueles relativamente aos
quais não ocorra a cominação (aqueles não admitidos) - art. 574.º, n.º 2- vão ser objeto de
prova- art. 588.º, n.º 6.

70
Relativamente ao réu não joga/ não se aplica a preclusão do art. 573.º, n.º 1 para estas
exceções supervenientes (art. 573.º, n.º 2). Se o réu trouxer factos supervenientes que
integrem matéria de exceção pode fazê-lo através de um articulado superveniente sem
violar o princípio da concentração da contestação porque, neste caso, é uma exceção
prevista no n.º 1, conforme o art. 573.º, n.º 2.
Quanto ao autor, tem sido controvertido se a alteração ou ampliação da causa de pedir
é admissível fora dos circunstancialismos dos artigos 264.º e 265.º. Estes artigos preveem
os casos em que é possível haver uma alteração ou ampliação da causa de pedir com
acordo ou sem acordo, é uma exceção ao princípio da estabilidade da instância, sendo que
se estabiliza com a citação do réu, sendo esse o momento tido como referência para saber,
no caso de litispendência, em que ação deve ser invocado este pressuposto processual
negativo.
Em sentido negativo pronunciou-se Castro Mendes dando o seguinte exemplo: o autor
não poderia invocar, na ação de reivindicação, a aquisição superveniente da propriedade
do prédio reivindicado, por compra ou herança. A alegação dos factos constitutivos em
articulado superveniente ficava assim reduzida aos factos que completam a causa de
pedir, mas já não se integram numa nova causa de pedir, sendo a alteração ou ampliação
só possível nos termos dos arts. 264.º e 265.º. Assim, também um novo fundamento de
despejo ou uma nova causa de anulabilidade do contrato não seriam invocáveis pelo autor
em articulado superveniente.
Os elementos essenciais da causa devem manter-se estáveis, mas pode haver alteração da
causa de pedir. Pode haver alteração ou ampliação da causa de pedir fora do
circunstancialismo destes artigos. Nesse sentido vai José Lebre de Freitas que diz o
seguinte: “O princípio da economia processual e a consideração de que o alcance do
preceito seria quase nulo se a sua previsão fosse reduzida, quanto ao autor, aos factos que
completem a causa de pedir já invocada atendendo a que a alegabilidade desses factos já
está prevista em outras disposições, leva a perfilhar a solução de não o limitar pelo
disposto nos arts. 264.º e 265.º”. Também se pronuncia em sentido positivo Miguel
Teixeira de Sousa.
O professor tem uma inclinação no sentido da posição do professor Castro Mendes e
considera que este problema se coloca, por maioria de razão, a outro nível. Nos termos
do artigo 5.º, n.º 1 (ónus de alegação das partes), temos aqui consagrado o princípio do
dispositivo, porque compete às partes delimitar o objeto do processo, são elas que têm o
ónus de alegar os factos essenciais ou principais que digam respeito à causa. Nos termos
do artigo 5º, nº 2, o juiz pode conhecer dos factos instrumentais oficiosamente. É discutida
na doutrina a noção de facto notório prevista na alínea c)- é um facto que é conhecido da
generalidade dos cidadãos. Nos termos da alínea b) são também considerados pelo juiz
os factos que sejam complemento ou concretização daqueles que as partes hajam alegado.
Este é um artigo com grande aplicação prática. Existe sempre a dificuldade de saber o
que são factos complementares ou concretizadores. Coloca-se o problema ao nível do
princípio do dispositivo porque se forem considerados factos principais, são factos que
devem ser trazidos pelas partes. E ainda uma outra questão: o Código prevê um limite
temporal para estes articulados supervenientes serem apresentados. O facto de o tribunal
conhecer oficiosamente estes factos não será uma forma de contornar este regime?

71
15/04/2020
Fase da condensação e saneamento
Também se denomina de fase da gestão inicial do processo e da audiência prévia.
Com a fase dos articulados identifica-se o objeto do litígio. Esta nova fase destina-se, por
um lado, a apurar a regularidade da instância, com a eventual correção das irregularidades
dos articulados e sanação das nulidades e da falta de pressupostos processuais e, por outro
lado, a preparar as fases subsequentes, embora, havendo condições para isso, a ação possa
terminar nesta fase com o saneador-sentença. Esta fase é integrada pelos seguintes atos:
o despacho pré-saneador (que é um despacho eventual), a audiência prévia (que pode,
contudo, ser dispensada em alguns casos, mas, por regra, existe), o despacho saneador e
outros despachos, nomeadamente o do art. 596.º
1. Despacho pré-saneador
A fase dos articulados termina com a conclusão do processo ao juiz para que profira
despacho- art. 162.º/1. É um despacho meramente eventual, ocorrendo apenas nos casos
em que o juiz quer alguma das finalidades do art. 590.º, n.º 2:
- Sanação da falta de pressupostos processuais (al. a))- já falamos várias vezes desta
norma, quando estejamos perante uma exceção dilatória sanável, o juiz, de acordo com o
art. 6.º, n.º 2 CPC, tem o poder-dever de, oficiosamente, providenciar pela sanação da
falta do respetivo pressuposto processual, ordenando os atos para a regularização da
instância ou convidando as partes a fazê-lo.
- Correção ou aperfeiçoamento dos articulados (al. b) e n.ºs 3 e 4)- o juiz não absolve o
réu da instância, não tem essa função, tem outra função que é providenciar pelo
suprimento, depois o juiz toma uma decisão no despacho saneador sobre as exceções
invocadas pelo réu ou de conhecimento oficioso e no saneador toma decisão sobre essa
matéria, o pré-saneador serve para providenciar pelo aperfeiçoamento. É o despacho de
aperfeiçoamento.
- Junção de documento que permita a imediata apreciação de exceção dilatória ou o
imediato conhecimento do pedido (al. c)). Um documento escrito pode bastar para a
procedência da ação ou da exceção: arts. 371.º e 376.º do CC.
Importa agora considerar com mais atenção o despacho de aperfeiçoamento (al. b)):
Para a correção das irregularidades dos articulados, pode tratar-se de requisitos formais
ou pode estar em causa a falta de um documento- não confundir com a al. c). O despacho
de aperfeiçoamento no caso de insuficiência na alegação da matéria de facto é um
despacho que pode ser dirigido quer ao autor quer ao réu para os casos em que os factos
são alegados pelo autor ou pelo réu, são insuficientes ou não se apresentam
suficientemente concretizados. Não se admite, contudo, que a parte invoque uma causa
de pedir diferente ou uma exceção diferente. Já vimos que há regras de alteração do
pedido e da causa de pedir: art. 265.º CPC. O juiz deve fixar um prazo para apresentação
do articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido: art. 590.º, n.º 4
CPC. O n.º 5 do art. 590.º também é importante de modo a assegurar o cumprimento do
princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 1 CPC).

72
No que diz respeito à falta de requisitos formais, imaginado o caso de a petição inicial
não respeitar os requisitos formais previstos no art. 552.º/1 ou a contestação não respeitar
o que vem plasmado no art. 572.º ou não ter sido respeitada a obrigação de deduzir
separadamente a reconvenção (art. 583.º, n.º 1). Nomeadamente a primeira situação é uma
causa de recusa da petição inicial pela secretaria (art. 558.º), mas se a petição escapar a
este controlo, o juiz deve, no despacho pré-saneador, convidar o autor a corrigir esta
irregularidade.
E se faltar a fundamentação ou se faltar o pedido? O juiz pode convidar ao
aperfeiçoamento da peça? Essa matéria tem o tratamento da ineptidão da petição inicial
e se é inepta, então não pode dar lugar a um despacho de aperfeiçoamento. Contudo, se
houver apenas uma deficiência na formulação do pedido, mas o pedido é inteligível pode
haver um pedido ao aperfeiçoamento para o autor expressar melhor aquilo que pretende.
O poder do juiz era, no CPC revogado, discricionário e, por isso, nem o despacho em que
o exercesse era recorrível, nem o seu não exercício podia fundar uma arguição de
nulidade. O novo código atribui ao juiz um pode vinculado, que o juiz tem o dever de
exercer quando ocorram nos articulados insuficiência, imprecisões na exposição ou
concretização da matéria de facto alegada. A omissão do despacho constitui nulidade
processual sujeita aos regime dos arts. 195.º, 197.º, 199.º, 200.º/3 e 201.º. Proferido o
despacho de aperfeiçoamento ele não é recorrível (art. 590.º, n.º 7), porque reveste
natureza provisória: convidada a aperfeiçoar os articulados a parte corresponde ou não ao
convite do juiz, a ação prossegue, correndo a parte o risco, quando não aperfeiçoa ou
quando o aperfeiçoamento é insuficiente, de que a decisão de mérito lhe seja desfavorável
por inconcludência ou falta de concretização da causa de pedir, se for o autor (ou réu
reconvinte) ou dos factos em que se funda a exceção. Se o aperfeiçoamento for suficiente,
o processo prosseguirá sem que o juízo emitido constitua caso julgado, se não for
suficiente, o juiz profira novo despacho, em que tirará as consequências que se impõe,
despacho esse recorrível.
Se foi proferido este despacho, mas não foi feito o aperfeiçoamento, se a parte nada
aperfeiçoar, o juiz profere novo despacho em que retira consequências desse não
aperfeiçoamento. Quanto à não sanação da falta do pressuposto ou da irregularidade do
articulado, as suas consequências diretas são, em princípio, processuais. Não é assim, em
regra, quando esteja em causa a apresentação de documento essencial a prova dum
pressuposto da situação jurídica que se quer fazer valer em juízo, se faltar um documento
essencial, a consequência é a improcedência da ação ou da exceção. É importante nesta
matéria o art. 59.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais. Vemos, desde logo que
as consequências variam consoante o tipo de situação que se verifique:
- Quando falta um requisito legal, o tribunal deve rejeitar por nulidade o articulado ou
parte dele que esteja inquinada pelo vício;
- Quando falte documento essencial à verificação dum pressuposto processual, este deve
ter-se por não verificado;
- Quando falte documento essencial ao prosseguimento da ação, esta não prossegue sem
que o documento seja junto, o que terá como consequência, quando a falta respeite ao

73
autor, a suspensão da instância e, quando respeite ao reconvinte, a absolvição do
reconvindo da instância (art. 583.º, n.º 3);
- Quando falte documento essencial à prova dum pressuposto da situação jurídica que se
quer fazer valer em juízo, aí já vimos que a consequência é normalmente, a improcedência
da ação ou da exceção.
2. Audiência prévia
Após os atos praticados em execução do despacho pré-saneador ou, não tendo este lugar,
logo que o processo lhe vai concluso no fim da fase dos articulados, o juiz designa o dia
para a audiência prévia, de acordo com a agenda dos advogados, observando o
preceituado pelo art. 151.º, n.ºs 1 a 3 CPC e indicando o seu objeto e finalidade (art. 591.º,
n.º 2) de entre os constantes do art. 591.º/1 CPC. A audiência previa é uma audiência que
não se destina à discussão do fundo da causa a menos que se destine ao saneador-sentença,
mas a sua função é a discussão sobre os termos do litígio, a audiência prévia só não tem
lugar nos casos previstos no art. 592.º.
Não tem lugar nos casos previstos no art. 592.º CPC, referir a al. b)- Se já houve uma
discussão sobre a respetiva exceção nos articulados, não há lugar a audiência prévia. Já
vimos que quando há réplica, o autor pode usar esse articulado para se defender, mas há
quem diga que, olhando ao art. 3.º/4, o pode fazer na audiência prévia. Se o despacho
saneador vai pôr fim a ação então não há audiência final, é preciso que a discussão decorra
na audiência prévia. O juiz vai absolver o réu da instância, mas tem de dar possibilidade
ao autor para se pronunciar.
O juiz pode dispensar a audiência prévia nos termos do art. 593.º, ressalvada, porém, a
possibilidade da sua ulterior realização por iniciativa da parte reclamante (n.º 3 ao art.
593.º CPC), que tem 10 dias para recorrer.
Finalidades: constituem finalidades principais, cumulativas ou alternativas, as seguintes:
- Tentativa da conciliação das partes (art. 591.º/1/a) CPC). O juiz promove o encontro das
partes que podem fazer apresentar por advogado com poderes especiais para o efeito (art.
45.º, n.º 2 CPC), para uma negociação de que possa resultar, no campo do direito
disponível (art. 289.º, n.º 1 CPC), a auto-composição do litígio, ou de parte dele, mediante
transação (arts. 277.º, al. d), 283.º/2, 284 e 290.º/4 CPC).
- Discussão sobre as exceções dilatórias (art. 591.º/1/b)/1.ª parte). O despacho saneador
constitui o momento tipicamente adequado à verificação dos pressupostos processuais e,
portanto, ao conhecimento das exceções dilatórias decorrentes da sua falta (art. 595.º/a)).
O juiz terá de se pronunciar não só sobre as exceção que tenham sido suscitadas pelas
partes, mas também sobre aquelas que deva conhecer oficiosamente, não as tendo as
partes suscitado. Estas últimas devem ser objeto de prévia discussão, em obediência ao
princípio do contraditório, excetuando apenas o caso em que falta do pressuposto seja de
tal modo evidente e insanável que é manifesta a desnecessidade da discussão (art. 3.º/3
CPC). Quanto às respostas, a contraparte tem o direito de resposta (art. 3.º/4).
- Discussão sobre o mérito da causa (art. 591.º/1/b)/2ª parte). Quando se julgue habilitado
a conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta, total ou parcial, ao
pedido (ou pedidos) nela deduzidos, o juiz pode convocar a audiência prévia para esse

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fim. O juiz não pode julgado de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a
discussão, em audiência, entre as partes.
- Discussão das posições das partes para delimitação dos termos do litígio (art. 591.º/1/c)).
De acordo com o art. 7.º, n.º 2, o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as
partes, convidando-as a prestar os esclarecimentos que se afigurem úteis, quer sobre a
matéria de direito, quer sobre a matéria de facto. Trata-se de uma manifestação do
princípio da cooperação, na sua vertente material, que tem como momento mais adequado
o da audiência prévia. Sempre, portanto, que o juiz, discricionariamente, entenda que as
posições das partes, tal como resultam dos articulados, devem ser esclarecidas e
discutidas, com vista a conseguir uma melhor delimitação dos termos do litígio, a
audiência preliminar deve ser convocada para esse fim.
- Complementar os articulados insuficientes (art. 591.º/1/c)). Perante a constatação de
insuficiências ou imprecisões dos articulados na exposição da matéria de facto, o juiz
pode optar entre convidar as partes ao seu aperfeiçoamento no despacho pré-saneador e
fazê-lo na audiência prévia, se entender que assim se ganha em economia processual ou
que tem utilidade o diálogo que a audiência proporciona. Se a sua opção for a primeira e
a parte não tiver correspondido ao convite, deve entender-se precludida a possibilidade
de o fazer na audiência prévia; mas se o aperfeiçoamento da parte tiver sido ainda
insuficiente, poderá admitir-se o complemento da alegação na audiência, desde que não
tenham sido ofendidas regras da boa fé e da imparcialidade. É, além disso, admitido que
a matéria de facto articulada seja completada ou corrigida. Daqui decorre que isso é
possível mesmo quando a audiência não tenha sido convocada para o fim do
completamento dos articulados, isto é, mesmo que não tenha sido convocada para este
concreto fim.
- Preparação do ato subsequente: programação da audiência final (art. 591.º/1/g))- Art.
151.º/1 CPC, deve ser feito de acordo com as partes e a agenda dos advogado. O juiz
gestor do processo zela pelo cumprimento do que for calendarizado. Os atos a realizar em
audiência são programados, mediante o estabelecimento do número de sessões e da sua
provável duração.
Há, ainda, outras finalidades possíveis: alteração do requerimento probatório (art. 598.º,
n.º 1 CPC)- as partes podem alterar, por substituição ou ampliação, a proposição da prova
constituenda feita nos articulados; apresentação de articulado superveniente relativo aos
factos que ocorram ou sejam conhecidos até ao seutermo (art. 588.º/3/a)), vimos aqueles
momentos de preclusão específicos; prestação de depoimento de parte (art. 456.º/3 CPC)-
por aplicação analógica do art. 590.º/2/c) CPC.
Feito este debate, a audiência prévia é também momento adequado para o juiz proferir
três despachos importantes:
- Despacho saneador (arts. 591.º/1/d) e 595.º CPC);
- Despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova (art.
591.º/1/f) e 596.º CPC), deste despacho as partes podem ainda reclamar- art. 596.º/2;
- Despacho da adequação formal, da simplificação ou da agilização processual (arts.
591.º/1/e) + 6.º/2 + 547.º do CPC)- o professor remete para a aula aberta em que esta

75
temática foi desenvolvida. O juiz verifica se a forma legal do processo carece de ser
adaptada tidas em conta as especificidades da causa e adotar, sendo caso disso, a
tramitação processual adequada, bem como adaptar o conteúdo e a forma dos atos
processuais ao fim que visam atingir, em obediência à dupla finalidade de assegurar um
processo equitativo e de garantir a justa composição do litígio em prazo razoável. Esta
adequação é particularmente visada, com intuito de simplificação, nas causas cujo valor
não exceda metade da alçada da Relação- art. 597.º, mas pode tornar mais complexa a
tramitação para as quais, por razões de economia processual ou de equidade, o modelo
legal se revele insuficiente.
Com o termo da audiência preliminar preclude a possibilidade de praticar aqueles atos
para os quais ela tenha sido convocada e que, como tal, constam do despacho que designa
a data para a sua realização (art. 591.º/2), bem como aqueles que, pela sua natureza, se
enquadrem em função da anterior fase dos articulados , que a audiência vem completar.
3. Despacho saneador
Só se verifica se a continuidade da audiência tiver utilidade- art. 595.º/2 CPC. Tem uma
dupla finalidade:
i. Verificação da regularidade da instância: mediante o apuramento da ocorrência dos
pressupostos processuais ou de uma exceção dilatória e a apreciação de nulidades. Esta é
a sua função normal e que tem sempre lugar, é a razão da sua própria designação.
ii. Conhecimento imediato do mérito da causa. É uma função eventual e que se destina a
evitar o retardamento da decisão de mérito quanto ela é, com segurança, já possível na
fase da condensação. Designa-se de saneador-sentença.
Quanto ao conhecimento das exceções dilatórias e das nulidades processuais: O
despacho saneador é o momento certo para conhecer da regularidade da instância.
Tratando-se de uma falta suprível de um pressuposto processual, a oportunidade para
respetiva regularização já terá sido previamente dada por ocasião de despacho pré-
saneador, contudo, pode só ser detetada neste momento e, aí, deve o juiz, por força do art.
6.º, n.º 2, regularizar a instância ou convidar as partes a fazê-lo. A decisão proferida pelo
juiz tem valor de caso julgado formal quando às questões concretamente apreciadas- art.
595.º, n.º 1, 1.ª parte CPC. De qualquer modo, se o juiz referir genericamente que se
verificam os pressupostos constantes do art. 577.º, como a competência ou a capacidade,
o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a
ser possível a apreciação de uma questão concreta de que resulte que o pressuposto
genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade (art. 595.º, n.º 3 CPC).
Quanto ao conhecimento do mérito: O juiz conhece do mérito da causa no despacho
saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou a
parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que
já estão adquiridas no processo. Não é necessária atividade instrutória adicional, tendo,
neste caso, o despacho saneador, valor de sentença: arts. 577.º, al. i); 580.º, n.º 1 e 581.º-
produzindo um caso julgado material (arts. 619.º e 621.º), impede a repetição da causa.
O artigo 597.º é relativo às ações de valor não superior a metade da alçada da Relação.

