Você está na página 1de 660

REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

• fundada em 1945

Volume 75 nº 2 2019

Escola Ibérica da Paz:


Direito Natural e Dignidade Humana
Iberian Peace School:
Natural Law and Human Dignity
Pedro Calafate
Álvaro Balsas, SJ (Eds.)
Copyright © 2019 Revista Portuguesa de Filosofia
Copyright © 2019 Aletheia – Associação Científica e Cultural
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada
num sistema de recuperação de informação, ou transmitida de qualquer forma, ou por quaisquer
meios – electrónico, mecânico, fotocópia, gravado, ou de outra maneira, sem qualquer atribuição –
sem a permissão prévia do editor.
All rights reserved. No part of this publication may be reproduced, stored in a retrieval system, or
transmitted in any form or by any means – electronic, mechanical, photocopy, recording, or any
other – without the prior permission of the publisher.
The publisher, the authors and the editors are safe to assume that the advice and information in this
book are believed to be true and accurate at the date of publication. Neither the publisher nor the
authors or the editors give a warranty, express or implied, with respect to the material contained
herein or for any errors or omissions that may have been made. The publisher remains neutral with
regard to jurisdictional claims in published maps and institutional affiliations.
Links to third party websites are provided by Axioma in good faith and for information only. Axioma
disclaims any responsibility for the materials contained in any third party website referenced in this work.
Escola Ibérica da Paz: Direito Natural e
Dignidade Humana
Iberian Peace School: Natural Law
and Human Dignity

Pedro Calafate
Universidade de Lisboa, CFUL

Álvaro Balsas, SJ
Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais
(Eds.)

Volume 75
Fascículo 2
2019
I.C.S.: ISENTO DE REGISTO – NIF 507147170

O Conteúdo dos Artigos é da Responsabilidade dos autores.


The content of the articles is of the sole responsibility of the authors.

Título : Escola Ibérica da Paz: Direito Natural e Dignidade Humana


Iberian Peace School: Natural Law and Human Dignity
Organizadores: Pedro Calafate
Álvaro Balsas, SJ
Publicação: Revista Portuguesa de Filosofia
®
Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia
DOI 10.17990/RPF/1945
®
Julho (July) 2019

Edição, Propriedade  © Aletheia – Associação Científica e Cultural


e Venda: Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais
Praça da Faculdade de Filosofia, 1
4710‑297 Braga (PORTUGAL)
Tel. (+351) 253 208 080 • Fax (+351) 253 213 940
E-mail: rpf.aletheia@gmail.com • aletheia.ffcs@braga.ucp.pt
https://www.rpf.pt/ • https://www.publicacoesfacfil.pt/
ISSN: 0870-5283
eISSN: 2183-461X
ISBN: 978-972-697-309-6
eISBN: 978-972-697-310-2
Depósito Legal: 28684
DOI: https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0000

Aletheia - Associação Científica e Cultural is a member of Crossref.

Capa: Aletheia – Associação Científica e Cultural


Composição Gráfica
e Ebook: Cypher Book Design.
Execução gráfica: Empresa Diário do Minho, Lda.

British Library Cataloguing in Publication Data Available

Catalogação na Fonte: Escola Ibérica da Paz: Direito Natural e Dignidade Humana = Iberian Peace School: Natural Law and Human Dignity / eds. Pedro
Calafate; Álvaro Balsas. in: Revista Portuguesa de Filosofia, Vol. 75, Fasc. 2 (2019).

I. Ética II. Política III. Escola Ibérica de Paz 1. Calafate, Pedro 2. Balsas, Álvaro 3. Título.
udc: 17; udc: 32.
ddc: 170; ddc: 320.
por 
DOMINGOS MAURÍCIO, SJ; CASSIANO ABRANCHES, SJ
SEVERIANO TAVARES, SJ; DIAMANTINO MARTINS, SJ

Equipa Editorial / Editorial Team

Director / Editor 
MANUEL GONÇALVES SUMARES

Director Adjunto / Adjunct Editor


ÁLVARO MANUEL RODRIGUES BALSAS, SJ

Director de Recensões / Book Review Editor


JOSÉ RUI GAIA DA COSTA PINTO, SJ  .  RICARDO BARROSO BATISTA

Secretário / Secretary
ARTUR EMANUEL ILHARCO GALVÃO  .  RICARDO BARROSO BATISTA

Conselho Científico / Advisory Board


ADELA CORTINA JOSÉ MANUEL CURADO
(Universitat de València) (Universidade do Minho)
ANTÓNIO AUGUSTO PASSOS VIDEIRA JOSÉ MARIA SILVA ROSA
(Universidade Estadual do Rio de Janeiro) (Universidade da Beira Interior)
BRUNO KARL NIEDERBACHER, SJ JUAN ARANA
(Universität Innsbruck) (Universidad de Sevilla)
CARLOS MORUJÃO MARIA CLARA COSTA OLIVEIRA
(Universidade Católica Portuguesa, Lisboa) (Universidade do Minho)
CHARLES TAYLOR MARIA DA CONCEIÇÃO AZEVEDO
(McGill University) (Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro)
CONSTANTINOS ATHANASOPOULOS MARIA ISABEL CARMELO ROSA RENAUD
(The Open University) (Universidade Nova de Lisboa)
ELEONORE STUMP MICHAEL J. DODDS, OP
(Saint Louis University) (GTU, Dominican School of Philosophy & Theology, Berkeley)
ERIC CHARMETANT, SJ MICHEL MARIE JOSEPH GABRIEL RENAUD
(Faculté de Philosophie - Centre Sèvres, Paris) (Universidade Nova de Lisboa)
FRANCISCO J. AYALA MIGUEL GARCÍA-BARÓ LÓPEZ
(University of California, Irvine) (Universidad Pontificia Comillas)
GENNARO AULETTA NIKOLAOS LOUDOVIKOS
(Pontificia Università Gregoriana) (University Ecclesiastical Academy of Thessaloniki)
HARALD SCHÖNDORF, SJ OLIVA BLANCHETTE
(Hochschule für Philosophie, München) (Boston College)
JAVIER MONSERRAT, SJ PAUL MENDES-FLOHR
(Universidad Autónoma de Madrid) (The University of Chicago)
JEAN-LUC MARION PEDRO CALAFATE
(Université Paris-Sorbonne; The University of Chicago) (Universidade de Lisboa)
JESÚS CONILL PEDRO SERNA BERMÚDEZ
(Universitat de València) (Universidad da Coruña)
JOSÉ BENTO DA SILVA RICHARD KEARNEY
(University of Warwick) (Boston College)

Membros Honorários / Honorary Members

ROQUE DE AGUIAR CABRAL, SJ  .  JOSÉ HENRIQUE SILVEIRA DE BRITO  .  JOSÉ GONÇALVES GAMA

Assistente Administrativo / Administrive Assistant Assistente de Catalogação / Cataloging Assistant


PAULO NOGUEIRA FRANCO PEREIRA
Índice | Contents

Escola Ibérica da Paz: Direito Natural e Dignidade Humana


Iberian Peace School: Natural Law and Human Dignity

Indexação da Revista Portuguesa de Filosofia na SCOPUS-Elsevier


Indexation of the Revista Portuguesa de Filosofia by SCOPUS-Elsevier
MANUEL G. SUMARES
ÁLVARO BALSAS, SJ 759

Apresentação | Presentation
PEDRO CALAFATE
ÁLVARO BALSAS, SJ 763-776

A Escola Ibérica da Paz


ADRIANO MOREIRA 777-792

The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity


PEDRO CALAFATE
RICARDO VENTURA 793-836

Sobre o conceito filosófico de paz. Pax e concordia em Tomás de


Aquino e nas Relectiones tardias de Francisco de Vitoria
ROBERTO HOFMEISTER PICH 837-860

Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz


MARÍA MARTÍN GÓMEZ 861-890

Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra en Francisco de Vitoria.


Una Cuestión Actual
JOSÉ J. ALBERT MÁRQUEZ 891-918

Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à


colonização da América?
RAFAEL ZELESCO BARRETTO 919-958

Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria


FRANCISCO CASTILLA URBANO 959-980

A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma (1544-1616) on


Distributive Justice and Human Dignity Between Will and Knowledge
EMANUELE LACCA 981-1000

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019
756 Índice | Contents

O Novo Mundo, a lei e o costume


DANILO MARCONDES 1001-1022

La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la


conquista: pluralidad, justicia y libertad
AMBROSIO VELASCO GÓMEZ 1023-1046

Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na


Escola Ibérica da Paz
BETHÂNIA ASSY
SÍLVIA MARIA DA SILVEIRA LOUREIRO 1047-1066

O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos:


Michel Villey e Brian Tierney
GIUSEPPE TOSI 1067-1102

Revisiting “Subjectivity” in Rights Theories: The (Re)Creation of


the “Legal Subject” in Second Scholastics Juridical Discourse
ANA CALDEIRA FOUTO 1103-1124

Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI


ALIOCHA MALDAVSKY 1125-1148

El imperativo moral de la restitución en Tomás de Mercado


ALFREDO CULLETON 1149-1164

Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez


MARGARIDA SEIXAS 1165-1194

Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract


ANDRE SANTOS CAMPOS 1195-1218

La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de


Martín de Ledesma
Mª IDOYA ZORROZA 1219-1248

Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo


de Soto: a atualidade da contribuição da Escola Ibérica da Paz para
um problema renovado
SANDRO ALEX SOUZA SIMÕES 1249-1286

La consideración del “otro”. La figura del Indio en Francisco de Vitoria y


su proyección actual en los derechos humanos de los pueblos indígenas
JAVIER GARCÍA MEDINA 1287-1320

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019
Índice | Contents 757

La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un diálogo


con nuestro tiempo
JOSÉ LUIS MORA GARCÍA 1321-1340

Ad Extra

«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia


della musica di Alfred Schütz
ANTONIO DI CHIRO 1343-1380

Recensões | Book Reviews

Laurens van Apeldoorn & Robin Douglass (Eds.), Hobbes on Politics and
Religion. Oxford: Oxford University Press, 2018. Isbn: 978-019-880-3409.
MANUEL LENCASTRE CARDOSO, SJ 1383-1386

Manuel Cândido Pimentel, Leonardo Coimbra. Vida e Filosofia. Lisboa:


Universidade Católica Editora, 2019. Isbn: 978-972-540-6182.
FRANCISCO JOSÉ DE JESUS OLIVEIRA 1387-1396

Publicidade | Publicity
Colecção Pedagogia 1399-1400

Ratio Studiorum da Companhia de Jesus (1599): Regime Escolar e


Plano de Estudos
MARGARIDA MIRANDA (INTRODUÇÃO, VERSÃO PORTUGUESA E NOTAS) 1399

A Pedagogia da Companhia de Jesus: Contributos para um Diálogo


JOSÉ MANUEL MARTINS LOPES, SJ (ED.) 1400

Axioma Studies in Philosophy of Nature and in Philosophy and History of Science 1401-1408

A Jesuit Against Galileo?


The Strange Case of Giovanni Battista Riccioli Cosmology
ALFREDO DINIS, SJ 1405

Por que os Físicos acreditam que as coisas existem?


Breves comentários a Respeito das Relações entre Ciência e Metafísica
ANTONIO AUGUSTO PASSOS VIDEIRA 1406

Divine Action and the Laws of Nature


An Approach Based on the Concept of Causality Consonant with Contemporary Science
ÁLVARO BALSAS, SJ 1407

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019
Indexação da Revista Portuguesa de Filosofia na SCOPUS-Elsevier

T
emos o grato prazer de comunicar aos nossos leitores que, no passado dia
5 de Maio de 2019, foi concedida à Revista Portuguesa de Filosofia (RPF) a
sua inclusão na base internacional de indexação de dados SCOPUS-Elsevier,
terminando assim, com êxito, o processo de avaliação da candidatura da Revista
a esta base de dados.
Na sua mensagem de congratulação, a Scopus alude ao mérito alcançado
pela RPF, sublinhando os seguintes aspectos:

 The journal has scholarly relevance as evidenced by citations in other journals currently
covered by Scopus.
 In general, the content of the articles is consistent with the scope and aims of the journal.
 The articles are generally well written and understandable.
 The journal addresses a subject area not properly covered by an existing journal.
 Peer review type is clearly stated and is supported by appropriate reviewer guidelines.
 The journal has clear aims and scope/journal policies that are consistent with the journal’s
content.
 The journal is international and has potential to go much further.
 The reforms introduced can be seen to have worked, and to continue to be improving the
journal. As such, it merits inclusion in SCOPUS.

Tal como é destacado pela Scopus, o nível de excelência internacional alcançado


pela RPF é fruto de uma trajectória de cerca de dez anos de crescimento sustentado,
que foi conduzida por uma política de exigente rigor científico, cuidadosamente
planeada pela Direcção da Revista e continuamente suportada por um empenhado,
coeso e persistente trabalho de colaboração da sua equipa directiva.
O patamar académico ora alcançado pela RPF – que a coloca no grupo
restrito das suas congéneres de maior excelência académica e lhe confere um
incremento notável na sua visibilidade internacional, bem como à FFCS de Braga
da UCP – não pode não significar também uma forte responsabilização futura
por parte da sua Direcção. Por isso, é intenção desta última continuar o caminho
de internacionalização crescente que a Revista tem vindo a trilhar, não só para
benefício dos autores que nela publicam, como também para os leitores, nacionais e
estrangeiros, que continuam a manifestar renovado interesse pela nossa publicação.
Neste momento marcante da história da RPF, a qual comemorará no próximo
ano o seu 75º aniversário, a Direcção da revista vem expressar o seu sentido
agradecimento a todos – autores e leitores, nacionais e estrangeiros – que têm
colaborado com a revista e nos têm estimulado com o seu apoio, expressando
também a sua gratidão aos anteriores Directores.

Manuel G. Sumares, Director

Álvaro Balsas, SJ, Director Adjunto

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Indexation of the Revista Portuguesa de Filosofia by SCOPUS-Elsevier

W
e are very pleased to announce that, on the 5th of May, 2019, the Revista
Portuguesa de Filosofia (RPF) was granted inclusion in the international
base of data indexing, SCOPUS – Elsevier, concluding successfully an
evaluation process of the candidacy advanced by the RPF.
Along with its congratulatory message, Scopus makes mention of what RPF
has achieved, citing specifically the following:

 The journal has scholarly relevance as evidenced by citations in other journals currently
covered by Scopus.
 In general, the content of the articles is consistent with the scope and aims of the journal.
 The articles are generally well written and understandable.
 The RPF addresses a subject area not properly covered by an existing journal.
 Peer review type is clearly stated and is supported by appropriate reviewer guidelines.
 The journal has clear aims and scope/journal policies that are consistent with the journal’s
content.
 The journal is international and has potential to go much further.
 The reforms introduced can be seen to have worked, and to continue to be improving the
journal. As such, it merits inclusion in SCOPUS.

As underscored by Scopus, the high level attained by the RPF and that is
acknowledged internationally, is the result of around ten years of sustained growth,
based on a policy, established by the editorial team, that persistently encouraged,
indeed demanded, academic quality in the texts published in the journal.
RPF’s achievement puts it among the best of philosophical journals and, thus,
increases its visibility, while it also gives significant credit to the FFCS of the Catholic
University of Portugal, Braga. On both counts, it places considerable responsibility on
the RPF’s directorship to continue on the path that it has traced for itself over the years
for the good of the academic community, both in our country and internationally.
In this remarkable moment in the history of RPF, which will celebrate its
75th anniversary next year, we express our gratitude to all – authors as well as readers –
who have collaborated with the journal and have encouraged us by their support,
expressing also our gratitude to the previous Editors.

Manuel G. Sumares, Editor

Álvaro Balsas, SJ, Adjunct Editor

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 763-776.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0763

Apresentação – Escola Ibérica da Paz: Direito Natural e


Dignidade Humana
Presentation – Iberian Peace School: Natural Law and
Human Dignity

PEDRO CALAFATE*
ÁLVARO BALSAS, SJ **

A
recente celebração dos setenta anos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos (Dezembro de 1948), a existência atual
de diversos focos de tensão entre povos com iminente ameaça
à paz internacional, a par da crise dos refugiados vieram reatualizar a
necessidade de um maior debate e consciência pública sobre a urgência
de consolidar e aperfeiçoar um direito internacional que salvaguarde a
dignidade inerente a todos os membros da família humana – anterior e
superior ao Estado.
Tal dignidade encontra-se racional e universalmente fundada na
unidade do género humano, e o seu reconhecimento é também condição
básica do fortalecimento da convivência pacífica entre os povos, de modo
a permitir o florescimento da justiça, da paz e do bem comum interna-
cionais.
Mas esse direito internacional, verdadeiramente universal, lança
raízes nas reflexões filosóficas de teólogos ibéricos dos séculos XVI e
XVII, em torno de questões suscitadas pelo encontro com o Novo Mundo,
forjando vários dos seus princípios jurídicos, de cariz humanista, acen-
tuando o primado da razão da Humanidade sobre a razão de Estado e
o reconhecimento de direitos fundamentais inerentes a todos os seres
humanos.

* Universidade de Lisboa/CFUL.
 pedro.simoes@campus.ul.pt
** Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais.
 abalsas@braga.ucp.pt

763-776

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
764 Pedro Calafate | Álvaro Balsas, SJ

Neste novo contexto, souberam enriquecer e alargar em muito,


com fundamento jusnaturalista e repensando categorias antropológicas
herdadas da Antiguidade e da Idade Média, a reflexão dos filósofos e
humanistas europeus do seu tempo sobre a candente questão da paz, num
continente também ele assolado pela guerra.
Por isso, a reflexão sobre a paz dos teólogos ibéricos e iberoame-
ricanos das universidades de Salamanca, Coimbra, Évora e também do
México que neste fascículo se analisam, abriu largos horizontes até então
não formulados e consolidou alicerces de futuro, mas teve também em
conta o contexto europeu de que partiram e que acabaria por tornar a
paz num dos problemas mais importantes da filosofia política da europa
moderna.
No quadro desse longo percurso europeu em que também se
integram, Juan Luis Vives, no De Concordia et Discordia in Humano
Genere, publicado em Antuérpia em 1529, preocupara-se em sublinhar que
a guerra era contrária à dignidade humana e que, perante tão prolixa série
de guerras que “com fecundidade incrível nascem umas das outras”, toda
a Europa sofria gigantescos danos, devendo concluir-se que de nenhuma
outra coisa estava mais necessitada do que de imediato “apaziguamento
e concórdia”; Erasmo de Roterdão dedicou dois textos fundamentais à
questão da paz (Bellum, publicada autonomamente em 1515 e A Queixa
da Paz, publicada em 1517), mostrando o quanto a guerra era contrária
aos princípios cristãos, mesmo a guerra contra os turcos, que levara já o
cardeal Nicolau de Cusa, em 1453, a escrever A Paz da Fé (De Pace Fidei),
dessacralizando a guerra e celebrando a paz entre as religiões, sob o
“céu da razão”, pois, perante o Deus absconditus, impunha-se um saber
consciente dos seus limites; Thomas More desenhara a sua Utopia (1516)
como um espaço de paz e referira-se à guerra como atividade “própria de
bestas”; no mesmo âmbito se situa, já no século XVII, o esforço de um
pensador tão expressivo e importante como o Padre António Vieira que
justamente partia de uma Europa onde, como dizia, “tudo é confusão e
discurso, sem cabeça nem união”, para um império universal, pensado à
medida da redondeza da terra, sendo seu principal objetivo garantir a paz
e a concórdia, não apenas de cada homem para consigo, mas de próximo
com próximo e de reino com reino, expressão da consumação do Reino de
Cristo na terra; na mesma linha, e apesar das profundas diferenças que os
matizam, estão os vários milenarismos que encontraram acolhimento não
só em Portugal com Frei Sebastião de Paiva ou D. João de Castro (neto do
vice-Rei da Índia com o mesmo nome), mas também em muitos setores
da cultura inglesa e francesa da mesma época; e veja-se ainda o amigo e

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Apresentação | Presentation 765

confidente de António Vieira, Duarte Ribeiro de Macedo, quando caracte-


rizava o curto período de paz vivido na Europa depois da assinatura do
Tratado de Vérin (1598) entre a Espanha e a França, como “paz infiel”,
quer dizer, uma estratégia bélica para preparar nova contenda.
Aliás, ao longo dos séculos XVII e XVIII, a reflexão de pensadores tão
relevantes como Hobbes ou Kant não deixa de ser atravessada por esta
questão fundamental. Hobbes pensará o Estado como condição de supe-
ração da guerra natural de todos com todos, como superação de um estado
de natureza onde a igualdade dos homens tinha sobretudo expressão na
capacidade de uns aos outros se matarem, embora não deixe de ser rele-
vante que exclua a política externa do contrato humano, acabando por
retirar à ideia de Humanidade a força de princípio regulador do que hoje
chamamos lei internacional.
Já no caso de Kant, não deixando de partir de uma conceção hobbe-
siana da natureza humana, com expressão no “lenho retorcido” de que era
feito o homem e na “sociabilidade insociável” que o caracterizava perante
os outros, afirmou a necessidade de instaurar o “estado de paz”, não
apenas intraestatal mas também entre os Estados. Assim, considerou que
a filosofia poderia também acalentar a esperança de ter o seu “milénio” ou
“quiliasmo”, a partir da constituição republicana do estado civil, alargan-
do-se depois, como se guiada por um “fio da natureza”, a uma federação
ou, em termos de maior perfeição, a um Estado de Povos, uma civitas
gentium de remota herança estoica, regulada pelo direito cosmopolita.
Cabe ainda não deixar na sombra o esforço do Abade de Saint-Pierre
(a cujo comentário se dedicaria mais tarde Rousseau), mostrando aos
príncipes da Europa um quadro pragmático sobre os ganhos e vantagens
da paz na Europa; a figura tutelar de Henrique IV, Rei de França, cujo
pensamento viria a ser projetado e ampliado pelo duque de Sully; ou ainda
o sonho de paz que William Penn queria consolidar na atual Pensilvânia,
com alguma similitude no projeto da França Antártica, projetado no século
XVI para a baía da Guanabara, onde hoje se situa o bairro do Flamengo,
na cidade do Rio de Janeiro.
Servem estas primeiras linhas introdutórias, necessariamente breves
e não exaustivas, para integrar em contexto mais amplo, ou seja, de um e
outro lado do Atlântico, o esforço dos teólogos de Espanha e Portugal que,
a partir das Universidades de Salamanca, Coimbra, Évora e México ao
longo dos séculos XVI e XVII, ergueram o ideal de civitas maxima gentium,
à luz de uma conceção da comunidade universal fundada na unidade do
género humano; num conceito de pessoa humana dotada de valor próprio,
constituído na esfera do ser e independente da esfera do Estado; num

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
766 Pedro Calafate | Álvaro Balsas, SJ

princípio intrínseco de sociabilidade entre os homens e num princípio


intrínseco de sociabilidade entre os Estados e comunidades, indepen-
dentemente da sua forma de organização política e das suas tradições
culturais, regulada por um jus gentium que, em harmonia com o direito
natural, se iria universalizando, num contexto de paz dinâmica.
Esta universalização concretizar-se-ia num encontro progressivo dos
povos do mundo, passível de erro, mas também e, sobretudo, de aperfei-
çoamento, na exata medida em que se fosse generalizando, entre as gentes
ou povos, a noção de uma humanidade comum, fortalecendo as condições
da paz ao mesmo tempo que definindo, com clareza, os títulos jurídicos
da guerra (justa).
Este jus gentium não era por eles pensado como fragmentário e
protegido pelo consentimento, era um jus acima da soberania dos prín-
cipes, que por isso era relativa, dava expressão à auctoritas totius orbis e
ao conceito de bem comum internacional, porque a Humanidade não era
composta por uma totalidade aditiva de Estados em quadro atomista e
individualista, necessitando embora da vontade de cada um dos príncipes
para se efetivar. Contrariamente ao reducionismo proposto por Emer de
Vattel,1 em 1758, e amplamente afirmado ao longo do século XIX e início
do século XX, o enfoque dos autores das nossas universidades, a que nos
estamos a referir, não era puramente inter-estatal.
Por isso, como dizia Francisco de Vitoria em Salamanca, formulando
o princípio mais tarde repetido por Martín de Ledesma em Coimbra, se
uma guerra se mostrasse conveniente aos interesses de um Estado em
detrimento e com prejuízo de todo o orbe, teria, por isso mesmo, de ser
considerada injusta, porque, como reforçaria depois Francisco Suárez
em Coimbra, qualquer república ou reino, ainda que completo em si e
firmemente fundado, teria sempre que ser visto também como membro
do universo, “enquanto diz respeito ao género humano”, formulando-se
também, a este respeito, o conceito de “injúria ao género” humano a que
hoje chamamos “crime contra a Humanidade”.
O que desde sempre aqui esteve em causa foi o conceito, não estrita-
mente jurídico, mas sobretudo teológico e filosófico (escolástico) de paz,
não no sentido de ausência de guerra ou de “paz infiel”, mas como carac-
terização da vida.

1. Emer de Vattel. Le Droit des Gens ou Principes de la loi naturelle appliquée à la conduite
et aux affairs des nations et des souverains (Londres: 1758).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Apresentação | Presentation 767

É neste sentido que se pode falar de uma escola da paz com ampla
expressão nas universidades da Península Ibérica, a qual, mergulhando as
suas raízes num movimento que, com tantas matizes, percorreu a Europa
inteira, parte também de uma contingência (a descoberta da América)
que, como disse Brian Tierney, fez com que “quite suddenly, the abstract
scholastic discourse became relevant to a great new world historical problem,
the possible justifications of colonialism, the rights of indigenous peoples”.2
E como lembrou Luciano Pereña, que organizou e dirigiu a primeira
série do inestimável Corpus Hispanorum de Pace, as universidades portu-
guesas de Coimbra e Évora não ficaram fora desta dinâmica, pois não só
a repercutiram como também a aprofundaram, fruto da peculiar expe-
riência dos portuguesas em África e no Oriente, como temos vindo a
mostrar em sucessivos projetos de edição dos manuscritos dos professores
de Coimbra e Évora.3
No seu recente discurso de investidura como Doutor Honoris Causa
pela Universidade Autónoma de Madrid, o académico e magistrado da
Corte Internacional de Justiça e ex-Presidente da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, António Cançado Trindade, sintetizava de forma
brilhante o enquadramento doutrinal desta escola num conjunto de prin-
cípios, de que destacava: o estabelecimento de um vínculo ineludível entre
o jurídico e o ético, que conduzia à afirmação da recta ratio ciceroniana ou
da consciência jurídica universal como fonte material do direito das gentes;
a perspetiva universalista, conduzindo à formulação de uma lex praeceptiva
para o totus orbis, afirmando o primado da razão da Humanidade sobre
a razão de Estado; o enfoque essencialmente humanista, com expressão
no reconhecimento de direitos fundamentais de todos os seres humanos,
alargando-se à formulação de mecanismos de proteção internacional dos
mesmos e ao reconhecimento de que os sujeitos do jus gentium não eram
apenas os Estados mas também as pessoas individualmente consideradas
e as suas comunidades, amparando, assim, também povos e indivíduos.
E concluía, referindo-se aos desafios do direito internacional nos nossos

2. Brian Tierney, The Idea of Natural Rights-Origins and Persistence, 2 NW. J. INT’L HUM.
RTS. 1 (2004),10.
3. Cf. A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora, dir. de Pedro Calafate,
coord. de Ana Maria Sanchez Tarrío e Ricardo Ventura, volumes I e II (Coimbra:
Almedina, 2015). Está atualmente no prelo o volume III com os comentários à
questão 62 da Secunda Secundae da Suma Teológica de Tomás de Aquino, sob o tema
da Restituição (De Restitutione), onde se fundamenta o igual direito ao domínio de
propriedade e de jurisdição (poder civil), inerente aos homens e povos do mundo.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
768 Pedro Calafate | Álvaro Balsas, SJ

dias, tendo em vista as lições dos clássicos de Salamanca, Coimbra e


Évora:

El eterno retorno del jusnaturalismo viene contribuyendo en mucho a


la afirmación y consolidación del primado, en el orden de los valores,
de las obligaciones estatales en materia de derechos humanos, vis-à-vis
los seres humanos bajo las jurisdiciones respectivas de cada Estado, así
como en la relación con la comunidad internacional como un todo […].
Todos los que luchamos por la construcción de un Derecho Internacional
verdaderamente universal y por la salvaguardia, en cualesquiera circuns-
tancias, de los derechos inherentes a la persona humana, anteriores y
superiores al Estado, reverenciamos el legado de las enseñanzas de los
maestros de la escuela peninsular ibérica.4

No presente fascículo da Revista Portuguesa de Filosofia, sob o título


de Escola Ibérica da Paz: Direito Natural e Dignidade Humana, reunimos a
contribuição de vinte e três investigadores e professores de vários países e
universidades, em torno aos tópicos mais relevantes desta tradição esco-
lástica, não apenas na caracterização histórica dos problemas de que
partiram e das soluções que apresentaram como também em torno da
atualidade dos seus ensinamentos, na medida em que muitos continuam
a reclamar vigência para enfrentar as barbaridades do nosso tempo.
Iniciamos o fascículo com um ensaio do Professor Adriano Moreira,
que estabelece um diálogo fecundo entre o nosso tempo e o mundo
renascentista destes clássicos, mostrando o seu percurso histórico e a
sua desafiante vigência, pesem embora as diferenças de circunstância, a
que se segue o artigo de Pedro Calafate e Ricardo Ventura, procurando
dar ao leitor uma visão ampla do quadro doutrinal ali referido, com
especial enfoque nos autores portugueses e espanhóis que ensinaram do
lado português da fronteira (António de São Domingos, Pedro Simões,
Cosme de Magalhães, Fernando Rebelo, Fernando Pérez, Molina e Suárez
entre outros), abrindo-se posteriormente o fascículo ao tratamento mais
circunstanciado e pormenorizado desses mesmos tópicos.
Por isso, segue-se-lhe o estudo de Roberto Hofmeister Pich, que
procura situar a dimensão filosófica e escolástica do conceito de paz em
São Tomás e em Francisco de Vitoria, clarificando também o fundamental
conceito de concórdia, que vincula a paz na relação entre povos, nomea-

4. Antônio A. Cançado Trindade. Discurso del Acto de Investidura como Doctor Honoris
Causa del Profesor Antônio Augusto Cançado Trindade (Madrid: Universidad Autónoma
de Madrid/Academic Honorary Degree Ceremony-Speeches, 2016), 41 e 54.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Apresentação | Presentation 769

damente entre povos de culturas distintas, sem esquecer a questão do jus


post bellum, que Vitoria abordará por via da questão da restituição, como
garantia da paz justa, que outros autores aqui vão também abordar.
Seguidamente, María Martín Gómez estabelece o lugar primacial de
Francisco de Vitoria na fundação da Escola Ibérica da Paz, dando-nos
contribuições decisivas para o conhecimento do seu percurso biográfico
e intelectual na Universidade de Salamanca, onde aliás também exerce a
sua atividade de docência e investigação.
Seguem-se mais três estudos sobre a figura tutelar de Francisco de
Vitoria, embora ao longo destes fascículo se não esqueça a figura tão ou
mais relevante no seu tempo de Domingo de Soto.
José J. Alberto Márquez depois de situar também os fundamentos
do conceito central de paz em Vitoria, na sua articulação com a caridade,
com a justiça e com a amizade, superando em muito a esfera do jurídico,
questiona se havendo no mestre salmantino um direito à guerra haverá
igualmente um direito à paz, como direito subjetivo do indivíduo passível
de ser exercido por via judicial, mostrando que, a seu parecer, tal passo
ainda não havia sido dado por Vitoria.
Já Rafael Zelesco Barretto traz-nos uma leitura muito relevante
da obra de Vitoria e do seu significado, sobretudo num contexto latino-
americano dos nossos dias em que Vitoria surge, nos chamados estudos
decoloniais ou pós-coloniais, como artífice do colonialismo e patrocinador
do genocídio dos povos americanos, por via de algumas ambiguidades,
nomeadamente a que se refere ao eventual estatuto de menoridade dos
índios, questões sobre as quais Vitoria tem o cuidado de dizer que nada
afirma nem nega com certeza ou em absoluto. Rafael Barretto sugere aqui
que o principal intento de Vitoria na sua mais célebre relectio, dedicada
aos índios, fora o de regular e harmonizar, na medida do possível, os
princípios de coexistência pacífica entre índios e espanhóis na América,
uma vez que estava fora de causa equacionar a hipótese radical de uma
retirada, por razões que Vitoria expõe no final da sua relectio.
Ainda sobre Francisco de Vitoria, Francisco Castilla Urbano
propõe-nos uma leitura original da relectio De Potestate Civili a propósito
do conceito vitoriano de dignidade humana. De facto, depois de nos
mostrar a polissemia do termo “dignidade” referido ao homem, mostra
que o conceito de dignidade humana em Vitoria não se traduz apenas
numa reflexão sobre o que hoje chamamos direitos humanos, mas que
nele se dá também uma reflexão no quadro mais tradicional do movimento
humanista do renascimento, relativo à posição do homem no conjunto
da criação, enfatizando o dinamismo da natureza humana, livre para a

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
770 Pedro Calafate | Álvaro Balsas, SJ

si mesma se determinar, elevando-se pela sua racionalidade e pela capa-


cidade de conhecer, pela linguagem e pela convivência em sociedade, alar-
gando as esferas da amizade e da justiça, quebrando, ao mesmo tempo, a
barreira artificial entre escolástica e humanismo, elaborada por algumas
leituras mais simplistas. Sob a pena de Francisco Castilla surge-nos um
Vitoria até agora pouco conhecido.
Esta mesma presença do tema da dignidade humana, em vertente
que nos habituámos a situar privilegiadamente na pena dos humanistas
críticos da escolástica, é-nos fornecida por Emanuele Lacca, a propósito
da figura do professor salmantino Pedro de Ledesma.
Segue-se um conjunto de três artigos que formam entre si uma
unidade bastante enriquecedora, até por terem sido feitos sem intenção
de articulação mútua, por professores de universidades do México e do
Brasil. Trata-se da relação entre universalidade e pluralidade no espaço
do direito natural e do direito das gentes, questão tanto mais premente
quanto perante a constatação de tão profundas diversidades culturais
entre os povos foi necessário rever categorias antropológicas, políticas e
mesmo éticas, sem cair no relativismo.
Assim, Danilo Marcondes aprofunda, a propósito do projeto da
França Antártica, no qual o Brasil ocupou lugar central, algumas linhas
de força da cultura francesa do renascimento, tomando o Novo Mundo
e o encontro com os seus povos originários como ocasião de busca de
novas possibilidades de vida para os europeus de então, dilacerados por
tantos conflitos religiosos e político-militares. Ressalta neste seu estudo a
contribuição decisiva da cultura francesa, nomeadamente de Montaigne,
para o enriquecimento da perspetiva etnológica do ideal de vida “segundo
a natureza”, tomado o conceito de natureza não já no sentido de univer-
salidade, ordem e racionalidade, mas no quadro empírico da diversidade
das culturas no imenso labirinto dos povos do mundo, nomeadamente os
do Brasil.
Ambrosio Velasco Gómez traz ao nosso conhecimento um autor
central da filosofia mexicana do século XVI, Frei Alonso de la Vera Cruz,
que confere um horizonte iberoamericno a esta escola da paz. Discípulo
de Francisco de Vitoria e fundador da Universidade do México, Alonso de
la Vera Cruz debateu-se com o mesmo problema de Las Casas. A questão
essencial era a da construção de sociedades americanas cristãs que respei-
tassem e conservassem as tradições culturais daqueles povos, cujo arrai-
gamento não seria possível superar sem o recurso à violência e ao medo,
tidos como meios contrários à essência do cristianismo. Por isso, Ambrosio
Velasco mostra-nos o esforço de Frei Alonso para retomar as teses de

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Apresentação | Presentation 771

Tomás de Aquino, no que concerne à divisão do direito natural entre prin-


cípios universais e conclusões particulares derivadas. Tomás de Aquino,
como aliás Luis de Molina e Francisco Suárez, a par de Frei Alonso de la
Vera Cruz, coincidiam na aceitação de uma lei natural intimada por Deus
na consciência de todos os homens, como um direito divino legislado pelo
próprio Deus. Mas a chave de leitura para o texto que Ambrosio Velasco
nos apresenta é a distinção feita por estes autores escolásticos entre os
princípios gerais e evidentes do direito natural, que são por todos conhe-
cidos, e os preceitos secundários e mais particulares que são conclusões
próximas desses princípios.
Esta será precisamente a porta de entrada para Frei Alonso alargar
em muito o espaço de legitimidade das diferenças culturais entre os povos,
seguindo um caminho que seria mais tarde trilhado pelo jesuíta Matteo
Ricci a propósito dos ritos chineses e pelo também jesuíta António Vieira,
a propósito da aceitação dos ritos da Lei Velha na Igreja do futuro Reino
de Cristo Consumado na Terra.
Finalmente, Bethânia Assy e Sílvia Loureiro propõem-nos uma chave
de leitura também em diálogo com Ambrósio Velasco, mas não menos
fecunda, lendo nestes autores ibéricos e ibero-americanos a chave para um
universalismo situado, que parte do jusnaturalismo para aquela mesma
abertura às diversidades culturais do povos, mostrando, ao mesmo tempo,
a fecundidade heurística desta perspetiva na fundamentação contempo-
rânea dos direitos humanos, pela superação da polaridade antitética de
certos debates, empobrecidos pela radicalidade de posições alternativas
entre um universalismo abstrato e um relativismo radical. O que está em
causa, como nos propõem as duas autoras, é partir daquela postulação de
F. de Vitoria, de Manuel da Nóbrega e de Las Casas, entre outros, quando
lembravam que a racionalidade humana vê o mundo de formas diferentes,
abrindo o espaço da dissidência no exercício de uma liberdade que cumpre
respeitar nas relações entre os povos, fruto da penetrante vocação destes
autores escolásticos para compreenderem outras racionalidades, sem que,
como dizia Vitoria, Deus e a natureza os abandonassem “no que é indis-
pensável para a espécie humana”, razão por que, apesar da sua diferença
[leia-se: dos índios], “não erram em coisas que são evidentes a outros”. Ou
seja, contrariamente ao império da categoria transcendental e abstrata
da razão que imperou na história da filosofia moderna, os nossos autores
foram capazes de historicizar e pluralizar o vasto universo da raciona-
lidade humana, no esforço dinâmico e complexo de construção de um
universalismo situado e de um humanismo de relação que leva em conta
os ensinamentos da experiência.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
772 Pedro Calafate | Álvaro Balsas, SJ

Segue-se um conjunto de dois artigos, de Giuseppe Tosi e Ana Caldeira


Fouto, que se aproximam pelo debate em torno do conceito de direitos
humanos subjetivos e da contribuição da filosofia escolástica, também
pela dinâmica da experiência e dos desafios ultramarinos e do encontro
com outros povos, tema que se concebe prenhe de atualidade no sempre
aceso debate sobre a origem e fundamentação dos direitos humanos e na
recuperação da contribuição fundamental dos teóricos da escolástica e da
segunda escolástica ibérica.
Aliocha Maldavsky e Alfredo Culleton abordam nos seus textos o
tema fundamental da Restituição como ato da justiça, que São Tomás
de Aquino havia abordado na questão 62 da Secunda Secundae da Suma
Teológica, e que era base fundamental para os comentários dos profes-
sores escolásticos das Universidades da Península Ibérica, a começar por
Francisco de Vitória em Salamanca, e, em Portugal, por Fernando Pérez,
António de São Domingos, Pedro Simões e Cosme de Magalhães.
Aliocha Maldavsky traz-nos um artigo muito rico e fruto de larga
investigação, pela confluência entre a vertente teórica-doutrinal da
questão da restituição no quadro da justiça comutativa e da afirmação
centralidade das vítimas, que amplamente expõe, e a análise criteriosa da
realização histórica deste imperativo nas relações económicas, sociais e
políticas das sociedades andinas do século XVI.
Alfredo Culleton, a propósito da mesma questão da restituição e da
obra de Tomás Mercado, dá-nos o quadro da relevância do conceito de
restituição nas conceções económicas da escolástica, sempre marcadas
pela fundamentação ética, ao serviço da dignidade da pessoa humana.
Nos dois casos é relevante dizer que o tema da restituição tem
fortes raízes bíblicas, sobretudo no episódio da conversão de Zaqueu e
que penetrou a filosofia medieval de Santo Agostinho a São Tomás, pelo
que cumpre não esquecer que, como estes estudos demonstram, antes de
passar, como nos nossos dias, para o domínio da lei e do direito, e sua
radicação foi vincadamente teológica.
Alinhamos seguidamente dois estudos, um de Margarida Seixas
e outro de André Santos Campos, sobre a figura tutelar de Francisco
Suárez, em quem confluem muitos das linhas de pensamento iniciadas por
Francisco de Vitoria e Domingo de Soto, mas onde se descortinam marcas
de uma forte contribuição pessoal e de busca permanente e dinâmica de
novas postulações.
Margarida Seixas aborda uma questão que poderíamos dizer
tremenda: como foi possível a um autor cristão aceitar a legitimidade
da escravatura? Como se conciliava a paternidade divina e a igualdade

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Apresentação | Presentation 773

natural entre os homens com tão brutal realidade? Quais eram os argu-
mentos doutrinais que sustentavam esta aceitação? Sem esquecer que nos
encontrávamos perante uma realidade secular e com fortíssima presença
nos domínios ultramarinos de Portugal e Espanha, a par dos que estavam
sobre domínio de outras nações e Estados europeus, mas também de
ampla radicação em África e noutras coordenadas geográficas do mundo
de então, Margarida Seixas mostra-nos o distanciamento dos autores
cristãos como Suárez relativamente às teses ambíguas de Aristóteles sobre
a escravatura natural, a par da aceitação da escravatura legal, com base na
divisão, introduzida no direito natural, entre direito natural preceptivo e
direito natural permissivo ou negativo. À luz desta distinção, a liberdade
humana era considerada de direito natural permissivo, quer dizer: o
direito natural não preceituava que se mantivesse para sempre, razão por
que poderia ser perdida em função de condições que a autora aqui fixa
criteriosamente.
André Santos Campos, também a propósito de Suárez, mostra-nos
as suas conceções sobre a origem democrática e contratual do poder
civil, que concilia com a tese paulina sobre sua origem divina (Rom 13).
Trata-se seguramente de um dos pensadores mais consistentes que na
modernidade europeia abordou o tema da origem popular do poder civil
e da democracia como a forma mais originária e natural de governo das
comunidades humanas (embora não necessariamente a mais perfeita),
a despeito das diferenças que o separam do contratualismo de outros
autores modernos, que o autor aqui perfila.
Segue-se o trabalho de Mª Idoya Zorroza sobre a convergência entre
a noção de domínio (de jurisdição e de propriedade), formulada por
Domingo de Soto em Salamanca, e a que formulou Martín de Ledesma
em Coimbra, dando não só nota de que a escolástica foi uma filosofia
de partilha entre filósofos, em que a questão da originalidade cedia prio-
ridade perante a busca coletiva da verdade, como também da ausência
de fronteiras culturais entre as universidades de Portugal e Espanha, no
período em apreço. No caso que nos ocupa, a noção de domínio (tanto
o de propriedade como o de jurisdição ou poder civil) afigura-se funda-
mental na Escola Ibérica da Paz, na medida em que, por um lado, o direito
de propriedade da terra não dependia, como em John Locke, do trabalho
industrioso e racional, de modo a retira-lo aos povos da América (do
norte), por não trabalharem a terra como os colonos ingleses, que por isso
os exterminaram, nem dependia da fé nem da caridade, porque resultara
de um acordo virtual entre os homens, depois da queda, para assegurarem
a paz e evitarem o triunfo da cobiça. Por outro lado, o domínio de juris-

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
774 Pedro Calafate | Álvaro Balsas, SJ

dição era comum a todas as comunidades humanas, radicando na razão


natural, independentemente das formas de organização política ou da
diversidade de tradições culturais.
A terminar, dois artigos académicos e um ensaio que confluem,
por diversas vias, na chamada de atenção para a atualidade ou, melhor
dizendo, para a fecundidade permanente de algumas teses dos autores
desta escola da paz.
Sandro Alex Simões dá-nos uma interpretação do fenómeno secular
das migrações que, ao contrário do que vulgarmente se concebe, não
resultaram sempre e apenas de tragédias ou fenómenos de extrema nega-
tividade, sendo antes uma característica da sociabilidade humana, razão
por que o articula com a doutrinação de F. de Vitoria e Domingo de Soto
sobre o jus communicationis. Trata-se de um direito antigo, que os nossos
escolásticos receberam e aprofundaram, para dele fazerem um direito
natural partilhado por todos os homens e povos da terra, e não apenas
pelos espanhóis na América. Por isso, Vitoria lembrava que os espanhóis
podiam viver na América tal como poderiam viver em França com uma
única condição: a de não prejudicarem os naturais dessas terras. Sandro
Alex volta o seu texto precisamente para o estudo desta questão no seio do
espaço europeu, como expressão renascentista de um tema de hoje.
Javier García Medina mostra-nos no seu estudo o diálogo fecundo
entre a tradição universalista de Francisco de Vitória e a normatividade
humanitária contemporânea, com especial incidência para a que emana
dos tratados e convenções das Nações Unidas.
Finalmente, a encerrar o fascículo, outro trabalho de natureza
ensaística, de autoria de José Luis Mora García, que assinala também a
vigência desafiante das postulações dos nossos clássicos, bem como a sua
radicação também no mundo ibero-americano, razão por que nos fala de
uma Escola Ibero-americana da Paz.
No fundo, pela análise das obras dos autores aqui estudados, desta-
ca-se, entre muitos outros aspetos, a aplicação, em contexto difícil e
dramático, do conceito de unidade do género humano, a par da defesa da
tese de que os homens não são objeto de direitos que os príncipes even-
tualmente lhes concedam, mas sim sujeitos de direitos que deles emanam
diretamente e que reclamam reconhecimento, nomeadamente no difícil
labirinto do continente sul-americano, onde tantas vezes foram esma-
gados pela lógica do poder.
Por isso, cremos virem a propósito as palavras do papa Francisco, no
II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, realizado em Santa Cruz
de la Sierra, Bolívia, em 9 de Julho de 2015, quando, perante uma larga

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Apresentação | Presentation 775

audiência de “irmãos e irmãs do movimento indígena latino-americano”,


disse:

Com pesar vo-lo digo: cometeram-se muitos e graves pecados contra


os povos nativos da América, em nome de Deus. Reconheceram-no os
meus antecessores, afirmou-o o CELAM, o Conselho Episcopal Latino-
americano, e quero reafirmá-lo eu também. Como São João Paulo II,
peço que a Igreja – e cito o que ele disse – «se ajoelhe diante de Deus e
implore o perdão para os pecados passados e presentes dos seus filhos».  E
eu quero dizer-vos, quero ser muito claro, como foi São João Paulo
II: Peço humildemente perdão, não só para as ofensas da própria Igreja,
mas também para os crimes contra os povos nativos durante a chamada
conquista da América. E junto com este pedido de perdão e para sermos
justos, também quero que lembremos os milhares de sacerdotes e bispos
que fizeram oposição à lógica da espada com a força da Cruz. Houve
pecado, e pecado abundante, mas não pedimos perdão no passado. Por
isso agora pedimos perdão, e peço perdão; mas também lá, onde houve
pecado, onde abundou o pecado, superabundou a graça, através destes
homens que defenderam a justiça dos povos originários.

Entre estes homens, que recusaram a lógica do poder e da força pela


força da palavra, contam-se certamente muitos dos professores ibéricos e
iberoamericanos que são abordados neste fascículo.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 777-792.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0777

A Escola Ibérica da Paz


ADRIANO MOREIRA *

Abstract
The law written by political power must have as premises, although not written down, rules
inspired by either reason or faith that limit the right dictated by power. In the UN’s case, it
is assembled “the Earth as, common house of all men” and the “One world”, which means
a world without wars. These premises were implicit in the Iberian School of Peace. In the
beginning of this 2019 year, the inobservance of this natural law transformed globalism into
a global arena, where the Earth itself might the destroyed by “science without conscience”.
Keywords: globalism, human dignity, natural law, natural rights, political power.

1. A inspiração dos Direitos Humanos

T
alvez a primeira formulação dos pressupostos do hoje chamado
“mundo único”, isto é, sem guerras, e a consideração da terra
como “casa comum dos homens”, tenha sido a inspiração do que
chamaríamos “Direitos Humanos”, hoje enriquecida pela experiência
dos danos da sua violação, com tragédias contemporâneas, como foram
as duas guerras mundiais. Para compreensão da importância que teve,
nesta longa caminhada, a Escola Ibérica da Paz, talvez convenha recordar
a circunstância teórica da nossa época que condiciona a ideologia em
movimento, procurando conseguir que os chamados “direitos naturais”
consigam a adesão dos múltiplos e variados poderes políticos e da diver-
sidade das crenças e culturas. A primeira nota é que os “direitos naturais”
são válidos independentemente de reconhecidos pela “lei escrita”, sendo
um componente principal do chamado liberalismo, embora na corrente

* Universidade de Lisboa.
 adriano.moreira@acad-ciencias.pt

777-792

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
778 Adriano Moreira

apareça um importante doutrinador, Bentham (1748-1832), proponente


do princípio do “utilitarismo”. De facto, a problemática do complexo
tema implica respostas que lutam com dificuldades que impedem a
unanimidade pacífica das respostas, e que podemos sintetizar na seguinte
enumeração: 1) existem realmente direitos naturais?; 2) são inde-
pendentes da “lei escrita”, e por isso invocáveis para condenar as suas
violações?; 3) existindo ambas as perspetivas, que direitos deverão ser
considerados “naturais”? A corrente realista, tendo presente o que seria
o ceticismo de Maquiavel, manteria, até hoje, que é indispensável para
a sua validade que a lei os reconheça, o que abrange duas atitudes: uma
negação da impossível efetividade desses direitos, o que não impede o seu
reconhecimento “utópico”, se os poderes legislativo e judicial justo não
os reconhecerem, tal como até à queda do “sovietismo” era argumento
crítico dos ocidentais democráticos; a validade, independentemente da
falta de lei e de sistema judicial justo, foi afirmada por homens como
Hobbes (1588-1679), que, consciente da necessidade de uma relação entre
Estado  – Direitos Naturais, para que os segundos sejam respeitados, e
por isso, parecendo ser contra a desobediência civil, não deixa de reco-
nhecer que há limites à violação de tais direitos pelo poder político; apro-
xima-se assim de Jean Bodin, autor dos famosos Six livres de la république
(1576), que sustentava que o soberano tem o direito e dever declarados de
fazer as leis, todavia sujeito à “natural law”, o que é diferente de defender
um regime arbitrário. Em suma, os debates sobre “lei natural”, “direitos
humanos” e “justiça natural” procuram que a justiça, que não dispensa
leis decretadas pelo poder político, possa ser uma “justiça natural”, isto
é, que não se encontre na situação de conflito entre esta última e os seus
critérios de validade, que não podem ser ignorados pelo poder político.
Isto porque as leis naturais, tal como a doutrina as vai definindo, têm
imperatividade reconhecida, porque os seres humanos, racionais por defi-
nição, as assumem como tal. Isto implica reconhecer a igual dignidade dos
homens, que, como veremos, tem encontrado uma marcha semeada de
obstáculos. Designadamente, quando o Império Romano criou uma rede
de princípios, que seriam chamados “jus gentium”, e seriam aplicáveis
a todos os povos conquistados, sem respeito ou subordinação à herança
cultural dos submetidos, mas salvaguardando direitos exclusivamente
reconhecidos aos cidadãos romanos. Facto que é apontado como orien-
tando os académicos, sobretudo estoicos, não apenas como gregos. Platão
(428-348 BC), famoso pelas suas publicações República e Das Leis, advogou
um conceito de justiça que influenciou para sempre a filosofia do poder
político, destacando-se o romano Cícero (106-43 BC), no qual o pensa-

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A Escola Ibérica da Paz 779

mento político é largamente influenciado por aquele, e que, nas suas obras
especialmente políticas, De Officiis, República, e De Legibus, nenhuma
inteiramente sobrevivente, foi talvez o primeiro que acentuou a diferença
entre poder e autoridade, hoje conceitos de maior atualidade, mantendo-se
em conflito nos modelos políticos existentes. A questão principal, evidente
pela natureza e precedente do romano jus gentium, é decidir se a “lei
natural” e os “direitos naturais” implicam, para além da igual dignidade
dos homens, outras igualdades, estas dando origem à coexistência ou
confronto entre igualdades diferentes: igualdade perante as leis, igualdade
política, igualdade material ou igualdade de oportunidades, uma ideologia
defendendo o igualitarismo, de que o famoso livro de Huxley (1894-1963),
intitulado Brave New World, atrai os maiores defensores dessa convicção;
igualdade política, um tema central da história do colonialismo do nosso
tempo; igualdade material, que coloca em discussão a medida do Estado
social; igualdade de oportunidades, que, na sua praticada medida, inclui a
rejeição da igualdade humana (Nietzsche) ou a procura aproximar (droits
prestation), variando as políticas que partem do Humanismo ou preferem
seguir a “Realpolitik”.

2. Os paradigmas

A evolução levou um longo período, que praticamente terminou no


século XX dentro do espaço ocidental, onde a tradição grega e romana, do
ponto de vista jurídico e político, deu origem ao “europeísmo”, alargado
pelas descobertas e pela evolução do continente americano ao “ociden-
talismo”. Neste espaço, a problemática da relação entre a “lei natural” e
“direitos naturais” com o “direito escrito” do poder governante implicou a
meditação sobre a existência de um “paradigma”, não necessariamente
inscrito no “direito escrito”, mas referência da justiça. Na organização
deste espaço, a pregação do Cristianismo foi o paradigma dominante da
evolução política, num percurso complexo de paz e conflito. Essa questão
inevitável renasceu hoje porque mudou a “circunstância” ocidental para
o “globalismo” que constitui um dos maiores desafios que a crise que
estamos a viver agrava. Apenas para os fins desta exposição, tomemos nota
de que, no que respeita ao cristianismo, o Paradigma tem estes aspetos
principais: 1) Religião Monoteísta em que a fidelidade a Deus é superior à
devida ao Poder Político, podendo a ligação das chamadas “duas espadas”
ser articulada ou conflituosa. O objetivo desta crença é a salvação; 2) no
dizer do atual Pontífice Francisco, o nome cristão de Deus é misericórdia;

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
780 Adriano Moreira

3) a imitação de Cristo e o amor e caridade para com o próximo são


virtudes essenciais; 4) a Igreja é uma instituição inspirada pelo Espírito
Santo nas suas ações, e a relação com o Estado e a mundialização da
mensagem marcam a sua história. A mundialização da doutrina acom-
panhou a criação do europeísmo, depois ocidentalismo, promovendo o
encontro, nem sempre pacífico, com a multidão de culturas, incluindo
Religiões diferentes, etnias diversas, práticas culturais conflituantes com
a pregação cristã, frequentemente envolvida em conflitos com os poderes
políticos, os que estavam em expansão e os que sofreram a dominação dos
ocidentais, definindo a Europa da cristandade como impondo o domínio
que conduziu ao que chamo o Império Euromundista, extinto com a
descolonização acolhida como imperativa, no fim da II Guerra Mundial.
Neste longo período, e poderemos entender que a partir sobretudo da
Revolução Francesa (1789), deu-se quer o declínio da relação cooperante
entre a Igreja e o Estado, quer a decadência da dominação europeia.
Quanto à primeira circunstância é significativo o livro de Ernest Renan,
L’Avenir de la Science: pensées de 1848, onde dizia ser necessário, a seu ver,
“organizar cientificamente a humanidade”, pelo seguinte:

É sobretudo sob a forma religiosa que o Estado vela até agora pelos inte-
resses supranacionais da humanidade. Mas a partir do momento em que
a religiosidade do homem venha a exercer-se sob a forma puramente
científica e racional, tudo o que o Estado dava antes ao exercício reli-
gioso será de direito dado à ciência, única religião definitiva. Não haverá
mais orçamento dos cultos, haverá orçamento da ciência, orçamento das
artes.1

É para esse tempo que o papa Pio IX denuncia o que foi chamado “Os
erros do mundo moderno” enunciados em anexo à Encíclica Santa Cura
(1864), condenando os princípios da Revolução de 1789, que definitiva-
mente, no espaço Ocidental, instalou a oposição de todos os princípios
revelados à liberdade e razão humanas. Entretanto, no referido espaço
euromundista, sobretudo depois da Revolução de 1789, foram-se multipli-
cando regimes que enumeravam em documentos solenes, hoje chamados
Constituições, os Direitos Humanos, com maior ou menor abrangência
de todas as categorias sociais, que em cada lugar e tempo se verificaram
na distribuição política do poder. Podemos incluir a Petição de Direitos
inglesa, de 1628, na chamada “Primeira Revolução Inglesa”, mas são

1. Ernest Renan, L’Avenir de la Science: pensées de 1848 (Paris : Calman-Lèvy, 1890), 68.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A Escola Ibérica da Paz 781

fundamentais a Constituição Americana e Declaração de Direitos, com


intervenção autorizada de Jefferson (1776), a Declaração Francesa (1789),
e a Soviética (1917). Esta enumeração escrita e teoricamente impe-
rativa para os titulares do Poder Político, tornou em cada caso evidente
a questão da autenticidade, isto é, a coincidência entre os princípios e a
ação. A estruturação dos modelos de governo, quer euromundistas, quer
simplesmente colonialistas, manteve sempre a marginação dos que Weber
chamou povos párias e camadas párias, os primeiros vindo a caraterizar
o “terceiro mundo”, e os segundos aqueles que Charles Derber chamou “a
maioria deserdada”, quando procurou alargar e corrigir a doutrinação de
Thomas Piketty no seu O Capital no século XXI.2 Trata-se de uma Revolução
que progride há séculos, podendo-se talvez escalonar os seguintes passos:
o reconhecimento da diferença entre a sociedade e o Estado; a diferen-
ciação entre direito privado e direito público; o reconhecimento das comu-
nidades intermediárias, ou simbióticas; a validade do conceito de direito
subjetivo; a função instrumental do Estado e os direitos de participação
no Poder, com os seus corolários públicos; e, finalmente, nesta viragem
do século, a ultrapassagem da liberdade do Estado, pela submissão a juris-
dições e leis supraestaduais.3

3. A conjuntura e o processo evolutivo

A formulação dos princípios, a sua aplicação escalonada em função


da circunstância, e, por isso, a frequente caracterização ameaçadora de
utopia, a aceitação que frequentemente passa pela revolução, a pregada
extinção dos “deserdados” pela violência, incluindo a militar, e sempre a
falta de autenticidade, sobretudo criando categorias dos discriminados –
pela escravatura, pela etnia, pela crença religiosa, pela doutrinação de
reformas políticas condenadas e perseguidas – implicam frequentemente
a distância entre a doutrina e a prática. Neste 2018, e a servir de exemplo,
tornou-se por isso ideológica a discussão sobre a responsabilidade das
soberanias na longa duração da escravatura, que, no caso de escritores

2. Max Weber, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, tradução Anthony
Giddens (London: Conterpoint, 1985). Charles Derber, A maioria deserdada, tradução
Luis Miguel Oliveira (Lisboa: Círculo de Leitores, 2016). Joseph Stiglitz, O espírito da
igualdade, tradução de Dinis Pires (Presença, 2010). Anthony Atkinson, Desigualdade,
o que fazer?, tradução de Luís Santos (Lisboa: Bertrand, 2016).
3. Adriano Moreira, Ciência Política (Coimbra: Almedina, 1995).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
782 Adriano Moreira

como Gilberto Freyre, apelida este, critica e severamente, como purifi-


cador do tratamento da sanzala, e no caso colonial do terceiro mundo, em
que Portugal se inscreve, como falsificador da história, para igualmente
reprovar o passado que será então pecado comum dos ocidentais, colonia-
listas cristãos. Isto seria especialmente grave para os atuais nacionais dos
países que, ainda que não tendo inventado a escravatura, a aproveitaram,
acrescentando o transporte para diferentes paragens (caso do Brasil), ou
expropriando o espaço da população originária (caso dos EUA), tomando
conta do território, e fortalecendo o transporte de escravos vindos de
África, as migrações controladas de europeus para repovoar o território
de acordo com a nova cultura, considerada pelos titulares como superior
à dos nativos. A reformulação ideológica da história, além de contribuir
para agravar a dificuldade de projetar o futuro, só afeta as nacionalidades
cujos membros a aceitem apenas a benefício de inventário, como nas
heranças patrimoniais. Os que não duvidam de que se trata de um crime
contra a humanidade não podem esquecer que, quando, em Outubro de
1956, a dupla França-Inglaterra procurou, com ajuda de Israel, evitar a
nacionalização do Suez pelo governo de Nasser, Presidente do Egipto, a
Sociedade Britânica Contra a Escravatura realizou em Génova uma confe-
rência sobre o tráfico de escravos, realmente inscrita no projeto, então
ainda secreto, da intervenção que alargaria a área de fiscalização do Índico,
impedindo o acesso ao canal. A conferência, na qual Portugal participou,
chegou à conclusão de que, só no Médio Oriente, estavam umas centenas
de milhares de escravos, de primeira geração, vindos desde o Senegal, no
Atlântico, e conhecidos pelo nome de slave travel cheque. A época era de
extinção do colonialismo. A circunstância continuava a ter de ser tomada
em consideração, e em relação com a época em questão. Na sua visita
ao Colégio Universitário Villa Nazareth, em 18 de Junho de 2016, o Papa
Francisco disse o seguinte: “Somos escravos deste sistema económico que
mata, escravos e vítimas… Isto chama-se “trabalho escravo”, e a maioria
de nós vive neste sistema de trabalho escravo”. A semântica tem um papel
inegável.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A Escola Ibérica da Paz 783

4. A conjuntura e a Escola Ibérica da Paz

O trabalho extremamente valioso que ficamos a dever aos Professores


Pedro Calafate e Ramón Emilio Mandado Gutiérrez, intitulado Escola
Ibérica da Paz – Escuela Ibérica de la Paz,4 com Prefácio do Juiz António
Augusto Cançado Trindade, da Corte Interamericana de Derechos
Humanos, e chancela da Universidade de Cantábria, não é uma meditação
sobre utopistas; é, sim, uma demonstração da capacidade de sabedoria
que aponta o futuro com acerto, não, como agora, a esperançosamente
anunciada “inteligência artificial”, mas então com relação mantida entre
ciência e consciência. Este caso, que abrange o período de 1511-1694, e
tem como tema principal “a consciência crítica de conquista e colonização
da América”, antecipa em séculos não apenas o que os textos formais
consagrariam como direitos humanos, sem distinção de etnias, culturas,
ou religiões, mas, em certa medida, antecipa a jurisdição supraestadual que
se alarga nesta época ameaçada agora pelo pouco saber sobre o globa-
lismo dos nossos tempos, mas também pela capacidade, multiplicada de
responsáveis, de destruir o planeta com o desencadear de uma cascata
atómica, eventualmente por leviandades da atual Presidência dos EUA e
do governo da Coreia do Norte. Convirá, para apreciar a capacidade de
visão dos pensadores e pregadores reunidos no conceito unificador do
livro, tentar uma definição da circunstância do período de 1511-1694, para
valorizar o que veio a ser direito de jurisdição supraestadual neste século
em crise. As grandes descobertas por via marítima de Portugal e Espanha
tinham dado os primeiros seguros passos para o globalismo de hoje,
então uma estrutura sociopolítica futura mas não adivinhada, enquanto
naquele espaço de tempo, a marcha para o globalismo era obscurecida
porque Carlos V se tornaria o mais poderoso Rei da Europa, com dificul-
dades políticas e militares no Império que assumira com reconhecimento
da Santa Sé, lutando com a Reforma protestante que progredia apoiada
no pensamento reformista de Lutero, sendo constante a luta da França
contra o programa hegemónico dos Habsburgos, os turcos a conquis-
tarem parte do território europeu, e a Guerra dos Trinta Anos que, final-
mente, a partir de 1648, ao mesmo tempo religiosa e política, levaria a
França a conseguir ter a frágil imagem da Europa lavrada por Luís XIV,
nas suas memórias escritas em 1670, trabalho organizado para instrução

4. Pedro Calafate e Ramón Gutièrrez, Escuela Ibérica de la Paz: la conciencia crítica de


la conquista e colonización de América (Santander: Editorial Universidad Cantabria:
2014).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
784 Adriano Moreira

do Delfim, nascido em 1661, e que apenas se referem aos anos de 1666,


1667, 1668, e depois 1661 e 1662. Afirma reinar a paz geral, de que se
atribui ser arquiteto e garante, sem dúvidas sobre a legitimidade do poder
dos príncipes. Dentro deste período, a realidade crescente da submissão
do que seria a América Latina às monarquias peninsulares, a hegemonia
europeia no oriente, incluindo o período em que, entre 1580 e 1640, o Rei
de Espanha foi também Rei de Portugal (Dinastia dos Filipes), descurava
que, de facto, estavam reunidos os fatores que, a partir das descobertas
marítimas dos reinos peninsulares, deram origem à chamada Civilização
do Renascimento: uma nova economia, o desenvolvimento do Humanismo
e da criatividade artística, sobretudo na Itália, e a descoberta da arte da
“imprimação”, a consolidação da Reforma, o enfraquecimento da impor-
tância política do Vaticano, a consolidação das divisões do cristianismo.
Mas o facto síntese, que tem de ser destacado em relação à importância da
Escuela Ibérica de la Paz – Escola Ibérica da Paz é o encontro da cultura
cristã e dos seus sacerdotes, mestres, e soberanias que se expandiram para
as terras descobertas com novas culturas, etnias, e religiões, que se dife-
renciavam da definição doutrinal cristã das soberanias ocidentais que as
submetiam, e os métodos usados para a submissão, à margem da ação
missionária; nasce com eles a “consciência crítica de conquista e coloni-
zação da América”, como sublinham os autores da obra.

5. O poder da palavra

A primeira importante conclusão sobre a sua importância, nunca


talvez posta em evidência com igual clareza, é o facto de a doutrina,
então a lançar as raízes da consolidação perante a nova visão plural do
mundo, assumir a busca de paradigmas para os habitantes da “terra casa
comum dos homens”, apoiada em que “a oração que Jesus nos ensinou
começa com a expressão “Pai Nosso”, isto é, de todas as criaturas”, como
prega o Papa Francisco. Vejamos a síntese da doutrinação de cada um
dos incluídos nessa Escola, originando o que chamarei os “alicerces do
futuro”, evidenciando que, no longo tempo que desde então passou, a
realidade, ainda infratora, não respondeu facilmente à observância de que
“no princípio era o verbo”. Lembrando que nenhum homem é indepen-
dente da sua circunstância, como doutrinou Ortega y Gasset, é impres-
sionante verificar como os integrantes da chamada Escola Ibérica da Paz,
perante uma circunstância em que a violência fazia apenas intervalos de
“armistício”, até ao século em que vivemos, incluindo o território e povos

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A Escola Ibérica da Paz 785

europeus e ocidentais, afirmaram, em textos convergentes, um futuro de


valores jurídica e moralmente imperativos para a terra única, morada de
todos os homens, embora a conclusão dos analistas (2018) seja ainda que
“há guerra em toda a parte”.5
Não sendo possível, num ensaio, analisar toda a extensa doutrina
que corresponde aos ensinamentos da Escola, vamos tentar, para cada um
dos inquietantes desafios deste globalismo em que nos encontramos, os
fundamentos da Escola para as respostas possíveis ao que já foi chamado,
para a época que vivemos, “um Mundo em busca de alternativas”.6
A última reunião da Assembleia da ONU (2018) continua a exigir
atenção e meditação sobre o desencontro, não recente, mas subitamente
visível, entre os que doutrinam ser útil, para a eficiência do poder gover-
nativo, que o povo acolha uma regra jurídica imposta, e os que sustentam
que o verdadeiro Estado não é o que tem ao dispor a violência efetiva, mas
sim o que aceita limitações de ordem ética. Isto é, aquilo que Hans Küng
chama os “paradigmas comuns” que, aceites globalmente, assegurariam
a que é, até hoje, uma utopia, exatamente o que foi chamado por Karl
Christian Friedrich Krause (1781-1832) a Aliança da Humanidade. O que
pareceu ter um começo de execução com os projetos que se seguiram ao
fim da Guerra de 1939-1945, com a ONU, com a solidariedade das partes
componentes do Ocidente e sobretudo, neste nosso continente europeu,
com o que seria a União Europeia. Quer as dificuldades evidentes que a
União enfrenta no sentido de se reformular e tornar viável o projeto destes
antigos doutrinadores, quer o agravamento da dificuldade de consolidar
a perspetiva que animou a ONU, tudo colocou em urgência a questão
de enfrentar, se necessário e possível, o desencontro entre o progresso
material, científico e técnico, e o progresso da disciplina ética do Estado,
das relações entre diferentes culturas, e das diferentes memórias. Não pode
negar-se, como salienta o inquieto muçulmano Maalouf, que os últimos
tempos colocaram à disposição das sociedades ferramentas que os séculos
passados nem imaginaram, mas “enquanto que na organização do conhe-
cimento, no desenvolvimento das ciências, na adaptação à tecnologia civil

5. Amin Maalouf, El desajuste del mundo, tradução Maria Urrutia (Madrid: Alianza
Editorial, 2009). Anselmo Borges, Francisco, Desafios à Igreja e ao Mundo (Lisboa:
Gradiva, 2017). Bertrand Badie e Dominique Vidal (Dir.), Qui Gouverne le Monde?
(Paris: La Découverte, 2016). Christophe Grannec e Bérangère Massignon (Dir.), Les
Religions dans la mondialisation (Paris: Karthala, 2013).
6. É o título da Revista “L’Etat du Monde”, relativa a 2018, sob a direção de Bertrand
Badie e Dominique Vidal, (Paris: La Découverte, 2017).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
786 Adriano Moreira

ou bélica, na produção e divisão das riquezas, temos evolucionado a um


ritmo acelerado, na questão da mentalidade e comportamentos humanos
a evolução foi errática e, em conjunto, inadequada, tragicamente inade-
quada”.7 Que se trata de um desencontro pareceu evidente no depoi-
mento, num domínio que tende para parecer ser uma forma de guerra,
que é o da economia, feito por Alan Greenspan, na qualidade de antigo
Diretor do Federal Board, no Congresso dos EUA, em Outubro de 2008,
explicando e justificando as decisões tomadas durante o seu exercício.
Afirmou ter sempre agido convencido, e por isso certamente descuidando
inspeções, de que a prudência das empresas que concediam créditos agia
sempre sem comprometer os interesses dos próprios acionistas. Proferiu
estas palavras: “nesta base se calcularam os riscos durante séculos, mas
este edifício intelectual desmoronou-se no verão passado”. Não faltaram
críticas depreciativas quanto à declaração, mas o interesse que as inspirou
não tem crédito em face da desordem que se tornou global. Não é de
estranhar, mas exige atenção responsável, a tendência também pública
no sentido de obter uma ordem viabilizadora da paz, e até de para isso
rever a hegemonia que pertenceu aos EUA, exigência tornada clara na
intervenção presidencial na inesquecível última reunião da Assembleia
Geral da ONU. Trata-se de uma visão do regresso ao passado, que tem
dimensões erráticas, à capacidade suposta de cada Estado insatisfeito, e
são vários, na atual situação da União Europeia. Uma ferida na esperança
que animou a geração que enfrentou a destruição da guerra, e que até dá
vigor a meditações como as de Harari8 quando anuncia a “religião dos
Dados”, uma “História Breve do Amanhã”, um amanhã em que a inte-
ligência artificial e a robótica “alterarão as relações humanas e com as
outras espécies”. É urgente não perder o controlo, exercendo a capacidade
de compreender a necessidade de formular um projeto de governança,
que responda às exigências dos conhecimentos e mudanças causadas pelo
avanço das ciências e das técnicas, mas sem alienar o acompanhamento
pela filosofia, pela Religião, pela História, sem desencontrar a ciência com
a consciência, tendo presente que é responsabilidade humana, mas de
forma institucional, como a ONU anunciou, e esperamos que não desista.
As más experiências do passado da ONU são património de saber para
organizar as reformas, sem medo do futuro, e não para esperar triunfos

7. Maalouf, El desajuste del mundo, 294 sqq.


8. Yuval Harari, Homo Deus. Uma breve história do amanhã, tradução Bruno Amaral
(Lisboa: Bertrand, 2015).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A Escola Ibérica da Paz 787

com retiradas políticas para um projeto de outro século. Quando se multi-


plicam os chamados populismos, e as eleições em vários países europeus
mostram um acentuar do abstencionismo, outros de crescente meditação
sobre o Brexit, e finalmente o fortalecimento de partidos reacionários, o
traço comum é o desencanto, e até repúdio, da evolução débil da relação
das governanças nacional e global, é como que um apelo ao passado por
falta de visibilidade de um futuro restaurador da confiança. A relação
sólida entre ciência e consciência é fundamental, como ensina a Escola
Ibérica da Paz.

6. Da circunstância das descobertas e conquistas à circunstância


da globalização

a) A antecipação da doutrina

O professor António Celso Alves Pereira, da Universidade do Rio de


Janeiro, dá relevo aos “pais fundadores do Direito Internacional”, cuja
doutrina, ensinada nas Universidades de Portugal e Espanha, marcou a
passagem do conceito de Imperium mundi para o conceito de societas
gentium, que se inscreve no Património Imaterial da Humanidade.
Parece-nos do maior interesse tentar comparar a circunstância em que
definiram a doutrina assim identificada com a circunstância do globa-
lismo em que nos encontramos, o que nos ajudará a meditar a lonjura
em que ainda nos encontramos, nesta data, da pregação herdada e
recolhida no seu legado. Em primeiro lugar teremos presente a relação
Estado-Igreja vigente no Ocidente cristão, quando se inicia o movimento
das Descobertas e Conquistas, iniciado para Oriente por Portugal, tendo
como referência principal o Infante D. Henrique, e para Ocidente pela
Espanha, tendo como referência sempre presente Cristóvão Colombo.
Um dos motivos da atualidade da investigação sobre a Escola Ibérica está
porventura na proeminência da convicção que orientou Max Weber, no
estudo da sociologia das religiões, convencido de que “a realidade social
era constituída por ações com sentido e não por leis gerais externas”,
o que nesta época de globalismo se traduz num conflito de buscas que
ele enumerou como “caminho para o verdadeiro ser”, “caminho para a
verdadeira arte”, “caminho para a verdadeira natureza”, “caminho para o
verdadeiro Deus”, “caminho para a verdadeira felicidade”, com o fascínio
da “razão” que leva a uma ciência sem consciência, pondo de lado a adver-

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
788 Adriano Moreira

tência de Tolstoi no sentido de que a ciência “não tem sentido, pois não dá
resposta à pergunta que é a única importante para nós: ‘Que havemos de
fazer? Como havemos de viver?’ Que ela não dá uma resposta é um facto,
simplesmente, indiscutível”.9 Isto porque, no processo político-histórico,
se os motivos religiosos eventualmente foram dominantes, a má articu-
lação com os motivos “económicos”, uma questão desafiante da “legiti-
midade”, foi, e voltou a ser, frequente. Na Península Ibérica, a história
da formação dos reinos, reproduzindo o processo de outros regimes que
juntos chamamos Europa, e depois, mais abrangentemente, Ocidente,
a articulação dos interesses terrenos, da política com a pretensão de os
legitimar “religiosamente”, teve sobretudo que ver com o conflito entre
cristãos e muçulmanos. As cruzadas ajudaram na conquista do território
europeu português, a intervenção da Roma católica foi consagradora do
Reino, mas foi o movimento das descobertas – animadas pela descoberta
das rotas comerciais  – e da colonização  – dominada pela imposição do
poder político e pela conversão religiosa das populações encontradas – que
veio a entrelaçar os interesses económicos com os objetivos espirituais,
com um processo de alianças e contradições, de heróis navegadores, mili-
tares, mártires missionários. A definida Escola Ibérica da Paz autonomiza
o ensino de Francisco de Vitória, de que destaco a defesa internacional dos
direitos da pessoa humana e a legitimidade das soberanias indígenas; de
Domingo de Soto com a dúvida sobre a legitimidade do domínio espanhol
sobre as Índias Orientais, salientando que não há diferenças “entre judeu
e grego”, nem “entre escravo e livre”; Covarrubias insistindo na afirmação
de que “o Papa não é senhor do mundo nem no espiritual”, o que apela
ao respeito pelas diferenças religiosas; de Melchior Carmo afirmando que
todos os homens são livres e iguais por natureza; de Alonso de la Vera
Cruz salientando que “o imperador não é senhor do mundo”; de Martín
de Azpilcueta defendendo a legitimidade das soberanias indígenas; de
Ledesma colocando a razão da humanidade acima da razão do Estado; de
Fernando Pérez exigindo a proteção internacional dos direitos da pessoa
humana; de Luís de Molina, sobre o primado da paz; de Pedro Simões,
também sobre a legitimidade das soberanias indígenas; de António de São
Domingos, sustentando que os cristãos não podem impor a sua fé acima
das convicções internas de outros povos; de Juan de Peña, sobre a injustiça
da guerra contra os Índios; de Serafim de Freitas, sobre a incompetência

9. Rafael Gomes, “Apresentação,” in Max Weber, Sociologia das Religiões, tradução de


Rafael Gomes (Lisboa: Relógio de Água, 2006), 9.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A Escola Ibérica da Paz 789

do Papa para conceder o Novo Mundo como feudo dos ocidentais. De


entre os missionários lembrarei apenas António Vieira, como verdadeiro
pregador da ética universal, de justiça e paz.

b) Nos dias de hoje

Nesta data em que, por conflito ideológico que se prolonga para além
do fim da guerra fria sustentada pelos Blocos Militares, o fim dos regimes
coloniais, que a Carta da ONU exigiu, insiste nos aspetos negativos que
cercam esta doutrinação, conviria talvez ter presente que estamos, no
balanço que deve ser histórico e não ideológico, numa luta entre o poder
da palavra contra a palavra e prática do poder, por vezes claramente numa
fraqueza colaborante da primeira, mas sem o seu apagamento. Entre esta
doutrinação e o iluminismo que viria a colocar o “credo do mercado” com
supremacia sobre o “credo dos valores” passaram séculos de lutas internas
dos ocidentais entre si, dividindo por Igrejas separadas a fé no mesmo
Evangelho, e sempre com um elemento agravante dos conflitos: apelar
a valores religiosos para cobrir a legitimidade das ambições do poder
político. Acontece que o período de hegemonia mundial dos ocidentais
inclui instrumentalizar os valores religiosos com as práticas da Inquisição,
não apenas nas questões entre ocidentais, dentro e fora das fronteiras de
cada um, mas nas destes com áreas culturais e étnicas diferenciadas, por
exemplo na Índia e na América. Lembre-se que, depois da doutrinação
contra o papel central das Igrejas Cristãs, a primeira Declaração de Direitos
Humanos, a dos Estados Unidos da América de Jefferson, declarou a
igualdade dos homens, mas com exceções: os nativos, os escravos negros,
as mulheres, os trabalhadores, os quais ainda hoje animam movimentos
pela igualdade efetiva, com mártires como Luther King, Malcom X, e
homens tocados de santidade como Gandhi na Índia e Mandela na África
do Sul. Mas já estava em vigor a Carta da ONU, assinada em S. Francisco
em 26 de Junho de 1943 e proclamada a Declaração Universal de Direitos,
quando se deu a Guerra do Suez, quando a Inglaterra e a França quiseram
impedir, como vimos, o jovem Presidente do Egipto, Coronel Nasser, de
nacionalizar o Canal que liga Port Said, situado no Mediterrâneo, ao
Porto de Suez no Mar Vermelho. Por uma vez, a ONU teve uma inter-
venção no confronto, porque o risco de uma nova guerra estava no hori-
zonte, e obrigou aqueles dois membros do Conselho de Segurança, com
o privilégio de veto, a retirar. Ora, ligada à operação, esteve a Sociedade
Britânica contra a Escravatura que visava alargar no Índico a área de fisca-
lização da navegação, suspeita de manter o tráfico dos escravos, mas real-

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
790 Adriano Moreira

mente para fechar a saída do Canal. Todavia, a já referida Conferência da


Sociedade Britânica contra a escravatura chegou à lamentável conclusão,
que repito, de que, no Médio Oriente, havia umas centenas de milhares
de escravos de primeira geração, vindos desde o Senegal, convertidos ao
islamismo, e submetidos pela convicção de que eram levados em peregri-
nação aos lugares santos, mas conhecidos pelo agressivo nome de slaves
travel cheque. Estes factos apoiam a conclusão de que a palavra dos que
são os pregadores da Escola Ibérica da Paz continua viva e inspiradora,
animando a convicção de que o poder da palavra vencerá a palavra do
poder. A crise económica e financeira que levou o “credo do mercado”
a diminuir o respeito pelo “credo dos valores”, sendo este aquele que
inspirou movimentos contra a discriminação étnica, cultural ou religiosa,
até a luta atual do feminismo, também deu espaço a uma guerra do “fraco
contra o forte”, com expressão nas várias artes de terrorismo moderno,
infelizmente igualmente coberto por valores religiosos que garantem aos
agentes agressores a salvação pelo sacrifício, uma espécie de continuação
armada da guerra fria, com sinais de poder subir até ao uso da “cascata
atómica”, encontra na Escola Ibérica da Paz argumentos que devem
inspirar as sociedades civis a impedir que a ameaça cresça e se concretize,
enfrentando, entre outras causas, o facto de que o movimento anticolo-
nialista lançado pela ONU, que não impediu todavia o longo período da
guerra fria, não deixou nas antigas colónias ocidentais regimes democrá-
ticos, mas sim as suas próprias tradições de “regimes extrativos”: foi este
o poder que as revoltas conquistaram, substituindo os Governadores,
Vice-Reis, Altos Comissários, conforme as tradições das potências colo-
niais que retiraram. Por isso, torna-se dominante o conceito abrangente
de “guerra”, a que recorre o Papa Francisco, o qual se traduz na efeti-
vidade da doutrina secular da Escola. Disse, entre muitas outras decla-
rações, o Papa que foram buscar ao “fim do mundo”: “estou convencido
de que estamos a viver uma terceira guerra mundial aos pedaços, em capí-
tulos, por todo o lado. Por trás disto, há inimizades, problemas políticos,
problemas económicos: não só, mas há muitos interesses que pretendem
salvar este sistema onde o deus-dinheiro está no centro, e não a pessoa
humana  – e comerciais” (30 de Novembro de 2014). Por isso é impor-
tante não deixar esquecer, e praticar, que o poder da palavra pode vencer a
palavra do poder, político, militar, económico, sabido ou oculto. A palavra,
que continua viva, da Escola Ibérica da Paz – Escuela Ibérica de la Paz. É
parte do património imaterial da Humanidade.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A Escola Ibérica da Paz 791

Referências

Badie, Bertrand e Dominique Vidal (Dir.). L’Etat du Monde. Paris: La Découverte, 2017.
Badie, Bertrand e Dominique Vidal (Dir.). Qui Gouverne le Monde? Paris: La Découverte, 2016.
Barres Atkinson, Anthony. Desigualdade, o que fazer? Tradução de Luis Santos. Lisboa: Bertrand,
2016.
Borges, Anselmo. Francisco, Desafios à Igreja e ao Mundo. Lisboa: Gradiva, 2017.
Calafate, Pedro e Ramón Gutierrez. Escuela Ibérica de la Paz/Escola Ibérica da Paz. Santander:
Universidad Cantabria, 2014.
Carpentier, Jean e François Lebrun (Dir.). Histoire de L’Europe. Paris: Editions Du Seuil, 1897.
Derber, Charles. A maioria deserdada. Tradução de Luís Oliveira. Lisboa: Círculo de Leitores, 2016.
Grannec, Christophe e Bérangère Massignon (Dir.). Les Religions dans la mondialisation. Paris:
Karthala, 2013.
Harari, Yuval. Homo Deus. Breve história do amanhã. Tradução de Bruno Amaral. Lisboa:
Bertrand, 2015.
Laffont, Robert. Les Mémoires de L’Europe (6 Tomes). Verona: Mondadori, 1970.
Maalouf, Amin. El desajuste del mundo. Tradução de María Urrutia. Madrid: Alianza Editorial,
2009.
Moreira, Adriano. Ciência Política. Coimbra: Almedina, 1995.
Renan, Ernest. L’Avenir de la Science: pensées de 1848. Paris: Calman Lèvy, 1890.
Stiglitz, Joseph. O espírito da igualdade. Tradução de Dinis Pires. Lisboa: Presença, 2010.
Weber, Max. Sociologia das Religiões. Tradução de Rafael Gomes. Lisboa: Relógio de Água, 2006.
Weber, Max. The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism. Tradução de Anthony Giddens.
London: Conterpoint, 1920-21.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 793-836.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0793

The Iberian School of Peace: Natural Law and


Human Dignity *
PEDRO CALAFATE **
RICARDO VENTURA ***

In regard to natural law, there is no distinction between men for they were
all born equal and no one is a prince by nature; since the princes were
constituted by men, no one is subject by nature too.
Melchor Cano1

Therefore, what right do we have to hold the foreign lands recently


discovered? In truth, I cannot tell, for I do not know where that right
comes from.
Domingo de Soto2

Abstract
The present study provides a comprehensive overview of the main topics of the Iberian School
of Peace (16th and 17th centuries): the affirmation of peace as characterization of life; the popular
origin of civil power; the right of active resistance against tyranny; universality of the right of
ownership based on the law of nations; the refusal of the universal lordship of the emperor;
criticism of the tradition of theocracy; the refusal of war for reasons of religious diversity; the
defence of every man and every people’s natural freedom; justification of the legitimacy of
indigenous sovereignty and of man’s right of ownership of their property; the cosmopolitan right
based on the natural right of communication; every people’s right to establish non-fraudulent
commercial relations; the affirmation of an intrinsic principle of humans’ sociability, which
extends itself into the affirmation of an intrinsic principle of states’ sociability, towards the
construction of the universal community, based on a supranational jus gentium.
Keywords: civil power, freedom, natural law, ownership, resistance, universal community.

* This investigation was funded by the FCT: Fundação para a Ciência e Tecnologia-IP,
under the project PTDC/MHC-FL/4671-2014.
Transl. João Nunes de Almeida (Lancaster University, Law School).
** Universidade de Lisboa/CFUL.
 pedro.simoes@campus.ul.pt
*** Universidade de Lisboa/CLEPUL.
 ricardonventura@gmail.com
1. Melchor Cano, “De Dominio Indorum,” in Corpus Hispanorum de Pace, ed. Luciano
Pereña, vol. IX (Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1982), 560.
2. Domingo de Soto, “De Dominio,” in Relectiones Y Ousculos, ed. Jaime Brufau Prats
(Salamanca: Editorial San Esteban, 1995), 177.

793-836

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
794 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

1. Introduction

T
hroughout the sixteenth and seventeenth centuries, a school of
thought flourished in the Iberian Peninsula that decisively marked
natural law and the law of nations. However, the future of this
school became compromised in the long run, given its theological and
clerical roots and a so-called compliance with colonialism.3
Notwithstanding, the debate triggered by these diverse thinkers,
from Portuguese and Spanish universities, was born out of their critical
conscience facing the reports on the tragic events in American and African
lands, at the time of the Portuguese and Spanish empire-building.
The authors of this Iberian tradition were men of the Church, friars
and clerics, some Dominicans other Jesuits, royal confessors, the majority
being professors of Theology at the Universities of Salamanca, Coimbra,
Évora, Valladolid, Alcalá de Henares and Mexico. They were theologians
of the Council of Trent, abbots and missionaries in American territories
who questioned themselves if the “God of peace” had deliberated that
Christians should bring war to those who ignored him or did not praise
him. Christians waged war by occupying foreign territories, expropriating
the commons of the indigenous communities and crushing their sover-
eignties, even if on the embryonic phase, in territories never belonged to
the Christians, and enslaving so many thousands of men with the argument
of being ruled by different cultural and religious habits.
They were not pacifists, in the Erasmine sense of the word, as they
accepted Christians leading wars by trying to assign, in the clearest
possible way, the titles that would legitimise war as just4 in light of the law
of the nations and natural law.
They were not relativists either for they guided themselves within the
frame of the Christian truth, by which they would rank their guiding values
without imposing these through force on those who did not recognize
themselves in them. Hence, these scholars, especially those such as Las
Casas e Alonzo de la Vera Cruz, showed an increasing openness to the
cultural diversity of peoples and men recently found as they related more
directly with them.

3. On the critique of this kind of interpretation, see Maria Elvira Roca Barea’s Imperofobia
y Leyenda Negra (Madrid: Siruela, 2016).
4. Pedro Calafate, Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora (século
XVI), vol. I: Sobre as Matérias da Guerra e da Paz (Coimbra: Almedina, 2015).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 795

However, it is essential to retain that, for them, peace was not the
result of the fear of war, as Hobbes will argue later on, neither a bellicose
strategy, as for Machiavelli in his time, nor the result of a pragmatic
judgement in view of the forthcoming benefits, as in the seventeenth
century of the Abbot of Saint-Pierre.
In the Renaissance canon of the Iberian Natural Law, the concept of
nature was a key referent for rationality, universality, intelligibility and
order in which law was defined within the legacy of the Stoics. In this
context, these Iberian scholars tried to develop, enrich and deepen such
canon in light of the new challenges. Sharing a common idea of truth,
highly indebted to the scholastic Thomism, they went beyond the limits of
this tradition when barred for the free flow of reason. Above else, they prob-
lematized the Iberian Natural Law on that new context of encounter and
conflict between peoples of such distinctively cultural and geographical
aspects. They tried to frame cultural diversity and its particularities
without putting into question the universality of basic ethical principles.
In this sense, they arrived at the key thesis of peace being the very
expression of life, despite their “God of peace” having been clear with
his words when saying that he “came not to send peace, but a sword”
(Mt 10,34).
In a relevant Relectio (1548), Martin de Azpilcueta delivered one
of the most important texts of the Iberian school of peace at the Great
Assembly of Coimbra University:5

Good peace shall be kept, nurtured and loved, as well as the virtues,
according to the words of Christ Jo 14.27: Peace I leave with you, my
peace I give unto you, while one should violate and break the peace that
lives under the company of the sins in accordance with Christ’s words Mt
10.34: I came not to send peace, but a sword.6

Hence, it was a specific peace that emerged from justice ingrained on


virtue and seen as the purpose of civil power.

5. Luciano Pereña considered Azpilcueta magistral work as “the most complete juridical
commentary ever written on the relations between infidels and Christians. The whole
science of medieval law can be found in those wonderful pages”. Luciano Pereña, in
Martín de Azpilcueta, “Comentario Resolutorio de Cambios,” in Corpus Hispanorum
de Pace, ed. Luciano Pereña, vol. IV (Madrid: Consejo Superior de Investigaciones
Científicas, 1965), XVIII.
6. Martín de Azpilcueta, “Relectio c. Novit de Iudiciis,” in A Escola Ibérica da Paz nas
Universidades de Coimbra e Évora (Séculos XVI e XVII), ed. Pedro Calafate, vol. II
(Coimbra: Almedina, 2015), 175.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
796 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

While they neither advocated for the withdraw from America nor
the abolishment of legal slavery, they saw the conquest of civilization and
Christian religion as contrary to positive divine law, natural law (which
was one of the varieties of divine law) and human law (whose jus gentium
belonged to). Rather, they preferred to underline the duties and the rights
of the human person as much as the universal principles of natural law and
the law of the nations that should preside the dialogue between different
peoples of the world. An inherent principle of sociability between humans
was thereby pronounced in different political communities under the
natural law of free circulation and communication (jus communicationis).7
Thus, they defended against the grain that: men were created free
and equal; considering the substantial unity of the human species, there
was no such thing as natural slavery for them in a strict sense but only
a legal one; power was constitutive of all human communities, thus
possessing a democratic principle; the right of self-determination of the
peoples (dominium jurisdictionis vel auctoritatis) and the right of property
(dominium proprietatis) did not depend on faith, on the state of grace or
on the civilizational progress of men and peoples; the power of the Pagan
princes was not inferior or distinct, in nature, from the power of the
Christian princes, although the Christian prince was closer to perfection
since grace came to his rescue, which perfects nature; the emperor was
not the lord of the world as he was neither elected for such end nor had
he conquered it through just war; the pope could not exert power beyond
Christians but merely spiritual power over the baptized and indirect
power over the temporal things towards a spiritual end among Christians
only. The very conclusion of this reasoning saw the pope without religious
or indirect power over the gentiles. Offenses to God, idolatry or crimes
against nature were not enough for the peoples to declare war against each
other. The Portuguese and the Spanish empires should preferably base
themselves on a free pact between the peoples for the imperial laws should
not run against natural dispositions. Otherwise, both empires should

7. According to Francisco de Vitoria, the jus communicationis was a form of natural


law where the future universal community of the peoples would be raised from. He
refers to natural law in the following terms: “In the beginning of the world, when all
things were common, everyone could legally go to the desired regions and pilgrimage
on them. And nothing states that such law changed afterwards due to the division
of things as the people never had the intention to prevent the communication and
the cordiality between men through that division”. Francisco de Vitoria, “Relectio De
Indis,” in Corpus Hispanorum de Pace, ed. Luciano Pereña, vol. V (Madrid: Consejo
Superior de Investigaciones Científicas, 1967), 78.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 797

exceptionally act against nature to keep and protect the faith of those
who were freely baptised and without annihilating their sovereignties. A
universal empire was human and morally impossible.
In the same vein, these authors theorized the articulation between
law and ethics, as laws were the ratio for the law and this was the object of
justice; they legitimized the right of resistance by people and their commu-
nities, as far as the unfair law only by analogy could be seen as a law and,
as such, it could not be obeyed; they have laid the groundwork for the
concept of offense against the human species – which we call today crimes
against Humanity – , as well as the principle of the supra-state protection
of the human person; at the same time, they have set the basis for the
conscientious objection for soldiers in war times, rejecting the argument
of one doing one’s duty to avoid responsibility. The latter resulted in the
primacy of consciousness over the orders of hierarchical superiors, that
would lead to the death of innocent people, towards human dignity.
They defended the restitution/reparation as an act of justice (commu-
tative), in line with the jus gentium, thus establishing the supremacy of
the Reason of Humanity over the Reason of the State and natural law over
sovereignty here understood as relative and limited.
Regarding the war titles, it stood out the reaction to aggression or
aggravated offense, including the repression of the jus praedicandi by force.
The jus praedicandi was the right/duty of the Church to freely preach the
Gospel, as Christ said to the Apostles “And this gospel of the kingdom shall
be preached in all the world” (Mt 24,14), whose defence the pope could
demand the aid of the Christian princes’ armies in case such jus had been
supressed by force (a thesis which was not accepted by all scholars of this
school as we shall see in the case of António de São Domingos at Coimbra
University). The suppression of the jus communicationis and of the jus
commercii (if non-felonious and fraudulent), by force, was later limited
via the Iberian doctrine of the mare clausum defended, among others, by
Serafim de Freitas, who in this particular point was opposed to Francisco
de Vitoria.8 There was also the obligation, if necessary by force, to prevent
offenses to the human species such as the murdering of innocents to be
eaten by humans or sacrificed to the idols (a thesis not accepted, however,
by Las Casas e Alonzo de la Vera Cruz); and, finally, the right to pull away

8. “Vitoria’s opinion whereby a prince needs to allow foreigners to trade and stay in his
territories, if no cause has been presented, should be rejected”. Serafim de Freitas,
Do Justo Império Asiático dos Portugueses, transl. Miguel Pinto de Meneses (Lisboa:
Instituto Nacional de Investigação Científica, 1983), 120.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
798 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

Christians from the authority of the Pagan princes when their faith was
clearly put in danger by the persecutory action of princes who became
tyrants, that repressed the free conversion of their subjects to Christianity.
As a general background, these themes were floating in the context
of natural law and human rationality: a recta ratio of stoic and Ciceronian
matrix.
In truth, natural law, having its origin in God, could not be modified
by him and, contrary to the most common interpretation of William of
Ockham’s philosophy, things were not good or evil because God, by his
Will, would allow or prohibit them. Rather, they were good or evil because
that was their essence.
Francisco de Vitoria was clear in his commentaries on Aquinas’
Summa Theologica (II, II), question 62, “Restitution”:

Natural law comes from God and even more than divine positive law for
such law, the natural one, cannot be revoked by God. As Duns Scotus and
others claim, God cannot change the precepts of the Decalogue, although
he can revoke divine positive law. Thus no one can deny me from that
law.9

Later on, Francisco Suárez would make it clear, in his Coimbra’s


lectures on laws and judgment, that God cannot change the content of
natural law since the will of God cannot be irrational and things are
“essentially” good or evil. Thus, as defended by Suárez, when natural
reason reveals to men what is “essentially” good or evil, it reveals as well
that, “in consequence”, such good can be fulfilled and evil can be avoided
in conformity with the divine will10.

9. Francisco de Vitoria, Comentarios a la “Secunda Secundae” de Santo Tomás, ed. Vicente


Beltran de Heredia (Salamanca: Biblioteca de Teólogos Españoles, 1932-35), tomo 3,
q. 62, De Restitutione, nona propositio, 75.
10. “Although natural reason signals what is good or evil for the rational nature, God,
as the creator and the lord of that same nature, gives orders to do or avoid things
according to the orders of natural reason. Everything that is done against the rightful
reason displeases God while it pleases him the opposite. The will of God is supremely
just. So, it displeases him what is evil, and it pleases him what is good. The divine
will cannot be irrational. Therefore, natural reason, which indicates what is essentially
good and evil for men, also shows, consequently, that good shall be done and evil shall
be avoided in accordance with the divine will”. Francisco Suárez, “De Legibus ac Deo
Legislatore,” in Corpus Hispanorum de Pace, ed. Luciano Pereña, vol. XIII (Madrid:
Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1962), 89.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 799

Therefore, if God cannot change natural law, Hugo Grotius future


statement on the persistence of natural law, even if God did not exist, did
not diverge much from what Vitoria and Suárez claimed after Aquinas.11

2. The dominium jurisdictionis vel auctoritas as jus or the law


common to all the peoples and communities

God-given natural freedom to everyone and the substantial unity of


the human species, grounded on a particular universality of rights and
duties, are the starting points of the doctrina communis of the Iberian
scholars.
From then on, it became relevant to equate the concept of ownership
(dominium), divided in dominium jurisdictionis vel auctoritas, related to
civil power, and dominium proprietatis.12
We will start with the domain of jurisdiction as civil power. In this
regard, the scholars of Salamanca, Coimbra and Évora based their theses
on the origins of people’s power in the clearest possible terms, considering
that civil power was constitutive (naturally) of all the communities or
republics founded by men in any place on earth. The Iberian scholars
framed this understanding of people’s power within the scholastic Jus
naturalism, conciliating it with the Pauline thesis of the divine origin

11. Grotius says: “Everything that has just been said would be valid either way even if
God did not exist, which would be a serious mistake, or in case God existed, He would
be disinterested in human things”. But then he argues: “But this law of the nature,
emanating from internal principles to men, can be attributed to God for He wanted
such internal principles to exist in us. Therefore, Chrysippus and the stoics thought
they should look for the origin of natural law in God and the Latin word jus which
means law and derives from Jupiter”. Hugo Grotius, De iure belli ac pacis, transl. M.
Pradier-Foder, Tome Premier (Paris: Librairie de Guillaumin et Cie., 1867), 13.
It should be noted that Grotius copied the sentence about the validity of natural law,
“even if God did not exist” from the XVI century philosopher, Gregorius of Rimini
(In Librum Secundum Sententiarum, dist. 34, q.1, art.2), without acknowledging the
author of this sentence. Grotius became, in this way, the father of the secularization
of natural law. On the contrary, Francisco Suárez extensively references Grotius in the
treaty De Legibus ac Deo Legislatore (Coimbra, 1612, II, VI, 9), which Grotius rightly
knew despite quoting Suárez 4 times only. In return, Francisco de Vitoria references
Gregorius of Rimini 60 times from whom he depends less in comparison to Suárez.
This difference is food for thought.
12. In the lecture De Dominio, delivered in Salamanca in 1535, Domingo de Soto will
mention this fundamental distinction: “To avoid moving into uncharted waters, we
understand ownership in two distinct ways: one as the right of ownership over things,
the other as jurisdiction”. Soto, “De Dominio,” 157.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
800 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

of power, where the Apostle states that “there is no power but of God”
(Rom 13,1).
From its intrinsic essence, civil power was not directly or indirectly
granted to the princes by God in the sense that they would receive it directly
and immediately from men assembled within the community. God is the
origin of civil power, while being the creator of the social nature of man,
for the one who gives the essence of a thing also directly and immedi-
ately gives what follows from it. Since the necessity of civil power follows
from the constitution and conservation of society, God is the origin of civil
power in the kingdoms and principalities of the earth.
As the author of the social nature of man, God is the efficient cause of
civil power, granting it to the whole of the community or, to put it in words
used at the time, to the totality of the Republic and not to a specific indi-
vidual or senate. By conceding civil power to men in the very act of consti-
tuting the community, God grants power “as a natural consequence of the
first impetus of His creation […] acting without the intervention of faith
and revelation in the sense that, through natural reason, we understand
this power as absolutely necessary to the Republic and its conservation”.13
In these terms, a republican and democratic principle was being formed as
long as we understand power as direct and immediately given by God to
the totality of the Republic and that, as such, it is naturally embedded in
the community.
In other words, and returning to Aquinas thought, all entities endowed
with an end in itself should possess the necessary faculties to make it
happen. And as the community was an entity whose end in itself was the
common good, it should also possess, in itself, the necessary faculties by
nature and directly granted by God.
Thus, Domingo de Soto proclaimed peremptorily in his Salamanca’s
lecture on ownership that “civil power is all over the Republic by the law
of nature”.14
Years before, in 1526, Francisco de Vitoria explained in Relectio de
Postestate Civile that civil power is legitimized by natural law and not
divine positive law, having underlined that God is the efficient cause of

13. Francisco Suárez, “Defesa da Fé Católica e Apostólica Contra os Erros da Seita


Anglicana”, transl. André Santos Campos, in A Escola Ibérica da Paz nas Universidades
de Coimbra e Évora (séculos XVI e XVII), ed. Pedro Calafate, vol. II (Coimbra: Almedina,
2015), 246.
14. Soto, “De Dominio,” 163.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 801

civil power as the creator of the social nature of human beings from which
follows the necessity of public powers.
For Vitoria, God is the “efficient cause” of civil power who direct
and immediately grants it to the constituted human communities. Hence,
one should conclude that “the material cause, on which this power is laid
by divine natural law, is the very Republic [est ipsa Republica], which is
responsible for governing and managing itself as well as guiding all of its
powers towards the common good”.15
In line with natural law, it was then essential to underline the
following:

There is no reason for civil power residing in certain men and not in
others. Consequently, the very community is self-sufficient as the sole
holder of such power.16

Here resides Vitoria’s principle of self-sufficiency in political commu-


nities that triggered his idea of a constitution for the universal community
of the peoples and their republics, increasingly enriched through political
institutions as guarantors of peace and ruled by the jus gentium, and
distinct from the universal empire.
Roughly twenty years after Vitoria’s Relectio, Martín de Azpilcueta,
known as Doctor Navarro, will intensively lecture on these doctrines at
Coimbra University having previously taught in Alcalá de Henares and
Salamanca.17 In Relectio c. Novit de Iudiciis (1548), Navarro proclaimed
before the Great Assembly of Coimbra University that royal power was
immediately created by God but not transferred or granted “immediately”
to the princes or senates. Hence, in Vitoria’s words, “kings are to be elected
or succeeded and, consequently, by means of something created before”18
as long as “no one denies that royal power existed before the kings in
men’s own community”.19 And in regard to the saying that kings “rule
for God”, a title always invoked by Christian monarchs to legitimise and
dignify the majesty of secular power, we should not see it as an apotheosis

15. Vitoria, “Relectio de Potestate Civili,” 25.


16. Ibid., 25.
17. “Azpilcueta always remembered how Alcata has educated him, Salamanca has made
him a man and Coimbra has excelled him.” Pereña, “Introducción” a Martín de
Azpilcueta, “Comentario Resolutorio de Cambios,” XVIII.
18. Azpilcueta, “Relectio c. Novit de Iudiciis,” 118.
19. Ibid., 118.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
802 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

of the absolute monarchy and the respective conceptions of divine law


where the Kings’ civil power has its “immediate” origin in God. On the
contrary, we should understand this in the precise sense that kings “rule
by power immediately created by Him but mediately received from Him”.20
As for the rest, Navarro established as a universal principle that “things
which are naturally bestowed, are entitled to those who receive them”.
Since God has granted power, immediately and naturally, to the totality of
the community or the Republic, the latter is entitled to this power even if
conceded to the kings. The community or the republic can then reclaim
this power in extreme situations as an act only, thereby retaining it as a
habit.
In the second half of the XVI century, throughout the seventies, we
will also see the Jesuit Luis de Molina teaching at Évora University that:
“by the simple fact of men having agreed upon constituting the body of
the Republic, the power of the totality of the Republic is born out of its
members”.21
To conclude, let us mention Suárez’s lectures in Coimbra in the year
of 1613 against the positive divine law doctrines of James I to whom we
have referred before, proclaiming the democratic principle as the basis for
civil power:

Democracy could exist without a positive institution and by institutional


and natural emanation only, with the refusal of one new and positive
institution only, for natural reason establishes that supreme political
power follows naturally from the perfect human community and, for
this reason, belongs to the community as a whole […] the perfect civil
community is free by natural law and is not subjected to any man outside
its limits, thus retaining in itself the democratic power, as long as it
remains the same.22

Suárez refers to democracy here not exclusively as one of the three


legitimate forms of government but as a natural and originary principle of
civil power, direct and immediately conceded by God in an act which was
not distinct from the creation of the very community.

20. Ibid., 119.


21. Luis de Molina, De Iustitia et Iure (Los seis libros de la Justicia y del Derecho). transl.
Manuel Fraga Iribarne. (Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, Biblioteca de
Clásicos Jusíricos, 1941), 380.
22. Suárez, “Defesa da Fé Católica e Apostólica Contra os Erros da Seita Anglicana,” 251.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 803

It is worth noting too that the peninsular masters not only speak of
civil power between Christians but also of civil power covering the whole
variety of the peoples of the world, since neither faith nor revelation
impose themselves as a necessary condition to define the nature of juris-
diction.

3. From natural law to the right of resistance or the ethical


groundwork of civil power

One of the most direct consequences of the theory of the popular


origin of power was the legitimation of the right of active resistance,
frequently invoked on the basis of the Augustinian tradition of unfair law
being no law at all. Actually, Saint Augustine says in the City of God that
“in my reasoning no law exists without being just” (Lib. 19,21). Aquinas
reframed this thesis by proclaiming that “no law is immoral but mere
injustice” (I, II, q. 96, 4, c). He further explains in the Secunda Secundae’s
42 question that “the turmoil of the tyranny has no reason for sedition
unless such turmoil is made so disorderly that the tyrannized multitude
suffers greater damages”. Aquinas then concludes that “the most seditious
one is the tyrant fomenting disputes and seditions within the enslaved
people to better rule with security” (II. II, q. 42).
In the Modern Age,23 these theses will be deeply studied to legitimise
the tyrant’s death. It should be underlined, beyond Francisco Suárez’s
Defensio Fidei Catholicae (1613), the Roberto Belarmino’s Tratactus de
Potestate Summi Pontificis (1610) and João de Mariana’s De Rege et Regis
Institutione (1605). Despite being the most known and cited authors, they
are far from being the only ones.
For instance, Francisco de Vitoria will address this problem in his
commentaries on the Prima Secundae of Aquina’s Summa Theologica,
more specifically on the question concerning the Law. He clarifies this
conception of the Law’s ethical bases therein. Vitoria affirms that the sover-
eignty of the princes is relative and never absolute since the sovereign is
a public figure who is ordained to the common good. Consequently, the
sovereign is a serf or a minister of the Republic. On these terms, Vitoria

23. In this respect, we should not disregard the doctrine of John of Salisbury when, in
Policraticus, chapter XV, he defends that “those who do not attempt on the tyrant, attempt
on themselves and on the whole body of the political community”. Juan de Salisbúria,
Policraticus, transl. Miguel Ángel Ladero (Madrid: Editora Nacional, 1984), 303.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
804 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

figured as “impossible a law that did not take into account the common
good for such law would not be a law. Unless the law is subdued to the
common good, there is no reason to obey it”.24
From the Portuguese side of the Iberian Peninsula and well before
Suárez and Mariana, Martín de Azpilcueta also had a relevant role in this
tradition of limiting the secular power in the name of objective principles
of justice, established by natural law, which resulted in the relativism of
the princes’ sovereignty.
In effect, Azpilcueta was very clear in this respect, drawing on the
distinction between habit and act, later used by Suárez, as well as on a
subtler distinction, inspired by Accursius, between transference and
concession of power.
Azpilcueta thought that the people did not transfer the power to the
kings right from the start but have only granted it later. By granting and
not transferring it, the people kept the power through habit, being able to
get it back as an act under extreme situations of necessity.
The concept of habit dates back to Aristotle’s Categories (cat., 15, 15b,
16-25). Aristotle uses the concept in a generic sense, meaning an internal
determination that can hardly be removable. Thus, the habit is under-
stood as a good or bad disposition by which a being is either well or badly
predisposed in relation to himself or to another thing, that is, in relation
to a certain end.
Aquinas later retook and enriched the concept of habit. For Aquinas
(Sum. Theol. 1-2 q. 49 al), the habit supposes a potency able to receive it
as “its possible act” in the very metaphysical structure of potency-act. In
other words, the habit is more than potency, assuming itself as a dispo-
sition already equipped with the necessary capacities to act. This is the
reason why the habit simultaneously engages with the nature of potency
and the act.
By keeping the power in habitu (first act) the people or the political
community can reclaim and exert it in actu under extreme circumstances
of clear injustice and tyranny, thus breaking the peace unfounded in
justice.25

24. Vitoria, Comentario al Tratado de la Ley, ed. Vicente Beltrán de Heredia (Madrid: Consejo
Superior de Investigaciones Científicas, Instituto Francisco de Vitoria, 1938), 6.
25. In an expressive text equating the theme of the primacy of justice over peace, the
priest António Vieira wrote: “Justice and peace hugged each other, and justice went
ahead first for the hugging. For justice does not depend on peace (as some take as
an explanation) but peace on justice. If justice makes war just […], the most-wanted

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 805

Within this framework, Azpilcueta investigates the right of resistance


by proclaiming that “no community can totally renounce the jurisdiction
granted by natural law to the point that it can never be recovered”,26 more
specifically, when its “own public defence” is put into question. While
conceding power to a prince or senate, the community keeps the power in
habitu. Consequently, “every time those who by election or other means
were granted the use of jurisdiction and did not care about the governance
of the peoples, the latter can make use of the jurisdiction”27 even if they
need to disturb the peace by raising the sword Christ has mentioned in
Mt 10,34. So, the war of the community or the war of the peoples against
the instituted powers could be conceived as a just war. This principle of
natural law could also be extended to the jus gentium if one conceives
war between human communities. Consequently, peace was inherently
an ethical question, being this the reason why the Coimbra professor,
Azpilcueta, argued that no peace was possible between evil human beings.
Neither was the peace of a “handful of scrooges” of any interest to society
and the community of people, a peace in which the blood of the poor is
“licked by the riches lips and praised to the skies”. Therefore, Azpilcueta
put forward the scholastic theses on the restrain of civil power by the
norms of natural law and the peoples.
A “supreme power” before the pope’s spiritual power, the power of the
kings, however, could not be seen as absolute. The temporal power of the
kings was limited by natural law, that is, by a “sovereign” and “objective”
conception of justice, refusing to cover the unrestrained voluntarism of
the prince as the promoters of juridical positivism would later defend with
their typical subservience to power.
Azpilcueta then says:

Kingdoms are superior to their kings, or better put it, they are superior
in those cases where kings have abused their granted power for the
destruction of their kingdoms or for an end contrary to those they were
made kings in the first place.28

peace, which we have been longing for so many years, will be finally born”. Padre
António Vieira, “Sermão ao Enterro dos Ossos dos Enforcados,” in Obra Completa do
Padre António Vieira, ed. José Eduardo Franco, Pedro Calafate, Tomo II, Volume XIV
(Lisboa: Círculo de Leitores, 2013), 89.
26. Azpilcueta, “Relectio c. Novit de Iudiciis,” 107.
27. Ibid., 108.
28. Ibid., 102.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
806 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

For, as Azpilcueta underlines once more, “the very royal power, by


natural law, belongs to the community and not to the king and this is the
reason why the community cannot totally renounce such power”.29
With only a few differences from the above authors, this is also the
basis of Suárez thought for whom unjust laws only by analogy can be
called laws. As Vitoria argued, Suárez mentions in his De Legibus ac Deo
Legislatore (Coimbra, 1612) that:

If we want to speak with absolute certainty, we can only refer to a law


which is the groundwork for righteousness and, consequently, a law
which is a righteous and honest norm […]. The unjust law cannot be a
measure of righteousness for human behaviour […] therefore, it cannot
be a law despite being named that way by analogy.30

Hence, Suárez will recall Azpilcueta’s postulation in regard to the


communitarian retention of power in habitu: “The people never transfer
power to the prince without keeping it in habitu so that it may use power
by recovering it in actu in certain cases”.31
But Suárez goes in-depth with this concept of resistance in the sense
that he also sees it as a right of the human person to be considered in his
totality established by natural law. Thus, this is about the natural law of
human communities or the people but also of the human person towards
dignity: a human natural law.
It is the case of the right of self-defence common to everyone when
their lives or bodily integrity is put into question. In these situations, the
subject can individually act against the life of the tyrant as an act of self-de-
fence, for the right to protect life is above everything else [quia ius tuendae
vitae est maximum].32 We should then conclude that it was the prince who
voluntarily and unfairly put himself in such a dangerous situation.
The above principle is hereby emphasized due to the right of resistance
having a major role in representing “the affirmation of the individual
consciousness as a subjective dimension of the reception of laws”.33 The
same law configures a universal natural law that we will be applied to the

29. Ibid., 102.


30. Suárez, “De Legibus ac Deo Legislatore,” 16.
31. Suárez, “Defesa da Fé Católica e Apostólica Contra os Erros da Seita Anglicana,” 261.
32. Ibid., 261.
33. António Pedro Barbas Homem, “Do Direito Natural aos Direitos do Homem,” in Direito
Natural e Direitos Humanos, ed. António Pedro Barbas Homem, Cláudio Brandão
(Coimbra: Almedina, 2015), 79.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 807

peoples of the New World, thus reaching beyond the limits of Europe: the
natural law of the Christian princes to resist foreign military aggression is
the same law of the Pagans.

4. The Origin of Property Ownership

So far, we have covered the origin and nature of civil power or juris-
diction as well as its limits set by natural law and the law of the nations
that frame the contingency of the prince’s authority. It is now important,
then, to dwell on the origin of the right of property ownership in the same
logic of universality that our Iberian authors cross natural law with the
law of the nations, despite this relationship not being covered by them in
the same way.34
In this respect, Vitoria´s and Soto’s lectures, delivered in Salamanca
in 1534-1535, were considered to be paradigmatic texts and were the usual
entry point for the commentaries of the masters of the Iberian School of
Peace. Nevertheless, the Latin manuscripts yet to be published of Fernando
Pérez and Pedro Simões on the Restitution were no less relevant than
Vitoria’s35 and Soto’s36 texts. It is also worth mentioning the new contri-
butions introduced by Suárez on the relationship between property and
labour that Locke37 will highly make use of at some point.

34. The law of the nations was constituted by principles derived, with more or less
necessity, from the exercise of human reason common to every human being.
Those were the general principles around which the habits of the peoples coincided
at least tendentially, if not in a total universal way. This form of positive law was
harmonised with natural law but was, nonetheless, distinct from it. A positive law
formulated through the always partial exercise of rationality of men and the peoples
in the circumstances of time and space that they had to confront with. Consequently,
this form of positive law was being continuously developed and perfected. It was a
form of positive law founded on the shared experience of the peoples around the
fundamental principles of peace and whose the tendential universality was founded on
the universality of natural law from which it came from and with whom it should be
harmonised. See the definition of Suárez: “In order to distinguish natural law from the
law of the nations, it is necessary to deduce the precepts of the latter not as an evident
consequence, but through less certain deductions […] so that they depend on moral
collusion and less from necessity”. Francisco Suárez, “De legibus ac Deo Legislatore,”
Vol. XIV, 110.
35. Fancisco de Vitoria, Comentarios a la “Secunda Secundae” de Santo Tomás, ed. Vicente
Beltran de Heredia (Salamanca: Biblioteca de Teólogos Españoles, 1932-35), tomo 3,
q. 62. De Restitutione.
36. Soto, “De Dominio,”.
37. Cf. Francisco Baciero Ruiz, “El concepto de derecho subjetivo y el derecho de

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
808 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

In any case, the point of departure was common to all of them, that
is, the natural ownership granted by God to the human species as a whole
over all things: a form of ownership rooted in natural law.
While trying to demonstrate that the indigenous peoples were in
public and private the truly owners of their belongings, Francisco de
Vitoria warned his students in Relectio de Indiis38 that he would not cover
the question of ownership or property ownership in itself, since he had
already done it very clearly in his commentary on the 62 question of the
Secunda Secundae of Aquinas Summa Theologica.
In this text, Vitoria refers to restitution as an act of commutative
justice and shows that restituting consists in returning to equality or to
a primitive state. Therefore, investigating restitution as an act of justice
would first require covering the subject of ownership since it would legit-
imise or deny restitution.
The scholars of the Iberian School of Peace frequently mention
property ownership as a right rooted in permissive natural law originally
established, in terms of manner, by the jus gentium.
In this respect, while referring to private property as the jus or the
right of the person, Francisco de Vitoria clarifies that the ownership of
things admits man’s natural freedom as its requirement, in the sense
that man is the lord of his acts as a rational creature. In this sense, the
ownership of his acts is the precondition for any other kind of ownership.
Therefore, ownership resides in human freedom for only beings endowed
with intelligence and free will are capable of ownership.
According to Vitoria, “theologians and legal scholars employ such
name [ownership] in the sense of power or right [potestate seu iure] over
something”.39 Consequently, property ownership is a jus, that is: “power or
faculty similar to appropriation of some things for its licit use according
to the laws and the rights reasonably established”. Or better put it: “the
proper right (jus proprium) to seize something for any use which is not
prohibited by law”.40
Vitoria starts from the scholastic thesis on the originary community
of goods and natural ownership over the territory granted by God to the
human species in common and in every individual.

propiedad privada en Suárez y Locke”, in Anuario Filosófico 45/2 (2012), 391-421.


38. Vitoria, “Relectio De Indis,” 14.
39. Vitoria, Comentarios a la “Secunda Secundae” de Santo Tomás, 66.
40. Ibid., 66.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 809

From natural ownership and the universal community of goods, as


a right of all men without exception, it became necessary to problematize
the division of things as originated in sin. While in a state of innocence,
the human condition could be free from the division of goods. Domingo de
Soto will clearly make this distinction between the state of innocence and
the fallen state of human nature in the Salamanca’s lectures on ownership:

In the state of innocence there was no reason for quarrels and each
person would wilfully do what is needed for the common good […]. Such
appropriation and division were immediately done after sin has been
committed. Attested: after sin there was a reason for division.41

This was also Vitoria’s stance on that same year and shared by most
of his disciples in Spain and Portugal.42
But it is here important to clarify an important thesis regarding the
universality of this particular jus since men managed to keep natural
ownership granted by God even after having sinned, thus leading to the
separation of two lines of reasoning: the one on natural law, ownership
and jurisdiction and the other on sin and faith.
This means that, even after having sinned, natural ownership
remained legitimate and active in all human beings. Or, in Vitoria’s words:

41. Soto, “De Dominio,” 137.


42. This is the case of the Jesuit Pedro Simões, in his Latin manuscript on Restitution:
“After these premises, we set our first proposition: in the state of corrupted nature,
that is, after the original sin of the first parents, once men were multiplied, it was
convenient to proceed to the division of things, in such a way that not everything
would be owned in common but certain ownership of things would concern certain
men. This can be proven by the proposition of Thomas, cited excerpt  – q.66, a. 2  –
Medina, Soto and others; and it can also be proven because if all things were common
to everyone, it followed the greatest distresses. And rightly noted by the cited authors.
Consequently, by dividing things, men can be better conserved in a peaceful state as
long as each one of them owns his thing and can find work there. I said ‘in the state of
corrupted nature’ for if men insisted on the state of innocence, the division of things
was unnecessary; on the contrary, it was more convenient the common ownership of
things (this is not clear on wives as it repulses to the natural light that these are held
in common, as Soto well notes). Pedro Simões, De Restitutione, ms. 6015 da Biblioteca
Nacional de Portugal, fol. 3r.
The Jesuit Fernando Pérez also says in his Latin manuscript, third dispute: “the initial
division of things was fair, but it happens being done through injustice, that is, by
the sin of the first parents, since the destroyed freedom by the original sin could not
be so easily contained in goodness unless things were divided.” Fernando Pérez, De
Restitutione, ms 3860 da Biblioteca Nacional de Portugal, disputatio III.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
810 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

“man kept being the lord of things after having sinned”.43 Subsequently,
the original sin would not prevent ownership as faith did not overrule
natural law and human law. We will see that this principle legitimates the
right of the peoples of the New World to own their goods thereby making
them the “true lords”.
So, either before or after the original sin, everyone possessed and
kept the authority to divide things if they were willing to. This division
should be materialized by human law and, in this case, by the law of the
nations and not by natural law or divine positive law. In other words,
natural law could order the need to divide things, by having in sight the
quarrels between men as a result of sin, but it could not order what each
person would be entitled to.44 For this reason, it was necessary to create a
law beyond natural law: the law of the nations.
There is a fundamental consequence from the above thesis: no one
is the owner of things neither by natural law nor divine positive law. In
this way, no one is the lord of the world by any of those laws in terms
of property ownership.45 Neither God nor natural law proceeded to the

43. Vitoria, Comentarios a la “Secunda Secundae” de Santo Tomás, 66.


44. “but if this is the case, as God created all things for everyone and man is the lord of all
things by natural right, in which way and by whom was the division of things done?
Here is the seventh proposition: the division of things did not happen by natural law.
This is evident because natural is the same and does not vary. Therefore, natural law
is the same even among us. Natural law does not know the difference between men,
for what one possesses for himself belongs to another by natural law. Although natural
law dictated the division of things, it could not dictate that this province was mine and
that one yours. Speaking in terms of natural law: this one is from Abel and that one
from Cain,”. Ibid, 75.
In Évora, Pedro Simões wrote in the same vein: “The division of things was not
introduced by natural or divine law but by the law of the nations [jus gentium].
Thus, Saint Thomas, Medina, Soto and other doctors in the chapter jus gentium, d.
1. However, it was this division of things highly in accordance with natural law that
allowed it to be licitly introduced as human law. In effect and taken into account all
the evils coming from the possession of the common things, the natural light dictated
the division of things. Although the same division of things does not stem from natural
law, it was still necessary to proceed that way. In this sense, even Medina concedes
that the division of things comes from nature’s law.” Pedro Simões, De Restitutione, ms
6015 da Biblioteca Nacional de Portugal, fol. 3r.
45. “From which follows the corollary: that no one in the whole world is a temporal lord
of all things neither by divine law nor natural law. This is evident, for if things were
eventually common, as everyone recognises, and no one was the owner of things, it
follows that things would be divided but not by God. Therefore, no one is a lord by
divine law nor natural law. Saul was the lord of Israel provinces because God gave them
to him as well as to David: but no one is the lord of all the earth”. Vitoria, “Comentários
a la ‘Secunda Secundae’ de Santo Tomás,” 75.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 811

division of things. Rather, this division was reached by the actual or virtual
agreement between men without opposing natural law.
It was commonly introduced a division in natural law to better
clarify this subject. On one hand, there was a focus on what natural law
prescribes or obliges to and, on the other, what natural law concedes or
allows to. Consequently, we can say that the universal community of goods
is inscribed in permissive, concessive and negative natural law and not
in positive and preceptive natural law. Natural law establishes the orig-
inary and universal community in concessive and permissive terms only.
However, it does not prescribe the community to remain motionless. On
the contrary, the community can be changed by the demands of reason and
by decision and agreement between men on the basis of the jus gentium.46

46. “Therefore, it was not necessary the repeal of natural law to divide things, as Duns
Scotus advances and against whom we argue. I say the division of things can be done
licitly by human authority without such repeal. – Objection: all things were common. –
I admit this, for, on the contrary, as all things were common, for that same reason, by
natural law, men could do these division and appropriation among each other as God
made man the truly lord of things; thus, men could have reached an agreement among
themselves to the extent they could say: you take control of this and you take control
of that while I keep the rest. And what hinders the division of things? Also, if man was
the lord of all things by natural law, he could do whatever he likes; for instance, if this
house is mine and yours by natural law, I could tell you: keep your part and I keep
mine. And, consequently, if men were the lords of all things, they could do whatever
they wanted to, divide and appropriate. Therefore, we admit that no precept existed by
which all things were common for only concession has existed so far. Thus, since men
as the true lords have power over all things by natural law, it follows that, by natural
law, they could divide the possessions and make whatever they wanted from them. So
[…] the division of things was done by human law.” Ibid., 62.
In the same way, Pedro Simões taught in Évora: “if we object: ‘by natural law, everything
is common, as we have in the chapter Jus naturale, d. 1, and as the doctors commonly
affirm; then, against natural law, the division of things could not have been introduced
by human law for natural law cannot be repealed by human law’. To this argument,
I reply that everything is common by natural law, yes, but negatively. The division of
things is not prescribed by natural law and, consequently, it was not by natural law
that things were divided and appropriated in favor of someone in particular (since it
was not its precept to divide things). Nevertheless, things are not positively divided as
if this was natural law’s precept after the original sin. Natural law neither determined
that everything was common nor prohibited the division of things if it appeared to be
convenient. It follows that natural law did not change itself, but the facts did.” Simões,
De Restitutione, fol. 3v.
Moreover, doctor Fernando Pérez was teaching in Évora that, “in schools, the majority
of the doctors affirm that all things are common in a negative sense, that is, they were
not divided by natural law but, once natural law made men the lords of things, as it can
be inferred from the Scriptures, men could do whatever they wanted from their things,
thereby dividing them; further on, it will be covered what hypothesis is most probable
under the subject of laws.” Pérez, De Restitutione, fols. 4v-5r.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
812 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

Therefore, the division of things could not be considered contrary to


natural law:

To conclude, the division of things did not require the revocation of


natural law because natural law does not prescribe it. Such thing was
never revoked but it was conceded that all things were common.47

And if this was a legal question, in what ways men were actually
allowed to divide things under concessive natural law?
Here, Vitoria sets several hypotheses for the division of things:
domestic authority coming from Adam and Noah; authority of the
prince elected by men; or by occupation as stated in the Bible. In the
case of Adam and Noah, both could have done the division by “their own
authority or agreement” with their sons. The second hypothesis was, as we
said before, the authority of the prince.48 The third one, the most relevant
hypothesis, was the actual occupation by means of an agreement and a
virtual consensus between men.49
In Soto’s case, he prefers giving more credibility to the third hypothesis
by highlighting that Adam’s authority fell short of delivering laws with
coercive power since his authority was domestic only.
Under these terms, not all men could have reunited in assembly to
reach an agreement, although Vitoria sees that, if such an assembly had
taken place, the majority could have dictated its will in dividing things over
an eventual minority that had preferred to keep ownership in common.
However, while not being plausible that men had reunited in a
universal assembly, the solution was to consider the agreement on the

47. Vitoria, Comentarios a la “Secunda Secundae” de Santo Tomás, 77.


48. “Second mode: the division and appropriation of things could be done because men
could choose their prince by everyone’s agreement; in effect, right from the start, there
were princes after the Deluge as it is clear in respect to Nimrod, Noah’s son and others.
I recognize, nonetheless, that things remain common for four hundred years; but
afterwards, by consensus of everyone, they could choose a prince who could divide
and appropriate their things.” Ibid., 77.
49. “Third mode: It could have been done by common agreement as Abraham and Lot
did in Gen. 13 (vv. 7-9) since their shepherds disputed the wells to give water to their
sheep and herds; and to prevent further litigation, Abraham did a pact with Lot so
that he could keep his part and Abraham himself could keep his one. He says to him:
if you occupy the right side, I will go and occupy the left one and vice-versa. Thus,
after having done this division, Lot did not have the right to occupy Abraham’s part.
And, in this way, the first men could have done the division founded on the common
agreement between everyone.” Ibid., 78.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 813

division of things as virtual,50 being unquestionable that men had the


authority to divide things on the basis of natural law. After all, they were
the natural owners of those things meaning that they could do whatever
they wanted with them. This is what Soto claims in his Salamanca’s
lectures on ownership:

Since all things are common in terms of ownership, it follows that the
division had to be done by mutual agreement between men.51

From then on, we see the emergence of the originary and natural
rights52 of property ownership. Two titles allowed the exchange of
ownership between men: through the owner’s will or through the authority
of the prince. However, there is an exception with the transitory ownership
of things in cases of extreme necessity within the frame of the right of
subsistence to safeguard the dignity of the human person. In this situation,
all things become common due to the highest value of the right to subsist
and to preserve life.53 The right to transitory ownership of necessary goods

50. “We could also affirm that the division could have been done by virtual and interpretative
agreement, each one occupying its place, leaving the other seats to other men. And,
probably, this is how it happened, not by precise and formal agreement, but through
a certain implicit consensus in such a way that some men started to farm some lands
and others started to farm other lands; and, by the use of things, some men remained
in the land they have occupied, and others remained in other lands, in such a way that
no one occupied the land of the other. And this happened not by formal agreement
but virtual one. For as soon as one knew about owned lands, one would avoid taking
those and would occupy other lands instead. And this agreement suffices the law of
the nations, for the law of the nations is, without a doubt, composed by the former.
Since men never contracted among themselves that the ambassadors were unviolated
and safe, as it presently happens, but expressed it via consensus, more by facts than
by words, they started to consider the ambassadors unviolated among themselves and
they kept this use. Thus, some ambassadors went to some provinces with priority, such
as, v.g., to Turkish provinces and others to Gallia. Therefore, the division of things was
done by similar consensus. And this is probably more truthful.” Ibid., 79.
51. Soto, “De Dominio,” 143.
52. Pedro Calafate, “The rights of indigenous peoples of Brazil: historical development
and constitutional acknowledgment,” in International Journal on Minority and Group
Rights, 25 (2018), 183-209.
53. Recalling the medieval doctrine on the concept of extreme necessity, Franscisco de
Vitoria says: “all things are common in times of extreme necessity for what can assist
to the extreme necessity of our neighbor is ours. Certainly, if this city was dying from
starvation and I knew there was a miser with many ducats, I could legally seize them,
because that money belongs to the poor; in those times, all things are common. This
is derived from natural law and men could not agree to establish laws so iniquitous
that, in case of extreme necessity, it was not legal to seize other’s wealth. Vitoria,

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
814 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

in order to preserve life remained as a natural human right even after


the establishment of the division of things and private property. It was a
right about the transitory use of things, even against the will of the owner,
which lasted for as long as it was necessary to preserve life.
Nevertheless, the key aspect to retain from this discussion is on
the aims of the division of things. Overall, the division of things had the
purpose of bringing peace and agreement between men and, in this sense,
it was the people’s right to have things divided. Such a division was a guar-
antee of peace between individuals and peoples (peoples and nations) with
total independence from faith, cultural differences and geographical and
racial boundaries.

5. The Critique of the Decretalist Tradition of Theocracy

By taking into account the democratic and republican ground of civil


power as well as the necessary (virtual) agreement between men for the
division of things, one used to conclude that no one could be the lord of
the world in terms of civil power and property ownership.
However, it was still necessary to limit the pope’s power to safeguard
natural freedom and legitimise the sovereignty of the New World’s peoples.
Jesuits, Dominicans and members of other religious orders from
the universities of Salamanca, Alcatá, Évora and Coimbra restricted the
pope’s power against an adverse background: the tradition of theocracy.
It was the case of the Bishop of Silves, a much-referred author by the
Iberian School scholars, and the Galician Álvaro Pais. Both defended the
thesis of the pope being the dominus orbis that holds the temporal and
spiritual authority that would be the basis of a colonial ethics of conquest
and subjugation of the American gentiles.
As the majority of the theocrats of the XVI and XV centuries, Álvaro
Pais had in his favour the most literal interpretation of Boniface VIII
papal bull named Unam Sanctam (1302), where the pope claimed that
temporal authority was in the hands of Peter since Christ demanded him
to sheathed the sword (Mt 26,52).
So, for Álvaro Pais:

Comentarios a la “Secunda Secundae” de Santo Tomás, 66.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 815

7
The pope has universal jurisdiction of the entire world, not only in
spiritual things, but also in temporal things […] for as much as there is
only one Christ, priest and king, lord of all things, there is also only one
general-vicar in His land and in everything […]. The pope is the vicar of
God not of a pure man […]; therefore, the earth and its plenitude belong
to the pope since Christ conceded all the rights of temporal and spiritual
powers to Saint Peter.54

The thesis that political power comes from God, through the figure of
the pope, framed the plenitude of the pope’s power. In this way, the power
of the emperor and of the secular princes was directly granted by the pope
and not by the people. This thesis was at odds with Vitoria, Suárez, Molina
and the other scholars of the Iberian School of Peace. The consequence
of this thesis was obvious: the Pagans were not legitimate lords of their
territories.
However, one of the key moments of these theocratic or hierocratic
conceptions was the work of Egidio Romano, De ecclesiastica sive de
summi pontificis potestate,55 written at the start of the XIV century. In this
work Romano argues that it was the spiritual power that had instituted
the temporal power, being this the reason why only the kingdoms that
recognize the pope as authority could be legitimate.
For Romano, true justice was the basis of political power existing
exclusively on the republic founded and governed by Christ. However,
things were under Christ´s government if they were under the pope’s
authority only, that is, the vicar of Christ. Therefore, the peoples who
did not recognise the authority of the pontiff were illegitimate propri-
etors of their goods and their kings were illegitimate sovereigns. Only
through baptism human beings could be entitled to legitimate ownership.
Therefore, infidels were illegitimate proprietors.
The above reasoning could not be more contrary to the Iberian
scholars who overtly antagonise the above conception on the basis of
an interpretation of Saint Paul’s first letter to Corinthians where the
Apostle claimed the lack of authority over those “who are without [God]”
(1Cor 5,12).

54. Álvaro Pais, De Status et Planctu Ecclesiae, transl. Miguel Pinto de Meneses, vol. I
(Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1983), 347.
55. Egídio Romano, Sobre o Poder Eclesiástico, transl. Luís De Boni (Petrópolis: Vozes,
1989).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
816 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

But before their claim on the absence of authority over the gentiles,
they negated the thesis of the plenitude of the pope’s two powers.
Let us take as an example the text of Martín de Azpilcueta (1548)
to which we already made reference to and which constitutes one of the
best and most complete works of the Iberian Renaissance about the rela-
tionship between the pope’s power and the civil power of the princes.
Azpilcueta’s thesis argued that Christ kept the totality of his spiritual
power and the temporal sword away from Peter – as it was the case with
the highest power to do miracles.56
Thus, he defends that the pope did not own the two swords, neither
he had the secular, supreme, medium or minimal powers in habit or in
act; moreover, the power of the seven Electors of the German emperor
could not have been granted by the pope since, due to the spiritual nature
of such power, he did not hold it; the transference of the empire of the
East to the West was not legitimised by the thesis of the pope’s plenitude
of authority in the spiritual and temporal spheres; the anointing of the
kings by the popes was not an act of transference of secular power but a
simple blessing that did not transmit royal power; Bonifacio’s VIII Unam
Sanctam, invoked by the defenders of the plenitude of pope’s power,
should have been interpreted, not in the sense of ownership of direct
temporal power by the Church, but only on the plane of indirect power
of the pope in temporal matters; the secular power, with the advent of
Christ and the foundation of the Church, did not pass to the hands of the
Church so that the jurisdiction and propriety of the Pagans and gentiles
could be considered illegitimate; and, in result of this, the Pagans could
not be deprived of their kings and goods or submitted to slavery, as such
war would be unjust.
Thus, we could only consider ecclesiastical power as a power “imme-
diately and supernaturally established by Christ to govern the faithful
according to the evangelical law on supernatural things and on natural
things”.57 However, in regard to natural things, ecclesiastical power could
only be exerted among the Christians.
In its turn, ecclesiastical power revealed several types: the power of
order (the power to consecrate and deliver the sacraments) and the power
of jurisdiction (the power to judge, correct and punish, ordain ministers
and ecclesiastical dignities, the apostleship and the preaching). This

56. Azpilcueta, “Relectio,” 85.


57. Ibid., 92.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 817

conceptualization of power confronted, then, the theses of Marsilius of


Padua on the absence of jurisdiction and coercion in the Church. Later
on, these same theses would be the target of Francisco Suárez critique on
“the errors of the Anglican sect”. Therefore, the spiritual authority of the
pope and his indirect power over the temporal things were exerted only
among the baptized, ceasing to reach, in Saint Paul’s words, those “who
are without [God]”.
In regard to the peoples outside the Christian universe, the pope
could only be entrusted with the jus praedicandi or the right to peacefully
preach the Gospels. However, a prerogative allowed the pope to request
the army of the Christian princes if this right was denied to him by force.

6. The legitimacy of the Indigenous Sovereignties: The Emperor is


not the Lord of the World

So far, we have seen how the Iberian scholars have launched the
basis for jurisdiction and grounded the primacy of justice on peace that
entailed the right of resistance. They have also established the originary
and universal right of the peoples and human beings to private property
of their goods and the rejection of the pope’s universal authority. So, the
next step of the scholars of the Iberian School of Peace was to frame these
doctrines in a world unknown by Europeans and Christians not that long
ago.
In terms of jurisdiction, the point was to defend the legitimacy of
the indigenous sovereignty, showing that the theoretical insights on the
grounding of civil power in nature and in the social nature of men were
valid for the entire humanity despite the cultural and religious differences.
By equating jurisdiction with the rational nature common to all
human beings, the legitimacy of the civil authority of the Christians over
the Pagans should be taken in the same ground of legitimacy of the civil
power of the Pagans over the Christians. Then, from the perspective of
natural law, the conversion to Christianity was dispensable for a prince
to rule even if, as Francisco Suárez claims, “he does not have a rightful
soul”58. Furthermore, Suárez replied to the counterargument founded on
the words of Saint Paul “Be ye not unequally yoked together with unbe-
lievers” (2 Cor 6,14) with the thesis that Saint Paul only wanted to say that

58. Suárez, “Defesa da Fé Católica e Apostólica contra os Erros da Seita Anglicana,” 271.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
818 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

“we should not take part on the actions of the infidels as infidels”,59 that is,
in regard to questions of faith.
For this reason, the distinction between the faithful and the infidels
did not suppress the right of the Pagan princes to govern their peoples
neither the right of the infidel princes to politically govern the Christians.
They only needed to be the proprietors of a legitimate title.
As Francisco de Vitoria put it:

The infidelity allows for true ownership […]. Faith retains natural law
and human law. Now, ownership is either from natural law or from
human law. So, the absence of faith keeps ownership […]. It is illicit
to dispossess the Saracens, the Jews and the rest of the infidels from
their goods by the simple fact of not being Christians; taking their goods
from them is theft or looting in the same terms as if we expropriated the
Christians.60

In the same way, the conversion of the Pagans to Christianity did not
nullify natural law or the human contract of power concession from the
Pagan community to its prince. Consequently, the Pagan princes retained
the legitimate civil power over their converted subjects. Christ was a King
and he took nothing from men.
Luis de Molina taught the same principle in Évora postulating that:

Grace and faith perfect nature without contradicting it. Thus, if men
were kings before becoming faithful to Christ […], in result of the power
conferred and owned by the Republic through natural law, it becomes
evident that, by receiving faith, men do not lose power and ownership
even if they will eventually submit to the pontiff when entering the
Church.61

Following Aquinas, we should add that, for the Jesuit of Évora, the
power of the Christian princes is closer to perfection than the other princes
for grace refines nature without contradiction. Thus, civil power, founded
on nature and natural law, was independent from faith and charity as
much as it was independent from an imperial juridical order.

59. Ibid., 282.


60. Vitoria, “Relectio de Indis,” 20.
61. Molina, De iustitia et iure. Los seis libros de la justícia y del Derecho, Tomo I, Livro I, 432.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 819

In this context, the power and authority of the emperor, the Roman-
German emperors, the kings of Hispania and Lusitania, were restrained
on the basis of the theses on the democratic origin of civil power.
In this way, none of the kings, princes or emperors had the right to
universal authority over men by invoking the divine, natural or human
law.
According to Francisco de Vitoria’s lecture in Salamanca, divine law
could not be invoked because in nowhere could be found that God had
given to someone such universal power; the same applies to natural law
since civil power emanated from the nature of the various communities
constituted on earth. And as far as human law is concerned, universal
authority could not be recalled since no one has ever conquered the world
through just war or has been democratically elected by the peoples on
earth.
Martín de Azpilcueta stressed the importance of these principles in
his Coimbra´s magisterium in a text worth of quoting in full:

The common opinion errs […] when it sees necessary to exist, by divine
law, only one secular sovereignty over the entire world in the same way
as it exists only one ecclesiastic sovereignty. Firstly, any divine law super-
naturally given or revealed cannot prove this is the case […]. Secondly,
any natural reason cannot conclude this either […] Equally, a wide-
spread opinion errs by seeing the emperor of the romans as the lord and
king of the world and earth just because the emperor Antoninus said: “I
am the lord of the world” […]. For it is not to presume that the emperor
Antoninus would lack sense to the extent that, with those words, he
meant that his conviction was that he was the lord of the entire world;
that, not even divided in half, the earth has ever been submitted to him
or any of his predecessors.
While it is true that if all the cities on earth and their sovereigns agreed
on electing one single sovereign, king or emperor of everyone, it would
only be sovereign, king or emperor the one chosen by the majority […]
because the power of kings and the power of free cities are the same in
nature and species.62

Therefore, for Azpilcueta, the imperial title was dependent on the


agreement between the peoples involved: first, an agreement on estab-
lishing the majority principle; secondly, the agreement on the decision
taken by that majority.

62. Azpilcueta, “Relectio c. novit de iudiciis,” 84.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
820 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

However, we are not facing an isolated position but a doctrina


communis (common doctrine) of these Iberian scholars despite the
question on the decision by majority or by the totality of the members
could suffer oscillations among them.
Domingo de Soto, whose representativity was equal or even higher
than Vitoria, also argued in the same way:

For a society to recognize a king or an emperor to transmit its authority,


it is necessary for its members to gather in assembly or that the majority
agreed on that election. Now, never in this world this has happened, not
even in one-tenth of it, if, with the eyes of reason, we go through all
the antipodes regions and respective nations […]. And as kings receive
authority from their kingdoms, there is no reason for all of them to
depend on one king only in the whole world […]. The most we can
say is that there is a truly happy and unbeatable emperor within the
Christians but saying that he is the lord of the world, neither reason nor
law allow this, for those who agreed on that were too short in numbers
in comparison with the greatness of the peoples of the world. Therefore,
against natural law, this little part of the world cannot impose an emperor
on the antipodes and other regions of the globe. And, regarding the figure
of the pope, while not being a temporal king under Christ’s disposition,
except in what is necessary for spiritual matters, in nowhere can be read
that he extended such an empire.63

Since this is a fundamental principle with universal value, it is worth


of insisting in this topic with the much relevant text of Ledesma taught in
Coimbra and published in his Secunda Quartae (1560):

It is easy to understand what the efficient cause of this power is [civil


or public] for we have shown how public power is founded on natural
law which recognizes God as the single creator. Thus, political power
comes from God, being a non-human creation and not being restrained
by any positive law […]. Someone could have doubts about the powers
by which are governed the republics of the infidels, namely, if between
Pagans there is princes and other legitimate magistrates […], as if pity
would block the legitimate principalities or power. […] To this I reply: we
should not doubt about legitimate princes and lords among the Pagans.
The Christian princes and the Church do not have legitimacy to deprive
them from their principalities and power, invoking the reason of being
infidels, except if some injustice has been done to them. […] Public

63. Domingo de Soto, De Iustitia et Iure Libri Decem, transl. Marcelino González Ordoñez
(Madrid: Instituto de Estúdios Políticos, 1969), 145.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 821

power is the faculty and authority or right to govern the civil republic.
And, as shown before […] the public powers exist because of God and,
consequently, they are just and legitimate.64

We still want to quote two more Iberian scholars rarely mentioned,


both established at Évora University: Fernando Pérez and Pedro Simões
whose Latin manuscripts on war were recently published.65
Fernando Pérez, who came to lecture in Évora by the year of 1559,
the same year of the inauguration of Évora University where he became
the Dean, taught the following to his students in 1575, while commenting
the 40 question of the Secunda Secundae of Aquina’s Summa Theologica:

The act of subjugating the Indians constitutes an illegitimate title of


ownership acquisition when, after being persuaded by the Spanish,
they claim being happy with subjecting themselves to the king of Spain:
it seems that they do so out of fear as a scared multitude seeing itself
surrounded by armed men, or ignorance of not knowing what they do and
perhaps not knowing what the Spanish want from them. Nevertheless, if
without ignorance or fear, the Indians choose a Christian prince, with the
agreement of the infidel prince (if they have it), then their choice is valid
and lawful. If the infidel prince disagrees with that choice, the election of
the Christian prince can only be valid if he is a tyrant and, in this case,
the republic can repudiate it.66

The text of Fernando Pérez is rich in its outcomes, as the previous


quoted texts from Azpilcueta, Vitoria and Soto, by aiming at establishing
the acquisition of Spanish jurisdiction over the Indians on the basis of
an agreement. On the other hand, the last part of Pérez text is based on
the concept of resistance against tyranny. As mentioned in the above
extract, this concept is valid for both Christian states and indigenous
political communities. This is what Vitoria explains, for instance, when
he announces the universal validity of this natural right as the grounding
principle of justice:

64. Martín de Ledesma, “Secunda Quartae,” in A Escola Ibérica da Paz nas Universidades
de Coimbra e Évora: Escritos sobre o Poder, a Justiça e a Escravatura, ed. Pedro Calafate,
volume II (Coimbra: Almedina, 2015), 202.
65. Pedro Calafate (ed.), A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora:
Sobre as matérias da Guerra e da Paz, vol. I (Coimbra: Almedina, 2015).
66. Fernando Pérez, “De Bello,” in A Escola Ibérica da Paz nas Universidadeas de Coimbra
e Évora: Sobre as Matérias da Guerra e da Paz, ed. Pedro Calafate, vol. I (Coimbra:
Almedina, 2015), 383.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
822 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

In principle, all peoples, indigenous and Spanish included, have the right
to self-defence by armed force from the unjust aggression of the infidels
or Christians in their own countries, and they have the right to wage
war to dissuade the aggressors threatening their integrity and national
security.67

The 1588 manuscript on war written by Pedro Simões, SJ, from the
Évora University circle, is also worth of mentioning here:

If the [Pagan prince] does not oppress the Christians nor governs the
republic in a tyrannical way but according to a natural end, he cannot be
deprived of his ownership by the simple fact of neither being Christian
nor managing the republic according to the spiritual good. Once proven
the fact that he is the legitimate lord, neither the pontiff nor the Church
have jurisdiction over him. […] If the barbarians – the prince as much as
his people – who freely understand the prudence and the humanity of the
Hispanics, that is, without fear, fraud and ignorance, decided to elect the
king of Spain or Lusitania as their prince and sovereign, such title would
be legitimate and according to natural law because every republic can
ordain any king it wants and grant its government to him.68

These were the consequences of the doctrine of the democratic and


“republican” grounding of power.

7. The refusal of the right of civilizational conquest

In any case, the absence of the Christian emperor’s authority over the
peoples of the world, parallel to the recognition of the right of self-deter-
mination of the peoples, cracked a powerful argument of conquest and
war between the states and the republics: the argument of civilizational
conquest.
In effect, the edification of peoples characterized by their rudeness
or uncultured manners was one of the arguments to legitimise what we
call today “colonization” and incorporate them in the Christian states or
republics. In these cases, there was the possibility of invoking the prin-
ciple of tutelage to which Francisco de Vitoria makes reference in the most

67. Vitoria, Relectio De Indis, 105.


68. Pedro Simões, “De Bello”, in A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra
e Évora: Sobre as Matérias da Guerra e da Paz, ed. Pedro Calafate, vol. I (Coimbra:
Almedina, 2015), 135.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 823

cautious and ambiguous way while other scholars from the Iberian school
deny it with more clarity.
The question was to know if, in the first place, a more civilized state
could conquer another one for being less civilized by arguing on moral
terms, thus opposing or preventing crimes against nature. Secondly, it
was important to know if there were barbarian peoples so uncultured and
close to bestiality that would make sense to revive Aristotle’s notion of
natural slavery.
Francisco de Vitoria addresses this topic in the most cautious way,
being this the reason why he has been so badly understood. He starts
by saying that he left the analysis of this question to the end of the final
chapter of De Indis where he deals with the legitimate titles of American
occupation as the question is hard to resolve in a clear-cut way: “There is
one other title that cannot be sustained with certainty, but it can be the
object of a dispute, as it looks legitimate to some. About this title, I neither
affirm nor condemn with absolute certainty”.69
And Vitoria joins the dispute: he presents the argument of the
supporters of those titles and he refers that, if the Indians were truly irra-
tional, “it could be said that [“posset ergo quis dicere”], for their benefit,
they could be managed by the Spanish kings”, as long as “it can be verified
how convenient it is for their own well-being”.70 In other words, if the
Spanish management of the Indians could be justified, then it had to be
restricted to a certain period.
Reinforcing his caution, Vitoria highlights that, what he says about
the American Indians, lies in the appearance and fragility of the conclu-
sions: “Et confirmatur hoc apprenter”.71 If they were irrational, “as some say
they are”, they could be temporally put under the management of someone,
but just for their own benefit and well-being in light of the charity precept.
Vitoria was a catholic and, as such, he makes use of the key concept
of his work: charity, understood as a precept rather than advice.
This might be the reason why, in the same university, his disciple and
successor Melchor Cano will get back to the subject in a clearer way:

The barbarians cannot be oppressed by force with the argument of such


oppression being directed to their benefit even if some jurists sustain
this with futile arguments. In effect, searching for the usefulness of the

69. Vitoria, “Relectio De Indis,” 97.


70. Ibid., 97.
71. Ibid., 97.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
824 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

others is part of charity and not of justice […] but charity does not have
coercive force, as it is evident with the alms or fraternal correction […].
With the argument of utility, we could intervene by force only if they
were oppressed by tyranny and called us to intervene; not in any other
circumstance.72

In the meantime, the discussion evolved, as in Fernando Pérez’s


lectures where he rightly says that Vitoria nothing claims in absolute
terms but “sets the challenge” or raises the problem to discussion as it was
common practice with scholars:

Francisco de Vitoria sets the challenge to know if it is legal to subject the


Indians who live without sovereigns and political communities, in the
same way as wild animals, as it can be found in some territories where
Africans, indigenous peoples from Brazil and others live. However, being
barbarians in excess is not enough to make licit their subjugation and
wage war against them. If they have not committed any injustice against
us, there is no reason for attacking them or, through force and fear, oblige
them to be subjects of a Christian prince. While they could benefit from
their subjection, ‘let us do evil, that good may come?’ Rom 3,8.73

In Évora University, a few years after Pérez, the lecture of Luis de


Molina will be no less emphatic than the one above:

There is no point in discussing the justice of waging war to submit a


nation for being barbarian or uncivilized and, consequently, more prone
to be govern by others and educated in good manners than by itself.
This is the case even when there is no lack of authors who claim this
being enough of a reason to enslave all the Brazilian and the rest of the
inhabitants of the New World as well as the Africans. Moreover, all their
good would go to their masters’ hands while they would be deprived of
their lands. As I mentioned before, in any case we face a viable reason to
legitimise slavery.74

In a similar vein, the Iberian scholars judged and denied the the
authority of the Christian princes to punish crimes against nature
committed by other peoples. Inasmuch as the kings of Castile had to leave

72. Cano, “De Dominium Indorum,” 561.


73. Pérez, “De Bello,” 383.
74. Molina, De Iustitia et Iure. Los seis libros de la Justícia y del Derecho, Tomo I, livro III, 195.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 825

unpunished crimes against nature in France, they had to proceed the same
way in America.75
There was, however, a relevant exception here: the death of innocents.
In this case, many of these scholars defended that the death of inno-
cents was unacceptable and should be prevented in the context of estab-
lished habits (death of innocents to be eaten by humans) and as result of
the princes’ authority (human sacrifice to idols). The death of innocents
should be denied, by war if necessary, since it represented an “injury to the
human species”, that is, a crime against the Humanity.
In this light, any Christian or gentile people committed an unbearable
aggression against us or against the whole humanity if it violated the
right to live or the bodily integrity of innocent people even if they did
not directly target their people or lands. Independently of who they were
and what sovereign they had, any people who attacked innocent peoples
would not have a sovereign but a tyrant who could be dismissed from his
authority in light of the right of active resistance.
In these cases, the blood of the innocents was a universal scream for
help who should be listened to and prevented through war in the name
of human dignity, if no more alternatives were existent. Innocents’ death
should be avoided with the legitimacy conferred by the universal authority
of the globe, Vitoria’s totus orbis, inhered from the Ciceronian tradition,
turning every single human a subject of the law of the nations, seed of the
international law.76

75. In this respect, Melchor Cano, master of Salamanca and Victoria’s disciple, says: “If
[the Spanish King] cannot wage war against the Gauls in case they do not hold to
natural law, he cannot wage war against the barbarians either as these sin less than
the others. There would not be more apt way for war and tumults than this one”. Cano,
“De Dominio Indorum,” 563.
76. Declaring the principle of the universal community, Vitoria says: “The whole globe not
only strengthens itself through the pact or agreement between men but also through
the force of law. In effect, the whole globe, which constitutes one sole commonwealth,
has the power to promulgate laws that are just and convenient to everyone as laws of
the law of the nations.” Vitoria, “Relectio de Potestate Civili,” 63.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
826 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

According to the masters of the Iberian School of Peace (with the


exceptions of Las Casas77 and Alonzo de la Vera Cruz78), this was the only
crime against natural law that should be punished by Christians through
war in the New World or in any other place on earth. The practices of
sacrificing human beings to idols or cannibalism offended the human
species as a whole and, as such, the Christians had the duty to stop them.
However, they should be careful in highlighting the victory obtained in
this kind of war as it did not granted the right to occupy the territories of
these peoples, enslaving them and seizing their goods.
On the other hand, the notion of proportionality of the means
deployed should be respected to the extent where it is not acceptable to
wage war to bring further damage. The lesser evil approach should be
taken in this case.
There was not, in the international sphere, a plenitude without limits
to the sovereignty of emergent states and the politically organized commu-
nities. Thus, natural law and human dignity excelled over sovereignty.
The international juridical order did not exclusively proceed from the
states being freed from their laws. As Martín de Ledesma argued in 1560,
if war was convenient for a state but detrimental to the humanity, it would
be clearly unjust.79 Therefore, the professor of Coimbra considered the
limits of the state from the humanity perspective rather than the humanity
from the state perspective.
In this way, these bases established the principle of international
guarantee of protection of natural rights and human dignity. This prin-
ciple postulated an unmovable ethical minimum that could justified the
right to humanitarian intervention through war as a last resource after
warnings have been given. For the human being gained a supranational
statute as the cornerstone of the international community.