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O juiz deve também, se o processo não terminar nesta fase, proferir o despacho revisto
no art. 596º- despacho para identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas
de prova.
No CPC de 1961, o despacho saneador que não pusesse termo ao processo era
imediatamente seguido pela seleção dos factos assentes (chamada especificação até à
revisão de 1995-1996) e dos quais deviam integrar a base instrutória (a que se chamava
questionário até à revisão do Código) para serem objeto de prova- elaborada com
perguntas e numa perspetiva de repartição do ónus da prova. Esta seleção era feita de
entre os factos articulados pelas partes, pois, de acordo com o princípio do dispositivo,
na vertente do princípio da controvérsia, só esses e excecionalmente, os introduzidos pelo
juiz, por serem notórios ou de conhecimento do tribunal por virtude do exercício das suas
funções e os factos complementares resultantes da instrução do processo e seguidamente
alegados pela parte, devem ser tidos em conta nas fases subsequentes do processo. Esse
factos são os que integram a causa de pedir e os que fundam as exceções, isto é, os factos
principais da causa, pois, em princípio, os factos probatórios e os acessórios não estão
sujeitos ao ónus de alegação dada a sua natureza instrumental.
Eram dados por assentes os factos confessados, em articulado ou em depoimento de parte-
ou ato de prestação de informações ou esclarecimento ao tribunal- produzidos na
audiência preliminar; os admitidos, por omissão de contestar ou de impugnar e os
provados por documento, autêntico ou particular. Os que fossem controvertidos (alegados
por uma parte e impugnados pela outra ou que não podem ser objeto de admissão, porque
abrangidos por uma das exceção ao efeito cominatório por ela produzido), deviam fazer
parte da base instrutória. Esta continha não só os factos suscetíveis de ser provados por
livre apreciação judicial, mas também aqueles que só pudessem ser provados através de
documento ou confissão e ainda não o tivessem sido. A base instrutória era isso, um
acervo de questões que haviam de obter resposta ulterior do tribunal, que funcionavam
como peça preparatória da decisão, assim não constituía caso julgado.
Era um sistema formalista e a base instrutória era feita por quesitos (provado ou não
provado)- o facto de uma enunciado de facto ser dado como não provado, não significava
que o facto contrário se desse como provado.
Em 2013 rompe-se com este sistema- o projeto lei dizia que este despacho se destinava a
“identificar o objeto do litígio e a enunciar as questões essenciais de facto que constituem
tema de prova”. O juiz enuncia os temas de prova, formula-os genericamente. As questões
fundamentais (causa de pedir e exceções) controvertidas constituem os grandes quadros
de referência desta enunciação. A prova não deixa de incidir sobre os factos concretos
que o autor alegou como constitutivos do seu direito, tal como plasmados nos articulados
bem como nos factos instrumentais. Nessa medida, a norma do art. 410.º não é rigorosa.
A ideia é criar um sistema menos formalista, está presente uma ideia de verdade material.
Desde que estejam dentro do grande chapéu dos temas de prova então a instrução tem
lugar, tem por referência a causa de pedir e as exceções.
Os articulados continuam a realizar a sua função de meio de alegação dos factos da causa
e, por sua vez, a decisão de facto continua a incluir todos os factos relevantes para a
decisão da causa, quer sejam principais, quer sejam instrumentais, cuja verificação ou não
verificação leva o juiz a fazer dedução quanto à existência dos factos principais: o tribunal

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relata tudo o que, quanto ao tema controvertido, haja sido provado, ainda sem qualquer
preocupação quanto à distribuição do ónus da prova.
Sobre essa distribuição apenas a decisão de direito se preocupará. Consequentemente, o
tribunal de recurso, em apelação ou revista, vier a fazer uma interpretação diferente da
do tribunal da 1.ª instância, da norma de distribuição do ónus da prova, os factos que
interessam a esta nova perspetiva constatarão todos da decisão do facto, que por esse
motivo, não terá de ser alterada ou completada.
21/04/2020
Fase da instrução, discussão e julgamento
1. Audiência de discussão e julgamento (até 2013, depois toma a designação de
audiência final)
Uma vez proferido o despacho saneador e havendo a ação que prosseguir, sendo, nesse
caso, proferido o objeto do processo e os temas de prova, então segue-se a audiência final
que tem duas finalidades: a produção de prova e o debate entre as parte relativamente a
matéria de facto e direito.
A audiência final é caraterizada pelos seguintes princípios:
- Princípio da plenitude da assistência do juiz: art. 605.º, n.º 1 CPC. Todos os atos
praticados devem ser realizados na presença do mesmo juiz.
- Princípio da publicidade: a audiência é pública salvo quando é preciso proteger a
dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento:
arts. 606.º, n.º 1 CPC e 25.º da LOSJ.
- A audiência é continua: se não poder ser terminada num só dia, ela é suspensa e deve
ser marcada a sua continuidade para a data mais próxima: art. 606.º, n.º 3 CPC.
- A audiência final é sempre gravada: art. 155.º, n.º 1 CPC. Até 2013 só era gravada se
isso fosse requerido por alguma das partes, agora vigora a regra que é sempre gravada.
O Código de 2013 só admite o adiamento da audiência com três fundamentos (art. 603.º,
n.º 1 CPC): impedimento do tribunal (art. 603.º, n.º 2); falta de advogado, quando o juiz
não tenha procedido à marcação da audiência mediante prévio acordo com os mandatários
judiciais, nos termos do art. 151.º, n.ºs 1 a 3; justo impedimento; isto é, evento não
imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que impeça a presença da
pessoa que tenha sido convocada (art. 140.º).
Quanto a este ponto, refere o professor Lebre de Freitas que constitui uma situação de
justo impedimento a apresentação de documento que não tenha sido possível até 20 dias
antes da data da audiência ou se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência
posterior, quando a parte não possa examinar o documento na própria audiência, ainda
que com alguma suspensão de trabalhos, e o tribunal considerando o documento
relevante, decida que o prosseguimento da audiência é gravemente inconveniente- art.
424.º.
Quanto à sequência cronológica da audiência de julgamento- art. 604.º, n.ºs 2 e 3 CPC

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1- Tentativa de conciliação promovida pelo juiz, caso o litígio se enquadre no âmbito de
um direito disponível, é um dos requisitos para a que as partes possam transigir sobre o
objeto do processo (604.º/2).
2- Atos de instrução: segue-se a ordem das alíneas do n.º 3 do art. 604.º CPC (só muda
ao abrigo da gestão processual, se necessário).
3- As alegações orais de facto e de direito: Depois de realizada esta atividade instrutória,
segundo esta ordem, seguem-se as alegações orais de facto e de direito através dos quais
os advogados expõe as suas conclusões acerca dos factos e da matéria da causa, extraindo
o que daí se retira. Os advogados vão analisar a prova produzida.
No Código anterior, separava-se entre a discussão de facto oral e a discussão de Direito
que, em regra, era escrita. Ao abrigo do princípio da adequação formal, é possível e é
aconselhável quando as questões jurídicas da causa assim o justifiquem que o juiz
desdobre as duas alegações. A crítica que alguns advogados fazem é que se procura que
os articulados não sejam prolíferos, mas sim mais curtos (o que pode ser considerado
contraproducente).
É dada a primeira palavra ao advogado do autor e depois ao advogado do réu podendo
haver resposta- art. 604/3/e) CPC. Nas alegações cada um tem uma hora e nas réplicas-
30 mins. Nas ações de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, os períodos
previstos para as alegações e para as réplicas são reduzidos para metade- art. 604.º, n.º 5.
Realizados todos estes atos, a audiência é encerrada e o processo é concluso ao juiz, tendo
30 dias para proferir sentença. O juiz pode ordenar a reabertura da audiência caso não se
sinta suficientemente esclarecido: art. 607.º/1 CPC, é uma figura que está no Código de
Processo Civil Espanhol: chama-se diligências para melhor decidir, é uma figura paralela.
O juiz profere a sentença, não obstante esta possibilidade de reabertura da audiência.
2. Sentença
Neste momento o julgador já tem todos os elementos necessários para proferir a sentença
que é o ato pelo qual se decide a causa principal: art. 152.º, n.º 2. No novo código, a
sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito.
Estrutura: A sentença é constituída por 3 partes:
- Relatório: art. 607.º, n.º 2- trata-se da caraterização fundamental do caso. O juiz
identifica as partes e enuncia os pedidos deduzidos, bem como as questões relativas à
causa de pedir e às exceções.
- Fundamentação: o juiz indica os factos que considera provados e interpreta e aplica as
normas que considere que devem ser aplicadas ao caso: art. 607/3/1.ª parte CPC. O
julgamento da matéria de facto e de direito são juntos, embora o juiz possa entender
separá-los por causa da complexidade do processo como já vimos. O dever de
fundamentação impõe-se sobre qualquer decisão sobre pedido controvertido: art. 154.º,
n.º 1 CPC. Deve dar conta dos elementos concretos de prova para dar certa alegação de
facto como provada ou não provada.

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- A decisão final: a parte expositiva da sentença. O tribunal condena ou absolve o réu
parcialmente ou totalmente- art. 607.º/3/2ª parte CPC. As partes são notificadas da
sentença: art. 220.º, n.º 1 CPC.
Quanto à matéria de facto: destina-se a dar como provadas ou não provadas as alegações
de facto controvertidas. Para tanto o juiz deve considerar o chamado direito probatório.
Podemos distinguir entre o direito probatório material (arts. 341.º e ss. do CC), estão por
regra no Código Civil, embora também existam no CPC. Por outro lado, temos o direito
probatório formal que designa as regras processuais relativas a admissão, produção e
valoração da prova (arts. 410.º e ss. do CPC. Para a valoração da prova vale, na ausência
da prova legal, o princípio da livre apreciação da prova: art. 607.º, n.º 5 CPC.
Vale neste campo o princípio do inquisitório: o juiz pode ordenar a realização das
diligências que entende necessárias para fundamentar os factos que possa conhecer que
são os factos alegados pelas partes. A doutrina costuma dizer que o nosso sistema é de
cooperação, onde a responsabilidade probatória das partes se cumula com a do juiz- é um
poder inquisitório completar, porque o juiz vai complementar o trabalho probatório
realizado pelas partes.
Para a valoração da prova vale, na ausência de prova legal, o princípio da livre apreciação
da prova: art. 607.º, n.º 5 CPC. à luz deste princípio, deve o juiz, com base em regras de
experiência comum, apreciar livremente a prova, o juiz deve utilizar o seu raciocínio ao
serviço da valoração da prova.
O princípio da aquisição processual, previso no art. 413.º CPC, as provas devem ser
valoradas não apenas no que diz respeito às alegações de facto com cujo a prova esta
onerada a parte que teve a iniciativa da prova, mas quaisquer factos controvertidos. Isto
é, o autor está onerado pela prova dos factos constitutivos do direito que quer fazer valer,
essa prova deve ser valorado ao abrigo deste princípio da aquisição processual, não
apenas para prova dos factos que o autor está onerado a apresentar, mas também pelas
quais o réu está onerado, servem de prova relativamente a quaisquer alegações de facto
controvertidas sem atender aí às regras do ónus da prova.
Quando o juiz não consegue concluir quer pela verificação quer pela não verificação de
determinado facto, o art. 8.º, n.º 1 do CC prevê que o tribunal não pode abster-se de julgar
por falta ou obscuridade da lei ou por dúvida insanável quanto aos factos em litígios.
Surgem aqui as regras de distribuição do ónus do risco da falta de prova- em caso de
dúvida, o juiz deve decidir contra aquele sobre o qual impende o ónus da prova, isto é,
decide “como se” o facto estivesse provado ou “como se” estivesse não provado. Em
suma, o critério decisório quando há dúvida insanável é decidir contra aquele sobre o qual
impede o ónus da prova.
Os princípios gerais encontram-se nos artigos 342.º a 346.º do CC que, como já vimos,
são normas integrantes do chamado direito probatório material: ónus da prova dos factos
constitutivos do direito recai sobre quem o invoca (art. 342.º, n.º 1)- o autor tem o ónus
da prova dos factos constitutivos que invoca e o mesmo acontece com o réu reconvinte.
Por exemplo, se o autor pretende exigir o cumprimento do contrato de mútuo que celebrou
com o réu, tem de fazer prova dos elementos constitutivos desse mesmo contrato.

80
O ónus da prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos de um certo direito
recai sobre aquele contra quem o direito é invocado (arts. 342.º, n.º 2 CC).
Na dúvida, de acordo com o art. 342.º, n.º 3 do CC, julga-se o facto como constitutivo.
Em suma, a regra é que recai sobre a parte o ónus da prova dos factos que lhe aproveitam:
art. 414.º CPC. Os factos constitutivos do direto cabem ao autor e os facto que integrem
exceções cabem ao réu. Exemplo que vimos na aula prática: o autor defende-se face a
uma exceção do réu com uma contra-exceção que aproveita já ao autor e não ao réu- o
réu invoca a prescrição do direito e o autor invoca a existência de uma causa interruptiva
da prescrição.
Por vezes a lei estabelece presunções, como a presunção de culpa do art. 799.º do CC no
caso de incumprimento obrigacional. Muito embora a culpa seja um pressuposto da
obrigação da indemnização, não tem de ser dada como provada pelo autor porque há uma
presunção.
A grande dificuldade reside em apurar quando um facto é constitutivo, impeditivo,
extintivo ou modificativo e, ainda, a questão de saber se o réu se defende por impugnação
ou exceção. É necessário averiguar o que é tomado por regra na economia legislativa e o
que é tomado por exceção.
Deve olhar-se o ordenamento como escalonando diferentes normas em relação entre si, é
a teoria das normas atribuída a Rosenberg. Sobre o autor recairia o ónus de provar certos
factos integrantes de uma regra e sobre réu, certos factos integrantes da exceção a essa
regra.
Quanto a matéria de direito fixados os factos necessários para a resolução da lide, o juiz
só recorre a estas regras do ónus da prova quando não consegue formular um juízo
probatório, pode ser preciso aplicar regras de direito probatório material do CC arts. 341
e ss, são normas muito importantes. Fez contraprova, abalou a prova do réu, mas também
não convenceu do contrário, está em dúvida insanável, assim tem de aplicar estas normas.
Não era assim no Direito romano, em que o julgador podia não decidir a causa estando
em dúvida, aqui já vimos a regra- decide contra a parte onerada.
Quanto à matéria de direito: a aplicação de direito pressupõe a delimitação das parcelas
da realidade a subsumir na norma jurídica, isto é, o apuramento de todos os factos da
causa que, tidos em conta os pedidos e as exceções deduzidas, sejam relevantes para o
preenchimento das respetivas previsões normativas, sejam elas de normas processuais,
sejam de normas de direito material. Aos factos assim assentes o juiz aplica o direito, sem
sujeição ao que as partes tiverem sobre isso alegado (art. 5.º/3 CPC)- princípio jura novit
curia, mas com respeito pelo art. 3.º/3 CPC que proíbe decisões-surpresa.
O juiz conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a
absolvição do réu da instância- art. 608.º, n.º 1 CPC. A verificação dos pressupostos
processuais já teve, em princípio, lugar no despacho saneador, mas, por falta de
apuramento dos elementos de facto necessários, pode ter sido relegada para a decisão
final (art. 595.º/4 CPC. Não havendo lugar à absolvição da instância, segue-se a
apreciação do mérito da causa. O juiz vai responder às questões jurídicas cuja apreciação
tenha sido solicitada. Tem de fundamentar a sua decisão considerando os argumentos que

81
as partes tenham deduzido, olhando para o pedido, as causas de pedir invocadas, bem
como as exceções perentórias quando deduzidas pelo réu ou pelo autor reconvindo.
Limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar: a
decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que o
que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida (art. 609.º, n.º 1 CPC).
Pode, porém, acontecer que, em ação de condenação, os factos provados, embora
conduzam à condenação do réu, não permitam concretizar inteiramente a prestação
devida. Tal pode acontecer tanto nos casos em que foi deduzido um pedido genérico não
subsequentemente liquidado, como naqueles em que o pedido se apresenta determinado,
mas os factos constitutivos de liquidação não foram provados, em qualquer um dos casos,
o art. 609.º/2 CPC impõe a condenação genérica, o tribunal condena o réu no que vier a
liquidar sem prejuízo de condenação na parte já liquidada. É igualmente admitida a
condenação do réu in futurum- art. 610.º/1 CPC.
22/04/2020
Vícios da sentença
A sentença como ato processual que é pode sofrer de vícios de sentença específicos.
Geram nulidade da sentença impedindo a produção dos seus efeitos, não obstante a
inércia das partes na invocação do vício aquelas causas previstas no art. 615.º do CPC:
- A falta de assinatura do juiz (al. a) + n.ºs 2 e 3)- falta essa que pode ser suprida
oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes;
- A sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito da decisão (al. b))- as
decisões têm de ser fundamentadas- art. 607.º, n.º 3 CPC, desde logo porque é
indispensável em caso de recurso;
- Oposição entre os fundamentos e a decisão (al. c)); entre os fundamentos e a decisão
não pode haver um contradição lógica, se na fundamentação da sentença o julgador segue
uma determinada linha de raciocínio depois não pode decidir em sentido oposto ou
divergente. Não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou com
o erro na interpretação desta. O juiz retira uma consequência juridicamente correta, mas
contrária ao raciocínio expresso;
- Ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c))- quando não seja
percetível qualquer sentido da parte decisória ou ela encerre um duplo sentido;
- Quando haja omissão ou excesso de pronúncia (al. d))- o juiz deve conhecer de todas as
questões que lhe são submetidas e não pode conhecer de causas de pedir ou exceções não
invocadas que estejam na exclusiva disponibilidade das partes.
- Quando haja uma pronúncia ultra petitum (al. e))- é nula a sentença que, violando o
princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação da instância, não observe os
limites impostos pelo art. 609.º, n.º 1, condenando ou absolvendo em quantidade superior
ao pedido ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença são arguidas perante o tribunal que a proferiu sob a forma de
reclamação caso não se admita recurso ordinário, no prazo de 10 dias- art. 149.º, n.º 1

82
CPC (a admissibilidade do recurso ordinário consta do art. 629.º, n.º 1 CPC, perdendo-se
o direito a recorrer nos termos do art. 632.º CPC). Sendo a sentença suscetível de recurso
ordinário, deve, em regra, ser arguida como fundamento do recurso a dirigir ao tribunal
da relação (art. 615.º, n.º 4 CPC. O art. 617.º diz respeito ao processamento subsequente.
Retificação: A sentença pode conter erros materiais. Constitui erro material manifesto,
não só o erro de cálculo ou de escrita (art. 249.º CC), como também a omissão do nome
das partes ou de outro elemento essencial, mas não duvidoso. A requerimento das partes
ou oficiosamente, a correção é feita por simples despacho (a todo o tempo, se não houver
recurso ou até que ele suba ao tribunal superior se houver) ou pelo tribunal superior- art.
614.º.
A distinguir estas hipóteses estão as de discordância do julgamento propriamente dito.
A sentença não padece de qualquer vício, mas a parte discorda da solução que foi
oferecida pelo julgador. O meio próprio para reagir é o recurso de apelação- art. 644.º, n.º
1, al. a) CPC, excluídas as hipóteses de recurso per salto.
Reforma: Quando há um erro de julgamento (diferente do erro material manifesto), isto
é, quando há um lapso manifesto do juiz que respeite à determinação da norma aplicável,
à qualificação jurídica dos factos ou no caso de constarem do processo documentos ou
outros meios de prova plena que só por si impliquem necessariamente uma decisão
diversa da que foi proferida, faz-se, normalmente, uso do recurso de apelação da sentença
(art. 644.º/1/a) CPC). Mas quando a decisão não admita recurso, pode o juiz da causa
alterar ele próprio a decisão, sob reclamação da parte, quando tenha ocorrido esse tal
lapso manifesto- art. 616.º, n.º 2 CPC. É um meio de reação face a um erro de
julgamento grosseiro.
Efeitos da sentença
Quando se torna definitiva, por já não ser suscetível de reclamação ou de recurso
ordinário, transita em julgado (art. 628.º) e extingue a instância (art. 277.º/a)). Forna-se
então o caso julgado formal quando a sentença tenha sido de absolvição da instância e
material quando tenha sido de mérito. Este é o mais importante dos efeitos da sentença,
mas não é o único, há outros efeitos: esgotamento do poder jurisdicional; a
exequibilidade; o direito à constituição de hipoteca judicial…
Com a prolação da sentença esgota-se o poder jurisdicional do juiz que se havia
constituído com a distribuição (art. 613.º, n.º 1 CPC). Ressalvados os casos em que ainda
lhe é consentido completar ou alterar a sentença, o juiz da comarca deixa de poder
pronunciar-se sobre a matéria da causa. Para além disso, o juiz pode voltar a contactar
com o processo, caso o STJ ou a Relação imponham que o processo retome à primeira
instância para a prática de certos atos probatórios. As normas relevantes a este propósito
são as normas do art. 662.º, nºs 2 e 3 e 683.º e o art. 218.º CPC.
Exequibilidade: Quando julgue procedente a ação de condenação, a sentença pode vir já
a ser utilizada como título executivo (art. 703.º/1/a) CPC). Esta exequibilidade da
sentença produz-se, o mais tardar, com o trânsito em julgado; mas produz-se antes dele,
sem que a parte vencedora tenha de aguardar a decisão do tribunal superior, quando ao
recurso é atribuído efeito meramente devolutivo (art. 704.º, n.º 1 CPC).