77. Las Casas not only considered the number of human sacrifices extremely scarce
among the Indians (historically untrue) but he also accepted the legitimacy principle
of the communities to sacrifice human lives to gods they believed being true. Las Casas
momentarily supported his argument on the Old Testament where manifestations such
as these seem to be legitimated. Moreover, as the Indians sincerely believed (wrongly
though) in their gods as the true ones, Las Casas understood the need to respect their
convictions while it would not be possible to show them the error of their idolatry
through persuasion and not war.
78. On Alonzo de la Vera Cruz see, on the issue of the Revista Portuguesa de Filosofia, the
study of Prof. Ambrosio Velasco Gomez, which is entirely dedicated to um.
79. Ledesma, “Secunda Quartae,” 199.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 827

Above the authority were the universal principles of law, the recta
ratio, the Reason of the Humanity, the objective and sovereign conception
of justice. So, even if the Indians agreed on the practices against these prin-
ciples, the Hispanics could not allow them to happen, for they configured
an attack to the human species, given its substantial unity and a break of
one of the basic principles of peace.
In this sense and following the theses of Francisco de Vitoria,
Fernando Pérez taught in Évora:

It is against natural law to kill innocents, either indigenous or foreigners,


to eat them or sacrifice them to the idols. Wherefore the barbarians have
no right to hand themselves to death. Secondly, they practice a serious
injustice in their condition of highly unjust [Vº] offenders of the human
species. So, they should be defeated by us who belong to the human
species.80

In this way, the necessary authority of the world was established and
fortified on the basis of the universality of human reason and its respective
habits, where a prince could invoke the Reason of the Humanity to
intervene in a foreign state to prevent offenses against the human species.
Moreover, natural law prevailed over the relativist argument of the victims’
consensus and the habits of the peoples.
The same principle was applied to the accusation of soldiers in war
times, as the argument of doing one’s duty could not be evoked to justify
harmful acts against the dignity of the human person and the Reason
of Humanity, thereby anticipating the principle IV of the Statute of the
Nuremberg Court.
This was the case, among many others, of António de São Domingos
who taught in the University of Coimbra around 1560:

All soldiers, either subjects or non-subjects, need to repeal, with their


king, a clearly unjust war. And this can be proven by clearly seeing they
cannot go to war; therefore, if they go to war, they will go against their
conscience and, consequently, they commit a deadly sin. In the second
place, it is proven why these ones, given the opportunity, want to kill
innocents; therefore, these ones sin in an extreme way. And this was the
cause why the Theban Legion did not want to fight […]. Third propo-
sition: while it is not clearly certain that war is unjust, there still exists
notorious evidence for this – not even in this case can soldiers follow their

80. Pérez, “De Bello,” 377.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
828 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

king. It can also be proven, then, why they act against their conscience
[…]. In the second place, it is here argued that crass ignorance cannot
clear someone from committing sin. Now, those soldiers dwell on this
ignorance; therefore, they are not forgiven. while this evidence endures,
the least can be proven for they are not obliged to inform themselves
about the justice of war.81

In texts no less empathic than the previous one, Fernando Pérez took
a similar position in Évora, affirming the primacy of the internal order
of the individual conscience on following orders to kill innocent human
beings.

8. The pope is not the lord of the world and does not have the
authority over the gentiles

We saw above the denial of the plenitude of the pope’s power. We


will now see the direct consequence of not recognizing the temporal and
spiritual authority of the pope over the peoples of the New World and the
non-baptized peoples of other territories never owned by the Christians.
Inasmuch as the emperor could not be the lord of the world, the pope
could not be its lord either since he could not donate the territories of
other peoples to the Christians kings and princes.
Thus, the majority of the Iberian scholars defended the doctrine of
the pope’s spiritual power over Christians only and indirect power over the
temporal things as a means to the spiritual end among Christians as well
as the temporal authority over lands and goods belonging to the holy see.
Vitoria taught in Salamanca that “the pope does not have spiritual
authority over the infidels as Saint Paul’s words attest (1 Cor. 5, 12-13):
“For what have I to do to judge them also that are without?”82 Domingo de
Soto taught in the same University that:

Although we could see ourselves as the judges of the world, we should


not punish the infidels for their sins but preach mercy to them and for
all of them; however, never such a power will be given to us for it would
not make sense power that cannot exert itself […] and Saint Augustine

81. António de São Domingos, “De Bello,” in A Escola ibérica da Paz nas Universidades de
Coimbra e Évora, ed. Pedro Calafate, vol. I (Coimbra, Almedina, 2015), 262.
82. Vitoria, “Relectio De Indis,” 51.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 829

quotes the text of Saint Paul in favour of this opinion, already exposed by
us, For what have I to do to judge them also that are without?83

Luis de Molina also advances:

The pope has no more authority over the temporal than the spiritual
things, so, he does not have spiritual authority over the infidels. As Saint
Paul said, For what have I to do to judge them also that are without?84

In Coimbra, António de São Domingos argues in the same way:

Not only guilt but also jurisdiction is required to punish someone. Now,
neither the pope nor the Christian prince has jurisdiction over the infidels;
thus, it is neither illicit to the former to punish the latter nor to wage war
against them. The smallest evidence can be proven with 1 Cor 5. 12: For
what have I to do to judge them also that are without?, Therefore, it is not
licit to us to judge those peoples […]. Thus, Saint Paul does not prohibit
us from punishing and judging the bad Christians, but, in regard to the
infidels, he sees it as a pointless subject; therefore, while someone can be
an idolatrous person, it is not up to the Christian to judge him.85

These are examples of a shared doctrine which have the aim to found
natural law and the law of the nations to all the peoples, safeguarding
their sovereignties and their freedom.
The best the pope could do was exerting his right or duty to preach in
all nations and make the voice of Christ being listened to.
According to Vitoria and many thinkers of this school, the pope could
make a call to arms to the Christian princes whenever the gentiles deny the
practice of the jus praedicandi. Nevertheless, this title, which legitimized
the use of force against an illegitimate force preventing a universal right
of the Church, should be employed with as many restrictions as possible.
The argument consisted in seeing the Spanish as having gone far
beyond what the law and the morals allowed them to. On the other hand,
there was a need to separate what was licit from what was convenient.
Although this title could be licit, it seems reasonable to conclude that, in
most of the cases, it was inconvenient due to scandal. Thirdly, the most
radical position on the jus praedicandi, such as the one taken in Coimbra by

83. Soto, “De Dominio,” 245.


84. Molina, De iustitia et iure. Los seis libros de la Justícia y del Derecho, Tomo I, Livro I, 435.
85. António de São Domingos, “De Bello,” 245.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
830 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

António de São Domingos in his manuscript on war, consisted in refusing


the legitimate use of force in all circumstances as the jus praedicandi was a
supernatural right rather than a natural one. It is worth reading Domingos
text where he distances himself from Vitoria:

People say that the barbarians embarrass the preachers of the Gospel
by forbidding them to preach among themselves being this a just cause
to wage war against the barbarians as we can, in this way, oblige them
to allow the Gospel to be freely preached. Vitoria and others defend this
opinion […]. However, this reason does not seem sufficiently just, […] as
we cannot prove to them that Christ could concede this right.86

From another point of view, the pope was powerless to punish the
offenses to God or the sins of idolatry as God only gave to men the right
to military punish the offences committed against them. Nevertheless, this
was not the case of offences against Him as a result of his Omnipotence.
Thus, the offences to God were an illegitimate title of war among the
peoples.
For this reason, the Church could only subtract the converted
gentiles from the authority of their princes in case these put the salvation
of their souls in clear danger. Hence, the authority of the Church aimed
at conserving and defending the faith and, if necessary, it could even
nominate an emperor for those territories but only within the limits of the
mission mentioned above. As Bartolomé de Las Casas put it:

In this second case, law or precept [he refers to the defence and conser-
vation of the faith among the faithful subjects of the Church], the cause
was more than respectable and necessary whereby the Holy See could
justly and providentially concede the supreme and universal principality
of that globe to a catholic king.87

Following the right of the Church in nominating an emperor for


those particular lands, and applying the restrictions mentioned before,
Juan de la Peña,88 professor of Salamanca and member of the so-called

86. Ibid., 259.


87. Bartolomé de Las Casas, “Controversia Las Casas-Sepúlveda,” in Obra Indigenista, ed.
José Alcino Franch (Madrid: Alianza Editorial, 1985), 263.
88. Pedro Calafate e Ramón Gutiérrez, Escuela Ibérica de la Paz. La Conciencia Crítica de
la Conquista y Colonización de América (Santander: Editorial Universidad Cantabria,
2014), 218-223.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 831

second generation of the School of Salamanca, will list the various powers
of the pope in the indigenous territories in America:

1. The pope has the authority to preach the Gospel to all living creatures
and also the authority to coerce those who prevent the preaching and
offend the life of the preachers.
2. The pope could allow Spanish expeditions only to the West Indies with
the aim of preaching the Gospel without any other prince being allowed
to do that without the consent of the Spanish king. The same terms apply
to the Portuguese king who could send expeditions to the East Indians.
3. The pope could grant legitimacy to the authority of the Spanish king over
the infidels who freely acknowledge him as the king.
4. The pope conceded to the kings of Spain and Portugal that, if during
the preaching of the Gospel some cause for just war occur and the king
of Spain or Portugal are victorious, only them can be the lords of the
surrendered and defeated land.
5. He has also conceded that the kings of Portugal and Spain receive, under
their guardianship, the converted Indians in order to protect them from
other Christian princes and, if necessary, to free them from slavery and
tyranny of the Pagan princes.
6. Finally, Juan de La Peña says:

Following what the bishop of Chiapas, Bartolomé de Las Casas, said,


since the pope created one sole emperor in our Christian Europe, Asia
and Africa, which is above the Christian princes and is an unique defender
of the Church in God’s matters, the pope could also grant to the Spanish
kings the right of empire-building and the supreme authority over the
Christian and Pagan princes in the New World of the Western Indians.89

The sixth form of power corresponds to what we have already


quoted by de Las Casas. However, the fifth form of power which grants
the imperial power to Spanish kings over the converted Indians, does not
mean that their conversion implies loss of sovereignty or already existent
political bonds. Rather, only when the salvation of the faithful souls are
at risk could the kings of Portugal and Spain unbound them from the
tyranny of their tribal chiefs. For the rest, such empire only concerned
the defence of the Church, that is, of the converted, of “what matters to

89. Juan de La Peña, “De Bello Contra Insulanos,” Corpus Hispanorum de Pace, ed. Luciano
Pereña, vol. IX (Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1982), 199.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
832 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

God”. In other words, the empire was about defending and safeguarding
the faith among the baptized over whom the pope had spiritual power
and indirect power over the temporal things in regard to the spiritual aim
among the Christians.

9. Conclusion: from the Empire to the Universal Community

Therefore, the obstruction to the commerce and the jus communi-


cationis, the crimes against the human species and the obstruction to
the jus praedicandi through force remained legitimate titles of war. As we
have seen before, however, some of these titles were far from being unani-
mously accepted by all the scholars of the Iberian School of Peace.
Highly emphasized by Vitoria, the jus communicationis was a form
of natural law common to all men and peoples even after the republics
and the human communities having been constituted. In this light, it
is important to recall how this type of jus configurated a true cosmo-
politan law where the right of travelling and being welcomed was made
permanent. Vitoria highlighted how the French living in Spain had the
same right as the Spanish living in America or France. For the human
space was homogeneous and was characterized by the equity of mutual
relations rather than colonial relations. The only limit to this was in cases
of harm to the natives or host communities.
Thus, this was a natural law constitutive of the very foundation of
the universal community of the peoples composed by autonomous and
“self-sufficient” political communities ruled under the law of the nations.
After all, the auctoritas totius orbis was rooted in the law of the nations,
on which dynamic and constructive relations between peoples should be
developed through one the major ways of affirmation and enrichment: the
jus commercii.
The universal right for men establishing commercial relations in
the whole world, as a result of the right of communication, does not
configured an economic activity of theft. It was a commerce ruled by the
rightful reason, implying absence of fraud. As proposed by Francisco de
Vitoria, the commerce was “sine detriment civium”,90 that is, “without loss
for the citizens”.

90. Vitoria, “Relectio De Indis,” 81.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 833

Overall, these were the bases for the universal community as envisaged
by Francisco de Vitoria and developed later in depth by Francisco Suárez
in Coimbra.91 In this universal community, the authority will neither stem
from an emperor nor the pope but from the law of the nations, growingly
complexified and enriched with institutions erected through a constructive
dynamism.
Applying this doctrinal scheme to the American world, Francisco de
Vitoria gives a highly relevant answer:

I answer in the first place that commerce had no reason to stop […],
for the Portuguese also sustain an intense commerce with similar and
unconquered nations [“quae non subjecerunt”] and they gain plenty of
gains from it.92

In other words, in case of retreat from America, it was still possible,


in theory, to keep the fair trade “and the revenues of the Spanish crown
would not be low as taxes would be charged to the Spanish merchants”.93
Thus, the Portuguese could be seen as an example when they adopted
circulation policies at that time rather than settlement and occupation in
large scale throughout the coasts of Africa and the East.
However, Vitoria notes one inconvenience of the possible retreat
from America: after having been converted many thousands of Indians to
Christianism, it would be inconvenient and illicit to completely abandon
the management and the government of these territories, leaving an
emptiness with predictable consequences.
The sudden retreat would probably end in an unacceptable massacre
or radical disorder. The safeguarding of those who trusted and converted
to Christianity was indispensable in light of the norms of the law of the
nations, emanating from the habits of the civilized nations, the laws of the
humanity and the principles of public consciousness.
Nevertheless, the most valid principle for the universal community
was the jus communicationis and its respective trade, along with the free
and peaceful preaching of the Gospel and the protection of those who
wanted to embrace it by freely converting themselves to Christianity. The

91. Pedro Calafate, “A Ideia de Comunidade Universal em Francisco Suárez” in Antiguos


Jesuítas en Iberoamérica, vol. 5, nº2 (2017), 48-65.
92. Vitoria, Relectio De Indis, 99.
93. Ibid., 99.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
834 Pedro Calafate | Ricardo Ventura

new converts would be under the protection of the pope and the temporal
authority of an emperor “on God’s matters”.

References

António de São Domingos, De Restitutione. Ms. 427 do Arquivo Distrital de Braga.


Azpilcueta, Martín de. “Relectio c. Novit de Iudiciis,” In A Escola Ibérica da Paz nas Universidades
de Coimbra e Évora (Séculos XVI e XVII): Escritos sobre o Poder, a Justiça e a Escravatura,
ed. Pedro Calafate, 23-191. Coimbra: Almedina, 2015.
Barbas Homem, António Pedro. “Do Direito Natural aos Direitos do Homem.” In Direito Natural e
Direitos Humanos, ed. António Pedro Barbas Homem e Cláudio Brandão, 73-105. Coimbra:
Almedina, 2015.
Barea, María Elvira Roca. Imperiofobia y Leyenda Negra. Madrid: Siruela, 2016.
Calafate, Pedro. A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora (século XVI): Sobre
as Matérias da Guerra e da Paz. Coimbra: Almedina, 2015.
Calafate, Pedro. A Escola ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora (séculos XVI e XVII):
Escritos sobre o Poder, a Justiça e a Escravatura. Coimbra: Almedina, 2015.
Calafate, Pedro. “A Ideia de Comunidade Universal em Francisco Suárez.” Antiguos Jesuítas en
Iberoamérica vol. 5, nº2 (2017): 48-65.
Calafate, Pedro. “O Projeto de Paz Universal no Padre António Vieira.” Revista de Hispanismo
Filosófico-História del Pensamiento Iberoamericano, nº. 22 (2017): 53-72.
Calafate, Pedro. “The rights of indigenous peoples of Brazil: historical development and
constitutional acknowledgment.” International Journal on Minority and Group Rights 25
(2018): 183-209.
Calafate, Pedro. “Schiavitù Naturale e Schiavitù Legale nella Escuela Ibérica de la Paz (XVI e XVII
secolo).” In Schiavitù del Corpo e Schiavitù dell’Anima. Chiesa, Potere Politico e Schiavitù tra
Atlantico e Mediterraneo, ed. Emanuele Colombo, Marino Massimi, Alberto Rocca e Carlos
Zéron (Milano: Academia Ambrosiana, 2018) 53-72.
Calafate, Pedro e Ramon Gutiérrez. Escuela Ibérica de la Paz. La Conciencia Crítica de la Conquista
y Colonización de América. Santander: Editorial Universidad Cantabria, 2014.
Cano, Melchor. “De Dominio Indorum.” In Corpus Hispanorum de Pace, ed. Luciano Pereña, vol.
IX. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1982.
De La Peña, Juan. “De Bello Contra Insulanos.” In Corpus Hispanorum de Pace, ed. Luciano
Pereña, vol. IX. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1982.
Freitas, Serafim de. Do Justo Império Asiático dos Portugueses. Transl. Miguel Pinto de Meneses.
Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1983.
Las Casas, Bartolomé de. “Controversia Las Casas-Sepúlveda.” In Obra Indigenista, ed. José Alcino
Franch, 163-280. Madrid: Alianza Editorial, 1985.
Ledesma, Martín de. “Secunda Quartae”. In A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra
e Évora: Escritos sobre o Poder, a Justiça e a Escravatura (Séculos XVI e XVII), ed. Pedro
Calafate, 197-202. Coimbra: Almedina, 2015.
Molina, Luis de. De iustitia et iure. Los seis libros de la Justicia y del Dereccho. Teadução de manuel
Ftaga Iribarne. Madrid: Facultad de Derecho de Madrid, 1943.
Pais, Álvaro. De Status et Planctu Ecclesiae. Transl. Miguel Pinto de Meneses, vol. I. Lisboa:
Instituto Nacional de Investigação Científica, 1983.
Pereña, Luciano. “Introducción” a Martín de Azpilcueta, “Comentario Resolutorio de Cambios”.
In Corpus Hispanorum de Pace, ed. Luciano Pereña, vol. IV, I-XXVIII. Madrid: Consejo

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
The Iberian School of Peace: Natural Law and Human Dignity 835

Superior de Investigaciones Científicas, 1965.


Pereña, Luciano. La Idea de Justicia en la Conquista de América. Madrid: Mapfre, 1992.
Pérez, Fernando. De Restitutione. Ms. 3860 da Biblioteca nacional de Portugal.
Romano, Egídio. Sobre o Poder Eclesiástico. Transl. L. A. De Boni. Petrópolis: Vozes, 1989.
Simões, Pedro. De Restitutione. Ms. 6015 da Biblioteca Nacional de Portugal.
Soto, Domingo de. “De Dominio.” In Relectiones Y Opusculos, ed. Jaime Brufau Prats, 79-191.
Salamanca: Editorial San Esteban, 1995.
Soto, Domingo de. De Iustitia et Iure Libri Decem. Transl. P. Marcelino González Ordoñez. Madrid:
Instituto de Estúdios Políticos, 1969.
Suárez, Francisco. “De Legibus ac Deo Legislatore,” In Corpus Hispanorum de Pace, ed. Luciano
Pereña, vol. XIII, Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1974.
Suárez, Francisco. “Defesa da Fé Católica e Apostólica Contra os Erros da Seita Anglicana”.
Transl. André Santos Campos. In A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra
e Évora (séculos XVI e XVII): Escritos sobre o Poder, a Justiça e a Escravatura, ed. Pedro
Calafate, 243-303. Coimbra: Almedina, 2015.
Vitoria, Francisco de. “Relectio De Indis.” In Corpus Hispanorum de Pace, vol. V, direção de
Luciano Pereña, vol. V. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1967.
Vitoria, Francisco de. “Relectio de Potestate Civili.” In Corpus Hispanorum de Pace, ed. Jesús
Cordero Pando, 2 série, vol. 15. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas,
2008.
Vitoria, Francisco de, Comentario al Tratado de la Ley. Transl., ed. Vicente Beltran de Heredia.
Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto Francisco de Vitoria,
1983.
Vitoria, Francisco, “De Restitutione”. In Comentarios a la “Secunda Secundae” de Santo Tomás. Ed.
Vicente Beltran de Heredia, 61-243. Salamanca: Biblioteca de Teólogos Españoles, 1932.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 837-860.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0837

Sobre o conceito filosófico de paz. Pax e concordia


em Tomás de Aquino e nas Relectiones tardias de
Francisco de Vitoria
ROBERTO HOFMEISTER PICH *

Abstract
The purpose of this study is to bring more clarity, under a historical-philosophical basis,
to the idea of peace, and thus to peace as an object of value and desire. The strategy of the
exposition is to analyse the concept of peace first in the illuminating treatment by Thomas
Aquinas and then by one of the founders of the so-called School of Salamanca in the 16th
Century, i.e., Francisco de Vitoria. The comparative analysis of the use of the concept by
both thinkers should allow the conclusion that from Aquinas to Vitoria there is a shift from
the idea of peace as an effect of love and perfect fulfillment of human desires to the idea
of peace as an effect of justice and common agreement about justice as the rule of human
relationships.
Keywords: concord, peace, Francisco de Vitoria, justice, just war, Thomas Aquinas.

1. Introdução

N
ão há dúvida de que a ideia de “paz” desempenha um papel impor-
tante em qualquer reflexão e representação individual, coletiva ou
institucional de uma vida humana boa e, mais especificamente,
de desejadas formas de organização social e política. É arguível que a paz,
como um objeto de valor e desejo, seja algo como um universal humano1 –
em um sentido mais amplo, ela talvez até mesmo seja um objeto de desejo
de todos os entes sencientes.2 Com efeito, o conceito de paz tem sido

* Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.


 roberto.pich@pucrs.br
1. Nesse sentido, de modo muito claro, Aurelius Augustinus, De civitate Dei CCSL XLVIII,
Pars XIV,2 (Turnholti: Typographi Brepols Editores Pontificii, 1955), XIX,12 e 14, 675-
678 e 680-682.
2. Sobretudo caso se possa entender sob a expressão “omnia”, in Thomas de Aquino,
Summa theologiae (cura et studio Sac. Petri Caramello cum textu et recensione
leonina, Torino – Roma: Marietti Editori, 1962), IIaIIae q. 29, a. 2 (“Se todos os entes

837-860

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
838 Roberto Hofmeister Pich

discutido com profundidade em teorias normativas e políticas de áreas


do saber tais como a teologia, a filosofia, o direito e as diversas ciências
sociais.3 Ainda assim, há âmbitos de vagueza com respeito às noções e às
convicções que as pessoas costumam ter sobre a paz, e isso por certo torna
mais difícil articular, de forma efetiva, maneiras ou estratégias para atingir
e implementar a paz em níveis individuais e sócio-políticos. Neste estudo
breve, eu faço uma tentativa de trazer mais clareza ao(s) conceito(s) de
paz dos quais já se faz uso. Isso pode ser visto, simplesmente, como um
esforço intelectual para dar forma nítida a uma ferramenta condutora – o
conceito – que possa ser de ajuda na articulação dos pensamentos e das
práticas relacionadas com a paz como um objetivo. A estratégia da minha
análise é explorar os significados da paz no relato iluminador oferecido
por Tomás de Aquino (1225–1274) e enfatizar contribuições importantes

[omnia] desejam a paz”), 159-160, todos os entes que, como um aspecto comum,
sentem e desejam. Cf. ibid., resp., 159: “Respondeo dicendum quod [...]. Et ideo
necesse est quod omne appetens appetat pacem: inquantum scilicet omne appetens
appetit tranquille et sine impedimento pervenire ad id quod appetit, in quo consistit
ratio pacis, [...]”. Daqui em diante, eu abrevio com ST…. Em particular, a paz (ou o
desejo da paz) é um universal humano porque, dado que todos os seres humanos têm
desejos e amam coisas que eles tomam por boas, e a paz é definida como o efeito de
atingir, de uma maneira unificada e não impedida, aquelas coisas boas, todos os seres
humanos querem a própria paz como um bem e a desejam. Cf. também Heinrich
Maria Christmann, “Kommentar”, in: Thomas von Aquin, Summa theologica  – Die
Liebe (1. Teil): II – II / 23 – 33 (Heidelberg – Graz-Wien-Köln: Gemeinschaftsverlag (F.
H. Kerle – Verlag Styria), Band 17A, 1959), 515. De toda maneira, in ST IIaIIae q. 29,
a. 2, Tomás de Aquino recorre em especial a passagens de Agostinho in De civitate Dei
XIX,12-14, em que a paz como desejo ou condição desejada de “todas as coisas” possui
uma dimensão cosmológica. Cf. Christoph Horn, Augustinus (München: Verlag C. H.
Beck, 1995), 124-125.
3. Pode-se obter uma ideia adequada do enorme montante de contribuições especializadas
ao conceito de paz e mais recentemente aos “estudos sobre a paz” (peace studies) ou
à “pesquisa sobre a paz” (“Friedensforschung”) ao ler alguns artigos de enciclopédia
referenciais, tais como Hans-Werner Gensichen, “Frieden, I. Regligionsgeschichtlich”;
Hans Heinrich Schmid, “Frieden, II. Altes Testament”; Werner Thiessen,
“Frieden, III. Judentum”; Gerhard Delling, “Frieden, IV. Neues Testament”, in
Theologische Realenzyklopädie (Berlin  – New York: Walter de Gruyter, Band XI,
1983 (Studienausgabe Teil I, 1993)), 599-605, 605-610, 610-13, 613-618; Wolfgang
Huber, “Friedensforschung”, in Historisches Wörterbuch der Philosophie (Darmstadt:
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Band 2, 1972), cols. 1119-1122; Wolfgang Huber,
“Frieden, V. Kirchengeschichtlich und ethisch”, in Theologische Realenzyklopädie
(Berlin – New York: Walter de Gruyter, Band IX, 1983 (Studienausgabe Teil I, 1993)),
618-646; Terry Nardin, “War and Peace, Philosophy of,” in Routledge Encyclopedia of
Philosophy, ed. Edward Craig (London – New York: Routledge, Vol. 9, 1998), 684-691;
Hans J. Giessmann und Bernhard Rinke (Hrsg.), Handbuch Frieden (Wiesbaden: VS
Verlag für Sozialwissenschaften – Springer Fachmedien, 2011).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 839

para a noção que foram feitas pela “Escola de Salamanca” nos séculos
16-17, aqui, mais especificamente, pelo seu próprio iniciador, ou seja,
Francisco de Vitoria O.P. (1483–1546). Nas Considerações Finais, destaco
que as contribuições, por escolásticos ibéricos, possuem um potencial
singular para auxiliar a pensar normativamente a paz com respeito a situ-
ações de conflito contemporâneas, em níveis interno e externo de relações
políticas.4

2. Tomás de Aquino sobre a paz

Ainda que a “paz” (pax) pertença ao seu tratamento da virtude teológica


do “amor” (caritas) – e, teologicamente, ela seja o segundo efeito daquele
(depois de “alegria” (gaudium))5 –, Tomás de Aquino oferece uma base filo-
soficamente relevante e uma síntese filosoficamente bem-informada com
respeito à ideia de paz.6 Essencialmente, pode-se ler em Tomás de Aquino
(Summa theologiae IIaIIae q. 29, a. 1-4) que a paz, no seu significado mais
elevado, é uma questão da união interna, em uma pessoa, dos seus muitos
diferentes desejos – ela se constitui em uma vontade sem conflitos, sem

4. Este ensaio está vinculado a um projeto de pesquisa sobre a recepção da filosofia


política de Aristóteles na escolástica latino-americana; o projeto foi conduzido por
mim e pelo Prof. Dr. Christoph Horn (Universidade de Bonn, Alemanha) e recebeu
apoio da Alexander von Humboldt-Stiftung, pelo período de 2015 e 2018. O seu
título é o seguinte: “Scholastica Colonialis – Die Rezeption der aristotelischen Politik
im frühneuzeitlichen Südamerika” [“Scholastica colonialis  – A recepção da Política
aristotélica na América do Sul pré-moderna”].
5. ST IIaIIae q. 28, a. 1-4, 158-161; q. 29, a. 3, resp., 160; q. 29, a. 4, resp., 161. O tratado
completo de Tomás de Aquino sobre o amor é encontrado in ST IIaIIae q. 23-46. Cf.
também Eberhard Schockenhoff, “The Theological Virtue of Charity (IIa IIae, qq. 23-
46),” transl. by Grant Kaplan and Frederick G. Lawrence, in The Ethics of Aquinas, ed.
Stephen J. Pope (Washington, D. C.: Georgetown Universty Press, 2002), 244-258.
6. Algumas explorações sistemáticas sobre a ideia da paz na teologia e na filosofia,
incluindo perspectivas histórico-conceituais sobre ela, podem ser encontradas in W.
Nestle, Der Friedengedanke in der antiken Welt (Leipzig: Philologus, 1938); Eugen Biser,
Der Sinn des Friedens. Ein theologischer Entwurf (München: Kösel-Verlag, 1960); Johan
Galtung, Theories of Peace. A Synthetic Approach to Peace Thinking (Oslo: International
Peace Research Institute, 1967); D. P. Lackey, The Ethics of War and Peace (Englewood
Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1989); Dieter Senghass (Hrsg.), Den Frieden denken. Si vis
pacem, para pacem (Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1995); Terry Nardin (ed.), The
Ethics of War and Peace: Religious and Secular Perspectives (Princeton, NJ: Princeton
University Press, 1996); Helen Frowe, The Ethics of War and Peace: An Introduction
(London – New York: Routledge, 2011 (22016)).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
840 Roberto Hofmeister Pich

divisões ou “dissentimentos”7 sejam quais forem. A paz, de fato, possui


primariamente um sentido individual, mas ela também está associada a
um relato da pessoa como parte de um grupo mais amplo, tal como uma
sociedade humana. Aqui ela significa também – e mais especificamente –
“concórdia” (concordia) ou a união de diversas vontades desejantes de dife-
rentes pessoas na direção de algo (na forma de um “consenso” (consensus)
sobre uma coisa desejável comum). De todo modo, como o põe Tomás
de Aquino no primeiro artigo da sua exposição, a pax, no seu significado
completo, não é o mesmo que “concórdia” (concordia),8 uma palavra que
deveria capturar “a paz dos homens” (uma expressão de Agostinho) ou a
paz encontrada em e por pessoas nas suas conexões práticas umas com
as outras.9 A concórdia é a concordância de um com o outro, em que
diversas vontades diferentes – diga-se, pelo menos duas – estão de acordo
ao mesmo tempo sobre alguma coisa em que elas têm um consenso: em
tal caso, elas positivamente desejam (ou querem) a mesma coisa.10 No
seu significado completo e inclusivo, pax cobre concordia, afinal de contas
o indivíduo desejante é um ente sócio-político  – ele ou ela tem desejos
para com bens que são sociais ou comuns. Mas, a recíproca não pode ser
verdadeira. Portanto, paz e concórdia se relacionam assimetricamente:
a paz no seu significado pleno necessariamente inclui a concórdia, mas
a concórdia não inclui necessariamente a paz no seu significado pleno
ou completo – particularmente porque, onde há concórdia entre os seres
humanos, não há necessariamente pessoas que chegam à união interna,
em si, dos seus diversos desejos.11

7. Cf. ST IIaIIae q. 29, a. 1, ad 3, 159, onde se faz uso da palavra “dissensio”.


8. Tomás de Aquino está consciente de uma explicação etimológica de “concordia”,
palavra essa que significa que a vontade de diversos “corações” (corda) se juntam
(cum) em um consenso para a eleição ou na aceitação de algum bem comum. Cf.
também Marie-François Berrouard, “Concordia – discordia”, in Augustinus-Lexikon,
hrsg. Cornelius Mayer (Basel: Schwabe & Co. AG, Vol. 1, 1986-1994), cols. 1107-1111
(especialmente col. 1107).
9. Cf. Aurelius Augustinus, De civitate Dei (CCSL XLVIII, Pars XIV,2), XIX,13, 679: “pax
hominum”. In De civitate Dei XIX, 12-17, Agostinho trata, sobretudo da “pax in rebus
terrenis”, a qual, na perspectiva do “uti” e em suas muitas dimensões, é de fato um
“bem” (bonum).
10. ST IIaIIae q. 29, a. 1, resp., 158: “Respondeo dicendum quod pax includit concordiam
et aliquid addit. Unde ubicumque est pax, ibi est concordia: non tamen ubicumque est
concordia, est pax, si nomen pacis proprie sumatur. Concordia enim, proprie sumpta,
est ad alterum: inquantum scilicet diversorum cordium voluntates simul in unum
consensum conveniunt”.
11. ST IIaIIae q. 29, a. 1, ad 3, 159: “Ad tertium dicendum quod paci opponitur duplex

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 841

Cabe explicitar o ponto de que a paz é primariamente relacionada por


Tomás de Aquino, como, antes dele, especialmente os filósofos estóicos e
também Agostinho já o tinham feito,12 a um estado interno que existe na
alma do indivíduo: a ratio pacis é encontrada em uma pessoa quando ela
não encontra em si (i) movimentos contrários entre as potências dese-
jantes (isto é, tal como no caso em que o apetite sensorial deseja um bem,
mas o apetite racional (a vontade in-formada pela razão) quer alguma
outra coisa) e (ii) desejos opostos e conflitantes ao mesmo tempo (isto é,
caso em que a mesma potência apetitiva tende a diversos diferentes bens
desejáveis, os quais ela não tem como obter, todos, ao mesmo tempo).13
Além disso, e esse é um aspecto muito importante para qualquer pesquisa
filosófica sobre a paz, (iii) mesmo se a paz for entendida como a ausência
ou a dissolução de tais conflitos internos – em que o mote seria “não há
conflitos presentes na vontade” –, a paz deve ser vista como um resultado
final positivo de desejar ou querer e em realidade possuir o que se quer (caso
se queira ser estrito, como a posse real ou atual de tudo o que alguém quer,
de tal maneira que não há nada deixado de fora para ser desejado. Nesse
último (e decisivo) sentido, o mote respectivo à paz seria “a posse de tudo
o que se quer”. É somente ao atingir as condições (i), (ii) e (iii) que um
ser humano pode ter um “coração pacificado” ou um “coração em paz”
(cor pacatum). A paz, portanto, em distinção a toda ideia de uma mera
ausência de conflito, não é uma noção privativa, mas antes uma noção
positiva.14
Naturalmente, a ênfase na posse plena do que alguém deseja aponta
para um aspecto metafísico profundo no relato de Tomás de Aquino, no

dissensio: scilicet dissensio hominis ad seipsum, et dissensio hominis ad alterum.


Concordiae vero opponitur haec sola secunda dissensio”.
12. Cf., por exemplo, Aurelius Augustinus, De civitate Dei (CCSL XLVIII, Pars XIV,2),
XIX,11-14, 674-682. Cf. também os estudos feitos por Richard Sorabji, Emotion and
Peace of Mind: From Stoic Agitation to Christian Temptation (Oxford: Oxford University
Press, 2002).
13. ST IIaIIae q. 29, a. 1, resp., 158-159: “Contingit autem unius hominis cor tendere in
diversa: et hoc dupliciter. Uno quidem modo, secundum diversas potentias appetitivas:
sicut appetitus sensitivus plerumque tendit in contrarium rationalis appetitus,
secundum illud ad Gal. 5, [17]: Caro concupiscit adversus spiritum. Alio modo,
inquantum una et eadem vis appetitiva in diversa appetibilia tendit quae simul assequi
non potest. Unde necesse est esse repugnantiam motuum appetitus”.
14. ST IIaIIae q. 29, a. 1, resp., 159: “Unio autem horum motuum est quidem de ratione
pacis: non enim homo habet pacatum cor quandiu, etsi habeat aliquid quod vult,
tamen adhuc restat ei aliquid volendum quod simul habere non potest”. Cf. também
ST IIaIIae q. 29, a. 2, resp., 159.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
842 Roberto Hofmeister Pich

sentido de que o ser humano, por sua natureza, está como tal relacionado
com alguma coisa que realiza ou preenche por completo os seus desejos –
em que a paz, como um estado desejado ou uma condição desejada
aparece, novamente, como um valor humano universal. Essa realização
integral do desejo é encontrada em Deus somente, como Bem Absoluto.
Além disso, é importante enfatizar que a paz como objeto de valor é um
desideratum humano complexo, difícil – que, talvez, jamais se possa ver
totalmente alcançado. Não é de admirar que Tomás de Aquino consi-
derou a paz um efeito do amor, que, em perspectiva teológica e meta-
física, é atingível apenas através de uma “dupla união”, isto é, a união
de desejos na pessoa individual, tornada possível pelo amor unificador a
Deus, e a vontade consensual daquelas pessoas diversas que vivem juntas
em sociedade, à medida que elas são efetivamente capazes de amar o seu
próximo tal como amam a si mesmas.15
Em verdade, é possível adicionar ainda, às três condições para a paz
acima colocadas, uma condição final, a qual está mais ou menos implícita
nelas todas e se relaciona com a pergunta se é possível para alguém ter uma
“paz má” e, não obstante isso, estar em paz. Tomás de Aquino trabalha com
um sentido normativo de paz – que, com efeito, tem base metafísica –, de
acordo com o qual, se a paz é definida como a realização unificada daquilo
que é desejado como bom, (iv) há paz, no entanto, somente se há verda-
deira paz, ou seja, se o que se dá é tanto o apetite quanto a posse do que é
realmente bom, e não aparentemente bom. No primeiro caso, tem-se “paz
verdadeira” (pax vera) e paz boa, no segundo caso tem-se “paz aparente”
(pax apparens) e paz má (paz baseada nos desejos das pessoas por aquilo
que é erroneamente tomado como bom, portanto, por aquilo que é apenas
aparentemente bom). Pode-se dizer que Tomás de Aquino admite o uso de
“paz” nesse último caso apenas em sentido metafórico, uma vez que ele
explicitamente menciona que nenhum desejo realizado por aquilo que é só
aparentemente bom pode trazer ou levar ao fim as perturbações da alma.16
Tomás de Aquino também estava consciente de que, no intuito de levar o
status (e, no mesmo passo, a análise do conceito) da paz até o fim, seria
preciso falar de uma paz verdadeira e perfeita (pax perfecta), a qual, mais
uma vez, é o finis ultimus de toda criatura racional, mas pode ser atingida
só através do amor unificado ao Bem Sumo, e de uma paz verdadeira mas
imperfeita (pax imperfecta), a qual pertence à condição humana agora ou

15. ST IIaIIae q. 29, a. 3, resp., 160.


16. ST IIaIIae q. 29, a. 2, ad 3, 159-160.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 843

à sua condição histórica “neste mundo”, em que as “contradições” (aliqua


repugnantia) dos desejos, tanto internas (no indivíduo) quanto externas
(na vida com os outros indivíduos), seguem impedindo os envolvidos da
aquisição completa da paz.17
Volto, agora, à dimensão social da paz, a saber, a paz como concórdia,
que, com efeito, foi objeto de discussão relativamente extensa por
Agostinho18 e porta uma semelhança com o consenso de Aristóteles ou “a
identidade de eleição [concorde]” (Ethica Nicomachea IX,4 e 6) e com a
igualdade, de Cícero, no “querer e não-querer”19 entre pessoas – sendo os
últimos dois casos claramente conectados com a amizade humana. Sendo
pressuposto que a concordia é o resultado de um consenso entre duas ou
mais pessoas no sentido de elas quererem a mesma coisa, Tomás de Aquino
explica adicionalmente que a concordia deve ser “ordenada” (ordinata),
isto é, que as vontades em questão devem concordar com respeito ao que
é bom para ambos ou para todos os mutuamente envolvidos, e assim sem
qualquer coerção e medo em qualquer deles  – antes, sem impedimento
ou bloqueio ao que se quer de fato e de maneira espontânea. Isso ajuda a
entender por que Agostinho chamava de “paz” tal concórdia ou harmonia
ordenada de vontades e a definiu como a “tranquilidade da ordem” (tran-
quillitas ordinis),20 ou seja, uma concórdia partilhada por dois ou mais
corações e ordenada em termos de desejarem o bem que lhes é em comum
conveniente. De fato, não é só o caso que a ratio concordiae é distinta da
ratio pacis no seu sentido mais elevado e completo, mas também que, nela,
a condição (iv) da paz, acima descrita, é claramente atenuada, ainda que

17. ST IIaIIae q. 29, a. 2, ad 4, 160: “Ad quartum dicendum quod, cum vera pax non sit nisi
de bono, sicut dupliciter habetur verum bonum, scilicet perfecte et imperfecte, ita est
duplex pax vera”.
18. Aurelius Augustinus, De civitate Dei (CCSL XLVIII, Pars XIV,2), XIX,13, 679: “A paz
dos homens é a concórdia ordenada”.
19. De fato, ainda que Cícero fosse endossar essa definição e traz expressões similares para
ela, Tomás de Aquino abrevia e cita erroneamente Cicero in ST IIaIIae q. 29, a. 3, resp.,
160, onde a passagem é, em realidade, uma sentença sobre a amizade que Salústio
atribuiu a Catilina in Bellum Catilinae (London – New York: Heinemann – Putnam’s
Sons (Loeb Classical Library), 1931), ch. 20,4-5, 34. Eu tirei essa informação de Daniel
Schwartz, Aquinas on Friendship (Oxford: Clarendon Press, 2007), 44, nota 10.
20. ST IIaIIae q. 29, a. 1, ad 1, 159: “Ad primum ergo dicendum quod Augustinus loquitur
ibi de pace quae est unius hominis ad alium. Et hanc pacem dicit esse concordiam,
non quamlibet, sed ordinatam: ex eo scilicet quod unus homo concordat cum alio
secundum illud quod utrique convenit. [...]. Et propter hoc [Augustinus] praemittit
quod pax est tranquillitas ordinis. [...]”. Cf. também ST IIaIIae q. 29, a. 2, resp., 159.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
844 Roberto Hofmeister Pich

aquela não tenha oposição por princípio a essa condição.21 No final, Tomás
de Aquino parece dar a entender que, pressuposta a dimensão individual
da união dos apetites e considerando que os apetites dentro do indivíduo
estão também relacionados com os outros seres humanos e com esferas
mais amplas – também relacionais –, que demandam um acordo comum
e conveniente, a tranquillitas ordinis significa que todos os impulsos dese-
jantes em um ser humano se tornaram quietos ou foram apaziguados.22

3. Guerra, paz e concórdia: apontamentos a partir de


Francisco de Vitoria

Dever-se-ia ter em mente que o segundo aspecto da ideia de paz,


isto é, como concordia e tranquillitas ordinis, é aquele que diretamente
conecta o conceito em discussão à ampla esfera das relações humanas.
Com diferentes acentos, essa segunda ênfase do conceito clássico-pa-
trístico de paz foi reafirmada e desenvolvida em momentos importantes
da história da filosofia medieval, pré-moderna e moderna.23 Na sequência,
pretendo explorá-la com base em uma obra do século 16 (cf. abaixo) na
qual a teoria filosófica do conflito humano mais radical ou da “guerra”
foi sistematicamente discutida em um novo contexto de relações, ou seja,
as relações “internacionais” entre entidades políticas completas como
“repúblicas” e “estados”  – forçadas pelas “descobertas” ultramarinas e,
logo depois, reformatadas também pela fragmentação religiosa e política
na Europa. Apoiando-se nos pensadores antigos e medievais – em parti-
cular, nas obras de Tomás de Aquino –, bem como na tradição do Direito
Romano e do Direito Canônico, autores da primeira e da segunda geração
da Segunda Escolástica Ibérica,24 sobretudo o(s) fundador(es) da assim

21. ST IIaIIae q. 29, a. 1, 158: “Sed contra est quod concordia potest esse aliquorum
impiorum in malo. Sed non est pax impiis, ut dicitur Isaiae 48, [22]. Ergo pax non
est idem quod concordia”; ST IIaIIae q. 29, a 1, resp., 159: “Haec autem unio non
est de ratione concordiae. Unde concordia importat unionem appetituum diversorum
appetentium: pax autem supra hanc unionem, importat etiam appetituum unius
appetentis unionem”.
22. ST IIaIIae q. 29, a. 1, ad 1, 159.
23. Cf. as referências bibliográficas nas notas 3 e 6, acima.
24. Sobre a ideia de “Segunda Escolástica”, cf. Roberto Hofmeister Pich, “An Index of
‘Second Scholastic Authors’,” in Right and Nature in the First and Second Scholasticism,
ed. Alfredo Santiago Culleton and Roberto Hofmeister Pich (Turnhout: Brepols
(Rencontres de Philosophie Médiévale, 14), 2014), IX-XVII. Sobre a formação das
ideias e da estrutura institucional da Segunda Escolástica hispânica, em especial

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 845

chamada Escola de Salamanca do direito público internacional, fizeram


contribuições importantes e singulares à teoria filosófica da guerra e da
paz. As suas doutrinas tiveram impacto notável na história da filosofia
moral, jurídica e política na Europa e na América Latina.25
As contribuições mais significativas aparecem em obras filosóficas
dedicadas à teoria da guerra ou, mais exatamente, da “guerra justa”. Tal
literatura foi tanto muito requerida quanto muito influente no contexto
das “guerras justas de conquista” no primeiro século da colonização
da América Latina.26 Nesse sentido, o tratamento do tema, pelo mestre
salmantino Francisco de Vitoria, na sua De indis recenter inventis relectio
posterior (1539), ou simplesmente De iure belli, é um excelente ponto de
partida. Com respeito à conexão conceitual entre “guerra” e “justiça”  –
e, então, “direito”  –, pode-se afirmar que esse tratato político-filosófico
possui três partes ou divisões principais, que podem ser resumidas
pelos seguintes cabeçalhos: ius ad bellum, ius in bello e ius post bellum.
Francisco de Vitoria discute, pois, o direito e a justiça de começar a travar
uma guerra, o direito e a justiça a serem observados durante a guerra, e o
direito e a justiça para guiar as ações e para serem restabelecidos depois

ligada à Universidade de Salamanca, cf. José Luis Fuertes Herreros, “El discurso de
los saberes en la segunda escolástica”, in Right and Nature in the First and Second
Scholasticism, ed. Alfredo Santiago Culleton and Roberto Hofmeister Pich (Turnhout:
Brepols (Rencontres de Philosophie Médiévale, 14), 2014), 55-92.
25. Sobre isso, cf. a monografia de Johannes Thumfart, Die Begründung der globalpolitischen
Philosophie. Zu Francisco de Vitorias “relectio de indis recenter inventis” von 1539
(Berlin: Kulturverlag Kadmos, 2009); cf. também as observações feitas por Joachim
Stüben, “II. Vorbemerkungen des Übersetzers”, in Francisco de Vitoria, De lege – Über
das Gesetz, hrsg. und übers. Joachim Stüben (Stuttgart – Bad Cannstatt: Frommann-
Holzboog, 2010), XLIX-LIV. Cf. Markus Kremer, Den Frieden verantworten. Politische
Ethik bei Francisco Suárez (1548–1617) (Stuttgart: Verlag W. Kohlhammer, 2008),
especialmente 69-168 e 169-261.
26. Algumas referências básicas sobre a teoria da guerra justa são A. Vanderpol, La doctrine
scolastique du droit de guerre (Paris: A. Pedone, 1919); F. H. Russell, The Just War in the
Middle Ages (Cambridge: Cambridge University Press, 1975); J. Barnes, “The Just War,”
in The Cambridge History of Later Medieval Philosophy. From the Rediscovery of Aristotle
to the Disintegration of Scholasticism 1100-1600, ed. N. Kretzmann, A. Kenny, and J.
Pinborg (Cambridge: Cambridge University Press, 1982), 771-784; J. Cruz Cruz, “La
injuria al honor como motivación de guerra, según Vitoria, Molina y Suárez”, Veritas
54, no. 3 (2009): 13-21. O tópico da “guerra justa” na Segunda Escolástica foi abordado
em diversos estudos de Giuseppe Tosi; cf., por exemplo, G. Tosi, “La teoria della guerra
giusta in Francisco de Vitoria”, in Figure della guerra. La riflessione su pace, conflitto
e giustizia tra Medioevo e prima età moderna, org. M. Scattola (Milano: Franco Angeli,
2003), 63-87.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
846 Roberto Hofmeister Pich

da guerra travada.27 É fundamental ter em mente que a palavra “guerra”


(bellum) é utilizada, nesse contexto, para capturar a noção de um conflito
militar armado, com uso radical de força, entre ao menos duas “repúblicas”
ou dois “estados” políticos,28 ainda que as reflexões normativas de Vitoria
sobre o direito e a justiça relativos ao “bellum” poderiam ser aplicadas
a tipos similares de conflitos políticos severos e violentos entre partidos
ou grupos oponentes socialmente organizados  – com padrões análogos
de séria injustiça sofrida e de reivindicações de justiça corretiva  –, que
pertenceriam a diferentes entidades políticas completas ou, até mesmo,
ao mesmo estado. Em adição, eu creio que essas reflexões podem também
ser utilizadas, especialmente no que concerne ao ius post bellum, para
discutir situações de opressão social entre grupos, coletividades, classes
e instituições.
No tocante à primeira parte, isto é, à justa alegação para travar uma
guerra, é importante dizer que Francisco de Vitoria não é, estritamente
falando, um pacifista, mas tampouco é ele um belicista. A razão para isso
é que é plenamente possível, diga-se, que uma entidade política completa
ofenda ou cometa uma iniuria contra outra entidade política completa,
rompendo os conteúdos de direitos tanto reconhecidos quanto consen-
tidos do direito público internacional, de tal maneira que a guerra acaba
sendo tanto normativamente lícita, porque justa, como políticamente
necessária ou uma inevitável reação indesejável em casos extremos de
ameaça ao bem comum da república ofendida. Essa é uma tese que Vitoria
defende também acerca dos cristãos e dos estados cristãos que poderiam
estar engajados em uma guerra: é uma conclusão jurídico-política, a ser
fundamentada normativamente nos princípios de um ius gentium de teor
jusnaturalista29. O direito de travar uma guerra, portanto, está baseado em

27. Cf. Francisco de Vitoria, “De los índios recientemente descubiertos. (relección
segunda) / De indis recenter inventis relectio posterior”, in Francisco de Vitoria, Obras
de Francisco de Vitoria – Relecciones teologicas, ed. Teofilo Urdanoz (Madrid: Biblioteca
de Autores Cristianos, 1960), 811-858.
28. Ibid., 819-823. Esse ponto conceitual foi enfatizado por “discípulos” ou seguidores
de Vitoria, tais como Fernando Perez S. J. (ca. 1530–1595); cf. Roberto Hofmeister
Pich, “Revisiting the Topic of the “Law of War”: The Comments on Thomas Aquinas’
Summa theologiae IIaIIae q. 40 aa. 1-4 by Fernando Perez (16th Century),” in Right
and Nature in the First and Second Scholasticism, ed. Alfredo Santiago Culleton and
Roberto Hofmeister Pich (Turnhout: Brepols (Rencontres de Philosophie Médiévale,
14), 2014), 252-254.
29. Tais princípios de “natural sociedade e comunicação” e de não-lesão deveriam
fundamentar, normativamente, alegações de direito de hospitalidade, ir-e-vir ou
atravessar fronteiras, imigração, comércio, etc. Cf. Francisco de Vitoria, “De los

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 847

uma ofensa ou agressão gravíssima cometida,30 a ser respondida através


de autodefesa militar por uma entidade política autossuficiente nos
termos de Aristóteles,31 seguindo a decisão e o comando da sua autoridade
política mais elevada – que, nisso, personifica a república ou o estado.32
Isso significa que qualquer guerra a ser travada deve ser um movi-
mento político derradeiro, precedido por inspeção cuidadosa de alegadas
ofensas seríssimas, por todos os meios da diplomacia, e por cálculo
profundo de ganhos e perdas proporcionais: a sua justiça e a sua neces-
sidade devem ser provadas rigorosamente.33 Isso também significa que
qualquer guerra justa a ser travada é sempre, pelo menos inicialmente,
uma guerra defensiva, dado que a única alegação justa para travá-la deve
ser a constatação de ofensa gravíssima da parte de um lado ofensor. Em
algo que soa paradoxal, com efeito, Vitoria menciona nesse ponto um mote
originalmente formulado por Agostinho e repetido por Tomás de Aquino,
isto é, que o propósito de travar uma guerra é a paz, qualquer alegação
justificável para uma guerra inclui o seu papel instrumental necessário
para restaurar a paz.34 Além disso, Vitoria faz esforços para remover

índios recientemente descubiertos. (relección primera) / De indis recenter inventis


relectio prior”, in Francisco de Vitoria, Obras de Francisco de Vitoria  – Relecciones
teologicas, ed. Teofilo Urdanoz (Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960), 704-
724 (especialmente 705-708). Cf. também Merio Scattola, “Das Ganze und die Teile.
Menschheit und Völker in der naturrechtlichen Kriegslehre von Francisco de Vitoria”,
in Francisco de Vitorias ‘De Indis’ in interdisziplinärer Perspektive / Interdisciplinary
Views on Francisco de Vitoria’s ‘De Indis’, hrsg. Norbert Brieskorn und Gideon Stiening
(Stuttgart  – Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog, 2011), 97-120 (especialmente
106-117); Roberto Hofmeister Pich, “Conquest and Just War: Normative Claims for
Regulating Political Conflicts in the Thought of Francisco de Vitoria O.P. (1483–
1546)”, in Violence and Power: Brazilian and German Reflections on the Middle Ages
and Contemporaneity, ed. Cybele de Almeida et alii (Porto Alegre: DM Editora, 2017),
102-132 (especialmente Subdivisão 3).
30. Francisco de Vitoria, “De indis recenter inventis relectio posterior”, 825-826.
31. Ibid., 819-821.
32. Ibid., 821-823. A comunidade de seres humanos, que recebe de Deus, por natureza,
o poder, transfere ao governante – rei, príncipe, etc. – a autoridade para administrar
esse mesmo poder e governar a república na direção do bem comum; a partir daí, o
governante personifica a república; cf. sobre isso Fernando de Vitoria, De la potestad
civil / De potestate civili, in Francisco de Vitoria, Obras de Francisco de Vitoria  –
Relecciones teologicas, ed. Teofilo Urdanoz (Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos,
1960), 164-168.
33. Francisco de Vitoria, “De indis recenter inventis relectio posterior”, 823-826, 830-832.
34. Ibid., 818, 827-828, 847, 858. A referência de Vitoria a Agostinho é Epistola 189 [ad
Bonifatium]; cf. também Thomas de Aquino, ST IIaIIae q. 40, a. 1, ad 3, 207. Isso
é coerente com outra reflexão de fundo, a saber, que ninguém por natureza deseja

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
848 Roberto Hofmeister Pich

daquela ideia de iniuria como causa justa para travar a guerra qualquer
razão tal como diferenças religiosas, mero desejo por expansão terri-
torial, ofensas puramente sentidas por um líder político em nível pessoal
(as quais, se tomadas como razões necessárias para a guerra, caracteri-
zariam um traço de governo tirânico), alegações (até mesmo) justas de
ofensas de menor importância ou desacordos menores de um lado com
o outro, e – ao menos implicitamente – a vontade que seres humanos e
poderes políticos, por quaisquer razões e em algum momento por meio
de “estratégia” e “cálculo racional”, possam ter de sujeitar os inimigos
pelo exercício da sua força (um aspecto mais tarde enfatizado e explicado
por Carl von Clausewitz (1780–1831) em sua inovadora obra Vom Kriege,
examinada criticamente por Michael Walzer35 nos seus estudos históricos
sobre a guerra), etc.36 Em uma visão ética de cunho aristotélico acerca das
questões humanas contingentes e incertas, Vitoria adverte os seus leitores
de que qualquer iniuria alegada daquele tipo gravíssimo precisaria ser
prudencialmente verificada no intuito de medir com segurança o quanto
ela de fato representava uma agressão ao direito e um perigo à preser-
vação da república e ao bem comum,37 relativamente aos quais a guerra
seria seguramente justa e melhor. Assim, pois, um princípio de proporcio-
nalidade para o exercício de tal justiça corretiva – que levaria em conta a
medida do justo devido e do melhor benefício à república – haveria de ser
observado desde o começo: uma vez que uma guerra é uma ação punitiva
maximamente severa, a culpa no agressor e a necessidade de reagir puni-
tivamente a ela precisariam ser proporcionalmente elevadas.
Está-se em condições de dizer que os debates sobre as alegações
justas para travar uma guerra se relacionavam, muitas vezes, com ofensas

a guerra, pois aqueles que vão atrás de conflitos e guerras desejam a paz, isto é, a
satisfação proveniente de adquirir aquilo que valorizam e desejam como bom, mas
crêem que não há tal paz. Através do conflito e da guerra, os seres humanos basicamente
tentam adquirir uma paz mais perfeita do que anteriormente; cf. Aurelius Augustinus,
De civitate Dei (CCSL XLVIII, Pars XIV,2), XIX,13, 679; ST IIaIIae q. 29, a. 2, ad. 2, 159.
Com efeito, é aceitável identificar em Francisco de Vitoria, como condições para uma
guerra justa, na linha de Tomás de Aquino e de seus comentadores, (i) a autoridade
máxima de uma entidade política completa, (ii) a causa justa ou a injúria grave que
justifica moralmente a declaração de guerra e (ii) a correta intenção do combate e dos
combatentes, que consiste, nos termos do direito antes, durante e depois da guerra, na
meta de restauração da paz perdida.
35. Michael Walzer, Just and Unjust Wars: A Moral Argument with Historical Illustrations
(New York: Basic Books, 1977), 21-25.
36. Francisco de Vitoria, “De indis recenter inventis relectio posterior”, 823-826.
37. Ibid., 821-826.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 849

contra o inocente, isto é, a pessoa ou a coletividade que não fazia nenhum


dano para com a pessoa ou a coletividade ofensora, mas era, apesar disso,
ofendida  – em que a palavra latina “innocens” significa “inofensivo” ou
“sem culpa”.38 Pensadores do direito público internacional da (ou influen-
ciados pela) Escola de Salamanca – como, por exemplo, Fernando Perez S.
J. (ca. 1530 / Cordoba – 1595 / Coimbra), que foi professor na Universidade
de Évora39 – até mesmo consideraram nesse contexto, isto é, em situações
de agressão contra o direito básico dos inocentes de viver e não serem
indignamente prejudicados ou assassinados, a noção de crimes contra a
“humanidade”,40 em que na ofensa a um ou a vários indivíduos, ou a uma
coletividade humana  – como no caso de sacrifícios humanos, práticas
de canibalismo ou, então, tiranias absolutamente vis  –, pode-se visua-
lizar, mesmo quando não se trata de uma ofensa direta de uma entidade
política completa contra outra, uma ofensa, no âmbito de um ius gentium
naturale, a todos os povos ou a todo o gênero humano. Inspirada em
Vitoria, essa foi uma ideia deveras nova em filosofia moral e política, que
precede as discussões em debates modernos e contemporâneos.41 Além
disso, uma parte significativa da quarta questão central do tratado de 1539
de Francisco de Vitoria se relaciona com princípios de direito ou de justiça
a serem observados durante a guerra – ou seja, o ius in bello, que considera
ações e medidas que podem ser moral e legalmente feitas e tomadas (ou
não) durante o tempo em que uma determinada guerra é travada. Não é
preciso entrar, aqui, em muitos detalhes ou em uma casuística sobre essas

38. In Francisco de Vitoria, “De indis recenter inventis relectio posterior”, 841-842, há uma
exemplificação daqueles que são os “inocentes” em uma guerra.
39. Cf. a nota 28, acima. Para a lista deveras extensa de obras deixadas por Fernando
Perez, cf. Friedrich Stegmüller, Filosofia e teologia nas Universidades de Coimbra e
Évora no século XVI (Coimbra: Universidade de Coimbra, 1959), 41-42.
40. Cf. Fernando Perez, In materiam de bello ac pace (1588) [Lisboa Nac. F. G. 3299, II;
Lisboa, Nac. F. G. 3841, III], Disputatio tertia, [228b – 229a]: “[...] responsio eos facere
gravissimam iniuriam toti generi humano, unde tanquam iniustissimi invasores
generis humani possunt debellari a nobis, qui partes generis humani sumus. […]”.
41. Francisco de Vitoria, “De indis recenter inventis relectio prior”, 720: “Alius titulus posset
esse propter tyrannidem, vel ipsorum dominorum apud barbaros, vel etiam propter
leges tyrannicas in iniuriam innocentum, puta quia sacrificant homines innocentes
vel alias occidunt indemnatos ad vescendum carnibus eorum. Dico etiam quod sine
auctoritate Pontificis possunt hispani prohibere barbaros ab omni nefaria consuetudine
et ritu, quia possunt defendere innocentes a morte iniusta”. Trata-se, com efeito, da
ideia de uma legítima guerra de intervenção, por razões “humanitárias”. Cf. também
Teofilo Urdanoz, “De los indios recientemente descubiertos – Introducción a la relección
primera”, in Francisco de Vitoria, Obras de Francisco de Vitoria – Relecciones teologicas,
ed. Teofilo Urdanoz (Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960), 628-630.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
850 Roberto Hofmeister Pich

ações e medidas. É o suficiente enfatizar a preocupação de Vitoria com a


necessidade de identificar indivíduos e grupos de pessoas que não desem-
penham papel militar em guerras que são travadas justamente e que, assim,
são “inocentes” no estrito sentido de não serem culpados de qualquer
ofensa política, não causarem dano, não ameaçarem e não fazerem uso
da força contra ninguém.42 Seja como for, provavelmente o aspecto mais
interessante da literatura escolástica e pré-moderna acerca da guerra
justa – exemplificada, neste estudo, pela obra De iure belli de Francisco de
Vitoria –, um aspecto que, surpreendentemente, é bastante negligenciado
pela pesquisa, acha-se no terceiro enfoque de tais exposições, ou seja, o ius
post bellum, os princípios do direito e da justiça a serem observados depois
do final do conflito. Se o propósito final de qualquer guerra é a securitas
e a pax, de tal forma que as pessoas deveriam ser capazes, novamente,
de viverem juntas e se relacionarem, e assim também, analogamente e
em escala internacional, os estados políticos, o ius post bellum equivale
à fundamentação normativa para restaurar a tranquillitas e a securitas, a
concórdia, isto é, a paz política – que em si era já o original desideratum
de toda vida em sociedade – após os atos violentos dos conflitos radicais.43
Naturalmente, essa é uma tarefa difícil. Seria totalmente equivocado
pensar que, dado que qualquer guerra justa é, inicialmente, uma guerra
de autodefesa, nesse caso, uma vez que o conflito tivesse chegado ao fim e
a agressão ofensora fosse superada, a paz seria simplesmente restaurada.
A paz “simplesmente” jamais é um bom final de um conflito tal como o
bellum. Nesse ponto, Francisco de Vitoria claramente desenvolve a ideia –
sem utilizar essa expressão  – de que o único bom final de tal conflito é
a paz justa, a qual deveria, agora, ser vista como uma renovada forma
de concórdia, isto é, a tranquilidade da ordem a ser atingida só através
da estrita mediação da justiça.44 A “paz justa” vem a ser tanto o objetivo
exigente de dar fim a situações de conflito radicais quanto, ao mesmo
tempo, a melhor maneira para entender a paz como uma meta natural da
vida em sociedade, a saber, tanto como a sua situação inicial quanto como

42. Francisco de Vitoria, “De indis recenter inventis relectio posterior”, 826-828, 840-846.
43. Cf. a nota 34, acima. Naquelas passagens, Vitoria faz uso das expressões “pax”,
“tranquillitas” e “securitas”.
44. Até onde pude verificar, Vitoria, no seu De iure belli, não faz uso da expressão “concordia”
ou “tranquillitas ordinis”, mas antes de “tranquillitas” e “securitas”, bem como “pax
et securitas” e “tranquillitas et pax”. Naturalmente, ele estava familiarizado com o
tratamento dado por Agostinho e Tomás de Aquino à “concordia” e à “tranquillitas
ordinis”, noções que estão implícitas na sua exposição. Mas, há agora uma ênfase
diferente (cf. o texto).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 851

um estado a ser permanentemente assegurado e perseguido, sobretudo se


ele tiver sido quebrado. A condição de justiça para restaurar a paz é, em
todos os casos, explicada por Vitoria através de tipos de “justiça corretiva”,
que pertencem, a saber, à “justiça comutativa”.45
Nesse sentido, Vitoria trabalha, acima de tudo, com reivindicações
de restauração, reparação e compensação, o que significa a alegação de
recuperação, por pessoas inocentes e partes ofendidas, do que foi concre-
tamente tomado, danificado ou perdido, restabelecendo, então, o ponto
de partida original (refazendo a devida igualdade, portanto, quanto ao
que foi tomado, danificado ou perdido), se não estritamente, pelo menos
de uma maneira justamente proporcional. Com efeito, Vitoria aplica,
nesse contexto, concepções mais ou menos explícitas de uma teoria da
restituição.46 Na tradição tomasiana47, a doutrina da restituição pertence
à teoria da justiça e é, ali, fundamentalmente uma resposta a atos de
injustiça no domínio da justiça (particular) comutativa. Ela tem vez em
casos em que algo que pertence a uma pessoa em uma relação mútua de
troca com respeito à (i) coisa, (ii) pessoa ou (iii) obra é tomado dela,48

45. Isso é especialmente desenvolvido in Francisco de Vitoria, “De indis recenter inventis
relectio posterior”, 826-829 e, em seguida, 838-857. Sobre a “justiça corretiva” na ética
de Aristóteles, cujo texto em Ethica Nicomachea V vem a ser a base do tratado de
Tomás de Aquino sobre a justiça, cf. Otfried Höffe, Aristoteles (München: Verlag C.
H. Beck, 2006), 230-233; Otfried Höffe, Gerechtigkeit. Eine philosophische Einführung
(München: Verlag C. H. Beck, 52015), 23-25; Christoph Horn, “Gerechtigkeit bei
Aristoteles: Moralische und politische Aspekte”, in Vernunft oder Macht? Zum Verhältnis
von Philosophie und Politik, hrsg. Otfried Höffe (Tübingen: Francke, 2006), 43.
46. Cf., por exemplo, Francisco de Vitoria, “De indis recenter inventis relectio posterior”,
826-827, 838-839, 845, 851, 853-858. No final de 1535, Vitoria preparou comentários
sobre Tomás de Aquino ST IIaIIae q. 62, ou seja, sobre a restituição como parte dos
seus comentários sobre o tratado acerca da justiça de Tomás de Aquino  – e, aqui,
mais especificamente, acerca da teoria da justiça comutativa. Cf. Francisco de Vitoria,
De iustitia  – Über Gerechtigkeit Teil 2, hrsg. und übers. Joachim Stüben (Stuttgart  –
Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog, 2017). Como se pode ver, nos séculos 16-17 a
obrigação de restituição, em base teológica, moral e legal, se tornara um tópico maior
da teoria formal da justiça e da sua parte aplicada, em que se nota os começos das
discussões acerca da defesa de direitos individuais subjetivos, tais como vida, bom
nome e honra. Cf. também Tilman Repgen, “I. De restitutione – eine kommentierende
Einführung”, in Francisco de Vitoria, De iustitia – Über Gerechtigkeit Teil 2, hrsg. und
übers. Joachim Stüben (Stuttgart  – Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog, 2017),
XVII-LVII.
47. ST IIaIIae q. 62, a 1-8, 302-308.
48. ST IIaIIae q. 62, a. 1, 302: “Sed contra, restitutio ablationi opponitur. Sed ablatio
rei alienae est actus iniustitiae circa commutationes. Ergo restitutio eius est actus
iustitiae quae est in commutationibus directiva”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
852 Roberto Hofmeister Pich

havendo a expectativa de que, de algum modo, se lhe seja retornado.


Através da restituição, alguém é trazido de novo na “posse” (possessio)
e no “domínio” (dominium) da sua propriedade. Assim, “a igualdade da
justiça” (aequalitas iustitiae) em uma dada comutação – seja ela, em prin-
cípio, voluntária ou involuntária – ocorre através do retorno ou mesmo da
substituição ou da compensação de uma coisa por outra, e através desse
ato como um medium a igualdade original é restabelecida.49 A restituição
explica a ideia mesma de mútua compensação em comutações humanas –
tendo ela apelo mais forte no que tange a intercâmbios involuntários
injustos, em que ela vem a ser tanto justiça comutativa quanto corretiva
diante de algum tipo de crime. Nesses casos, como acentua Tomás de
Aquino, sem ela como mediação concreta, o status moral do justo e da
justiça, do reto e da retidão, não podem ser restabelecidos – com a conse-
quência grave de que, sem a recuperação da justiça no ser humano, não
pode haver salvação.50 Vitoria, por sua vez, redimensiona a restituição ao
aplicá-la às relações do ius gentium.
Além do mais, assim pode ser lido em Vitoria, se uma guerra tem uma
parte ofendida, portanto pessoas ofendidas e inocentes, a restauração da
paz certamente também precisará de uma “satisfação” (satisfactio), que é
uma exigência de justiça punitiva. Ela pode até mesmo equivaler, depois
do final da agressão injusta, a uma forma de guerra ofensiva contra o lado
ofensor, no sentido de que a república ofendida se torna, na pessoa da sua
autoridade mais elevada, ou de alguém que adequadamente a representa,
o juiz para vingar e punir os malfeitos ou para impor medidas de satis-
fação concretas tanto em favor da própria república quanto das pessoas
que, com justiça, exigem vindicação pelos crimes e prejuízos que sofreram.
Tais medidas punitivas têm, naturalmente, objetivos tanto compensatórios

49. ST IIaIIae q. 62, a. 1, 303: “Respondeo dicendum quod restituere nihil aliud esse
videtur quam iterato aliquem statuere in possessionem vel dominium rei suae. Et ita
in restitutione attenditur aequalitas iustitiae secundum recompensationem rei ad rem,
quae pertinet ad iustitiam commutativam. Et ideo restitutio est actus commutativae
iustitiae: quando scilicet res unius ab alio habetur, vel per voluntatem eius, sicut in
mutuo vel deposito; vel contra voluntatem eius, sicut in rapina vel furto”.
50. ST IIaIIae q. 62, a. 2, resp., 303: “Respondeo dicendum quod restitutio, sicut dictum
est, est actus iustitiae commutativae, quae in quadam aequalitate consistit. Et ideo
restituere importat redditionem illius rei quae iniuste ablata est: sic enim per iteratam
eius exhibitionem aequalitas reparatur. Si vero iuste ablatum sit, inaequalitas erit ut
ei restituatur: quia iustitia in aequalitate consistit. Cum igitur servare iustitiam sit de
necessitate salutis, consequens est quod restituere id quod iniuste ablatum est alicui,
sit de necessitate salutis”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 853

quanto preventivos:51 a justiça reparará o estado ofendido, as pessoas


ofendidas e as relações rompidas, com o propósito adicional de que o
conflito injusto não aconteça novamente. Não é possível detalhar, nesta
exposição, as muitas situações a serem julgadas e mediadas por meca-
nismos de tal justiça corretiva. Não obstante isso, deve ser destacado que
Vitoria propõe, para ambos os tipos básicos dela – restaurar e satisfazer –,
um princípio de proporcionalidade, de acordo com o qual a punição deve
ser proporcional ao erro ou à culpa.52 Ademais, deve-se destacar, ainda,
a clara ênfase que Vitoria e outros depois dele puseram no princípío de
que a paz como tranquillitas / securitas é penetrada por determinações
consentidas ou acordadas acerca da justiça, no cenário original e também
no cenário restaurado.

4. Considerações finais

Especialmente devido ao contexto histórico de conquista e guerra


ao qual estavam respondendo normativamente, pensadores tais como
Francisco de Vitoria fizeram contribuições importantes para aprofundar
o entendimento da paz sócio-política e a sua conexão com mecanismos
de justiça e, aparentemente, concordâncias sobre a justiça por meio da
lei e da autoridade reconhecida. A concórdia, a “tranquilidade” (tran-
quillitas) ou a “segurança” (securitas) como candidatas para a “paz dos
homens” é, agora, explicada não mais em termos da posse de consenso de
desejo racional com respeito a bens convenientes comuns, ainda que não
contradiga essa perspectiva. A ênfase na pax como tranquillitas (ordinis)
parece, antes, residir agora na ideia de tranquillitas / securitas em face
à violência ou à agressão  – tanto no sentido de evitá-la quanto de dar
parada a ela  –,53 significando, pois, não-violência, mas acima de tudo a

51. Cf. Francisco de Vitoria, “De indis recenter inventis relectio posterior”, 845-858.
52. Ibid., 854: “56. Septima propositio: […]. Quia poena debet esse proportionata culpae.
[…]”.
53. Isso inclui a ideia de criar um aparato militar, por exemplo, para evitar ou desencorajar
inimigos ou lados ofensores para que tracem quaisquer planos de guerra – obviamente,
também para, a modo de prevenção, possuir meios de defesa e vingança no caso de
uma guerra concreta. Os dois aspectos estão presentes na ideia de “segurança” de uma
república. Cf. as passagens indicadas na nota 34, acima. Com efeito, pode-se dizer que
tal sentido de paz como não-violência, como a pax ou a tranquillitas a ser re-obtida
depois de uma guerra travada justamente, está implícito in ST IIaIIae q. 40, a 1, 206-
207. Além disso, in ST IaIIae q. 70, a. 3, resp., Tomás de Aquino afirma que um dos
significados de “paz” (pax) – o primeiro – é estar livre de perturbações externas, sendo

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
854 Roberto Hofmeister Pich

capacidade de respeitar e restaurar direitos, acordos ou decisões comuns


com respeito à justiça ou ao que é bom de acordo com a justiça – sendo
todos esses itens expressos e estabelecidos, assim é possível pressupor, na
forma da lei e em um horizonte legal suficientemente conhecido e comum.
Se a paz ou a concórdia não era, com efeito, em Tomás de Aquino, uma
virtude,54 mas o efeito do amor, ela é agora mais especificamente entendida
como o efeito da justiça – talvez até mesmo como o efeito de formas explí-
citas da justiça, tal como o direito natural dos povos –, com base na qual
um acordo ou uma decisão racional-normativa pode existir pelo menos
como um reconhecimento da e, portanto, mediada pela lei (justa) e pela
autoridade. Trata-se de um enfoque diferente, muito embora não seja
necessário pensar que as perspectivas centrais acima diferenciadas  – o
consenso partilhado a modo de mesmo desejo racional com respeito a
bens convenientes comuns e a concórdia como essencialmente um estar-
-de-acordo racional-normativo ou respeito ao direito proporcional dos
envolvidos – estejam em oposição. A primeira perspectiva, suposto o seu
aspecto comunitário mais restrito, parece opaca ao “diferente” e “plural”,
ao passo que a segunda, que nasce no contexto de relações globais entre
os povos, parece prever desde o início o envolvimento do “diferente”. O
quanto isso abre um espaço para análises mais profundas da dinâmica
da justiça e da paz na filosofia moderna e contemporânea – não exclusi-
vamente no contexto da guerra –, isso é algo a ser explorado na história
posterior dos debates sobre o valor da paz.55
Uma reflexão adicional é que o que foi dito sobre a paz social e a
paz justa – originalmente e então restaurada, como um ponto de partida
e como um desideratum a ser atingido ou retomado  – pode certamente
ser conectado com situações de conflito social e político em um sentido
amplo, isto é, irrespectivamente ao contexto da guerra, em sentido estrito.
A paz exige justiça corretiva, até mesmo justiça punitiva, tal como a
reparação e a satisfação, de maneira que a securitas e a tranquillitas são
mediadas por e têm a forma da justiça. Essa é uma ideia poderosa para
pensar acerca de conflitos sociais entre grupos, classes ou movimentos

o segundo significado a obtenção unificada daquilo (e repousando sobre aquilo) que


verdadeiramente se deseja. Tiro essa referência de Ludwig Schütz, Thomas-Lexikon
(Stuttgart – Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog (Faksimile-Neudruck der “zweiten,
sehr vergrösserten Auflage”), 1983), 575-576.
54. ST IIaIIae q. 29, a. 4, resp., 161.
55. Cf., novamente, Huber, “Frieden, IV. Kirchengeschichtlich und ethisch”, 628-632,
634-642.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 855

causados por iniuriae, que retiram da sociedade a paz e têm de ser supe-
rados por meio de medidas normativas e políticas concretas. Ao falar-se
de repressão, opressão histórica, discriminação, segregação, em parti-
cular a partir do estado para com a população e a partir de um grupo ou
uma organização da sociedade contra outra – algo que não foi levado em
consideração nas exposições de Vitoria –, é intrigante pensar o quanto a
paz social, em termos de restauração, preservação e concordância sobre
o bem comum na forma de justiça interna e global, é um princípio cons-
trutivo para sociedades pacíficas (menos pacíficas e mais pacíficas). Isso
não se relacionaria com políticas concretas – por certo, tangendo os dois
tipos de “justiça particular” nos termos aristotélico-tomasianos56  – para
combater a distribuição e a retenção injusta de bens, os delitos nas trocas
entre estados e grupos ou classes, as discriminações históricas, o racismo,
a segregação, os hiatos sociais, etc.?
Eu gostaria de concluir com duas observações. Primeiramente, a
“paz justa”, como a forma do florescimento humano em sociedade, em
uma dada entidade política completa ou ainda, se fosse o caso, na “repú-
blica de todo o orbe”, não deve ser confundida, assim creio, com a “tole-
rância”, a qual, na modernidade  – especialmente a partir das obras de
John Locke57 e de John Stuart Mill,58 entre outros –, é tanto uma virtude
ética quanto um virtude epistêmica. Pode-se arguivelmente mostrar que
a tolerância como uma capacidade possui diversos aspectos vantajosos
para as sociedades plurais modernas e contemporâneas  – a tolerância,
contudo, é, provavelmente, uma atitude privativa em dimensões éticas.
Ela não põe uma concórdia de desejos sobre bens mutuamente conve-
nientes e tampouco implica diretamente uma concordância refletida sobre
e uma realização concreta comum do que é correto ou justo  – antes, a
tolerância ingressa no terreno da paz justa, o mais claramente, apenas no
sentido de ser um consenso sobre a importância e a apropriabilidade da
própria tolerância. O perfil da tolerância é outro. Ela é, antes, um poder de
restringir ações ou expressões possíveis para com o que não se gosta e com
o que não se concorda, abrindo, pois, um espaço para as diferenças e para
a pluralidade na esfera pública – nesse corte específico de seu campo, a
tolerância toca antes a paz “simples” como não agressão ou não violência,

56. Cf. as referências na nota 45, acima.


57. Cf. John Locke, A Letter Concerning Toleration (1689), ed. R. Klibansky, trans. J. W.
Gough (Oxford: Clarendon Press, 1968).
58. Cf. John Stuart Mill, Sobre a liberdade, trad. Alberto da Rocha Barros (Petrópolis:
Editora Vozes, 21991), 59-96.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
856 Roberto Hofmeister Pich

mas não ainda a paz “justa”. Como a paz, a tolerância também é um valor,
mas a paz – invocando novamente, agora, o seu sentido positivo de realizar
o que se deseja ou acorda  – é um valor mais elevado e mais difícil de
realizar. Em segundo lugar, é significativo questionar o que ocorre, para
o propósito da paz justa, se pessoas ou grupos, se coletividades dentro
de países ou em diferentes países e nações viveram em conflitos severos
e se ofenderam mutuamente em tal medida que nenhuma reparação,
nenhuma compensação, nenhuma satisfação é ou será jamais possível, em
termos humanos e históricos? Nessas situações, como restabelecer a paz?
Imagine-se apenas os conflitos entre judeus e palestinos no Oriente Médio:
como calcular qualquer reparação ou qualquer compensação  – alguma
desigualdade de justiça que seria possivelmente restituível  –, no intuito
de ganhar de volta a paz na vida em conjunto ou nas relações interna-
cionais, através da mediação equânime da justiça corretiva? Eu não tenho
a pretensão de qualquer resposta às perguntas ora feitas – Vitoria, nesse
sentido um filho do seu tempo e em referência à política internacional
da sua época, mencionou que o conflito entre cristãos e muçulmanos,
dado o montante de injúrias dos segundos com respeito aos primeiros, é
uma guerra “perpétua” ou “perene”.59 Se nenhuma restituição a modo de
correção devida pode ser calculada de forma justa, talvez o único caminho
para a “paz” entre os seres humanos, não para uma mera “tolerância”,
seja o “perdão”. Mas, essa é uma exigência elevada e até mesmo arriscada;
afinal, o “perdão” como atitude para além da justiça reconhecida, talvez
esteja, estritamente falando, além das capacidades humanas.

Referências

Aurelius Augustinus. De civitate Dei (CCSL XLVIII, Pars XIV,2). Turnholti: Typographi Brepols
Editores Pontificii, 1955.
Barnes. J. “The Just War.” In The Cambridge History of Later Medieval Philosophy. From the
Rediscovery of Aristotle to the Disintegration of Scholasticism 1100-1600, edited by N.
Kretzmann, A. Kenny, and J. Pinborg, 771-784. Cambridge: Cambridge University Press,
1982.
Berrouard, Marie-François. “Concordia – discordia”. In Augustinus-Lexikon, herausgegeben von

59. Francisco de Vitoria, “De indis recenter inventis relectio posterior”, 846: “Unde quando
bellum est talis conditionis quod licet spoliare indifferenter omnes hostes et occupare
omnia bona illorum, etiam licet ducere in captivitatem omnes hostes, sice nocentes
sive innocentes. Et cum bellum adversus paganos sit huiusmodi, quia est perpetuum,
et nunquam satisfacere possunt pro iniuriis et damnis illatis, ideo non est dubitandum
quin liceat et pueros et feminas saracenorum ducere in captivitatem et servitutem”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 857

Cornelius Mayer, cols. 1107-1111. Basel: Schwabe & Co. AG, Vol. 1, 1986-1994.
Biser, Eugen. Der Sinn des Friedens. Ein theologischer Entwurf. München: Kösel-Verlag, 1960.
Christmann, Heinrich Maria. “Kommentar“. In Thomas von Aquin. Summa theologica – Die Liebe
(1. Teil): II – II / 23 – 33. Heidelberg – Graz-Wien-Köln: Gemeinschaftsverlag (F. H. Kerle –
Verlag Styria), Band 17A, 1959.
Cruz Cruz, J. “La injuria al honor como motivación de guerra, según Vitoria, Molina y Suárez”.
Veritas 54, no. 3 (2009): 13-21.
Delling, Gerhard. “Frieden, IV. Neues Testament”. In Theologische Realenzyklopädie. Berlin – New
York: Walter de Gruyter, Band XI, 1983 (Studienausgabe Teil I, 1993), 613-618.
Fernando Perez. In materiam de bello ac pace, 1588. [Lisboa Nac. F. G. 3299, II; Lisboa, Nac. F. G.
3841, III].
Francisco de Vitoria. “De los índios recientemente descubiertos (relección primera) / De indis
recenter inventis relectio prior”. In Francisco de Vitoria. Obras de Francisco de Vitoria  –
Relecciones teologicas. Edición crítica del texto latino, versión española, introducción
general e introducciones con el estudio de su doctrina teológica-jurídica, por el padre
Teofilo Urdanoz. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960, 641-726.
Francisco de Vitoria. “De los índios recientemente descubiertos (relección segunda) / De indis
recenter inventis relectio posterior”. In: Francisco de Vitoria. Obras de Francisco de Vitoria –
Relecciones teologicas. Edición crítica del texto latino, versión española, introducción
general e introducciones con el estudio de su doctrina teológica-jurídica, por el padre
Teofilo Urdanoz. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960, 811-858.
Francisco de Vitoria. De iustitia – Über Gerechtigkeit Teil 2. Herausgegeben, eingeleitet und ins
Deutsch übersetzt von Joachim Stüben, mit einer Einleitung von Tilman Repgen. Stuttgart –
Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog, 2017.
Francisco de Vitoria. “De la potestad civil / De potestate civili”. In Francisco de Vitoria. Obras
de Francisco de Vitoria  – Relecciones teologicas. Edición crítica del texto latino, versión
española, introducción general e introducciones con el estudio de su doctrina teológica-
jurídica, por el padre Teofilo Urdanoz. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960,
149-195.
Frowe, Helen. The Ethics of War and Peace: An Introduction. London – New York: Routledge, 2011
(22016).
Fuertes Herreros, José Luis. “El discurso de los saberes en la segunda escolástica”. In Right and
Nature in the First and Second Scholasticism, ed. Alfredo Santiago Culleton and Roberto
Hofmeister Pich, 55-92. Turnhout: Brepols (Rencontres de Philosophie Médiévale, 14),
2014.
Galtung, Johan. Theories of Peace. A Synthetic Approach to Peace Thinking. Oslo: International
Peace Research Institute, 1967.
Gensichen, Hans-Werner. “Frieden, I. Regligionsgeschichtlich”. In Theologische Realenzyklopädie.
Berlin – New York: Walter de Gruyter, Band XI, 1983 (Studienausgabe Teil I, 1993), 599-605.
Giessmann, Hans J. und Rinke, Bernhard (Hrsg.). Handbuch Frieden. Wiesbaden: VS Verlag für
Sozialwissenschaften – Springer Fachmedien, 2011.
Höffe, Otfried. Aristoteles. München: Verlag C. H. Beck, 2006.
Höffe, Otfried. Gerechtigkeit. Eine philosophische Einführung. München: Verlag C. H. Beck, 52015.
Horn, Christoph. Augustinus. München: Verlag C. H. Beck, 1995.
Horn, Christoph. “Gerechtigkeit bei Aristoteles: Moralische und politische Aspekte”. In Vernunft
oder Macht? Zum Verhältnis von Philosophie und Politik, herausgegeben von Otfried Höffe,
41-54. Tübingen: Francke, 2006.
Huber, Wolfgang. “Frieden, V. Kirchengeschichtlich und ethisch”. In Theologische Realenzyklopädie.
Berlin – New York: Walter de Gruyter, Band IX, 1983 (Studienausgabe Teil I, 1993), 618-646.
Huber, Wolfgang. “Friedensforschung”. In Historisches Wörterbuch der Philosophie. Darmstadt:
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Band 2, 1972, cols. 1119-1122.
Kremer, Markus. Den Frieden verantworten. Politische Ethik bei Francisco Suárez (1548–1617).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
858 Roberto Hofmeister Pich

Stuttgart: Verlag W. Kohlhammer, 2008.


Lackey D. P. The Ethics of War and Peace. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1989.
Locke, John. A Letter Concerning Toleration (1689). Edited by R. Klibansky, translated by J. W.
Gough. Oxford: Clarendon Press, 1968.
Mill, John Stuart. Sobre a liberdade. Tradução e prefácio de Alberto da Rocha Barros, apresentação
de Celso Lafer. Petrópolis: Editora Vozes, 21991.
Nardin, Terry. “War and Peace, Philosophy of.” In Routledge Encyclopedia of Philosophy, edited by
Edward Craig, 684-691. London – New York: Routledge, Vol. 9, 1998.
Nardin, Terry (ed.). The Ethics of War and Peace: Religious and Secular Perspectives. Princeton, NJ:
Princeton University Press, 1996.
Nestle, W. Der Friedengedanke in der antiken Welt. Leipzig: Philologus, 1938.
Pich, Roberto Hofmeister. “An Index of ‘Second Scholastic Authors’.” In Right and Nature in the
First and Second Scholasticism, edited by Alfredo Santiago Culleton and Roberto Hofmeister
Pich, IX-XVII. Turnhout: Brepols (Rencontres de Philosophie Médiévale, 14), 2014.
Pich, Roberto Hofmeister. “Conquest and Just War: Normative Claims for Regulating Political
Conflicts in the Thought of Francisco de Vitoria O.P. (1483–1546).” In Violence and Power:
Brazilian and German Reflections on the Middle Ages and Contemporaneity, edited by Cybele
de Almeida et alii, 102-132. Porto Alegre: DM Editora, 2017.
Pich, Roberto Hofmeister. “Revisiting the Topic of the “Law of War”: The Comments on Thomas
Aquinas’ Summa theologiae IIaIIae q. 40 aa. 1-4 by Fernando Perez (16th Century).” In
Right and Nature in the First and Second Scholasticism, edited by Alfredo Santiago Culleton
and Roberto Hofmeister Pich, 249-269. Turnhout: Brepols (Rencontres de Philosophie
Médiévale, 14), 2014.
Repgen, Tilman. “I. De restitutione – eine kommentierende Einführung”. In Francisco de Vitoria.
De iustitia – Über Gerechtigkeit Teil 2. Herausgegeben, eingeleitet und ins Deutsch übersetzt
von Joachim Stüben, mit einer Einleitung von Tilman Repgen. Stuttgart – Bad Cannstatt:
Frommann-Holzboog, 2017, XVII-LVII.
Russell, F. H. The Just War in the Middle Ages. Cambridge: Cambridge University Press, 1975.
Sallust. Bellum Catilinae. London  – New York: Heinemann  – Putnam’s Sons (Loeb Classical
Library), 1931.
Scattola, Merio. “Das Ganze und die Teile. Menschheit und Völker in der naturrechtlichen
Kriegslehre von Francisco de Vitoria”. In Francisco de Vitorias ‘De Indis’ in interdisziplinärer
Perspektive / Interdisciplinary Views on Francisco de Vitoria’s ‘De Indis’, herausgegeben von
Norbert Brieskorn und Gideon Stiening, 97-120. Stuttgart – Bad Cannstatt: Frommann-
Holzboog, 2011.
Schmid, Hans Heinrich. “Frieden, II. Altes Testament”. In Theologische Realenzyklopädie. Berlin –
New York: Walter de Gruyter, Band XI, 1983 (Studienausgabe Teil I, 1993), 605-610.
Schockenhoff, Eberhard. “The Theological Virtue of Charity (IIa IIae, qq. 23-46).” Transl. by Grant
Kaplan and Frederick G. Lawrence. In The Ethics of Aquinas, edited by Stephen J. Pope,
244-258. Washington, D. C.: Georgetown Universty Press, 2002.
Schütz, Ludwig. Thomas-Lexikon. Stuttgart – Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog (Faksimile-
Neudruck der “zweiten, sehr vergrösserten Auflage”), 1983.
Schwartz, Daniel. Aquinas on Friendship. Oxford: Clarendon Press, 2007.
Senghass, Dieter (Hrsg.). Den Frieden denken. Si vis pacem, para pacem. Frankfurt a. M.:
Suhrkamp, 1995.
Sorabji, Richard. Emotion and Peace of Mind: From Stoic Agitation to Christian Temptation.
Oxford: Oxford University Press, 2002.
Stegmüller, Friedrich. Filosofia e teologia nas Universidades de Coimbra e Évora no século XVI.
Coimbra: Universidade de Coimbra, 1959.
Stüben, Joachim. “II. Vorbemerkungen des Übersetzers”. In Francisco de Vitoria. De lege – Über
das Gesetz. Herausgegeben, eingeleitet und ins Deutsche übersetzt von Joachim Stüben, mit
einer Einleitung von Norbert Brieskorn. Stuttgart – Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog,

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre o conceito filosófico de paz 859

2010, XXXV-LIX.
Thiessen, Werner. “Frieden, III. Judentum”. In Theologische Realenzyklopädie. Berlin – New York:
Walter de Gruyter, Band XI, 1983 (Studienausgabe Teil I, 1993), 610-613.
Thumfart, Johannes. Die Begründung der globalpolitischen Philosophie. Zu Francisco de Vitorias
“relectio de indis recenter inventis” von 1539. Berlin: Kulturverlag Kadmos, 2009.
Thomas de Aquino. Summa theologiae. Cura et studio Sac. Petri Caramello cum textu et recensione
leonina. Torino – Roma: Marietti Editori, 1962.
Tosi, G. “La teoria della guerra giusta in Francisco de Vitoria”. In Figure della guerra. La riflessione
su pace, conflitto e giustizia tra Medioevo e prima età moderna, org. M. Scattola, 63-87.
Milano: Franco Angeli, 2003.
Urdanoz, Teofilo. “De los indios recientemente descubiertos – Introducción a la relección primera”.
In Francisco de Vitoria. Obras de Francisco de Vitoria – Relecciones teologicas. Edición crítica
del texto latino, versión española, introducción general e introducciones con el estudio de
su doctrina teológica-jurídica, por el padre Teofilo Urdanoz. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1960, 491-640.
Vanderpol, A. La doctrine scolastique du droit de guerre. Paris: A. Pedone, 1919.
Walzer, Michael. Just and Unjust Wars: A Moral Argument with Historical Illustrations. New York:
Basic Books, 1977.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 861-890.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0861

Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz


MARÍA MARTÍN GÓMEZ *

Abstract
The work of Francisco de Vitoria has always been related to the founding of the Salamanca
School and the defense of the rights of the Indians, as well as with the origin of other similar
groups as Coimbra, Évora or Mexico that constitute the Iberian School of Peace. But in
recent years it has been questioned that Francisco de Vitoria was the only creator of these
schools of thought. Some researchers affirm that there were other thinkers before him who
should be recognized for this merit. The purpose of this study is to show the originality of
Victoria’s doctrines and to see how they were assimilated by the members of the groups
that form the Iberian School of Peace. From our point of view, with independence of the
recent debates that have emerged around him, Francisco de Vitoria should continue to be
considered the creator of the School of Salamanca as well as of the Iberian School of Peace.
Keywords: conquest of America, Francisco de Vitoria, iberian school of peace, school of
Salamanca.

1. Consideraciones preliminares

E
n este curso 2018-19 la Universidad de Salamanca celebra su
VIII centenario desplegando las iniciativas propias de la conme-
moración y a la vez afianzando el origen de su fundación en el
año 1218. Entre los múltiples y diversos actos organizados por razón de
la efeméride, la Universidad de Salamanca ha resaltado su patrimonio
cultural, literario y filosófico, mostrándose especialmente orgullosa
de sus más grandiosos intelectuales: Miguel de Unamuno, fray Luis
de León, Pedro Ciruelo, Beatriz Galindo… De entre todos ellos, por su
importancia y relevancia internacional, cabe destacar al catedrático de
Teología Francisco de Vitoria (1484-1546) y la nómina de discípulos suyos
que podemos incluir dentro de la Escuela de Salamanca: Domingo de
Soto, Melchor Cano, Bartolomé de Medina, Domingo Báñez, Mancio de
Corpus Christi, etc. Por esta razón, la conmemoración de la Universidad

* Universidad de Salamanca, Spain.


 mariamargo@usal.es

861-890

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
862 María Martín Gómez

de Salamanca se ha convertido de algún modo en la conmemoración de


la Escuela.
No es de extrañar. En estos años pasados, sobre todo a partir de la
segunda mitad del siglo XX, hemos asistido a un florecimiento de los
estudios sobre la Escuela de Salamanca, que se aprecia en la cantidad
de trabajos publicados -casi anuales- y que a su vez nos ha llevado a la
situación actual de solicitar cursos de formación y proyectos de investi-
gación sobre estos temas, de publicar monografías y tesis doctorales sobre
los “autores salmantinos” o de preparar números monográficos como
éste que ahora mismo ve la luz. En términos coloquiales bien podríamos
hablar de un revival de la Escuela.
La materia bien lo merece. Por primera vez en mucho tiempo
tenemos la ocasión de dar un tratamiento académico, objetivo, no instru-
mentalizado, a esta etapa de nuestra historia que afecta tanto a España y
a Portugal como a sus relaciones con Iberoamérica. Liberados en cierta
medida de aquel relato tan desfavorable como fue la famosa leyenda negra1
y desprovistos de ese uso tan interesante por interesado que se hizo desde
el régimen y el nacionalismo oficial español2, comprendemos ahora cómo,
a partir de los años setenta del pasado siglo veinte, se ha podido estudiar
la Escuela de Salamanca desde perspectivas en principio más neutrales y
desapasionadas.
Pero este uso frecuente, incluso el abuso, del concepto “Escuela de
Salamanca” ha provocado que en la actualidad no sepamos muy bien a qué
se hace referencia con esta categoría historiográfica. Se suma también el
hecho de que han aparecido nuevas nominaciones y términos tales como
Escuela Ibérica de la Paz, Scholastica colonialis, escuela jurídica o escuela
económica del siglo XVI, que complican todavía más el acercamiento
y el estudio de esta época histórica. Ante esta maraña de perspectivas y
encuadres -provenientes además de áreas tan diversas como el derecho,
la teología o la filosofía-, echamos en falta una unificación e integración
del significado, siendo por tanto muy conscientes de que se ha hablado
mucho de la Escuela de Salamanca, pero no siempre de la misma manera.
Así, cuando en el año 2000, el investigador Belda Plans publicó su
notoria monografía sobre la Escuela de Salamanca, ya advertía de la nece-

1. Véase María José Villaverde Rico y Francisco Castilla Urbano (Dirs.), La sombra de la
leyenda negra (Madrid: Tecnos, 2016).
2. Francisco Castilla Urbano, El pensamiento de Francisco de Vitoria: filosofía política
e indio americano (Barcelona y México: Anthropos y Universidad Autónoma
Metropolitana, 1992), 23.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 863

sidad de entablar un debate que abordara la noción crítica sobre qué era
en verdad la Escuela de Salamanca y qué se entendía por tal3. Es más, en
un momento dado de su estudio, Belda Plans se hacía eco de las dudas que
también existían en referencia a si Francisco de Vitoria podía considerarse
el fundador único de este movimiento4. Estas y otras cuestiones sobre la
Escuela pronto traspasaron las fronteras físicas y culturales. Dieciocho
años después, el Director del Instituto Max-Planck de Frankfurt, el profesor
Thomas Duve, coordinador del proyecto The School of Salamanca: a digital
collection of sources and a dictionary of its juridical-political language, en
un artículo publicado en Alemania5 nos invitaba una vez más a abordar el
debate sobre el nuevo y viejo concepto de la Escuela de Salamanca.
Aprovechando, por tanto, la ocasión de este monográfico nos gustaría
retomar esta antigua, pero siempre actual polémica6, con el objetivo prin-
cipal de defender no tanto un concepto unívoco de Escuela de Salamanca7
cuanto el hecho de su magisterio cierto: Francisco de Vitoria fue el fundador
no sólo de la Escuela de Salamanca sino también de la Escuela Ibérica de
la Paz. A este fin necesitaremos primero delimitar qué se entiende por
Escuela de Salamanca y qué entendemos por Escuela Ibérica de la Paz,
avanzando en este capítulo primero que en este estudio vamos a utilizar
conceptos dispares a la hora de referir ambas escuelas. Veamos entonces
las características principales de estas dos corrientes de pensamiento.

3. Juan Belda Plans, La Escuela de Salamanca y la renovación de la teología en el siglo XVI


(Madrid: BAC, 2000), 147-205.
4. Ibid., 156.
5. Thomas Duve, “La Escuela de Salamanca: ¿Un caso de producción global de
conocimiento?”, Series “The School of Salamanca Working Papers” 2 (febrero, 2018).
http://publikationen.ub.uni-frankfurt.de/frontdoor/index/index/docId/37615.
6. En el año 2005 Miguel Anxo Pena también señalaba que el debate sobre el concepto
de “Escuela de Salamanca” estaba lejos de resolverse. Ver Miguel Anxo Pena,
“Aproximación histórica al concepto «Escuela de Salamanca»”, Salmanticensis 52
(2005): 69.
7. María Idoya Zorroza ya publicó un artículo con el objetivo de defender un concepto
estricto de Escuela de Salamanca. Ver María Idoya Zorroza Huarte, “Hacia una
delimitación de la Escuela de Salamanca”, Revista empresa y humanismo 16, no. 1
(2013): 53.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
864 María Martín Gómez

2. Hacia una delimitación de los conceptos “Escuela de


Salamanca” y “Escuela Ibérica de la Paz”

Como ya se ha señalado, debido precisamente al carácter interdis-


ciplinar del propio movimiento, la Escuela de Salamanca ha sido estu-
diada desde varios enfoques y puntos de vista. Se ha considerado desde
la teología, la filosofía, el derecho, la política, la historia o la economía,
sin que ninguna de estas disciplinas llegue a agotar del todo su valor y
significado. Y esto es así porque los autores del siglo XVI conjugaban
una miscelánea de materias y fuentes, mezclando en sus escritos textos
provenientes de la antigua medicina hipocrática con las lecturas de poetas
clásicos o filósofos paganos.
En esta “mezcolanza ideológica” de temas y problemas -el tema
como problema- radica el humanismo propio de la Escuela de Salamanca.
Formados en el ambiente intelectual del siglo XVI, estos autores, esco-
lásticos y renacentistas, armonizan su amor por los Studia Humanitatis
con la devotio moderna y modernizadora. Nos situamos, por tanto, en los
orígenes de la modernidad, pero con algunas diferencias con respecto a
otras modernidades. Frente a un discurso renovador o innovador, como
por ejemplo el de Maquiavelo, los autores de la Escuela de Salamanca
seguirán priorizando el uso de la recta razón (cristiana y virtuosa) y no el
de otro tipo de razones más prácticas o eficaces.
Al movernos en un ámbito religioso y teológico hay que destacar
que los miembros de esta escuela partían de una concepción muy amplia
de la teología estrechamente apegada al significado etimológico y literal
del término: ciencia del estudio de Dios. Pero como Dios era el creador
providente y hacedor de todas las cosas existentes, es lógico que estos
teólogos de oficio estudiaran cualquier objeto de experiencia posible que
siempre encajaba dentro de su jurisdicción. De esta manera, encontramos
entre sus múltiples obras, tratados de cosmología y botánica, libros sobre
contratos económicos o rutas comerciales y de navegación, ensayos de
filosofía y antropología, normas jurídicas del derecho y la moral, o dispu-
taciones generales sobre las más altas cuestiones de espiritualidad.
Ante este panorama tan heteróclito es lógico que muchos investiga-
dores actuales hayan utilizado el término general “Escuela de Salamanca”
para referirse a todo el vasto conjunto de filósofos, juristas, científicos y
teólogos de los siglos XV, XVI y XVII, sin tener en cuenta ninguna limi-
tación restrictiva. La denominación Escuela de Salamanca vendría a ser
sinónima entonces de Escolástica (segunda Escolástica o Scholastica colo-

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 865

nialis, si se quiere8), o incluso, yendo un paso más allá, podría significar


una categoría más amplia como la del Renacimiento hispano, Modernidad
latina o Siglo de Oro. Desde esta última consideración pensadores tan
diversos como Francisco de Vitoria, Tomás de Mercado, Juan Ginés de
Sepúlveda, Martín de Azpilcueta o Jerónimo Valera conformarían la
nómina de intelectuales que bien podríamos designar como miembros de
pleno derecho de la Escuela de Salamanca.
¿Cuáles son las ventajas de comprender de una forma tan extensa
la Escuela? En primer lugar, se mantiene esa interdisciplinariedad y
conjunción entre las distintas áreas y saberes que en un momento dado
nos permite hablar de estos autores como creadores de una corriente de
pensamiento que no se deja encasillar fácilmente en la teología y tampoco
en la filosofía. Fueron sus miembros sabios, eruditos y humanistas en
el más amplio sentido de la palabra y es lógico que se les estudie desde
cualquier rama de conocimiento: “soy hombre, nada de lo humano me es
ajeno”.
Igualmente, otro de los beneficios que obtenemos en esta amplia
caracterización, es el de poder vanagloriarnos de que, dentro de la Escuela
de Salamanca, coexisten nombres tan célebres como Bartolomé de las
Casas, Domingo de Soto, Diego de Covarrubias, Alonso de la Veracruz o
fray Luis de León.
Pero como en cualquier disyuntiva humana se nos hace también
presente la otra cara de la moneda. Al manejar un concepto tan extenso
como el de Escuela de Salamanca perdemos el significado propiamente
de Escuela. Porque los autores citados como ejemplos de celebridad nada
tienen en común como miembros integrantes de una “escuela” o “corriente
de pensamiento”, si entendemos por tal un conjunto de profesores, alumnos
y discípulos que comparten una misma enseñanza9. En efecto, más allá de

8. En el proyecto titulado “Scholastica colonialis: Reception and Development of Baroque


Scholasticism in Latin America in the Sixteenth to Eighteenth Centuries”, los profesores
Roberto Hofmeister Pich y Alfredo S. Culleton se planteaban catalogar los materiales
de la temprana y moderna escolástica (el Barroco) que podían rastrearse en las
Bibliotecas de Iberoamérica. Ver Roberto Hofmeister Pich y Alfredo S. Culleton,
“Scholastica colonialis: reception and development of Baroque Scholasticism in
Latin-American countries, 16th-18th Centuries (2010-2012)”, Bulletin de philosophie
medieval 54 (2012): 59-74.
9. La RAE, en su séptima y octava acepción, admite que “Escuela” viene a significar un
“Conjunto de discípulos y seguidores de una persona o de su doctrina, su arte, etc.” y
“En literatura y en arte, conjunto de rasgos comunes y distintivos que caracterizan las
obras de un grupo, de una época o de una región”. Diccionario de la lengua española, s.
v. “Escuela”, fecha de acceso: 29 de septiembre de 2018, http://dle.rae.es.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
866 María Martín Gómez

ocuparse, todos ellos, de cuestiones jurídicas, morales o religiosas, apenas


encontramos afinidades de pensamiento entre un jesuita, pongamos por
caso, como Luis de Molina, que se incluye en muchos estudios como
formando parte de la Escuela, y un dominico como Domingo Báñez, que
profesó en Salamanca. Es más, en el caso de estos dos autores que ahora
contemplamos, en rigor, ambos pensadores, teólogos, representan posi-
ciones claramente opuestas y como tal van a protagonizar precisamente
ellos dos una de las polémicas más controvertidas del siglo XVI. Me estoy
refiriendo a la polémica de auxiliis que terminará siendo juzgada por los
Papas Clemente VIII y Paulo V en Roma10.
Tampoco se nos oculta que al equiparar la Escuela de Salamanca con
el renacimiento hispano o con la Scholastica colonialis venimos en cierta
manera a vaciar de significado el segundo determinante que acompaña al
nombre de la Escuela: el de Salamanca. Porque buena parte de los escri-
tores que se incluyen en la Escuela de Salamanca así entendida en realidad
ni se formaron en los colegios de Salamanca ni tampoco enseñaron en su
Universidad. Es verdad que todos los que se citan fueron seguidores y
receptores de las ideas de la Escuela de Salamanca, pero entonces, por
qué no llamarlos precisamente así, discípulos o receptores de la Escuela.
En línea con este análisis, en 1955 el investigador Raymond de Roover
ya mostraba el peligro de confundir alumnos, discípulos y sucesores en
la Escuela de Salamanca y estudiar a todos bajo un mismo rango11. Por
esta razón, unos años más tarde, el mencionado Belda Plans, proponía
una división entre los fundadores, los sucesores y los continuadores para
aclarar este problema. En la actualidad algunos estudiosos han propuesto
denominar a esta corriente de autores como la “Proyección de la Escuela
de Salamanca”12.

10. Vicente Beltrán de Heredia, Domingo Báñez y las controversias sobre la gracia: textos y
documentos (Madrid: CSIC, 1968), 660-661.
11. Raymond de Roover, “Scholastic Economics: Survival and Lasting Influence from
the Sixteenth Century to Adam Smith”, The Quarterly Journal of Economics 69, no. 2
(1955): 167.
12. Belda, La Escuela de Salamanca, 170-182. Ver también, entre otros, Antonio García y
García, “Proyección de la Escuela de Salamanca en América: Primeras interpretaciones
de la historia de las conquistas hispanas en Indias”, Cuadernos salmantinos de filosofía
(Ejemplar dedicado a: La Escuela de Salamanca y el Pensamiento Iberoamericano: teoría
y praxis) 30 (2003): 45-57; Miguel Anxo Pena González, “La(s) Escuela(s) de Salamanca:
Proyecciones y contextos históricos”, en Universidades hispánicas: colegios y conventos
universitarios en la Edad Moderna, coord. por Luis Enrique Rodríguez San Pedro
Bezares y Juan Luis Polo Rodríguez, vol. 2 (Salamanca: Universidad de Salamanca,
2010), 185-240; José Barrientos García, Repertorio de moral económica (1526-1670): la

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 867

Ante los inconvenientes que presenta una concepción de tanto


alcance, otros especialistas han preferido limitar el concepto Escuela de
Salamanca y referirlo tan sólo a aquellos profesores que en el siglo XVI
impartían clase en la Facultad de Teología de la Universidad de Salamanca,
dejando, por tanto, fuera a los filósofos, gramáticos y a todos los juristas13.
Según esta última acepción, la Escuela se circunscribiría al ámbito de
la teología (recuérdese, una disciplina, la teología, mucho más dilatada
y de corte más práctico y moral que otras teologías al uso) y acogería a
aquellos profesores catedráticos que pensaron los problemas propios del
siglo XVI (sobre todo los provenientes de la conquista americana: escla-
vitud, derecho de gentes, guerra justa, moral económica, etc.). El resto
de los autores que no encajan en esta definición o bien serían conside-
rados simples discípulos o bien constituirían una segunda generación de
la Escuela.
Pero como toda novedad que se precie tampoco esta opción carece
de dificultades. Defender que todos los catedráticos de la Facultad de
Teología de la Universidad de Salamanca en el siglo XVI fueron miembros
o formaron parte de la Escuela de Salamanca es desconocer el ambiente
de luchas y rencillas personales que se vivieron en los edificios de las
Escuelas Mayores. Desde esta situación se entiende que un humanista
como fray Luis de León, que además fue catedrático de Teología en la
Universidad de Salamanca, lejos de formar parte de la Escuela, fuera, en
realidad, “una víctima” de ella14. El enfrentamiento que tuvo lugar entre
fray Luis de León y otros maestros salmantinos, como Martín Martínez

Escuela de Salamanca y su proyección (Barañáin, Navarra: EUNSA, 2011) u Osvaldo


Víctor Pereyra, “Un estudio socio-métrico del tema de la moral económica y de su
proyección en la Escuela de Salamanca, 1526-1670”, Historiografías: revista de historia
y teoría 7 (2014): 55-84.
13. Salustiano de Dios ha sido uno de los que más han estudiado la importancia de
los juristas en la Universidad de Salamanca. Cfr. Salustiano de Dios de Dios, Javier
Infante Miguel-Motta y Eugenia Torijano Pérez, Juristas de Salamanca siglos XV-XX
(Salamanca: Universidad de Salamanca, 2009); Salustiano de Dios de Dios y Eugenia
Torijano Pérez, Cultura, política y práctica del derecho juristas de Salamanca, siglos XV-
XX (Salamanca: Universidad de Salamanca, 2012) o Estudios sobre jurisprudencia y
juristas en la Corona de Castilla: (siglos XV-XVII) (Valladolid: Junta de Castilla y León,
Consejería de Cultura y Turismo, 2016).
14. Sostiene José Barrientos: “No todos los escolásticos españoles de los referidos siglos
pueden catalogarse como miembros de la Escuela, ya que esto ni siquiera puede decirse
de todos los profesores salmantinos. Así, fray Luis de León, que explicó Teología en
distintas cátedras de la Universidad de Salamanca […] más que un miembro de la
Escuela entiendo que fue una víctima de ella”. José Barrientos, Repertorio de moral
económica (1526-1670), 19.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
868 María Martín Gómez

Cantalapiedra y Gaspar de Grajal, con reconocidos miembros de la Escuela


de Salamanca como Bartolomé de Medina, Mancio de Corpus Christi o
Domingo Báñez, hace muy difícil agruparlos ahora en una misma línea
de pensamiento. Sobre todo porque los tres primeros autores referidos
(fray Luis de León, Martín Martínez Cantalapiedra y Gaspar de Grajal)
pasaron más de cuatro años encarcelados en las prisiones inquisitoriales
(Gaspar de Grajal incluso fallece en prisión) precisamente por oponerse
ideológicamente a algunos de los pilares básicos del pensamiento de la
Escuela (por ejemplo a la primacía y actualización del tomismo). Por este
motivo, y también por una suerte de reconocimiento intelectual, se nos
hace muy difícil aceptar ahora que estos profesores de Salamanca y sus
denunciantes pudieran formar parte de una misma Escuela15.
Debido a este tipo de posiciones y situaciones existe un tercer uso
del concepto Escuela de Salamanca, mucho más restringido, que viene a
defender que solamente serían miembros de la Escuela aquellos maestros
teólogos de la Universidad de Salamanca que en el entorno del siglo XVI
decidieron renovar el tomismo y aplicar sus filosofemas a las cuestiones
morales y antropológicas de la época. (Se descartaría así la inclusión de
estos otros teólogos no tan escolásticos). El tomismo, y por ende algunos
aspectos del aristotelismo, sería la nota distintiva del pensamiento de la
Escuela. Desde esta consideración la Suma Teológica de Santo Tomás
será el libro por excelencia seguido por la Escuela y en la Universidad
de Salamanca son muchos los maestros que explicarán sus lecciones -y
toda la problemática surgida en las Américas- desde esta magna obra. El
profesor José Luis Fuertes lo ha expuesto muy bien en un estudio titulado
“Pedro Lombardo o Santo Tomás, he ahí el dilema”16.
Por lo demás, y como la pauta de interpretación de la obra del Aquinate
venía marcada por la lectura que de su pensamiento se hacía desde la
orden dominicana, especialmente desde el convento de San Esteban, se
entiende que la Escuela de Salamanca en la práctica quedaba dominada
en buena medida por el grupo de teólogos dominicos de Salamanca.
Así las cosas, asistimos a la posibilidad de encontrar ventajas e incon-
venientes en esta nueva formulación de la Escuela de Salamanca. Las

15. Cfr. María Martín Gómez, La Escuela de Salamanca, fray Luis de León y el problema de
la interpretación (Pamplona: EUNSA, 2017), 38.
16. José Luis Fuertes Herreros “Una filosofía para el viejo y nuevo mundo en la Universidad
de Salamanca, siglos XV-XVI”, en La Escuela de Salamanca. Filosofía y Humanismo
ante el mundo moderno, ed. por Ángel Poncela González (Madrid: Editorial Verbum,
2015), 30.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 869

ventajas son claras. La utilidad de este acotamiento es manifiesta pues de


esta manera se salvaguarda la idea de Escuela y se preserva para aquellos
teólogos -en su mayoría escolásticos- que trabajaron juntos manteniéndose
así la prioridad de Salamanca como centro de saber y eje vertebrador de
la Escuela. Al referirnos ahora a un grupo más reducido de autores, en su
mayoría dominicos o teólogos afines, conservamos además el significado
de Escuela, incluso el de Escuela monástica, ya que no debe olvidarse el
importante papel que ejercía en la Universidad de Salamanca el convento
de San Esteban. De esta manera podemos imaginar cabalmente un grupo
de pensadores unidos alrededor de la figura de Francisco de Vitoria, con
quien fueron conformando una doctrina moral, antropológica y jurídica,
basada en la actualización de la filosofía aristotélico-tomista.
¿Objeciones a esta formulación? Debemos reconocer que también las
hay. Vincular la Escuela de Salamanca, con toda su proyección nacional
e internacional, su prestigio y reconocimiento, a un grupo tan limitado
de teólogos escolásticos, nos parece comprimir en exceso su significado y
trascendencia. Aún más, al utilizar una definición como esta, actuaríamos
en contra de nuestros propios intereses. ¿Cómo concluir en un trabajo
como este, sobre la Escuela Ibérica de la Paz, que al final la Escuela de
Salamanca sólo la conforman nombres como Vitoria, Soto, Cano, Medina
y Báñez? De ningún modo podemos reducir. Si nuestros colegas extran-
jeros conocen la Escuela de Salamanca es porque en ella se incluyen
otros autores y pensadores tan sobresalientes como Tomás de Mercado,
Bartolomé de las Casas o Francisco Suárez. Al eliminarlos a ellos ¿no nos
eliminamos un poco también a nosotros mismos?
Del mismo modo, esta última acepción, tampoco salvaguarda los
planteamientos de la Universidad de Salamanca. Al ceñir tanto la doctrina
de la Escuela al tomismo y a la interpretación que se hacía desde el
convento de San Esteban, el estudioso tiene la sensación de que se supedita
más a la orden de los predicadores que propiamente a la Universidad de
Salamanca como foco de formación. Se pierde así la parte institucional
y académica del estudio salmantino: sus constituciones, la forma de
proceder, el método, la naturaleza de sus enseñanzas o su propia idiosin-
crasia. Todo esto lo ha investigado a la perfección la profesora Águeda
Rodríguez Cruz en sus estudios sobre la Universidad de Salamanca y la
proyección ulterior que tuvo en las Universidades de Hispanoamérica. En
ellos Águeda Rodríguez ya se percató de que en la asimilación del modelo

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
870 María Martín Gómez

salmantino en otras partes del mundo era inevitable alguna modificación17.


También la historiadora Ana Carabias ha coincidido en esto mismo en un
estudio sobre las ideas científicas que aparecieron en Salamanca y que se
fueron difundiendo por toda Europa18.
Así las cosas, algunos compañeros estudiosos de estos temas (Pedro
Calafate de la Universidad de Lisboa o Paulo Roberto Pereira de la
Universidad Federal Fluminense de Brasil) prefieren hablar de diversas
Escuelas (Coimbra, Évora, Salamanca, Alcalá, Sao Paulo, México, Lima) y
utilizar la expresión “Escuela Ibérica de la Paz” para hacer referencia a las
relaciones que guardan los integrantes de todas ellas en cuestiones de ética
y política surgidas sobre todo tras la conquista de América19. Según los
defensores de esta última propuesta, con esta forma de hacer, se consigue
distinguir los matices que caracterizan a las diversas Universidades que
progresivamente se fueron fundando, primero en la Península Ibérica y
luego en Iberoamérica, y se tiene también una fórmula histórica capaz
de aunar a todos los autores bajo el rótulo “Escuela Ibérica de la Paz”20.
Aparecen así nuevos pensadores como es el caso de Pedro Simões, António
de São Domingos y Fernando Perez en Portugal21 o Manuel da Nóbrega y
el Padre Vieira, con una influencia manifiesta en Brasil22.

17. Según sus propias palabras: la irradiación de la Universidad de Salamanca en


Hispanoamérica “fue una expansión y difusión del modelo, pero no fue una mera
recepción del mismo, sino una reconversión, porque en cada situación, lugar, centro,
se dio de una manera específica, propia, contando con el sujeto y escenario que recibe”.
Cfr. Águeda Rodríguez Cruz “El modelo universitario salmantino y su reconversión
en Hispanoamérica”, en La Universidad de Salamanca y sus confluencias americanas.
Miscelánea Alfonso IX 2002, coord. por Luis Enrique Rodríguez San Pedro Bezares
y Juan Luis Polo Rodríguez, (Salamanca: Universidad de Salamanca, 2008), 151.
Puede consultarse asimismo su libro La Universidad de Salamanca en Hispanoamérica
(Salamanca: Universidad de Salamanca, 2005).
18. Ver su conferencia “El nacimiento de ideas científicas en Salamanca en la época del
Renacimiento”. Vídeo disponible online.
19. Pedro Calafate y Ramón Emilio Mandado Gutiérrez (eds.), Escuela Ibérica de la Paz.
La conciencia crítica de la conquista y colonización de América (Santander: Universidad
Cantabria, 2014).
20. Pedro Calafate, “A Escola Ibérica da Paz nas universidades de Coimbra e Évora
(séculos XVI e XVII)”, Revista de Hispanismo Filosófico. Historia del Pensamiento
Iberoamericano 19, (2014): 119-120.
21. Pedro Calafate, A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora (Século
XVI), volúmenes I y II (São Paulo: Almedina, 2015).
22. Ver Paulo Roberto Pereira “Introdução. O quinto centenario de Manuel da Nóbrega”,
en Manuel da Nóbrega. Obra completa, ed. Paulo Roberto Pereira (Rio de Janeiro y São
Paulo: Puc-Rio y edições Loyola, 2017), 13-42.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 871

En este sentido, se propone utilizar la denominación “Escuela de


Salamanca” para el grupo que pensó los problemas jurídicos y morales
desde Salamanca y “Escuela Ibérica de la Paz” para aquellos autores que,
influidos directa o indirectamente por la Escuela de Salamanca, estudian
estos mismos temas y problemas desde otros lugares, centros y univer-
sidades. Esta sucinta metodología nos permite diferenciar los grupos de
saber observando además qué aspectos añadían cada uno de ellos en cada
momento (Francisco Suárez, por ejemplo, ampliará los casos de tirani-
cidio), qué presencias o influencias tenía cada orden (los jesuitas tuvieron
mayor presencia en Portugal o en Brasil) o simplemente notar cómo se va
radicalizando el discurso de Salamanca cuando los problemas se pensaban
no en el claustro sino in situ, en el propio lugar de los hechos. (Bartolomé
de las Casas o Alonso de la Veracruz escribieron sus obras conociendo de
primera mano las críticas que se estaban denunciando desde América).
Esta última idea ya fue apuntada por Jaime Brufau cuando sostuvo que

estamos, pues, ante un esfuerzo genial por adecuar las tesis vitorianas,
que, como hemos dicho, se movían sobre bases hipotéticas, a la real
coyuntura concreta del momento histórico, decantándolas, perfilándolas
y modificándolas para darles virtualidad y eficacia en la situación objetiva
de la realidad americana de entonces. En este talante activo y atento
aflora, en esta primera generación de la Escuela, el aspecto dinámico y
creador de la misma23.

La misma hipótesis ha sido respaldada por el especialista en el


pensamiento de Francisco de Vitoria, Luciano Pereña, quien, en los años
ochenta, ya elaboró un estudio acerca de cómo se fueron “trasplantando”
en la sociedad colonial las ideas elaboradas por la Escuela de Salamanca24.
Pasemos entonces a investigar si bajo esta nueva interpretación todavía
podemos aceptar el reconocimiento de la figura del dominico Francisco
de Vitoria como fundador de este pensamiento.

23. Jaime Brufau, “Revisión de la Primera generación de la Escuela”, en Francisco de


Vitoria y La Escuela de Salamanca. La ética en la conquista de América, coord. por
V.V.A.A. (Madrid: CSIC, 1984), 387.
24. Luciano Pereña “La Escuela de Salamanca y la duda indiana”, en Ibid., 320 y ss.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
872 María Martín Gómez

3. Francisco de Vitoria ¿fundador de ambas Escuelas?

Teniendo en cuenta que el magisterio de Francisco de Vitoria en


Salamanca se inicia en 1526, tras haber conseguido la cátedra de Prima
de Teología, parece oportuno sostener que la Escuela de Salamanca,
y también la Escuela Ibérica de la Paz, surgieron a partir de este año.
Durante mucho tiempo nadie cuestionó esta datación. Se entendía que
tras su llegada a Salamanca, Vitoria habría encontrado, tanto en las aulas
de la Universidad como en el convento de San Esteban, un número de
alumnos suficiente que estarían dispuestos a “sumarse a sus planes para
renovar la teología”25. Así debió suceder y gracias a esta circunstancia
docente, el maestro pudo conformar una Escuela, filosófica y religiosa,
cuyas ideas iban a ser divulgadas de inmediato por todos sus discípulos.
En su cátedra de teología de Salamanca, Vitoria introdujo algunas
actividades seguramente muy innovadoras para la época. Sus prácticas
principales consistieron en explicar las lecciones escolares desde la
Suma Teológica de Santo Tomás, desplazando así al Libro de Sentencias
de Pedro Lombardo, e introducir la práctica del dictado en sus clases.
Este método de enseñanza, el dictado, posibilitó que los alumnos, en sus
viajes a América y sobre todo a Portugal26, llevasen consigo copias de
las lecciones de Vitoria que reflejaban bastante fielmente la doctrina del
maestro salmantino.
Pero no necesariamente las cosas son así o se admiten así. Desde
hace algún tiempo no existe conformidad -ni mucho menos unanimidad-
entre los investigadores y estudiosos para aceptar cómodamente que
Francisco de Vitoria liderase esta corriente de pensamiento salamantino.
Estudios recientes sobre la Escuela de Salamanca han venido a enfrentar
esta opinión reclamando la relevancia de otros pensadores, anteriores y
posteriores a Vitoria, que igualmente podrían considerarse creadores o
cofundadores de esta misma escuela. Así, el profesor de la Universidad
Pontificia de Salamanca, Miguel Anxo Pena, ha sostenido que “Vitoria,
como cualquier autor, no surge de la nada, sino que tiene unos maestros y
unas fuentes, unas personales y otras comunes, que dan sentido y ayudan
a desarrollar y ampliar su mente, para poder dar clara respuesta a las cues-

25. La expresión es de Vicente Beltrán de Heredia, Francisco de Vitoria (Barcelona: Labor,


1939), 42.
26. Según Vicente Beltrán, a las lecciones de Vitoria “asistían muchos portugueses” que
serán los que difundan su doctrina por el país lusitano. Ibid., 36.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 873

tiones teológicas que se le plantean”27. En este sentido Miguel Anxo Pena


destaca a Diego de Deza, antes que a Vitoria, como pionero adelantado que
“explicó tomismo puro en la Universidad de Salamanca” promoviendo así
la apertura de los “reinos hispanos a la aceptación del Doctor Angélico”28.
Otros intérpretes han resaltado asimismo la importancia que con
anterioridad a Vitoria habrían tenido los textos de Palacios Rubios, el
tratado de Matías de Paz Acerca del dominio sobre los indios o el discurso
de fray Antón de Montesinos en la formación y elaboración de las prin-
cipales ideas de la Escuela de Salamanca29. Ricardo García Villoslada va
incluso más allá y destaca la preponderancia de los maestros parisinos
que a su juicio tuvo el propio Vitoria en la Sorbona30.
Paralelamente, investigadores como Cirilo Flórez, José Luis Fuertes
y José Luis Villacañas, propusieron, en el año 2011, la realización de
un seminario monográfico sobre lo que ellos mismos denominaron “la
primera Escuela de Salamanca”. Se trataba, en definitiva, de mostrar que
la Escuela de Salamanca no apareció en 1526 de forma espontánea. Al
contrario, existían antecedentes en la propia Universidad de Salamanca
que hicieron posible la implantación de estas doctrinas. Así se recoge en el
libro La primera Escuela de Salamanca (1406-1516)31, donde se estudia la
influencia de algunos profesores catedráticos del siglo XV, como Fernando
Roa, el Tostado o Pedro de Osma, que seguramente pudieron repercutir
en el desarrollo de las doctrinas de Vitoria. ¿Tenía España un suelo propio
de donde brotaron con mayor facilidad las ideas de libertad e igualdad
que proponían estos autores? Los participantes en aquel congreso defen-
dieron esta posición. El humanismo del siglo XV, el influjo de las familias
conversas, la guerra de los comuneros y otros movimientos propios como

27. Miguel Anxo Pena, “Aproximación histórica”, 80.


28. Ibid., 78.
29. Ver Eloy Bullón y Fernández, El problema jurídico de la dominación española en
América antes de las «Relecciones» de Francisco de Vitoria (Madrid: imprenta la Rafa,
1933), 7 y Luis Alonso Fajardo, “Fray Antón de Montesinos: su narrativa y los derechos
de los pueblos indígenas en las constituciones de Nuestra América”, Hallazgos 10, no.
20 (2013): 222. Este último sostiene allí que: “La historia confirma que los pioneros
de este pensamiento son, sin duda, esa comunidad dominicana, quienes en 1511
eligieron a fray Antón para proclamar el sermón que proclama la lucha de los derechos
humanos”.
30. Ricardo García Villoslada, La Universidad de Paris durante los estudios de Francisco de
Vitoria. (1507-1522) (Roma: Universitatis Gregorianae, 1938).
31. Existe una errata en el título del libro. No sería 1516 sino 1526. Cfr. Cirilo Flórez,
Maximiliano Hernández y Roberto Albares, La primera Escuela de Salamanca (1406-
1516) (Salamanca: Universidad de Salamanca, 2012).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
874 María Martín Gómez

el misticismo o el alumbradismo permitieron el surgimiento y emersión


de juicios tan novedosos como los que emite Vitoria a propósito del tirani-
cidio, la guerra justa o la potestad civil.
Con todo, nuevas disconformidades se aprecian en esta nueva
datación. Si utilizamos la expresión “Primera Escuela”, para designar el
siglo XV, se tiene la impresión de que la Escuela del siglo XVI sería la
“Segunda”, lo que de algún modo rebajaría su categoría e importancia.
¿No sería más apropiado utilizar la expresión “antecedentes de la Escuela
de Salamanca” para referirnos a estos precedentes?
No obstante, y con una pretensión semejante, también se ha señalado,
indirecta o veladamente, que si algún autor debe ser reconocido como el
verdadero creador de la Escuela de Salamanca y, por tanto, de la Escuela
Ibérica de la Paz, este debería ser el dominico Domingo de Soto. Así lo
hace la investigadora María Idoya Zorroza, en un artículo reciente, que
versa precisamente sobre la actualidad de Francisco de Vitoria, en el que
se presenta a Soto como “co-fundador con Vitoria de dicha Escuela”32. No
en vano, Domingo de Soto llegó antes que Vitoria a Salamanca, esto es, en
152533, y tuvo una clara influencia en el auge y difusión de las ideas de la
Escuela, entre otras razones, por su participación en el Concilio de Trento.
No sólo eso, en 1535, Domingo de Soto, en el contexto de la polémica
americana, ya impartió una Relección titulada De dominio, antes, por
tanto, de que Francisco de Vitoria confeccionara las suyas Sobre los indios.
Domingo de Soto, ha afirmado sin tapujos el profesor Merio Scattola, fue
quien verdaderamente se esforzó en dar a conocer las doctrinas que se
estaban enseñando en la Universidad de Salamanca, publicando además
la que puede considerarse “gran obra” de la Escuela de Salamanca, su libro
De iustitia et Iure34. Fue también Domingo de Soto quien se preocupó de
reunir “todas las obras” de Francisco de Vitoria y divulgar el pensamiento
de su compañero dominico. No debemos olvidar que, más allá de una

32. María Idoya Zorroza, “Francisco de Vitoria: actualidad y perspectivas para su estudio”,
Azafea. Revista de Filosofía, 18 (2016): 58.
33. Vicente Beltrán de Heredia, Domingo de Soto. Estudio biográfico documentado
(Salamanca: Biblioteca de teólogos españoles, 1960), 504.
34. Merio Scattola, “Domingo de Soto e la fondazione della scuola di Salamanca”, Veritas:
revista da Pontificia Universidade Catolica do Rio Grande do Sul 54, no. 3 (2009): 56.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 875

serie de prólogos35, Francisco de Vitoria no publicó nada en vida y buena


parte de su filosofía la conocemos sobre todo por Domingo de Soto36.
Para muchos historiadores estas circunstancias hacen de Domingo
de Soto una suerte de Platón redivivo, actualizando, en clave hispana, el
viejo debate sobre quién fue el instaurador del sistema de las ideas (Platón
o Sócrates). Así en nuestra Escuela. Dependiendo del lado que inclinemos
la balanza, el verdadero ideador de la Escuela de Salamanca, y de sus
doctrinas en favor de la igualdad, la libertad y la dignidad de los seres
humanos, bien podría ser Domingo de Soto. El año de 1526, como fecha
origen de la Escuela, resulta entonces poco oportuno. Mejor sería hablar
de 1556, sostienen los sotistas, que es cuando Domingo de Soto publica la
segunda edición, mejorada y revisada, de su tratado De iustitia et iure, del
que sólo en el siglo XVI se imprimieron más de veinte ediciones.
Ante esta nueva polémica vamos a exponer a continuación qué
novedades (méritos) presenta Francisco de Vitoria en sus enseñanzas y
doctrinas con respecto a otros pensadores como para haber podido cons-
tituir una Escuela Ibérica de la Paz.

4. Principales características del pensamiento de Francisco de Vitoria

En este apartado queremos evitar los comentarios que en múltiples


estudios se han vertido sobre Francisco de Vitoria y la singularidad de su
obra. Nuestro propósito ahora no es presentarlo nuevamente como creador
del derecho internacional o como teórico de los derechos humanos. El
objetivo de esta parte de nuestro estudio es en realidad doble. Por una
parte queremos subrayar las tesis originales de Vitoria, que podrían dife-
renciarle de otros pensadores anteriores a él, para, acto seguido, mostrar
cómo estas doctrinas fueron asimiladas con posterioridad por otros
pensadores (sus discípulos). La finalidad de seguir este esquema significa
en el fondo mantener que, con independencia de los debates que en los
últimos años se han ido sucediendo, Francisco de Vitoria puede conside-
rarse como el verdadero fundador de la Escuela de Salamanca y al mismo

35. Los prólogos se encuentran editados en Simona Langella, La ciencia teológica de


Francisco de Vitoria y la Summa Theologiae de santo Tomás de Aquino en el siglo XVI a la
luz de textos inéditos, traducción de Juan Montero Aparicio (Salamanca: San Esteban,
Biblioteca de Teólogos Españoles, 2013).
36. La Universidad de Salamanca nombró una comisión integrada por Soto, Cano y
Sancho para publicar los manuscritos de Vitoria. Cfr. Luciano Pereña “La Escuela de
Salamanca y la duda indiana”, 298.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
876 María Martín Gómez

tiempo el creador de la Escuela Ibérica de la Paz. Comencemos entonces


con la premisa mayor: por qué el maestro Vitoria -y no otros teólogos o
juristas- puede ser apreciado como el padre de estas dos Escuelas.
Como ya se ha señalado, una de las principales novedades de la
práctica docente de Vitoria en Salamanca, que seguramente posibilitó la
creación de una escuela en torno a su figura, fue precisamente el uso del
dictado. En una época en la que las ideas necesitaban su tiempo para
ser asimiladas y, por ende, difundidas, los apuntes dictados por Vitoria
correrán de mano en mano entre los estudiantes de la Universidad de
Salamanca. Naturalmente enseguida pasarán a los estudiantes ameri-
canos cuando se instauren las primeras universidades en América. Como
ha señalado Reyes Mate, en un artículo de investigación, los españoles
que viajaban a América iban acompañados de sus libros y “cuando estos
corrían peligro de naufragio, como le ocurrió en Campeche a la expedición
de Las Casas con 46 dominicos de San Esteban en 1544, los frailes ponían
tanto empeño en salvar a los hombres como a los libros”37.
El hecho de que la mayoría de estos evangelizadores, primeros en
pisar tierras americanas, fueran dominicos, formados precisamente en
Salamanca, hizo posible la difusión de las ideas de Vitoria y en buena
medida facilitó el hecho de que podamos hablar de él como el fundador de
una Escuela de pensamiento. Frente al discurso de Antón de Montesinos,
que será recogido por Bartolomé de las Casas, tiempo después, en su
Historia de las Indias, o incluso frente al tratado de Matías de Paz, que fue
escrito por mandato real, como dictamen, con una circulación limitada38,
los apuntes de Vitoria -aunque no fueran publicados por su autor- fueron
mucho más leídos y comentados que los escritos de estos autores.
Además, el hecho mismo de que Vitoria ocupara la cátedra de Prima
en la Facultad de Teología de la Universidad de Salamanca le permitía
tener acceso a un buen número de estudiantes que acudían cada año a
formarse en Salamanca, proviniendo desde distintas partes del mundo.
Vicente Beltrán de Heredia ha realizado un recuento aproximado y cree
que los alumnos que pasaron por las aulas de Francisco de Vitoria pueden
estimarse en torno a unos cinco mil39. Teniendo en cuenta que cada año
asistían a sus lecciones cerca de un millar, tan sólo en el curso académico

37. Manuel Reyes Mate, “Estos, ¿no son hombres?” La pregunta en tiempos de peligro”,
Cuadernos de Filosofía Latinoamericana 33, no. 107 (2012): 31.
38. Matías de Paz, Acerca del dominio sobre los indios (Salamanca: San Esteban, 2017), 17
y 20.
39. Beltrán, Francisco de Vitoria, 176-177.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 877

1538-1539, que es cuando imparte sus famosas Relecciones Sobre los


Indios40, Vitoria cuenta con más público que cualquiera de los otros autores
que pudieran “disputarle” la fundación de la Escuela de Salamanca.
A ello se suma su propio carisma pedagógico, que según el propio
Beltrán de Heredia, no poseía ningún otro dominico; ni siquiera Domingo
de Soto41. Según sabemos por testimonios de la época, cuando Francisco
de Vitoria comenzó a impartir clases en Salamanca y seguir el orden de la
Suma Teológica de Santo Tomás, provocó que otras cátedras de la Facultad
de Teología se vaciaran de colegiales. Ya fuera por sus propias dotes, ya
porque los estudiantes preferían el orden de la Suma, lo cierto es que el
éxito de Vitoria fue desmedido. A este respecto es popularmente conocido
un famoso relato, según el cual, estando el maestro Vitoria muy enfermo,
los estudiantes acudían al convento de San Esteban para trasladarle a la
Universidad, alzado en una silla, con el único fin de seguir escuchando sus
lecciones42. Todas estas crónicas, aparte de lo que tengan de legendarias
o anecdóticas, nos revelan que Francisco de Vitoria fue muy estimado
por sus alumnos, siendo muchos los que se reconocerán públicamente
como discípulos suyos. De todos los testimonios rescatamos tan sólo el
parecer de Melchor Cano, quien en su tratado De locis theologicis nos
confidencia que “todos intentábamos aflorar en nosotros al Maestro”. Si
fuimos Escuela es porque “seguimos a aquel varón como el mejor guía de
todas estas cosas y nos sometemos a sus preceptos y advertencias”43. Así
las cosas, si los propios protagonistas de la Escuela de Salamanca conside-
raron a Vitoria el verdadero fundador de una escuela teológica, ¿por qué
dudar ahora nosotros de su magisterio?
De igual modo, y con respecto a la corriente que sitúa el origen de
la Escuela de Salamanca en el siglo XV, veo muy complicado situar en el
tiempo cualquier ensayo de la Escuela de Salamanca antes de 1492. Es
evidente que tanto la Escuela de Salamanca, como su correlativa Escuela
Ibérica de la Paz, tienen su condición de ser y su sentido propio a partir de
la conquista en América. Sin las críticas que se venían recibiendo por parte
de los evangelizadores que informaban de las crueldades que se estaban

40. Francisco de Vitoria, Relecciones teológicas, en Obras de Francisco de Vitoria, ed, Teófilo
Urdanoz (Madrid: BAC, 1960), 491.
41. Beltrán, Francisco de Vitoria, 177. Según Beltrán de Heredia, “la palabra mágica de
Vitoria ejercía sin duda más atractivo que la de Soto”.
42. Ibid., 142.
43. Melchor Cano, “Prólogo al Libro Duodécimo”, en De locis theologicis, ed. Juan Belda
Plans (Madrid: BAC, 2006), 667.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
878 María Martín Gómez

llevando a cabo en estas tierras de América, los pensadores de ambas


Escuelas nunca habrían podido defender la racionalidad y dignidad de
todos los seres humanos. Porque la defensa de los indios es el germen
de las teorías filosóficas y teológicas desarrolladas en Salamanca en el
siglo XV y que hoy apreciamos como preliminares del derecho interna-
cional o los derechos humanos. Por estos motivos, hablar de una Escuela
de Salamanca genuina anterior a 1492 me parece una hipótesis bastante
controvertida.
Destacar la importancia del año 1492 no es un asunto baladí. Con la
toma de Granada se consolida también el proyecto católico de España y se
hace necesaria la búsqueda de un nuevo programa para el catolicismo44.
En ese sentido, los teólogos de Salamanca y también los dominicos de
San Esteban van a ser consultados por los propios Reyes en su condición
de confesores regios45. Es entonces cuando los dominicos aprovechan la
ocasión para restaurar el tomismo. Tomismo que en la Universidad de
Salamanca sólo se establecerá de forma institucional tras la llegada a
esta ciudad castellana de Francisco de Vitoria en 1526. Vitoria, que se
había formado en París durante varios años, trajo de la Sorbona un nuevo
modelo pedagógico y un método filosófico basado en Santo Tomás de
Aquino. Tan relevante fue el tomismo para la configuración de la Escuela
de Salamanca que puede afirmarse que está a la base de muchas de las
enseñanzas que hoy estimamos más novedosas. Así pues, creemos que
existen razones propiamente filosóficas, presentes en las obras de Vitoria,
que nos permiten hablar de una originalidad específica en su pensamiento.
Veamos.

4.1. Aplicación del tomismo a los debates que estaba ocasionando la


conquista de América

Buen ejemplo de lo que venimos diciendo es el uso que Vitoria hace


del tomismo filosófico para defender que los indios de América deben ser
considerados seres humanos dotados de una capacidad racional indis-
cutible. De un modo general, podemos afirmar que en el siglo XVI se

44. Para conocer los problemas que un imperio así construido tuvo después se recomienda
el libro de José Luis Villacañas, ¿Qué imperio? Un ensayo polémico sobre Carlos V y la
España imperial (Córdoba: Almuzara, 2008).
45. Véase la importancia que tuvieron en aquel tiempo fray Tomás Torquemada y fray
Diego de Deza en el estudio de Luis G. Alonso Getino, “Dominicos españoles confesores
de reyes”, Ciencia Tomista 14 (1916): 374-451.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 879

mantenían dos definiciones clásicas de ser humano. La primera, prove-


niente de la filosofía griega, que caracterizaba al hombre como un ser
dotado de logos, esto es, de razón y entendimiento (el hombre es un ser
racional), y otra segunda, desarrollada sobre todo durante el medievo, que
afirmaba que el hombre había sido creado a imagen y semejanza de Dios.
Los españoles partidarios de la conquista se dieron cuenta inme-
diatamente de que ninguna de estas dos definiciones parecía servir para
aglutinar a los indios de América. Tras conocer los casos de incesto, antro-
pofagia y la realización de sacrificios humanos que practicaban los indios,
los conquistadores españoles sostenían que por estas razones los indios
no podían ser considerados seres humanos, pues no estaban dotados de
razón, al actuar de “forma irracional e ilógica”, y cometer pecados contra
natura. (Concretamente, se planteaban, qué podría decirse de un ser, que
se supone estaba hecho a imagen y semejanza de Dios, que come carne
humana). Ante esta situación, Francisco de Vitoria se esmera por encontrar
otra definición de ser humano que pueda incluir a estos nuevos hombres.
La solución la encuentra en Tomás de Aquino, en una interpretación que
el santo había tomado a su vez de una doctrina política aristotélica46. Son
seres humanos porque son seres sociales (zoon politikon).
Los indios atesoran “potencias racionales” porque han fundado socie-
dades, viven en comunidades, tienen un orden en las administraciones, y
esto les hace ser dueños legítimos de aquellas tierras. Francisco de Vitoria
lo prueba del siguiente modo:

Porque en realidad no son dementes, sino que a su modo ejercen el


uso de la razón. Ello es manifiesto porque tienen establecidas sus cosas
con cierto orden. Tienen, en efecto, ciudades, que requieren orden, y
tienen instituidos matrimonios, magistrados, señores, leyes, artesanos,
mercados, todo lo cual requiere el uso de razón. Además, tienen también
una especie de religión, y no yerran tampoco en las cosas que para los
demás son evidentes, lo que es un indicio de uso de razón47.

46. Francisco de Vitoria lo explica así: “Aristóteles dice que es doble la potestad: una
es la familiar, cual es la del padre respecto de los hijos y la del hombre respecto de
su mujer, y ésta es neutral. Otra es la civil, que, aunque es cierto que deriva de la
naturaleza (y puede, por tanto, llamársele natural, como Santo Tomás lo hace en De
regimine principum c.1 1.1., al decir que el hombre es animal civil), no obstante, no
está constituida por la naturaleza, sino por la ley”. Cfr. Vitoria, Relecciones teológicas,
670.
47. Ibid., 664.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
880 María Martín Gómez

En honor a la verdad, y tal y como ha indicado Fernando Rodrigues48,


hay que reconocer que en la tercera parte de la primera Relección Sobre
los Indios Vitoria acepta como título legítimo, aunque dudoso, la posibi-
lidad de tutelar a los indios si los españoles valoran que sus sociedades no
son del todo convenientes. La justificación de Vitoria dice así:

Otro título podría no ciertamente afirmarse, pero sí ponerse a estudio


y parecer a algunos legítimo. Yo no me atrevo a darlo por bueno ni a
condenarlo en absoluto. El título es éste: Esos bárbaros, aunque, como
se ha dicho, no sean del todo faltos de juicio, distan, sin embargo, muy
poco de los amentes, por lo que parece que no son aptos para formar o
administrar una república legítima dentro de los términos humanos y
civiles49.

Ahora bien, y esto es lo que queremos demostrar en esta parte de


nuestro estudio, el pensamiento vitoriano será perfeccionado por los
autores que se reconocen discípulos de él y que pueden considerarse
miembros de la Escuela Ibérica de la Paz. Estos teólogos, que presencian
las realidades americanas directamente, perfilarán la doctrina de Vitoria
para adaptarla a las circunstancias concretas que se viven en América.
Observemos, por ejemplo, lo que decía Manuel da Nóbrega a este respecto
desde Brasil. Según él, las instituciones indígenas difieren muy poco de las
sociedades europeas:

Visitei algumas aldeias deles e acho-lhes bons desejos de conhecer a


verdade e faziam instância que eu vivesse com eles. E ainda que seja
dificil fazer que os mais velhos deixem os seus maus costumes, nos
meninos é de esperar muito fruto, porque não contradizen quase em
nada a nossa lei50.

De este modo, el tomismo, o si se quiere, un neoaristotelismo, posi-


bilitó en gran medida que Vitoria y el resto de los integrantes de la Escuela

48. Según Fernando Rodirgues, “Vitoria tinha grande desconfiança quanto ao nível de
civilidade dos mesmos. A antropofagia, os sacrificios humanos e outras práticas dos
índios faziam Vitoria crer que eles distavam tão pouco dos amentes que não teriam
condições para se autogovernar e, logo, poderiam vir a ser tutelados. É verdade que
isso não depõe contra Vitoria, pois esse via a tutela como algo bom”. Ver Fernando
Rodrigues Montes D’oca, “Francisco de Vitória e a teoria aristotélica da escravidão
natural”, Thaumazein 7, no. 14 (2014): 27.
49. Vitoria, Relecciones teológicas, 723-724.
50. Manuel da Nóbrega, Obra completa, 93.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 881

Ibérica de la Paz pudieran criticar los títulos en los que tradicionalmente


se habían apoyado los españoles para justificar la conquista de las Indias.
Ni españoles ni portugueses pueden desposeer las tierras a aquellos indios,
pues estos habían dispuesto allí sus propias administraciones y eran, por
tanto, sus legítimos poseedores.
Pero aunque valoremos esta defensa de Vitoria como algo novedoso,
la cuestión que nos hemos propuesto sigue siendo la de decidir si no fueron
los primeros dominicos americanos (fray Antón de Montesinos y sus
compañeros) los verdaderos fundadores de la Escuela Ibérica de la Paz.
No en vano ellos también usaron el tomismo como arma doctrinal para
responder a las circunstancias propias de su época. Veamos entonces, en
el siguiente apartado, qué aspectos originarios encontramos en Francisco
de Vitoria que no hallamos en estos otros maestros.

4.2. El planteamiento teórico de Vitoria. La conquista de América como


un problema de conciencia

Sin querer negar la originalidad del discurso de Montesinos y recono-


ciendo que sus denuncias sirvieron de punto de inflexión para motivar a
los catedráticos de Salamanca a deliberar sobre la conquista americana, lo
cierto es que en el discurso de Montesinos no encontramos una reflexión
teórica propiamente. Montesinos denuncia las crueldades de la guerra
y el trato inhumano que los españoles están infligiendo a los indios en
las encomiendas, pero no se plantea la licitud o ilicitud de la guerra en
términos generales. Según el parecer de Antonio García, en Montesinos
ni siquiera se apreciaría “una condenación de las guerras y de las consi-
guientes conquistas”51. Montesinos critica la actuación de los españoles
porque no actuaron con la autorización debida, pero en caso de haberla
tenido no sabemos si Montesinos habría condenado la guerra en sí misma
como hizo Francisco de Vitoria. Según el referido Antonio García, para
Montesinos, “las guerras son injustas no por la licitud o ilicitud en sí
mismas consideradas, sino por los abusos que de ellas se estaban siguiendo
con los maltratos dados a los indios”52. Lo que juzga Montesinos es por
tanto el trato en las encomiendas, no la inmoralidad de la guerra injusta.
A todo ello, habría que sumar lo anteriormente expuesto: que el
discurso de Montesino no gozó ni de la simpatía del público ni de la

51. Antonio García y García, “El sentido de las primeras denuncias”, en Francisco de
Vitoria y La Escuela de Salamanca, 68.
52. Ibid., 69.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
882 María Martín Gómez

difusión que sí tuvieron las lecciones de Vitoria, dificultando, por tanto,


la formación de una escuela de seguidores a partir de su figura. De todos
modos, considero que un análisis comparativo más penetrante entre el
discurso de Montesinos y las Relecciones de Vitoria evidenciaría que
Francisco de Vitoria fue un adelantado en el tratamiento de los problemas
de la conquista, desde una perspectiva teórica, es decir, basada en la filo-
sofía y en la teología. Vitoria no entra a reprender aspectos particulares y
específicos del conflicto. La originalidad del maestro salmantino radica en
que, en su análisis, realiza un ensayo más abstracto sobre la licitud de la
guerra en sí misma.
Este nuevo aspecto -la insistencia en la moralidad y la licitud de la
guerra- es a su vez lo que diferencia a Vitoria de otros hipotéticos precur-
sores, como podría ser el jurista Juan López de Palacios Rubios. Redactor
del famoso Requerimiento y autor del libro De Insulis Oceanis, la pers-
pectiva que Palacios Rubios otorga al problema americano, procede, sobre
todo, de la rama del derecho. Es por tanto un tratamiento el suyo, jurídico
y legal. Pero Vitoria es muy claro en este punto. Durante sus Relecciones
Sobre los Indios, Vitoria expresa en varias ocasiones que las dificultades de
la conquista no pueden ser tratadas desde un enfoque meramente jurídico.
En este sentido leemos en el maestro dominico:

No pertenece a los jurisconsultos fallar este asunto, o al menos a ellos


solos. Porque como aquellos bárbaros no están sometidos, como inme-
diatamente diré, al derecho humano, sus cosas no pueden ser exami-
nadas por las leyes humanas, sino por las divinas, en las cuales los juristas
no son lo suficientemente peritos para poder definir por sí semejantes
cuestiones. Ni sé con certeza que hayan sido llamados para el examen y
sentencia de este asunto teólogos dignos que pudieran, con garantía, ser
oídos sobre materia de tanta monta. Y puesto que se trata de algo que
entra en el fuero de la conciencia, al sacerdote, esto es, a la Iglesia, toca
fallar53.

Como vemos por el texto referido, la conquista de América se había


convertido en un problema moral tras el dictamen de las Juntas de Burgos.
Tanto a la Corona, como a los españoles que acudían a Vitoria en busca
de consejo (estaban temerosos de viajar a América y participar en una
contienda que se sabía controvertida), no les convence la garantía legal
de una guerra. Quieren que sea moral y por tanto lícita; esto es, que Dios

53. Vitoria, Relecciones teológicas, 649.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 883

no les vaya a condenar si participan en ella. Porque como hemos dicho, se


trata de un problema de conciencia, del fuero interno de cada uno, donde
está en juego la salvación personal. Y en este ámbito los jurisconsultos
tenían muy poco que decir. En palabras del propio Vitoria:

Pero cuando se propone para obrar algo de lo que razonablemente


podemos dudar si será bueno o malo, justo o injusto, entonces es
cuando tiene lugar la deliberación y debemos apelar a la consulta, para
no tener que lamentarnos de haber hecho temerariamente alguna cosa
cuya licitud no tuviéramos antes averiguada. (…) En las cosas que a la
salvación miran, obligación hay de creer a los que la Iglesia puso para
enseñar, y en asunto dudoso, ley es su parecer. Que así como en el fuero
contencioso el juez tiene que juzgar según lo alegado y probado, así
también en el fuero de la conciencia a cada cual le obliga el juzgar, no
como le convenga, sino como se desprenda de razones probables o de la
autoridad de los sabios54.

Este aspecto me parece una de las inflexiones más peculiares que


añade Vitoria y que no se encuentra en otros pensadores. Sin duda hubo
autores que reflexionaron sobre la conquista antes que él, pero Francisco
de Vitoria tiene claro que estamos ante un asunto moral y por eso apela a la
conciencia individual de cada uno de los sujetos partícipes. Precisamente,
por esto mismo, se requiere una mirada teológica, no jurídica, y que a la
vez se base en la filosofía moral. En este sentido comparto plenamente el
parecer de Francisco Castilla Urbano cuando insinúa que se equivocan
los estudiosos vitorianos que enfatizan el aspecto jurídico de la Escuela
de Salamanca. Según sus propias palabras: “Vitoria sentía aversión por
la labor que con frecuencia llevaban a cabo los juristas, y le indignaba
su facilidad para dar legitimidad a cualquier opinión”55. Estas críticas
de Vitoria a los juristas suelen ser obviadas por los especialistas que lo
presentan como fundador del derecho internacional, pero son, hay que
decirlo una vez más, las que más valoraron sus seguidores.
Con el propósito de mostrar con testimonios escritos cómo una idea
de Vitoria es asimilada por un miembro de la Escuela Ibérica de la Paz,
recogemos ahora un texto perteneciente al Prólogo de la Brevísima relación
de la destrucción de las Indias de Bartolomé de las Casas. En él, Las Casas,
de una forma mucho más explícita que Vitoria, se dirige a Felipe II para

54. Ibid., 644-645.


55. Castilla Urbano, Francisco, El pensamiento de Francisco de Vitoria: filosofía política e
indio americano, 332.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
884 María Martín Gómez

prevenirle de los “gravísimos pecados mortales” que se están cometiendo


en América y reclamar así el ámbito moral que debe arbitrar la contienda.
Escribe Bartolomé de las Casas:

el ansia temeraria e irracional de los que tienen por nada indebida-


mente derramar tan inmensa copia de humana sangre y despoblar de
sus naturales moradores y poseedores (matando mil cuentos de gentes)
aquellas tierras grandísimas y robar incomparables tesoros, crece cada
día, importunando por diversas vías y varios fingidos colores que se les
concedan o permitan las dichas conquistas (las cuales no se les podrían
conceder sin violación de la ley natural y divina, y por consiguiente graví-
simos pecados mortales, dignos de terribles y eternos suplicios), tuve por
conveniente servir a Vuestra Alteza con este sumario brevísimo de muy
difusa historia que de los estragos y perdiciones acaecidas se podría y
debería componer56.

Como podemos advertir, Bartolomé de las Casas insiste en la creencia


de que el problema indiano se ha convertido en un asunto de conciencia.
No es una ley humana la que se está transgrediendo. Se trata de la ley
natural y divina. Por eso, como ya señaló Vitoria, es el teólogo el que debe
juzgar y pronunciarse, pues “estas cosas no pueden ser examinadas por
las leyes humanas, sino por las divinas”57. Tanto Vitoria como Las Casas
promueven así una apología de la función y el oficio del teólogo.
Pero no cualquier teólogo es válido para este encargo. Si nos dete-
nemos un momento en analizar las palabras de Vitoria citadas ante-
riormente, comprobaremos que según Vitoria, ni los jurisconsultos han
dado un tratamiento válido, ni tampoco encontramos “teólogos dignos
que pudieran, con garantía, ser oídos sobre materia de tanta monta”. ¿A
qué teólogos se estaba refiriendo Francisco de Vitoria? Entendemos que
indudablemente tienen que ser todos aquellos que antes que él ya habían
tratado estas cuestiones. Comprobamos, por tanto, que Francisco de
Vitoria se sabe continuador y a la vez precursor en esta materia y tiene la
intención de ofrecer una perspectiva diferente no sólo a la aportada desde
el derecho sino a la proporcionada por otros maestros en teología. Lo
estudiamos en la siguiente sección.

56. Bartolomé de las Casas, Brevísima relación de la destrucción de las Indias (Madrid:
Sarpe, 1985), 34-35.
57. Vitoria, Relecciones teológicas, 649.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 885

4.3. El Papa no es señor de todo el orbe

Una vez más encontramos razones que distinguirían el discurso de


Vitoria frente a otros ensayos como el de su correligionario y teólogo
Matías de Paz. Aunque Matías de Paz fue precursor en el uso pedagógico
de la Suma Teológica de Santo Tomás58, su escrito Acerca del dominio sobre
los indios sigue basándose en una idea que Vitoria va a combatir como
título ilegítimo: la suposición de que el Papa, como Vicario y heredero de
Cristo, tiene jurisdicción sobre todo el orbe. Sostenía Matías de Paz:

Y así Cristo, según su humanidad, desde el principio de su nacimiento


fue verdadero monarca de todo el universo. (…) Esta potestad y este
dominio lo entregó a San Pedro y a sus sucesores. (…) Y así la Iglesia, a
causa de la fe de Pedro, que confesó y dijo: “Tú eres el Cristo, el Hijo de
Dios vivo”, tiene el derecho y dominio sobre todo el universo. Pensar otra
cosa parece ir contra la revelación mencionada. De donde el Papa puede
poner su sede, según su parecer, sobre cualquier lugar de la tierra, y por
tanto desposeer lícitamente de su dominio al infiel de aquel territorio59.

Si bien Matías de Paz compuso su obra Acerca del dominio sobre los
indios antes de que Vitoria impartiera sus famosas Relecciones, lo cierto es
que su escrito sigue defendiendo la autoridad suma del Romano Pontífice,
una idea que para Vitoria resulta ya un tanto caduca. Así, mientras que
Matías de Paz defiende la potestad del Papa sobre los infieles, Francisco
de Vitoria lo pondrá en duda. Tanto Beltrán de Heredia como los editores
del tratado de Matías de Paz se han percatado de esta diferencia y por
eso señalan que Matías de Paz “incurre en dos errores que Francisco de
Vitoria refutaría años después”60. El primero, que el Papa tiene jurisdicción
temporal sobre todo el orbe. El segundo, que Cristo delegó su dominio en
San Pedro.
Pero es que incluso podríamos afirmar que las Relecciones de Vitoria
pueden concebirse precisamente como una contestación a esta argumen-
tación que se encontraba presente tanto en el Requerimiento como en el
tratado de Matías de Paz. Aunque en la Relección de Vitoria titulada De
la potestad del Papa y del Concilio podemos leer que el Papa, como vicario

58. Matías de Paz estudió teología en París y según los editores de su obra, “tuvo el acierto
de anticiparse a Vitoria explicando la Teología según la guía de la Suma Teológica de
Santo Tomás”. Matías de Paz, Acerca del dominio, 19.
59. Ibid., 147. Una argumentación muy similar se encuentra asimismo en el Requerimiento.
60. Ibid., 32.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
886 María Martín Gómez

de Cristo, “tiene la administración universal sobre todo”61, años después,


en su Relección primera Sobre los indios, Vitoria no tiene miramientos en
afirmar públicamente que

El Papa no es señor civil o temporal de todo el orbe, hablando de dominio


y potestad civil en sentido propio. (…) Y hasta parece que la opuesta
sentencia está contra el precepto del Señor, que dice: Sabéis que los prín-
cipes de los gentiles se enseñorean sobre ellos, etc.; mas entre vosotros
no ha de ser así. Y contra el precepto del apóstol: No dominando en la
heredad del Señor, sino haciéndoos derecho del rebaño. Y si Cristo no tuvo
el dominio temporal, como hemos concluido antes como sentencia más
probable, en conformidad con Santo Tomás, mucho menos lo tendrá el
Papa, que no es más que su vicario. Estos autores quieren atribuir al
Papa un dominio que él nunca reconoció en sí62.

Asimismo, cuando en 1553 el agustino Alonso de la Veracruz imparta


su Relección Sobre el dominio de los Indios y la Guerra Justa, en la recién
fundada Real Universidad de México, sostendrá igualmente que:

El Sumo Pontífice en los asuntos temporales no goza de poder hasta


el punto de considerarse señor del mundo. (…) Y por cierto la tesis es
tan meridiana frente a muchos jurisperitos y numerosos juristas, que la
aserción contraria parece una afirmación temeraria, hecha en razón de
que el poder del vicario de Cristo es igual al de Cristo63.

Estamos, una vez más, ante una idea innovadora y sobresaliente de


Francisco de Vitoria que será recogida por los autores que, tras él, defen-
derán la ilicitud de la guerra desde otras partes del mundo. Así, según
el profesor mexicano Ambrosio Velasco, estas tesis republicanas de
Francisco de Vitoria “se convertirán en principios guía del republicanismo
multiculturalista de fray Alonso de la Veracruz”64. No sólo de él. Como
hemos tenido ocasión de mostrar, las obras de Francisco de Vitoria se
convertirán en el punto de partida de un movimiento que va a estimular
a otros muchos pensadores -ya fueran jesuitas, agustinos o dominicos- a
defender los derechos de los indios.

61. Vitoria, Relecciones teológicas, 447.


62. Ibid., 678.
63. Alonso de Veracruz, De Iusto Bello contra Indos, ed, C. Baciero, L. Baciero, F. Maseca
y L. Pereña (Madrid: CSIC, 1997), 193-195.
64. Ambrosio Velasco Gómez, “fray Alonso de la Veracruz: fundador del republicanismo
mexicano”, Tópicos, Revista de Filosofía 34 (2008): 215.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 887

5. Conclusiones

Llegados a este punto, creemos que los ejemplos que hemos aducido
de algunas ideas vitorianas acopiadas por autores posteriores, que pueden
considerarse discípulos o seguidores suyos, muestran que Francisco de
Vitoria no sólo fue el creador de una Escuela de pensamiento que tuvo
su sede en la Universidad de Salamanca. Entendemos asimismo que
Vitoria fue el fundador de lo que hemos denominado Escuela Ibérica de
la Paz, con independencia de los debates surgidos en los últimos años.
Naturalmente, no negamos que Vitoria fue hijo de su tiempo y, como tal,
aprovechó los trabajos realizados por pensadores anteriores a él como
Matías de Paz, Antón de Montesinos o Palacios Rubios. Pero también
creemos que Vitoria supo aunar todas estas tradiciones en un discurso
teórico y filosófico sin precedentes que ofreció una serie de argumentos y
herramientas metodológicas para defender con vehemencia los derechos
de los indios.
Así las cosas, si existe una nota concordante entre autores tan
diversos como el jesuita Manuel da Nóbrega, el dominico Bartolomé
de las Casas o el agustino Alonso de la Veracruz es porque todos ellos
recogen el legado vitoriano y lo aplican a las circunstancias concretas de
América. Puede que algunas partes de las Relecciones de Francisco de
Vitoria nos resulten excesivamente teóricas, basadas en casos hipotéticos
(“si los indios no permitieran a los españoles ejercer sus derechos, podrían
los españoles hacerles guerra justa…”), pero lo importante es que Vitoria
brindó una base doctrinal, filosófica y teológica, desde la que poder justi-
ficar sus posiciones. Por eso, la característica fundamental de los inte-
grantes de la Escuela Ibérica de la Paz se resume en que supieron adecuar
y concretar las teorías de Vitoria para poder difundirlas después por lo que
ellos mismos denominaron “nuevo mundo”.
Es una buena metáfora la del nuevo mundo. Lo acontecido en
América, el pensamiento moderno de Francisco de Vitoria, nos transporta
a una nueva época que rompe con los clichés y prejuicios de una sociedad
anclada en sus obstinaciones imperialistas. La pregunta es si sabremos
continuar con el legado que esta Escuela nos transmitió: defender al
inocente, sentirse miembro de una sociedad de filosofía americana, hacer
valer el iberismo filosófico, ser lo suficientemente valientes como para
denunciar las injusticias propias de nuestro tiempo, etc. Todo eso son
nuevos y viejos problemas de la filosofía.
De todos modos, me gustaría recordar que estamos en una posición
de privilegio. Por primera vez podemos acercarnos a esta parte de nuestra

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
888 María Martín Gómez

historia común, (España, Portugal e Iberoamérica), sin recelos (racio-


nales, nacionales) ni metodologías instrumentalizadas. Es por tanto el
momento de analizar los hechos y de hacer historia de las ideas (de la filo-
sofía) desde posiciones neutras y críticas (neutralidad crítica), sin caer en
leyendas negras o apologías colonialistas. Naturalmente todo esto requiere
un esfuerzo conjunto. Necesitamos investigadores jóvenes de aquí y de
allí. Entusiastas estudiosos que continúen con el empeño investigador y
se dediquen a editar las fuentes y textos originales y a rescatar del olvido
todos estos nombres de futuros miembros representantes de la Escuela de
Salamanca y de la Escuela Ibérica de la Paz.

Referencias

Alonso Getino, Luis G. “Dominicos españoles confesores de reyes”. Ciencia Tomista 14 (1916):
374-451.
Barrientos García, José. Repertorio de moral económica (1526-1670): la Escuela de Salamanca y su
proyección. Barañáin, Navarra: EUNSA, 2011.
Belda Plans, Juan. La Escuela de Salamanca y la renovación de la teología en el siglo XVI. Madrid:
BAC, 2000.
Beltrán de Heredia, Vicente. Francisco de Vitoria. Barcelona: Labor, 1939.
Beltrán de Heredia, Vicente. Domingo de Soto. Estudio biográfico documentado. Salamanca:
Biblioteca de teólogos españoles, 1960.
Beltrán de Heredia, Vicente. Domingo Báñez y las controversias sobre la gracia: textos y documentos.
Madrid: CSIC, 1968.
Bullón y Fernández, Eloy. El problema jurídico de la dominación española en América antes de las
«Relecciones» de Francisco de Vitoria. Madrid: imprenta la Rafa, 1933.
Brufau, Jaime. “Revisión de la Primera generación de la Escuela”. En Francisco de Vitoria y La
Escuela de Salamanca. La ética en la conquista de América, coord. por V.V.A.A, 383-412.
Madrid: CSIC, 1984.
Calafate, Pedro. “A Escola Ibérica da Paz nas universidades de Coimbra e Évora (séculos XVI
e XVII)”. Revista de Hispanismo Filosófico. Historia del Pensamiento Iberoamericano 19,
(2014): 119-120.
Calafate, Pedro y Mandado Gutiérrez, Ramón Emilio. Escuela Ibérica de la Paz. La conciencia
crítica de la conquista y colonización de América. Santander: Universidad Cantabria, 2014.
Calafate, Pedro. A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora (Século XVI),
volúmenes I y II. São Paulo: Almedina, 2015.
Cano, Melchor. De locis theologicis, ed. Juan Belda Plans, Madrid: BAC, 2006.
Casas, Bartolomé de las. Brevísima relación de la destrucción de las Indias. Madrid: Sarpe, 1985.  
Castilla Urbano, Francisco. El pensamiento de Francisco de Vitoria: filosofía política e indio
americano. Barcelona y México: Anthropos y Universidad Autónoma Metropolitana, 1992.
Diccionario de la lengua española, s. v. “Escuela”, fecha de acceso: 29 de septiembre de 2018, http://
dle.rae.es
Dios de Dios, Salustiano de, Infante Miguel-Motta, Javier y Torijano Pérez, Eugenia. Juristas de
Salamanca siglos XV-XX. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2009.
Dios de Dios, Salustiano de y Torijano Pérez, Eugenia. Cultura, política y práctica del derecho

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz 889

juristas de Salamanca, siglos XV-XX. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2012.


Dios de Dios, Salustiano de. Estudios sobre jurisprudencia y juristas en la Corona de Castilla: (siglos
XV-XVII). Valladolid: Junta de Castilla y León, Consejería de Cultura y Turismo, 2016.
Duve, Thomas. “La Escuela de Salamanca: ¿Un caso de producción global de conocimiento?”
Series “The School of Salamanca Working Papers” 2 (febrero, 2018). http://publikationen.
ub.uni-frankfurt.de/frontdoor/index/index/docId/37615
Fajardo, Luis Alonso. “Fray Antón de Montesinos: su narrativa y los derechos de los pueblos
indígenas en las constituciones de Nuestra América”. Hallazgos 10, no. 20 (2013): 217-244.
doi.org/10.15332/s1794-3841.2013.0020.14
Flórez, Cirilo, Hernández, Maximiliano y Albares, Roberto. La primera Escuela de Salamanca
(1406-1516). Salamanca: Universidad de Salamanca, 2012.
Fuertes Herreros, José Luis. “Una filosofía para el viejo y nuevo mundo en la Universidad de
Salamanca, siglos XV-XVI”. En La Escuela de Salamanca. Filosofía y Humanismo ante el
mundo moderno, ed. por Ángel Poncela González, 23-82. Madrid: Editorial Verbum, 2015.
García y García, Antonio. “El sentido de las primeras denuncias”. En Francisco de Vitoria y La
Escuela de Salamanca. La ética en la conquista de América, coord. por V.V.A.A, 67-116.
Madrid: CSIC, 1984.
García y García, Antonio. “Proyección de la Escuela de Salamanca en América: Primeras
interpretaciones de la historia de las conquistas hispanas en Indias”. Cuadernos salmantinos
de filosofía (Ejemplar dedicado a: La Escuela de Salamanca y el Pensamiento Iberoamericano:
teoría y praxis) 30 (2003): 45-57.
García Villoslada, Ricardo. La Universidad de Paris durante los estudios de Francisco de Vitoria.
(1507-1522). Roma: Universitatis Gregorianae, 1938.
Hofmeister Pich Roberto y Culleton, Alfredo S. “Scholastica colonialis: reception and development
of Baroque Scholasticism in Latin-American countries, 16th-18th Centuries (2010-2012)”.
Bulletin de philosophie medieval 54 (2012): 59-74. doi.org/10.1484/J.BPM.1.102144
Langella, Simona. La ciencia teológica de Francisco de Vitoria y la Summa Theologiae de santo
Tomás de Aquino en el siglo XVI a la luz de textos inéditos, traducción de Juan Montero
Aparicio. Salamanca: San Esteban, Biblioteca de Teólogos Españoles, 2013.
Martín Gómez, María. La Escuela de Salamanca, fray Luis de León y el problema de la interpretación.
Pamplona: EUNSA, 2017.
Nóbrega, Manuel da. Obra completa, ed. Paulo Roberto Pereira. Rio de Janeiro y São Paulo:
Puc-Rio y edições Loyola, 2017.
Paz, Matías de. Acerca del dominio sobre los indios. Salamanca: San Esteban, 2017.
Pena González, Miguel Anxo. “Aproximación histórica al concepto «Escuela de Salamanca»”.
Salmanticensis 52 (2005): 69-119.
Pena González, Miguel Anxo. “La(s) Escuela(s) de Salamanca: Proyecciones y contextos históricos”.
En Universidades hispánicas: colegios y conventos universitarios en la Edad Moderna, coord.
por Luis Enrique Rodríguez San Pedro Bezares y Juan Luis Polo Rodríguez, vol. 2, 185-240.
Salamanca: Universidad de Salamanca, 2010.
Pereña, Luciano. “La Escuela de Salamanca y la duda indiana”. En Francisco de Vitoria y La
Escuela de Salamanca. La ética en la conquista de América, coord. por V.V.A.A, 291-344.
Madrid: CSIC, 1984.
Pereyra, Osvaldo Víctor. “Un estudio socio-métrico del tema de la moral económica y de su
proyección en la Escuela de Salamanca, 1526-1670”. Historiografías: revista de historia y
teoría 7 (2014): 55-84.
Reyes Mate, Manuel. “Estos, ¿no son hombres?” La pregunta en tiempos de peligro”. Cuadernos
de Filosofía Latinoamericana 33, no. 107 (2012): 29-35. doi.org/10.15332/s0120-
8462.2012.0107.02
Rodrigues Montes D’oca, Fernando. “Francisco de Vitória e a teoria aristotélica da escravidão
natural”. Thaumazein 7, no. 14 (2014): 3-31.
Rodríguez Cruz, Águeda. La Universidad de Salamanca en Hispanoamérica. Salamanca:

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
890 María Martín Gómez

Universidad de Salamanca, 2005.


Rodríguez Cruz, Águeda. “El modelo universitario salmantino y su reconversión en
Hispanoamérica”. En La Universidad de Salamanca y sus confluencias americanas.
Miscelánea Alfonso IX 2002, coord. por Luis Enrique Rodríguez San Pedro Bezares y Juan
Luis Polo Rodríguez, 151-165. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2008.
Roover, Raymond de. “Scholastic Economics: Survival and Lasting Influence from the Sixteenth
Century to Adam Smith”. The Quarterly Journal of Economics 69, no. 2 (1955): 161-190. doi.
org/10.2307/1882146
Scattola, Merio. “Domingo de Soto e la fondazione della scuola di Salamanca”. Veritas: revista da
Pontificia Universidade Catolica do Rio Grande do Sul 54, no. 3 (2009): 52-70.
Velasco Gómez, Ambrosio. “Fray Alonso de la Veracruz: fundador del republicanismo mexicano”.
Tópicos, Revista de Filosofía 34 (2008): 209-221.
Veracruz, Alonso de. De Iusto Bello contra Indos, ed, C. Baciero, L. Baciero, F. Maseca y L. Pereña.
Madrid: CSIC, 1997.
Villacañas, José Luis. ¿Qué imperio? Un ensayo polémico sobre Carlos V y la España imperial.
Córdoba: Almuzara, 2008.
Villaverde Rico, María José y Castilla Urbano, Francisco (Dirs.). La sombra de la leyenda negra.
Madrid: Tecnos, 2016.
Vitoria, Francisco de. “Relecciones teológicas”, en Obras de Francisco de Vitoria, ed, Teófilo
Urdanoz. Madrid: BAC, 1960.
Zorroza Huarte, María Idoya. “Hacia una delimitación de la Escuela de Salamanca”. Revista
empresa y humanismo 16, no. 1 (2013): 53-72.
Zorroza Huarte, María Idoya. “Francisco de Vitoria: actualidad y perspectivas para su estudio”,
Azafea. Revista de Filosofía, 18 (2016): 55-79.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 891-918.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0891

Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra en Francisco de


Vitoria. Una Cuestión Actual
JOSÉ J. ALBERT MÁRQUEZ *

Abstract
Francisco de Vitoria is considered the creator of modern international law, in addition to
having set the legal conditions for justice before, during and after the wars. The political and
legal philosophy of Vitoria was animated by a sincere and undeniable desire for peace as a
natural and desirable state for the Republic. To that end, he proceeded to legally establish the
limits of the right to war in its entirety. However, the foregoing does not mean that Vitoria
built a “right to peace” in the subjective sense that this term has, since even today there is no
precise legal configuration of said “right to peace”.
Keywords: fair war, human right to peace, peace, right to war, war.

la limitación de la guerra es el comienzo de la paz


Michael Walzer1
es posible la paz universal entre las naciones, si los pueblos
actúan conforme a la doctrina iusnaturalista cristiana o al
derecho de gentes, que no es incompatible con el derecho natural
o con cualquier otra doctrina global razonable
John Rawls2

1. Introducción

F
rancisco de Arcaya y Compludo3 ha pasado a la historia por su
nombre como fraile dominico: Fray Francisco de Vitoria. No es
solo una cuestión adjetiva. A nuestro juicio, ningún análisis de la

* Universidad de Córdoba.
 ji1almaj@uco.es
1. Michael Walzer, Guerras justas e injustas. Un razonamiento moral con ejemplos
históricos, traducción de Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar (Barcelona: Paidós,
2001), 440.
2. John Rawls, El derecho de gentes y “Una revisión de la idea de razón pública”, traducción
de Hernando Valencia Villa (Barcelona: Paidós, 2001), 159.
3. Fue Beltrán de Heredia quien primero hizo notar la filiación de Vitoria. Vid. Vicente
Beltrán de Heredia, Los manuscritos del maestro Fray Francisco de Vitoria. Estudio

891-918

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
892 José J. Albert Márquez

obra y del pensamiento del teólogo y jurista castellano puede prescindir


de su condición de teólogo4 cristiano de profunda inspiración tomista. Por
eso, aunque constituye un lugar común hoy día considerarlo fundador
del moderno derecho internacional5, además de gran renovador de la
teología6, no es menos cierto que las categorías filosóficas, y sobre todo
jurídicas, que Vitoria maneja, aun siendo innovadoras no son plenamente
modernas. De ahí, por cierto, y aunque pueda resultar paradójico, su
más que parcial vigencia actual. En este sentido, es objeto de este breve
artículo intentar subrayar que si bien la doctrina vitoriana supone una
magnífica regulación moral y jurídica del hecho de la guerra, no estaba en
el ánimo del gran dominico burgalés construir una teoría de la paz como
un derecho, o un “derecho a la paz” en el sentido actual de la expresión.
Este empeño quedará para una modernidad que aún no lo ha resuelto.
Del mismo modo, conviene no olvidar tampoco el contexto histórico
en que vivió Fray Francisco: una Europa en pleno renacimiento cultural,
pero al mismo tiempo sumida en perennes conflictos bélicos entre las
coronas cristianas y a su vez entre éstas y el turco. Una Europa temerosa
de una invasión otomana: Constantinopla había caído en 1453, cuarenta
años antes del nacimiento de Vitoria. Simultáneamente, Europa se
proyectaba, bajo el liderazgo ibérico, hacia el Nuevo Mundo.
Francisco de Vitoria fue contemporáneo de Maquiavelo y Lutero. Las
dos Europas iniciaban entonces su proceso de escisión política, religiosa
y filosófico-jurídica culminando ésta última en la obra de los Pufendorf,
Grocio, o Thomasius, representantes del “derecho natural racional” que

crítico e introducción a sus Lecturas y Relecciones. (Madrid-Valencia: Tipografía


Moderna, 1928), XIII-XIV.
4. Es decir, como recuerda Jesús Cordero, entendida la teología como se hacía en
aquel momento: “como saber universal, que se fundamentaba y alimentaba de las
dos fuentes: la fe y la razón, la Biblia y la Filosofía, y extendía su atención a toda la
realidad, en particular al hombre en su ser individual y colectivo”. Vid. Francisco de
Vitoria. Relectio de potestate civile. Estudios sobre su filosofía política (Madrid: Consejo
Superior de Investigaciones Científicas, Corpus Hispanorum de Pace, segunda serie,
vol. 15, edición crítica por Jesús Cordero Pando, 2008), 279. El propio Francisco de
Vitoria nos advierte en el Prólogo de la Relectio de poteste civile, que “El oficio y cometido
del teólogo abarca tanto que ningún argumento, ninguna controversia, ningún asunto
parecen quedar fuera de la profesión y objeto de la atención del teólogo”. Francisco de
Vitoria, op. cit., Prólogo, 7.
5. Por todos, vid., Juan B. Vallet de Goytisolo, ‘Perspectiva histórica de las relaciones de
derecho internacional público observadas por el derecho de gentes’, en Verbo, nº 411-
412 (Madrid: 2003): 71-103, cita a la 75.
6. Vid., Francisco de Vitoria, La Justicia, estudio preliminar y notas de Luis Frayle
(Madrid: Tecnos, 2001), XI.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 893

surge de la Europa reformada, frente al derecho natural aristotélico-to-


mista de la Europa fiel al papado.
En el año 1505 ingresa Vitoria en la orden dominicana, y en otoño de
1508 marcha a París para continuar los estudios de filosofía en el colegio
de Saint-Jacques. Estudia filosofía con el nominal7 Juan de Celaya, y
teología con Juan Fenario y Pedro Crockaert. De París, junto con el grado
de doctor, trae Vitoria la innovación metodológica de enseñar la Primera
Parte de la Suma y la Prima Secundae de Santo Tomás, abandonando las
“Sentencias” de Pedro Lombardo. En 1522 retorna a Castilla y en 1523 es
nombrado profesor de la cátedra de Teología del colegio de San Gregorio
de Valladolid. Ya en 1526 logra la cátedra de Prima de Teología de la
Universidad de Salamanca en oposición al otro candidato: el profesor
de Filosofía Moral de la propia Universidad de Salamanca, el portugués
Pedro Margallo8. Rara vez se ausentará de su cátedra y de sus lecciones en
Salamanca hasta su fallecimiento en 1546.
Por otra parte, aunque Rodríguez Molinero negara expresamente la
existencia de una “Escuela española”9 (menos aún ibérica) en exclusivo
favor de la “Escuela de Salamanca”, lo cierto es que el fecundo magis-
terio de Francisco de Vitoria se extendió por generaciones y países.
Tanto es así que Luciano Pereña señalaba hasta tres generaciones10 de
teólogos y juristas ibéricos (el adjetivo es nuestro) influenciados por la

7. Sobre la influencia de los “nominales” [sigo en este punto la terminología del Prof.
Francisco Carpintero: “Ellos eran nominalistas, pero no fenomenistas, y no ‘se movían’
en el vacío. Porque admitían la existencia de Dios y entendían que fundamentaban
sus actos de voluntad en la Prima justitia Dei. El primer nominalista coherente del
segundo milenio fue Hobbes. Él sí fue fenomenista porque no admitió la existencia
de Dios y no supo, en definitiva, cómo explicar el deber que generan las leyes para ser
obedecidas o el derecho del poder político para gobernar”; Vid., Francisco Carpintero
Benítez, Diálogo sobre el derecho natural y los derechos humanos, (Madrid: Editorial Y,
2019, 71.)] en la teología de Vitoria, véase, por todos, Introducción biográfica de Teófilo
Urdanoz en Obras de Francisco de Vitoria. Relecciones Teológicas. Edición crítica del
texto latino, versión española, introducción general e introducciones con el estudio de
su doctrina teológico-jurídica por Teófilo Urdanoz, O.P. (Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1960), 16. Salvo indicación en contra, todas las referencias a las relecciones
De indis, De iure belli, y De potestate civile, se entienden hechas a la citada edición de
Urdanoz.
8. Francisco Titos Lomas, La filosofía política y jurídica de Francisco de Vitoria (Córdoba:
Publicaciones del Monte de Piedad y Caja de Ahorros de Córdoba, Cajasur, 1993), 19.
9. Marcelino Rodríguez Molinero, La doctrina colonial de Francisco de Vitoria o el derecho
de la paz y de la guerra. Un legado perenne de la escuela de Salamanca (Salamanca:
Librería Cervantes, 1993), 21.
10. Luciano Pereña, Bien Común y Paz dinámica, (Madrid: Euramerica, s/f.), 37 y ss.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
894 José J. Albert Márquez

obra de Vitoria. Entre los más próximos temporalmente Domingo de Soto,


Melchor Cano o Fernando Vázquez de Menchaca; Antonio Gómez, Juan de
Orozco o Arias Pinelo entre los juristas (Calafate11 alude también a Martín
de Ledesma, en Coímbra). En la siguiente generación, Juan de la Peña
(glosado en las cátedras de Salamanca, Évora y Coímbra) o Pedro Simões,
junto a Baltasar de Ayala o Fernando Rebello. Poco después Fernando de
Valdivieso o Alonso de la Serna, y lindando ya con el barroco, juristas como
Alfonso de Mendoza y Juan de Matienzo y teólogos del fuste de Domingo
Báñez o Luis de Molina, seguido en Évora por Luis Cerqueira, o Pedro
Novais12…. En suma, como argumenta Pedro Calafate13, puede sostenerse
la existencia de una escuela ibérica de la paz, sustentada, a nuestro juicio,
precisamente en la obra seminal de Fray Francisco de Vitoria.

2. La doctrina del derecho a la guerra en Fray Francisco de Vitoria

2.1. Antecedentes históricos

Sin ánimo de exhaustividad, se puede afirmar que las bases de la


regulación del derecho de la guerra, de las que Vitoria es directo heredero,
se encuentran en la obra de Agustín de Hipona y de Santo Tomás de
Aquino. Con anterioridad a ellos recuerda Raúl Madrid que los romanos
fueron los creadores del ius fetiale, referido al ius ad bellum: los fetiales
eran magistrados que tenían entre sus competencias declarar el comienzo
de la guerra que según Cicerón, debía ser precedida por dos actos funda-
mentales: un requerimiento oficial de satisfacción por el derecho o bien

11. Pedro Calafate ‘A ideia de Comunidade universal em Francisco Suárez’, en IHS.


Antiguos Jesuitas en Iberoamérica, Vol. 5 n º 2 julio-diciembre (2017), 48-65. 51.
12. Sostiene además Pereña en otra sede que la primera de estas generaciones fue
la creadora (de Vitoria a Soto, 1526-1560), la segunda, de expansión cultural (de
Sotomayor a Medina, 1560-1584), y la tercera y última, (de Báñez a Suárez, 1584-
1617) se caracterizó por la sistematización doctrinal. Vid., Luciano Pereña, La tesis de
la paz dinámica, estudio preliminar, en Francisco de Vitoria, Relectio de Iure Belli o Paz
Dinámica. Escuela Española de la Paz. Primera generación 1526-1560 (Madrid: Consejo
Superior de Investigaciones Científicas. Escuela Española de la Paz, 1981), 65.
13. Vid. Pedro Calafate y Ramón Emilio Mandado Gutiérrez (catálogo/livro bilíngue) A
Escola Ibérica da Paz: a consciência crítica da conquista e colonização da América/
Escuela Ibérica de la Paz: la consciencia crítica de la conquista y colonización de América:
1511-1694, (Santander: Editora da Universidade da Cantábria, 2014).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 895

violado con la advertencia de que caso contrario se entablarían acciones


de fuerza, y, en segundo lugar, una declaración de guerra14.
Posteriormente, San Agustín estableció la licitud de las guerras justas,
distinguiéndolas de las injustas y de las de expansión. Además, señaló que
el ideal tanto de los hombres como de los pueblos no debería de ser la
guerra, sino la paz15. Más tarde, la doctrina agustiniana sobre la licitud de
la guerra, junto a la de otros autores de la Patrística, fue incorporada al
Decreto de Graciano, constituyendo la base de la filosofía escolástica en
este tema.
Aquino, por su parte, realizó una breve alusión sistematizadora en la
cuestión De Bello, en la Suma Teológica. Santo Tomás se limita a plantear
el problema fundamental de la licitud de la guerra y de las condiciones de
la misma sobre la base del Decreto de Graciano y de las tesis agustinianas16.
Sin perjuicio de lo que más adelante se dirá sobre el enfoque tomista
del tema de la guerra, lo cierto es que la doctrina del Doctor Angélico
fue reiteradamente citada en lo sucesivo, y Francisco de Vitoria no sería
una excepción, del mismo modo que el dominico se inspiró también en
distintos textos medievales, particularmente, señalaba Teófilo Urdanoz, en
la Suma Sylvestrina17.

2.2. Ius ad bellum, ius in bello, ius post bellum

Como es sabido, el grueso del tratamiento de Vitoria sobre las cues-


tiones bélicas se recoge en la segunda de sus famosas relecciones sobre
los indios, de final de curso académico de 1539. No obstante, no se puede
aislar el pensamiento vitoriano sobre el derecho a la guerra de su teoría
de la justicia o de su concepto de república o potestad civil. Es por ello
que conviene tener también a la vista sus comentarios sobre la Justicia a
la Secunda Secundae de Santo Tomás, así como la relección dedicada a la
potestad o poder civil de la república. Por otra parte, es preciso advertir
que el concepto de paz que Vitoria sustenta es de carácter universal; es
decir, no se encuentra focalizado en el problema indiano. De hecho, Fray
Francisco tiene muy presente (como pone de manifiesto con sus continuos
ejemplos) la inestable situación europea de continuas luchas entre las

14. Raúl Madrid, ‘El concepto de “guerra justa” en relación con la unidad de los pueblos
europeos’, en Verbo, nº 305-306 (1992), 641-650, cita a la 642.
15. Teófilo Urdanoz, Introducción a la relección segunda, en Vitoria, op. cit., 730.
16. Francisco Titos Lomas, op. cit., 228.
17. Teófilo Urdanoz, op. cit., 733.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
896 José J. Albert Márquez

monarquías cristianas, personalizadas en Carlos I de España y Francisco


I de Francia, así como las conflictivas relaciones de estas monarquías con
el imperio turco, muy particularmente la situación creada por el citado
rey francés al pactar unilateralmente con el secular enemigo. En Castilla,
además, aún perduraban los rescoldos de la revuelta comunera.
En cualquier caso, es al final de la segunda Relectio de indis, más
conocida por su subtítulo, “o del derecho de guerra de los españoles sobre
los bárbaros” (De iure belli, en los sucesivo) donde encontramos los tres
principios básicos del régimen jurídico-político de la guerra en la teoría
de Francisco de Vitoria. Son las comúnmente denominadas “tres reglas de
oro” del derecho a la guerra. En ellas, estima Ángela Aparisi, “se recoge
una síntesis de su pensamiento, plasmando su voluntad de paz y justicia,
e insistiendo en el sentido de la moderación, equidad, y humanidad que
deben animar al gobernante”18. Urdanoz, por su parte, aprovechaba el
análisis de las “tres reglas de oro” para intentar conciliar las tesis tomistas
y vitorianas en un punto importante, al afirmar que “la intención recta es
la condición de la licitud de la acción bélica y también, causalmente, de
su justicia estricta”19, toda vez que Vitoria no hace mención del requisito
de la “recta intención” para la licitud de la guerra, como sí hicieron Santo
Tomás o San Agustín.
La primera de las reglas se puede formular de la siguiente manera:
ante un riesgo para la paz, hay que evitar cualquier ocasión o pretexto
para emprender la guerra20. Es decir, que la guerra se entiende como una
situación excepcional, y que ha de ser evitada por todos los medios. Nos
encontramos aquí como el principio rector del ius ad bellum, esto es, del
derecho a la guerra, en el sentido de iniciarla o declararla justamente.
La segunda regla se refiere al modo o manera de actuar en una guerra
ya iniciada. En este caso, Vitoria escribe: “declarada con causa justa la
guerra, no debe ser llevada para ruina y perdición de la nación a quien

18. Ángela Aparisi, ‘Actualidad del pensamiento filosófico-político de Francisco de Vitoria:


presupuestos para una teoría de la paz justa’, en Una filosofía del derecho en acción:
homenaje al profesor Andrés Ollero, coord. por Cristina Hermida del Llano, José Antonio
Santos Arnaiz; Andrés Ollero Tassara (hom.), (Madrid: Dykinson, 2015), 671-691, cita
a la 687. También, con mayor desarrollo, en la monografía de la misma autora Derecho
a la paz y derecho a la guerra en Francisco de Vitoria. (Granada: Comares, 2007).
19. Teófilo Urdanoz, Introducción a la relección segunda, op. cit., 798.
20. “Supuesto que el príncipe tiene autoridad para hacer la guerra, lo primero de todo no
debe buscar ocasión y pretextos de ella, sino que en lo posible debe guardar la paz con
todos los hombres”; y más adelante: “no se debe ir a la guerra sino como necesidad
extrema y contra su voluntad”. Francisco de Vitoria, De iure belli, op. cit., 857.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 897

se hace, sino para la realización del derecho y defensa de la patria y de


la propia república y con el fin ulterior de conseguir la paz y la segu-
ridad”21. Esto es, que toda guerra ha de ser proporcionada, y teleológica-
mente dirigida al restablecimiento del estado o la situación de paz y de
seguridad. No sería justa una guerra con desproporción de medios, como
tampoco lo sería la que no buscara como fin la paz y la seguridad; podría
entonces darse el caso de una paz injusta. En suma, la segunda regla nos
dirige a la justicia o injusticia del proceso bélico. Es decir, que la referida
regla se ocupa del ius in bellum.
La tercera y última de las reglas de oro, atañe a la situación posterior
al conflicto bélico. Dice así en su textualidad: “Obtenida la victoria y
terminada la guerra, conviene usar del triunfo con moderación y modestia
cristianas y que el vencedor se considere como juez entre dos repúblicas
(…). Pero, en cuanto sea posible, con el menor daño y perjuicio de la
nación ofensora. Bastante es que sean castigados los culpables en lo que
es debido. Mayormente que las más de las veces, entre los cristianos, toda
la culpa es de los príncipes. Porque los súbditos pelean de buena fe por
sus príncipes. Y es una iniquidad, como el poeta dice, paguen los aqueos
el delirio de sus reyes”22. Luego incluso tras la contienda, Vitoria apela a la
equidad debida con el vencido, y a distinguir entre los gobernantes y sus
súbditos. Es el principio basal del ius post bellum, capaz de asegurar una
paz justa, verdadera, y duradera.

2.3. Condiciones generales de la guerra justa en Vitoria

A nuestro juicio, el núcleo del esfuerzo teórico de Francisco de Vitoria


en la Relectio de iure belli, consiste en determinar qué títulos o causas
hacen que una guerra sea jurídicamente justa.
Por eso, tras razonar la licitud de la guerra con carácter excepcional
y de determinar quién o quienes tienen autoridad para declararla (ius ad
bellum), Vitoria analiza qué causas pueden hacer justa una guerra (ius in
bello). En todo, caso, Vitoria tiene muy presente la causa final de la guerra:
“finis belli est pax et securitas”23como afirma rotundamente en la prima De
indis. En De iure belli, resume así los fines de la guerra: “la guerra se hace,
en primer lugar, para defendernos y defender nuestras cosas. Segundo:

21. Francisco de Vitoria, De iure belli, op. cit., 858.


22. Ibid.
23. Francisco de Vitoria, De indis, op. cit., 366.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
898 José J. Albert Márquez

para recobrar lo que se nos ha quitado. Tercero: para vengar la injuria


recibida. Cuarto: para procurar la paz y seguridad”24.
Principia Francisco de Vitoria por rechazar como justas causas de la
guerra la diversidad de religión, el deseo de expandir el propio territorio, y
la gloria o el provecho del príncipe25. Así, la única y sola causa justa de la
guerra, nos dice Fray Francisco con apoyo en San Agustín y Santo Tomás,
es la injuria recibida26, y ello con independencia de que la guerra fuere
ofensiva o defensiva, o declarada por un particular o un Estado. No solo
eso: la injuria ha de ser realmente grave, lesiva para los derechos funda-
mentales y causante de daños y perjuicios graves27.
Por otra parte es preciso anotar que a nuestro juicio, no fue Vitoria
un pacifista ni en el contexto su época (al estilo de Erasmo o de Lutero)
ni tal y como se entiende actualmente el pacifismo. Álvaro D’Ors entendía
que el pacifismo actual es la negación del derecho de guerra, y que la
paz, en cambio, es la abstención de guerra28. Fray Francisco mantuvo
una postura moderada, realista y prudente entre el realismo belicista (la
guerra se encuentra al margen de cualquier juicio moral) y el pacifismo
o no-violencia (que rechaza de modo absoluto el recurso a la violencia
para la resolución de los conflictos humanos). La doctrina tradicional de
la guerra justa, escribe Raúl Madrid, se pronuncia por la primacía de la
paz, pero no es pacifista, acepta la guerra justa como buena, pero no es
belicista29.

2.4. Algunos aspectos particulares de la guerra justa en la obra de Vitoria

La obra de Vitoria se puede calificar en este aspecto como paradig-


mática de la teoría clásica de la guerra justa. Este posicionamiento axio-
lógico defiende, en definitiva, “una cierta conexión entre paz y justicia”30
cuyo análisis excede el planteamiento de este trabajo y que no presenta una
solución fácil, al menos en la actualidad31. Desde la filosofía del derecho,

24. Francisco de Vitoria, De iure belli, op. cit., nº 44, 847.


25. Ibid., n º 10, 11, y 12, 823 y ss.
26. Ibid., n º 13, 825.
27. Ibid., n º 14, 826.
28. Álvaro D’Ors, ‘El problema de la paz’, Verbo nº 307-308 (1992), 803-820, 807.
29. Raúl Madrid, op. cit., 650.
30. Ángela Aparisi, op. cit., 673.
31. Michael Walzer no observa, por su parte, una contradicción absoluta entre la
prevalencia de uno u otro principio. Esa pretendida tensión o contradicción entre

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 899

Luis Legaz y Lacambra ya abordó el asunto a principios de la década de


los setenta del pasado siglo, y consideraba que “la paz es un resultado
y la justicia una finalidad (…) si la paz es el resultado de la justicia,
¿qué sentido tiene decir que hay una paz injusta?”32. Walter Scheaetzel
razonaba en este sentido que el concepto moderno de guerra es (al menos
hasta la segunda guerra mundial) un concepto discriminatorio, como lo
era en la edad media: en toda guerra hay un beligerante justo frente a un
beligerante injusto. Ocurre que el criterio de diferenciación es distinto en
un caso y otro: para la doctrina clásica es beligerante injusto el que carece
materialmente de derecho; para la moderna, es injusto el que quebranta la
paz con un acto de agresión; se protege la paz con preferencia al derecho
material33. En este sentido, resulta interesante comprobar, como recuerda
Aparisi, que en la época moderna la licitud de la guerra vendrá deter-
minada por su sometimiento a una forma reglamentada34, produciéndose
una escisión en el tratamiento del ius ad bellum y el ius in bello en favor de
éste último. Así, pasan a ser preponderantes las cuestiones del derecho a
la guerra, dejándose al margen la problemática del ius ad bellum. Por esta
vía, se diluye progresivamente, observa Aparisi, la diferencia clásica entre
guerra justa e injusta, entre Estados con justa causa para la contienda, o
sin ella; en definitiva, entre el combatiente justo e injusto.
De esta forma de concebir las relaciones entre paz y justicia surgen
tesis como las de Bobbio35 en Italia o Alfonso Ruiz Miguel36 en España. Para

paz y justicia puede solventarse y justificarse en cada caso determinado, según las
específicas circunstancias, ya sea en el caso de Uganda o en el de Chile. Vid., Walzer,
Terrorismo y guerra justa. op. cit., 52-53. Victorino Rodríguez consideraba la justicia
como “parte y presupuesto de la paz”. Vid, ‘Teología de la Paz’, Revista Verbo, n º 251-
252 (1987): 7-39, 28. Jesús Ballesteros estima que hay muchas exigencias de justicia
que conducen a la paz. Vid., Jesús Ballesteros, Repensar la paz, (Madrid: Ediciones
Internacionales Universitarias, 2006), 107-110.
32. Luis Legaz y Lacambra, ‘Justicia y Paz’, en Anuario de la Asociación Francisco de
Vitoria XVIII (1971-72), 13-24. Cita a la 14.
33. Schaetzel, Walter, ‘La teoría de la guerra de Francisco de Vitoria y la moderna guerra
de agresión’, traducción del original alemán inédito de Antonio Truyol y Serra, 407-
424. (Murcia: Universidad de Murcia, 1954), 413.
34. Ángela Aparisi, op. cit., 676.
35. Vid., especialmente, Norberto Bobbio, El problema de la guerra y las vías de la paz.
Traducción Jorge Binaghi (Barcelona: Gedisa, 1992), 58-59.
36. Alfonso Ruiz Miguel, La justicia en la guerra y en la paz (Madrid: Centro de Estudios
Políticos y Constitucionales, 1988), 106-107. El Prof. Ruiz Miguel, en esta obra de
referencia, solo cita a Vitoria en cuatro o cinco ocasiones, y siempre, a nuestro juicio,
con relación a aspectos tangenciales de su doctrina. Así, por ejemplo, para considerarlo,
junto a otros muchos, como un filósofo que estudió la paz (p. 19), en lo relativo a la

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
900 José J. Albert Márquez

este último, la doctrina clásica de la guerra justa prima la justicia frente


a la paz. Y en ambos casos, (Bobbio y Ruiz Miguel) se entiende incluso
que la doctrina clásica de la guerra (tal y como la formulan autores como
Vitoria, que admiten la licitud o justicia – aún de forma excepcional – de
la guerra) corre el riesgo de fomentar la guerra, al estar al servicio de una
ficticia y parcial idea de justicia37.
Pero volviendo a Vitoria, es necesario advertir que su doctrina
teológica, jurídica y política se fundamenta en una concepción
antropológica basada en el total respeto a la dignidad humana desde la
convicción de la absoluta igualdad entre todos los seres humanos (“los
indios no son monas”, llegaría a escribir gráficamente con relación a
la cuestión de los llamados “peruleros”38). Es, en suma, la antropología
aristotélico-tomista a la que es fiel Fray Francisco, basada en la natural
sociabilidad humana que describió el estagirita (a quien Vitoria cita de
continuo) y que el dominico supo magistralmente desarrollar hasta la idea
de ius comunicationis como derecho fundamental39 (hoy diríase humano)
de cualquier ser humano. Ser humano libre, e intrínsicamente digno por
el mero hecho de ser humano. En suma, miembro de una comunidad de
iguales que libremente buscan el bien común. Por el contrario, la Europa
reformada, imbuida de pesimismo antropológico y de determinismo,
derivaría posteriormente hacia posturas doctrinales justificadoras del
derecho divino de los reyes. Muy alejadas, en consecuencia, de las claras
tendencias democráticas de los dominicos.
Por eso mismo, el maestro salmantino es capaz de construir una
noción de comunidad internacional (totus orbis) que acogería dentro de sí,
como sostenía Luciano Pereña, no solo a toda la cristiandad, sino también

vindicación de las ofensas (103), para apuntar un perfil utilitarista en Vitoria (140), o
con relación a la “inocencia” de los no combatientes (301).
37. Norberto Bobbio, op. cit., 58-59. En el caso de Ruiz Miguel, vid., op. cit., 106.
38. En la conocida carta al Padre Arcos, recogida textualmente Jesús Cordero en su
Estudio Preliminar a la edición de De potestate civile, XLIII. Se refiere aquí Vitoria a los
abusos cometidos por algunos encomenderos españoles en Perú (“peruleros”) contra
los indígenas. Vid., Francisco de Vitoria, Relectio de Potestate Civile. Estudios sobre su
filosofía política. Corpus Hispanorum de Pace, segunda serie, vol. 15, edición crítica
por Jesús Cordero Pando (Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas,
2008).
39. Sobre la actualidad de tal principio, vid., p.ej., José J. Albert Márquez, ‘El principio
de neutralidad en internet. Una aportación a la libertad de comunicación en internet
desde el pensamiento de Francisco de Vitoria’ en Revista Estudios de Deusto 66, n.º 2
(2018): 71-103. doi http://dx.doi.org/10.18543/ed-66(2)-2018

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 901

a todos los Estados del mundo40. Se propiciaría así la construcción de una


situación de convivencia en el orden de libertad41, clave para la conse-
cución de una verdadera paz. Paz como finalidad de la guerra, relación
medial que destacaba Urdanoz en el pensamiento vitoriano42.
La noción tradicional de “guerra justa”, como se ha dicho, fue desa-
rrollada por Tomás de Aquino en la cuestión 40 de la Secunda Secundae
de la Suma Teológica, dentro del tratado de la caridad. Ha sido criticado43
el hecho de que no se ubicara en el tratado de la justicia, así como que el
tratamiento que ofrece el aquinate de la legitimidad de la guerra estuviese
preñado de conceptos subjetivos.
No obstante haber sido el Doctor Angélico el primero en haber
sistematizado la doctrina tradicional sobre la guerra justa, fijando las
condiciones esenciales de la guerra justa y lícita, lo cierto es que la breve
síntesis de Aquino fue criticada, observa Urdanoz, no solo por su falta
de originalidad, sino por haber considerado la guerra contraria al orden
de la caridad más que al orden de la justicia. También, al exigir Aquino
la “recta intención” como condición de licitud de la guerra, introduce un
fuerte componente subjetivo difícil de apreciar en la práctica. Por último,
más aún se evidencia esa ambigüedad al definir el Aquinate la condición
fundamental de la guerra justa, que es la causa justa, por el hecho de que
haya precedido una culpa, que puede referirse, en Santo Tomás, a cual-
quier clase de pecados.
Quizá una visión más completa del asunto la ofrecía Victorino
Rodríguez: la paz es ciertamente obra de la justicia y de la caridad conjun-
tamente, sin posible exclusividad. No se puede tratar más que de un orden
de complementariedad. Para el Aquinate “hay que decir que la paz es obra
de la justicia indirectamente, es decir, en cuanto que remueve obstáculos.
Pero es obra de la caridad directamente, porque por su propia naturaleza,
la caridad causa la paz”44. Resulta pues, a juicio del padre Rodríguez,
patente que la caridad, por radicalidad y universalidad del amor, ejerce
más fuerza unificadora y pacificadora que la justicia, cuya vigencia es
indispensable en su propio ámbito para la paz social. Sin justicia no hay

40. Luciano Pereña, Bien Común y Paz dinámica, op. cit., 48.
41. Luciano Pereña, Estudio Preliminar, op. cit., 64.
42. Teófilo Urdanoz, Introducción a la relección segunda, op. cit., 747.
43. Ibid., 731.
44. Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, 29.3. (Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos,
1990), 278.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
902 José J. Albert Márquez

paz; pero no basta la justicia para que haya plenamente paz, si no median
actitudes de amistad45.
De modo análogo, Raúl Madrid recuerda que Tomás de Aquino trata
el tema de la guerra como uno de los elementos contrarios a la concordia
de los pueblos, un vicio contrario, por acción, a la paz. Así, pues, la guerra
sirve a la justicia en orden a la paz. Sin embargo, la paz es un efecto de
la caridad, de modo que la guerra puede ser entendida como un vicio
contrario a la caridad46. Aquino, en suma, concibe la “guerra justa” como
un medio lícito y necesario para restablecer la paz y por tanto, para
regresar a la caridad.
Por otra parte, con respecto a la mayor o menor subjetividad a la hora
de legitimar la justa causa de la guerra, para Santo Tomás, la causa de la
guerra justa era la culpa, y ésta tiene una significación puramente moral.
Aquino se mueve en este campo en un ámbito más filosófico y moral que
jurídico. Sin embargo, para Vitoria, reparaba Urdanoz, la simple iniquitas
agustiniana o la culpa de Santo Tomás, no pueden constituir títulos de justa
intervención bélica. Se trata ahora de la culpabilidad también en el orden
jurídico, es decir, la injusticia cometida contra el beligerante ofendido o
sus aliados; “injuria” ha de entenderse pues como toda injusta lesión de
los derechos de otro, implicando toda clase de daños reales47. Visto desde
otro punto de vista, escribe Titos que “el maestro salmantino rehúsa el
pecado, por muy grave que sea, como causa de guerra justa”48: la razón de
la guerra justa será siempre la violación de los derechos de otro. Vitoria, en
consecuencia, convierte en categorías jurídicas objetivables, los conceptos
morales que San Agustín, y muy especialmente Santo Tomás utilizaron
para fundamentar la legitimidad de la guerra. Fray Francisco (y tras él
todos los teólogos del XVI), sustituye la expresión tomista “culpa” por la
de “injuria” o “injusticia” inferida a la parte inocente49. Así, se desplaza la
problemática del tratamiento de la guerra desde el campo moral al orden
estrictamente jurídico.
Por su parte, el propio Vitoria, en su comentarios a la Suma Teológica,
escribe que “es claro que la justicia es virtud más perfecta que toda la
virtud de la fortaleza, puesto que se ordena a la gobernación y conser-

45. Victorino Rodríguez, op. cit., 36.


46. Raúl Madrid, op. cit., 647.
47. Teófilo Urdanoz, Introducción a la Relección Segunda, op. cit., 772.
48. Francisco Titos Lomas, op. cit., 242.
49. Teófilo Urdanoz, op. cit., 732.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 903

vación del reino, y tiene actos muy perfectos, como impedir las guerras y
sediciones, y conseguir la igualdad. La guerra es un hecho accidental, la
paz es de derecho natural; y, por consiguiente, la fortaleza no es virtud tan
perfecta como la justicia. Así mismo, la justicia es útil en tiempo de guerra
y en tiempo de paz, lo cual no se da en la fortaleza”50.

3. ¿“Ius ad pacem” en Francisco de Vitoria? ¿Derecho a la paz en


el S. XXI?

Examinada muy someramente la teoría jurídica de la guerra en


Vitoria corresponde ahora intentar indagar si el maestro salmantino
teorizó también su propia teoría jurídica de la paz, en el sentido de consi-
derar la paz como un ius (derecho) del mismo modo que concibe un ius
(derecho) a la guerra, en la guerra y tras la guerra. La tesis que antici-
pamos es que no. No estaba en el universo jurídico de la época, ni menos
aún en el ánimo de Francisco de Vitoria, considerar la existencia efectiva
de un “derecho a la paz”, en el sentido moderno de “derecho subjetivo”,
emergente del individuo y ejercitable judicialmente.
Antes de nada, parece oportuno señalar que las categorías concep-
tuales “guerra”, “paz”, no tienen por lo general la misma significación en
la actualidad que en tiempos de Vitoria. Ya hemos aludido a como Bobbio
o Ruiz Miguel entienden modernamente la guerra, y por tanto, sensu
contrario, la paz. Jesús Ballesteros describe admirablemente los diversos
tipos de violencia que amenazan hoy día la paz: explotación económica,
violencia lúdica y violencia política51, demostrando así la expansión
moderna del binomio guerra-paz hacia nuevas realidades. Recientemente,
al ser preguntado al respecto, Michael Walzer manifestaba que “la paz
es ausencia de guerra. Es, en primer lugar, un concepto negativo. Los
términos morales fuertes tienen un sentido negativo a causa de su poder
crítico. Por ejemplo, el igualitarismo significa no a la jerarquía, y dado que
vivimos en un mundo de desigualdad y dominación, el igualitarismo es en
primer lugar una doctrina de abolición de estas realidades. Y creo que la
paz es algo semejante: la coexistencia pacífica de grupos significa que uno
de ellos no domina ni persigue al otro, que no hay una guerra civil entre
ellos, que viven juntos sin conflicto violento. Éste es el primer significado;

50. Francisco de Vitoria, La Justicia, op. cit., 46.


51. Jesús Ballesteros, op. cit., Introducción.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
904 José J. Albert Márquez

después se puede desear que, una vez que se ha establecido este nivel de
coexistencia, se den diversas interacciones positivas entre los miembros
del colectivo”52. Nos parece este del norteamericano un buen punto de
partida para entender que la paz (ahora y en tiempos de Vitoria) debe de
considerarse como el estado o situación social en que no hay guerra, si
bien lo deseable es que supusiera un plus, un estado o situación de mutua
cooperación entre las personas y los Estados para el bien común de todos.
La significación usual de la paz es la que le otorgó San Agustín en la
Ciudad de Dios, como tranquillitas ordinis con las modalidades apuntadas
por el propio Agustín de Tagaste: “Así, la paz del cuerpo es la ordenada
complexión de sus partes; y la del alma irracional, la ordenada calma de
sus apetencias. La paz del alma racional es la ordenada armonía entre
el conocimiento y la acción, y la paz del cuerpo y del alma, la vida bien
ordenada y la salud del animal. La paz entre el hombre mortal y Dios es
la obediencia ordenada por la fe bajo la ley eterna. La paz de los hombres
entre sí, su ordenada concordia. La paz de la casa es la ordenada concordia
entre los que mandan y los que obedecen en ella; y la paz de la ciudad es
la ordenada concordia entre los ciudadanos que gobiernan y los gober-
nados. La paz de la ciudad celestial es la unión ordenadísima y concor-
dísima para gozar de Dios y a la vez en Dios. Y la paz de todas las cosas, la
tranquilidad del orden”53. Como Victorino Rodríguez señala, solo le quedó
a Aurelio Agustín por consignar la paz entre las naciones o paz interna-
cional para tener un cuadro completo de la paz y de sus pormenorizadas
realizaciones humanas54. En suma, si la paz se define como tranquilidad
del orden o tranquila libertad, la falta de paz y la guerra serán correlati-
vamente, razona Rodríguez, falta de orden, de libertad, de tranquilidad o
sosiego55.
Sea como fuere, la cuestión es dilucidar si en la obra de Francisco de
Vitoria hay elementos para fundamentar la existencia de un “derecho a la
paz” tal y como actualmente se entiende. En buena medida, esta es una
cuestión que gravita sobre el concepto que defienda de “derecho”, y este es
un asunto que sin duda desborda el objeto de estas páginas. En cualquier
caso, estimamos que el derecho constituye un sistema subsidiario de reso-
lución de conflictos humanos guiado por el ideal de aplicar lo justo al caso

52. Michael Walzer, Terrorismo y guerra justa., op. cit., 51.


53. Agustín de Hipona, De Civitate Dei, XIX, 13,1., (Madrid: BAC, 1958), 1397-1398.
54. Victorino Rodríguez, op. cit., 11.
55. Ibid., 14.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 905

concreto56. Es decir, que, ante una situación conflictual, los afectados por
ella y en su caso la autoridad deben de recurrir en primer lugar a modos de
solución pacíficos de controversias inter partes o con auxilio de un tercero
neutral. Entre estos modos de solución pacífica de controversias (que por
otra parte Vitoria conoce perfectamente) se encuentran, fundamental-
mente, el diálogo racional y sincero entre las partes, la transacción, la
negociación, la mediación, el arbitraje o la conciliación, cada uno de ellos
con sus particularidades. Solo si estos métodos fracasan, puede y debe
el derecho intervenir como mecanismo social de resolución de contro-
versias, de ahí el llamado carácter subsidiario del derecho, o su conside-
ración de última ratio sancionadora, que cobra especial relevancia en el
ámbito del derecho penal. En este sentido coercitivo, el más conocido –
alabado y denostado-, jurista del pasado siglo XX, Hans Kelsen, entendía
el derecho como técnica social que consiste en establecer un orden coer-
citivo mediante el cual se fomentan determinadas acciones bajo amenaza
de sanción57, y desde este punto de vista, recordando los postulados de
Max Weber, el derecho es concebido por Kelsen como un orden coercitivo
que monopoliza el uso de la fuerza58.
En suma, que el estado conflictual, añadimos nosotros, es inherente a
la naturaleza humana. Hannah Arendt, al hilo de la relación entre violencia
y poder, afirmaba que “el fin de la guerra – fin concebido en su doble signi-
ficado – es la paz o la victoria; pero a la pregunta ¿Y cual es el fin de la
paz?, no hay respuesta. La paz es un absoluto, aunque en la Historia que
conocemos los periodos de guerra hayan sido siempre más prolongados
que los de paz”59. La paz, pues, es considerada un absoluto, subrayemos.
Ya Emmanuel Kant escribió a fines del siglo XVIII que el estado de
paz entre hombres que viven juntos no es un estado de naturaleza (status
naturalis); es más bien un estado de guerra, es decir, un estado en el que, si
bien las hostilidades no se han declarado, sí existe una constante amenaza
de que se declaren. El estado de paz debe, por tanto, ser instaurado, pues
la omisión de hostilidades no es todavía garantía de paz y si un vecino

56. Vid. José J. Albert Márquez, ‘Fundamentos para la cultura de la paz. Una aproximación
desde la axiología jurídica’, en Aproximaciones a las complejidades de la paz,
coordinadores Víctor M. Martín Solbes y Mª Teresa Castilla Mesa, 37-53. (Granada:
GEU Editorial, 2017).
57. Hans Kelsen, ¿Qué es justicia?, traducción y estudio preliminar a cargo de Albert
Casamiglia, (Barcelona: Planeta-De Agostini, 1993), p.152.
58. Ibid., 158.
59. Hannah Arendt, Sobre la violencia, traducción Guillermo Solana (Madrid: Alianza
Editorial, 2013), 34.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
906 José J. Albert Márquez

no da seguridad a otro (lo que solo puede suceder en un estado legal),


cada uno puede considerar como enemigo a quien le haya exigido esa
seguridad60. Kelsen, por su parte, estima pues que la paz es, simplemente,
una situación en la que no se usa la fuerza. En este sentido del término,
el derecho sólo proporciona una paz relativa, no absoluta, ya que priva
al individuo del derecho de utilizar la fuerza pero reserva este derecho
a la comunidad. La paz del derecho no es para el jurista centroeuropeo
una situación en la que la fuerza falta por completo; no es un estado de
anarquía, sino un estado en el que la comunidad tiene el monopolio de la
fuerza61. En suma, en nuestra opinión, el modelo de derecho que Kelsen
propone, por lo que ahora nos ocupa, no sobrepasaría lo que Galtung
calificaría de “paz negativa”, en cuanto que situación de “no conflicto”,
pero en ningún modo alcanzaría a fundamentar una idea jurídica de “paz
positiva”62, del modo en que por cierto Kant parecía anticipar. Y, en cual-
quier caso, como recuerda Diego Medina Morales, Kelsen en su discurso
desemboca necesariamente, en una idea imperativista del derecho63.
En suma, durante buena parte del siglo XX hemos manejado un
concepto de derecho formalista-kelseniano probablemente necesario,
pero seguro que insuficiente para fundamentar una auténtica cultura de
la paz y en consecuencia inhábil para incluir dentro de sí un eventual
“derecho humano a la paz”. Entre las bases de ese derecho se encuentra
un concepto puramente negativo y formal (por kantiano) de la libertad
humana.
Quizá por ello, como hemos anticipado, actualmente no existe
ninguna norma jurídica de relevancia suficiente en derecho internacional,
válida, eficaz, y coercible, que consagre expresamente un “derecho humano
a la paz”. Es cierto, sin embargo, que la paz se menciona en el preámbulo
primero de la Declaración Universal de los Derechos del Hombre
(“Considerando que la libertad, la justicia y la paz en el mundo tienen por

60. Inmanuel Kant, Hacia la paz perpetua. Un esbozo filosófico, (Madrid: Ciro Ediciones,
2011), 23.
61. Hans Kelsen, op. cit., p 160. Sin embargo, aunque parezca paradójico, es necesario
recordar que Kelsen fue un convencido pacifista, si bien su afán por construir una
Teoría Pura del Derecho desprovista de cualquier contaminación extraña le hizo adoptar
un formalismo jurídico incompatible con ciertas manifestaciones de subjetividad o
con cualquier contaminación de tipo moral, religiosa, o simplemente metafísica.
62. Johan Galtung, ‘Essays in Peace Research I. Peace: Research, Education, Action’, en J.
Galtung, Sobre la Paz, traducción de C. Martínez, 56-98 (Barcelona: Fontamara, 1985).
63. Diego Medina Morales, El Derecho subjetivo en Hans Kelsen, (Córdoba: Servicio de
Publicaciones de la Universidad de Córdoba, 2005).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 907

base el reconocimiento de la dignidad intrínseca y de los derechos iguales


e inalienables de todos los miembros de la familia humana”), y que dicho
preámbulo goza de valor hermenéutico respecto del articulado – incluso
se redactó a posteriori, cuando ya se conocían los derechos recogidos en
la Declaración – pero ni en el articulado de la Declaración Universal, ni en
ningún documento jurídicamente vinculante de derecho internacional se
reconoce expresamente un “derecho humano a la paz”. En este sentido, se
trata de un derecho in fieri, es decir, en proceso de construcción doctrinal
y de positivización.
Lo anterior no quiere decir que no se encuentre regulado en cada vez
más documentos jurídicos, sino simplemente, insistimos, que ninguno de
ellos tiene carácter universal, vinculante, y susceptible de ser impuesto,
dado el caso, por la fuerza. Así, por ejemplo, el “derecho a la paz” sí
aparece recogido, ente otros instrumentos jurídicos, en la Carta Africana
sobre Derechos Humanos y de los Pueblos (Carta de Nairobi, 1981),
como derecho colectivo de los pueblos (art. 23.1), en la Declaración de la
Asamblea General de Naciones Unidas, Declaración sobre la preparación de
las sociedades para vivir en paz, de 15 de diciembre de 1978 (A/RES/33/73),
y fundamentalmente, en la Declaración sobre el Derecho de los Pueblos a la
Paz (A/RES/39/11) adoptada el 11 de noviembre de 1985. También resultó
un hito importante en esta materia la conocida como Declaración de
París, El Derecho Humano a la Paz, publicada el 1 de enero de 1997 bajo el
auspicio de la Unesco. Por último, el documento más importante al efecto
de los últimos años lo constituye, en mi opinión, la amplia Declaración de
Santiago de Compostela, de 10 de diciembre de 2010, punto culminante
de las declaraciones de Luarca (2006), Bilbao (2010) o Barcelona (2010).
La Declaración de Santiago de Compostela sobre el derecho humano a la
paz (Promovida por el Congreso Internacional sobre el Derecho Humano
a la Paz, Reunido los días 9 y 10 de diciembre de 2010 en Santiago de
Compostela con ocasión del Foro 2010 o Foro Social Mundial sobre la
Educación para la Paz) consta de dos partes, dos secciones, quince artí-
culos que recogen once derechos y tres disposiciones finales. Sin embargo,
no se define expresamente en su articulado el “derecho a la paz”. En este
sentido, la aproximación jurídica más certera se contiene en el artículo
1.1 de la citada Declaración, que reza textualmente: “Las personas, los
grupos, los pueblos y toda la humanidad tienen el derecho inalienable a
una paz justa, sostenible y duradera. En virtud de ello, son titulares de
los derechos y libertades reconocidos en esta Declaración”. De hecho, el
resto del articulado recoge de modo fragmentario y disperso el contenido
material del derecho humano a la paz, de forma que solo de una inter-

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
908 José J. Albert Márquez

pretación conjunta de toda la Declaración podemos inducir cual sería ese


contenido material. Así, la Declaración de Santiago proclama el derecho
a la educación en y para la paz (art. 2), el derecho a la seguridad humana
(art. 3), al desarrollo y a un medio ambiente sostenible (art. 4), el derecho
a la desobediencia y a la objeción de conciencia (art. 5), el derecho de
resistencia contra la opresión (art. 6), el derecho al desarme (art. 7), las
libertades de pensamiento, opinión, expresión, conciencia y religión (art.
8), el derecho al refugio (art. 9), el derecho a emigrar y a participar (art.
10), los derechos de las víctimas (art.11), los grupos en situación de vulne-
rabilidad (art. 12) y por último, las obligaciones para la realización del
derecho humano a la paz (art. 13).
Con independencia de la mayor o menor relación de algunos de los
derechos y libertades que se recogen en la Declaración de Santiago con
el contenido preciso del derecho humano a la paz, insistimos en que no
existe en este documento una definición expresa del “derecho a la paz”,
que hemos de suponer conceptualmente compuesto por la suma de todos
o de la mayor parte de los derechos que comprenden la Declaración. Esta
es, en mi opinión, la primera dificultad que encuentra el “derecho a la paz”
para ser configurado jurídicamente: el carácter abierto o indeterminado
de su contenido material. O, si se quiere, la falta de una definición sufi-
cientemente consensuada del derecho a la paz. Entre la doctrina, Diego
Uribe Vargas define descriptivamente el derecho a la paz como “el derecho
de todo individuo a contribuir a los esfuerzos de la paz, comprendiendo
el rechazo a participar en preparativos militares, y el derecho colectivo
de todo Estado a beneficiarse del pleno respeto por parte de los otros
Estados, de los principios de no utilización de la fuerza, de no agresión,
de solución pacífica de diferendos, de las convenciones de Ginebra y de
los protocolos adicionales y de normas similares, así como la puesta en
práctica de una política a favor del desarme general y completo bajo
control internacional”64.
Una segunda dificultad para la juridificación del derecho a la paz
vendría constituida en mi opinión por la determinación de los sujetos
activos (titulares, acreedores o demandantes, según las terminologías) y
sujetos pasivos del derecho (deudores u obligados), pues claramente se
perfila como un derecho de titularidad no solo individual, toda vez que
cualquier persona lo debe de poseer por el mero hecho de ser persona,

64. Diego Uribe Vargas, ‘Fundamentos del Derecho humano a la Paz’ en, Diálogos, nº 21
(1997): 1-23, 13.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 909

sino también colectiva, pues alcanzaría a los pueblos, las naciones y los
Estados. Desde el otro punto de vista, y puesto que desde que se consagra
un derecho existe la correlativa obligación de velar por su cumplimiento,
obligados fundamentales de mantener la paz serían los Estados, pero
también los individuos y las personas. Este es el sentido del art. 13, apar-
tados 1 y 2, de la Declaración de Santiago de Compostela, cuyo tenor
literal es: “1. – La realización efectiva y práctica del derecho humano a la
paz comporta necesariamente deberes y obligaciones para los Estados, las
organizaciones internacionales, la sociedad civil, los pueblos, las personas,
las empresas, los medios de comunicación y otros actores sociales y, en
general, toda la comunidad internacional. 2. – La responsabilidad esencial
para la preservación de la paz y la protección del derecho humano a la
paz incumbe a los Estados y también a las Naciones Unidas como el
organismo más universal que armoniza los esfuerzos concertados de las
naciones para realizar los propósitos y principios proclamados en la Carta
de las Naciones Unidas”.
Tercera dificultad, relacionada con la anterior, sería su compleja
viabilidad procesal. Una vez determinada la legitimación activa y pasiva
para su titularidad, habría que establecer mediante que tipo de acción y
por cual o cuales procedimientos jurisdiccionales se podría hacer efectivo
el ejercicio de este derecho. Resulta difícil imaginar, particularmente en
este caso, una viabilidad procesal universal ante un organismo con compe-
tencias específicas para ello (problema, por cierto, vigente en tiempos de
Vitoria, al no existir una autoridad mundial ante quien dirimir conflictos
internacionales).
Y por último, una cuarta dificultad, vendría constituida por la impo-
sibilidad de asegurar la eficacia práctica del derecho a la paz mediante la
coacción (dificultad inexistente en la regulación del derecho a la guerra
justa en la teoría clásica que representa, entre otros, Francisco de Vitoria).
Y es que, aunque pudiera resultar paradójico con relación al derecho a la
paz, como Kelsen quería, en última instancia el derecho también significa
posibilidad de aplicarlo por la fuerza. De ahí la íntima relación del derecho
a la paz con el derecho a la seguridad, con el que camina indefectible-
mente de la mano. La Declaración de Santiago de Compostela parece ser
bien consciente de ello, y en su art. 3 consagra la “seguridad humana”
como un derecho. Esto es, que existe una obligación legal de asegurar
esa seguridad y aunque la Declaración no lo mencione directamente, si
fracasan los métodos pacíficos de solución de controversias el derecho a

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
910 José J. Albert Márquez

la seguridad habrá de ser garantizado por la coacción, o por la amenaza


de la misma65.
Se puede colegir, en consecuencia, que el derecho a la paz, dada su
compleja naturaleza jurídica y su carácter de “nuevo derecho”, no tiene
un claro encaje jurídico entre las categorías de derechos recogidas tradi-
cionalmente en los textos internacionales. Además, una positivización
inadecuada del derecho a la paz (por indefinida, redundante, o por carecer
de suficiente consenso) podría producir el efecto contrario al deseado:
como advierte Jesús Mª Alemany, cuantitativamente una proliferación de
derechos podría ser excesiva y contribuiría a ponerlos en peligro66. Y lo
que es más grave desde un punto de vista cualitativo, una positivización
descuidada o interesada desde el punto de vista político de los derechos
humanos puede degenerar en los que Janne Haaland Matlary ha deno-
minado recientemente “derechos humanos depredados”, pues el problema
principal de la democracia moderna occidental, en opinión de Matlary, es
la reducción de cuestiones éticas a cuestiones pragmáticas, políticas67. Por
eso, a fin de redefinir y dotar de una naturaleza jurídica determinada a
derechos como el derecho a la paz, Karel Vasak denominó a estos nuevos
derechos humanos “derechos-síntesis”68, expresión de inmediato recogida
por Héctor Gros Espiell y por Uribe, y que supone la integración, más que
la oposición, entre las diversas generaciones de derechos.
Gros Espiell, precisamente, ha contribuido notablemente a perfilar
desde un punto de vista jurídico la caracterización del derecho humano

65. Según los tres primeros apartados del artículo 3: “1. – Toda persona tiene derecho a la
seguridad humana, lo que incluye la libertad frente al miedo y frente a la necesidad,
ambos elementos de la paz positiva.
2. – Los pueblos y los seres humanos tienen derecho a vivir en un entorno privado y
público que sea seguro y sano, así como a recibir protección contra cualquier acto
de amenaza o de violencia física o psicológica, con independencia de su procedencia
estatal o no estatal.
3.  – Los pueblos y los seres humanos tienen derecho a exigir a sus gobiernos que
apliquen efectivamente el sistema de seguridad colectiva establecido en la Carta de las
Naciones Unidas, en particular el principio de arreglo pacífico de controversias, con
pleno respeto a las normas del derecho internacional, del derecho internacional de los
derechos humanos y del derecho internacional humanitario”.
66. Jesús María Alemany Briz, ‘La Paz. ¿Un derecho humano?’ (Zaragoza: Fundación
Seminario de Investigación para la Paz, 1998) recuperado de www.seipaz.org/
documentos/AlemanyDHPaz.pdf, última consulta 3-02-2019, 3.
67. Janne Haaland Matlary, Derechos humanos depredados. Hacia una dictadura del
relativismo, traducción de María Jesús García González. (Madrid: Ediciones
Cristiandad, 2008), 75.
68. Karel Vasak, ‘El derecho humano a la paz’, en Tiempo de Paz, nº 48 (1998): 19-24, 23.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 911

a la paz. Así, el objeto o la materia de este derecho sería precisamente


la paz, entendida en sentido integral, como ausencia de violencia, ya
sea bélica o cuando asuma otras formas, pero también necesariamente
en un sentido positivo como expresión de la justicia y de la solidaridad.
Como sostiene Gros Espiell, este concepto integral de la paz, ineludible-
mente actual, va más allá de la idea meramente negativa de la paz que
pudo existir en determinados momentos históricos y en algunas culturas
pero que hoy ya es imposible sostener ante la general convicción de que
debe haber una concepción universal integral y plena de la paz, que no
es concebible cuando a la ausencia de violencia no se suma el imperio de
la justicia y de la solidaridad69. A su vez, el recto entendimiento de este
derecho genera deberes, pues obliga a aceptar el valor ético del pacifismo,
entendido en su correcto significado, como brega por la paz y defensa del
valor ético, humano y social que ella implica, usando todos los medios
lícitos que resultan del derecho70. Titular de este derecho sería la huma-
nidad entera, los Estados, naciones, pueblos, minorías e incluso el ser
humano considerado individualmente. Se trata, en suma, de un auténtico
derecho subjetivo que se traduce en el poder o la capacidad de actuar
usando todos los procedimientos previstos por el derecho objetivo para
promover, denunciar o reclamar la violación de un derecho humano, para
peticionar la sanción penal, civil o administrativa o la correspondiente
indemnización71. Por otra parte, según el profesor uruguayo, sujeto pasivo
del derecho humano a la paz es toda persona, la comunidad internacional,
los Estados, las organizaciones internacionales (universales y regionales),
y toda organización internacional no gubernamental72.
Gros considera además que el derecho humano a la paz constituye
una norma de ius cogens (esto es, una norma imperativa) por constituir
una proyección de las consecuencias de la prohibición del uso de la fuerza
(art. 2.4 Carta de las Naciones Unidas) y porque el derecho humano a la
paz constituye una de las expresiones del derecho a la vida en cuanto que
derecho humano73. Por último, el derecho humano a la paz, plenamente
configurado conceptualmente, gozaría de carácter universal como todos
los derechos humanos y en consecuencia sería exigible erga omnes. Esta

69. Héctor Gros Espiell, ‘El derecho humano a la paz’, en Anuario de Derecho Constitucional
Latinoamericano, (2005): 517-546, 530.
70. Ibid.
71. Ibid., 533.
72. Ibid., 537.
73. Ibid., 533.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
912 José J. Albert Márquez

esencial característica de los derechos humanos (o son universales, o no


lo son, podría decirse) cobra especial relevancia en el caso del derecho
humano a la paz, pues avalaría la posibilidad de la intervención armada
para su protección dentro del marco del derecho humanitario74.
Es posible que las dificultades de juridificación de la paz se deban
a su particular naturaleza. D’Ors considera la paz verdadera un acto o
situación, la actualización de una virtud, la situación de orden justo que
hace innecesaria la guerra75. Más que un derecho, la paz es, a nuestro
juicio, un bien, un bien deseable que se traduce en un estado de cosas. Un
valor digno de estimación. Un valor universal que merece realizarse en
cualquier situación práctica que lo reclame.
Vistas las dificultades teóricas76 y prácticas que existen a inicios del
siglo XXI para dotar de contenido jurídico efectivo al valor de la paz, (ya
sea como puro derecho subjetivo, ya sea en la categoría más difusa de
derecho humano) mayores serían éstas a mediados del siglo XVI, en plena
segunda escolástica. De hecho, la categoría jurídica del derecho subjetivo,
que empezaba a formarse entonces, era por completo ajena a los prin-
cipios teológicos y antropológicos de Francisco de Vitoria.
Es cierto que con anterioridad a la segunda escolástica, autores como
Juan de Gerson, sobre las bases teóricas del nominalismo de Ockham,
abrieron las puertas a principios del siglo XV a la consideración del origen
de determinados derechos en la individualidad. Sin embargo, la idea de
derecho subjetivo concebido como un derecho que se extrae del mismo ser
del sujeto, de su esencia, es un poder del sujeto individual, una cualidad de
la persona, cuya causa lejana, nos indica José Justo Megías, se encuentra
en el individualismo que se introduce en Europa desde finales de la edad
media y que se acentúa en el siglo XVI, “mediante la desvirtuación de la
Moral objetiva y el crecimiento del interés particular en detrimento del

74. Teresa Gelardo ha destacado esta posición, aunque la intervención humanitaria debería
de contemplarse como la última salida a una situación de injusticia o de opresión
grave que por otros medios políticos o jurídicos es inviable (y se refiere a modo de
ejemplo a las matanzas de Rwanda o Sbrenica) y además, la intervención humanitaria
debería ser excepcional, valorable políticamente desde la cautela y teniendo siempre
presentes, como elementos esenciales, la proporcionalidad, la justa causa, la exigencia
de autorización del Consejo de Seguridad (que asegura la multilateralidad) y, por
supuesto, el resultado humanitario. Teresa Gelardo, ‘La intervención por razones
humanitarias’, en José Justo Megías, Manual de Derechos Humanos. Los Derechos
Humanos en el Siglo XXI. (Pamplona: Thomson Aranzadi, 2006), 230-242, 242.
75. Álvaro D’Ors, op. cit., 807.
76. Vid., por todas, en la doctrina española, Garrido Gómez, María Isabel, ed. El derecho a
la paz como derecho emergente (Barcelona: Atelier, 2001).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 913

interés común”77. Tomás de Aquino, Vitoria, o Soto habían entendido el


derecho como la ipsa res iusta, de modo que la ley sería solo una cierta
causa del derecho. Solo a finales del siglo XVI y comienzos del siglo XVII,
las ideas individualistas que recoge ejemplarmente Fernando Vázquez
de Menchaca ya se habían impuesto78. Y este derecho, tal y como fue
entendido por Aquino, Vitoria o Soto, no nacía de la subjetividad indi-
vidual, sino de la cosa misma, en su naturaleza y en la relación medial que
cada cosa, o las cosas, cumplían entre las personas. Escribe José Justo
Megías que “perdida la noción de Derecho como la cosa justa (dentro de
un quehacer jurisprudencial), sólo quedan las leyes del poder político y
las diversas manifestaciones de la libertad originaria de cada individuo,
que las entiende a modo de facultades, aunque no quizá en sentido (aún)
de derecho subjetivo, tal como esta categoría jurídica fue elaborada por la
pandectística alemana del siglo pasado: una libre disposición sin responsa-
bilidades”79. Ni tan siquiera Suárez, que apunta directamente a la moder-
nidad, como advierte Francisco Carpintero, llegó tan lejos: “Suárez siguió
la terminología de su tiempo y habló de la libertad o de las libertades, sin
precisar más, como de un ‘derecho útil natural’, un jus utile naturale. Era
el primero que alcanzaba esta precisión técnica”80.
Por tanto, Vitoria no puede ser partícipe de un fenómeno jurídico (la
creación del derecho subjetivo en sentido moderno) que comienza a mani-
festarse dubitativamente poco tiempo después de su obra, y que tiene en
su base la sustitución del derecho natural objetivo por las libertades natu-
rales. Un fenómeno jurídico que parte, por otro lado, de una antropología
que se sitúa en la antípoda de los postulados básicos de Fray Francisco.
Para él, como en general para todos los dominicos de la época, lo que
existen son facultas o potestas, y siempre que estén reguladas previamente
en la ley. No derechos subjetivos.

77. José Justo Megías Quirós, ‘De la facultad moral a la cualidad moral: El derecho
subjetivo en la Segunda Escolástica tardía’, en Anuario de Filosofía del Derecho IX,
(1992): 325-349. 326.
78. Ibid., 348.
79. Ibid., 349.
80. Francisco Carpintero Benítez, Diálogo sobre el derecho natural y los derechos humanos,
op. cit., 90. También, del mismo autor, por lo que toca a Suárez, ej., La crisis del derecho
en la escolástica española del siglo XVI, (Madrid: Editorial Sindéresis, 2018), pp.109 y ss.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
914 José J. Albert Márquez

4. Conclusiones

Fray Francisco de Vitoria se nos revela en sus escritos como un


pensador realista moderado, que no otorga potestades absolutas ni al
Papa, ni al Emperador81, y que se muestra profunda y sinceramente preo-
cupado por la búsqueda de la paz mundial. Espinosa Antón sostiene que
“quizá si tuviéramos que definir con un pensamiento a Vitoria diríamos
que para él su mayor tesoro era su conciencia moral, a la que pensaba que
debía seguir siempre y por encima de todo”82.
En este sentido se puede hablar de “pacifismo” en Vitoria a condición
de no confundirlo ni con el moderno pacifismo, ni con las corrientes paci-
fistas de su época, de corte luterano. Admite excepcionalmente la licitud
de la guerra y la condiciona jurídicamente de tal modo que resulta difícil
encontrar una “guerra justa” que cumpla con todos los condicionantes
jurídicos (consecuencia de los teológicos y políticos) que Vitoria le impone
como requisitos. Como Walzer aprecia, poner límites a la guerra ya supone
el comienzo de la paz. Si esos límites son jurídicos, universales, prudentes
y expresión del sentido común, quizá buena parte del camino se haya
iniciado. Esto explicaría, por otra parte, la actualidad de la doctrina de
Vitoria al respecto. Otro problema diverso, como hemos reseñado cumpli-
damente, son las dificultades de las modernas sociedades en establecer
sólidamente un “derecho a la paz” efectivo, y, si pudiera ser (para el que
aún se lo plantee), justo.
Sí fue Francisco de Vitoria, sin duda alguna, un teórico de la paz, –
y un hombre de paz –, como muestra su esfuerzo de juridificación de la
materia, y, sobre todo, la formulación de los tres principios básicos para
que la paz se establezca de modo justo y duradero entre las naciones:
primero, el principio de la posesión de la buena fe; segundo: la voluntad de
paz que debe de ser demostrada en el empeño constante de resolver pací-
ficamente por medio de jueces las diferencias y conflictos internacionales;
tercero: la conciencia de unidad europea puesta en peligro por el enemigo
común83. La paz que procura Vitoria es un estado, una situación, no un

81. Por ejemplo, respecto del principio de libertad de los mares con relación a la política
imperial española, vid., Marta Albert Márquez ‘El principio de libertad de los mares en
la Relectio de Indis. ¿Se enfrentó Francisco de Vitoria a los intereses españoles?’, en
Derecho y Opinión, n º 6 (1998): 169-184.
82. Francisco Javier Espinosa Antón, ‘La guerra y la paz en Francisco de Vitoria’, en
Fragmentos de Filosofía, n º 12 (2014): 47-65, 49.
83. Luciano Pereña, Estudio Preliminar, La tesis de la paz dinámica, op. cit., 52.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 915

derecho individual o colectivo en el sentido moderno de la expresión, es


una “paz dinámica” como la definió Pereña, caracterizada por constituir
una “situación de convivencia en el orden de la libertad”84, en la que el
bien común internacional es fundamento de convivencia85, junto con el
respeto de la igualdad y la libertad de todos los seres humanos. El hombre
se constituye en el centro de gravedad en cuanto que persona intrínse-
camente digna, súbdito del Estado y miembro de una comunidad inter-
nacional. Estos serían los tres pilares básicos de la doctrina de la paz de
Francisco de Vitoria, según sostuvo Luciano Pereña86.
Por eso resulta difícil, a nuestro juicio, construir una teoría jurídica
de la paz en Vitoria simplemente interpretando sensu contrario lo que
el maestro de Salamanca escribía sobre la guerra. Su idea de la paz no
aparece como un simple negativo fotográfico de su teoría jurídica de la
guerra justa. Los planos del análisis son distintos en Vitoria: estrictamente
jurídico para la regulación de todo lo que atañe a la guerra. Consideración
de la paz como el estado deseable al que deben de llegar todas las naciones,
fin último de todo conflicto, pero no “derecho” en su otología jurídica, ni
en su vertiente de ejercicio efectivo. Un plano de análisis más jurídico
que puramente filosófico en el ámbito de la guerra, y más filosófico que
jurídico en el caso de la paz. No quiere esto decir que Vitoria piense en un
estado utópico de paz, como hicieran Moro o Campanela. Francisco de
Vitoria se encontraba mucho más cerca de la realidad, de los problemas
de las personas de su tiempo y de su sufrimiento, y quizá por ello sus
propuestas resultan ser más concretas y realizables.
En cualquier caso, las bases del derecho de guerra y de la construcción
de la paz como situación deseable en Vitoria se encuentran, a nuestro
juicio, en los presupuestos antropológicos y políticos que inspiran toda la
obra del maestro de Salamanca. La persona dotada de dignidad humana,
por naturaleza libre e igual a sus semejantes, que tiende por naturaleza
a convivir en sociedad y que construye sociedades políticas en las que la
comunicación y el bien común constituyen las bases de la república. Una
comunidad política, como el propio Vitoria señalaba, cuyo “fin principal e
inmediato es la felicidad humana y la paz en la república”87.

84. Ibid., 64.


85. Luciano Pereña, Bien Común y Paz dinámica, op. cit., 56.
86. Luciano Pereña, Estudio Preliminar, op. cit., 64.
87. Fragmento De Regno Christi, 172, apud, Jesús Pando, ‘El poder en la República’, en
Francisco de Vitoria, Relectio de Potestate Civile. Estudios sobre su filosofía política.
Corpus Hispanorum de Pace, op. cit., 353.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
916 José J. Albert Márquez

Referencias

Albert Márquez, José J. ‘Fundamentos para la cultura de la paz. Una aproximación desde la
axiología jurídica’. En Aproximaciones a las complejidades de la paz, coordinadores Víctor
M. Martín Solbes y María Teresa Castilla Mesa, 37-53. Granada: GEU Editorial, 2017.
Albert Márquez, José J. ‘El principio de neutralidad en internet. Una aportación a la libertad
de comunicación en internet desde el pensamiento de Francisco de Vitoria’. Estudios de
Deusto 66, n.º 2 (2018): 71-103. doi http://dx.doi.org/10.18543/ed-66(2)-2018
Albert Márquez, Marta. ‘El principio de libertad de los mares en la Relectio de Indis. ¿Se enfrentó
Francisco de Vitoria a los intereses españoles?’, en Derecho y Opinión, n º 6. Córdoba:
Servicio de Publicaciones de la Universidad de Córdoba, 1998.
Alemany Briz, Jesús María. ‘La Paz. ¿Un derecho humano?’, Fundación Seminario de Investigación
para la Paz, (1998) www.seipaz.org/documentos/AlemanyDHPaz.pdf.
Aparisi Miralles, Ángela. Derecho a la paz y derecho a la guerra en Francisco de Vitoria. Granada:
Comares, 2007.
Aparisi Miralles, Ángela. ‘Actualidad del pensamiento filosófico-político de Francisco de Vitoria:
presupuestos para una teoría de la paz justa’. En Una filosofía del derecho en acción:
homenaje al profesor Andrés Ollero, coord. por Cristina Hermida del Llano, José Antonio
Santos Arnaiz; Andrés Ollero Tassara (hom.), 671-691. Madrid: Dykinson, 2015.
Agustín de Hipona, San. De Civitate Dei. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1958.
Aquino, Tomás de. Suma Teológica. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1990.
Arendt, Hannah. Sobre la violencia. Traducción Guillermo Solana. Madrid: Alianza Editorial,
2013.
Beltrán de Heredia, Vicente. Los manuscritos del maestro Fray Francisco de Vitoria. Estudio crítico
e introducción a sus Lecturas y Relecciones. Madrid-Valencia: Tipografía Moderna, 1928.
Ballesteros Llompart, Jesús. Repensar la paz. Madrid: Ediciones Internacionales Universitarias,
2006.
Bobbio, Norberto. El problema de la guerra y las vías de la paz. Traducción Jorge Binaghi.
Barcelona: Gedisa, 1992.
Calafate, Pedro ‘A idea de Comunidade universal em Francisco Suárez’ en IHS. Antiguos Jesuitas
en Iberoamérica, Vol 5, nº 2 julio-diciembre (2017): 48-65.
Calafate, Pedro y Mandado Gutiérrez, Ramón Emilio (dirs) A Escola Ibérica da Paz: a consciência
crítica da conquista e colonização da América/Escuela Ibérica de la Paz: la consciencia crítica
de la conquista y colonización de América: 1511-1694, Santander: Editora da Universidade
da Cantabria, 2014.
Carpintero Benítez, Francisco. Diálogo sobre el derecho natural y los derechos humanos. Madrid:
Editorial Y, 2019.
Carpintero Benítez, Francisco. La crisis del derecho en la escolástica española del siglo XVI. Madrid:
Editorial Sindéresis, 2018.
D’Ors, Álvaro. ‘El problema de la paz’. Verbo, n º 307-308 (1992): 803-820.
Espinosa Antón, Francisco Javier. ‘La guerra y la paz en Francisco de Vitoria’. Fragmentos de
Filosofía, n º 12 (2014): 47-65.
Galtung, Johan. ‘Essays in Peace Research I. Peace: Research, Education, Action’, en J. Galtung,
Sobre la Paz, traducción de C. Martínez, 56-98. Barcelona: Fontamara, 1985.
Garrido Gómez, María Isabel, ed. El derecho a la paz como derecho emergente. Barcelona: Atelier,
2001.
Gelardo, Teresa. ‘La intervención por razones humanitarias’. En José Justo Megías Manual de
Derechos Humanos. Los Derechos Humanos en el Siglo XXI. Pamplona: Thomson Aranzadi,
2006.
Gros Espiell, Héctor. ‘El derecho humano a la paz’ en Anuario de Derecho Constitucional

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Sobre el Derecho a la Paz y a la Guerra En Francisco de Vitoria. Una Cuestión Actual 917

Latinoamericano, (2005): 517-546.


Kant, Inmanel. Hacia la paz perpetua. Un esbozo filosófico. Madrid: Ciro Ediciones, 2011.
Madrid, Raúl. ‘El concepto de «Guerra Justa» en relación con la unidad de los pueblos europeos’.
Verbo, n º 305-306 (1992): 641-650.
Matlary, Janne Haaland. Derechos humanos depredados. Hacia una dictadura del relativismo.
Traducción de María Jesús García González. Madrid: Ediciones Cristiandad, 2008.
Medina Morales, Diego. El Derecho Subjetivo en Hans Kelsen. Córdoba: Servicio de Publicaciones
de la Universidad de Córdoba, 2005.
Megías Quirós, José Justo. ‘De la facultad moral a la cualidad moral: El derecho subjetivo en la
Segunda Escolástica tardía’ en Anuario de Filosofía del Derecho IX, (1992): 325-349.
Pereña, Luciano. Bien común y paz dinámica. Madrid: Euramerica, s/f.
Rawls, John. El derecho de gentes y “Una revisión de la idea de razón pública”. Traducción de
Hernando Valencia Villa. Barcelona: Paidós, 2001.
Rodríguez, Victorino. ‘Teología de la Paz’, Verbo, n º 251-252 (1987): 7-39.
Rodríguez Molinero, Marcelino. La doctrina colonial de Francisco de Vitoria o el derecho de la paz y
de la guerra. Un legado perenne de la escuela de Salamanca. Salamanca: Librería Cervantes,
1993.
Ruiz Miguel, Alfonso. La justicia en la guerra y en la paz. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 1988.
Schaetzel, Walter. ‘La teoría de la guerra de Francisco de Vitoria y la moderna guerra de agresión’.
Traducción del original alemán inédito de Antonio Truyol y Serra, 407-424. Murcia:
Universidad de Murcia, 1954. Recuperado de https://es.scribd.com/document/384181246/
Francisco-Vitoria
Titos Lomas, Francisco. La filosofía política y jurídica de Francisco de Vitoria. Córdoba:
Publicaciones del Monte de Piedad y Caja de Ahorros de Córdoba (Cajasur), 1993.
Uribe Vargas, Diego. ‘Fundamentos del Derecho humano a la Paz’. Diálogos, nº 21, (1997): 1-23.
Vallet de Goytisolo, Juan B. ‘Perspectiva histórica de las relaciones de derecho internacional
público observadas por el derecho de gentes’, en Verbo, n º 411-412 (2003) :71-103.
Vitoria, Francisco de. Obras de Francisco de Vitoria. Relecciones Teológicas. Edición crítica del
texto latino, versión española, introducción general e introducciones con el estudio de
su doctrina teológico-jurídica por Teófilo Urdanoz, O.P. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1960.
Vitoria, Francisco de. La Justicia. Estudio preliminar y traducción de Luis Frayle Delgado.
Madrid: Tecnos, 2001.
Vitoria, Francisco de. Relectio de Potestate Civile. Estudios sobre su filosofía política. Corpus
Hispanorum de Pace, segunda serie, vol. 15, edición crítica por Jesús Cordero Pando.
Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2008.
Vitoria, Francisco de. Relectio de Iure Belli o Paz Dinámica. Corpus Hispanorum de Pace, vol. VI,
Escuela Española de la Paz. Primera Generación, 1526-1560, edición a cargo de L. Pereña.
V. Abril, C. Baciero, A. García y F. Maseda. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones
Científicas. Escuela Española de la Paz, 1981.
Walzer, Michael. Guerras justas e injustas. Un razonamiento moral con ejemplos históricos.
Traducción de Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar. Barcelona: Paidós, 2001.
Walzer, Michael. Terrorismo y guerra justa. Traducción de Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar.
Madrid: Katz Editores, 2008.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 919-958.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0919

Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à


colonização da América?
RAFAEL ZELESCO BARRETTO *

Abstract
The significance of Francisco de Vitoria (1483-1546) in the great debate of XVIth century
Spain on the morality of colonization is a matter of contention to this day. Some 150 years
ago, at the time of the establishment of International Law as an autonomous discipline,
Vitoria was rediscovered and magnified. Legal historians praised his defence of American
natives’ rights against his own countrymen, and thus presented this unassuming Dominican
monk as nothing less as the founding father of International Law. In the following decades,
however, literature based on Critical Legal Theories and Third World Approaches to
International Law has criticized Vitoria as a hailer of Conquest. This essay argues that
both the presentations of Vitoria as a champion of the freedom of the Indians and as a
supporter of their submission are inaccurate, and due to a presentist bias in historiography
of International Law. The following pages try to read Vitoria’s De Indis taking due account
of its historical context, of its author’s affiliation to Thomist philosophy, and of his probable
intentions as a theologian and a confessor. The article concludes that the aim of Francisco de
Vitoria was to lay out a model for convivence between Indians and Spaniards.
Keywords: colonization, history, international law, ius gentium, scholasticism, thomism.

1. Introdução

A
percepção historiográfica sobre Francisco de Vitoria (1483-1546)
variou bastante ao longo do tempo. Ele foi considerado, sucessiva-
mente, o criador do Direito Internacional Público, o antevisor de
institutos como a Sociedade das Nações e a Cruz Vermelha, um intelectual
orgânico a serviço do projeto colonizador espanhol, um dominicano into-
lerante e um dos advogados da liberdade comercial. Celebrado em vida e
após a morte, esquecido durante a ruína do Império Espanhol, redesco-
berto e promovido no final do século XIX e, enfim, alvo preferencial da

* Escola de Guerra Naval (Rio de Janeiro, Brasil).


 rafaelzb2010@gmail.com

919-958

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
920 Rafael Zelesco Barretto

historiografia crítica do Direito Internacional, Vitoria segue apresentando


um desafio ao estudioso contemporâneo. Foi um dos primeiros, e sem
dúvida o mais influente em sua época, a pensar sistematicamente a nova
configuração do mundo descortinada pelo momentoso evento da chegada
dos europeus à América. Ao fazê-lo, em sua aula magna intitulada Relectio
de Indis recenter inventis, sepultou algumas relíquias do passado medieval,
como as teorias de domínio universal do Papa e do Imperador – pelo que
foi repreendido em vida, e elogiado no futuro – e teorizou sobre o espi-
nhoso problema da justificação moral da Conquista – o que lhe granjeou
fama até poucas décadas atrás, e reprovações no presente.
O objetivo deste trabalho é apresentar a discussão vitoriana sobre a
colonização da América a partir dos pressupostos filosóficos do próprio
Vitoria. Evitar-se-á inserir o dominicano do século XVI em categorias de
pensadores que só foram adquirir sentido centenas de anos mais tarde,
como o universalismo, o anticolonialismo, o liberalismo ou a teoria dos
direitos humanos. Desconfia-se, assim, tanto do Vitoria “defensor dos
índios” quanto do “patriota espanhol”1. Ao invés, será buscado o real
autor da De Indis, com a visão de mundo específica de sua época e uma
postura própria, não tributária das ideias da atualidade, sobre o problema
da Conquista.
Pois a hipótese que orientará este trabalho é que Francisco de
Vitoria propôs uma via alternativa para a dominação espanhola sobre as
Índias, que ao final não foi aceita pelas autoridades de seu tempo. Esta
proposta consistiu em uma ética da convivência entre espanhóis e indí-
genas, baseada na moralidade cristã e com emprego mínimo da força.
Se a hipótese estiver correta, a discussão travada na Relectio de Indis não
dizia respeito ao título jurídico da Espanha sobre o Novo Mundo, e sim
à melhor forma de exercer o governo sobre as possessões recém incorpo-
radas à Cristandade.
Esse texto parte de um pressuposto simples, que pode ser comprovado
com uma rápida consulta à biografia do autor resenhado: Francisco de
Vitoria não foi um jurista, como os havia em sua época. Sua Relectio, ou
conferência magna, foi pronunciada como parte de suas funções univer-
sitárias regulares de professor de Teologia. Na cátedra Prima de Teologia,
a parte que mais lhe interessava, como se percebe pelos temas das confe-

1. Os apelidos contrastantes foram tomados de Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo,


“O mito de Francisco de Vitória: defensor dos direitos dos índios ou patriota espanhol?,”
Revista de Direito Internacional 9, no. 1 (2012), https://www.publicacoesacademicas.
uniceub.br/rdi/article/view/1602. DOI: 10.5102/rdi.v9i1.1602.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 921

rências legadas à posteridade, era a Teologia Moral. Assim, trata-se do


trabalho de um teólogo, preparador de pensadores cristãos, de confes-
sores e de diretores de consciência. Seu enfoque está na moralidade dos
atos individuais, não nas disputas jurídicas entre entidades coletivas.
O método a ser empregado nestas páginas resume-se em uma leitura
contextualizada da Relectio de Indis, onde o problema da Conquista se
coloca com maior clareza. Pretende-se interpretar a célebre conferência
a partir dos referenciais teóricos que seu autor provavelmente tinha em
mente ao dissertar perante a audiência no Convento de Santo Estêvão. O
primeiro destes é a lógica interna da Relectio. Escrita a partir de aponta-
mentos tomados pelos alunos presentes, e depois provavelmente revisados
por Vitoria, a De Indis que hoje se conhece é a reprodução de uma palestra
proferida em 1539. Tratava-se, portanto, de uma exposição oral para o
público em geral, que era convidado a assistir a esses atos acadêmicos.
Desta forma, nota-se que ela apresenta uma coerência essencial, além de
um caráter argumentativo: o palestrante deseja convencer tanto sua audi-
ência in loco, quanto os que ficarem sabendo da conferência. Não é um
exercício acadêmico, mas uma tomada de posição.
O segundo contexto dessa Relectio é dado pelas demais obras vito-
rianas que tangenciam a temática. O problema do relacionamento entre
ibéricos e indígenas já havia sido abordado pelo mestre salmantino em
outras ocasiões, sejam elas conferências magnas ou aulas sobre a Suma
Teológica de Tomás de Aquino. Embora eventuais mudanças de opinião
não possam ser descartadas, é prudente trabalhar com uma presunção de
coerência entre as vezes em que Vitoria abordou o assunto.
O ponto de referência seguinte é constituído pela principal matriz
filosófica seguida pelo teólogo burgalês, nomeadamente, o tomismo, aqui
sobretudo em seus aspectos morais e filosófico-políticos. É importante
reconhecer que expressões recorrentes na De Indis, como “direito natural”,
“direito das gentes” (ius gentium) e “guerra justa”, não podem ser tomadas
como invenções do autor. São ideias que já existiam no imaginário erudito
de sua época, e das quais a obra de Tomás de Aquino ainda era a grande
definidora e divulgadora.
Por fim, a discussão vitoriana sobre o destino dos nativos americanos
será examinada a partir de sua época histórica, tal como um intelectual do
século XVI com algum acesso ao panorama “global” poderia concebê-la.
Nesse sentido, é preciso destacar os valores dominantes em seu ambiente,
dentre os quais a máxima importância ia à salvação das almas no contexto
cristão. Também se deve atentar para o papel proeminente desempenhado
pela pátria do autor, a Espanha, na geopolítica europeia de então: unida ao

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
922 Rafael Zelesco Barretto

Sacro Império Romano Germânico sob o Imperador Carlos V para formar


o império onde o sol não se poria, representava a verdadeira esperança de
um reviver católico em meio aos tormentos de guerras europeias fratri-
cidas, ameaças de turcos e sarracenos, o desafio protestante e as fissuras
cada vez maiores no edifício feudal de direitos e obrigações. E recorde-se
que esse imenso território estava bem longe de um Estado soberano como
hoje conhecido, sendo antes uma coleção de domínios sujeitos a poderes
de eficácia variada.
Esses quatro fatores  – a coerência interna da Relectio de Indis; sua
correspondência com as outras obras do mesmo autor; sua concretização
dos princípios tomistas; e seu contexto histórico-social  – serão empre-
gados na interpretação do projeto vitoriano para a relação entre sua nação
e o imenso continente que se descortinava2.
Para isso, as páginas que seguem estão divididas em quatro seções,
além desta introdução e da conclusão. O segundo capítulo descreve o
contexto do problema que será enfrentado, trazendo um breve resumo da
parte relevante da De Indis. O capítulo seguinte mostra as interpretações
maniqueístas que a postura vitoriana sobre a Conquista suscitou, as quais
dificultam enxergar o real propósito do autor, e tece uma explicação a
respeito, baseada sobretudo no vício historiográfico de estudar o passado
a partir das visões de mundo do presente.
Estabelecido o problema, o quarto capítulo apresenta uma mudança
importante operada por Vitoria no aparato conceitual jurídico que herda
de Tomás de Aquino: a introdução da ideia de direito subjetivo no cerne
da definição do direito. Isso fará as vezes de um referencial teórico no
momento em que ele se debruçar sobre a questão dos nativos. O último
capítulo procura recuperar a construção de uma ética da colonização e da
convivência por Francisco de Vitoria, fundada no respeito aos fatos consu-
mados, mas também nas virtudes cristãs e na igualdade. A conclusão
retoma alguns pontos chaves do desenvolvimento do trabalho e verifica a
comprovação da hipótese mencionada.

2. Ao menos três trabalhos aplicam à obra de Francisco de Vitoria método similar,


embora se pense que as conclusões aqui alcançadas sejam originais: Heinz-Gerhard
Justenhoven, “Francisco de Vitoria: Just War as Defense of International Law,” in
From Just War to Modern Peace Ethics, ed. Heinz-Gerhard Justenhoven and William
A. Barbieri Jr. (Berlin: De Gruyter, 2012). DOI: 10.1515/9783110291926.121. Macedo,
O mito. Peter Haggenmacher, “La place de Francisco de Vitoria parmi les fondateurs
du droit international,” in Actualité de la pensée juridique de Francisco de Vitoria, ed.
Antonio Truyol y Serra et al. (Bruxelles: Bruylant, 1988), 27-80.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 923

2. O contexto: a discussão da guerra aos índios em Vitoria

A Relectio de Indis recenter inventis prior é, sem dúvida, a mais famosa


das conferências de Vitoria. Nesta, o autor se concentra na legitimidade da
presença espanhola nas “Índias”. O dominicano não pensa que o domínio
espanhol seja de todo injusto, mas alerta para o fato de que as justifica-
tivas que se costumavam aduzir a favor dos castelhanos eram incorretas
e, possivelmente, nocivas aos habitantes originais da região. É por isso
que a conferência é dividida em três grandes partes, sendo a primeira uma
recusa dos argumentos de sabor aristotélico sobre a servidão natural dos
índios, a segunda a lista dos “títulos ilegítimos” pelos quais os espanhóis
teriam se apossado das Américas, e a terceira o rol dos “títulos legítimos”
que, estes sim, seriam aptos a dar conta satisfatoriamente da conquista
europeia.
A palestra inicia questionando um axioma que se tornara lugar
comum na época3: a identificação dos índios com os selvagens por natureza
descritos por Aristóteles, os quais estariam em melhor situação servindo a
senhores mais sábios do que deixados em liberdade, da qual não saberiam
usufruir. Tal argumento adquirira ares cristãos, invocando-se os pecados
dos nativos como razão para que estes houvessem sido despidos, por
Deus, da soberania. O conferencista rechaça esse raciocínio apelando à
observação da realidade: da mesma forma que pecadores continuavam
possuindo domínio sobre os próprios atos mesmo após pecar, também
seguiam capazes do “domínio civil”4. Além disso, contra os que alegavam
a irracionalidade dos índios5, Vitoria cita as poucas informações de que
dispunha sobre as Américas, as quais davam conta de uma “certa ordem
em suas coisas”6. Os nativos não eram, então, escravos por natureza. Isto
posto, os espanhóis deveriam trazer argumentos para justificar moral-
mente suas conquistas americanas. É o que o regente de Prima passa a
avaliar nas próximas seções.

3. Richard Tuck, The Rights of War and Peace: Political Thought and the International
Order From Grotius to Kant (Oxford: Oxford University Press, 1999), 42.
4. Francisco de Vitoria, De indis recenter inventis relectio prior, trad. Teófilo Urdanoz
(Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960) I, 4.
5. Sobre a grande divulgação da teoria da escravidão natural dos índios à época, ver
Lewis Hanke, Aristóteles e os índios americanos, trad. Maria Lúcia Galvão Carneiro
(São Paulo: Martins Editora, 1959), 35-56.
6. Vitoria, De indis, I, 23.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
924 Rafael Zelesco Barretto

2.1 Os falsos títulos

Sobre os falsos títulos que muitos alegavam em defesa de suas


condutas no Novo Mundo, os dois primeiros seriam os domínios universais
do Imperador e do Papa. De acordo com esses argumentos, sendo o
Imperador (ou o Papa) o senhor do mundo, os índios já estariam sob seu
poder, ainda que não soubessem disso ou que sequer fossem conhecidos
pela mente imperial (ou papal). Nesta visão, os “bárbaros” que não acei-
tassem a suserania do Imperador Carlos V (ou do Papa Paulo III) deveriam
ser considerados rebeldes, contra os quais a violência seria lícita.
Vitoria contesta esses títulos de um modo muito típico seu: apelando
à realidade. Diz que tanto seu Imperador quanto o Papa da época não
possuíam nem aspiravam ao domínio universal. Ele comprova tal afir-
mação chamando a atenção para a existência contínua, ao lado dos terri-
tórios da Cristandade, de turcos e sarracenos, que jamais haviam sido
seriamente considerados rebeldes. Além disso, Estados europeus relativa-
mente consolidados, como a França, não reconheciam nenhuma primazia
ao Imperador, nem tampouco a jurisdição civil do Papa7.
O terceiro título injusto era o direito de descobrimento. Referindo-se
à afirmação de que as Américas pertenceriam aos espanhóis devido ao
fato de eles terem ali chegado primeiro, Vitoria lembra que os índios já lá
estavam antes. E, após mostrar considerá-los tão humanos e portadores
de direitos como os europeus, arremata de modo bem-humorado: “não
mais do que se eles é que tivessem nos descoberto”8
A partir daí, os falsos títulos começam a parecer mais agressivos,
como se aqueles que os alegassem duvidassem, no íntimo, da justiça de sua
causa. Um afirma que os espanhóis podem guerrear contra os americanos
para castigá-los por seus pecados, como sodomia, canibalismo e ofereci-
mento de sacrifícios humanos. Outro menciona uma suposta livre escolha
dos indígenas, que teriam liberdade para solicitar que os espanhóis os
governassem. Um título ulterior dirá que a invasão das terras indígenas
seria necessária para que estes pudessem se converter ao Cristianismo.
Vitoria rechaça todos estes motivos, sempre mantendo o olhar
próximo da realidade. Assim, diz em primeiro lugar que Deus não encar-
regou os espanhóis de serem seus carrascos. Além disso, nem todos
os pecados contra a lei natural cometidos pelos nativos poderiam ser

7. Ibid., II, 1 e II, 3.


8. Francisco de Vitoria, Relectiones. Sobre os índios e sobre o poder civil, trad. Paulo
Sérgio de Vasconcellos (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2016), II, 7.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 925

demonstrados por evidência, logo, alguns poderiam ter sido cometidos


por ignorância. Em seguida, declara que, embora os chefes indígenas
de fato possam escolher ser governados pelo Imperador, provavelmente
a maioria dos que assim se manifestaram haviam sido movidos pelo
medo dos espanhóis ou por inocência, sem compreender no que estavam
consentindo. Portanto, tal como um contrato assinado sob ameaça ou sem
o devido conhecimento dos termos, o título seria nulo. Esta mesma sensi-
bilidade de Vitoria manifesta-se quando discute a necessidade de tomar as
terras dos índios para convertê-los, afirmando em tom sarcástico que, pelo
que ouvira até então sobre o assunto, o Evangelho fora pregado de modo
tão descuidado nas Américas que o surpreendente seria se os nativos se
convertessem.
A recusa de Vitoria em aceitar estes títulos, muito populares em seu
tempo, parecia deixar os espanhóis em situação complicada quanto a
seus novos domínios. Mas a palestra não termina aí: mantendo o enfoque
jurídico, o mestre salmantino passa a expor o que ele entende por justifi-
cativas razoáveis para a presença espanhola nas Américas.

2.2 Os títulos legítimos

Esta listagem dos títulos legítimos é encabeçada pela explicação


sobre alguns direitos naturais detidos pelos espanhóis e que deveriam ser
respeitados pelos nativos, sob pena de poder ser compelidos a isso pelos
europeus. Estes são: a liberdade de navegação e exploração, a liberdade
de comércio e a liberdade de pregação. Tais direitos decorrem da natureza
humana, pois o homem, como animal social, tem necessidade de conhecer
e percorrer novos lugares, travando relações com os outros homens em
busca do bem mútuo. A sociabilidade humana não se aperfeiçoaria apenas
dentro das fronteiras da pátria, mas exigiria também um interesse ativo
pelo que havia além dela, bem como a recepção generosa de eventuais
viajantes estrangeiros9.
Seria ilícito, assim, por direito natural, impedir que os indivíduos
percorressem as terras e os mares e explorassem regiões desconhecidas
ou iniciassem negociações comerciais10 com os habitantes de outra

9. Venancio Diego Carro, La “Communitas Orbis” y las rutas del Derecho Internacional
según Francisco de Vitoria (Palencia: Merino, 1962), 69.
10. Camilo Barcía Trelles, “Francisco de Vitoria et l’École moderne du droit international,”
Récueil des Cours de l’Academie de Droit International de la Haye 17, no. 2 (1927):
210-211.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
926 Rafael Zelesco Barretto

nação. Da mesma forma que a comunicação de bens materiais seria uma


exigência do direito natural, também a partilha dos bens espirituais, dos
quais a religião seria a mais elevada, não poderia ser obstaculizada pela
vontade do governante ou de outro povo, dado que ela também radicaria
na liberdade geral de comunicação. Caso os nativos impedissem o exer-
cício destes direitos, seus titulares poderiam defender o uso dos mesmos,
recorrendo até ao emprego da violência. Está aí o primeiro título legítimo
para a guerra contra os índios.
Para Vitoria, então, a característica natural da sociabilidade humana
conferiria aos espanhóis o direito de navegar livremente pelo Atlântico e
pelos rios da América. Também teriam direito natural a explorar o novo
continente, a travar conhecimento com as tribos que o habitavam e a
propor-lhes relações comerciais. Outra liberdade da qual todos desfru-
tariam seria a de pregar o Cristianismo. Estas liberdades encontram
alguns limites legítimos: o percurso pelas terras novas não poderia causar
dano aos nativos, que deveriam ter seus costumes respeitados. Da mesma
forma, os índios, embora não pudessem se recusar a ter contato com
os europeus, não poderiam ser obrigados a aceitar nenhuma troca. Por
fim, a obrigação de abster-se de incomodar os missionários não signi-
ficava um dever de conversão; esta deveria ser sempre livre. É evidente
que os índios também possuiriam os mesmos direitos que os espanhóis,
inclusive quanto a sua vida, segurança, propriedade, honra etc. Como se
vê, a coexistência entre direitos naturais subjetivos dos espanhóis e dos
americanos não seria tão fácil, mesmo no esquema vitoriano. Tudo isso se
baseia, segundo o mestre salmantino, no direito das gentes11.
Os demais justos títulos para a guerra contra os índios são extre-
mamente igualitários: Vitoria os considera iguais aos europeus enquanto
humanos. Uma vez que possuem os mesmos direitos e as mesmas capa-
cidades que os habitantes do mundo até então conhecido, só podem ser
atacados por justa causa.
Além da defesa dos direitos naturais, descrita acima, a justa causa
pode dar-se por legítima defesa, própria ou de aliados. Vitoria admite que
se possa lutar contra uma tribo inimiga daquela com a qual se entrou
em algum pacto. Mostra estar alerta quanto aos possíveis abusos que isto
possa causar, contudo, ao lembrar que um combate movido por tal causa
deve efetivamente visar a defesa dos aliados ameaçados, e não servir de
desculpa para promover conquistas por conta própria. Aqui, ele aplica aos

11. Vitoria, De indis, III, 1 et seq.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 927

indígenas a mesma noção de guerra justa em defesa de um aliado que era


costumeira na Europa.
O título seguinte é a defesa dos inocentes. Seria admissível, para
ele, que os espanhóis interviessem em situações nas quais muitos índios
pacíficos fossem ameaçados por outros. Parece que ele tinha em mente o
quadro das tribos sujeitas ao poderio asteca, forçadas a fornecer tributos
humanos para os incessantes sacrifícios em honra dos deuses da nação
mais forte. A mesma exigência do título anterior é feita pelo conferencista:
recta intentio, na linguagem da doutrina da guerra justa. O ataque deve ter
por escopo único o de libertar os inocentes, e não o de destruir e subjugar
todo o povo indígena.
Vitoria descreve outro título, que reside na possibilidade de os
próprios integrantes de uma tribo índia desejarem substituir seus gover-
nantes pelo Imperador, e solicitarem a ajuda dos espanhóis. Para o mestre
dominicano, a fonte do poder civil reside na república, que o delega ao
governante12. Os cidadãos só retomariam, em bloco, este poder caso o
soberano deixe de buscar o bem comum e cause muitos males ao seu povo.
Partindo desta teoria, Vitoria conclui que, se a população de alguma nação
indígena quiser se converter ao Cristianismo, ou apenas beneficiar-se da
superior organização e tecnologia dos ibéricos, mas for impedida por seu
chefe, eles poderiam licitamente pedir que os europeus depusessem tal
líder e lhes dessem um príncipe cristão.
Por fim, o teólogo burgalês especula sobre um último título, o qual
não deseja afirmar taxativamente como legítimo nem falso. Trata-se da
hipótese de os europeus deporem os chefes índios e governarem em seu
lugar em prol dos próprios nativos, devido as suas deficiências mentais e
dificuldade para o autogoverno. Ele diz não estar muito seguro da correção
deste título e que tal domínio dos espanhóis só seria válido se exercido em
favor dos índios, e se o benefício destes for maior que o dos ibéricos13.

12. Jesús Cordero Pando, Relectio de potestate civili: Estudios sobre su Filosofía Política
(Madid: CSIC, 2008), XXV-XXVI.
13. Vitoria, De indis, III, 18.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
928 Rafael Zelesco Barretto

3. O problema: interpretações contrastantes da posição vitoriana

3.1 Interpretações maniqueístas: Vitoria utópico14

Na Relectio de Indis, Francisco de Vitoria abordou o problema


colonial a partir do ius gentium, o velho direito das gentes que retoma de
Tomás de Aquino. Principalmente por isso, tornou-se costume associar
o nome de Francisco de Vitoria ao título de fundador do direito interna-
cional público. Após a redescoberta de sua figura no início do século XX15,
o teólogo espanhol passou a ser saudado pelos internacionalistas como o
precursor que possibilitou o surgimento do direito das gentes moderno
em um mundo que ainda se enxergava através dos modelos medievais, e
no qual o conceito de Estado sequer se delineava com clareza no horizonte
teórico. Suscita também admiração o fato de Vitoria se haver embrenhado
neste ramo do saber movido por uma preocupação concreta e corajosa: a
forma correta de tratar os nativos das terras recém-descobertas por seus
conterrâneos espanhóis. A solução vitoriana conquista facilmente o estu-
dioso contemporâneo ao atribuir direitos aos índios americanos e exigir
moderação daqueles que alegavam atuar em nome do rei e do Papa.
Assim é que Brown Scott acreditou ver em Vitoria um defensor
do princípio da nacionalidade16, Barcía Trelles fez do dominicano um
precursor do sistema de mandatos da Sociedade das Nações estabelecido
no pós-Primeira Guerra17, os dois anteriores coincidem em que o teólogo
burgalês antecipou a doutrina Monroe18 e Luis Alonso Getino descreve

14. Esse subtítulo e o seguinte inspiram-se na célebre obra de Martti Koskenniemi,


“From Apology to Utopia” (Cambridge: Cambridge University Press, 2005), que
pretende caracterizar dessa maneira as principais formas de discurso sobre o Direito
Internacional. Parece que as interpretações de Vitoria que serão criticadas nesse
trabalho oscilam entre os extremos de considerar o dominicano um apologista ou um
opositor utópico da Conquista.
15. Entre os pioneiros, destacam-se J. Barthélemy, “F. de Vitoria”, in Les fondateurs du droit
international, ed. Antoine Pillet (Paris: Giard & Brière, 1904) ; James Brown Scott, The
Catholic Conception of International Law (Clark, New Jersey: The Lawbook Exchange,
Ltd.  – reimpressão da edição de Washington, D.C.: Georgetown University Press,
1934); e Ernest Nys, Les origines du droit international (Bruxelles: Alfred Castagne,
1894).
16. Scott, The Catholic Conception, 494.
17. Barcía Trelles, Francisco de Vitoria, 167.
18. James Brown Scott, El origen español del Derecho Internacional moderno (Valladolid:
Cuesta, 1928), 96.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 929

a Cruz Vermelha como exercendo um labor essencialmente vitoriano19.


Também os direitos humanos teriam sido trabalhados inauguralmente
por Vitoria20, indo até, segundo Teofilo Urdanoz, à primeira formulação
do instituto da intervenção humanitária21.
As interpretações excessivamente positivas sobre a obra de Vitoria,
sua postura em relação aos índios e seu impacto na história do Direito
Internacional, usualmente tomam alguns conceitos por ele empregados,
e os releem com seu significado do tempo atual. Assim é que Vitoria
acaba parecendo um precursor genial e visionário. Esse afã de estabe-
lecer correspondências entre conceitos separados por séculos de distância
gerou uma situação interessante: um dos trechos mais conhecidos na De
Indis não é dele, e sim do jurisconsulto romano Gaio, que é citado de
forma equivocada pelo professor salmantino: ao fundamentar o jus pere-
grinandi, direito de livre circulação dos ibéricos entre os povos indígenas,
o conferencista explica que tal instituto é de direito das gentes, aduzindo
a definição de Gaio: “Quod naturalis ratio inter omnes gentes constituit,
vocatur ius gentium”  – o que a razão natural constituiu entre todas as
gentes se chama direito das gentes22. O ponto é que Gaio não escrevera
exatamente isso: o texto original dizia “inter omnes homines”23.
Dessa mudança de uma palavra apenas, que é apresentada como
intencional, é que a literatura favorável a Vitoria conseguiu extrair todo
um plano de trabalho envolvendo um novo ramo do direito: ao mencionar
um direito com vigência entre as nações, o teólogo burgalês estaria propo-
sitalmente superando os esquemas jurídicos romano e medieval, centrados
exclusivamente no indivíduo, e estabelecendo, em paralelo, a ideia de que
também os Estados seriam regulados pelo direito24. Tudo isso dificilmente

19. Luis G. Alonso Getino, Fray Francisco de Vitoria – fundador del Derecho Internacional
moderno (1546-1946) (Madrid: Cultura Hispánica, 1946), 15.
20. Ramón Hernández Martín, Francisco de Vitoria. Vida y pensamiento internacionalista
(Madrid: BAC, 1925), 320-321.
21. Teófilo Urdanoz, “Introducción a la relección primera,” in Francisco de Vitoria,
Relecciones Teológicas, ed. Teófilo Urdanoz (Madrid: BAC, 1960), 630.
22. Vitoria, Relectiones, III, 2.
23. Gaius, Institutas do Jurisconsulto Gaio, trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella (São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004), 1,1.
24. Para o primeiro expoente dessa posição, ver: Francisco de Vitoria. De indis et de iure
belli relectiones, ed. Ernest Nys (Washington, D.C.: Carnegie Institution, 1917), 42-43.
Ver também: Urdanoz, Introducción a la primera relección, 567-569. Para partidários
mais recentes, ver Antonio Gomez Robledo, Fundadores del Derecho Internacional:
Vitoria, Gentili, Suárez, Grocio (México: Universidad Nacional Autónoma de México,
1989), 12-16. Também: Roberto Gerardo Ortiz Treviño, “La naturaleza jurídica del ius

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
930 Rafael Zelesco Barretto

resiste à crítica histórica25. Com efeito, parece exagerado atribuir a uma


simples palavra substituída em uma citação a portentosa intenção de criar
um novo ramo do direito, ou de promover uma distinção no interior do
ius gentium. Consultando-se outras obras de Vitoria, vê-se que ele deixa
bem claro quando pretende apartar-se da doutrina tradicional e que avisa
seus discípulos ao seguir algum raciocínio independente26.
Ademais, o tema de que tratava na altura daquela conferência não
era a natureza do direito das gentes, e sim a extensão dos direitos dos
espanhóis sobre as terras e os povos do Novo Mundo. Seu interesse, na
passagem exposta, era demonstrar a vigência do ius peregrinandi e sua
aplicabilidade ao caso das “Índias”. Neste sentido, se alguma intenção
pode ser atribuída à transmissão incorreta das palavras romanas, esta foi
provavelmente a de enfatizar que todos os índios, enquanto nação, estavam
obrigados a permitir a passagem pacífica dos europeus. Mas tratava-se
evidentemente de um direito individual, que poderia ser restringido ou
denegado caso as circunstâncias o pedissem ou se não fosse exercido de
modo razoável.
A partir desse trecho relativamente isolado na conferência sobre
os índios, junto com outro, igualmente fora de contexto, da Relectio de
Potestate Civili27, os comentaristas tardios desenvolveram toda uma teoria
do Vitoria internacionalista, o qual teria advogado pela instituição de um
poder supranacional28, dotado de autoridade legiferante29, que trouxesse
ordem e paz à comunidade dos Estados.

gentium de acuerdo con la doctrina de Francisco de Vitoria. Estudio breve en honor al


pensamiento de Antonio Gómez Robledo,” Anuario Mexicano de Historia del Derecho,
17 (2005), 51-52.
25. Haggenmacher, La place, 58-60.
26. Carlos G. Noreña, Studies in Spanish Ranaissance Thought (The Hague: Martinus
Nijhoff, 1975), 72.
27. Francisco de Vitoria, De potestate civili, trad. Teófilo Urdanoz (Madrid: BAC, 1960), § 21.
28. Cordero Pando, Relectio, 474-483.
29. Teófilo Urdanoz, “Síntesis teológico-jurídica de la doctrina de Vitoria,” in Francisco
de Vitoria, Relectio de Indis o libertad de los índios, ed. Luciano Pereña e J.M. Perez
Prendes (Madrid: CSIC, 1967), CXXXIV. Johannes Thumfart, Die Begründung der
globalpolitischen Philosophie: Francisco de Vitorias Vorlesung über die Entdeckung
Amerikas im ideengeschichtlichen Kontext (Berlin: Kulturverlag Kadmos, 2012), 134-138.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 931

3.2 Interpretações maniqueístas: Vitoria apologético

Mas não somente sobre louros repousa a reputação do teólogo


burgalês. A partir das últimas décadas do século passado, uma crescente
literatura de perfil crítico, pós-moderno ou anticolonial, vem questionando
o mérito da obra vitoriana na defesa dos indígenas, e pondo em causa sua
independência intelectual em relação à política espanhola de seu tempo.
Para resumir, a grande crítica que se faz ao raciocínio indigenista
do autor das Relectiones refere-se à ausência de uma condenação direta
do projeto colonial30. Diferentemente de seu contemporâneo Bartolomeu
de las Casas31, Vitoria não enxerga a realidade do domínio do Novo
Mundo sob uma ótica puramente negativa, e em sua conferência não se vê
nenhuma enumeração ou sequer um exemplo das crueldades praticadas
contra as tribos de além-mar.
Segundo essa perspectiva, o sistema de direitos naturais subje-
tivos que o dominicano extrai do ius gentium é igualitário e de aplicação
universal somente em teoria, pois os índios americanos dificilmente enten-
derão tais conceitos. Os direitos esgrimidos pelo regente de Prima corres-
pondem a necessidades políticas de seus compatriotas e ao contexto da
Espanha de seu tempo32. Prerrogativas aparentemente universais, como
as liberdades de circulação e de permanência nas sociedades indígenas
enquanto estrangeiro, ou o direito de pregação do Cristianismo, simples-
mente não correspondiam à prática das nações ameríndias. A defesa de
tais títulos, que poderia abranger o uso da força, como Vitoria especifica
repetidas vezes, seria compreendida pelos nativos como um ataque puro e
simples. Os direitos deduzidos do ius gentium são eurocêntricos: o mestre
salmantino está convicto de estão logicamente justificados, e o eventual
desconhecimento desses pelos índios não seria, no contexto do raciocínio

30. Leslie Claude Green, “Claims to Territory in Colonial America”, in The Law of Nations
and the New World, ed. Leslie Claude Green e Olive P. Dickason (Edmonton: The
University of Alberta Press, 1989), 42.
31. Teófilo Urdanoz, “Las Casas y Francisco de Vitoria (en el V centenario de nacimiento
de Bartolomé de las Casas 1474-1974) [1ª parte],” Revista de estudios políticos 198
(1974): 116 et seq.
32. Para Martti Koskenniemi, tratava-se de justificar não a dominação pura e simples
sobre os índios, mas toda uma teoria do direito internacional baseada nos direitos
de livre navegação e (especialmente) livre comércio, que os príncipes não poderiam
obstaculizar. Martti Koskenniemi, “Empire and International Law: The Real Spanish
Contrbutions”. University of Toronto Law Journal 61 (2011): 28.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
932 Rafael Zelesco Barretto

vitoriano, prova de sua inocência, e sim da corrupção de seus costumes


que lhes teria obnubilado a razão.
O direito das gentes da Relectio de Indis parece ter pouca tolerância
para instituições desenvolvidas por sociedades diferentes, ainda que
desfrutem da aceitação geral em sua região de origem33. Alguns destes
direitos atribuídos aos conquistadores sequer teriam como ser aplicados
na maioria das nações ameríndias, como o direito de livre comércio, a
liberdade de exploração e a inviolabilidade dos embaixadores, por exigirem
como pré-requisito uma configuração social que as tribos não exibiam.
Dentre estes exemplos, os dois primeiros necessitam da propriedade
privada, enquanto que o terceiro pressupõe um nível mínimo de convi-
vência entre povos distintos, o que faltava em relação aos povos nômades
e a certas tribos de modo de vida isolacionista. Assim, o teólogo domi-
nicano estaria apenas tomando características que enxergava na maioria
dos povos da Cristandade, revestindo-as de um caráter universal e impon-
do-as aos povos da América, tomando a ausência de tais características
como prova, não do erro de sua própria postura, e sim da falha organiza-
cional destas sociedades34.
Não seria por outro motivo que Vitoria deixa de exigir unanimidade
mundial para que algum instituto possa contar-se entre o ius gentium,
bastando-lhe a prática da maior parte das nações35. Como os índios, além
de em grande parte desconhecidos, eram geralmente desprezados, sua
falta de atenção ao direito das gentes os situava invariavelmente no campo
da minoria rebelde que se nega a seguir a leitura racional da lei natural,
feita pela maior e mais esclarecida parte do orbe36.
Assim, os direitos enumerados por Vitoria parecem ter sido talhados
sob medida para seu uso pelos castelhanos, tornando-se exigências que
os habitantes das Américas dificilmente poderiam aprovar, ou sequer
compreender37. Traduziriam o interesse, por parte do palestrante, em legi-

33. Robert A. Williams Jr, “The Medieval and Renaissance Originis of the Status of the
American Indian in Western Legal Thought,” Southern California Law Review 57
(1983): 90.
34. Anthony Anghie, Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law
(Cambridge: Cambridge University Press, 2004), 30.
35. Vitoria, De indis, III, 4.
36. Macedo, O mito.
37. Henry Mechoulan, “Vitoria: Père du droit international?” in Actualité de la pensée
juridique de Francisco de Vitoria, ed. Antonio Truyol y Serra (Bruxellles: Bruylant,
1988), 24.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 933

timar a dominação exercida pelos ibéricos38 havia quase cinquenta anos


nas Índias39. Um comentarista chega a definir o massacre das populações
ameríndias como objetivo final do ius gentium vitoriano40.
Uma das partes mais reveladoras da real intenção da De Indis, para
os autores que defendem a interpretação crítica, está no segundo título
legítimo, que se refere à propagação da fé cristã. Como se há de lembrar,
o palestrante destaca que os índios não podem ser forçados à conversão,
mas que será injusto que se oponham às atividades de missionarização.
O fato é que não há como pretender qualquer tipo de bilateralidade neste
título. Isso contrasta com sua postura até então  – ou, alternativamente,
revela a real mentalidade eurocêntrica do dominicano espanhol41. Ao
rejeitar o direito de descobrimento como justificativa apta para o domínio
dos índios, por exemplo, o conferencista chegava a comentar ironicamente
que os espanhóis tinham tanto direito quanto o de alguns índios que hipo-
teticamente navegassem até a Europa. Agora, ao tratar da expansão da
fé católica, não há mais lugar para igualitarismos. Sequer se menciona
o correspondente direito dos índios de pregar suas próprias crenças aos
recém-chegados. Em suma, os povos do Novo Mundo devem tolerar as
atividades missionárias porque isto é bom para eles. Com efeito, a leitura
do segundo título legítimo mostra que o argumento principal é extraído
das Escrituras, das quais Vitoria cita três trechos incitando à difusão da
fé. Há aqui, na voz dos críticos, uma incoerência em relação ao restante da
De Indis, incoerência à qual o palestrante precisou recorrer para defender
a superioridade de sua fé sobre as crenças nativas.
A mesma incoerência e relativização tácita do ius gentium aparece
ainda no tratamento deste justo título, quando o palestrante afirma a
licitude do Papa conceder aos espanhóis o monopólio sobre a comuni-
cação e comércio com os índios, em defesa da maior eficiência da propa-
gação do Cristianismo. Isto se choca violentamente com o postulado

38. Paulo Potiara de Alcântara Veloso, “A guerra justa e o papel dos povos infiéis:
transformações do Ius Gentium sob as perspectivas de Paulus Vladimiri e Francisco
de Vitoria” (Tese de doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2013), 205.
39. Beatriz Maldonado Simán, “La guerra justa de Francisco de Vitoria,” Anuario
Mexicano de Derecho Internacional 6 (2006), https://revistas.juridicas.unam.mx/index.
php/derecho-internacional/article/view/166/269.
40. Joe Verhoeven, “Vitoria ou la matrice du droit international,” in Actualité de la pensée
juridique de Francisco de Vitoria, ed. Antonio Truyol y Serra (Bruxellles: Bruylant,
1988), 112.
41. Maldonado Simán, La guerra justa.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
934 Rafael Zelesco Barretto

de liberdade de navegação e exploração42, mas aparentemente o direito


divino positivo derivado consistente nos decretos papais pode excepcionar
o ius gentium43.
Outro ponto em que Francisco de Vitoria parece desmerecer sua fama
de defensor dos direitos dos índios está na derradeira causa legítima para
a guerra, que ele aponta como uma especulação duvidosa, sustentando
que os índios são mentalmente prejudicados e incapazes de se governar, e
que viriam a se beneficiar do domínio espanhol44.
Embora, como dito, ele não se anime a converter tal dado em motivo
pleno para a conquista, ainda assim se vê um Vitoria que tem em bem
pouca conta as sociedades indígenas. Para o regente de Prima, o índio não
parece constituir propriamente um “outro”, detentor da mesma dignidade
que os europeus. Trata-se de um misto entre um homem e uma besta, um
ser e uma ideia. A seu favor, dispõe apenas de alguns preceitos morais e de
pedidos de moderação, mas não comparece na Relectio como uma pessoa
dotada das mesmas características e capacidades que o próprio pales-
trante45. Portanto, o aparato de direitos dos quais os indígenas aparen-
temente disporiam, ainda que neles não vissem nenhuma utilidade46, é
limitado por uma visão fundamentalmente unidirecional, na qual o ius
gentium parece sempre trazer resultados positivos para os espanhóis e
negativos para os “bárbaros”47.
Por fim, o encerramento da palestra soa frustrante para quem deseja
enxergar em Vitoria um campeão da causa anticolonialista. Após terçar
seus títulos legítimos, o teólogo burgalês conclui, coerentemente, que,
na ausência daqueles, toda ocupação forçada de território indígena seria
ilícita, e tanto as expedições como o comércio entre colônia e metrópole
deveriam cessar. Ele logo se dá conta do prejuízo “inaceitável” que isto
traria aos espanhóis. Para contrabalançá-lo, nota que, dada a conversão
de muitos indígenas ao Cristianismo, o rei da Espanha estaria em uma
posição de defensor destes, e não poderia abandonar o governo do Novo

42. Joseph Höffner, Colonização e evangelho: ética da colonização espanhola no século de


ouro, 3ª ed. (Rio de Janeiro: Presença, 1986), 313.
43. Marta Albert Márquez, “El principio de la libertad de los mares en la Relectio de Indis.
¿Se enfrento Francisco de Vitoria a los interesses españoles?” Derecho y opinión 6
(1998), 180, http://helvia.uco.es/xmlui/handle/10396/7367.
44. Vitoria, De Indis, III, 18.
45. Verhoeven, Vitoria, 106.
46. Williams Jr., The Medieval, 98.
47. Veloso, A guerra justa, 212.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 935

Mundo48. Parece uma justificativa forjada expressamente para minorar o


dano que uma retirada espanhola infligiria às rendas da Corte49.
Mesmo alguns séculos após o discurso sobre os índios, as palavras de
Francisco de Vitoria continuam provocando interpretações radicalmente
divergentes, como se viu. O próximo tópico avançará algumas possíveis
razões para o que se considera duas séries de exageros em sentidos opostos.
Assim, espera-se completar a descrição do problema que é tratado nesse
trabalho.

3.3 O presentismo nas interpretações da De Indis

Tanto o Francisco de Vitoria “utópico” e defensor dos índios quanto


o “apologista” da colonização são frutos de interpretações posteriores, que
se deixaram levar pelo espírito de seus respectivos tempos. Parecem ocor-
rências do vício historiográfico do “presentismo”, que pode ser entendido
como a introdução, na descrição do passado, dos valores e entendimentos
da época e lugar do observador. Esse tópico pretende submeter à crítica
as duas visões contrastantes sobre o dominicano. Assim fazendo, não se
espera, por ora, alcançar um “verdadeiro” retrato de Vitoria, mas salientar
que seu pensamento possui mais especificidades e nuances do que pode
ser captado pelos comentaristas que mantêm um olho em seu próprio
presente.
As interpretações desmedidamente favoráveis a Vitoria originam-se
de sua redescoberta a partir do fim do século XIX. Com a crescente
sistematização dos estudos de direito internacional na época, tornou-se
premente a busca por um “pai fundador” que conferisse unidade e tradição
a este ramo do direito, sempre um tanto perturbado por suas caracterís-
ticas peculiares que parecem afastá-lo dos demais “direitos”. A figura de
Francisco de Vitoria serviu bem a tal propósito, e os ensinamentos do
mestre dominicano foram relidos sob um olhar não só entusiasmado
como também ativista: procurava-se nas lições vitorianas um fundamento
para tudo o que estivesse na moda na época contemporânea.
Tais exageros, é bem que se diga, brotaram do desejo de fazer com
que o direito internacional se sobrepusesse às tormentosas idas e vindas
da diplomacia voluntarista da Realpolitik que dominava as capitais euro-
peias e americanas em princípios do século passado. Se o direito das

48. Vitoria, De indis, III, 18.


49. Mechoulan, Vitoria, 22-23.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
936 Rafael Zelesco Barretto

gentes quisesse ser respeitado pelos homens de Estado, era mister que
pudesse apresentar boas credenciais históricas. Daí a bem-intencionada,
porém pouco esclarecedora, releitura de Francisco de Vitoria, que fez do
pacato monge dominicano um político visionário, antecipador de todas as
tendências e modismos das relações internacionais do século XX.
Mas também a descrição de Vitoria como um propagandista do colo-
nialismo dificilmente resiste a uma crítica histórica precisa, ou mesmo a
uma leitura integral de sua obra magna. Tome-se como exemplo o argu-
mento de que o dominicano seria um defensor do livre comércio, mesmo
contra a vontade das nações indígenas50. É verdade que ele defende as
liberdades de circulação e comércio, que em seguida beneficiariam os
espanhóis no impulso inicial do mercantilismo imperialista. Mas Vitoria
provavelmente não enxergava tais liberdades como fins em si, à moda dos
atuais direitos humanos de primeira geração, ou como uma antecipação
do modelo econômico capitalista. Conforme explicado por Justenhoven,
Vitoria estava sendo influenciado, nesse ponto, por uma poderosa corrente
intelectual do humanismo renascentista, que buscava, na ideia de unidade
do gênero humano, uma resposta pacifista ao aumento brutal na quan-
tidade e violência das guerras na Europa pós-medieval51. O teólogo
burgalês defende o livre comércio como meio para alcançar a paz na
Cristandade, não como modo de criação de riqueza ou como manifes-
tação de um direito humano abstrato.
Grande parte das críticas à postura vitoriana acerca do problema da
conquista provém de autores afiliados à corrente Third World Approaches to
International Law, que enfatiza a proximidade entre Direito Internacional,
imperialismo e colonização. Estas também produziram seus exageros,
como classificar as ideias de Francisco de Vitoria na mesma categoria das
razões para o sistema de mandatos da Sociedade das Nações, os acordos
TRIPS e a OMC52, chegando-se a encontrar semelhanças entre o trata-
mento pejorativo que teria sido dado por Vitoria aos índios americanos e
a legítima defesa preventiva e a Guerra do Iraque53.
É preciso reconhecer que as abordagens da escola crítica lançam
luzes sobre aspectos menos evidentes, porém presentes, na obra de

50. Koskenniemi, Empire, 1-36. Ignacio de la Rasilla del Moral, “Francisco de Vitoria’s
Unexpected Transformations and Reinterpretations for International Law”, Intemational
Community Law Review 15 (2013), 314-315. DOI: 10.1163/18719732-12341254.
51. Justenhoven, Francisco de Vitoria, 127-129.
52. Anghie, Imperialism, 168, 220, 271.
53. Ibid., 292-293.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 937

Vitoria. Alguns destes são: sua falta de isenção (e até mesmo a impossi-
bilidade desta); sua vontade de não desagradar ninguém; as dificuldades
para conceber o “outro” como um igual e para ultrapassar o paradigma
geográfico da Cristandade; o entusiasmo de sua época pela exploração
máxima de recursos econômicos; a facilidade com que se permitia o
recurso às armas. Da mesma forma, houve um aporte historiográfico
interessante, ao denunciar a romantização da figura de Vitoria feita por
alguns de seus divulgadores nos últimos dois séculos.
Por outro lado, não convém exagerar. Muitas das críticas a Vitoria, ou
das tentativas de rotulá-lo como representante do imperialismo europeu,
revelam uma tendência a projetar, no estudo do passado, os paradigmas
típicos da época histórica do observador, em detrimento dos valores do
observado. Isso parece claro na avaliação da solução vitoriana para o
problema da moralidade da conquista. Aparentemente, a distinção entre
títulos legítimos e ilegítimos, e as condicionantes que norteiam estes
últimos, não foram suficientes para convencer a abordagem crítica de que
Vitoria seria contrário à forma em que a colonização era levada a cabo. Na
verdade, o que leva os críticos a considerá-lo complacente com a guerra
aos índios é a falta de condenações claras a todo o projeto colonial. Uma
terceira via, na figura de uma colonização alternativa dos territórios já
encontrados, parece impossível aos olhos dessas abordagens questiona-
doras.
Acredita-se que tais descrições da obra de Francisco de Vitoria são
falhas por, ao menos, três razões conectadas entre si. Em primeiro lugar,
elas operam uma ruptura entre o autor estudado e seu objeto. Analisam
a tomada de posição de Vitoria sobre o tema das guerras índias, mas
evitam enxergar tal evento com os olhos de Vitoria. Ao invés, apresentam
a Conquista desde o ponto de vista atual: episódio concluído, histori-
camente situado e passível de estudo como uma realidade passada. É
possível que o estudioso de hoje possua melhores condições de estudar a
colonização americana, como um todo, do que o pensador que a viveu em
seu tempo. Mas se o cerne da investigação não for o fenômeno histórico,
e sim o trabalho do pensador quinhentista que o discutiu em sua própria
contemporaneidade, então o estudo (presente) do episódio histórico só
servirá como contexto – o objeto mesmo da pesquisa deverá ser o modo
como o autor estudado percebeu o evento, pois só assim seus argumentos
manterão o sentido que ele lhes deu. Simplificando, a corrente crítica
analisa uma discussão política de Vitoria sem saber do que o autor estava
falando. Pois seu tema “a guerra dos espanhóis contra os índios” no século

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
938 Rafael Zelesco Barretto

XVI não é o mesmo que no século XXI  – ainda que se trate da mesma
guerra, e dos mesmos índios.
Em segundo lugar, tais autores projetam, em sua interpretação de
Francisco de Vitoria, perguntas que fazem sentido apenas no presente,
por estarem baseadas em conceitos de formulação mais recente. Assim,
interrogam Vitoria sobre sua posição em relação a igualdade soberana,
direitos humanos, pacifismo universal, pluralismo cultural... A própria
pergunta sobre se ele era, afinal, “a favor” ou “contra” a guerra contra os
índios, parece não conseguir libertar-se das experiências acumuladas até
o momento presente. Hoje, a posição “a favor” equivale, na prática, ao
genocídio – e a posição “contra” já não implica em que outro país venha
a conquistar os mesmos territórios índios. Isso não estava implícito no
tempo de Vitoria.
Por fim, a interpretação de Vitoria como apologista do colonialismo é
tributária direta dos valores e visões de mundo atuais, baseados inclusive
na experiência histórica. Tais como a ideia do repúdio à guerra, calcada no
mal-estar provocado pelas memórias das Guerras Mundiais, das corridas
imperialistas e da colonização. Ou a ideia de direitos humanos individuais,
como contraponto às experiências totalitárias, à escravidão e ao agiganta-
mento do Estado absolutista. Ou a ideia do pluralismo cultural e da tole-
rância, com precedente histórico na convivência entre povos diferentes,
nas migrações e no desenvolvimento das tecnologias de comunicação. Os
contemporâneos de Vitoria não possuíam nenhum desses valores  – não
porque fossem contrários aos mesmos, mas porque não correspondiam às
necessidades de sua época. Ora, as abordagens “pós-coloniais” de Vitoria
parecem inseri-lo, à força, na oposição a esses valores modernos. E, se
ele não os defende, então são-lhe atribuídos outros valores, igualmente
desenraizados de seu tempo: liberalismo econômico, imperialismo, into-
lerância.

4. Referencial teórico da De Indis: A noção de direito subjetivo

Viu-se que, na Relectio de Indis, Francisco de Vitoria discutiu muitos


de seus títulos, tanto legítimos quanto ilegítimos, a partir de direitos
naturais subjetivos, atribuídos alternadamente a espanhóis e indígenas. O
tratamento dado por Vitoria à questão dos índios desenvolveu-se, assim,
de modo inovador: sua estratégia consistiu em identificar e delimitar os
direitos contrapostos que conquistadores e integrantes das tribos poderiam
alegar em defesa de suas posições jurídicas. O convento de Salamanca

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 939

tornou-se um tribunal imaginário, e o teólogo burgalês convocou sua


audiência para ocupar o posto de jurado na disputa argumentativa entre
as posições favorável e contrária à colonização. Chama a atenção a bila-
teralidade do raciocínio vitoriano – o estudo dos direitos naturais subje-
tivos dos envolvidos na conquista da América permitia aos índios assumir
metade do protagonismo no tratamento jurídico da questão.

4.1 A mudança na definição do direito: um lugar para o direito subjetivo

Vitoria propõe um modelo que permite apreciar ao mesmo tempo os


dois lados da questão, consistente em individualizar e contrapor as facul-
dades jurídicas que poderiam embasar a conduta de cada ator. Para isso,
precisou estabelecer o poder de fazer algo como significado principal do
termo “direito”.
A respeito, é notável que, ao comentar a Suma Teológica em suas aulas
regulares, o mestre salmantino seguira a definição de direito de Tomás de
Aquino, a qual dá pouco espaço para uma ideia de direito subjetivo. Para
o autor da Suma, o direito é, primeiramente, uma proporção correta entre
pessoas e coisas, a partir da qual certos bens serão objetivamente devidos
a certos indivíduos54. Tal acepção não é mais a principal no Francisco de
Vitoria da Relectio, que desenha todo o panorama da confrontação entre
espanhóis e indígenas como um embate entre títulos jurídicos contra-
postos. Mas é significativo que, ao tratar especificamente do que se poderia
chamar de “teoria do direito”, no comentário à Suma Teológica, Vitoria
não tenha mencionado a faculdade ou o poder como um dos possíveis
sentidos da palavra direito. O direito subjetivo não apareceu quando o
mestre buscou definir o direito.
Mas em breve sua abordagem se modifica, ainda nas aulas sobre
a magnum opus de Tomás. Isso ocorre quando Vitoria se propõe um
caso concreto: como justificar a propriedade? Trata-se do mote para a
demorada investigação que ocorre na quaestio 62 sobre a restituição55. Ali,
o sentido central do direito, para o mestre salmantino, é: “el derecho es la

54. Santo Tomás de Aquino, Suma de Teología, t.3, trad. VVAA. (Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 1960), II-II q. 57, “De iure”. Michel Villey, Questões de Tomás de
Aquino sobre direito e política (São Paulo: Martins Fontes, 2014), 109-130. Javier
Hervada, Lições propedêuticas de Filosofia do Direito (São Paulo: Martins Fontes,
2008), 345-349.
55. Aquino, Suma, II-II q. 62, “De restitutione”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
940 Rafael Zelesco Barretto

potestad o facultad que conviene a alguien según las leyes”56. A oposição à


definição da Suma é clara aqui, pois os artigos tomistas referentes à defi-
nição do direito sequer empregavam as palavras potestas sive facultas. Em
respeito ao Aquinate, seu grande referencial na Teologia, porém, Vitoria
não afirma que há uma divergência entre ambos.
A nova definição introduzida por Vitoria provavelmente deve-se,
como explica Guzmán Brito, a seus estudos na Universidade de Paris57.
Com efeito, a ligação entre direito e facultas havia sido trabalhada origi-
nalmente por Jean Gerson, que aproximava o direito da corporeidade
dos entes sensíveis, definindo-o como faculdade que convém a alguém
segundo o ditame da reta razão. Neste sentido, como a lei natural dirige o
movimento de todos os seres, também os não humanos possuem direito.
Em outras palavras, para Gerson, os direitos dependem do ente, não
da lei. Porém já se encontra aqui uma tendência a identificar o direito
com o poder de fazer algo58. Conrado de Summenhart, que comenta o
mestre parisino, diferencia entre potestas e facultas, observando que o
segundo termo denota ideia de licitude, tendo mais que ver com o direito.
Embora advertindo que nem todo direito é conveniente, como no caso
de uma hipotética faculdade de matar dada pela lei, ele segue Gerson
ao afirmar que os inanimados também têm direitos. O posicionamento
de Summenhart foi acolhido pelo nominalista John Mayor, professor de
Vitoria na Universidade de Paris59. Note-se que os três pensadores mencio-
nados são teólogos, e não juristas do ius commune da época. A definição
do direito como faculdade chegou a Vitoria como um aporte dos mestres
da teologia que se preocupavam em trabalhar a exigibilidade moral do
conteúdo da lei.
Embora a influência de Summenhart sobre o teólogo burgalês não
possa ser negada, eis que o comentário à De Restitutione o cita explicita-
mente, não é crível que a opção vitoriana por introduzir uma nova defi-
nição do ius seja exclusivamente devida ao respeito pela autoridade, pois
o mestre salmantino não tem pejo em discordar muitas vezes das fontes
mais consagradas de sua época. Parece antes que a mudança de perspectiva
tenha suas raízes no tema da lição de Vitoria: ele estava discutindo a resti-

56. Francisco de Vitoria, De iustitia, q. 62 a. 1 n. 5. Apud Alejandro Guzmán Brito, El


derecho como facultad en la Neoescolástica Española del siglo XVI (Madrid: Iustel,
2009), 40.
57. Guzmán Brito, El derecho, 56-57.
58. Ibid., 18-21.
59. Ibid., 27.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 941

tuição60. Assim, ao tratar das diversas ocasiões em que haveria ou não


uma exigência moral de devolução, a técnica do direito subjetivo, na qual
os direitos, como faculdades, estão atrelados a seus titulares como uma
propriedade moral, podendo ser exercidos ou não, deve ter-lhe parecido a
melhor linguagem para veicular os debates relativos à restitutio.
Com efeito, do ponto de vista de um teólogo moralista, a definição do
direito encontrada nos comentários à questão 62 – direito como faculdade
ou poder – é mais operacional que aquela transmitida pelo Aquinate na
questão 57 – direito como coisa ou proporção. A compreensão do ius como
uma capacidade subjetiva do indivíduo abre todo um campo de inves-
tigação moral no atinente aos diferentes modos de exercer o direito de
cada um, bem como aos limites desta faculdade. Nas palavras de Guzmán
Brito, tal concepção ressalta o momento potencial do direito61, deslocando
o exame para aquilo que o titular pode fazer com seu direito.
Em contrapartida, a definição do direito como coisa justa em uma
relação, que Vitoria pode ler no Aquinate, não traz grandes consequências
imediatas do ponto de vista moral. A solução jurídica decorrerá das circuns-
tâncias da controvérsia, devendo respeitar a igualdade de valor entre todas
as pessoas. Na tarefa de determinar o que cabe a cada um, o julgador valer-
-se-á dos institutos jurídicos consagrados naquela comunidade, seja pelo
uso constante, seja por uma disposição legal expressa. E é bom lembrar
que não existem, nessa concepção, garantias absolutas quanto à correção
da resposta judicial. Esta será vista como uma conclusão provisória (e
necessária) do debate, conclusão que pode ser derrogada por argumentos
novos e melhores que surjam no futuro perante um caso semelhante. Por
isso que Tomás de Aquino conferia à justiça a função de retificadora da
vontade. A virtude do suum cuique não se vincula obrigatoriamente à
resposta exata aos litígios, visto que esta não pode ser encontrada com
certeza completa ao modo das ciências exatas. À justiça compete apenas
orientar a vontade do indivíduo de modo que se conforme com o que for
determinado como sua prestação em cada disputa, entregando ao outro
efetivamente a parte que lhe couber. Não há compromisso com a correção
indubitável do resultado, apenas com a solução provisória mais acertada
que se puder encontrar. Nessa perspectiva, ao invés de encontrar o justo
meio, a justiça ensina a querer encontrá-lo.