83
A regra é que o efeito do recurso é meramente devolutivo (devolve-se o poder de julgar
aquela causa por um tribunal superior): art. 676.º para a Revista e 647.º para a Apelação.
Se o recurso tiver efeito suspensivo, aí já não pode, apenas mediante prestação de caução.
A prolação da sentença permite, desde logo, a produção dos seguintes efeitos:
- Constituição de hipoteca judicial quando o objeto seja fungível: quando a sentença
condenatória tem por objeto uma prestação pecuniária ou de entrega de outra coisa
fungível, o direito potestativo atribuído ao credor de constituir hipoteca sobre quaisquer
bens imóveis do devedor, sem dependência do trânsito em julgado (Art. 70.º/1 CC).
Bastar-lhe-á requerer o registo na conservatória competente, nela apresentado certidão da
sentença (art. 50.º Código do Registo Predial).
Efeitos laterais de direito material:
- O início de novo prazo de prescrição quando a sentença, transitada em julgado, condena
o devedor na prestação ou reconhece o direito de crédito (art. 311.º CC);
- O direito do fiador de exigir a sua liberação, ou a prestação de caução para garantia do
seu eventual direito contra o devedor, se o credor contra ele obtiver sentença de
condenação exequível (art. 648.º/a) CC);
- A constituição do devedor de prestação pecuniária em obrigação de juros, à taxa de 5%
ao ano, desde o trânsito em julgado da sentença (art. 829.º-A/4 CC).
Registo
Nos mesmos casos em que a propositura da ação está sujeita a registo, está a ele também
sujeita, depois de transitada em julgado, a sentença nela proferida (art. 3.º/c) CRPr e 9/h)
CRCom).
O registo faz-se por conversão em definitiva da inscrição, provisória por natureza, da
ação, quando a sentença a julgue procedente (art. 101.º/2/c) CRPr). Com ele, o efeito
(declarativo, constitutivo) da sentença retrotrai à data do registo da ação (art. 6.º/3 CRPr).
O registo da sentença é feito oficiosamente no caso do registo predial (art. 8.º-B/3/a)
CRPr), bem como nos de registo de automóveis e de navios, e a requerimento da parte,
no prazo de dois meses contados do trânsito em julgado, no registo comercial (art. 15.º/8
CRCom).
O caso julgado material
Não sendo interposto recurso ordinário ou reclamação, a decisão transita em julgado e
adquire força de caso julgado, pronunciando-se sobre o mérito, forma-se um caso julgado
material. A causa tem-se por definitivamente decidida. Para o Direito e para a comunidade
politicamente organizada, têm-se por determinados os termos daquele litígio, ou seja,
tem-se por adequado aquilo que foi resolvido pelo tribunal. Só em casos de extrema
relevância é que se permite o recurso de revisão.
Só em casos muito excecionais é que pode haver lugar ao recurso de revisão- art. 696.º e
ss. CPC, no prazo de 5 anos. Só após esse tempo, em que já não se pode fazer uso do
recurso extraordinário, é que a decisão cristaliza.

84
Os limites do caso julgado- Os limites do caso julgado são traçados pela identidade dos
sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir- arts. 580.º e 581.º ex vi art. 619.º, n.º 1 CPC.
É através destes elementos que se delimita o efeito negativo do caso julgado material no
sentido de impedir que o tribunal volte a conhecer da mesma pretensão ou questão por
via da exceção dilatória de caso julgado- art. 577.º/i)/2ª parte CPC.
Daqui também resulta que o âmbito do caso julgado não envolva outras matérias que
sejam somente instrumentais da resposta dada pelo tribunal àquele concreto pedido, desta
forma, os meios de defesa invocados pelo réu só valem na medida em que obstem ao
pedido do autor e não em relação a quaisquer outros efeitos. Por exemplo, se o autor exige
o cumprimento de uma obrigação que o réu exceciona com a novação, o caso julgado
engloba apenas o efeito extintivo e já não a constituição da nova obrigação.
Quando uma ação procede e o réu fica vencido, a condenação no pedido determina a
preclusão da alegabilidade futura tanto dos fundamentos de defesa deduzidos como
aqueles que ele poderia ter deduzido. De acordo com o art. 573.º CPC, que prevê o
princípio da concentração da defesa na contestação, deve ser nesse momento que o réu se
defende, contudo, se houver meios de defesa supervenientes eles podem ser trazidos ao
processo, até ao encerramento da discussão- art. 588.º, n.º 1 CPC. Aquilo que o réu podia
ter apresentado na contestação como meio de defesa ou até este último momento, fica
também abrangido pelos efeitos do caso julgado, fica precludida a possibilidade de o réu
vir no futuro alegar os fundamentos da ação, mas também aqueles que podia ter deduzido,
determina a preclusão de toda a defesa que não haja oportunamente feito valer contra a
concreta causa de pedir invocada pelo autor. Não os pode fazer valer nem em ação
autónoma, nem em reconvenção porque lhe vai ser oposta a autoridade de caso julgado
decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no art. 619.º CPC.
Obviamente que desta preclusão se salvam todos os fundamentos de defesa que sejam
supervenientes: estes podem ser deduzidos tanto a título de exceção- art. 729.º, als. g) e
h), como a título de ação. O direito de ação do réu prevalece sobre a autoridade do caso
julgado do ar. 619.º (art. 20.º/1 CRP e 2.º do CPC). Isso significa que o caso julgado
vincula rebus sic stantibus. Por ex., o autor vence em ação de condenação no pagamento
de restituição do capital mutuado e, posteriormente, constitui-se um contra-crédito do réu;
este pode ser oposto tanto na oposição à execução, como em ação autónoma – apesar de
conexa com a primeira.
Discussão sobre se o âmbito do caso julgado engloba ou não os fundamentos da
decisão ou apenas a parte expositiva da decisão: Entende-se que não engloba, mas
apenas a decisão enquanto tal. O fundamentos devem ser considerados apenas para fixar
o sentido e o alcance da decisão.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/10/2018, Processo:
23201/17.8T8PRT.P1, Relator: Jerónimo Freitas.
Do acórdão: impõe-se ainda referir ser “(..) entendimento dominante que a força docaso
julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte
dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte
dispositiva do julgado – vd., por todos, Ac. do STJ de 12.07.2011, processo
129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt. Como diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o

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Novo Processo Civil, p. 579), citado no referido Acórdão do STJ, “não é a decisão,
enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o
próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como
conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos
daquela decisão.».
Ainda quanto aos efeitos da sentença, no que respeita aos limites subjetivos, a regra é
que o caso julgado só produz efeitos entre as partes da ação atendendo-se, contudo, à
qualidade em que intervieram na ação, não produzindo efeitos contra terceiros face ao
processo. Aqui são terceiros face ao processo. É a clássica regra de que o caso julgado
não deve aproveitar nem prejudicar terceiros, como enunciava o brocardo nec res inter
alios judicata aliis prodesse aut nocere sole. Se terceiros não intervieram na ação não se
lhes deve poder opor os respetivos efeitos.
Nalguns casos admite-se que casos julgados possam afetar 3.ºs, ou seja, há exceções a
esta regra enumerada anteriormente graças ao mecanismo de extensão do caso julgado a
terceiros, por força da lei ou pela vontade, podendo o caso julgado afetar terceiros. Por
exemplo:
- Nas obrigações solidárias, cada condevedor pode invocar o caso julgado que aproveite
a um outro condevedor (art. 522.º do CC);
- Nas ações sobre o estado de pessoas (ex: ação de declaração de nulidade do casamento,
divórcio ou separação de pessoas e bens, de negação ou de reconhecimento da paternidade
ou maternidade) produz-se o efeito do caso julgado que pode ser oponível a terceiro
quando a ação seja proposta contra todos os interessados diretos e haja havido oposição:
art. 622.º CPC. São ações que, pela sua própria natureza, têm de produzir os seus efeitos
erga omnes – por exemplo, o estado civil; relação de filiação decorrente da sentença,
etc…. Por interessados diretos entende-se os portadores do principal interesse oposto ao
do autor (art. 30.º/1 CPC- refere-se a interesse direto em contradizer). Por exemplo, no
caso de uma ação de divórcio terá um interesse direto o outro cônjuge.
Um ponto controvertido tirado do CPC anotado é se quando a ação segue contra herdeiros,
o aparecimento posterior de um herdeiro desconhecido impede a produção do caso
julgado erga omnes, que se impõe a terceiro. No sentido negativo, não impedido a
produção do caso julgado erga omnes, mas com a exceção desse herdeiro que não fez
parte da ação, mas sendo interessado, não sendo oponível a esse, pronunciou-se Alberto
dos Reis.
Ponto muito complexo que vai ser pouco desenvolvido: Tem a ver com a distinção entre
exceção de caso julgado e autoridade de caso julgado. Efeito negativo e efeito positivo
do caso julgado.
Do acórdão que vimos anteriormente: Releva ainda assinalar, como elucida Alberto
dos Reis, que o caso julgado exerce duas funções, uma positiva e outra negativa. Exerce
a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, tendo a sua expressão máxima no
princípio da exequibilidade, servindo de base à execução. Exerce a segunda através da
excepção de caso julgado. Porém, “(..) autoridade de caso julgado e excepção de caso
julgado não são duas figuras distintas; são antes, duas faces da mesma figura. O facto
jurídico «caso julgado» consiste afinal nisto: em existir uma sentença, com trânsito em

86
julgado, sobre determinada matéria. Ora bem, esta sentença pode ser utilizada, numa
acção posterior, ou pelo autor ou pelo réu (..). Temos, pois, que o caso julgado pode ser
invocado pelo autor ou pelo réu; invoca-o o autor quando faz consistir nele o fundamento
da sua acção: invoca-o o réu quando se serve dele para deduzir excepção. Mesmo quando
funciona como excepção, por detrás desta está sempre a força e autoridade de caso
julgado” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição – reimpressão, Coimbra
Editora, 1985, p. 93].
Mas conforme elucida o acórdão desta Relação de 30/04/2013 [processo n.º
993/08.0TJVNF.P1, Desembargadora Márcia Portela, disponível em www.dgsi.pt], “A
excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela
excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-
se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito- isto é o tal efeito negativo; a
autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como
pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (CASTRO MENDES, Direito
processual civil cit., II, ps. 770-771). Este efeito positivo assenta numa relação de
prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda
acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida
(…)”.
O caso julgado é um pressuposto processual negativo, só pode julgar-se uma ação se ela
não tiver já sido julgada, se já o tiver sido falta um pressuposto processual negativo que
é a exceção do caso julgado, o réu deve ser absolvido da instância é o efeito negativo e
este efeito negativo delimita-se através daqueles 3 elementos: partes, pedido e causa de
pedir, sendo certo que quanto as partes se atende a sua posição jurídica, por exemplo: Se
A intenta uma ação de condenação contra B e essa improcede. B falece e A intenta a
mesma ação só que contra o herdeiro, é a mesma parte do ponto de vista jurídico, da sua
qualidade jurídica. Esse é o efeito negativo, havendo uma decisão sobre a causa,
abrangendo os fundamentos da defesa e aqueles que podiam ter sido invocados, o réu
pode alargar os factos daquela causa através da alegação de factos que integram a matéria
de exceção e o juiz tem de se pronunciar sobre isso, interessam os que trouxe e os que
poderiam ter trazido, outra coisa são factos supervenientes a esse momento, mas já
tratamos disso.
Outra coisa é autoridade do caso julgado que tem o efeito positivo de impor a primeira
decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito que assenta numa
relação de prejudicialidade na segunda ação. Aqui é que está um dos pontos sensíveis
porque há uma relação de prejudicialidade, o objeto da primeira decisão constitui questão
prejudicial da segunda ação.
Ainda do Acórdão: Como se sintetiza no sumário do acórdão da Relação de Coimbra, de
28-09-2010 [Proc.º n.º 392/09.6 TBCVL.S1, Desembargador Jorge Arcanjo, disponível
em www.dgsi.pt]:
- «I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de
economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo
a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.- aqui há uma dupla negativa- falta de
um pressuposto processual negativo por existir já um caso julgado material sobre aquela
matéria.

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II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção
anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a
que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser
validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a
coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC».- O artigo atual não é
o art. 498.º, mas o art. atual é o art. 581.º. - A questão é esta, há uma nova ação, não há
esta tríplice identidade (ou não são as mesmas partes, ou não é o mesmo pedido, ou não
é a mesma causa de pedir, portanto não se levanta a questão da exceção do caso julgado,
do efeito jurídico negativo. Mas há uma relação de prejudicialidade entre as ações, de
modo que, o caso julgado que se produziu vai estender os seus efeitos, mas de um ponto
de vista positivo, vinculando o tribunal a decidir no mesmo sentido do que foi decidido
anteriormente, respeitando o que foi decidido dada a existência dessa relação. Aqui o
tribunal entendeu que devia respeitar-se a autoridade do anterior do caso julgado, não
obstante não existir essa tríplice identidade, é a chamada autoridade do caso julgado, que
é diferente da exceção do caso julgado- o tribunal decide em conformidade com o que foi
decidido anteriormente. O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na
vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior.
Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser
produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional
para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões
de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência
do sentido decisório da primeira decisão.

Competência internacional
As normas de competência internacional destinam-se a dar resposta à questão de saber
numa situação plurilocalizada, com conexão com mais do que uma OJ quais os tribunais
competentes para dirimir esse litígio, sendo certo que a nacionalidade diferente das partes
não é, por si só, fator relevante para conferir ao litígio natureza plurilocalizada.
A atribuição de competência internacional aos tribunais de um país não envolve apenas a
admissibilidade do julgamento do mérito da causa, mas também a aplicação da lex fori
do respetivo país: do DPC e Direito Internacional Privado do Estado em que a ação está
pendente. As normas de direito internacional privado vão dar resposta a outro problema,
à questão de saber qual é que é o direito material aplicável num litígio plurilocalizado.
Deve ter-se em consideração dois sistemas:
- O sistema autónomo- regulado no nosso CPC, são as regras que estão previstas no CPC
sobre matéria de competência internacional, regras essas previstas fundamentalmente nos
arts. 62.º, 63.º e 94.º do CPC.
- Aquele que resulta da aplicação do Regulamento da UE n.º 1215/2012 (também
chamado de Regulamento de Bruxelas I-A ou Regulamento de Bruxelas I bis) e, da
aplicação da Convenção de Lugano II de 2007 que foi outorgada entre a Comunidade
Europeia e a Dinamarca, por um lado e, por outro lado, pela Islândia, Noruega e Suíça
enquanto Estados destinatários da Convenção de Lugano de 1988. Esta convenção de
Lugano II é paralela ao Regulamento de Bruxelas, são diplomas idênticos, mas na
Convenção do Lugano ainda não existe a ideia presente no Regulamento de que as

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decisões circulam livremente, não sendo necessário dar força executória a outro Estado,
ainda não foi aí determinado isto.
O regulamento de Bruxelas entrou em vigor em 9 de janeiro de 2013 verificando-se a
aplicação de todo o diploma a partir de 10 de janeiro de 2015. Só são abrangidos pelo
novo regime as ações judiciais intentadas assim como os instrumentos autênticos
formalmente redigidos ou registados e as transações judiciais aprovadas ou celebradas
em 10 de janeiro de 2015 ou em data posterior- ver o art. 66.º do Regulamento 1215/2012.
O Regulamento prevalece sobre o sistema autónomo- art. 59.º do CPC. Este art. 59º deixa
claro que a regulação da competência internacional que consta deste Código só se aplica
na medida em que não haja regras resultantes de regulamento europeus ou de
instrumentos internacionais. Para a aplicação do Regulamento é necessário, por um lado,
que se esteja dentro do âmbito de aplicação material do Regulamento e, por outro lado,
que se verifique a existência de um dos fatores de inclusão que estão previstos no próprio
Regulamento e que situam o litígio no âmbito territorial da União. Estando isto verificado.
Existindo um destes fatores de inclusão, prevalece a aplicação do Regulamento sobre o
sistema autónomo.
Ex: num conflito entre Portugal e os EUA aplica-se o Sistema Autónomo; num conflito
entre Portugal e França aplica-se o Regulamento de Bruxelas.
Sistema autónomo
Quanto ao sistema autónomo, dispõe o art. 59.º do CPC, a competência internacional dos
tribunais portugueses pode resultar de algum dos fatores enumerados nos arts. 62.º e 63.º
a que acrescem os pactos de jurisdição- art. 94.º do CPC. Estes acordos podem interferir
sobre os restantes fatores de conexão, quer no sentido de privar os tribunais nacionais da
competência decorrente do art. 62.º, quer no sentido de lhes atribuir a competência de que
careciam por não se encontrar preenchido nenhum dos elementos de conexão previstos.
O sistema autónomo, de regras de competência internacional desempenha também uma
função ao nível de reconhecimento de sentenças de tribunais anteriores à UE e impõe ao
tribunal português algum controlo sobre a competência do tribunal de origem, é a
chamada competência internacional indireta. No âmbito do Regulamento, o Regulamento
ultrapassa este problema e, assim, os tribunais de uma país não têm de controlar as
sentenças. Não se aplicando o Regulamento recorremos a estas normas.
A falta de competência internacional gera incompetência absoluta nos termos do art. 96.º
do CPC.
Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifiquem
alguns destes elementos de conexão dos arts. 62.º e 63.º a que acrescem art. 94.º.
O artigo 63.º prevê situações de competência exclusiva dos tribunais portugueses.
Enquanto o art. 62.º refere regras que definem quanto é que o juiz português é competente
para dirimir o litígio emergente de uma relação privada internacional, já no art. 63.º
preveem-se situações em que apenas são exclusivamente competentes os tribunais
portugueses. Esta norma deve ser considerada excecional porque o ponto de partida é que
os juízes conservam o poder de verificar se existe uma ordem melhor colocada para
dirimir esse litígio em causa. Verificado um fator de conexão do art.º 63º CPC, retira-se