60. Ibid., 59-60.


61. Ibid., 89.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
942 Rafael Zelesco Barretto

Já a lei é, em Aquino, uma retificadora da razão, dirigindo-a ao fim


bom particular que se elegeu, ou à finalidade geral do homem e da comu-
nidade. A lei age na razão; daí ser extremamente suscetível de discussão
sobre sua correção, sua interpretação, seu modo de aplicação etc. Ao
contrário do direito, à lei convém uma deliberação sobre suas qualidades
in abstractu, previamente ao surgimento do caso que deverá regular. Essa é
a razão, pensa-se, pela qual, no mesmo movimento em que iguala o direito
a uma faculdade, Vitoria o remete à lei, traindo a diferenciação entre estes
dois conceitos chave que Tomás de Aquino estabelecera na lição sobre a
quaestio 57 da Suma. A nova definição de direito do teólogo ibérico, há
de se recordar, é esta: “el derecho es la potestad o facultad que conviene
a alguien según las leyes, esto es, la facultad dada, a mí, por ejemplo, por
la ley para cualquier cosa que sea menester”62. Direito, faculdade e lei se
encontram no mesmo plano: o direito é uma faculdade atribuída ao indi-
víduo pela lei.
Quando Vitoria se debruça sobre temas morais espinhosos, como
a restituição, a legitimidade da propriedade privada e o dilema da colo-
nização, ele parece ter preferido empregar a concepção subjetivista do
direito, muito embora quase não haja vestígio dela na Suma Teológica. O
seu olhar de diretor de consciências enxergava no direito como faculdade
um instrumental mais apto para teorizar acerca da conduta humana,
valorizando o vínculo entre o resultado externo da ação e as disposições
interiores do sujeito agente, que são a matéria sobre a qual se exercem
preferencialmente as virtudes e os vícios – isto é, o campo primordial do
combate moral interior. Enquanto que a definição de direito da questão
57, fruto do estudo centrado apenas no conceito do ius sem considerar
suas aplicações, não permite extrair diretrizes fortes para a ação indi-
vidual, apenas um método para contemplar a realidade entendendo o que
(já) é de cada um.
Em outras palavras, se o direito for, sobretudo, uma coisa deter-
minada por via de proporção, como ensinava o Aquinate, caberá ao jurista
encontrá-lo no caso concreto, e tratar-se-á de um dado objetivo, ancorado
na realidade externa. Se o direito for, primordialmente, uma faculdade
individual, como quer Vitoria, caberá ao moralista encontrá-lo a partir
do exame do interior humano, e tratar-se-á de uma medida subjetiva,
que dependerá da intenção de cada um em exercê-lo. O direito subjetivo

62. Francisco de Vitoria, De iustitia, q. 62 a. 1 n. 5. Apud Alejandro Guzmán Brito, El


derecho, 40.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 943

permite um maior controle teórico da conduta humana, pois possibilita


considerar – e deliberar sobre – tudo o que o titular pode vir a fazer com
seu direito. Já na linguagem tomista transmitida pela questão 57 da parte
II-II da Suma, o direito como res é essencialmente indefinido, variando
tanto quantas forem as possibilidades de relacionamento humano envol-
vendo bens.
É ilustrativo o modo como Vitoria resolve a questão sobre a legiti-
midade da propriedade privada63. Ele justifica tal instituto por uma série
de proposições que começam pelo domínio universal de Deus sobre todas
as coisas64. A faculdade humana de ter domínio, por sua vez, também foi
concedida gratuitamente pelo Criador (que não fez tal graça aos demais
animais), podendo exercer-se sobre todos os demais componentes da
Criação65. Tal doação se fez pelo direito natural (que o teólogo burgalês não
diferencia de lei natural), que constituiu o homem como ser necessitado
de coisas materiais para sobreviver. Este direito natural, sendo imutável,
não pode fundamentar a divisão das propriedades, pois do contrário
teria havido uma variação no ius naturale66. A apropriação das coisas,
então, é de direito humano, mais especificamente do ius gentium, que
não necessita uma promulgação expressa, mas se forma através de certo
“consenso interpretativo” expresso mais com obras que com palavras67.
Vê-se como, admitindo o direito como uma faculdade e aproxi-
mando-o da ideia de dominium, é relativamente fácil para o regente de
Prima derivar a propriedade privada do poder supremo exercido por Deus
sobre todas as coisas. A ótica aqui é voluntarista, e indaga-se sobretudo pela
lei que permite aos homens tomar bens como seu patrimônio individual, e
a partir da qual erigir-se-ão direitos naturais individuais, subjetivos, deter-
minados e imutáveis. Não por acaso, um dos corolários que o dominicano
espanhol extrai de sua argumentação sobre a propriedade é que as terras
dos índios americanos não podem ser tomadas pelos europeus, a não ser
que haja justo título para uma guerra baseado no direito das gentes68. Este
parágrafo, que efetivamente resume a discussão da De Indis, é revelador

63. Michel Villey, Formação do pensamento jurídico moderno, trad. Claudia Berliner (São
Paulo: Martins Fontes, 2005), 389-393.
64. Guzmán Brito, El derecho, 63.
65. Ibid., 63.
66. Ibid., 66.
67. Ibid., 68.
68. Francisco de Vitoria, De iustitia, q. 62 a. 1 n. 5. Apud Guzmán Brito, El derecho, 40.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
944 Rafael Zelesco Barretto

no sentido da utilidade que a concepção subjetivista do direito natural


exibe para o tratamento de questões práticas.
Em resumo, embora conheça e transmita fielmente a definição
tomista do direito, Francisco de Vitoria também faz contato com a
concepção subjetivista que o enxerga como um poder. Ao estudar casos
concretos, emprega – conscientemente ou não – este segundo sentido do
ius, por permitir-lhe opinar em maior escala sobre as atividades humanas.

4.2 Direitos subjetivos contrapostos: espanhóis e indígenas perante Vitoria

Em relação à polêmica da conquista, Vitoria trabalha com a listagem


dos direitos naturais que beneficiarão ambos os lados, a qual já se sinte-
tizou mais acima nesse trabalho. O resultado é um tratamento amplo e
compreensivo das diversas atividades que poderiam ser levadas a cabo
durante o empreendimento da colonização. Vitoria oferece soluções para
as fases de exploração, de assentamento, de primeiros contatos com os
indígenas, da vida de europeus isolados entre os índios, de governo (civil
e espiritual) da população submetida e da exploração econômica das
riquezas naturais, desde recursos minerais até operações de exportação
de bens. Se não tudo, uma boa parte das condutas que os conquistadores
poderiam empreender no Novo Mundo passam pelo escrutínio do público
reunido em Salamanca. O palestrante indica o modo correto de condu-
zir-se na colonização, bem como os limites que as ações dos espanhóis
não poderiam ultrapassar. Além disso, expõe as ocasiões em que a força
poderia ser empregada para reivindicar direitos naturais cujo exercício
fosse impedido pelos nativos.
Tudo isso sem ter diante de si nenhum caso específico; bem ao invés,
confessa, no princípio da conferência, que não tem conhecimento de
material escrito sobre o tema69, e demonstra lutar contra a falta de infor-
mações concretas70. É evidente que o mestre salmantino possuía uma boa
noção do que se passava na América, pelas informações que lhe chegavam
dos colegas dominicanos retornados à Espanha, ou dos ex-colonizadores
que o procuravam com dúvidas religiosas, ou ainda dos altos dignitários
reais que consultavam Salamanca acerca do tratamento correto a ser
dispensado aos índios71. O que se realça aqui, contudo, é que a Relectio de

69. Vitoria, De indis, Introd.


70. Georg Cavallar, The Rights of Strangers: Theories of International Hospitality, the Global
Community and Political Justice since Vitoria (Aldershot (UK): Ashgate, 2002), 114-115.
71. Hernández Martín, Francisco de Vitoria, 132 e 137 et seq.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 945

Indis trata de um problema real e concreto através de casos hipotéticos: o


método empregado consiste em imaginar diversas situações mais ou menos
prováveis e indicar brevemente os direitos que assistiriam aos partícipes
destas situações. Não se lê nenhuma menção a um fato histórico realmente
ocorrido. É evidente que a dificuldade nas comunicações entre o Novo e
o Velho Mundo se torna responsável por esta característica. Também se
concede que a falta de notícias minuciosas não deveria impedir o regente
da principal cátedra universitária da Espanha de pronunciar-se sobre a
questão mais aflitiva para a consciência nacional. Mas remanesce o fato
de que, como não dispunha de dados empíricos, Vitoria optou por estru-
turar sua Relectio como uma enumeração de direitos naturais subjetivos.
De outro modo, caso seguisse a definição inicial do direito que copiou
de Santo Tomás, Vitoria se veria em dificuldades para trabalhar o tema da
colonização. Há de se lembrar que, no raciocínio tomista, a coisa justa é
determinada de modo empírico, caso a caso, a partir das circunstâncias
concretas, da exigência geral da igualdade e outras poucas leis naturais, e
de institutos nos quais o julgador possa basear-se para refinar sua busca
pelo justo. Sem contar com leis universais que obrigassem os soberanos
dos espanhóis e das tribos, nem com instituições de abrangência transo-
ceânica ou com institutos que fossem conhecidos pelos dois lados, não
haveria como encontrar uma solução para a questão da licitude da coloni-
zação – até porque tal dilema reunia, no fundo, milhares de controvérsias
individuais entre determinados índios e determinados espanhóis.
Com isso, o dominicano espanhol cometeu duas “infidelidades”
a Tomás de Aquino, como expressa Michel Villey72. Em primeiro lugar,
concedeu ao direito subjetivo uma proeminência que este não tinha de
forma alguma na Suma Teológica. Ainda que se possa argumentar que
ela, na verdade, não exclui a noção de direito como faculdade, apenas
silenciando sobre a mesma, a propositura e resolução dos diversos casos
coloniais hipotéticos através do emprego do direito subjetivo é uma contri-
buição pessoal original de Vitoria ao estudo do direito. Em segundo lugar,
o regente de Prima estabelece um rol de direitos naturais, desde a liberdade
de comunicação e exploração até o direito ao estatuto jurídico de estran-
geiro. Aqui, muito embora mantenha o vocabulário tomista, o conferen-
cista se afastou de seu sentido pois, em Aquino, o direito natural tem por
uma de suas principais características a irredutibilidade a fórmulas fixas.

72. Villey, A formação, 379.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
946 Rafael Zelesco Barretto

Na verdade, a interpretação vitoriana do conceito de direito natural,


e sua concretização em uma série de direitos identificados e subjetivos,
decorre também da confusão entre direito e lei em suas lições. Como
apontado anteriormente, o teólogo burgalês reduz o direito à faculdade
estabelecida por lei. A relação entre ambos é muito próxima, pois, e só
se diferenciam pela sucessão temporal: o direito é o produto necessário
da lei; esta é sua única origem. Esta identificação influenciará também a
dimensão natural do fenômeno jurídico: em Francisco de Vitoria, não se
vê nenhuma distinção entre a lei natural e o direito natural73.
Vale considerar as consequências da construção vitoriana dos direitos
naturais subjetivos. Na De Indis, espanhóis e indígenas são essencial-
mente homens portadores de direitos, os quais eventualmente colidirão
entre si. Ao descobrir e percorrer o novo continente, os ibéricos estarão
fazendo uso de faculdades jurídicas das quais todo homem, pelo simples
fato de sê-lo, dispõe. Poder-se-ia metaforicamente afirmar que, ao lado das
armas que os conquistadores traziam consigo, como espadas, canhões e
mosquetes, estavam suas armas jurídicas, na figura dos direitos de explo-
ração, navegação, comércio, pregação etc.74 Tal como as primeiras, o
armamento jurídico permanecia ao pé dos europeus independentemente
de haver ou não encontro com indígenas. Trata-se de direitos de formação
individual, unilateral, residindo na natureza, inclinações e necessidades
humanas. Durante seu percurso pela América, eventualmente os titulares
destes direitos poderiam encontrar certos homens que impedissem o
pleno desfrute dos mesmos. Neste caso, a força (o arsenal não metafórico)
poderia ser empregada na defesa das prerrogativas naturais violadas pela
resistência indígena.
Contudo, também os silvícolas, enquanto seres humanos, dispunham
de suas próprias armas imateriais: ao lado do tacape, das flechas e da
machadinha, podem contar-se direitos à integridade física, à privacidade,
à paz etc. Os direitos dos descobridores poderiam estender-se somente até
encontrar os dos índios, e não além. Nota-se que, apesar das intenções
em contrário explicitamente afirmadas pelo palestrante, os direitos que

73. Enquanto que, para Tomás de Aquino, os conceitos pertencem a ordens distintas,
pois a “lei” é a razão do “direito”. Assim, a lei natural consiste nas regularidades
perceptíveis na natureza – tanto física quanto, no caso específico do ser humano, em
todo o atinente a uma vida boa. A lei natural precede e informa o direito, identificado
como a parte que corresponde ao partícipe de uma relação interpessoal envolvendo
bens, materiais ou não.
74. A metáfora não é de Vitoria.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 947

descreve entre os “títulos legítimos” conduzirão inevitavelmente ao


confronto, eis que o limite de seu exercício é dado pelo choque com o
direito alheio. O modelo vitoriano de direito é conflitivista. Um leitor
cético bem poderia perguntar se a sucessão das recusas de títulos ilegí-
timos e a sequência dos aparentemente inocentes títulos legítimos não
teria por escopo exatamente chegar à situação de conflito entre direitos,
onde espanhóis e índios tomariam em armas na defesa de suas respec-
tivas prerrogativas, com a esperada vitória do mais forte. É a interrogação
que se manterá em mente ao buscar valorar, nas próximas páginas desse
trabalho, sua solução ao problema dos índios.

5. A solução vitoriana ao problema da guerra aos índios

5.1 O afastamento da utopia

Vistas as críticas à doutrina colonial vitoriana, é possível agora intentar


uma valoração completa da aplicação de seu ius gentium à problemática
da relação com os índios. Pensa-se que dois aspectos muito importantes
do labor do teólogo burgalês devem ser salientados. Em primeiro lugar,
sua obediência às imposições da realidade, pois ele não é um utópico.
Além disso, é preciso ter atenção às numerosas condicionantes que insere
em seu discurso, que confirmam o caráter teológico de seu enfoque e sua
preferência por uma solução dialética.
Apesar de autores sustentarem a configuração de uma “utopia
universalista”75 no pensamento do dominicano espanhol, este último
parece manter os dois pés bem presos ao solo durante a Relectio de Indis.
O argumento conclusivo desta é prova eloquente. Como já referido, após
listar os sete títulos legítimos para a guerra contra os ameríndios e o
título duvidoso da assunção de governo em favor de tribos mentalmente
incapacitadas, o orador se interrogava sobre o caso de que seus compa-
triotas conquistadores não conseguissem comprovar circunstâncias
que os situassem perante um justo título. Em tal situação, a princípio
dever-se ia comandar uma retirada. Porém o mestre hesita perante esta
solução extrema, pois reconhece que traria um sensível prejuízo para o
comércio hispânico. Este argumento materialista é, contudo, refutado
por ele com duas razões. A primeira é que, mesmo no caso de devolução

75. Cordero Pando, Relectio, 461 et seq.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
948 Rafael Zelesco Barretto

da soberania aos povos da América, o comércio intercontinental poderia


prosseguir entre nações independentes. A segunda razão é que os comer-
ciantes privados que passassem a navegar para o Novo Mundo seriam
taxados pelos soberanos ibéricos, diminuindo seu prejuízo. Estes argu-
mentos finais costumam receber pouca atenção dos estudiosos de Vitoria,
por serem sucedidos pelo mais retumbante “Em terceiro lugar, é evidente
que, depois de se ter feito ali a conversão de muitos bárbaros, já não seria
conveniente nem lícito ao príncipe abandonar completamente a adminis-
tração daquelas províncias.”76
É importante ter em vista o que o palestrante pretendia nestes
últimos minutos da conferência. Após haver refutado os argumentos mais
comuns empregados em favor da ação bélica espanhola, e tendo oferecido
outros títulos, de base mais sólida porém relativamente moderados,
para a luta contra os nativos, ele se propôs, dialeticamente, uma dúvida
quanto a tudo o que dissera antes. Sua argumentação era forte o suficiente
para resistir ao teste das últimas consequências, as quais poderiam ser
pesadas, chegando até a desistência das Índias? A resposta demonstra que
esta retirada dramática não deveria ser temida: caso se concluísse que o
empreendimento colonial não se poderia valer de nenhum justo título, e
consequentemente as explorações devessem cessar, isto não invalidaria
a Relectio, pois o comércio e a taxação, com o consequente ingresso de
rendimentos, poderiam continuar mesmo na hipótese de principados
indígenas independentes. Por outro lado, os ouvintes de Vitoria sequer
precisariam pensar muito nesta saída, vez que o expressivo número de
conversos no Novo Mundo requereria que o Imperador Carlos protegesse
sua nascente fé.
Disso tudo, pode-se entender que uma condenação pura e simples
do empreendimento colonial e da constituição do império ultramarino,
com a consequente advocacia pelo retorno dos europeus à Espanha e o
abandono das pretensões soberanas da dinastia Habsburgo sobre o novo
continente, já não era mais possível ao tempo em que Vitoria proferia a
Relectio de Indis. Os três motivos fornecidos pelo palestrante demonstram
que este tem bem presente que a ponte entre os dois mundos foi cons-
truída, e nada poderá derrubá-la77. Com efeito, ainda que Madri abrisse
mão de suas conquistas sobre os índios, não haveria como retornar ao
statu quo ante, pois o que protegia as civilizações pré-colombianas da

76. Vitoria, Relectiones, III, 18.


77. Haggenmacher, La place, 70.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 949

cobiça europeia era principalmente a ignorância. Uma vez que haviam


sido “descobertos”, sabia-se que suas terras e riquezas ali estavam, e seria
impossível tornar a manter distância do tentador Novo Mundo.
O primeiro e segundo argumento de Vitoria em prol da utilidade de
seus títulos refletem o estado de coisas que se descreveu: ainda que os indí-
genas recuperassem a soberania, os espanhóis poderiam manter comércio
com eles. E, como revela a frase sobre cobrança de impostos, nada impe-
diria que mercadores particulares ingressassem no sistema, propondo
comércio aos povos americanos. Embora o palestrante se detenha aqui, e
não tenha, obviamente, interesse em defender-se das acusações de parti-
dário do imperialismo que lhe serão feitas séculos à frente, é fácil tomar
seus argumentos e mostrar em quais circunstâncias se baseavam. O prin-
cipal é que, se a Espanha cessasse a colonização, outros países europeus
ficariam felizes em aproveitar a oportunidade e sujeitar novamente as
desventuradas tribos. A solução à época defendida ardorosamente por
Las Casas78 possivelmente não teria mudado em grande parte a situação
dos indígenas. Além das nações concorrentes, outro perigo espreitaria
as tribos independentes, na figura de empreendedores privados, os quais
teriam muito menos escrúpulos em explorar a mão de obra índia – são os
“mercadores” de que fala Vitoria.
Portanto, a crítica que deplora no teólogo burgalês a ausência de
invectivas mais duras contra toda a colonização, peca por “presentismo”79,
como já dito. Pelo contrário, nos parágrafos anteriores se buscou compar-
tilhar, na medida do possível, a ótica quinhentista de Vitoria, e se cons-
tatou que não era factível nem coerente com seus valores (incluindo aí
a proteção dos índios) elaborar uma crítica completa à conquista da
América.

5.2 As ambiguidades da Relectio de Indis

Será que Vitoria não propõe nada, então, acerca do problema dos
índios? Na verdade, sua contribuição para a questão que atormentava a
mente dos espanhóis e a vida dos ameríndios pode ser bem compreendida
quando se atenta para uma recorrência em sua conferência sobre os índios:
as suposições e condicionantes que se espalham por toda a argumentação.

78. Höffner, Colonização, 185 et seq.


79. Cavallar, The Rights, 116-117.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
950 Rafael Zelesco Barretto

Assim, logo no primeiro título legítimo, onde se estabelecia o famoso


ius communicationis (embora Vitoria não use tal expressão que passou à
história), lê-se que: “Mas (como supomos) tal peregrinação dos espanhóis
se dá sem injúria ou dano dos bárbaros. Portanto, é lícita.”80 Destaque-se
a parte entre parêntesis: a licitude da migração às terras indígenas fica
condicionada à falta de injúria aos donos da terra.
As condicionantes prosseguem, agora chegando a justificar a expulsão
dos espanhóis pelos nativos, após a chegada daqueles:

Em quarto lugar, não seria lícito aos franceses impedir aos espanhóis a
peregrinação à França ou mesmo o estabelecimento nela, ou vice-versa,
desde que de nenhum modo isso resultasse em seu dano ou lhes fizesse
injúria. Portanto, nem aos bárbaros. [...] não é lícito relegar hóspedes
sem culpa. [...] Portanto, não movendo os bárbaros uma guerra justa
contra os espanhóis, supondo que estes sejam inofensivos, não é lícito
que repilam os espanhóis de sua pátria. [...] é contrário à natureza evitar
o consórcio dos homens inofensivos.81

É evidente que, no caso de sofrerem algum prejuízo da parte dos


exploradores, os indígenas se veriam autorizados para expulsá-los, e
o direito de livre passagem por parte daqueles não poderia impedir a
defesa dos direitos dos nativos. As mesmas reticências acompanham a
proclamação do direito de propor comércio às tribos – “sem prejuízo dos
cidadãos [os índios]”82. E o direito de participar na exploração das riquezas
da terra – “contanto que aos cidadãos e aos habitantes nativos isso não
seja um peso”83 –, bem como o de beneficiar-se dos mesmos direitos que
os indígenas outorgam aos estrangeiros de outras tribos – “desde que se
submetam aos mesmos encargos dos demais”84. Caso os “bárbaros” não
lhes garantam seus direitos, os ibéricos não poderão exercê-los à força
senão depois de haver demonstrado satisfatoriamente suas boas intenções
“não com meras palavras, mas também com argumentos racionais” e, uma
vez iniciada a guerra defensiva, só poderiam lançar mão dos direitos de
guerra, como por exemplo a escravização dos prisioneiros, caso não fique
comprovado que a reação hostil dos índios se devia ao estranhamento que
naturalmente sentiriam com a chegada de um povo tão diferente quanto

80. Vitoria, Relectiones, III, 2.


81. Ibid., III, 2.
82. Ibid., III, 3.
83. Ibid., III, 3.
84. Ibid., III, 5.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 951

os espanhóis85. Do contrário, o justo combate limitar-se-á a garantir o


exercício dos direitos naturais ameaçados pelos índios, sem dar azo aos
direitos da guerra, e com o menor dano possível aos índios.
Caso os índios atuem com perfídia contra os espanhóis e os ataquem
de modo premeditado, sem parecer estar em causa sua ignorância, então
passariam a alvo de toda a extensão da guerra justa, “conservando, porém,
a moderação de uma defesa justificada”86. A discussão do primeiro título
da guerra justa contra os índios se encerra com uma advertência contra
buscar pretextos para o combate.
A advertência é mais direta no segundo título:

se de modo diverso não se pode encaminhar os assuntos da religião, é


lícito aos espanhóis se apoderar das terras e províncias daqueles, eleger
novos senhores, depor os antigos [...] conservando-se sempre a mode-
ração e a razão para que não se vá além do que é preciso. E que antes se
renuncie ao próprio direito a perpetrar o que não é lícito, conduzindo
tudo sempre mais no interesse dos bárbaros que no do próprio lucro.87

Sob risco de soar repetitivo, Vitoria enfatiza logo a seguir, por duas
vezes no mesmo parágrafo, que o título de guerra pela liberdade de
anúncio do Evangelho fora estabelecido apenas em teoria, e que para sua
aplicação prática seria necessário examinar se a conversão dos nativos
não seria dificultada pela operação bélica.
Todos os demais títulos legítimos são acompanhados por condicio-
nantes. Pelo terceiro, os espanhóis podem guerrear contra os caciques
infiéis em defesa de membros da tribo que se converteram ao Cristianismo
e sofram perseguições, “se de outra forma não for possível”88. O quarto
título diz que o Papa poderia destituir os governantes indígenas caso
entendesse conveniente para a fé, “sem escândalo”89. O quinto permite
a intervenção por causa humanitária “se de outra forma não se pode
eliminar um rito sacrílego” e apenas para “proteger os inocentes de uma
morte injusta”90. Outro título para a dominação seria a livre escolha dos
índios, desde que “por verdadeira escolha voluntária”91. Já a defesa dos

85. Ibid., III, 6.


86. Ibid., III, 6.
87. Ibid., III, 12.
88. Ibid., III, 13.
89. Ibid., III, 14.
90. Ibid., III, 15.
91. Ibid., III, 16.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
952 Rafael Zelesco Barretto

aliados só pode ocorrer quando a tribo que se deseja socorrer está em


guerra justa92. O título duvidoso do governo dos índios pelos europeus
em razão da pouca capacidade intelectual daqueles, enfim, é aceito “de
maneira não afirmativa e ainda com a restrição de fazê-lo pensando nos
bens e no interesse deles próprios [índios] e não somente no proveito dos
espanhóis”93.

5.3 Em busca da solução vitoriana

A partir de todas estas variáveis introduzidas ao longo da aula magna,


fica evidente que uma solução abrangente e definitiva para as relações
entre espanhóis e índios não é o objetivo de Vitoria. Como já lembrado,
ele não é um jurista, cuja função seria resolver controvérsias concretas
apontando o que pertence a cada um. Sua posição é a de um sacerdote,
teólogo moralista, diretor de consciências e formador de padres confes-
sores. Por conseguinte, os dois principais interesses que o movem ao longo
da Relectio são elaborar parâmetros de avaliação moral aos quais seus
discípulos possam ater-se quando se depararem com um ex-conquistador
ou colono em confissão, e influir na conduta individual dos partícipes da
empreitada colonizadora.
Recorde-se o que se estudou no apartado anterior sobre seu entendi-
mento do direito como faculdade: tal concepção era importante para que
ele pudesse avaliar as potenciais condutas do indivíduo, estabelecendo
diretrizes prévias que regulassem os limites e modos de exercer a conduta
humana. O mesmo vale agora: a argumentação expandida na conferência
não visava determinar quem, entre conquistadores e conquistados, estava
com a razão, mas sim elaborar um guia para que seus compatriotas não
perdessem sua alma ao chegar ao Novo Mundo.
Da mesma forma, a recorrente confusão entre direito natural e lei
natural serve, na De Indis, ao propósito de utilizar o vocabulário jurídico
tomado de Tomás de Aquino (direito natural, ius gentium, guerra justa)
para finalidades morais, elaborando diretrizes ou “leis” em abstrato que
possam guiar a futura conduta dos colonos da América. Vale aqui retomar
a ideia de Michel Villey, para quem a lei está mais próxima da moral do
que do direito, pois busca dirigir condutas, não apenas definir o que é

92. Ibid., III, 17.


93. Ibid., III, 18.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 953

de cada um94. Ela cumpre tanto uma função jurídica, estabelecendo os


contornos do que é devido a cada um, quanto moral, por orientar as ações
das pessoas aos fins eleitos ou ao bem comum. Quando Vitoria apresenta
como direitos naturais postulados fixos e imutáveis, que na terminologia
propriamente tomista seriam reconhecidos como decorrências da lei
natural, está aproveitando o desenvolvido e popular vocabulário jurídico
do Aquinate para avançar modos de controlar a moralidade dos partícipes
da colonização.
Portanto, o teólogo burgalês não está muito preocupado, afinal, com
a legitimidade da Conquista em si: ao tempo em que profere a palestra
(1539), as guerras americanas vinham sendo travadas há décadas, sendo
que o Descobrimento já datava de meio século. Vitoria tem em mente um
assunto bem mais concreto, e sobre o qual estava em posição perfeita para
exercer influência: a retidão das condutas individuais no novo panorama
do estabelecimento das colônias transatlânticas. É por isso que a Relectio
não pode ser lida a modo de um “estudo de caso” jurídico: os títulos ilegí-
timos e legítimos se sucedem para ao final oferecer uma resposta, um
tanto desajeitada, sobre qual curso político sua Espanha deveria seguir.
O verdadeiro propósito da lição vitoriana não é advogar pela coexis-
tência pacífica entre as nações, pela paz mundial ou em prol das culturas
indígenas. Trata-se antes de explicar a seus conterrâneos – e aos futuros
pregadores que os orientariam – como conviver individualmente com os
indígenas, lado a lado no continente americano95.
Embora a Relectio embase toda sua argumentação no direito à guerra,
é importante lembrar que a conquista se fazia principalmente pelo esforço
individual dos soldados-exploradores ibéricos, limitando-se a Coroa a
garantir a legalidade dos resultados e permitir o posterior desfrute das
riquezas. Os confrontos militares na América, embora levados a termo sob
a bandeira e o nome dos monarcas espanhóis, dependeram da iniciativa
e ambição dos aventureiros que se lançavam ao Novo Mundo. Apesar de
seguir o Aquinate ao manter a autoridade legítima como requisito indis-
pensável à guerra justa, Vitoria tem em mente que, no caso das lutas contra
os índios do outro lado do Oceano, o comando real se limitava a um bene-
plácito genérico, e os colonizadores tinham total autonomia para decidir
quem e quando atacar. Sua doutrina da guerra justa, embora se mantenha

94. Villey, A formação, 191-198.


95. Rafael Ruiz, Francisco de Vitoria e os direitos dos índios americanos: A evolução da
legislação indígena castelhana no século XVI (Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002), 169 e
183-6.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
954 Rafael Zelesco Barretto

inteiramente nos trilhos de seu predecessor medieval na Universidade


de Paris, foi formulada de um modo que comandantes militares subal-
ternos, deixados à sua própria sorte e iniciativa no Novo Mundo, também
pudessem aplicá-la, sem vexações quanto ao fato de não serem “príncipes”
no sentido em que Tomás de Aquino utilizava a palavra.
Então, a De Indis não efetua um processo à conquista da América
como evento histórico. Ela fornece um instrumental para que cada pessoa
que tomou parte no empreendimento julgue a si mesma diante de sua
consciência. Será o foro íntimo de cada um o responsável por aplicar as
diretrizes vitorianas ao caso concreto com o qual se deparar. Isto explica
também a importância conferida, nos estudos de Vitoria sobre a guerra na
Relectio de Iure Belli e no Comentário à Quaestio de Bello, à intenção dos
combatentes e à obrigatoriedade de examinar a justiça do combate, da
qual dependerá a moralidade da guerra para cada um96.
Mas este leque de condicionantes e vacilações que o palestrante faz
seguir aos justos títulos não se dirige exclusivamente à ação individual,
embora esta seja seu alvo principal. Vitoria também elabora, se não autên-
ticos princípios, ao menos uma ética colonial de alcance geral. Ele segue
o método escolástico da dialética ao evitar uma solução definitiva para o
problema da guerra contra os ameríndios. Prefere organizar seu racio-
cínio mediante uma série de idas e vindas: os índios não são escravos
por natureza, mas podem ser governados pelos espanhóis se isto reverter
no bem daqueles; possuem domínio de suas terras, mas sua organização
social é tão primitiva que parecem crianças; não são súditos do Imperador,
mas podem escolher submeter-se a ele ao enxergarem as vantagens do
modo de vida europeu; não devem obediência ao Papa, mas este exercerá
um poder temporal indireto na hipótese de haver conversos na tribo; suas
terras não são res nullius, mas os espanhóis não podem ser impedidos
de percorrê-las e tomar suas riquezas; seus modos de vida aberrantes e
pecados contra a natureza não podem ser castigados pelos colonizadores,
desde que não vitimem inocentes etc. Por um lado, parece que Vitoria
efetivamente lhes toma com uma mão o que oferecia com a outra97. A tudo
isso, acresçam-se as exigências já comentadas quanto ao uso da força.
Ora, quando se leva em consideração que não se trata de uma palestra

96. Francisco de Vitoria, Relectio de Iure Belli o Paz Dinámica, trad. Luciano Pereña
(Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1981), 139-162 e 223-227.
97. Macedo, O mito, 7.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 955

jurídica, e sim moral, fica mais evidente que o intuito é revelar um modo
de pensar, uma ética, e não fornecer soluções prontas.
Perante a realidade do descobrimento e da conquista, o mestre
salmantino opta por enfatizar o dever básico dos espanhóis na América:
estabelecer um governo justo. Ele não tem os meios (nem o interesse,
nem a vocação profissional) de caracterizar minuciosamente a forma de
governo ideal para o Novo Mundo. Mas insiste em mostrar a seus ouvintes
no Convento de Santo Estevão como tal dominação sobre os aborígenes
poderia estruturar-se da maneira mais suave e proveitosa possível. Todo
o exposto na conferência mostra que a guerra não deve ser buscada nem
temida pelos espanhóis, mas que os índios também não podem ser aniqui-
lados nem abandonados, e sim governados. A repetição do dever de preo-
cupar-se com os nativos não é apenas uma figura de linguagem destinada
a adoçar as causas para a guerra total: Vitoria ainda é muito escolástico
para desperdiçar palavras em uma conferência solene. Cada repetição da
obrigação que os espanhóis assumiram com o bem-estar físico e espiritual
dos índios reforça o dever da metrópole de manter um governo humano
em suas novas possessões.
É sem dúvida este o motivo pelo qual os estudiosos de Vitoria chegam
a conclusões tão distintas quando se debruçam sobre a De Indis em busca
de uma posição definitiva do palestrante sobre a juridicidade da guerra
contra os nativos. Na verdade, como visto, o dominicano espanhol centrou
suas preocupações no futuro da convivência entre colonizadores e colo-
nizados, advogando por um governo responsável que revertesse ultima-
mente no bem de toda a colônia.

6. Conclusão

O ius gentium de Francisco de Vitoria destaca-se por estar composto


principalmente por direitos subjetivos individuais. Isto fica claro na
Relectio de Indis, onde atribui a seus compatriotas e aos ameríndios
diversas faculdades juridicamente exigíveis, e eventualmente tuteláveis
mediante o uso da força em caso de seu desrespeito. Essa construção
decorre da teoria geral do direito vitoriana, a qual o enxerga como uma
faculdade individual com duas propriedades: é conveniente para seu
titular, com o que se entende que está proporcionada aos fins da natureza
humana; e foi instituída por uma lei. Em consequência, o teólogo burgalês
relativiza a separação que havia em Tomás de Aquino entre os conceitos
de direito e lei, o que acarreta em uma confusão quanto aos termos de

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
956 Rafael Zelesco Barretto

direito natural e lei natural. Para Vitoria, tratam-se de sinônimos. Ainda


que ele não o diga expressamente, é constante em sua obra o uso inter-
cambiável destas expressões. Sua definição do direito como faculdade o
aproxima do dominium, ou poder sobre as coisas e sobre si mesmo. Nesta
percepção, o ius é composto por vários poderes atribuídos aos indivíduos
pela lei ou pela natureza. Note-se que todas estas ideias aparecem no
pensamento vitoriano quando ele trata de casos concretos, como a justi-
ficação da propriedade privada ou a guerra dos espanhóis na América. Já
em seus estudos teóricos sobre o conceito de direito, que estão no comen-
tário à questão 57 da Secunda Secundae da Suma, ele se limita a transmitir
a definição do Aquinate.
O resultado da definição de direito como faculdade e de sua analogia
com o domínio é, no tema dos índios, a definição dos direitos naturais
ou das gentes (ele não se preocupa muito em distinguir estes termos
quando trata de assuntos práticos) desfrutados por todos os partícipes
da Conquista. Os índios são reconhecidos como portadores de direitos
próprios. Contudo, estes direitos naturais, individuais, subjetivos e deter-
minados entrarão em choque com os direitos dos colonizadores, pois será
sumamente difícil saber, na prática, onde termina cada faculdade. Uma
interpretação mais crítica de Vitoria diria que seu sistema de direitos
naturais foi pensado de modo conflitivista, o que favoreceria o lado dos
europeus.
Diante disso, a valoração da postura do mestre salmantino perante o
problema da colonização não é unânime, e na literatura recente contam-se
numerosas críticas a seu tratamento dos nativos. Entre estas, a de que os
títulos legítimos para a conquista contradiriam os ilegítimos, retornando
aos conquistadores as permissões para a guerra que Vitoria lhes negara
antes. Também se critica sua desvalorização da cultura indígena e a impo-
sição de padrões europeus que os nativos desconheciam. O regente de
Prima abandona toda pretensão de igualdade entre os povos ao tratar do
direito de pregação religiosa, intitulado apenas pelos representantes do
Cristianismo. E parece tomar um interesse desmesurado pelas vantagens
comerciais advindas da exploração da colônia.
Contudo, há de considerar-se que o palestrante tinha em mente que
a colonização não podia realisticamente ser desfeita. Suas vacilações e
idas e vindas durante a Relectio podem ser atribuídas ao espírito da
dialética tomista que ele adota, bem como a uma tentativa de moderar o
recurso à força. O enfoque é de um teólogo moralista, não de um jurista:
não lhe interessa tanto pronunciar-se definitivamente sobre a justiça da
Conquista, e sim desenvolver padrões éticos que orientassem os habitantes

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Qual foi a real posição de Francisco de Vitoria em relação à colonização da América? 957

das colônias em sua convivência com os “bárbaros”. Quanto à política de


governo, as numerosas condicionantes descritas por Vitoria para que o
domínio espanhol fosse justo traduzir-se-iam no tratamento dos índios
como súditos dos reis da Espanha.

Referências

Anghie, Anthony. Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law. Cambridge:
Cambridge University Press, 2004.
Aquino, Santo Tomás de. Suma de Teología, t.3. Trad. VVAA. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1960.
Barcía Trelles, Camilo. “Francisco de Vitoria et l’École moderne du droit international.” Récueil des
Cours de l’Academie de Droit International de la Haye 17, no. 2 (1927).
Barthélemy, J. “F. de Vitoria.” In Les fondateurs du droit international, ed. Antoine Pillet. Paris: Giard
& Brière, 1904.
Carro, Venancio Diego. La “Communitas Orbis” y las rutas del Derecho Internacional según Francisco
de Vitoria. Palencia: Merino, 1962.
Cavallar, Georg. The Rights of Strangers: Theories of International Hospitality, the Global Community
and Political Justice since Vitoria. Aldershot (UK): Ashgate, 2002.
Cordero Pando, Jesús. Relectio de potestate civili: Estudios sobre su Filosofía Política. Madrid: CSIC,
2008.
De la Rasilla del Moral, Ignacio. “Francisco de Vitoria’s Unexpected Transformations and
Reinterpretations for International Law.” Intemational Community Law Review 15, no. 3,
(2013), DOI: 10.1163/18719732-12341254.
Gaius. Institutas do Jurisconsulto Gaio. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
Getino, Luis G. Alonso. Fray Francisco de Vitoria – fundador del Derecho Internacional moderno
(1546-1946). Madrid: Cultura Hispánica, 1946.
Gomez Robledo, Antonio. Fundadores del Derecho Internacional: Vitoria, Gentili, Suárez, Grocio.
México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1989.
Green, Leslie Claude. “Claims to Territory in Colonial America.” In The Law of Nations and the New
World, ed. Leslie Claude Green e Olive P. Dickason. Edmonton: The University of Alberta
Press, 1989.
Guzmán Brito, Alejandro. El derecho como facultad en la Neoescolástica Española del siglo XVI.
Madrid: Iustel, 2009.
Haggenmacher, Peter. “La place de Francisco de Vitoria parmi les fondateurs du droit international.”
In: Actualité de la pensée juridique de Francisco de Vitoria, ed. Antonio Truyol Serra. Bruxelles:
Bruylant, 1988, 27-80.
Hanke, Lewis. Aristóteles e os índios americanos. Trad. Maria Lúcia Galvão Carneiro. São Paulo:
Martins Editora, 1959.
Hernández Martín, Ramón. Francisco de Vitoria. Vida y pensamiento internacionalista. Madrid:
BAC, 1995.
Hernández, Ramón. Un español en la ONU: Francisco de Vitoria. Madrid: BAC, 1977.
Hervada, Javier. Lições propedêuticas de Filosofia do Direito. Trad. Elza Maria Gasparotto. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
Höffner, Joseph. Colonização e evangelho: ética da colonização espanhola no século de ouro, 3ª ed.
Trad. José Wisniewski Filho. Rio de Janeiro: Presença, 1986.
Justenhoven, Heinz-Gerhard. “Francisco de Vitoria: Just War as Defense of International Law.”
In From Just War to Modern Peace Ethics, ed. Heinz-Gerhard Justenhoven and William A.
Barbieri Jr. Berlin: De Gruyter, 2012. DOI: 10.1515/9783110291926.121.
Koskenniemi, Martti. “Empire and International Law: The Real Spanish Contrbutions.” University
of Toronto Law Journal 61 (2011).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
958 Rafael Zelesco Barretto

Koskenniemi, Martti. From Apology to Utopia: the Structure of International Legal Argument.
Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
Macedo, Paulo Emílio Vauthier Borges de. “O mito de Francisco de Vitória: defensor dos direitos
dos índios ou patriota espanhol?” Revista de Direito Internacional 9, no. 1 (2012), https://
www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/view/1602. DOI: 10.5102/rdi.v9i1.1602
Maldonado Simán, Beatriz. “La guerra justa de Francisco de Vitoria.” Anuario Mexicano de Derecho
Internacional 6 (2006), https://revistas.juridicas.unam.mx/index.php/derecho-internacional/
article/view/166/269.
Márquez, Marta Albert. “El principio de la libertad de los mares en la Relectio de Indis. ¿Se enfrento
Francisco de Vitoria a los interesses españoles?” Derecho y opinión 6 (1998), http://helvia.
uco.es/xmlui/handle/10396/7367.
Mechoulan, Henry. “Vitoria: Père du droit international?” In Actualité de la pensée juridique de
Francisco de Vitoria, ed. Antonio Truyol Serra. Bruxellles: Bruylant, 1988.
Noreña, Carlos G. Studies in Spanish Renaissance Thought. The Hague: Martinus Nijhoff, 1975.
Nys, Ernest. Les origines du droit international. Bruxelles: Alfred Castagne, 1894.
Ortiz Treviño, Roberto Gerardo. “La naturaleza jurídica del ius gentium de acuerdo con la doctrina
de Francisco de Vitoria. Estudio breve en honor al pensamiento de Antonio Gómez Robledo.”
Anuario Mexicano de Historia del Derecho, 17 (2005).
Ruiz, Rafael. Francisco de Vitoria e os direitos dos índios americanos: A evolução da legislação
indígena castelhana no século XVI. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
Scott, James Brown. El origen español del Derecho Internacional moderno. Valladolid: Cuesta, 1928.
Scott, James Brown. The Catholic Conception of International Law. Clark, New Jersey: The Lawbook
Exchange, Ltd. – reimpressão da edição de Washington, D.C.: Georgetown University Press,
1934.
Thumfart, Johannes. Die Begründung der globalpolitischen Philosophie: Francisco de Vitorias
Vorlesung über die Entdeckung Amerikas im ideengeschichtlichen Kontext. Berlin: Kulturverlag
Kadmos, 2012.
Tuck, Richard. The Rights of War and Peace: Political Thought and the International Order From
Grotius to Kant. Oxford: Oxford University Press, 1999.
Urdanoz, Teófilo. “Las Casas y Francisco de Vitoria (en el V centenario de nacimiento de Bartolomé
de las Casas 1474-1974) [1ª parte].” Revista de estudios políticos 198 (1974).
Urdanoz, Teófilo. “Síntesis teológico-jurídica de la doctrina de Vitoria.” In Francisco de Vitoria,
Relectio de Indis o libertad de los índios, ed. Luciano Pereña e J.M. Perez Prendes. Madrid:
CSIC, 1967.
Veloso, Paulo Potiara de Alcântara. A guerra justa e o papel dos povos infiéis: transformações do Ius
Gentium sob as perspectivas de Paulus Vladimiri e Francisco de Vitoria. Tese de doutorado,
Universidade Federal de Santa Catarina, 2013.
Verhoeven, Joe. “Vitoria ou la matrice du droit international.” In Actualité de la pensée juridique de
Francisco de Vitoria, ed. Antonio Truyol Serra. Bruxellles: Bruylant, 1988.
Villey, Michel. Formação do pensamento jurídico moderno. Trad. Claudia Berliner. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
Villey, Michel, Questões de Tomás de Aquino sobre direito e política. Trad. Ivone C. Benedetti. São
Paulo: Martins Fontes, 2014.
Vitoria, Francisco de. De indis et de iure belli relectiones. Trad. Ernest Nys. Washington, D.C.:
Carnegie Institution, 1917.
Vitoria, Francisco de. De indis recenter inventis relectio prior. Trad. Teófilo Urdanoz. Madrid:
Biblioteca de Autores Cristianos, 1960.
Vitoria, Francisco de. Relecciones Teológicas. Trad. Teófilo Urdanoz. Madrid: BAC, 1960.
Vitoria, Francisco de. Relectio de Iure Belli o Paz Dinámica. Trad. Luciano Pereña. Madrid: Consejo
Superior de Investigaciones Científicas, 1981.
Vitoria, Francisco de. Relectiones. Sobre os índios e sobre o poder civil. Trad. Paulo Sérgio de
Vasconcellos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2016.
Williams Jr, Robert A. “The Medieval and Renaissance Originis of the Status of the American
Indian in Western Legal Thought.” Southern California Law Review 57 (1983).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 959-980.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0959

Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de


Francisco de Vitoria
FRANCISCO CASTILLA URBANO *

Abstract
The subject of human dignity in the thought of Francisco de Vitoria (1483-1546) has
been a subject of frequent attention. Almost unanimously, it has been associated with the
development of human rights and its manifestations about the Indians. However, during the
Renaissance, the topic de dignitatis hominis appears linked to the nature and possibilities of
the human being more than to his rights. The present article analyzes that idea, until now
neglected among the contributions of the Dominican, and usually associated with authors
identified with humanism more than with scholasticism, what would add an additional
element of interest to the study of the professor of the University of Salamanca.
Keywords: Francisco de Vitoria, human dignity, human rights, humanism, image of man,
renaissance, scholasticism.

1. Introducción

D
esde que gana la cátedra de Prima de Teología de la Universidad
de Salamanca en 1526, Francisco de Vitoria estaba obligado a
pronunciar una relección o repetición de dos horas de duración
cada curso. Estas conferencias tenían que impartirse en días festivos ante
sus Facultades o ante toda la Universidad y su contenido debía versar
sobre la materia que se había desarrollado en las lectiones ordinarias
de ese año académico. El dominico va a llevar a su máxima expresión
esta práctica que ningún otro profesor de Salamanca elevó a su altura1.
Existen, no obstante, razones para creer que no fue en su primer año como
catedrático cuando tomó conciencia de la importancia que podía dar a la
misma. La primera relección que se le atribuye, la De silentii obligatione,

* Universidad de Alcalá, Spain.


 francisco.castilla@uah.es
1. Vicente Beltrán de Heredia, Los manuscritos del maestro fray Francisco de Vitoria, O.P.
(Madrid-Valencia: Tipografía Moderna, 1928), 123 y ss.

959-980

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
960 Francisco Castilla Urbano

si es que tuvo lugar2, debió ser abordada como un mero trámite y –dada la
inexistencia de tradición manuscrita que haya llegado hasta el presente–
tal vez ni siquiera llegó a escribirse o a copiarse3. Sólo a continuación, con
la De potestate civili, convierte Vitoria en costumbre dejar constancia de
la exposición realizada y para ello se obliga a preparar con profundidad y
originalidad los temas debatidos en tales escritos. Es así como las relec-
ciones se acaban convirtiendo en su aportación intelectual más valiosa.
Además, Sobre la potestad civil es, junto con la De indis y la De iure belli,
la relección de mayor trascendencia escrita por el dominico en cuanto
afecta a los asuntos políticos y sociales de su época. El burgalés estudia
en este texto los problemas del poder: su origen, necesidad, posesión, ejer-
cicio y límites. En torno a estas cuestiones surgen ya esbozos y aporta-
ciones de interés para su doctrina sobre las relaciones entre los príncipes
y las comunidades, la relación del poder civil con el poder espiritual, las
exigencias de la guerra justa, la obligación en conciencia de las leyes, los
distintos tipos de éstas, etc., que serán objeto de desarrollo posterior. En
este sentido, se puede decir que esta primera relectio vitoriana representa
tanto una aportación doctrinal consolidada como un programa de trabajo
que se irá completando en los años siguientes.
Estos temas han sido analizados desde hace más de un siglo por
numerosos eruditos y lo siguen siendo. Lo que no ha llamado tanto la
atención entre los estudiosos de la obra de Vitoria es que dentro de esta
primera relección conocida, el maestro salmantino introduce su trata-
miento del tópico renacentista de dignitate hominis, conforme era habitual
entre los humanistas de la época4.
Quizá sorprenda que se sitúe a un escolástico como Vitoria tras la
estela de Giannozzo Manetti y su De dignitate et excellentia hominis o de
Giovanni Pico della Mirandola, cuya Oratio elegantissima debía servir a
la presentación y defensa de sus Conclusiones o Novecientas tesis y que
alcanzaría fama años después como Oratio de hominis dignitate5, o de
otros muchos amantes de las bellas letras que desarrollaron esta misma

2. Vicente Beltrán de Heredia, “Reseña de Francisco de Vitoria. Estudio bibliográfico, por


Rubén C. González, O.P.,” La Ciencia Tomista (Homenaje a Vitoria) LXXII (1947): 213.
3. F. Castilla Urbano, “Francisco de Vitoria, una biografía de sus ideas políticas y
religiosas,” in Humanismo y visión del otro en la España moderna, VV.AA. (Madrid:
CSIC, 1992), 53.
4. Antonio Pele, El discurso de la dignitas hominis en el humanismo del Renacimiento
(Madrid: Dykinson, 2012).
5. Luis Martínez Gómez, “Introducción” a su edición de Pico de la Mirandola, De la
dignidad del hombre (Madrid: Editora Nacional, 1984), 18.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria 961

línea6. Como se ha dicho, el tema de la dignidad del hombre no fue patri-


monio de un solo grupo o movimiento de los que convivieron durante el
Renacimiento:

Espero haber dejado claramente expuesto que los pensadores renacen-


tistas que hemos mencionado, y quienes representan, por lo menos, tres
tradiciones intelectuales y filosóficas diferentes, estaban muy concer-
nidos con la dignidad del hombre y con el lugar que éste ocupaba en
el universo. El movimiento humanístico –en su origen más bien moral,
cultural y literario que filosófico en un sentido técnico– proporcionó las
ideas y las aspiraciones generales y todavía vagas, así como las fuentes de
material antiguas. Los platónicos y los aristotélicos, que eran filósofos y
metafísicos profesionales con inclinaciones y preparación especulativas,
tomaron en sus manos esas ideas vagas, las convirtieron en doctrinas filo-
sóficas definitivas y les asignaron un lugar importante en sus complejos
sistemas metafísicos7.

Tal vez al ser Vitoria un escolástico e indicar en su relección que se


propone seguir ese método8, haya contribuido a que no se le preste la
atención debida desde esta perspectiva. Al fin y al cabo, durante mucho
tiempo, siguiendo como un acto de fe las críticas de los mismos huma-
nistas e incluso de autores posteriores, el escolasticismo del Renacimiento
se ha considerado un movimiento carente de originalidad e interés9.
Pero, hay que rechazar, por falsa y prejuiciada, una descalificación gene-
ralizada de las aportaciones de los escolásticos del siglo XVI, como hay
que recordar que, en ocasiones o según los tiempos, las diferencias entre
estos y otros movimientos de ese período no eran tan tajantes como se ha
querido creer10. De hecho, después de 1530, el latín que imitaba el estilo

6. Francisco Rico, El pequeño mundo del hombre (Madrid: Alianza, 1988), 128-151, y
Francisco Rico, El sueño del humanismo. De Petrarca a Erasmo (Madrid: Alianza,
1997), 163-190.
7. Paul O. Kristeller, El pensamiento renacentista y sus fuentes (Madrid: FCE, 1993
(1979), 243.
8. De potestate civili, en Francisco de Vitoria, Obras. Relecciones teológicas. Edición de T.
Urdánoz. (Madrid: BAC, 1960), 151.
9. H. Baker, The Image of Man. A Study of the Idea of Human Dignity in Classical Antiquity,
the Middle Ages, and the Renaissance (Nueva York: Harper Torchbooks, 1961), 204-217.
10. Francisco Castilla Urbano, “Principales corrientes de conocimiento: escolasticismo,
neoplatonismo y humanismo,” in La Biblia Políglota Complutense en su contexto,
coord. por A. Alvar Ezquerra (Alcalá de Henares: Servicio de Publicaciones, 2016),
200-12.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
962 Francisco Castilla Urbano

clasicista era bastante frecuente en los textos de cualquier estudioso11, y


juristas de prestigio como Diego de Covarrubias, más afines al escolasti-
cismo que al humanismo, no dudaron en servirse de este para adornar
sus escritos sin renunciar a lo que consideraban las exigencias de su
gremio12. Por eso, hay que admitir que “En la España (y en la Europa) del
Emperador, los tópicos del expediente de la dignitas hominis aparecen en
distintos géneros literarios, en el púlpito, en el derecho de gentes, en los
comentarios a Aristóteles, en los debates teológicos…”13, de manera que no
debería sorprender tanto que aparezca también en una disertación esco-
lástica. Como tampoco debe causar excesivo asombro que la expresión de
dignitate hominis u otra cualquiera de similar significado no sea locali-
zable en la relección en la que se constata la presencia del tema. Bastaría
recordar que en el famoso texto de Pico della Mirandola, el título con el
que es más conocido no fue puesto por su autor y que “la palabra dignitas
sólo aparece dos veces, y ninguna de ellas para referirse al hombre”14. Así,
pues, poco importa su ausencia nominal cuando, como vamos a ver, tanto
lo que concierne al hombre como cuanto tiene que ver con el lugar que
ocupa en el universo, son el centro de la exposición de Vitoria.
Por lo demás, también, sin duda, guarda relación con la ausencia de
tratamiento de esta cuestión por quienes se ocupan de la obra del profesor
salmantino, que la separación entre escolásticos y humanistas, que tanto
se ha destacado para este período15, no solo influye en la visión de lo
escrito entonces, sino que lo hace también sobre sus estudiosos, provo-
cando que algunas de las cuestiones tratadas preferentemente por uno
de estos grupos pasen desapercibidas cuando aparecen en autores que no
pertenecen al gremio con el que se asocian. En el caso de Vitoria solo he
sido capaz de localizar una excepción a esta situación, que es la mención
que hace María Luisa Cerrón Puga en una nota de su edición del Diálogo
de la dignidad del hombre de Fernán Pérez de Oliva16, un texto, por cierto,

11. Erika Rummel, The Humanist-Scholastic Debate in the Renaissance and Reformation
(Harvard University Press, 1998 (1995)), 11.
12. Katherine Elliot van Liere, “Humanism and Scholasticism in Sixteenth-Century
Academe: Five Student Orations from the University of Salamanca,” Renaissance
Quarterly 53, 1 (2000): 86.
13. Rico, El sueño del humanismo. De Petrarca a Erasmo, 170-171.
14. María José Vega, “La solitaria oscuridad del padre. El Dios de las tinieblas en la Oratio
de dignitate hominis de Pico della Mirandola,” Quaderns d’Italià 6 (2001): 199.
15. Rummel, The Humanist-Scholastic Debate in the Renaissance and Reformation.
16. Fernán Pérez de Oliva, Diálogo de la dignidad del hombre; Razonamientos; Ejercicios.
Ed. de M. L. Cerrón Puga (Madrid: Cátedra, 1995), 139, nota 34.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria 963

con el que la relectio guarda algunas coincidencias de interés, que se


debió redactar por las mismas fechas que aquel y mientras el humanista
cordobés ejercía también de profesor en la Universidad de Salamanca.
Existen, por supuesto, muchas indicaciones sobre el tema de la
dignidad en el dominico, pero no citan el tratamiento de la cuestión desde
el punto de vista al que me estoy refiriendo. Coinciden con este en que
se refieren a una concepción que tiene como base lo metafísico y lo reli-
gioso, pero lo combinan con la reivindicación de los derechos del hombre,
que no aparecería en esta versión de la dignidad17. En estos tratamientos,
el concepto de dignidad humana, que se aplica fundamentalmente sobre
la concepción vitoriana de los indios, es, habitualmente, más usado que
explicado. La razón tal vez sea porque al indicar una cualidad simple,
resulta más fácil apelar a la misma que comprenderla conceptualmente18.
Generalmente, estos textos dan por sobreentendido o admiten que en
distintas épocas el concepto aparece sin que su significado coincida, pero
no consideran que las diferencias sean tan relevantes como para anular
un núcleo de significado coincidente. De esta forma, el discurso sobre la
dignidad atribuido a uno o varios pensadores de los siglos XVI y XVII,
se equipara totalmente o en parte al discurso vigente al menos desde la
Ilustración19.
Desde esta perspectiva, los acuerdos en torno a qué sea o en qué
consista la dignidad humana son tan frecuentes como los desacuerdos,
por lo que no sorprende del todo que el concepto se aplique con frecuencia
a personas y situaciones que no sólo distan de tener un denominador
común, sino que se mueven en los ámbitos de la realidad más apartados e
incluso se contraponen abiertamente. Se puede, de esta forma, encontrar
argumentos que apelan a la defensa de la dignidad de las personas para

17. Por solo citar algunos ejemplos: Ramón Hernández Martín, “Francisco de Vitoria
y Bartolomé de las Casas, primeros teorizantes de los derechos humanos,” Archivo
Dominicano: Anuario 4 (1983): 199-266; F. Murillo Rubiera, América y la dignidad del
hombre. Los Derechos del Hombre en la Filosofía de la Historia de América (Madrid:
Mapfre, 1992); Enrique Rivera de Ventosa, “Derechos humanos en Francisco de
Vitoria: ¿naturales o personales?,” Cuadernos salmantinos de filosofía 20 (1993): 191-
203; Mauricio Beuchot, Los fundamentos de los derechos humanos en Bartolomé de las
Casas (Barcelona: Anthropos, 1994); Miguel Anxo Pena González, “Derechos humanos
en la Escuela de Salamanca”, in Los Derechos Humanos en Europa, coord. por José-
Román Flecha Andrés (Universidad Pontifica de Salamanca, 2009), 51-78.
18. Robert Spaemann, “Sobre el concepto de dignidad humana,” Persona y derecho. Revista
de fundamentación de las Instituciones Jurídicas y de Derechos Humanos 19 (1988): 16.
19. Francisco Castilla Urbano, “Los derechos humanos y el pensamiento de Francisco de
Vitoria,” Revista de Filosofía 36, 3 (2000): 7-30.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
964 Francisco Castilla Urbano

sostener posiciones radicalmente enfrentadas y más todavía si se aplican


sobre asuntos como el aborto, la eutanasia, la clonación, la maternidad
subrogada, la prostitución y tantas otras. No obstante, no puede negarse
que esta ausencia de un acuerdo en torno a qué sea la dignidad humana
y sus usos diversos y, en ocasiones, un tanto interesados, no ha impedido
que se produzcan denuncias de las circunstancias en las que se produce su
vulneración20. Hemos de suponer, por tanto, que la intuición del concepto
tiene la fortaleza suficiente como para imponer algún tipo de exigencia
incluso allá donde no resulta del todo claro el presupuesto que la avala.
Se comprende, en cualquier caso, que la multiplicidad de sentidos que
están detrás de las discusiones sobre la dignidad humana deje también su
huella en la historia del pensamiento. Un rápido recorrido por esta viene
a ratificar que el concepto de dignidad se extiende por dimensiones tan
variadas como la político-social, la religiosa o teológica, la ontológica y la
ética21. Incluso se puede hablar de la tradición del Derecho natural, aunque
apenas se mencione una vez a Mariana dentro de una tradición hispana
inexistente, como aquella que estaba dirigida “a la dignidad humana”, por
lo que “construye situaciones en las que dejan de existir los humillados y
ofendidos”22. Lo que quiero destacar en lo que sigue es que esas dimen-
siones tan diversas, también han consagrado la existencia de un modelo
de glorificación del hombre durante el Renacimiento mucho más literario
que, por ejemplo, el kantiano, de fines de la Edad Moderna, que deja sentir
su influencia hasta nuestros días y que se postula como fundamento de los
derechos humanos23.
No quisiera negar con lo anterior que distintas consideraciones de la
dignidad humana puedan convivir en un mismo autor, pero lo cierto es que,
siendo mucho más habitual al tratar el pensamiento de Vitoria un plan-
teamiento más próximo a esta segunda noción que acabo de mencionar,
lo que destaco en lo que sigue como mayor novedad es la presencia de la
primera en la relección De potestate civili.

20. Antonio Pelé, “Una aproximación al concepto de dignidad humana,” Universitas:


Revista de filosofía, derecho y política 1 (2004-2005): 9-13.
21. Francisco García Moreno, “El concepto de dignidad como categoría existencial. Un
recorrido del concepto a lo largo de la Historia de la Filosofía,” El Búho. Revista
Electrónica de la Sociedad Andaluza de Filosofía 1 (2003), http://www.aafi.es/elbuho/
buho1/inicio.pdf; Antonio Pele, “La dignidad humana: modelo contemporáneo y
modelos tradicionales,” Revista Brasileira de Direito 11, 2 (2015): 7-17.
22. Ernst Bloch, Derecho natural y dignidad humana (Madrid: Aguilar, 1980 (1961)), XI.
23. Jürgen Habermas, “La idea de dignidad humana y la utopía realista de los derechos
humanos,” Anales de la Cátedra Francisco Suárez 44 (2010): 105-121.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria 965

2. El de dignitate hominis en un escolástico

Sobre la potestad civil fue pronunciada en la Navidad de 1528. La


relección comienza con una introducción en la que Vitoria defiende la
legitimidad del teólogo para ocuparse de cualquier asunto: “El oficio del
teólogo es tan vasto, que ningún argumento, ninguna disputa, ninguna
materia, parecen ajenos a su profesión”24. Esta noción omnicomprensiva
de la tarea teológica constituye en sí misma una llamada de atención sobre
el carácter universalista que el catedrático quiso dar a sus conferencias.
Sobrepasa de salida la concepción más concreta y precisa que desarrolla
en sus lecturas sobre la Prima Pars de la Suma Teológica del curso 1539-
1540, donde a la teología se asigna la tarea de comprender la Sagrada
Escritura y las mismas aportaciones de los que la interpretan25, pero viene
a coincidir con lo dicho en enero de 1539 en la relección De indis acerca
de las cosas del Nuevo Mundo: “no sé con certeza que hayan sido llamados
para discutir y definir este asunto teólogos que pudieran dignamente ser
oídos sobre materia de tanta monta”26.
Que Vitoria mantuviera una concepción de la teología mucho más
tradicional en sus lecciones que en sus relecciones dice mucho del carácter
innovador que estas van a tener desde su inicio. Por lo demás, esta reivin-
dicación de la amplitud de miras de la teología para dar cuenta de cual-
quier aspecto de la realidad, cobra su pleno sentido cuando el catedrático
anuncia que, en el inmenso campo de problemas que se le ofrecen, su
disertación estudiará “el poder público y privado, por el que las repúblicas
se gobiernan”27. Vitoria tiene que justificar su tratamiento de este asunto
porque era consciente de que se trataba no sólo de una cuestión relevante,
a la que nunca faltaba actualidad, sino de un tema filosófico-político más
propio en principio de letrados y humanistas que de teólogos. Quizá sea
en esta pretensión donde se deba encontrar la razón de abordar el asunto
desde el tópico de la dignidad del hombre, aunque Vitoria exaltará –de una

24. Vitoria, De potestate civili, 150.


25. Francisco de Vitoria, Comentarios a la prima pars, cuestiones 1 y 2. Ed. de J. M.
Conderana Cerrillo y R. M. Herrera García (Pamplona: Eunsa, 2018), 54-75; Simona
Langella, “‘Apuntes’ sobre el concepto de teología en Francisco de Vitoria,” Cuadernos
salmantinos de filosofía 30 (2003): 277-290, y “El estatuto epistemológico de la teología
y de la filosofía en Francisco de Vitoria,” Helmantica: Revista de filología clásica y
hebrea 65, 192 (2013): 343-358.
26. Francisco de Vitoria, Relectio de indis. Edición de L. Pereña et alt. (Madrid: CHP-CSIC,
1967), 11.
27. Vitoria, De potestate civili, 151.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
966 Francisco Castilla Urbano

manera que tampoco era extraña en esa literatura– que por muy grande
que sea su excelencia nada vale en soledad28.
Tres eran, por lo tanto, las novedades que aportaba el dominico en
su relección: su cuidadosa escritura, la pretensión del teólogo de poder
desenvolverse en cualquier campo del saber y la trascendencia del tema
escogido para exponer. Habría que añadir también que el catedrático fue
consciente en todo momento de que se dirigía a un público más hetero-
géneo y amplio que el que asistía a sus lecciones29, por lo que preparaba
sus introducciones, como en la De potestate civili, con la clara finalidad
de situar a sus oyentes en el contexto más favorable para su correcto
entendimiento. Desde esta perspectiva, en la que va implícito un esfuerzo
por atraer con cierta habilidad retórica a su auditorio, algo a lo que no
necesitaba recurrir en igual medida en sus lecciones, debe verse la apro-
ximación vitoriana a la reflexión de dignitate hominis. Esta comienza afir-
mando que “todo poder público o privado por el cual se administra la
república secular, no sólo es justo y legítimo, sino que tiene a Dios por
autor de tal suerte, que ni por el consentimiento de todo el mundo se puede
suprimir”30. Para justificar esta afirmación, que constituye la primera de
las tres conclusiones de su relección, se embarca Vitoria en un análisis
en el que va a hacer un uso abundante de fuentes clásicas, patrísticas y,
en menor medida, bíblicas, muy en la línea humanista. Su contenido se
puede dividir en tres partes: la estructura del universo, la suficiencia de la
vida animal y la indigencia de la humana que, no obstante, se eleva por
encima de cualquier otra.
El desarrollo de la primera parte conduce a Vitoria a plantearse la
causa de los fenómenos naturales. Su investigación le llevará a enfrentar
una explicación atomista de la realidad a la explicación aristotélica de las
cuatro causas; de estas, la causa final es la primera y principal, y a ella
acude para evitar lo que considera errores en los que cayeron Epicuro
y Lucrecio. Al recordar el finalismo aristotélico tal y como se expresa en
la Física31, Vitoria quería señalar que estos desconocieron u olvidaron
que todo lo que hay en el universo “existe por algún fin y, por lo tanto,

28. Ibid., 155-156.


29. José Carlos Martín de la Hoz, “Las relecciones teológicas en la Universidad de
Salamanca, siglo XVI,” Archivo Dominicano: Anuario 14 (1993):  155, 189 y 192;
Antonio Rehbein Pesce, “La relección teológica, su aporte a la renovación de la teología
hispana del siglo XVI,” Teología y Vida 36 (1995): 345.
30. Vitoria, De potestate civili, 151.
31. Aristóteles, Física. Ed. Guillermo R. de Echandía (Madrid: Gredos, 1995), 199a6.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria 967

todo es menester que haya sido hecho por algún fin, en el que hay que
buscar su razón de ser y su necesidad”32. Así, pues, la necesidad en las
obras de la naturaleza no se sitúa en el azar de un movimiento que genera
y corrompe cuanto existe, sino en la teleología que explica su utilidad
última. El maestro salmantino corrobora su concepción recurriendo a
argumentos tomados de la obra del Estagirita para mostrar la existencia
de esta finalidad33, pero los lleva más allá al atribuir a los filósofos materia-
listas ejemplos tan desafortunados que convierte en un absurdo cualquier
intento de fundamentar en la materia la necesidad de las cosas:

Y si los hombres tienen los pies debajo del cuerpo no es para andar con
ellos, sino porque son la parte más pesada.
Los animales tienen los huesos revestidos no porque así sea necesario
para que la carne y demás partes del cuerpo tengan estabilidad, sino
porque los huesos son más duros y sólidos34.

La conclusión de Vitoria al desechar la explicación de filósofos tan


errados no puede sorprender. Pero el dominico no se conforma con señalar
que “con esos sistemas de filosofar, no podían explicar aun con artificio la
fábrica de las mayores y mejores creaciones”35. Su crítica gnoseológica
es solo el inicio de su ataque a una concepción que niega la providencia
divina al querer sustituir con la casualidad la existencia y necesidad de
Dios mismo. Por ello, no se encamina solo a la refutación de los dos filó-
sofos, Epicuro y Lucrecio, a los que se atribuyen tales explicaciones, sino
que es, sobre todo, una reivindicación de la obra de Dios en un universo
que amenaza con prescindir de su intervención. En este sentido, se mani-
fiesta con mayor coherencia la tarea del teólogo: lo que se está criticando
es una forma de ateísmo característica del siglo XVI, ateísmo que se
expresa no tanto en la forma de negación manifiesta de la existencia de
Dios propia del racionalismo posterior, como mediante su ausencia en la

32. Vitoria, De potestate civili, 154.


33. Aristóteles, Física, 200a1: “Algunos creen que lo que es por necesidad reside en la
generación, como si pensaran que el muro ha sido hecho por necesidad porque lo
pesado se desplaza naturalmente hacia abajo y lo ligero hacia arriba, esto es, porque
las piedras y los cimientos se ponen abajo, encima los ladrillos por ser más ligeros, y
en lo más alto las maderas por ser todavía más ligeras. Sin embargo, aunque el muro
no pueda ser hecho sin esas cosas, no fue hecho por causa de ellas (excepto como
materia), sino para proteger y preservar ciertas cosas”.
34. Vitoria, De potestate civili, 152.
35. Ibid., 152: “certe optimarum maximarumque rerum fabricam artificio, philosophandi
ratione nullo modo expedire possent”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
968 Francisco Castilla Urbano

creación y explicación del orden cósmico. La defensa de la fe contra este


ateísmo “incluye una defensa de la condición humana y de su dignidad y
excelencia”36, que es la que Vitoria lleva a cabo en la primera parte de su
relección.
Para establecer de manera definitiva la existencia de un universo
sometido al orden que le ha impuesto Dios, recurre el catedrático
salmantino al De natura deorum de Cicerón y al De opificio Dei de
Lactancio. Este, que ya había inspirado las defensas de la dignidad del
hombre en el humanismo italiano, era considerado en esa tradición un
Cicerón cristiano, capaz de conciliar el texto del Génesis con la antropo-
logía estoica y las aportaciones del mismo Cicerón37. Su rechazo radical
de la filosofía de Epicuro y Lucrecio38 va a dirigir la crítica de Vitoria,
que del De natura deorum aprovecha igualmente sus argumentos contra
los epicúreos y también la excelencia de su escritura, tan admirada en
el Renacimiento. Ambos, Cicerón y Lactancio, representan el antece-
dente clásico y patrístico, respectivamente, en el tratamiento del tema del
hombre y su dignidad, que en este período va a recibir una atención más
persistente, exclusiva y sistemática39. Que esa insistencia no es exclusi-
vamente humanista, lo demuestra su presencia en Vitoria. El dominico
va a reproducir en gran parte, imitando el tono pretendidamente lírico
utilizado por Cicerón40, el elogio de la belleza de lo creado por la divina
providencia41:

36. María José Vega, “La biblioteca del ateo en el Quinientos,” in Letras humanas y
conflictos del saber: la filología como instrumento a través de las edades, ed. A. Vian y C.
Baranda (Madrid: IUMP- Editorial Complutense, 2008), 301.
37. María José Vega, “Erasmo y la dignidad del hombre,” in La dignidad y la miseria del
hombre en el pensamiento europeo. Actas del Congreso internacional de Madrid, 20 a
22 de mayo de 2004 (Roma: Salerno Ed., 2006), 219.
38. Enrique Otón Sobrino, “Epicuro y Lucrecio en la polémica de Tertuliano y Lactancio,”
Helmantica: Revista de filología clásica y hebrea 40, 121-123 (1989): 143-158.
39. Kristeller, El pensamiento renacentista y sus fuentes, 232.
40. Ángel Escobar, nota a su edición de Cicerón, Sobre la naturaleza de los dioses (Madrid:
Gredos, 1999), 237; Martín de la Hoz, “Las relecciones teológicas en la Universidad
de Salamanca, siglo XVI,” 152, 156 y 191, alude al latín de corte ciceroniano, por
ampuloso o grandilocuente, de los prólogos de las relecciones.
41. Cicerón, Sobre la naturaleza de los dioses, II, 39, 98: “Ha de divisarse, en primer lugar,
la totalidad de la tierra, colocada en el centro del mundo, sólida, en forma de globo e
hinchada en todas las direcciones en virtud de sus propias tensiones internas, revestida
de flores, hierbas, árboles y mieses, de cuanto cabe distinguir una increíble cantidad
y una variedad insaciable. Añade a esto la gélida perennidad de las fuentes, el líquido
perlúcido de los arroyos, el tan reverdecido manto de las orillas”; para la alusión al ser
humano: ibídem, 54, 133: “Y se entenderá más fácilmente que los dioses inmortales

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria 969

¿Qué explicación me van a dar, para que yo no indague la variedad con


que está compuesta la tierra, colocada en medio del mundo, sólida,
globular, por todos los lados redondeada, vestida de flores, de hierbas,
de árboles? ¿Cómo no tratar de averiguar dónde tienen el nacimiento
los helados manantiales, dónde las cristalinas aguas, dónde los verdes
vestidos de la ribera, dónde, en fin, la composición maravillosa de las
partes y miembros del hombre fijos a una materia señalada?42.

La última parte de este texto enlaza con la siguiente43 para justificar


la excepcionalidad de la figura humana, a la que los dioses, según el De
natura deorum, otorgaron la capacidad de mirar a su propia morada44.
Cicerón, por tanto, debidamente acompañado esta vez por Lactancio45,
que cita expresamente un texto análogo de Ovidio46, constituyen la parte
de un arsenal de referencias47 con el que Vitoria podía enseñar a su público
su familiaridad con los tópicos de un tema lleno a su vez de tópicos. La
originalidad quedaba en un segundo plano frente a la reafirmación de la
privilegiada posición del hombre entre el resto de las criaturas. De esta
forma, en un universo sobre el que se reafirmaba la creación divina, podía
Vitoria mostrar que el ser humano era, a su vez, lo mejor de esta. A través
del tema de la dignidad del ser humano, Dios y el ser hecho a su imagen y
semejanza se acercaban, hasta hacer del mismo un producto que gracias

han sido provisores para con los hombres, si se examina la estructura del hombre en
su totalidad y la perfecta figura que ofrece el conjunto de la naturaleza humana”.
42. Vitoria, De potestate civili, 153.
43. Ibid., 153: “¿Cuál puede ser la fuerza de la materia que entre los animales dio al
hombre el mirar levantado, mandándole que mirase hacia el cielo y que contemplase
los astros?”.
44. Cicerón, Sobre la naturaleza de los dioses, II, 56, 140: “La divinidad estableció en primer
lugar que, levantándose de la tierra, fueran altos y estuvieran erguidos, de modo que,
mirando al cielo, pudieran adquirir conocimiento de los dioses. Y es que los hombres
no han surgido de la tierra para ser sus pobladores y habitantes, sino casi para ser
espectadores de los fenómenos celestes que se producen allá arriba, cuyo espectáculo
no corresponde a ningún otro tipo de seres vivos”.
45. Lactancio, Instituciones divinas. Libros I-III. Ed. de E. Sánchez Salor (Madrid: Gredos,
1990), II, 1, 15: “nuestro padre, ése que es único y solo, al crear al hombre, es decir, al
animal inteligente y racional, le levantó de la tierra para que, erguido, contemplara a
su creador”.
46. Metamorfosis, I, 84: “Mientras que los demás animales miran inclinados hacia la tierra,
al hombre le dio un rostro elevado, le ordenó mirar hacia el cielo y levantar su cara
erguida hacia las estrellas”.
47. C. A. Patrides, “Renaissance Ideas on Man’s Upright Form,” Journal of the History of
Ideas 19, 2 (1958): 256-258, referencia que tomo de Rico, El sueño del humanismo. De
Petrarca a Erasmo, 174.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
970 Francisco Castilla Urbano

a las cualidades con las que lo había dotado la divinidad podía llegar si no
a ser todo, como Pico había señalado, sí a pensar sobre todo y compar-
tirlo con sus semejantes en una vida donde la convivencia organizada se
ofrecía como el más elevado ideal.
Tras volverse de nuevo a Lactancio, aunque esta vez a través de su De
opificio Dei48, para mostrar las ridículas consecuencias a las que llevarían
las explicaciones de “la necia doctrina de Epicuro y de su discípulo
Lucrecio”49 en relación con los humanos y los animales, tocaba ahora el
turno de su refutación. Para lograr esta, el dominico, en estricta cohe-
rencia con el aristotelismo que profesaba, recurrió de nuevo a la existencia
de una causa final para todo cuanto existe, que sería causa de su razón de
ser y necesidad. Aquí apela de nuevo a la providencia divina, aunque esta
vez su intervención no se deja sentir en el cosmos, sino que se utiliza para
fundamentar las diferencias entre animales y humanos. Si poco antes
se ha ensalzado la figura de estos por su capacidad para contemplar los
cielos, ahora esta superioridad se localiza en su razón, sabiduría y palabra,
atributos que compensan las defensas naturales con las que la naturaleza
dotó a los animales. Las tres vienen a exaltar la excelencia del ser humano
frente a los animales, que carecen de ellas. Suponen, pues, el triunfo de la
cultura sobre la naturaleza, a la vez que establecen la verdadera esencia
humana, consistente en pensar, conocer y hablar. Las tres, por otra parte,
son instrumentos para la acción, lo que quiere decir que, a diferencia de la
dotación de los animales, fija y de una versatilidad limitada, están dadas
como posibilidades que no solo necesitan de su desarrollo, de su uso y
ampliación constante, sino que los exigen. Así, pues, al poner el énfasis en
estas tres capacidades lo que se subraya es que el ser del hombre se mani-
fiesta haciéndose y que está en constante renovación, porque ninguna de
esas capacidades se agota ni se conforma con alcanzar un objetivo, sino
que aspiran constantemente a su perfeccionamiento50.
Por tanto, la noción de dignidad de este discurso de Vitoria se
estructura conforme a un desarrollo que es más que conocido en el

48. Véanse las numerosas referencias de la edición de A. Pagden y J. Lawrance, Francisco


de Vitoria, Political Writings (Cambridge University Press, 1991), 5-8.
49. Vitoria, De potestate civili, 153: “En ella se establece que los ojos no han sido destinados
para ver ni los oídos para oír, sino que todo es casual y ocurre merced al gratuito v
múltiple concurso de los átomos que pululan por el vacío infinito. No puede decirse
ni concebirse nada más necio ni es fácil dar con otro error que nos sintamos tan
inclinados a refutar”.
50. E. Cassirer, Individuo y cosmos en la filosofía del Renacimiento (Buenos Aires: Emecé,
1951), 113 y ss.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria 971

Renacimiento, pero que no expresa ni fundamenta derecho humano


alguno, sino que, en línea con una antropología filosófica característica de
ese momento, aunque más presente en los discursos humanistas que en los
tratados escolásticos, se utiliza para distinguir la naturaleza humana de la
de cualquier otro ser. Lo hace, además, de una manera optimista, desta-
cando la libertad y las posibilidades de pensar cualquier cosa y alcanzar
con ello múltiples objetivos. En última instancia, lo que tienen en común
estas cualidades que el dominico destaca en el ser humano es su perma-
nente actuar y por eso construyen una naturaleza dinámica, libre de deter-
minarse a sí misma como considere más oportuno. Una naturaleza cuyo
rasgo más peculiar consiste en hacer, en volcarse sobre el mundo a través
de lo que son sus características más específicas: la razón, que mediante el
pensamiento eleva a las personas sobre los animales; el saber, que a través
de sus diversos conocimientos, les permite dominar sobre los individuos
de cualquier otra especie; y la palabra, con la que los seres humanos cons-
truyen la convivencia en sociedades que mediante la amistad y la justicia
se diferencian absolutamente de cualquier conjunto de animales que
puedan presentarse unidos51. Si alguna forma de perfección le está dada al
ser humano, necesariamente ha de proceder de lo que hace con su razón,
sabiduría y palabra.
Pero, a la vez que destaca lo que con esas cualidades dinámicas
el hombre hace, el discurso sobre la dignidad del ser humano destaca
también que se hace a sí mismo. Esto significa que la razón, la sabiduría
y la palabra hacen al hombre, que no sería nada sin ellas, mientras que lo
definen como un ser que no encuentra límite alguno en su constitución.
El ser del hombre lo eleva sobre cualquier otra criatura porque ninguna
es capaz de desarrollar su propio ser permanentemente, impidiendo que
pueda considerarse acabado.
Vitoria no recurre a la más tradicional (y quizá de mayor uso esco-
lástico) distinción entre cuerpo y alma, sino que se mantiene dentro de lo
que reclama su discurso sobre la dignidad del hombre para contraponer
de manera muy efectiva la rica y diversa dotación externa de los animales
(“cubiertas y vestidos”; “armas naturales” para atacar o huir; “plumas”,
“uñas” o “cuernos” para volar o defenderse en el suelo), frente a las capaci-
dades interiores de los seres humanos; pero, al mismo tiempo, profundiza

51. J.-C. Margolin, “La notion de dignité humaine selon Erasme de Rotterdam,” in
Humanism and reform: The Church in Europe, England, and Scotland, 1400-1643.
Essays in honour of James K. Cameron, ed. J. Kirk (Oxford: Ecclesiastical History
Society - Blackwell Publishers, 1991), 37.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
972 Francisco Castilla Urbano

en esa interioridad para extremar el contraste entre sus atributos más


esenciales y las flaquezas humanas en relación al mundo material: “Sólo
al hombre, concediéndole la razón y la virtud, dejó frágil, débil, pobre,
enfermo, destituido de todos los auxilios, indigente, desnudo e implume,
como arrojado de un naufragio”52. El resultado final conduce a una
paradoja: los animales, a pesar de su falta de racionalidad, están dotados
de suficientes defensas para salir adelante por sí mismos, mientras que el
hombre, incluso con su superioridad intelectual y moral, aparece como un
ser desvalido por las muchas desdichas que ha de afrontar desde su naci-
miento. Ese desamparo, sin embargo, le dota de mayor grandeza y exalta –
todavía más si cabe– el excepcional mérito que posee el ser humano al ser
capaz de sobreponerse a todos los condicionamientos que le impiden ser
sabio y virtuoso.

3. De la miseria de la condición humana a la sociedad

La paradoja viene a indicar un cambio de rumbo en la argumentación


vitoriana. La mención de la Biblia53, para subrayar la brevedad y tristeza de
la vida humana, y de Lucrecio, para afirmar que solo cabe “dejar pasar los
males”54, va a abrir paso a un uso abundante de Aristóteles. De su mano,
el maestro salmantino no va a abandonar la reflexión de dignitate hominis,
pero la va a conducir hacia su papel y función en la sociedad. La situación
de indigencia del ser humano no se va a solucionar con un discurso sobre
su figura o sobre sus saberes, ni aludiendo al hombre como un proyecto
que lo mismo puede caer en la bestialidad que alcanzar la divinidad,

52. Vitoria, De potestate civili, 154; no está de más recordar aquí el texto de Santo Tomás,
De regimine principum, I, 1, que señala en su edición de Vitoria, Relectio de Potestate
Civili (Madrid: CSIC, 2008), 16, Jesús Cordero Pando: “Le es natural al hombre –más
que a todos los demás animales- ser animal social y político, y vivir en colectividades.
Esto se pone de manifiesto por la necesidad natural. En efecto, a los restantes animales
la naturaleza les proporciona el alimento y el vestido del pelo que les cubre. Asimismo,
les dota de defensas, como son los dientes, cuernos y uñas y, al menos, la velocidad
para huir. Por el contrario, el hombre ha sido formado sin que la naturaleza le dotase
de ninguno de estos medios; en lugar de todos ellos, a él le ha sido dada la razón,
mediante la cual será capaz de dotarse a sí mismo de todos ellos con el trabajo de sus
manos. Pero para proporcionarse todo esto un hombre aislado no se basta”.
53. Job, 14, 1: “El hombre, nacido de mujer, corto es de días y harto de miserias”.
54. Lucrecio, De rerum natura. Introducción de Agustín García Calvo. Traducción del
Abate Marchena. Notas de Domingo Plácido (Madrid: Orbis, 1984), V, 227.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria 973

como era más habitual en el discurso humanista55, sino que todos ellos
se insertan en la comunidad para dar a esta lo mejor de sí56. A partir de
este momento, la sociedad se convierte en el núcleo de su pensamiento y,
aunque ya se ha dicho que la preocupación por la persona no desaparece
de la relección, su consideración va a girar en torno a su relación con el
resto de miembros de la sociedad y sus estructuras de poder, que, aunque
pueden ser de distinto tipo, encontrarán en la relección su perfecta justi-
ficación.
Para superar su fragilidad y hacer frente a sus necesidades los seres
humanos necesitan, pues, vivir en sociedad y ayudarse mutuamente.
De esta forma se desarrolla el entendimiento, lo que resulta imposible
en soledad. También aquí poseen los animales ventaja sobre los seres
humanos; mientras aquellos pueden llegar a alcanzar por sí solos cuanto
precisan para salir adelante, los humanos carecen de esa capacidad. Es
muy significativo que Vitoria reivindique de nuevo, en la mejor tradición
de la dignitas hominis, el valor de la palabra, que eleva al hombre sobre
los animales a la vez que es condición de la vida política, para inmedia-
tamente dejar de lado el tópico al advertir que esa misma palabra care-
cería de valor “si estuviera en soledad”57. La naturaleza social del hombre
señalada por Aristóteles al inicio de la Política58 se constituye en el funda-
mento que acaba con la hipótesis del aislamiento. Ya no solo la palabra
sino la justicia y la amistad mismas, que forman parte de la vida humana,
son elementos que configuran la existencia de las sociedades y que care-
cerían de sentido para seres de existencia solitaria. La argumentación
vitoriana no es extraña a la tradición sobre la dignidad del hombre y es
fácil, sin alejarse mucho, encontrar su paralelo en el Diálogo de su colega
salmantino Pérez de Oliva:

Si bien consideras, hallarás que estas necesidades son las que ayuntan
a los hombres a bivir en comunidad, de donde cuánto bien nos venga,

55. Rico, El sueño del humanismo. De Petrarca a Erasmo, 183.


56. Enrique Rivera de Ventosa, “El hombre, imagen de Dios: de metáfora teológica
a respaldo de los derechos humanos, según Francisco de Vitoria,” in Actas del IV
Congreso Internacional de la S.I.T.A., 4. Comunicaciones, coord. Abelardo Lobato,
1999, 1936: “Proveer a las múltiples indigencias humanas y contribuir al desarrollo
de las posibilidades latentes en el hombre es la gran misión de la acción política para
Vitoria”.
57. Vitoria, De potestate civili, 155.
58. Aristóteles, Política. Edición de Manuela García Valdés (Madrid: Gredos, 1988), I, 2,
1253a5.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
974 Francisco Castilla Urbano

y cuánto deleite, tú lo vees, pues que de aquí nascen las amistades de


los hombres y suaves conversaciones; de aquí viene que unos a otros se
enseñen, y los cuidados de cada uno aprovechen para todos. Y si nuestra
natural necesidad no nos ayuntara en los pueblos, tú vieras cuáles andu-
vieran los hombres: solitarios, sin cuidado, sin doctrina, sin exercicios de
virtud, y poco diferentes de los brutos animales; y la parte divina, que es
el entendimiento, fuera como perdida, no teniendo en qué ocuparse. Así
que lo que nos paresce falta de naturaleza, no es sino guía que nos lleva
a hallar nuestra perfección59.

Vitoria avanza en su fundamentación de la sociedad civil a base de


citas bíblicas y de Aristóteles, el De amicitia y De re publica de Cicerón,
abandonando el De natura deorum que hasta ahora había sido un recurso
frecuente, y San Agustín, aunque probablemente son muchos más los
autores en los que encuentra inspiración60. Lo importante es que va a
situar la sociedad civil como el lugar donde la comunicación y la colabo-
ración entre las personas permiten una convivencia de la que todos salen
beneficiados. Es decir, la excelencia del hombre, el desarrollo pleno de su
vida moral e intelectual, se alcanza con la vida social. El individualismo
renacentista tan exaltado por los humanistas se troca comunitarismo en
la visión del escolástico. Esta sociedad, por otra parte, se ofrece como una
institución mucho más capaz de garantizar la seguridad y la justicia entre
sus miembros que la familia, por mucho que sea posible imaginar en esta
una ayuda mutua entre quienes la componen que no es fácil alcanzar en
la comunidad.
Recordar a su auditorio la naturalidad de la vida social era solo el
primer paso de Vitoria para justificar la constitución de estructuras de
poder en las comunidades: “si para guarda de los mortales son necesarias
las congregaciones y asociaciones de hombres, ninguna sociedad puede
persistir sin alguna fuerza y potestad que gobierne y provea. La misma
es, pues, la utilidad y el uso del poder público que el de la comunidad
y sociedad”61. Los gobiernos y las jerarquías sociales no eran por tanto
un añadido a la sociedad de difícil justificación, sino una necesidad de
estas que se insertaba en su misma naturaleza y que resultaba tan impres-

59. Pérez de Oliva, Diálogo de la dignidad del hombre; Razonamientos; Ejercicios, 151.
60. La citada edición de J. Cordero Pando, Francisco de Vitoria, Relectio de Potestate
Civili, señala los paralelismos entre lo dicho por Vitoria y el De regimine principum de
Tomás de Aquino; véanse, asimismo las notas de la edición de A. Pagden y J. Lawrance,
Francisco de Vitoria, Political Writings.
61. Vitoria, De potestate civili, 157.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria 975

cindible para su supervivencia como la colaboración social en la que se


asentaba. Aunque no lo citaba expresamente, Vitoria no podía olvidar
que Aristóteles había advertido sobre la necesidad de que los integrantes
de la ciudad fueran diferentes62, y eso afectaba tanto a las tareas e inte-
reses de sus miembros, que debían permitir una complementariedad de
la que todos se beneficiasen, como a su dedicación específica, ocupándose
algunos de ellos de los intereses generales. Vitoria recurre a la analogía
organicista para mostrar tanto esa complementariedad de los individuos
para beneficio de la totalidad, como miembros del organismo social, como
la utilidad y necesidad de su estructuración, estableciendo una dirección
que vele por el bien común:

Así como el cuerpo del hombre no se puede conservar en su integridad


si no hubiera alguna fuerza ordenadora que compusiese a todos los
miembros, los unos en provecho de los otros y, sobre todo, en provecho
del hombre entero, así ocurriría en la ciudad si cada uno estuviese
solícito de sus propias utilidades y todos descuidasen el bien público63.

El dominico volverá a esta comparación más adelante, cuando está


hablando de la posibilidad de que toda la cristiandad, a través del acuerdo
entre la mayoría de sus miembros, elija un monarca que permita una
defensa más eficaz frente a los enemigos64. La analogía, por tanto, sirve
tanto para describir la sociedad como para animar a la construcción de
un organismo supranacional, aunque esta segunda posibilidad no acabó
de hacerse realidad.
Una vez explicada la causa final y principal de la potestad civil, lo que
sigue por parte del dominico es la exposición del resto de causas que la
justifican. En ninguna de ellas va a prescindir de los supuestos sociables
de los seres humanos y de la naturalidad de las instituciones y poderes que
velan por ellos. Así, la causa eficiente del poder civil se explica a partir del
carácter natural por el que están constituidas las sociedades, que exige por
derecho natural el establecimiento de unas potestades sin las cuales no
serían posibles las mismas repúblicas. En la causa material, Dios, como
creador del derecho natural, justifica la existencia del poder público, que
reside en la misma república, y que debe ejercerlo buscando el bien común.

62. Aristóteles, Política, 1261a30: “Y no sólo la ciudad está compuesta de una pluralidad
de hombres, sino que también difieren de modo específico. Una ciudad no resulta de
individuos semejantes”.
63. Vitoria, De potestate civili, 157.
64. Ibid., 180.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
976 Francisco Castilla Urbano

La república, no obstante, ejerce ese poder a través de los gober-


nantes, que pueden ser de distinto tipo según el régimen de gobierno por
el que haya optado cada sociedad. No hay en Vitoria complejo alguno a
la hora de decantarse por el régimen monárquico, frente a tantos autores
de su tiempo como tendían a preferir, guiados por el prestigio y la pros-
peridad de muchas ciudades italianas contemporáneas65 o antiguas66, la
forma de gobierno republicana. En defensa de esta legitimidad, se va a
embarcar el dominico en una detallada comparación entre ambos regí-
menes. Sorprende que, cuando no habían pasado ni siete años desde la
derrota de Villalar y el eco de la derrota de las Comunidades castellanas no
podía dejar de estar presente en una ciudad como Salamanca y entre sus
mismos hermanos de Orden, muchos de los cuales habían simpatizado
con el movimiento67, se manifieste tan duramente contra quienes podían
ser identificados con aquellos: “no es de maravillar que los hombres
facciosos, corrompidos por la soberbia y ambición, muevan sediciones
contra los príncipes”68. No obstante, las razones a las que apelaba Vitoria
en su argumentación eran bastante tradicionales y probablemente tenían
más que ver con la situación de las ciudades italianas que con ninguna
experiencia hispana: los regímenes republicanos estaban con frecuencia
inmersos en luchas de bandos que mantenían enfrentamientos perma-
nentes. Al mencionarlo, Vitoria reivindicaba el orden que habitualmente
se asociaba a la monarquía, rechazando a su vez que en esta se carezca
de la misma libertad que existe en las repúblicas69. En cualquier caso,
el dominico introducía al finalizar el tratamiento del mejor régimen de
gobierno, una mención, que no está presente en todos los manuscritos de
las relecciones70, sobre la mayor seguridad del régimen mixto, esto es, el

65. José Antonio Maravall, Las Comunidades de Castilla. Una primera revolución moderna
(Madrid: Alianza, 1984 (1963)), 155-157.
66. Alonso de Castrillo, Tractado de Republica (Madrid: IEP, 1958 (1521)), 123-146.
67. Máximo Diago Hernando, “El factor religioso en el conflicto de las comunidades de
Castilla (1520-1521). El papel del clero,” Hispania Sacra LIX, 119 (2007): 85-140;
G. Nieva Ocampo, “Frailes revoltosos: corrección y disciplinamiento social de los
dominicos de Castilla en la primera mitad del siglo XVI,” Hispania. Revista Española
de Historia LXXI, 237 (2011) : 39-64; sobre sus antecedentes: Joseph Pérez, “Moines
frondeurs et sermons subversifs en Castille pendant le premier séjour de Charles-Quint
en Espagne,” Bulletin Hispanique 67, 1-2 (1965): 5-24.
68. Vitoria, De potestate civili, 161.
69. Ibid., 166.
70. Cordero Pando, en su edición citada, 42, nota 76, atribuye su desaparición del manuscrito
de Valencia, fechado en 1554, al rumbo tomado por la política hispana para esa fecha,
con el absolutismo desplazando definitivamente las viejas tradiciones castellanas.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria 977

formado con elementos de la monarquía, la aristocracia y la timocracia,


como el propio de los españoles71, que parece expresar simpatías por una
monarquía no absoluta. Vitoria, desde luego, no se puede contar entre
los que se rindieron “al encanto de la idea imperial”72, pero tampoco es
fácil situar su pensamiento en oposición a la misma. En la De potestate
civili, propone “para la defensa y propagación de la religión cristiana” la
elección de un monarca por parte de la mayor parte de los cristianos73.
Esta hipótesis parece encaminada a hacer frente al peligro turco limi-
tando los conflictos entre príncipes europeos, que claramente causaban
perjuicios a la cristiandad. Las luchas entre los monarcas cristianos serían
ilícitas porque solo beneficiaban a los enemigos de aquella. Para evitar tal
irresponsabilidad, ese monarca elegido por la mayoría de los cristianos
estaría por encima de los príncipes que rigen los reinos particulares y se
ocuparía de garantizar su convivencia. Tal propuesta significaba que no
tenía excesiva confianza (o ninguna) en el cargo de Emperador de Carlos V,
que podría perfectamente realizar tal función. No sabemos si esa distancia
era fruto de una valoración estratégica (no todos los príncipes estarían
dispuestos a reconocer al Emperador existente esa primacía) o era, simple-
mente, parte de la resistencia castellana al ejercicio de una tarea que solo
suponía cargas para Castilla. Fuera el caso que fuera, viendo la trayectoria
intelectual de Vitoria, con su crítica de los que provocan disturbios dentro
de la comunidad con su resistencia a las autoridades y su propuesta de
mantenimiento del poder regio en las Indias74, tampoco es fácil situarlo en
oposición a la monarquía de los Habsburgo.
La parte final de la relección Sobre la potestad civil introduce la
discusión de una serie de temas que vienen a completar desde distintas
perspectivas el análisis del gobierno de la comunidad que Vitoria aborda
desde su inicio. Se trata de cuestiones como la obligación en conciencia
de las leyes; los tipos de leyes, su parecido y diferencia; su relación con los
monarcas; el derecho de gentes; la capacidad del tirano y de los mismos
padres y maridos sobre sus hijos y mujeres. En todos los casos, Vitoria se

71. Vitoria, De potestate civili, 167: “Verum est autem quod tutissimus principatus et
administratio videtur esse mixtus ex tribus, qualis videtur esse hispaniorum”.
72. José Antonio Fernández Santamaría, El estado, la guerra y la paz. El pensamiento
político español en el Renacimiento, 1516-1559 (Madrid: Akal, 1988 (1977)), 18, ha
aludido a “la rapidez con que Castilla se había rendido al encanto de la idea imperial”.
73. Vitoria, De potestate civili, 180.
74. Vitoria, Relectio de indis, 99: “es evidente que después que se han convertido allí
muchos bárbaros, no sería conveniente ni sería lícito al Rey abandonar por completo
la administración y el gobierno de aquellos territorios”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
978 Francisco Castilla Urbano

esfuerza por definir su papel en relación con esa potestad que ha querido
demostrar que es imposible separar de su concepción del ser humano, de
su sociabilidad y de la propia constitución de la sociedad.
De la comparación con los animales a la constitución de sociedades,
organización del poder y desarrollo de sus exigencias, el discurso sobre
la dignidad del hombre inserto por Vitoria en la relección Sobre el poder
civil, completa así las posibilidades de quien, por sus condiciones y capaci-
dades, define su lugar en el mundo como el escalón superior en la cadena
de los seres creados.

Referencias

Aristóteles. Física. Ed. Guillermo R. de Echandía. Madrid: Gredos, 1995.


Aristóteles. Política. Edición de Manuela García Valdés. Madrid: Gredos, 1988.
Baker, H. The Image of Man. A Study of the Idea of Human Dignity in Classical Antiquity, the Middle
Ages, and the Renaissance. Nueva York: Harper Torchbooks, 1961.
Beltrán de Heredia, Vicente. “Reseña de Francisco de Vitoria. Estudio bibliográfico, por Rubén C.
González, O.P.” La Ciencia Tomista (Homenaje a Vitoria) LXXII (1947): 211-216.
Beltrán de Heredia, Vicente. Los manuscritos del maestro fray Francisco de Vitoria, O.P., Madrid-
Valencia: Tipografía Moderna, 1928.
Beuchot, Mauricio. Los fundamentos de los derechos humanos en Bartolomé de las Casas.
Barcelona: Anthropos, 1994.
Bloch, Ernst. Derecho natural y dignidad humana. Madrid: Aguilar, 1980 (1961).
Cassirer, Ernst. Individuo y cosmos en la filosofía del Renacimiento. Buenos Aires: Emecé, 1951.
Castilla Urbano, Francisco. “Francisco de Vitoria, una biografía de sus ideas políticas y religiosas.”
In Humanismo y visión del otro en la España moderna, VV.AA., 13-135. Madrid: CSIC, 1992.
Castilla Urbano, Francisco. “Los derechos humanos y el pensamiento de Francisco de Vitoria.”
Revista de Filosofía 36, 3 (2000): 7-30.
Castilla Urbano, Francisco. “Principales corrientes de conocimiento: escolasticismo,
neoplatonismo y humanismo.” In La Biblia Políglota Complutense en su contexto, coord.
por A. Alvar Ezquerra, 200-212. Alcalá de Henares: Servicio de Publicaciones, 2016.
Castrillo, Alonso de. Tractado de Republica. Madrid: IEP, 1958 (1521).
Cicerón, Sobre la naturaleza de los dioses. Ed. de Ángel Escobar. Madrid: Gredos, 1999.
Diago Hernando, Máximo. “El factor religioso en el conflicto de las comunidades de Castilla
(1520-1521). El papel del clero.” Hispania Sacra LIX, 119 (2007): 85-140.
Fernández Santamaría, José Antonio. El estado, la guerra y la paz. El pensamiento político español
en el Renacimiento, 1516-1559. Madrid: Akal, 1988 (1977).
García Moreno, Francisco. “El concepto de dignidad como categoría existencial. Un recorrido del
concepto a lo largo de la Historia de la Filosofía.” El Búho. Revista Electrónica de la Sociedad
Andaluza de Filosofía, 1 (2003). http://www.aafi.es/elbuho/buho1/inicio.pdf.
Habermas, Jürgen. “La idea de dignidad humana y la utopía realista de los derechos humanos.”
Anales de la Cátedra Francisco Suárez 44 (2010): 105-121.
Hernández Martín, Ramón. “Francisco de Vitoria y Bartolomé de las Casas, primeros teorizantes

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Otra cara de la dignidad humana en el pensamiento de Francisco de Vitoria 979

de los derechos humanos.” Archivo Dominicano: Anuario 4 (1983): 199-266.


Kristeller, Paul O. El pensamiento renacentista y sus fuentes. Madrid: FCE, 1993 (1979).
Lactancio. Instituciones divinas. Libros I-III. Ed. de E. Sánchez Salor. Madrid: Gredos, 1990.
Langella, Simona. “‘Apuntes’ sobre el concepto de teología en Francisco de Vitoria.” Cuadernos
salmantinos de filosofía 30 (2003): 277-290.
Langella, Simona. “El estatuto epistemológico de la teología y de la filosofía en Francisco de
Vitoria.” Helmantica: Revista de filología clásica y hebrea 65, 192 (2013): 343-358.
Liere, Katherine Elliot van. “Humanism and Scholasticism in Sixteenth-Century Academe: Five
Student Orations from the University of Salamanca.” Renaissance Quarterly 53, 1 (2000):
57-107.
Lucrecio. De rerum natura. Introducción de Agustín García Calvo. Traducción del Abate Marchena.
Notas de Domingo Plácido. Madrid: Orbis, 1984.
Maravall, José Antonio. Las Comunidades de Castilla. Una primera revolución moderna. Madrid:
Alianza, 1984 (1963).
Margolin, J.-C. “La notion de dignité humaine selon Erasme de Rotterdam.” In Humanism and
reform: The Church in Europe, England, and Scotland, 1400-1643. Essays in honour of
James K. Cameron, ed. J. Kirk, 37-56. Oxford: Ecclesiastical History Society - Blackwell
Publishers, 1991.
Martín de la Hoz, José Carlos. “Las relecciones teológicas en la Universidad de Salamanca, siglo
XVI.” Archivo Dominicano: Anuario 14 (1993): 149-194.
Martínez Gómez, Luis. “Introducción” a Pico de la Mirandola, De la dignidad del hombre. Madrid:
Editora Nacional, 1984.
Murillo Rubiera, F. América y la dignidad del hombre. Los Derechos del Hombre en la Filosofía de la
Historia de América. Madrid: Mapfre, 1992.
Nieva Ocampo, G. “Frailes revoltosos: corrección y disciplinamiento social de los dominicos de
Castilla en la primera mitad del siglo XVI.” Hispania. Revista Española de Historia LXXI,
237 (2011): 39-64.
Otón Sobrino, Enrique. “Epicuro y Lucrecio en la polémica de Tertuliano y Lactancio.” Helmantica:
Revista de filología clásica y hebrea 40, 121-123 (1989): 133-158.
Patrides, C. A. “Renaissance Ideas on Man’s Upright Form.” Journal of the History of Ideas 19, 2
(1958): 256-258.
Pele, Antonio. “La dignidad humana: modelo contemporáneo y modelos tradicionales.” Revista
Brasileira de Direito 11, 2 (2015): 7-17.
Pelé, Antonio. “Una aproximación al concepto de dignidad humana.” Universitas: Revista de
filosofía, derecho y política 1 (2004-2005): 9-13.
Pele, Antonio. El discurso de la dignitas hominis en el humanismo del Renacimiento. Madrid:
Dykinson, 2012.
Pena González, Miguel Anxo. “Derechos humanos en la Escuela de Salamanca.” In Los Derechos
Humanos en Europa. Coord. por José-Román Flecha Andrés, 51-78. Universidad Pontifica
de Salamanca, 2009.
Pérez de Oliva, Fernán. Diálogo de la dignidad del hombre; Razonamientos; Ejercicios. Ed. de M. L.
Cerrón Puga. Madrid, Cátedra, 1995.
Pérez, Joseph. “Moines frondeurs et sermons subversifs en Castille pendant le premier séjour de
Charles-Quint en Espagne.” Bulletin Hispanique 67, 1-2 (1965): 5-24.
Rehbein Pesce, Antonio. “La relección teológica, su aporte a la renovación de la teología hispana
del siglo XVI.” Teología y Vida 36 (1995): 335-354.
Rico, Francisco. El pequeño mundo del hombre. Madrid: Alianza, 1988.
Rico, Francisco. El sueño del humanismo. De Petrarca a Erasmo. Madrid: Alianza, 1997.
Rivera de Ventosa, Enrique. “Derechos humanos en Francisco de Vitoria: ¿naturales o personales?”
Cuadernos salmantinos de filosofía 20 (1993): 191-203.
Rivera de Ventosa, Enrique. “El hombre, imagen de Dios: de metáfora teológica a respaldo de los

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
980 Francisco Castilla Urbano

derechos humanos, según Francisco de Vitoria.” In Actas del IV Congreso Internacional de la


S.I.T.A., 4. Comunicaciones, coord. por Abelardo Lobato, 1909-1940, 1999.
Rummel, Erika. The Humanist-Scholastic Debate in the Renaissance and Reformation. Harvard
University Press, 1998 (1995).
Spaemann, Robert “Sobre el concepto de dignidad humana.” Persona y derecho. Revista de
fundamentación de las Instituciones Jurídicas y de Derechos Humanos 19 (1988): 13-33.
Vega, María José. “Erasmo y la dignidad del hombre.” In La dignidad y la miseria del hombre en
el pensamiento europeo. Actas del Congreso internacional de Madrid, 20 a 22 de mayo de
2004, 201-237. Roma: Salerno Ed., 2006.
Vega, María José. “La biblioteca del ateo en el Quinientos.” In Letras humanas y conflictos del
saber: la filología como instrumento a través de las edades, ed. por A. Vian y C. Baranda,
261-301. Madrid: IUMP- Editorial Complutense, 2008.
Vega, María José. “La solitaria oscuridad del padre. El Dios de las tinieblas en la Oratio de dignitate
hominis de Pico della Mirandola.” Quaderns d’Italià 6 (2001): 195-200.
Vitoria, Francisco de. Comentarios a la prima pars, cuestiones 1 y 2. Ed. de J. M. Conderana
Cerrillo y R. M. Herrera García. Pamplona: Eunsa, 2018.
Vitoria, Francisco de. Obras. Relecciones teológicas. Edición de T. Urdánoz. Madrid: BAC, 1960.
Vitoria, Francisco de. Political Writings. Edición de A. Pagden y J. Lawrance. Cambridge University
Press, 1991.
Vitoria, Francisco de. Relectio de indis. Edición de L. Pereña et alt. Madrid: CHP-CSIC, 1967.
Vitoria, Francisco de. Relectio de Potestate Civili. Ed. de J. Cordero Pando. Madrid: CSIC, 2008.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 981-1000.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_0981

A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma


(1544-1616) on Distributive Justice and Human Dignity
Between Will and Knowledge *
EMANUELE LACCA**

Abstract
This contribution aims to show the theory of human dignity of Pedro de Ledesma (1544-
1616), as traced in his De esse Dei and Suma Moral. In these two works the Dominican
author, within his life in Salamanca as professor of theology, recognizes human dignity in
the space created by human will and knowledge, when a man act in the world that surrounds
himself. Normed by distributive justice, human dignity according to Ledesma illustrates the
ways in which human beings are preserved in the world and answers to two questions: how
does a human being really say that he is free when he carries out an action and in what way
is this freedom fully ‘free’? Secondly, what guarantees that each individual freedom respects
the freedoms of others and contributes to the creation of a completely free human being?
Keywords: distributive justice, free will, human dignity, knowledge, Pedro de Ledesma.

1. Introduction

T
he discussion on the conduct of life by man during his earthly exis-
tence involves multiple fields of research and proposes an in-depth
analysis of the ways in which he develops his theoretical potential
in practice. Often today, this analysis can be traced back to the fields of
exact sciences, which try to codify human behaviour in the context of
precise biological and psychological laws. This is an attempt to give back
an effective predictive pattern of how men act in the world around them
and among themselves. This type of discourse, although absolutely valid
and incontrovertibly reliable, opens up many questions of a theoretical

* This contribution is part of the outputs of my Czech OP VVV MŠMT project CZ.02.2.69
/0.0/0.0/18_070/0010479 Human Dignity between Anthropology and Metaphysics. Pedro
de Ledesma (1544-1616) and His Contemporaries.
** University of South Bohemia, Czech Republic.
 emanuele.lacca@gmail.com

981-1000

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
982 Emanuele Lacca

nature, which still today have not found a definite and definitive answer:
how science can study human behaviour in its entirety; whether such
behaviours are universally valid; whether it is inherent in mankind to
adopt certain behaviours or whether they are ‘imposed’ from the outside,
i.e. by the environment or by something superior. Science often does not
provide a satisfactory answer to these questions, or perhaps confines itself
to providing a statistical justification, which is applicable in function of
its being ‘theory’, or rebuttable as soon as a counter-example is drawn up.
In this sense, scientific disciplines generally do not go beyond this
type of methodological choice and the questions previously asked are
usually entrusted to the speculation of philosophy, theology and jurispru-
dence. In particular, the discourse on the external imposition of certain
human behaviours is discussed at the intersection of the three disci-
plines in relation to the problem of free will and freedom that every single
human being possesses when he carries out an action. Fundamental moral
theology, for example, taking up the teachings of Thomas Aquinas in
accordance with the Gaudium et Spes constitution of the Second Vatican
Council, codifies this problem by warning against the idea that being free
means having «permission to do anything».1 To recognize true freedom
in man means for him: to possess a very high sign of the divine image;
to have trust from God, who leaves him ‘in the hands of his counsel’; to
master the struggle against all internal and external impediments. To be
free, therefore, means to have no constraints in the will and in the action.
This, however, is always inherent to the relationship between man and
God. For this reason, the fundamental questions are: how does a human
being really say that he is free when he carries out an action and in what
way is this freedom fully ‘free’? Secondly, what guarantees that each indi-
vidual freedom respects the freedoms of others and contributes to the
creation of a completely free human being?
In this regard, history of thought is punctuated by several contri-
butions and many pages have been written to understand what freedom
really is. In my contribution I want to highlight one of these contributions,
represented by the thought of Pedro de Ledesma, Spanish Dominican who
lived between Avila and Salamanca between 1544 and 1616.2 From his

1. See Jean-Luis Bruguès, Corso di Teologia Morale Fondamentale, vol. 6 (Bologna: ESD,
2017), 30. Note to the reader: all the translations, except the Aristotelian ones, are
mine.
2. For a complete bio-bibliographic note on Pedro de Ledesma see Santiago Orrego
Sánchez, Sobre la perfección del acto de ser creado (Barañain: EUNSA, 2001), 7-22 and

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma (1544-1616) on distributive justice 983

corpus, important for our purpose are two of his works. The first one is
the Tractatus de divina perfectione, infinitate et magnitudine, published
in Salamanca in 1596 for the types of Andreas Renaut. Usually cited as
De esse Dei, Ledesma’s treatise is interesting for understanding the onto-
logical status of the human being from the point of view of pure meta-
physics. Then, the two volumes Primera parte de la Suma, en la cual se cifra
y suma todo lo que toca y pertenece a los sacramentos and Segunda parte
de la Suma, en la cual se cifra y suma toda la moral y casos de conciencia
que no pertenecen a los sacramentos, both published in 1598 in Salamanca
under the types of Renaut brothers. Here he analyzes in depth the concept
of freedom and links it to the existing relationship between God and man,
understood as conferent and users of freedom.
The first volume analyzes the sacraments and everything that is
related to them. More precisely, Ledesma divides the text of the first
volume into ten treatises: on the sacrament in general, on baptism, on
confirmation, on Eucharist, on penance, on censorship, on excommuni-
cation, on extreme unction, on priestly ordination, on marriage. In the
second volume, however, he deals with all cases that do not belong to
that scanning. Ledesma analyzes these cases in thirty treatises, namely:
Christian faith, hope, charity, mercy, justice, legal justice, distributive
justice, commutative justice, religion, vote, oath, simony, compassion,
respect, obedience, gratitude, revenge, truth, friendship, liberality, fortress,
magnanimity, magnificence, patience, temperance, abstinence, clemency,
modesty, on the study, on the work of religious men.
In relation to the questions that have just been asked, namely in what
sense of free freedom and in what way society is truly free, Ledesma states
quite clearly that the only effective answer can come from the study of
justice, in its distributive and commutative forms. This is because these
two types of justice are the only ones that, respecting the juridical terms,
cross with theology as regards the relationship between man and God and
with philosophy as regards anthropological-social speculation. Here, even
though the study of commutative justice could be interesting, I believe that
the deepening of distributive justice is more fruitful, since it is that type
of justice which, by definition, deals with the perceived fairness of how
rewards and costs are shared by (or distributed across) group members,
according with the decision of an authority. And if this authority is God

Id., ‘Pedro de Ledesma (Salamanca, s. XVI): contemplación mística de la realidad


creata desde el acto de ser’, Mediaevalia. Textos e Estudos, no. 23 (2004), 381-394.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
984 Emanuele Lacca

or the king, who is sent by God to govern as Thomas Aquinas teaches in


De monarchia, how is the freedom of mankind preserved? The aim of my
contribution will therefore be to understand how this problem is dealt
with, and perhaps solved, by Ledesma. This relates to the question of the
‘being’ of men. In this sense, Ledesma proposes a detailed analysis on man
and argues on the primacy of will or knowledge to perfect himself to the
highest degree. For this reason, I will consider here the twelfth article
of the last question of De esse Dei, titled Utrum intellectus, simpliciter et
absolute loquendo, sit perfectior et altior potentia quam voluntas, and the
seventh treatise of the second volume of his Suma moral, titled De la virtud
de la iusticia distributiva that spread light to the main questions stated at
the beginning of this contribution.

2. Ledesma on the definitions of justice and distributive justice

Leaving aside the analysis of the concept of virtue, which here exceeds
the proposed goal, it should be pointed out that the study of the meaning
of distributive justice is preceded in the seventh treatise of the second
book of the Suma Moral by the definition of what is justice in general. In
this way, it will be easier to determine the path to move later. For him,
«justice is nothing else, but a constant and perpetual will, which gives
each one what he has the right to».3 Justice, therefore, is nothing more
than a constant will that is attributed to each individual to determine his
or her rights. On the other hand, proceeding etymologically, justice comes
from the Latin iustitia, which comes from iustum, or fair. Therefore,
according to Ledesma, justice is not primarily, as Aristotle would like at
the beginning of the fifth book of Nicomachean Ethics, «the same kind of
state, namely, that which disposes people to do just actions, act justly, and
wish for what is just».4 It is a rule of law by means of which men agree and
following which they must behave. Man, assumed as a member of a social
group, possesses for himself the disposition to act good, but socially, not
to say politically, he is ‘helped’ to carry out the good and to know what it
really is.
Ledesma explains this clearly at the beginning of the treatise, when it
adds to the previous definition that «this is greatly necessary for behaviours.

3. Pedro de Ledesma, Segunda parte de la Suma (Salamanca: Ioannes et Andreas Renaut,


1598), 143.
4. Aristotle, Nicomachean Ethics (Oxford: Oxford University Press, 2009), 80.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma (1544-1616) on distributive justice 985

First of all, because justice is one of the main moral virtues, and secondly
also because in the Republic is one of the most used things».5 Justice,
therefore, besides being one of the principal moral virtues through which
man can define his own behaviors, is very functional to the structure of
the state, since it seems to be, in agreement with Ledesma, one of the most
used tools to guarantee its functioning. But, while commutative justice
makes possible to decide how citizens build the mutual relationships of
strength that are established within the state, it is more difficult to under-
stand how to give each of them their own just ‘reward’ for their behavior.
Once again, the opening questions come back: how are free freedom and
truly free society possible? Who decides and who guarantees, within
the state, what is right and how should it be distributed? It is distrib-
utive justice that comes into play here. Of this particular type of justice,
Ledesma at the beginning of the treatise provides four types of definitions,
progressive from the point of view of their theoretical depth:6

• distributive justice is what orders the common good, in order to indi-


viduals; The first definition of justice is very concise and clearly defines
the field of distributive justice, which is precisely that of distributing
the common good to individual citizens. This is because the good of the
state, which prevails absolutely over that of individual citizens must not
be prevaricator towards them, but must be fair, just, precise  – remember
the detachment from Nicomachean Ethics on this point. This kind of
definition is likely to be the same of the definitions of justice in general
and commutative justice, and that is why it has to be clarified. Ledesma
thus introduces the second definition;
• distributive justice is different from justice in general and commutative
justice. Unlike these two kind of justice, the distributive one orders the
common good to the parties; if justice in general deals with ‘constant
and perpetual will’, while commutative justice with the strength relation-
ships between individual citizens, distributive justice orders the first to
the second and makes it possible to determine how the common good
is ‘assigned’ according to the rule of ‘to each one his own’. In any case,
however the distribution process may be fair, it risks not being merito-
cratic and, therefore, of granting to someone what is not his or her right,
with regard to the concept of ‘referring to the common good’. For this
reason, Ledesma needs to introduce a third definition;

5. Ledesma, Segunda parte de la Suma, 145.


6. Ibid., 143-144.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
986 Emanuele Lacca

• distributive justice distributes things that are not necessarily due, or that
belong to the private citizen. The citizen does not have acquired rights,
but has do so according to their value and quality; the good assured to
every single citizen through the distribution by the common good does
not automatically state the possession of the good for each citizen.
Distributive justice is proportional, and is based on the fulfilment of
two requirements: that of value and quality. Every citizen, in fact, must
deserve a certain amount of good, and must possess particular qual-
ities if he or she is to be truly worthy of credit. However, this definition
risks remaining a little generic and opens to multiple interpretations. So
Ledesma proposes the fourth definition, which in my opinion seems to
be the most appropriate and the most interesting from the theoretical
and hermeneutical points of view, on which I would like to focus further;
• distributive justice has the proper and particular role to give each one in
order to their merits and dignity; this fourth definition is the ‘driest’ of
the four, but it contains the greatest interpretative richness in itself. In
order to fully understand it, we may use the original Spanish version of
the text: «propio y particular de la Iusticia distributiva es dar a cada uno
conforme a sus meritos y dignidad».7

The expression is very interesting and, however it may seem simple,


deserves to be looked more closely and broken down into its fundamental
syntactical components. The use of the adjectives propio and particular
give us the character of exclusivity towards what is pertinent to distributive
justice. With these two words, Ledesma sets out the scope of application
of distributive justice. Scope limited by the verb dar, which indicates the
action of distributive justice. The use of this verb, instead of its synonyms,
is not indicative of a particular hermeneutic choice by the Dominican.
Perhaps the use of such a simple verb, instead of some other more unusual
or eccentric, helps not to divert attention from the most important nucleus
of the expression considered here. It has therefore been said that distrib-
utive justice has the exclusive character of giving, but given to whom?
A cada uno is the answer of Ledesma. This expression goes deeper
than we may think. In Spanish language, to render this expression, he
could have been used alternative formulas, such as a todos, para todos, a
cualquiera, etc., but each of them would not have given back the profound
meaning of the expression chosen by Ledesma. A cada uno means to
respect the singularity and uniqueness of every single individual concerned
by remuneration for justice. The intent of the Dominican is to show that

7. Ibid., 144.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma (1544-1616) on distributive justice 987

distributive justice has no interest in treating citizens as if they were part


of an abstract entity that nullifies their personality. And for this reason it
does not use ‘totalizing’ expressions, such as a todos and para todos. On
the other hand, considering every individual as a single person does not
mean diminishing him or her by value, making him or her a tiny grain
of any kind in the vastness of society; it also means making a unicum, an
individual who has so much importance that the application of justice
for his or her benefit deserves to be considered in his or her individual
being. Moreover, for this reason, Ledesma does not use the adjective cual-
quiera. Thus, is clear why Ledesma uses precisely a cada uno to express
the object of distributive justice. Now it remains to understand how this
kind of justice reaches this object.
Meritos. This is the first element introduced by the Dominican to
build the relationship of proportionality between distributive justice and
its object. The prizes and punishments that are attributed to the latter
derive primarily from the merits that he has earned in his actions. Here
too, Ledesma uses the term not by chance. In Spanish, in fact, there are
many synonyms to express that concept. Just think about derecho, valor,
provecho. These three words belong to the semantic constellation of
‘having the right to something’, but they do not fully express the meaning
of deserving something. Acting as a social fact does not give man the right
to own something, nor does it give him the right to profit. Certainly, acting
produces a value, in the sense that man because of his actions is ‘clas-
sified’. This relates to the way in which it has carried them out and the
results it has subsequently achieved through them. However, Ledesma
wants to be more precise, he wants to affirm that to every man who carries
out an action is in some way assigned a just and proportional reward,
of which distributive justice is responsible for assigning according to
it. ‘Giving merit’, then, means applying distributive justice in a manner
commensurate with the actions carried out by every man who is under the
judgment of justice. But there is more: Ledesma attributes to the achieved
merit an even more ‘human’ connotation, if we can say so. We are faced
with a discourse that crosses the lines of jurisprudence and theology, but
not for this reason the discourse must be based only on ‘aseptic’ back-
ground. Man, in fact, because of his being judged, acquires an even more
precise role in society, since he is recognized on his own merits. In this
sense, he is ‘dignified’.
Dignidad. This is precisely the core point of Ledesma’s argument,
which finally leaves the term dignity, as if to conclude its definition with
the element that most elevates and fills human life on earth with more

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
988 Emanuele Lacca

meaning. Distributive justice has not only the task of judging, but also that
of elevating, of composing a meritorious classification that gives man the
opportunity to feel worthy of living his life and to allow him to interact
with others, conscious of his work. Dignity, here, is a beautiful word,
which succeeds in embracing all the tradition that investigates the ethical
and moral status of human life.
In support of his analysis, Ledesma argues that his idea is shared by
many authors of his time. Among these authors, he quotes Pedro de Aragón,
Domingo Báñez, Cayetanus, Juan Gallo, Manuel Rodriguez, Franciscus
Silvestre, Domingo de Soto just to mention some of them, but he don’t
forget to quote also the Councils of the Church. However, Aristotle and
Aquinas are the authors dearest to him. The continuous references to the
Aquinas’ Summa, in particular part II-II, allow him to create a connection
with the magister thomistarum and the medieval tradition.8 In addition, as
far as distributive justice is concerned, Nicomachean Ethics is also clearly
relevant, especially again book V, where Aristotle claims that

justice is the state in accordance with which the just person is said to
be the kind of person who is disposed to do just actions in accordance
with rational choice, and to distribute goods either between himself and
another or between two others so as to assign not more of what is worth
choosing to himself and less to his neighbour (and conversely with what
is harmful), but what is proportionately equal; and similarly in distrib-
uting between two other people.9

Freedom is really free because justice, and especially distributive


justice, comes after man has acted. Thus he is not overridden by the
rewards and punishments of justice. On the contrary, someone may be
afraid of it and thus adjust his own behaviour before it is too late. In both
ways, however, the consequence for society is that it will be truly free,
because it will be composed of individuals who act fully in accordance
with their own freedom and, for this reason, decide by virtue of their own
ethical choices, without being bound by necessity to obey to the estab-
lished rules.
Thus Ledesma succeeds in creating a discourse on distributive justice
that has a triple value: legal, because it is proposed to show how respect

8. Ledesma considers in particular the question 61 of Summa Theologiae but also the
question 5 of the Aquinas commentary to the third book of the Sentences of Peter
Lombard.
9. Aristotle, Nicomachean Ethics, 100.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma (1544-1616) on distributive justice 989

of laws has to take place, both divine and public; philosophical, because it
accounts for the ontological constitution of human behaviour in its ethical
and moral components; theological, because it proposes a way that leads
to salvation through the actions carried out by man in his earthly exis-
tence, contrasting both the theorists of predestination and recalling the
cornerstones of imitatio Christi as the highest moral degree of perfection
of human acts. He is therefore able to be perfectly positioned at the inter-
section of the three disciplines, arriving at the desired mixture stated at
the beginning of our contribution. And this through a sentence that is
simple only in appearance, but that truly restores the meaning of giving
each person his own merits and dignity.
Ledesma does not explain on a theoretical level how the practices
of distributive justice should be implemented, especially because he is
working on a moral work in which define the canons within which human
actions can be objectively studied and evaluated, especially a posteriori.
To open up the scope of his theory, Ledesma then continues the treatise
analysing all the particular case studies related to the practical appli-
cation of distributive justice.10 These confirm that each of us has complete
freedom on our own acts but, as a result of this, it can lead to rewards
and punishments that we cannot avoid, since they derive from a ‘just
distribution’, in accordance with divine law and sovereign law that jointly
evaluate human acts.
In this sense, human dignity is saved. In an era such as the
Renaissance, in which man increasingly assumes the role of ‘centre of the
world’, Christian theorists need to make it clear that Christian dogma is
not absolutely prevaricator towards humanity and is not deaf to the anxi-
eties of the new times. On the contrary, precisely because it encourages a
life conducted according to free will, it is proposed as one of the (maybe)
best solutions to the problem of freedom in society. Responsibility for acts
is completely delegated to man, who must now be fully aware of his own
role in the world and understand, from time to time, the consequences
of his behaviour, habits and inclinations, which lead him in hac vita to
a dignified life and post-mortem to a just salvation, in proportion to his
actions and according to a meritocratic logic. It is no coincidence that the
Council of Trent, following the ancient and medieval tradition and tuning
to Renaissance innovations, confirmed again the dogma of Purgatory, an
afterlife sign of earthly distributive proportionality.

10. See Ledesma, Segunda parte de la Suma, 147-152

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
990 Emanuele Lacca

3. Human dignity ‘in’ man

This last aspect leads to the discussion of the ontological status of


‘being created’, discussed by Ledesma in the twelfth article of the eleventh
question of De esse Dei. Here Ledesma proposes the analysis on human
beings and argues on the primacy of will or knowledge to perfect them to
the highest degree.
The reflections on man elaborated in the School of Salamanca usually
refer to theories of an anthropological or theological nature that seem to
leave little room for metaphysical investigation. We know with certainty
that intellectuals like Domingo Báñez or Francisco Suárez are moving on
a metaphysical level, but this is enough to say that there is a ‘metaphysics’
of the School of Salamanca? Francisco Rodríguez Pascuál wittily deals
with this question in his article Pedro de Ledesma, metafísico salmantino.11
In that article, Rodriguez Pascual asks whether there really was some sort
of metaphysics in Spain, especially in the 16th century. The author argues
that the answer is not at all simple and depends entirely on the approach
of the works produced in the Iberian Peninsula during the Renaissance.
According to Pascuál, the problem lies mainly in the fact that metaphysics
in Spain has been studied little or not at all. Critical thought, in fact, has
always focused attention on the historical upheavals that occurred in
Spain during the Renaissance and, consequently, philosophical attention
has mainly focused on political and ethical-social issues, neglecting, if not
ignoring, the more theoretical ones. Pascuál in his article responds posi-
tively to the question about the existence of a Spanish metaphysics and
opens the space to the systematic organization of Spanish metaphysical
thinking. He argues that to speak of systematic metaphysical thinking is
possible only by analysing the works of the last thirty years of the sixteenth
century. This is because the ‘ontological boiling’ that influences Spanish
philosophers culminates in that period. Among the most famous authors,
of course, the already mentioned Báñez and Suárez, but do not forget
their disciples who, although indebted to the teachings of their masters,
are committed to tracing hermeneutic trajectories always in search of new
original ideas. Among these, the same figure of Pedro de Ledesma stands
out.

11. Francisco Rodríguez Pascuál, ‘Pedro de Ledesma, metafísico salmantino’, Cuadernos


Salmantinos de Filosofía, no. 4 (1977), 127-144.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma (1544-1616) on distributive justice 991

In his article Domingo Báñez, filósofo existencial, Luis Gutierrez Vega


explains that the lack of confidence in the metaphysics of Renaissance
Thomists lies in the excessive formalism that some of them proposed in
their works.12 Verily, says Gutierrez Vega, Renaissance Thomism is the
only truly existential philosophy already by its founder Thomas Aquinas.
However, it reaches its climax with Báñez but knows its best systemati-
zation with Pedro de Ledesma, whose doctrine is committed to redeeming
the genuine existential understanding of Thomist thought, because it
makes metaphysics to return to the consideration of being to its funda-
mental and constitutive questions. On this line we meet the judgment
of Santiago Ramírez, who in his article Hacia a renovación de nuestros
estudios filosoficos defines it without doubt as the intellectual «more witty
and metaphysical that produced the Hispanic genius».13
From an anthropological and ethical-social point of view we saw the
previous paragraphs its innovative proposal regarding the theme of human
dignity. We briefly recall that he was working on a moral work in which
define the canons within which human actions can be objectively studied
and evaluated, especially a posteriori. To open up the scope of his theory,
Ledesma analyses all the particular case studies related to the practical
application of distributive justice for the reaching of personal merits and
dignity. These confirm that each of us has complete freedom on our own
acts but, as a result of this, it can lead to rewards and punishments that
we cannot avoid, since they derive from a ‘just distribution’, in accordance
with divine law and sovereign law that jointly evaluate human acts.
From this derived that the human being exercised his full freedom
through the recognition of his being as a child of God and as a free moral
agent in the world. If Ledesma demonstrates this on a moral level, can
he demonstrate it in an equally clear and innovative way on an epistemo-
logical level? If what Spanish critics say about him is true, can his meta-
physics fully justify the being of man as esse cognoscitivum that express
himself and his dignity in the world around him?

12. Luis Gutierrez Vega, ‘Domingo Báñez, filósofo existencial’, Estudios Filosóficos, no. 1
(1964), 80-95.
13. Santiago Ramírez, ‘Hacia a renovación de nuestros estudios filosoficos’, Estudios
Filosóficos, no. 1 (1952), 5-26.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
992 Emanuele Lacca

4. On the perfection of will and knowledge

To answer these questions it is necessary to investigate closely the


themes of De esse Dei which, as said, represents the metaphysical summa
of Ledesma. Written two years before the Suma Moral, it contains in a
systematized way themes and questions concerning the being of man. If
the Suma moral investigated it from the point of view of moral action,
this work studies it from the epistemological one. After having incontro-
vertibly established in the first eleven questions that man is a creature
generated by God, Ledesma in the twelfth question, entitled De perfec-
tione actus essendi creati, proposes a detailed analysis of the ‘epistemo-
logical’ life of man on earth. Man understood as being created by God who
knows according to his own cognitive potential. The question is divided
into fifteen articles that, progressively, analyse the being created by God
in its being first essence, then gender and, ultimately, their union. Among
the beings who act according to the union of essentiality and generality
we find man. He is the creature who best expresses this union because he
possesses in himself all the characteristics proper to the cognitive animal,
who learns the world and acts actively in it. One of the key moments in
human life is represented by the cognitive moment, because it is here that
one can observe the first true interaction with the world around him.
Ledesma, taking up the Thomistic scheme of cognitio per voluntatem
et intellectum, in the twelfth article of the eleventh question of De esse Dei
wonders if knowledge, simply and absolutely speaking, is a more perfect
and more important faculty of the will. Thus posed, the question takes up
the classical Thomistic discussions on the pre-eminence of the intellect
or the will in the act of knowledge. Ledesma underlines that the starting
point of his discussion is represented by the most important theories on
the subject: those classically expressed by the via Scoti and via Thomae.
This demonstrates not only Ledesma’s knowledge of tradition, but also
his firm will to take a ‘hermeneutic’ position in the choice of theories that
support his work.
On one hand, Ledesma introduces the via Scoti and in particular
the commentary by Duns Scotus on the fourth book of the Sentences
by Peter Lombard. In the fourth question of the distinction 49 Scotus,
wondering whether bliss is reached by intellect or will, he maintains that
our actions come before our knowledge and for this reason every intel-
lectual act is preceded by an act of will. In this way, in the cognitive act
will is primary, because without it we could not know anything. According
to this theory, followed by all of Scotus’ disciples, will is a more perfect

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma (1544-1616) on distributive justice 993

faculty of the intellect. On the other hand, Ledesma continues, there is


the opposite theory, supported by Thomas Aquinas and all his disciples.
The Spanish philosopher referred to three main passages: question 82 of
Summa Theologiae, question 22 of De Veritate and question 1 of distinction
27 of the commentary on Book III of the Sentences. Ledesma considers
the first source, in which Thomas wonders what the will is. He quotes
the third article, in which is asked whether the will is effective superior
to the intellect. In his reply, Aquinas replies that in no case the will can be
superior to the intellect, because it has only the role of making us incline
towards something, while the intellect guides us from the very beginning
in the understanding of what we are inclined towards.
Thus, Ledesma faces us in front of the two main faces of the will/
intellect medal. However, in the first instance he warned that this
distinction in the traditions of the via Scoti and the via Thomae, especially
between the disciples of both, was characterized by an excessive radical-
ization of the choice of one of the two ‘pre-eminences’. In fact, Ledesma
argues that the approach to this issue from such a perspective risks being
metaphysically misleading and points out two warnings on which think
on in order to understand and usefully resolve the issue:14

• first of all, those who have defined the pre-eminence of intellect and will
have done so by thinking of them as objects, as truly distinct and isolated
elements that can be treated. According to Ledesma, this is absolutely
wrong because it would mean first of all abandoning the metaphysical
side of the question; secondly, it would mean ascribing to the two faculties
the same connotation of sight and touch, which can alternatively exist
independently. Instead, intellect and will are intrinsically linked to each
other, so the one cannot exist without the other;

• secondly, recalling Aquinas, Ledesma proposes the criterion of decid-


ability for the resolution of the issue. He recalls the two ways in which
one thing can be said to be more perfect than another does. On the
one hand absolute, that is by essence (two objects X and Y per se); on
the other relative, that is by accident (a particular aspect of X and Y).
Ledesma prefers the first criterion, since it is necessary to establish what
really decrees the primacy of will or intellect.

14. See Pedro de Ledesma, Tractatus de divina perfectione, infinitate et magnitudine,


(Salamanca: Andreas Renaut, 1596), 477

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
994 Emanuele Lacca

For this reason, it is necessary to understand the distinction not on a


quantitative level, but on a qualitative one, and to understand how one can
help the other, once its perfection and pre-eminence have been defined.
The purpose, then, is not to understand whether one is better than the
other, but how one in his perfect being can help the other. In this case, as
it is the process of knowledge, help him in the apprehension of one thing.
Once the scope and criteria for deciding the question have been
established, it is necessary to decide what its theoretical cornerstones are.
Ledesma fixes three of them:

• the faculty whose object is absolutely more perfect and more in action is
more noble;

• as each agent works for an end, so each principle of that agent moves
toward the end;

• the faculty that perfects man according to his natural acts is more perfect.

According to the first theoretical keystone, Ledesma concludes that


the will would be the most suitable to respond to that prescription. The
object of will, in fact, is the object as it is in action in the world. In the
process of knowledge, the better knowledge will be, the more intelligible
the object you know is. Since the object in action in the world is revealed
in all its fullness, then the will over the intellect will take precedence over
the known object. The intellect, in fact, does nothing but abstract itself
from the object known by means of the will and, for this reason, is inferior
to it.
Moreover, this is the second theoretical cornerstone, the will as agent
works for a greater purpose than that of the intellect: the universal common
good. When we act, in fact, the will guides our actions and the intellect
does nothing but order such a guide, ‘illuminating’ the path that makes
us known and act well. The will, in fact, commands the intellect formally
on the side of the object, ordering that object to knowledge according
to the will, as the medium to the end. The principle of knowledge is not
that of the simple apprehension of the thing, but of its use in view of an
end. Since the end is the good, the principle can only be the will, the only
faculty that can ‘incline’ us towards that good. An example of this type is
charity, which orders our life to do well, and this is a movement activated
by the will and not by the intellect.
Finally, here is the third theoretical cornerstone, Ledesma argues
about man’s earthly refinement. Since every human being aspires to

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma (1544-1616) on distributive justice 995

perfection, which is represented by his approach to God, it is natural


that he will be moved towards Him by the faculty that best allows him
according to his natural acts. Between will and intellect, the faculty
that best allows the satisfaction of this aspiration is will. Ledesma says:
«according to the will man is the master of his actions and according to
the will man can be considered good or bad. The intellect, instead, in this
sense is only a passive faculty. He makes known but does not make judge,
absolutely speaking».15

5. Epistemology for ethics: a ‘conscious’ willingness

Ledesma warns that this is a naive vision of the will-intellect rela-


tionship within the process of knowledge, since it would give a relationship
of mutual exclusivity between the two faculties: either one is better, or the
other in an absolute sense. The will is considered here the best means
of knowledge of the existence of something. However, this viewpoint is
unsustainable because, metaphysically speaking, our efforts must address
the attempt to know the essential attributes of the thing and not their ends,
without prejudice to the obvious unknowability of the quidditas rerum.
Ledesma, however, warns that perspective is not entirely wrong and recalls
that will and intellect are complementary sides of the same coin. In order
to answer the question of the primacy of will or intellect, we must consider
that will serves to make us create our first contact with objects and, for this
reason, we cannot exclude it a priori from the claim of primacy. Ledesma
states clearly that «the issue is really difficult and, if even Cayetan has
been hesitant and sometimes confused, it means that you cannot solve the
problem in a linear and clear once and for all».16 Recognising this impossi-
bility, Ledesma suggests developing a dual strategy for resolving the issue
and proposes dividing its treatment as follows:

• first of all, to understand how will and intellect can prevail over one
another in absolute form, that is, according to their essence;

• subsequently, to understand such pre-eminence in relative form, that is


according to the role they hold in the process of knowledge in actu.

15. Ledesma, Tractatus de divina perfectione, 480.


16. Ibid., 481.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
996 Emanuele Lacca

Therefore, Ledesma’s solution will be twofold and, for the sake of


clarity, it is worth quoting it entirely: «from an absolute point of view, the
intellect is a more perfect and eminent faculty of the will; from a relative
and accidental point of view, the will is a more perfect faculty than the
intellect».17
This argument, which may seem rather evasive and more accommo-
dating, conceals within itself the attempt to mediate between two mutually
exclusive points of view. Since Ledesma has already pointed out that our
faculties do not behave like the senses, that if one works and the other
does not run into aporia, the solution is to his best.
The absolutus view is justified by Ledesma by five demonstrations:18

• a knowledge is perfect when it can dig deep into objects and get as close
as possible to their essence. Since the intellect is the only faculty that
also allows abstraction from objects, once they have been known, it is
natural that it is pre-eminent over the will. This is because the will orders
man towards objects, but it cannot abstract them. This demonstration is
supported by Aristotle, who in the tenth book of the Nicomachean Ethics
argues that the highest faculty of the soul is the intellect;

• the intellect is absolutely more perfect of the will because it is able to


intrinsically hold within itself all the perfections of a known object. If,
for example, one knows a chair, it will remain in the intellect according
to all its functions covered in the world. The will, however, cannot keep
all of them in itself, but needs from time to time to operate according to
the purpose for which it is ordered: to sit down, serve as a ladder, serve
for personal defence, etc.;

• if it is true that the will orders to good and evil, it is even more true that
it is the intellect that determines their inclinations. Every will, in fact,
depends on the application of a certain passage of the intellect. If it is
deflected, or shows any impairment, the will itself will be damaged and
will not be able to order itself to the correct end. Therefore, even if will
seems to be the first faculty to order man to good and evil, in reality it is
the intellect that is its remote foundation. This justifies the Scotus theory
of the De primo principio, which maintains that the close foundation that
leads to God is the will, but the direction of this way is the intellect, the
remote foundation of every action;

17. Ibid., 481.


18. See ibid., 481-483.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma (1544-1616) on distributive justice 997

• the highest possible form of knowledge is contemplative knowledge


and, if the will allows the inclination towards such a form, it is only
the intellect that guarantees the attainment of the state of contemplative
knowledge. Therefore, absolutely speaking, it is the intellect that leads to
the improvement of knowledge;

• since, with respect to form and matter, that faculty which allows us
to move further away from matter is more perfect, it appears that the
intellect is better than the will in that it is able to abstract from matter
in order to reach knowledge of the form of objects in a pure way. The
intellect, in fact, compared to the will, has the possibility to abstract and
to strip the objects of its own material, to learn their form. This guar-
antees him absolute pre-eminence over the will.

According to Ledesma, the search for essence, the ability to consider


perfections within oneself, the original inclination towards good, the incli-
nation towards contemplation, abstraction from matter are the funda-
mental requirements for which the intellect is pre-eminent to the will
in a cognitive act. In fact, following the lines of the epistemology of the
Second Scholasticism, an object is perfectly known when one approaches
the apprehension of its essence and form.
This theorization, outlined in this way, holds true on a purely epis-
temological level. However, writes Ledesma, the human being wants,
desires, aspires, judges. All these actions cannot be carried out on a level
that prefers abstraction over action. It must therefore be perfected and
adapted to the ‘real’ life of man, who always acts with a view to moti-
vation. Moreover, such theory would eliminate free will, since man would
always act according to his intellect’s plans, which, guided by intrinsically
established reasons, would be practically infallible.
Ledesma, instead, points out that every human being in this life decides
to do good or evil according to his own free deliberation, according to an
act of will that leads him to correct or incorrect action. The foundation is
always the intellect that orders and directs but, when man becomes aware
of the objects that exist in the world, it will be his deliberation that will
make him decide whether that known is to be followed or not. The will,
then, will always be free and will be the last step at the moment of action.
Will and intellect are now truly complementary sides of the same
coin. The intellect is the only one who absolutely discerns what exists in
the world and the will is the only one who, at the moment of action, allows
us to decide how to apply this discernment and where to apply it. To know

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
998 Emanuele Lacca

is not just an exercise in epistemology, but also plays a decisive role in the
life of man and his dignity.
Ledesma may be considered as a rather complex thinker who tries
in a perhaps sometimes excessive way to keep together all the heuristic
perspectives in his demonstrations. Here too, on a metaphysical level, it
seems to be no exception. On the other hand, however, he is very inter-
esting because it ultimately attempts to mediate between the Via Scoti and
the Via Thomae, which is absolutely original if we consider the historical
period in which he lived. His systematic nature, which makes him no less
dialectically intelligible, desperately attempts to work in this direction and
the profound knowledge and use of sources returns such an attempt.

***

The philosophical system of Ledesma describes in an almost


complete way how a man can know the world and, through this act, act in
it in all its power, becoming dignus. His metaphysical system goes beyond
the ‘summulistic’ and ‘logicizing’ intentions of some of his predecessors
and contemporaries. As we can see, in his text there is no reference, for
example, to the theory of intentionality, but the attempt to justify man as
a creature of God, who through his very being knows well how to discern
and act, is evident. His metaphysical system, in fact, ultimately wants to
work in this sense.
Beyond the pure conceptual and hermeneutical aspect exposed here,
many questions remain ad extra and is interesting to think on them. Among
the various questions, especially considering the historical background
and the dates of composition of De esse Dei and Suma moral (1596 and
1598), what emerges in the most is: can there be metaphysics for ethics?
According to Ledesma, yes, and we should work in this way to under-
stand how human epistemological and moral abilities are fully expressed
in the world, without making him seem like mechanical automatons or, on
the other hand, even pure actions guided by passionate instincts.
And this is only one of the possible theoretical openings that follow
this discussion but which, going beyond our current purpose, is only kept
as a suggestion for a future work.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
A cada uno sus meritos y dignidad. Pedro de Ledesma (1544-1616) on distributive justice 999

References

Aristotle. Nicomachean Ethics (Oxford: Oxford University Press, 2009).


Bonilla Morales, Jaime Laurence. Investigar en la universidad católica, Cauriensia, no. 12 (2017):
229-259.
Bruguès, Jean-Luis. Corso di Teologia Morale Fondamentale, vol. 6 (Bologna: ESD, 2017).
Cintia Faraco, Faciamus hominem: reflexion on fifth book of Suárez’s Tractatus de opere sex
dierum, Cauriensia, no. 12 (2017): 153-168.
Costantino Esposito, Suárez, filósofo barroco, Cauriensia, no. 12 (2017): 25-42.
Font Oporto, Pablo. ‘La facticidad de la filosofía política de Francisco Suárez: un camino hacia
otra Modernidad’, Pensamiento, no. 74/279E (2018): 179-200.
Gutierrez Vega, Luis. ‘Domingo Báñez, filósofo existencial’, Estudios Filosóficos, no. 1 (1964):
80-95.
Ibáñez Ruiz del Portal, Eduardo. Francisco Suárez y los derechos Humanos. Corrientes
historiográficas y perspectivas críticas actuales, Pensamiento, no. 74/279E (2018): 221-236.
Langella, Simona. Vitoria y la teología como ciencia, Azafea, no. 20 (2018): 37-53.
Martínez Morán, Narciso. Aportaciones de la Escuela de Salamanca al reconocimiento de los
derechos humanos, Cuadernos Salmantinos de Filosofía, no. 30 (2003): 491-520.
Orrego Sánchez, Santiago. Sobre la perfección del acto de ser creado (Barañain: EUNSA, 2001)
Orrego Sánchez, Santiago. ‘Pedro de Ledesma (Salamanca, s. XVI): contemplación mística de la
realidad creata desde el acto de ser’, Mediaevalia. Textos e Estudos, no. 23 (2004): 381-394.
Pedro de Ledesma, Tractatus de divina perfectione, infinitate et magnitudine, (Salamanca: Andreas
Renaut, 1596).
Pedro de Ledesma,, Segunda parte de la Suma (Salamanca: Ioannes et Andreas Renaut, 1598).
Pena González, Miguel Anxo. Otra forma de Humanismo: la preocupación por el hombre,
eHumanista, no. 29 (2015): 72-91.
Ramírez, Santiago. ‘Hacia a renovación de nuestros estudios filosoficos’, Estudios Filosóficos, no.
1 (1952): 5-26.
Rodríguez Pascuál, Francisco. ‘Pedro de Ledesma, metafísico salmantino’, Cuadernos Salmantinos
de Filosofía, no. 4 (1977): 127-144.
Salas, Victor M.. La orientación teológica de la metafísica de Francisco Suárez, Pensamiento, no.
74/279E (2018): 7-29.
Sepúlveda-del-Río, Ignacio. El Bien Común en los inicios de la Compañía de Jesús: desde los
primeros años hasta el pensamiento de Francisco Suárez, Pensamiento, no. 74/279E (2018):
163-178.
Zorroza, María Idoya. Francisco de Vitoria and the Dignity of Man, in José María Beneyto (ed.),
New Perspetives on Francisco de Vitoria, (Madrid: CEU, 2014): 16-32.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1001-1022.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1001

O Novo Mundo, a lei e o costume


DANILO MARCONDES *

Abstract
The discovery of the New World had a strong impact in European thought in many
different areas from Theology to Geography. This led to the need of a deep reassessment
of the prevailing image of reality and of traditional knowledge. Human nature in particular
acquired a new meaning after contact with the natives of the New World, raising the question
of the importance of habits and customs as well as of the rights of Man.
Keywords: customs, human nature, human rights, New World.

Car c’est la règle des règles et générale loi des lois, que
chacun observe celles du lieu où il est.
Montaigne, Essais (I, 23)

1. A Descoberta do Novo Mundo


Desconheço o testamento de Adão que legou a meus primos reis de
Portugal e da Espanha metade da Terra” teria sido o comentário
de Francisco I, rei de França, em relação ao Tratado de Tordesilhas
assinado em 1494 e que traçou a linha dividindo as terras recém-desco-
bertas entre Portugal e Espanha.1 Desde o início, a conquista e a coloni-
zação do novo Mundo teriam provocado questionamentos quanto à sua
legitimidade.
A descoberta do Novo Mundo, hoje também denominada de
“encontro dos povos europeus com os povos do novo continente”, levantou
grandes questões para o pensamento europeu do século XVI, alterando
profundamente a visão de mundo vigente à época. Levou a uma crise dos

* Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.


 danilosouzafilho@gmail.com
1. Seguido de outras bulas papais que homologaram esse direito, como as de Alexandre
VI (bulas Inter caetera, 1493, e Dudum si quidem, 1493) e Júlio II (bulas Universalis
Ecclesiae, 1508, e Eximia Devotionis, 1510).

1001-1022

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1002 Danilo Marcondes

conhecimentos estabelecidos há séculos, principalmente na geografia, na


cartografia, nas ciências naturais, na filosofia, no direito e na teologia,
dentre os vários campos do saber que tiveram que ser reorganizados em
função dos descobrimentos ao longo das primeiras décadas do século
XVI. Francisco López de Gómara, em sua Historia General de las Indias
(1553), diz mesmo que a descoberta do Novo Mundo foi o “maior evento
desde a criação do mundo, excluindo a encarnação d’Aquele que o criou”.
Todo esse processo contribuiu decisivamente para o descrédito e a
perda de autoridade da ciência antiga cinquenta anos antes do questio-
namento da cosmologia ptolomaica por Copérnico.2Segundo o cronista
Pedro Mártir, “Deus deu aos cristãos a graça de circundar a Terra além do
que Ptolomeu e os historiógrafos conheciam”. Isso revela a falsidade da
geografia antiga, da imago mundi da tradição, desde a verdadeira dimensão
da Terra até o desconhecimento dos novos territórios  – a ideia de novo
mundo precede assim a da ciência nova, termo efetivamente empregado
por Galileu. Pode-se defender mesmo que a revolução científica moderna
tem com isso seu momento inaugural aí. O próprio Copérnico se refere às
navegações em seu De revolutionibus (1543).
Além disso, esse evento histórico põe em questão as visões da época,
sobretudo a de origem aristotélica, acerca da natureza humana, e pode
ser considerado de um ponto de vista histórico uma das origens, se não a
origem, da discussão moderna sobre direitos humanos na tradição ociden-
tal.3A concepção de uma natureza humana universal e, em consequência,
de direitos humanos universais, terá nesse contexto um momento privile-
giado de discussão.4 Podemos lançar a hipótese de que é nesse momento,
antes mesmo do que no Iluminismo e em seus desdobramentos com as
declarações de direitos nas revoluções americana e francesa, que essa
questão primeiro se formula na modernidade.
A descoberta do Novo Mundo e a conquista dos novos territórios
suscita reações distintas. A primeira foi a da perplexidade gerada pela
descoberta na medida em que não se sabia exatamente onde se havia
chegado, mas que resulta sobretudo do primeiro contato com as ilhas do

2. Há grande controvérsia acerca de navegadores desde os Vikings até aos chineses


que teriam precedido Colombo, porém a história reconhece esta data como marco
inaugural (Menzies, 2003).
3. Segundo, p.ex., Jean Dumont, La vraie controverse de Valladolid: premier débat des
droits de l’homme (Paris: Criterion, 1995).
4. Ver François Jullien, Del’universel, de l’uniforme, du commun et du dialogue entre les
cultures (Paris: Fayard, 2008).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O Novo Mundo, a lei e o costume 1003

Caribe e não ainda com o continente. Colombo continuou acreditando até


o fim de sua vida (1506) e após quatro viagens ao Novo Mundo que havia
chegado a algum ponto da Ásia.5 Além disso, grande parte das espécies da
flora e da fauna das terras recém-descobertas era desconhecida e não se
encontrava nenhuma referência a elas nas obras clássicas da Antiguidade
como a Historia Naturalis (c. 77 A.D.) de Plínio, o Velho, naquele momento
ainda a principal obra de ciência natural. Mas é sobretudo a visão dos
habitantes do Novo Mundo que causa especial perplexidade, sendo parti-
cularmente relevante para nossa análise. O primeiro contato de Colombo
com os povos tainos habitantes das Antilhas revela já a dificuldade de
entendê-los desde o ponto de vista linguístico, até seus hábitos e costumes.
Essa perplexidade resulta principalmente do desconhecimento da exis-
tência desses habitantes do Novo Mundo e da diferença radical entre eles e
os europeus e os outros povos da África e da Ásia conhecidos dos europeus
em sua grande maioria já desde a Antiguidade (por exemplo, através dos
relatos de Herótodo), ou no caso da África Equatorial, pelo menos desde
o início das navegações portuguesas no século XV, já há algumas décadas.
Colombo enfatiza em seu Diário a acolhida pacífica e mesmo generosa que
teve nesse seu primeiro contato.
A inconfiabilidade das narrativas antigas como as da Atlântida,6 das
Ilhas Afortunadas, ou das Terras do Prestes João, sobre as regiões desco-
nhecidas, que em nada correspondem ao encontrado, revelam a inuti-
lidade da tradição para o conhecimento dessa nova realidade. Montaigne
chega mesmo a afirmar que “a narrativa de Aristóteles não está de acordo
com nossas terras novas” (“Os canibais”, Ensaios, I, 31).
Em consequência, o descobrimento do Novo Mundo:

1) Revela a insuficiência do conhecimento da tradição, que desconhecia


essa nova realidade: leva ao questionamento da ciência tradicional,
abalando dessa forma a sua autoridade, apontando para a necessidade
de produção de um novo conhecimento.
2) Valoriza o conhecimento empírico, já que a única forma de conhecer
essa nova realidade é pela experiência, sendo esse conhecimento neces-
sariamente limitado e provisório, o que pode ser exemplificado pelo

5. Até hoje se discute o lugar exato da chegada de Colombo às Américas. Os dois


candidatos mais fortes são a ilha de Watling nas Bahamas e mais recentemente a ilha
de Samana Cay, também nas Bahamas.
6. Pierre Vidal-Naquet, L’Atlantide: petite histoire d’un mythe platonicien (Paris: Les Belles
Lettres, 2005).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1004 Danilo Marcondes

uso dos instrumentos e a elaboração dos portulanos pelos navegadores


portugueses.
3) Levanta a questão sobre a natureza humana dos povos nativos do Novo
Mundo e consequentemente sobre a sua variação.

2. O argumento antropológico7

É importante enfatizar que o descobrimento do Novo Mundo se deu


no contexto do Humanismo Renascentista dos séculos XV-XVI, portanto
da valorização do ser humano, a dignitas hominis, e da discussão sobre a
natureza humana e sua suposta universalidade, quando essa problemática
adquire uma centralidade não encontrada no contexto histórico anterior
da escolástica medieval, cuja imagem da miseria hominis parece agora
se inverter. Encontramos já em Petrarca o início dessa mudança, mas ela
ganha destaque na discussão da dignitas hominis, por exemplo, na obra
De dignitate hominis oratio (de 1480) de Giovanni Pico dela Mirandola.
É sobretudo o homem empreendedor, criador de seus próprios valores
que começa a surgir nesse momento. O estudo dos textos da Antiguidade
Clássica, os studia humanitatis, que são retomados nesse período, influen-
ciaram fortemente essa nova concepção em contraste com a tradição
medieval. Exemplo disso é a expressão de Protágoras, “o homem é medida
de todas as coisas”, erigida em grande lema do Renascimento. Toda
discussão sobre Direitos Humanos pressupõe uma concepção de natureza
humana.
Isso se dá no momento mesmo em que se constituía uma visão
de homem como um ser empreendedor, autônomo, criativo, capaz de
produzir uma nova realidade política, científica, artística, quase um herói.
E efetivamente a imagem do herói do mundo clássico greco-romano que
será a imagem por excelência segundo a qual o Humanismo Renascentista
representará esse novo homem, o realizador de grandes feitos compa-
ráveis a Odisseus, Jasão e Enéas. Esse é o momento de valorização do
indivíduo empreendedor que por iniciativa própria, desafiando perigos e
preconceitos, faz grandes descobertas e realiza grandes feitos. Os nave-
gadores portugueses como Vasco da Gama desde o início do século XV
e, sobretudo, Colombo, são os grandes exemplos dessa nova concepção

7. Desenvolvo aqui temas por mim tratados em Danilo Marcondes, As raízes da dúvida
(Rio de Janeiro: Zahar, 2018), 58-79.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O Novo Mundo, a lei e o costume 1005

de homem que inclui ainda os condottieri italianos, os grandes artistas do


Renascimento de Leon Battista Alberti a Leonardo Da Vinci, os burgueses
e comerciantes de Bruges a Florença que geram a grande riqueza dessa
época.
Mas como integrar os povos recentemente encontrados a essa
imagem que há pouco começa a se delinear? Uma distinção mais ampla
é necessária entre os impérios como os dos Aztecas no México, dos Maias
na América Central e dos Incas no Peru, que permitiam uma analogia com
os impérios antigos dos egípcios, assírios e persas, com seus reis, classe
sacerdotal, templos e pirâmides, e as culturas tribais da América do Sul
e do Caribe, considerados em geral pelos primeiros exploradores como
povos totalmente bárbaros, o que já consiste em uma resposta à questão
sobre em que categoria esses seres humanos devem ser incluídos. Qual a
sua natureza?8
O que denominamos “argumento antropológico” caracteriza-se pelo
questionamento de uma natureza humana universal, levando a um ceti-
cismo acerca da existência de uma natureza humana única e homogênea,
e a um relativismo cultural quanto à possibilidade de entender, classi-
ficar, categorizar essas diferentes culturas tão radicalmente distintas da
européia.
Em que medida é possível recorrer aos padrões cristãos para
julgá-los? A questão moral, sobretudo o questionamento da suposta supe-
rioridade moral cristã, é levantada por pensadores como Montaigne, em
seus Ensaios, dentre eles os mais famosos em relação a esse tema, como
“Os Canibais” (I, 31), “Os Coches” (III, 6) e “Dos costumes” (I, 23). Isso
se dá precisamente no contexto da Reforma Protestante, da ruptura no
interior do Cristianismo e das guerras religiosas daí decorrentes. Ocorre
também como indicamos anteriormente no contexto do tema humanista
da miseria hominis, levando no caso à demonização do indígena enquanto
bárbaro, em um sentido diferente do ser caído e pecador descendente de
Adão do pensamento medieval; mas também em contraste com a dignitas
hominis do bom selvagem, do homem natural, integrado à natureza,
epicúreo conforme lemos no relato de Américo Vespúcio. Essa perple-
xidade diante dos nativos e a dificuldade de entendê-los evidencia-se
na ambivalência dos relatos, que ora os apresentam como seres puros,
inocentes, na “infância da humanidade”, aproximando-os da imagem do

8. Montaigne comenta em “Os coches” (Ensaios, III, 6) as diferenças entre as várias


culturas das Américas.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1006 Danilo Marcondes

homem na Idade de Ouro citada anteriormente e encontrada em Hesíodo


e em Platão, vivendo felizes dos frutos da natureza; ora como selvagens
lúbricos e indolentes, que mutilam o próprio corpo e praticam o caniba-
lismo.
Como explicar essa diferença radical e como explicar a imensa diver-
sidade cultural entre os povos nativos eles próprios? A filosofia grega já
nos apresentava imagens contraditórias da natureza humana, mesmo se
considerarmos apenas Platão e Aristóteles. Parece efetivamente haver uma
oscilação entre uma natureza humana universal e uma variação radical
entre os homens, por exemplo, desde a afirmação de que todo o homem
é dotado por natureza do desejo de conhecer encontrada na Metafísica
(I,1) até a noção do “escravo por natureza” da Política (I, III)e da Ética a
Nicômaco (VIII). Até que ponto trata-se no Novo Mundo de uma “infância
da humanidade”, de um ser humano que permanece na infância, cujo
potencial não se desenvolveu pela ausência dos elementos civilizatórios:
a vida política, a religião cristã, o conhecimento científico? Esse argu-
mento será crucial para a legitimação da conquista e a colonização como
a defesa da missão civilizatória do conquistador europeu.
É ilustrativa essa passagem:

Ainda que os Tupinambás se dividiram em bandos e se inimizaram uns


com os outros, todos falam uma língua que é quase geral pela costa do
Brasil e todos têm uns costumes em seu modo de viver e gentilidades, os
quais não adoram nenhuma coisa, nem tem nenhum conhecimento da
verdade, nem sabem mais que há morrer e viver, e qualquer coisa que lhes
digam se lhes mete na cabeça e são mais bárbaros que quantas criaturas
que Deus criou. Têm muita graça quando falam, mormente as mulheres
são mui compendiosas na forma da linguagem e muito copiosas no seu
orar; mas faltam-lhes três das letras do ABC, que são F, L, R grande ou
dobrado, coisa muito para se notar; porque se não têm F é porque não
têm fé em nenhuma coisa que adorem, ... E se não têm L ... é porque não
têm lei alguma que guardar, nem preceitos para se governarem; cada um
faz lei a seu modo, e ao som de sua vontade, sem haver entre eles leis com
que se governem, nem têm leis uns com os outros. E se não têm R na sua
pronunciação é porque não têm rei que os reja e a quem obedeçam, nem
obedecem a ninguém, nem ao pai o filho, nem o filho ao pai, e cada um
vive ao som de sua vontade.9

9. Gabriel Soares de Souza, Tratado Descritivo do Brasil em 1587 (São Paulo: Companhia
Ed. Nacional, 1938), 130.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O Novo Mundo, a lei e o costume 1007

Vemos aí a ambiguidade da descrição que inclui elementos nega-


tivos como a ignorância e a ausência de religião, o que os torna bárbaros,
mas ao mesmo tempo positivos como a graça no falar. É absolutamente
surpreendente a evidência desse estágio inferior encontrada na ausência
de letras do alfabeto como F, L, R que mostram que os Tupinambás não
teriam nem fé, nem lei, nem rei, ou seja, instituições como a Igreja e o
Estado que são marcas da civilização, mas também cerceiam a liberdade.

3. O Novo Mundo e o pensamento moderno

A questão que está na base do desenvolvimento da antropologia na


modernidade e consiste no núcleo do “argumento antropológico” parece
ser precisamente qual o limite entre natureza e cultura para a compre-
ensão do ser humano.10 Até que ponto a diversidade cultural pode ser rele-
vante para o conhecimento e a moral? E, sobretudo, até que ponto essa
questão levanta a dificuldade de julgarmos os outros povos por ausência
de critério? Mais radicalmente ainda, até que ponto esses outros povos
não nos fornecem modelos alternativos de sociedade, de vida, da possibi-
lidade de uma felicidade terrena, de volta à Idade de Ouro, de uma nova
experiência humana? Essa questão se encontra presente, por exemplo,
nos Ensaios de Montaigne, contudo desaparece da discussão filosófica
do século XVII em diante, que a relega ao plano do empírico, portanto,
sem relevância filosófica. Porém, se aplica diretamente à questão sobre a
possibilidade de uma moral universal e de direitos humanos universais,
as bases mesmo do pensamento iluminista, permanecendo contudo por
muito tempo como pressupostos não tematizados.
São significativos nesse sentido os textos produzidos pelos conquis-
tadores, colonizadores e cronistas espanhóis.11 Dentre esses há toda uma
literatura, de caráter inédito em relação aos dos autores de outras nacio-
nalidades, que revela a preocupação com a legitimação política, jurídica e
religiosa da ocupação pela coroa da Espanha dos territórios das Américas.
Trata-se da questão do “direito de conquista” no contexto da qual emerge
por sua vez a questão dos direitos humanos, especificamente dos direitos
dos nativos, dos povos conquistados. A própria noção de “direito de

10. Ver Margaret T. Hodgen, Early anthropology in the sixteenth and seventeenth centuries
(Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1964).
11. Além do próprio Colombo e de Américo Vespucci, que embora italianos navegavam a
serviço da coroa espanhola, nos referimos acima a Pedro Mártir e Gómara.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1008 Danilo Marcondes

conquista” é de certa forma paradoxal, uma vez que concretamente a


conquista não se “legitima” por um direito, mas resulta sobretudo da
vitória do conquistador sobre o conquistado, este o sentido mesmo de
“conquista”. E foi isso de fato que ocorreu, a preocupação com a legi-
timação dá-se posteriormente, como tentativa de justificar a conquista
perante outros países europeus e de resolver a controvérsia entre a coroa, os
conquistadores e os missionários no processo de ocupação. Embora desde
o primeiro momento apareça já como uma questão sobre a expansão ou
não da conquista e sobre em que condições os novos territórios poderiam
ser anexados à coroa espanhola.
Há muitas hipóteses acerca da preocupação da coroa da Espanha
quanto à discussão sobre seu novo império colonial e este talvez seja
efetivamente o primeiro momento em que esta questão é tematizada na
tradição ocidental.
Em primeiro lugar, deve-se levar em conta que a Espanha era ainda
ao final do século XV um reino recém-constituído e mesmo assim preca-
riamente. Isabel de Castela e Fernão de Aragão, embora tenham efetivado
a integração de seus reinos pelo casamento, reinavam separadamente e
Isabel após a sua morte foi sucedida em Castela por sua filha Joana, a
Louca e não por Fernão.12 O primeiro território a pertencer efetivamente
ao novo estado foi o reino de Granada, após a expulsão definitiva dos
mouros em 1492, mesmo ano do descobrimento do Novo Mundo, e que
recebe assim um novo estatuto jurídico, já que não pertence às heranças
nem de Isabel, nem de Fernão, mas se incorpora à coroa espanhola por
“direito de conquista”, tendo os réis católicos conseguido expulsar os
infiéis. Essa expansão territorial servirá de modelo para a discussão sobre
a ocupação das Américas, que deve ser entendida nesse contexto13, recor-
rendo igualmente às noções de “direito de conquista” e de “povos pagãos”,
nesse caso os povos das terras recém-descobertas.
Portanto, a unidade territorial da Espanha ainda era naquele
momento precária, tanto de um ponto de vista político, quanto jurídico.
Esse processo se agrava quando o sucessor de Fernão e Isabela, Carlos V (V
de Alemanha e I de Espanha, da qual se torna rei em 1517 após a morte de
Fernão), herdando igualmente um vasto número de territórios europeus
(Borgonha, Áustria, Boémia, etc.), é eleito, em seguida, Imperador da

12. Em 1479, a “Paz de Alcáçovas” sela a união de Castela e Aragão, porém Joana reinou
nominalmente em Castela até a sua morte em 1555.
13. Hugh Thomas, Rivers of gold: the rise of the Spanish Empire from Columbus to Magellan
(New York: Random House, 2003).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O Novo Mundo, a lei e o costume 1009

Alemanha (em 1520, numa eleição particularmente conturbada). A insta-


bilidade política e a luta jurídica para superá-la são fatores essenciais para
entendermos a preocupação da coroa espanhola com a incorporação ao
império de mais um vasto território naquele momento ainda inadequada-
mente conhecido.
A ideia de uma monarquia universal se encontra já no testamento
de Fernando de Aragão a seu filho Carlos e no texto Relación del ideário
político de Fernando de autoria de Pedro de Quintana, elaborado por enco-
menda de Fernando.14 Há dois pressupostos importantes contidos nessa
ideia: (1) o de que os reis de Espanha enquanto reis católicos têm por
missão a expansão da Cristandade e a conversão dos infiéis (inicialmente
os mouros, posteriormente os nativos das Américas); (2) o de que os reis
europeus, e isso se aplicará particularmente a Carlos V, são herdeiros e
sucessores do Império Romano com sua pretensão a universalidade.
A pretensão universalista da coroa espanhola diz respeito a essa
missão de expansão do Cristianismo e de conversão dos povos infiéis como
legitimação da conquista do Novo Mundo. Para isso, Carlos V e os colo-
nizadores das Américas receberam a aprovação da Igreja com base num
suposto domínio que esta teria sobre toda a Criação, o que será objeto
de grande controvérsia. Os papas Alexandre VI e Júlio II,em documentos
citados anteriormente, deram aos reis de Espanha poder para coletar
dízimos e dirigir a Igreja no Novo Mundo.

4. A natureza humana no Novo Mundo

A seguinte descrição que encontramos no texto de Américo Vespucci


é ilustrativa nesse sentido e complementa a que vimos anteriormente de
Gabriel Soares de Souza:

Esta figura mostra-nos a gente e a ilha descoberta pelo Cristianíssimo rei


de Portugal ou por seus súditos. Estas pessoas são nuas, belas e de cor
parda, bem feitas de corpo. Sua cabeça, pescoço, braços, partes íntimas
e os pés dos homens e mulheres, são ligeiramente cobertos de penas.
Os homens também usam na face e no peito muitas pedras preciosas.
Ninguém possui nada, mas todas as coisas são comuns. E os homens
tomam por esposa as que mais lhe agradam, sejam elas suas mães, irmãs
ou amigas, pois não fazem nenhuma distinção. Lutam mutuamente,
comem-se uns aos outros, mesmo aqueles que massacram, e penduram

14. Ver Fredrich Heer, The Holy Roman Empire (London: Phoenix, 1995), 160.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1010 Danilo Marcondes

a carne sob o fumo. Vivem cento e cinquenta anos. E não possuem


governo.15

Pode-se observar nesse texto o contraponto entre o “indígena” e o


homem europeu, desde as características físicas, como a nudez e as penas
no corpo, uma óbvia confusão com adereços de penas, até a promiscuidade
sexual, já que não possuem noção de pecado. A abundância de pedras
preciosas e a ausência de propriedade privada são também aspectos impor-
tantes no contraste com a vida na Europa. O canibalismo e a longevidade
enfatizam o estilo de vida radicalmente distinto e a inexistência de governo
é destacada no texto. Não importa que essa descrição seja pouco precisa
e não corresponda aos hábitos e características desses povos, posterior-
mente melhor conhecidos. As pedras preciosas, por exemplo, não eram
utilizadas por índios da costa do Brasil; a suposta promiscuidade sexual
baseada numa concepção europeia de moralidade, nem sempre ocorria,
ao contrário, havia tabus sexuais bastante rigorosos, embora a poligamia
fosse frequente; a suposta longevidade era ilusória e a ausência de governo
simplesmente mostra a dificuldade dos europeus de reconhecer como
governo qualquer coisa que fosse radicalmente diferente dos sistemas por
eles conhecidos. Certamente havia formas de gestão e estruturas de poder
dentre os indígenas, bastante estudadas pela antropologia mais recente-
mente. Na verdade, a visão do indígena pelo europeu resulta na fabricação
de um ser fantástico, seu oposto, mas também seu espelho. Descrevê-los,
procurar compreendê-los, afinal das contas só é possível recorrendo-se
à analogia com as categorias tradicionais que, por definição, são inade-
quadas para isso. A tentativa de conhecimento do novo por analogia com
o antigo, segundo o preceito aristotélico, frequentemente fracassa nesses
casos. As imagens tradicionais que os europeus trazem baseadas em mitos
da Antiguidade Clássica e da literatura medieval de viagens entram em
confronto diretamente com essa nova realidade.
Em seu primeiro contato com os povos do Novo Mundo encon-
tramos cinco concepções gerais de natureza humana a partir das quais
os europeus tentaram interpretar essa nova realidade que lhes causava
particularmente perplexidade, como vimos acima.

1) A primeira, oriunda da concepção cristã escolástica tradicional, baseia-se


especialmente na narrativa bíblica. Esta concepção é universalista uma

15. Trata-se de legenda a ilustração de texto atribuído a Américo Vespucci, em Pedro


Teixeira e Nelson Papávero, O Novo Éden (Belém do Pará: Museu Goeldi, 2002), 125.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O Novo Mundo, a lei e o costume 1011

vez que segundo o Gênesis, todo ser humano provém da criação de Adão
e, após o dilúvio, de Noé, cujos descendentes povoaram a terra. Com base
no Antigo Testamento (p.ex. II Reis, 17: 6, 23) surge também a hipótese
de que os povos das Américas seriam as tribos perdidas de Israel, disper-
sadas pelos Assírios no deserto.16 De qualquer forma, essa hipótese e a
crença na descendência de Noé enfrentam de imediato a necessidade de
explicar como esses seres humanos teriam vindo para o novo continente.
2) A segunda resulta de que a concepção universalista baseada na origem
comum de toda a humanidade ganha uma nova força com o advento do
Cristianismo quando a religião cristã é pregada, a partir da influência
de São Paulo, para todos os homens e não apenas para os judeus. Como
lemos na Epístola aos Gálatas (3, 28), “Já não há judeu nem grego, nem
escravo nem homem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois
um em Cristo Jesus”. De acordo com essa concepção a salvação estaria
ao alcance de todos que pudessem receber a Revelação.17
3) A terceira baseia-se na tradição clássica grega e tem duas vertentes prin-
cipais. A platônica, em que encontramos os mitos da Atlântida (Crítias)
e da Idade de Ouro (Timeu, Leis). E a aristotélica, com base sobretudo
no Tratado de Política, que influenciará particularmente a discussão da
assim chamada “segunda escolástica” da escola de Salamanca quanto
à discussão sobre o direito de conquista e os direitos dos habitantes do
Novo Mundo em autores, como por exemplo, Francisco de Vitória e a
escola Ibérica da Paz (Coimbra e Évora).18 Segundo a posição aristo-
télica, contudo, há uma hierarquia na natureza humana, estando o
homem que habita a polis, o homem civilizado, no topo desta hierarquia.
4) A quarta tem sua origem em Heródoto na História, que em seus relatos
de viagem enfatiza a diversidade entre os povos e compara os gregos com
os persas e egípcios, que considera possuírem uma civilização digna de
respeito, e com outros povos vistos como bárbaros, como os citas do Mar
Negro, que inclusive teriam praticado a antropofagia. Herótodo é impor-
tante por introduzir a discussão sobre a relatividade cultural, argumen-
tando que o entendimento dos outros povos depende da valorização de
seus hábitos, costumes e línguas. Sua obra foi influente no Humanismo
do século XVI, principalmente após sua edição latina por Henri Étienne,
que escreve uma Apologia pro Herodoto como introdução a ela.19

16. Tudor Parfitt, The lost tribes of Israel: a history of a myth (London: Weidenfeld and
Nicolson, 2002), particularmente os capítulos 2 e 5.
17. Stuart B. Schwartz, All can be saved: religious tolerance and salvation in the Iberian
Atlantic World (New Haven &London: Yale University Press, 2008).
18. Pedro Calafate, A Escola Ibérica da Paz nas universidades de Coimbra e Évora (Lisboa:
Almedina, 2015).
19. Ver, a respeito da complexidade da relação entre os gregos e os outros povos, Paul

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1012 Danilo Marcondes

5) A quinta é a visão humanista que se desenvolveu sobretudo já no século


XV no contexto italiano, em autores como Giovanni Pico dela Mirandola,
como vimos anteriormente, enfatizando a dignitas hominis, o homem
como criador e empreendedor e a importância da educação humanista
pelos studia humanitatis, a volta aos clássicos da tradição greco-romana.
O (4) acima se distingue deste item, embora Heródoto seja um clássico,
porque há uma especificidade na discussão que se inspira em sua obra
quanto à questão da diversidade cultural.

Na literatura espanhola que se segue ao descobrimento serão


sobretudo a primeira, a segunda e a terceira que importarão na formação
da visão sobre os nativos do Novo Mundo, de seus hábitos e costumes,
contribuindo assim para a definição de seus direitos e da política de
conversão ao Cristianismo.
Podemos ser tentados de imediato a simplesmente opor a concepção
humanista, moderna portanto, e a aristotélico-tomista, tradiciona-
lista, porém veremos que a questão é bem mais complexa e que talvez
a oposição mais nítida, que pode ser representada pela famosa contro-
vérsia de Valladolid (1555) entre Bartolomé de las Casas e Juan Ginés de
Sepúlveda, se dê entre os missionários e os juristas, que se baseiam em
interpretações diferentes das mesmas fontes aristotélico-tomistas.20
A concepção universalista cristã fornecerá as bases para a doutrina
dos missionários de que os habitantes do Novo Mundo são capazes de se
converterem ao Cristianismo, devendo ser catequizados. O paralelo que se
pode estabelecer é com a conversão dos bárbaros após a queda do Império
Romano. Santo Agostinho abre em sua obra De catechizandis rudibus
(c.405) o caminho para esse processo de catequização em geral “daqueles
que não têm instrução”.
O aristotelismo será o ponto de partida para os juristas e políticos
espanhóis para a legitimação da conquista, sobretudo em duas linhas,
que exploraremos melhor, (1) a concepção da civitas, que caracterizará
o homem civilizado em oposição ao bárbaro e (2) a teoria da escravidão
natural, ou pelo menos as interpretações medievais dessa teoria.
Ambas as posições entram em conflito, contudo, na medida em que o
Cristianismo defende uma visão universalista e o aristotelismo, com base

Cartledge, The Greeks: a portrait of self and others (Oxford: Oxford University Press,
2002). Sobre a importância de Heródoto,ver François Hartog, Le mirroir d’Hérodote
(Paris: Gallimard, 1980).
20. Ver Jorge Luis Gutiérrez, Aristóteles em Valladolid (São Paulo: Editora Mackenzie,
2007).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O Novo Mundo, a lei e o costume 1013

no texto da Política, uma concepção hierárquica da natureza humana. A


necessidade de revisão dessas concepções, à luz principalmente do contato
com os povos do Novo Mundo, é um dos fatores fundamentais que estão
no início de uma discussão de caráter antropológico.

5. A escravidão natural

Um dos argumentos centrais em favor da legitimação da conquista


no caso do Novo Mundo é a famosa “doutrina da escravidão natural”
atribuída a Aristóteles e a seus comentadores medievais, sobretudo São
Tomás de Aquino.21 Contudo, não é claro que haja uma única concepção
grega de escravidão, nem mesmo que Aristóteles tenha defendido um
conceito de “escravidão natural”. Trata-se muito mais na Política de um
conceito examinado e discutido do que da defesa de uma doutrina e
certamente não se refere ao que se passava na Grécia naquele período
histórico, em que a escravidão foi algo bem mais complexo. O termo
grego “doulos”, traduzido comumente por escravo, possui um significado
bastante distinto do encontrado no século XVI, já influenciado pela termi-
nologia latina, segundo a qual o termo tardio sclavus é derivado do nome
do povo “eslavo”, uma vez que em Roma um grande número de escravos
era de origem eslava, embora também esse termo fosse usado de modo
impreciso. No latim clássico o termo empregado é “servus”, sem distinção
entre o servo e o escravo.
O conceito de “direito dos povos nativos” do Novo Mundo é formulado
assim em oposição aos conceitos de “direito de conquista” e de “guerra
justa” como se aplicando a esses povos e portanto à concepção de natureza
humana pressuposta por esses conceitos.
Contudo, não encontramos efetivamente na filosofia grega clássica
uma posição única que permita fundamentar tanto o conceito de “guerra
justa” quanto o de “escravidão natural”.
Surge com isso a necessidade de discutir o que significa a existência
desses povos e a diversidade radical de seus costumes em relação ao que
até então se conhecia. Teriam eles a mesma origem dos seres humanos
europeus? Seria possível que Deus tivesse feito uma outra criação inde-
pendente da de Adão? Essa hipótese já se encontra nessa época, mas
será desenvolvida mais tarde na França do século XVII por Isaac de la

21. As principais fontes são o tratado da Política I, caps.3-7, e a Ética a Nicomaco, VII.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1014 Danilo Marcondes

Peyrère. Sua justificativa parece devida não só devido à diversidade dos


costumes dos povos do Novo Mundo, mas também, de um ponto de vista
da geografia, pela separação física do continente americano em relação
a Europa, Ásia e África. Como esses povos que não possuíam grandes
barcos nem técnicas de navegação poderiam ter chegado ao continente
recém-descoberto? A única alternativa possível é que seriam autóctones,
os célebres antípodas de que a tradição antiga já falava, porém enquanto
povos míticos.
Esse fato histórico representou para alguns autores do século XVI na
França a verdadeira descoberta de um Novo Éden, de um paraíso terrestre
que para o imaginário europeu da época significava exatamente um lugar
alternativo onde se poderia viver como os antípodas uma vida diferente e
mesmo oposta à que se vivia na Europa, sobretudo uma vida mais feliz.
Já se encontra na Utopia (1516) de Thomas Morus essa visão idea-
lizada do Novo Mundo, e essa obra teve por sua vez uma grande influência
em sua época. A principal fonte de Morus parece ter sido os escritos de
Américo Vespúcio, muito populares à época, sobretudo dentre os intelec-
tuais humanistas. Na narrativa de Morus, o personagem central, Rafael
Hythlodaeus, é um navegador português que havia pertencido a uma expe-
dição de Vespúcio. Permanecendo no Novo Mundo, empreendeu novas
expedições, chegando a uma ilha onde os seres humanos pareciam “ser
cristãos independentemente da revelação”. A Utopia é sobretudo um lugar
onde os seres humanos poderiam ser felizes, mas que serve também de
espelho para o mundo europeu, de crítica a seus valores e seus costumes,
uma forma de colocar em questão a civilização.

6. A busca da felicidade e o Novo Éden22

Os filósofos antigos consideraram a busca da felicidade, talvez muito


mais do que a busca da verdade, como a mais autêntica ambição humana.
Já o diziam os filósofos do período helenístico e a sabedoria seria impor-
tante apenas na medida em que pudesse apontar o caminho para a feli-
cidade. A origem da aproximação entre sabedoria, se assim podemos
traduzir o termo grego sophia, e a felicidade, se assim podemos traduzir
o termo grego eudaimonia, parece ser o livro X da Ética a Nicomaco de

22. Retomo aqui questões por mim discutidas em Danilo Marcondes, “Le nouvel Éden: la
quête du bonheur en Amérique au XVIème siècle,” in Sagesse et Bonheur, ed. Benoît
Castelnérace e Syliane Malinowski-Charles (Paris: Hermann, 2013), 25-40.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O Novo Mundo, a lei e o costume 1015

Aristóteles, que define a felicidade como a realização plena e mais elevada


da natureza humana, ou seja, a razão.
O Cristianismo alterou significativamente o conceito grego de eudai-
monia e, segundo a visão cristã, a verdadeira felicidade só seria possível
após a redenção, na vida eterna. O pecado original, a imperfeição humana,
impediriam a felicidade plena na vida terrena. A busca da felicidade nesse
sentido torna-se inútil e a sabedoria cristã significa aceitar essa condição
e aspirar à fé pela graça divina.
O contexto da descoberta do Novo Mundo e a visão utópica e idílica
que os europeus formaram de grande parte de seus habitantes como seres
felizes supõem a ideia renascentista de uma sabedoria (sapientia) que
difere da ciência (scientia), ou seja, do conhecimento científico, enquanto
pretensão de explicar a natureza das coisas pelo conhecimento de suas
causas (causarum cognitio) de uma maneira sistemática. As tribos do
Novo Mundo não possuíam ciência, mas pareciam ser capazes de um tipo
de sabedoria prática, de uma forma intuitiva e espontânea de viver de uma
maneira feliz independente do conhecimento, o que Vespucci e outros
autores caracterizaram como “seres epicúreos”. É graças a essa sabedoria
natural, que pode ser aperfeiçoada de forma intuitiva, que seria possível
essa vida feliz, segundo a natureza.
Nicolau de Cusa (1401-1464) foi um dos mais influentes pensadores
do Renascimento, encontrando-se em sua obra De docta ignorantia(1440)
essa oposição entre sabedoria e ciência. Mas, para esse filósofo, a sabe-
doria vinculava-se à visão cristã de felicidade, inspirando-se sobretudo em
São Paulo, que, em sua Epístola aos Coríntios (1:18-25), fala sobre uma
sophia que não é a sabedoria dos sábios, mas que vem do Espírito Santo, a
sabedoria divina. Mas, o que pensar quando esses povos do Novo Mundo,
que ignoravam a Revelação, pareciam felizes, mesmo desconhecendo
a verdades do Cristianismo e mesmo aparentemente sem ter qualquer
religião (aqueles que escreveram sobre o Novo Mundo, começando com
Colombo, repetiam à exaustão que se tratava de povos sem nenhuma fé).
São Paulo referia-se ao “homem natural” (Epístola aos Coríntios, 2:14),
uma possível tradução para psychicos anthropos (por oposição ao pneu-
máticos anthropos, o homem espiritual). Mas trata-se aqui do homem que
desconhece a revelação e por esse motivo é incapaz de salvar-se a si mesmo.
Contudo, a maioria dos filósofos na Idade Média, incluindo São Tomás de
Aquino (Suma Teológica, Tratado do Homem), considerava que havia na
natureza humana um tipo de sabedoria natural que não dependeria nem
da revelação, nem do conhecimento no sentido do saber teórico, mas que
consistia exatamente em um pressuposto da possibilidade de adquirir o

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1016 Danilo Marcondes

saber teórico e de receber a revelação. É com base em concepções desse


tipo que se formulará a visão dos habitantes do Novo Mundo.
Mas a felicidade para o homem do Renascimento era vista sobretudo
como felicidade individual que resultaria de suas características pessoais
e do sucesso de sua busca. O indivíduo no sentido renascentista é preci-
samente o que não é encontrado nas sociedades tribais do Novo Mundo.
E isso causará grandes dificuldades para a visão humanista desses povos.
A esse respeito são particularmente relevantes para nós os autores
franceses que escreveram sobre suas experiências no Brasil do século
XVI para discutir as visões que formaram desse novo território e de seus
habitantes. Essas visões funcionaram como um contraponto, em vários
sentidos, à França da época, o período turbulento das guerras religiosas,
devendo ser interpretadas no contexto do projeto político e mesmo
utopista desses autores. De um ponto de vista teórico e mesmo teológico,
essa discussão inclui questões como o livre arbítrio e, portanto, a possi-
bilidade da felicidade em consequência das escolhas que fazemos. De um
ponto de vista histórico, as guerras religiosas representam concretamente
a impossibilidade da felicidade em um mundo conturbado por conflitos
sangrentos.
A visão de que os franceses dispunham nas primeiras décadas do
século XVI sobre as terras recentemente descobertas foi principalmente
resultado da imensa influência dos escritos de Américo Vespúcio, que
tiveram várias edições em vários idiomas nesta época, sobretudo o texto
conhecido como Novus Mundus, originalmente um relato em forma de
carta a Lorenzo di Pier Francesco de Médici e em seguida a carta a Piero
Soderini, gonfaloniere de Florença.
Tomamos como ponto de partida para discussão os escritos dos fran-
ceses que vieram com o vice-almirante Nicolau Durand de Villegagnon
ao Brasil em 1555 para fundar o que ele próprio denominou “França
Antártica”. Esse projeto político de fundar na baía de Guanabara uma
colônia francesa foi uma iniciativa do aristocrata francês Gaspar de
Coligny, o conde de Chatillon, Grande Almirante da França, que se tornou
mais tarde um dos líderes dos calvinistas franceses e foi assassinado no
célebre massacre da Noite de São Bartolomeu, em 24 de agosto de 1572.
Villegagnon foi encarregado de viajar para essa região já conhecida de
comerciantes franceses de pau-brasil, devendo fundar aqui uma colônia
onde católicos e protestantes pudessem conviver sem conflito. Na visão
de Coligny essa colônia deveria ser um refúgio para que os calvinistas
que desejassem imigrar pudessem praticar livremente sua religião na
companhia dos católicos. Esse projeto parecia pressupor que fora do

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O Novo Mundo, a lei e o costume 1017

contexto político conturbado da França, onde as posições religiosas eram


inconciliáveis, seria possível superar essas diferenças e construir uma
nova sociedade onde católicos e calvinistas desfrutariam de liberdade
religiosa. Esse projeto fadado ao fracasso jamais chegou a se consolidar
e Villegnanon retornou à França menos de três anos após sua chegada,
tendo fundado uma pequena povoação no continente que denominou de
Henriville, onde hoje se encontra o Rio de Janeiro, mais precisamente
o bairro do Flamengo, e também um forte em uma pequena ilha para a
proteção da entrada da baía, o forte de Coligny, também conhecido como
Fort de France.
Apesar de fracassado, o projeto da França Antártica deu origem a
diversos escritos que se tornaram de importância capital para a formação
da visão que os franceses viriam a ter da América, sobretudo do Brasil e
de seus habitantes no século XVI. Os autores mais influentes que habi-
taram a França Antártica nesse período foram o católico André Thevez
(1502-1590) e o calvinista Jean de Léry (1534-1613), rivais e adversários
formidáveis em seus retratos dessa realidade.
Para os poetas franceses dessa época a América representava um
mundo ideal, uma utopia, uma região onde se poderia encontrar a paz e
ter uma vida feliz, uma espécie de “paraíso terrestre”.
Um dos melhores exemplos disso é o poeta Pierre de Ronsard (1524-
1585), membro do famoso grupo literário conhecido como La Pléiade. Em
um poema intitulado Remonstrance au peuple de France (1563), encon-
tramos a seguinte referência à França Antártica e à questão religiosa:

Si la religion et si la foi chrétienne


Apportent de tells fruits, j’aime mieux la quitter
Et banni m’en aller les Indes habiter,
Sous le pôle Antarctique, ou les sauvages vivent
Et la loi de la nature heureusement ensuivent.23

Encontramos aí o tropo do “lugar de sonho”, que desejamos, mas


que é quase inalcançável, exceto talvez para os indivíduos ousados e aven-
tureiros, de coragem excepcional e capazes de romper com as tradições.
Os relatos dos navegadores da época enfatizavam esse caráter heroico
de homens que arriscaram tudo para chegar ao “paraíso”, mas que logo
descobriram estar longe desse paraíso com que sonhavam. O fracasso

23. Pierre de Ronsard, « Discours des miséres et autres piéces politiques (1562-1563), » in
Oeuvres Complètes, vol. XI (Paris: Librairie Marcel Didier, 1946), 81.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1018 Danilo Marcondes

desse projeto utopista não foi tanto consequência das características


desse mundo “novo e inocente”, mas sobretudo dos homens que trou-
xeram consigo suas crenças, rivalidades e ambições a essa região idílica,
que desta forma acabaram por transformar em algo similar à realidade
europeia de que pretenderam escapar.
Mesmo Montaigne, que, no ensaio Os canibais, afirma que o cani-
balismo deveria ser condenado em todas as circunstâncias como um
ato de crueldade, mantém que é preciso distinguir os diferentes motivos
pelos quais é praticado, dizendo que deve ser condenado pela razão, mas
compreendido de acordo com os costumes. “Devemos portanto conside-
rá-los bárbaros segundo as regras da razão, mas não em relação a nós que
os superamos em barbárie”. E na Apologia de Raimond Sebond afirma que
“os canibais desfrutam de uma vida longa, tranquila e aprazível, sem os
preceitos de Aristóteles”.
Diante das diferenças profundas entre os habitantes do Brasil e os
europeus encontramos nos primeiros escritos a descrever esta realidade
as seguintes hipóteses:

1. São povos que possuem outra natureza, resultado talvez de uma outra
criação. A diferença radical de costumes deve indicar uma natureza
inteiramente diversa.
2. São seres humanos, mas como crianças, pertencendo a um estágio
primário, ou pouco desenvolvido, que possivelmente tiveram seu desen-
volvimento interrompido pelas condições geográficas ou físicas de onde
viviam.
3. São seres malditos, descendentes de Ham, amaldiçoados por Noé
(Gênesis, 9:18-10:32).
4. São seres que devido a um ambiente muito diverso têm costumes total-
mente diferentes, mas não necessariamente melhores ou piores. Não
constituem um estágio inferior da humanidade, mas uma outra forma
de vida.

A hipótese (1) e as (2) e (4) são excludentes. Porém, a hipótese (1)


não é muito frequente. A hipótese (2) se encontra nos primeiros relatos
ou cartas de Colombo e Américo Vespúcio e parece se inspirar no mito
da Idade do Ouro ou na concepção aristotélica dos estágios da huma-
nidade. A hipótese (3) é uma explicação possível para (2). A hipótese (4) se
encontra em autores como Jean de Léry (Voyage à la terre Du Brésil, 1575)
e em Montaigne (Os canibais), que possivelmente leu Léry. É a hipótese
etnológica que explica a diferença por causas sociais, geográficas, histó-

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O Novo Mundo, a lei e o costume 1019

ricas, mas se exime de julgar se se trata de povos inferiores ou não. Para


Montaigne, trata-se de uma outra humanidade em toda sua plenitude.
Lévi-Strauss vê nesses relatos os precursores da etnografia.

7. Considerações finais: Natureza ou costumes?

Segundo o comentário de Pierre Villey24 sobre Montaigne e o Novo


Mundo, temos aí uma nova questão moral: se há diferenças profundas
entre os costumes humanos e a ideia “simples e cômoda” que temos da
natureza humana é colocada em xeque devido à descoberta dos povos do
Novo Mundo, pode-se dizer que há diferentes maneiras de ser feliz, dife-
rentes tipos de felicidade?
Seriam essas diferentes maneiras cada uma delas restrita à sociedade
a que correspondem ou podem representar possibilidades de modos de
vida mesmo para indivíduos de outras culturas? A questão nesse momento,
para esses autores, parece ser: o homem europeu pode ser feliz como os
selvagens do Novo Mundo? Será que eles fornecem um modelo, um ideal
de forma de vida simples e feliz? Seria possível imitar o selvagem? Será
que eles possuem um tipo de felicidade e mesmo de sabedoria naturais que
podem ser aprendidas? Será possível passar por uma transformação, uma
nova experiência, um tipo de conversão, tornando-se como um nativo? A
inocência perdida pode ser recuperada?
Refletindo sobre os escritos dos viajantes, a lição que alguns pensa-
dores como Montaigne extraíram parece ser: “viver conforme a natureza”.
Trata-se da visão do nativo que foi capaz de conservar suas virtudes
originais graças à vida natural.
É este o sentido da descrição dos selvagens que encontramos na carta
Mundus Novus de Américo Vespúcio (1503):

Não usam vestimentas, nem de lã, nem de linho, nem de algodão, porque
não necessitam disso; e não possuem nenhum patrimônio, todos os bens
são comuns a todos. Vivem sem rei, nem governador e cada um é senhor
de si. Têm tantas esposas quanto quiserem e não possuem templos, nem
religião e tampouco são idólatras. Que mais posso dizer? Vivem segundo
a natureza e podem ser considerados mais epicuristas que estoicos25.

24. Pierre Villey, Les Sources et l’Évolution des Essais de Montaigne (Paris  : Librairie
Hachette, 1908) 144.
25. Amerigo Vespucci, Mundus Novus: Vespucci reprints, texts and studies (Princeton:
Princeton University Press, 1916), 5.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1020 Danilo Marcondes

Segundo essa concepção, “viver segundo a natureza” é viver livre de


dois grandes obstáculos à felicidade que existem no mundo europeu, a
Igreja e o Estado. Como vimos anteriormente, “não têm nem rei, nem lei”.
Mas, no século XVI essa questão não interessou particularmente aos
teólogos, nem católicos, nem protestantes, porque essa “lei da natureza”
não tinha relação com a lei divina, a lei da revelação. E essa questão
tampouco interessou aos homens de ciência porque essas “leis” da natureza
não eram leis científicas, resultando do conhecimento da estrutura e do
funcionamento do mundo físico.
A ambição, finalmente fracassada, dos fundadores da França Antártica
consistia em crer que a mudança de contexto levaria a uma nova forma
de vida em que católicos e huguenotes poderiam conviver sem conflito.
Projeto ilusório, pois eles mesmos trouxeram o conflito para o “paraíso”.
Seria isso inevitável? A busca da felicidade no Novo Mundo parece ter sido
uma busca por uma nova identidade, e de uma felicidade que resultaria
dessa nova identidade, dessa transformação que os europeus experimen-
tariam com essa mudança radical.
Se, como dizia Montaigne na Apologia de Raimond Sebond, “somos
cristãos do mesmo modo que somos perigordianos ou alemães”, o que
poderíamos ser no Novo Mundo, onde as possibilidades de busca da feli-
cidade pareciam então em aberto?

Referências

Anghiera, Pierre Le Martyr. De orbe novo decades et Oceano Decas. Paris: Belles Lettres, 2003.
Aquino, São Tomás de. Suma Teológica. São Paulo:Loyola, 2013.
Buarque de Holanda, Sergio. Visão do Paraíso. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Calafate, Pedro. A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora. Lisboa: Almedina,
2015.
Cartledge, Paul. The Greeks: a portrait of self and others. Oxford: Oxford University Press, 2002.
Copenhaver, B. e C.B. Schmitt. Renaissance philosophy: A history of Western Philosophy. Oxford:
Oxford University Press,1992.
Dumont, Jean. La vraie controverse de Valladolid: premier débat des droits de l’homme. Paris:
Criterion, 1995.
Fauré, Christine. Les Déclarations des droits de l’homme de 1789. Paris: Payot, 1988.
Gutiérrez, Jorge Luis. Aristóteles em Valladolid. São Paulo: Editora Mackenzie, 2007.
Hartog, François,. Le mirroir d’Hérodote, Paris, Gallimard, 1980.
Heer, Fredrich. The Holy Roman Empire. London: Phoenix, 1995.
Hodgen, Margaret T. Early anthropology in the sixteenth and seventeenth centuries. Philadelphia:
University of Pennsylvania Press, 1964.
Jullien, François. De l’universel, de l’uniforme, du commun et du dialogue entre les cultures. Paris:

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O Novo Mundo, a lei e o costume 1021

Plon, 2008.
Léry, Jean de. Voyage à la terre Du Brésil. Paris: Livre de Poche, Bibliothèque Classique, 2008.
López de Gómara Francisco. Historia General de las Índias. Madrid: Calpe, 1922.
Marcondes, Danilo. As raízes da dúvida. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
Marcondes, Danilo. “Le nouvel Éden: la quête du bonheur en Amérique au XVIème siècle.” In
Sagesse et Bonheur, editado por Benoît Castelnérac e Syliane Malinowski-Charles, 25-39.
Paris: Hermann, 2013.
Menzies, Gavin. 1421: the year China discovered America. New York: Perennial, 2003.
Montaigne, Michel. Essais. Paris: Arléa, 2004.
Morus, Thomas. Utopia. São Paulo: Martin Claret, 2008.
Papávero, Nelson et al. O Novo Éden. Belém: Museu Goeldi, 1996.
Parfitt, Tudor. The lost tribes of Israel: a history of a myth. London: Weidenfeld and Nicolson, 2002.
Platão, “Crítias”. In Diálogos, Belém: Universidade Federal do Pará, 1973.
Platão, “Leis”. In Diálogos, Belém: Universidade Federal do Pará, 1973.
Platão, “Timeu”. In Diálogos, Belém: Universidade Federal do Pará, 1973.
Schreffler, M.J. “Vespucci rediscovers America: the pictorial rhetoric of cannibalism in early
modern culture.” Art History 28, 3 (2005): 295-310.
Schwartz, Stuart B. All can be saved: religious tolerance and salvation in the Iberian Atlantic World.
New Haven & London: Yale University Press, 2008.
Souza, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1938.
Thomas, Hugh. Rivers of gold: the rise of the Spanish Empire from Columbus to Magellan. New
York: Random House, 2003.
Teixeira, Pedro e Nelson Papávero. O Novo Éden. Belém do Pará: Museu Goeldi, 2002.
Todorov, Tzevtan. Le Nouveau Monde. Paris: Vrin, 2004.
Vespucci, Amerigo. Mundus Novus: Vespucci reprints, texts and studies. Princeton: Princeton
University Press, 1916.
Vidal-Naquet, Pierre. L’Atlantide: petite histoire d’un mythe platonicien. Paris: Les Belles Lettres,
2005.
Villey, Pierre. Les sources et l’évolution des Essais de Montaigne. Paris: Librairie Hachette, 1908.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1023-1046.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1023

La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la


conquista: pluralidad, justicia y libertad *
AMBROSIO VELASCO GÓMEZ **

Abstract
This paper analyze Alonso de la Veracruz critical philosophy. He was one of the most radical
and rigorous critic of Spanish Conquest of America in the XVI Century. He was founding
professor of Theology at the University of Mexico and in his first course of 1553 he addressed
the problem of the legitimacy of the Spanish Conquest, from the humanist and republican
perspective of The School of Salamanca (Vitoria, Soto). As a product of his first course he
wrote Relectio dominio infidelium and iusto bello, concluding that the war and the domination
of Spanish over Indians are unjust, because there is not any theological, legal or philosophical
justification. Therefore, Spaniards should give back lands expropriated to Indians and let
the Indian people free with their own laws and governments. Because of this and other
criticisms to Spanish powers, Alonso de la Veracruz was sent to an inquisitorial process. In
the analysis I distinguish three kinds of philosophical basis of Alonso de la Veracruz critique
to the Spanish Conquest and domination: A nominalist epistemology, a “multiculturalist”
humanism and a republican political theory. These three aspects constitutes a strong
philosophical net to criticize any kind of ethnocentrism and authoritarianism, which is still
standing in nowadays, after 500 years from the Spanish Conquest.
Keywords: Alonso de la Veracruz, conquest, Iberoamerica, Indian freedom, plurality and
justice, republican humanism.

I. Introducción

E
n 2019 se conmemoran los 500 años del inicio de la conquista
española del continente Americano, después del etnocidio sobre
los indígenas de las islas caribeñas, como lo atestiguó fray Antón
de Montesinos en diciembre de 1511.1 El problema fundamental de aquel

* Este trabajo se realizó dentro del proyecto de Investigación PAPIIT IN402216 (México).
** Universidad Nacional Autónoma de México.
 ambrosio@unam.mx
1. El cuarto domingo de adviento de 1511, fray Antón de Montesinos pronunció un
enérgico sermón redactado por los misioneros dominicos en la Isla de la Española
en contra de los abusos de los encomenderos españoles que estaban exterminando
los indios isleños. Bartolomé de las Casas se encontraba entre los feligreses que
escucharon el sermón que lo influyó profundamente, a grado tal que pocos años

1023-1046

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1024 Ambrosio Velasco Gómez

tiempo, hace ya 500 años, era precisamente ¿Qué hacer con un “mundo
nuevo”, profundamente diferente al mundo europeo? Ante esta pregunta
se dieron una diversidad de respuestas y un intenso y desigual debate que
se polarizó en dos posiciones: La primera es de aspiración universalista
que asume la superioridad de la cultura europea, en todas sus dimen-
siones, pero sobre todo en lo religioso y lo político. Desde este presupuesto
el mundo radicalmente diferente de los pueblos indígenas era un mundo
incivilizado, bárbaro, incluso demoniaco frente a España, que se presenta
como el modelo universal de civilización y sobre todo de estado cristiano,
como lo señala Maquiavelo en El Príncipe al considerar que Fernando de
Aragón se ha convertido en el Rey de toda la Cristiandad. Esta posición
que asume una filosofía universalista de la historia y la cultura se concreta
en un proyecto político y civilizatorio: el imperio cristiano más grande de
toda la historia.
La segunda posición es totalmente opuesta y en buena medida es
una “visión de los vencidos” en España y en América, que encuentran en
su condición de vencidos por el imperio español una situación y un hori-
zonte común de resistencia y emancipación. Esta visión fue elaborada filo-
sóficamente en sus inicios por humanistas de la llamada época gloriosa
de la Universidad de Salamanca en el temprano Renacimiento español,
entre ellos Alfonso Madrigal, Pedro Martínez de Osma y Fernando de
Roa,2 que influyen decididamente en la revolución comunera de 1520
contra Carlos V y también en escritos de espíritu republicano de esos
años como El Tratado de la República de Alonso de Castrillo. Estos autores
y el mismo movimiento comunero de 1520 son antecedentes fundacio-

después renunció a su encomienda, devolvió la tierra a sus naturales encomendados


y se convirtió en un incansable defensor de los derechos de los indios por el resto de
su vida. A raíz del sermón de Montesinos, el rey Fernando convocó en 1512 a una
junta de teólogos y juristas en Burgos para discutir la licitud del dominio de España
sobre los indios de las islas recién descubiertas y de la forma de gobernarlos. La figura
académica más destacada de las Juntas de Burgos fue el teólogo dominico Matías de
Paz, catedrático de Teología de la Universidad de Valladolid, quien escribió en 1512 la
obra De Dominio Regum Hispaniae super indos, que es probablemente la primera obra
en la que se discute filosóficamente la legitimidad de la guerra y el dominio español
sobre los indios del Nuevo Mundo. Esta obra ha sido recientemente editada en versión
bilingüe por Paulino Castañeda, José Carlos Martín de la Hoz y Eduardo Fernández,
Acerca del dominio sobre los indios (Salamanca: Editorial San Esteban, 2017). Sobre el
sermón de Montesinos véase Ramón Hernández et al., El grito y su eco. El sermón de
Montesino (Salamanca: Editorial San Esteban, 2011).
2. José Luis Villacañas, ¿Que imperio? Un ensayo polémico sobre Carlos V y la España
imperial (Madrid: Almuzara, 2008), 42.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1025

nales de la tradición humanista y republicana que se desarrolla en la


misma Universidad de Salamanca con Francisco de Vitoria y Domingo, se
extiende en América con autores como Alonso de la Veracruz y Bartolomé
de las Casas en América y también en Portugal con Martín de Azpilcueta,
Martín de Ledezma, Luis de Molina, entre otros.3 Estos humanistas reco-
nocen y aprecian la intrínseca diversidad de la humanidad, que se mani-
fiesta históricamente en España en la convivencia de cristianos, judíos y
musulmanes durante varios siglos del medievo. Tal diversidad se poten-
cializa con el encontronazo violento con los pueblos y culturas indígenas
del “Nuevo Mundo”. Los salmantinos reconocen la equidad entre los dife-
rentes pueblos, culturas y naciones de Europa y de América, negando la
pretensión de universalidad o superioridad de las civilizaciones europeas
que justificaría la misión de España para civilizar al mundo entero.
En lugar de imponer por la fuerza de la conquista un único modelo de
sociedad, religión, cultura y estado, los salmantinos reconocen la valía
de las civilizaciones originarias y exigen respeto a sus formas de orga-
nización social y política. Si bien consideran que el cristianismo es la
religión verdadera, esta concepción sólo puede predicarse reconociendo
la libertad de los indios de aceptarla o rechazarla, pero jamás se puede
coaccionar para imponer la fe. Desde este humanismo antiimperial, que
podríamos denominar multiculturalista, se condena a la conquista y la
dominación española.
El mundo iberoamericano emergió hace cinco siglos en esta intensa
pero desigual controversia entre una visión universalista y imperial y
un humanismo multicultural, antiimperialista e incluso republicano. El
primero impone a los pueblos de América una visión exógena, homogénea,
unívoca de la cultura, el derecho, la política y del devenir y porvenir de la
historia. Desde esta posición los pueblos indígenas de América tienen que
transformarse, incluso por la fuerza, a imagen y semejanza de los europeos.
Se trata de una guerra no de destrucción sino de “edificación”, como argu-
mentaban los más destacados humanistas imperiales, como Vasco de
Quiroga o Ginés de Sepúlveda. Dejar a los indios en su estado actual de
barbarie sería un grave pecado y una irresponsabilidad antihumanitaria.
Frente a este imperialismo universalista, el humanismo anti-imperial,
no juzga a los americanos desde un supuesto modelo universal extraño
a ellos, sino busca comprender desde la perspectiva propia y auténtica

3. Cfr. Pedro Calafate y Ramón E. Mandado, La Escuela ibérica de la Paz. Conciencia


crítica de la conquista y colonización de América (Santander: Editorial de la Universidad
de Cantabria, 2014).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1026 Ambrosio Velasco Gómez

de los americanos sus formas de vida, religión, leyes, arte cultura, etc., y
desde esta visión endógena (emic, dirían los antropólogos), aprecian su
valía intrínseca e incluso la grandeza de sus civilizaciones que no por ser
diferentes a la europea son inferiores.
Entre los filósofos críticos al imperio hispánico en América, Fray
Alonso de la Veracruz es uno de los más destacados, por su radical
condena a la conquista y dominación española en América, su decidida
defensa de la equidad entre culturas diversas y del derecho de cada nación
al gobierno propio, así como la amplitud y solidez de pensamiento filo-
sófico. Pero, además, Alonso de la Veracruz se distingue por su intensa
y larga lucha en tierras mexicanas en defensa de los pueblos indígenas.
Su nombre original era Alonso Gutiérrez. Nació en Caspueñas, España,
en 1507. Estudió gramática en la universidad de Alcalá y artes y teología
en la Universidad de Salamanca con Francisco de Vitoria y Domingo de
Soto. Después de graduarse como bachiller y enseñar Artes en Salamanca,
vino a México como maestro de los misioneros agustinos en 1536 y al
llegar al puerto de Veracruz adoptó el nombre de Alonso de la Veracruz. A
partir de entonces dedicó su vida a la predicación del Evangelio, la ense-
ñanza universitaria y la defensa de los indios. En 1540 fundó, en Tiripitío,
Michoacán, la primera escuela de filosofía europea en América, y en 1553
fue invitado a la Universidad de México como catedrático fundador de
Sagradas Escrituras y de Teología.
Durante su magisterio en la Universidad de México, en sólo 3 años
escribió y publicó sus principales obras filosóficas, empezando por sus
tratados de lógica Recognitio Sumularum y Dialectica resolutio, que fueron
los dos primeros textos de filosofía publicados en el continente americano
en 1554, y que posteriormente fueron publicados en varias ediciones en
España; Relectio De Dominio infidelium et iusto bello, escrita y dictada
en 1554, Relectio De Decimis, escrita y dictada en 1555; Speculum coniu-
gorum, publicada en 1556; Physica Speculatio, publicada en 1557. A raíz
de las enérgicas y fundamentadas críticas que desde su cátedra y a través
de sus relecciones realizó a la conquista y al poder imperial y eclesiástico
sobre los indios, fray Alonso se convirtió en el principal enemigo del
Arzobispo de México Alonso de Montufar, al grado tal que con el apoyo
de Vasco de Quiroga lo acusó ante la Inquisición en 1558. A raíz de esta
acusación De la Veracruz tuvo que abandonar su cátedra universitaria y
viajar a España en 1561 para defender su causa.4 Aprovechó su regreso a

4. Cfr. Magnus Lundberg, Unificación y conflicto. La gestión episcopal de Alonso de

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1027

España para defender ante el rey Felipe a las órdenes religiosas frente a las
presiones de los obispos cuyo creciente poder veía con preocupación. El
propio fray Alonso rechazó en tres ocasiones el nombramiento de obispo
del propio emperador Carlos V. Además, reunió una gran biblioteca de más
de 3000 volúmenes que llevó de regreso a México para fundar la primera
gran biblioteca en todo el continente americano. Durante su estancia en
España también estableció una cercana amistad e intensa colaboración
con Bartolomé de las Casas durante los últimos cuatro años de su vida.
De estos años provienen los escritos más radicales de las Casas, como el
memorial de 1565, leído por el propio Fray Alonso de la Veracruz ante el
Consejo de Indias, en el cual se afirma que “todas las guerras que llamaron
conquistas son injustísimas y propias de tiranos”.5 Esta radicalización del
pensamiento de las Casas es muy probable que se deba a la personal cola-
boración de fray Alonso de la Veracruz.
Después de salir airoso del proceso inquisitorial, regresó a México en
1573 para dedicarse el resto de su vida a la investigación y enseñanza de
la filosofía, las ciencias y la teología en el Colegio agustino de San Pedro y
San Pablo que él mismo fundó en 1575 en un barrio de indios en la ciudad
de México, con un profundo sentido humanista a favor de los derechos de
los pueblos indígenas. Francisco Cervantes de Salazar, cronista y también
profesor de retórica de la Universidad de México, describe a Alonso de
la Veracruz como “el más eminente maestro en artes y teología que haya
en esta tierra, y catedrático de prima de esta divina y sagrada facultad:
sujeto de mucha y variada erudición en quien compite la más alta virtud
con la más exquisita y admirable doctrina”.6 Sin duda De la Veracruz fue
el representante más destacado de la Escuela de Salamanca en América.
La obra filosófica de Alonso de la Veracruz abarca teología, filosofía
del lenguaje, lógica, epistemología, teoría de la argumentación, física, filo-
sofía de la cultura, filosofía del derecho y filosofía política. Esta última

Montufar OP, Arzobispo de México, 1554-1572 (Zamora: El Colegio de Michoacán,


2009).
5. Bartolomé de la Casas, Memorial leído por Alonso de la Veracruz ante el Consejo de
Indias (circa 1565), citado por Jesús de la Torre Rangel en “Acciones conjuntas de
fray Alonso de la Veracruz y Bartolomé de las Casas en defensa de los derechos de lo
indios,” in Fray Alonso de la Veracruz, universitario, humanista, filósofo y republicano,
ed. Ambrosio Velasco Goméz (México: Universidad Nacional Autónoma de México),
233-246.
6. Francisco Cervantes de Salazar, “La Universidad de México,” in México en 1554.
Tres diálogos latinos (México: Facultad de Filosofía y Letras, Universidad Nacional
Autónoma de México, 2001), 10.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1028 Ambrosio Velasco Gómez

constituye el ápice que articula en una sólida y bien sustentada red todo su
pensamiento filosófico cuya principal motivación es la crítica a la guerra
de conquista y a la dominación española sobre los indios americanos y la
defensa de sus derechos y dignidad humana. En este trabajo nos propo-
nemos analizar los componentes principales de esta bien tramada red
filosófica a favor del reconocimiento de la diversidad de culturas, de la
racionalidad de los indios americanos, de su libertad política y de la paz
entre naciones. Primeramente, se analizará la filosofía nominalista del
lenguaje y su vinculación con la teoría de la argumentación dialógica que
propone Alonso de la Veracruz como fundamento de su filosofía pluralista
de la cultura y del derecho que a su vez sustenta su visión republicana de
la política desde la cual realiza una crítica radical al poder temporal del
papa y a las pretensiones de legitimidad de la guerra de conquista y del
poder imperial. Esta filosofía comprometida con los pueblos y naciones
del Nuevo Mundo constituye una alternativa al proyecto imperial de
los Reyes Católicos y sobre todo de Carlos V con los que da inicio a la
Modernidad, alternativa que dejó una profunda huella en el pensamiento
humanista iberoamericano que perduró hasta los movimientos de inde-
pendencia y aún hoy se manifiesta en los movimientos de resistencia de
los pueblos indígenas.

II. Nominalismo y dialéctica

Alonso de la Veracruz se interesó especialmente en corriente nomina-


lista de la lógica y la filosofía del Lenguaje, al grado tal que su padrino de
graduación como bachiller en Teología fue el doctor Juan Martínez Silíceo,
el más destacado nominalista de la Universidad de Salamanca quien
había sido profesor en la Universidad de París y después fue preceptor
del príncipe Felipe y llegó a ser arzobispo de Toledo.7 El nominalismo
tenía una fuerte presencia en la Universidad de Paris desde mediados
del siglo XV y a principios del siglo XVI destacados filósofos españoles
estudiaron en esa universidad y recibieron la influencia nominalista
que posteriormente difundirán en las Universidades de Salamanca y de

7. Sobre la influencia de Martínez Silíceo en la formación filosófica de Alonso de la


Veracruz véase Clara Inés Ramírez, “Alonso en la Universidad de Salamanca. Entre
el tomismo de Vitoria y el nominalismo de Martínez Silíceo,” in Fray Alonso de la
Veracruz, universitario, humanista, filósofo y republicano, ed. Ambrosio Velasco Goméz
(México: Universidad Nacional Autónoma de México), 63-79.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1029

Alcalá.8 El nominalismo, fundado por Duns Scoto y Guillermo de Ockham


a principios del siglo XIV, se oponía a la vertiente dominante de la filo-
sofía escolástica respecto a la existencia de los universales en la realidad.
Precisamente al inicio de la Dialectica Resolutio, Alonso se pregunta si los
conceptos universales existen en la realidad o sólo en el pensamiento, esto
es, si tienen una denotación o extensión igualmente universal:

Es dudoso si el universal en el predicar sea también el universal en el


ser, y esto equivale a preguntar por una parte si estos universales existen
en la naturaleza de las cosas como decía Platón […] o por el contrario
sólo existen objetivamente en el pensamiento de tal modo que ninguno
tendría ser natural sino solo ficticio.9

Para contestar esta pregunta revisa los puntos de vista de Platón y de


Aristóteles, pero sobre todo expone con sistematicidad el punto de vista
nominalista de Ockham, a quien le atribuye el principio de que “toda cosa
es singular y ninguna cosa existe en muchos, cuando menos la que es
creada, es universal” y agrega “el universal es nulo […] porque significa
muchas cosas singulares”.10
Fray Alonso se inclina por una tesis nominalista que afirma que
todo lo que existe es individual y que los universales sólo existen como
conceptos en la mente, pero que al predicarse de cosas singulares tienen
el carácter de hipótesis que deben discutirse y someterse a prueba. La
justificación racional de las hipótesis o premisas probables no sólo es de
carácter empírico sino también, y primordialmente, dialógico frente a
otras interpretaciones, otros conceptos y otras predicaciones contextual-
mente relevantes.
La postura nominalista que adopta Alonso de la Veracruz lo inclina
hacia la argumentación dialógica y deliberativa sobre la demostración
lógica. Si no hay conceptos universales sobre la realidad tampoco se

8. “A principios del siglo XVI, en la Universidad de París había un nutrido grupo de Españoles
llevando a cabo sus estudios universitarios. Entre ellos se encontraba Juan Lorenzo de
Celaya (1490-1558), quien a su vez fue profesor de Francisco de Vitoria y Domingo de
Soto. Las universidades de Salamanca y Alcalá no escaparon a la influencia nominalista de
Paris.” Juan Abelardo Hernández Franco, “La Jurisprudencia como instrumento cultural
en el siglo XVI”, Tópicos, Revista de Filosofía, nº. 34 (Julio 2008), 152.
9. Alonso de la Veracruz, “Dialectica Resolutio,” in El Problema de los Universales en el
Libro Primero de la Dialectica Resolutio de fray Alonso de la Vera Cruz, traducido por
Miguel Ángel Romero, tesis de licenciatura en Letras Clásicas (México D.F.: Facultad
de Filosofía y Letras de la UNAM, 2010), 37.
10. Ibid., 37.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1030 Ambrosio Velasco Gómez

puede disponer de premisas universalmente verdaderas en el ámbito del


conocimiento fáctico. Tan sólo es posible contar con premisas probables
o verosímiles propias de la argumentación retórica y de la argumen-
tación dialéctica que proporcionan un grado de certeza inferior a la lógica
demostrativa:

Tres son los grados de certeza. El primero está en las matemáticas […].
El segundo grado de certeza está en los discursos dialécticos […] y así
el discurso dialéctico proviene del silogismo [con premisas probables y
topos comunes] o de la inducción y uno y otro de conocimientos previos.
El tercer y último grado de certeza está en la retórica. La retórica proviene
de la persuasión, de la conjetura y de otros conocimientos y así también
de un conocimiento preexistente.11

Es importante subrayar que Alonso considera que todo conocimiento


y toda argumentación parte de conocimientos antecedentes, (esto es de
conocimientos y tradiciones intelectuales con historicidad), que cuentan
con diferente grado de dependencia contextual. La argumentación demos-
trativa propia de las matemáticas que trata sobre entes de razón y no de
experiencia constituye el grado más alto de certeza que fundamenta una
ciencia verdadera de validez universal. En contraste, la lógica dialéctica, al
igual que la retórica, que trata primordialmente de sobre hechos y aconte-
cimientos históricos, políticos, culturales y sociales, depende de premisas
probables y la inferencia requiere de conceptos, criterios y reglas (“topos”
o “lugares comunes”), que varían de nación a nación. La dialéctica, a dife-
rencia de la retórica, se preocupa por establecer reglas para la evaluación
más rigurosa de recursos argumentativos, que procuren una solución
estrictamente racional de las opiniones en conflicto, mientras que la
retórica apela más a la imaginación, las convenciones y emociones para
lograr la persuasión del interlocutor. En todo caso, tanto la retórica como
la dialéctica proveen argumentos legítimos y se distinguen de los elencos
sofísticos que producen falacias.
Cabe destacar que la dialéctica propuesta por fray Alonso es una
respuesta a la intensa polémica desarrollada desde el siglo XV entre
humanistas que defienden la retórica frente al rigorismo dialéctico de
lógicos escolásticos. En este contexto Alonso de la Veracruz desarrolló la
orientación humanista de la dialéctica reformulada por Lorenzo Valla y

11. Ibid., 145-141.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1031

Rodolfo Agrícola.12 Al igual que ellos Veracruz critica los excesos formales
de la dialéctica escolástica. Tanto en el Tratado de los tópicos dialécticos
como en el Libro de los Elencos Sofísticos y en la Dialectica resolutio,
Alonso reduce o elimina aquellos temas más deplorados por humanistas
como Erasmo y Vives y al igual que ellos condena la sofistería de los esco-
lásticos rigoristas que han degradado la dialéctica aristotélica volviéndola
inútil para asuntos prácticos de la ética y la política.13
En suma, Alonso de la Veracruz se aleja tanto de las falacias univer-
salistas de seudo argumentos demostrativos desarrollados por los defen-
sores del imperio (Ginés de Sepúlveda, por ejemplo), como de los excesos
rigoristas de dialécticos escolásticos. Frente a estas desmesuras argumen-
tativas, Alonso propone una equilibrada síntesis en clave humanista entre
retórica y dialéctica que procura la deliberación y juicio racional en la
confrontación de opiniones en controversia. Este método dialéctico es
apropiado para las controversias en torno a la conquista y dominación
imperial en América y es el método que utiliza en su Relección De Dominio
infidelium et iusto bello, que se analizará más adelante.

III. Pluralismo cultural

Durante la Edad Media coexistieron en la Península Ibérica tres


grandes religiones monoteístas: la judía, la cristiana y la islámica. Esta
convivencia de diversas culturas estaba respaldada por instituciones y prác-
ticas republicanas en las principales ciudades y reinos de Castilla y Aragón.
La pluralidad cultural terminó con la unificación de los reinos de España
impulsada por los reyes católicos y las instituciones y costumbres repu-
blicanas se vieron amenazadas con el proyecto imperial de Carlos V. Los
siglos de tolerancia, diversidad cultural y prácticas republicanas dejaron
huella en el pensamiento de destacados humanistas del Renacimiento,
especialmente en la Universidad de Salamanca. Esta experiencia histórica
se reforzó con las reformas en los estudios de Teología y artes promovidas
por Francisco de Vitoria y otros profesores que habían estudiado en la

12. Cfr. Leticia López Serratos, El humanismo de Rodolfo Agrícola (México: Universidad
Nacional Autónoma de México, Facultad de Filosofía y Letras, 2008).
13. Cfr. Vicente Muñoz Delgado, “El Pensamiento lógico,” in Laureano Robles, editor,
Filosofía Iberoamericana en la época del Encuentro, Enciclopedia Iberoamericana de
Filosofía, Tomo I (Madrid: Editorial Trotta – Consejo Superior de Investigaciones
Científicas, 1992), 348-352.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1032 Ambrosio Velasco Gómez

Universidad de Paris, a su llegada a la Universidad de Salamanca en 1526,


pocos años después de la legendaria revolución comunera de 1520 contra
el gobierno imperial de Carlos V. La reacción española contra la reforma
protestante agudizó aún más la intolerancia cultural, no sólo contra
Lutero sino en general contra la pluralidad religiosa y cultural, especial-
mente la del Nuevo Mundo. Imperio español, ortodoxia católica y homo-
geneización cultural se fundieron en un proyecto de expansión mundial.
Para los defensores del proyecto imperial, la principal justificación de la
expansión del dominio español sobre el Nuevo Mundo era precisamente la
necesaria evangelización y educación de los indios en la religión y forma
de vida cristiana para salvarlos de la barbarie y el infierno. La naturaleza
bárbara de los indios de América justificaba la conquista y la dominación
política. Los opositores del proyecto imperial, humanistas también cató-
licos pero respetuosos de la diversidad de culturas, rechazaban la tesis de
carácter bárbaro de los pueblos y personas indígenas. El hecho de tener
culturas y formas de vida social y política diferentes a los europeos no
convertía a los indios en bárbaros. Los naturales de América a su manera
eran gentes civilizadas y racionales igual que los españoles, como clara-
mente lo señala Alonso de la Veracruz al refutar supuesta barbarie de los
americanos como argumento a favor de la conquista y dominación espa-
ñolas:

Los habitantes del Nuevo Mundo no solo no son niños o amentes sino que
a su modo sobresalen, y por lo menos algunos de entre ellos son de los
más eminentes. Es evidente lo anterior porque antes de la llegada de los
españoles, y aún ahora lo estamos viendo, hay entre ellos magistrados,
gobiernos y ordenamientos de lo más conveniente… luego no eran tan
infantes y amentes como para que fueran incapaces de dominio propio.14

Esta visión sensible al reconocimiento de diversas formas de racio-


nalidad en diversas culturas que hoy podríamos llamar multiculturalista
tenía un sólido fundamento epistemológico y ontológico en la filosofía
nominalista del lenguaje que sustentaba Alonso de la Veracruz. Al negar
existencia real a los referentes de los conceptos universales y afirmar que
todo lo real es particular, no podía asumirse a priori la universalidad de
la justicia, la racionalidad, la libertad, etc. Por el contrario, no hay un

14. Alonso de la Vera Cruz, Sobre el dominio de los indios y la Guerra Justa, traducción de
Roberto Heredia (México D.F.: Facultad de Filosofía y Letras, Universidad Nacional
Autónoma de México, 2004), 329.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1033

modelo unívoco de belleza, de racionalidad, de bondad o de justicia, sino


una diversidad de naciones particulares que se juzgan bellas, racionales,
etc. Lo que sí podemos encontrar entre pueblos y naciones particulares
son semejanzas, analogías más o menos cercanas y es a partir de su ponde-
ración que podemos predicar verosímilmente, no categóricamente, si son
o no racionales, bellos, justos, etc.
Apreciar la diversidad de juicios sobre los particulares exige un
verdadero esfuerzo hermenéutico para poner entre paréntesis o al menos
en duda los prejuicios propios, los conceptos y valoraciones familiares
de la propia cultura para concebir y juzgar con objetividad las naciones
y personas que se quiere comprender y valorar desde sus culturas. En el
caso de los pueblos del Nuevo Mundo, era necesario un intenso trabajo
antropológico y etnográfico para poder comprender sus lenguas, culturas,
instituciones y formas de vida social y política. Los primeros misioneros
realizaron de manera admirable esta tarea y fueron brillantes etnólogos,
lingüistas, antropólogos e historiadores que se esforzaron por comprender
a los pueblos indígenas en sus propios y originales términos, en palabras
de Miguel León Portilla, desde la propia “visión de los vencidos”. En contra
de esta visión, predominó entre los cronistas, juristas y conquistadores la
visión exógena de los vencedores ante la cual los indios aparecían como
bárbaros y demoniacos y por ello tenían que ser sometidos por la fuerza y
dominados por los españoles, supuestos modelos de racionalidad, justicia
y cristiandad, etc., como sostenía Ginés de Sepúlveda al señalar la primera
causa que justifica la guerra de los españoles contra los indios:

La primera [causa] es que siendo por naturaleza siervos, los hombres


bárbaros, incultos e inhumanos se niegan a admitir la dominación de los
que son más prudentes, poderosos y perfectos que ellos; dominación que
les traería grandísimas utilidades, sino además cosa justa por derecho
natural que la materia obedezca a la forma, el cuerpo al alma, el apetito
a la razón, los brutos al hombre, la mujer al marido, los hijos al padre,
lo imperfecto a lo perfecto, lo peor a lo mejor, para bien universal de
todas las cosas. Este es el orden natural que la ley divina y eterna manda
observar siempre.15

Así la injusticia militar y política se funda en la injusticia epistémica


de imponer la visión de los vencedores para condenar a los indios vencidos.
Esta confrontación entre la visión de los vencidos y de los vencedores es

15. Ginés de Sepúlveda, Tratado sobre las justas causas de la guerra (México: Fondo de
Cultura Económica, 1996), 153-154.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1034 Ambrosio Velasco Gómez

el origen de un profundo trauma que persiste en las naciones iberoameri-


canas después de sus independencias y aún en nuestros días. Luis Villoro
expresa con agudeza la traumática confrontación entre la visión endógena
y la exógena de los pueblos indígenas:

Presenta América dos superficies en un mismo ser: Una que llama-


remos interna escapa como tal a la iluminación de la historia universal
y adquiere sentido por sus propias significaciones. Otra que rebasa la
individualidad para trascenderla hacia una realidad más amplia […] en
la primera dimensión de su ser el indio aparece inocente, en la segunda
culpable y demoníaco.16

La visión desde la “historia universal” externa a la particularidad


de los pueblos americanos es en realidad otra visión particular: la de los
conquistadores que se expresa en la mayoría de los cronistas y de inte-
lectuales afines al imperio. Su visión encubierta de una razón universal
constituye en sí misma no sólo una falsa visión sino, peor aún, una injus-
ticia epistémica desde la que se legitima la injusticia de la guerra y de la
dominación colonial. Por el contrario, la visión endógena de los vencidos
es una interpretación auténtica de los vencidos que resiste la condena y la
dominación de los pueblos originarios y reconoce en ellos su plena racio-
nalidad, su derecho a la libertad y su dignidad humana.
Entre los humanistas que se esforzaron por rescatar la visión de los
vencidos destacan figuras como fray Bernardino de Sahagún que fundó
en 1536 junto con otros misioneros franciscanos en la ciudad de México
el Colegio de Santa Cruz de Tlatelolco para nobles indígenas con el fin de
reconstruir códices y lenguas nahuas y enseñar la sabiduría europea. Esta
tarea se extendió en las diferentes misiones que se fundaban en diversas
provincias de la Nueva España. En el caso de la provincia de Michoacán
Alonso de la Veracruz y Maturino Gilberti realizaron admirables trabajos
etnográficos y lingüísticos entre los pueblos purépechas para comprender
y apreciar las culturas originarias en sus propios términos. Fray Alonso
de la Veracruz realizó una minuciosa investigación sobre el matrimonio y
vida familiar entre los purépechas para poder valorar, al margen del dogma
cristiano, si eran justas y buenas acorde a la ley natural. El resultado de
este trabajo antropológico publicado en 1559 en la extensa obra Speculum

16. Luis Villoro, Los grandes momentos del indigenismo (México: Colegio de México,
Colegio Nacional, Fondo de Cultura Económica, 1998), 102.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1035

Coniugorum (Espejo de Conyugues) es el reconocimiento de la plena


validez de estas instituciones purépechas, aunque no fueran cristianas.
Los estudios antropológicos de Alonso de la Veracruz corroboran sus
tesis multiculturalistas y obligan a una ampliación del sentido de conceptos
filosóficos de tal manera que puedan aplicarse a realidades diversas como
las americanas. Incluso conceptos centrales como el de ley natural se
tienen que flexibilizar a la luz de la diversidad de sociedades y culturas
particulares. Con este propósito Alonso de la Veracruz distingue entre
primeros y segundos principios de la ley natural: Los primeros principios,
si bien son universales, también son demasiado generales, abstractos y
ambiguos para poder aplicarlos directamente a realidades concretas. Para
ello se requieren segundos principios que no son universales y fijos, sino
variables de acuerdo con las distintas culturas y naciones:

La ley natural en relación con aquellas cosas que son de segundos prin-
cipios, los cuales se deducen como conclusiones de los primeros prin-
cipios, es variable y no es la misma en todas las naciones. Se prueba en
primer lugar por la experiencia, pues vemos que en algunas naciones algo
que se considera como bien naturalmente conocido por la luz natural de
los primeros principios, en otras naciones aquello no se considera como
bien.17

Es importante destacar que Alonso de la Veracruz da un peso impor-


tante a las diferencias históricas que existen entre diferentes naciones y
culturas respecto a lo que se considera justo o injusto, a lo que se juzga
como bien o como su contrario. Estas diferencias sustantivas obligan
a flexibilizar los principios éticos y políticos de tal manera que pueda
incluirse entre lo que se considera justo, bueno, racional, etc., un amplio
conjunto de pueblos, naciones, reinos y repúblicas con sus diferencias.
Esta flexibilización pluralista se fundamenta en la postura nominalista
que afirma que todo lo real es particular, incluyendo los reinos y repu-
blicas justas. Desde luego que esta flexibilización no conduce a relati-
vismos radicales, pues hay límites a las diferencias que se pueden admitir
entre la pluralidad de reinos y repúblicas realmente existentes para que se
puedan considerar justas. Esta determinación no es categórica ni demos-
trativa sino procede a través de un pensamiento analógico y dialéctico
sobre las semejanzas y diferencias entre los particulares y su relación con

17. Alonso de la Veracruz, Espejo de los cónyuges. Antología, traducción y notas de Carolina
Ponce (Universidad Panamericana, 2008), 105.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1036 Ambrosio Velasco Gómez

conceptos y principios teóricos. Alonso de la Veracruz realiza este admi-


rable análisis en su obra De Dominio Infidelium et iusto bello para llegar a
la conclusión que los reinos y republicas que existían antes de la llegada de
los españoles cumplían a su modo con los principios y criterios de justicia
y buen gobierno. Esta obra es resultado del curso inaugural de Teología en
Real Universidad de México (1553-1554).

IV. Filosofía política y crítica a la conquista y dominio imperial

La relección De Dominio Infidelium et iusto bello constituye la obra de


filosofía política y jurídica más importante de fray Alonso de la Veracruz
y la más destacada que se escribió y expuso en América en el siglo XVI.
El manuscrito de la relección de fray Alonso desapareció y estuvo perdido
hasta 1938. Gracias al hallazgo de la obra por el jesuita Ernest Burrus, se
publicó por primera vez en traducción al inglés en 1968.
La obra está dividida en seis dudas y cinco cuestiones en donde se
plantean problemas sobre la justificación de la guerra de Conquista y del
dominio de España en América, la capacidad y derecho de los indígenas
de América para gobernarse a sí mismos, así como la autoridad terrenal
del papa y el poder absoluto del emperador sobre el mundo entero. La
obra tiene una estructura semejante a las relecciones de sus maestros
salmantinos: De Dominio (1534) de Domingo de Soto y De Indis (1539) de
Francisco de Vitoria. En la discusión sobre las once dudas y cuestiones,
Alonso sigue la misma estrategia de las relecciones de sus maestros ante-
cesores de analizar los títulos legítimos y no legítimos de guerra y dominio
justos, dando argumentos a favor y en contra del derecho de los espa-
ñoles hacer la guerra y ejercer dominio sobre los naturales y sus tierras, de
acuerdo al método dialéctico. Las resoluciones de estas confrontaciones
dialécticas son siempre a favor la racionalidad, dignidad y derechos de los
indios, refutando la pretendida validez de los títulos o causas legítimas de
la conquista y dominio.
Los dos problemas fundamentales en torno a los cuales se desa-
rrollan las once dudas y cuestiones son precisamente si hay dominio justo
de España sobre los pueblos y tierras del Nuevo Mundo y si existe alguna
justificación de la guerra de conquista. En la discusión sobre el dominio
legítimo del emperador, Alonso de la Veracruz expone sus principales
tesis republicanas para refutar los argumentos que justifican el dominio
español, que son principalmente los siguientes:

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1037

a) El emperador tiene dominio justo en virtud de la donación de las bulas


del papa Alejandro VI que como vicario de Cristo tiene poder supremo.
b) El emperador tiene dominio justo porque es señor del mundo.
c) El rey de España tiene dominio justo porque los habitantes del Nuevo
Mundo son infieles y pecadores.
d) El dominio de España sobre América es justo porque los indios son
bárbaros y por esta condición pierden su derecho a gobernarse.
e) El dominio del emperador es justo por que los gobiernos originarios de
los indios eran tiránicos.
f) El dominio de la corona española es justo porque vencieron a los gober-
nantes y pueblos indios en guerra justa.

Como tesis general en contra de todos estos argumentos Alonso de la


Veracruz afirma:

El dominio del pueblo está primera y principalmente en el pueblo; así


pues, ni por ley natural, ni por ley divina hay alguien que sea señor en las
cosas temporales […]. Es necesario pues que, si alguien tiene dominio
justo, éste sea por voluntad de la comunidad misma, la cual transfiere el
dominio a otros, tal y como sucede en el principado aristocrático o en el
democrático, o uno sólo, como sucede en el principado monárquico.18

Obsérvese que esta tesis republicana se refiere al origen del dominio


justo que puede adoptar diferentes formas de gobierno. Se trata pues de
una teoría republicana del dominio o poder en el estado y no como de
una teoría de las formas de gobierno como es el caso del republicanismo
florentino. Con esta teoría republicana de la Veracruz se opone a las teorías
del origen divino del poder, incluyendo desde luego la supuesta autoridad
terrenal del papa por ser vicario de Cristo. En la cuestión novena sobre si
tiene el sumo pontífice autoridad suprema, Alonso desarrolla más amplia-
mente su crítica al poder terrenal del papa con argumentos teológicos
como el hecho de que Jesucristo afirmó que “su reino no es de este mundo”
y que también separó claramente las obligaciones con Dios y las obliga-
ciones con el poder civil: “Dad al césar las cosas que son del césar y las
que son de Dios a Dios”.19 En suma, Fray Alonso sostiene que el papa no

18. Alonso de la Veracruz, Sobre el dominio de los indios y la Guerra Justa, traduccíon
de Roberto heredia Correa (México D.F. :Universidas nacional Autónoma de México,
2007), 117-118.
19. Esta cita del evangelio de San Marcos es la primera oración de toda la Relección. Cfr.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1038 Ambrosio Velasco Gómez

tiene poder temporal y no es señor del mundo20 para que pueda conceder
dominio sobre el Nuevo Mundo a los Reyes Católicos y sus herederos.
Respecto al tesis b) de que el emperador es señor del mundo,
sostenida por juristas de Bolonia como Oldardo, el Ostiense, Sassoferrato
y Ulzurrum, Alonso de la Veracruz los refuta en la Cuestión VIII con argu-
mentos históricos y teóricos que prueban que nunca ha existido un solo
señor del mundo. El argumento histórico consiste en mostrar que en toda
la historia de las monarquías no ha existido una monarquía universal,
un señor del mundo, sino que siempre han existido antes y después de
la venida de Cristo una diversidad de reinos y repúblicas y ningún rey ha
sometido a todo el resto.21 El argumento teórico consiste en probar que
ni por derecho divino, ni por derecho natural, ni por derecho humano
alguien puede ser señor del mundo en lo temporal.
Además de estos argumentos hay otro que fray Alonso considera
contundente: Si hubiese existido un señor de todo el orbe el papa no
hubiera podido dividir el Imperio romano en la parte oriental y en la occi-
dental y por lo tanto el Imperio romano germánico no tendría legitimidad,
y, en consecuencia, no sería válido el título de emperador de Alemania de
Carlos V.

Si por derecho divino hubiese uno sólo que tuviera dominio universal,
no había podido realizarse por medio de la dignidad pontificia la división
que se hizo en tiempos de Constantino El Grande entre sus dos hijos en
parte oriental y en parte occidental. Después el sumo pontífice Esteban
transfirió el imperio occidental a los germanos […] y todavía pude haber
otra prueba. Porque si por derecho divino el emperador fuese señor del
orbe nunca hubiese podido desprenderse de ciudades y concederlas
a la Iglesia, ni podría haber mayores cambios en el imperio que en el
Pontificado. Constan que ha habido cambios. Es necesario concluir que
tal potestad no es de derecho divino. Y hay que añadir el hecho de que, si
así fuese, no podrían otros reyes no estar sometidos al imperio romano:
De este modo ni el Rey de las Españas, ni el de los ingleses ni el de las
Galias podrían sustraerse a la majestad imperial; y sin embargo vemos
que así es, y que no se considera condenable sino razonable que haya tal
separación entre reinos.22

Ibid., 117.
20. “Si el sumo pontífice fuera señor del mundo lo sería por derecho natural, divino o
humano. Pero por ningún derecho es señor del mundo. Por consiguiente, no es señor
del mundo”, ibid., 265.
21. Cfr. ibid, 231.
22. Ibid., 334.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1039

El último argumento es realmente contundente, pues si existiera un


señor del orbe, el reino mismo de España y en general todos los reinos
o estados europeos no serían legítimos y eso sería desastroso. En pocas
palabras, Alonso muestra que el proyecto imperial no tiene cabida en
el naciente mundo moderno, además de no tener justificación ni en el
derecho divino, ni en el natural, ni en el humano.
La refutación del argumento c) respecto a la infidelidad de los indios
muestra el carácter laico de la teoría política de fray Alonso que se opone
a la teoría religiosa que excluye del dominio justo a toda persona o pueblo
no cristiano. En contra de esta tesis Alonso sostiene que “…el dominio ha
sido introducido por el derecho humano que emana de la razón natural
y la fe, en cambio, es de derecho divino y no puede por tanto cancelar el
derecho natural, por todo esto, en consecuencia, no puede uno ser privado
de su dominio por la sola infidelidad”.23
De igual manera de la Veracruz se opone a la idea de que por causa
del pecado de los infieles se pierde el dominio justo, pues si así fuera los
reyes cristianos habrían ya perdido su dominio a causa de sus constantes y
graves pecados. Pero más allá de la ironía, el principio por el cual rechaza
el pecado como causa de pérdida de dominio justo es que “el dominio no
se funda en la gracia y no se pierde por el pecado”.24
La justificación d) del dominio español es también un argumento a
favor de la Guerra de Conquista en virtud de la incapacidad racional de
los indios para gobernarse así mismo, pues a causa de su supuesta irracio-
nalidad no podrían conocer la ley natural y establecer un dominio justo
con base en ella. En contra de estas tesis, Alonso de la Veracruz presenta
dos contrargumentos. El primero es que el derecho al dominio propio de
un pueblo no se pierde a causa de su escaso uso de razón: “Suponiendo
que estos bárbaros fueran niños en cuanto al uso de razón, por tenerlo
en grado muy escaso, eran no obstante legítimos señores y dueños, y no
pudieron por ende ser expoliados por la guerra”.25 Pero, además, fray
Alonso rechaza la afirmación de que los indios carecen de racionalidad y
prudencia:

Y en segundo lugar hay que decir que estos naturales no son tan necios
y estúpidos como algunos estiman… tienen sus métodos de gobernar
y sus costumbres, con las cuales viven; tienen leyes recibidas de boca

23. Ibid., 315.


24. Ibid., 327.
25. Ibid., 328.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1040 Ambrosio Velasco Gómez

de sus mayores, por las cuales juzgan, discurren, razonan, investigan,


consultan. Son obra de no fatuos o dementes sino de gente prudente.26

En relación con la tesis e), fray Alonso reconoce que todo gobierno
tiránico es injusto, pues quien “gobierna debe dirigir todas sus obras al
bien común”.27 En caso contrario la transferencia del dominio puede ser
revocada por la propia comunidad, incluso si se tratara del emperador,
pues “el emperador no tiene otro dominio sino el que se le ha dado por
la propia república, de tal suerte que, si gobernara tiránicamente, podría
la república deponerlo y privarlo de su reino”.28 Si el tirano no atendiera
la revocación, la comunidad de la cual obtiene el poder tiene la facultad
de deponerlo por la fuerza de las armas e incluso en caso extremo tiene
derecho al tiranicidio.29 Pero estos derechos republicanos contra la tiranía
corresponden a la comunidad o pueblo que transfiere el dominio y sufre la
tiranía, no a otra nación o rey extranjero como sería el rey de España. Por
este y otros motivos relativos a la práctica de las guerras floridas pactadas
entre ejércitos indígenas para capturar guerreros sacrificiales, fray Alonso
afirma que la antropofagia no sería causa justa de guerra.30
Finalmente, respecto a la guerra, Alonso no la reconoce como causa
de dominio justo de España, pues sólo reconoce como procedimiento
lícito del origen del dominio político la voluntad libre de la comunidad
sea de manera implícita si se trata de una transferencia hereditaria o de
manera explícita a través de elecciones. La guerra, aunque fuese justa no
puede otorgar dominio legítimo, menos aún si es injusta, como fue el caso
de la conquista.
El punto anterior conduce directamente al segundo problema funda-
mental de la relección de fray Alonso: Si el emperador o el rey de Castilla
pudo declarar la guerra a los bárbaros (Cuestión X) o si hay alguna causa
que justifique la guerra contra el Nuevo Orbe (Cuestión XI y última).
La discusión y resolución de estas cuestiones constituye un resumen y
conclusión de toda la obra, pues la mayoría de los títulos o causas ilegi-
timas de guerra fueron ya tratadas y refutadas en relación con la primera
pregunta sobre el dominio justo del emperador o rey de España sobre
el Nuevo Mundo. Alonso de la Veracruz desecha como causas de guerra

26. Ibid., 335.


27. Ibid., 119.
28. Ibid., 121.
29. Cfr. Ibid., 378.
30. Cfr. Ibid., 338.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1041

justa, la infidelidad y barbarie de los indios, así como la supuesta tiranía de


sus gobiernos e incluso los graves pecados como la antropofagia. También
rechaza la guerra como medio para la evangelización de los indios, pues
la fe no pude ser resultado de la coacción. En conclusión, sostiene fray
Alonso:

…no hay razón justa para atacar a los infieles bárbaros recientemente
descubiertos con base en que sean infieles, ni tampoco, con base en
que por derecho sean súbditos del emperador, ni con base en que, si
no quieren prestar obediencia ni someterse, deben ser compelidos. Esta
razón, digo, no es suficiente; ya que por derecho no son súbditos, porque
el emperador no es el señor de todo el orbe.31

En suma, la teoría republicana que sustenta Alonso de la Veracruz se


caracteriza por ser una teoría laica del dominio político, que afirma que
todo poder legítimo se origina en la voluntad de la comunidad que trans-
fiere de manera condicionada, y nunca absoluta ni definitiva, el dominio
a un gobierno monárquico, aristocrático o democrático con el fin de que
a través de leyes justas procure el bien de toda la comunidad. Para garan-
tizar el cumplimiento del tal fin la comunidad misma mantiene en todo
momento el derecho de vetar decisiones del gobierno e incluso la revo-
cación del mandato. Se trata pues de una teoría sobre el origen y ejercicio
del poder político basado en la voluntad y juicio de la comunidad. Con
estas tesis y argumentos republicanos, de la Veracruz rechaza enérgica-
mente los títulos de legitimidad de la guerra de conquista, y del dominio
español sobre América.
Estas ideas republicanas que cuestionan el proyecto imperial de
Carlos V constituyen el núcleo central de una tradición humanista que se
desarrollará con diferentes matices y variantes en los siglos subsecuentes
y llega a adquirir una relevancia determinante en los procesos de indepen-
dencia del mundo iberoamericano a principios del siglo XIX.

V. Conclusiones

Como se ha visto en las secciones anteriores, fray Alonso de la


Veracruz, logra articular una red o sistema filosófico que integra filo-
sofía del lenguaje, teoría de la argumentación, filosofía de la cultura,

31. Ibid., 391.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1042 Ambrosio Velasco Gómez

filosofía del derecho y filosofía política. En el primer ámbito la orien-


tación marcadamente nominalista de su filosofía del lenguaje le conduce
a desarrollar una singular concepción humanista de la dialéctica que
salva las diferencias y aporías entre los rigoristas lógicos escolásticos y
los emotivos retóricos humanistas. Su posición dialéctica lo conduce a
rechazar todo dogmatismo acrítico y a ponderar con equidad los puntos
de vista opuestos en materia política y jurídica. Pero las resoluciones de
las controversias dialécticas no sólo atienden a reglas metodológicas, sino
también a un auténtico sentido humanista para denunciar las injusticias
de los opresores y defender la dignidad y derechos de los indios vencidos
y subyugados. De manera análoga, el nominalismo de fray Alonso de la
Veracruz lo conduce a prestar atención a las diferencias culturales entre
los indígenas de América y los europeos y a apreciar también con equidad
la valía de cada cultura, evitando la imposición de falsos conceptos y
criterios universales por parte de los europeos. Gracias a esta sensibilidad
que hoy llamaríamos multiculturalista, Alonso de la Veracruz reconoce la
plena racionalidad de los pueblos y personas del Nuevo Mundo y por lo
tanto reconoce su capacidad para gobernarse a sí mismos y ejercer plena-
mente su derecho a la libertad como pueblos y naciones autónomas. Esta
conclusión converge y se refuerza con su teoría republicana, cuyo prin-
cipio fundamental es que todo dominio político justo se origina, funda-
menta y mantiene en la voluntad libre de la comunidad o pueblo cuyo
bienestar es el principal fin de todo dominio. Este republicanismo radical
es una teoría laica del poder político (soberanía), en cuanto que considera
que todo dominio se obtiene por derecho humano y no por derecho divino.
Además, es una teoría jusnaturalista y al mismo tiempo multicultural que
reconoce la pluralidad cultural y jurídica, en virtud de la distinción entre
primeros principios (fijos y universales) y segundos principios (locales y
variables) de la ley natural.
Este republicanismo que fray Alonso comparte en lo esencial con sus
maestros salmantinos, con Bartolomé de las Casas32 y otros autores de la
Escuela Ibérica de la Paz33 precede en tiempo y radicalidad a otras teorías

32. Para un estudio comparativo de las concepciones republicanas de Alonso de la


Veracruz y Bartolomé de las Casas véase Francisco Quijano Velasco, Las repúblicas
de la monarquía. Pensamiento constitucionalista y republicano en Nueva España 1550-
1610 (México: Instituto de Investigaciones Históricas, Universidad Nacional Autónoma
de México, 2018).
33. Alonso de la Veracruz se incluye en la antología de textos de la Escuela Ibérica de la Paz,
coordinada por Pedro Calafate y Ramón E. Mandado, que se ha citado anteriormente.
De hecho, es el único profesor de universidades americanas que se reconoce en la obra

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1043

republicanas que han sido más reconocidos en la historia del pensamiento


político, como el republicanismo inglés del siglo XVII, (especialmente
Harrington, Milton y Locke,) el francés (Rousseau) y el norteamericano
(antifederalistas, Jefferson) del siglo XVIII. Sin embargo, el republica-
nismo iberoamericano casi no ha sido reconocido, no obstante la impor-
tante presencia que ha tenido en los más destacados humanista criollos de
los siglos XVII y XVIII y sobre todo en los procesos de las independencias
latinoamericanas, como lo han mostrado Luis Villoro, David Brading,
François-Xavier Guerra y una creciente historiografía reciente.34
Desde esta original teoría republicana Alonso de la Veracruz realiza
una bien fundamentada crítica a la guerra de conquista y a la dominación
imperial de España sobre las tierras y pueblos de América. Esta crítica es
aún más firme, radical y convincente que la de sus maestros salmantinos
Vitoria y Soto, precisamente porque, a diferencia de ellos, fray Alonso
vivió la mayor parte de su vida en Michoacán y México, siendo testigo
presencial de las ofensas e injusticias que sufrían los indios a causa de
la dominación española. En virtud de esta experiencia vital del mundo
indígena recién conquistado, Alonso de la Veracruz pudo asumir la visión
y la razón de los indígenas vencidos y sumarlas a la visión que sus maestros
salmantinos habían recogido de los comuneros republicanos vencidos por
el emperador Carlos V en España. De aquí la mayor radicalidad crítica y
emancipadora de fray Alonso de la Veracruz.
Así pues, la red o sistema filosófico de Alonso de la Veracruz parte de
una filosofía nominalista del lenguaje que apuntala epistemológicamente
por un lado una teoría dialógica de la argumentación y por otro lado a su
filosofía pluralista de la cultura y del derecho, las cuales a su vez brindan
sólidos cimientos a su teoría republicana de la política cuyo fin último es
promover la justicia y libertad para los pueblos originarios de América.
A quinientos años del inicio de la Conquista del continente americano,
la filosofía crítica y emancipadora de fray Alonso de la Veracruz recobra
su vigencia ante el imperialismo globalizador y, sobre todo, ante el colo-
nialismo interno que continúa causando graves injusticias a pueblos indí-
genas y sus descendientes en la mayoría de los países de América. Los
procesos de independencia y de consolidación de los estados nacionales

como representante de la Escuela Ibérica de la Paz. Cfr. op. cit., 208-215.


34. Cfr. Ambrosio Velasco Gómez, La persistencia del humanismo republicano
iberoamericano en la formación de la nación y el estado en México (México: Universidad
Nacional Autónoma de México, 2009) y Francisco Colom y Ángel Rivero, eds., The
tradition of liberty in the Atlantic World (Leiden: Brill, 2016).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1044 Ambrosio Velasco Gómez

que fueron colonias de España o Portugal, lejos de lograr la emancipación


de los pueblos indígenas, terminaron por empeorar su situación de margi-
nados y explotados.35 Como bien señala el juez Antônio Augusto Cançado
Trindade: “A lo largo de los siglos, cambiaron los victimarios, pero las
víctimas siguen siendo las mismas, los pueblos indígenas en situación de
alta vulnerabilidad.”36 A causa de la persistencia en pleno siglo XXI de la
explotación y marginación del progreso y bienestar de los pueblos indí-
genas y la mayoría de sus descendientes en las naciones latinoamericanas,
el pensamiento crítico y emancipador de Alonso de la Veracruz sigue tan
vigente como hace cinco siglos.

Referencias

Calafate, Pedro y Ramón E. Mandado. La Escuela ibérica de la Paz. Conciencia crítica de la


conquista y colonización de América. Santander: Editorial de la Universidad de Cantabria,
2014.
Castañeda, Paulino, José Carlos Martín de la Hoz y Eduardo Fernández. Acerca del dominio sobre
los indios. Salamanca: Editorial San Esteban, 2017.
Colom, Francisco y Ángel Rivero, eds. The tradition of liberty in the Atlantic World. Leiden: Brill,
2016.
De la Veracruz, Alonso. Dialectica Resolutio, Libro de los Analíticos Segundos. Traducción de
Miguel Ángel Romero. Facultad de Filosofía y Letras, UNAM, 2010.
De la Veracruz, Alonso. Espejo de los cónyuges. Antología. Traducción y notas de Carolina Ponce.
Universidad Panamericana, 2008.
De la Veracruz, Alonso. Sobre el dominio de los indios y la Guerra Justa. Traducción de Roberto
Heredia. México D.F.: Facultad de Filosofía y Letras, Universidad Nacional Autónoma de

35. Para el caso de México, Miguel León Portilla señala: “Los pueblos indígenas se
debatieron a lo largo de tres siglos de dominación española […] su resistencia les
permitió preservar, en muchos casos las estructuras básicas de sus altepetl o pueblos,
sus lenguas, usos y costumbres, parte de sus territorios y una autonomía reconocida
en diversos grados por el régimen español… Podría suponerse tal vez que, al alcanzar
México y los otros países latinoamericanos su independencia respecto a España, la
situación de sus pueblos indígenas iba a cambiar favorablemente. En realidad, sucedió
lo contrario. En México y en otros países del continente los nuevos gobiernos y muchas
personas de la clase dominante llegaron a la conclusión de que había que suprimir
para siempre la distinción entre indios y no indios.” In Miguel León Portilla, “Pueblos
indígenas y globalización,” in Obras de Miguel León Portilla. Tomo I: Pueblos Indígenas
de México. Autonomía y diferencia cultural (México: Universidad Nacional Autónoma
de México, 2003), 292-293.
36. “Voto razonado del juez Antônio Augusto Cançado Trindade en la Corte Internacional de
Derechos Humanos en la sentencia del caso de la Comunidad indígena Sawhoyomaxa
contra el Estado de Paraguay del 29 de marzo de 2006,” in Pedro Calafate y Ramón E.
Mandado, Op. cit. 15.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La filosofía crítica de Alonso de la Veracruz a 500 años de la conquista: pluralidad, justicia y libertad 1045

México, 2004.
Delgado, Vicente Muñoz. “El Pensamiento lógico”. In Laureano Robles, editor, Filosofía
Iberoamericana en la época del Encuentro, Enciclopedia Iberoamericana de Filosofía, Tomo
I. Madrid: Editorial Trotta – Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1992.
Franco, Juan Abelardo Hernández. “La Jurisprudencia como instrumento cultural en el siglo
XVI”. Tópicos, Revista de Filosofía, Núm. 34 (Julio 2008).
Gómez, Ambrosio Velasco. La persistencia del humanismo republicano iberoamericano en la
formación de la nación y el estado en México. México: Universidad Nacional Autónoma de
México, 2009.
Hernández, Ramón et al. El grito y su eco. El sermón de Montesino. Salamanca: Editorial San
Esteban, 2011.
Lundberg, Magnus. Unificación y conflicto. La gestión episcopal de Alonso de Montufar OP,
Arzobispo de México, 1554-1572. Zamora: El Colegio de Michoacán, 2009.
Portilla, Miguel León. “Pueblos indígenas y globalización”. In Obras de Miguel León Portilla.
Tomo I: Pueblos Indígenas de México. Autonomía y diferencia cultural. México: Universidad
Nacional Autónoma de México, 2003.
Ramírez, Clara Inés. “Alonso en la Universidad de Salamanca. Entre el tomismo de Vitoria y el
nominalismo de Martínez Silíceo”. In Fray Alonso de la Veracruz, universitario, humanista,
filósofo y republicano, Ambrosio Velasco Gómez, coordinador. México: Universidad
Nacional Autónoma de México.
Rangel, Jesús de la Torre. “Acciones conjuntas de fray Alonso de la Veracruz y Bartolomé de las
Casas en defensa de los derechos de lo indios”. In Fray Alonso de la Veracruz, universitario,
humanista, filósofo y republicano, Ambrosio Velasco Gómez, coordinador. México:
Universidad Nacional Autónoma de México.
Salazar, Francisco Cervantes de. “La Universidad de México”. In México en 1554. Tres diálogos
latinos. México: Facultad de Filosofía y Letras, Universidad Nacional Autónoma de México,
2001.
Sepúlveda, Ginés de. Tratado sobre las justas causas de la guerra. México: FCE, 1996.
Serratos, Leticia López. El humanismo de Rodolfo Agrícola. México: Universidad Nacional
Autónoma de México, Facultad de Filosofía y Letras, 2008.
Velasco, Francisco Quijano. Las repúblicas de la monarquía. Pensamiento constitucionalista y
republicano en Nueva España 1550-1610. México: Instituto de Investigaciones Históricas,
Universidad Nacional Autónoma de México, 2018.
Villacañas, José Luis. ¿Que imperio? Un ensayo polémico sobre Carlos V y la España imperial.
Madrid: Almuzara, 2008.
Villoro, Luis. Los grandes momentos del indigenismo. México: Colegio de México, Colegio Nacional,
Fondo de Cultura Económica, 1998.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1047-1066.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1047

Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na


Escola Ibérica da Paz
BETHÂNIA ASSY *
SÍLVIA MARIA DA SILVEIRA LOUREIRO **

Abstract
The encounter between the Spanish-Lusitanian kingdoms and the indigenous peoples of
America is a turning point in the history of human rights. If, on the one hand, violence
and brutality were deep-rooted outcomes of the conquest and colonization of America, on
the other hand, it is also in this context that radical otherness is faced. This article aims to
approach how the Iberian School of Peace – built in a solid collection of sources accessible
to the Christian Medieval-Renaissance world, tempered by the missionary experience in
direct contact with the Peoples of the New World – establishes the foundations for what we
named in this article as a pluralistic jusnaturalism. Through this latter we will argue that it is
possible to indorse a sort of situated universalism, as one of the vital legacies of the Iberian
School of Peace for the contemporary human rights.
Keywords: iberian school of peace, indigenous peoples, natural law, New World, otherness.

Introdução

A
história dos direitos humanos, tradicionalmente ensinada e
pesquisada nos meios acadêmicos, é uma história que se pretende
universal, homogênea e eurocêntrica. A concepção predominante
dos direitos humanos vem sendo tecida a partir de contextos históricos e
geográficos particulares de doutrinas e filosofias triunfantes. Pelo predo-
mínio político, econômico e cultural, os grandes impérios europeus, a
partir do século XVIII, apresentaram a sua concepção de direitos humanos
como sendo a prevalecente e, como decorrência, outras vertentes signifi-
cativas para a história dos direitos humanos, que não a hegemônica, que

* Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.


 bethania.assy@gmail.com
** Universidade do Estado do Amazonas.
 silviamsloureiro@gmail.com

1047-1066

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1048 Bethânia Assy | Sílvia Maria da Silveira Loureiro

podem ser colhidas fora do centro destes Impérios, foram inexoravel-


mente ocultadas e, consequentemente, esquecidas.
É comum citar-se, nos estudos sobre a formação histórica dos direitos
humanos, a “genealogia quase canônica” identificada por Giuseppe Tosi,
“que se inicia com a Magna Charta Libertatum, passa pelo Bill of Rights
da Revolução Gloriosa, para chegar à Declaração do Estado da Virgínia, e
finalmente à Déclaration des droits de l’homme et du citoyen da Revolução
Francesa,”1 genealogia esta que acaba por excluir outros momentos deci-
sivos neste percurso histórico da construção do significado e conteúdo dos
direitos humanos legados à contemporaneidade.
O presente artigo tratará particularmente de um desses momentos
decisivos para a história dos direitos humanos, que geralmente é tangen-
ciado pela aludida genealogia convencional, qual seja o do encontro entre
os reinos de Portugal e Espanha com os povos indígenas no cenário do
Novo Mundo, com seus desdobramentos no processo de conquista e colo-
nização da América, ao qual tem sido dedicadas poucas pesquisas com
maior rigor de fontes por parte dos estudiosos dos direitos humanos.
Referimo-nos a uma corrente de pensamento nascida no seio dos
impérios ultramarinos, no coração da cristandade medievo-renascentista,
em plena transição para a Modernidade, a qual está reunida neste artigo
sob a denominação de Escola Ibérica da Paz, proposta por Pedro Calafate.2
Seguindo essa linha de contextualização, entendemos que é nessa
tradição multissecular, cultivada nas universidades da Península Ibérica,
temperada pela experiência missionária na América, nos séculos XVI e
XVII, que podem ser encontrados os alicerces para a fundamentação do

1. Giuseppe Tosi, ‘Raízes Teológicas dos Direitos Subjetivos Modernos: conceito de


dominium no debate sobre a questão indígena no século XVI (2005),’ Prim@ Facie
International Journal V 4, no. 6 (2005): 42-56.
2. “Escola Ibérica da Paz” ou “Escola Peninsular da Paz” foram os termos cunhados
por Pedro Calafate, no âmbito do projeto de pesquisa “Corpus Lusitanorum de Pace:
a contribuição de Portugal para a Escola Peninsular da Paz (séculos XVI e XVII)”,
desenvolvido na Universidade de Lisboa, de que resultaram as obras A Escola Ibérica
da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora, volume I: Sobre as Matérias da Guerra
e da Paz; volume II: Textos sobre a Justiça, o Poder e a Escravatura, direção de Pedro
Calafate (Coimbra: Almedina, 2015). Atualmente, estes estudos têm sido continuados
no projeto “De Restitutione: A Escola Ibérica da Paz e a Ideia de Justiça na Ocupação
da América (Século XVI)” desenvolvido também na Universidade de Lisboa, sob a
coordenação daquele mesmo investigador, resgatando os manuscritos latinos dos
mestres de Coimbra e Évora sobre a questão da Restituição como ato da justiça,
também no quadro da relação entre cristãos e ameríndios.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na Escola Ibérica da Paz 1049

que denominaremos neste artigo de jusnaturalismo pluralista,3 que servirá


de base para o que designaremos ao final de universalismo situado, como
sendo um dos importantes legados da Escola Ibérica da Paz para os
direitos humanos na contemporaneidade.
Estamos de acordo com Enrique Dussel quando afirma sua tese de
que “a modernidade nasce realmente em 1492”.4 Porém, neste artigo,
optamos por não discutir seu contra-termo, isto é, a colonialidade, tendo
em vista a farta literatura já produzida sobre o tema pelos autores da
corrente decolonial na América Latina.5 Apesar de compartilharmos o
mesmo ponto de partida (a modernidade/colonialidade), nosso intuito no
presente artigo é compreender o enorme desafio intelectual para aqueles
que tentavam traduzir categorias indígenas dentro da moldura escolástica
e com as fontes da filosofia clássica, do direito romano e da teologia cristã
da época. A alteridade profunda dos povos ameríndios e a necessidade
concomitante de envolvimento com um universo simbólico radicalmente
diferente do que até então se conhecia, sem por em causa a concepção de
um direito natural universal, forjou a consciência da dignidade de outras
culturas e povos radicalmente distintos.
Com este marco histórico e geográfico, sugerimos neste artigo que
o pensamento justeológico da Escola Ibérica da Paz, nos séculos XVI e
XVII, oferece importantes elementos à outra teoria dos direitos humanos,
com matriz ibero-americana, a partir da compreensão das ideias de direito
natural e de direito das gentes, desenvolvidas pelos autores desta Escola a
partir da experiência de radical alteridade.
Sustentamos, por isso, que podem ser encontradas nessas bases
teóricas, fortemente ligadas ao direito natural e ao direito das gentes,

3. Aqui empregamos o termo jusnaturalismo pluralista inspiradas na expressão


republicanismo multiculturalista, cunhada por Ambrosio Velasco Gómez, da
Universidade Nacional do México (UNAM). Conferir: Ambrosio Velasco Goméz,
‘Las ideas republicanas para una nación multicultural de Alonso de la Veracruz’, in
Innovación y tradición en fray Alonso de la Veracruz, ed. Carolina Ponce Hernandez
(Mexico: FFyL UNAM, 2007), 67-77.
4. Enrique Dussel, ‘Europa, Modernidade e Eurocentrismo’, in A Colonialidade do Saber:
Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas Latino-Americanas, ed. Edgardo Lander
(Buenos Aires: CLACSO, 2005), 29.
5. Vide nesse sentido, por exemplo, as coletâneas: Santiago Castro-Gómes e Ramón
Grosfoguel, eds., El Giro Decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica más
allá del capitalismo global (Bogotá: Ciclo del Hombre Editores Universidad Central,
Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos; Pontificia Universidad Javeriana,
Instituto Pensar, 2007) e Edgardo Lander, ed., A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo
e ciências sociais. Perspectivas Latino-Americanas (Buenos Aires: CLACSO, 2005).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1050 Bethânia Assy | Sílvia Maria da Silveira Loureiro

alguns fundamentos para uma outra abordagem teórica dos direitos


humanos. O esforço intelectual dos autores da Escola Ibérica da Paz para
decodificar e defender os direitos dos povos indígenas do Novo Mundo, à
luz das categorias justeológicas da época, pode parecer, à primeira vista,
desatualizado. Mas, revisitadas as fontes, revela, a nosso ver, não apenas
uma penetrante vocação escolástica para compreender outras racionali-
dades e sociabilidades naturais possíveis, como também impacta a disputa
contemporânea aparentemente inoperante entre universalismo abstrato e
relativismo cultural.

A Experiência Radical do Encontro: Por uma Outra Universalidade


dos Direitos Humanos

Nesta seção, discutiremos a experiência radical de alteridade


enfrentada pelos autores da Escola Ibérica da Paz com a questão da
natureza humana dos povos do Novo Mundo, a partir de um dos pilares
fundamentais de sua doutrina, referida na seção anterior: a natural racio-
nalidade da alma humana6. Essa era uma questão até então inédita pela
novidade e magnitude do contato com povos de latitudes nunca antes
navegadas pelos reinos cristãos europeus. Até o século XV, no mundo
cristão medieval, as disputas giravam ao redor da infidelidade dos pagãos,
dos judeus e dos hereges.
Segundo relata Joseph Hôffner, cada uma das três categorias supra
referidas possuía um regime jurídico distinto e a única semelhança entre
elas era o fato de serem não-cristãos e, por conseguinte, serem tratados
como alheios ao orbis christianus. Os hereges eram perseguidos pela
Inquisição uma vez que sua postura representava uma quebra do vínculo
jurídico-eclesiástico anteriormente recebido no batismo, e o descumpri-
mento de seus deveres para com a Igreja. Os judeus, excluídos do orbis
christianus, viviam sob uma legislação extremamente segregacionista,

6. As considerações que serão feitas na presente seção geralmente são tratadas pelos
estudiosos da literatura da conquista sob a rubrica da disputa sobre a legitimidade
do título de escravidão natural infligida aos povos indígenas do Novo Mundo, como
pode ser encontrado, por exemplo nas obras fundamentais de Lewis Hanke. Ver:
Lewis Hanke, The Spanish Struggle for Justice in the Conquest of America (Philadelphia
University of Pensilvania Press: 1959). Entretanto, optamos por pautar nossa
abordagem sobre a experiência radical de alteridade da Escola Ibérica da Paz no Novo
Mundo a partir da discussão sobre a racionalidade da alma indígena e sua capacidade
de ser sujeito de direitos no contexto dos autores em estudo.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na Escola Ibérica da Paz 1051

embora gozassem de certa proteção contra agressões físicas. Já os pagãos,


(mouros ou gentios das Etiopias) se encontravam em uma situação confli-
tuosa permanente com o mundo cristão, ensejando, sobretudo contra os
mouros, a prática da guerra justa com a aplicação de suas consequências
em todo o seu rigor e violência, ou seja, a escravidão dos prisioneiros de
guerra e o desapossamento de seus bens.7
Nesse novo cenário, a questão posta em causa pela Escola Ibérica
da Paz era qual deveria ser o tratamento justeológico a ser dado aos
povos pagãos do Novo Mundo que apareciam no horizonte das invasões
e conquistas imperiais, uma vez que estas gentes não encontravam seme-
lhança com os infiéis combatidos pela tradição teocrática medieval, já que
nunca houve qualquer contato entre eles e a Cristandade, portanto, não
havia nenhuma injúria a ser desagravada e nem terra de reino cristão ou
Lugar Santo a ser recuperado em guerra justa na América.
Nesse contexto, diante das evidentes diferenças culturais entre os
cristãos e os gentios do Novo Mundo, a negativa da humanidade e, por
conseguinte, da racionalidade dos ameríndios era uma das três teses
comumente invocadas, ao lado da infidelidade e do pecado, para justificar
a negativa do direito de domínio dos povos originários, abrindo caminho
para a legitimação da ocupação e das guerras de conquista na América.8
A disputa sobre a humanidade e racionalidade da alma dos gentios do
Novo Mundo desafiava três respostas possíveis que na época poderiam ser
dadas às três simples perguntas lançadas pelo frei Antonio de Montesinos
no histórico sermão do quarto domingo do Advento de 1511, a seguir

7. Joseph Höffner, La Ética Colonial Española Del Siglo de Oro, cristianismo y dignidad
Humana (Madrid: Rivadeneyra, 1957), 03-95. Vale a pena ressaltar que estamos nos
referindo ao tipo de domínio próprio do mundo medievo orbis christianus e não ao
domínio da escravidão transatlântica pós 1492.
8. Aqui divergimos pontualmente de Anibal Quijano. As disputas travadas entre os teólogos
e missionários da Escola Ibérica da Paz com seus opositores, acerca da racionalidade
dos índios, como é o caso mais célebre do confronto entre Bartolomé de Las Casas e
Juan Ginés de Sepúlveda na famosa Controvérsia de Valladolid de 1550-1551, não se
dava em termos raciais propriamente ditos. Se é verdade que Juan Ginés de Sepúlveda
jogava com argumentos para evidenciar uma assimetria entre os espanhóis cristãos
e os índios pagãos, lançando luzes sobre antagonismos de civilização/barbárie, e Las
Casas, por sua vez, argumentava no plano da unidade do gênero humano, a base
da discussão era essencialmente teológica, com um pano de fundo marcado pelas
diferenças culturais e, sobretudo, pela religião. Ver: Anibal Quijano, ‘Colonialidade do
Poder, Eurocentrismo e América Latina’, in A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e
ciências sociais. Perspectivas Latino-Americanas, ed. Edgardo Lander (Buenos Aires:
CLACSO, 2005), 107-130.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1052 Bethânia Assy | Sílvia Maria da Silveira Loureiro

transcrito: “Eles não são homens? Não têm almas racionais? Não sois
obrigados a amá-los como a vós mesmos?”
O sermão proferido pelo frei dominicano Antonio de Montesinos,
que, de acordo com Lewis Hanke, foi o primeiro importante e revolu-
cionário protesto público contra o tipo de tratamento que estava sendo
dispensado aos índios do Novo Mundo pelos colonos espanhóis, ocorreu
em uma modesta igreja da Ilha Espanhola (hoje República Dominicana e
Haiti), em 21 de dezembro de 1511, quarto domingo do Advento.9
Escolhido por sua oratória dentre os membros da pequena comu-
nidade de dezoito frades dominicanos, chegados em setembro de 1510 à
ilha Espanhola, frei Antônio de Montesinos foi o porta-voz do histórico
sermão preparado e assinado por todos aqueles religiosos, no qual foram
lançadas as sementes da dúvida sobre os rumos arbitrários e violentos que
o processo colonial espanhol estava tomando.

Para vo-lo dar a conhecer, subi aqui, eu que sou voz de Cristo no deserto
desta ilha, e por isso convém que com atenção, não qualquer, mas com
todo o vosso coração e com todos os vossos sentidos, a ouçais; a qual
será a maior nova que jamais ouvistes, a mais áspera e dura, a mais
espantosa e perigosa que jamais imaginastes ouvir. (...) esta voz (...) é que
estais em pecado mortal e nele viveis e morreis por causa da crueldade
e tirania que usais com estas gentes inocentes. Dizei, com que direito e
com que justiça tendes em tão cruel e terrível servidão estes índios? Com
que autoridade tendes feito tão detestáveis guerras a estas gentes que
estavam em suas terras mansas e pacíficas, onde em tão grande número,
com mortes e estragos nunca ouvidos, as tendes consumido? Como os
tendes tão oprimidos e fatigados, sem lhes dar de comer nem curá-los nas
enfermidades em que incorrem pelos excessivos trabalhos que lhes dais e
morrem, dizendo melhor, os matais, para tirar e adquirir ouro cada dia?
E que cuidado tendes de que alguém os doutrine, conheçam seu Deus e
criador, sejam batizados, ouçam missa, guardem as festas e domingos?
Eles não são homens? Não têm almas racionais? Não sois obrigados a
amá-los como a vós mesmos? Não entendeis isto? Não percebeis isto?
Como estais dormindo sono tão profundo e tão letárgico? Tende certeza
de que, no estado em que estais, não vos podeis salvar mais do que os
mouros ou turcos que não têm e não querem a fé de Jesus Cristo.”10

9. Hanke, The Spanish Struggle for Justice in the Conquest of America, 16-17.
10. O texto do sermão que chega aos nossos dias é o reproduzido por Bartolomé de Las
Casas na sua obra História Geral das Índias. Las Casas, então encomendero de índios,
teve sua vida transformada por este sermão, tornando-se, posteriormente, um dos mais
importantes defensores de mudanças nas leis e na política colonial espanhola em favor
dos índios. A versão citada em português foi reproduzida da obra de Suess, Paulo, ed.,

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na Escola Ibérica da Paz 1053

Como já mencionado, as três posturas possíveis perante essas


perguntas eram bem definidas: a) ou os índios eram homens dotados de
almas racionais e plenamente capazes de direito; b) ou, embora homens,
eram incapazes de se autodirigir por serem amentes11; c) ou eram equipa-
rados aos brutos animais12 desprovidos de razão e humanidade.
A postura da Escola Ibérica da Paz, em qualquer das suas gerações
de catedráticos ou missionários, e em qualquer das latitudes geográficas
em que escreveram os seus autores, era a da defesa da alma racional dos
índios. E, talvez, essa opção não pudesse ter sido diferente porque na base
dessa doutrina estava a aplicação aos índios de uma série de postulados
da antropologia cristã, sustentadas por Tomás de Aquino e, consequente-
mente, seguidas pelos autores em causa.
O leitmotif desse entendimento está na crença da criação do ser
humano à imagem e semelhança de Deus. Ensina Cordero Pando, à luz
da doutrina tomista, que a condição de imagem de Deus, que define o
indivíduo como ser racional, faz com que ele seja dono de suas obras, na
medida em que dispõe de livre arbítrio.13 Ademais, como decorrência do
anterior, se os índios eram pessoas, também eram próximos em relação
aos cristãos, como consta do Diálogo sobre a Conversão do Gentio, escrito
por Manuel da Nóbrega em meio à brutalidade do cenário atlântico brasi-
leiro de meados do século XVI:

A Conquista Espiritual da América Espanhola: 200 documentos– século XVI (Petrópolis:


Vozes, 1992), 407-408. Para a leitura contextualizada e em espanhol conferir:
Bartolomé de Las Casas, História de las Índias, edição de Agustín Millares Carlos
e estudo preliminar de Lewis Hanke, V. II. (México: Fondo de Cultura Economica,
1986), 441-442.
11. Diz Santo Isidoro de Sevilha em suas Etimologias (XI): “(...) Mas a alma está referida
à vida, enquanto que o ânimo o está à inteligência. Daí que os filósofos digam que a
vida pode seguir existindo mesmo que falte o ‘ânimo’; e que a ‘alma’ subsiste mesmo
carecendo de inteligência. Daí a palavra amentes (sem mente). E é que a inteligência
tem como função o saber; e o ânimo, o querer”. (Tradução do espanhol para o português
a partir do texto latino traduzido por José Reta e Manuel Casquero em: Isidoro de
Sevilla, Etimologias, trad. José Oroz Reta e Manuel Marcos Casquero, Biblioteca de
Autores Cristianos (Madrid: Pontifícia Universidade Católica de Salamanca, 1993), 15.
12. Diz Santo Isidoro de Sevilha em suas Etimologias (X) sobre a palavra “bruto”: “Bruto,
como se disséssimos abrutus (enterrado), porque está privado de sentido. É, portanto,
o que carece de razão e de prudência”. Ibid., 807.
13. Francisco de Vitória, Relectio De Potestate Civili: estúdios sobre su filosofia política,
edição crítica por Jesús Cordero Pando, Coleção Corpus Hispanorum de Pace, v. 15.
(Madrid: CSIC, 2008), 325.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1054 Bethânia Assy | Sílvia Maria da Silveira Loureiro

Gonçalo Álvares
Dizei-me, Irmão Nogueira, esta gente são próximos?

Mateus Nogueira
Parece-me que sim.

Gonçalo Álvares
Por que razão?

Mateus Nogueira
Porque nunca me acho senão com eles, e com seus machados e foices.

Gonçalo Álvares
E por isso lhes chamais próximos?

Mateus Nogueira
Sim. Porque próximos, chegados quer dizer, e eles sempre se chegam a
mim, que lhes faça o que hão mister; e eu como a próximos lhos faço,
cuidando que cumpro o preceito de amar ao próximo como a mim
mesmo, pois lhes faço o que eu queria que me fizessem, se eu tivesse
semelhante necessidade.

Gonçalo Álvares
Pois a pessoas mui avisadas ouvi eu dizer que estes não eram próximos,
e porfiam-no muito, nem têm para si que estes são homens como nós.

Mateus Nogueira
Bem! Se eles não são homens, não serão próximos, porque só os homens,
e todos, maus e bons, são próximos. Todo o homem é <de> uma mesma
natureza, e todo pode conhecer a Deus e salvar sua alma e este ouvi eu
dizer que era próximo. Prova-se no Evangelho do Samaritano, onde diz
Cristo N. S. que aquele é próximo que usa de misericórdia.”14

E prossegue Manuel da Nóbrega no mesmo diálogo:

Gonçalo Álvares
Estes têm alma como nós?

14. Manuel da Nóbrega, Diálogo sobre a Conversão do Gentio (Manaus: Valer, 2010), 18-20.
Essa passagem foi publicada no catálogo/livro: Calafate e Gutiérrez, A Escola Ibérica
da Paz, 368.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na Escola Ibérica da Paz 1055

Mateus Nogueira
Isto está claro, pois a alma tem três potências, entendimento, memória,
vontade, que todos têm. Eu cuidei que vós éreis mestre já em Israel e vós
não sabeis isso. Bem parece que as teologias, que me dizeis arriba, eram
postiças do P. Brás Lourenço, e não vossas. Quero-vos dar um desengano,
meu Irmão Gonçalo Álvares: que tão ruim entendimento tendes vós para
entender o que vos queria dizer, como este gentio para entender as coisas
de nossa fé.15

Nesse sentido, uma advertência importante deve ser feita antes de


prosseguirmos: como argumenta Patricia Seed, a análise das três posições
face a questão da alma racional dos índios pode ser feita (como geral-
mente faz a literatura sobre a conquista) à luz da capacidade de conversão
dos índios ao cristianismo e, portanto, da viabilidade de cumprimento
do direito/dever de evangelizar, determinado na bula de Alexandre VI de
doação do Novo Mundo aos reis da Espanha16. No entanto, para além
dessa finalidade religiosa, o ponto central para nós situa-se no plano
natural, e não na discussão essencialmente teológica sobre a possibilidade
de conversão de suas almas ao cristianismo. Como assinalado inicial-
mente, a evangelização era um mandato incontornável para os autores da
Escola Ibérica da Paz, contudo, a discussão da racionalidade das almas
indígenas era mais ampla, já que era um pressuposto para o desenvolvi-
mento dos planos natural e sobrenatural da vida humana, compreendido
no primeiro, a capacidade de domínio e no segundo, a conversão à fé
cristã.
Para amortizar ambiguidades e anacronismos nas teses defendidas
pelos autores da Escola Ibérica da Paz sobre o domínio dos povos do novo
mundo, é essencial tomar em conta o que diz Barcia Trelles, segundo o
qual o paganismo e o cristianismo aceitavam como indiscutível a pré-exis-
tência de duas épocas fundamentais na história do mundo. Para tradição
patrística, perfilada por Tomás de Aquino,17 na idade da inocência (ou
idade de ouro para a filosofia pagã) os indivíduos eram livres e as coisas

15. Ibid., 29.


16. Cfr. Patrícia Seed, ‘Are These not also Men?: The indians humanity and capacity for
Spanish civilization’, Journal of Latin America Studies 25, n. 3 (Outubro de 1993): 639.
17. Ressalve-se que o estado de inocência a que se refere Tomás de Aquino não deve ser
interpretado como uma realidade histórica, mas apenas como uma tese lógica para se
compreender a sociedade humana sem o pecado. Conferir o tratado do Homem, na
segunda parte do tratado sobre a Criação, nas questões 75 e seguintes da Parte I da
Suma Teológica. (tomo. 2 na edição Loyola).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1056 Bethânia Assy | Sílvia Maria da Silveira Loureiro

eram comuns a todos. Em seguida, após a queda de Adão expulso do


Paraíso em razão do pecado original, inicia-se a idade do pecado (ou
idade do ferro para a filosofia pagã), na qual são introduzidas as insti-
tuições da escravidão e da propriedade privada. Esta concepção dúplice,
ainda de acordo com Trelles, exerceu influência capilar sobre o conceito
prático do que seria o direito natural e o direito das gentes, pois enquanto
o direito natural era identificado com a idade da inocência, o direito das
gentes teria sido introduzido pelos homens na idade do pecado.18 Assim,
as respostas para a dúvida indiana estavam fundadas na aplicação desse
pressuposto filosófico, nos quais as gentes do Novo Mundo não eram posi-
cionadas idilicamente como ingênuos ou crianças (o mito francês do bom
selvagem), mas, como visto, suas relações com os cristãos deveriam ser
pautadas pelo direito natural e pelo direito das gentes decorrentes da reta
razão.19
Em contraste com outros tratamentos seculares acerca da questão,
como no ensaio “Des Cannibales” de Michel de Montaigne, a Escola Ibérica
da Paz está inevitavelmente inserida em uma mentalidade universalista-

18. Camilo Barcia Trelles, ‘Francisco Suarez (1548-1617): les théologiens espagnols du
XVIe siècle et l’école moderne du droit international’, Recueil des cours 43 (1933-I):
424-425.
19. É necessário compreender que, para Tomás de Aquino, o domínio de um indivíduo
livre por outro somente é aceito quando o dirige para o próprio bem daquele que
é dirigido ou para o bem comum. Esta forma de domínio, presente no estado de
inocência, é de direito natural e está relacionada com a condição do indivíduo como
ser social e materialmente desigual Ainda de acordo com Tomás de Aquino, no estado
de inocência, os homens viviam socialmente, porque, como visto, é da natureza
do homem constituir-se em comunidade e, assim, era necessário que alguém os
presidisse, preferencialmente aquele que tivesse mais ciência e mais justiça. Mas a
dita presidência deveria ser exercida na utilidade dos outros e do bem comum, não
pela simples ambição do poder e do mando. Ademais, no estado de inocência, todas
as coisas eram comuns e a posse dos bens era de direito natural. Porém, ainda de
acordo com Tomás de Aquino, seguiu-se que a divisão e apropriação dos bens foi
introduzida pelo direito das gentes e, desde então, a propriedade privada se legitimaria
apenas com a destinação comum das coisas em proveito de todos e da partilha com os
necessitados. Atenção ao emprego da palavra desigualdade, que de forma alguma deve
ser interpretada no sentido formal do jusnaturalismo iluminista e nem de inferioridade
e superioridade entre os indivíduos, pois é pressuposto basilar da antropologia cristã
que todas as pessoas foram criados à imagem e semelhança de Deus, dotados de almas
racionais capazes de exercer o livre arbítrio. A desigualdade a que se refere Tomás de
Aquino, no estado de inocência, é aquela que hoje se designa como desigualdade real
ou material, como por exemplo a diferença entre os sexos, idade, inclinação da alma e
compleição física. A este respeito, conferir os artigos 3 e 4 da questão 96 da Primeira
Parte da Suma Teológica.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na Escola Ibérica da Paz 1057

-Eurocêntrica cristã20. No entanto, e não obstante entrelaçados histori-


camente à irredutível violência colonial, há mais na posição Ibérica do
que mero imperialismo epistêmico. Visto em seu contexto histórico, não
se pode presumir que uma linguagem secular, tal como a de Montaigne,
fosse acessível aos autores da Escola Ibérica da Paz, como também,
desconsiderar que seus objetivos eram distintos, notadamente, entender e
dar sentido ao universo Ameríndio a partir do cenário católico dos missio-
nários. Cenário esse que necessariamente matizava todo o horizonte de
suas experiências práticas com o universo Ameríndio.
De fato, nos parece que quanto maior o contato e experiência com
os povos ameríndios, maior era o grau de certeza e firmeza com que os
escolásticos ibéricos defendiam a plena capacidade dos índios como
seres humanos dotados de almas racionais. De Francisco de Vitória em
Salamanca a, por exemplo, Bartolomeu de Las Casas, Alonso de Vera
Cruz e Juan Zapata y Sandoval, no México, Perú e América Central, ou
Manoel da Nóbrega na costa atlântica brasileira, a doutrina ibérica ia se
sedimentando no sentido da defesa da humanidade dos gentios do Novo
Mundo, cada vez mais sem margens para acusar estes autores de dubie-
dades da humanidade os índios. Os índios, portanto, não eram amentes,
nem brutos, mas, sim, plenamente capazes, não somente para receber a
fé cristã, mas também de ser legítimos donos, pública e privadamente,
ou seja, deter o domínio de jurisdição e de propriedade, nas mesmas
condições que os cristãos.
A convivência factual com a realidade americana despertava ainda
mais os autores desta tradição ibérica para o desafio de compreensão das
diferenças culturais, como o fez Alonso de Vera Cruz em solo mexicano,
em defesa da racionalidade e humanidade dos povos gentílicos do Novo
Mundo:

Os habitantes deste Novo Mundo não só não são crianças ou amentes,


mas são, a seu modo, bem dotados, e ao menos alguns deles, a seu modo,
muito bem dotados. Isto é evidente: antes da chegada dos espanhóis,
como acabamos de constatar com os nossos olhos, havia entre eles
autoridades, governos e ordenanças sumamente apropriados, e tinham
comunidade política e regime não só monárquico, mas também aristo-
crático; e entre eles existiam leis e castigavam os malfeitores, assim como
premiavam os beneméritos da república […]. Segue-se que aqueles,

20. Michel de Montaigne, Ensayos, Edición biligüe. Texto francés estabelecido por André
Tournon, tradución y notas de Javier Yagüe Bosch (Barcelona: Galaxia Gutenberb,
2014).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1058 Bethânia Assy | Sílvia Maria da Silveira Loureiro

quem quer que sejam, que os consideram indignos do domínio ou do


reino ou de outras esferas em que eram verdadeiros donos, alegam um
título injusto.21

Bartolomeu de Las Casas foi mais incisivo quando abordou direta-


mente o que no período era um sinal primário da alteridade radical dos
Ameríndios, qual seja, o canibalismo. De fato, ele não apenas elaborou
uma defesa culturalista da prática, mas procurou subverter a sua cono-
tação, ao demonstrar que os ameríndios eram culturalmente superiores
aos conquistadores espanhóis e portanto, reportar estes últimos como os
verdadeiros bárbaros.22
Como Enrique Dussel recentemente argumentou, com esta atitude,
Las Casas, tendo as complexidades de sua posição sido amplamente igno-
radas na subsequente história (Europeia) de ideias, faz uma contribuição
altamente inovadora para contextualizar ao menos dois temas centrais,
qual seja, como lidar com a alteridade radical e se esta alteridade poderia
ser conquistada por direito, ou seja, a questão já referida do domínio.23
Diferentemente dos teólogos catedráticos das Universidade ibéricas, como
Francisco de Vitoria, Las Casas estava de fato imerso no mundo Ameríndio
e foi compelido a pensar sobre as consequências epistemológicas do
encontro com a alteridade radical, ainda que inevitavelmente inserido em
uma mentalidade essencialmente europeia e cristã. Representa, portanto,
um dos primeiros intentos de se articular uma demanda universal pela
verdade compatível com a dissidência concreta do outro, ou seja, com
a negatividade material deste outro. Pois para Las Casas, os ameríndios
tinham direito a tal dissidência, inclusive à sua defesa por meio da força
armada. Ainda para Dussel, Las Casas a partir daí trouxe à baila muitos
desafios epistémicos e ontológicos que a filosofia do início da modernidade
sistematicamente ignorou e negligenciou. Notadamente a assertiva de que

21. Veracruz, Alonso, ‘Quaestio V, Septima Conclusio’, passagem publicada em Calafate e


Gutiérrez, A Escola Ibérica da Paz, 214.
22. O conjunto de reflexões em torno do pensamento de Bartolomé de Las Casas articulado
neste artigo está em débito com a série de reflexões promovidas por Giuseppe Tosi.
Ver particularmente: Giuseppe Tosi, ‘Sins Against Nature as Reasons for a ‘Just
War’: Sepúlveda, Vitoria And Las Casas’ in Right and Nature in the First and Second
Scholasticism, eds. Alfredo Culleton e Santiago Pich (Turnhout: Brepolis Publishers,
2014), 199-239, https://doi.org/10.1484/m.rpm-eb.5.103151. Ver também: Las Casas,
Bartolomé de, ‘Apologia’ in Apologia, Angel Losada ed. Vol 9 (Madrid: Alianza, 1988).
23. Enrique Dussel, ‘Modernidad y alteridad. Las Casas, Vitoria y Suárez: 1514-1617’,
Cuadernos Salmantinos de Filosofia 30 (2003): 689-780.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na Escola Ibérica da Paz 1059

todos os seres humanos são dotados de razão, e que tal razão, entretanto,
é, por natureza, plural e compreende o mundo de formas distintas. A
pluralidade de alegações, em nome da razão, acerca da verdade, implica
ainda uma relação de equivalência que permite o reconhecimento da dife-
rença e da dissidência, e que, finalmente, ambos os lados, incluindo o lado
Ameríndio é, por direito, livre para aceitar ou rejeitar as proposições do
outro.
Apesar da maioria das releituras Aristotélicas subsequentes à lite-
ratura da Segunda Escolástica ter se centralizado ou na notória defesa da
escravidão natural por Sepúlveda ou na defesa Ibérica da racionalidade
da alma indígena como pré-requisito para a conversão, a nova figura do
Ameríndio natural-cultural que emergiu deste debate com os autores da
Escola Ibérica da Paz trouxe uma série de contradições para cada argu-
mento.24 De modo que o universalismo do mundo cristão passou a ser
constantemente desafiado por outras categorias que não mais aquelas
limitadas apenas às classes de infiéis. Neste disposição, Anthony Pagden
argumentou que para evitar tanto o relativismo de Montaigne, quanto a
negação de Sepúlveda acerca da humanidade dos Ameríndios, os Ibéricos
acabaram por criar uma nova doutrina acerca do universalismo da lei
natural.25
As narrativas escolásticas ibéricas acabaram por pluralizar o ius
naturale de modo a fundamentar o ius gentium ameríndio e a implicar em
um certo reconhecimento de suas distintas cosmologias. Por seu turno,
compele em um reconhecimento da pluralidade da razão  – derivada,
como é entendida pelos ibéricos, da natureza comum – no interior do que
se pode nomear de jusnaturalismo pluralista. Esta diligência paradoxal
em descodificar e defender a alteridade da cultura indígena compatível à
visão eurocêntrica do início da modernidade, sem renunciar à noção de
direito natural, em parte, suplanta o portfólio interpretativo contempo-

24. Para os debates anteriores, ver o clássico: Lewis Hanke, All Mankind is One: A Study of
the Disputation Between Bartolomé de las Casas and Juan Ginés de Sepúlveda in 1550
on the Intellectual and Religious Capacity of the American Indians (DeKalb: Northern
Illionois University Press, 1994).
25. Tosi chama atenção a tais assertivas pronunciadas por Pagden acerca de Montaigne.
De fato, a noção de jus gentium havia que contemplar uma variedade de registros
culturais, por vezes radicais como na defesa do canibalismo ou sacrifício humano
como em Las Casas, e ao mesmo tempo manter um registro supra-cultural de jus
naturale. Ver: Giuseppe Tosi, ‘Sins Against Nature as Reasons for a ‘Just War’ e Las
Casas, ‘Apologia’. Ver também: Anthony Pagden, The Fall of Natural Man (Cambridge:
University Press Cambridge, 1982).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1060 Bethânia Assy | Sílvia Maria da Silveira Loureiro

râneo, binário entre universalismo abstrato e relativismo cultural. A partir


desta perspectiva, os ibéricos podem ser relidos como ensejadores de um
vocabulário de jusnaturalismo pluralista que não apenas desafia a racio-
nalidade particular à modernidade Europeia, mas também incorpora um
perspectivismo arcaico baseado na experiência histórica e contingente
ameríndia, a qual, por sua vez, inaugura uma outra filosofia etnográfica
comparativa da relação entre racionalidade e natureza.26
A alteridade dos povos Ameríndios e o relacionamento com um
universo simbólico radicalmente diverso impôs um desafio intelectual
abissal: a tarefa de compatibilizar e traduzir categorias indígenas à racio-
nalidade escolástica da cristandade católica da época.27 O direito natural
fora um dos conceitos centrais com o quais os escolásticos ibéricos
perseguiram o objetivo de refutar a pretensa soberania da colonização,
e portanto negar sua legitimidade. Na disputa por enquadrar a categoria
aristotélica de humanidade com a facticidade histórica da diferença
cultural observada no Novo Mundo, os ibéricos recorreram aos conceitos
iniciais de ius naturale e ius gentium, e os relacionaram à antiga discussão
sobre a racionalidade na natureza e da alma28.
A correlação entre o ius gentium e o ius naturalis sugere ambiguidades
e conduz a uma concepção mais complexa e paradoxal da relação entre
natureza e cultura, pois a postulação da existência de um “ius gentium”
Ameríndio requeria a assunção que o “ius naturale” era de alguma forma
mediado pelo “ius gentium”, ou seja, pelo senso comum natural de cada
povo e de cada cultura. Francisco de Vitória acentua:

Porque em realidade não são idiotas, senão que têm, a seu modo, uso
de razão. É evidente que têm certa ordem nas suas coisas; que têm
cidades devidamente regidas, matrimônios bem definidos, magistrados,
senhores, leis, professores, indústrias; comércio; tudo isto requer o uso
de razão. Além do mais, têm também uma forma de religião e não erram

26. Embora fora do escopo propositivo deste artigo, seria interessante uma aproximação
entre a relação natureza-racionalidade na experiência do encontro com a alteridade
radical da Escola Ibérica e a radicalidade epistemológica do multinaturalismo
proposta por Eduardo Viveiros de Castro, a partir do que o autor nomeia de
perspectivismo ameríndio. Ver Eduardo Viveiros de Castro, Metafísicas Canibais (São
Paulo: Cosacnaify, Edições N-I, 2015).
27. Ver: Tosi, ‘Sins Against Nature as Reasons for a ‘Just War’.
28. Ibid. Ver: Giuseppe Tosi, “La teoria della schiavitù naturale nel dibattito sul Nuovo
Mondo (1510-1573): ‘Veri domini’ o ‘servi a natura’”?, Divus Thomas  – Rivista
Quadrimestrale dello Studio Filosofico Domenicano 33, n. 3 (2002): 5-258. Ver também:
Anthony Pagden, The Fall of Natural Man.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na Escola Ibérica da Paz 1061

tampouco nas coisas que são evidentes a outros, o que é um indício de


uso de razão. Deus e a natureza não lhes abandonam no que é indis-
pensável para a espécie; e o principal no homem é a razão, e é inútil a
potência que não se reduz ao ato.29 (Tradução livre).

Na primeira parte do seu Relectio de Indis, Francisco de Vitória


respondeu que em relação a sua evidente organização social, os ameríndios
deveriam ser racionais pois eram capazes de instituir suas vidas apro-
priadamente, incluindo a manutenção de relações sociais afetivas, trocas
materiais e religião30. Ele, a partir dali, efetivamente desassociou a onto-
logia indígena da escala móvel que a presunção de “semi-racionalidade”
estabelecia e, ao invés disso, a associou a um espaço histórico no qual os
Ameríndios tinham os mesmos direitos de correspondência e trocas inte-
lectuais assim como qualquer outro ser humano.31
Esta ambivalência se estendeu à própria concepção de razão, pois
enquanto essa permaneceu como a medida definitiva para humanidade,
a experiência de alteridade radical ameríndia compeliu os autores da
Escola Ibérica da Paz a historicizar e pluralizar a razão em um signifi-
cativo alheamento da categoria transcendental e abstrata que iria predo-
minar a historia europeia de ideias na modernidade. Ao invés disso, é
reiterada a ideia de que a razão é considerada a capacidade de organizar
todas as esferas da vida, e como tal, denota a participação do sujeito na
lei eterna. O ponto crucial é que, apesar da natureza humana universal
não ser concebida como cultural, mas como derivada da razão (ratio), a
razão em si é cunhada pela cultura. Portanto, em certa medida, a razão
é cultural – no caso ameríndio uma cultura marcada por, na perspectiva
ibérica, pura alteridade. Esta espécie de dimensão culturalista da racio-
nalidade tem fortes implicações não apenas na forma como o direito dos
ameríndios são teorizados, como também mobilizaria uma outra univer-

29. (grifo nosso) Francisco de Vitória, Relectio de Indis o Libertad de los Indios (Madrid:
Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1967), 29-30.
30. Ibid. Ver também: James Anaya, Indigenous Peoples in International Law, 2nd edition
(Oxford: Oxford University Press, 2004), 16.
31. Padgen, The Fall of Natural Man. Está fora do escopo deste artigo discutir as
controvérsias em torno das interpretações da literatura decolonal acerca de Francisco
de Vitória. Contudo, de fato, ao enquadrar a capacidade intelectual como linear e
evolucionária, Vitoria paradoxalmente afirmou simultaneamente a cultura irredutível
dos ameríndios e estabeleceu uma escala de progresso civilizacional em que os europeus
permaneceram superiores. Da mesma forma, Vitória afirmou a superioridade racional
dos colonizadores, mas argumentou que isso não justificava nem a conquista de terras
ameríndias nem a escravização de sua população.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1062 Bethânia Assy | Sílvia Maria da Silveira Loureiro

salidade na teoria dos direitos humanos. Visto sob esta ótica, alguns
aspectos desse jusnaturalismo pluralista vêm à tona de forma a destacar
o poder de ressignificação que a linguagem dos direitos humanos teve em
outro momento fundacional.
De fato, a discussão acerca da lei natural não deu em torno de um
conjunto de princípios puramente especulativos e abstratos, mas, ao invés,
foi focada numa concepção realista de direitos naturais fundados em
consonância com a razão, mas no plano de fundo de uma abertura à alte-
ridade histórica.32 Consequentemente, a própria complexidade do argu-
mento ibérico sobre direitos naturais é resultado da exaustiva tentativa de
situar, até mesmo confrontar, seu fundamento da razão frente à realidade
e experiência histórica da alteridade radical. Não se trata nem de abrir
mão da noção de universalidade, muito embora não se restrinja à noção
abstrata de universalidade, nem muito menos de aventar um relativismo
cultural.
O ius gentium efetivamente toma a forma de expressão histórica do
direito natural; a concepção de racionalidade própria do direito natural
será necessariamente apreendida a partir da concretude da experiência
ameríndia. Esta experiência de realismo universalista permitiu justa-
mente originar uma articulação da noção de universalidade que a sua
descrição abstrata era incapaz de articular. Impelia, notadamente, em um
universalismo fincado na pluralidade factual humana e justificado pela
experiência da alteridade radical ameríndia; que poderíamos denominar
de universalismo situado.
Em maior ou ou menor medida, a discussão dos autores Ibéricos em
torno do direito natural pode ser lida como ensejo, usando a expressão
inspirada em Ambrosio Velasco Gomez, do que já nomeamos de uma
espécie de jusnaturalismo pluralista. E é isso que parece notável nesses
autores, qual seja, o real desafio de pensar o humanismo33. Entretanto, e
de forma crucial, este jusnaturalismo pluralista não exprime o reconheci-
mento de um relativismo cultural inscrito, a posteriori, por meio do “ius
gentium”. Um jusnaturalismo pluralista nesses termos expressa, ao revés,
um acesso compartilhado ao direito natural, vincula ius naturale e ius
gentium. Não obstante condicione o ius gentium ao ius naturale, como a
literatura corrente sobre o tema já tem afirmado, o condiciona de forma

32. Ver: Velasco, ‘Las ideas republicanas para una nación multicultural de Alonso de la
Veracruz.’
33. Ibid.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na Escola Ibérica da Paz 1063

imbrincada, de forma que também a concepção de ius naturale passa a


depender da formulação do ius gentium. Um dos pontos decisivos desta
releitura é levar em consideração que a universalização do ius naturale
no tocante à universalidade da razão foi articulada empírica e historica-
mente a partir das experiências factuais de alteridade, o qual, no caso dos
Ibéricos, veio na forma do mundo ameríndio.

Conclusão

Giuliano Gliozzi argumentou em peça seminal sobre a gênese da


antropologia enquanto ideologia colonial, que a literatura da “conquista”
do século dezesseis tendeu a se reduzir a uma leitura na qual o Ocidente
construiu a si e a seus pares por meio de binarismos coloniais estilizados,
tais como o bom selvagem versus o mau selvagem, civilização versus
barbárie, racionalismo versus a bestialidade34. Em certo sentido, estudos
sobre a conquista no século dezesseis seriam, portanto, um exemplo da
confeição ocidental entre história, filosofia e antropologia, tendo em vista
que a história das ideias moderna é atravessada pela historicidade da
colonialidade americana. Um dos aspectos principais que caracterizam
este período é justamente a série de contradições e divisões teóricas que
emergem dentro e por meio do encontro histórico da metafísica europeia
e seu equivalente ameríndio. Um feito deste encontro tem sido a preci-
pitação de um profundo engajamento com a questão de quão radical
a alteridade pode ser, manejada a partir de uma estrutura cognitiva
pré-existente. A linguagem dos direitos enfrenta esse desafio epistémico
em momentos de crise intelectual, isto é, momentos transitórios em que
vocabulários estabelecidos são desafiados por experiências radicalmente
novas e terminam por revelar novos horizontes cognitivos.
Como apontado anteriormente, esse engajamento ultrapassa o
portfólio interpretativo da modernidade que apenas permite o universa-
lismo abstrato ou o relativismo cultural. Ao invés disso, o que distingue
a literatura da Escola Ibérica da Paz é uma profunda ambivalência que
flui da missão em tornar as suas experiências de alteridade radical consis-
tentes com sua bagagem escolástica e o seu direito/dever de evangelizar

34. Ver: Giuliano Gliozzi, Adam et le Nouveau Monde  – La naissance de l’anthropologie


idéologie colonial: des genealogies bibliques aux theories raciales (1500-1700). Paris:
Théétè éditions, 2000; ver também: Tzvetan Todorov, The Conquest of America – The
problem of the other (Oklahoma: University Press Oklahoma City, 1999).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1064 Bethânia Assy | Sílvia Maria da Silveira Loureiro

(jus praedicandi). O resultado, paradoxal como é, não obstante, pode ser


entendido como uma das primeiras genuínas operações etnográficas na
modernidade primitiva.35

Referências

Anaya, James. Indigenous Peoples in International Law. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press,
2004.
Aquino, Tomás de. Suma Teológica. 2. edição tomo VI. São Paulo: Loyola, 2012.
Barcia Trelles, Camilo. ‘Francisco Suarez (1548-1617): les théologiens espagnols du XVIe siècle et
l’école moderne du droit international’, Recueil des cours 43 (1933-I): 424-425.
Calafate, Pedro. Da Origem Popular do Poder ao Direito de Resistência Lisboa: Esfera do Caos, 2012
Calafate, Pedro e Gutiérrez, Ramón Mandado. A Escola Ibérica da Paz: a consciência crítica da
conquista e colonização da América / Escuela Ibérica de la Paz: la consciência critica de la
conquista y colonización de América: 1511 – 1694, prefácio de Antônio Augusto Cançado
Trindade. Santander: Editora da Universidade da Cantábria, 2014.
Calafate, Pedro e Loureiro, Sílvia Maria da Silveira. ‘A Escola Peninsular da Paz: a contribuição da
vertente portuguesa em prol da construção de um novo direito das gentes para o século XXI’,
Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, Fortaleza 13, v. 13, no. 13, (2013): 262-283.
Carlyle, Robert Warrand e Carlyle, Alexander James. History of Medieval Political Theory in the
West. Edingurgh e London: W. Balcwood and sons, 1903.
Castro-Gómes, Santiago e Grosfoguel, Ramón, eds. El Giro Decolonial: Reflexiones para una
diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Ciclo del Hombre Editores
Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos; Pontificia Universidad
Javeriana, Instituto Pensar, 2007.
Dussel, Enrique. ‘Europa, Modernidade e Eurocentrismo’. In A Colonialidade do Saber:
Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas Latino-Americanas. Editado por Edgardo
Lander. Buenos Aires: CLACSO, 2005, 24-32.
Gierke, Otto Friedrich Von. Natural Law and the Theory of Society 1500 to 1800. Translated with an
introduction by Ernest Barker. London: Lawbook Exchange, 2010.
Gliozzi, Giuliano, Adam et le Nouveau Monde – La naissance de l’anthropologie idéologie colonial:
des genealogies bibliques aux theories raciales (1500-1700). Paris: Théétè éditions, 2000.
Haakonsen, Knut. Natural Law and Moral Philosophy – From Grotius to the Scottish Enlightenment.
Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
Hanke, Lewis. All Mankind is One: A Study of the Disputation Between Bartolomé de las Casas and
Juan Ginés de Sepúlveda in 1550 on the Intellectual and Religious Capacity of the American
Indians. DeKalb: Northern Illionois University Press, 1994.
Hanke, Lewis. The Spanish Struggle for Justice in the Conquest of America. Philadelphia: University
of Pensilvania Press: 1959.
Hanke, Lewis. Aristóteles e os índios americanos. Tradução de Maria Lucia Galvão Carneiro. São
Paulo: Livraria Martins Editora, 1955.
Höffner, Joseph. La Ética Colonial Española Del Siglo de Oro, cristianismo y dignidad Humana.
Madrid: Rivadeneyra, 1957.
Las Casas, Bartolomeu de. História de las Índias. Edição de Agustín Millares Carlos e estudo
preliminar de Lewis Hanke, V. II. México: Fondo de Cultura Economica, 1986.
Las Casas, Bartolomeu de. ‘Apologia’. In Apologia, editado por Angel Losada. Vol 9. Madrid:

35. Ver: Gliozzi, Adam et le Nouveau Monde.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Do Jusnaturalismo Pluralista ao Universalismo Situado na Escola Ibérica da Paz 1065

Alianza, 1988.
Lesaffer, Randall. Peace Treaties and International Law in European History. Cambridge:
Cambridge. University Press 2004.
Lander, Edgardo, ed. A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas
Latino-Americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
Molina, Luis de. De Justitia et Ure – Libro Primero de la Justicia. Madrid: 1946.
Montaigne, Michel de. Ensayos. Edición biligüe. Texto francés estabelecido por André Tournon,
traduccion y notas de Javier Yagüe Bosch. Barcelona: Galaxia Gutenberb, 2014.
Nóbrega, Manuel da. Diálogo sobre a Conversão do Gentio. Manaus: Valer, 2010.
Pagden, Anthony. The Fall of Natural Man. Cambridge: University Press Cambridge, 1982.
Pereña, Luciano. ‘La Escuela de Salamanca y la Duda Indiana’. In La Etica em la Conquista de
América, ed. Luciano Pereña, Coleção Corpus Hispanorum de Pace. v. XXV. Madrid: CSIC,
1984.
Quijano, Anibal. ‘Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina’. In A Colonialidade
do Saber: Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas Latino-Americanas, ed. Edgardo
Lander. Buenos Aires: CLACSO, 2005, 107-130.
Saranyana, Josep-Ignasi. La Filosofia Medieval desde sus Origenes Patrísticos hasta la Escolástica
Barroca. 2 edição Pamplona: EUNSA, 2007.
Seed, Patrícia. ‘‘Are These not also Men?’: The Indians’ humanity and capacity for Spanish
civilization’. Journal of Latin America Studies 25, no. 3 (1993): 629-52.
Sevilla, Isidoro de. Etimologias. Tradução José Oroz Reta e Manuel Marcos Casquero, Biblioteca
de Autores Cristianos. Madrid: Pontifícia Universidade Católica de Salamanca, 1993.
Skinner, Quentin. Foundations of Western Political Thought. Cambridge: Cambridge University
Press, 2004.
Soto, Domingo de. ‘Relectio de dominio, Salmanticae’. In Relecciones y Opusculos Domingo de
Soto. Edição, traduções e introduções de Jaime Brufal Prats, v. 1 . Salamanca: Editorial
San Esteban, 1995.
Suess, Paulo, ed. A Conquista Espiritual da América Espanhola: 200 documentos  – século XVI.
Petrópolis: Vozes, 1992.
Tosi, Giuseppe. ‘Sins Against Nature as Reasons for a ‘Just War’: Sepúlveda, Vitoria And Las Casas’.
In Right and Nature in the First and Second Scholasticism, editado por Alfredo Culleton
e Santiago Pich. Turnhout: Brepolis Publishers, 2014, 199-239, https://doi.org/10.1484/m.
rpm-eb.5.103151.
Tosi, Giuseppe. ‘Raízes Teológicas dos Direitos Subjetivos Modernos: conceito de dominium no
debate sobre a questão indígena no século XVI (2005)’. Prim@ Facie Interantional Journal
V 4, no. 6(2005): 42-56.
Tosi, Giuseppe. “La teoria della schiavitù naturale nel dibattito sul Nuovo Mondo (1510-1573): ‘Veri
domini’ o ‘servi a natura’”? Divus Thomas – Rivista Quadrimestrale dello Studio Filosofico
Domenicano 33, n. 3 (2002): 5-258.
Tuori, Kaius. ‘The Reception of Ancient Legal Thought in Early Modern International Law’. In The
Oxford Handbook of the History of International Law, edited by Bardo Fassbender and Anne
Peters. Oxford: Oxford University Press, 2012.
Tuck, Richard. The Rights of War and Peace. Political Thought and the International Order from
Grotius to Kant. Oxford: Oxford University Press, 1999.
Velasco Goméz, Ambrosio. ‘Las ideas republicanas para una nación multicultural de Alonso de
la Veracruz”. In Innovación y tradición en fray Alonso de la Veracruz, ed. Carolina Ponce
Hernandez. Mexico: FFyL UNAM, (2007): 67-77.
Vitoria, Francisco de. Doctrina sobre los Índios. Edição, tradução e estudo preliminar de Ramón
Hernández. Coleção Clasicos de la Escuela. Salamanca: San Esteban, 2009.
Vitoria, Francisco de. Relectio De Potestate Civili: estúdios sobre su filosofia política. Edição crítica

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1066 Bethânia Assy | Sílvia Maria da Silveira Loureiro

por Jesús Cordero Pando, Coleção Corpus Hispanorum de Pace, v. 15. Madrid: CSIC, 2008.
Vitoria, Francisco de. Relectio De Indis: o libertad de los índios. Edição crítica bilíngüe de L. Pereña
e J. M. Pérez Prendes. Coleção Corpus Hispanorum de Pace V Madrid: CSIC, 1967.
Weffort, Francisco. Espada, Cobiça e Fé. As origens do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2012.
Todorov, Tzvetan. The Conquest of America – The problem of the other. Oklahoma: University Press
Oklahoma City, 1999.
Zolo, Danilo. ‘Prefazione. Il multiculturaslimo pacifista di Las Casas’. In De Regia Potestate,
Bartolome de Las Casas. A cura di Giuseppe Tosi. Bari: Editione Laterza, 2007: V-XII.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1067-1102.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1067

O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais


subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney
GIUSEPPE TOSI *

Abstract
In the debate on the origin of modern natural rights, the French philosopher Michel Villey
became famous for his counter current theses: that the origin of modern subjective rights
was a “deformation” or “degeneration” of the ancient and medieval concept of law; that those
responsible for this rupture were Ockham and his nominalist disciples, as well as the Scholastics
of Salamanca; that these last ones betrayed the thought of Aquinas on the right adhering to the
nominalist. These theses serve the purpose of justifying Villey’s radical opposition to the subjective
foundations of modern human rights. The reply of the historian of medieval law, the Englishman
Brian Tierney, is that Villey’s conception of ancient and medieval law is too restricted; that already
in Roman law there was a notion of subjective rights; that the origin of modern subjective rights
does not depend only on Ockham’s nominalism, but was already present in the medieval canonists;
that the scholastics of Salamanca did not betray the Thomist thought, but they brought it up to
the challenges of the new times; and that the idea of subjective
​​ natural rights does not depend
on a particular ideology, but is compatible with different ideologies and worldviews. In revisiting
this debate, our main interest concerns the conclusions that Villey draws from the entire long
historical trajectory he has studied, and the criticism that Tierney makes of his radical opposition
to human rights. Finally the debate gives rise to some more general considerations about the
history of concepts and the distinction between the historical genesis of the ideas and their validity.
Keywords: jusnaturalism, objective law, subjective rights, Tierney, Villey.