89
às partes o poder de celebrarem validamente acordos no sentido de afastar a jurisdição do
foro exclusivo- art. 94.º/3/d)- pactos de jurisdição. As partes não pode validamente afastar
a jurisdição do foro exclusivo.
Imaginando que uma ação é intentada num tribunal português em violação de um pacto
privativo de jurisdição que retira competência aos tribunais portugueses, mas esse pacto
privativo de jurisdição contraria uma norma do art. 63.º- se o réu invocar a incompetência
absoluta do tribunal por violação do tal pacto de jurisdição, o que o tribunal deve fazer é
considerar inválido o pacto e julgar-se internacionalmente competente para julgar o
litígio. Exemplo que punha em causa a al. a) deste artigo: A, domiciliada em Portugal,
celebra com B, domiciliado em Itália, um contrato de arrendamento para uso pessoal com
duração de 9 meses convencionando que os tribunais italianos seriam competentes para
dirimir qualquer litígio no âmbito daquele contrato. A intenta a ação de despejo no
Tribunal da Comarca do Porto.
Há que atender agora aos fatores de conexão o art. 62.º que já não estabelecem
competência exclusiva dos tribunais portugueses:
A al. a) consagra o chamado princípio da coincidência: assenta na ideia de que os critérios
pensados, em primeira linha, para resolver problemas de competência territorial interna
(arts. 70.º e ss. CPC), podem também dar resposta à questão de saber se os tribunais de
um país, tomados no seu conjunto, devem ou não ocupar-se com a resolução de litígios
ligados simultaneamente a várias ordens jurídicas. No fundo, acaba por dar às normas de
competência territorial do CPC o alcance de, ao mesmo tempo que intervêm na repartição
da competência entre tribunais portugueses, fixarem a competência da globalidade dos
tribunais nacionais perante os tribunais estrangeiros. Não há, claro, uma correlação
automática entre a competência interna baseada no território e a competência
internacional. Existem diferenças substanciais entre os problemas que o legislador é
chamado a resolver quando se suscitam questões de competência internacional ou de
competência territorial, daí haver limites normativos a este princípio da coincidência. Há,
assim, normas que se encontram, desde logo, excluídas do âmbito da regra da
coincidência- é o que acontece com os n.ºs 2 e 3 do art. 80.º, onde se preveem fatores de
atribuição de competência territorial com o objetivo limitado de indicar os tribunais
competentes na ordem interna.
O princípio da coincidência apenas convoca os critérios de distribuição do poder de julgar
no plano interno, enquanto vê neles meros índices reveladores da competência
internacional. De acordo com o mencionado entendimento pode sustentar-se que a
negação da competência internacional- indiciada a partir de fatores de conexão territorial
de caráter interno- se justifica sempre que a sua atribuição aos tribunais portugueses
configura um “forum non conveniens” e, simultaneamente, exista tribunal estrangeiro
melhor colocado para julgar o litígio que não decline a sua jurisdição.
A al. b) consagra o princípio da causalidade: serão competentes os tribunais portugueses
quando ocorra em território nacional o facto ou algum dos factos que servem de base à
pretensão deduzida em juízo. Desde logo, é preciso ter presente que a definição de causa
de pedir, para efeitos da atribuição da competência internacional, obedece a preocupações
normativas diferentes daquelas que o legislador considera, quando se serve dos factos que
fundamentam o pedido como um dos elementos relevantes para a identificação doobjeto

90
da ação (art. 581.º, n.º 4 CPC). Enquanto que neste último domínio a causa de pedir se
centra naqueles factos da vida real que preenchem a previsão da norma, ou das normas
materiais que produzem o efeito, ou os efeitos jurídicos que o autor pretende ver tutelados
(factos fundamentais ou essenciais), limitando-se a esse núcleo o poder de julgamento do
tribunal, a perspetiva é outra quando a causa de pedir funciona como fator de atribuição
da competência aos tribunais de um dado país porque outros são os interesses que o
referido instituto é chamado a acautelar.
Na ordem interna, tratando-se de responsabilidade contratual, a causa de pedir
circunscreve-se aos factos constitutivos da espécie negocial em que o autor baseia as
respetivas pretensões. Quando se procura fundar a competência internacional no pr. da
causalidade, a realidade atendível desloca-se para a operação negocial que os contraentes
programaram, perdendo acuidade o aspeto da localização dos factos constitutivos,
entendidos como os que aparecem descritos em abstrato na previsão da norma ou normas
aplicáveis. Ex: determinado contrato concluído em certo país pode implicar a prática de
atos relevantes de execução no território de outro país, atividade esta que não se situa no
quadro da causa de pedir tomada como elemento de identificação do objeto da ação
correspondente.
Assim, na atribuição da competência o julgador deve atender não tanto à localização da
conclusão do contrato (que corresponde à causa de pedir relevante como momento
identificador da ação), mas sim ao conjunto de toda a operação negocial desenhada pelas
partes. Mas esses factos só são qualificáveis como integradores da causa de pedir, no
estrito sentido em que exprimem uma ligação relevante do esquema contatual com o OJ
nacional. Deve notar-se que não são quaisquer factos que relevam como potencial
elemento de conexão só factos que digam respeito à ordem jurídica portuguesa.
Formulado com a amplitude que a al. b) lhe dá, arrasta o risco de se atribuir a mesma
relevância tanto aos factos que produzem consequências efetivamente ligadas à OJ
portuguesa, como àqueles que ocorram em Portugal por razões fortuitas ou acidentais,
acabando por implicar a competência dos tribunais portugueses para ações de divórcio
referentes a estrangeiros não domiciliados em Portugal, desde que no processo fosse
invocada a verificação em território português dos factos que fundamentam o pedido. É
um problema apontado a esta al. e que exige cautela na sua aplicação.
A al. c) estabelece o princípio da necessidade: Impossibilidade de o autor obter noutro
país a tutela judicial do direito que invoca. Consiste em evitar que o direito à resolução
dos litígios por via judicial ficasse comprometido em virtude da presença de conflitos
negativos de jurisdição. Para que exista competência dos tribunais portugueses, é preciso
que, além de não se verificar nenhum dos outros fatores de competência previstos no
mencionado art. 62.º e de não haver no estrangeiro tribunais que aceitem ocupar-se do
litígio, a situação controvertida apresente algum elemento ponderoso de conexão com a
ordem jurídica nacional. O princípio da necessidade encontra justificação no dever que
incumbe ao Estado de garantir a realização do direito através dos tribunais (art. 20.º da
CRP e 6.º/1 da CEDH).
A competência dos tribunais portugueses não exige que se verifique uma impossibilidade
de grau absoluto, bastado que constitua para o autor “dificuldade apreciável” a proposição
da ação perante os tribunais estrangeiros competentes. Por exemplo, em relação a países

91
com medidas discriminatórias quanto à liberdade de circulação e às condições de
segurança das pessoas que, em concreto, necessitam de recorrer aos tribunais. As aludidas
restrições, embora possam não chegar ao ponto de impedir por completo a proposição da
ação no país em causa, acabam por afetar em concreto a dimensão material do direito à
justiça.
Levanta-se questões quando estão em causa considerações retiradas da análise prévia de
direito material aplicável ao fundo da causa. Há orientações em ambas as direções.
Pactos atributivos e privativos de jurisdição- Acordo das partes sobre a jurisdição:
encontra-se regulada no art. 94.º do CPC. Estes acordos podem traduzir-se, quer na
atribuição do julgamento de determinada causa a um tribunal escolhido pelas partes
(pacto atributivo de jurisdição), quer no afastamento da competência resultante das
normas de conflitos de jurisdições de algum dos Estados em contacto com o litígio (pacto
privativo de jurisdição). A vontade das partes funciona como critério de determinação da
competência internacional, desde que se exprima através de acordos sobre o exercício da
jurisdição quanto a litígios que estejam simultaneamente em contacto com mais de um
OJ. Encontra-se afastada a possibilidade de as partes atribuírem competência aos tribunais
de um Estado sempre que o litígio assuma natureza puramente interna. O contacto com
as ordens jurídicas deve estabelecer-se através de critérios objetivos, sendo para isso
irrelevante a nacionalidade das partes. As partes pretendem mediante acordo reduzir o
espetro de jurisdições alternativas que se acham colocadas à sua disposição.
Mas não se exige que o tribunal escolhido se situe dentro da organização judiciária dos
Estados cujas ordens jurídicas tenham conexão com a relação jurídica controvertida,
podendo designar-se tribunais de terceiros países- as partes atribuem a competência a
tribunais estrangeiros que não a teriam sem o acordo dos interessados.
Requisitos de validade- art. 94.º, n.º 3 CPC.
29/04/2020
Regulamento de Bruxelas I reformulado
Em primeiro lugar referir que as normas do Regulamento têm uma natureza dupla porque
preenchem uma dupla função:
- por um lado resolvem o problema da atribuição da competência internacional direta uma
vez que preveem as situações em que os tribunais dos Estados envolvidos dispõe de
jurisdição (relembrar a distinção entre competência e jurisdição) para conhecer das
situações plurilocalizadas;
- por outro lado, eliminam a necessidade de nas fases de reconhecimento e execução
controlar os critérios usados pelos tribunais de origem. Ao criarem um conjunto comum
de regras de competência internacional direta para as matérias incluídas no respetivo
âmbito de aplicação, eliminaram à partida o espaço onde podiam surgir as questões de
competência indireta.
O Regulamento manteve o sistema de repartição da competência dos EM que já vinha da
Convenção de Bruxelas de 1968 que é construído a partir do foro do domicílio ou sede
do demandado.

92
Uma das inovações mais significativas introduzidas diz respeito à atribuição da eficácia
executiva imediata em qualquer dos EM às decisões judiciais e atos equiparados com
força executória do Estado de origem, desaparecendo o processo especial previsto nos
arts. 30.º e ss. para a declaração de executoriedade, que era o chamado exequátur. Nos
termos do art. 39.º do Regulamento em vigor “Uma decisão proferida num Estado-
Membro que aí tenha força executória pode ser executada noutro Estado-Membro sem
que seja necessária qualquer declaração de executoriedade.”.
Já vimos que a aplicação do Regulamento prevalece sobre a aplicação do sistema
autónomo, sobre as regras de competência internacional previstas no CPC. Se uma ação
com conexão a uma ou mais OJ for intentada num tribunal português, esse tribunal aferirá
a sua competência internacional com base nas regras previstas neste Regulamento. Se não
foi de aplicar o Regulamento, afere de acordo com o CPC.
− Pressupostos de aplicação do Regulamento
Sempre que o objeto do litígio esteja ligado ao território de algum dos Estados da União
através de um dos fatores de conexão ou de integração, aplicam-se as regras de
competência internacional direta previstas no Regulamento se o litígio couber, ao mesmo
tempo, no âmbito material da sua aplicação. Nesse caso aplicam-se as regras de
competência internacional direta previstas no Regulamento se o litígio couber, ao mesmo
tempo, no âmbito de aplicação material do regulamento. Assim, temos, em primeiro lugar
de saber qual é o âmbito de aplicação material do regulamento, mas tem de haver também
um fator de integração do litígio no espaço dos EM abrangidos por este diploma.
Âmbito de aplicação material: O âmbito de aplicação material do regulamento está
previsto no art. 1.º do Regulamento. O presente Regulamento aplica-se em matéria civil
e comercial. As regras de competência estabelecidas no Regulamento não abrangem, no
entanto, a totalidade das questões tecnicamente qualificáveis como matéria civil e
comercial, dado que se encontram excluídas do seu âmbito de aplicação as ações que
versem sobre algum dos objetos discriminados no art. 1.º, n.º 2.
Nem mesmo dentro do respeito âmbito de aplicação material (art. 1.º, n.ºs 1 e 2 a
contrario), o Regulamento abrange todos os litígios de natureza internacional que os
tribunais dos EM podem ser chamados a decidir isto porque as matérias litigadas têm de
estar ligados aos EM por algum dos fatores de inclusão definidos no Regulamento. Existe
em cada EM um âmbito próprio em que funciona o seu sistema autónomo, mesmo em
matérias no âmbito de aplicação material do Regulamento.
A regra é que a aplicação das regras de competência instituídas no âmbito da União terá
lugar sempre que o réu estiver domiciliado ou tiver a sua sede em território de um dos
Estados-membros: para além de um fator de inclusão é também a regra geral que está
plasmada no art. 4.º, n.º 1 deste diploma. A nacionalidade não é relevante para este efeito,
o que importa é o domicílio e a sede.
O Regulamento está organizado da seguinte maneira:
- A regra geral está no artigo 4.º e os artigos 7.º e 8.º têm as competências especiais. O
título desta secção parece ser enganador porque não estamos perante uma relação de
regra/exceção, não é uma regra especial que afasta a regra geral, o que está em causa é a

93
criação de fóruns optativos, ou seja, o que vem previsto nestes artigos é que o autor pode
optar, tem uma opção.
A aplicação do art. 7.º pressupõe que o litígio apresenta contacto com outra OJ além
daquela que corresponde ao domicílio ou sede do réu. Estas regras do art. 7.º têm por base
a aplicação do art. 4.º cuja regra geral permite criar este fórum optativo. Em suma, as
competências resultantes do art. 7.º apenas relevam quando os fatores de conexão nelas
utilizados deslocam o litígio para país diferente daquele onde se situa o domicílio ou a
sede do réu. Em matéria contratual, as pessoas domiciliadas num EM podem ser
demandados noutro EM, onde foi ou deva ser cumprida a obrigação, por exemplo. Claro
que não pode haver coincidência entre EM! Contudo, o lugar de cumprimento sozinho
não funciona como um fator de inclusão no sentido de fixar o objeto do litígio ao espaço
da união, mesmo dentro do âmbito de aplicação material do Regulamento falta o fator de
inclusão que é domicílio do réu naquele espaço.
Depois temos regras especiais de proteção da parte mais fraca: os artigos 10.º e ss. em
matéria de contratos de seguro; os artigos 17.º e ss. em matéria de contratos com o
consumidor e os artigos 20.º e ss. em matéria de contratos de trabalho.
As competências exclusivas estão previstas no art. 24.º: as competências exclusivas
caraterizam-se por dizerem respeito a um núcleo de matérias relativamente às quais se
tornou possível identificar um elemento de conexão dotado de preponderância de tal
maneira forte perante os outros com ele concorrente, que funciona como expoente de
ligação estreita entre a causa e um certo país. Existem ações em que a intensidade da
ligação do “thema decidendum” com determinado fator de conexão implica que este
assuma o estatuto do critério único de atribuição da competência internacional quando a
determinadas matérias, o que arrasta o julgamento para os tribunais do país assim
designado. Têm competência exclusiva os seguintes tribunais de um EM,
independentemente do domicílio das partes. Remeter o art. 24.º para o artigo 6.º, n.º 1 do
Regulamento. O fator de integração diz respeito ao objeto do litígio.
O artigo 25.º é relativo aos pactos atributivos de jurisdição que constituem outro fator de
integração. O art. 25.º estabelece os requisitos de que depende a admissibilidade dos
acordos destinados à atribuição de competência internacional. As partes convencional que
determinado EM tem competência para decidir de quaisquer litígios que tenham surgido
ou que possam surgir dessa relação jurídico, independentemente de as partes terem
domicílio ou sede na União. Esta foi uma alteração introduzida com a reformulação do
Regulamento, deixa de ser requisito que alguma das partes, quando celebra um pacto de
jurisdição, tenha domicílio ou sede num dos territórios membros. Foi uma mudança que
ocorreu em 2012, assim, se as duas partes tiverem domicílio no Brasil podem, ainda
assim, atribuir competência a um tribunal português. No que se refere à validade desta
pacto, aplica-se o Regulamento e não o CPC.
Por último, o art. 6.º/2 que nos diz que qualquer pessoa com domicílio num Estado-
membro pode invocar contra um requerido que não tenha domicílio nesse EM as regras
de competência que nele estejam em vigor do mesmo modo que os nacionais desse EM.
São situações em que o autor tem domicílio ou sede num EM e demanda um réu que não
tem domicílio nem sede nesse mesmo EM. Este entendimento estende-se até sobre a
aplicação das próprias regras de competências nacionais: ou seja, previstas no sistema

94
autónomo do Estado do foro, mesmo que hajam sido objeto de comunicação à comissão,
nos termos do art. 76.º, n.º 1, al. a) do Regulamento.
Isto é, no funcionamento das regras de competência não interferem fatores de
discriminação ligados à nacionalidade. O pr. da igualdade de tratamento entre
estrangeiros residentes nos países da UE e os respetivos nacionais assume implicações
que se projetam em duas vertentes: por um lado, as regras aplicáveis à determinação da
competência relativamente a ações que envolvam nacionais valem para as pessoas que
não possuam a nacionalidade do Estado onde estejam domiciliadas (art. 4.º/2) e, por outro
lado, temos este artigo 6.º/2.
Agora vamos olhar de modo mais detalhado para os fatores de integração:
Se o réu tem sede ou domicílio no espaço da União, em princípio ele deve ser demandado
nos tribunais desse Estado, a não ser que haja competência exclusiva de outro Estado ou
um pacto de jurisdição válido noutro sentido.
Os artigos 7.º e 8.º preveem regras especiais, mas aos fatores de conexão previstos nestes
artigos não é reconhecida, dentro do sistema da União, a autonomia de que precisavam
para atuar ao nível idêntico da regra do art. 4.º. Essas conexões são apenas competências
opcionais no sentido de permitir afastar o tribunal que seria competente ao abrigo do art.
4.º. Assim, o artigo 7.º tem por base a aplicação do art. 4.º, que o autor pode afastar.
Existem determinadas situações em que o foro do domicílio do réu, apesar da posição
central que ocupa na competência internacional da União, pode ser afastado, mercê do
reconhecimento de outros fatores de conexão que com ele concorrem.
Já tínhamos visto o exemplo do artigo 7.º, n.º 1, al. a)- o Regulamento não é aplicável no
caso do domicílio ou sede do réu estarem fora dos países da União, mas o local do
cumprimento da obrigação se localizar nalgum destes países, ou seja, o lugar do
cumprimento é considerado conexão bastante no sentido de permitir ao autor afastar a
competência dos tribunais do EM do domicílio ou sede do réu, mas não tem eficácia para
intervir como fator autónomo de atribuição de competências.
Um outro exemplo que se baseia no art. 7.º, n.º 5: um litígio relativo à exploração de uma
sucursal localizada num EM. Numa sociedade com sede nos EU dispõe de uma sucursal
em território português. Esta sucursal interveio na celebração do contrato em que o autor
baseia o pedido- ou seja, a ré tem sede nos Estados Unidos, fora do espaço da União.
Assim, não se pode aplicar o Regulamento, mas sim as regras do CPC. Já se a sede fosse
em França com sucursal em Portugal, o autor podia optar pelo EM onde queria intentar a
ação.
Às normas de competência internacional provenientes da UE cabe a missão de determinar
qual o Estado-membro cujo sistema judicial irá ocupar-se do julgamento de questões que
tenham pontos de contacto com mais do que um OJ (caráter internacional do litígio).
Assente a competência internacional dos tribunais de qualquer dos EM, pertence, em
princípio, às respetivas normas internas fixar em concreto o tribunal onde decorre o
processo.
O Regulamento diz que os tribunais portugueses são competentes, mas têm de se aplicar
as regras do CPC, da LOSJ e a demais legislação nacional para aferir qual o tribunal

95
concretamente competente. Há casos, contudo, em que o legislador da União chamou a
si a definição do critério relevante para o estabelecimento da competência territorial
dentro do Estado-membro da União, cuja competência internacional foi determinada por
aplicação do Regulamento. Determinadas políticas da UE voltadas para a proteção de
interesses específicos, como dos consumidores, explicam o aproveitamento pontual das
regras de conflitos de jurisdições como veículos para, ao mesmo tempo, se atuar com
vista à imposição do foro interno que se apresenta como mais favorável na perspetiva do
acesso à defesa dos direitos correspondentes. A este propósito mencionar o art. 18.º, n.º 1
do Regulamento: em primeira linha trata do problema da competência internacional
(“tribunais do EM onde estiver domiciliada”) e subsequentemente coloca o problema da
determinação do tribunal onde vai decorrer o processo, questão esta que convoca normas
internas de repartição de competência. Este preceito dá ao consumidor-autor a
possibilidade de optar por se dirigir ao “tribunal do lugar onde (…) tiver domicílio”.
Verifica-se um modo de geração da competência que se aproxima daquele que resulta do
princípio da coincidência- implica o afastamento das normas do DPC nacional que seriam
aplicáveis.
Contudo, isto são apenas situações residuais, o núcleo duro das normas presentes no Reg.
Brux. I reformulado, à imagem do que acontece com o diplomas que o antecederam, tem
o objetivo único de resolver autênticos problemas de conflitos de jurisdições, dentro do
âmbito material e espacial onde operam e não se imiscui nos problemas de competência
interna.
Razão semelhante que está subjacente ao facto de o Regulamento não mexer com
problemas de competência interna, afasta a possibilidade de o autor optar pelo tribunal
do domicílio ou sede do réu e algum dos outros tribunais indicados pelos fatores de
conexão do art. 7.º quando ambos pertençam à organização judiciária do mesmo Estado.
Dentro do quadro normativo de distribuição de competência na União, a faculdade
atribuída ao autor de intentar a ação perante os tribunais de Estado diferente daquele onde
o réu está domiciliado só encontra justificação se o litígio estiver simultaneamente ligado
com a OJ de outro EM, através de algum dos fatores de conexão previstos no art. 7.º.
Impõe-se, portanto, articular a competência geral do artigo 4.º com o sistema de
competências opcionais do art. 7.º de modo a evitar que os fatores de conexão
autonomizados por este último preceito invadam o espaço reservado à atuação das normas
de competência territorial interna.
Exemplo ilustrativo deste problema: Na hipótese de uma sociedade comercial com sede
em Espanha demandar uma sociedade comercial com a administração principal situada
em Lisboa e que tem uma sucursal no Porto, alegando o não cumprimento de um contrato
celebrado por intermédio desta última, constitui erro fundamentar a competência do foro
do Porto através do disposto no art. 7.º, n.º 5 do Regulamento. A competência
internacional dos tribunais portugueses decorre do princípio geral enunciado no n.º 1 do
art. 4.º do Regulamento, enquanto a norma interna de competência da comarca do Porto
se baseia no n.º 2 do art. 81.º do CPC, norma interna de competência territorial que atribui
ao juiz da sede da sucursal o poder de julgar as ações contra ele dirigidas. Em suma, a
comarca do Porto era competente com base no art. 81.º/2 do CPC e não com base no art.
7.º/5 do Regulamento.