1. Introdução

O
debate entre Tierney e Villey sobre a origem dos direitos subje-
tivos modernos se tornou um clássico da filosofia do direito e já
conta com inúmeras contribuições impossíveis de acompanhar na
sua abrangência.1 O debate envolve questões complexas: se a passagem

* Universidade Federal da Paraíba, Brasil.


 pinuccio@uol.com.br
1. Só a título de exemplo: Jean-François Niort, Guillame Venier (ed.), Michel Villey et
le droit naturel en question (Paris: Ed. L´Harmanatt, 1994). Charles Reid Jr., “The
Medieval Origins of the Western Natural Rights Tradition: the Achievement of Brian
Tierney”, Cornell Law Review N. 83 (1998) 437-463. Renato Rabbi-Baldi, Cabanillas.
“Michel Villey e o Tema dos Direitos Humanos: uma Crítica a Partir de seus Escritos

1067-1102

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1068 Giuseppe Tosi

do direito objetivo antigo aos direitos subjetivos modernos constitui uma


continuidade, uma ruptura ou até uma “deformação” do conceito antigo
e medieval de direito; quais seriam os responsáveis por esta ruptura,
se Ockham e os nominalistas ou os escolásticos de Salamanca; se esses
últimos foram fiéis ao pensamento de Tomás de Aquino sobre o direito
ou acabaram por aderir às teses nominalistas; se além dos nominalistas
houve outras fontes para esta passagem crucial do direito objetivo aos
direitos subjetivos. Essa discussão deságua na crítica ou oposição radical
de Villey aos fundamentos subjetivos dos direitos humanos modernos,
que é o aspecto mais relevante, e atual da polêmica.
A resposta de Tierney é que a concepção de Villey do direito antigo e
medieval é por demais restrita; que havia um direito subjetivo também na
Antiguidade (no direito greco-romano) e na Idade Média; que a origem dos
direitos subjetivos modernos não depende somente do nominalismo de
Ockham, mas estava já presente nos canonistas medievais; que os escolás-
ticos de Salamanca não traíram o pensamento tomista, mas o atualizaram
diante dos desafios dos novos tempos; e que a ideia dos direitos naturais
subjetivos não depende de uma particular ideologia, mas é compatível
com diferentes ideologias e visões de mundo.
Entendemos que essas questões não possuem somente um valor
historiográfico, mas de atualidade, porque das respostas a elas depende
a avaliação da legitimidade e da fundamentação dos modernos direitos
humanos, enquanto secularização dos direitos subjetivos antigos e
medievais.
Desenvolveremos o ensaio em três partes, nas primeiras duas apre-
sentaremos as posições de Villey e Tierney e na terceira retiraremos
algumas conclusões.

e de suas Fontes”, Quaestio Iuris, Vol. 02, nº 01, (2006): 98-133. Jean-Pierre Schouppe.
«Reflexions sur la conception du droit de M. Villey. Une alternative a son rejet des
droits de l’homme». Persona y derecho. Revista de fundamentación de las Instituciones
Jurídicas y de Derechos Humanos, 25, 1991  (Escritos en memoria de Michel Villey
II), 151-169. Alain, Serieux, «‘Le droit naturel de Michel Villey». Revue d´histoire des
facultés de droit et Science politique. Aix-Marseille III, n. 6 (1988) 129-153.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1069

2. Michel Villey: os direitos subjetivos como expressão da


deformação do conceito de direito

Michel Villey (1914-1988) foi um dos maiores filósofos franceses do


direito do século XX, que escreveu várias obras fundamentais sobre a
história e a teoria do direito.2 Neste ensaio nos ocuparemos somente de
um aspecto do seu pensamento, que é central e recorrente em toda a sua
obra: a crítica ao que ele chama de “deformação” ou “degeneração” do
direito, ou seja, a teoria dos direitos subjetivos, que dá sustentação aos
modernos direitos humanos. Para tanto, utilizaremos, sobretudo, o livro
O direito e os direitos humanos, ainda que o tema esteja desenvolvido e
justificado também nos tratados sobre a Formação do pensamento jurídico
moderno e sobre Filosofia do direito. Definição e fins do direito.
O livro é dedicado “filialmente” ao papa João Paulo II, e foi suscitado
pelas reflexões que o pontífice fez naqueles anos em favor dos direitos
humanos, em particular na Encíclica Redemptor Hominis de 1979. Apesar
do tom respeitoso, por ser o seu autor um fervoroso católico, o livro revela
certa decepção do filósofo para com a “reviravolta” que a Igreja Católica
promoveu ao aderir aos direitos humanos na sua doutrina social. Em
1974, ao participar de um convênio sobre Bartolomé de Las Casas, Villey
escreveu: “Eu compreendo muito bem que algumas recentes encíclicas
pontificais, contra o uso anterior dos papas, façam concessões à linguagem
atual. Seja-me permitido somente de duvidar que esta novidade seja um
progresso.”3

2. Michel, Villey, La formation de le pensée juridique moderne (Paris: Editions Montchretien,


1975). Edição brasileira: A Formação do Pensamento Jurídico Moderno (São Paulo:
Martins Fontes, 2005). Idem, Filosofia do direito. Definições e fins do direito. Os meios
do direito. Trad. De Márcia Valéria Martinez de Aguiar. Prefácio de François Terré (São
Paulo: Martins Fontes, 2008). Idem, Le droit e les droits de l´homme, (Paris, Presse
Universitaire de France, 1983). Utilizaremos a edição brasileira: O direito e os direitos
humanos. Trad. de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão (São Paulo: Martins
Fontes, 2007). Observação: para as obras em línguas estrangeiras, utilizaremos a
tradução de uma edição portuguesa, quando há; nos outros casos a tradução será a
cargo do autor e o texto original será transcrito nas notas de rodapé.
3. Michel, Villey. “Problematique des droits de l´homme”. In Las Casas e la Politique de
Droits de l´homme. (Aix-en-Provence: Institut d´Études Politique d´Aix, 1974) 369-
37: « Je comprends très bien que de récentes encycliques pontificales, contre l´usage
antérieur des papes, sacrifient au langage actuel! On me permettra seulment de douter
que cette nouveauté soit un progrès”. Esta postura lembra a queixa aos novos tempos
introduzidos pelo Concílio Vaticano II de outro grande pensador conservador católico,
Carl Schmitt. Referindo-se ao seu escrito sobre Catolicismo romano e forma política,
Schmitt afirma que: “Esse elogio, publicado em 1923 à Igreja Romana, como uma

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1070 Giuseppe Tosi

Villey parte da constatação de que, na contemporaneidade, os direitos


humanos estão tão difundidos e instalados nos mais diferentes ambientes
ideológicos, que “é impensável desalojá-los”.4 No entanto, é justamente
esta a tarefa que se propõe a realizar: mostrar a inconsistência jurídica
e política das doutrinas dos direitos humanos. A sua crítica aos direitos
humanos é parte da crítica mais ampla à modernidade e à idolatria
moderna pela ideia de progresso.5
Villey reconhece que esta tarefa é muito difícil diante do consenso que
os direitos humanos gozam, e que suas críticas o colocam em companhia
dos “reacionários”:

Quem pretenderia ficar alheio a essas justas causas e não teria vergonha
de se dissociar da Anistia Internacional? Uma vez que hoje a informação
é universal, é difícil ignorar a sorte dos mortos de fome de Calcutá,
das torturas de El Salvador e dos dissidentes soviéticos. Há a Polônia.
Em toda parte, a insuficiência das leis. Os direitos humanos seriam o
recurso. Essa ideia relativamente nova talvez seja nossa única espe-
rança de arrancar o direito da esclerose, e o único instrumento de seu
progresso. Para combatê-la, só se encontrariam imbecis reacionários?6

Villey mostra de conhecer bem esses “reacionários” e se sente confor-


tável na sua companhia. Ele reúne tanto as críticas à direita, quanto às de
esquerda:

Reacionários, nós o seremos em boa companhia. Não faço alusão à Nova


direita, com cujas teorias não tenho a menor afinidade. Mas a discussão
dos direitos humanos não nasceu ontem. Ela irrompeu logo depois de
1789. Enquanto Paine na Inglaterra, Kant na Alemanha, Fichte e o jovem
Hegel (mais tarde voltaram atrás) se entusiasmavam pelos direitos do

aparição perfeitamente visível na vida pública, ainda poderia ter sido escrito em 1958,
o ano da morte de Pio XII; mas sua verdade foi aniquilada de golpe quando o Papa João
XXIII introduziu seu Aggiornamento. O Concilio retirou, então, os fundamentos de
todo elogio”. Carl Schmitt, Teologia Política (Belo Horizonte: Del Rey, 2006), 80.
4. Villey, O direito e os direitos humanos, 2.
5. Ibid. 2: “Os direitos humanos são um produto da época moderna. O idealismo,
peculiaridade da filosofia moderna, e do qual não é certo que estejamos curados, erige
no lugar de Deus este grande ídolo: o Progresso – que deve assegurar as fruições e a
felicidade de todos, mito muito cultivado no tempo das Luzes; finalidade da política
moderna. E, quanto aos meios, a fim de ordenar no modo mais “racional” o trabalho
dos cientistas e dos técnicos, e de melhor explorar seus frutos, nosso mundo depositou
sua esperança na grande máquina estatal desenhada por Hobbes – o Deus terrestre,
Leviatã.”
6. Ibid., 4.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1071

homem da Revolução Francesa, Burke denunciava seus malefícios. [...]


Na mesma época, Jeremy Bentham opinava que os “direitos do homem”
seriam contrassensos. E, quanto à Igreja católica, o papa Pio VI quali-
ficava os dezessete artigos da Declaração Francesa de “contrários à
religião e à sociedade”. O papado só muito recentemente (desde João
XXIII e Paulo VI) desistiu dessa reprovação. Houve também a crítica
de Marx na Questão judaica [...] Convidado em 1948 à celebração do
texto das Nações Unidas, o filósofo italiano Croce, famoso liberal, nada
encontrou para dizer a não ser que era “inepto”.7

E aqui começa uma longa requisitória contra os direitos humanos.


Eles são “irreais”, porque fazem promessas demais que não podem
cumprir;8 são “incertos e indeterminados” na sua formulação:

Concedem-nos a “liberdade”: termo cuja definição nos extenuamos em


procurar. É verdade que os textos especificam, eles nos gratificam com a
liberdade “de expressão”. Mais uma promessa impossível! E seria errado
deduzir daí que serão toleráveis as provocações às violências racistas, ou
os falsos testemunhos.9

São “inconsistentes”, na medida em que:

não são direitos no sentido do positivismo jurídico, mas um ideal:


modelos de realização da liberdade individual (para Kant, o valor
jurídico supremo) e de igualdade. Optativos, projetos de ação política,
de reforma da sociedade, de boas intenções, de purposes (assim os defi-
niram os analistas ingleses).10

São “etnocêntricos”:

Não voltaremos ao que tem de etnocêntrico  – e de utópico  – o sonho


de universalizar o way of life americano: o regime das eleições livres

7. Villey, O Direito e os direitos humanos, 5. Ver também Michel Villey. Crítica dos direitos
do homem. In Filosofia do Direito. Definições e fins do direito. Os meios do direito,
153-160.
8. Ibid., 5: “Sua impotência é manifesta. A Constituição Francesa ou seus preâmbulos
proclamam o direito ao trabalho, há na França um milhão e meio de desempregados,
que nem por isso estão mais avançados. E terem inserido na Carta pretensamente
universal das Nações Unidas direitos a participar dos negócios públicos, das eleições
livres, dos lazeres, da cultura assim como da abastança, digamos que no Camboja ou
no Sahel, e em três quartos dos países do globo, essas fórmulas são indecentes!”
9. Ibid., 6.
10. Ibid., 6.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1072 Giuseppe Tosi

das democracias chamadas ocidentais não parece exportável a Uganda.


Nem aos vícios do regime igualitarista virtualmente contido nos direitos
humanos: tornar as mulheres juridicamente idênticas aos homens, os
bebês às pessoas idosas, e os pobres aos ricos seria destruir a riqueza do
mundo e sua variedade; um triunfo da entropia. Talvez os votos do socia-
lismo vão nesse sentido. É, antes, o resultado contrário que eu esperaria
da arte jurídica.11

Finalmente os direitos do homem são “contraditórios”:

De qualquer maneira, o programa das Declarações é contraditório.


Elas colecionam uma profusão de direitos de inspiração heterogênea –
tendo-se, aos “direitos formais” ou liberdades da primeira geração,
acrescentado uns direitos “substanciais” ou “sociais e econômicos”. Para
que sejam direitos de todos os homens, são codificados os direitos das
mulheres, das pessoas idosas, das crianças (nos quais as ligas contra o
aborto incluirão os direitos do feto), dos homossexuais, dos pedestres,
dos motociclistas. Cada um deles fracionado em seus componentes. [...]
Cada um dos pretensos direitos humanos é a negação de outros direitos
humanos, e praticado separadamente é gerador de injustiças.12

Villey chama a atenção, em particular, para a inconciliabilidade entre


os direitos de liberdade, ou civis e políticos com os direitos de igualdade,
ou sociais e econômicos: “Certa literatura cristã progressista cultiva o
sonho de reconciliar os direitos do homem de 1789 e os direitos ‘sociais e
econômicos’. Mas é a quadratura do círculo”.13
Essas considerações são o resultado de um longo e erudito excursus
histórico-conceitual para encontrar as raízes desta lamentável situação
em que se encontra o direito; percurso que tentaremos resumir nos seus
aspectos centrais. O tema dos direitos humanos interessa a Villey como

11. Ibid., 7.
12. Ibid., 8. Essas críticas são muito próximas as de Norberto Bobbio em A Era dos
Direitos: a crítica ao caráter vago, contraditório e indeterminado do conceito de
direitos humanos, a tendência à proliferação dos direitos e a não distinção entre o que
é propriamente um direito e o que é uma exigência ideal ou moral. Bobbio, porém, não
retira dessas críticas as conclusões drásticas de Villey contra os direitos humanos; ao
contrário atribui aos direitos humanos uma relevância central na sua filosofia política
e do direito. Norberto Bobbio. “Sobre os fundamentos dos diretos do homem”. In A
Era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho (Rio de Janeiro: Campus, 1992) 15-
24. Desconheço comentários de Bobbio a respeito das posições de Villey, apesar de
serem contemporâneos, de serem dois filósofos do direito, e de pertencerem a duas
tradições culturais muito próximas.
13. Villey, O Direito e os direitos humanos, 8.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1073

um exemplo do que ele chama de “deformação” do direito, que ocorreu


na passagem “do direito (jus), aos direitos (jura) humanos”, do direito
objetivo da tradição grego – romana, que encontra a sua formulação mais
plena na vertente aristotélico-tomista, para os direitos subjetivos dos
modernos.14
Para os juristas romanos, o direito é uma arte (ars), que não “tem
nada de análogo nos Impérios Orientais, no mundo bíblico do Antigo
Testamento, nas Índias ou na China”.15 Uma arte, uma invenção que surge
em Roma sob a influência da filosofia grega e do método dialético, no
sentido antigo do termo, como “a arte de definir e distinguir os significados
precisos dos termos gerais da linguagem”, desenvolvida por Aristóteles.16
O objetivo do direito civil é definido pelos autores romanos, em
particular Cícero, como: “O estabelecimento de uma justa proporção na
distribuição dos bens e no julgamento dos litígios entre os cidadãos”. O
direito (jus) se exerce para fazer justiça (justitia), entendida como “dar a
cada um o que lhe pertence ou que lhe cabe” (suum jus cuique tribuere ou
unicuique suum tribuere), onde tribuere deve ser entendido como o ato
do juiz de atribuir, ou seja, determinar o respectivo direito (jus) de cada
cidadão.17 Nesta concepção objetiva, o direito é o que é justo (id quod
justum est) ou a coisa justa (res justa) e se refere a uma ordem objetiva-
mente justa segundo a qual cada um recebe o que lhe cabe na distribuição
dos bens e dos cargos.
Esta concepção do direito começou a ser questionada a partir do fim
da Idade Média e do começo da Idade Moderna. Os principais responsáveis
do que Villey chama de “degeneração” da ciência do direito aristotélico-to-
mista foram Guilherme de Ockham e os nominalistas seguidores da sua
escola, e posteriormente os teólogos espanhóis da Escola de Salamanca,
desde Francisco de Vitoria, Domingo de Soto e Bartolomé de Las Casas até
Luis de Molina e Francisco Suarez, que, acabaram por seguir a orientação
dos theologi moderni defensores de uma concepção subjetiva do direito.18

14. Michel Villey, «Déformations de la philosophie du droit d´Aristote entre Vitoria


et Grotius». In Platon et Aristote a la Renaissance (Paris: Vrin, 1976) 201-215 (XVI
Colloque International de Tours).
15. Villey, O direito e os direitos humanos, 31.
16. Ibid., 31.
17. Ibid., 62.
18. Ver: Giuseppe Tosi, “Raízes teológicas dos direitos subjetivos modernos. O conceito de
dominium no debate sobre a questão indígena no sec. XVI», Prima Facie, Ano 4, N° 6
(2005) 42-56.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1074 Giuseppe Tosi

Villey é explicito a respeito:

A princípio, parece-me ser uma lenda a da fidelidade desse escolásticos a


São Tomás. [...] Em qualquer caso, em matéria de lei ou teoria jurídica,
não encontrei de minha parte na Escolástica espanhola a doutrina de São
Tomás. [...] O jus tornou-se direito subjetivo, isto é, poder, liberdade reco-
nhecida ao indivíduo para se comportar de certa maneira com relação
a essa ou aquela coisa ou a essa ou àquela pessoa. Eu tenho “o direito”
de concluir o contrato social, de usar minha propriedade como quiser.
Esta é uma das origens dos nossos “direitos do homem” e do cidadão e
do nosso direito de propriedade individualista liberal.19

E continua

Vimos que para Aristóteles o direito era uma proporção entre coisas
repartidas entre vários homens. A noção de direito «subjetivo», herdada
do nominalismo (o nominalismo se recusa a conceber qualquer coisa
que não seja a partir do indivíduo), recebida na escolástica espanhola,
triunfou no humanismo porque o humanismo põe ênfase na liberdade
da pessoa humana, e de acordo com suas fontes estoicas, procura o que
ao indivíduo seja ou não permitido fazer: confusão entre moral e lei.20

Concluindo que:

É por isso que eu dei como título desta palestra: deformações da filo-
sofia de Aristóteles entre Vitoria e Grotius. Como se poderia dizer sobre
a escolástica espanhola, a jurisprudência humanista às vezes aparenta

19. Villey, Déformations de la philosophie du droit d´Aristote entre Vitoria et Grotius, 208, 213:
“ D´abord ce me semble être une légende que celle de la fidélité de cette scolastique à
saint Thomas. [...] En tout cas, en matière de droit ou de théorie juridique, je n´ai pour
ma parte point retrouvé dans la Scolastique espagnole la doctrine de saint Thomas.
[...] Le jus est devenue droit subjectif, c´est-à-dire pouvoir, liberté reconnue à l´individu
de se conduire d´une certaine manière à l´égard de telle ou telle chose ou de telle ou
telle personne. J´ai “le droit” de conclure le contrat social, d´user de mon bien comme
il me plaît. C´est ici l´une des origines de nos “droits de l´homme” e du citoyen, et de
notre droit de propriété individualiste liberal”.
20. Ibid., 213 : “Nous avons vu que pour Aristote le droit était une proportion entre des
choses réparties entre plusieurs hommes. La notion du droit “subjectif”, héritée du
nominalism (le nominalisme se refuse à ne rien concevoir qu´à partir de l´índividu),
reçue dans la scholastique espagnole, a triomphé dans l´humanisme parce que
l´humanisme met l´accent sur la liberté de la personne humaine, et suivant se sources
stoïciennes, cherche de qu´à l´individu il est ou non permis de faire: confusion entre
moral et droit.”

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1075

conservar, mas na maioria das vezes distorce Aristóteles. É uma longa


série de traições que devem ser desvendadas todas as vezes.21

Nesta transição, o conceito de dominium (propriedade) adquire uma


amplitude que não possuía antes, e tende a se identificar com o conceito
de direito como um todo (jus). Um nominalista como Jean Gerson e seus
seguidores haviam afirmado que dominium é idêntico a ius e o haviam
definido nesses termos, conforme citação de Domingo de Soto no De
Iustitia et Iure:

Antes de todo, dicen éstos, [los modernos] el derecho se puede tomar de


dos maneras: la primera como ley; y en este sentido decimos Derecho
Civil y Derecho Canónico. La segunda como autoridad (potestas) que
uno ejerce legítimamente sobre alguna persona o cosa. Después afirman
que dominio es exactamente igual que derecho tomado en el segundo
sentido. Y así el dominio, dicen, es el poder, o la facultad próxima para
apropiarse de las cosas poniéndolas a su disposición y uso lícito según
las leyes establecidas conforme la razón.22

Os theologi moderni, identificando os dois conceitos, tendiam a consi-


derar o sujeito como único titular de direitos e a conceber o direito como
propriedade e apropriação de um sujeito sobre uma série de direitos
(iura), cujo único limite era dado pela lei.
O historiador do direito medieval Paolo Grossi23 concorda substan-
cialmente com Villey na identificação ou relação muito estreita entre
liberdade e propriedade:

21. Ibid,. 212: “C´est pourquoi j´ai donné comme titre à cet exposé: déformations de la
philosophie d´Aristote entre Vitoria et Grotius. Comme on pouvait le dire en effet de la
scolastique espagnole la jurisprudence humaniste affecte parfois de conserver, mas le
plus souvent déforme Aristote. C´est une longue suite de trahisons qu´il faudrait chaque
fois démêler”.
22. Domingo de Soto. De Iustitia et Iure. De la Justicia y del Derecho (1556). Introducción de
Venancio Carro, versión española de Marcelino Gonzáles Ordoñez. Madrid: Instituto
de Estudios Políticos, 1967, IV, I, 279. Texto latim: “Primum enim omnium aiunt isti
[iuniores], ius bisariàm accipi. Primo pro Lege: quo significatu dicimus, Ius Civile et
Canonicum. Secundo pro legitima potestate, qua quis fungitur in personam aliquam
vel rem. Deinde aiunt dominium idem est prorsus quod ius secundo modo acceptum.
Qua propter dominium, inquiunt, est potestas seu facultas propinqua assumendi res
alias in suam facultatem vel usum licitum secundum iura rationabiliter instituta”.
Para uma discussão desses conceitos, ver: Tosi, Raízes teológicas, 4.
23. Paolo Grossi. L´ordine giuridico medievale (Roma-Bari: Laterza, 1996).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1076 Giuseppe Tosi

O livre arbítrio, construído em chave voluntarística para melhor garantir


a autonomia do sujeito, é o pressuposto irreprimível de todo domínio,
porque é ele próprio dominium. A permutabilidade entre liberdade
e propriedade, leitmotiv de todas as correntes individualísticas da era
moderna, já está plenamente estabelecida aqui. “Minha” liberdade
coincide com a propriedade que tenho de mim e de minhas ações, minha
existência como sujeito livre consiste em uma série de comportamentos
dominantes, em suma, da propriedade que tenho de mim mesmo.24

Grossi define esta tendência como a inclusão do meu na esfera do eu:


“o ‘meu’ é a esfera do proprium, ou seja, da minha autonomia dos outros,
corroborada em relação aos outros por um cinturão não insignificante
de bens”.25 A diferença de Villey, Grossi não considera esta posição uma
“degeneração” do direito tomista, mas uma sua necessária adequação aos
novos tempos do humanismo cinquecentesco:

Entende-se como a Segunda Escolástica, em seu alento humanístico


e em sua coerência com um mundo do século XVI que começa a se
despojar das arquiteturas medievais, adere com entusiasmo a esta ideia
base; porque ela combina à perfeição com o aspeto essencial da ordem
humanística  – inspirada em um rigoroso monismo  – que se atua e se
consuma no microcosmo do indivíduo, dentro do qual têm o objetivo
dominante de fortalecer as suas suturas. E se entende como cada
tratado sobre a propriedade dos nossos Mestres tem um capítulo sempre
dedicado ao dominium sui.26

24. Paolo Grossi. “La proprietà nel sistema privatistico della Seconda Scolastica”. In Il
dominio e le cose percezioni medievali e moderne dei diritti reali. Milano: Giuffrè Editore
(1992), 281-383, 298-99: “Il libero arbitrio, costruito in chiave volontaristica per meglio
garantire l´autonomia del soggetto, é il presupposto insopprimibile di ogni dominium,
perché é esso stesso dominium. L´interscambiabilità tra libertà e proprietà, leit motiv
di tutte le correnti individualistiche dell´età moderna, é qui già pienamente posta. La
‘mia’ libertà coincide con la proprietà che io ho di me stesso e delle mie azioni, la
mia esistenza di soggetto libero consiste in una serie di comportamenti dominativi,
insomma della proprietà che ho di me stesso.” Inicialmente publicado in Quaderni
fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, n° 1 (1973).
25. Grossi, La proprietà nel sistema privatistico della Seconda Scolastica, 312: “Il ‘mio’ é la
sfera del proprium, cioé della mia autonomia dagli altri, corroborata verso gli altri da
una cintura non insignificante di beni”.
26. Grossi, La proprietà nel sistema privatistico della Seconda Scolastica, 298: “Si capisce
come la Seconda Scolastica, nel suo respiro umanistico e nella coerenza a un mondo
cinquecentesco che comincia a spogliarsi delle architetture medievali, aderisca con
entusiasmo a questa idea base; perchè essa combacia, alla perfezione, con l´aspetto
essenziale dell´ordine umanistico  – ispirato a un rigoroso monismo  – che si attua e
si consuma nel microcosmo dell´individuo, entro il quale hanno lo scopo prevalente

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1077

Esta concepção subjetiva dos direitos será depois radicalizada e


laicizada pelos modernos, em particular Hobbes e Locke, aos quais Villey
dedica a sua atenção crítica.

Os homens nasceram iguais e livres. Podemos ficar surpresos que uma


imagem tão contrária às realidades, tão deliberadamente fictícia de
nossa condição “natural”, ainda perdure em nosso subconsciente e esteja
inscrita, em pleno século XX, na primeira linha das Declarações dos
Direitos Humanos. Pois ela é a fonte do “direito humano”, de seu “direito
natural” (jus naturale). O que se toma, nessa hipótese, o direito de cada
indivíduo, isso que se lhe deve atribuir (suum jus cuique tribuendum)?
Logicamente, a “liberdade”, já que nesse “estado de natureza” supõe-se
que nenhuma lei restrinja a liberdade do indivíduo. A noção hobbesiana
do direito vincula-se à tradição de Gerson e de Guilherme de Ockham,
que reduz o direito à moral, ou à ausência de lei moral geradora de liber-
dades. O direito é licença, permissão de agir (of doing). [...] Observemos
a distância que separa esse “direito natural” do dominium naturale dos
escolásticos espanhóis. O dominium é um poder de governo outorgado
por Deus, fração de potência concedida aos homens. O jus naturale de
Hobbes é desdobramento da ação livre do indivíduo que nenhuma lei
vem entravar: emanação do próprio sujeito, autêntico direito subjetivo.
Todo homem o possui por si só.27

Após uma cerrada crítica ao contratualismo na versão absolutista de


Hobbes e liberal de Locke (que não eram juristas, como ele não deixa de
observar), conclui que:

O aparecimento dos direitos humanos atesta a decomposição do conceito


do direito. Seu advento foi o correlato do eclipse ou da perversão, na filo-
sofia moderna individualista, da ideia de justiça e de seu instrumento, a
jurisprudência. Ela tinha por finalidade a mensuração de justas relações.
Essa arte autônoma cumpria uma função própria, insubstituível. As filo-
sofias da Europa moderna deixaram-na de lado. O cuidado de uma justa
repartição desapareceu de suas obras. Esses não-juristas, que foram os
inventores dos direitos humanos, sacrificaram-lhe a justiça, sacrificaram
o direito.28 (itálicos meus)

di rafforzare le sue suture. E si capisce come ogni trattato sulla proprietà dei nostri
Maestri abbia un capitolo iniziale sempre dedicato al dominium sui”.
27. Villey, O direito e os direitos humanos, 145-146.
28. Ibid., 163

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1078 Giuseppe Tosi

As consequências são uma proliferação ou inflação de direitos sem


eficácia. Villey considera assim como uma “degeneração” do direito o que
muitos autores, entre eles Norberto Bobbio, consideram como a contri-
buição mais relevante da modernidade ao direito,

Não faz muito tempo, um entrevistador – após uma longa conversa sobre
as características de nosso tempo que despertam viva preocupação para
o futuro da humanidade, sobretudo três, o aumento cada vez maior e
até agora incontrolado da população, o aumento cada vez mais rápido
e até agora incontrolado da degradação do ambiente, o aumento cada
vez mais rápido incontrolado e insensato do poder destrutivo dos arma-
mentos – perguntou-me no final se, em meio a tantas previsíveis causas
de infelicidade, eu via algum sinal positivo. Respondi que sim, que via
pelo menos um desses sinais: a crescente importância atribuída, nos
debates internacionais, entre homens de cultura e políticos, em semi-
nários de estudo e em conferências governamentais, ao problema do
reconhecimento dos direitos do homem. O problema, bem entendido,
não nasceu hoje. Pelo menos desde o início da era moderna, através da
difusão das doutrinas jusnaturalistas, primeiro, e das Declarações dos
Direitos do Homem, incluídas nas Constituições dos Estados liberais,
depois, o problema acompanha o nascimento, o desenvolvimento, a
afirmação, numa parte cada vez mais ampla do mundo, do Estado de
direito. Mas é também verdade que somente depois da Segunda Guerra
Mundial é que esse problema passou da esfera nacional para a interna-
cional, envolvendo pela primeira vez na história – todos os povos.29

3. Brian Tierney: a ideia dos direitos naturais subjetivos

Brian Tierney (1922) é um dos maiores estudiosos de direito canônico


e do pensamento jurídico e político medieval.30 A sua obra principal com
relação ao nosso tema é A ideia dos direitos naturais. Direitos naturais, lei
natural e direito canônico 1150-1625.31 Trata-se de um minucioso e docu-

29. Norberto Bobbio, A era dos direitos, 49.


30. Entre as suas principais obras, assinalamos: Foundations of Conciliarism Theory
(1955); The origin of Papal infallibility (1972); Church Law and Constitutional Thought
in the Middle Age (1979); Religion, Law and the Growth of Constitutional Thought
(1982).
31. Brian Tierney. The Idea of Natural Rights. Studies on Natural Rights, Natural Law and
Church Law 1150–1625, (Emory: Emory University, 1997). Edição italiana: L’idea dei
diritti naturali. Diritti naturali, legge naturale e diritto canônico 1150-1625. Traduzione
di Valeria Ottonelli (Bologna: Il Mulino, 2002). Optamos por traduzir em português

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1079

mentado estudo, realizado sobre as fontes originais, e dedicado à evolução


histórica da ideia dos direitos naturais, a partir dos decretalistas medievais
dos séculos XII e XIII que, segundo Tierney, inauguram a linguagem dos
direitos naturais subjetivos.32
Tierney acompanha este tema no debate sobre a pobreza de Cristo,
acontecido no século XIV, entre o Papa João XXII e os franciscanos, repre-
sentados por Guilherme de Ockham, fundador da corrente nominalista e
crítico do poder do Papado33; e pelos seus seguidores nominalistas, que
exerceram uma grande influência durante muito tempo na Sorbonne de
Paris, e que foram chamados de theologi moderni,34 entre eles Jean Gerson
(1363-1429), o teólogo nominalista Gabriel Biel (1410-1495), Jacques
Almain (1480-1515), o jurista Conrad Summenhart (1465-1511)35 o teólogo
escocês John Mair (†c 1550).36
A terceira parte do livro é dedicada ao percurso que leva dos nomi-
nalistas à Segunda Escolástica espanhola até chegar às influências sobre
Hugo Grotius e o pensamento político moderno. Nele, há um sub-capítulo
intitulado Aristóteles e os índios americanos, que é uma homenagem ao
livro homônimo do grande historiador norte-americano Lewis Hanke.37
No começo do livro há um inteiro capítulo dedicado à tese de Villey
sobre Ockham38 que pode ser visto como uma resposta a Villey que havia
“responsabilizado” os escolásticos de Salamanca, em particular Vitoria
e Soto, de haver traído a lição tomista, apesar da sua formal adesão e
restauração do tomismo, influenciados pelos nominalistas.39

do original em inglês cotejado com a tradução italiana. Ver também: “Aristotle and
the American Indians-Again. Two critical discussion”, Cristianesimo nella Storia, 12
(1991), 295-322.
32. Tierney, The Idea of Natural Rights, 43-77: “Origins of the natural rights Language: text
and context, 1150-1250”.
33. Ibid, 93-206: “Ockham and the Franciscans”
34. Paolo Grossi identifica nas obras de Vitoria e Soto diferentes definições desses teólogos:
moderni, juniores, parisienses, neoterici, recentiores. Grossi, La proprietá nel sistema
privatistico della Seconda Scolastica, 286.
35. Sobre Summenhart ver: Jörg Alejandro Tellkamp. “Ius est idem quod Dominium:
Conrado Summenhart, Francisco De Vitoria y la Conquista de América”. Veritas, Porto
Alegre v. 54 n. 3 (2009) 34-51.
36. Ibid, 207-346: ‘From Gerson to Grotius’.
37. Tierney, The Idea of Natural Rights, 255-283: “Aristotle and the American Indians”.
Lewis Hanke, Aristotle and the American Indians (Bloomington & London, 1959).
38. Tierney, The Idea of Natural Rights, 13-42: “Villey, Ockham and the origin of Individual
Rights”.
39. Michel, Villey. «La promotion de la loi et du droit subjectif dans la seconde scolastique».

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1080 Giuseppe Tosi

Tierney começa a sua arguição dando um juízo bastante rigoroso


do esquema conceitual e dos procedimentos metodológicos de Villey, que
acusa de maniqueísmo:

Villey criou uma espécie de universo maniqueu. Há um mundo de pensa-


mento aristotélico, cheio de luz e de suave razão, e um mundo de pensa-
mento ockhamista, onde tudo é trevas e vontade cega. A boa teoria do
direito objetivo pode florescer somente no primeiro mundo de pensa-
mento, a má teoria dos direitos subjetivos somente no segundo. Quando
em textos anteriores a Ockham encontram-se afirmações inequívocas de
direitos subjetivos, devem ser liquidadas como exceções ou aberrações,
ou simples equívocos por parte de pessoas vulgares que eram por demais
ignorantes para atribuir significados precisos aos termos que utilizava na
fala do dia a dia.40

Cabe observar a respeito que o maniqueísmo é sim produto das


convicções profundas de Villey sobre o tema, mas é também um artifício
retórico proposital, que reforça a evidente intenção do autor de provocar,
de radicalizar as posições para suscitar um debate, sabendo de ir contra-
corrente. Este maniqueísmo é, em parte, matizado pela ironia de Villey
para com as teses dos adversários, mas também com as próprias; como na
suposta carta recebida por um amigo e transcrita no epílogo de O Direito e
os direitos do homem, (mas na verdade escrita por ele mesmo), em que ele
faz uma autocrítica irônica às suas próprias teses, (sem, contudo, aban-
doná-las).41

Quaderni Fiorentini per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, n° 1 (1973), 55: “La
thèse que je vais soutenir est que notre notion de la loi a le défaut d’être elle aussi
un corpe étranger, et le produit d’une infiltration dans le droit d’une Théologie, que
cette infiltration malheureuse s’est produit à l’époque moderne et que la scolastique
espagnole est la plus grande responsable de cet évènement”.
40. Tierney, The Idea of Natural Rights, 30: “Villey has devised a sort of Manicheean
universe. There is an Aristotelian thought-world, full of light and sweet reason, and
a Ockhamist thought-world, where all is darkness and blind will. The good theory of
objective right can flourish only in the first thought-world, the bad theory of subjective
rights only in the second. When clear-cut affirmations of individual rights are found in
texts before Ockham they have to be dismissed as exceptions or aberrations or mere
misunderstandings of vulgar persons who were so ignorant to attach precise meanings
to the terms they used in day-to-day discourse”.
41. Villey, O direito e os direitos humanos, 166: “Veja, [afirma o hipotético interlocutor] os
direitos humanos existem, estão instalados em seu lugar; este é o fato, de minha parte,
eu só sei os fatos. Sua imprudência é de indispor-se com algo mais forte que você. A
linguagem é um vínculo social  – meio de comunicação intersubjetivo  – , dizem-nos
os linguistas, força coletiva que se impõe aos indivíduos. Você esqueceu Durkheim?

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1081

A partir desta posição, Tierney formula quatro principais objeções à


tese de Villey.
Villey utiliza uma concepção estreita de direito (jus-dikaion), a de
tipo objetivo; mas, como Tierney demonstra detalhadamente recorrendo
às fontes, havia certa flexibilidade no uso do conceito de jus/dikaion entre
os antigos e os medievais. Podem ser identificados, pelo menos três signi-
ficados: i) o que é justo, um estado de coisa objetivamente justo, id quod
justum est, que é o sentido que Villey considera como principal, senão
único; ii) um segundo sentido como virtude moral da justiça, por exemplo,
em Aristóteles; iii) mas há também uma terceira definição de jus, como
direito subjetivo, apesar da negativa de Villey.
Tierney fornece um exemplo bastante significativo desses três
sentidos:

Os vários sentidos de ius que ele [Villey] discute não são conceitos contra-
ditórios, mas correlatos. Quando estudamos Tomás e os canonistas,
sugerimos que os conceitos de jus como direito objetivamente justo e
como preceito moral ou legal não eram intrinsecamente incompatíveis
um com o outro. Agora podemos acrescentar que ambos os conceitos
são compatíveis com a ideia dos direitos individuais. (Podemos definir a
relação entre pais e filhos em termos de uma ordem objetivamente justa;
ou podemos defini-la em termos de um preceito moral – “Honra o pai e a
mãe”; mas podemos também definir a mesma relação afirmando que os
pais têm o direito de ser respeitados pelos seus filhos).42

Ele exemplifica essas três maneiras de conceber o direito:

Com relação aos direitos individuais e ao jus naturale interpretado como


o que é objetivamente justo: afirmar um ordenamento justo das relações
humanas significa pressupor uma estrutura de direitos e deveres. Ao

Não está em seu poder mudar a linguagem de seu meio. Nesse ponto, estamos
determinados. Foi o que me ensinou a história científica. E, sinto muito por você, mas
essa linguagem é necessária”. Algo parecido Villey faz no ‘Post-scriptum. Discussões’.
In: Filosofia do direito. Definições e fins do direito, 453-458.
42. Tierney, The Idea of Natural Rights, 32-33: “The various senses of ius that he discusses
are not contradictory concepts. Rather they are correlative. In considering Aquinas
and the canonists we suggested that the concept of ius as objective right order and as
moral or legal precept are not intrinsically incompatible with one another. Now we can
add the both concepts are compatible with the idea of individual rights. (We can define
the relationship of parents and children in term of an objectively right order. Or we can
define it in term of moral precept – “Honor thy father and thy mother”. But we could
also define the same relationship by saying that parents have a right to the respect of
their children)”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1082 Giuseppe Tosi

propor um sistema de jurisprudência, se pode por em evidência ou o


esquema objetivo das relações, ou os direitos e os deveres recíprocos
das pessoas que estão nele envolvidas – e então se pode focalizar ou os
direitos ou os deveres. [...] A diferença do que afirma Villey (e das afir-
mações parecidas dos seguidores de Leo Strauss em América) é simples-
mente falso que “a noção de direito subjetivo é logicamente incompatível
com o direito natural clássico”.43

Para Tierney, o mesmo vale para o direito entendido como um corpo


de preceitos morais ou jurídicos: “Dizer que “não roubar” é um manda-
mento do direito natural significa assumir que os outros têm o direito de
adquirir uma propriedade, e este é um ponto que os juristas medievais
entenderam claramente”.44 Concorda com esta interpretação Valentina
Pazè.

Os argumentos de Villey sumariamente referidos aqui têm sido objeto


de muita discussão e crítica desde sua primeira proposição. [...] Hoje
é amplamente aceita a ideia de que à experiência jurídica romana não
fosse estranha a consciência da existência de posições jurídicas subje-
tivas (às vezes expressas simplesmente com o signo ‘jus’, outras vezes,
pelo menos em parte, reconduzidas à noção de res incorporales), embora
isso nunca levou ao desenvolvimento da categoria unitária de “direitos
subjetivos”.45

Entre os exemplos citados por Pazè é interessante o debate de Giovanni


Pugliese com “o jovem estudiosos Villey”, porque mostra que as posições

43. Ibid., 33: “As for individual rights and ius naturale considered as meaning what is
objectively right: to affirm a right ordering of human relationships is to imply a
structure of rights and duties. In propounding a system of jurisprudence one can
emphasize either the objective pattern of relationships of the implied rights and duties
of person to one another – and then again one can focus on either the rights or the
duties. [...] Despite the assertions of Villey (and similar assertions by some disciples
of Leo Strauss in America), it is just not true that “the notion of subjective rights is
logically incompatible with classical natural rights”.
44. Ibid., 33.
45. Valentina Pazé, “Cittadinanza e Diritti, tra Antichi e Moderni, in F. De Luise:
Cittadinanza. Inclusi ed esclusi tra gli antichi e i moderni (Trento: Universitá degli studi
di Trento, 2018), 93-121, 96. Entre os autores que questionam a tese de Villey, Valentina
Pazè cita, além de Tierney: Emanuele, Stolfi. “Riflessioni attorno al problema dei ‘diritti
soggettivi’ fra esperienza antica ed elaborazione moderna”. Studi senesi, 55 (2006),
120-177. Leonardo, Marchettoni. I diritti umani tra universalismo e particolarismo.
Torino: Giappichelli, 2012.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1083

de Villey estavam definidas já nos primórdios da sua formação. Escrevia


Pugliese em 1954:

A posição de Villey não é isolada, uma vez que ele desenvolveu e, se me


é permitido dizer, exasperou as ideias do seu mestre, Mounier, que, com
efeito, o cita sem reservas em um trabalho sucessivo, enquanto entre nós
esta posição encontrou a adesão entusiástica de Albanese.

E concluia:

Parece-me suficiente ter cumprido a tarefa mais circunscrita que havia


me proposto, a de esclarecer como os Romanos, contrariamente à tese
de Villey, compartilhada por Mounier e Albanese, não apenas conferiam
aos privados atribuições subjetivas, mas também tinham perfeita consci-
ência dessas atribuições, de modo a adotar comumente a visão subjetiva
na impostação dos problemas jurídicos.46

A segunda crítica a Villey é que não foram Ockham nem os nomi-


nalistas que introduziram, “como se fosse uma novidade absoluta”, uma
definição subjetiva dos direitos naturais; mas o conceito circulava entre
os canonistas medievais, a partir do século XII, que o (re)introduziram ou
enfatizaram para responder às novas situações jurídicas emergentes nas
relações sociais e econômicas. Trata-se, portanto, de um conceito jurídico
praticado pela jurisprudência medieval.

Duas correntes de pensamento confluíram nas obras polemicas de


Ockham. Uma tem sua origem nos canonistas, a outra na primeira lite-
ratura sobre as disputas franciscanas. [...] Entre os canonistas, muito
antes de Ockham, encontra-se com frequência o termo ius usado em
sentido subjetivo, assim como a associação de “direito” e de “poder”
que Villey havia enfatizado como a maior contribuição do franciscano
à teoria dos direitos. Além disso, às vezes, ao definir formalmente o
direito natural, o ius naturale, os canonistas atribuíram a este termo
um sentido subjetivo, entendendo-o como se se referisse não ao direito
natural objetivo, mas a uma “faculdade” ou “força”, ou “poder” subjetivo
da pessoa humana.47

46. Giovanni Pugliese, ‘Res corporales’, ‘res incorporales’ e il problema del diritto
soggettivo’. In Studi in onore di Vincenzo Arangio-Ruiz. Napoli: Jovene (1954) 223-260.
Idem, 1979 e 2004 (as páginas são da reedição da obra pela Revista Quaestio Juris
de 2018). Tierney também é de opinião parecida: The Ideia of Natural Rights, 15-22:
“Classical Roman Law”.
47. Tierney, The Idea of Natural Rights, 36: “Two streams of thought flowed together in

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1084 Giuseppe Tosi

Concluindo que:

Quando Ockham começou a escrever sobre os direitos subjetivos, não


houve nenhuma necessidade de inaugurar uma “revolução semântica”.
Existia já uma rica linguagem na qual poderiam ser articuladas as teorias
dos direitos. A doutrina dos direitos individuais não foi uma aberração
tardo medieval a partir de uma precedente tradição do direito objetivo
ou da lei moral natural. Nem tampouco foi uma invenção do século XVII
por obra de Grotius ou Hobbes ou de Locke. Ao contrário o que pretendo
sustentar é que esta doutrina foi o produto característico de uma grande
época daquela jurisprudência criativa que no século XII e XIII colocou
os fundamentos da tradição jurídica ocidental.48

Tierney concorda com Villey de que houve uma passagem do “direito”


aos “direitos”, mas não a atribui unicamente a Ockham, e enfatiza a contri-
buição da jurisprudência dos séculos XII e XIII. No final da obra ele volta
a afirmar esta tese:

Talvez seria mais bonito afirmar que a ideia dos direitos naturais entrou
na história do pensamento político ocidental com o ruído dos tambores
e das tropas, em alguma altissonante anuncio tal como a Declaração da
Independência americana ou a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão francesa. Na realidade, porém, este conceito fundamental
da teoria política ocidental nasceu quase que imperceptivelmente nas
obscuras glosas dos juristas medievais. Poder-se-ia dizer que, nas obras
dos primeiros decretalistas, se verificou uma significativa mudança no

Ockham polemical works. One had its source in canonist writings, the other in the
early literature off the Franciscan disputes. […] Among the canonists one often found
the term ius used in a subjective sense long before Ockham, and also the specific
associations of “right” and “power” that Villey emphasized as a major contribution of
the Franciscan theory of rights. Sometimes too, in offering formal definitions of natural
right, ius naturale, the canonist gave a subjective sense to the term, understanding it
to mean, not objective natural law but a subjective “faculty”, “force” or “power” of a
human personality.”
48. Ibid., 42: “When Ockham in turn came to write on subjective rights there was no need
for him to inaugurate a ‘semantic revolution’. A rich language already existed in which
rights theories could be articulated. The doctrine of individual rights was not a late
medieval aberration from an earlier tradition of objective right or of natural moral law.
Still less it a seventeenth-century invention of Grotius or Hobbes or Locke. Rather we
shall argue, it was a characteristic product of e great age of creative jurisprudence that,
in the twelfth and thirteenth centuries, established the foundations of the Western
legal tradition.”

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1085

pensamento e na linguagem, que deu origem a uma inteira nova espécie


de ideias: a espécie das teorias dos direitos naturais.49

Carlos Casanova, em Guillermo de Ockham y el Origen de la Concepción


Nominalista de los Derechos Subjetivos concorda em parte com Tierney,
mas atribui a Ockham uma relevância maior sobre o tema:

Es innegable la importancia de la contribución de Brian Tierney a la


investigación sobre el origen de la noción de derecho subjetivo. Hoy
resulta bastante claro que canonistas y teólogos anteriores a Ockham
hacían frecuente uso de ella, desde el siglo XII. Sin embargo, en su
reacción contra las tesis de Villey, Tierney parece haber ido demasiado
lejos. Tan lejos, que ella constituye por sí misma la formulación de un
problema historiográfico y teórico que merece ser abordado. En efecto,
¿será posible que la principal novedad introducida por el escolástico
resida simplemente en haber “arreglado todas estas aserciones conven-
cionales en una estructura discursiva sobre los derechos naturales, los
derechos garantizados al género humano por ‘Dios y la naturaleza’”, en
el Breviloquium, como afirma Tierney? ¿O será verdad que en la obra
de Ockham se descubre una concepción del Derecho profundamente
distinta a la clásica o romana (que no es el caso en la obra de los cano-
nistas anteriores ni en la de santo Tomás), y una concepción vinculada a
la noción nominalista de bien? (115-116).50

Casanova reivindica assim uma contribuição maior à linguagem dos


direitos subjetivos por parte de Ockham e dos nominalistas, o que não está
em contraste com a tese de Tierney, mas mostra a maior complexidade do
problema.
A terceira crítica a Villey se refere à contribuição da Segunda
Escolástica espanhola. Villey havia afirmado e repetido em várias
passagens de suas obras que os espanhóis traíram o ensinamento de Santo

49. Ibid., 344: “Perhaps it would be more satisfying it the idea of natural rights had
entered Western political thought with a clatter of drums and trumpet in some
resounding pronouncement like the American Declaration of Independence or the
French Declaration of the Rights of Man and the Citizen. In fact, though, this central
concept of Western political theory first grew into existence almost imperceptibly in
the obscure glosses of the medieval jurists. One might say that, in the works of the
early Decretists, a distinctive mutation of thought and language occurred which gave
rise to a whole new species of ideas, the species of natural rights theories.”
50. Carlos A. Casanova, ‘Guillermo de Ockham y el Origen de la Concepción Nominalista
de los Derechos Subjetivos’, Cauriensia, Vol. XI (2016), 113-140. Ver também Leonardo
Marchettoni, “Ockham e l´origine dei diritti soggettivi”, Quaderni Fiorentini per la
storia del pensiero giuridico moderno, 37 (2008), 21-66.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1086 Giuseppe Tosi

Tomás, ao atribuir aos índios americanos direitos subjetivos, assumindo,


de fato, apesar das intenções, a doutrina dos theologi moderni ou juniores
herdeiros da tradição ockhamista.51 Em um ensaio de 1973, Villey escreveu:
“A tese que vou sustentar é que a nossa noção da lei possui o defeito de
ser ela mesma um corpo estranho, e é o produto de uma infiltração no
direito de uma Teologia, que esta infiltração infelizmente se produziu na
época moderna e que a escolástica espanhola é a maior responsável por
este acontecimento.”52
Em O direito e os direitos humanos havia afirmado:

Mas que esses espanhóis tenham seguido a linha de Santo Tomás é extre-
mamente contestável. É errado que tenham aderido à maior parte de
suas ideias, no setor que nos interessa. Usando um método dialético
muito degenerado, associaram aos textos da Suma outras “autoridades”
na moda. O resultado é uma mistura, uma combinação entre escotismo,
nominalismo e teologia de Santo Tomás. Um bricabraque. Pouco lhes
importa serem incoerentes. São pragmáticos: influentes, ouvidos pelos
príncipes visam a um objetivo prático. Ajustaram Santo Tomás à causa
do restabelecimento de uma ordem monárquica e romana e, traindo o
espírito de pesquisa que caracterizava a Suma, puseram no lugar um
sistema dogmático rígido, criando o “tomismo”.53

A escolástica espanhola nasceu, no começo do século XVI, para


promover uma renovação e restauração do tomismo contra a via moderna
que havia dominado as principais universidades europeias, sobretudo a
Sorbonne, nos dois séculos precedentes. Sobre a questão da fidelidade dos
escolásticos à tradição tomista, Tierney afirma que os intérpretes estão
divididos. Alguns defendem a tese de que os escolásticos mantiveram sua
fidelidade à tradição tomista do direito objetivo e não elaboraram uma
doutrina dos direitos subjetivos. entre eles Philippe André-Vincent.54

51. Tierney, The Idea of Natural Rights, 257.


52. Villey, «La promotion de la loi et du droit subjectif dans la seconde scolastique»,Quaderni
fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, n° 1 (1973), 55.
53. Villey, O direito e os direitos humanos, 131.
54. Philippe André-Vincent. «La concrétization de la notion classique de droit naturel
à través de l´ouvre de Las Casas». In Las Casas e la Politique de Droits de l´homme,
(Aix-en-Provence  : Institut d´etudes politique d´Aix, 1974), 204. (tradução minha).
Ver também:  «La dialectique lascasienne du droit naturel concret. Las Casas et
les droits de l’homme» In. I diritti dell’uomo e la pace nel pensiero di Francisco de
Vitoria e Bartolomé de Las Casas, (Roma: Studia Universitatis S. Thomae in urbe;
Milano: Massimo, 1988), 639-640. “O conceito de ‘direitos do homem’ é estranho ao
pensamento de Las Casas assim como a palavra o é a seu vocabulário. Mesmo quando

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1087

Mas Tierney discorda desta leitura. Segundo ele os escolásticos não


traíram o pensamento de Tomás, mas tampouco o seguiram literalmente;
eles operaram uma mudança de significado dos conceitos para responder
às novas questões levantadas pela descoberta da América. Entre os temas
estudados por Tierney está a relação entre ius (direito) e dominium, que
pode significar domínio político sobre as pessoas e domínio econômico
sobre as coisas, ou seja, propriedade. Vitoria e Soto, afirma Tierney,
recebem da tradição diferentes significados de dominium: alguns mais
restritos que não permitem a identificação entre dominium e ius, e outros
mais amplos, como facultas o potestas, que tendem a uma identificação
ente dominium e jus.
Os maestros de Salamanca retomam a concepção objetiva do direito
da tradição tomista, mas utilizam, ao mesmo tempo, a definição subjetiva
dos iuniores, que tende a identificar dominium e ius. O dominium é
definido como o poder ou a faculdade de assumir uma coisa para seu uso
segundo a lei e os direitos razoavelmente instituídos (“potestas vel facultas
propinqua assumendi res aliquas in sui usum licitum secundum leges et
iura rationabiliter institutas”),55 acolhendo assim a concepção subjetiva
dos direitos naturais (iura).56

se encontra ao plural, a palavra na obra lascasiana possui o senso objetivo derivado não
o sentido objetivo que lhe se atribuiria espontaneamente em um contexto moderno.
Assim quando se lê em Las Casas “os direitos dos Índios” se pensa espontaneamente
ao sentido subjetivo (“direitos do homem”), quando na verdade se trata das leis do
Índios, ou mais exatamente daquele conjunto jurídico constituído pelos costumes, as
tradições dos diferentes mundos indianos”. Tierney discorda desta tese. Tierney, The
idea of natural rights, 275. A tese de André-Vicent é analisada e criticada por Tierney
também in: “Aristotle and the American Indians-Again”, Cristianesimo nella Storia 12
(1991): 297-305.: “Este ponto de vista não se sustenta. André-Vincent nunca realizou
um exame sistemático do uso efetivo dos termos ius e iura por parte de Las Casas.
[...] Las Casas escreveu, por exemplo, sobe ‘as dignidades, os bens e outros direitos
(iuribus)’ que também os infiéis possuem por lei natural; ou sobre “direitos regais”
(iura) pertencentes aos príncipes indígenas; das suas “jurisdições, dignidades, direitos
(iura) e deveres”.
55. Tierney, The idea of natural rights, 257.
56. Afirmam a presença nos escolásticos espanhóis de uma doutrina dos direitos subjetivos
Paolo Grossi, La proprietá nel sistema privatistico della Seconda Scolastica, e Daniel Deckers,
Gerechtigkeit und Recht. Eine historisch-kritische Untersuchung der Gerechtigkeitslehere
des Francisco de Vitoria (1483-1546), (Freiburg i.Br., Universitätsverlag-Herder 1991).
Defendem, ao contrário, uma continuidade entre os teólogos de Salamanca e Tomás,
além de Philippe Andre-Vincent, o dominicano espanhol Venâncio Carro, La teologia y
los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América (Salamanca, 1951), 285-308;
assim como Jaime, Brufrau-Prats. ‘Introducción’. In Domingo de Soto. Relección de
Dominio (Grenada: Universidad de Grenada, 1964).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1088 Giuseppe Tosi

Escreve Tierney:

Os escritos contemporâneos sobre as teorias dos direitos dos autores


espanhóis do século XVI, muitas vezes, afirmam, ou que eles encontraram
uma doutrina dos direitos em Tomás e simplesmente se apropriaram
dela, ou que eles “traíram” Tomás adotando uma doutrina contrária aos
seus ensinamentos, e que derivava, em última instância, do nominalismo
e voluntarismo de Ockham. Ambas as teorias são simplistas. Ockham
não inventou o conceito de direitos naturais que possuía raízes mais
profundas na jurisprudência medieval. E a doutrina dos direitos naturais
não contradiz formalmente nada do que o Aquinas escreveu.57

E conclui

Os espanhóis dominicanos estavam empenhados em reviver e difundir os


ensinamentos do maior mestre da sua Ordem. Eles poderiam ter decidido
seguir o seu exemplo também neste caso. Mas, no contexto do seu tempo,
eles precisavam de uma doutrina dos direitos naturais; sobretudo para
enfrentar os dilemas morais levantados pelas conquistas espanholas em
América. Em consequência, optaram por associar uma doutrina dos
direitos aos princípios tomistas que professavam. O resultado foi que,
quando no começo da idade moderna, surgiram novos problemas, havia
uma teoria dos direitos naturais já amplamente difundida e a disposição
para ser facilmente utilizada pelas futuras gerações de juristas e filó-
sofos.58

A este respeito, Tierney levanta a significativa hipótese historiográfica


de que este debate pode contribuir na definição da disputa entre a doutrina

57. Tierney, The Idea of Natural Rights, 286: “Current writings of the rights theories of the
sixteenth – century Spanish authors often assume, either that they found a doctrine of
natural rights in Aquinas and simply appropriated it, or that they “betrayed” Aquinas
by adopting a doctrine that it was opposed to his teachings and that was derived
ultimately from Ockham´s nominalism and voluntarism. Both views are simplistic.
Ockham did not invent the concept of natural rights; it had deeper roots in medieval
jurisprudence. And the doctrine of subjective rights did not formally contradict
anything that Aquinas wrote”.
58. Ibid., 286-87: “The Spanish Dominicans were intent on reviving and propagating the
teaching of the greatest master of their Order. They might have decided to follow his
example in this matter also. But, in the context of their time, they needed a doctrine
of natural rights, above all to cope with the moral problems raised by the Spanish
conquests in America. Accordingly, the chose to associate a doctrine of rights with
the Thomistic principles that they professed. The result was that, when new problems
arose in the early modern era, a theory of natural rights was very widely diffused ad
was readily available for use by future generations of jurists and philosophers”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1089

da modernidade como ‘secularização’ do cristianismo proposta por Karl


Löwith, e a réplica de Hans Blumenberg sobre a ‘legitimidade’ da Idade
Moderna. Afirma Tierney:

As discussões atuais [sobre a secularização] se centraram ao redor de


dois temas: a origem das teorias iluministas dos direitos naturais e a
origem da ideia iluminista de progresso humano. [...] Em 1949, Karl
Löwith defendeu que a ideia moderna de progresso seria uma versão
secularizada da história da salvação de Joaquim da Fiore. Esta visão foi
amplamente aceita até que, em uma brilhante (spirited) reposta defen-
dendo a “legitimidade” da Idade Moderna, Hans Blumenberg contestou a
intera ideia de secularização como uma explicação razoável (meaningful)
da cultura do Iluminismo. Em ambas as áreas  – teorias dos direitos e
teorias do progresso – os escritos hispânicos provocados pelo primeiro
encontro com a América podem ser vistos como representando uma fase
de transição entre pensamento medieval e moderno.59

Sem se pronunciar abertamente, Tierney está sugerindo que este


debate vem reforçar a tese dos que defendem os direitos humanos como
secularização do cristianismo.
Finalmente Tierney, apresenta uma quarta objeção, que me parece
a mais relevante: a ideia dos direitos naturais subjetivos não depende de
uma particular filosofia ou metafísica individualista ou nominalista que a
fundamente. Ela é compatível com vários tipos de filosofias e metafísicas,
tanto é verdade que está presente em pensadores tão diferentes como os
escolásticos espanhóis e Hugo Grotius, absolutistas como Thomas Hobbes,
liberais como Locke, iluministas como Kant, mas também é aceita por
autores contemporâneos, neoaristotélicos ou neotomistas como Jacques
Maritain e John Finnis:

Com efeito, se descobre que os direitos naturais são considerados


como correlatos em relação ao direito natural em todos os estágios da
história da doutrina  – no renascimento do direito no século XII, no
Iluminismo de XVIII século e também nos discursos do XX século.
Um pensador moderno como Jacques Maritain, enraizado na tradição
tomista do direito natural, definiu os direitos naturais como compa-
tíveis com esta tradição. Mais recentemente John Finnis, argumentando

59. Tierney. Aristotle and the American Indians–Again, 296. Ver: Karl Löwith. O sentido
da história. Tradução de Maria Georgina Segurado (Lisboa: Edições 70, 1991). Hans,
Blumenberg. La legittimità dell’età moderna (Genova: Marietti, 1992). Neste debate
se inseriu também Carl Schmitt: Hans, Blumenberg  – Carl, Schmitt. L´enigma della
modernità (Roma-Bari: Laterza, 2012).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1090 Giuseppe Tosi

com a linguagem da jurisprudência analítica contemporânea, tratou o


conceito de direito subjetivo como um “precioso acréscimo” à tradição
da ‘doutrina do direito natural’.60

Maritain foi o maior filósofo neotomista do século passado, coor-


denou a comissão de sábios que elaborou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos e defendeu uma doutrina natural dos direitos humanos
em continuidade com o pensamento de Santo Tomás61, que influenciou
fortemente a renovação da doutrina social da Igreja na época do Concilio
Vaticano II, e contribuiu para a reaproximação da Igreja Católica aos
Direitos Humanos, acontecimento que Villey não pode que lamentar.
Sobre a relação entre Maritain e Villey, Louis-Damien Fruchaud, em
sua Memoire de DEA, de forma ampla e exaustiva, coloca as afinidades e,
sobretudo as diferenças entre os dois pensadores católicos.62 Informa-nos
que Villey comentou a obra de Maritain em um artigo publicado nos
Archives de Philosophie du Droit en 1974 (N° 19, 439-445) em que ele faz
a resenha do livro de Gregorio Peces Barba intitulado Persona, sociedad,
estado, pensamiento social y político de Maritain. O título do artigo é: Sur
la politique de Jacques Maritain.
Nele, o julgamento de Villey com relação ao pensamento político de
Maritain é muito severo, e um dos pontos de dissenso está justamente
na diferente apreciação dos direitos humanos. Comenta Luis-Damien
Fruchaud:

A conclusão [de Villey] é então clara: “Sim, devemos sem dúvida reco-
nhecer uma divergência substancial entre o ensinamento da Suma e as
posições políticas de Jacques Maritain”. [...] Villey sublinha duas vezes

60. Tierney, The Idea of Natural Rights, 33-34: “In fact one finds natural rights regarded as
correlative with natural law at every stage in the history of doctrine – in the twelfth-
century renaissance of law, in the eighteenth-century Enlightenment, and still in
twentieth-century discourse. A modern thinker like Jacques Maritain, steeped in the
Thomistic tradition of natural law, has defended natural rights as consistent with
the tradition. More recently John Finnis, arguing in the language of contemporary
analytic jurisprudence has also treated the concept of rights as a ‘valuable addition ...
to the tradition of ‘natural law doctrine’”.
61. Ver Jacques, Maritain, Les droits de l’homme et la loi naturelle (Paris: Hartman,
1945). John Finnis, Lei natural e Direitos naturais, trad. Leila Mendes (São Leopoldo:
UNISINOS, 2007).
62. Louis-Damien Fruchaud, Jacques Maritain, Michel Villey Le thomisme face aux droits
de l’homme. Mémoire présenté et soustenu publiquement pour l’obtention du DEA
de droit public interne Sous la direction de Monsieur le Professeur Jean Mor, Paris
Université de Paris II Panthéon-Assas , le 9 septembre 2005. 

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1091

que um dos pontos nos quais se observa mais, em sua opinião, esta
divergência são os direitos do homem. Ele nota en passant: “Jacques
Maritain cavalga com entusiasmo o vocabulário dos ‘direitos do homem”,
e depois afirma claramente: “Segue-se que São Thomas não embarcou na
linguagem confusa, ilusória (apenas moderna) dos “direitos do homem”.
Finalmente conclui que desviando em política, Maritain não poderia que
cair (déchoir), segundo Villey, e em nome do Doutor comum, sobre o
ponto dos direitos do homem: “Parece-nos que São Tomás poderia trazer
para ele o remédio para esses desvios. Não era, portanto, necessário deixar
sua linha, nem era indispensável ceder uma parte do terreno às ideologias
modernas: o historicismo, o democratismo, o palavreado dos direitos
humanos”.63

Em concordância com Maritain, Tierney afirma que, os direitos


naturais dos escolásticos espanhóis não são idênticos os direitos seculari-
zados dos modernos, mas constituem um momento crucial de passagem e
transição da Idade Média à Modernidade.

Logo que apareceu, a ideia de que todas as pessoas possuem direitos


demonstrou uma vitalidade e adaptabilidade notável e se revelou impor-
tante com relação a uma variedade de problemas emergentes […] A ideia
dos direitos naturais, nas suas primeiras formulações, não era uma teoria
do “individualismo atomista”; não era necessariamente contraposta aos
valores das sociedades tradicionais; e não dependia de nenhum tipo
particular de filosofia ocidental. Ela coexistia com diversas filosofias, que
iam desde os sistemas de orientação religiosa da época medieval até as
doutrinas secularizadas do Iluminismo. O único fundamento necessário
de uma teoria dos direitos humanos é a crença no valor e na dignidade
da vida humana.64

63. Ibid.  Section 2. La genèse des droits de l’homme, 31: “La conclusion est alors claire: ‘Oui,
nous devons sans doute reconnaître une divergence substantielle entre l’enseignement
de la Somme et les positions politiques de Jacques Maritain’.[...] Villey souligne par
deux fois un des points où s’observe le plus, selon lui, cette divergence: les droits de
l’homme. Il remarque en passant: ‘Et Jacques Maritain d’enfourcher avec enthousiasme
le vocabulaire des «droits de l’homme’, puis il affirme nettement: ‘Il en résulte que saint
Thomas ne s’est pas embarqué dans le langage confus, illusoire, (seulement moderne)
des «droits de l’homme’. Finalmente ele conclui: ‘Déviant dans la politique, Maritain ne
pouvait que déchoir, selon Villey, et au nom du Docteur commun, sur le point des droits
de l’homme: ‘Il nous semble que saint Thomas pouvait apporter à lui seul le remède à ces
déviations. Il n’était donc point nécessaire de quitter sa ligne ni indispensable de céder
une part de terrain aux idéologies modernes: l’historicisme, le démocratisme, le verbiage
des «droits de l’homme’ ”.
64. Tierney, The Idea of Natural Rights, 345-347: “Once the idea that all persons possess
rights had grown into existence, it displayed a remarkable vitality and adaptability and

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1092 Giuseppe Tosi

E acentua nas conclusões as raízes cristãs dos direitos humanos:

Os papas do nosso tempo, que abraçaram de forma tão entusiástica a


ideia dos direitos naturais, depois que os seus predecessores a haviam
condenada por muitos anos como uma ímpia (irreligious) aberração do
Iluminismo, voltaram, talvez sem saber, a uma tradição enraizada na
jurisprudência do cristianismo e na filosofia da Idade Média.
A ideia dos direitos naturais se desenvolveu  – e que talvez, em um
primeiro momento, poderia ter de desenvolvido somente  – no interior
de uma cultura religiosa que integrava a argumentação racional sobre a
natureza humana com uma fé em que os homens eram vistos como filhos
de um Deus caridoso. Mas esta ideia não era necessariamente depen-
dente da revelação divina, e mais tarde se demonstrou capaz de sobre-
viver também em uma época mais secularizada [...] Os defensores das
teorias secularizadas dos direitos do Iluminismo esqueceram amiúde as
origens remotas das doutrinas que adotaram; mas sua retórica sobre os
direitos do homem se torna completamente compreensível somente se é
vista como o produto final de um longo processo de evolução histórica.65

A doutrina dos direitos naturais, que os pensadores cristãos elabo-


raram a partir de uma síntese entre a filosofia grega e a tradição judaica,
valoriza a dignidade do homem e considera como naturais alguns direitos
e deveres fundamentais que Deus imprimiu “no coração” de todos os
homens.66 Por isso, as raízes teológicas dos direitos humanos se encontrem

proved relevant to a variety of emerging problems. […] The idea of natural rights in
its earlier formulations was not one of ‘atomic individualism”; it was not necessarily
opposed to the communitarian values of traditional society. Not was the idea
dependent on any particular version of Western philosophy; rather it coexisted with
a variety of philosophies, including the religiously oriented system of the medieval
era and the secularized doctrines of the Enlightenment. The one necessary basis for
the theory of human rights is a belief in the value and dignity of human life. The
idea of natural rights grew-up – perhaps could only grow up in the first place – in a
religious culture that supplemented rational argumentation about human nature with
a faith in which humans were seen as children of a caring God. But the idea was not
necessarily dependent on divine revelation, and later it proved capable of surviving
into e more secular epoch. […] The proponent of the secularized rights theory of the
Enlightenment had often forgotten the remote origins of the doctrines their embraced;
but their rhetoric about the rights of man become full intelligible only when it is seen
as the end product of a long process of historical evolution”.
65. Ibid, 343, 344: “The popes of our age, who have embraced so enthusiastically the
idea of natural rights, after their predecessors condemned it for many years as an
irreligious, Enlightenment aberrations, have been returning, unwittingly perhaps, to a
tradition rooted in the Christian jurisprudence and philosophy of the Middle Age.
66. Ver: Jacques Maritain, Os direitos do homem e a lei natural. Trad. de Afrânio Coutinho,
prefácio de Alceu Amoroso Lima, (Rio de Janeiro: José Olympio, 1967).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1093

em alguns conceitos fundamentais do cristianismo: no conceito de pessoa,


na sua unicidade e dignidade; na ideia de que cada ser humano é criado à
imagem e semelhança de Deus e que existe em todos os homens, inclusive
no mais desprezível, uma centelha divina que não se apaga; na ideia de
que existe um único Pai e que, por isso, todos os homens são irmãos, supe-
rando assim as barreiras sociais e culturais.67

4. Conclusões

O debate que analisamos levanta algumas questões relativas à gênese


e à validade das teorias dos direitos naturais subjetivos e sugere algumas
hipóteses mais gerais sobre a história das ideias.
Em relação à gênese, as pesquisas de Tierney mostram, de maneira
convincente, que os processos históricos que deram origem às teorias dos
direitos naturais subjetivos na transição entre o jusnaturalismo antigo e
moderno têm as suas raízes remotas, em três principais fenômenos: i) na
jurisprudência dos canonistas, decretalistas e civilistas da Idade Média a
partir dos séculos XII e XIII no período de reurbanização da Europa e que
exigiu de dar uma forma jurídica às novas relações econômicas e sociais
do incipiente mercantilismo; ii) nas posições assumidas pelos teólogos
franciscanos e nominalistas no debate sobre a pobreza do século XIV e
XV, em particular as teses de Guilherme do Ockham sobre o dominium e
o uso dos bens; iii) na intervenção dos teólogos da Segunda Escolástica
para renovar a tradição tomista, dialogando com os teólogos moderni e
com uma nova realidade desconcertante, a descoberta da América que

67. Villey é plenamente consciente dessas raízes teológicas, mas insiste na tese de que elas
valem para a moral e a religião e não para o direito. Respondendo a um hipotético
leitor que afirma: “Homens do nosso tempo, optamos pelo positivismo jurídico. Sem
ignorar os progressos devidos ao cristianismo. Ele nos deu o sentimento da infinitude,
do valor infinito do homem. Do cristianismo nos veio a ideia dos direitos do homem“;
Villey replica: “O advento do cristianismo e do subjetivismo moderno, a descoberta do
valor infinito da pessoa humana não mudam em nada essa necessidade [da distinção].
Senão pelo fato de oferecerem uma razão suplementar para que não se confunda o
direito com a moral ou a política, o serviço ao bem-estar dos homens, ou como o
que se chama muito impropriamente hoje de “direitos do homem”. Villey, Filosofia
do direito. Definições e fins do direito, 454-455. Trata-se da antiga posição dos realistas
políticos, que separam ética da política, desde Maquiavel que elogiava a máxima de
Cosimo de Medici: “Non si governano i popoli con i pater noster in mano”, até Marx
Weber que afirmava que com o sermão da montanha não se governam as nações e
Carl Schmitt, segundo o qual, o universalismo cristão não elimina as diferenças entre
amigo e inimigo, as duas categorias principais de “o político”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1094 Giuseppe Tosi

suscitou o debate sobre a legitimidade e legalidade da conquista do Novo


Mundo no século XVI.68
Para o jusnaturalismo antigo, que havia dominado a história do
conceito de direito natural desde Aristóteles até o final do século XV, o
direito (díkaion em grego, ius em latim) era definido primariamente
(embora não exclusivamente) como uma relação objetiva e devida,
fundada não sobre a vontade e as preferências dos indivíduos, mas sobre
o que objetivamente era devido nas relações entre os sujeitos, a partir
de uma ordem natural e social que governava o mundo e que era legi-
timada por Deus, ordem com a qual os sujeitos deviam se conformar, cada
um ocupando o seu lugar.69 Cabiam aos súditos mais deveres para com
a sociedade do que propriamente direitos. Esta é a concepção de direito
defendida por Villey, que o subjetivismo moderno teria desfigurado na
passagem do direito aos direitos subjetivos do individualismo moderno.
Nesta transição há uma mudança significativa na linguagem jurídica
e política: i) o direito (ius) tende a ser identificado com a propriedade
(dominium), que, por sua vez, é definido como uma faculdade (facultas)
ou um poder (potestas) do sujeito sobre si mesmo e sobre as coisas; ii) O
dominium assim entendido se torna a condição necessária da liberdade,
o que Grossi chama de “a inclusão do meu na esfera do eu”, o indivíduo
é livre somente quando é dono (dominus) de si mesmo, e dos seus bens;
iii) isto vale para o direito civil, a relação de domínio sobre as coisas,
como também sobre outras pessoas (condenação da escravidão natural);
iv) isto vale também para o âmbito político, os príncipes não exercitam
um domínio sobre os súditos (não são donos dos súditos), mas somente
um governo e uma jurisdição (jurisdictio).
Quando De Soto, no De Iustitia et Iure, afirma que: “Uma vez que o
fundamento do domínio é a liberdade, [os índios] não perdem nenhum
direito sobre os seus bens”70; quando Vitoria, na Relectio de Indis, chega
à conclusão de que: “De tudo o que foi dito deriva que sem dúvida os
bárbaros eram, publicamente e privadamente, verdadeiros senhores, como
os cristãos; e que portanto não poderiam ser privados, seja como prín-
cipes ou como pessoas particulares, dos seus bens, como se não fossem os

68. Ver: Giuseppe, Tosi. La teoria della schiavitù naturale nel dibattito sul Nuovo Mondo
(1510-1573). Veri domini o servi a natura?Bologna: Edizioni Studio Domenicano, 2002.
69. Paolo, Grossi. L’ordine giuridico medievale (Roma-Bari: Laterza, 1996).
70. Domingo de Soto. De Iustitia et Iure, IV, q. I, 290: “Et cum fundamentum dominii sit
libertas, nullum amittunt suarum rerum ius”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1095

verdadeiros senhores.”71; quando Las Casas prega que cada homem é livre
porque criado a imagem de Deus (fundamentum dominii est imago Dei) e,
portanto, não podem existir distinções “naturais” entre escravos e livres,
e que “desde o início do gênero humano, todo homem, toda terra e toda
coisa, por um primordial direito natural e das gentes, foi livre e alodial,
ou seja, franca, não sujeita a nenhuma escravidão”72; os teólogos-juristas
estavam admiravelmente aplicando à realidade do Novo Mundo os novos
conceitos elaborados nesses longos séculos de debates, de conflitos, de
disputas e criando uma nova teoria jurídica.
Tais doutrinas surgiram num determinado contexto histórico, como
ideologias com pretensão de universalidade, mas de fato expressões de
interesses particulares; sua validade histórica, porém, não está necessaria-
mente restrita ao contexto e às circunstâncias da sua gênese. Como afirma
Tierney, a ideia dos direitos naturais conviveu com diferentes ideologias,
uma vez que: “O único fundamento necessário de uma teoria dos direitos
humanos é a crença no valor e na dignidade da vida humana”.73
É o que reza o 1º Artigo da Declaração Universal dos direitos
Humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade
e direitos”, afirmação que Villey ironiza considerando-a “tão contrária às
realidades, tão deliberadamente fictícia de nossa condição ‘natural’”.74
Mas Villey era por demais culto e inteligente para não saber que esta não
é uma afirmação de fato (porque seria uma mentira deslavada), mas de
direito; é uma deliberada homenagem dos redatores da Declaração (entre
os quais estava o neotomista Jacques Maritain) ao “eterno retorno do
direito natural”, conforme o título de um famoso livro de outro pensador
católico75. Os homens, embora sejam todos diferentes, são “por natureza”

71. Francisco de Vitoria. Relectio de Indis (1538) I, I, 16. Aos cuidados de L. Pereña e
J.M. Perez Prendes, Consejo Superior de Investigación Científica, Madrid, 1981 (1967)
30. (Corpus Hispanorum de Pace, Vol. V): “Restat ergo ex omnibus dictis quod sine
dubio barbari erant et publice et privatim ita veri domini, sicut christiani; nec hoc titulo
potuerunt spoliari aut principes aut privati rebus suis, quod non essent veri domini”.
72. Bartolomé de Las Casas, De Regia Potestate, 1.1., 5. A cura di Giuseppe Tosi. Roma-
Bari; Laterza, 2007. “A principio generis humani, omnis homo, et omnis terra, et
omnis res, de iure naturali et gentium primaevo, fuit libero et allodialis, id est, franca,
nulli subiecta servituti”.
73. Ver: Luiz Fernando Barzotto. “Os direitos humanos como direitos subjetivos”. Revista
do Ministério Público do Rio Grande do Sul, (2005) 47-88: ”Os direitos humanos são
uma espécie do gênero direito subjetivo: são os direitos subjetivos que cabem a todo
ser humano em virtude da sua humanidade”, 47.
74. Villey, O direito e os direitos humanos, 145.
75. Heinrich Rommen, Die ewige Wiederkehr des Naturrechts (München: Kösel Verlag, 1947).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1096 Giuseppe Tosi

todos livres e iguais em dignidade e direitos, como afirma Bobbio, citando


a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa:

“Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos.” Essas


palavras serão repetidas tais e quais, literalmente, um século e meio
depois, no art. 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” Na
realidade, os homens não nascem nem livres nem iguais. Que os homens
nasçam livres e iguais é uma exigência da razão, não uma constatação de
fato ou um dado histórico. É uma hipótese que permite inverter radical-
mente a concepção tradicional, segundo a qual o poder político – o poder
sobre os homens chamado de imperium  – procede de cima para baixo
e não vice-versa. De acordo com o próprio Locke, essa hipótese devia
servir para “entender bem o poder político e derivá-lo de sua origem”. E
tratava-se, claramente, de uma origem não histórica e sim ideal.76

Mas Villey poderia objetar, com certa razão, que os direitos humanos
da Declaração Universal são “irreais, incertos e indeterminados, etnocên-
tricos e contraditórios”, direitos do individualismo e do egoísmo burguês,
que prometem mais do que conseguem cumprir. Isto porque, segundo
Villey, eles não são propriamente direitos, mas aspirações morais ou
ideais, moral rights como dizem os ingleses (um oximoro para Villey). Mas
a novidade trazida pela modernidade é justamente o processo que leva
esses moral rights, ou direitos naturais, a se tornarem legal rigths, direitos
positivos77. As Declarações, os tratados, os protocolos, as convenções de
direitos humanos promoveram um processo de universalização e positi-
vação dos direitos naturais, que não é uma “degeneração” ou uma “infil-
tração” da moral no direito, mas é a tradução na linguagem do direito
de princípios e normas morais e políticas que fundamentam o Estado
Democrático de Direito.78
E isso aconteceu através de um longo e contraditório processo
histórico que extrapolou a sua gênese e ampliou a sua validade. Os direitos

76. Bobbio, A Era dos direitos, 51.


77. Ibid,. 4: “Na distinção entre moral rights e legal rights, o critério é o fundamento; na
distinção entre “direitos naturais” e “direitos positivos”, é a origem. Mas, em todos
os quatro casos, a palavra “direito”, no sentido de direito subjetivo (uma precisão
supérflua em inglês, porque right tem somente o sentido de direito subjetivo) faz
referência a um sistema normativo, seja ele chamado de moral ou natural, jurídico ou
positivo”.
78. Ver Leonardo Simchen Trevisan. “O dissenso teórico sobre os direitos do homem: uma
análise comparativa das visões de Norberto Bobbio, Boaventura de Sousa Santos,
Michel Villey e Robert Alexy”, Res Severa Verum Gaudium, v. 3, n. 2 (2018).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1097

humanos são “ideais” abstratos e indefinidos, mas foi esse caráter abstrato
que permitiu que neles se reconhecessem sujeitos sociais diversos e de
diferentes épocas históricas, que preencheram este conceito “vazio” de
um conteúdo histórico-social determinado. Retornando às conclusões de
Tierney:

É verdade que uma ideologia dos direitos surgiu primeiramente no


mundo Ocidental. Este foi o argumento do livro inteiro. È é ainda mais
verdadeiro que não podemos elevar qualquer preferência ocidental a um
direito humano imaginário e esperar que outros povos, independente-
mente da sua história e cultura, abracem todos esses direitos. Porém,
a origem ocidental em si não impede a possibilidade que as aspirações
subjacentes a esta linguagem possam demonstrar de haver um signi-
ficado universal.79

Foi assim com a luta pelos direitos civis e políticos e pelo sufrágio
universal dos proletários e das feministas que ampliou os direitos políticos,
e rompeu com a cidadania restrita e censitária das sociedades liberais
burguesas. Foi assim com a luta dos excluídos das sociedades burguesas
que permitiu a conquista dos direitos econômicos e sociais contra o libera-
lismo, protagonizada pelos movimentos socialistas.80 Foi assim com a luta
dos abolicionistas que permitiu a superação do escravagismo. Foi assim
que em nome dos ideais de liberdade e de fraternidade os escravos negros
haitianos, liderados por Touissant Louverture se rebelaram e criaram a
primeira republica negra livre, posteriormente sufocada no sangue pelas
tropas napoleônicas.81 Foram os mesmos ideais de liberdade, igualdade
e fraternidade que mobilizaram as elites intelectuais dos países colo-
niais, como a Argélia e o Vietnam, que tomaram consciência de que eles
também, enquanto seres humanos, mereceriam viver dignamente em um
país independente. Foi em nome dos direitos humanos que o mahatma

79. Tierney, The Idea of Natural Rights, 346: “It is true that an ideology of rights first grew
up in the Western world. That has been the theme of this whole book. And it is most
certainly true that we cannot elevate every Western predilection into e imaginary
human right and then expect other people, regardless of their histories and cultures,
to embrace all such rights. But the Western origin of rights language does not in itself
preclude the possibility that the underlying ideals and aspirations inherent in that
language may prove to have a universal significance”.
80. Ver: Domenico Losurdo. Contra-história do Liberalismo. Tradução de Giovanni
Semeraro. (São Paulo: Ideia & Letras, 2006).
81. Ver Toussaint Louverture. Lettres à la France. Idées pour la libération di Peuple Noir
d´Haïti (1794-1798). Introducion et apparat critique d´Antonio M. Baggio et Ricardo
Augustin (Bruyères-le-Chãtel, Nouvelle Cité, 2011).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1098 Giuseppe Tosi

Ghandi promoveu a luta não violenta pela independência da Índia. Foi


contra o racismo e a discriminação racial que se mobilizaram nos Estados
Unidos os defensores dos direitos civis, como Martin Luther King para
que esta discriminação fosse eliminada juridicamente e Nelson Mandela
para que o Apartheid fosse banido da África do Sul como sistema político
e jurídico.
O percurso que levou à afirmação histórica dos direitos humanos
modernos82 – sempre lembrando de que se trata de uma história conceitual
e não de uma história social, muito mais complexa e contraditória83 – não
é linear, apresenta avanços e retrocesso, progressos e derrotas, períodos de
auge e de esquecimento, continuidades e rupturas. Nem o mundo ‘antes’
dos direitos humanos era um mundo de trevas; nem um mundo ‘após’ os
direitos humanos um paraíso, onde todas as contradições serão superadas
e “todas as lágrimas serão enxugadas e não haverá mais pranto nem dor”.84
Mas, apesar de todas essas críticas, é difícil negar que os direitos
humanos constituam um conquista civilizatória para a humanidade,
fruto mais dos seus erros do que dos seus acertos: foram lutas, revoluções,
guerras, conflitos que convenceram a humanidade (ou parte dela) a
adotá-los como padrão civilizatório e a declará-los e inscrevê-los na ordem
jurídica positiva nacional e internacional.85
Bobbio chega a afirmar, citando Kant, que:

Do ponto de vista da filosofia da história, o atual debate sobre os direitos


do homem – cada vez mais amplo, cada vez mais intenso, tão amplo que
agora envolveu todos os povos da Terra, tão intenso que foi posto na
ordem do dia pelas mais autorizadas assembleias internacionais – pode

82. Fabio Konder Comparato. A Afirmação histórica dos direitos humanos (São Paulo:
Saraiva, 2006).
83. José Damião de Lima Trindade. História social dos direitos humanos. 3. ed. (São Paulo:
Peirópolis, 2011).
84. Apocalipse, 21, 1-4.
85. E esta é a conclusão a que chegaram importantes intelectuais católicos, oriundos da
mesma tradição aristotélico-tomista de Villey, como Maritain. Ver: José Anastácio de
Gouveia Alves. ‘Os direitos do homem e a lei natural em Jacques Maritain’. Didaskalia,
XXVI (1996), 225-280. Renato Rabbi-Baldi Cabanillas, no seu detalhado ensaio sobre
Villey, afirma que ele nunca respondeu “às numerosas críticas dirigidas ao autor
a partir do setor jusnaturalista, que lhe reclamaram uma revisão dos tópicos aqui
mencionados – e de outros – em comuns harmonia com as próprias fontes teóricas”.
Renato Rabbi-Baldi, Cabanillas. “Michel Villey e o Tema dos Direitos Humanos: uma
Crítica a Partir de seus Escritos e de suas Fontes”, Quaestio Iuris, Vol. 02, nº 01, (2006):
98-133, 114.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1099

ser interpretado como um “sinal premonitório” (signum prognosticum)


do progresso moral da humanidade.86

Os direitos humanos não são uma revolução total em relação ao


mundo antigo e medieval, nem uma degeneração total, mas o legado
mais precioso e frágil deixado pela humanidade para não repetir os erros
e as tragédias do passado. Eles se encontram hoje, como ontem, amea-
çados. Na época em que Villey escreveu sua posição contrária aos direitos
humanos era bastante isolada e contracorrente; hoje, os direitos humanos
não possuem mais aquele consenso (embora nunca foi um verdadeiro
consensus omnium gentium) tanto entre os intelectuais87 como na opinião
pública. E o perigo que este fenômeno representa é evidente para todos os
que conhecem os corsi e ricorsi da história.
Parece ser étonnant que um grande intelectual como Villey, que viveu
de perto as atrocidades do período que os historiadores chamam de “guerra
civil europeia”, época em que houve um esquecimento e uma violação em
massa dos direitos humanos, não tenha compreendido a importância do
processo que fez com que essas “aspirações morais” (inclusive cristãs) se
tornassem “princípios e normas” positivas, alicerces dos sistemas jurídicos
dos Estados Democráticos de Direito, que se sucederam à época dos tota-
litarismos e que convivem com a permanente ameaça do autoritarismo.
Preferiu, ao contrário, alimentar uma incessante querelle des Anciens
et des Modernes contra os direitos humanos, negando-lhes a qualidade de
“direito” e assumir o papel de enfant terrible da filosofia do direito francesa.

Referências

Alves, José Anastácio de Gouveia. “Os direitos do homem e a lei natural em Jacques Maritain”.
Didaskalia, XXVI (1996), 225-280.
Andre-Vincent, Philippe. «La dialectique lascasienne du droit naturel concret. Las Casas et les
droits de l’homme”. In I diritti dell’uomo e la pace nel pensiero di Francisco de Vitoria e
Bartolomé de Las Casas. Roma: Studia Universitatis S. Thomae in urbe; Milano: Massimo,
1988, 639-649.
Andre-Vincent, Philippe . “La concrétisation de la notion classique de droit naturel à través l´ouvre
de Las Casas ». In: Las Casas e la Politique de Droits de l´homme. Aix-en-Provence: Institut

86. Bobbio, A Era dos Direitos, 23.


87. Só a título de exemplo, cito a esquerda: Slavoj, Žižek. Against Human Rights. New Left
Review, 34 (August 2005); e a direita: Alain de Benoist. Au-delà des droits de l’homme:
Pour défendre les libertés (Paris: Krisis, 2004).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1100 Giuseppe Tosi

d´Etudes Politique d´Aix, 1974, 203-213.


Barzotto, Luiz Fernando. “Os direitos humanos como direitos subjetivos. Da dogmática jurídica à
ética”. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, (2005) 47-88.
Blumenberg, Hans – Schmitt, Carl. L´enigma della modernità. Roma-Bari: Laterza, 2012.
Blumenberg, Hans. La legittimità dell’età moderna. Genova: Marietti, 1992
Bobbio, Norberto. A Era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
Brufrau-Prats, Jaime. “Introducción”. In Domingo de Soto. Relección de Dominio. Grenada:
Universidad de Grenada, 1964.
Cabanillas, Renato Rabbi-Baldi. “Michel Villey e o Tema dos Direitos Humanos: uma Crítica a
Partir de seus Escritos e de suas Fontes”. Quaestio Iuris, vol. 02, nº 01, Rio de Janeiro (2006)
98-133.
Carro, Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América.
Salamanca, 1951
Casanova, Carlos A. “Guillermo de Ockham y el Origen de la Concepción Nominalista de los
Derechos Subjetivos”. Cauriensia, Vol. XI (2016) 113-140.
Comparato, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2006.
Deckers, Daniel. Gerechtigkeit und Recht. Eine historisch-kritische Untersuchung der
Gerechtigkeitslehere des Francisco de Vitoria (1483-1546), Freiburg i.Br., Universitätsverlag-
Herder 1991. (Studien zur theologischen Ethik 35).
Finnis, John. Lei natural e Direitos naturais. Trad. Leila Medeiros. São Leopoldo: UNISINOS, 2007.
Fruchaud, Louis-Damien. Jacques Maritain, Michel Villey. Le thomisme face aux droits de l’homme.
Mémoire présenté et soustenu publiquement pour l’obtention du DEA de droit public
interne sous la direction de Monsieur le Professeur Jean Morange, Paris: Université de Paris
II, Panthéon-Assas , le 9 septembre 2005.
Grossi, Paolo. “La proprietà nel sistema privatistico della seconda scolastica”. In Il dominio e le
cose. Percezioni medievali e moderne dei diritti reali. Milano: Giuffrè Editore (1992) 281-383.
Grossi, Paolo . “La proprietà nel sistema privatistico della seconda scolastica”. Quaderni fiorentini
per la storia del pensiero giuridico moderno, n° 1 (1973).
Grossi, Paolo. L´ordine giuridico medievale. Roma-Bari: Laterza, 1996.
Hanke, Lewis. Aristotle and the American Indians. Bloomington & London, 1959.
Las Casas, Bartolomé de. De Regia Potestate. A cura di Giuseppe Tosi. Prefazione di Danilo Zolo.
Roma-Bari; Laterza, 2007 (Introduzione, XV-LVI).
Losurdo, Domenico. Contra-história do Liberalismo. Tradução de Giovanni Semeraro. São Paulo:
Ideia & Letras, 2006.
Löwith, Karl. O sentido da história. Tradução de Maria Georgina Segurado. Lisboa: Edições 70,
1991.
Marchettoni, Leonardo. “Ockham e l´origine dei diritti soggettivi”. Quaderni Fiorentini per la storia
del pensiero giuridico moderno, 37 (2008) 21-66.
Marchettoni, Leonardo. I diritti umani tra universalismo e particolarismo. Torino: Giappichelli,
2012.
Maritain, Jacques. Les droits de l’homme et la loi naturelle (Paris: Hartman, 1945).
Maritain, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Tradução de Afrânio Coutinho, prefácio de
Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: José Olympio,1967.
Niort, Jean-François; Venier, Guillame (ed). Michel Villey et le droit naturel en question. Paris: Ed.
L´Harmanatt, 1994.
Pazè, Valentina. “Cittadinanza e Diritti, tra Antichi e Moderni”. In F. De Luise (ed.): Cittadinanza.
Inclusi ed esclusi tra gli antichi e i moderni. Trento: Universitá degli Studi di Trento (2018)
93-121.
Pugliese, Giovanni. “‘Res corporales’, ‘res incorporales’ e il problema del diritto soggettivo’”. In
Studi in onore di Vincenzo Arangio-Ruiz. Napoli: Jovene, 1954, 223-260. Republicada in

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
O debate sobre a gênese e a validade dos direitos naturais subjetivos: Michel Villey e Brian Tierney 1101

Quaestio Juris, 11, nº. 03, Rio de Janeiro (2018) 1977-2008. https://www.e-publicacoes.uerj.
br/index.php/quaestioiuris/article/view/36261/25970.
Reid, Charles J. Jr. ‘Medieval Origins of the Western Natural Rights Tradition: The Achievement of
Brian Tierney’. Cornell Law Review, 83, 1998.
Rommen, Heinrich. Die ewige Wiederkehr des Naturrechts. München: Kösel Verlag, 1947.
Schmitt, Carl. Teologia Política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
Schouppe, Jean-Pierre. «Reflexions sur la conception du droit de M. Villey. Une alternative
a son rejet des droits de l’homme». Persona y derecho. Revista de fundamentación de las
Instituciones Jurídicas y de Derechos Humanos,  25, 1991 (Escritos en memoria de Michel
Villey II), 151-169.
Serieux, Alain. «‘Le droit naturel de Michel Villey». Revue d´histoire des facultés de droit et Science
politique. Aix-Marseille III, n. 6 (1988) 129-153.
Soto, Domingo de. Relección de Dominio. Grenada: Universidad de Grenada, 1964.
Soto, Domingo de. De Iustitia et Iure. De la Justicia y del Derecho. Introducción de Venancio Carro,
versión española de Marcelino Gonzáles Ordoñez. Madrid: Instituto de Estudios Políticos,
1967.
Stolfi, Emanuele. “Riflessioni attorno al problema dei ‘diritti soggettivi’ fra esperienza antica ed
elaborazione moderna”. Studi senesi, 55 (2006), 120-177.
Tellkamp, Jörg Alejandro. “Ius Est Idem Quod Dominium: Conrado Summenhart, Francisco De
Vitoria y La Conquista De América”. Veritas, 54 n. 3 (set./dez. 2009) 34-51.
Tierney, Brian. “Aristotle and the American Indians-Again. Two critical discussions”. Cristianesimo
nella Storia, 12 (1991): 295-322.
Tierney, Brian. The Idea of Natural Rights. Studies on Natural Rights, Natural Law and Church Law
1150 – 1625. Emory: Emory University, 1997.
Tierney, Brian. L’idea dei diritti naturali. Diritti naturali, legge naturale e diritto canônico 1150-1625.
Traduzione di Valeria Ottonelli. Bologna: Il Mulino, 2002.
Trindade, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Peirópolis,
2011.
Tosi, Giuseppe. La teoria della schiavitù naturale nel dibattito sul Nuovo Mondo (1510-1573). Veri
domini o servi a natura? Bologna: Edizioni Studio Domenicano, 2002.
Tosi, Giuseppe. ‘Raízes teológicas dos direitos subjetivos modernos. O conceito de dominium no
debate sobre a questão indígena no sec. XVI’. Prima Facie, Ano 4, N° 6, (2005), 42-56.
Tosi, Giuseppe; Fragoso, Williard. ‘As críticas de direita e esquerda aos Diretos Humanos’.
Problemata, v. 8. n. 1 (2017), 122-162.
Toussaint Louverture. Lettres à la France. Idées sour la libération di Peuple Noir d´Haiti (1794-
1798). Introducion et apparat critique d´Antonio M. Baggio et Ricardo Augustin. Bruyères-
le-Chãtel: Nouvelle Cité, 2011.
Trevisan, Leonardo Simchen. “O dissenso teórico sobre os direitos do homem: uma análise
comparativa das visões de Norberto Bobbio, Boaventura de Sousa Santos, Michel Villey e
Robert Alexy”. Res Severa Verum Gaudium, v. 3, n. 2 (2018).
Villey, Michel, La formation de le pensée juridique moderne. Paris: Editions Montchretien, 1975.
Villey, Michel. A Formação do Pensamento Jurídico Moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Villey, Michel. ‘Déformations de la philosophie du droit d´Aristote entre Vitoria et Grotius’. In
Platon et Aristote a la Renaissance. Paris: Vrin, 1976, 201-215 (XVI Colloque International
de Tours).
Villey, Michel. Filosofia do direito. Definições e fins do direito. Os meios do direito. Tradução de
Márcia Valéria Martinez de Aguiar. Prefácio de François Terré. São Paulo: Martins Fontes,
2008.
Villey, Michel. Le droit e les droits de l´homme. Paris: Presse Universitaire de France, 1983.
Villey, Michel. O direito e dos direitos humanos. Tradução de Maria Ermanita de Almeida Prado

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1102 Giuseppe Tosi

Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007.


Villey, Michel. «Problematique des droits de l´homme». In: Las Casas e la Politique de Droits de
l´homme. Aix-en-Provence: Institut d´Etudes Politique d´Aix, 1974, 369-373.
Villey, Michel. «La promotion de la loi et du droit subjectif dans la seconde scolastique». Quaderni
Fiorentini per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, n° 1 (1973).
Vitoria, Francisco de. Relectio de Indis (1538). Aos cuidados de L. Pereña e J.M. Perez Prendes.
Madrid: Consejo Superior de Investigación Científica, 1981 (1967) (Corpus Hispanorum de
Pace, Vol. V).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1103-1124.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1103

Revisiting “Subjectivity” in Rights Theories: The (Re)


Creation of the “Legal Subject” in Second Scholastics
Juridical Discourse
ANA CALDEIRA FOUTO *

Abstract
Rights theories can be characterized by the conflicting views regarding the meaning of the
“subject” of those rights. Traditionally identified as a characteristic of modern legal thought,
individualism reflects not only in philosophical and political options, as well as in the
technical constructions which have contributed to the definitions of rights still very much
in use. Legal historiography has dwelled with the quest for the origins of what is seen as
the structural element of modern rights  – subjectivism  – in the disruption of a scholastic
paradigm of law, but broadening the sources used in that research suggests that the modern
“legal subject” as a “subject of rights” is drawn from a less disruptive concept and therefore
the modern notion of “rights” is structurally more complex – in fact, that underlying hidden
complexity emerges in some contemporary jurisprudential debates regarding the nature of
rights.
Keywords: legal historiography, modern legal thought, natural rights, rights theories, second
scholastics, subjective rights.

Introduction

R
ights theories have historically presented an open field for confron-
tational perspectives of law, where the effects of political recon-
structions of legal discourse are particularly visible.
In this paper we intend to approach the problematic of “rights” from
a juridical perspective, leaving the connection between legal and moral
rights aside. We are aware of the methodological difficulty of completely
leaving this aspect aside, since the problematic of rights is essentially phil-
osophical and the origin of much of contemporary dissentions on the defi-
nition of rights arise from conflicting jusphilosophical views, as can be

* Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito.


 anafouto@fd.ulisboa.pt

1103-1124

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1104 Ana Caldeira Fouto

easily perceived in the discussion surrounding the definition of “subjective


rights” in civil law.
A historical-juridical approach, regarding the link between the legal
definitions (particularly those used in private law) and the underlying
jusphilosophical views, is less explored. And yet, it offers a rich ground of
research as well as a more comprehensive knowledge of the legal discourse
traditions  – in some regards conflictive  – which have concurred in the
formation of concepts still very much in use.
One of the structural aspects of “rights” is the rapport to a “subject” –
even for those who tend to minimise the subjective dimension of rights.
This should be analysed in a double perspective – the necessity of defining
a particular type of “subject” both in rights theories and in doctrines of
philosophy of law; and the historical technical definitions which can be
drawn from the sources of western legal discourse.
The way these two relate, in turn, constitutes a necessary third
perspective of research, since there seems to be a limited use of sources
when it comes to search for the original sense of “rights” in juridical
discourse. This is particularly the approach that can be found in history of
juridical thought and in history of philosophy of law.
Another aspect to take into account is the role which research on this
matter has tended to play in the recent history of rights theories. There is a
perceivable intention of legitimising present jusphilosophical and political
views which comes across the reconstitution of a historical process of
consolidation of the concept of “rights”, hoping to draw from history the
comfort of knowing something’s true nature. That is a burden historiog-
raphy is not new to, and legal historiography should be no different. But
it seems necessary to advert against it, nevertheless, since the technical
character of legal discourse – which legal historiography is – can at times
make it seem somewhat more neutral.

1. “Rights” as “subjective rights”

The comprehension of who is the juridical “subject” is inherent to


the definition of “rights”, since the term translates one of the meanings of
ius – a term notorious since early sources for its polysemy – particularly,
the one which since the 18th century had been circulating in legal literature
as “ius subjectivum” and which Savigny defined as “a power of the will”.
The relevance of the 20th century debate regarding the nature of
rights – elaborating on the definition settled by the Pandectistics – was in

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revisiting “subjectivity” in Rights Theories 1105

itself demonstrative of that all-important shift from an old legal discourse


into a “modern” understanding of law which, as befitted the coming
Liberal order, saw the “free individual” as the alpha and the omega of the
juridical phenomena.
The arising definitions and dissentions within the Pandects School
confirm “rights” essentially as the result of discourse elaborations. In that
sense, it is clear the transition from Savingy’s definition drawn from a
rationalist tradition based on the will, translated into a power, of the indi-
vidual1 to subsequent approaches which tended to downplay the role of
subjective will by changing it – in the definition of rights prima facie – with
an objective utilitarian concept as that of Jhering’s identifying “rights”
with the legally protected interests.2
The development of 19th century juridical discourse on “rights” with
regard to its political context put forward a liberal concept of rights  –
which translated in a juridical-political category such as “fundamental
rights” set on an individualistic notion, manifested in two distinctive but
complementary aspects.
The first is the recognition of “subjective rights of freedom”, emerging
from the individual as a subject of moral and rational autonomy – which
translates an Enlightenment postulate. Being thus understood, it demands
the acknowledgment of preceding rights, and the Declarations of rights
represent this recognition of each citizen’s sphere of autonomy.
The second, based on utilitarian doctrines, manifests in proprietary
individualism, which turns each individual essentially in the proprietor of
his own person (political capacity would thus be a fiction created to the
protection of the individual’s property).
This would technically convert the “rights of men” (originated in
natural law, and therefore to individuals) into “fundamental rights”, legally
institutionalised and, therefore, binding. This complements the liberal
postulate of the central role of law as a source: rights, though natural,
depend on a law giving them practical effectiveness, achieving in this the
full articulation between the individual and the State.

1. Carl von Savigny, System des heutigen Römischen Rechts (Berlin: Veit und Comp.,
1840), vol. I, §4, §53. The same definition of right as a “power of the will” can be found
in Bernard Windscheid, Lehrbuch des Pandectenrechsts (Düsseldorf: Verlagshandlung
von Julius Buddeus, 1862), I, §37; and in Georg Friedrich Puchta, Vorlesungen über das
heutige römische Recht (Leipzig: Verlag von Bernhard Tauchnitz, 1862), vol. I, §22.
2. Rudolph Jhering, Der Geist des römischen Rechts auf den verschiedenen Stufen seiner
Entwicklung (Leipzig: Breitkopf und Härtel, 1852), vol. III, §60.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1106 Ana Caldeira Fouto

The main points of criticism lie in two elements: the nature of “rights”,
focusing on its structure; and the very admissibility of the concept,
relating it, as well as a particular notion of “State”, to a concept of justice.
The potential of fragmentation that lies in the structural individualism on
which the subjective nature of rights rests present a ground for criticism
of a type of society characterised by the transformation of the rapports
between individuals and the community or other individuals into one-way
demands, which would eventually prove to be impossible to satisfy and,
as such, destructive of social and political order, as warned against by the
detractors of the “rights talk”.3
In this sense, the philosophical argument over “rights” is clearly
permeable to ideological dissent. The foundation of “rights” and the role of
State are closely linked in the jurisprudential debate, since the opposition
of utilitarian liberalism to rights-orientated liberalism lies in a concept
of justice, either rooted in utility or in respect for individual rights.4 Both
are based on deontological representations of “rights”5 (concerning the
foundation of “rights” and their role as limits to State action) – the reduc-
tionist perspectives being frequently supported by libertarian authors
such as Hayek6 or Nozick7; and the maximizing perspectives being backed
by egalitarian authors such as Dworkin8 (even if, as Hart pointed out, his
maximizing intention is compromised by the utilitarian justification to
the restriction of individual freedom to achieve the egalitarian purpose).
The problem of defining criteria of political decision – concerning the
limitation of rights, in particular – and whether neutrality is possible or
desired – preferring the “just” over the “good” – offers a good example of
how historical definitions are still effective. Take Rawls’ change of mind
towards setting the priority of justice expressed in axiological neutrality
in a Kantian notion of “person”(which is the basis of his rejection of util-

3. Mary Ann Glendon, Rights Talk: The Impoverishment of Political Discourse (New York:
The Free Press, 1991).
4. L. Hart, “Between utility and rights,” in Columbia Law Review, 79, nº. 5 (1979), 828-846.
5. These opposed, as morally preferable, to teleological theories of rights.
6. Friedrich Hayek, The Constitution of Liberty (Chicago: University of Chicago Press,
1960).
7. Robert Nozick, Anarchy, State and Utopia (New York: Basic Books, 1974).
8. Ronald Dworkin, Taking rights seriously (Cambridge, Mass.: Harvard University Press,
1977).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revisiting “subjectivity” in Rights Theories 1107

itarianism in 19719, only to have it rejected later on as a moral idea two


decades later).10
That division is enhanced when considering the problematic of
liberty. The two concepts made famous by Isaiah Berlin’s inaugural lecture
at Oxford in 195811 (treading and somewhat subverting Bobbio’s 1955
distinction12) expressed the tension between classical liberal theory and
democratic liberal theory, which resulted in setting an inverse proportion-
ality relation between the sphere of individual liberties and the limits of
State intervention.
The necessary links between the jurisprudential definition of “rights”
and the political concept of State and individual relations can be traced
back to the genetics of liberal constitutionalism, and in this sense it
has traditionally been established that the confirmation of liberty as an
inalienable right in 18th century legal and political discourse would sustain
a notion of State – and its legitimate action – limited by individual liberty.
Obvious tension emerged from the necessary coordination of an
originally free and autonomous individual already the bearer of rights,
who precedes the political community, and the community’s interest as
an autonomous entity itself. In this sense, the very legitimacy of the State
now depended on individual rights.13

2. Historical definitions and legal technique – setting a legal


discourse tradition

In defining juridical concepts one can find an effective demonstration


of law being essentially a result of discourse traditions. This makes the
analysis of the historical sources of legal discourse all the more necessary,
and not just in a purely archeological sense. In rights theories, the use in
contemporary juridical language of terms which were created in a very
different juridical mindset brings forth problems of interpretation that

9. John Rawls, A theory of justice (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1971).
10. John Rawls, Political Liberalism (New York: Columbia University Press, 1993).
11. Isaiah Berlin, “Two concepts of liberty,” in Four Essays on Liberty, Oxford: Clarendon
Press, 1969.
12. Norberto Bobbio, “Della libertà dei moderni comparata a quella dei posteriori”,
in Politica e Cultura, (Torino: Einaudi, 1955), 172 ss.; Estudios de la Historia de la
Filosofia: de Hobbes a Gramsci (Madrid: Debate, 1985), 197-210.
13. In a way the medieval notions of “consensualism” and “pact” could never have upheld.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1108 Ana Caldeira Fouto

arise from hidden – forgotten – meanings, even if we assume the words no


longer mean the same. The problem of “subjectivity” makes for one of the
most pertinent arguments.
Interpretation of the relevance of “subjectivity” – and its meaning – as
a technical element inherent to the concept of “rights” (a problem that is
key to the jurisprudential debate over what “rights” should be) has orig-
inated, in legal historiographical research, a main division, setting those
who track the origin of “rights” to the development of individualism and
voluntarism to those who deny these as the foundations of the concept,
presenting “rights” as a historical product of a developing tradition of
objective – not subjective – natural law, of proclaimed thomistic influence.
Again, the immediate technical nature of the topic is no indication of
ideological neutrality: on the one hand, the determination of the original
historical notion of “rights” in the latter sense would offer an alternative
to the excesses of individualism of a strictly subjective notion of “rights”,
which would offer no objective delimitation of axiological content (indi-
vidualism would then have compromised the potentialities of a notion
of right which would have been historically forgotten along the way); on
the other hand, establishing individualism as the genetic mark of rights
would confirm the rejection of axiological objectivism in law as a mark
of progress, confirmed by “historical progress” (as a somewhat distorted
way of historically legitimising a contemporary view on rights, reminding
something of the long denounced “Whig interpretation of History”).14
This is also a quest for the ethos of modern legal thought, tradi-
tionally characterized by the overcoming of scholastic natural law and the
(consequent) triumph of the individual as the centre of a new system – all
of which “subjective rights” would be a direct legal representation.
This identification of the individualistic element as the key of
modernity resonates in the traditional thesis supported by the research
of Villey, who found the origin of “subjective rights” in Franciscan nomi-
nalism and voluntarism, maxime in Ockam’s thought.15
The interpretation of the origin of modern rights’ subjectivity evolved
mainly in two conflicting theories.

14. Herbert Butterfield, The Whig Interpretation of History (London: G. Bell and Sons,
1931).
15. Michel Villey, Seize essays de philosophie du droit (Paris: Dalloz, 1969),192.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revisiting “subjectivity” in Rights Theories 1109

The well-known thesis put forth by Leo Strauss16 (and followed by


Ernest Fortin17) identifies Hobbes’ innovative subversion of scholastic
natural law as the theoretical inauguration of modern rights – not rights
deriving from natural law, but natural laws deriving from natural rights.
Opposing this view, as well as Villey’s established doctrine, Finnis18
set to find a very different original notion of rights, going back to the
Thomistic definition of “suum ius”, upgraded by Vitoria in the 16th century,
as the object of justice, necessarily relational and therefore subjectively
realised (since the adjectival form “suum ius” relates to the attribution of
what is due to someone), but also incorporating a necessary dimension
of ius as a “duty”, which would be intrinsic to the same notion of ius as a
“right”.
A syncretic approach, one might call it, is Tierney’s19 argument that
intends to rise above the vexata quaestio of setting the filiation of modern
rights’ subjectivity on two differing concepts of Natural law, rejecting both
the theses which turn to Thomistic natural law as well as those which claim
Hobbes as the creator of modern rights. The solution should be found
in medieval natural law, but in its more complex structural dimension
which comprised a permissive natural law and a preceptive natural law –
perceiving, however, permissive natural law not as the origin of rights,
but as the origin of that space of individual freedom in which man could
legitimately exercise his capacity to freely determine his action.20
It is clear that the historical research on “rights” cannot be separated
from jurisprudential perspective regarding the historic idea(s) of “natural
law”.
Particularly, the disruption of scholastic natural law as a birth
moment of modern legal thought (often identified as a process of “secu-
larization” of natural law) is generally accepted – as goes to show the wide

16. Leo Strauss, Natural Right and History (Chicago: The University of Chicago Press,
1965); Ibid., The Political Theory of Hobbes (Chicago: University of Chicago Press,
1952).
17. Ernest Fortin, “Classical Christianity and the Political Order,” in Collected Essays, ed. J.
Brian Benstead, vol. 2 (Lanham, MD: Rowan and Littlefield Publishers Inc., 1996), 249.
18. John Finnis, Aquinas: Moral, Political and Legal Theory (Oxford: Oxford University
Press, 1998).
19. Brian Tierney, “Natural Law and Natural Rights  – Old Problems and Recent
Approaches,” The Review of Politics, vol. 64, issue 03 (2002), 389-406 and 402 ss.
20. Brian Tierney, “Natural Law and Natural Rights  – Old Problems and Recent
Approaches,” The Review of Politics, vol. 64, issue 03 (2002), 389-406 and 400 ss.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1110 Ana Caldeira Fouto

acknowledgement of Hobbes’ role in the creation of the modern notion of


rights (from Strauss to Villey or Tierney).
This is not, however, a closed question, since linearity is doubtful in
this process. That one particular notion of natural law would have settled
one particular notion of “rights” in early modern juridical discourse, which
would have, in turn, made its way into the legal definitions of 18th and 19th
century, adjusting to the legal senses as well as to the political sensibilities
of the time – that is at least questionable.

3. Defining “rights”: disruption and continuity

There is, in fact, a gap in the line of research concerning the interpre-
tation of sources, since it is generally accepted to go from the scholastic
theological works of medieval authors such as Aquinas and Ockham to the
early-modern formulation of rights in an author such as Hobbes and from
then on to search for the meaning of this legal concept in philosophical
works or in legal treatises on natural law. This is awkward in the sense
that it is chronologically incomplete, on the one hand, and diverts from
the type of source which has, in fact, determined what we read in 18th and
19th century treatises when we search for a definition of “rights”.
This is not a trivial detail.
Traditionally, the consecration of “rights” in legal discourse is set in
the advent of Liberalism. This is more of an observation drawn from a
conclusive effect of the political use of pre-existing legal concepts – which
were taken from a civilistic tradition into the making of a political legal
science – rather than an explanation of the causes of the creation of such
concept. However, the subverted perception of the relation between the
legal concept and the political doctrine eventually limited the under-
standing of its sources, even if we tread with methodological precaution
assuming that it is one thing to identify the use of the same words in
different historical moments and to identify the use of the same meanings
in legal discourses.
That is perceptible when comparing significant examples of ratio-
nalist natural law jurisprudence and pandectistic definitions of ius.
Samuel Pufendorf’s definition of ius is based on the idea of a moral
quality by which one can rightfully act towards a person or a thing or by

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revisiting “subjectivity” in Rights Theories 1111

which something is owed to one21. In Christian Thomasius Institutiones,


ius is presented as an active moral quality22 and Nikolaus Gundling refers
to Grotius characterization as an attribute of the person to complement his
definition of ius as a freedom or faculty and active power23.
Also Gottfried W. Leibniz uses the notion of a moral power (to act)24
to define ius, discerning “potentia agendi”  – “right”  – from “necessitas
agendi” – “obligation”, while Christian Wolff refers to ius as the faculty or
moral power to act25.
It is no coincidence that the designation of this notion as “subjective
right” would come be established by two disciples of Wolff.
Georg Darjes was the first to differentiate ius “subjectively considered”
and “objectively considered”26, expressions used shortly after by Daniel
Nettelbladt.27
This relatively constant notion of a “faculty or moral power” is what
Pandectistics would later designate under the expression “subjective right”.
Though Thibaut simply ignored it (the designation, but not the concept),
in Doctrina Pandectarum28 Christian Friedrich Mühlenbruch presented his

21. Samuel Pufendorf, De iure naturae et gentium, 1672 (Francofurti – Lipsiae: Ex officinia
Knochiana, 1759), l. I, cap. 1, §20: “accipiatur pro qualitate illa morali, qua recte vel
personis imperamus vel res tenemus aut cuius vi aliquid nobis debetur”.
22. Christian Thomasius, Intitutiones jurisprudentiae divinae libr tres, (Francofurti  –
Lipsiae: Sumptib. Mauritii Georgii Weidmanni, 1688), l. I, cap. 1, §82: “Jus pro attributo
personae sumptum est qualitas moralis activa ex concessione superioris personae
competens”. Again in Fundamenta juris naturae et gentium, (Halae et Lipsia: Typis et
sumptibus Viduae Chr. Salfeldii, 1718), l. I, cap. 5, §1:”Jus sumitur varie. Potissimum
pro norma actionum, vel pro potentia agendi in relatione ad illam normam”.
23. Nikolaus Gundling, Jus naturae et gentium, Halae Magdeburgicae, 1727 (In Officina
Rengerian, 1736),  cap. 1, §58: “Jus libertatem, seu facultatem et potentiam activam
significat, Grotius adtributum personae dixit”.
24. Gottfried Leibniz, Nova methodus discendae docendaeque jurisprudentiae, 1657, II, §14:
“potentia (agendi) moralis”.
25. Christian Wolff, Insitutiones juris naturae, (Halae Magdeburgicae: in Officina
Rengeriana, 1750), §46: “facultas ista, seu potentia moralis agendi”.
26. Joachim Darjes,  Institutiones jurisprudentiae universalis, (Francofurti et Lipsiae:
Sumptibis Societatis, 1754), praef., 12: “…sequitur ut systema, quod inde componitur,
sit verum ac proprie acceptum jus naturale, quod, quo a jure naturali subjective sumto
possit distingui, systema juris naturalis seu jus naturale objective sumtum vocatur”.
27. Daniel Nettelbladt, Systema elementare universae iurisprudentiae naturalis, 1749 (Halae
Magdeburgicae: Ex Officina Libraria Rengeriana, 1767), §229: “Facultas agendi, id est,
possibilitas agendi, dicitur moralis si venit ex lege. Facultas agendi moralis vero dicitur
ius, quando subiective sumitur, cui opponitur ius obiective sumtum…”.
28. Anton Thibaut, System des Pandektenrechts (Jena: Friedrich Mauke, 1803).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1112 Ana Caldeira Fouto

system of law dividing the Pars generalis into liber I: De juris fontibus sive
de jure objectivo; and liber II: De juribus sive de jure subjectivo”.29
It is particularly relevant to our analysis of this discourse-setting
process the explanation the same author had presented in another of
his works, identifying the distinction between “objective /subjective” ius
with the scholastic expressions “jus pro lege sumtum / jus pro facultate
sumtum”.30
The use of the adjective forms becomes constant in 19th century legal
literature, but it is not the general form to be adopted, coexisting with
the adverbial forms (“subjective sumtum” or “in subjectiver Bedeutung”31).
Portraying this inconsistency in juridical discourse, Savigny  – who uses
the adverbial forms (“Recht im subjetiven – objektiven Sinn”) refers to the
alternative nomenclature as a modern linguistic use, preferring however
the traditional designation.32
The expression “subjectives Recht” appears to have only become
more stabilised after Winscheid adopted it unequivocally in the 1879 5th
edition of his Lerbuch des Pandektenrechts, making its way as the univer-
sally accepted designation in the subsequent works of referential authors
such as August Thon or Georg Jellinek.33

29. Christian Muhlenbruch, Doctrina Pandectarum (Bruxellis: Apud Hauman, 1838).


30. Ibid., Lehrbuch des Pandekten-Rechts (Halle: Schwetschke und Sohn, 1835), §1: “Recht
in objectiven – subjectiven Sinn, (…) oder – nach den scholastiche Ausdrücke – jus pro
lege sumtum; (…) oder auch den Inbegriff von Rechten und Pflichten selbst – f. g. jus pro
facultate sumtum”.
31. Carl Wenck,  Lehrbuch der Encyclöpadie und Methodologie der Rechtswissenschaft
(Leipzig: Friedrich Traugott Märker, 1810), §10; Franz von Zeiller, Das natürliche
Privat-Recht (Wien: Beck, 1819), §4 and §5; Ferdinand Mackeldey,  Lehrbuch des
heutigen römischen Rechts (Giessen: Gerod Friedrich Heyer, 1814), I, §180 and §14; E.
F. Vogel, Lehrbuch der Encyclöpadie und Methodologie der Rechtswissenschaft (Leipzig:
Hartmann,1829), 8; Karl Adolph Vangerow,  Leitfaden für Pandekten-Vorlesungen
(Marburg: Akademische Buchhandlung  von N.G.  Elwert, 1843), I, 1;  Karl Ludwig
Arndts,  Lehrbuch der Pandecten (München: J.G.  Cotta’schen Buchhandlung, 1852),
§21 and §24; Leopold Warnkonig,  Institutiones iuris Romani private, 1819 (Bonnae:
Sumptibus Adolphi Marci, 1860), 1 n. 2. We follow here the exhaustive study of the
use of these expressions in 18th and 19th centuries legal literature found in the works
of Alejandro Guzmán Brito, particularly “Historia de la denominación del derecho-
facultad como «subjectivo»,” Revista de Estudios Histórico-Jurídicos [Sección Historia
del Pensamiento Jurídico] vol XXV (2003), 407-443.
32. F. K Savigny,  System des heutigen römischen Rechts, 1840 (reimp. Aalen: Scientia,
1981), I, §4 and §5.
33. August Thon,  Rechtsnorm und subjektives Recht, 1878; Georg Jellinek  System des
subjectiven öffentlichen Rechte, 1892. Vide Alejandro Guzmán Brito, “História de la
Denominación…”, 425.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revisiting “subjectivity” in Rights Theories 1113

Having presented the trail of both the notion and the name of “rights”
in 18th and 19th century legal discourse, the revolutionary nature of this
concept must be reconsidered. In fact, when Mühlenbruch referred to the
“scholastic” background of the senses of ius he was pointing out a link that
eventually became less noticed and that might question this perception of
disruption in juridical thought.

4. “Rights” in Second Scholastics juridical tradition

4.1.

The distinction of scholastic style between “jus pro lege sumtum” and
“jus pro facultate sumtum” identified by the Pandectistic author comprises
two different important elements.
The first that should be mentioned relates to the distinction itself. It
has already been pointed out that the polysemy of the term ius has been
continually stated in historical legal sources, but the dual identification,
that structures one by reference to the other, had been set in scholastic
thought. There are important influences on this process to be found in
medieval legal discourse, though they cannot be explored in this paper.
One is the definitive contribution of the medieval conformation of the
problem of universals (particularly in Franciscan theology) to the rising
of individualism and voluntarism in legal thought – which Villey demon-
strated, following Lagarde’s thesis.34 Another of these influences is the
development of legal technic both in Canon as in Roman law regarding
the notion of “permission” as a dimension of personal freedom, protected
by law, to act as one intended without any constraints and which was
appropriable by the individual (linguistically translated into the use of the
possessive form – “suum ius” – “his right”).35 Finally, the effects of concil-

34. Georges de Lagarde, La naissance de l’estprit laïque au déclin du Moyen Âge (Saint-Paul-
Trois-Châteaux  : Editions Béatrice, 1934-1946)  ; Michel Villey, “La genèse du droit
subjectif chez Guillaume d’Occam,” in Archives de Philosophie du Droit vol. IX (1964) ;
Villey, La formation de la pensée juridique moderne (Paris : 1975).
35. Brian Tierney, “Natural Law and Natural Rights  – Old Problems and Recent
Approaches,” The Review of Politics vol. 64, issue 03 (2002), 389-406; Luca Padovani,
preface to Luca Parisoli, Volontarismo e Diritto Soggettivo. La nascita medievale di una
teoría dei diritti nella scolastica francescana (Roma: Istituto Storico dei Cappuccini,
1999); Kenneth Pennington, The Prince and the Law, 1200-1600: Sovereignty and Rights

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1114 Ana Caldeira Fouto

iarism on theological thought and, therefore, on juridical thought by the


late 14th and 15th centuries cannot be ignored – since, in order to sustain
the supremacy of the Church over the Pope, it voiced “consent” as the
source of legitimacy, thus giving the use of will a central position in legal
discourse.36

4.2.

The second element comprised in that scholastic distinction is that


the meaning of what would later be named “subjective right”  – particu-
larly its definition as “potestas vel facultas” – was not only well developed
by the mid-17th century, but it had long been a mandatory and favourite
object of juridical literature.
The relevant literature in this case should be searched for in theo-
logical works, not only for medieval authors, but fundamentally in the
early-modern context. The important methodological changes made to
the organisation of theological studies in the early 16th century had major
repercussions to the production of legal sources. This is due to the fact
that the theorization of law was a subject of Theology Courses – not Law or
Canon, which followed a Roman law inspired method, characteristically
casuistic. The speculative approach and the holistic role of Theological
knowledge in the scholastic system supported this outcome. Nevertheless,
those characteristics were combined with a practical dimension, imposed
not only by methodological mimetism  – casuistry was very much the
method of the time – but mainly by the context of theological teaching.
The innovations promoted in Theology studies in the 16th century  – the
most relevant being undoubtedly Francisco de Vitoria’s introduction of
Aquinas’ Summa Theologiæ as the basic text in his teaching at Salamanca
from 1526 onwards, followed by the Jesuit’s predominance in Theological

in the Western Legal Tradition (Berkeley-Los Angeles-London: University of California


Press, 1993); Paolo Grossi, Il dominio e le cose. Percezioni medievali e moderne dei diritti
reali, (Milano: Giufrè, 1992).
36. Richard Tuck, Natural Rights Theories. Their Origin and Development, 1979, (repr.
Cambridge, USA: Cambridge University Press, 1998); Annabel, Brett Liberty, Right
and Nature. Individual Rights in Later Scholastic Thought (Cambridge: Cambridge
University Press, 1997); Alejandro Brito Guzmán, “In quaelibet re, tantumdem est de
iure quantum de entitate. La concepción ontológica del derecho-facultad a fines de la
Edad Media y en la Época Moderna”, in Revista de Estudios Histórico-Jurídicos, 30
(2007), 274-293.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revisiting “subjectivity” in Rights Theories 1115

teaching and the universal organization of Jesuitical studies established


by the Society’s Ratio Studiorum.
This is essential to determine one’s ground of research, otherwise the
meaning of the all-important treatises De iustitia et de iure or De legibus is
highly compromised.
These treatises were produced by theologians within the frame of
teaching the most important matters in theology courses – Scholastic and
Moral Theology (the other main topic being Scriptures). Action and the
determination of action and its effects were central to this matter and it is
no strange thing that the juridical experience should be a central element
of moral theology teachings. Also, the structure and subject of these
matters was determined by the base texts in use – and from Francisco de
Vitoria’s innovation that would be Aquinas’ Summa.
Early modern study of Scholastic Theology and Moral Theology
evolved around the commentary of the Pars Secunda of the Summa
Theologiæ, focused on human experience, man’s end and actions; law was
an important and autonomous element of the first part of the Secunda
(Iª-IIæ, Q. 90 – 108), while justice was one of the virtues to which the second
part of the Secunda was dedicated (IIª-IIæ, Q. 57 – 122). Key to the study of
juridical discourse, the reflexion on justice (Q. 57) opens with the various
meanings of ius and lex; and proceeds with Q. 61 and Q. 62, regarding
distributive and commutative justice and Restitution37 – one of the most
commented quæstiones and, we believe, one of the most relevant to the
conformation of modern civil law and especially the notion of “rights”). De
legibus and De iustitia et de iure treatises evolved from the commentary to
the Prima Secundae and to the Secunda Secundae, respectively.
This particular context must be taken into account when it comes to
explore the legal concepts and definitions – even the systematics, absent
in civil law until the works of Second Scholastics theologians  – that
make their way into legal discourse and conform it as a “modern” legal
discourse38.

37. The concept of restitutio is introduced in the context of penance; the demand of
restitution had been set by Augustine in his Epistola ad Macedonium, included in
Gratian’s Decretum (C. 14, q. 6, c. 1) and developed in Aquinas’ Summa (IIa-IIæ, q.62, a.
1), having been established as a general legal principle in the Liber Sextus Decretalium
of Pope Boniface VIII (VI, 5, 13, 4).
38. Annabel Brett, Liberty, Right and Nature: Individual Rights in Later Scholastic Thought
(Cambridge: cambridge University Press, 2003), 159; Wim Decock, Theologians and
Contract Law: The Moral Transformation of the Ius Commune (ca. 1500-1650) (Leiden:
Martinus Nijhoff Publishers, 2012), 514-517; Thomas Duve, “La teoría de la restitución

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1116 Ana Caldeira Fouto

4.3.

Focusing on the analysis of jurisprudential notions of “rights” as we


have (summarily) exposed them before, this definitive influential role of
early modern theology is quite perceptible.
Apart from the many elements that make an internal characterization
of Second Scholasticism, the recuperation of Franciscan voluntarism
within an asserted Thomistic frame resulted in a complex configuration
of “liberty”, determined by “will” but still conformed by “reason”39, which
would become the core of the modern notion of “subjective rights”.
The groundbreaking contribution to that notion was featured by
Francisco Suárez’s definition of “right” (“ius”) as a “moral faculty which
every single one has”40. This definition allowed, for instance, to overcome
the recurring problematic of whether irrational beings and inanimate
things could “have rights”, establishing an intellectual notion of “right”.41
The truly innovative element, however, introducing a definitive
subjective dimension, lay in the characterization of “right” as a “qualitas
moralis”; it sets aside the equivalency of ius and lex by presenting personal
liberty as the explanation of “law” (“lex”), as what precedes it. The coex-
isting various meanings of “right” – as a “moral faculty” and as “law” (the
very “ratio iuris”, as a rule or criterion of the “just action”) – originate a
double qualification put forth by Suárez: ius utile (or ius reale) and ius
honestum (or ius legale).42 This is the formula that first expresses what

en Domingo de Soto: Su significación para la historia del derecho privado moderno”,


cit., 187; Jan Hallebeek, The Concept of Unjust Enrichment in Late Scholasticism
(Nijmegen: 1996), 20-22.
39. Alejandro Guzmán Brito, El Derecho como Facultad en la Neoescolástica Española del
Siglo XVI (Madrid: Iustel, 2009), 203 and 221.
40. Francisco Suárez, De legibus ac Deo legislatore, lib. I, 2, 5: “facultas quaedam moralis
quam unusquisque habet vel circa rem suam vel ad rem sibi debita”.
41. Francisco Suárez, De iustitia Dei, III, 47: “Nam ad res inanimatas vel irrationales non
potest esse proprie Iustitia, quia revera non sunt capaces alicuius iuris, nam “ius” proprie
significat quippiam morale quod solum in intellectualibus locum habet.”; on Suárez’
decisive contribution to the concept of “subjective rights”, vide also Andrea Padovani,
prefácio a Luca Parisoli, Volontarismo E Diritto Soggestivo. La nascita medioevale
di una teoria dei diritti nella scolastica francescana (Bravetta: Instituto Storico dei
Capuccini, 1999), 29.
42. Francisco Suárez, Tractatus de legibus ac Deo legislatore, l. I, cap. II, 5 and 6; l. II, cap.
17, 1: “Jus enim interdum significat moralem qualitatem ad rem aliquam, vel in re, sive
sit verum dominium, sive aliqua participatio eius, quod est proprium obiectum iustitiæ
(…). Aliquando vero ius significat legem, quæ est regula honeste operandi, et in rebus
quamdam æquitatem constituit, et est ratio ipsius iuris priori modo sumpti (…): quæ

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revisiting “subjectivity” in Rights Theories 1117

would be named as “subjective right” in the 18th century (and which


emerges in Mühlenbruch’s reference to the scholastic distinction).43
The relevance of Suárez innovation and the element which made his
phrase a reference for future legal works in different contexts lies in the
meaning of the qualification “moralis”; as Suárez himself clarified, it is
opposed to “physica”, and in this sense it relates to the scope reserved
to freedom and determined by reason and will, as opposed to what is
conformed or limited by material or physical constrictions or regulari-
ties.44 In this sense, Suárez might be credited for introducing a decisive
essential element to a theory of natural subjective rights, accentuating the
originary nature of liberties.45

4.4.

The relevance of Suárez’s definition to modern legal discourse can


be better accessed in its reception outside Second Scholastics theological
sources. In fact, Hugo Grotius would soon make use it in one of his best-
known works46, establishing the definition within the Rationalist School
of Natural Law.
The direct use Suárez’ phrase does not imply the use of the exact
same meaning  – nor would that be plausible in the wider process we
propose to analyse. But there is a clear influence of Suarez concept on
Grotius definition and his use of the phrase is an important clue to detect
some of the differentiating aspects the Dutch author developed as well as

ratio est ipsa lex, ut ibi dicit; et ita ius coincidit cum lege (…). Unde ut habemus, brevia
nomina, quibus uti possimus, primum vocare possumus ius utile, secundum honestum;
vel primum ius reale, secundum legale.”
43. “Jus pro lege sumtum / jus pro facultate sumtum”, Christian Friedrich Muhlenbruch,
Lehrbuch des Pandekten-Rechts, 1835, §1.
44. This meaning of “moralis” in Suárez legal thought has been sustained by Alejandro
Guzmán Brito, El Derecho como Facultad en la Neoescolástica Española del Siglo
XVI, cit., 203-208; and Avelino Folgado, Evolución histórica del concepto del derecho
subjectivo. Estudio especial en los teólogos-juristas españoles del siglo XVI, San Lorenzo
de El Escorial, 1960, 217-224; an example of this definition of “qualitas moralis” as
opposed to “qualitas physica” given by Suárez can be found in Tractatus de legibus ac
Deo legislatore, l. IV, cap. I, 7: “Iurisdictio autem, sicut et dominium, non consistit in
qualitate physica sed in iure et potestate morali.”.
45. Francisco Carpintero, La Ley Natural. Historia de un concepto controvertido (Madrid:
Ediciones Encuentro, 2008), 199.
46. Hugo Grotius, De iure belli ac pacis (Pariisis: 1625), l. I, I, §4: “Qualitas moralis personae
competens ad aliquid juste habendum vel agendum”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1118 Ana Caldeira Fouto

some essential similarities. Grotius adopts that which was Suarez inno-
vative contribution  – the notion of “qualitas moralis” and the particular
meaning this qualification has to Suárez juridical definition, accentuating
the “subjective” dimension of rights.
Grotius’s distinction between “facultas” and “aptitudo” as comprised
in that “moral quality” (the former being a “perfect moral quality” and
the latter an “imperfect moral quality”)47 presents a broader notion of
“ius” defined, as Suárez had done, as a “moral quality”, because it would
now comprise not only the “faculty” but also the “aptitude”; and, conse-
quently, it would seem to present a more limited notion of “faculty”. And
yet, not only does it resonate Suárez’ distinct use of “qualitas moralis”
and “facultas moralis” in De legibus to define “ius” but, more relevantly,
the proximity to Suárez is particularly visible when Grotius distances
himself from the “iurisconsulti” in the term they use to call that “right
which a Man has to himself”: what those called “facultas” he would now
call “ius proprie aut stricte” – comprising “potestas”, “dominium” and “cred-
itum”48, different from that “aptitude”, to which he dedicates so few and
somewhat imprecise lines49. In this sense, and while acknowledging that
his “proper or strict” sense of “right” is what was known as “facultas”
Grotius remains close to Suarez definition of “right” in a “stricter sense”
as a “moral faculty”.50
The influence of this concept of “right” defined by reference to a
scope of freedom determined by will and reason, as Suárez meant by the
use of the qualification “moralis”, can be traced even in Thomas Hobbes’s
revolutionary and assumedly disruptive explanation presented in De cive
and in Leviathan. Hobbes clearly rejected the philosophical frame of the
idealist tradition and undertook an empirical concept of knowledge as
well as an epicurean notion of man as an apolitical and asocial being51

47. Hugo Grotius, De iure belli ac pacis (Pariisis: 1625), l. I, I, §4: “Qualitas autem moralis
perfecta, Facultas nobis dicitur; minus perfecta, Aptitudo; quibus respondent in
naturalibus, illi quidem actus, huic autem potentia.”
48. Hugo Grotius, De iure belli ac pacis (Pariisis: 1625), l. I, I, §5: “Facultatem Iurisconsulti
nomine sui appelant: nos posthac ius proprie aut stricte dictum appelabimus: sub quo
continentur Potestas, tum in se, quæ libertas dicitur, tum in alios, ut patria, dominica:
Dominium, plenum sive minus pleno, ut usufructus, jus pignoris: et creditum cui ex
adverso respondet debitum.
49. Hugo Grotius, De iure belli ac pacis (Pariisis: 1625), l. I, I, §7.
50. Francisco Suárez, Tractatus de legibus ac Deo legislatore, l. I, cap. II, 5: “… et strictam
iuris significationem solet proprie ius vocari facultas quaedam moralis…”.
51. Leo Strauss, Natural Right and History (Chicago: The University of Chicago Press,

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revisiting “subjectivity” in Rights Theories 1119

that undoubtedly differentiate his concept of “right” from that of the theo-
logical scholastic tradition.
And yet, not only did he follow the traditional structure distinguishing
between “ius” and “lex” and used the roman law concept of natural obli-
gations as deriving only from one’s own consent to build on it his concept
of justice as solely deriving from pacts or contracts52; but, more so, he
defined “right” as a liberty to use one’s natural faculties according to
reason.53 Suárez’ well-known definition of “right” as a “moral faculty”  –
a faculty of freedom determined by will and reason – underlies Hobbes’
innovative definitions. And he does innovate, since he presents a notion of
“liberty” to make use of “natural faculties” that breaks from the scholastic
natural law tradition and from the notion of “faculty” to ground his “right”
in pure instinct (of self-preservation). He presents different meanings to
the notions of “justice” (entirely relating to men in society and deriving
from reason and consent, consisting of social determinations)54, “natural
law” (meaning natural laws found out by reason)55 and “natural right”
(identified with a liberty to use one´s own power, determined by one’s own

1965, 7th repr., 1971), 169.


52. Francisco Carpintero, La Ley Natural. Historia de un concepto controvertido (Madrid:
Ediciones Encuentro, 2008), 239.
53. Thomas Hobbes, De Cive, 1642 (De Cive (The Citizen). Philosophical Rudiments
Concerning Government and Society, 1651), cap. 1, 7: “Neither by the word Right is any
thing else signified, than that liberty which every man hath to make use of his naturall
faculties according to right reason: Therefore the first foundation of natural Right is this,
That every man as much as in him lies endeavour to protect his life and members.”; Ibid.,
Leviathan, 1st Part, cap. 14: “The Right of Nature, which Writers commonly call Ius
Naturale, is the Liberty each man hath, to use his own power, as he will himselfe, for the
preservation of his own Nature; that is to say, of his own Life; and consequently, of doing
any thing, which in his own Judgement, and Reason, hee shall conceive to be the aptest
means thereunto.”
54.  Thomas Hobbes, Leviathan, 1st Part, cap. 13: “Where there is no common power, there is
no law: where no law, no injustice. Force, and fraud, are in war the two cardinal virtues.
Justice, and injustice are none of the faculties neither of the body, nor mind. If they were,
they might be in a man that were alone in the world, as well as his senses, and passions.
They are qualities, that relate to men in society (…)”
55. Thomas Hobbes, Leviathan, 1st Part, cap. 14: “A law of nature, lex naturalis, is a precept
or general rule, found out by reason, by which a man is forbidden to do that, which is
destructive of his life, or taketh away the means of preserving the same; and to omit
that, by which he thinketh it may be best preserved. For though they that speak of this
subject, use to confound  jus,  and  lex, right  and  law:  yet they ought to be distinguished;
because right, consisteth in liberty to do, or to forbear; whereas law, determineth, and bindeth
to one of them: so that law, and right, differ as much, as obligation, and liberty (…)”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1120 Ana Caldeira Fouto

reason according to a criterion of efficiency56, which however translates


in a formula that resonates the civil law concept integrated by the theo-
logical tradition of ius in rem – Hobbes’ “ius in omnia”57). It is a different
concept of “right”, which, nevertheless, makes use of the structure of
Suárez definition that focused on “right” as a faculty to be acted within a
scope of freedom determined by will and reason (Suárez’ strict meaning
of “moralis”).
This is not entirely in keeping with the more traditional interpre-
tation of Hobbes’ role as the creator of modern natural rights, based on
the deduction of “Natural laws” from “natural rights” – particularly, from
the originary natural right of self-preservation.58 As Michel Villey put it,
Hobbes’ “right” does not express a previous “law” that rules the order of
societies, but instead it is “law”  – particularly the law that exists in the
state of nature, “natural law” – that is identified with the individual’s own
“internal law”, based on his conscience or on in his natural instinct.59 In
that sense, “right” would relate to one’s rational use of liberty, delimitated
by law – in which case, Hobbes’ “right” emerged from the “silence of law”.60
The opinions about Hobbes’ role in the history of rights is not unan-
imous, and one of the most important arguments against it points to
an element that is particularly illustrative of an underlying scholastic
reference in his legal definitions, even in his strikingly opposing philo-
sophical and political theory.
In Brian Tierney’s view, the different meanings of “right” and “law”
in Hobbes’ discourse would make it impossible to derive one from the

56. Thomas Hobbes, Leviathan, 1st Part, cap. 14: “The Right of Nature, which Writers
commonly call Ius Naturale, is the Liberty each man hath, to use his own power, as he
will himselfe, for the preservation of his own Nature; that is to say, of his own Life; and
consequently, of doing any thing, which in his own Judgement, and Reason, hee shall
conceive to be the aptest means thereunto.”
57. Thomas Hobbes, De Cive, præfatio: “(…) ostendo primo conditionem hominum extra
societatem civilem, quam conditionem appellare liceat statum naturæ, aliam non esse
quam bellum omnium contra omnes; atque in eo bello jus esse omnibus in omnia (…)”
58. Leo Strauss, The Political Theory of Hobbes (Chicago: University of Chicago Press,
1952), 157; Lawrence Berns, “Hobbes,” in History of Political Philosophy, ed. Leo
Strauss and Joseph Cropsey (Chicago: University of Chicago Press, 1987), 401;
Michael, Zuckert, “Do Natural Rights Derive from Natural Law?,” Harvard Journal of
Law and Public Policy (1996-1997), 695-731, 702; Ian Shapiro, The Evolution of Rights
in Liberal Tradition (Cambridge: Cambridge University Press, 1986), 42; Richard Tuck,
Hobbes (Oxford: Oxford University Press, 1989),102.
59. Villey, Seize essais de philosophie du droit, 189.
60. Ibid., 192.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revisiting “subjectivity” in Rights Theories 1121

other and therefore – contrary to Villey’s thesis61 – there would be no rights


system in Hobbes theory.62
Focusing on Hobbes’ definition, it is striking that even though he
rejects scholastic tradition, basing “rights” on different grounds and
integrating them in a very different Natural Law system  – in order to
better conform his concept of Natural Law to a type of political power
he intended to be free from any constraints63 – he did not overcome the
scholastic definition of “rights” as a “faculty or a power”, his legal concep-
tualization clearly bound to the legal technique spread by the peninsular
theologians – which Hobbes was well acquainted with.

4.5.

Another element of scholastic legal theory that makes its way into
modern “rights” theories concerns the permissive dimension of Natural
Law.64
The definition of “rights” by reference to what is permitted to indi-
viduals had become a constant topic in Second Scholastics treatises, which
is developed by the enunciation of limits to rulers’ actions and determina-
tions. Such limits would be imposed by the natural right of every man to
exercise his dominium over everything which is necessary to his survival65.

61. Ibid.,193 ss.


62. Brian Tierney, “Natural Law and Natural Rights  – Old Problems and Recent
Approaches”, in The Review of Politics,vol. 64, issue 03-2002, 389-406, 402 ss.
63. Ibid., 404.
64. The 14th century canonist Johannes Andreae (In titulum de Regulis iuris comentaria)
identified three different dimensions of “permissive” law: the permissio simplex, the
permissio tollens impedimentum and the permissio praestans auxilium, related to a
liberty of action and the correlated possibility to demand an action from others (either
to abstain from an injurious action or to aid one’s action); this well-known dimension
would allow for Vitoria to enunciate a subjective notion of “right” from an objective
Thomistic notion of Natural Law; Brian Tierney, “Natural Law...”, 402; also, on Natural
Law and rights in medieval Canonistics, vide Ibid., The Idea of Natural Rights. Studies
on Natural Rights, Natural Law and Church Law. 1150-1625, (1997), 64.
65. Therefore, it would be illicit for rulers, without just cause, to forbid fishing, or hunting
or collecting wood, travelling and commerce, to interfere in prices or salaries, as
well as to expropriate without just cause nor just compensation. Vide, for all, SOTO,
Domingo de, De iustitia et de iure, 1553-1554, l. IV, q. IV a 1:”Iure autem naturæ etsi
transtulit respublica in principem potestatem suam, et imperium,, ac iurisdictionem: non
tamen proprias facultates: quid, id eo princeps uti nequit, nisi quando eidem reipublicae
tuendae & administrandae necesse fuerint”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1122 Ana Caldeira Fouto

This is an essential characteristic of modern natural rights, establishing


the rights of individuals against the political society.66
This notion underlines Grotius’ distinction of two permissive laws –
the right to defend one’s own life and the right to acquire all that is useful
to life67. It is also present in Locke’s explanation of “rights” (in which
he diverges from Hobbes’ theory), as he assumes a more traditional
approach stating that men are free to act according to what is permitted
by Natural Law, identifying reciprocal duties within the area of liberty
defined by permissive Natural Law68. The same idea persists into the 18th
century, as can be seen in Wollf’s Institutiones iuris naturae et gentium69,
a fundamental work for the settling of the concept of “rights” received in
Pandectistic doctrine.
Along with this notion of “liberty”, thus set in a Natural Law system,
Suárez’ concept of “right” as a “moral faculty”, technically developed
within Second Scholastics juridical discourse tradition, would be received
in Grotius work, making its way into the legal doctrine of the Rationalist
School of Natural Law, v. g. in the works of Pufendorf70 or Wolff71.
The formation of the juridical concept of “rights” as “subjective
rights” as a process cannot be fully understood outside a historical process
of philosophical and theological reflexion on the concept of “person”, that
being the matter of the “subject of rights”.

66. Annabel Brett, “The Development of the Idea of Citizens’ Rights,”, in Quentin Skinner,
Bo Stråth, States and Citizens. History, Theory, Prospects (Cambridge: Cambridge
University Press, 2003), 97-112, 100.
67. Hugo Grotius, De iure praedae commentarius, 1604, II, §6.
68. John Locke, Two Treatises of Government, 1689, Second Treatise, 128; 4; 6; 7; 59: “For in
the state of nature, to omit the liberty he has of innocent delights, a man has two powers.
The first is to do whatsoever he thinks fit for the preservation of himself, and others within
the permission of the law of nature (…). The other power a man has in the state of nature,
is the power to punish the crimes committed against that law.”
69. Christian Wolff, Institutiones iuris naturae et gentium, §47: “Lex naturæ dicitur
præceptiva, quæ ad actiones commitendas nos obligat; prohibitiva, quæ obligat ad
actiones omitendas; permissiva, quæ jus dat ad agendum.”
70. Samuel Pufendorf, De jure naturae et gentium, 1672, l. I, cap.1, §§19-20: “Operativæ
qualitates morales sunt activæ, vel passivæ. Illarum nobilissimæ species sunt potestas,
jus, & obligatio. Potestas est, qua quis aliquid legitime, & et cum effectu morali agere
potest.” ; “Juris vocabulum valde est ambiguum. (…) frequentissimum est, ut accipiatur
pro qualitate illa morali, qua recte vel personis imperamus, vel res tenemus, aut cujus vi
aliquid nobis debetur.”
71. Christian Wolff, Institutiones júris naturae et gentium, 1750, §46: “Facultas ista, seu
potentia moralis agendi dicitur Jus.”

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revisiting “subjectivity” in Rights Theories 1123

This is why the most innovative and sophisticated developments on


“rights” in early modern legal discourse – not just as the object of theo-
logical speculation, but as a technical category to solve the problems of
men (in the internal forum as in the external) – come to light in the works
of theologians.

Conclusions

Far from being the result of characteristically pandectistic volun-


tarism, the process of sedimentation of the juridical concept of “subjective
right” as a “faculty or power” that can be traced from the 15th and 16th
century theologians to the Pandectistic movement demonstrates the use
of one same expression, which would later be used to embody the political
aspirations of the first liberal revolutions, at the same time it settled in
juridical dogmatics.
Still, establishing “subjective rights” as a discourse archetype based on
the relational nature of rights (relations between equals, as befits commu-
tative justice) also supported the dissemination of the idea of “rights” as
“universal rights”. The theological integration of civil law matters within
the scope of commutative justice, along with the proclamation of man as
a “subject of rights” – defined in the frame of individuality not just by the
owning of rights but also by its free exercise, regarded as a manifestation
of “domain over oneself”72 – all these elements supported a modern notion
of “rights” as the “rights of individuals”. It is a new juridical language,
which is formed by reference to the philosophical and theological notion
of “humanity”, considered not only objectively, but as the nature of men,
as individuals. And man as a “subject of rights” is not only qualified by
rights – he becomes the basis of “rights”.73
Revisiting the continuous reception, use and transformation of defi-
nitions in the development of a juridical concept can be a useful way to
keep track of some lines of continuity in a historical process of renovation
and disruption. Particularly, this approach to elements of continuity as

72. Brett, Liberty, Right and Nature, cit., 159: “Beyond that, man must not only have his
own rights as an individual, but he must also have their exercise in his own control: in
other words, he must be sui iuris, have dominium of himself or his liberty.”
73. In Juan de Lugo’s lapidary expression: “Est potestas moralis ad haec facienda propter jus
intrinsecum, et radicatum in persona...”; Juan de Lugo, Disputationum de justitia et jure
tomus primus, Editio novissima a mendis expurgata, Lugduni, sumpt. haered. P. Prost,
P. Borde et L. Arnaud, 1646, disp. 2, §41.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1124 Ana Caldeira Fouto

marks of essential characteristics might be useful not only to further


understand the intellectual references which framed the surviving defini-
tions in very different philosophical contexts, as well as to dealing with the
problematics of “rights” in contemporary juridical thought – especially the
structural difficulties of rights’ definitions in “post-subjectivism” societies
and the contestation of both “subjectivism” and “universalism”.