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Porém, se a sucursal estiver localizada num país da União diferente daquele onde se situa
a administração principal, aí já têm competência os tribunais dos dois Estados da União,
mas não é o que se passa aqui.
Competências especiais em razão da matéria:
O artigo 7.º constitui derrogações ao princípio geral do art. 4.º, n.º 1, em favor de
outros critérios de conexão que traduzem uma relação mais estreita do litígio com EM
diverso daquele onde se situa o “forum rei” ou que procura proteger a parte mais fraca,
dando-lhe a possibilidade de utilizar o foro do seu domicílio para propor determinadas
ações.
Como já dissemos os critérios de conexão que afastam o foro geral, apenas de na
terminologia deste diploma originarem “competências especiais”, não se sobrepõe, sem
mais, à regra basilar do domicílio ou da sede do réu que continua presente como fator
primário de atribuição de competência e, simultaneamente, a funcionar como pressuposto
indispensável à aplicação dos foros previstos nas diversas alíneas do art. 7.º.
Esta decisão nunca pode entrar em conflito com os princípios basilares do regime da
União, em particular o princípio da previsibilidade do foro em que o eventual réu pode
ser demandado e o princípio da concentração da competência nesse foro para os diversos
litígios emergente da mesma relação jurídica.
1) Lugar do cumprimento da obrigação subjacente ao pedido:
- Nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 7.º, a competência para julgar litígios em matéria
contratual pertence ao foro do “lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em
questão”. A abertura deste foro visa permitir que o litígio decorra no tribunal que, em
teoria, se achar melhor colocado para o respetivo julgamento, dado encontrar-se mais
próximo dos elementos de facto que interessam à decisão da causa.
Se as partes tiverem estipulado o lugar do cumprimento da obrigação que serve de
fundamento ao pedido ou esse lugar for determinável por interpretação do contrato, não
se suscitam dificuldades. Se a cláusula for considerada inválida ou se não houver
indicação das partes têm de se convocar, a título supletivo, as normas materiais que foram
criadas pelo legislador comunitário previstas no artigo 7.º, n.º 1, al. b). Esta norma
distingue duas categorias de contratos: o contrato de compra e venda e o contrato de
prestação de serviços. Assim, no caso da venda de bens, situa-se o lugar do cumprimento
no Estado onde os bens foram ou devam ser entregues e, quando estiver em causa a
prestação de serviços, a conexão relevante estabelece-se com base no lugar onde, nos
termos do contrato, os serviços foram ou devam ser dados como prestados.
Na impossibilidade de se determinar a localização da prestação caraterística a partir do
estipulado no contrato ou se tal prestação se localizar num país não pertencente à UE, o
EM onde o autor pode, em alternativa, demandar o réu será aquele em cujo território se
situa, nos termos da solução conflitualista, o lugar do cumprimento indiciado a título
supletivo pela “lex causae”- al. c) do n.º 1 do art. 7.º. Por conseguinte, a competência
pertence também aos tribunais do EM onde está pendente o processo, se a lei designada
pelo direito internacional privado do foro situar aí o lugar do cumprimento da prestação
concreta que constitui objeto do litígio, na sequência de o autor haver proposto a ação

97
perante os tribunais de um Estado da União diverso daquele onde se situa o domicílio ou
sede do demandado. Assim, o tribunal onde foi intentada a ação, aplicando o seu direito
internacional privado, vai determinar qual o ordenamento jurídico que disciplina o
contrato e, em seguida, aplica o respetivo Direito material para determinar qual o lugar
do cumprimento, é esta a solução conflitualista.
Outro aspeto muito importante é que a competência do tribunal resultante dos fatores
materiais de conexão constantes do art. 7.º/1/b), não abrange apenas as questões
especificamente referentes à entrega das mercadorias ou à prestação dos serviços. Houve
o propósito de centrar no Estado-membro do lugar da entrega ou da prestação a
competência para os litígios emergentes da relação contratual tomada no seu conjunto,
incluindo-se neste âmbito, nomeadamente, a obrigação de pagar o preço ou outras
contrapartidas que as partes estipularam. Considerações de ordem pragmática ditaram
este alargamento da competência baseada na cláusula da localização caraterística, de
maneira a restringir as hipóteses em que existe o risco de o foro opcional pertencer a um
EM sem ligação efetiva com o processo. Ex: Eu sou a parte do contrato que está obrigada
a realizar o serviço ou que tem de entregar a coisa e a contraparte deve-se o valor. Assim,
não pagando, a contraparte, o preço, intento uma ação de cobrança. Ainda que o lugar da
entrega dos bens ou da prestação de serviços seja outro (e a minha ação não tem o intuito
de condenar o réu à prestação de serviços, nem à entrega dos bens), posso intentar aí a
ação. Assim, se os bens iam ser fornecidos em Portugal e o réu tinha domicílio em França,
posso intentar a ação em Portugal, afastando a regra do art. 4.º/1. Embora não esteja em
causa a entrega dos bens, mas o pagamento do preço, o elemento de conexão éo lugar da
entrega dos mesmos.
2) Lugar onde ocorreu o facto gerador da responsabilidade extracontratual:
Quando a indemnização pedida se fundar na responsabilidade extracontratual, o autor
pode propor a ação no “tribunal do lugar onde ocorreu ou poderáocorrer o facto danoso”
(art.º 7.º, n.º 2 Reg. Brux. reformulado), em vez de o fazer no tribunal do domicílio ou
sede do réu. A admissão deste foro opcional existe tão-só nas hipóteses em que o pedido
se destina a obter a condenação do réu na reparação dos prejuízos causados pelo seu
comportamento gerador de responsabilidade extracontratual (não cabe aqui a ação
pauliana).
O objetivo da norma em análise é o de permitir que o processo seja entregue ao tribunal
que proporciona o benefício do contacto mais fácil com os elementos de facto
constitutivos da responsabilidade civil. Assim, o sentido da opção concedida ao
demandante resume-se ao reconhecimento da competência do foro onde se produziram
os danos diretos ou onde se verificou o respetivo facto gerador desses danos estabelecida
em alternativa à competência geral do foro do domicílio ou sede do réu. Compreende-se
que se atenda apenas ao local onde ocorreram os danos diretos porque estender o fator de
conexão ao lugar onde se registam danos de expressão puramente patrimonial equivale,
em último termo, à atribuição de competência aos tribunais de locação do património do
lesado, ou seja, do domicílio ou sede do autor.
Pactos atributivos de jurisdição

98
A estipulação das partes sobre a competência internacional. O artigo 25.º do Regulamento
enuncia os requisitos de que depende a admissibilidade dos acordos destinados à
atribuição de competência internacional. A estipulação das partes sobre a competência
internacional, à semelhança do que acontece com a convenção de arbitragem, é tratada
como acordo independente do restante conteúdo do contrato onde esteja integrada. Daí
que, perante a autonomia de que goza a cláusula atributiva de competência internacional,
a sua validade não seja afetada pela circunstância de o contrato em função do qual foi
negociada sofrer de alguma invalidade: art. 25.º, n.º 5 do Regulamento.
Para que a vontade das partes produza este efeito de caráter processual, exige-se que
estejam reunidas várias condições de fundo. São elas as seguintes:
1- Caráter internacional do litígio: a vontade das partes constitui critério atendível apenas
quanto às ações que envolvam a competência de juízes de mais de um EM, pelo que é
indiferente a nacionalidade das partes.
2- Irrelevância do domicílio de qualquer das partes no território de algum dos EM da UE.
Desde 2012 que não é requisito que pelo menos uma das partes esteja domiciliada ou
sedeada em algum dos EM (art. 25.º/1). Por isso mesmo, o art. 6.º, n.º 1 ressalva esta
hipótese do princípio da não aplicação do Regulamento a réus domiciliados ou com sede
fora do território da União.
3- Designação de um tribunal em concreto ou do conjunto dos tribunais de um EM: A
vontade de as partes afastarem a competência resultante dos fatores de conexão previstos
no Regulamento tem de mostrar-se acompanhada da indicação do tribunal a que é
atribuída a jurisdição, o que pode fazer-se designando um tribunal em concreto ou
referindo genericamente o conjunto dos tribunais de determinado país da União. Neste
último caso, a fixação do tribunal que julga o litígio pertence às normas internas de
competência do Estado escolhido. A preferência das partes pode recair tanto sobre
tribunais de um país que não apresentem ligação efetiva com o litígio, como sobre um
tribunal concreto cuja competência resulte de fatores de conexão previstos no n.º 2 do art.
5.º e no n.º 2 do art. 6.º que tenham sido objeto de comunicação à Comissão: art. 76.º/1/a).
4- Identificação da relação jurídica que origina o litígio: impõe-se que as partes
identifiquem concretamente a relação jurídica de onde podem provir as questões a
submeter ao foro pactuado. Não será válido o acordo que se refira, de modo genérico, às
ações que tenham lugar entre as partes, prescindindo de concretizar a relação jurídica que
serve de base ao pedido. Com este requisito, visa-se a proteção da parte que, por falta de
capacidade negocial, venha a ficar colocada diante de uma renúncia geral aos critérios de
atribuição de competência consagrados no Regulamento.
5- Respeito das “competências de proteção” e das “competências exclusivas”: existem
disposições específicas dirigidas à proteção da parte mais fraca no domínio das cláusulas
atributivas de jurisdição incluídas em contratos de seguro (art. 10.º e ss.), em contratos
celebrados com os consumidores (arts. 17.º e ss.) e no contrato individual de trabalho
(arts. 20.º e ss.). Os pactos atributivos de jurisdição que não obedeçam ao disposto nos
arts. 15.º, 19.º e 23.º do Regulamento, ou que infrinjam alguma competência exclusiva
(art. 24.º), não produzem efeitos (art. 25.º, n.º 4).

99
É necessário que se verifiquem também requisitos formais: estão previstos nas als. a), b)
e c) do art. 25.º.
Regime processual da incompetência
O Regulamento 1215/2014 não se ocupa, em princípio, com o modo como as questões de
competência relevam a nível do desenvolvimento do processo, aceitando o que a “lex
fori”, a lei do foro, estabeleça neste domínio. Todavia, alguns aspetos do regime a que
obedece a apreciação da competência mereceram a atenção do legislador da União,
prevalecendo tais disposições sobre o que se acha previsto na legislação processual de
cada um dos Estados-membros.
O primeiro ponto que merece destaque diz respeito aos poderes do tribunal para a
verificação do cumprimento das regras de competência. O Regulamento determina
que os tribunais dos EM se declarem oficiosamente incompetentes em duas situações.
Assim, a declaração oficiosa da incompetência tem lugar quando o objeto principal da
ação envolva alguma das matérias para que o artigo 24.º estabelece a competência
exclusiva dos tribunais de outro Estado-membro (art. 25.º). É um caso em que a
incompetência internacional onde a ação deu entrada deve ser oficiosamente conhecida:
art. 27.º- incompetência absoluta.
A outra hipótese em que o Regulamento dá ao tribunal a iniciativa para conhecer da
incompetência verifica-se quando réu não intervenha no processo, tratando-se de pessoa
ou entidade com domicílio ou sede na UE (art. 28.º/1). Está-se perante uma atuação
oficiosa, destinada a assegurar que a falta de exercício do contraditório não resultou da
violação pelo autor dos critérios de repartição da competência. No caso de revelia do réu
é esta a solução, deve aferir oficiosamente a sua competência.
Porém, não é só a proposição da ação em tribunal incompetente que se mostra capaz de
atingir o direito de defesa do réu. Tal direito pode ficar comprometido, quer través de
vícios da citação que acabam por não permitir que o réu conheça a pendência da ação,
quer, mesmo que não ocorram vícios formais, por o conhecimento da petição inicial (ou
ato equivalente (se verificar em termos que não permitem apresentação atempada da
contestação. Daí que o n.º 2 do art. 28.º imponha ao tribunal, depois de resolvida em
sentido afirmativo a questão da sua competência, que averigue as circunstâncias concretas
da citação, no caso de o réu não comparecer. A aferição da regularidade da chamada do
réu a juízo faz-se de acordo com as formalidades do regime de transmissão previsto no
Regulamento ao abrigo do art. 28.º, n.º 3.
Se o tribunal concluir que não foi dada ao réu oportunidade de organizar a respetiva defesa
de acordo com os padrões normativos mencionados, suspende a instância pelo tempo que
em concreto se mostre necessário para serem tomadas as medidas indispensáveis à
salvaguarda do direito de defesa (art. 28.º, n.º 2). Esta intervenção oficiosa do julgado, no
caso de revelia, exercida quanto à regularidade da criação feita noutro EM da União
corresponde a uma primeira cautela destinada a diminuir o risco de, mais tarde, em sede
de reconhecimento ou de execução, vir a ser negada a produção de efeito a uma decisão
proferida sem mínimas garantias de contraditório (art. 45.º/1/b) e 46.º).
Em suma, perante a revelia, houve a preocupação de assegurar, por um lado, que o
processo decorra em tribunal dotado de competência internacional e que, por outro lado,

100
sendo competente o tribunal onde o réu não compareceu, se respeitem no julgamento as
garantias fundamentais de defesa, quando a citação tem de efetuar-se dentro do espaço
territorial da União.
O modo de funcionamento deste sistema pode conduzir à atribuição da competência
mediante a verificação de situações que, no fundo, se assemelham à aceitação tácita pelo
réu da jurisdição de um tribunal incompetente: art. 26.º/1 do Regulamento. Excetua-se,
como se compreende, os casos em que haja infração de competências exclusivas. Mas,
com esta ressalva, resulta da norma em análise que a incompetência original desaparece,
se o réu intervier no processo sem a arguir. Quer dizer, a incompetência decorrente da
violação das normas da União sana-se por efeito do comportamento do réu que, ao não
arguir a exceção dilatória correspondente, mostra disponibilidade para aceitar a
competência do tribunal onde o processo se iniciou. Encaradas as coisas de outra
perspetiva, pode concluir-se que, no âmbito do Regulamento, a incompetência releva
através da arguição do réu, desde que compareça em juízo.
A regra do mencionado n.º 1 do art. 26.º vale igualmente para os casos em que a
incompetência resulta de o autor infringir um pacto atributivo de jurisdição que o liga à
contraparte. Pode ver-se na falta da arguição da incompetência pelo réu, de certo modo,
a manifestação de vontade concordante com a permanência da ação no foro escolhido,
produzindo-se efeitos semelhantes aos de um acordo de competência tácito que, sendo
posterior, prevalece sobre o que as mesmas partes antes haviam estipulado.
Referiu-se que o regime descrito não se aplica no caso de existir infração de alguma das
competências previstas no art. 24.º do Regulamento. De facto, se nestas situações a
competência não pode ser afastada por acordo expresso das partes (art. 25.º/4), está fora
de causa que o silencia do réu sobre a preterição de uma competência exclusiva se traduza
na admissão do efeito que ali se quis proibir.
Visto que o Regulamento nada dispõe acerca do momento até ao qual o réu que
comparece no processo pode arguir a incompetência, aplicam-se os princípios do direito
processual de cada Estado-membro relativamente à oportunidade da dedução da defesa.
Entre nós, por força do artigo 573.º do CPC (princípio da concentração da defesa na
contestação), o réu tem de suscitar na contestação a incompetência decorrente da violação
das regras estabelecidas no âmbito da União, ao invés do que acontece com a
incompetência internacional traduzida na infração das normas do sistema autónomo que
originem incompetência absoluta. Para esta última incompetência subsiste o regime de
conhecimento oficioso, mesmo que o réu não a invoque na contestação (arts. 96.º/a),
97.º/1 e 573.º/2 CPC). Excetua-se a hipótese da violação do pacto privativo da jurisdição
dos tribunais portugueses que, segundo o sistema autónomo, gera incompetência absoluta
sujeita, porém, a arguição do réu dentro do prazo fixado para a apresentação da primeira
defesa prevista na estrutura do processo (arts. 96.º, 97.º/1 e 578.º).
Nos termos do n.º 1 do art. 26.º do Regulamento, a vinda do réu ao tribunal incompetente
assume o sentido de manifestação da vontade ao submeter-se à jurisdição do foro
escolhido pelo autor, salvo “se a competência tiver como único objetivo arguir a
incompetência”. Todavia, a manifestação da vontade de recusa do julgamento perante o
tribunal onde a ação foi proposta existe, não só na hipótese de contestação limitada ao
problema da infração das normas que repartem a competência no interior da União, mas

101
também quando, após suscitar a questão da falta de competência, o réu se defende no
plano do mérito ou, até mesmo, deduz algum pedido reconvencional contra o autor.
O segundo segmento do art. 26.º significa que o tribunal se encontra obrigado a decidir a
questão da incompetência, não só quando o réu comparece com o “único objetivo” de
argui-la, mas também quando na sua intervenção considera o tribunal incompetente e
deduz, a título subsidiário, defesa de mérito ou pedido reconvencional.
05/05/2020

Meios alternativos de resolução de litígios


Uma caraterística do moderno sistema de justiça é justamente a introdução de
mecanismos alternativos aos sistema judicial público de resolução de litígios, designado
pela sigla MARL ou, no discurso anglófono: ADR- alternative dispute resolution. Os
principais meios são a arbitragem, mediação e os julgados de paz. Vamos começar por
estudar a arbitragem.
Mesmo do ponto de vista orgânico, o crescimento do relevo destas formas alternativas de
resolução de litígio reflete-se na estrutura das entidades que têm por função velar pelo
bom funcionamento da justiça, por isso é que a DGPJ integra um Gabinete de Resolução
Alternativa de Litígios- art. 10.º, n.º 3 do DL n.º 123/2011 de 29 do 12.
Estes meios alternativos de resolução de litígios têm também sido amplamente
promovidos por entidades internacionais, nomeadamente pela UE- Diretiva sobre a
resolução alternativa de litígios de consumo e Diretiva de resolução de litígios de
consumo online.
A distinguir destes meios alternativos de resolução de litígios estão formas de resolução
de litígios inseridas em torno de uma ação judicial, mas que não passam por uma prolação
de sentença. Não são tecnicamente MARL, quando nos referimos a estes meios
alternativos de resolução de litígios estamos a falar de mecanismos de resolução de
litígios que decorrem de forma autónoma ao processo civil o que não é aqui o caso, pensar
por exemplo nos caso de as partes colocarem termo ao litígio através de contrato de
transação: arts. 1248.º e ss. do CC e 283.º, n.º 2 do CPC. As partes manifestam o seu
poder sobre o objeto da lide e aí o litígio termina, não com uma sentença, mas com o
acordo das partes, transação esta que pode resultar da tentativa de conciliação realizada
pelo juiz: art. 594.º do CPC. Neste caso ainda se aproveita a força do processo: a
pendência da causa, o modo como decorreu o debate instrutório, a perspetiva de resolução
oferecida: são elementos que se aproveitam em tais modo de composição de litígios que
estão ligados a um processo civil mas que terminam de um modo alternativo à prolação
de sentença (que é o modo normal de terminar uma ação), é um modo alternativo mas não
é tecnicamente um MARL. Estão inseridas ou são em torno de uma ação judicial.
Estes meios alternativos de resolução de litígios são formas de resolução de litígios
toleradas pela autoridade pública, assim e nessa medida estão tambémsujeitas ao quadro
constitucional de garantia de acesso ao Direito: a possibilidade de receber uma decisão
segundo o Direito por alguém qualificado em tempo razoável com adequadas garantias
de defesa e, portanto, colocadas as coisas nestes termos os MARL só serão uma
alternativa válida ao sistema público de justiça na medida em que consigam realizar de

102
forma mais capaz e mais competente as finalidades que ao sistema público de justiça
não seja possível alcançar.
Em qualquer caso, eles representam mecanismos de ataque e de degradação da
comunidade do Direito, ora como um paliativo para encontrar uma solução para aqueles
a quem se nega o acesso ao sistema público de justiça ou como mecanismo para criar
verdadeiras jurisdições de exceção, em particular os MARL não devem ser utilizados
como um mecanismo de combate a morosidade dos tribunais, designadamente para
litígios de pequeno montante, tal seria manifestamente violador do direito de acesso ao
Direito portanto, corre-se o risco de se obter apenas uma justiça de segunda categoria.
Por outro lado, não é possível formular um juízo global sobre os MARL, é diferente a sua
história, o seu relevo e a sua importância, por exemplo, a arbitragem comercial encontra-
se firmemente enraizada desde há muito tempo, mas já a arbitragem de consumo é muito
recente. Vive-se, hoje em dia, a moda dos MARL, há uma profunda variedade dos
mesmos o que nos impede de fazer uma verdadeira contraposição entre eles e o sistema
processual, só caso a caso é que se pode formular um juízo.
Do ponto de vista constitucional, os MARL são matéria de competência relativa da AR:
art. 165.º/1/p) da CRP.
Há uma dimensão ideológica subjacente à afirmação dos MARL que é aquela de que o
meio mais próprio para a resolução de conflitos já não é uma processo organizado de
realização do direito de cada um, com todos os custos associados, mas outras formas de
resolução do litígio e portanto está aqui presente uma outra forma de viver o Direito,
sendo afirmados novos valores e tendências, com os perigos que daí advém para a
comunidade de Direito.
1. A arbitragem
É o MARL mais profundamente enraizado, de grande antiguidade, há muito tempo usado
no Direito Comercial, particularmente no Direito Comercial internacional. Entre nós a
arbitragem foi reconhecida e recebida logo no Código de Processo Civil de 1876.
Em primeiro lugar e em termos gerais aquilo que carateriza a arbitragem é a colocação da
decisão da lide nas mãos de particulares. Geralmente mediante um acordo entre as partes
(geralmente porque pode ser voluntária, mas há casos de arbitragem necessária que são
casos excecionais), atribui-se a resolução da causa a um certo tribunal arbitral em que a
decisão em vez de ser confiada a um juiz integrante no sistema público de justiça é
confiada a particulares. Este é um traço comum, depois encontra-se uma enorme
variedade de casos, os autores questionam mesmos se é possível sobre o nome de
arbitragem entender hoje em dia apenas um instituto jurídico ou se é um conjunto de
diferentes realidades com autonomia substancial entre si.
Classificações:
i- Arbitragem ad hoc e arbitragem institucionalizada
Por arbitragem ad hoc entende-se aquela em que se cria uma estrutura arbitral para um
fim específico.

103
Por arbitragem institucionalizada entende-se aquelas hipóteses em que o tribunal arbitral
é constituído no âmbito de uma instituição, normalmente privada, já preparada para a
constituição de tribunais arbitrais. Alguns destes centros de arbitragem são mesmo
cofinanciados pelo Estado, ver o DL 60-2011 de 10 de maio sobre a rede nacional de
centros de arbitragem institucionalizada. Nestes centros de arbitragem eles normalmente
compreendem uma lista de árbitros e de regras processuais às quais as partes podem
aderir. Podem escolher os seus árbitros dentro destas listas de árbitros.
ii- Arbitragem voluntária e arbitragem necessária
Por arbitragem voluntária entende-se aquela que tem por fundamento a vontade das partes
que decidem sujeitar a apreciação do litígio que envolve uma relação jurídica sua a uma
instância arbitral.
Por arbitragem necessária entende-se aquela que tem por fundamento uma certa regra
legal de acordo com a qual o conhecimento de um certo litígio é da exclusiva competência
de um tribunal arbitral, notar que, nestes casos de arbitragem necessária se retira à
jurisdição pública a competência para conhecer de certos litígios que só poderão ser
conhecidos por um tribunal arbitral.
Assim, a regra é que a arbitragem é voluntária e não necessária, estando um litígio apenas
sujeito à arbitragem necessária quando a lei o prevê. Os casos mais significativos são a
arbitragem em matéria de conflitos em sede de medicamentos genéricos e em matéria de
desporto existe um tribunal que é o tribunal de desporto que pode operar como instância
de arbitragem voluntária nos termos da Lei do TAD- art. 4.º e 5.º (prevê as situações de
arbitragem necessária) e as matérias do art. 6.º e 7.º são matérias de arbitragem voluntária.
À arbitragem voluntária que é a arbitragem em sentido técnico aplica-se a Lei da
Arbitragem Voluntária: Lei 63/2011 de 14 de dezembro, que é aquela que vamos estudar.
À arbitragem necessária aplica-se um curto regime que está previsto no CPC nos arts.
1082.º a 1085.º e subsidariamente e por força deste art. 1085.º do CPC, aplica-se a LAV.
O CPC reconhece a arbitragem. O regime comum é aquele que resulta da arbitragem
voluntária.
A arbitragem necessária levanta problemas específicos de legitimação porque se nega o
acesso ao sistema público de jurisdição com as garantias fundamentais que lhe são
inerentes e das quais se destaca, em primeiro lugar, o estatuto do juiz com o altíssimo
grau de independência que esse estatuto lhe confere e portanto são casos excecionais, mas
tem-se entendido que não são soluções legais inconstitucionais.
A estes dois casos acrescenta-se uma terceira hipótese a que a lei indevidamente chama
de arbitragem necessária e que chamaríamos de outra forma porque está em causa uma
coisa diferente: o direito potestativo a exigir a constituição de tribunal arbitral. São
casos em que a nem a arbitragem se funda num acordo negocial, nem é imposta pela lei:
é uma situação diferente, não foram as partes que decidiram impor nem é um caso que a
lei o impõe, como acontece em algumas matérias perante o TA de Desporto. É uma
situação diferente em que a certa pessoa é dada a possibilidade, caso pretenda, de exigir
a constituição de tribunal arbitral. Desde 2011 pela Lei 6/2011 de 10 do 3 que a Lei dos
Serviços Públicos Essenciais (vem alterá-la) prevê aquilo a que chama a “arbitragem
necessária” para tais litígios, mas que rigorosamente o que está em causa é o direito

104
potestativo a exigir a constituição de TA para o conhecimento dos litígios atinentes a tais
bens nos centros de conflitos de consumo legalmente autorizados.
No que diz respeito ao n.º de ordens jurídicas atingidas pelo litígio arbitral distingue-se
entre:
iii- Arbitragem interna e arbitragem internacional
A arbitragem interna é aquela que está apenas em contacto com a OJ de um Estado a
arbitragem internacional é aquela em que é apreciado um litígio plurilocalizado que entra
em contacto com ordens jurídicas de diferentes Estados.
No que toca à matéria podes distinguir entre:
iv- Arbitragem civil, arbitragem comercial e arbitragem de consumo
A arbitragem de consumo tem sido amplamente discutida: Diretiva de 1 de maio de 2013
sobre a resolução alternativa de litígios de consumo (Diretiva 2013/11/UE) a lei que a
transpõe é a Lei 144/2015 de 8 de setembro + Regulamento (UE) n. o 524/2013 do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução de litígios
de consumo em linha, portanto por via eletrónica, em situações plurilocalizadas de
pequeno valor.
No que diz respeito à finalidade da atividade arbitral:
v- Arbitragem que serve para a resolução de litígios, mas mais recentementeutilizada
para outros casos em que se pretende a decisão de um terceiro imparcial, mas sem que
haja litígio em sentido restrito: ver o art. 1.º, n.º 4 da LAV. É o caso, por exemplo, da
perícia arbitral e, portanto, trata-se, aqui, de chamar a arbitragem para desempenhar uma
atividade jurisdicional próxima daquela que vimos a propósito dos processos de
jurisdição voluntário em que um 3.º independente integra, de acordo com critérios de
razoabilidade, o conteúdo de determinadas relações jurídicas.
Alguns exemplos: a integração de um contrato motivada pela alteração das circunstâncias
ou a determinação do preço por terceiro: 400, n.º 1 do CC, a avaliação da qualidade de
certas mercadorias das quais dependa o cumprimento do contrato; a avaliação do valor de
participações sociais, etc.
A exposição que termos por base é a da arbitragem decisória, ou seja, está em causa a
decisão de um litígio e não estes casos em que a arbitragemcumpre uma função próxima
dos processos de jurisdição voluntária.
Vantagens e inconvenientes da arbitragem:
Quanto às vantagens e do ponto de vista das partes:
- A arbitragem, pelo seu modelo procedimental específico, pode prestar uma solução da
lide particularmente rápida, notar que, ao contrário do que acontece com o sistema público
de justiça, pode gozar-se do exclusivo ou do quase exclusivo da atividade de alguém para
julgar de uma causa, sendo está uma caraterística que torna a arbitragem particularmente
interessante para certos litígios do sistema económico, desde que as partes o pretendam e
se proponham a pagar (a arbitragem não é barata).

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- Tratando-se de um litígio que diga respeito a uma matéria de grande especialidade pode,
por este meio, designar-se como árbitro alguém com conhecimentos específicos na
matéria objeto da lide, o árbitro nem tem sequer de ser alguém com formação jurídica,
pode ter competência técnica na área que o litígio envolve.
- Trata-se também de um mecanismo particularmente apto para resolver litígios com uma
certa discrição, longe dos olhares da publicidade e, assim, no campo comercial pode
conseguir-se uma resolução de litígios sobre matérias que se pretendem deixar longe dos
olhar de concorrentes e no campo civil serve para, por exemplo, resolução de litígios
sucessórios em que se podem multiplicar conflitos entre os membros da família e que,
por um sentido de decoro se querem manter longe dos olhares públicos. No campo
comercial, permite a abertura e a efetiva procura de solução negociadas que permitam
conservar as relações entre as partes…
O grande inconveniente diz respeito à ausência do conjunto de garantias que são dadas
pelo sistema público de justiça, desde logo, a regra do juiz natural e da distribuição
aleatória.
Ou seja, a arbitragem voluntária parece ser justificada e razoável nas hipóteses em que as
partes estejam em condições de paridade e quando conheçam muito bem os árbitros que
designam, aí pode funcionar muito bem como acontece no comércio internacional.
Em síntese, a arbitragem aumenta o espaço de autonomia que é conferida aos membros
da comunidade e só é razoável que os membros da comunidade estejam sujeitos a ter de
suportar o resultado do exercício da referida autonomia quando estejam em condições de
conhecer os possíveis efeitos e consequências das suas opções, é a tal ideia da paridade.
Do ponto de vista da comunidade jurídica, a principal vantagem é reduzir a
litigiosidade junto dos tribunais públicos e, desse modo, reduzir os custos para o Estado.
A grande desvantagem é o risco de o Estado, paulatinamente, se demitir da sua função
de garante do Direito e, nessa medida, diminuir a confiança dos cidadãos na comunidade
política.
Regime da Lei da Arbitragem Voluntária
A convenção de arbitragem: Na base de uma arbitragem voluntária (que é a regra) está
uma convenção, um acordo entre as partes, ou seja, um contrato que tem por finalidade
prever que, em caso de litígio entre elas, esse litígio (eventual ou atual) vai ser submetido
à apreciação de árbitros. O art. 1.º da LAV prevê requisitos de validade deste acordo no
que diz respeito ao seu objeto e o art. 2.º prevê requisitos de forma. De acordo com o art.
3.º é nula a convenção de arbitragem celebrada em violação do disposto nos artigos 1.º e
2.º, portanto, a violação do disposto nestes artigos gera nulidade da convenção de
arbitragem.
No que diz respeito ao objeto deve, antes do mais, resultar da interpretação negocial da
convenção arbitral de acordo com as regras de interpretação vigentes no Código Civil,
nomeadamente o art. 236.º- que as parte pretenderam que, caso entre elas estala-se um
litígio, o mesmo fosse ou pudesse ser submetido a um tribunal arbitral.
O acordo entre as partes pode prever outros elementos: o n.º de árbitros, a competência
dos árbitros, a possibilidade de recurso… Mas pelo menos isto é um elemento essencial

106
que o litígio seja submetido ao conhecimento do tribunal arbitral. É preciso atender à
regra dos n.ºs 1 e 2 do art. 1.º, de acordo com o art. 1.º/1, qualquer litígio respeitante a
interesses de natureza que por lei especial não esteja submetido aos tribunais do Estado
ou à arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza
patrimonial pode ser cometido pelas partes mediante a convenção de arbitragem à decisão
de árbitros, portanto este é um dos critérios: o critério da patrimonialidade. Não é muito
fácil a determinação do que isto significa, parece que devemos entender que os litígios
patrimoniais são aqueles que envolvem bens que a sociedade toma como sendo de
natureza essencialmente económica.
O n.º 2 refere que também é válida uma convenção de arbitragem relativa a litígios que
não envolvam interesses de natureza patrimonial desde que as partes possam celebrar
transação sobre o direito controvertido, a transação que é um contrato pelo qual se acorda
no fim do litígio e que é admitido sobre posições jurídicas disponíveis: art. 1249.º CC.
Temos, assim, dois critérios: o critério da patrimonialidade e o critério da disponibilidade.
Consoante o litígio seja presente ou futuro- art. 1.º, n.º 3 da LAV distinguem-se 2
modalidades de convenção arbitral:
- Caso já haja um litígio, então trata-se de um compromisso arbitral.
- Caso ainda não haja litígio e o acordo tenha uma finalidade preventiva, trata-se de uma
cláusula compromissória.
Do ponto de vista dos requisitos formais rege o art. 2.º e, de acordo com o art. 2.º/1 a
convenção de arbitragem deve adotar forma escrita e os n.ºs 2, 3 e 4 densificam esta regra.
Nos termos do art. 2.º, n.º 5, mesmo que a forma não seja observada considera-se
cumprido o requisito da forma escrita quando exista troca de uma petição e duma
contestação em processo arbitral em que a existência da convenção arbitragem seja
alegada por uma parte e não seja negada pela outra.
Sendo estes os requisitos para celebrar uma convenção arbitral ela pode ser, contudo,
modificada pelas partes até à aceitação do primeiro árbitro (é o que resulta do art. 4.º, n.º
1), assim como pode ser revogada na totalidade a todo o tempo até a prolação da sentença
arbitral: art. 4.º, n.º 2.
Analisados os pressupostos que se colocam para que a convenção arbitral possa ser
reconhecida pelo Direito passamos, agora, a considerar os seus efeitos:
- Tratando-se de um compromisso arbitral (o litígio já existe) e caso uma ação
judicial esteja já em curso a consequência de celebração de um compromisso arbitral
(na pendência dessa ação as parte decidem por acordo submeter a apreciação do litígio a
um tribunal arbitral, o que podem fazer porque o objeto da ação está na sua
disponibilidade- princípio do dispositivo) é que a instância deve findar, ou seja, o
compromisso arbitral é uma causa de extinção da instância: art. 277.º/b) e art. 280.º do
CPC.
- Tratando-se, por sua vez, de uma cláusula compromissória, tendo as partes
acordado uma finalidade preventiva que caso estalasse um litígio ele deveria ser
submetido à apreciação de um tribunal arbitral, se em violação dessa cláusula

107
compromissória que as partes tinham acordado, as partes intentaram a ação no tribunal
judicial, a consequência, nos termos do art. 96.º/b) do CPC, o tribunal judicial em que a
ação foi intentada é absolutamente incompetente para conhecer da causa, é uma hipótese
de incompetência absoluta mas que deve ser arguida: art. 97.º, n.º 1 CPC. Trata-se de uma
exceção dilatória: art. 577.º/a) CPC, sendo arguida a incompetência, deve o réu vai ser
absolvido da instância: art. 99.º, n.º 1 CPC.
Ver também o art. 5.º, n.º 4 da LAV: o tribunal estadual no qual seja proposta a ação
relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve a requerimento
do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre
o fundo da causa, absolvê-lo da instância, isto a menos que verifique que manifestamente
a convenção da arbitragem é nula, se tornou ineficaz ou é inexequível- art. 5.º, n.º 1 LAV.
“requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro
articulado sobre o fundo da causa”: este até ao momento podíamos interpretar que tem de
ser até à contestação, assim anterior à contestação, mas os tribunais têm entendido que
deve ser interpretado no sentido de poder ser invocada a exceção na contestação e
portanto o tribunal estadual, a requerimento do réu deduzido até à contestação, inclusive,
deve absolver o réu da instância se se tratar de uma questão abrangida por uma convenção
de arbitragem.
Com vista a garantir a constituição do tribunal arbitral, prevê a LAV que as questões
relativas à nulidade, ineficácia e inexequibilidade de uma convenção de arbitragem não
podem ser autonomamente apreciadas numa ação de simples apreciação proposta numa
tribunal estadual: art. 5.º, n.º 4, nem em procedimento cautelar instaurado no mesmo
tribunal que tenha como finalidade pedir a constituição e o funcionamento do tribunal
arbitral: art. 5.º/4.
Um tribunal estadual só se pode pronunciar sobre o litígio quando for manifesto que a
convenção arbitral é nula, ineficaz ou inexequível nos termos da parte final do art. 5.º/1,
mas não em ação autónoma ou em procedimento cautelar intentados com essa finalidade
de apreciação da validade da cláusula. Prestar atenção a todo o art. 5.º.
06/05/2020
Regime da arbitragem:
Os árbitros: A caraterística da arbitragem é que o conhecimento do litígio é
cometido a árbitros: podem ser árbitros qualquer pessoa singular e capaz, mas não tem
necessariamente de ser formado em Direito, por exemplo um litígio com objeto uma obra
musical, pode haver interesse em ter como membro do tribunal um especialista em
música. À semelhança do que se verifica com os juízes, os árbitros têm de ser
independentes e imparciais: art. 9.º/3 da LAV. Mas, os árbitros não gozam do mesmo
estatuto orgânico e da mesma independência dos magistrados judiciais por isso é que a
arbitragem tem de resultar do acordo das partes. Ou seja, devem as partes consentir neste
modo de resolução do litígio no qual as garantias de independência e de imparcialidade
se encontram sensivelmente diminuídas.
O número mínimo de árbitros pode ser de um árbitro, mas podem ser mais, devendo ser
designado um número ímpar de árbitros (art. 8.º, n.º 1 da LAV), sendo geralmente 3 (n.º
2). A