References

Brett, Annabel, Liberty, Right and Nature. Individual Rights in Later Scholastic Thought, Cambridge:
Cambridge University Press, 1997.
Carpintero, Francisco, La Ley Natural. Historia de un concepto controvertido, Madrid: Ediciones
Encuentro, 2008.
Finnis, John, Aquinas: Moral, Political and Legal Theory, Oxford: Oxford University Press, 1998.
Finnis, John, Natural Law and Natural Rights, 2nd ed., Oxford: Oxford University Press, 2011.
Folgado, Avelino, Evolución histórica del concepto del derecho subjectivo. Estudio especial en los
teólogos-juristas españoles del siglo XVI, San Lorenzo de El Escorial, 1960.
Fortin, Ernest, “Classical Christianity and the Political Order,” in Collected Essays, ed. J. Brian
Benstead, vol. 2, Lanham, MD: Rowan and Littlefield Publishers Inc., 1996.
Grossi, Paolo, Il dominio e le cose. Percezioni medievali e moderne dei diritti reali, Milano: Giufrè,
1992.
Guzmán Brito, Alejandro, “Historia de la denominación del derecho-facultad como «subjectivo»,”
Revista de Estudios Histórico-Jurídicos [Sección Historia del Pensamiento Jurídico] vol XXV
(2003), 407-443.
Guzmán Brito, Alejandro, “In quaelibet re, tantumdem est de iure quantum de entitate. La
concepción ontológica del derecho-facultad a fines de la Edad Media y en la Época
Moderna”, in Revista de Estudios Histórico-Jurídicos, 30 (2007), 274-293.
Guzmán Brito, Alejandro, El Derecho como Facultad en la Neoescolástica Española del Siglo XVI,
Madrid: Iustel, 2009.
Pennington, Kenneth, The Prince and the Law, 1200-1600: Sovereignty and Rights in the Western
Legal Tradition, Berkeley-Los Angeles-London: University of California Press, 1993.
Strauss, Leo, The Political Theory of Hobbes, Chicago: University of Chicago Press, 1952.
Strauss, Leo, Natural Right and History, Chicago: The University of Chicago Press, 1965.
Tierney, Brian, “Natural Law and Natural Rights – Old Problems and Recent Approaches,” The
Review of Politics, vol. 64, issue 03 (2002), 389-406.
Tuck, Richard, Natural Rights Theories. Their Origin and Development, 1979, repr. Cambridge,
USA: Cambridge University Press, 1998.
Villey, Michel, Seize essays de philosophie du droit, Paris: Dalloz, 1969.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1125-1148.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1125

Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes


en el siglo XVI
ALIOCHA MALDAVSKY*

Abstract
How to obtain eternal salvation when you are an old conquistador? Did he feel any remorse
for having participated in the destructuring of entire societies and in the death of the
peoples who lived in the American continent in the 15th and 16th centuries? Was it possible
to dissolve in Catholicism the morally condemnable effects of the conquest? The restitution
of goods to the Indians was one of the answers to these questions, given by theologians,
jurists and rulers as early as the sixteenth century, and put into practice in the Andes by the
encomenderos themselves, through donations and testaments. The objective of this article is
to take restitution seriously, as a manifestation of the conscience of the old conquerors, and
also to analyze the great diversity of motivations they could have to restore ill-gotten gains.
This took place while the Spanish Crown was questioning their power and therefore their
place in the colonial society that was then being built in the Andes.
Keywords: America, Bartolome de Las Casas, ill-gotten goods, indigenous communities,
justice, moral theology, Peru, restitution, testaments.

1. Introducción

D
espués de la promulgación de las Leyes Nuevas en 1542 y de su
relativo fracaso al concluir las guerras civiles en el Perú, reli-
giosos y gobernantes utilizaron diversos medios para controlar
el poder de los encomenderos. Muchos de ellos eran antiguos conquista-
dores, acusados de abusar de su poder y sospechosos de pretender fundar
señoríos particulares en el territorio de sus encomiendas. Este control
se ejerció mediante la teología moral, con el sacramento de penitencia,
que pertenece al foro interno de la conciencia. El objetivo era exigir la
restitución de los bienes mal habidos durante la conquista, en nombre

* Université Paris Nanterre, UMR 8168-ESNA-Mondes américains, France.


 aliocha.maldavsky@parisnanterre.fr

1125-1148

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1126 Aliocha Maldavsky

del carácter injusto de las guerras entonces emprendidas contra los


habitantes del continente americano. La restitución es una de las caras
concretas de las respuestas generales y teóricas de los teólogos y juristas
del siglo XVI, que se encuentran en los escritos de Francisco de Vitoria o
en las Leyes Nuevas de 1542, de difícil aplicación en los Andes. Teorizada
por Bartolomé de las Casas en un largo memorial publicado en 1552,1 la
restitución fue aplicada y adaptada en los Andes, sin duda a raíz del papel
que tuvieron los religiosos de la orden de Santo Domingo en el virreinato
del Perú. Sus huellas concretas se encuentran en testamentos y dona-
ciones redactados en los Andes en las décadas de 1550 y 1560, después de
las guerras civiles y cuando los antiguos conquistadores, instalados en la
nueva sociedad colonial, llegan al ocaso de sus vidas.
El objetivo de este artículo es tomar en serio la restitución, como
manifestación de la conciencia de los antiguos conquistadores, y de
analizar también la gran diversidad de motivaciones que pudieron tener
para restituir los bienes mal habidos, en un contexto de cuestionamiento
de su poder por la Corona española y por lo tanto de su lugar en la sociedad
colonial que se estaba entonces conformando en los Andes. Se trata de
entender no solamente la restitución como una manifestación de la mala
conciencia de los colonizadores, en su calidad de cristianos, sino también
de demostrar de qué manera se puede leer como un instrumento religioso
de ordenamiento de la sociedad andina. Veremos que además de perte-
necer al foro interno de la administración de las conciencias, la restitución
forma también parte del arsenal jurídico de la Corona española en el siglo
XVI para presionar a los encomenderos españoles y hacerlos respetar
su deber de contribuir a la evangelización de los indios. El análisis de la
documentación notarial muestra de qué manera los antiguos conquista-
dores enfocaron la obligación de restituir e invocaron su buena fe durante
la conquista, haciendo hincapié en su estatuto de combatientes por la fe
para justificar su actitud. Sin embargo, sus restituciones, al tomar la vía
de obras pías caritativas, perseguían objetivos más bien relacionados con
su posición en una sociedad colonial en vías de pacificación: cumplir con
su deber de evangelización y reforzar su relación de poder con los indios
de sus encomiendas.

1. Bartolomé de Las Casas, Aqui se contienen unos avisos y reglas para los que oyeren
confessiones de los Españoles que son o han sido en cargo a los indios de las Indias del
mas Océano (Sevilla: Sebastián Trujillo, 1552). Edición moderna en Bartolomé de Las
Casas, Obras escogidas, t. V, Opusculos, cartas y memoriales (Madrid: Biblioteca de
Autores Españoles, 1958), 235-249.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1127

2. La restitución colonial: obligación, foro interno y guerra justa

Enunciada claramente por la teología moral de Tomás de Aquino, la


restitución es el deber del cristiano que se apropió un bien de manera ilegal
o cometió un acto fraudulento hacia un individuo o una entidad colec-
tiva.2 Complementa la contrición, porque traduce en hechos concretos el
sentimiento de “aversión hacia el pecado cometido, con el objetivo de no
cometerlo más en el futuro”; además se agrega a la confesión, que es el
acto de declarar la propia contrición.3 En su calidad de acto de reparación,
la restitución es la tercera etapa en el camino de la absolución, dentro del
sacramento de penitencia. Es un “acto de justicia conmutativa, por el cual
se devuelve al próximo un bien que le pertenecía en derecho, o por el cual
se compensa el daño hecho injustamente”.4 Como precio de la salvación,
la restitución responde al séptimo mandamiento sobre el robo y se inserta
en la práctica penitencial como una clausula habitual de los testamentos
desde la época medieval. La restitución, o por lo menos la voluntad de
restituir, se concibe como una necesidad, por lo tanto, sin ella la salvación
es imposible. La restitución es obligatoria si la posesión del bien de otra
persona se debe a una acción injusta, si esta acción es una causa eficaz, o
sea que el daño fue voluntario, y si se trata de una falta teológica, o sea de
un pecado mortal, con variaciones en caso de pecado venial y en caso de
duda al respecto.5 Este carácter obligatorio de la reparación se revela un
medio de presión sumamente potente.6 Esta definición se impuso, no sin
discusiones, a partir del siglo XVI. En efecto, contra la posición de Tomas
de Aquino, Jean Gerson y luego Erasmo, estimaban que la confesión era
un asunto entre el penitente y Dios, que se debía respetar el secreto y
que no tenía nada que ver con la justicia humana. Gerson afirmaba que
la ley de los hombres no podía vincular en términos de pecado mortal y
que el legislador no podía imponer penas en casos relacionados con el
sacramento de penitencia.7 Esta concepción agustiniana del pecado, que

2. Francesca Cantú, “Evoluzione et significato della dottrina della restituzione in


Bartolomé de Las Casas. Con il contributo di un documento inedito,” Critica Storica
XII-Nuova serie, no. 2-3-4 (1975), 231-319.
3. Wietse de Boer, La conquista dell’anima (Turin: Einaudi, 2004), 51. Paolo Prodi, Una
historia de la justicia. De la pluralidad de fueros al dualismo moderno entre conciencia y
derecho (Buenos Aires-Madrid: Katz, 2008), 69.
4. Dictionnaire de théologie catholique, 1937, s.v. “Restitution”.
5. Ibid.
6. Boer, La conquista, 63.
7. Vincenzo Lavenia, L’infamia e il perdono: tributi, pene e confessione nella teologia morale

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1128 Aliocha Maldavsky

desacredita al foro externo, fue después un argumento para la crítica de


las indulgencias y se relaciona con la fiscalidad y las penas de restitución
por fraude fiscal.8
En el contexto de la segunda escolástica española, la discusión sobre
la distinción de los foros se relacionó con la reflexión sobre la represión de
la herejía, la confiscación de los bienes y la restitución a título del fraude
fiscal. Cuando Francisco de Vitoria sostiene que no se puede confiscar los
bienes a los indios a título de su infidelidad, se debe al respeto de la ley
natural que le reconoce su dominium a los paganos, ya sea en el sentido
de la soberanía, como en el de la propiedad privada. Pero el teólogo es
prudente en materia de confiscación de bienes a favor del fisco, pues teme
que la conciencia del fiel se disuelva en la ley positiva, como lo proponen
Juan de Medina o Alfonso de Castro.9 Castro, en particular, insiste en la
«obligación de las normas humanas y en la afinidad entre la satisfacción
penitencial y la pena», invitando a los confesores a “rechazar la absolución
y alentar a devolver los bienes evadidos, por el medio de la cruzada”.10
El canonista Martin de Azpiculeta, el Navarro (1492-1586) matiza esta
posición en su manual para los penitentes, publicado en 1552 y prometido
a un destino editorial excepcional.11 Azpilcueta define la restitución en
términos de justicia conmutativa, pues la distingue de otras ocasiones de
dar o de devolver “por amor, por caridad, misericordia, agradecimiento”,
que no se relacionan con la justicia y porque no se trata de la justicia distri-
butiva, “que reparte el bien común entre particulares”.12 Como lector de
Erasmo y de Gerson, pone de relieve los límites de la autoridad humana,
valorando el foro de la conciencia y aconsejando una actitud indulgente

della prima età moderna (Bologne: Il Mulino, 2004), 51-59. Sobre Jean Gerson, Prodi,
Una historia de la justicia, 168-170.
8. Lavenia, L’infamia e il perdono, 60-61. Y Vincenzo Lavenia, ‘L’Église, juge du fisc  :
théologie et impôt aux XVIe et XVIIe siècles,’ in Philosophie de l’impôt, ed. Thomas
Berns, Jean-Claude Dupont, y Mikhaïl Xifaras, (Bruxelles : Bruylant, 2006), 37-67. En
el caso español la bula de la Cruzada cuyos fondos eran administrados por el Rey,
dependen del sistema fiscal que rige a toda la Monarquía católica. José Antonio Benito,
La Bula de Cruzada en Indias (Madrid: Fundación Universitaria Española, 2000).
9. Acerca del dialogo entre estas dos posiciones : Lavenia, L’infamia e il perdono, 163-182.
Y Lavenia, “L’Église, juge du fisc,” 46-53.
10. Lavenia, L’infamia e il perdono, 211-212.
11. Utilizamos la edición de 1566. Martin de Azpilcueta Navarro, Manual de penitentes
(Estella: Adrián de Anvers, 1566). Lavenia, L’infamia e il perdono, 219-264.
12. Azpilcueta, Manual de penitentes, 185.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1129

por parte del confesor. Eso permite que la penitencia no sea un pretexto
para la venganza y que el penitente sienta una verdadera contrición.
Bartolomé de las Casas cosecha los frutos de esas discusiones y
defiende un equilibrio de los foros en materia de restitución, con el
objetivo de obligar a los encomenderos a restituir, gracias a la ley del Rey.
En efecto, en 1552, Las Casas formaliza el uso de la práctica penitencial
como ofensiva contra los conquistadores a través de un opúsculo publicado
en Sevilla cuyo fin es servir de guía a los confesores de encomenderos,
preocupados por la absolución de pecadores culpables de haberse apro-
piado bienes de los indios fuera del derecho establecido por los teólogos
de Salamanca. Por lo tanto, la restitución se transforma en el contexto de
la discusión de los Justos Títulos de la Corona española en América. La
confesión y la absolución de los encomenderos y de los mercaderes de
armas durante las guerras de conquista están entonces subordinadas a la
restitución de los bienes sustraídos a los indios, por el carácter injusto de
esas guerras.13 Ya en 1536-1537, en el tratado De unico vocationis modo
omnium gentium ad veram religionem,14 Las Casas concluía que la guerra
era un medio injusto para llevar a los habitantes de las Indias a la religión
católica:15

Todos los que hacen la mencionada guerra y todos los que con cualquiera
género de cooperación, mandato, consejo, auxilio o favor, son causa de
que se les declare la misma guerra a estos fieles, cometen pecado mortal,
y gravísimo por cierto.16

Las Casas se sitúa en la línea establecida por Francisco de Vitoria


quien, en su Relectio de Indis, considera que, en virtud del derecho natural,
común a todos los hombres, los indios poseen el dominium sobre sus
vasallos como sus bienes. La teoría de la guerra justa, defendida por Vitoria
y la escuela de Salamanca, concluye que la conquista no podía ser justi-
ficada por la infidelidad o el paganismo de los indios, ni porque habrían
desobedecido a la ley natural. Las bulas pontificias de finales del siglo XV
y del principio del siglo XVI no justifican tampoco el dominium porque
el hecho de que los papas posean la autoridad temporal es discutible y

13. Las Casas, Aqui se contienen unos avisos.


14. Bartolomé de Las Casas, Del único modo de atraer a todos los pueblos a la verdadera
religión, ed. Lewis Hanke (México: Fondo de cultura económica, 1975 [1942]), 422-476.
15. Cantú, “Evoluzione et significato”, 247-251.
16. Las Casas, Del único modo, 434-435

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1130 Aliocha Maldavsky

no tiene fundamento sólido.17 Para Vitoria, ni el canibalismo, ni el sacri-


ficio humano, ni la idolatría son pecados suficientes para privar a alguien
de su dominium. También refuta la idea de que los indios son esclavos
naturales. El dominium de los reyes de Castilla se justifica entonces con
el jus gentium, el derecho de gentes, que garantiza a los españoles la
libertad de circular, el derecho a comerciar y a predicar el cristianismo.
La obstrucción al jus gentium justifica una guerra justa y la apropiación
por el vencedor del dominium del vencido.18 Por lo tanto, para Las Casas
la mayoría de las guerras en las que los conquistadores participaron son
injustas y los bienes tomados a los indios mal habidos.
Los Avisos publicados por Las Casas en 1552 son una verdadera guía
para la redacción de los testamentos, pues exigen que el encomendero
designe delante de un escribano a su confesor, encargado de las resti-
tuciones. También tiene que explicar en su testamento en qué guerras
contra los indios y en qué conquistas participó, además de declarar si
todo lo que posee viene de los indios y de prometer no revocar el testa-
mento.19 Esta exigencia se verifica en una serie de textos redactados por
los religiosos en el Perú, también dedicados a guiar a los confesores de
españoles y a influenciar, a través de las conciencias, el tratamiento de
los indios. Estos textos retoman los argumentos de Las Casas, adaptán-
dolos al contexto andino. Los más importantes son el Parecer de D. Fr.
Tomas de San Martin, obispo de Charcas, sobre si son bien ganados los
bienes adquiridos por los conquistadores, pobladores y encomenderos de las
Indias, probablemente de los años 1550,20 y los Avisos breves para todos los

17. Rolena Adorno, Polemics of Possession in Spanish American Narrative (New Haven:
Yale University Press, 2007), 73-74.
18. Lavenia, L’infamia e il perdono, 156-162 y Anthony Pagden, “Dispossessing the
barbarian: the language of Spanish Thomism and the debate over the property rights
of the American Indians,” in The languages of political theory in early modern Europe,
ed. Anthony Pagden (Cambridge: Cambridge University Press, 1987), 79-98. Anthony
Pagden, “The school of Salamanca and the ‘Ius Naturae’ ,“ The uncertainties of empire:
essays in Iberian and Ibero-American intellectual history (Aldershot: Variorum, 1994).
Sobre Las Casas y la guerra justa, Lewis Hanke, La Lucha por la justicia en la conquista
de América (Buenos Aires: Ed. Sudamericana, 1949), 249-278.
19. Dos artículos fundadores estudian la cuestion de la restitucion en el Perú, como
manifestacion de la influencia de Las Casas y de los dominicos: Guillermo Lohmann
Villena, “La restitución por conquistadores y encomenderos: un aspecto de la incidencia
lascasiana en el Perú,” Anuario de Estudios americanos 23 (1966), 21-89; Guillermo
Lohmann Villena,  “El encomendero indiano, cooperador de la evangelización,” in
Homenaje al profesor Alfonso García Gallo, vol. 5 (Madrid: Universidad Complutense,
1996), 113-136.
20. Tomás de San Martin, “Parecer de D. Fr. Tomas de San Martin, obispo de Charcas,

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1131

confesores destos Reynos del Perú (Instrucciones), firmado en 1560 por un


ajunta de prelados presidida por Jerónimo de Loaysa, dominico y primer
arzobispo de Lima.21

3. Justicia real y restitución: deber de evangelización y fiscalidad

Si los religiosos se rigen por los principios de los Justos títulos, la ley
divina y el foro de la conciencia, la ley del Rey no guarda silencio sobre
la restitución. La Recopilacion de 1681 repite una cédula real dirigida a la
audiencia de Lima, del 10 de mayo de 1554 que recuerda que el objetivo
de las encomiendas es la conversión de los indios y su instrucción en la
fe católica. Si los encomenderos no respetan ese deber, “sean obligados a
restituir los frutos, que han percevido, y perciven, y es legitima causa para
privarlos de las encomiendas”. El Rey le pide a los “Virreyes, Audiencias,
y Governadores, que con mucho ciudado, y diligencia inquieran, y sepan
por todos los medios posibles si los Encomenderos cumplen con esta obli-
gación: y si hallaren, que faltan a ella, procedan por todo rigor de derecho
a privarlos de las encomiendas, y hazerles restituir las rentas, y demoras,
que huvieren llevado, y llevaren sin atender a lo que son obligados, las
quales proveeran, que se gasten en la conversión de los Indios”.22 Otra ley
sintetiza unas cédulas de Carlos V del 20 de noviembre de 1536 y del 9 de
mayo de 1551:

Los Encomenderos negligentes, y descuidados en poner la devida, y


necesaria diligencia, y cumplir su obligacion, no procurando, ni teniendo
Ministros para la doctrina, y administracion de los Sacramentos a los
Indios de sus encomiendas, y que no han proveido suficientemente sus
Iglesias, y ornamentos al culto divino necesarios, ni han satisfecho a los

sobre si son bien ganados los bienes adquiridos por los conquistadores, pobladores
y encomenderos de las Indias,” in Colección de documentos inéditos relativos al
descubrimiento, conquista y organización de las antiguas posesiones españolas de
América y Oceanía, vol. 7 (Madrid: Frias y Cia., 1867), 348-362. Archivo General de
Indias, Patronato 252, ramo 21.
21. Antonine Tibesar, “Instructions for the Confessors of Conquistadores Issued by the
Archbishop of Lima in 1560,” The Americas 3, no. 4 (Apr. 1947): 514-534.
22. Recopilación de las leyes de Indias (Madrid: Julián de Paredes, 1681), Libro VI, Título
IX, Ley I, f. 229 y Ley III. Richard Konetzke, Colección de documentos ara la Historia de
la Formación social de Hispanoamérica, 1493-1810, T.I. (Madrid, 1953), 322-325. María
de las Mercedes del Río, Etnicidad, territorialidad y colonialismo en los Andes: tradición
y cambio entre los Soras de los siglos XVI y XVII, Bolivia (Lima: Instituto Francés de
Estudios Andinos, 2005), 226-227.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1132 Aliocha Maldavsky

Ministros trabajo, según lo expressado en las leyes de este libro, decla-


ramos, que demás de haver estado, y estar, en culpa muy grave, son obli-
gados a restituir todo aquello, que justamente se deviera gastar en lo
susodicho.23

En la década de 1550, la restitución refuerza este conjunto legis-


lativo cuyo objetivo es limitar el poder de los encomenderos, regular la
percepción del tributo y el uso del trabajo nativo.24 El Rey no les pide a los
encomenderos que restituyan los bienes mal habidos por su participación
a guerras injustas y no toma en cuenta la cuestión de los justos títulos ni
de la conquista, que sin embargo eran centrales para Las Casas en 1552. Si
al derecho positivo le interesa la conciencia de los encomenderos, es para
reprocharles de no haber respetado su deber para con el Rey, asimilando
esta falta a un pecado. Esta afirmación era discutible para los teólogos
cuando debatían sobre la fiscalidad y la legalidad del impuesto real.25 Pero
esos detalles no son tan importantes para los religiosos, cuya prioridad es
influir en la conciencia de los españoles en América. Por lo tanto, la legis-
lación de los Habsburgo se concentra, en la década de 1550, en los excesos
de los encomenderos respecto del tributo y del deber de evangelización de
los indios.
Mientras que el texto de Las Casas no se concentra en la cuestión
del tributo, a pesar de insistir en la importancia de la justicia real, las
Instrucciones del arzobispo Loayza conectan el tributo con la falta
de doctrina cristiana, pues parte del tributo debe servir a financiar la
presencia de un cura que les enseñe el catecismo a los indios y administre
los sacramentos. La “doctrina suficiente” se define así:

Que ningun niño muera sin bautismo ni ningun adulto baptizado sin
confision y que todos sepan las cossa necesarias a la fe como el credo
pater noster ave maria y los diez mandamientos de la ley y los manda-
mientos de la iglesia y se le platique y de a entender lo susodicho en la
mejor manera que ser pudiere según su capacidad.26

23. Recopilación de las leyes de Indias, Libro VI, Titulo IX, Ley III, f. 229v.
24. Silvio Zavala, La encomienda indiana (Madrid: Junta para ampliación de estudios
e investigaciones científicas-Centro de estudios históricos, 1935), 114-138 y sobre
los Andes: 174-177. Silvio Zavala, El servicio personal de los indios en el Perú, 3 vol.
(México: El Colegio de México, 1978).
25. Lavenia, “L’Église, juge du fisc”, 37-67.
26. Tibesar, “Instructions”, 529-530.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1133

Los prelados reunidos en 1560 deciden que los encomenderos


deberán restituir el tributo pagado por los indios que no sirvió a pagar
a un instructor laico o a un cura. Esta restitución se debe calcular en
función del tiempo que los indios pasaron sin instrucción religiosa.27
Además, los confesores tienen que verificar que los encomenderos se preo-
cuparon personalmente de que curas y religiosos respetaran sus deberes
correctamente. Por fin, los encomenderos tienen que averiguar que los
indios pueden, sin prejuicio para sí mismos, pagar los tributos evaluados
en las tasas.28
Este grado de precisión andino sobre la instrucción religiosa y los
excesos en la percepción del tributo se explican por el contexto político
delicado en el que se encuentran los encomenderos después de la rebelión
de Gonzalo Pizarro y en pleno debate sobre la perpetuidad de las enco-
miendas, que sigue hasta finales del siglo XVI. Después de la victoria del
bando real en Jaquijahuana en abril 1548, con el licenciado La Gasca se
pone fin política y militarmente29 a la rebelión contra las Leyes nuevas.
Los religiosos dominicos participan en el ordenamiento administrativo al
que se procede entonces, a través de la visita general de las encomiendas.
Su fin es evaluar definitivamente el tributo que los indios le deben al Rey
y a los encomenderos, una vez que La Gasca procede a un nuevo reparti-
miento de encomiendas en Guaynarima, para recompensar a los encomen-
deros que combatieron contra Pizarro. El repartimiento y la visita son los
elementos claves de una negociación entre las autoridades y los encomen-
deros, en los que participaron los tres religiosos dominicos, Jerónimo de
Loaysa, Tomás de San Martin y Domingo de Santo Tomás. Estos religiosos
fueron visitadores y procedieron a la evaluación del tributo en Lima, con
los documentos de la visita efectuada entre agosto de 1549 y 1553, en su
última fase.30 Esta visita fue lo que inspiró a Domingo de Santo Tomás,

27. “Yten se determino que el que falto de tener doctrina todo el tiempo que no la tuvo
por ningun ministro ni por su persona lo que avia al padre sacerdote o sacerdotes
necesarios para el enseñamiento bastante de los yndios a de rrestituir a los yndios
según el tienpo que no tuvo la dicha doctrina”, Tibesar, “Instructions”, 530.
28. Tibesar, “Instructions”, 530-531.
29. Gregorio Salinero, La trahison de Cortés: désobéissance, procès politiques et gouvernement
des Indes de Castilles, seconde moitié du XVIe siècle (Paris : Presses universitaires de
France, 2014).
30. Un análisis sintético de esta participación en Teodoro Hampe Martínez, “Fray
Domingo de Santo Tomás y la encomienda de indios en el Perú (1540-1570),” in Los
dominicos en el Nuevo mundo, ed. José Barrado (Salamanca: San Esteban, 1990), 354-
379. Un analisis más fino de la visita y de la política del compromiso de La Gasca en

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1134 Aliocha Maldavsky

prior del convento dominico de Lima, su carta al rey del 1° de julio de


1550, en la que expone detalladamente el tratamiento inhumano infligido
por los españoles a los indios. Invita al Rey a restituir para reparar los
agravios cometidos y aliviar su conciencia: “Si vuestra alteza manda se
prouea limosna para ello, o, por mejor dezir, se les Restituya algo de lo que
les tomamos, será obra que, allende de permanescer, será de gran servicio
de nuestro señor y descargo de su Real consciencia”.31
El objetivo de la evaluación del tributo, que además plantea el
problema del consentimiento al pago de contribuciones por los indios,
era permitir que los encomenderos y el Rey pudieran cobrar los tributos
sin daño para su conciencia. Por eso el texto de Tomás de San Martin se
concentra también en el tributo y pide que se evalúen los pagos excesivos
efectuados sin una tasación por parte de la autoridad real, considerada
como la principal instancia reguladora.32 El dominico enumera gran
cantidad de abusos por los encomenderos, sin duda observados durante
su participación a las visitas de evaluación del tributo en las que participó.
Según Tomás de san Martin, el encomendero tiene que restituir si les pidió
a los indios artículos diferentes de los que enumera la evaluación, si pidió
alimentos, si hizo trabajar a los indios en sitios cuyo clima era muy dife-
rente al que éstos estaban acostumbrados, y sobre todo las minas, si no les
pagó su trabajo y su desplazamiento, si quemó casas de los indios, si les
tomó animales de carga sin pagar. Son los mismos abusos que Domingo
de Santo Tomás enumera también en sus cartas.
La evaluación del tributo en los Andes se repite varias veces, en
relación con la caída demográfica de la población y las dificultades de
la economía local para responder a la presión fiscal. Las “retasas” se
producen rápidamente, lo que causa la rebelión de Francisco Hernández
Girón, entre noviembre de 1553 y octubre de 1554, último ejemplo de la
oposición violenta de los encomenderos a las Leyes Nuevas y a la política
de la Corona.33 En la década de 1560, se producen nuevas evaluaciones,
durante el virreinato de Andrés Hurtado de Mendoza, marqués del Cañete

Carlos Sempat Assadourian, “La renta de la encomienda en la década de 1550 : piedad


cristiana y deconstrucción,” Revista de Indias, vol. XLVIII, no. 182-183 (1988),109-146.
31. Emilio Lisson Chaves, La Iglesia de España en el Perú I-4 (Sevilla: Editorial católica
española, 1944), 190-207.
32. San Martin, “Parecer”, 351-352.
33. Salinero, La trahison, 179-197. 

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1135

(1556-1560).34 Al tributo se agrega el problema del trabajo indígena,


servicio personal, que se termina prohibiendo.35
Las evaluaciones del tributo desde 1549 en adelante, la discusión sobre
la perpetuidad de las encomiendas a la que participan los dominicos, la
publicación de los Avisos de Las Casas y la reflexión sobre la restitución de
bienes por conquistadores y encomenderos en la década siguiente, coin-
ciden con una legislación que insiste en el respeto del compromiso reli-
gioso que conlleva la encomienda, como gracia real. Entonces, la cuestión
de los justos títulos se desdibuja dando mayor visibilidad a la de los abusos
relacionados con el tributo y el trato de los indios. La ofensiva contra los
encomenderos se refiere entonces a las leyes divinas y a las humanas, al
foro de la conciencia y al foro externo, al pecado y al delito. En los Andes,
los religiosos optan por el partido de los teólogos que opinan, acerca de
la legitimidad de los impuestos, que se puede recurrir a la ley divina para
castigar delitos fiscales. Evadir la porción del tributo que se debe utilizar
para pagarle a un cura se considera claramente como una evasión fiscal.
Por lo tanto, si los religiosos de los Andes se remiten a la definición de
Vitoria de la guerra justa, no adoptan su posición sobre la fiscalidad y su
contestación del “uso de la excomunión para obligar a los fieles a restituir
el dinero y los bienes evadidos al fisco”.36 Esta complementariedad de los
foros se verifica en las encuestas pedidas por La Gasca antes de volver a
España en 1550 acerca del respeto por los encomenderos de la evaluación
del tributo y se manifiesta concretamente en algunos juicios por falta de
doctrina y por cometer excesos en la percepción y malos tratos.37
En la década de 1550, la justicia real se apodera de la restitución y
ésta se trasforma en arma política. La cuestión de los justos títulos ya no
es fundamental y deja el paso a una política de la casuística, en la que los
juicios de los que se conserva el rastro le competen a una economía de la
gracia real, en la que la restitución se vuelve un “medio para imponer la
obediencia”.38 Si de la teología moral se pasa a la ley del Rey, la porosidad

34. Sempat Assadourian, “La renta de la encomienda”, 128.


35. Zavala, El servicio personal de los indios en el Perú.
36. Lavenia, “L’Église, juge du fisc”, 50.
37. Existen una docena de casos en la región de Charcas. Thomas Abercrombie, “Tributes
to Bad Conscience: Charity, Restitution, and Inheritance in Cacique and Encomendero
Testaments of 16th-Century Charcas,” in Dead Giveaways, Indigenous Testaments of
Colonial Mesoamerica end the Andes, ed. Susan Kellogg y Matthew Restall (Salt Lake
city: University of Utah Press, 1998), 249-289.
38. Lavenia, “L’Église, juge du fisc”, 49.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1136 Aliocha Maldavsky

entre los foros se verifica también en los discursos de los mismos conquis-
tadores a la hora de restituir.

4. Restitución, culpa y buena fe de los conquistadores

El negar la absolución por parte de los confesores tuvo un impacto


real en la sociedad peruana. Desde la década de 1550, cuando los poderes
de los encomenderos son cuestionados por la Corona, en particular por la
discusión sobre la perpetuidad de las encomiendas, y a raíz de los escritos
de Las Casas y las Leyes nuevas, aparecen en los testamentos de los enco-
menderos cláusulas de restitución de bienes a los indios.
Para verificar la aplicación de las instrucciones en el Perú, hemos
compilado unos 80 documentos, redactados entre 1536 y 1600, en dife-
rentes sitios del virreinato peruano. Se trata sobre todo de testamentos,
pero también de donaciones, de poderes para testar y de codicilos, que
contienen las voluntades de 76 encomenderos y encomenderas. El examen
de estos documentos revela que hasta 1549, solamente tres individuos
(de los 23 documentos encontrados para esas fechas, que se refieren a 22
personas) aluden a la conversión de los indios dejando dinero para misas
a favor de la evangelización (María Martel, 154739), o dinero para financiar
un cura de doctrina (Gómez de León y Rodrigo de Mazuelas, 154840). Las
cláusulas de restitución y de donación a los indios “para descargar la
conciencia” aparecen en los documentos a partir de la década de 1549,
y hasta 1569. Para esas fechas se destacan 28 documentos firmados por
26 personas, donde aparecen cláusulas de restitución o de donación a
los indios del Perú, conformes a la definición canónica y adaptadas al
contexto americano.
Las adaptaciones más significativas tienen que ver con la obligación
de restituir, la buena o la mala fe respecto de la detención del bien ajeno,
el carácter solidario, la definición del o de los destinatarios y las modali-
dades de la restitución. El derecho distingue entre el que posee en buena
fe el bien ajeno y el ladrón o el estafador, que se considera de mala fe. El
que posee un bien de buena fe no sabe que su posesión se debe a un acto
injusto. Salvo si se prescribe el delito, su buena fe se termina cuando se

39. Archivo general de la nación del Perú (AGNP), Protocolos, siglo XVI, Pedro de Salinas,
n°154 (2), f. 477-483.
40. Lohmann Villena, “La restitución por conquistadores,” Antonio de Egaña, Monumenta
Peruana 3 (Roma: Institutum Historicum Societatis Iesu 1954)147-162.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1137

entera del carácter injusto de su posesión, porque “res clamat domino”


(el bien pide su propietario).41 Por lo tanto, tiene que restituir el bien.
El que posee de mala fe es consciente del carácter ilegitimo de su pose-
sión.42 Este argumento de la buena fe había sido utilizado por los teólogos
de Salamanca para disculpar a los Reyes católicos, que habían creído de
buena fe poseer la soberanía sobre América, porque ignoraban que las
bulas pontificales no eran válidas. En los Andes, la buena fe interviene
explícitamente en la redacción de algunos testamentos de encomenderos
que restituyen.
Nicolás de Ribera el Viejo, primer alcalde de Lima, declara en una
donación del 13 de mayo de 1556, con la cual restituye bienes a los indios:
“Entendi con buena fee, creyendo ser permitidos por la dha. conquista, e
que justa y licitamente se podia hacer guerra a los naturales deste Reyno
por ser ynfieles, ansi para que dexassen la gentilidad en que vivian e se
les predicasse el sagrado Euangelio de N° Redemptor Iesuxpo. e fuessen
enseñados en nra, sancta fee catholica, como por hauer Su Magestad
dado facultad y licencia al dho. Marqués p.a hacer la dha. conquista e
predicaciôn del dho. Euangelio, segund a Su Magestad le fue cometido e
encomendado por nro. muy sancto Padre el Sumo Pontifice de la sactan
Yglesia de Roma”.43
El 20 de noviembre de 1565, Lucas Martiez Vegazo, encomendero
de Tarapacá, residente en Arequipa, pero de paso por Lima, desarrolla
el mismo argumento en un testamento con el cual restituye bienes a los
indios de su encomienda. En el preámbulo que resume las conquistas en
las que participó declara:

Juro y declaro que desde prinzipio que entré en esta tierra hasta que todo
se acabó de ganar, andube siempre con buena fe, paresciendome que la
guerra que se hazía a los naturales della er ajusta porque la hazía gober-
nador cristiano y enviado por rey cristiano, como si se hiziera contra
infieles turcos o moros; y no dudé en esto ni oy (sic) decir a hombre lego,
no sacerdote en púlpito o fuera del, ni tal cosa se trató entre nosotros que
yo supiese ni a mi noticia viniese, y si yo supiera que la guerra era injusta
y lo que en la tierra se avía era mal avido, y obligado a restituir lo buscara
remedio por otra vía y no viniese a Pirú, ni entrara en la conquista del;
y pues tuve buena fe y Dios sabe si en esto digo verdad, y ni teólogo ni

41. Dictionnaire de théologie catholique.


42. Dictionnaire de théologie catholique.
43. José de la Riva-Agüero, El primer alcalde de Lima, Nicolas de Ribera el viejo y su
posteridad (Lima: Librería e imprenta Gil, s. a.,1935), 28-29.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1138 Aliocha Maldavsky

hombre humano puede saber otra cosa de mi yntenzión porque no lo


ubo, suplico a su divina Magestad que tenga esta buena fe que digo que
tuve por tal que con ella e de morir y descargarme ante (él) el día del
juizio.44

El argumento de Nicolas de Ribera el Viejo y de Lucas Martinez Vegazo


revela no solamente que estos conquistadores entienden las sutilezas de la
teología moral que define la restitución, sino también una verdadera resis-
tencia a la presión de los religiosos, a pesar de que se someten. Sus argu-
mentos resaltan la convicción de que su lugar en la sociedad se justifica
por su papel de soldados. Concretamente muchos de estos encomenderos
son padres de familia y/o administradores, celosos por hacer fructificar
sus bienes y dejar ya sea un linaje, ya sea por lo menos un rastro de su
paso por la vida. Después de las guerras civiles y con el desarrollo de una
economía fundada en el trabajo y el tributo de los indios, los encomen-
deros experimentan un periodo de paz, de vida urbana sedentaria y de
logro económico esperanzador para el futuro. La perspectiva de fundar
un linaje, asentado en la posesión de una encomienda y la memoria de sus
hazañas militares, explica que los encomenderos luchen en las décadas de
1550 y 1560 por evitar la extinción de la institución. Esta lucha coincide
con un cambio de generación de los españoles de los Andes, con el naci-
miento y la madurez de los criollos nacidos en América, que heredan de sus
padres y esperan sacar provecho de su posición social. También coincide
con la necesidad, para esa primera generación de españoles anclados en
el Nuevo Mundo, de velar por la salvación de su alma, de sus bienes y de
su posteridad. Eso explica el recurso a los documentos notariales, donde
dejan por escrito, bajo la mirada de los clérigos y de los escribanos, sus
esperanzas escatológicas y sus propias interpretaciones de la restitución.
El argumento de la buena fe que usan los encomenderos tiene que
ver con la convicción de ser los defensores de la fe católica frente a los
indios asimilados a los moros o a los turcos. No se trata de lamentar, sino
más bien de reproducir una representación del mundo colonial basada en
categorías religiosas que los teólogos y los juristas no pueden modificar y
que remiten a la ideología de la Reconquista, cuya función es fundadora
del universo de los conquistadores. Sin embargo, las restituciones se

44. Efraín Trelles Aréstegui, Lucas Martínez Vegazo: funcionamiento de una encomienda
peruana inicial (Lima: Fondo editorial de la Pontificia universidad católica del Perú,
1991), 286-287.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1139

producen a pesar de las reticencias y de las afirmaciones de buena fe de


los españoles.

5. Restitución, caridad y obra pía: una relación de poder

La reflexión teológica sobre las circunstancias de la restitución define


también la regla de la restitución solidaria. Esto significa que cada cual
deber restituir en nombre de todos los que cometieron el robo, si éste
fue en reunión. “La obligación in solidum, que se deduce de la acción
solidaria, consiste en que cada uno de los cómplices está obligado a una
reparación total, por lo tanto el pago de uno libera a los otros; sin embargo
éste, para compensar, tiene derecho a recurrir contra los otros, teniendo
en cuenta la jerarquía de la solidaridad”.45 Esta solidaridad no consta en
las restituciones de los encomenderos de los Andes, cuyas modalidades
más bien afirman la piedad y la devoción personal.
Los canonistas prevén que, si se conoce al verdadero propietario, se
le debe restituir a él o a sus herederos. Si no se le conoce, la restitución
toma la forma de un acto de caridad hacia los pobres o de una obra pía.46
La restitución se puede diferir, e incluso obviar, en diversos casos, como
el de la miseria del poseedor,47 si se teme que el bien restituido sirva para
cometer un pecado o para dañar a otros, o si el poseedor es incapaz, moral
o físicamente, de proceder a la restitución. El derecho prevé que la auto-
ridad superior dispense al poseedor de restituir en caso de obra pía.48
Azpilcueta escribe:

También quando no se sabe (hechas las diuidas diligencias) quien es


señor de lo que se ha de restituyr, o esta tan lexos, o en tal lugar que no
se le puede embiar, o no sin gran peligro o escandalo, entonces deuese
restituyr a Iesu Christo, señor y heredero universal, como lo diximos
alibi, dándolo a sus pobres, o a otras obras pias.49

Todas esas precisiones intervienen directamente en los casos de


restitución por parte de los antiguos conquistadores y encomenderos en
América, porque la catástrofe demográfica que diezma a la población

45. Dictionnaire de théologie catholique, coll. 2488.


46. Dictionnaire de théologie catholique, coll. 2489-2494.
47. Azpilcueta, Manual de penitentes, 205-206.
48. Dictionnaire de théologie catholique, coll. 2495-2499.
49. Azpilcueta, Manual de penitentes, 194.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1140 Aliocha Maldavsky

indígena en el siglo XVI también hace desaparecer a las víctimas de


los robos. Además, los españoles que poseen bienes de forma ilegítima
pueden haber vuelto a Europa o ser incapaces de restituir por encontrarse
en serias dificultades financieras. Las cláusulas de restitución que vemos
en los documentos son muy diversas: se restituyen directamente dinero o
rentas, también algunos exentan a los indios del tributo, se pagan misas
por la conversión de los indios a título de restitución, se dona dinero a
hospitales de indios en pueblos y ciudades, se dan prendas de vestir a los
indios pobres de la encomienda, se financia el culto por un tiempo, se
financian campanas, se dona ganado e incluso existe un legado universal
a los indios. Algunos arruinan a su familia, como Francisco de Fuentes
en 1560,50 otros limitan sus donaciones o dejan la gestión del dinero en
manos de religiosos, con cláusulas que precisan sus últimas voluntades.
El 13 de mayo de 1556, en el marco de la fundación del hospital
de indios de Ica, donde está su encomienda, Nicolás de Ribera el Viejo
declara que desea lavar sus pecados hacia los indios

a causa de no haber enteramente guardado la orden que para justifi-


cación de la dicha conquista era necesaria, y por haber cometido algunos
excesos, así en el maltratar a dichos indios como en haberles tomado
algunas cosas indebidamente, o haber cobrado o recebido de ellos
algunos tributos demasiados y fuera de los que honesta y buenamente,
sin mucho trabajo ni fatiga de sus personas, me podían y debían tributar,
o por haber yo dexado de cumplir con ellos lo que en recompensa de
dichos tributos y servicios soy obligado, o por no les haber dado tan
bastante y cumplida doctrina como debía, o por otras causa y cosas
hechas sobre la conquista, podía y puedo haber incurrido en algunos
cargos de conciencia, y sería posible que esté obligado a restituir el daño,
y tengo voluntad de salir del cargo y satisfasser a todos y qualquier indios
a quien esté obligado, para satisfazion y enmienda de lo susodicho, y por
via de restitucíon, como más convenga a la seguridad y saneamiento de
mi anima.51

La conquista, la falta de doctrina cristiana y la percepción indebida


de tributos son los principales motivos de restitución, que aparecen en las
recomendaciones de los religiosos, ya difundidas en 1550, cuando aún el
tratado de Las Casas no había sido publicado. El 4 de enero de 1563, tres
años después de las Instrucciones de Loayza, Nicolás de Ribera el Viejo

50. Lohmann Villena, “La restitución por conquistadores”, 29-30.


51. Riva-Agüero, El primer alcalde de Lima, 29.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1141

vuelve a examinar su restitución, con un último codicilo que revoca a sus


anteriores albaceas, para nombrar, entre otros, a su esposa, doña Elvira
Dávalos, considerada como una benefactora de los religiosos de Santo
Domingo de Lima, y a Fray Domingo de Santo Tomás, apenas elevado
a la dignidad de obispo de Charcas por Jerónimo de Loayza, en 26 de
diciembre de 1562.52 Ribera explica que les deba a los indios una cifra
global de 14000 pesos, de los cuales

6000 pesos confieso que los devo bien debidos a los yndios deste rreino
en general de cosas que les he llevado y me e aprovechado dellos. Item
declaro que demás de lo que hasta oy e pagado y dado y soltado a los
yndios de Hica de mi encomienda e hecho y averiguado quenta de mi
conciencia y consultado con theologos y letrados de letras y conciencia
que dello tienen expiriencia y confieso que les devo y soi a cargo 8000
pesos de oro y plata ensayada y marcada, mando que se les paguen de
mis bienes.53

Las modalidades de la restitución respetan las recomendaciones de


los religiosos, pues a los “indios deste rreino”, que no se pueden identi-
ficar precisamente, Nicolás de Ribera deja unos censos sobre las casas
que posee, cuyo valor tendrá que ser dividido entre tres hospitales, un
tercio para el hospital de los indios de Lima, un tercio para el del Cuzco y
el último tercio para el de Ica, que él mismo contribuyó a fundar, bajo el
patrocinio de san Nicolás, su propio santo patrón. El valor de dichas casas
es de 7000 pesos y los indios de Ica tienen derecho a un censo situado
en 1000 pesos más. Ribera calcula que le debe restituir 7000 pesos más
a los indios de Ica y pide que cuatro años después de su muerte, se les
pague, durante cuatro años, 1000 pesos cada año, que sirvan a comprar
posesiones o censos. Los 3000 pesos que le quedan por pagar a los indios
de Ica, pide que se les den en ganado u otra cosa, tres años después de su
muerte, para distribuirlos entre los indios de la comunidad. Los censos
adquiridos tendrán que ser administrados por el patrón del hospital indios
de Ica, cuya identidad no aparece en el texto.54

52. Riva-Agüero, El primer alcalde de Lima, 33. Teodoro Hampe Martinez, Fray Domingo
de Santo Tomás y la encomienda en el Perú (1540-1570) », Los dominicos en el Nuevo
mundo (Salamanca: San Esteban, 1990), 355-379, 375.
53. Ruben Vargas Ugarte, “Archivo de la beneficencia del Cuzco,” Revista del Archivo
Histórico del Cuzco, no. 4 (1953), 105-106.
54. Vargas Ugarte, “Archivo de la beneficencia del Cuzco”, 106-107.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1142 Aliocha Maldavsky

El texto toma en cuenta la justicia real. Nicolás de Ribera el Viejo


agrega que ruega y pide

por merced a las justicias de Su Magestad que por todo rigor de derecho
o via executiva me compelan a mi y a los dichos mis herederos y albaceas
a cumplir e pagar lo susodicho, según y de la forma que está dicho e
declarado, bien ansy como si lo que dicho es y fuere sentencia definitiva
de juez competente, por mí consentida e pasada en cossa juzgada, en
razón de lo qual rrenuncio qualesquiera leyes, fueros y derechos y horde-
namientos que en mi fabbor e de los dichos mis herederos sean o ser
puedan.55

No es de dudar que Fray Domingo de Santo Tomás participó acti-


vamente en la redacción de este codicilo. El obispo de Charcas, cuyo
espíritu lascasiano es conocido,56 respeta el procedimiento previsto en
las Instrucciones de Loayza de 1560: la necesidad de evaluar los bienes
robados, la distinción entre los indios que no se pueden identificar y a
los que Ribera debe en general, porque se perdió su huella o porque el
conquistador no sabe quiénes son, y los indios identificados, que son los
de su encomienda de Ica, a quien restituye directamente parte de sus
bienes. A los primeros, les restituye a través de una fundación piadosa, un
hospital, cuya gestión se encomienda en general a religiosos. A los indios
de Ica les restituye según modalidades precisas, para evitar pérdidas de
dinero. El plazo que define para la restitución, en bienes como ganado
y no en dinero, y la compra de censos, en vez de una restitución directa,
cobran también sentido cuando se analizan en términos de relación de
poder.
El ejemplo de una restitución en ganado nos lo brinda el caso de
Alonso de Cáceres, encomendero de Pocsi, cerca de Arequipa, que restituye
a los indios de su encomienda en 1562, a título póstumo, 200 ovejas de
Castilla, para aliviar su conciencia, sin mencionar las conquistas en las
que participó. Las cláusulas de la restitución son bastante estrictas. Las

55. “ […] rruego e pido por merced a las justicias de Su Magestad que por todo rrigor de
derecho o via executiva me compelan a mi y a los dichos mis herederos y albaceas a
cumplir e pagar lo susodicho, según y de la forma que está dicho e declarado, bien
ansy como si lo que dicho es y fuere sentencia definitiva de juez competente, por mí
consentida e pasada en cossa juzgada, en razón de lo qual rrenuncio qualesquiera
leyes, fueros y derechos y hordenamientos que en mi fabbor e de los dichos mis
herederos sean o ser puedan”, Vargas Ugarte, “Archivo de la beneficencia del Cuzco”,
108.
56. Hampe Martinez, “Fray Domingo de Santo Tomás”, 355.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1143

ovejas no se pueden vender antes de que cuenten con 2000 hembras y su


administración se atribuye al heredero del encomendero y al prior del
convento de franciscanos de Arequipa, quienes son nombrados patrones
de la obra pía, cuyo objetivo es financiar la caridad para los indios,
ayudarlos a pagar el tributo y permitirle al franciscano que los evangeliza
que complete sus ingresos.57 Como los hospitales fundados por Ribera, la
mediación de los religiosos es también la regla en esta restitución condi-
cional. Las fundaciones piadosas son típicas del comportamiento nobi-
liario, del deber de estado, que aquí se adapta al contexto andino. En este
contexto, lo que notamos es que la guerra cede el paso como principio
legitimador del estatus social, mientras que los antiguos conquistadores
buscan una forma pacificada de legitimidad. Si bien la alusión al combate
por la fe está presente en el caso de Nicolás de Ribera, ya no aparece con
la restitución de Alonso de Cáceres, quien no se refiere a su papel como
conquistador, ósea a una legitimidad fundada en su actuación militar
contra supuestos infieles, que sabemos que tuvo en Santa Marta. Más bien
hace hincapié en su papel de señor cristiano fiel servidor del Rey, quien
vela por el bienestar material y la salvación espiritual de sus vasallos, así
como financia las actividades de los religiosos en los Andes.58
La operación que consiste en restituirle bienes a los indios se trans-
forma en acción piadosa, a través de la cual los encomenderos consiguen
varios objetivos complementarios que van más allá de la cuestión moral.
En primer lugar, al saldar su deuda se forjan un lugar legitimo en la
sociedad colonial, a través de la categoría de devoto católico. Al mismo
tiempo, la restitución elabora de manera duradera, la categoría del indio
pobre y miserable, ya sea material como espiritualmente. La categoría del
indio miserable fue también teorizada por Las Casas, remite a la debilidad
jurídica de la población indígena y justifica la creación de la función de
protector, que asumieron los religiosos en un primer periodo.59 Además,

57. Testamento de Alonso de Cáceres, Biblioteca Nacional del Perú, Manuscritos Z1264.
58. Lo mismo vemos con las restituciones de Gómez de Solis y Lorenzo de Aldana,
estudiadas por Del Rio, María de las Mercedes del Rio,  “Riquezas y poder: las
restituciones a los indios del repartimiento de Paria”, in Saberes y Memorias en los
Andes. In memoriam Thierry Saignes, ed. Thérèse Bouysse-Cassagne (Paris: IHEAL-
IFEA, 1997), 261-278.
59. Caroline Cunill, “El indio miserable: nacimiento de la teoría legal en la América
colonial del siglo XVI,” Cuadernos intercambio, 8, n°9 (2011), 229-248. Caroline Cunill,
Los defensores de indios en el Yucatán y el acceso de los mayas a la justicia colonial,
1540-1600 (Mérida: Universidad Nacional Autónoma de México, 2012). Carlos Sempat
Assadourian, “Fray Bartolomé de las Casas obispo: la condición miserable de las

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1144 Aliocha Maldavsky

a través de la restitución, Las Casas y los dominicos construyen la cate-


goría del indio desposeído, a quién se le restablece en sus derechos con la
justicia conmutativa que representa el acto de restituir.
Pero al mismo tiempo, al vestir la restitución con el hábito de la
caridad, ésta se transforma en el don de un bien material, cuyo valor se
puede evaluar y que sirve también para evangelizar a los indios. Con ese
bien, el que restituye deposita un “tesoro en el cielo”, según los términos de
Peter Brown.60 El testador/donador ejerce la caridad material y espiritual
con sus obras pías y participa en la evangelización, que es su deber. Esta
operación transforma entonces a los indios en sus deudores espirituales,
con una deuda casi imposible de pagar, pues se trata de un bien, la salvación,
cuyo precio no se puede evaluar. Las ovejas, un bien inmanente, se trans-
forman a través de la obra pía en un bien transcendente, la salvación.61
La forma de la restitución tiene además una serie de consecuencias que
refuerzan la relación de dominación entre encomenderos y comunidades
indígenas. Restituir ovejas de Castilla, jamás robadas, pues no existían en
los Andes, fue sin duda una de las maneras de imponer este ganado frente
a las llamas tradicionales andinas y de ejercer un imperialismo ecológico
que se manifiesta de muchas otras maneras.62 Ayudar a pagar el tributo
apunta a mantener a la población indígena en las comunidades y evitar la
migración. Se trata aquí muchas veces también de imponer la instalación
de obrajes para el trabajo textil, una de las formas típicas de explotación
de la mano de obra indígena en los Andes.63 Restituir con censos, bienes

naciones indianas y el derecho de la Iglesia (un escrito de 1545),” Allpanchis, XII,


no. 35/36 (1990), 29-104; Carmen Ruigómez Gómez, Una política indigenista de los
Habsburgo: el protector de indios en el Perú (Madrid: Cultura Hispánica, 1988).
60. Peter Brown, Treasure in heaven: the holy poor in early Christianity (Charlottesville:
University of Virginia Press, 2016).
61. Sobre el ejemplo de Pocsi, un análisis más preciso en Aliocha Maldavsky, “Encomenderos,
indios y religiosos en la región de Arequipa (siglo XVI): restitución y formación de un
territorio cristiano y señoril,” in Invertir en lo sagrado: salvación y dominación territorial
en América y Europa (siglos XVI-XX), ed. Roberto Di Stefano y Aliocha Maldavsky
(Santa Rosa: EdUNLPam, 2018): http://www.unlpam.edu.ar/cultura-y-extension/
edunlpam/catalogo/actas-de-eventos-academicos/invertir-en-lo-sagrado
62. Alfred W. Crosby, Ecological imperialism: the biological expansion of Europe, 900-1900
(Cambridge: Cambridge University Press, 2004). Alfred W. Crosby, The Columbian
exchange: biological and cultural consequences of 1492 (Westport (Conn.)-Londres:
Praeger, 2003). Elinor G. K. Melville, A plague of sheep: environmental consequences of
the conquest of Mexico (Cambridge: Cambridge University Press, 1994).
63. Fernando Silva Santisteban, Los obrajes en el virreinato del Perú (Lima: Museo Nacional
de Historia, 1964).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1145

y dinero pagados en un amplio lapso de tiempo, varios años después de


la muerte del testador, son también mecanismos que permiten reforzar
los lazos de dominación y buscan ampliar la duración de la dependencia
entre el encomendero y las comunidades indígenas. A lo mismo apunta el
nombramiento de patrones laicos o religiosos.
Los documentos sobre la práctica de la restitución nos muestran
que los españoles adaptaron sus representaciones fundadas en el ideal
de la Reconquista a la nueva configuración de la sociedad colonial,
cuya jerarquía se define también con criterios religiosos, pero donde la
caridad tiende a remplazar a la guerra. La restitución permite construir
una dualidad entre el encomendero señor de indios y los indios, eternos
neófitos.64 En los textos de restitución, las autoridades tradicionales,
curacas y caciques, aparecen muy poco. Su estatus es ambiguo, pues son
indios y al mismo tiempo se les reconoce un lugar elevado en la jerarquía,
por lo tanto, adoptan comportamientos socio-religiosos aristocráticos
conformes a los que buscan los encomenderos.

Conclusión

La obligación de restituir los bienes a los indios, enunciada por los


religiosos con Bartolomé de Las Casas, se refiere en primer lugar al sacra-
mento de penitencia, desde el punto de vista de la teología moral. En el
ámbito político, la restitución cuestiona el derecho de conquista y la sobe-
ranía española en América, pero también acata los hechos y busca un
compromiso colonial ya que no se puede volver atrás. Este compromiso
depende de la reparación de los daños cometidos contra los indios y de
su conversión al catolicismo en una sociedad cristiana. Luego del fracaso
de las Leyes Nuevas, que no lograron poner fin a la institución de la enco-
mienda, los religiosos utilizan la teología moral para intervenir en cada
conciencia individual y la restitución, impuesta a los antiguos conquista-
dores, funciona como un “encaje penitencial”, que a punta restablecer la
justicia gracias al foro de la conciencia. Con la restitución los religiosos
contribuyen a reforzar la categoría del indio jurídicamente miserable,
víctima del robo y de la guerra injusta, del que se reivindican como defen-
sores. En la práctica, no se trata de eliminar a los encomenderos de la

64. Juan Carlos Estenssoro Fuchs, Del paganismo a la santidad: la incorporación de los
Indios del Perú al catolicismo, 1532-1750 (Lima: IFEA, 2003).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1146 Aliocha Maldavsky

sociedad, sino de definir su lugar en un contexto ya pacificado, de otor-


garles un estatus del que se pueden apoderar de forma activa.
Es lo que sucede con las restituciones concretas que se pueden
estudiar con los documentos notariales. Las obras pías, donaciones y
legados para hospitales de indios o los dones de ovejas para la caridad y
el tributo, no solamente le atribuyen un lugar a cada uno en la sociedad
colonial, sino además refuerzan la jerarquía en la que los encomenderos
aspiran a ocupar el primer lugar. El argumento de la buena fe les permite
transformar la restitución de bienes a los indios en un don caritativo,
típico de los deberes del estado de noble, y de aparecer además como
devotos cristianos fieles a su Rey, sin olvidar su papel de guerreros. En
esta operación, los indios pasan de un estatuto de infieles al de neófitos,
miserables ya sea desde el punto de vista de la justicia como de la fe. Entre
los dos, los religiosos tienen un papel de mediadores que los documentos
notariales permiten fundamentar.

Referencias

Adorno, Rolena. Polemics of Possession in Spanish American Narrative. New Haven: Yale University
Press, 2007.
Brown, Peter. Treasure in heaven: the holy poor in early Christianity. Charlottesville: University of
Virginia Press, 2016.
Las Casas, Bartolomé de. Aqui se contienen unos avisos y reglas para los que oyeren confessiones de
los Españoles que son o han sido en cargo a los indios de las Indias del mas Océano. Sevilla:
Sebastián Trujillo, 1552 [Obras escogidas, t. V, Opusculos, cartas y memoriales (Madrid:
Biblioteca de Autores Españoles, 1958), 235-249].
Abercrombie, Thomas. “Tributes to Bad Conscience: Charity, Restitution, and Inheritance in
Cacique and Encomendero Testaments of 16th-Century Charcas.” In Dead Giveaways,
Indigenous Testaments of Colonial Mesoamerica end the Andes, edited by Susan Kellogg and
Matthew Restall, 249-289. Salt Lake city: University of Utah Press, 1998.
Azpilcueta Navarro, Martin de. Manual de penitentes. Estella: Adrián de Anvers, 1566.
Benito, José Antonio. La Bula de Cruzada en Indias. Madrid: Fundación Universitaria Española,
2000.
Boer, Wietse de. La conquista dell’anima. Turin: Einaudi, 2004.
Cantú, Francesca, “Evoluzione et significato della dottrina della restituzione in Bartolomé de Las
Casas. Con il contributo di un documento inedito.” Critica Storica, XII-Nuova serie, n°2-3-4
(1975), 231-319.
Crosby, Alfred W. Ecological imperialism: the biological expansion of Europe, 900-1900. Cambridge:
Cambridge University Press, 2004.
Crosby, Alfred W. The Columbian exchange: biological and cultural consequences of 1492. Westport
(Conn.)-Londres: Praeger, 2003.
Cunill, Caroline. “El indio miserable: nacimiento de la teoría legal en la América colonial del siglo
XVI.” Cuadernos intercambio 8, no.9 (2011), 229-248.
Cunill, Caroline. Los defensores de indios en el Yucatán y el acceso de los mayas a la justicia colonial,

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Teología moral, restitución y sociedad colonial en los Andes en el siglo XVI 1147

1540-1600. Mérida: Universidad Nacional Autónoma de México, 2012.


Del Rio, Maria de las Mercedes. “Riquezas y poder: las restituciones a los indios del repartimiento
de Paria.”  In Saberes y Memorias en los Andes. In memoriam Thierry Saignes, edited by
Thérèse Bouysse-Cassagne, 261-278. Paris : IHEAL-IFEA, 1997.
Dictionnaire de théologie catholique. Paris : Letouzey et Ané, 1937.
Egaña, Antonio de. Monumenta Peruana 3. Rome: Institutum Historicum Societatis Iesu 1954.
Estenssoro Fuchs, Juan Carlos. Del paganismo a la santidad: la incorporación de los Indios del Perú
al catolicismo, 1532-1750. Lima: IFEA, 2003.
Hampe Martinez, Teodoro, “Fray Domingo de Santo Tomás y la encomienda en el Perú (1540-
1570).” Los dominicos en el Nuevo mundo, edited by José Barrado, 355-379. Salamanca:
San Esteban, 1990.
Hanke, Lewis. La Lucha por la justicia en la conquista de América. Buenos Aires: Ed. Sudamericana,
1949.
Konetzke, Richard. Colección de documentos para la Historia de la Formación social de
Hispanoamérica, 1493-1810. T.I. Madrid: CSIC, 1953.
Las Casas, Bartolomé de. Del único modo de atraer a todos los pueblos a la verdadera religión.
Edited by Lewis Hanke, México: Fondo de cultura económica, 1975 [1942].
Lavenia, Vincenzo. “L’Église, juge du fisc  : théologie et impôt aux XVIe et XVIIe siècles.” In
Philosophie de l’impôt, edited by Thomas Berns, Jean-Claude K. Dupont, Mikhaïl Xifaras,
37-67. Bruxelles : Bruylant, 2006.
Lavenia, Vincenzo, L’infamia e il perdono: tributi, pene e confessione nella teologia morale della
prima età moderna. Bologne: Il Mulino, 2004.
Lisson Chaves, Emilio. La Iglesia de España en el Perú. Savilla: Editorial católica española, 1944.
Lohmann Villena, Guillermo. “El encomendero indiano, cooperador de la evangelización.”
In Homenaje al profesor Alfonso García Gallo, vol. 5, 113-136. Madrid: Universidad
Complutense, 1996.
Lohmann Villena, Guillermo. “La restitución por conquistadores y encomenderos: un aspecto
de la incidencia lascasiana en el Perú.” Anuario de Estudios americanos 23 (1966), 21-89.
Maldavsky, Aliocha. “Encomenderos, indios y religiosos en la región de Arequipa (siglo XVI):
restitución y formación de un territorio cristiano y señoril”, in Invertir en lo sagrado:
salvación y dominación territorial en América y Europa (siglos XVI-XX), edited by Roberto
Di Stefano and Aliocha Maldavsky. Santa Rosa: EdUNLPam, 2018. http://www.unlpam.
edu.ar/cultura-y-extension/edunlpam/catalogo/actas-de-eventos-academicos/invertir-en-lo-
sagrado.
Melville, Elinor G. K. A plague of sheep: environmental consequences of the conquest of Mexico.
Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
Pagden, Anthony. “The school of Salamanca and the ‘Ius Naturae’.” In The uncertainties of empire:
essays in Iberian and Ibero-American intellectual history. Aldershot: Variorum, III.
Pagden, Anthony. “Dispossessing the barbarian: the language of Spanish Thomism and the debate
over the property rights of the American Indians.” In The languages of political theory in
early modern Europe, edited by Anthony Pagden, Anthony, 79-98. Cambridge: Cambridge
University Press, 1987.
Prodi, Paolo. Una historia de la justicia. De la pluralidad de fueros al dualismo moderno entre
conciencia y derecho. Buenos Aires-Madrid: Katz, 2008.
Recopilación de las leyes de Indias. Madrid: Julián de Paredes, 1681.
Río, María de las Mercedes del. Etnicidad, territorialidad y colonialismo en los Andes: tradición y
cambio entre los Soras de los siglos XVI y XVII, Bolivia. Lima: Instituto Francés de Estudios
Andinos, 2005.
Riva-Agüero, José de la. El primer alcalde de Lima, Nicolas de Ribera el viejo y su posteridad. Lima:
Librería e imprenta Gil, 1935.
Ruigómez Gómez, Carmen. Una política indigenista de los Habsburgo: el protector de indios en el

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1148 Aliocha Maldavsky

Perú. Madrid : Cultura Hispánica, 1988.


Salinero, Gregorio. La trahison de Cortés : désobéissance, procès politiques et gouvernement des
Indes de Castilles, seconde moitié du XVIe siècle. Paris: Presses universitaires de France,
2014.
San Martin, Tomás de. “Parecer de D. Fr. Tomas de San Martin, obispo de Charcas, sobre si son
bien ganados los bienes adquiridos por los conquistadores, pobladores y encomenderos
de las Indias.” Colección de documentos inéditos relativos al descubrimiento, conquista y
organización de las antiguas posesiones españolas de América y Oceanía, vol. 7, 348-362.
Madrid: Frias y Cia., 1867.
Sempat Assadourian, Carlos. “La renta de la encomienda en la década de 1550: piedad cristiana y
deconstrucción.”  Revista de Indias vol. XLVIII, no. 182-183 (1988), 109-146.
Sempat Assadourian, Carlos. “Fray Bartolomé de las Casas obispo: la condición miserable de las
naciones indianas y el derecho de la Iglesia (un escrito de 1545).” Allpanchis, XII, no. 35/36
(1990), 29-104.
Silva Santisteban, Fernando. Los obrajes en el virreinato del Perú. Lima: Museo Nacional de
Historia, 1964.
Tibesar, Antonine. “Instructions for the Confessors of Conquistadores Issued by the Archbishop of
Lima in 1560.” The Americas 3, no. 4 (Apr. 1947) 519-534.
Trelles Aréstegui, Efraín. Lucas Martínez Vegazo: funcionamiento de una encomienda peruana
inicial. Lima: Fondo editorial de la Pontificia universidad católica del Perú, 1991.
Vargas Ugarte, Rubén. “Archivo de la beneficencia del Cuzco.” Revista del Archivo Histórico del
Cuzco, Cuzco °4 (1953)105-106.
Zavala, Silvio. El servicio personal de los indios en el Perú, 3 vol. México: El Colegio de México,
1978.
Zavala, Silvio. La encomienda indiana. Madrid: Junta para ampliación de estudios e investigaciones
científicas-Centro de estudios históricos, 1935.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1149-1164.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1149

El imperativo moral de la restitución en Tomás de Mercado


ALFREDO CULLETON *

Abstract
The issue of Restitution as a duty of justice and as imperative of reason is recurrent and
very differently treated by most of the Ibero-American Scholastic authors. In this article we
address the peculiar perspective that the Dominican Tomás de Mercado gives to the subject
in his Suma de Tratos y Contratos published in 1571. In this work, one of the first in the
gender, Mercado emphasizing the obligatory aspect of Restitution as a moral virtue, and
places doubt in favor of an eventual injured. He’ll defend the Restitution as an imperative of
justice that binds in consciousness and which cannot be dispensed by any power since it is
a mandate of the natural law.
Keywords: colonial scholasticism, natural law, restitution, Tomás de Mercado.

1. Introducción

E
l carácter desmedido, desproporcionado y desregulado de la política
punitiva que muchas veces vemos en el sistema penal y carce-
lario en nuestros países llama a reivindicar límites en el ámbito
de las sociedades democráticas. Para esto se hace necesario revisar los
contenidos de los conceptos fundamentales que dan sustento a este tema
central de la filosofía política. La pena, la culpa, la reparación, la satis-
facción y la restitución han sido conceptualizadas recurrentemente por
los teólogos medievales y fueron tratados de manera muy viva y cuidadosa
por la Escolástica Ibero-americana.1

* Unisinos; CNPq, Brazil.


 culleton@unisinos.br | alfredoculleton@hotmail.com
1. Roberto Hofmeister Pich, “Antecedentes à investigação filosófico-historiográfica da
Escolástica colonial”. Cauriensia VI (2011): 37-64.

1149-1164

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1150 Alfredo Culleton

Si bien es verdad que Agustín trata esto profundamente desde el punto


de vista político, en la Ciudad de Dios,2 el tema se elabora de manera más
amplia cuando se lo revisa desde el punto de vista teológico, lo cual exige
una teoría del mal o del pecado.3 Pero quien, efectivamente, introduce una
lectura racionalista más radical es Anselmo de Canterbury en su Cur Deu
homo (1094)4, donde desarrolla una refinada teoría de la Reparación que
influenciará a las futuras generaciones de teólogos.5
El argumento central de Anselmo es que el pecado consiste en sacarle
a Dios lo que le es debido: su honra. La idea que defiende es que, en cuanto
no se devuelve lo que se debe, se permanece en culpa, en este caso, se debe
la honra. Comentará él que “es la justicia o la rectitud de la voluntad que
constituye a los justos y rectos; es esta la única y toda la honra que debemos
a Dios y que nos es exigida por Él”,6 equiparando la justicia a la buena
voluntad no en el sentido abstracto, sino como una forma concreta de
orientación a un fin conocido y deseado. La satisfacción es necesaria para
remediar la perturbación del recto orden causado por la malicia humana,
que afecta al propio universo, cuyo ordenamiento está en las manos de
Dios, sufriendo cierta deformidad causada por la violación de la belleza
del orden y daría la impresión que Dios hubiese fallado en sus designios.
“Ambas cosas son inconvenientes e imposibles; por consiguiente, es nece-
sario que a todo pecado le siga su satisfacción o pena”.7 Considera por cierto
que “sin satisfacción, esto es, sin espontáneo pago de la deuda, ni Dios puede
dejar el pecado impune ni el pecador llegar a la bienaventuranza, ni siquiera
a aquella que tenía antes de pecar”.8
El tratamiento de la restitución en la tradición medieval no se limita
al aspecto teológico-sacramental sino más especialmente al de la teología
moral donde se aborda la política y el derecho. Si tomamos el ejemplo
de Tomás de Aquino cuando trata sobre la Penitencia en la Tercera parte

2. Santo Agostinho, De Civitate Dei, I, 21; PL 41. Citamos pela tradução de A Cidade de
Deus, (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991), 35.
3. Santo Agostinho, O Livre Arbítrio in: Patrística  (São Paulo, Ed. Paulus, 1995).
4. San Anselmo. Cur Deus homo. Obras completas. Trad. Julian Alameda, OSB. (Madrid,
BAC, 1952), Vol I. Livro I, 15-20.
5. Alfredo Culleton, “Punishment and Human Dignity in the Cur Deus Homo by Anselm
of Canterbury (1033-1109)”. In: Roberto Hofmeister Pich. (Org.). Anselm of Canterbury
(1033-1109): Philosophical Theology and Ethics (Porto: FIDEM, 2011), 143-153.
6. San Anselmo, Cur Deus homo. Livro I, 15, 784.
7. San Anselmo, Cur Deus homo. Libro I, 15, 785.
8. San Anselmo, Cur Deus homo. Libro I, 19, 805.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
El imperativo moral de la restitución en Tomás de Mercado 1151

de la Suma de Teología,9 dedicada a los Sacramentos, encontraremos que


distingue dos modos de encarar el tema: la Penitencia como Sacramento
(Cuestión 84) y como Virtud (Cuestión 85), y en el resto de las Cuestiones
(86 a 90) de esta Tercer Parte y en el Suplemento a la Tercera (Cuestiones
1 a 28) lo hará siempre considerando ambos aspectos. Tomás también
otorgará un lugar destacado al tema de la restitución en la Segunda Parte
de la Segunda Parte, cuando trata de la virtud de la Justicia (Cuestiones 57
a 80), específicamente en la Cuestión 62, dedicando un minucioso estudio
de 8 artículos.
Esta idea aparece ya presente en Aristóteles en muchos pasajes de
su obra, especialmente en el Libro V de la Ética a Nicómaco.10 En el
capítulo 4 se refiere a la justicia correctiva, en el sentido de restitutiva.
Esta noción luego fue ampliamente desarrollada por la tradición teológi-
co-jurídica medieval y retomada en la Escolástica Ibero-Americana de los
siglos XVI-XVII. Dentro del universo de autores posteriores a Francisco
de Victoria, donde prácticamente todos dedicaron, en mayor o menor
medida, importante atención a este tema,11 queremos dedicarnos en este
artículo a un autor menos tratado contemporáneamente y que quizá
podríamos adjetivar como periférico, pero que ha sido extremadamente
preciso y erudito en su trabajo al tratar de la restitución. En la América
Hispana quien hace eso de una manera sistemática y ocupando una parte
significativa de su obra más importante, la Suma de Tratos y Contratos
(1571), fue el dominico Tomás de Mercado (1525-1575).12

9. Tomás de Aquino, Suma Teologica. (São Paulo, Loyola, 2015), vol. 7.


10. Aristotle, The Nicomachean Ethics. Traducción de David Ross (Oxford, Oxford World’s
Classics, 2009).
11. Uno de los más conocidos en este tratamiento es Domingo de Soto en su De iustitia et
iure (1556), libro IV, cuestiones 6 y 7. Madrid, IEP (5 vol), 1968, II, 327-381. También
es muy conocida la manera como es trabajado en el De iustitia et iure (1607) de Luis de
Molina donde desarrolla este concepto relativo a la Esclavitud negra. Luis de Molina,
Los seis libros de la justicia y el derecho. Traducción y notas Manuel Fraga Iribarne.
Madrid, Editora de la Facultad de Filosofia y Letras, 1946, entre tantos otros.
12. Aunque que Tomás de Mercado haya escrito una primera versión titulada Tratos y
Contratos de Mercaderes, publicada en Sevilla en 1569, este texto recibe algunas
críticas y le es sugerido al autor hacer algunas adaptaciones, entre ellas la de incluir
un primer capítulo sobre la ley natural y la virtud de la justicia. Apenas se hacen
los sugeridos ajustes es publicada con el nombre de Suma de tratos y contratos, en,
1571. Es esta la edición que recibe innumerables reediciones hasta nuestros días y
todos los comentadores lo hacen respecto a esta edición. Existen diversas ediciones
de la Suma de tratos y contratos ya en el siglo XVI, inclusive una en italiano de 1591.
Contamos actualmente con dos ediciones contemporáneas, una incompleta (la
primera mencionada):

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1152 Alfredo Culleton

2. La Suma de Tratos y Contratos

El desarrollo expositivo de Mercado a lo largo de los seis libros que


componen el texto de la Suma en su segunda edición sigue una línea que
comienza con la exposición de los principios filosóficos que dan sustento a
las reglas relativas a los diferentes contratos y los fundamentos de la justicia
donde se asientan los mismos (Libro I), continuando con la descripción y
análisis de las diversas prácticas comerciales y financieras presentes entre
comerciantes y mercaderes del siglo XVI y mostrando el mecanismo de su
operación para poder evidenciar su carácter justo e injusto (Libros II al V)
y, para terminar, dedica un estudio minucioso de las diversas formas de
restitución, a través de las cuales se puede corregir el estado de injusticia
suscitado por algunas prácticas (Libro VI). Mercado conoce y defiende
la legitimidad y beneficio de la actividad comercial y financiera, pero el
propósito que tiene en esta Suma es instruir a los mercaderes para que
aprendan a reconocer, detrás del complejo funcionamiento de las múltiples
operaciones comerciales y financieras, los diversos riesgos y que puedan
evitar caer en ellos y, si es el caso, repararlos.
De los seis libros en los que se compone el volumen de la Suma, el
sexto y último, dedicado a la Restitución, ocupa más de 100 páginas (algo
más de un cuarto del total), lo cual evidencia la importancia del tema para
el autor. Este libro está distribuido en 18 capítulos. Afirma él en el Prólogo
de la Primera edición:13

Y, como la medicina no se contenta con conservar la salud más en mostrar


al mismo tiempo la manera de recobrar la ya perdida, así es necesario
mostrar cómo se restituirá en su fuerza y vigor la conciencia del tratante
que enfermase en la ejecución de estos negocios con dos mil excesos que
suelen cometerse. La enfermedad corporal consiste en la desproporción
de los humores; la espiritual, en la transgresión y quebrantamiento de
la justicia y en un agraviar al prójimo con quien se trata, cuya medicina
única es la restitución.14

– Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, edición y estudio introductorio de


Restituto Sierra Bravo, Madrid : Editora Nacional, 1975.
– Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, edición y estudio preliminar de
Nicolás Sanchez-Albornoz, Madrid : Instituto de Estudios Fiscales, 1977.
También contamos con una edición editada en Sevilla por Fernando Díaz en 1587
que está digitalizada y es de la que nos vamos a valer en este artículo, por ser la más
universalmente disponible.
13. Tomás de Mercado. Suma de tratos y contratos. (Sevilla: Fernando Diaz, 1587).
14. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 26.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
El imperativo moral de la restitución en Tomás de Mercado 1153

La tesis que sustenta todo el argumento de Mercado puede ser encon-


trada en su afirmación: “la ignorancia razonable e invencible excusa de
culpa, pero no de restitución”.15 Entiende el autor, tomando como ejemplo
una apropiación indebida, que dos cosas pueden pasar en este caso. En
primer lugar hay una ofensa a Dios, cuya ley es quebrantada, y esto puede
ser excusado por la ignorancia si es legítima; la otra cosa que sucede simul-
táneamente es la obligación de devolver lo que a otro pertenece, y esto es
lo que involucra a la justicia, ya que pertenece al ámbito de la razón y no
hay ignorancia que la justifique. En esto sigue estrictamente a Tomás de
Aquino en la cuestión 62 de la II-II de la Suma Teológica donde defiende
que restituir “dicendum quod restituire nihil aliud esse videtur quam iterato
aliquem statuare in possessionem vel donimium rei suae”16, será para el
aquinate remediar el daño sufrido por aquel de quien se tomó algo injus-
tamente17, ergo restitutio non est actus alicuius partis iustitiae.18

3. El lenguaje y la metodología

Pero en virtud del público para el cual está destinada la Suma


de Tratos y Contratos, el cual no era docto como los de las escuelas de
Salamanca, sino que se trata de un grupo de mercaderes predominante-
mente interesados por las interpretaciones más simples y benéficas a los
propios lucros, Tomás de Mercado dedica 18 minuciosos capítulos para
evitar equívocos tanto como sea posible. Comienza discurriendo sobre
la importancia de la restitución para la salvación en una argumentación
sobre la fundamentación teológica de la restitución, donde el punto más
destacado es la idea de que la falta de la misma es peor que el propio
pecado, ya que el pecado es relativo a Dios mientras que la restitución es
relativa a la vida en sociedad y por tanto a la justicia. De tal manera que
restringirá el tratamiento al aspecto moral y no al de la verdad revelada.
En cuanto al método, afirmará que existen dos modos de tratar de
esta materia. Una por vía de las distinciones, definiciones y reglas gene-
rales, sin tratar de casos particulares, la cual sería la manera escolástica

15. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 318.


16. Tomás de Aquino. Suma Teologica. (São Paulo, Loyola, 2015), Q. 62.1 Respondeo “no es
otra cosa que poner de nuevo a uno en posesión o dominio de los suyo”.
17. Tomás de Aquino. Suma Teologica, Q. 62. 6 ad 3.
18. Tomás de Aquino. Suma Teologica. Q. 62.1 Respondeo “De tal manera que la restitución
no es otra cosa que parte de la justicia”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1154 Alfredo Culleton

clásica de los teólogos y filósofos, y otra (por la cual él optará), la cual


se desarrolla a través del tratamiento de casos de manera discursiva,
por parágrafos, respondiendo a preguntas y haciendo breves epílogos a
modo de resumen. Entiende que este último es un método más accesible
a sus lectores y empieza con una definición de lo que es la restitución:
“restitución propiamente es devolver a uno lo que de suyo contra justicia le
habían tomado o le detenían”.19
Es evidente para Mercado la cantidad de desdoblamientos que esta
definición puede tener ya que existen una infinidad de bienes que no son
materiales o que al menos resultan difícilmente mensurables y que, aún así,
exigen restitución como, por ejemplo, cuando se trata de fama u honra, o
cuando el usurpador ya no está en dominio de los bienes o no tiene condi-
ciones de devolverlos. La máxima que usa para casos como el de aquel que
no consigue restituir al justo lo que le fue usurpado es devolver lo posible
y, en casos de tener que restituir bienes inmateriales o ya no de posesión
del ofensor, el dinero es una buena medida. Los casos de bienes materiales
son los más simples y evidentes, y no vamos a extendernos sobre ellos.
Veamos cómo trata algunos casos particulares relativos a la restitución de
bienes inmateriales, en el sentido de que no pueden ser devueltos.

4. Restitución de homicidios y lesiones

Para casos de homicidio, tema ampliamente tratado en los capítulos


IV, V, VI y VII, el problema principal es cómo restituir si el ofendido ya
no está. Después de discurrir sobre definiciones de homicidio, distinguir
doloso de culposo, explicitar legítima defensa y exigir el debido proceso
legal, el autor argumenta que la restitución debe ser pecuniaria, con
destino a los parientes y proporcional a la importancia que la víctima tenía
en la familia. Si el homicida consiguiera mantener oculto el delito, aún no
pesando sobre él obligación de auto incriminarse o de reconocer públi-
camente su delito, se preserva la obligación de restitución. La pregunta
es cómo hacer eso sin entregarse. El autor afirma: Y si acaso su delito es
ocultísimo y no se ha alcanzado a saber el reo, no deja de estar obligado en
conciencia a restituir en secreto, por la vía más secreta que pudiere, todo el
daño causado,20 donde se evidencia que resalta el aspecto sigiloso a fin de

19. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 608.


20. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 617.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
El imperativo moral de la restitución en Tomás de Mercado 1155

garantizar la restitución dado que si el ofensor es preso o condenado a


muerte no tendrá muchas condiciones de restituir. Lo mismo que se dice
respecto al homicidio se dice respecto a cualquier herida o mutilación
considerando en este caso la función que ese miembro o herida tenga en
la economía de la víctima. El aspecto subjetivo es muy importante para
Mercado, siendo agravantes considerables las heridas relativas al oficio
de la víctima como, por ejemplo, la vista para un escribano, el brazo de
un constructor o las herramientas de un carpintero. Estos son casos muy
graves que no pueden ser tratados como casos objetivos de heridas o
robos, sino como atentados contra el sustento de la familia y bienes de la
comunidad.
El autor insiste en la influencia o impacto personal y colectivo de
todo delito, sobretodo en el caso del homicidio. Son cuatro los aspectos
que deben ser considerados en este caso: en primer lugar el atentado
contra la ley natural que veda hacer daño a la vida humana; en segundo, la
privación de la vida a alguien que no tendrá condiciones de ser restituido;
en tercero, el escándalo para la república, criando desconfianza y temor,
comprometiendo la justicia y el orden público; en cuarto, el daño inju-
riado a aquellos que dependían o se beneficiaban de la vida de la víctima.
Sostendrá Mercado que aún cuando la justicia lo condene a muerte, hay
una importante reparación a ser realizada a la familia y la sociedad.
En el Capítulo VII, para cerrar el tema del homicidio, le queda aún
tratar sobre los diferentes grados de participación en el delito: como
mentor, mandante, ejecutor, acompañante, cómplice, entre otros, y en la
pretensión de dar por finalizado el capítulo indica, para los interesados, la
lectura al respecto de los textos de Tomás de Aquino, Cayetano y Silvestro,
sin precisar bibliografía, lo que evidencia que son estos autores las auto-
ridades en el tema y que, como tales, son más recurridos y conocidos por
los lectores, sobre todo por aquellos versados en la materia.

5. Restitución de la fama y la honra

Dedicados a la restitución de la fama y de la honra están los Capítulos


VIII a XII, uno más que los dedicados a los atentados contra la vida.
Reconoce que la vida y la integridad física son de primera orden, y la
fama y honra de segunda orden aunque muchos consideren lo contrario,
e inicia la exposición con la siguiente definición:

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1156 Alfredo Culleton

La fama de un hombre es la opinión y crédito que tienen de él los que


lo conocen, la reputación que tiene en el pueblo o en el reino; y propia y
principalmente consiste en ser tenido por bueno o por malo, por virtuoso
o vicioso.21

Rusticidad o cortesía, simplicidad o erudición, pobreza o riqueza,


son, para él, accidentes que no constituyen lo sustancial a la fama. Por
su lado la honra es la reverencia y cortesía que se debe por fuerza de
la virtud, o en reconocimiento de esta. Por definición la fama se debe
restringir a la virtud y esta se da individualmente, aunque por fuerza de
la costumbre se acaba honrando la dignidad y el oficio público, los cargos
eclesiásticos, los sabios y letrados, los descendientes de figuras ilustres, los
ancianos y, por último, a los ricos, no por su riqueza, sino por su impor-
tancia económica en la sociedad. Da por evidente la honra debida a los
progenitores y parientes próximos.
Específicamente sobre la fama, sostendrá que debe ser restituida
cuando haya sido robada o hurtada. Pero se hace necesaria una acla-
ración ya que se trata de un robo diferente dado que no hay transferencia
directa de un bien, sino que consiste en apagar, disminuir o retirar un bien
ajeno. Existen dos maneras de hacer esto: una mostrando los defectos del
detentor de la fama, y otra relativizando las virtudes del mismo. El autor
coloca ciertas condiciones para la restitución de la fama diferentes de la
de los bienes materiales.
En primer lugar, que la infamia realizada contra la buena fama de
alguien la haya efectivamente afectado. Hay casos en que la detracción no
llega a afectar la fama de la persona lo que implica, para Mercado, que no
sea necesaria la restitución.
En segundo lugar, será necesaria la restitución en caso de que sea
afectada la buena fama de alguien injustamente, no siendo así si es
afectado de manera justa.
En tercer lugar, en caso de que la buena fama de alguien se vea
afectada injustamente, se hace indispensable que la misma sea recuperada
y el buen nombre restablecido integralmente.
Mercado aclara las dos maneras como este hurto de la honra puede
darse: a) por falso testimonio o b) descubriendo algún defecto secreto o
tacha verdadera, mas sin autoridad ni razón para descubrirla. Acorde a
estos modos, el modo y orden de la restitución deben ser diferentes: en
el primer caso, el infractor debe desdecirse para tantas personas y por

21. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 659.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
El imperativo moral de la restitución en Tomás de Mercado 1157

tanto tiempo cuanto sea necesario al restablecimiento de la fama perdida.


En el segundo caso, la restitución posible es decir del agraviado todo el
bien posible, honrándolo a fin de reparar el daño producido. En este caso
desdecirse sería incurrir en nueva falta ya que estaría mintiendo.
En capítulo XII, dedicado a la restitución de la honra, hace uso un
largo argumento para destacar la importancia de la misma, en el sentido
de reverencia y aplauso exterior sin los cuales la vida en sociedad queda
comprometida. Defiende una jerarquía de dignidades políticas y religiosas
que no deben ser ofendidas en sus cargos, y parafrasea a Cícero cuando
dice que el hombre, aunque inclinado desde su juventud, al mal, puede ser
llevado a la virtud por la esperanza de la honra y reverencia “mucho más
que la piedra imán al hierro, porque son muy crecidas las fuerzas y ánimo
que la esperanza de la honra pone al hombre”.22

6. Respecto a los Bienes Temporales

A pesar de las muchas distinciones posibles de formas de sustrac-


ciones de bienes materiales como el robo, el hurto, el abigeato, la rapiña,
ya se trate de cosas públicas o bien de privadas, sagradas o profanas, para
todos los casos el autor o autores del delito están obligados a restituir lo
que tomaron, sea que ya lo haya gastado, vendido o perdido, y a devolverlo
a su dueño, a sus herederos (si se trata de un homicidio), o a los pobres en
la falta de los anteriores, y esto por justicia y equidad que son condiciones
fundamentales de la vida en sociedad. Mercado se detiene sobre algunos
casos más delicados:

a) el primero de ellos es la urgencia de restitución si la víctima es pobre. En


este caso no solo se restituye lo que por justicia le corresponde sino que
por esa vía se le restituye, de alguna manera, la vida23 ;

b) en segundo caso refiere a si el acto de la restitución coloca en riesgo


la vida o prestigio del infractor. Para esto se debe esperar el momento
más adecuado y menos arriesgado, pero de ninguna manera exenta de
restitución. Inclusive podrá restituir secretamente por vía de terceros,
preferentemente un confesor.

22. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 686.


23. Cf. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 687.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1158 Alfredo Culleton

c) el tercero es un ejemplo bien complejo que se aproxima a lo ridículo


pero sirve para ilustrar las dificultades involucradas en el imperativo de
la restitución y abarca algunos casos excepcionales. El caso que aquí
trae Mercado es el de una mujer con muchos hijos de los cuales uno
no es de su marido. Esta presentación desemboca en el problema de la
herencia paterna: ¿debe recibir la misma que sus hermanos? La cuestión
se agudiza si se trata del primogénito o si fuese único heredero de sus
títulos o propiedades. Para estos casos excepcionales recomienda dos
medidas: “quien así se viere se descubra a un confesor prudente, no escru-
puloso, sabio, no ignorante, experto y ejercitado en el oficio, no novicio;
este le aconsejará lo que ha de hacer”.24 En segundo lugar dice: “es justo
que en asuntos tan graves ninguno se rija por su parecer, ni por ningún
libro muerto, pudiendo usar libro vivo, que es un teólogo de ciencia y cons-
ciencia”.25

El tema de la consciencia y el papel fundamental de los confesores


eruditos y teólogos sobre estas materias delicadas es una constante en
toda la obra de Mercado, y de la mayoría de sus contemporáneos. Esto
evidencia la importancia de los detalles en los casos más complejos que no
pueden ser resueltos con recetas rápidas, sino que únicamente con mucha
ciencia especializada que considere todas las circunstancias involucradas,
inclusive las más subjetivas.
La cuestión de la conciencia juega un papel muy importante y veremos
porqué. En muchos negocios el origen o procedencia de aquello que se
recibió puede ser dudoso cuanto a su integridad; pueden ser fruto de robo,
expolio, o de una injusticia cualquiera. La cuestión acerca de la proce-
dencia de cualquier bien, si recae alguna sospecha sobre ella, pertenece al
campo de la conciencia. Dicha cuestión debe ser resuelta y la restitución
debe tener como objeto al dueño original sin derecho a resarcimiento por
el precio pagado, en caso de que se haya tratado de una compra. El punto
de inflexión de Mercado no es el conocimiento o la certeza de un origen
criminal del producto, sino que la sola sospecha de que pueda haber sido
de origen criminal obliga a la restitución inmediata. El autor propone el
caso de los esclavos,26 cuando trata de los negros de Cabo Verde,27 y lo
amplía diciendo:

24. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 691.


25. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 691.
26. Cf. Alfredo Culleton. “Tomas de Mercado on slavery”. Patristica et Mediaevalia XXXVI,
n. 1 (2015): 29-39.
27. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, libro II, cap. xxi.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
El imperativo moral de la restitución en Tomás de Mercado 1159

Si son esclavos, negros, blancos o morros, no ha de haber noticia ser de


mala guerra, y oyendo decir a persona fidedigna o si hay fama de que o
los más o muchos de aquella suerte y género de esclavos se han hecho
con mala conciencia y engaños, no los puede mercar.28

De tal manera que, para evitar tener que devolver el esclavo inmedia-
tamente y sin resarcimiento, además de las dificultades, cuando no impo-
sibilidades, de hacerlo a su patria original, lo mejor es no comerciar ante
cualquier sospecha de conciencia o mala fama relativa a la procedencia
del bien. Vale destacar un punto importante que la tradición escolástica va
transmitiendo por generaciones: la ignorancia no disculpa absolutamente
y coloca en aquellos involucrados, cualquiera sea el trato, la responsa-
bilidad de conocimiento pleno, o más completo posible, de la lisura del
trato. Solo ahí la consciencia será buena conciencia. Es de responsabi-
lidad del tratante certificarse del origen del bien y no puede apelar al
álibe de la ignorancia a no ser que haya agotado en conciencia todos los
recursos para tal conocimiento. El conocimiento es una virtud mientras
que la ignorancia no, y tanto las ciencias como la información serán de
gran importancia en este proceso de saber lo que es justo.

7. Restitución a los indígenas

Mercado parte de los principios evidentes en dirección a los casos


concretos, y el vector será la conciencia, esa combinación de conocimiento,
prudencia y buena fé. Él sabe de la ambición y espíritu ganancioso del ser
humano, de la sofisticación de las excusas y de la manipulación que puede
ser hecha de los hechos en favor de estos intereses mezquinos. Él sabe que
no son las reglas y las doctrinas las que deben dirigir la acción humana en
casos dudosos, sino la recta razón y el dictamen de la ley natural de buscar
la justicia antes que la ganancia.
Para tratar sobre la restitución relativa a los habitantes originarios del
llamado Nuevo Mundo, empezará explicitando algunos conceptos impor-
tantes relativos a la guerra como, por ejemplo, si se trata una guerra justa
o injusta. Dirá que la guerra es injusta cuando es movida por deseo de
venganza o apetito de gloria. En este caso, los responsables por la guerra,
sean ellos príncipes, reyes o emperadores, quedan obligados a satisfacer
todas las muertes, robos, violencias, injurias y agravios que su gente y

28. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 698.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1160 Alfredo Culleton

ejército hayan infringido al enemigo inocente.29 Lo mismo vale para los


subalternos en la guerra y los comerciantes que acompañan las mismas.
Todos ellos deben ser regidos por el mismo principio de justicia. Todos
deben evidenciar la justicia de la guerra, lo que es muy difícil, y mantenerse
dentro de los límites de esta justicia. La justicia de la guerra no justifica
injusticias dentro de ella. En caso de que la guerra sea considerada injusta,
sea por subalternos o comerciantes, están vedados de participar en ella, y
si lo hacen estarán obligados a reparar todo daño causado. En este caso,
el crimen es más grave ya que que el robo, la deshonra y el expolio fueron
realizados con violencia de tal manera que no basta la devolución de lo
robado o retenido sino que exige restitución del daño moral.
A continuación Mercado trata de un tema extremadamente delicado
que es la cuestión de las minas y de la extracción de metales preciosos.
Empieza denunciando: “como la gente española considera no haber pasado
la mar a otro fin que a buscar riquezas, doquiera las halle le parece ser suya
de derecho que ninguna cosa es agravio”.30 Esta ambición no se justifica y
sólo sería posible la explotación de las minas dadas las siguientes condi-
ciones:

Respetar las determinaciones de los reyes que vedaban la mineración; no


agraviar a los naturales; ni quitarles sus tierras, ni montes y, si en algunos
se descubrieren minas, darles otros o recompensárselo con buenos
medios, no compeliéndoles a cavar y servir a los mineros, ni impidién-
doles la agricultura en sus terrazuelas, o sementerillas, no habría tanto
escrúpulos o tanta injusticia en beneficiar minas en aquellas partes.31

Comentará Mercado que es evidente la exigencia de que sea propio


el suelo, o al menos común o desierto para no perjudicar a nadie, “mas la
tierra es de los indios”,32 y que, por otro lado, lo único que lleva los espa-
ñoles a realizar un trabajo tan difícil y arduo como el que exige la mina,
es la ganancia. La única posibilidad de justicia sería que los vecinos y
naturales no sufrieran perjuicios, ni ellos propios ni sus tierras y planta-
ciones, ni obligarlos a trabajar en ellas. De tal manera que, una vez que los
riesgos de injusticia son tantos por ser los nativos iguales y recaer sobre
los españoles la necesidad de comportarse como cristianos, no se justifica

29. Cf. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, Libro VI, Cap. XV.
30. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 710.
31. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 710.
32. Tomás de Mercado, Suma de tratos y contratos, 709.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
El imperativo moral de la restitución en Tomás de Mercado 1161

aventurarse en la explotación de las minas so pena de tener que restituir


no sólo lo extraído como el prejuicio causado33.

8. Conclusión

El extenso tratado de Mercado sobre la restitución hace más que


discurrir sobre los modos en que se debe restituir o sobre el sujeto y objeto
de la restitución (quién debe restituir y a quién con todas sus variables).
A primera vista parece ser este el foco del autor, pero estudiando más
detalladamente el conjunto del Libro VI, podemos ver que la pregunta que
dirige al autor se centra en cuáles son los casos que exigen restitución.
La primera premisa es que la ley natural obliga a la justicia conmutativa,
que se desdobla en esta segunda: que toda injusticia debe ser reconocida y
restituida. Que nadie puede absolver de la restitución a no ser la evidencia
de que no hubo injusticia, y si acaso exista injusticia la restitución es un
imperativo que no puede ser disculpado. Entre las conclusiones relativas
al imperativo de la justicia Mercado demuestra que la restitución no puede
limitarse a la devolución del bien desapropiado, sino a la reparación del
mal causado por consecuencia de esa sustracción. En última instancia lo
que está en juego es la causa final de la vida en sociedad, que implica el
beneficio de todos mediado por la ley natural o recta razón.
Efectivamente, la mayor extensión del texto está dedicada a mostrar,
punto por punto, cuáles son las condiciones que caracterizan la injusticia.
Hace esto de una manera cuidadosa y analítica, tratando de agotar todas
las posibilidades de justificación para atentados contra la ley natural y de
gentes. Aunque nunca de manera explícita ni apologética, queda evidente
el marco dentro del cual Mercado desarrolla cada caso: podemos hablar
de un manual sobre la ley natural aplicada a la política en el sentido más
amplio de esta palabra, entendiendo por ella una referencia a la convi-
vencia humana. Atravesará toda la obra, y no solo el Libro VI sobre la
Restitución, la idea de justicia conmutativa desarrollada por Aristóteles
en el libro V de la Ética a Nicómaco, la cual exige una equidad entre las
partes involucradas en la política donde nadie podrá ser perjudicado bajo

33. Para entender mejor la relación entre el poder eclesial y el poder secular relativo a las
poblaciones nativas de las Américas, ver Pedro Calafate, “O pensamento político de
Martín de Azpilcueta: sobre o poder supremo”, Filosofia Unisinos 18 n. 3 (2017): 203-
212, doi: 10.4013/fsu.2017.183.12.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1162 Alfredo Culleton

el riesgo de comprometer a toda la sociedad ya que su causa final es que


todos puedan vivir bien sin ser perjudicados.
La justicia conmutativa se fundamenta en el necesario respeto por la
igualdad en transacciones o contratos, de tal manera que ninguna de las
partes está en una posición peor que la otra después que la transacción se
realizó. Como consecuencia, la justicia conmutativa responde a un racio-
cinio aritmético, según el cual las partes deben cambiar mercaderías equi-
valentes. En este tipo de justicia el principio predominante sería: dar a
cada uno lo que es suyo.
La virtud de la justicia no es a priori una premisa moral entre los esco-
lásticos. Es un requisito lógico, una necesidad derivada de la existencia
de las propias sociedades y de la vida de los seres humanos en común.
La tradición tomista entiende que los hombres están unidos en sociedad
para suplir sus necesidades y para beneficiar la misma vida en sociedad
y ninguno de ellos tiene el derecho de abusar de los otros, pues un sujeto
que incurre en estas acciones estaría yendo contra la propia lógica que
justifica la constitución de la sociedad, que es el beneficio mutuo y satis-
facción de las necesidades. La vida en sociedad, por fuerza de razón, exige
la equivalencia. Los pensadores escolásticos exigen respeto por la justicia
conmutativa como un imperativo moral, pero también, y sobre todo, como
una exigencia de racionalidad, siendo esta la inteligibilidad del análisis. Lo
que fue acordado para el beneficio de todos (vida de cooperación común y
la satisfacción mutua de las necesidades) no debe beneficiar o perjudicar
a algunos más que a otros. La premisa moral en el esquema escolástico
requiere el apoyo de la razón. Por eso es que el tratado de la restitución
de Tomás de Mercado es mucho más una explicitación de la ley natural y
del derecho de gentes aplicada a los casos concretos vividos por los merca-
deres en ambos lados del Atlántico, que un manual de comportamiento, y
el fundamento no estará en las Escrituras o en la tradición de los teólogos
sino en la más rigurosa tradición filosófica de matriz aristotélico-tomista.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
El imperativo moral de la restitución en Tomás de Mercado 1163

Referencias

Aristotle. The Nicomachean Ethics. Traducción de David Ross. Oxford, Oxford World’s Classics,
2009.
Calafate, Pedro. “O pensamento político de Martín de Azpilcueta: sobre o poder supremo”, Filosofia
Unisinos 18 n. 3 (2017): 203-212. doi: 10.4013/fsu.2017.183.12
Culleton, Alfredo. “Punishment and Human Dignity in the Cur Deus Homo by Anselm of
Canterbury (1033-1109)”. In: Roberto Hofmeister Pich. (Org.). Anselm of Canterbury (1033-
1109): Philosophical Theology and Ethics Porto: FIDEM, 2011.
Culleton, Alfredo. “Tomas de Mercado on slavery”. Patristica et Mediaevalia XXXVI, n. 1 (2015):
29-39.
Domingo de Soto. De iustitia et iure. Madrid: IEP, 1968.
Luis de Molina. Los seis libros de la justicia y el derecho. Traducción y notas Manuel Fraga Iribarne.
Madrid: Editora de la Facultad de Filosofia y Letras, 1946.
Mercado, Tomás. Suma de tratos y contratos, edición y estúdio preliminar de Nicolás Sanchez-
Albornoz, Madrid : Instituto de Estudios Fiscales, 1977.
Mercado, Tomás. Suma de tratos y contratos. Sevilla: Fernando Diaz, 1587.
Mercado, Tomás. Suma de tratos y contratos, edición y estudio introductorio de Restituto Sierra
Bravo, Madrid : Editora Nacional, 1975.
Mercado, Tomás. Suma de tratos y contratos. Sevilla: Hernando Diaz, 1571.
Pich, Roberto Hofmeister. ”Antecedentes à investigação filosófico-historiográfica da Escolástica
colonial”. Cauriensia VI (2011): 37-64.
San Anselmo. Cur Deus homo. Obras completas. Trad. Julian Alameda, OSB. Madrid, BAC, 1952
Santo Agostinho. De Civitate Dei, I, 21; PL 41. Citamos pela tradução de A Cidade de Deus, Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1991.
Santo Agostinho. O livre Arbítrio: Patristica. São Paulo: Ed. Paulus, 1995.
Tomás de Aquino. Suma Teologica. São Paulo, Loyola, 2015.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1165-1194.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1165

Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez


MARGARIDA SEIXAS *

Abstract
This text’s purpose is the critical analysis of the works of Francisco Suárez (1548-1617). These
works deal with the themes of slavery and freedom, especially in the context of free and slave
labour. Slavery and its legitimacy were much discussed by peninsular authors of the sixteenth and
seventeenth centuries, during the Second Scholasticism. These analyses gained momentum when
military forces and Spanish settlers began enslaving the “Indians” of the American continent. In the
seventeenth century, Suárez would validate the conceptions of earlier authors. However, the theme
appears in his work mostly accidentally and at another level of remove, through the enunciation of
abstract propositions or, at most, with reference to hypothetical situations. Like most authors of the
time, Suárez also deemed slavery to be permissible. He considered that freedom was a natural right
belonging to all men; however, he did not consider it inalienable: it could be sold or delivered by its
own proprietor. Without questioning the obedience or submission the slave was believed to owe
the master, Suárez held that the dominus’ power was not an absolute power but rather a “quasi-
dominance,” one that excluded the possibility of killing or mistreating the slave. It is also important
to analyse how, conceptually, slave and free labour were characterized and distinguished. Even
in the seventeenth century, distinctions in terms of the time of attachment were still common. A
rigorous distinction, founded on the kinds of obedience that can be demanded, can be found in
Suárez’s work. Although he affirmed that servants, like slaves, were obliged to obey their masters,
the former were only to be obedient insofar as they were bound by their office. Suárez’s text
clearly distinguished free workers’ duty of obedience and limited it to certain functions. This last
limitation, which may seem natural to us today, was unusual in the seventeenth century, so much
so that it drew attention because it seems to presuppose a limit for subordination and, on the other
hand, a dilation of the sphere of freedom in which that domain could not be exercised.
Keywords: free labour, obedience, slavery, Francisco Suárez.

1. A escravidão nos textos da Escola Ibérica da Paz

O
objectivo deste texto é a análise crítica de textos de Francisco
Suárez (1548-1617)1 em que o mesmo tratou os temas da escra-
vidão e da liberdade, especialmente no plano do trabalho livre e

* THD-ULisboa – Centro de Investigação em Teoria e História do Direito da Universidade


de Lisboa; FDUL – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
 margaridaseixas@fd.ulisboa.pt
1. Sobre o Autor e a sua obra, a bibliografia é vastíssima. Indico, como referência, duas
obras portuguesas que tratam vários aspectos do pensamento do Autor: Adelino

1165-1194

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1166 Margarida Seixas

do trabalho escravo, numa perspectiva essencialmente jurídico-filosófica.


O ponto de partida é uma afirmação de Suárez, que podemos encontrar
no seu Tractatus De Legibus ac Deo legislatore (designado infra abreviada-
mente De Legibus):

De igual modo, também o escravo deve em consciência obedecer ao


senhor, como ensinou Paulo no lugar citado e Pedro no cap. 1 de coniugio
servorum, e assim todos os criados no que pertence ao seu ofício, o que é
igualmente evidente […]2.

Neste trecho, surgem, lado a lado, o servo/escravo e os criados,


ambos devendo obediência ao dominus, mas em diferentes planos. Antes
de avançar com a análise da frase, interessa compreender de que modo
Francisco Suárez tratava a escravidão e esta obediência do escravo, numa
linha que se revela de continuidade face aos autores escolásticos e, princi-
palmente, neo-escolásticos.
O tema da escravidão e da sua legitimidade foi muito discutido pelos
autores peninsulares dos séculos XVI e XVII, no seio da designada Segunda
Escolástica. A análise do tema recebeu enorme impulso não tanto com a
“deslocação do comércio [de escravos] do Mediterrâneo para o Atlântico”3,
legitimada por diversas Bulas e outros documentos pontifícios4, mas antes

Cardoso, António Manuel Martins e Leonel Ribeiro dos Santos (coord.), Francisco
Suárez (1548-1617) Tradição e Modernidade, actas do Seminário Internacional “A Obra
de Francisco Suárez” (Lisboa, Edições Colibri, 1999) e Ana Caldeira Fouto, Margarida
Seixas e Pedro Caridade Freitas (coord.), Suárez em Lisboa 1617-2017. Actas (Lisboa:
AAFDL Editora, 2018).
2. Francisco Suárez, Tractatus De legibus ac Deo legislatore in decem libros distributus,
(Coimbra: Diogo Gomez de Loureiro, 1612), livro III, capítulo XXI, 8, cit., 171:
“Similiter etiam servus tenetur in conscientia parere Domino, ut plane docet Paulus locis
citatis, & sumitur ex 1. Petri a ex. cap 1. de coniugio servorum, & de omnibus famulis
in eo, quod ex officio facere tenentur, idem est manifestum […]”. Tradução minha, bem
como a de todos os excertos das obras de Suárez que constam do texto.
3. Maria do Rosário Pimentel, Viagem ao fundo das consciências: a escravatura na
época moderna (Colibri, Lisboa, 1995), 25. Este foi realmente o desencadear do
que normalmente é denominado como “escravatura moderna”, embora quer a
continuidade de realidades previamente existentes, quer o recurso a ordenamentos
jurídicos anteriores, mormente ao direito romano, devam servir para afastar uma
visão que valorize em demasia a “fractura” que o novo tráfico originou.
4. Para esta questão, pode ver-se, por exemplo, António Domingues de Sousa Costa,
“O factor religioso, razão jurídica dos Descobrimentos Portugueses”, in Congresso
Internacional de História dos Descobrimentos Portugueses: Actas, vol. IV (Lisboa:
Comissão Executiva da Comemoração do V Centenário da Morte do Infante D.
Henrique 1961): 99-138, e, do mesmo Autor, “A Expansão Portuguesa à Luz do

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1167

com o início da escravização das populações do continente americano


pelos militares e colonos espanhóis5, matéria que está, aliás, intensamente
estudada6.
Nesse debate, destacou-se, como é sobejamente conhecido, o
espanhol Francisco de Vitória (1492-1548). Reproduzindo Aristóteles7,
Vitória opunha-se ao pensamento do mesmo e recusava a escravidão por
natureza (reconhecendo aos índios a sua dimensão racional de homens

Direito”, Revista da Universidade de Coimbra, vol. 20 (1962): 1-243; António Joaquim


Dias Dinis, O.F.M., “Antecedentes da Expansão Ultramarina Portuguesa. Os diplomas
pontifícios dos séculos XII a XV”, Revista Portuguesa de História, tomo X (1962):
1-118; José Ramos Tinhorão, Os Negros em Portugal – Uma presença silenciosa (Lisboa:
Editorial Caminho, 1988), 55-56, José Andrés-Gallego e Jesús Maria García Añoveros,
La Iglesia y la esclavitud de los negros (Pamplona: EUNSA, 2002), 15-23; Enriqueta Vila
Vilar, “La postura de la Iglesia frente a la Esclavitud. Siglos XVI y XVII”, in Esclavitud y
Derechos Humanos. La lucha por la libertad del negro en el siglo XIX, Actas do “Coloquio
Internacional sobre Abolicion de la Esclavitud”, Madrid 2-4 Desembro 1986, coord.
Francisco de Paula Solano Pérez-Lila e Agustín Guimerá Ravina, (Madrid: Consejo
Superior de Investigaciones Cientificas – Centro de Estudios Historicos, Departamento
de Historia de América, 1990), 25-31 (embora com algumas lacunas quanto às
bulas); Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron e Camila Loureiro Dias, “A Igreja e
a escravidão no mundo atlântico: notas historiográficas sobre a doutrina católica no
mundo moderno e contemporâneo”, Portuguese Studies Review, vol. 25, n.º 2 (jul-dec
2017): 85-106.
5. Para uma síntese sobre esta ocupação no contexto político e filosófico em Espanha, no
final do século XV, ver Enrique González Fernández, “Humanismo frente a esclavitud
en América durante el Cuatrocientos”, Mar Océana. Revista del Humanismo Español e
Iberoamericano, núm. 3 (1999): 68-78.
6. Pode ver-se para uma perspectiva de síntese, por exemplo, Jesús García-Añoveros,
“Los argumentos de la esclavitud”, Nuevas Aportaciones a la Historia Jurídica de
Iberoamérica, coord. José Andrés-Gallego, publicação digital (Madrid: Fundación
Histórica Tavera/Digibis, 2000), 102-114, ou, com maior desenvolvimento, Ramón
Soriano, Historia Temática de los Derechos Humanos (Sevilha: Editorial MAD, 2003),
25-57, com indicação de bibliografia temática, 57-67; Margarida Seixas, Pessoa e
Trabalho no Direito Português (1750-1878): escravo, liberto e serviçal (Lisboa: AAFDL/
Lisbon Law Editions, 2016), 60-79, também com indicação de diversa bibliografia.
7. Francisco de Vitoria, Relectio De Indis, I, 1, 1, Relectiones theologicae XII in duos
tomos divisae (Lugduni [Lyon]: Jacques Boyer, 1557), tomo I, 294: “Probatur, nam ut
Aristo[teles] I [primo] Ethico[rum 5] elegãter & accurate tradit, aliqui sunt natura servi,
quibus, scilicet melius est servire quàm imperare.” (tradução minha; as expressões com
que completei o texto consultado nesta citação e na seguinte, entre parêntesis rectos
e com realce, resultam do confronto com a edição Relectio De Indis o libertad de los
indios, edição crítica bilíngue por Luciano Pereña e J. M. Pérez Prendes, V vol. do
Corpus Hispanorum de Pace, Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas,
1967).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1168 Margarida Seixas

feitos “à imagem e semelhança de Deus”), embora aceitasse a civil8 e refe-


risse a escravidão resultante da guerra como regra de ius gentium9.
Outro autor, conhecido pela sua actuação na defesa dos índios do
Novo Mundo, foi Bartolomeu de Las Casas (1484-1566), que veio mais
tarde, em obra publicada apenas postumamente, a criticar de forma
veemente a escravidão dos guanches (habitantes das ilhas Canárias)10,
dos “mouros”11 e dos negros africanos12. Las Casas relatava as descobertas
portuguesas e os crimes nelas cometidos com enorme desaprovação e com
expressões muito duras. As acusações do autor aos portugueses podem
exemplificar-se com os dois seguintes trechos, entre tantos outros da sua
obra:

[…] [os portugueses] não faziam destrinça entre os negros e os mouros,


nem a fizeram em qualquer nação que encontraram; a todos roubavam e
cativavam porque não iam com outro fim que não fosse o seu próprio inte-
resse e fazerem-se ricos à custa das angústias alheias e do sangue humano.13

[…] todos os dias cometem grandes danos cativando escravos, e dão motivo
os portugueses a que eles entre si se escravizem por cobiça, e se vendam,

8. Ibid., I, 1, 16, cit.: “Ad hoc respondeo, quod certe Aristoteles non intellexit quod tales,
qui parum valente ingenio, sint natura alieni iuris, & non habeant dominium, & sui et
aliarum rerum: haec enim est servitutus civilis e& legitima, qu[i]a nullus est servus a
natura”. Referia ainda o passo de São Paulo (Rom., 13, 5) que impunha aos escravos a
obediência aos seus senhores.
9. Ibid., I, 3, 3.
10. Quanto aos guanches, Las Casas, acusava igualmente portugueses, franceses e
castelhanos, Historia de Las Índias, publicado pela primeira vez apenas em 1875, de
que se destaca a defesa dos guanches e dos negros, nos capítulos 17 a 27, publicados
em Portugal de forma autónoma e com título próprio: Bartolomeu de Las Casas,
Brevíssima Relação da Destruição de África (Lisboa: Antígona, 1996), capítulo III (XIX
no original), 5., 273.
11. O autor criticava a tomada de “mouros” da costa para lá do Bojador, Ibid., capítulo VI
(XXII no original), 5., 298.
12. Sobre a anterior posição de Las Casas e as acusações de ter sugerido ou mesmo
incentivado a introdução de escravos negros na América, existem diversas obras com
posições opostas; para uma síntese e crítica recentes, pode ver-se Nestor Capdevilla,
“Las Casas et des Noirs: quels problèmes?”, in Déraison, esclavage et droit  – Les
fondements ideologiques et juridiques de la traite négrière et de l’esclavage, org. Isabel
Castro Henriques e Louis Sala-Molins (Paris: Éditions Unesco, 2002), 41-58.
13. Bartolomeu de Las Casas, Brevíssima Relação da Destruição de África, cit., capítulo IX,
5., 327.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1169

e este dano e estas ofensas que fazem a Deus não hão-de ser facilmente
recompensáveis.14

Apesar da referência elogiosa a D. João III (“que proibiu o dito


comércio e tráfico infernal”), de imediato surgia nova crítica porque o rei
“não suprimiu o resgate e mil pecados mortais que nisso se cometem”15. Las
Casas testemunhava ainda o aumento do número de escravos negros16.
Também Luís de Molina (1535-1600) se insurgiu contra o tráfico
levado a cabo pelos portugueses, embora – na linha normalmente adoptada
pelos autores da Segunda Escolástica – sem atacar a instituição da escra-
vidão em si17, mas antes a prática abusiva do comércio de escravos.
Tratando o tema da escravidão com algum detalhe18/19, referia a questão do
tráfico, que demonstrava conhecer bem, pois discriminava as suas várias
zonas: “Guineae superior” (ou “Guiné de riba”, costa da Guiné e Cabo
Verde)20, “Guineae inferior” (ou “Guiné de [b]axo”, costa de São Tomé,
Congo e Angola)21, “Sofala”/reino Monopotae”22, “India” (para onde eram

14. Ibid., capítulo XI, 3., 341.


15. Ibid., 5., 342.
16. Ibid.: “[…] enchendo o mundo de escravos negros e toda a Espanha, pelo menos,
até fazer transbordar as nossas Índias com eles; e de cem mil não se crê serem dez
legitimamente escravizados […] Porque, como os negros vêem que os portugueses tanta
ânsia manifestam em ter escravos, pela cobiça do que estes lhes dão e porque também
carecem de fé e temor a Deus, roubam e cativam quantos podem, não poupando sequer
os seus próprios parentes, e assim se não faz senão aprovar estas suas tiranias, maldades
e injustas guerras, que por causa disto fazem uns aos outros.”.
17. Admitindo a escravidão, embora como instituição contrária à liberdade originária dos
homens, Luís de Molina, De iustitia et iure, (Maguncia (Mainz): 1602), II, por exemplo,
na disputatione 32, col. 157C/D.
18. No De iustitia et iure ocupa as disputationes 32 a 40, col. 156 a 216 do tractatus II do
livro II.
19. Para o pensamento de Luís de Molina nesta matéria, ver António Manuel Hespanha,
“Luís de Molina e a escravidão dos negros”, Análise Social, vol. XXXV, nº 157 (2001),
937-960; Jesús García-Añoveros, “Luis de Molina y la esclavitud de los negros africanos
en el siglo XVI: Principios doctrinales y conclusiones”, Revista de Indias, LX, núm. 219
(2000), 307-329, ou, de forma mais sucinta, José Andrés-Gallego e Jesús Maria García
Añoveros, La Iglesia y la esclavitud de los negros, cit., 46-53.
20. Luís de Molina, De iutitia et iure, II, tractatus II, disputatione 34, col. 165D e ss.
Tradução minha, tal como nos restantes excertos da obra de Molina que transcrevo no
texto.
21. Ibid., disputatione 34, col. 168B e ss..
22. Ibid., disputatione 34, col. 174A e ss..

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1170 Margarida Seixas

levados de várias partes da Ásia)23, “Sina” (China) e “Iappone” (Japão)24 e


denunciando que a condição dos escravos adquiridos pelos portugueses
resultava de guerras dos indígenas em que a justiça era duvidosa, de apli-
cação de penas injustas (arbitrárias ou excessivas), de raptos ou de venda
dos filhos em troca de objectos insignificantes. Por isso, afirmava:

É para mim nitidamente muito verdadeiro que este negócio de comprar


escravos naqueles lugares de infiéis e de os exportar de lá é injusto e
iníquo e que todos os que o exercem pecam mortalmente e ficam em
estado de danação eterna, excepto se escusados por ignorância inven-
cível, em que não ouvi afirmar que estivessem.25

Os trechos até agora apresentados tinham como ponto de referência


situações bem concretas e o conhecimento, pelos autores desses textos,
das práticas abusivas levadas a cabo por traficantes, em especial pelos
portugueses. O mesmo se passava com um outro autor, que criticava de
forma severa o tráfico de escravos. O português Fernando Oliveira (1507-
1581), na sua obra Arte da Guerra do Mar, publicada em 1555, atacava
energicamente o aprisionamento e o tráfico de escravos e denunciava o
mero interesse no lucro a coberto da intenção de salvação daquelas almas:

Tomar as terras, empedir a franqueza dellas, cativar as pessoas daquelles


que nam blasffemão de Jesu Christo, nem resistem aa pregação de sua fee,
quãdo com modestia lha pregão, he manifesta tyrannia. E não he nesta
parte boa escusa dizer, que elles se vendem hũs a outros, que nam deyxa de
ter culpa quem compra o mal vendido […] Nos somos os inventores de tam
mao trato, nunca usado nẽ ouvido antre humanos. Nam se acharaa nem
rezam humana cõsinte, que jamays ouvesse no mundo trato publico e livre
de comprar e vender homens livres e pacificos, como quem compra e vende
alimárias boys ou cavallos, e semelhantes.26

Neste texto, a crítica parece ultrapassar aquela que outros autores


dirigiam às más práticas dos portugueses e de outros traficantes e atinge

23. Ibid., disputatione 34, col. 175A e ss..


24. Ibid., disputatione 34, col. 176A e ss..
25. Ibid., disputatione 35, col. 187D/E, cit.: “Mihi longe verisimilus est, negotiationem hanc
ementium eiusmodi mancipia ab infidelibus illis in locis, ea´que inde asportantium,
iniustam, iniquam que esse, omnesq´ qui illam exercent, lethaliter peccare, esseq´; in
statu damnationis aeternae, nisi quē invincibilis ignoratia excuset, in qua neminem
eorum esse affirmare auderem.”.
26. Fernando Oliveira, Arte da guerra do mar (Coimbra: Iohão Aluerez, 1555), fl. XV-XV vº.
Mantive a grafia e pontuação originais.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1171

o próprio tráfico, mas, ainda assim, fica a dúvida: o erro apontado é o de


comprar e vender “homens livres e pacíficos” – quid iuris se os mesmos
fossem anteriormente escravos ou homens violentos? Embora o autor não
esclarecesse este aspecto, não me parece que se possa concluir por uma
condenação da escravidão.
É importante reiterar que a escravidão, desde que fundada em justo
título, era aceite como legítima por juristas e teólogos, regulada juridica-
mente, justificada pelos autores mais lidos e citados, bem como pela Igreja
e pelas autoridades políticas27. Esta aceitação, ainda que denunciando os
abusos do tráfico (frequentemente dos comerciantes portugueses) e colo-
cando limites aos poderes dos senhores, corresponde ao que já tinham
expresso ou haviam de expressar autores como Martim Azpilcueta,
conhecido como Doutor Navarro (c. 1492-1586), Domingos de Soto (1494-
1560), Tomás de Mercado (c.1525-1575), Miguel de Palacios (c. 1525-1593),
Alonso de Sandoval (1576-1652), Martim de Ledesma (1575-1650), entre
muitos outros28. Apesar desta linha comum, julgo que é cada vez mais

27. No mesmo sentido, Jesús García-Añoveros, “Luis de Molina y la esclavitud de los negros
africanos en el siglo XVI: Principios doctrinales y conclusiones”, cit., 309: “Conviene
advertir que la institución de la esclavitud era comúnmente admitida en la época que
tratamos por todos los autores y practicada en muchísimos lugares del orbe. El Derecho
Romano y Canónico se limitaban a regularla, pues se consideraba una institución de
derecho de gentes, conforme al orden natural, aceptada por la filosofía natural e incluso
por la Sagrada Escritura, y cuyas raíces eran antiquísimas.”.
28. Pode ver-se Maria do Rosário Pimentel, Escravismo e antiescravismo em Portugal:
percurso e problemática da abolição, Tese de doutoramento em Estudos Portugueses,
apresentada à FCSH-UNL (Lisboa, 1989), vol. II, 423-451; Enriqueta Vila Vilar, “La
postura de la Iglesia frente a la Esclavitud. Siglos XVI y XVII”, cit., 26-27, referindo
alguns autores contrários à escravatura dos negros: os já mencionados Domingos de
Soto e Alonso Sandoval, Tomás de Mercado, frei Alonso de Montufar, Bartolomeu de
Albornoz, Francisco José de Jaca e Epifanio de Moirans. José Andrés-Gallego e Jesús
Maria García Añoveros, La Iglesia y la esclavitud de los negros, cit., 24-39, mencionam e
analisam muitos destes autores e ainda alguns outros, bem como missionários que se
opuseram, “no terreno”, à escravização como Gonçalo Leite e Miguel Garcia. Também
pode ver-se a síntese de Luis Carlos Amezúa Amezúa, “La cláusula suareciana sobre la
esclavitud de los negros”, Pensamiento: Revista de investigación e Información filosófica,
Vol. 74, Nº Extra 279 (2018): 238-245, que menciona vários dos autores referidos. Para
a posição assumida pelos professores da Universidade de Évora, Domingos Maurício,
S. J., “A Universidade de Évora e a Escravatura”, Didaskalia, vol. VII, fasc. 1 (1977):
153-200, refere não apenas Luís de Molina, mas também Fernão Pérez, Fernão Rebelo,
Estêvão Fagundes; ainda Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron, “O debate sobre
a escravidão ameríndia e africana nas universidades de Salamanca e Évora”, in:
Jesuítas, ensino e ciência. Séculos XVI-XVIII, org. Luís Miguel Carolino e Carlos Ziller
Camenietzki (Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2005), 212-213, destacando a “discussão
diferenciada sobre a américa espanhola, a América portuguesa e a África”. Pode ainda

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1172 Margarida Seixas

relevante o exame particular de cada autor e dos seus textos, superando a


análise de conjunto, pois esta tem de bastar-se, necessariamente, com uma
generalização muito imprecisa29. Também muito relevante é a análise da
legislação, da jurisprudência e da prática contemporânea a estes autores,
estabelecendo um regime que demonstra a natureza “híbrida” do escravo
face ao ordenamento jurídico30.

2. A escravidão na obra de Francisco Suárez

Já no século XVII, Suárez daria continuidade às concepções ante-


riores31, embora o tema surja tratado na sua obra maioritariamente a
título acidental e com algum distanciamento, através da enunciação de

ver-se, embora sem referir muitos dos opositores à escravidão e desvalorizando o


seu papel, C. R. Boxer, A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770) (Lisboa: Edições 70,
1990), 45-53. Sobre a polémica causada pela ocupação da América e as posições de
muitos destes autores, de uma forma sintética e bem organizada, pode ver-se Jorge
Fonseca, Escravos e Senhores na Lisboa Quinhentista (Lisboa: Colibri, 2010), 26-33.
29. É esta, na minha opinião, a perspectiva que está presente no texto de Louis Sala-
Molins, “Théologie et philosophie choisissent leur camp: l’esclavage de Nègres est
légitime”, Déraison, esclavage et droit  – Les fondements idéologiques et juridiques de
la traite négrière et de l’esclavage (Paris: Éditions Unesco, 2002), 33-39, sem que me
pareça justificação suficiente a usada na p. 38 para a falta de referências a autores
de segunda linha que criticaram a escravidão: “Je rétorquerai que l’histoire de la
philosophie me force à m’intéresser aux philosophes reconnus d’abord et surtout, sinon
exclusivement”. Julgo que esta justificação não colhe porque, por um lado, também
quanto aos “reconhecidos” existem imprecisões no texto (por exemplo, na p. 37, numa
breve referência de três linhas, equipara Vitória, Suárez e Soto e nem sequer menciona
Molina); por outro lado, aqueles hoje enunciados como “reconhecidos” nem sempre
foram, nestas matérias como noutras, os mais lidos e influentes na época.
30. Para essa caracterização no Direito português, com amplo tratamento, Margarida
Seixas, Pessoa e Trabalho no Direito Português (1750-1878): escravo, liberto e serviçal,
cit., 83-161, demonstrando simultaneamente a sua natureza de pessoa/sujeito e de
coisa/bem semovente, consoante a área de regulação. F. de Borja Medina, SJ, “El
esclavo: ¿bien mueble o persona? Algunas observaciones sobre la evangelización del
negro en las haciendas jesuiticas”, Esclavitud, economía y evangelización: las haciendas
jesuitas en la América virreinal, compiladores Sandra Negro e Manuel M. Marzal (Lima:
PUCP – Fondo Editorial, 2005), 83-122, demonstra como a prática de comércio e de
evangelização da Companhia de Jesus (em especial na província peruana) caracterizou
o escravo como bem/res, ainda que com variações dentro dessa classificação (bem
móvel não precioso ou bem de raiz), e como pessoa (nas ordens sobre a evangelização,
no reconhecimento da sua igualdade, na condenação e proibição dos maus tratos  –
que todavia não era cumprida, como o Autor demonstra exaustivamente).
31. Como também assinala Luis Carlos Amezúa Amezúa, “La cláusula suareciana sobre
la esclavitud de los negros”, cit., vg. 245 e 253. Este texto aborda a utilização de uma

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1173

proposições abstractas, ou, quando muito, com referência a situações


hipotéticas32. No De legibus, o autor afirmava o direito de liberdade dos
homens, declarado pela própria natureza:

Por esta razão a liberdade é de direito natural, mais do que a escravidão,


porque a natureza fez os homens positivamente (por assim dizer) livres
com um intrínseco direito de liberdade; todavia não os fez positivamente
escravos, propriamente dizendo.33

E o mesmo resulta do afirmado na Defensio Fidei, num paralelismo –


frequente na obra de Suárez – com o poder político:

Existe o exemplo da liberdade do homem, a qual se opõe à escravidão: pois


[a liberdade] é de direito natural, porque o homem nasce livre por força
somente do direito natural, nem pode ser reduzido à escravidão sem algum
título legítimo [...].34

“cláusula” (consagrando o pagamento de um salário justo aos escravos negros pelo seu
trabalho nas minas, imprescindível para a obtenção de ouro e prata) tradicionalmente
atribuída a Suárez, na senda da indicação da sua autoria por Fernando de Rebelo, e,
posteriormente, por Diego Avendaño e Juan de Solórzano Pereira. Do mesmo autor,
referindo alguns destes e outros textos de Suárez, “Libertad natural y esclavitud
voluntaria: reflexiones de F. Suárez sobre la esclavitud”, Human rights and ethics/
Derechos humanos y ética – Proceedings of the 22nd IVR World Congress Granada 2005,
ARSP Beiheft Nº 108: 191-198.
32. Como, por exemplo, a propósito dos sacrifícios idólatras ou de imolação de crianças
e adultos, em que permite a sua libertação para salvar a vida dos mesmos, Francisco
Suárez, De fide (consultado em Opus De Triplici Virtute Theologica, Fide, Spe, Et
Charitate: In tres Tractatus, pro ipsarum virtutum numero distributum, Moguntiae:
Mylius Birckmannus, 1622), disputatio 18, sectio IV, 4, 171.
33. Francisco Suárez, Tractatus De legibus ac Deo legislatore in decem libros distributus,
cit., livro II, capítulo XIV, 16, 159: “Nam hac ratione libertas est de iure naturae, potius
quam servitus, quia natura fecit homines positive (ut sic dicam) liberos cum intrinseco
iure libertatis, non tamen ita fecit positive servos, proprie loquendo”. No mesmo sentido,
Ibid., livro II, cap. XVII, 2, 180: “Nam ius utile naturale dicitur, quando ab ipsa natura
datur, seu cum illa provenit, quomodo libertas dici potest ex iure naturali”. Ver ainda,
Ibid., no livro III, capítulo III, 7: “Nunc ostenditur ex adducto exemplo seu proportione
ad illud, nam libertas a servitute est naturalis hominis, et ideo dici solet esse de iure
naturae [...]”. Para confronto e confirmação das citações também utilizei a edição
crítica bilingue da obra, dirigida por Luciano Pereña Vicente, Corpus hispanorum de
pace, vols. XI-XV, (Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas – Instituto
Francisco de Vitoria, 1971-1981).
34. Francisco Suárez, Defensio fidei Catholicae et apostolicae aduersus Anglicanae sectae
errores: cum responsione ad Apologiam pro iuramento fidelitatis & Praefationem
monitoriam Serenissimi Iacobi Angliae Regis, Coimbra: Diogo Gomez de Loureiro,
1613, III, cap. II, 9, 220: “Exemplum est de libertate hominis, qu[a]e servituti opponitur:
est enim de iure naturali, quia ex vi solius naturalis iuris homo nascitur liber, nec potest

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1174 Margarida Seixas

Ainda assim, tal como a generalidade dos autores da época, Suárez


admitia também a escravidão. Essa admissão resulta já do final deste
trecho e fica mais clara na sua continuação:

[...] no entanto, o direito natural não prescreve que todo o homem se


mantenha sempre livre, ou (o que é o mesmo) não proíbe simplesmente
que o homem seja reduzido à escravidão mas apenas que tal não se faça ou
sem o livre acordo do próprio homem, ou sem justo título e poder.35

Resulta deste excerto que o direito natural não proibiria a redução


à escravidão, antes a admitiria, desde que constituída por justo título.
Esta admissão não impedia, contudo, o autor de afirmar noutra sede (De
religione):

Declaro simples e primeiramente que é evidente de um certo ponto de vista


que a escravidão de outro homem é uma vilíssima condição, propriamente
falando, involuntária e introduzida como gravíssima pena, porque muito
repugnante para a natural dignidade do homem.36

Esta repugnância face à dignidade natural prende-se com o reco-


nhecimento por Suárez, como em geral pelos autores dos séculos XVI e
XVII, de que a liberdade cabia, por direito natural, a todos os homens;
todavia, não a consideravam inalienável: podia ser vendida ou entregue
pelo seu próprio titular (neste sentido, escreveram não apenas os autores

sine legitimo aliquo titulo in servitutem redigi [...]”.


35. Ibid., livro III, capítulo II, 9, 20: “[...] ius autem naturae non praecipit, omnem hominem
semper manere liberum, seu (quod perinde est) non simpliciter prohibet, hominem in
servitutem redigi, sed solum, ut id non fiat vel sine libero illius consensu, vel sine iusto
titulo, et potestate”.
36. Francisco Suárez, Operis de religione: Pars secunda, quae est de statu religionis, ac
tomus tertius in ordine, complectens tractatum septimum de obbligationibus quae
religiosum constituunt [Lugduni: sumptibus Iacobi Cardon & Petri Cauellat, 1624],
tractatum 7, lib. 6, cap. 2, 20, 278: “Declaro singula, & prima quidam pars ex eo patet,
quòd seruitus mancipij respectu alterius hominis est vilissima conditio, per se loquendo,
inuoluntaria, & in grauissimam poenam introducta, vtpote multum répugnans naturali
dignitati hominis”

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1175

espanhóis e portugueses já referidos, mas também, por exemplo, Hugo


Grócio37 ou Samuel Pufendorf38).
Vários teólogos e juristas tinham estabelecido, em especial a partir
do século XVI (mas decalcados, em grande medida, dos textos do direito
romano justinianeu), quais os justos títulos para adquirir a condição
de escravo: i) cativeiro de guerra, ii) condenação por crimes graves, iii)
venda de si próprio ou de filho, iv) nascimento de mãe escrava39. Todos
ou quase todos afirmavam que a escravidão era uma prática difundida
entre os povos, embora tal não resultasse do direito natural, e sim de uma
convenção, como declarava Suárez:

Nesta mesma ordem coloco também a escravidão: pois o seu direito é


usado pelos povos e nações entre si. E tal não era necessário por força
da pura razão natural; podia na verdade, ter-se introduzido outro modelo
de penas, como afirmei. Mas actualmente é assim o direito, pelo que os
prisioneiros são obrigados a sujeitar-se a essa pena, como foi estabelecida,
e os vencedores não podem justamente punir de forma mais gravosa os
inimigos já vencidos, terminada a guerra, salvo por intervenção de outro
título especial.40

37. Hugo Grócio, De iure belli ac pacis libri tres, in quibus jus naturae et gentium; item
júris publici praecipua explicantur (Amesterdão: Johannem Blaev, 1646 [a 1ª edição
desta obra é de 1625]), livro II, cap. V, §. XXIX, 159: “Sed cum hoc jus naturaliter
ortum ducat ex ipsa necessitate, extra eam non est jus parentibus prolem suam cuiquam
addicere […]”. Grócio admitia o acordo que determinava a escravidão perpétua da
descendência não nascida dos escravos que se vendiam (livro III, cap. XIV, §. VIII,
547-548).
38. Samuel Pufendorf, De iure naturae et gentium libri octo (Lund: 1672 [1ª edição]), livro
VI, cap. III, §. 4, 840; §. 9, 847-848, entre outros trechos. Do mesmo Autor, De officio
hominis et civis iuxta legem naturalem libri duo (Leipzig: Gottlieb Gerhard Titius, 1709
[a 1ª edição é de 1673]), livro II, cap. IV, §.1, 510-511, e §.3, 513.
39. Para o desenvolvimento deste tema, podem ver-se as obras citadas, em especial as da
nota 28, bem como, para um tratamento extenso de cada uma das formas de aquisição
do estatuto de escravo no contexto jurídico-filosófico português, Margarida Seixas,
Pessoa e Trabalho no Direito Português (1750-1878): escravo, liberto e serviçal, cit.,
277-343.
40. Francisco Suárez, Tractatus De legibus..., cit., livro II, capítulo XIX, 8, 190: “In hoc
etiam ordine constituo servitutes: nam illo iure utuntur populi, et gentes inter se, et non
erat necessarium ex pura naturali ratione; posset enim alius modus poenae introduci, ut
dixi; nunc autem tale est hoc ius, ut et rei teneantur hanc poenam sustinere eo modo,
quo introducta est, et victores non possint iuste gravius punire hostes iam victos, et finito
bello, nisi alius specialis titulus interveniat.”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1176 Margarida Seixas

Como resulta do texto, a escravidão surge várias vezes associada ao


direito das gentes41 (direito que Suárez colocava “entre o direito natural e o
direito humano, mas mais próximo do primeiro”42), juntamente com outras
instituições. É assim quanto ao poder de domínio, exercido numa comu-
nidade imperfeita: em alguns casos, procedia do direito natural, como a
patria potestas ou o poder do marido sobre a esposa (por efeito do contrato
de casamento)43; noutros procedia do direito das gentes ou do direito civil,
como o poder sobre o cativo de guerra ou sobre o escravo que se vendeu:

[...] por vezes resulta do direito das gentes ou do civil, como o poder do
senhor sobre o escravo cativo de guerra; noutras, resulta de um contrato,
como o domínio sobre o escravo que se vendeu, de modo que parece o
poder que pelo voto de obediência é conferido àquele a quem a obediência
se promete.44

Nos seus textos, Suárez discutia o problema do domínio em


confronto com o da jurisdição, pois é esta que ocupa o papel central na
obra – no fundo a caracterização do domínio surge como forma de marcar
bem a delimitação entre ambos. Por isso, é assinalada outra diferença: o

41. Suárez dedica especificamente ao ius gentium os capítulos XVII, XVIII, XIX e XX, os
últimos do livro II do Tractatus De legibus..., cit., 180-184, 184-187, 187-191, 191-194.
Ver, em especial, para referências à escravidão adquirida por guerra, no capítulo XVII,
os §§. 2, 3; no capítulo XVIII, §§. 5, 8 e, para referência ao ius postliminio, §. 9.
42. Ibid., cit., livro II, capítulo XVII, 1, 180: “[...] est illi propinquissimum et quasi medium
inter naturale et humanum, et priori extremo vicinus”.
43. No mesmo sentido, ver, por exemplo, Francisco Suárez, Defensio fidei..., cit., livro III,
capítulo I, 8, 216: “Imo subiectio aliqua est homini naturalis, vel supposito naturali modo
generationis, ut est subiectio filii ad patrem, vel supposito aliquo pacto ut est subiectio
uxoris ad virum” ou, apenas quanto ao poder paternal, Ibid., livro III, capítulo II, 3, 218:
“[...] nam potestas patris in filium moralis est, et a Deo ipso ut auctore naturae immediate
confertur, non ut peculiare donum a natura omnino distinctum, sed ut necessario
consequens illam, supposito generationis fundamento, sicut e contrario subiectio filii ad
patrem naturalis est, et a Deo immediate, non ex peculiari institutione addita naturae,
sed ut necessario consequens ad talem naturam rationalem sic productam.”.
44. Francisco Suárez, Tractatus De legibus..., cit, livro I, capítulo VIII, 5, 27: “[...] aliquando
est ex iure gentium, vel civili, ut potestas domini in servum bello captum; interdum ex
humano contractu, et ut dominium in servum qui se vendidit, et huc spectat potestas,
quae per votum obedientiae confertur ei, cui obedientia promittitur”. Também, no livro
II, capítulo XVII, 2, 107: “Diz-se civil o que foi introduzido pelo direito civil, como
o direito de prescrição, das gentes aquilo que temos pelo uso comum das nações,
como o direito de transitar pelas vias públicas ou o direito de escravidão introduzido
pela guerra” (“Civile dicitur, quod ius civile introduxit, ut ius praescriptionis, Gentium
quod ex communi usu gentium habetur, ut est ius transeundi per vias publicas, vel ius
servitutis bello introductum”).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1177

poder de domínio traduz-se ordinariamente num poder benéfico àquele


sobre o qual é exercido, embora por vezes assim não seja (é apresentado
o exemplo do pacto voluntário, sem referir expressamente a venda de si
próprio); a jurisdição dirige-se, pelo contrário, ao bem da comunidade
(De legibus, I, VIII, 5, in fine). O poder de domínio tem natureza privada e
corresponde a um poder exercido sobre uma pessoa; a jurisdição é em si
um poder público e ordenado à comunidade (De legibus, I, VIII, 7). Mais
ainda: o poder de domínio pode dar comandos em nome da obediência ou
da justiça ou da piedade para exigir o que é seu ou o que foi prometido.
Quanto à propriedade privada, Suárez considerava-a introduzida por
direito das gentes e por direito civil, mas, indirectamente, procedendo de
Deus:

Porque imediatamente Deus não concedeu (digo ordinariamente) a um


homem domínio próprio e especial sobre as coisas, antes fez imediatamente
todas coisas comuns. A propriedade privada foi em parte introduzida pelo
direito das gentes, em parte pelo direito civil; e, no entanto, a propriedade
privada procede mediatamente de Deus, quer porque tem a sua origem na
primeira doação de Deus, quer porque com a sua geral providência a ela
concorre, quer ainda porque quer que ela seja respeitada, após ser consti-
tuída.45

E, de seguida, Suárez citava Santo Agostinho, que afirmava o funda-


mento humano da propriedade; e, ao lado de outras coisas, da propriedade
de um escravo:

Segundo disse [Santo] Agostinho: de onde possui cada um o que possui?


Não é por direito humano? Pois, por direito divino, a terra é do Senhor e
tudo o que nela existe; porém, por direito humano se afirma: esta quinta é
minha, esta casa minha, este escravo é meu.46

45. Francisco Suárez, Defensio fidei..., cit., livro III, capítulo II, 14, 222: “Nam immediate
non dedit Deus (ordinarie loquor) alicui homini proprium et peculiare dominium
alicuius rei, sed immediate omnia fecit communia. Privata autem dominia partim iure
gentium, partim iure civili introducta sunt, et nihilominus illa etiam privata dominia
sunt mediate a Deo, tum quia ducunt originem ex prima donatione Dei, tum etiam quia
per suam generalem providentiam ad illa concurrit, tum denique quia illa servari vult,
postquam sunt constituta.”
46. Ibid., cit., livro III, capítulo II, 14, 222: “Sicque dixit Augustin, tract. 6 in Ioan. in fine:
Unde quisque possidet quod possidet? Non ne iure humano? Nam iure divino domini est
terra, et plenitudo eius, iure tamen humano dicit, Haec villa mea est, haec domus mea,
hic servus meus est”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1178 Margarida Seixas

A propriedade é tolerada pelo direito natural, “não está contra o


direito natural positivo porque não existia nenhum preceito natural que a
proibisse”47.
Também relevante é a compatibilidade da escravidão com a fé cristã,
embora instrumental à confirmação da legitimidade do poder político:

A [São] Paulo, que afirmava “Não vos façais escravos dos homens”, se
responde que não fala de sujeição civil, nem mesmo da escravidão penal ou
rigorosa, pois nenhuma se opõe ou derroga o preço da redenção de Cristo,
pois o mesmo Paulo antes dissera “Eras escravo quando foste chamado?
Não te preocupes com isso.48

Suárez citava ainda São Paulo, na carta a Filémon (Flm. 1, 8-22),


afirmando que a conversão deste e do seu escravo Onésimo não punha em
causa o direito de propriedade do primeiro ou a escravidão do segundo49.
Aliás, noutro contexto, citando São João Crisóstomo no seu comentário
à primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios (I Cor. 7, 23), afirmava
que um escravo poderia continuar como escravo (condição social) mas
libertava-se (espiritualmente) se servisse o seu senhor como se servisse a
Cristo:

Logo, a obediência aos homens, sendo justa e honesta, não é contrária


à redenção de Cristo, mas é conforme a paz e a justiça. E assim explicou
aquelas palavras [São João] Crisóstomo que acrescenta também que o
escravo da condição servil, mantendo-se escravo segundo a condição

47. Francisco Suárez, Tractatus De legibus..., cit., livro II, capítulo XIV, 14, 158: “Divisio
ergo rerum non est contra ius naturale positivum, quia nullum erat naturale praeceptum,
quod illam prohiberet”. No mesmo sentido, Ibid., livro II, capítulo XIV, 16, 159: “Quo
sensu manifestum est divisionem rerum non esse contra ius naturale quod illam
prohibeat absolute et simpliciter.”. Ver os §§. seguintes (17 a 19, 159-160).
48. Francisco Suárez, Defensio fidei..., cit., livro III, capítulo IV, 22, 237: “Ad Paulum autem
respondetur, cum ait, Nolite fieri servi hominum, non loqui de civili subiectione, imo nec
de servitute poenali, seu rigorosa: neutra enim repugnat vel derogat pretio redemptionis
Christ, nam ibidem paulo antea dixerat, Servus vocatus es? Non sit tibi curae.”. No
mesmo sentido, repetindo em parte o que afirma neste ponto, Tractatus De legibus...,
cit., livro III, capítulo V, 12, 214.
49. Ibid., livro III, capítulo IV, 18, 235: “Quod certe satis confirmat Paulus in epist. ad
Philemonem, in qua manifeste supponit, propter fidem quam Philemon habebat et
Onesimus servus eius susceperat, nec illi fuisse ablatum ius dominii, nec huic servitutem
esse ademptam.” (“Confirma-o certa e suficientemente Paulo na carta a Filémon, na qual
supõe de forma manifesta não fora pela mesma fé que Filémon tinha e o seu escravo
Onésimo recebera que se extinguira o direito de domínio ou que fora anulada a sua
escravidão”).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1179

humana, se liberta da condição servil, não servindo o seu senhor como (a


um?) homem, mas como (a) Cristo.50

Quanto às formas de aquisição, Suárez admitia todas aquelas que


foram mencionadas supra. Admitia a escravidão de guerra, pois não reco-
nhecia a existência de guerra justa para os diferentes beligerantes:

Nos quais também consta que, se a alguém é lícito reduzir outro ao cati-
veiro ou à escravidão, inclusive pela força, por isso mesmo o outro está
obrigado a submeter-se e a não resistir, porque a não pode existir guerra
justa de ambas as partes.51

Tinha sido a prática dos homens que introduzira a possibilidade de


a captura em guerra justa dar lugar à escravidão, com apropriação de
um homem por outro homem, o que não resultava da razão natural (De
legibus, II, XVIII, 8). Porém, este tipo de escravidão estava já excluído nos
conflitos entre cristãos, por modificação do direito das gentes:

Mas, pelo contrário, pode uma comunidade estabelecer que uma certa
determinação de direito das gentes não seja cumprida no seu território e
entre os seus membros, e isto é possível e moral. Assim, o direito das gentes
sobre a escravidão dos cativos em guerra justa foi modificado na Igreja
e não é cumprido entre os cristãos por força de um antigo costume ecle-
siástico, o qual como direito das gentes especial entre os fiéis é por todos
observado, como notavam Bártolo e Covarrubias.52

50. Francisco Suárez, Tractatus De legibus..., cit., livro III, capítulo V, 12, 214: “Obedientia
ergo ad homines si sit iusta et honesta, non est contra Christi redemptionem, sed est
paci et iustitiae consentanea. Ataque ita exposuit illa verba Chrysostomus (Homilia
19, In 1 ad Corinthios) qui etiam addit posse servum, manentem servum secundum
humanam conditionem, exuere conditionem servile, non serviendo domino ut homini
sed ut Christo [...]”.
51. Ibid., cit., livro II, capítulo XVIII, 5, 186: “In quibus etiam constat si uni licet alterum
in captivitatem vel servitutem redigere, etiam cogendo illum, eo ipso teneri hunc ad
parendum et non resistendum, quia non potest esse bellum iustum ex utraque parte.”.
52. Ibid., livro II, capítulo XX, 8, cit., 194: “Alio vero modo potest aliqua communitas
praecipere, ut inter partes, et membra sua tale ius gentium non servetur, et hic modus
est possibilis, et moralis. Sic enim ius gentium de servitute captivorum in bello iusto
in Ecclesia mutatum est, et inter Christianos id non servatur ex antiqua Ecclesiae
consuetudine, quae veluti speciale ius gentis fidelis, et omnino servandum ut notavit
Barthol [us] in l. hostis, ff. de captivis, n. 16 et Covar [rubias] plures alios referens in
Regulae peccatum, 2 parte, § 11, num. 6)”. Também, por exemplo, no Defensio fidei...,
cit., livro III, capítulo II, 20, 224: “Quando ergo bellum iustum habuit titulum, tunc
revera privatur populus potestate quam habebat, et princeps, qui contra illum praevaluit,
verum ius et dominium talis regni acquisivit, quia, supposita iustitia belli, illa est iusta

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1180 Margarida Seixas

Suárez admitia igualmente a venda de si próprio. A questão era


muito discutida, nomeadamente a propósito da escravidão voluntária dos
Índios no Brasil53. Pode ilustrar-se a polémica com o debate entre Manuel
da Nóbrega e Quíricio Caxa, em 156754: a discussão nunca pôs em causa
a possibilidade de venda de si próprio ou de um filho; essa faculdade
era aceite por ambos. Como a venda somente era permitida em caso de
necessidade, o dissenso residia na qualificação dessa necessidade, que
tinha de ser grande para Caxa mas extrema para Nóbrega. A posição de
Nóbrega retomava a interpretação dominicana de São Tomás, na linha
de Francisco de Vitória e de Domingos de Soto (citando expressamente
este último55), considerando a liberdade humana como inalienável em
regra. Todavia, perante o conflito entre a preservação da própria vida e a
perda da liberdade, é a primeira a prevalecer, ou seja, podia alienar-se a
liberdade desde que em caso de extrema necessidade. Manuel da Nóbrega
aduzia a facilidade com que os colonos enganavam os indígenas para que
vendessem a sua liberdade, o que estes faziam sem consciência integral
das consequências dessa alienação.
O problema também era discutido por Luís de Molina, que aceitava
a escravidão voluntária:

[…] o homem não é apenas senhor dos seus bens externos, mas também
da própria honra e fama […], assim também é senhor da sua liberdade e
segundo o direito natural pode aliená-la e sujeitar-se à escravidão.56

poena, sicut capti in iusto bello privantur libertate a natura concessa, et efficiuntur vere
servi in poenam iustam.”.
53. Sobre esta problemática, ver, por exemplo, José Eisenberg, “A escravidão voluntária
dos índios do Brasil e o pensamento político moderno”, in Análise Social, vol. XXXIX,
170 (2004): 11-12.
54. A discussão epistolar traduziu-se num conjunto de cartas trocada entre os dois jesuítas.
A única cópia hoje disponível é a da Biblioteca Municipal de Évora, Livro sobre os
índios do Brasil, códice CXVI/1-33, fls. 145-146.
55. Segundo José Eisenberg, “A escravidão voluntária dos índios do Brasil e o pensamento
político moderno”, cit., 24, nota 44, Manuel da Nóbrega cita Soto e não Vitória porque
“o De iustitia et iure de Soto foi publicado quatro anos antes do relectio De indis (1557),
primeira obra de Vitória a vir a público. O tratado de Soto tornou-se a principal
referência da teoria legal dominicana no período”.
56. Luís de Molina, De iutitia et iure, cit., II, tractatus II, disputatione 33, col. 160, cit.: “[…]
hominem, sicut non solum externorum suorum bonorum, sed etiam proprii honoris
& famae est dominus […] sic etiam dominium esse suae libertatis, atque adeò stanto
in solo iure naturali, posse eam alienare, seque in servitutem redigere.”. Também na
disputatione 35, col. 181A a 184E.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1181

Molina enunciava as várias condições necessárias para que a venda


fosse válida e admitia ainda a venda dos filhos, em estado de neces-
sidade57, embora considerasse que era indispensável averiguar se estes
eram vendidos sem qualquer necessidade ou mesmo se não eram crianças
raptadas pelos vendedores e apresentadas como filhos destes58.
Nesta mesma linha, Suárez afirmava expressamente no De legibus
que o homem, sendo senhor da sua liberdade, a podia vender:

[...] se a natureza deu a cada um a liberdade e o seu domínio, não proibiu


em absoluto o poder privar-se dela. Pois, em primeiro lugar, pelo próprio
facto de o homem ser dono da sua liberdade, pode vendê-la ou aliená-la.59

Também na Defensio fidei encontramos a possibilidade da venda de si


próprio, como exemplo de uma instituição simplesmente humana:

Há um exemplo na escravidão: pois se algum homem se vende a outro


como escravo, aquela escravidão é simplesmente de direito humano, e o
poder que o senhor recebe sobre o escravo foi-lhe dado de forma imediata
pelo próprio escravo por força do poder e da liberdade natural que o mesmo
recebeu imediatamente do autor da natureza.60

Mas, uma vez que alguém se vendia ou se entregava como escravo,


renunciava à sua liberdade e não podia libertar-se por sua vontade – de
novo, esta afirmação servia para uma analogia com o poder político, pois

57. Ibid., disputatione 33, col. 160E e 161A para o primeiro aspecto e col. 161D/E e 162 e
disputatione 35, col. 181C e ss. para o segundo.
58. Ibid., disputatione 35, col. 181C. Sobre o tema, já antes tinham escrito vários autores;
ver, por exemplo Domingos de Soto, De Iustitia et Iure (Lugduni, apud Gulielmum
Rovillium, 1559), liber IV, quaestio II, articulus II Vtrum homo homini dominus esse
possit, 209-211, e também Martim Azpilcueta (Doutor Navarro), a questão está tratada
em Enchiridion, sive manuale confessariorum el panitentium (também editado apenas
como Manuale confessarionum et poenitentium) (Antuerpia, apud Philip Nedium,
1573), cap. XXIII De septem vitiis capitalibus, §.11 De fraude filia sexto genita avaritiae,
nºs 95-98, fls. 190-191.
59. Francisco Suárez, Tractatus De legibus..., cit, livro II, capítulo XIV, 18, 160: “[...] quam
vis natura dederit libertatem, et dominium eius, non tamen absolute prohibuisse, ne
auferri possit. Nam in primis eo ipso, quod homo est dominus suae libertatis, potest eam
vendere, seu alienare”.
60. Francisco Suárez, Defensio fidei..., cit., livro III, capítulo II, 17, 223: “Exemplum est
in servitute: nam si aliquis homo se vendat in servum alteri, servitus illa simpliciter est
de iure humano, et potestas quam dominus in servum accipit ab ipso servo immediate
data est per potestatem et libertatem naturalem quam ipse immediate habuit ab auctore
naturae.”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1182 Margarida Seixas

a “transferência” do poder político para o rei não permitia ao povo recupe-


rá-lo (embora Suárez tenha previsto excepções a esta regra61):

Logo, ainda que o rei tenha recebido do povo aquele domínio por força de
doação ou contrato, não pode o povo privar o rei desse poder nem reclamar
novamente a sua liberdade. Do mesmo modo, a pessoa particular que
renunciou à sua liberdade e se vendeu ou deu como escravo não pode mais
tarde eximir-se da escravidão a seu arbítrio.62

Suárez também referia que o Estado podia, com uma razão justa (por
exemplo, para o castigar), privar o homem da sua liberdade63. Embora
associemos actualmente este castigo à pena de prisão, nos séculos XVI
e XVII, a legislação portuguesa previa preferencialmente a pena de galés
(trabalhos forçados) e mesmo a pena de servidão/escravidão, mas esta
última de forma muito menos frequente do que em séculos anteriores.
A obediência ou submissão devida ao senhor era aquela que já São
Pedro, citado por Suárez, recomendara:

E depois ordena aos escravos que se sujeitem aos seus senhores, não apenas
aos bons mas também aos severos.64

E Suárez afirmava reiteradamente esse dever de obediência:

Quanto ao terceiro argumento (fundado no último [capítulo] de Mat[eus],


[28, 20]), em primeiro lugar, quando Cristo ensinou a obedecer a tudo
o que vos tinha ordenado, não excluiu outras ordens [...] Assim nessas

61. Por exemplo, Ibid., livro III, capítulo III, 3, 225: “E pela mesma razão, se o rei justo
transformou o seu poder em tirania, abusando dele em manifesto prejuízo da comunidade,
pode o povo usar o poder natural para se defender; pois dele nunca se privou.” (“Et
eadem ratione si Rex iustam suam potestatem in tyrannidem verter et, illa in manifestam
ciuitatis perniciem abutendo, posset populus naturali potestate ad se defendendum vti,
hac enim nunquam se priuauit”).
62. Ibid., livro III, capítulo III, 2, 224: “Ergo quamvis rex habuerit a populo illud dominium
per donationem vel contractum, non ideo licebit populo dominium illud regis auferre,
nec libertatem suam iterum usurpare. Sicut particularis persona quae suae libertati
renunciavit et se in servum vendidit aut donavit non potest postea suo arbitrio se a
servitute eximere.”.
63. Francisco Suárez, Tractatus De legibus..., cit, livro II, capítulo XIV, 18, 160: “Respublica
etiam per potestatem altiorem, quam habet ad regendos homines, potest ex justa causa
(ut in poenam) hominem privare sua libertate”.
64. Francisco Suárez, Defensio fidei ..., cit., livro III, capítulo IV, 10, 233: “Et deinde praecipit
servis subditos esse dominis, non tantum bonis, sed etiam discolis.”. No mesmo sentido,
Tractatus De legibus..., cit, livro III, capítulo V, 11 (in fine), 214.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1183

palavras está incluído que os fiéis devem obedecer aos seus pais, os servos
aos senhores e os súbditos aos superiores.65

Ainda assim, o poder que o dominus tinha sobre o escravo não era
um poder absoluto e antes um “quase-domínio”, que excluía a possibi-
lidade de matar ou maltratar o servo:

E aqui se segue a segunda diferença, porque no poder de jurisdição encon-


tra-se uma força coerciva e coactiva muito superior à do poder de domínio
[…] E, assim, não pode o senhor maltratar o escravo, segundo o direito
civil, e convém ao Estado que as penas mais severas não possam ser
impostas senão pela autoridade pública.66

Todavia, admitia de forma expressa a venda do escravo, separando-o


do cônjuge, dos pais ou dos filhos, desde que o dominus alegasse causa
razoável ou honesta67  – o que traduziria, obviamente, uma enorme
violência exercida sobre os escravos.
Em síntese68, Suárez aceitava a escravidão como instituição legítima,
ainda que com limites quanto às formas de aquisição e quanto ao trata-
mento do escravo e aos poderes do senhor sobre o mesmo. Sobressaía
sempre a dimensão humana, a pessoa do escravo. Seria, porém, necessário

65. Francisco Suárez, Tractatus De legibus..., cit, livro III, capítulo V, 11, 213-214:
“Ad tertium (ex Mat. ultimo) primo Christum dicendo docentes eos servare omnia
quaecumque mandavi vobis, non excluisse alia [...] Unde in illis verbis continetur quod
fideles debant obedire parentibus et servi dominis et subditi praelatis.”.
66. Ibid., livro I, capítulo VIII, 5, 27: “Atque hinc sequitur secunda differentia, quia in
potestate iurisdictionis multa maior vis ad coercendum, et cogendum invenitur, quam
in potestate dominativa [...] Et ita non licet domino saevire in servum, ut dicunt iura
civilia, expeditque reipublicae, ut severior correctio non nisi auctoritate publica fiat.”.
Igualmente em Operis de religione: Pars secunda..., tractatum 7, lib. 9, cap. 4, 1, 278.
67. Francisco Suárez, De sacramentis, consultado na edição Commentariorum ac
disputationum in tertiam partem divi Thomae; tomus tertius: qui est primus De
sacramentis (Mainz: Balthasar Lippius, 1619), a propósito do baptismo dos filhos dos
infiéis, disp. XXV, quanto aos filhos, sec. IV, 263-266; quanto aos filhos e cônjuges,
sec. V, 267-269 (afirmando, na 268, col. 2, que o poder paternal se transfere para o
senhor  – “ius paternum translatura in dominum”  – e que este exerce apenas o seu
direito); também quanto aos filhos, sec. VI, 269-271.
68. E sem pretensão de exaustividade, uma vez que o meu objectivo é a exemplificação do
pensamento de Suárez através de uma amostra dos seus textos. Para uma indicação
de alguns dos textos que refiro neste artigo e de outros que não menciono, pode ver-se
Luis Carlos Amezúa Amezúa, “Libertad natural y esclavitud voluntaria: reflexiones de
F. Suárez sobre la esclavitud”, cit., indicando excertos das seguintes obras: De opere sex
dierum, Defensio fidei, De legibus, De sacramentis, De charitate, De censuris, De fide, De
religione, De incarnatione, De iustitia Dei.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1184 Margarida Seixas

que outras ideias (ou estas, com novas roupagens e diferente contexto)
se afirmassem para que a escravidão pudesse ser considerada ilegítima
e fosse defendida a sua abolição, mesmo que gradual, num pensamento
mais claramente anti-esclavagista.