108
regra supletiva é de que cada uma das partes designa um árbitro e ambas as partes
escolhem o terceiro que opera como presidente do tribunal arbitral: art. 10.º/3 LAV.
O árbitro tem a liberdade de aceitar ou de rejeitar a nomeação. Se aceitar (art. 12.º LAV)
impende sobre ele o dever de decisão que só pode escusar-se com fundamento nas causas
previstas na lei. A renumeração dos árbitros deve ser supletivamente objeto de acordo
entre as partes: art. 17.º LAV. Sobre os árbitros entende um feixe de deveres laterais sobre
o qual impende um dever de sigilo de informações que obtém no processo: art. 30.º da
LAV.
A competência: há diferentes níveis de competência.
- O primeiro nível de competência é aquele que diz respeito à competência para se
pronunciar e fixar a própria competência, o princípio da “kompetenz-kompetenz”.
Este princípio tem dois efeitos: um positivo e um negativo. O efeito positivo é que o
tribunal pode definir a sua própria competência: art. 18.º/1 LAV. O seu efeito negativo é
que se pretende que essa decisão seja tomada em exclusivo pelo tribunal arbitral, dela se
excluindo o tribunal judicial: art. 5.º/4 LAV. Havendo uma convenção arbitral, esse é o
pressuposto, no sentido de que as partes pretendem que o litígio seja submetido ao tribunal
arbitral, deverá ser o TA a pronunciar-se sobre a sua própria competência mesmo que isso
implique apreciar a validade do próprio acordo.
Art. 18.º, n.º 2 LAV: A convenção arbitral é vista como um acordo independente das
partes por isso, sendo o contrato nulo, isso não vai afetar o valor da convenção arbitral.
Pode acontecer que o contrato onde se insere a cláusula não produza efeitos, mas a
convenção seja válida, caso em que, não só o tribunal tem competência para fixar a sua
competência como terá também competência para proferir uma decisão sobre a causa.
Pode, por outro lado, nem o contrato nem a convenção produzir efeitos, mas é o tribunal
arbitral que se pronuncia sobre isso, ou seja, o tribunal arbitral só tem competência para
se pronunciar sobre a sua competência, devendo concluir neste caso que é incompetente.
Art. 18.º, n.º 8: A decisão da sua competência pode constar de uma decisão final ou de
uma decisão interlocutória. Em suma, o TA pode decidir da sua competência mesmo que
não lhe tenha sido atribuída validamente.
- Caso o tribunal seja competente, então tem um outro nível de competência que é a
competência para decidir a causa, para proferir uma decisão respeitante ao fundo da causa.
- Um terceiro nível de competência diz respeito à competência para decretar providências
cautelares: art. 20.º da LAV.
As providências cautelares para efeitos da LAV têm um âmbito de aplicação mais restrito
do que no CPC, só podem ser decretadas após a audição da parte contrária e podem ser
executadas coercitivamente num tribunal cível: art. 27.º da LAV- o TA não tem
competência executiva.
- Um último nível de competência é aquele para emitir as ordens preliminares,
estas ordens preliminares que são pedidas ao mesmo tempo que é pedida a providência
cautelar e que tem por objetivo proteger a finalidade procurada com a providência
cautelar: art. 23.º da LAV. São decretadas antes de ser ouvida a contraparte, mas
não podem ser executadas coercivamente num tribunal civil: art. 27.º à contrario sensu.

109
São estes os 4 níveis de competência: a competência para fixar a competência; a
competência para proferir decisão; a competência para decretar providências cautelares e
a competência para decretar ordens preliminares.
As regras do processo: A LAV não fixa regras processuais precisas, estas
poderão ser acordadas pelas partes: art. 30.º, n.º 2 da LAV. Contudo, fixa-se no art. 30.º,
n.º 1 da LAV certos parâmetros que devem ser observados necessariamente (estão em
causa elementos como as garantias de defesa do réu, paridade entre as partes, garantia do
contraditório) sob pena de a decisão proferida pelo TA poder ser anulada, é uma forma
de reação possível à decisão arbitral que é o pedido de anulação dessa decisão. Ou seja,
se não forem respeitados os parâmetros, isso é causa de anulação nos termos do art. 46.º,
n.º 3, al. a) e ii) da LAV.
Decisão e recurso. A decisão pode ser tomada quer com base em razões de Direito
estrito, como é a regra, quer com base em outros critérios decisórios. A regra de decisão
que se adote influencia o regime de recurso.
O critério decisório e o regime de recurso:
- Caso as partes nada disponham, os árbitros julgam segundo o direito constituído: art.
39.º, n.º 1 da LAV. A regra quanto recurso é que, ao contrário do que resultava da versão
anterior da lei, mesmo neste caso, atualmente, só é admissível o recurso quando as partes
expressamente acordem nesse sentido: art. 39.º, n.º 4 da LAV, recurso esse que é
interposto para o Tribunal da Relação do local da arbitragem: art. 59.º, n.º 1, al. e) da
LAV. Ou seja, a regra é que a decisão é irrecorrível mesmo neste caso em que o tribunal
decide segundo o direito constituído, podendo as partes acordar na sua recorribilidade.
- Mediante acordo expresso das partes, a decisão pode ser tomada com base na equidade:
art. 39.º, n.º 2 da LAV ou com apelo ao equilíbrio dos interesses em jogo: art. 39.º, n.º 3
da LAV. Nestes casos, nunca é admissível recurso para o Tribunal da Relação: art. 59.º
da LAV.
Admite-se que as partes dispensem a fundamentação da sentença: art. 42.º, n.º 3 LAV.
Claro que esta é uma regra que pode admitir abusos na sentença arbitral e, por isso, a
Associação Portuguesa da Arbitragem no seu comentário à LAV aconselha que mesmo
havendo dispensa da fundamentação, que o tribunal a coloque para que noutras ordens
jurisdicionais não se recuse a execução da decisão.
Havendo vários árbitros, a decisão é tomada de acordo com o art. 40.º da LAV: a decisão
deve ser tomada por maioria dos árbitros e não havendo maioria, pode o árbitro
presidente tomar a decisão isoladamente.
Validade e anulação: uma vez proferida, a sentença arbitral, salvo alguma
restrição expressa, tem o mesmo valor jurídico que uma sentença de um tribunal público
podendo nele ser executada.
Neste caso, caso as partes não tenham expressamente previsto a possibilidade de recurso
(se tivesse sido fixada poderia haver recursos da decisão nos termos gerais) a sentença só
pode ser colocada em causa através de um pedido de anulação, pedido esse que só é
admitido quando se verifique qualquer uma das causas previstas no art. 46.º da LAV. O
direito de exigir a anulação é irrenunciável: art. 46.º, n.º 5 e o prazo está previsto no n.º 6

110
do mesmo artigo, que é o prazo de 60 dias da data da respetiva notificação. Existe, ainda,
um terceiro modo de reação a uma sentença arbitral que tem lugar já dentro da ação
executiva e que diz respeito à oposição à execução ou embargos do executado.
Em suma, estas são as 3 formas possíveis de reação: o recurso (apenas se previsto pelas
partes- art. 40.º/4); o pedido de anulação (apenas nos casos do art. 46.º) e a oposição à
execução- art. 48.º.
Tribunal de apoio: Arts. 59.º e ss. da LAV. Relativamente a litígios
compreendidos na esfera dos tribunais judiciais, o tribunal da Relação em cujo distrito se
situe o lugar da arbitragem é competente para decidir sobre as als. do n.º 1,
designadamente em articulação com o que dissemos anteriormente, o pedido de anulação-
al. g) do n.º 1 do art. 59.º.
2. A mediação
Lei n.º 29/2013 de 19 de abril e Portaria n.º 344/2013 de 26 de novembro
Dos 3 meios alternativos de resolução de litígios que estamos a estudar, a mediação é
aquele que se afasta mais de um mecanismo processual de resolução de litígios com
decisão confiada a um terceiro. Trata-se de um mecanismo de resolução de litígios em
que um terceiro intervém (o mediador), não para resolver o litígio, mas para ajudar as
partes a elas próprias resolverem o seu litígio e, portanto, o mediador intervém para
auxiliar as partes para que elas próprias cheguem a um acordo.
A finalidade não é esclarecer as partes quanto aos direitos que elas têm ou dar-lhes um
aconselhamento especializado, o mediador intervém para tentar aproximar as partes para
que, assim, cheguem a um acordo. Nos termos do art. 2.º, al. a) da Lei 29/2013 entende-
se por mediação a forma de resolução alternativa de litígios realizada por entidades
públicas ou privadas através da qual duas ou mais partes em litígio procuram,
voluntariamente, alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos.
A mediação tem sido, ao longo dos último anos, amplamente promovida: pelo Despacho
n.º 18778/2007, de 22 de agosto foi criada a mediação familiar, foi também criada a
mediação laboral (através de um protocolo entre o ministério da justiça e uma série de
confederações), a mediação penal (pela Lei n.º 21/2007 de 12 do 6) e a mediação civil e
comercial prevista na Lei 29/2013, que vamos estudar, cujo âmbito de aplicação diz
respeito aos litígios em matéria civil e comercial: art. 10.º, n.º 1 e o art. 11.º da Lei.
É um modo de resolução alternativo de litígios que tem sido promovido pelo poder
público, sendo que o que se procura, por um lado, é o descongestionamento dos tribunais
através deste modo de resolução de litígios que não opera através da força organizada, o
mediador tenta aproximar as partes. No que diz respeito à promoção destes mecanismos
pelo DUE, a própria União procurará por esta via desenvolver um mecanismo próprio de
resolução de litígios, cuja legitimidade não radique no direito próprio dos Estados-
membros, mas na própria legislação da União. No campo do Direito da União ver a
Diretiva 11/2013 para a resolução de litígios de consumo, há um interesse da União neste
sentido.
A mediação é interessante como complemento ao sistema público de justiça, mas não
como substituto.
Regime da Lei n.º 29/2013:
111
O acordo de mediação:
Na base da mediação está um acordo de mediação: a mediação é voluntária (princípio da
voluntariedade). O acordo da mediação tem por objeto o recurso a um mediador para
contribuir na procura da solução para um litígio. Este acordo pode ocorrer de três modos
diferentes:
- Havendo um litígio atual, mas ainda não havendo uma ação em curso, caso as partes
pretendam recorrer à mediação devem celebrar um protocolo de mediação, através do
qual se dá início ao procedimento de mediação: art. 16.º, n.º 2 da respetiva Lei.
- Por outro lado, podem as partes celebrar uma convenção de mediação em termos
análogos aos de uma cláusula arbitral: art. 12.º, n.º 1 da Lei. Neste caso, se a ação vier a
ser proposta num tribunal público, nos temos do art 12.º, n.º 4 da Lei, pode o réu deduzir,
até ao momento em que apresentar o seu 1.º articulado sobre o fundo da causa, a preterição
da mediação e a consequência é que a instância se suspende e o processo é remetido para
a mediação. Aqui a consequência não é a absolvição do réu, como no caso da cláusula
arbitral! Se a mediação não der os seus frutos, a instância continuará.
- A terceira possibilidade é a ação dar entrada no tribunal judicial e, só depois do início
da ação, se determinar que o conflito seja sujeito à mediação (art. 273.º do CPC), por
determinação do juiz, salvo quando alguma das partes expressamente se oponha- art.
273.º, n.º 1 CPC, ou por acordo das partes: art. 273.º, n.º 2 CPC. Em qualquer caso vale
o princípio da voluntariedade: art. 4.º da Lei 29/2013, ou seja, e uma vez que a mediação
assenta no possível sacrifício das posições jurídicas das partes, abre-se a possibilidade de,
a todo o momento, elas revogarem o seu consentimento para a participação no
procedimento e, portanto, o seu acordo para participar no procedimento de mediação é
eficaz mas não vinculante.
A voluntariedade manifesta-se, portanto, em três aspetos: em primeiro lugar, o
procedimento de mediação é voluntário e, portanto, carece de um acordo das partes ou
carece, pelo menos, da sua não oposição (consentimento esse que deve ser esclarecido e
informado); em segundo lugar, o consentimento pode ser revogado a todo o tempo (art.
4.º/2 da Lei) e em terceiro lugar, as partes não podem sofrer nenhuma consequência por
recusarem iniciar ou prosseguir o procedimento de mediação (art. 4.º, n.º 3 da Lei).
Estatuto do mediador:
Quanto à definição do conceito de mediador de conflitos ver o art. 2.º, al. b) desta Lei.
Mediador é alguém que deve encontrar-se certificado nos termos do art. 8.º da Lei e que
é escolhido pelas partes: art. 17.º, n.º 1.
Quanto ao estatuto do mediador ele encontra-se delimitado nos artigos 23.º e ss. da Lei
da Mediação: vale o princípio da confidencialidade (art. 5.º desta Lei), atenção ao art. 5.º,
n.º 4: o conteúdo sessões de mediação não pode ser valorado em tribunal; vale também o
princípio da igualdade e da imparcialidade: art. 6.º e o princípio da independência: art. 7.º
da Lei.
Procedimento:

112
O procedimento de mediação segue a tramitação constante dos arts. 16.º e ss.: Inicia-se
com uma sessão de pré-mediação de caráter meramente informativo no qual se salienta
as finalidades do procedimento: art. 16.º, n.º 1. Havendo de avançar, assinam as parte um
protocolo de mediação (art. 16.º, n.º 2) do qual constam todos os elementos necessários
para a mediação (art. 16.º, n.º 3) e que vai operar como um verdadeiro programa de
mediação e, como já referimos, o mediador é escolhido pelas partes (arts. 16.º, n.º 3, al.
b) e 17.º).
As sessões decorrem com a presença das partes, não sendo obrigatório, mas podendo estas
fazer-se acompanhar por advogados, advogados-estagiários, solicitadores e outros
técnicos (art. 18.º, n.ºs 1 e 2), todos eles vinculados pelo dever de confidencialidade. O
procedimento de mediação termina nos termos do art. 19.º desta Lei quando se obtenha o
acordo entre as partes; se verifique a desistência de qualquer uma das partes; o mediador
de conflitos, fundamentadamente assim o decida; se verifique a impossibilidade de
obtenção de acordo ou se atinja o prazo máximo de duração do procedimento, incluindo
eventuais prorrogações do mesmo.
O valor do acordo:
Caso haja acordo entre as partes, é preciso fazer a seguinte distinção:
- Nos casos previstos no art. 9.º, n.º 1, o acordo de mediação tem logo força executiva
sem necessidade de homologação. Esta possibilidade, entre outros aspetos, só é admitida
quando se trate de um mediador inscrito na lista organizada pelo Ministério da Justiça
(art. 9.º/1/e) da Lei).
- Nos restantes casos, as partes têm de promover a homologação judicial do acordo, ora
nos termos do art. 14.º nos casos de mediação pré-judicial, ora nos termos do art. 45.º nos
casos de mediação judicial.
12/05/2020
3. Julgados de paz
Uma outra instância de resolução alternativa de litígios diz respeito aos julgados de paz.
A CRP no art. 209.º, n.º 2 admite a possibilidade de, ao nível da legislação ordinária, se
constituírem julgados de paz e essa possibilidade foi utilizada na nossa legislação
ordinária. A LOSJ prevê os julgados de paz como elemento integrante do próprio sistema
judiciário- art. 151.º da LOSJ.
O diploma próprio dos julgados de paz é a Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, alterada
pela última vez pela Lei n.º 54/2013 de 31/07.
A ideia geral subjacente aos julgados de paz é a de fornecer um processo dotado de uma
caraterística de maior simplicidade de tramitação, menores exigências procedimentais e
com custos relativamente baixos. Embora, ainda assim, com certas garantias: garantias
processuais decorrentes de um processo destinado à declaração de posições jurídicas das
partes e, por outro lado, garantias estatutárias já que a decisão vai ser proferida por um
juiz de paz que está sujeito a um processo de recrutamento próprio: art. 24.º da Lei
78/2001, com as garantias próprias dos trabalhadores que exercem funções públicas (; art.
29.º da Lei 78/2001 e arts. 19.º a 24.º Lei geral do trabalho em funções públicas, Lei n.º

113
35/2014: esta lei prevê o regime das incompatibilidades e impedimentos dos
trabalhadores em funções públicas).
Os julgados de paz operam como uma categoria de órgãos decisórios fragmentária,
organicamente autónoma, mas cujas competências são articuladas com a dos tribunais
judiciais.
Em primeiro lugar, trata-se se uma categoria de órgãos decisórios fragmentária dado que
não existem julgados de paz por todo o território nacional. A sua criação depende de um
juízo de oportunidade e conveniência política: art. 151.º, n.º 2 da LOSJ. Isto tem
consequências ao nível da matéria da competência no sentido de que, aplicando-se a
respetiva regra de competência territorial (a Lei dos julgados de paz prevê regras de
distribuição de competência territorial) e fixando um litígio num determinado concelho é
necessário ver se há algum julgado de paz constituído com competência sobre aquele
concelho. É fragmentária neste sentido.
Trata-se de uma categoria de órgãos decisórios organicamente autónoma uma vez que
está sujeita à atividade de fiscalização do Conselho dos Julgados de Paz: art 65.º da Lei
dos julgados de paz, que funciona como uma autoridade administrativa independente
junto da Assembleia da República que tem as principais competências de organização e
coordenação dos julgados de paz. Em termos administrativos trata-se de uma entidade
que integra a chamada administração independente.
Trata-se de uma categoria de órgãos decisórios cujas competências se articulam com a
dos tribunais judiciais: em particular, das decisões dos julgados de paz pode recorrer-se
para tribunal judicial de primeira instância: art. 62.º, n.º 1 da LJP. Ao contrário do que
acontece na arbitragem em que o recurso, nos casos em que é admitido o recurso (tem de
ter sido acordado pela partes), é intentado para o Tribunal da Relação; aqui a solução é
outra, o recurso, quando admissível, é intentado para tribunal jurídica de 1.ª instância.
Por outro lado, caso os julgados de paz sejam incompetentes para conhecer de uma certa
causa, têm o dever de remeter o processo para o tribunal competente: art. 7.º da LJP. É
matéria de conhecimento oficioso e a consequência da incompetência dos julgados de paz
é que determina a remessa do processo para o julgado de paz competente ou para o
tribunal judicial competente. O tribunal competente pode ser, então, outro julgado de paz
e, nesse caso, significa que foi violada um regra de competência territorial ou pode ser
um tribunal judicial porque o processo em causa não era da competência dos julgadosde
paz atendendo ao fim do processo, ao valor ou à matéria do processo, é mais uma forma
de articulação entre ambos.
Por fim, caso seja necessária a produção de prova pericial: art. 59.º, n.º 3 da LJP, requerida
a prova pericial e ouvida a parte contrária, se o juiz de paz entender que a diligência é
pertinente ou não dilatória manda remeter os autos ao tribunal de primeira instância
competente para a produção da prova necessária, sendo depois devolvidos aos julgados
de paz: art. 59.º, n.º 4 da LJP.
Aos julgados de paz aplica-se o regime previsto na Lei dos julgados de paz ( Lei n.º
78/2001) e, subsidariamente, o regime previsto no CPC ex vi art. 63.º da LJP.
Competência dos julgados de paz

114
Os fatores de competência para determinar a repartição da competência pelos julgados de
paz, os quais se têm de verificar cumulativamente para que possam conhecer da ação, são
os seguintes: o fim do processo, o valor, a matéria e o território.
No que diz respeito ao fim do processo (art. 6.º, n.º 1 da LJP), os julgados de paz são
competentes apenas para ações com finalidade declarativa. Tem apenas competência para
declarar o direito e não para impor a respetiva observância. Caso a ação tenha finalidade
executiva, é necessário recorrer a uma ação executiva interposta em tribunal judicial.
Quanto ao valor: foi aumentado, sendo que até 2013 era apenas de 5 000€. Art. 8.º da
LJP: os julgados de paz têm competência para questões cujo valor não exceda 15 000€ e,
portanto, têm competência para ações até esse valor.
Em razão da matéria, de acordo com o art. 9.º da LJP, os julgados de paz têm competência
para o conhecimento das ações referidas neste art 9.º. Podemos salientar 2 grupos de
regras: em primeiro lugar, são da sua competência o conhecimento de todos os litígios
cíveis constantes do art. 9.º, n.º 1 (é um amplo conjunto de ações cíveis, de natureza
obrigacional e de natureza real), contudo só têm competência para as ações
especificamente aqui mencionadas. Cabe salientar, para além disso, que não se
enquadram no âmbito da competência dos julgados de paz, nos termos da al. a) do n.º 1,
as ações pecuniárias que digam respeito a um contrato de adesão (art. 9.º/1/a) LJP). A
razão justificativa desta solução legislativa é, muito possivelmente, procurar afastar dos
julgados de paz os litígios em massa que os congestionariam e, portanto, colocariam em
causa a preocupação de se conseguir uma justiça célere e de proximidade através dos
julgados de paz.
Em segundo lugar, os julgados de paz são competentes para o pedido de indemnização
civil, portanto, a responsabilidade civil associada ao pedido de indemnização civil à
prática de um crime penal: art. 9.º, n.º 2 LJP. Por força do princípio da adesão que vale
em matéria penal (art. 71.º do CPP), o pedido de indemnização cível fundado na prática
de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado,
perante tribunal cível, nos casos previstos na lei. Admite-se justamente que o pedido de
indemnização cível seja deduzido nos julgados de paz desde que se verifiquem os
seguintes requisitos:
- não haja participação criminal ou haja desistência e se trate de um dos crimes elencados
no art. 9.º, n.º 2 da LJP (são crimes que envolvem essencialmente interesses particulares).
Se o pedido for conhecido fica precludida a possibilidade de instaurar procedimento
criminal, é o que decorre do art. 9.º, n.º 3 da LJP. O julgado de paz só tem competência
para o pedido cível, não para o procedimento criminal.
Quanto à competência em razão do território: os julgados de paz não têm, no seu
conjunto, competência sobre todo o território nacional, a sua competência como um todo
é fragmentária. Assim, cabe realizar duas operações: em primeiro lugar, aplicar-se o
respetivo critério de competência territorial para fixar o litígio em determinado local e,
em segundo lugar, verificar se sobre esse território específico há algum julgado de paz
constituído com competência sobre esse território.
As principais regras de competência são: arts. 10.º e ss. LJP

115
- ações relativas a direitos reais: a ação deve ser intentada no foro da situação dos bens
(art. 11.º, n.º 2 LJP);
- ações relativas ao cumprimento ou não cumprimento de obrigações: a ação é proposta
no lugar do cumprimento da obrigação ou no lugar do domicílio do demandado (art. 12.º,
n.º 1 da LJP);
- ação de responsabilidade civil: deve ser intentada no lugar onde o facto ocorreu (art.
12.º, n.º 1 LJP);
- nos outros casos a ação deve ser intentada no lugar do domicílio ou da sede do
demandado/a se for uma pessoa coletiva (art. 13.º, n.º 1).
Uma vez aplicada a respetiva regra, há que apurar se foi instaurado alguma julgado de
paz com competência para conhecer da causa. Por exemplo: trata-se de uma ação relativa
à reivindicação de um imóvel situado em Vila Nova de Gaia. Aí vai ser competente o
julgado de paz que abstratamente tem competência sobre o tal território, em seguida é
preciso verificar se há algum julgado de paz efetivamente constituído.
Há julgados de paz que têm competência para o território de um concelho (é o caso do
julgado de paz do Porto, do julgado de paz de Vila Nova de Gaia; Trofa; Lisboa; Sintra;
Cascais) - no exemplo que vimos, seria competente o julgado de paz de Vila Nova de
Gaia; e, noutros casos, têm competência sobre agrupamentos de concelhos.
Regime da incompetência
A incompetência é de conhecimento oficioso e tem por consequência a remessa do
processo para o tribunal competente- art. 7.º da LJP, seja o tribunal competente um
tribunal judicial, seja outro julgado de paz.
Uma questão que se suscitou a respeito dos julgados de paz foi a questão de saber se a
sua competência, estando verificados os critérios que determinam a competência dos
julgados de paz (de acordo com o fim- ação declarativa, com o valor- inferior a 15 000€,
com a matéria e existindo um julgado de paz competente sobre aquele território) e
podendo a ação ser intentada num julgado de paz (é abstratamente competente), é
alternativa ou concorrente face à competência dos tribunais judiciais ou se é uma
competência exclusiva. Imaginando uma ação de reivindicação de um imóvel situado em
Vila Nova de Gaia, desde que o valor da ação não fosse superior a 15 000€, essa ação
podia ser intentada no julgado de paz de Vila Nova de Gaia. Então, a ação pode ser
intentada nesse julgado de paz ou tem de ser intentada nesse julgado de paz? A
competência dos JP é concorrente face à dos tribunais judiciais ou é exclusiva?
A questão foi alvo de uma certa controvérsia jurisprudencial dando lugar a 3 acórdãos de
uniformização de jurisprudência. Finalmente com o Acórdão de Uniformização de
Jurisprudência n.º 11/2007 veio fixar jurisprudência no seguinte sentido:
No atual quadro jurídico, a competência material dos julgados de paz para apreciar e
decidir as ações enumeradas no artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho,
nomeadamente as constantes da sua alínea h), é alternativa relativamente aos tribunais
judiciais com competência territorial concorrente.

116
Foi este o sentido da decisão do STJ neste acórdão de uniformização de jurisprudência e,
portanto, a ação tanto pode ser intentada no julgado de paz como num tribunal judicial.
Em todo o caso, notar que a verdadeira decisão de recorrer aos julgados de paz depende
de uma das partes: do autor, não é necessário o acordo do réu. Uma das particularidades
dos julgados de paz é que eles comportam um sistema de mediação, mas para haver
recurso à mediação nos julgados de paz é preciso o acordo ou a não oposição de ambas
as partes. Mas intentar ou não a ação nos julgados de paz é o demandante que decide. Em
todo o caso, o art. 533.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, prevê um regime particularmente oneratório
da repartição das custas para aqueles casos em que alguém, podendo recorrer a um meio
alternativo de resolução de litígios, não o faça- n.º 4. Portanto, um demandante, podendo
recorrer a um julgado de paz e não o faça estaria sujeito a este regime oneratório de
repartição das custas. Contudo, esta regra, para se aplicar, carece de concretização de
portaria a definir quais são as entidades alternativas de resolução de litígio a que se aplica
tal regime: art. 533.º, n.º 5. Enquanto tal regime não se aplicar, vale o art. 46.º da Portaria
n.º 419-A/2009 de 17 de abril. Não se aplica aquela solução enquanto não houver
regulamentação nesta matéria.
13/05/2020
Juiz de paz
Relativamente ao juiz de paz: o responsável pelo juízo de paz é o juiz de paz a quem se
aplica o mesmo regime de impedimentos e de suspeições estabelecido na lei do processo
civil para os juiz que decorre do art. 21.º da LJP. Do ponto de vista estatutário (art. 29.º
da LJP) é aplicável subsidariamente aos juízos de paz quanto a deveres,
incompatibilidades e direitos o regime dos trabalhadores que exercem funções públicas
em tudo quanto não seja incompatível com a presente lei (arts. 19.º a 24.º da Lei Geral do
Trabalho em Funções Públicas- nos quais se prevê o regime das incompatibilidades e
impedimentos dos trabalhadores em funções públicas).
Os juízes de paz são designados pelo período de 5 anos (art. 25.º, n.º 1 LJP), sendo
avaliados nos termos do art. 25.º, n.º 3, nota-se a relevância atribuída a fatores de
eficiência de serviço.
As funções do juiz de paz são exercidas em exclusivo (art. 27.º, n.º 1 LJP).
No que diz respeito aos requisitos para ser juiz de paz é necessário observar os constantes
do art. 23.º desta Lei: é necessário ter nacionalidade portuguesa; possuir licenciatura em
Direito; ter idade superior a 30 anos; estar no pleno gozo dos direitos civis e políticos,
etc….
O recrutamento como juiz de paz é feito mediante avaliação curricular e provas públicas:
art. 24.º, n.º 1 LJP, estando, no entanto, dispensados da respetiva prestação aqueles que
se encontram elencados no art. 24.º, n.º 2 LJP.
Exige-se a formação jurídica uma vez que o juiz de paz, por via de regra, decide segundo
critérios de legalidade estrita: art. 26.º, n.º 2, a contrario LJP.
Procedimento: tramitação prevista para o procedimento decisório dos
julgados de paz

117
Vale a regra de que as partes devem comparecer pessoalmente: art. 38.º, n.º 1 LJP- decorre
desta regra que não há patrocínio judiciário obrigatório, é um direito e não um dever de
se fazer acompanhar. A assistência é, contudo, obrigatória nos termos do n.º 2 do art. 38.º.
É também obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso, havendo lugar à
mesma- art. 38.º, n.º 3
O procedimento junto dos julgados de paz tem duas fases necessária e duas eventuais. Se
for completo, as fases são as seguintes:
1- Apresentação das peças processuais: fase necessária
2- Pré-mediação: fase eventual
3- Mediação: fase eventual
4- Julgamento- audiência, julgamento e a sentença: fase necessária
A fase da apresentação da peças processuais: o processo inicia-se com a apresentação
de requerimento na secretaria (art. 43.º, n.º 1 LJP), requerimento este que tem o efeito
substantivo da interrupção da prescrição (art. 43.º, n.º 8 da LJP). Este efeito na ação
comum tem lugar com a citação e não com a apresentação da petição inicial e resulta do
art. 43.º, n.º 8 que a apresentação do requerimento determina a interrupção da prescrição
nos termos gerais.
O requerimento pode apresentar-se quer sobre a forma escrita, quer sobre a forma verbal:
art. 43.º, n.º 3 LJP. Se for apresentado por forma verbal, o funcionário deve reduzir a
escrito a exposição. Nesse requerimento devem ser apresentados os factos fundamentais
que constituem a causa de pedir, o pedido, as partes e o valor da causa: art. 43.º, n.º 2. Se
for necessário algum aperfeiçoamento, ele deve ser feito no início da audiência do
julgamento: art. 43.º, n.º 5 LJP.
Segue-se a citação do demandado: art. 45.º, n.º 1 LJP. Com a citação dá-se a conhecerao
demandado que o procedimento junto do julgado de paz foi iniciado contra si, começando
a partir daí o prazo para apresentação da contestação, através do qual ele se opõe à posição
do autor. Aplicam-se subsidariamente as regras do CPC. Quanto às formas de citação
rege o art. 46.º LJP. Na própria citação deve ser dado conta do prazo para apresentação
da contestação e as cominações em que o demandado incorre em caso de revelia: art. 45.º
n.º 2 LJP. Sobre esta matéria das cominações da revelia há que ter em conta o art. 58.º
LJP: não há um efeito cominatório diretamente resultante da não apresentação de
contestação, contudo, mediante a verificação de dois outros requisitos, o réu pode sofrer
uma consequência desfavorável nos termos do art. 58.º, n.º 2 LJP. Se o demandado não
apresentar contestação e se não comparecer na audiência do julgado e se não justificar a
falta, aí consideram-se confessados todos os factos articulados pelo autor: art. 58.º, n.º 2
LJP. Deve entender-se que este efeito não deve valer nos casos previstos no art. 568.º do
CPC (exceções ao efeito cominatório da revelia, são os casos de revelia inoperante)- aqui,
a não apresentação de contestação não opera este efeito, os requisitos são aqueles que já
vimos, mas nestes casos o caso não se aplica no entender do professor.
A contestação, tal como o requerimento inicial, pode ser apresentada por escrito ou
verbalmente: art. 47, n.º 1 LJP. Excecionalmente, a contestação pode seguir-se de

118
imediato ao requerimento inicial se o demando estiver presente no momento da
apresentação do requerimento inicial: art. 43.º, n.º 4 LJP.
A fase da pré-mediação: No procedimento dos julgados de paz procura-se dar a
possibilidade às partes de resolver o litígio por meio diferente do juízo e, portanto, pode
no procedimento ser enxertada uma outra fase destinada à mediação do litígio. Esta fase,
rigorosamente, divide-se em duas: no primeiro momento, as partes são chamadas para ser
informadas da possibilidade da mediação (das suas vantagem e em que consiste), a
chamada pré-mediação e, num segundo momento, se for o caso, inicia-se, então, o
procedimento da mediação propriamente dito. Só não há lugar à mediação quando alguma
das partes tiver excluído previamente essa possibilidade: art. 49.º, n.º 1 da LJP.
No próprio momento da apresentação do requerimento inicial: art. 43.º, n.º 7 e da citação:
art. 45.º, n.º 2, as partes são informadas da data da mediação.
Esta sessão de pré-mediação tem por único propósito informar das vantagens da
mediação. Sendo assim, a pré-mediação tem duas saídas possíveis: ou termina com a
subscrição de um protocolo de mediação: art. 51.º LJP, sendo escolhido um mediador de
entre aqueles constantes da lista disponível: art. 51.º, n.º 2 da LJP e prosseguindo o
procedimento de mediação que decorre no julgado de paz: art. 51.º, n.º 3. Ou então, pode
o processo prosseguir por audiência de julgamento não havendo mediação, a mediação é
voluntária e mesmo as partes, recorrendo à mediação, podem desistir a qualquer
momento: art. 55.º, n.º 1 LJP, é o resultado da aplicação do princípio da voluntariedade
da mediação: art. 3.º da Lei da Mediação. Se desistirem, antes do início da mediação, é a
desistência comunicada à secretaria: art. 55.º, n.º 2 LJP.
Pode então o processo seguir para a fase da mediação, que é eventual. Na eventualidade
de o processo continuar para mediação segue-se, nos termos do art. 53.º da LJP, o disposto
nas Lei da Mediação (a Lei 29/2013), e a mediação pode terminar de duas formas:
- Num acordo das partes: art. 56, n.º 1 da LJP, caso em que este acordo é reduzido a escrito
e assinado por todos os intervenientes, para imediata homologação pelo juiz de paz, tendo
valor de sentença: sentença homologatória por acordo das partes. Esta sentença
homologatória que condena as partes no próprio acordo que elas celebraram constitui
título executivo. A mediação foi frutífera, a mediação deu resultado, entao tem-se por
resolvido o litígio.
- Não se chega a um acordo, quer porque as partes desistiram da mediação, caso em que
a comunicação da desistência é feita a um mediador (art. 55.º, n.º 3 LJP); quer pela
conclusão de que não se poder ter conseguido chegar a acordo total ou parcialmente(art.
56.º, n.º 2 LJP), sendo comunicada pelo mediador ao juiz de paz e é marcada a audiência
de julgamento (art. 56.º, n.º 3 LJP). Se não houver acordo avança-se para audiência de
julgamento.
Quanto à fase de julgamento: a audiência de julgamento é a fase do processo destinada
à produção de prova e à audição das partes: art. 57.º, n.º 1 LJP. Inicia-se com uma tentativa
de conciliação das partes: art. 26.º, n.º 1 LJP, é o primeiro contacto do juiz com as partes
então ele deve realizar, em primeiro lugar, a tentativa de conciliação, também é assim na
ação declarativa comum: art. 594.º CPC:

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A conciliação também é uma forma ou tentativa de aproximação das partes, mas que é
promovida pelo próprio juiz, juiz esse que, em termos gerais, pode já dar a conhecer certos
dados relativos ao possível desfecho da lide. Se não se conciliarem, a audiência
prossegue, realiza-se então a atividade probatória necessária e o debate entre as partes.
Por último o juiz de paz profere sentença: art. 60.º LJP. A sentença que é proferida em
julgamento deve ser reduzida a escrito dela constando os elementos previstos no art. 60.º,
n.º 1, por aqui se vê que os julgados de paz constituem ainda um meio de resolução de
litígios que assenta na aplicação formal do Direito à causa. A sentença carece de
identificação do objeto da causa (art. 60.º/1/b) LJP) e de sucinta fundamentação (art.
60.º/1/c) LJP).
A sentença é constituída por 3 partes:
- o relatório: no qual o juiz identifica as partes e o objeto do litígio (art. 60.º, n.º 1, als. a)
e b) LJP e o art. 607.º, n.º 2 do CPC), trata-se da caraterização fundamental do caso nos
seus traços fundamentais.
- a fundamentação: na qual o juiz indica os factos que considera provados e interpreta e
aplica as normas jurídicas que devem ser aplicas ao caso (art. 60.º, n.º 1, al. c) LJP e art.
607.º/3/1.ª parte do CPC).
- a decisão final: com a qual ora se condena, ora se absolve o réu, total ou parcialmente
(art. 60.º/1/d) LJP e art. 607.º/3/2.ª parte CPC). Trata-se da resposta do tribunal ao pedido
de tutela formulado pelo autor.
A sentença é notificada pessoalmente às partes e imediatamente antes do encerramento
da audiência de julgamento (art. 60.º, n.º 2 LJP). Caso a questão tenha demasiada
complexidade, o juiz suspende a audiência e designa posteriormente data de audiência
para a leitura da sentença.
No que toca ao direito aplicável à causa, a decisão do tribunal/ do juiz de paz é tomada
segundo critérios de Direito estrito. Pode ser, contudo, essa decisão, tomada segundo a
equidade, mediante dois pressupostos: o acordo das partes nesse sentido e o valor da ação
não exceder metade do valor da alçada do julgado de paz: art. 26.º, n.º 2 LJP.
Não está previsto expressamente qual é a alçada dos julgados de paz, não há nenhum
artigo. Conhecemos o art. 44.º, n.º 1 da LOSJ que estabelece a alçada dos tribunais
judiciais. Não há um artigo equivalente para os julgados de paz. O valor da alçada é o
valor até ao qual um tribunal julga sem possibilidade de recurso, tem a ver com a regra
da alçada prevista no art. 629.º, n.º 1 do CPC: o recurso ordinário só é admissível se o
valor da ação for superior ao valor da alçada. Para resolver este enigma é preciso ver um
outro ponto da matéria: qual é a regra quanto ao recurso das decisões proferidas pelos
julgados de paz?
A possibilidade de recurso da decisão do julgado de paz abre-se quando o valor da ação
exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, é o que decorre do art. 62.º,
n.º 1 da LJP- a metade do valor da alçada de 1.ª instância nos termos do art. 44.º, n.º 1 da
LOSJ é de 5 000€, metade desse valor é 2 500€ e portanto, pode desta forma concluir-se
que parece que a alçada dos julgados de paz é de 2 500€, nos termos das normas dos
artigos 62.º, n.º 1 da LJP e do 44.º, n.º 1 da LOSJ.

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Regressando ao art. 26.º, n.º 2 da LJP, o juiz de paz não está sujeito a critérios de
legalidade estrita, podendo as partes se assim o acordarem decidirem segundo juízos de
equidade quando o valor da ação não exceda metade do valor da alçada do julgado de
paz. Se o valor da ação é de 2 500€, metade desse valor é 1 250€, parece que é o que
resulta destas normas, assim, esta decisão segundo a equidade é possível quando o valor
da ação não exceda 1 250€ e haja acordo das partes nesse sentido.
Proferida a decisão da causa, ela tem o mesmo valor de uma sentença proferida por um
tribunal judicial de 1.ª instância: art. 61.º da LOSJ, podendo, assim, servir como título
executivo, nos termos da norma do art. 703.º/1/a) do CPC. Da referida sentença pode ser
interposto recurso para o tribunal de Comarca, tribunal de 1.ª instância, quando o valor
da decisão exceda metade do valor da alçada dos tribunais judiciais da 1.ª instância:
exceda, portanto, o valor de 2 500€- art. 62.º, n.º 1 LJP e 44.º, n.º 1 da LOSJ. O recurso
tem efeito meramente devolutivo (art. 62.º, n.º 2 LJP). Não sendo interposto recurso da
decisão, ela transita em julgado e adquire valor de caso julgado material com força dentro
e fora do processo: art. 619.º, n.º 1 do CPC.
Os julgados de paz podem decretar providências cautelares nos termos da norma do art.
41.º-A da LJP.

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