3. Escravidão e trabalho livre

Interessa agora, após a análise do tema da escravidão na obra de


Francisco Suárez, apontar como, conceptualmente, se caracterizava e
distinguia o trabalho livre do trabalho escravo. Mesmo no século XVII,
era ainda comum encontrar uma distinção em função do tempo de
vinculação: ao contrário dos escravos, os livres não estavam obrigados a
trabalhar perpetuamente.
Uma distinção mais rigorosa, fundada no tipo de obediência exigível,
pode ser encontrada na obra de Suárez, no trecho citado logo no início.
Tal como muitos autores da época, inseria os servos na família, comu-
nidade imperfeita. Na sociedade portuguesa contemporânea a Suárez (e
mesmo na dos séculos seguintes), quanto ao serviço dos criados, o enqua-
dramento era mais familiar que profissional. Porém, para alguns aspectos
sobre o pagamento de soldadas (sua prova), o “despedimento” (o lançar
fora do criado pelo senhor ou o deixar o senhor pelo criado) antes do prazo
acordado e a indemnização por danos causados pelo criado, existiam
algumas normas nas Ordenações69.
Todavia, embora Francisco Suárez afirmasse que os escravos estavam
obrigados a obedecer aos seus senhores, tal como os criados (famulis)70,
estes últimos apenas deviam obediência ao seu amo naquilo a que esti-
vessem obrigados pelo seu ofício, no trecho citado logo no início e a que
agora regresso:

De igual modo, também o escravo deve em consciência obedecer ao


senhor, como ensinou Paulo no lugar citado e Pedro no cap. 1 de coniugio

69. Ordenações Filipinas, livro IV, títulos XXXIII (Que se não possa pedir soldada, ou serviço
passados tres annos), XXXIV (Do que lança de casa o criado que tem por soldada) e
XXXV (Do que demanda ao criado o dano que lhe fez), (Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1985), 811-812.
70. Também distinguindo o poder sobre os famulis (que designava oeconomica) como
diferente do poder sobre os escravos e sobre filhos, Francisco Suárez, De fide, cit.,
disputatio 18, sectio V, 1, 173.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1185

servorum, e assim todos os criados no que pertence ao seu ofício, o que é


igualmente evidente […].71

Chamo a atenção para a inserção deste passo no capítulo XXI do


livro III, De lege humana et civili, a propósito da questão “Utrùm lex civilis
possit subditos obligare in conscientia foro” (“Se a lei civil pode obrigar os
súbditos no foro da consciência”). No §. 8, Suárez começava por afirmar
que o poder é necessário à governação das comunidades perfeitas (reipu-
blicae humanae) tal como à das inferiores e imperfeitas, em que o filho deve
obediência ao pai, a mulher ao marido e os escravos aos senhores. Suárez
juntava, na mesma oração, servos e criados, e, como consta do trecho
transcrito, afirmando que os criados devem obediência aos amos (igual-
mente dominus) mas apenas no que respeitasse ao seu ofício. Salientado a
originalidade desta construção, afirmou o Professor Manuel Alonso Olea:

[...] ao reflectir incidentalmente sobre os tipos de obediência devidos, do


servo diz simplesmente que está obrigado a obedecer ao seu amo, quanto
aos «criados» – famulis – afirma que apenas devem obediência «naquilo
a que, pelo seu ofício, estão obrigados a fazer», únicos serviços que podem
ser exigidos do trabalhador que arrendou os seus [...].72

Julgo que esta é uma interpretação correcta do trecho acima trans-


crito; no entanto, parece-me que a conclusão seguinte é já uma suposição
que não encontramos em Francisco Suárez:

[...] e que ademais o fez, supõe Suárez, pressupondo locador e locatário


as prestações certas que derivam, dir-se-ia hoje, do ofício ou qualificação
profissional [...].73

71. Francisco Suárez, De legibus ac Deo legislatore in decem libros distributus, cit., livro III,
capítulo XXI, 8, 171: “Similiter etiam servus tenetur in conscientia parere Domino, ut
plane docet Paulus locis citatis, & sumitur ex 1. Petri a ex. cap 1. de coniugio servorum,
& de omnibus famulis in eo, quod ex officio facere tenentur, idem est manifestum […]”.
72. Manuel Alonso Olea, De la servidumbre al contrato de trabajo (Madrid: Tecnos, 1979),
29: “[...] al reflexionar éste incidentalmente sobre los tipos de obediencia debidos, del
siervo dice sin más que está obligado a obedecer a su amo, mientras que los ‘criados’ –
famulis – afirma que sólo deben obediencia «en lo que por su oficio están obligados a
hacer», únicos servicios que pueden ser exigidos del trabajador que ha arrendado los
suyos [...]”.
73. Ibid.: “[...] y que además lo ha hecho, supone Suárez, en contemplación arrendador y
arrendatario de las prestaciones ciertas que derivan, se diría hoy, del oficio o cualificación
profesional [...]”. Do mesmo Autor, “La Persona Humana y la Prestacion de sus
Servicios (Un apunte sobre historia de las ideas de Bodino a Hegel)”, Anales de la Real
Academia de Ciencias Morales y Políticas, núm. 53 (1976): 210-212.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1186 Margarida Seixas

Parece-me excessiva a referência a uma qualificação profissional, pois


esse é um conceito actual, que não pode ser, na minha opinião, comparado
com o conceito de ofício do século XVII. Porém, esta não equiparação não
põe em causa que o texto de Suárez distinguia com clareza o dever de
obediência dos trabalhadores livres e o limitava a certas funções.
Esta clareza do texto de Francisco Suárez, surpreendente para o
início do século XVII e face a alguns autores contemporâneos e poste-
riores pode, contudo, não ser tão original como tem sido considerada74.
Um manuscrito ainda inédito do professor conimbricense Cosme de
Magalhães (1551-1624)75, um tratado De restituitione76, revela uma carac-
terização muito mais completa:

Tem o senhor, para com os serviçais que arregimentou, aquela jurisdição


que, entre si e eles mesmos, foi ajustada ao momento do contrato. De onde
se segue que, se um serviçal foi contratado para determinadas tarefas, não
pode o senhor obrigá-lo indistintamente a quaisquer outras. Se porém não
se houver ajustado limitação alguma no momento do contrato, [pode obri-
gá-lo] às tarefas que os serviçais de sua condição costumam comummente
prestar.

Acresce que num outro tratado De restituitione do mesmo período,


também inédito, do professor da Universidade de Évora Pedro Simões
(1539-1619)77, encontramos, igualmente de forma clara, essa vinculação
contratual como causa da obediência, num sentido semelhante ao presente
no texto de Cosme de Magalhães:

No que toca à jurisdição sobre os criados que não são escravos, e que
servem com base num contrato, deve observar-se que o senhor terá sobre
eles tanta autoridade quanto ficar estipulado no contrato, de modo que, se

74. Luís de Molina, De iutitia et iure, II, disp. 505, De famulis qui ad seruiendum locant, col.
1135-1138, e disp. 506, De iusta famularum mercede, col. 1138-1044, desenvolve com
bastante pormenor esta matéria.
75. Sobre o Autor, v. algumas notas em Mário Santiago de Carvalho, O Curso Filosófico
Jesuíta Conimbricense (Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018), 15-16.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1544-8.
76. Este texto (De materia restitutionis, BNP, cod. 5995) está a ser preparado para edição
na colecção A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Salamanca, Coimbra e Évora
(Século XVI), dirigida por Pedro Calafate.
77. Também este texto (Materia de restitutione, BNP, cod. 6015) está a ser preparado
para edição, no mesmo volume da colecção Escola Ibérica da Paz, dirigida por Pedro
Calafate. O tratado deve ter sido redigido no final do século XVI, talvez um pouco antes
do tratado de Cosme de Magalhães.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1187

o contrato não for limitado a certos serviços, o criado terá de obedecer em


todas as coisas em que os outros criados da sua condição e qualidade em
geral obedecem, mas, se o contrato for limitado a certos serviços, só tem de
prestar esses.

Os textos são bastante mais extensos e merecem, noutra sede, análise


mais detalhada. O que interessa aqui destacar é o rigor de Pedro Simões
e de Cosme de Magalhães nesta matéria, demonstrando que o mesmo
não era estranho entre os autores da Escola Ibérica da Paz, sem excluir
a possibilidade do conhecimento dos manuscritos  – em especial do
primeiro referido – pelo próprio Suárez e/ou o conhecimento por Cosme
de Magalhães de manuscritos do doctor eximius. Os dois autores foram
contemporâneos em Coimbra e o texto de Cosme de Magalhães foi escrito,
com fortíssima probabilidade, ainda no século XVI ou nos primeiros anos
do século XVII, pois as referências do mesmo às Ordenações do Reino
correspondem às Ordenações Manuelinas, em vigor até 1603, ano em que
passaram a vigorar as Ordenações Filipinas. Suárez começou a ensinar em
Coimbra em 1597 e, embora o De legibus apenas seja publicado em 1612,
existem manuscritos bastante anteriores78.
O texto do De legibus aqui sub judice pode ser confrontado com um
outro texto de Suárez, um parecer manuscrito, publicado muito poste-
riormente79 e que foi já alvo de uma análise recente por Francisco J.
Andrés Santos e Luís Carlos Amezúa Amezúa, em dois diferentes textos80.
O parecer responde a interessantes questões sobre algumas cláusulas de
contratos celebrados com certos serviçais ou criados ao serviço da casa
de Bragança, no contexto familiar acima mencionado, mas sem afastar
a natureza também contratual da relação jurídica estabelecida. Não cabe
nesta sede uma análise pormenorizada do parecer – que já foi efectuada
pelos autores mencionados – mas apenas realçar essa natureza contratual

78. Sobre o processo de elaboração da obra e os vários manuscritos existentes, pode ver-
se a edição do De Legibus dirigida por Luciano Pereña Vicente, Corpus hispanorum de
pace, vol. XI, cit., XXVI-XLI.
79. Francisco Suárez, “Utrum licitae sunt conditiones positae familiaribus domini, domini
Alexandri Brigantini? Consilium”, Conselho e Pareceres, volume II, tomo II (Coimbra:
por ordem da Universidade, 1952), 335-347.
80. Consultei o seguinte: Francisco J. Andrés Santos e Luis Carlos Amezúa Amezúa, in
“Observaciones sobre el contrato de servicios a la luz de un dictamen de Francisco
Suárez”, O Sistema Contratual Romano, coord. Jorge Miranda, org. de Eduardo Vera-
Cruz Pinto (Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Coimbra Editora,
2010), 427-447.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1188 Margarida Seixas

muito marcada e referir brevemente dois aspectos relevantes para o tema


aqui tratado.
O primeiro está contido na resposta à sétima dúvida colocada: se era
lícita uma cláusula contratual que estabelecia um tempo de serviço remu-
nerado (seis anos), a que se seguiria um período de serviço não remu-
nerado81. A resposta de Suárez é muito assertiva, considerando a cláusula
injusta e iníqua, pois o consentimento do serviçal não era prestado livre-
mente mas sob coacção, determinada pela necessidade daquele que se
obrigava a servir:

À sétima [dúvida], respondo que o contrato me parece injusto e não


encontro qualquer forma de o justificar [...] o servo, neste caso impõe a si
próprio essa obrigação, não voluntária mas coactivamente, por necessidade
de servir, à qual necessidade de algum modo o senhor o vende, porque o faz
ficar obrigado de forma tão desigual.82

Como salientam Andrés Santos e Amezúa, esta resposta é difícil de


compatibilizar com a admissão por Suárez da venda de si próprio ou de
um filho como escravos, em caso de necessidade: como pode ser injusto
um contrato que impõe serviço gratuito a um dos contraente (mas que
se mantém livre) e admissível um contrato que transforma em escravo
um dos contraentes? Como pode considerar-se que o consentimento do
primeiro não é livre e que a do segundo o é? Os autores afirmam que
“Suárez não é coerente”83, pois a escravidão voluntária “não pode ter outra
causa senão a situação de necessidade ou pobreza extrema de quem põe à
venda a sua própria pessoa”84. Esta necessidade  – mais extrema ainda  –
teria de ser causa suficiente para invalidar a venda de si próprio, pois

81. Francisco Suárez, “Utrum licitae sunt conditiones positae familiaribus domini, domini
Alexandri Brigantini? Consilium”, cit., 336: “Quaeritur septimo, an sit justus sequens
contractus:vsque ad sextum annum remunerabo tibi justo praetio obsequia, quae mihi
praestiteris, sexennio vero elapso incurres obligationem, ut nullam a me remunerationem
excectes, quandiu mihi deinde servieris”.
82. Ibid., 340: “Ad septimum dico praepositum contractum mihi videri injustum, neque
a me inveniri posse viam aliquam ad illum justificandum [...] servum in eo caso non
voluntarie, sed coactae talem sibi imponere obligationem propter necessitatem serviendi,
quam necessitatem Dominus illi quodammodo vendit, dum facit euam tam inaequaliter
obligari.”.
83. Francisco J. Andrés Santos e Luis Carlos Amezúa Amezúa, “Observaciones sobre el
contrato de servicios a la luz de un dictamen de Francisco Suárez”, cit., 439: “[...]
Suárez no es coherente [...]”.
84. Ibid., 440: “[...] no puede tener otra causa sino la situación de necesidad o pobreza
extrema de quien pone su misma persona a la venta [...]”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1189

feria a vontade livre do contraente, que agia “não voluntária mas coactiva-
mente” ou, pelo menos, era passível de tornar o contrato usurário, pois o
comprador explorava essa situação de necessidade.
Esta posição reforça a natureza casuística de muitos dos textos dos
autores da Segunda Escolástica, que admitiam uma variação nem sempre
coerente face a princípios afirmados como imutáveis, evidenciando a difi-
culdade de responder a problemas concretos criticando abertamente insti-
tuições consolidadas.
O outro aspecto é tratado na resposta à décima dúvida, perguntan-
do-se se o serviçal podia ser obrigado a tarefas ou obrigações não previstas
no contrato inicialmente celebrado, desde que a remuneração já paga fosse
suficiente para a ampliação. Suárez respondia favoravelmente, embora
afirmasse que o serviçal podia despedir-se, se não lhe agradasse essa modi-
ficação, e que, apesar de verificar “alguma força e violência”, a mesma não
era “injusta” desde que o pretendido não excedesse “os limites da justiça”85.
Parece existir aqui uma flexibilidade quanto ao objecto contratual, pois o
serviçal obedeceria já não ao estritamente estipulado no contrato, numa
aproximação ao ius variandi (faculdade do empregador de alargar unila-
teralmente o objecto do contrato de trabalho), mas com o limite da remu-
neração justa.
No Tratado jurídico de Gregório Martins Caminha, numa edição de
1610, contemporânea de Suárez, encontramos a minuta de contrato a
celebrar entre o amo e o trabalhador livre que o servia a troco de soldada;
este último obrigava-se nos seguintes termos:

Saybam quantos este contrato virem como eu ff. morador em tal parte,
digo que eu me ponho a soldada com vós ff. que estaes presente por tantos
annos, que começaram por tal dia, pera que vos sirva o ditto tempo em
todo, o que me mandares, que honesto, e possivel seja.86

85. Francisco Suárez, “Utrum licitae sunt conditiones positae familiaribus domini, domini
Alexandri Brigantini? Consilium”, cit., 344: “[...] nisto intervém alguma força e violência,
no entanto esta não é injusta, desde que o que é pretendido não exceda os limites da
justiça” (“[...] in hoc intervenire aliqua vis, et violentia, ea tamen non est injusta cum id
quod modo postulatur, non excedat limites justitiae”).
86. Gregório Martins Caminha, Tractado da forma dos libellos, e das allegações judiciaes,
e do processo do juizo secular, & ecclesiastico, & dos contratos com suas glosas do
licenciado Gregorio Martins Caminha. Reformado de novo com addições, e annotações
copiosas das Ordenações novas do Reyno, leys de Castella, & modernos, & outras formas
de libellos, petições, & allegações judiciaes com a conferencia dos titulos das Ordenações
antiguas com as novas. Compostas pello Doutor Joam Martins da Costa (Lisboa: Pedro
Crasbeeck, 1610), fl. 88vº.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1190 Margarida Seixas

Este amo era servido não apenas a troco de um ordenado que pagava
em dinheiro mas também mediante certas condições, que podiam ser as
seguintes, na mesma minuta: “E vós o dito ff. Me aveis de dar de comer
e beber, vestir, e calçar, e cama, em que durma, e vida razoada, e tantos
cruzados de soldada em cada hum anno por tal dia, &c.”87.
A obediência ao amo surgia aqui já delimitada, não pela função ou
ofício exercido, como encontramos em Suárez, mas circunscrita ao que
fosse “honesto e possível”. Ficava, todavia, bem marcado o pressuposto
no texto de Suárez: esta era uma relação contratual e regulada pelas cláu-
sulas acordadas entre as partes contraentes.

Conclusão

Durante muito tempo, permaneceria ainda a falta de rigor que


alicerçava a distinção entre o trabalho dos escravos e o trabalho dos livres
no critério do tempo de vinculação. Assim, por exemplo, em Hugo Grócio
(1583-1645), encontra-se uma servidão praeter perfectam, limitada, que
incluía quer a escravidão por tempo determinado (como a prevista entre
os judeus, por sete anos88), quer a dos “mercenários”, trabalhadores por
conta de outrem, apontando o exemplo dos aprendizes em Inglaterra89,
por referência à condição bastante gravosa dos mesmos.
Gradualmente, em especial a partir do século XVIII, o critério
mudaria, começando a acentuar-se a liberdade na vinculação. Por exemplo,
a propósito dos “criados alheios ou serviçais”, afirmaria o conhecido
jurista português e professor em Coimbra, Pascoal José Mello Freire dos
Reis (1738-1798), ainda no final do século XVIII:

Aqueles que estiverem ao serviço de outrem não são propriamente escravos,


pois servem por sua vontade, Ord. Liv. 4, tit. 28 Man. 17, Afons. 25 […].90

87. Ibid.
88. Hugo Grócio, De iure belli ac pacis libri tres, in quibus jus naturae et gentium; item júris
publici praecipua explicantur (Amesterdão: Johannem Blaev, 1646 [a 1ª edição desta
obra é de 1625]), livro II, cap. V, §. XXX, 159-160.
89. Ibid., livro II, cap. V, nota ao §. XXX, 169: “Mercenariorum] Inter quos ii in Anglia
apprenrisii dicuntur durante disciplinae suae tempore proxime ad servilem conditionem
accedunt”.
90. Pascoal José de Mello Freire, Instituições de Direito Civil Português, edição traduzida
por Miguel Pinto de Meneses (Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa, 1966), Livro II,
Título I, § XIV, 20, sublinhado meu. Na outra edição que consultei, Institutiones juris
civilis Lusitani: cum publici tum privati (Lisboa: Typ. Academia Regia, 1828), Volume

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1191

Este parágrafo está inserido na obra Instituições de Direito Civil


Português, no Livro II, Do direito das pessoas, no título I, Dos livres e
escravos, e imediatamente a seguir aos capítulos dedicados aos escravos
e servos, o que denota uma concepção muito típica do direito português
antigo, de estreita proximidade entre escravos e serviçais ou criados.
Assim, mais de cento e setenta anos após o texto de Suárez, era utilizado
um critério mais rigoroso que o do tempo de vinculação, o da vontade
livre de servir outrem, que não fazia do criado “propriamente” escravo
(seria apenas impropriamente escravo?). Este era, ainda assim, um critério
de menor sofisticação técnica face à limitação em função do ofício.
Esta limitação da obediência em função do ofício do trabalhador,
adoptada por Francisco Suárez  – que actualmente se afigura adequada
e tecnicamente precisa – era, no século XVII, incomum, porque pressu-
punha um limite para a subordinação, alicerçado na natureza contratual
da relação existente entre o senhor/amo e o serviçal/criado e, em contra-
partida, uma dilatação da esfera de liberdade em que o domínio do
primeiro não poderia ser exercido sobre o segundo.

Referências

Andrés-Gallego, José e Jesús Maria García Añoveros, La Iglesia y la esclavitud de los negros,
Pamplona: EUNSA, 2002.
Amezúa Amezúa, Luis Carlos, “La cláusula suareciana sobre la esclavitud de los negros”,
Pensamiento: Revista de investigación e Información filosófica, Vol. 74, Nº Extra 279
(2018) (Ejemplar dedicado a: Francisco Suárez (1548-1617). ¿Un mero antecedente de la
modernidad o una variante posible?): 237-262.
Amezúa Amezúa, Luis Carlos, “Libertad natural y esclavitud voluntaria: reflexiones de F. Suárez
sobre la esclavitud”, Human rights and ethics/Derechos humanos y ética – Proceedings of
the 22nd IVR World Congress Granada 2005, edição de Andrés Ollero, ARSP Beiheft Nº 108/
Archiv für Rechts-und Sozialphilosophie, 191-198, Estugarda: Franz Steiner Verlag, 2007.
Andrés Santos, Francisco J. e Luis Carlos Amezúa Amezúa, “Observaciones sobre el contrato de
servicios a la luz de un dictamen de Francisco Suárez”, in O Sistema Contratual Romano,
coordenação de Jorge Miranda e organização de Eduardo Vera-Cruz Pinto, 427-447,
Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Coimbra Editora, 2010.
Azpilcueta, Martim [Doutor Navarro], Enchiridion, sive manuale confessariorum el panitentium,
Antuerpia, apud Philip Nedium, 1573.
Boxer, C.R., A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770), Lisboa: Edições 70, 1990.
Caminha, Gregório Martins, Tractado da forma dos libellos, e das allegações judiciaes, e do processo
do juizo secular, & ecclesiastico, & dos contratos com suas glosas do licenciado Gregorio
Martins Caminha. Reformado de novo com addições, e annotações copiosas das Ordenações
novas do Reyno, leys de Castella, & modernos, & outras formas de libellos, petições, &

2, De jure personarum, pode ler-se Ҥ. XIV Qui alicujus in famulatu fuerint, servi proprie
non sunt; sua enim voluntate serviunt [...]”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1192 Margarida Seixas

allegações judiciaes com a conferencia dos titulos das Ordenações antiguas com as novas.
Compostas pello Doutor Joam Martins da Costa, Lisboa: Pedro Crasbeeck, 1610.
Capdevilla, Nestor, “Las Casas et des Noirs: quels problèmes?”, in Déraison, esclavage et droit – Les
fondements ideologiques et juridiques de la traite négrière et de l’esclavage, organização de
Isabel Castro Henriques e Louis Sala-Molins, 41-58, Paris: Éditions Unesco, 2002.
Cardoso, Adelino, António Manuel Martins e Leonel Ribeiro dos Santos, Francisco Suárez (1548-
1617) Tradição e Modernidade, actas do Seminário Internacional “A Obra de Francisco
Suárez”, Lisboa, Edições Colibri, 1999.
Carvalho, Mário Santiago de, O Curso Filosófico Jesuíta Conimbricense, Coimbra: Imprensa da
Universidade de Coimbra, 2018, DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1544-8.
Costa, António Domingues de Sousa, “A Expansão Portuguesa à Luz do Direito”, Revista da
Universidade de Coimbra, vol. 20 (1962): 1-243.
Costa, António Domingues de Sousa, “O factor religioso, razão jurídica dos Descobrimentos
Portugueses”, in Congresso Internacional de História dos Descobrimentos Portugueses: Actas,
vol. IV, 99-138, Lisboa: Comissão Executiva da Comemoração do V Centenário da Morte do
Infante D. Henrique, 1961.
Dinis, António Joaquim Dias, O.F.M., “Antecedentes da Expansão Ultramarina Portuguesa. Os
diplomas pontifícios dos séculos XII a XV”, Revista Portuguesa de História, tomo X (1962):
1-118.
Eisenberg, José “A escravidão voluntária dos índios do Brasil e o pensamento político
moderno”, in Análise Social, vol. XXXIX, nº 170 (2004): 7-35, http://analisesocial.ics.ul.pt/
documentos/1218704648R7vGO3gi9Rk66BF2.pdf.
Fonseca, Jorge, Escravos e Senhores na Lisboa Quinhentista, Lisboa: Colibri, 2010.
Fonseca, Jorge, “A historiografia sobre os escravos em Portugal”, Cultura. Revista de História e
Teoria das Ideias, vol. 33 (2014): 191-218, https://journals.openedition.org/cultura/2422.
Fouto, Ana Caldeira, Margarida Seixas e Pedro Caridade Freitas (coord.), Suárez em Lisboa 1617-
2017. Actas, Lisboa: AAFDL Editora, 2018.
Freire (dos Reis), Pascoal José de Mello, Instituições de Direito Civil Português, traduzido por
Miguel Pinto de Meneses, Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, 1966.
Freire (dos Reis), Pascoal José de Mello, Institutiones juris civilis Lusitani: cum publici tum privati,
Lisboa: Typ. Academia Regia, 1828.
García-Añoveros, Jesús, “Los argumentos de la esclavitud”, in Nuevas Aportaciones a la Historia
Juridica de Iberoamérica, coordenação de José Andrés-Gallego, Madrid: Fundación
Histórica Tavera/Digibis, 2000, CD-ROM.
García-Añoveros, Jesús, “Luis de Molina y la esclavitud de los negros africanos en el siglo XVI:
Principios doctrinales y conclusiones”, Revista de Indias, LX (2000), núm. 219: 307-329
González Fernández, Enrique, “Humanismo frente a esclavitud en América durante el
Cuatrocientos”, Mar Océana. Revista del Humanismo Español e Iberoamericano, núm. 3
(1999): 65-78.
Grócio, Hugo, De iure belli ac pacis libri tres, in quibus jus naturae et gentium; item júris publici
praecipua explicantur, Amesterdão: Johannem Blaev, 1646.
Hespanha, António Manuel, “Luís de Molina e a escravidão dos negros”, Análise
Social, vol. XXXV, nº 157 (2001): 937-960, http://analisesocial.ics.ul.pt/
documentos/1218724894A9pXX9ry6Pi66YY1.pdf.
Las Casas, Bartolomeu de, Brevíssima Relação da Destruição de África, Lisboa: Antígona, 1996
Maurício, Domingos, S.J., “A Universidade de Évora e a Escravatura”, Didaskalia, vol. VII (1977),
fasc. 1: 153-200.
Medina, F. de Borja, S.J., “El esclavo: ¿bien mueble o persona? Algunas observaciones sobre la
evangelización del negro en las haciendas jesuiticas”, Esclavitud, economía y evangelización:
las haciendas jesuitas en la América virreinal, compiladores Sandra Negro e Manuel M.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Trabalho livre e trabalho escravo na obra de Francisco Suárez 1193

Marzal, Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú – Fondo Editorial, 2005: 83-122.
Molina, Luís de, De iustitia et iure, Maguncia (Mainz): 1602.
Olea, Manuel Alonso, De la servidumbre al contrato de trabajo, Madrid: Tecnos, 1979.
Olea, Manuel Alonso, “La Persona Humana y la Prestacion de sus Servicios (Un apunte sobre
historia de las ideas de Bodina a Hegel)”, Anales de la Real Academia de Ciencias Morales y
Políticas, núm. 53 (1976): 205-245.
Oliveira, Fernando, Arte da guerra do mar, Coimbra: Iohão Aluerez, 1555.
Ordenações Filipinas, edição fac-similada da edição de Cândido Mendes de Almeida (Codigo
Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal recopiladas por mandado d’El-Rey D.
Philippe I), Rio de Janeiro, 1870, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
Pimentel, Maria do Rosário, Escravismo e antiescravismo em Portugal: percurso e problemática
da abolição, Tese de doutoramento em Estudos Portugueses, apresentada à FCSH-UNL,
Lisboa, 1989.
Pimentel, Maria do Rosário, Viagem ao fundo das consciências: a escravatura na época moderna,
Lisboa, Colibri: 1995.
Pufendorf, Samuel, De iure naturae et gentium libri octo, Lund: 1672 [1ª edição].
Pufendorf, Samuel, De officio hominis et civis iuxta legem naturalem libri duo, Leipzig: Gottlieb
Gerhard Titius, 1709 [a 1ª edição é de 1673].
Sala-Molins, Louis, “Théologie et philosophie choisissent leur camp: l’esclavage de Nègres est
légitime”, Déraison, esclavage et droit – Les fondements idéologiques et juridiques de la traite
négrière et de l’esclavage, 23-39, organização de Isabel Castro Henriques e Louis Sala-Molins,
Paris: Éditions Unesco, 2002.
Seixas, Margarida, Pessoa e Trabalho no Direito Português (1750-1878): escravo, liberto e serviçal,
Lisboa: AAFDL/Lisbon Law Editions, 2016.
Soriano, Ramón, Historia Temática de los Derechos Humanos, Sevilha: Editorial MAD, 2003.
Soto, Domingos de, De Iustitia et Iure, Lugduni, apud Gulielmum Rovillium, 1559.
Suárez, Francisco, Tractatus De legibus ac Deo legislatore in decem libros distributus, ac Deo
legislatore, Coimbra: Diogo Gomez de Loureiro, 1612 [1ª edição].
Suárez, Francisco, Defensio fidei Catholicae et apostolicae aduersus Anglicanae sectae errores: cum
responsione ad Apologiam pro iuramento fidelitatis & Praefationem monitoriam Serenissimi
Iacobi Angliae Regis, Coimbra: Diogo Gomez de Loureiro, 1613 [1ª edição].
Suárez, Francisco, Commentariorum ac disputationum in tertiam partem divi Thomae; tomus
tertius: qui est primus De sacramentis, Mainz: Balthasar Lippius, 1619.
Suárez, Francisco, De fide em Opus De Triplici Virtute Theologica, Fide, Spe, Et Charitate: In tres
Tractatus, pro ipsarum virtutum numero distributum, Moguntiae: Mylius Birckmannus,
1622.
Suárez, Francisco, Operis de religione: Pars secunda, quae est de statu religionis, ac tomus tertius
in ordine, complectens tractatum septimum de obbligationibus quae religiosum constituunt,
Lugduni: sumptibus Iacobi Cardon & Petri Cauellat, 1624.
Suárez, Francisco, Conselhos e Pareceres, volume II, tomo II, Coimbra: por ordem da Universidade,
1952.
Suárez, Francisco, De Legibus, com estudo preliminar e edição bilingue de Luciano Pereña e
V. Abril, XIII volume de Corpus Hispanorum de Pace, Madrid, Consejo Superior de
Investigaciones Cientificas – Instituto Francisco Vitória, 1974.
Tinhorão, José Ramos, Os Negros em Portugal  – Uma presença silenciosa, Lisboa: Editorial
Caminho, 1988.
Vila Vilar, Enriqueta, “La postura de la Iglesia frente a la Esclavitud. Siglos XVI y XVII”, in
Esclavitud y derechos humanos : la lucha por la libertad del negro en el siglo XIX : Actas
del Coloquio Internacional sobre abolición de la esclavitud, Madrid 2-4 diciembre, 1986,
coordenado por Francisco de Paula Solano Pérez-Lila e Agustín Guimerá Ravina, 25-32,
Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas/Centro de Estudios Historicos,

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1194 Margarida Seixas

Departamento de Historia de América, 1990.


Vitoria, Francisco de, Relectio De Indis, Relectiones theologicae XII in duos tomos divisae, Lugduni
[Lyon]: Jacques Boyer, 1557.
Vitoria, Francisco de, Relectio De Indis o libertad de los indios, edição crítica bilíngue por Luciano
Pereña e J. M. Pérez Prendes, V vol. do Corpus Hispanorum de Pace, Madrid: Consejo
Superior de Investigaciones Cientificas, 1967.
Zeron, Carlos Alberto de Moura Ribeiro, “O debate sobre a escravidão ameríndia e africana nas
universidades de Salamanca e Évora”, in: Jesuítas, ensino e ciência. Séculos XVI-XVIII,
organizado por Luís Miguel Carolino e Carlos Ziller Camenietzki, 205-226, Casal de
Cambra: Caleidoscópio, 2005.
Zeron, Carlos Alberto de Moura Ribeiro e Camila Loureiro Dias, “A Igreja e a escravidão no
mundo atlântico: notas historiográficas sobre a doutrina católica no mundo moderno e
contemporâneo”, Portuguese Studies Review, vol. 25, n.º 2 (jul-dec 2017), 85-106.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1195-1218.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1195

Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract *


ANDRE SANTOS CAMPOS **

Abstract
This paper engages with Suárez’s writings on the origins of political power in order
to ascertain whether he can be considered a social contract theorist at all. It focuses on
specific details of his consent theory, namely the ‘who’, the ‘what’, the ‘how’ and the ‘what
for’ of the agreements that originate government. The conclusion shows that even though his
systematic treatment of contracts falls short of becoming a social contract theory in the same
way as modern contractualist thinkers, he can still be considered a social contract theorist in
the tradition of the School of Salamanca.
Keywords: contractualism, counter-reformation, school of Salamanca, social contract,
social philosophy, Suárez.

T
he extensive literature on the social contract is myriad and, iron-
ically, full of disagreement. Disputes tend to be threefold. They
revolve around the essential characteristics that comprise an actual
social contract theory; the accurate historical origins of the concept; and
which writers or writings belong to a history of the social contract. The
three types of dispute, however, are intertwined insofar as assertions and
judgements concerning the proper ingredients of the social contract work
as criteria for solving problems concerning sources and membership.
Discussions about Francisco Suárez’s usage of the social contract
fit into these larger disputes. The problem of membership of a specific
category (such as a social contract tradition) depends upon how to char-
acterize the category in the first place. If commentators disagree about

* This work was supported by Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal), Grant/
Award Number: IF/01587/2015.
** Nova University of Lisbon, Faculty of Social Sciences and Humanities (Portugal).
 andrecampos@fcsh.unl.pt

1195-1218

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1196 Andre Santos Campos

the basic tenets of the concept of the social contract, then their different
responses to whether Suárez was a social contract theorist may not be
actual disagreements about how to interpret Suárez but about how to
regard a social contract.1 When discussing Suárez’s terminology of pacts
and contracts, they are often talking past one another – if their premises
differ, it is likely that their conclusions will differ as well.
The following pages reverse this methodological order. Firstly, they
present a brief historical characterization of the intellectual context in which
Suárez wrote about the social contract, within the School of Salamanca.
Secondly, they engage with Suárez’s writings in order to ascertain how his
references to contracts respond to problems of membership, formation
and purpose in the context of political obligation. The conceptual mecha-
nisms to understanding the nature of the social contract are to be traced
to his metaphysical assumptions. The conclusion shows that even though
his systematic treatment of the contract falls short of becoming a social
contract theory in the same way as Hobbes, Locke, Pufendorf, Rousseau
and Kant, he is still a full social contract theorist in the tradition of the
School of Salamanca.

1. That Suárez is either a social contract theorist or a precursor of contractualism has


been argued, for instance, by António Gomez Robledo, El origen del poder politico,
según Francisco Suárez (México: Jus, 1948); Wilenius Reijo, The Social and Political
Thought of Francisco Suárez (Helsinki: Societas Philosophica Fennica, 1963); Patrick
Riley, ‘Social Contract’, in The Blackwell Encyclopaedia of Political Thought, edited by
David Miller, Janet Coleman, William Connolly and Alan Ryan (Oxford: Blackwell,
1987), 479; Quentin Skinner, The Foundations of Modern Political Thought, vol. 2
(Cambridge: Cambridge University Press, 1988), 162; Arthur P. Monahan, From
Personal Duties towards Personal Rights (Montreal: McGill-Queen’s University Press,
1994), 182; Daniel Schwartz, ‘Francisco Suárez on Consent and Political Obligation’,
Vivarium 46 (2008). Contrary to the association of Suárez with a social contract
tradition due to his supposed preference for organicism and a Christian-Aristotelian
natural law, see Otto von Gierke, Natural Law and the Theory of Society, 1500 to 1800,
edited by Ernest Barker, vol. I (Boston: Beacon Press, 1934), 45; Heinrich Rommen,
Die Staatslehre des Franz Suarez (Gladbach: Volksvereins Verlag, 1926), 112; Guenter
Lewy, Constitutionalism and Statecraft (Geneva: E. Droz, 1960), 42; Thomas S. Schrock,
‘Anachronism All Around: Quentin Skinner on Francisco Suarez’, Interpretation 25
(1997), 92.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1197

I. The School of Salamanca’s contractualism

A detailed list of contractualists avant la lettre is likely to include any


author who ever maintained that the source of law and justice involves
some measure of conventionalism, even if not employing a terminology
of pacts and contracts. Until the later medieval thinkers, the idea of a
constraint on ruler and ruled arising from a common arrangement seemed
to reflect the social relations and practices of the time and had little bearing
on the broader question of the constitution and legitimacy of the political
authority itself. There was, however, implicit in medieval politics the prin-
ciple of a convention concerning government, which ended up stimulating
the more speculative inquiry into how the community which established
the government could come into existence out of a mass of individuals.
This view was developed during the fourteenth and fifteenth centuries
by such writers as Manegold of Lautenbach, Engelbert of Volesdorf,
John of Paris and Nicholas of Cusa; but they never explicitly stated that
there is such a thing as an agreement called ‘contract’, constitutive of the
community and of the obligations arising thereof.
The thesis that the community is nothing more than a partnership
created by the agreement of its members only appears in the writings
of M. Salamonius. But even then, it appears as an alliance between the
community and its ruler, without further explanations of how both the
community and the ruler come about. Even in later thinkers such as
Richard Hooker or Hugenots like François Hotman, Théodore de Bèze,
Philippe de Mornay, or George Buchanan, for whom political society was
both natural and a human artefact, the idea of normativity by common
consent falls short of actually becoming a contract theory per se. Even
though the agreements limited the claims of the rulers, they were to be
renewed in the coronation oath as a result of God’s commandment; the
choice of government may have been at the discretion of the people, but
those upon whom the office was conferred would hold it by divine right.
What prompted these authors to value consent and agreement in relation
to the community and its ruler were mostly the religious controversies
of European sixteenth century. Concurrence of wills was invoked then in
various degrees to vindicate the freedom of religious worship for different
denominations and to establish legitimate claims of resistance to tyran-
nical ruling.
Notwithstanding, the conceptual setting adopted throughout still
belonged to the Aristotelian tradition developed by Scholastic thought.
People were inclined to being social animals by nature, which made it

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1198 Andre Santos Campos

difficult to conceive of pre-political life; moreover, all power was believed


to be bestowed by God, as St. Paul established in ch. 13 of his Letter to
the Romans, which made it difficult to recognize the deliberate creation
of society by the volition of free and equal agents. It took a fair amount
of ingenuity to strike a balance between these requirements and the later
in-built historical pressure to develop constitutive consent theories.2
Attempts at such ingenuity can be found in the writings of the
Thomist revival of the sixteenth-century Iberian theologians arising out
of the academic axis of Salamanca-Évora-Coimbra.3 What is peculiar
about these writings in comparison with previous endeavours involving
political and moral conventionalism is that they make use of specific legal
terminology associated with the regulation of private relations in order to
introduce and legitimize a novel kind of regulation vis-à-vis public rela-
tions. Expressions such as status naturae, societatis foedere, contractus aut
quasi contractus, morale vinculum, which are to be so common in later
works on the social contract, begin to appear repeatedly.
These authors do not set out to elaborate a systematic account of the
social contract, but they do begin to incorporate the legal terminology of
conventions with regard to a common theme: the lack of legitimacy of
the imperialist claims of the Hispanic crowns towards the native peoples

2. Possible causes for this historical pressure are myriad: increasing interest in
biblical exegesis and in the study of Old Testament history; the ideas and practices
of the Reformed Churches; the legal arrangements of the German Empire, Aragon,
Switzerland, Poland, and Holland; the rise of capitalism; the gradual breakdown of the
extended family; the increasing appeal of urban life in detriment of rural areas; the rise
of individualism and of rationalism; and the impact of the scientific revolution. What
seems relevant in such a discussion is that religious conflict and political turmoil bring
forth the need to address issues of toleration and normative legitimacy under a new
frame of reference. In the beginning of the seventeenth century, two further historical
events contributed to such a pressure: the demise of a feudal organization of society
established with the birth of the modern nation-state that sprung from the Peace
of Westphalia in 1648; and the growing adoption of methods of analysis inherited
from scientific experimentation, more specifically the resolutive-compositive method
whereby the existence of wholes was explained from the standpoint of the constitutive
activities of their parts. Cf. Harro Höpfl and Martyn P. Thompson, ‘The History of
Contract as a Motif in Political Thought’, The American Historical Review 84 (1979).
3. The expression ‘school of Salamanca’ labels sixteenth-century Iberian Scholasticism
rooted in the intellectual and pedagogical work of Francisco de Vitoria. However, it
is far from being limited to the university of Salamanca insofar as it spread in an
‘ideological trade’ with the universities of Coimbra and Évora, in Portugal. See Luciano
Pereña, ‘La Escuela de Salamanca’, in La Ética en la Conquista de América: Francisco de
Vitoria y la Escuela de Salamanca, edited by Luciano Pereña (Madrid: Consejo Superior
de Investigaciones Científicas, 1984), 308.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1199

of the Americas.4 Consent theory, which seemed to prove more and more
influential either in arguments about freedom of religion or in argu-
ments against divine right monarchy, now served a new purpose – that of
regulating the relations between the conquistadors and the Amerindians
without contradicting the religious expectations of expansion of the papal
camp. These theologians and missionaries5 wanted to demonstrate that
political society was the immediate creation of men and served temporal
ends, whereas religious communities were created directly by God and
served spiritual ends. They still believed that the urge prompting men
to form a society of any kind might be the product of nature and divine
inspiration, yet it remained the case for them that the people were logi-
cally prior to their rulers and possessed the capabilities of participating in
their appointment. Spiritual power was bestowed by God directly to the
church; but temporal power was bestowed by God directly to the commu-
nities, which in turn, by means of election or any other form of collective
appointment, could organize it at will regardless of its religious commit-
ments.6

4. Cf. José Pereira, Suárez: Between Scholasticism and Modernity (Milwaukee: Marquette
University Press, 2006), 67-96, who mentions two different intellectual movements in
reaction to the conquest of parts of the New World by the Spaniards from the late XVth
century: what he calls ‘the Catholic Enlightenment’, which focused on freedom and the
peoples’ rights to self-determination by making use of the Scholastic method; and ‘the
Catholic Dis-Enlightenment’, comprised of theologians such as Juan Palácios Rubios,
Juan de Sepúlveda, and García de Toledo, who favoured oppression of the American
natives in the light of their infidelity and depravity. Suárez supposedly incorporates the
fulfillment of the former.
5. Theologians include, in Spain, Francisco de Vitoria, Domingo de Soto, Diego
Covarrubías y Leyva, Melchor Cano, Alonso de Veracruz, Juan de la Peña, Serafim de
Freitas; and, in Portugal, Martín de Azpilcueta (Dr. Navarrius), Martín de Ledesma,
Fernando Pérez, Luis de Molina, Pedro Simões, Fernão Rebelo. Missionaries include
Bartolomé de las Casas, Manuel da Nóbrega, José de Acosta, Juan Zapata y Sandoval,
and António Vieira.
6. See Martín de Azpilcueta’s (Dr. Navarrius) words: ‘The emperor receives the diadem
and the crown from the Roman pontiff neither by divine institution nor by a power
exclusively conferred upon him by Christ, but rather by human constitution added
when transferring the imperium. … There is a further difference between the temporal
and the spiritual power: namely, the fact that, even though both derive from God, the
former only derives indirectly. Temporal power is instituted through an express or
tacit election by the community, by means of which it grants to another that which
was theirs, or through a succession grounded on such an election’ (Relectio C. novit de
iudiciis, adnot. III, 1548, fol. 79, 86). Similar thoughts can be found in Francisco de
Vitoria, Relectio de Indis (Salamanca: 1537-1538), I.2.2; Domingo de Soto, De iustitia et
iure (Salamanca: 1556), bk. IV, q. II; Diego de Covarrubias y Leyva, Relectio in regulam
peccatum, in Omnium Operum (Salamanca: 1577), vol. II, par. 9. For all these sources,

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1200 Andre Santos Campos

Peoples are natural and present beforehand in Creation, but their


political arrangements are instituted by election or consent. Agreements
are constitutive of the political order, not of society. This entails that those
agreements by which rulers are appointed are not formed between the
king and the people7 but rather between the elements that comprise the
people.
With regard to their use of contract terminology, it might be misleading
to simply consider the School of Salamanca as part of the ‘Catholic
Counter-Reformation’ due to the fact that its primary addressees are not
the writers of the Reformation movements but rather the officials of the
Portuguese and Spanish crowns that intend to legitimize their conquest
and dominion over the newly-found lands of the Americas by means of
theological and political arguments. Unlike what occurs in the remainder
of Europe, these theologians seem far from the heart of the debate on
religious conflict and toleration, even if they were aware of them and did
not neglect them entirely. They employ the language of contracts, though,
with the main purpose of providing sufficient theological and political
grounds to the indigenous peoples’ rights to self-determination, thereby
limiting the contemporary Iberian aspirations towards imperialism.8

II. Suárez’s Social Contract

This is the context in which Suárez makes use of the terminology


of contracts. Debates about whether he succeeds or fails to become a
social contract theorist cannot dismiss the importance of the fact that
he writes between two different intellectual settings that make use of the
terminology of contracts – late Scholasticism and early modern Protestant
political theories.
The problem of his contractualism cannot be reduced to a mere
derivation from the issue of whether he is an organicist or an individu-
alist thinker given that individualism may be an important tenet of the
Protestant version of the social contract but not necessarily of the School

see Pedro Calafate (org.), A Escola Ibérica da Paz, 2 vols. (Coimbra: Almedina, 2015).
7. A mistake often reproduced in the literature: see, for instance, J. W. Gough, The Social
Contract. A Critical Study of Its Development (Oxford: Clarendon Press, 1957), 68-71.
8. For further developments on this thesis, including additional references to supporting
sources to such broad claims, see our ‘The Idea of the Social Contract in the History of
“Agreementism”’, The European Legacy 6 (2019).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1201

of Salamanca’s version; for the same reason, it cannot be reduced to


inquiring whether Suárez’s endorsement of normative conventionalism is
sufficient to produce political obligations. Rather, it is in Suárez’s actual
use of the terminology of pacts and contracts that the outlines of his
potential contractualism should emerge. The problem of his membership
of the social contract club depends upon how he conceives of the social
contract in the first place, not upon whether he is able to fulfil the basic
requirements for entering a pre-established club.
The distinctiveness of Suárez’s contract terminology lies in his original
contribution to explaining how particular kinds of agreement are able to
ground the emergence of political obligation. Only agreements made by
specific entities in a certain way and with a set purpose can be called
contractual in this sense. The determination of such elements derives
from Suárez’s metaphysical framework, which means that contract termi-
nology is unable to provide by itself the answer to his membership of a
social contract school of thought. In order to make out the nature of his
social contract, these elements need to be ascertained beforehand.

II.1. Contracting parties and formation

A contract is a concurrence of wills between at least two different


parties. Who are, then, Suárez’s contracting parties? The literature on
Suárez’s political theory is far from unanimity on this issue for the simple
reason that Suárez himself mentions different subjects when referring to
contracts. In certain passages, he develops an Aristotelian framework and
claims that men are social animals by nature with what Grotius would
later coin as an appetitus societatis;9 they are born into naturally consti-
tuted communities such as families, which then come together to form
a larger political community resulting from the primal social instinct. In

9. ‘[H]ominem esse animal sociale, et naturaliter recteque appetere in communitate


vivere’. Francisco Suárez, De legibus, ac Deo legislatore, III.1.3 (hereafter D.L., book
number given in Roman numerals, followed by chapter and section in Arabic numerals).
All references and Latin quotations from Suárez are taken from Opera Omnia (Paris:
ed. Vivès, 1856-1878) (hereafter Opera); this one comes from Opera, vol. 5, 176. English
translations are taken from Francisco Suárez, Selections from Three Works of Francisco
Suárez, S.J., edited by James Brown Scott (Oxford: Clarendon Press, 1944) (hereafter
STW), with slight corrections when necessary. All translations from other works are
mine. As for Grotius’s notion of appetitus societatis, see his De jure belli ac pacis, edited
by F.W. Kelsey (Oxford: Clarendon Press, 1925), Prolegomena, VI and IX, 11 and 1.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1202 Andre Santos Campos

such cases, the contracting parties are families represented by their patres-
familias and civil power comes about only by subsidiarity.

[T]here arises the first human community, which is said to be imperfect


from a political standpoint. The family is perfect in itself, however, for
purposes of domestic or economic government. But this community …
is not self-sufficing; and therefore, from the very nature of the case, there
is a further necessity among human beings for a political community,
consisting at least of a city state (civitas), and formed by the coalition of
a number of families.10

In other passages, however, he claims that contracts are formed by


particular men;11 in others, he says that power originates in communities12;
and sometimes he refers to power as deriving from the people13.
The exact determination of the contracting parties should come about
when examining how it is formed in the first place. In his own words,

A multitude of men come together by special will and common consensus


in one political body, under the single bond of society to aid each other
through mutual organization for a single political end, and by that means

10. D.L. III.1.3 (STW, 365). The thesis that families are natural communities that precede
and constitute civil societies by endowing them with certain powers by subsidiarity
already shows in earlier works such as De sacramentis. Disputatio XXV: De baptismo
parvulorum (Opera, vol. 20, 421-449), as well as in his De opere sex dierum, V.3-7 (Opera,
vol. 3, 289-419).
11. In his early lessons on faith (De fide. Disputatio V; Opera, vol. 12, 201-212), he already
seemed to claim that power derived from human individual wills. Further in the D.L.,
he states, for instance, that power derives ‘from singular men’ (a singulis hominibus)
(D.L. III.3.1); that ‘singular men have, by the nature of things, a partial (so to speak)
capacity to build or make a perfect community’ (singulos homines ex natura rei habere
partialiter (ut sic dicam) virtutem ad componendam seu efficiendam communitatem
perfectam) (D.L. III.4.1); and that ‘the commonwealth derives from men’ (principatus
ipse est ab hominibus) (D.L. III.4.5).
12. For instance, he says that ‘this power is in the human community by the force of
nature alone’ (potestatem hanc ex vi solius naturae esse in hominum communitate)
(D.L. III.2.4); that ‘there is no power in human nature until men come together in
a perfect community’ (potestatem non resultare in humana natura donec homines
in unam communitatem perfectam congregentur ) (D.L. III.3.6); and that power ‘is
immediately in the community’ (immediate sit in communitate) (D.L. III.4.8).
13. References to the people as the true origin of power appear as early as in his treatise
De bello of 1584 (De charitate. Disputatio XIII; Opera, vol. 12, 737-763). Further
references can be found, for instance, in D.L. III.4.4, when he mentions ‘the people’s
consent’ (populi consensionem); and often throughout the Defensio fidei catholicae, et
apostolicae adversus anglicanae sectae errores (hereafter D.F., in Opera, vol. 24), such as
III.2.5, and III.2.12-14.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1203

to bring into being one mystical body, which in moral terms can be called
an entity for its own sake and consequently needs a single political head.14

Organicist interpretations of Suárez claim that political power


emanates from the city by way of ‘natural resultancy’.15 Men come together
into political communities because they are driven by their natural
desires for sociality, which is another way of saying that the expression
‘social animal’ must be understood in Suarezian terms as meaning ‘being
endowed with a natural sociability’ that is actualized in the factual coming
about of the political authority. And indeed Suárez does seem to claim
such a thing in certain passages.

Firstly, the supreme civil power, considered in itself, was given directly by
God to men assembled in a State or in a perfect political community, not
through a special or, as it were, positive institution or through a donation
entirely distinct from the production of such a nature, but rather through
a natural consequence of the force of the first creation.16

However, there should be strong reservations about interpreting


‘natural resultancy’ and ‘natural sociability’ in the sense of a straight-
forward efficient causality whereby human existence (or rather the exis-
tence of humans) entails necessarily the further existence of communities.
Suárez says repeatedly that men come together by common consensus
and by special acts of will. This alone should be enough to impair the
underestimation of men’s free contribution to the construction of political
communities. Firstly, men ‘come together’ by agreeing to something in

14. D.L. III.2.4 (hominum multitudo, quatenus speciali voluntate seu communi consensu
in unum corpus politicum congregantur uno societatis vincula et ut mutuo se iuvent
in ordine ad unum finem politicum, quomodo efficient unum corpus mysticum, quod
moraliter dici potest per se unum; illudque consequenter indigent uno capite) (Opera, vol.
5, 181).
15. Cf. Gierke, Natural Law and the Theory of Society, 51; Paulo Merêa, ‘Escolástica e
jusnaturalismo: O problema da origem do poder civil em Suárez e Pufendorf’, Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 19 (1943), 289-306; Robledo, El origen
del poder político, 113-4; Paulo Durão Alves, A filosofia política de Suárez (Porto: Livraria
Tavares Martins, 1949), 29; Eleuterio Elorduy, ‘La acción de resultancia en Suárez’,
Anales de la Cátedra Francisco Suárez 3 (1963), 45-71; Schrock, ‘Anachronism’, 102-6.
16. D.F. III.2.5 (Primo enim suprema potestas civilis, per se spectata, immediate quidem data
est a Deo hominibus in civitatem seu perfectam communitatem politicam congregatis,
non quidem ex peculiari et quasi positive institutione, vel donatione omnino distincta a
productione talis naturae, sed per naturalem consecutionem ex vi primae creationis eius)
(Opera, vol. 24, 207). See also D.L. III.1.3.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1204 Andre Santos Campos

common, that is, they form a community because they agree rather than
the other way around, which means that consensus is a precondition of the
community.17 Secondly, consensus is said to emerge from expressions of
men’s volitions, which ultimately means that it must be voluntary (rather
than involuntary or non-voluntary)18. If the creation of communities is to
be regarded in terms of natural causality, then their direct efficient cause
is the consensus obtained by acts of free will and not men’s ‘natural socia-
bility’, which would then be a formal cause.
Still, organicist interpretations of Suárez are pertinent insofar as they
emphasize the impossibility of dismissing the relation between human
‘natural sociability’ and the existence of political communities as a ‘result’,
even if indirect with regard to efficient causality, of such a human char-
acteristic. Within the frame of reference of natural sociability, an utterly
isolated individual is a somewhat incomplete notion of a human indi-
vidual since she can only be conceived as existent per se when pursuing an
existence with others. Additionally, ‘natural resultancy’ requires that the
voluntary institution of political power and coercive authorities cannot
be explained outside a framework of natural causality. If Suárez is not a
straightforward organicist, then he is also not a straightforward individu-
alist in the same sense that later contractualist thinkers will purport to be.
The answer to this puzzle depends upon (i) a look at Suárez’s meta-
physical assumptions and (ii) a dismissal of the twofold organicist-indi-
vidualist frame of reference. What Suárez says about the origins of power
with regard to the contract is that power neither exists in one man (since
men are equally free at the outset and no man has a natural supremacy
over another) nor in a mere plurality of men (since coexistence measured
numerically is mere plurality or what Machiavelli had called a dissoluta
multitudo). Rather, power exists solely in a unity of men  – men come
together to form communities with a special kind of unity, as if they were
one single body, and such a body requires a model of organization in the
light of which someone rules and others obey, that is, coercive power.
There is no power prior to the establishment of the organized community.

17. Terminology is here also important evidence. Suárez’s emphasizes consensus rather
than consent, since consent somehow presupposes an already existing coercive
authority to which subjects adhere. He mentions consent explicitly when referring
to power conquered as a result of just war (D.L. III.4.4); in such a case, the members
of the community accept the established power after the fact. Consensus, however, is
constitutive of the fact – without agreement, there is no collectivity in the first place.
18. For this distinction, see Aristotle, Nicomachean Ethics III.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1205

[T]his power, viewed solely according to the nature of things, resides not
in any individual man but rather in the whole body of mankind.19

More specifically,

the said power resides not in individual men separately considered, nor
in the mass or multitude of them collected, as it were, confusedly, in a
disorderly manner, and without union of the members into one body;
therefore, such a political body must be constituted, before power of this
sort is to be found in men, since – in the order of nature, at least – the
agent of the power must exist prior to the existence of the power itself.
Once this body has been constituted, however, the power in question
exists in it, without delay and by the force of natural reason20.

Power cannot exist without its agent; and the agent of power is a
political body; and such a political body does not exist naturally but only
comes about via agreement. So, who are those initial contracting parties
that agree to establish the political body in the first place? Certainly not
families nor their patresfamilias because families are natural communities
which domestically, at least, already exercise some form of power, even
though imperfectly;21 certainly not pre-established communities because
(with the exception of families) there are no communities logically and
chronologically prior to the human acts of coming together; certainly
not peoples because they are organized communities, that is, the concept
involves a unity that is made possible by the contract alone; certainly not
isolated human individuals either, given that power only comes about in
the establishment of the community.
The answer lies in Suárez’s metaphysics. For Suárez, the key to under-
standing reality consists in what he calls a ‘transcendental unity’, which
results from the principle of individuation. That which is real is neces-
sarily individual, and individuality comes about neither from an exter-
nally-imposed indivisibility nor from a larger universal setting, but rather
derives (physically and metaphysically) from the singular entity itself.
Individuality unfolds at the ontological level alone. There is equivalence
between the essential unit and the individual unit in the sense that indi-
viduality does not add anything (a property, an accident, an attribute, etc.)
to the singular essence. Rather, a singular essence simply is already indi-

19. D.L. III.2.3 (STW, 373).


20. D.L. III.3.6 (STW, 379-380).
21. D.L. III.1.3.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1206 Andre Santos Campos

vidual. In his words, ‘All things, which are actual entities, that is, which
exist or may immediately exist, are singular and individual’.22 The indi-
vidual unit is a certa et determinata entitas and not even God can prevent
the existent entity from being singular and individual.23
Men are individuals in this sense. However, insofar as they are
considered in isolation, they seem to have no actual power.

[B]efore men congregate into one political body this power does not
reside in the individuals, whether wholly or in part, and furthermore,
it does not exist even in the rough mass (so to speak), or aggregate, of
mankind … and therefore, the power can never flow immediately from
men.24

But even though they do not have that power, they were created by
God in such a way as to have the proper form for receiving such a power
from God.

[M]en in a sense dispose the matter involved and render the recipient
capable of wielding the power, yet the form is imparted, as it were, by
God.25

It is exactly in this sense that power may be said to result from human
action – it emanates from the human form of rationality created by God.

[T]his power is given by God as a characteristic property resulting from


nature, just as the bestowal of the form involves the bestowal of that
which is consequent upon the form.26

However, the extent to which natural resultancy of power depends


upon the natural characteristics of humans as formal emanative causes
must be accepted with care. Suárez’s conception of natural or efficient

22. ‘[R]es omnes, quae sunt actualia entia, seu quae existunt, vel existere possunt immediate,
esse singulares ac individuas’. Francisco Suárez, Disputationes metaphysicae (hereafter
D.M.) V.1.4 (Opera, vol. 25, 146).
23. D.M. V.1.5. For further developments, see Jean-François Courtine, Suarez et le système
de la métaphysique (Paris: PUF, 1990), 496-519; and Mariano Alvarez Gómez, ‘Sobre
el concepto de individuo en F. Suárez’, in Francisco Suárez (1548-1617). Tradição e
Modernidade, edited by Adelino Cardoso, António Manuel Martins and Leonel Ribeiro
dos Santos (Lisboa: Colibri, 1999), 45-64.
24. D.L. III.3.1 (STW, 377-8).
25. D.L. III.3.2 (STW, 378).
26. D.L. III.3.5 (STW, 379).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1207

emanation starts from the distinction between necessary accidents (that


is, necessary accidental properties) and non-necessary accidents; of these,
the latter can be taken away from a certain kind of substance, whereas the
former cannot. Substances produce their proper accidents through what
he calls ‘natural emanation’:

[T]he accidental properties, especially those that follow upon or are owed
[to a substance] by reason of its form, are caused by the substance not
only as a material and a final cause but also as an efficient cause through
natural resultancy [...] [I]t is probable that the substantial form has a
certain power for having its proper accidents emanate from it. Likewise,
in this way one discerns more clearly the natural connection between a
form and its properties.27

For instance, water reduces itself to its ‘pristine coldness’ even after
having been heated by ‘the [substantial] form through a natural resul-
tancy’.28 Such a principle of efficient causality is ‘the inward substance
itself’.29 Emanation explains how things obtain their properties and why
they act and react in certain characteristic ways in different situations. But
if emanation has to do with formal causality, why does Suárez call it effi-
cient? For Suárez, properties of natural things are distinct entities whose
coming to being and persistence require a real action; and this makes
emanative causation a real action, even though it is not always counted
as such.30 In order for changes in the accidents of a substance to obtain,
a cause (and hence real activity) is needed  – the emanative production
of properties must be, for Suárez, a genuine action. All this suggests that
emanation is efficient because it refers to a causal consequence or action.31
Politically, this entails that men individually have the form to receive
power from God but that such a power only comes about by means of

27. ‘[P]roprietates accidentales, praesertim illas quae consequuntur aut debentur rei
ratione formae, causari a substantia, non solum materialiter et finaliter, sed etiam
effective per naturalem resultantiam … probabile est habere formam substantialem
aliquam vim, ut ab ea manent accidentia sibi propria. Item, quia hoc modo melius
intelligitur naturalis connexio inter formam et proprietates.’ (D.M. XVIII.3.4; Opera,
vol. 25, 616).
28. D.M. XVIII.3.4.
29. D.M. XVIII.3.8.
30. D.M. XVIII.3.6.
31. On this issue, Suárez is far from being a Thomist. See Dennis Des Chene, Physiologia:
Natural Philosophy in Late Aristotelian and Cartesian Thought (Ithaca: Cornell
University Press, 1996), 158-61.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1208 Andre Santos Campos

their efficient action of coming together into one (mystical) body. Power
emanates from their form in the collective action by which they constitute
a compact. In addition, individual human power is lawful as a certain
‘moral faculty’,32 which is not simply the factual possibility of performing
an action but rather the ability and the subsequent actualization of doing
what is just. This is his notion of ius with regard to human individuals –
rights are then normative powers, so to speak.33 Mere natural resultancy is
lawful only by means of analogy, that is, metaphorically34; power, in its civil
and moral forms, always requires actualization by common consensus.
The upshot of such a line of inquiry is that there are no human indi-
viduals in the pre-aggregative moment except formally. The contract is the
efficient action by means of which communities follow from the formal
sociability or moral faculty of human individuals. The formation of the
compact is therefore constitutive of the community and of a common and
organized civil power; but it is also constitutive of human individuals them-
selves because it is the only way by which they can become empowered at
all. The contracting parties are agents in-between isolated individuals and
communities – they are individuals in relations (perhaps even family rela-
tions) whose existence as a formal cause requires a subsequent efficient
causative action that might be called a contract.
It is impossible to recognize in Suárez something akin to John Rawls’
attempt at conceiving of a contract strictly ‘political, not metaphysical’. It
is precisely Suárez’s metaphysical notions of individuals and of power that
support and justify the existence of a social contract. But they also entail
that there is no ‘baseline principle’ with the same characteristics that will
be developed by mainstream Protestant social contract theorists,35 given

32. D.L. I.2.5-6; also D.L. II.17.2.


33. For an interesting distinction between power as efficient contingent causation
(freedom) and as final causation (motivating power), which comes close to this notion
of normative power, see Thomas Pink, ‘Agents, Objects, and Their Powers in Suarez
and Hobbes’, Philosophical Explorations 21 (2018). These two cases of power allow to
explain why Suarez can maintain a view of the human will that becomes free neither
necessarily nor arbitrarily, but only by pursuing what is rationally judged good: cf.
Sydney Penner, ‘Free and Rational: Suarez on the Will’, Archiv für Geschichte der
Philosophie 95 (2013).
34. D.L. I.1.2.
35. The ‘baseline principle’ in modern social contract theories states that political authority
stems (and can be explained) from a hypothetical and ahistorical description of pre-
political human individuals agreeing to leave a state of nature and submit to some
form of government. This entails that political power derives neither from God nor
from Nature, but is a human construct – a normative artefact. So, not only is power

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1209

that there is neither a pre-civil state of nature populated by isolated indi-


viduals nor any pre-existent thing that individuals can transfer as such to a
new entity. That which is transferred at the contract’s constitutive moment
is not a power per se but rather the ability to exercise a common moral
faculty – a novel kind of ius.

II.2. Contractual political obligation

The contract establishes a common coercive authority, that is, a


collective body with the legitimate power to enact laws to which all
contracting parties are subject. The power to coerce derives from God
indirectly, given that the civil authority receives it from those same
agents that are to be the addressees of any laws established within the
contract’s framework. As an attentive reader of cardinal Bellarmine and
of the School of Salamanca, Suárez also traces political power back to
God via the people and that is exactly his main contention with James I’s
Apology for the Oath of Allegiance developed in the D.F.36 Whilst embracing
Bellarmine’s theses, he says

he did not place an intermediary (medium) between the people and God;
and, between the king and God, he wanted to make sure that the people
functioned as the intermediary (medium) by which the king receives
such a power.37

instituted; it is instituted by the action of human individuals that are conceivable as


corpora simplicissima in a pre-societal whole. The term ‘baseline’ comes from Robert
Sugden, ‘The Contractarian Enterprise’, in Rationality, Justice and the Social Contract,
edited by David Gauthier and R. Sugden (London: Harvester Wheatsheaf, 1993), 1-23.
36. According to the Apology for the Oath of Allegiance (1607), monarchy was divinely
ordained, hereditary right was indefeasible, kings were accountable to God alone,
and non-resistance and passive obedience were enjoined by God. Suárez set out to
deconstruct these theses in his D.F. from 1613, in which he quoted extensively from
Cardinal Bellarmine’s Apologia pro responsione ad librum Jacobi I  from 1609. For
the view that Suárez’s contribution to the Jacobean Oath of Allegiance controversy
should not be reduced simply to a defence of constitutionalism vis-à-vis divine-right
absolutism, see Mónica Brito Vieira, ‘Francisco Suárez and the Principatus Politicus’,
History of Political Thought 29 (2008).
37. ‘[I]llam potius supposuit, quia non inter populum et Deum medium posuit, sed inter
regem et Deum voluit populum esse medium, per quod rex talem accipit potestatem’
(D.F. III.2.6.; Opera, vol. 24, 208).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1210 Andre Santos Campos

Civil power unfolds in a three-point structure connecting God and


the authority via the people.38 The ‘individuals-in-relations’ that form the
compact are both the addressees and the agents connecting power to its
source. The people is the medium.39 There is no power without a common
institutive consensus, and the people can never be taken away from the
contract’s binding force. If it were, the line connecting civil authorities to
the ultimate source of power would be disconnected. Civil authorities do
not hold a power to coerce as if they owned their subjects in a dominium
proprietatis, as if power were transferred to them in a definitive way.
Rather, their power to coerce originates in the compact and continues to
exist solely if the contract preserves its binding force continuously. The
political functions emanating therefrom belong to a kind of dominium
gubernationis.
However, the holder of civil power is not a community official per
se, that is, a mere delegate of the aggregate exercising obligations that
followed from the contract. He does hold a right to rule – a moral faculty
to coerce his subjects into doing what he prescribes. He is a creator of
obligations more than a subject of obligations. The reason for this status
can be traced to the fact that this right derives from a natural law that is
not prescriptive as such but rather concessive.40 By natural law, all men

38. For a slightly different interpretation, according to which the moment of institution
may be such that any community is elided, yielding a direct relationship between
sovereign and subjects, see Annabel Brett, ‘Individual and Community in the “Second
Scholastic”: Subjective Rights in Domingo de Soto and Francisco Suárez’, in Philosophy
in the Sixteenth and Seventeenth Century, edited by Constance Blackwell and Sachiko
Kusukawa (Aldershot: Ashgate, 1999), 146-168.
39. The idea that the people is the medium coheres with Suárez’s conception of how
efficient causality can extend to distant objects. According to his view, an agent’s action
on a distant object depends upon an equal action on the medium whereby it acts
on the object, and both actions must arise from the same power: ‘In order that the
agent should affect a distant patient, it is not enough that it should by another entirely
distinct power or action act in the medium; rather, it is necessary that by the same
power by which it acts on the distant patient, or by a subordinate power, it should
begin to act on the medium near to it, and spread its action or influence throughout
the medium out to the distant patient.’ (ut agens efficiat in passum distans, non satis est
ut per aliam virtutem seu actionem omnino distinctam agat in medium, sed necesse est
ut per eamdem seu subordinatam virtutem, qua agit in distans, incipiat agere in medium
sibi propinquum, et per totum illum diffundat actionem seu influentiam usque ad
passum distans) (D.M. XVIII.8.17; Opera, vol. 25, 656). For further developments, see
Dennis Des Chene, ‘Suárez on Propinquity and the Efficient Cause’, in The Philosophy
of Francisco Suárez, edited by Benjamin Hill and Henrik Lagerlund (Oxford: Oxford
University Press, 2012), 89-100.
40. Suárez sets this distinction in D.L. II.14.18 and in D.F. III.2.9.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1211

are equally free but they are not naturally forced to remain free. Similarly,
natural law attributes power to the community but it does not prescribe
that the aggregate must hold it indefinitely. The rights of individuals are
moral liberties, which they can (ex)change at will to creatively shape the
conditions of their political existence. Such rights deriving from natural
law can be transferred or alienated almost absolutely. The reason why
both the transfer and the alienation, despite occurring in accordance with
natural law, are not entirely absolute is that they need to be preserved
continuously in the exercise of the contract.
Such a normative relation can be explained in the light of the mech-
anism of derivatio per modum determinationis, which requires that the
human will adds certain contents to the natural law. More explicitly, he
states

the person’s designation is not sufficient  – nor is it separable from a


donation or from a human contract (or something resembling it)  – in
order to obtain the effect of a transference of power, given that natural
reason alone does not bring about the transition of power from one man
to another by merely designating the person, without the consent and
the effective will of the one through which power is to be transferred
or bestowed. Therefore, one cannot make sense of a transference made
directly by God through succession, election, or any other similar insti-
tution, except when it is a succession deriving from a positive divine
institution. However, royal power has its origins not in a positive divine
institution, but rather in natural reason alone by means of a free human
will – consequently, it must be bestowed directly by man rather than by
the mere designation of a person.41

In a nutshell: Whether it is obligatory to drive on the right side or on


the left side of the road in country X, for instance, is something specified
only by human laws when applying natural law – the coercive force of a
positive norm stating that it is obligatory to drive on the left side of the
road is not deduced from first principles of natural law stating the public
good, but rather only from the authority of human enactment.42 But this
does not imply that it does not derive from natural law. When natural laws

41. D.F. III.2.17. He insists further on: ‘the king’s power is grounded on a contract or on
something resembling it  – the fact remains that the just punishment of an offence
functions exactly as a contract with regard to the effects of transferring authority and
power, and that is why it must be observed’ (D.F. III.2.20).
42. For the ‘right-side-of-the-road argument’, see Anthony Pagden, The Enlightenment and
Why It Still Matters (Oxford: Oxford University Press, 2013), 36-37.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1212 Andre Santos Campos

appear only in a very general and undetermined form, they only become
binding the moment that they are posited and externalized by human
enactment – that is the moment their addressees are induced to act in a
certain way or restrained from acting in a certain way. Thus, positive laws
can bring moral obligation into the world: they command what, in the
absence of law, was merely morally optional and indeterminate.43
This does not entail necessarily that there is no natural goodness
and badness that can give rise to duties – but none of this is equivalent
to saying that something is obligatory, for obligation is tied to natural
law, and law requires an expression of will in order to be genuine law.44
The debate about whether Suarez favours voluntarism or intellectualism
with regard to the origins of normativity45 seems sterile in the sense that
the human will instituting civil power is a ‘moral’ faculty at the service
of natural law, and therefore also acts rationally. This is consonant with
Suárez’s notion of praxis, according to which the moral action is always
framed by a rationalist project of regulation:

43. For further developments, see Sebastián Contreras, ‘La determinación del derecho en
Domingo de Soto y Francisco Suárez’, Revista de Estudios Histórico-Jurídicos XXXV
(2013), 655-680.
44. I borrow this argument from Terence H. Irwin, ‘Obligation, rightness, and natural
law: Suárez and some critics’, in Interpreting Suárez: Critical Essays, edited by Daniel
Schwartz (Cambridge: Cambridge University Press, 2013) 142-162. See also his
Development of Ethics, vol. II (Oxford: Oxford University Press, 2008), 1-69, where he
claims that Suárez was a naturalist and eudaemonist in his conception of goodness
and rightness, but a voluntarist in his conception of natural law. Despite undertaking
alternative argumentative paths, a similar conclusion can be found in Pierre-François
Moreau, ‘La loi naturelle et ordre des choses chez Suárez’, Archives de philosophie 42
(1979), 205-218; and Thomas Pink, ‘Reason and Obligation in Suárez’, in The Philosophy
of Francisco Suárez, edited by Benjamin Hill and Henrik Lagerlund (Oxford: Oxford
University Press, 2012), 175-208.
45. Both expressions, introduced by legal historians in the nineteenth century, refer to
means of explaining how a norm becomes binding due to an accordance of wills. More
specifically, voluntarism claims that a norm is binding if it follows solely from someone’s
will, typically if in a position of authority; the opposite view is that of intellectualism,
which bases a norm’s binding force solely upon its conformity with a principle of
practical rationality. Most authors in medieval and in early modern political theory,
however, are able to strike a balance between the two in such a way as to require
value and will as sources of normativity, even though some put their emphasis on
voluntarism (Avicebron, John Selden and the early Grotius, for instance) and others
on intellectualism (Aquinas, Jean Gerson, and the mature Grotius, for instance). In
such cases, the mere assertion of will as an essential source of normativity, whether
or not exclusively, is sufficient to consider the existence of conventional voluntarism.
For further developments, see our Spinoza’s Revolutions in Natural Law (Basingstoke:
Palgrave Macmillan, 2012), 54-61.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1213

By nature, praxis supposes intellection, which is its rule;46


The intellect not only does not become practical absolutely by an incli-
nation of the will, but it also, insofar as it is itself practical, moves and
affects the will.47

For those in a position of authority in the commonwealth, the social


contract frames the conditions according to which coercive power can
be exercised. The limits they are subject to in their political activities
are solely the search for the public good and the prescriptive contents of
natural law. The contract creates political obligations in the sense that
any holder of political authority is bound to pursuing the common good
because that is the purpose of the contract; violations of the common good
by the coercive authority are hence a breach of contract insofar as they
are acts done outside the legitimate power conferred by the contract and
therefore unlawful. What ultimately justifies civil resistance or rebellion
is the fact that coercion is perpetrated outside the conditions imposed by
the contract, not the fact that those in a position of authority are acting
beyond the limits prescribed by the contract. Strictly speaking, the civil
authority cannot commit illegal actions; any actions against the common
good are rather unlawful in the sense that, when committing them, the
agent loses its status of being a civil authority in the first place, and hence
does nothing but an act of violence against his (would-be) subjects.48
In other words, the reciprocity principle that is to be found in later
social contract writers49 is absent in Suárez. The holder of civil authority

46. ‘[P]raxis ut sic natura sua supponit intellectionem illam, quae est eius regula’ (D.M.
XLIV.13.27; Opera 26, 730).
47. ‘[I]ntellectus non solum non fiat practicus absolute ex intentione voluntatis, sed etiam ipse,
quatenus practicus est, voluntatem moveat et afficiat’(D.M. XLIV.13.38; Opera 26, 733).
48. Also in this sense, see Bernice Hamilton, Political Thought in Sixteenth-Century Spain
(Oxford: Oxford University Press, 1963), 62; J.P. Sommerville, ‘From Suárez to Filmer:
a reappraisal’, Historical Journal 25 (1982), 525-540; Skinner, The Foundations of
Modern Political Thought, vol. 2, 158-166; and Howell A. Lloyd, ‘Constitutionalism’,
in The Cambridge History of Political Thought 1450–1700, edited by J. H. Burns
(Cambridge: Cambridge University Press, 1991), 296-7.
49. The ‘reciprocity principle’ of modern social contract theories expresses the idea of
limitation: political power is sovereign not because it is the absolute condition to do
whatever it can or wants, but because it is the actualization and representation of the
power transferred from individuals and is thereby limited by their consent. The social
contract institutes political power by establishing what the latter can do, must do, and
cannot do; and, almost paradoxically, such a reciprocity of responsibilities between
government and governed is not simply grounded in morality but is part of the very
process of strengthening that which is instituted, since limited power in this sense

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1214 Andre Santos Campos

does not have obligations to his individual subjects that limit the range
of his legal powers; correlatively, individual rights cannot be opposed to
civil authorities as normative reasons for constraining their actions once
civil power emerges as consequence of the social contract.50 Still, since
there is no civil authority in the first place without a binding contract,
and the contract necessarily has a three-point structure which includes
the people, the civil authority cannot do whatever it can or wants but only
that to which it is authorized, that is, pursuing the common good within
the boundaries of natural law.
In fact, this is what the social contract is for. Suárez’s motivations
for developing the social contract terminology seem to be very different
from those which prompted early modern social contract theorists. He is
neither subject to a historical pressure to explain or justify the existence of
the modern nation-state (since there is no nation-state in the Westphalian
sense at the time at which he writes) nor in a need to engage with the reso-
lutive-compositive method of scientific experimentation (since he writes
inside a context framed by the Scholastic interpretation of Aristotelian
scientism). Explicitly, his motivations show chiefly in the D.F., where he
intends to make a case against any claims that favour the divine origins
of political power. The source of civil authorities is indeed God, but only
indirectly. This makes Suárez closer to the School of Salamanca than to
later Protestant social contract theorists.
Still, it is not sufficient to state that his motivations consisted in
restraining the Iberian conquistadors’ claims to power in the Americas,
as the members of the School of Salamanca intended. Firstly, because he
did not write about such a subject matter when he tackled the language
of contracts; and secondly because the addressees of some of his texts
about contracts are not Iberian at all, such as the D.F. proves. At most,
what Suárez intended in invoking contracts was to transfer the stability
provided by the terminology of (private) law to the realm of public rela-
tions, whether by discussions concerning the origins and foundations of
civil power or by presenting a systematic treatment of ius gentium.
Since political orders arise from social contracts, royal power cannot
but be at the service of the common good established with the contract –

(because more effective in producing obedience) is more powerful than unlimited


power. The term ‘reciprocity’, just as the term ‘baseline’, is to be found in Sugden, ‘The
Contractarian Enterprise’.
50. Cf. Richard Tuck, Natural Rights Theories (Cambridge: Cambridge University Press,
1979), 56-7; and Brett, ‘Individual and Community in the ‘Second Scholastic’.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1215

and only such a good, not the goods of a few or many private individuals,
whether they are contracting parties or not. There is neither a divine civil
power preceding the subjects’ consent nor a political right to rule peoples
(such as the indigenous communities of the Americas or any other commu-
nities subject to a iurisdictio imperii by force) that do not participate in the
formation of the contract. Rather than inaugurating a language of indi-
vidual rights that will be paramount to modern contractualist theories,
Suárez’s doctrine of the contract seems to open a new path to a universal
law of peoples – something akin to a pre-Westphalian international public
law. And that is already an important factor in his development of the
social contract emerging from the framework of the School of Salamanca.

Conclusion

Suárez’s writings on the social contract are hardly sufficient to give


him a right to full membership of the modern social contract Protestant
tradition, even if we consider that such a tradition does not include a
coherent body of doctrine.51 If the ‘social contract’ label is wide enough to
include the general characteristics of the baseline and the reciprocity prin-
ciples that are to be found in most of the Protestant versions of contractu-
alism, then Suárez must be excluded from such a label, thus limiting the
age of the social contract to what has been referred to as ‘the Museum of
Eighteenth-century Thought’.52 At most, he can be called a proto-contrac-
tualist.
However, Suárez wrote in an intellectual context in which the
problem of the origins of civil power was paramount to any intentions
of restraining the expansion of Iberian imperialist claims, given that it
involved offering an alternative to saying that all power derives directly
from God’s will and is thereby immediately legitimized. By resorting to
normative conventionalism, Suárez showed that there can be no legit-
imate power without a certain level of consent given by its addressees,
which are then intermediaries between power-holders and God; and by
resorting to the terminology of pacts and contracts, Suárez showed both

51. Cf. Patrick Riley, ‘How Coherent is the Social Contract Tradition?’, Journal of the
History of Ideas 34 (1973): 543-562.
52. Cf. Adam Przeworski, ‘Minimalist Conception of Democracy: A Defense’, in Democracy’s
Value, edited by Ian Shapiro and Casiano Hacker-Cordon (Cambridge: Cambridge
University Press, 1999), 44.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1216 Andre Santos Campos

that such addressees are to be found in private law relations and that
consent is somehow legally binding to power-holders. This holds true to
the pretensions of the School of Salamanca. His doctrine of the social
contract, even if it merely hints certain principles that will be developed
within different conceptual contexts in the following centuries, cannot be
dissociated from an implicit claim to a systematic understanding of civil
power already present in the School of Salamanca.
The fact that his treatment of the social contract cannot be reduced
to an explanation of the tradition of contractualist terminology within the
School of Salamanca is not enough to exclude him from such a tradition.
Quite the contrary, he takes the tradition to higher levels of application
and clarification by providing it with a metaphysical basis, which is
exactly what prepares the contractual terminology for further usages in
different traditions. From this viewpoint, Suárez is not a proto-contrac-
tualist. Rather, he is the most prominent representative of the Catholic
version of contractualism.

References

Alves, Paulo Durão. A filosofia política de Suárez. Porto: Livraria Tavares Martins, 1949.
Brett, Annabel. ‘Individual and Community in the “Second Scholastic”: Subjective Rights in
Domingo de Soto and Francisco Suárez’. In Philosophy in the Sixteenth and Seventeenth
Century, ed. Constance Blackwell and Sachiko Kusukawa, 146-168. Aldershot: Ashgate,
1999.
Calafate, Pedro. (Org) A Escola Ibérica da Paz nas Universidade de Coimbra e Évora (Séculos XVI e
XVII), 2 vols. Coimbra: Almedina, 2015.
Campos, Andre Santos. Spinoza’s Revolutions in Natural Law. Basingstoke: Palgrave Macmillan,
2012.
Campos, Andre Santos. ‘The Idea of the Social Contract in the History of “Agreementism”’. The
European Legacy 6 (2019).
Chene, Dennis Des. Physiologia: Natural Philosophy in Late Aristotelian and Cartesian Thought.
Ithaca: Cornell University Press, 1996.
Chene, Dennis Des. ‘Suárez on Propinquity and the Efficient Cause’. In The Philosophy of Francisco
Suárez, ed. Benjamin Hill and Henrik Lagerlund, 89-100. Oxford: Oxford University Press,
2012.
Contreras, Sebastián. ‘La determinación del derecho en Domingo de Soto y Francisco Suárez’.
Revista de Estudios Histórico-Jurídicos XXXV (2013): 655-680.
Courtine, Jean-François. Suarez et le système de la métaphysique. Paris: PUF, 1990.
Elorduy, Eleuterio. ‘La acción de resultancia en Suárez’. Anales de la Cátedra Francisco Suárez 3
(1963): 45-71.
Gierke, Otto von. Natural Law and the Theory of Society, 1500 to 1800. Ed. and trans. Ernest
Barker, 2 vols. Boston: Beacon Press, 1934.
Gómez, Mariano Alvarez. ‘Sobre el concepto de individuo en F. Suárez’. In Francisco Suárez (1548-
1617). Tradição e Modernidade, ed. Adelino Cardoso, António Manuel Martins and Leonel

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Francisco Suárez’s Conception of the Social Contract 1217

Ribeiro dos Santos, 45-64. Lisbon: Colibri, 1999.


Gough, J. W. The Social Contract. A Critical Study of Its Development. Oxford: Clarendon Press,
1957.
Grotius, Hugo. De jure belli ac pacis, Volume two: The Translation Book I-III, ed. F.W. Kelsey.
Oxford: Clarendon Press, 1925.
Hamilton, Bernice. Political Thought in Sixteenth-Century Spain. Oxford: Oxford University Press,
1963.
Höpfl, Harro, and Martyn P. Thompson, ‘The History of Contract as a Motif in Political Thought’.
The American Historical Review 84 (1979): 919-944.
Irwin, Terence H. ‘Obligation, rightness, and natural law: Suárez and some critics’. In Interpreting
Suárez: Critical Essays, ed. Daniel Schwartz, 142-162. Cambridge: Cambridge University
Press, 2013.
Irwin, Terence H. Development of Ethics, vol. II. Oxford: Oxford University Press, 2008.
Lewy, Guenter. Constitutionalism and Statecraft during the Golden Age of Spain. Geneva: E. Droz,
1960.
Lloyd, Howell A. ‘Constitutionalism’. In The Cambridge History of Political Thought 1450–1700, ed.
J. H. Burns, 254-297. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
Merêa, Paulo. ‘Escolástica e jusnaturalismo: O problema da origem do poder civil em Suárez e
Pufendorf’. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 19 (1943): 289-306.
Monahan, Arthur P. From Personal Duties towards Personal Rights: Late Medieval and Early Modern
Political Thought, 1300-1600. Montreal: McGill-Queen’s University Press, 1994.
Moreau, Pierre-François. ‘La loi naturelle et ordre des choses chez Suárez’. Archives de philosophie
42 (1979): 205-218.
Pagden, Anthony. The Enlightenment and Why It Still Matters. Oxford: Oxford University Press,
2013.
Penner, Sydney. ‘Free and Rational: Suarez on the Will’. Archiv für Geschichte der Philosophie 95
(2013): 1-35.
Pereira, José. Suárez: Between Scholasticism and Modernity. Milwaukee: Marquette University
Press, 2006.
Pereña, Luciano. ‘La Escuela de Salamanca’. In La Ética en la Conquista de América: Francisco de
Vitoria y la Escuela de Salamanca, ed. L. Pereña. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones
Científicas, 1984.
Pink, Thomas. ‘Reason and Obligation in Suárez’. In The Philosophy of Francisco Suárez, eds.
Benjamin Hill and Henrik Lagerlund, 175-208. Oxford: Oxford University Press, 2012.
Pink, Thomas. ‘Agents, Objects, and Their Powers in Suarez and Hobbes’. Philosophical
Explorations 21 (2018): 3-24.
Przeworski, Adam. ‘Minimalist Conception of Democracy: A Defense’. In Democracy’s Value, ed.
Ian Shapiro and Casiano Hacker-Cordon, 23-55. Cambridge: Cambridge University Press,
1999.
Reijo, Wilenius. The Social and Political Thought of Francisco Suárez. Helsinki: Societas
Philosophica Fennica, 1963.
Riley, Patrick. ‘How Coherent is the Social Contract Tradition?’. Journal of the History of Ideas 34
(1973): 543-562.
Riley, Patrick. ‘Social Contract’. In The Blackwell Encyclopaedia of Political Thought, ed. David
Miller, Janet Coleman, William Connolly and Alan Ryan, 478-89. Oxford: Blackwell, 1987.
Robledo, António Gomez. El origen del poder politico, según Francisco Suárez. México: Jus, 1948.
Rommen, Heinrich. Die Staatslehre des Franz Suarez. Gladbach: Volksvereins Verlag, 1926.
Schrock, Thomas S. ‘Anachronism All Around: Quentin Skinner on Francisco Suarez’.
Interpretation 25 (1997): 91-123.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1218 Andre Santos Campos

Schwartz, Daniel. ‘Francisco Suárez on Consent and Political Obligation’. Vivarium 46 (2008):
59-81.
Skinner, Quentin. The Foundations of Modern Political Thought, vol. 2. Cambridge: Cambridge
University Press, 1988.
Sommerville, J.P. ‘From Suárez to Filmer: a reappraisal’ Historical Journal 25 (1982): 525-540.
Suárez, Francisco. Opera Omnia. Paris: ed. Vivès, 1856-1878.
Suárez, Francisco. Selections from Three Works of Francisco Suárez, S.J., ed. James Brown Scott.
Oxford: Clarendon Press, 1944.
Sugden, Robert. ‘The Contractarian Enterprise’. In Rationality, Justice and the Social Contract, ed.
David Gauthier and R. Sugden, 1-23. London: Harvester Wheatsheaf, 1993.
Tuck, Richard. Natural Rights Theories. Cambridge: Cambridge University Press, 1979.
Vieira, Mónica Brito. ‘Francisco Suárez and the Principatus Politicus’. History of Political Thought
29 (2008): 273-294.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1219-1248.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1219

La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio


de Martín de Ledesma *
Mª IDOYA ZORROZA **

Abstract
A contribution of the School of Salamanca to the philosophy and theory of law is the
anthropological richness of some of its classical notions, e.g. ownership, use and dominion.
This article reviews Martin de Ledesma’s definition of dominion. Ledesma, one of the first
disciples of Francisco de Vitoria in Salamanca, has been credited with the use and collationes
of de Vitoria’s texts in his book, a practice consistent with the scholastic notion of science and
its transmission. The article shows Ledesma’s significant debt to Domingo de Soto, especially
to his treatise De iustitia et iure.
Keywords: anthropology, Domingo de Soto, dominion, justice, Francisco de Vitoria, Martín
Ledesma, ownership, Salamanca’s school.

E
n el contexto de una investigación sobre uso y dominio en la Escuela
de Salamanca, resulta de especial interés analizar el tratamiento de
este tema en Martín de Ledesma (1509-1574), uno de los primeros
discípulos de Francisco de Vitoria en Salamanca, y que marchó a Coímbra
como profesor de Teología; de su estudio pueden calibrarse, además de
la deuda de éste con Vitoria  –ya estudiada por Beltrán de Heredia– al
mismo tiempo que su vinculación con otra fuente, el texto De iustitia et
iure del propio Domingo de Soto, la fidelidad en su enseñanza de las tesis
e ideas que en esos mismos años se estaban enseñando en Salamanca.

* Este trabajo es resultado del Proyecto de Investigación: “Bases antropológicas de


‘dominio, ‘uso’ y ‘propiedad’. Proyecciones de la Escuela Salmantina de los siglos XVI-
XVII”, Programa Estatal de I+D, Fomento de la investigación científica y técnica de
excelencia, Subprograma de generación del conocimiento (FFI2013-45191-P), años
2014-16 y del Proyecto I+D MINECO Excelencia 2017 “Sociedad, política y economía:
proyecciones de la Escolástica española en el pensamiento británico y anglosajón”
(FFI2017-84435-P), años 2018-2020.
** Universidad Pontificia de Salamanca.
 izorrozahu@upsa.es

1219-1248

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1220 Mª Idoya Zorroza

En su obra (comentarios al libro IV de las Sententiae) publicada entre


los años 1550-60, fruto de su docencia universitaria, se han encontrado
textos de las lecciones y relecciones vitorianas, intercaladas en sus propios
desarrollos. Lo que en este trabajo voy a presentar es también aquellos
pasajes referidos al dominio en que Ledesma sigue textualmente el propio
texto de Domingo de Soto. Ello muestra, además del carácter colectivo y
sumativo del quehacer escolástico –al margen de los criterios de origina-
lidad, propiamente ilustrados–, la continuidad de la docencia de Ledesma
en Coímbra de lo realizado en Salamanca entre las décadas de los años 20
y 50 del siglo XVI.

1. Aproximación bio-bibliográfica a Martín de Ledesma

Entre los discípulos más destacados de Francisco de Vitoria, entre


aquellos que como profesores y catedráticos en otras universidades propi-
ciaron la proyección de su renovación teológica, se encuentra Martín de
Ledesma.1 Él es, en palabras de Juan Belda Plans –en la obra de referencia
que escribió sobre la Escuela de Salamanca– uno de esos privilegiados
discípulos vitorianos “de primera hora”,2 que llevó temas y modos de abor-
darlos desde Salamanca a Coímbra, generando allí mismo un núcleo de
difusión y desarrollo de la teología que había aprendido en Salamanca en
los primeros años en que se desarrolla dicha Escuela.
Para aportar algunos datos bio-bibliográficos sobre Martín de
Ledesma, se ha de señalar que este teólogo nació en la villa de Ledesma,

1. Cfr. los datos de sus alumnos y discípulos ilustres en Luis G. Alonso Getino, El
maestro Fr. Francisco de Vitoria: su vida, su doctrina e influencia (Madrid: Imprenta
Católica, Publicaciones de la Asociación Francisco de Vitoria, 1930), 421 y ss.; 258-
261; Juan Belda Plans, La Escuela de Salamanca y la renovación de la teología en el
siglo XVI (Madrid: BAC, 2000), 198-200, haciendo síntesis de los datos de Franz Ehrle,
“Los manuscritos vaticanos de los teólogos salmantinos del siglo XVI,” Estudios
Eclesiásticos 8 (1929): 165-167; Vicente Beltrán de Heredia, Francisco de Vitoria
(Barcelona: Editorial Labor, 1939), 180-184; Teófilo Urdánoz, “Introducción,” in Obras
de Francisco de Vitoria: Relecciones teológicas (Madrid: BAC, 1960), 69-70; Luciano
Pereña, La Escuela de Salamanca. Proceso a la conquista de América (Salamanca:
CAMPS, 1986), 69-70; 218-221; 230-256.
2. Belda Plans, La Escuela de Salamanca, 766. De él dice más adelante (846) que es
“el profesor conimbricense de mayor relieve a la hora de examinar la influencia
salmantina en Portugal, por ser discípulo directo de Vitoria y el primero que enseña
en la Universidad portuguesa, con notable influencia, trasladado… directamente desde
Salamanca”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1221

muy próxima a Salamanca,3 el año de 1509.4 Sabemos que ingresó en la


Orden de Predicadores el 17 de marzo de 1525 en el convento de San
Esteban de dicha ciudad,5 pues quedan los datos de su profesión en dicho
convento, formando parte de un grupo de siete, siendo prior entonces
Hurtado. En el convento y luego en la Universidad tuvo por maestros a
Francisco de Vitoria y Domingo de Soto en sus primeros años de docencia
salmantina.
Su biografía se ha podido reconstruir fundamentalmente6 a partir de
las informaciones aportadas por fuentes de historia dominicana y por la
docencia que llegó a impartir en Coímbra, siendo muy escasos los datos
acerca de su infancia y juventud.
Se sabe que en Salamanca se encontraba en enero de 15347 y se
estima que permanecería allí hasta su incorporación a la Universidad
de Coímbra, si bien Juan Belda dice que desempeñaba una cátedra de
Vísperas en San Gregorio de Valladolid en los tiempos que Cano marchó
para allá (entre 1533 y 1536)8 poniendo como fecha límite el año de 1536

3. Actualmente se encuentra a unos 30 km. al norte de Salamanca, también a orillas del


Tormes, cercana a la provincia de Zamora.
4. Una somera biografía acompañando a las fuentes de sus trabajos sobre moral
económica en José Barrientos García, Repertorio de moral económica (1526-1670): La
Escuela de Salamanca y su proyección (Pamplona: Eunsa, 2011), 209-213. Para los
datos biográficos seguiré principalmente los datos aportados por José Barrientos, Juan
Belda, Vicente Beltrán de Heredia y el cardenal Ehrle, en las fuentes que indicaré en
notas al pie. Se citarán también las fuentes de historiadores de la propia orden, según
los textos editados.
5. Libro de profesiones del Convento de San Esteban de Salamanca, en Justo Cuervo,
Historiadores del Convento de San Esteban de Salamanca (Salamanca: Imprenta
Católica Salmanticense, 1914-1915), vol. 3, 792: “día 17 de marzo (1525) hicieron
profesión fr. Gregorio San Juan, fr. Santos de Santa Katarina, fr. Martín de Ledesma,
fr. Jerónimo de la Parra, fr. Alonso de Valencia, fr. Esteban y fr. Juan de Orellana,
siete en número, en manos del Reverendo Padre Prior de este convento salmantino fr.
Juan Hurtado”. Lo mismo en José Barrio, Jerónimo Quintana, Historia del Convento
de S. Esteban de Salamanca, en Cuervo, Historiadores del Convento, v. II, 552: “El 17 de
marzo dio la profesión el prior a otro fr. Martín de Ledesma que también fue maestro
de teología y a fr. Juan de Orellana”.
6. Ehrle, “Los manuscritos vaticanos,” 312-313. Vicente Beltrán de Heredia, “Las
relecciones y lecturas de Francisco de Vitoria en su discípulo Martín de Ledesma OP,”
Miscelánea Beltrán de Heredia: Colección de artículos sobre la historia de la teología
española (Salamanca: San Esteban, 1972), t. 2, 113-136 (publicado previamente en La
ciencia tomista 49 (1934): 5-29; citaremos por la versión de Miscelánea).
7. Beltrán de Heredia, “Las relecciones y lecturas,” 113: según una escritura que, señala,
se encuentra en el Archivo Histórico Nacional, Sec. Clero, leg. 932.
8. Belda Plans, La Escuela de Salamanca, 505.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1222 Mª Idoya Zorroza

en que debió dejar Valladolid, puesto que habría sido sustituido por el
propio Melchor Cano. Esta disparidad la resume Barrientos, al expresar
que “algunos historiadores de la Orden lo sitúan en Valladolid, expli-
cando Teología en el colegio de San Gregorio; otros creen que continuó en
Salamanca hasta su marcha a Coímbra (Portugal)”.9
Por tanto, en todo caso, puede decirse que la presencia de Martín
de Ledesma en Salamanca entre 1525 y al menos 1534 coincide con los
primeros años de docencia de Vitoria, cuando se incorpora a su Universidad
en la cátedra de Prima de Teología.10 Según la distribución de los cursos,
Vitoria había enseñado: entre 1526-29 la Secunda Secundae; entre 1529-31,
el comentario al cuarto libro de las Sententiae; entre 1531-33, la Prima pars
de la Summa; entre 1533-34, la Prima Secundae; reiterando el ciclo de
nuevo con la Secunda Secundae desde el curso 1534-35. De ser ciertas las
fechas antes señaladas, Ledesma habría podido asistir a las relecciones
De silentii obligatione (1527, no conservada), De potestate civili (1528), De
homicidio (1530), De matrimonio (1531), De potestate ecclesiae I (1532), De
potestate ecclesiae II (1533) y De potestate Papae et Concilii (1534).11
Por las mismas fechas se encontraba Domingo de Soto primero en
San Esteban y luego comenzando su largo periodo de docencia en la
misma Universidad, sólo interrumpida en cumplimiento de sus obliga-
ciones como teólogo imperial.12 Así impartirá la Tertia Pars en el primer

9. Barrientos García, Repertorio, 209.


10. Los ejercicios los realizará entre el 2 y el 7 de septiembre, y jura los estatutos de
la Universidad el 21 de ese mes de 1526, desarrollando su actividad docente, sólo
interrumpida por la enfermedad, hasta 1546. Cfr. Belda Plans, La Escuela de Salamanca,
326-336.
11. Belda Plans, La Escuela de Salamanca, 336 y 339. Señala Jesús Polo Carrasco (“La
mariología de Francisco de Vitoria: cuestiones bibliográficas,” Scripta Theologica
10 (2002): 41) que Ledesma es el primero que recoge el fragmento entresacado de
la relección vitoriana De temperantia no incluida en las dos primeras ediciones de
sus Relectiones Theologicae (por Jacobo Boyer, Lyon, 1557; y por Alonso Muñoz,
Salamanca, 1565). La presencia de las relecciones vitorianas en Ledesma la han
subrayado también Águeda María Rodríguez Cruz, “Fray Francisco de Vitoria: modelo
de catedráticos,” Revista Universidad Pontificia Bolivariana 32, 111 (2015): 221, 229-
230, y Pedro Calafate, “A idea de Comunidade universal em Francisco Suárez,” IHS:
Antiguos Jesuitas en Iberoamérica 5, 2 (2017): 51.
12. Señala Belda Plans, La Escuela de Salamanca, 402 y ss., que llega al convento de San
Esteban en octubre o noviembre de 1525. Desde entonces hasta 1532 se formará al
tiempo que impartirá clases en San Esteban de la Summa y el cuarto libro de las
Sententiae, sustituirá en ocasiones a Vitoria en sus clases cuando enfermó en el
curso 1531-32, hasta que en 1532 ocupará por oposición la cátedra de Vísperas (22
de noviembre), convalidando sus estudios en un proceso que ocupará los meses de
noviembre y diciembre.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1223

curso de su docencia, entre 1532-33; continuando esa parte y su corres-


pondiente texto en el cuarto libro de las Sententiae (1533-35). Así como las
relecciones De merito Christi (1533) y De dominio (1534).
Por tanto, para el tema que nos ocupa, por las fechas señaladas,
además de la estrecha relación que pudiera surgir de la convivencia
compartida en San Esteban, Martín de Ledesma pudo estar presente en las
primeras lecciones sobre la Secunda Secundae –y en particular el tratado
sobre la restitución–, y en las relecciones públicas sobre la potestad de
Vitoria; al igual que en los comentarios al cuarto libro de las Sententiae
de Lombardo realizados por Soto y también en su relección De dominio.
De su estancia como profesor en Portugal,13 contamos con más datos
según la bibliografía que se puede consultar al respecto.14 Por qué lo encon-
tramos en Portugal, lo justifica Belda15 por dos motivos de renovación:
universitaria y conventual, ambos promovidos por el rey portugués Juan
III, quien por un lado quiso reforzar la docencia universitaria en su país
con la incorporación a sus centros de profesores destacados, en especial
provenientes de Salamanca; y por otro, con la reforma conventual de los
dominicos a imagen de la realizada en Castilla, y en particular en San
Esteban.16 Para lo primero es significativo el esfuerzo y cuidado que puso
para la incorporación de Martín de Azpilcueta a los estudios de Cánones
de Coímbra; y para ambas la incorporación de Martín de Ledesma a los

13. Barrio, Quintana, Historia del Convento, 600: “Fr. Martín de Ledesma, primer
catedrático de la Universidad de Coímbra”; en 601-602: “según buenas conjeturas a
este tiempo se hallaba leyendo en este convento, porque en el capítulo de Benavente
de 1537 se expuso para leer Sentencias con él con fr. Francisco de Bobadilla”.
14. Luciano Pereña, “Francisco de Vitoria en Portugal,” Arbor 46 (1960): 326-341; José
Barrientos García, “Cauces de influencia en Europa,” en Francisco de Vitoria y la
Escuela de Salamanca, La ética en la conquista de América (Madrid: CSIC, 1984), 457-
458. Raúl de Almeida Rolo, “Francisco de Vitoria e a renovaçâo da teologia portuguesa
no século XVI,” en I diritti dell’uomo e la pace nel pensiero di Francisco de Vitoria e
Bartolomé de las Casas (Milano: Massimo, 1988), 293-307. Ángel Marcos de Dios,
“Proyecciones salmantinas. Area Lusa,” en Manuel Fernández Álvarez, La Universidad
de Salamanca, vol. 1, Trayectoria histórica y proyecciones (Salamanca: Universidad de
Salamanca, 1989), 425-444; Beltrán de Heredia, “Las relecciones y lecturas,” 113.
15. Belda Plans, La Escuela de Salamanca, 846.
16. Vicente Beltrán de Heredia, “El intercambio hispano-lusitano en la historia de la
orden de predicadores,” en Miscelánea Beltrán de Heredia, t. I, 103-130; 115-117: quería
reproducir en Portugal, en plena expansión misionera por los nuevos territorios
hallados, la reforma ya realizada por los dominicos en Castilla. Reforma que reforzó
y manifestó también la que llegaría a las aulas universitarias (121-122). Sobre la
reforma en Castilla, cfr., del mismo autor: “Los comienzos de la reforma en Castilla,
particularmente en el Convento de San Esteban de Salamanca y su maduración en la
provincia de Portugal,” en Miscelánea Beltrán de Heredia, t. I, 403-425.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1224 Mª Idoya Zorroza

de Teología,17 y al convento dominico de la misma ciudad de Coímbra, en


un momento en que la ciudad recuperaba la Universidad después de un
paréntesis en que ella se había desplazado a Lisboa.18
Martín de Ledesma se encuentra en Coímbra en el año de 1540:
primero, ocupando por un breve tiempo la cátedra de Biblia (de enero de
1540 a julio de 1541); después la de Vísperas de Teología (desde octubre
de 1541 hasta noviembre de 1557);19 para ocupar la de Prima de Teología
al jubilarse Alfonso de Prado,20 hasta incluso después de su propia jubi-
lación, pues si bien debía permanecer en ella hasta cumplir los 20 años de
docencia, hacia 1562,21 fue titular de ella hasta su muerte (15 de agosto de
1574) por especial petición del rey portugués, facilitándole cumplir con
sus funciones con la asistencia y ayuda de sustitutos.22

17. Cfr., por ejemplo, Vicente Beltrán de Heredia, “El intercambio hispano-lusitano,” 122-
123. En Beltrán de Heredia, “Las relecciones y lecturas,” 114, se sitúa a Ledesma en
Portugal ya entre 1537-38, residiendo en el Colegio de Santo Tomás en Coímbra, luego
en el de Batalha, y luego en Coímbra de nuevo, en un nuevo convento y colegio junto
al centro universitario.
18. Señala Nicolás Antonio “fue tal su conocimiento de las ciencias sagradas y la estima de
su relevante talento en su época, esto es hacia el año mdxliv, que Juan III, rey de Portugal
lo prefirió a otros de modo que, dejando la ciudad de Salamanca, se incorporase
como lector de la cátedra de prima de teología de la Universidad de Coímbra que por
aquellos días dicho rey cuidaba diligentemente de dotarla con su obra más preferida
de los mejores y más sabios profesores”; Nicolás Antonio, Biblioteca hispana nueva (o
de los escritores españoles que brillaron desde el año 1500 hasta el de 1684), traducción
castellana revisada, corregida y ampliada, F. Pérez Bayer, ed. (Madrid: Imprenta de
la Viuda y Herederos de D. Joaquín Ibarra, 1788); nueva edición coordinada por M.
Matilla Martínez (Madrid: Fundación Universitaria Española, 1999), t. II, 129. Belda
Plans, La Escuela de Salamanca, 846. Allí se dice que el objetivo era evitar una marcada
dirección nominalista, citando la obra de Américo Ferreira, A eclesiología de Francisco
Carreira (Lisboa: Biblioteca da Ajuda, 1982), 59 ss. También se buscaba una formación
de calidad que frenara el importante “éxodo” de estudiantes portugueses al extranjero;
Belda Plans, La Escuela de Salamanca, 847.
19. Beltrán de Heredia, “Las relecciones y lecturas,” 114-115. Allí se añaden más datos
obtenidos de los libros de claustros, casi las únicas fuentes “que nos hablan de él desde
que salió de Salamanca”.
20. Belda Plans, La Escuela de Salamanca, 848.
21. Señala José Barrientos: “El 25 de agosto de 1560 Ledesma había solicitado el cómputo
del tiempo que había explicado Teología para ver si tenía ya derecho a la jubilación,
pero por llevar diecinueve años de maestro, aparte de algunas ausencias en su lectura,
no completaba los veinte años y hubo de esperar hasta el 9 de mayo de 1562, fecha en
la que cumplía ya todos los requisitos, para que se le concediese la jubilación. Durante
bastante tiempo fue su sustituto en la cátedra de Prima el también dominico Antonio
de Santo Domingo, que había sido su discípulo, y que fue su sucesor como titular”;
Barrientos García, Repertorio, 210.
22. Ello muestra el aprecio y reconocimiento que se le tributó en Portugal: Beltrán de

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1225

Del trabajo académico de Ledesma en Portugal23 en esos 34 años nos


queda un comentario al cuarto libro de las Sententiae publicado en dos
volúmenes: Primus tomus, qui et Prima quartae nuncupatur (Conimbricae:
Ioannes Alvarus, 1555); y Secunda quartae (Conimbricae: Ioannem
Alvarum typographum regium, 1560) además de algunos manuscritos24
todavía inéditos.

2. El esquema del planteamiento de Ledesma sobre el dominio


humano referido a lo real

En relación con nuestro especial objeto de interés: la antropología de


uso, dominio y propiedad en la Escuela de Salamanca, vamos a considerar
las dubia del primer artículo de la cuestión 18 (De restitutione), titulado:
“Si la restitución es parte de la satisfacción” (An restitutio sit pars satisfac-
tionis)25 en las que Ledesma, comentando a su vez el propio comentario
de Santo Tomás a las Sentencias de Pedro Lombardo,26 va a tratar del
dominio humano sobre lo real.

Heredia, “Las relecciones y lecturas,” 117; también es otro indicio el ofrecimiento del
rico obispado de Viseo que rechazó: Barrio, Quintana, Historia del Convento, 602.
23. Las exigencias de los estatutos de la Universidad de Coímbra exigía (según Beltrán de
Heredia, siguiendo las noticias de él aportadas por los libros de claustros, como se ha
visto en la referencia de nota anterior) que se enseñara en la cátedra de Vísperas la
Suma Teológica de Santo Tomás, y se comentara las Sentencias de Pedro Lombardo en
la de Prima. Pero en la práctica el texto seguido era el del Aquinate, tal como era común
también en la Universidad de Salamanca, donde los estatutos imponían las Sentencias
y sin embargo los profesores tras dar noticia de lo tratado por Pedro Lombardo, se
detenían exponiendo las cuestiones según la obra de Santo Tomás. Al respecto, véase
además: Barrientos García, Repertorio, 210.
24. Beltrán de Heredia, “Las relecciones y lecturas,” 116-117. Además de las dos obras que
se señalan, son –según este estudioso– el códice 1200 de la Universidad de Coímbra
(con los comentarios al segundo libro de las Sententiae) y el códice 3635 de la Biblioteca
Nacional de Lisboa (con los comentarios a la Summa Theologiae, tratado De legibus).
25. Martín de Ledesma, Secunda quartae doctoris fratris Martini Ledesmii (Conimbricae:
apud Ioannem Aluarum, 1560), fols. 217-237. Un estudio imprescindible sobre
el derecho de propiedad en este autor es: José Barrientos García, “El derecho de
propiedad privada en Martín de Ledesma,” en Ángel Luis González, Mª Idoya Zorroza,
eds., ‘In umbra intelligentiae’. Estudios en homenaje al Prof. Juan Cruz Cruz (Pamplona:
Eunsa, 2011), 111-124.
26. Tomás de Aquino, In IV Sententiarum, d. 15, q. 1, a. 5, expositio textus. En el texto de
Pedro Lombardo (según ordena el Aquinate) aborda el problema de la penitencia y la
satisfacción. Especialmente, si la penitencia logra la satisfacción y borrar el pecado,
requisito para alcanzar la vida bienaventurada al remediar las consecuencias de
dicha acción, y cuál es el papel que cumplen la caridad, la buena acción, la limosna

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1226 Mª Idoya Zorroza

Tras apuntar genéricamente al inicio del artículo que cuando se


habla de dominio se refiere fundamentalmente a dos sentidos: el de supe-
rioridad y el de propiedad,27 Ledesma comienza revelando el nexo entre
restitución y dominio, para justificar la presencia de este largo trata-
miento del dominio en medio de una cuestión dedicada a la restitución en
el contexto de la justicia conmutativa.28 Comienza propiamente a hablar
del dominio, introduciendo una definición nominal del término, justifi-
cándola como término latino al acudir al uso de dominatio y dominatus en
autores clásicos latinos, textos bíblicos y pasajes del Corpus iuris civilis.29
Para acceder a qué sea el dominio en la realidad, revisa la definición
esencial de derecho que aporta Conrado30 vinculando derecho, facultad
y potestad comentando los textos tanto de Conrado como de Gerson, así
como otros textos de las Escrituras.31
La polémica sobre la relación, identidad y distinción de derecho y
dominio en Ledesma,32 concluye que dominio es lo mismo que ius en el
segundo sentido como potestad o facultad de usar de una cosa.

y la oración. Tomás de Aquino estructura de una manera más sistemática el tratado


considerando en cuatro cuestiones qué sea satisfacción y qué lleva a ella (a saber:
limosna, ayuno y oración). Sobre la satisfacción, indaga qué sea (q. 1, a. 1); si podemos
dar satisfacción a Dios (q. 1, a. 2); cómo satisface el hombre (q. 1, a. 3), a través de qué
(q. 1, a. 4), y si la restitución es parte de la satisfacción (q. 1, a. 5). Al tratar el tema de
la restitución en la Summa Theologiae (II-II, q. 62) considera ocho temas ampliando
más lo expresado en este artículo 5 de su comentario a las Sententiae: de qué virtud
es acto la restitución, si es preciso para la salvación restituir lo robado, si es preciso
restituir más, si también ha de restituir lo que no ha quitado, si debe hacerse a aquél
a quien se robó, si hay obligación, si quien no hurtó puede también estar obligado y si
la restitución ha de ser inmediata. En esta cuestión menciona varias veces el dominio
pero el Aquinate no lo convierte en un amplio excursus, como lo harán los autores
estudiados.
27. Ledesma, Secunda quartae, 217vb. En un texto que recuerda la distinción de Vitoria en
Comentarios a la Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 6: “cierta eminencia y superioridad”;
cito por Comentarios a la Secunda Secundae de Santo Tomás, t. III, De Justitia (qq. 57-
66), V. Beltrán de Heredia, ed. (Salamanca: BTE, 1934).
28. Ledesma, Secunda quartae, 217vb. En ese sentido, sigue la tradición de los comentadores
de las Sententiae, como señala Barrientos García, “El derecho de propiedad,” 111.
29. Ledesma, Secunda quartae, 217vb. Esta precisión es común a la de Francisco de
Vitoria, Comentarios a la Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 4.
30. Ledesma, Secunda quartae, 218ra.
31. Como 1 Corintios, 7. Ledesma, Secunda quartae, 218ra. De manera semejante a
Francisco de Vitoria, Comentarios a la Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 5.
32. Ledesma, Secunda quartae, 218ra-vb. Para Vitoria éste es el segundo sentido de
dominio en Comentarios a la Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 7.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1227

La cuádruple distinción del dominio en propiedad, uso, usufructo


y posesión,33 continuará con la distinción entre dominio y título de
dominio.34 Los problemas de articular los diversos modos de dominio
(posesión, uso, usufructo, propiedad) se desarrollarán en Ledesma para
cerrar la primera duda: qué es dominio.35 Esta primera sección es la que
se analiza comparativamente en Domingo de Soto y Martín de Ledesma.
Ledesma continúa (en la segunda duda) con el problema del uso y
dominio en aquellas realidades consumibles con un solo uso.36 Plantea
fundamentalmente un problema: se rechaza su distinción, en particular
para evitar la sospecha y la práctica de la usura, pero por motivos extra-eco-
nómicos su distinción real estaba reclamada por el voto de pobreza fran-
ciscano, como se ha abordado en otros lugares.37 Su conclusión es la
desarrollada por Soto, quien va un paso más allá que Vitoria: con una
concepción más afinada de dominio pueden distinguirse, pero no pueden
ser valoradas o computadas separadamente en cuanto a su precio.
Para Ledesma, según continúa en la tercera duda, efectivamente
hay dominio sobre las realidades en cuanto éste proviene de Dios; por
tanto, ese dominio sólo es propio de las criaturas racionales, probando
dicha aserción con textos comunes de las Sagradas Escrituras, San
Jerónimo, Tomás de Aquino y Aristóteles. La posibilidad de dicho dominio
se encuentra en su especial dignidad y carácter racional y libre que se
manifiesta en que los seres humanos tienen dominio sobre los propios
actos.38 Esto se continúa (duda cuarta) en la distinción y división de tipos

33. Ledesma, Secunda quartae, 218va.


34. Ledesma, Secunda quartae, 218vb. Desarrollo que en Vitoria no se encuentra, sólo se
refiere al título de dominio en los modos de transferencia del dominio, Comentarios a
la Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 27, n. 33.
35. Ledesma, Secunda quartae, 219ra-b.
36. Ledesma, Secunda quartae, 219rb-220rb. En Vitoria, este tema no aparece reflejado en
esta cuestión, sólo hace una breve reflexión en la cuestión 78, cfr. Francisco de Vitoria,
Contratos y usura, traducción, introducción y notas de Mª I. Zorroza (Pamplona:
Eunsa, 2006), q. 78, a. 1, n. 9, 145.
37. Lo he tratado, a propósito del propio Martín de Ledesma en mi trabajo: “Un discípulo
salmantino en Coímbra: Martín de Ledesma,” Humanistica e Teologia 37, 2 (2016):
159-183. En un contexto más general de la Escuela de Salamanca: “Del precio del uso
que llaman usura. El debate sobre el uso en el siglo XVI,” en Ley y razón práctica
en el pensamiento medieval y renacentista (Pamplona: Eunsa, 2014), 155-172; y en la
particular relación y comparación entre Vitoria y Soto: “Vitoria y Soto: relación y
comparación de sus respuestas a una problemática común,” Francisco de Vitoria en la
Escuela de Salamanca y su proyección en Nueva España (Pamplona: Eunsa, 2014).
38. Ledesma, Secunda quartae, 220rb-221ra. Idea que Francisco de Vitoria presenta en
Comentarios a la Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 10-11. Con las mismas citas de

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1228 Mª Idoya Zorroza

de dominio: en divino, angélico, humano sobre seres humanos y dominio


sobre realidades externas.39
Afirma seguidamente que hay un dominio por derecho natural de
algunas cosas (duda quinta), especialmente de lo propio si bien sólo para
algunos usos, el de la república sobre sus ciudadanos, y del hombre sobre
la realidad natural,40 especificando que no sólo tiene dicho dominio como
comunidad, sino también particularmente.41 Sigue la consideración de
cómo se hizo la división y apropiación: según qué derecho42 y cuándo o en
qué tiempo43 y cómo llega hasta nosotros.44
La duda de si hay pérdida de dominio por pecado o pérdida de la
gracia ocupa a Ledesma su novena duda,45 continuando sobre el dominio
que compete a alguien en lo suyo tras la comisión de un crimen.46 Sigue
el problema del dominio de un hombre sobre otro,47 prosigue el tema
del dominio con tres asuntos de clara temática jurídica y teológica: (a)
si se transfiere el dominio sólo con un acto interior o de voluntad;48 (b)
el problema de la traslación de dominio por contratos nulos o inválidos
(según ambos foros: de conciencia y público);49 (c) el dominio para el
posesor en caso de prescripción.50

Conrado, San Jerónimo y del Génesis.


39. Ledesma, Secunda quartae, 221ra. Vitoria (Comentarios a la Secunda Secundae, q. 62,
a. 1, n. 13), señala de qué derecho se habla cuando se refiere al dominio humano sobre
las cosas, y concluye que por derecho natural.
40. Ledesma, Secunda quartae, 221rb-vb. Su argumentación es similar a la de Vitoria desde
la tercera conclusión: el dominio que tiene el ser humano sobre la realidad natural
citando la misma autoridad de Aristóteles en Politica (I); Comentarios a la Secunda
Secundae, q. 62, a. 1, n. 12.
41. Ledesma, Secunda quartae, 221vb-222ra, cuarta conclusión. Es paralelo a Francisco de
Vitoria, Comentarios a la Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 15.
42. Ledesma, Secunda quartae, 222r: a saber, si por derecho divino positivo, de gentes o
humano. Lo mismo en Vitoria en las proposiciones séptima a novena: Comentarios a la
Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 18-20.
43. Ledesma, Secunda quartae, 222rb y 222vb-223rb; lo mismo Vitoria: fue hecha por
derecho humano (Comentarios a la Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 18-20).
44. Ledesma, Secunda quartae, 223rb-vb.
45. Ledesma, Secunda quartae, 224ra-va. Francisco de Vitoria le dedica al tema la sexta
proposición: Comentarios a la Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 16.
46. Ledesma, Secunda quartae, 224va-225ra.
47. Ledesma, Secunda quartae, 225ra-226ra.
48. Ledesma, Secunda quartae, 228vb-229va.
49. Ledesma, Secunda quartae, 226ra-228vb.
50. Ledesma, Secunda quartae, 229va-231vb.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1229

Tras advertir de qué virtud es acto la restitución, en particular


respecto de la justicia conmutativa o distributiva;51 Ledesma cierra el
tema del dominio dudando si basta con quererlo voluntariamente para
que efectivamente sean enajenados los propios bienes,52 si algún hombre
es dueño de todo el orbe y si el emperador puede serlo.53
Ciertamente, el tratamiento de Ledesma es interesante y según nos
señala Diego Carro, “en esta cuestión del dominio bien merece ser leído
y hasta tiene alguna novedad, que no recordamos haberlo encontrado en
ningún otro, sobre todo de una manera tan explícita”.54
Sin embargo, esta “novedad” puede quedar matizada si atendemos
no sólo a la relación de Ledesma con Vitoria sino también a su relación
con Soto, al encontrar importantes paralelismos, ya no sólo de tema y
posturas, sino también de contenido y expresiones, como también había
advertido Barrientos. En el estudio que realiza Barrientos de su obra
moral en su Repertorio advierte que “De la Escuela de Salamanca sola-
mente aparece citado Domingo de Soto en una ocasión; cita el tratado
De iustitia et iure que hacía ya siete años que había visto la luz la primera
edición”.55 Y prosigue en la misma línea que el estudioso Beltrán de
Heredia, señalando la deuda de Martín de Ledesma con Vitoria, pues pese
a que “no cita […] a Francisco de Vitoria, […] en la cuestión 18 resulta
fácil encontrar textos casi literales de las lecciones ordinarias de Vitoria
sobre las cuestiones 62 –De restitutione– y 63 –De acceptione personarum–
de la Secunda Secundae”,56 “así como también de la primera relección De
indis”.57 Barrientos es más explícito al señalar que “cuando no existe la
coincidencia literal está la coincidencia de contenido y del modo en que
se plantean las cuestiones. Martín de Ledesma a veces amplía el texto de
Vitoria y a veces lo abrevia para acomodarlo al plan de su exposición, pero
hay coincidencia en los argumentos y autoridades”.58
Sin negar todo ello, los textos que mostramos a continuación prueban
“que Ledesma se aprovechó de las lecciones de su maestro, aunque él no

51. Ledesma, Secunda quartae, 231vb-232vb.


52. Ledesma, Secunda quartae, 232vb-235rb.
53. Ledesma, Secunda quartae, 235rb-237rb.
54. Venancio Diego Carro, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de
América (Salamanca: Editorial San Esteban, 1951), 327.
55. Barrientos García, Repertorio, 211.
56. Barrientos García, Repertorio, 211.
57. Barrientos García, Repertorio, 211.
58. Barrientos García, Repertorio, 211; también en “El derecho de propiedad,” 111.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1230 Mª Idoya Zorroza

lo reconozca”,59 tanto de Vitoria como de Soto (al que sólo cita en una
ocasión).

3. La deuda textual de Martín de Ledesma con Domingo de Soto

Para mostrar las semejanzas y deudas del texto de Martín de Ledesma


con el texto de Soto, he seleccionado la primera de las 18 dubia de la
cuestión 18 de la Secunda Quartae del Profesor de Coímbra, titulada Quid
est dominium [Qué es dominio],60 con la mayor parte del primer artículo
de la cuestión primera de Soto en el libro IV de su De iustitia et iure.61
El inicio de ambos textos, a modo de proemio, es el lugar en el que los
autores presentan la cuestión y establecen principalmente la vinculación
del tema del dominio con la restitución: Soto, por su parte, lo realiza
vinculando su tratamiento al desarrollo de la justicia conmutativa, y seña-
lando que como antesala del tratamiento de esta parte de la justicia debe
abordarse “dos cosas que le sirven de base”:62 el dominio sobre las cosas
y la restitución. Pues el dominio de las cosas y su división es la base y el
fundamento de todos los acuerdos humanos que competen a la justicia
conmutativa.63 Señala Soto a continuación las cinco cosas que deben ser
estudiadas en relación a la cuestión del dominio: qué es en sí (y su sujeto),
su objeto, su división y traslación legítima, algunos casos particulares de
dominio y los cambios de dominio.64

59. Barrientos García, Repertorio, 211.


60. Ledesma, Secunda quartae, 217v-219rb.
61. Domingo de Soto, De iustitia et iure libri decem. De la justicia y del derecho en diez
libros, edición facsimilar […] Introducción histórica y teológico-jurídica por Venancio
Diego Carro, 5 vols. (Madrid: Instituto de estudios políticos, 1967-68); vol. II, libro IV:
De dominio rerum et de Iustitia commutativa, q. 1, a. 1, 279-281 (Quaestio prima: De
dominio in genere; Articulus 1: Vtrum dominium idem sit quod ius et facultas rerum).
62. Soto, De iustitia et iure, IV, “Proemio,” 278: “de duobus eius preambulis, videlicet
primum de rerum dominio, mox de earum restitutione”.
63. Soto, De iustitia et iure, IV, “Proemio,” 278: “dominium huiusmodi rerum, eorumque
divisio, basis fundamentumque est omnium contractuum conventorumque et
pactorum, quae per commutativam iustitiam celebrantur”.
64. Soto, De iustitia et iure, 278: “Quincque ergo convenit de rerum dominio disputare
quaestiones. Primam de re ipsa, deque eius subiecto. Secundam de eius obiecto:
nempe quotuplex sit et quarum rerum. Tertiam de dominiorum divisione ac legitima
translatione. Quibus subinde de singularibus quorundam dominiis quarta adhibetur
disputatio. Ac demum quinta de dominiorum translationibus”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1231

Por su lado, Martín de Ledesma justifica la necesidad del tratado


sobre la restitución para ayuda de confesores (discriminando qué debe ser
restituido antes de conferir la absolución, más allá de argumentaciones
y excusas). La califica como “materia amplia nimis et diffusa”, a la que
ordenará para fácil memorización. Tras señalar los dos sentidos de resti-
tución:65 satisfacción y devolución (de lo debido) que pone Santo Tomás,
parte de la definición de restitución: “es poner de nuevo a alguien en la
posesión o dominio de lo suyo”,66 especialmente cuando se le ha hecho
injusticia en dicha propiedad o uso. Por ello propone, como preámbulo a
la restitución, determinar qué es el dominio.
Y ya desde este punto vemos la deuda textual del texto de Ledesma67
con el de Soto: pues la primera cuestión planteada es la identidad o dife-
rencia entre dominio y derecho (o facultad sobre las cosas):

Domingo de Soto Martín de Ledesma

Quaestio praesens in duos articulos


secari se postulat: quorum alter
definitionem dominii, alter vero
subiectum nobis constituat.
Quaeritur ergo an dominium idem Dubitatur ergo quid est dominium
sit quod ius facultasque rerum. Et an sit idem dominium quod ius et
arguitur a parte affirmativa. Ius facultas rerum et videtur quod ita
idem est quod facultas disponendi quia ius est facultas disponendi de
de rebus liberemque illis utendi: rebus et libere illis utendi, at hoc
idem autem prorsus videtur esse ipsum est dominium.
dominium.

Soto continúa proponiendo un argumento a favor y en contra: a


favor, la determinación de Juan XXII de que incluso los mendicantes son
dueños de los bienes que usan; en contra, dado que el derecho a mandar
sobre otros (en la correlación entre señor y siervo) no implica dominio.

65. Ledesma, Secunda quartae, 217va-b.


66. Ledesma, Secunda quartae, 217vb. “restituere sit iterato aliquem statuere in
possessionem aut dominium rei suae”.
67. Para mayor claridad pongo en Ledesma el texto en cursivas cuando la expresión es
idéntica, y subrayado, cuando no coincide género, caso o número. La separación de
párrafos es personal para manifestar más claramente el paralelismo de los textos. Los
textos son; Soto, De iustitia et iure, IV, q. 1, a. 1, 278; Ledesma, Secunda quartae, 217.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1232 Mª Idoya Zorroza

En cuanto al nombre, ambos –como también lo hiciera Vitoria68– se


dedican a analizar el origen clásico latino (sugiriendo que pudiera haber
sido un barbarismo introducido por jurisconsultos y teólogos escolás-
ticos), declarando que como dominatio y dominatus está presente en
autores como Cicerón, se considera válido su uso, una preocupación de
marcado carácter humanista.

Duo proposita argumenta duo nobis


membra designant. Est autem illico
in quaestionis introitu adnotandum, Pro dissolutione huius quaestionis
hanc vocem, dominium, non esse nota quod hoc nomen dominium
tam usu frequentem apud oratores et non est in usu apud Ciceronem et
priscos Latinos, quam dominatus ac alios antiguos latinos, sed apud illos
dominatio, quae quidem duae voces reperitur frequenter dominatus ac
in malum crebrius apud illos, quam dominatio, et hae duae voces apud
in bonum usurpantur. Significant illos frequentius in malum quam in
enim quandam tyrannidis effigiem: bonum usurpantur.
videlicet quando quis in rem suam
abutitur sibi subditis.
Unde Cicero Tuscul. Quaest. lib. Unde Cicero lib. 5, Tus. quaest. de
5, de Dionysio: Dum, inquit, duo Dionysio dicit duo & viginti natus
et viginti natus annos dominatum annos dominatum occupavit,
occupavisset, etc. etc., ubi dominatus accipitur pro
quaedam specie tyrannidis etc.
Et libr. 2 de Oratore: Brutus populum Et rursus lib. 2 de Oratore: Brutus
Romanum dominatu regio liberavit. populum Romanum dominatu
Nam illa quorum homines domini regio liberavit etc., illa namque
sunt, facultates dicuntur Latine, ac quorum homines sunt domini,
substantia et possesiones. dicuntur Latine facultates ac
substantia et possesiones.

Ciertamente, es un término común especialmente para juriscon-


sultos, pues varios de los textos del Corpus iuris canonici versan sobre
dicho dominio. Textos que se completan con los del Corpus iuris civilis
(en particular el Digesto), Varrón (De re rustica) y las Sagradas Escrituras.

68. Vitoria, Comentarios a la Secunda Secundae, q. 62, a. 1, n. 4.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1233

Sed iurisconsulti sunt qui hac Sed esto haec vox dominium apud
voce utuntur, ad significandum antiguos latinos non reperiatur,
id quod pariter vocant iurisconsulti eam invenerunt, et
proprietatem rerum: quae ab ea utuntur, ad significandum id
earum possessione distinguitur, quod pariter vocant proprietatem
atque ab usu et usufructu. Neque rerum: quae ab earum possessione
vero vox haec secundum huc distinguitur, atque ab usu et usufructu.
significatum, ceu barbara aut
invisitata habenda est.

Versatur nanque inter illustres Et eadem vocem receperunt theologi


Latinos: ut apud Varron, de re et iam recepta etiam est ab illustribus
rustica, lib. 2, in mercando et latinis: ideo tanquam latina et non
in emptionibus et traditionibus barbara ea utemur, cum Varron, De re
dominium mutant. Et habetur in rustica, lib. 2, ubi sic ait: in mercando
sacris literis, ut Thobiae, 8. Fecit et in emptionibus et traditionibus
hanc scripturam ut pars dimidia dominium mutant. Et ita habetur
quae supererat Thobiae dominio in literis sacris, ut Thobiae, 8, fecit
deveniret. Et 1 Macchab. hanc Scripturam ut pars dimidia
11, Rex Ptolemeus obtinuit quae supererat Thobiae dominio
dominium civitatum. In iure deveniret. Secundo patet Mach. 11,
autem usurpatissimum verbum Rex Ptolemeus obtinuit dominium
est. Estant quippe in Digesto civitatum. Tertio in iure verbum
Novo, lib. 3, distincti tituli de dominium est usurpatissimum, nam
acquirenda rerum dominio et in digestis extant tituli de adquirenda
de acquirenda vel amittenda vel amittenda rerum possessione.
possessione.

Una vez realizado un acercamiento nominal al estudio del dominio,


queda buscar qué realidad pueda significar ese término. Y lo primero –que
en Soto además da nombre al artículo “Si el dominio es lo mismo que el
derecho y facultad para disponer de las cosas”– es la aparente identifi-
cación o al menos la relación entre derecho y dominio. Apelando además
a las mismas autoridades: Gerson y Conrado, se distinguen dos sentidos
en ius, como ley y como autoridad, poder o facultad. El segundo parece
acercar las nociones de dominium con ius. En Soto se argumenta primero
por la distinción entre ius y dominio apelando a Isidoro de Sevilla, el texto
de San Pablo sobre la relación entre esposos y Conrado en la relación
entre superior y subordinado. Ledesma, en cambio parte de la identifi-
cación entre ius y dominium “est advertendum quod idem est dominium

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1234 Mª Idoya Zorroza

quod ius”,69 para después señalar el doble sentido de ius. El texto parejo
entre ambos autores tiene una diferente ordenación.

At vero circa vocis descriptionem His suppositis ad propositam


plus opere insumunt iuniores quaestionem respondet Conradus
quam opus esset: ut puta codice De contractibus, tract. 1:
Gerson de Potestate Ecclesiae dominium est potestas vel facultas
consideratione 13 et tractatu propinqua assumendi res aliquas
De vita spirituali, lect. 3, cui in usum licitum secundum iura vel
plurimum astipulatur Conradus, leges rationabiliter institutas. Eadem
tract. 1 De contract. et aliorum [de]finitionem dominii constituit
nonnulli in 4, dist. 15. Gerson, tract. De potestate ecclesiae
consideratione 13 et in tractatu De
vita spirituali, lectione 3, eam etiam
acceptant aliqui alii in 4, d. 15.

Primum enim omnium aiunt isti Pro intellectu praedictae finitionis


ius bifariam accipi. Primo pro est advertendum quod idem est
lege quo significatu dicimus Ius dominium quod ius, sed ius a
Civile et Canonicum. doctoribus usurpatur dupliciter:
Secundo pro legitima potestate, Uno modo pro lege, quia viri docti
qua quis fungitur in personam vocant leges divinas, ecclesiasticas,
aliquam vel rem. Deinde aiunt ac Caesareas, iura: dicunt enim ius
dominium idem esse prorsus divinum, ius canonicum etc.
quod ius secundo modo Secundo accipitur ius pro facultate vel
acceptum. potestate utendi re, quia ita dicimus,
Quapropter dominium, inquiunt, habeo ius faciendi hoc, aut accipiendi
est potestas seu facultas hoc, i., habeo facultatem et licenciam
propinqua assumendi res alias in ad hoc et sic pater dicitur habere ius
suam faculttem vel usum licitum in filios, et rex in subditos.
secundum iura rationabiliter
instituta. Sic isti de dominio
loquuntur: an vero propie, id
perpendamus.

Aun en distinta ordenación: los argumentos son los mismos para


la relación entre esposos, siendo de derecho, no es dominio; tampoco la
relación entre señor y siervo, así como el hijo con respecto a los padres.

69. Ledesma, Secunda quartae, 21ra.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1235

Et praedicta distinctio probatur


1 ad Co. 7, mulier potestatem sui
corporis non habet, sed vir. Unde
Primo pro eodem usurpari iuris colligitur quod accipiendo ius hoc
nomen ac dominii, re vera voces secundo modo, idem est dominium
ipsae aegre ferunt. Ius namque quod ius. Sed hoc quod hi doctores
(ut supra visum est) idem est dicunt nempe quod dominum et
(uti ait lib. 5, Isid.) quod iustum. ius accipiantur pro eodem, non
Est enim obiectum iustitiae: est omnino verum: quia ut dicit
puta aequitas quam iustitia inter Isidorus in 5 li. Ethimolo., et S.
homines constituit: dominium Thomas 2-2, q. 57, ius idem est quod
autem facultas est domini (uti iustum, quia est obiectum iustitiae:
nomen sonat) in servos vel in nempe aequitas vel aequalitas quam
res quibus suo arbitratu, ob iustitia inter homines constituit:
suumque commodum utitur. Fit dominium autem est facultas
ergo ut ius non convertatur cum domini (ut nomen ipsum significat)
dominio, sed sit illi superius et in servos vel in res aliquas quibus
latius patens. liberem suas utitur commoditates.
Habet enim uxor ius quoddam Ergo ius non convertitur cum
in maritum: iuxta illud Pauli dominio, sed sit illi superius et
1 ad Corint. 7, vir sui corporis latius patens, quia uxor habet ius
potestatem non habet, sed in maritum: 1 ad Corint. 7, vir sui
mulier. Et filius in parentes, qui corporis potestatem non habet, sed
curam suorum habere tenentur: mulier. Et filii in parentes, qui curam
ac servi in dominos, a quibus suorum filiorum habere tenentur: et
pasci sustentarique debent. servi in dominos a quibus sustentari
Et eadem ratione subditus ius debent, et eadem ratione subditus
habet in praelatum a quo est ius habet in praelatum a quo est
instituendus et gubernandus, et dirigendus et gubernandus, et tamen
tamen nullus istorum quantum nullus horum dominus est respectu
vis nomen extendas, dominus sui superioris.
est, appellarive potest sui
superioris.

El siguiente paso, aporta una nueva significación al dominio: no


sólo añade superioridad (como se probaría en la relación señor-siervo o
padres-hijo) sino también que sea “voluntario” y “para propia utilidad”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1236 Mª Idoya Zorroza

Sed ait Conradus. Saltem Sed dices ad minus ius superioris


negari non debet quin proprie in inferiorem, dominium censeri
ius quodcunque superioris debet, quia dominium ultra ius
in inferiorem, dominium fit non addit nisi rationem superioris.
censendum, ita ut dominium Dico quod nec hoc simpliciter et
ultra ius praecise addat superioris proprie verum est, quia pater ius
rationem. At profecto neque, habet in filios, dominium autem
hoc ego istis facile concredam. nullo modo, si proprie capiatur
Enim vero pater ius habet in dominium. Quod autem pater
filios: dominium autem si proprie habeat ius in filios probatur, quia
fandum est, non item. Est inquam est aequum et iustum atque adeo
aequum et iustum atque adeo ius ut pater filiis imperet ob suum
ius ut pater filiis imperet ob ipsorum bonum, quos propter
suum ipsorum bonum, quos ipsos diligit, instituit, et educat.
propter ipsos diligit, instituit, et At dominium proprie dictum
educat. Dominium autem non non significat quodcunque ius et
quodcunque ius et potestatem potestatem quamcunque, sed illam
significat, sed certe illam quae est tantum potestatem et illud tantum
in rem qua uti pro libito nostro ius significat quae est in rem qua
possumus in nostram propriam uti pro nostro arbitratu possumus
utilitatem, quamque, ob nos ipsos in nostram propriam utilitatem,
diligimus. quamque, propter nos diligimus.

Ambos autores precisan este significando apelando al nombre de


dominio y justificando su sentido propio en la relación entre señor-siervo
con tres argumentos: primero, que aunque no haya derecho a la vida
(porque el dominio humano  –podríamos decir– es derivado del pleno
dominio que tiene Dios); el segundo, por la autoridad de Aristóteles en la
Política que distingue ese dominio en despótico y civil con las modalidades
de cada uno; el tercero, también respaldado por Aristóteles, en la diferencia
entre derecho heril y paterno.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1237

Id quod palam nomen ipsum Et hoc probatur prius ex ipsa


auribus exhibet. Domini siquidem nominis significatione, nam domini
correlativum est servus: qui relativum est servus: qui servus
quicquid est, totum est domini, quicquid est, totum est domini,
veluti pecus. Nisi quod servus veluti pecunia aut pecus, excepto
occidi non potest, quia solus Deus quod servus a domino occidi non
est vitae dominus. potest, quia solus Deus est vitae
Unde Aristo. 1 Polit. cap. 3, dominus.
distinguit inter imperium civile seu Secundo confirmatur hoc ex Arist.
regium, et despoticum, quod est 1 Polit. cap. 3, ubi distinguit inter
dominicum: dicens animam habere imperium civile seu regium, et
in corpus dominicum principatum: despoticum, quod est imperium
mentem vero in appetitum, non dominicum seu dominandi, et
nisi civile et regium: quod non est dicit animam habere in corpus
dominium. dominicum principatum: mentem
autem in appetitum, non nisi civile
et regium: quod non est dominium.
Et 5 Ethi. cap. 6, distinguit inter ius Tertio Arist. in 5 Ethi. cap. 6,
herile et paternum, pater nanque distinguit inter ius herile et
possidet filium ante legitimam paternum, pater enim possidet filium
aetatem, non tanquam dominus ante legitimam aetatem, non sicut
servum, sed tanquam partem sui, et dominus possidet servum, sed sicut
ideo ius illud non est dominicum: partem sui et ideo ius illud non est
herus autem possidet servum dominicum: haerus autem possidet
tanquam instrumentum quo utitur. servum tanquam instrumentum quo
utitur.

Seguidamente se propone como argumento en contra el de Ricardo


(no citado en Ledesma) donde el rapto de esposa o hijos es considerado
hurto, argumento que es rápidamente rechazado: siendo dicho rapto una
injuria, es sin embargo una forma distinta de serlo por relación al hurto.

Arguit vero contra Richardus. Si Sed contra hoc arguo ad hunc


quis aut filium patri, aut marito modum, qui aut filium patri, aut
uxorem raperet, diceretur fur: marito uxorem raperet est fur: at
furtum autem non committitur nisi furtum non committitur nisi domino
invito domino, ergo et pater filii invito, ergo pater filii dominus est et
dominus est et maritus uxoris. Ad maritus uxoris. Ad hoc dico prius
hoc tamen lib. sequenti, quaestione quod raptus filiorum, aut uxoris
de furto respondebitur raptum non est proprie furtum, sed alia
filiorum, aut uxoris non esse species iniuriae ut captivitas, ut alia
proprie furtum, sed captivitatem, similis, sed servum aut pecuniam
vel aliam iniuriae speciem, sed surripere prorie est furtum.
servum surripere prorie est furtum.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1238 Mª Idoya Zorroza

Por ello, argumentando contra Ricardo, se ratifica que es una lesión


de otro derecho, si bien no un hurto, o no lo es al menos en el caso de los
hijos y de la esposa.
Confirma la argumentación volviendo a retomar dichos ejemplos.
Primero, remitiéndose a los textos jurídicos romanos y las Sagradas
Escrituras, en la relación entre seres humanos, relación de señor-siervo,
planteando que en cuestión de derechos la diferencia radical es entre libres
y no libres; sólo en relación a los segundos podría hablarse de dominio en
sentido propio. En el gobierno sobre libres sólo mediante un uso desor-
denado y corrupto puede decirse que es para utilidad del señor.

Praeterea satis est ad rationem furti Secundo et melius dico raptum filii
quod fiat vel invito domino, vel eo vel uxoris esse proprie furtum quia ad
invito ad quem res pertinet, etiam rationem furti sufficit quod fiat vel invito
si non sit dominus, sed alio iure domino, vel invito eo ad quem res iure
possidens. aliquo pertinet, etiam si non fit proprie
dominus, sed alio iure possideat.
Quapropter Institut. De iure Et confirmatur hoc quia Institut. De iure
personarum, distinguuntur statim personarum, distinguuntur homines in
homines in liberos et servos: quoniam liberos et servos: quoniam ius in liberos
ius in liberos non proprie dicitur non proprie est dominium, sed ius in
dominium, sed in servos. servos proprie est dominium.
Princeps enim licet dominus sit Rex enim licet dominus dicatur urbium
urbium ac possessionum civium ac possessionum multarum (licet non
tamen non est dicendus nisi Rex aut omnium quae sunt in republica) civium
Dux etc., immo vero cum dominatu tamen non est dicendus nisi rex aut dux,
agit in subditos, utendo scilicet illis ad immo vero cum dominatu agit in subditos,
suam propriam utilitatem, tyrannus utendo illis ad suam propriam utilitatem,
sit. tyrannus est.
Quare neque iudex neque praelatus Unde colligitur quod nec iudex nec
etsi ius habeat in subditos, dicitur praelatus est proprie dominus subditorum,
proprie eorum dominus. Et hoc esto in eos ius habeat aliquod et hoc
notavit Christus Matth. 20. Principes videtur docuisse Christum redemptorem
gentium dominantur eorum etc. non Matth. 20 cum dixit: Principes gentium
ita inter vos. Etenim (ut in summa dominantur eorum etc. non ita inter
iam dicamus) dominium solum est vos. Unde colligitur dominium proprie
ius, quo quis utitur ad suum proprium dictum, solum esse ius, quo quis utitur
commodum: ius autem non hoc pro suo arbitrio et ad suum proprium
solum significat, sed amplectitur ius commodum: at ius absolute sumptum,
etiam quo superior ac praefectus in non significat solum illud, sed amplectitur
subditorum rem et bonum ipsis utitur. etiam ius quo superior ac praefectus in
Quo circa ius tanquam superius genus subditorum rem et bonum ipsis utitur:
ponendum est in definitione dominii: unde ius tanquam genus superius
tantum abest ut conversim dicantur. ponendum est in definitione dominii: ergo
ius et dominium non convertuntur.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1239

Segundo, retomando la relación entre esposos, se rechaza que sea


dominio en sentido propio, se habla de que entre ellos hay un derecho
“innominado”, apoyado  –según ambos autores– por la necesidad del
gobierno, si bien esta necesidad se acentúa en un estado (el actual estado
de naturaleza caída) agravado por el desorden introducido por el pecado.

De viro autem respectu uxoris Sed videtur quod vir proprie sit
movere quempiam forte posset illud dominus uxoris, iuxta illud Genesis
Genesis 3. Sub viri potestate eris et tertio. Sub viri potestate eris et ipse
ipse dominabitur tui. Haud tamen dominabitur tui. Dico quod non habet
hoc ad dominium civile referendum vir proprie dominium super uxorem
est. Immo Arist. loco citato illud ius et illud testimonium citatum non est
viri in uxorem innominantum esse referendum ad dominium civile immo
ait. Arist. ubi supra illud ius viri in uxorem
innominantum esse ait.
Sed dicitur dominari, primum Sed dicitur vir dominari in uxorem,
quantum ad usum coniugalem: primum quantum ad usum coniugalem:
quia cum natura integra sine ulla quia cum natura integra fuisset sine
fuisset turpitudine laborisque ulla turpitudine molestiaque laboris:
molestia: post peccatum quia in post peccatum autem quia in dolore
dolore paritura mulier erat, dicta paritura erat mulier, dicta est esse sub
est esse sub viri potestate. viri potestate.
Praeterea quia innocentia Secundo, quia innocentia durante et
superstite nullus esset ignorantiae perseverante nullus esset ignorantiae
locus tupote quae peccatum locus, quae peccatum sequuta est: ideo
subsequuta est: ideo quantum quantum ad regimen dominari dicitur
ad regimen dominari dicitur vir vir uxori, quam debet docere: sicut
uxori, quam docere debet: sicut etiam homini prudentiores rudibus
infra dicturi sumus, elegantiores dominari dicuntur, non quidem
rudibus dominari non quidem legali dominio, in bonum proprium
legali dominio, in bonum proprium dominorum: sed urbano, in rem
dominorum: sed urbano, in rem ipsorum, qui disciplina indigent.
ipsorum, disciplinae egentium.

Llega el momento, entonces, de definir más propiamente qué sea el


dominio, para lo que acuden a la definición de Conrado: “es la facultad y
derecho propios que cada uno tiene sobre una cosa para servirse de ella en
beneficio propio mediante cualquier uso permitido por la ley”. Definición
que se recibe de Gerson, modificada, pues donde dice él potestas (un
término más amplio y general) ellos ponen facultas porque aporta facilidad.
Tanto Soto como Ledesma consideran además cada uno de los términos
de la definición para elaborar una más matizada definición de dominio en

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1240 Mª Idoya Zorroza

la que se diferencia, por ejemplo, un dominio estricto del mero uso, mera
posesión o mero usufructo.

Hinc sequitur neque istorum


definitionem quam dominio
ascribunt, legitimam esse neque ex
acte constructam. Et quia (ut 1 De
anima, tex. 85, author est Arist.) recto Ex quibus omnibus colligitur quod
ipsum et obliquum cognoscimus, proprie loquendo et ad rigorem, diffinitio
rectam pro captu nostro statuamus Conradi et aliorum aliquorum de
definitionem per quam de altera dominio, non est bona ideo si proprie
iudicemus. diffiniatur dominium sic diffiniendum
Dominium ergo si secundum artem est: dominium est propria cuiusque
describas, est propria cuiusque facultas et ius in rem quam in suum
facultas et ius in rem quamlibet, quam proprium commodum usurpare potest,
in suum ipsius commodum usurpare quocunque usu lege permisso.
potest quocunque usu lege permisso.
Positum est ergo loco generis, facultas, In praedicta finitione positum est facultas
potius quam potestas non utique loco generis potius quam potestas: non
ratione illa Ioan. Gerson, cap. 3. De propter illud quod dicit Gerson, cap. 3. De
vita spirituali, videlicet quia facultas vita spirituali, nempe quia facultas dicitur
dicitur a fas, quare potestas latronis a fas, et ideo potestas latronis utendi
utendi aliena re, non est facultas. aliena re, non est facultas, quia facultas
Etenim facultas non a fas, sed a facile non a fas, sed a facile trahitur: ut facultas
derivatur: ut sit quasi facilitas. Sunt sit quaedam facilitas quia facultas et
etenim contraria facultas et difficultas. difficultas sunt contraria.
Ob idque potestas genus est plura Ideo potestas est genus plura
comprehendens quam facultas. Potest comprehendens quam facultas. Potest
quippe tyrannus abuti civium bonis quidem latro abuti alienis rebus, non
non tamen habet facultatem id est, tamen habet facultatem, i. facilitatem,
facilitatem, quia id sine licencia et quia id sine licencia et facultate domini
facultate domini aut iusta intercedente non potest. Quare non est opus addere
causa, non potest. Quare minime in praedicta finitione propinqua: quia
opus est addere, propinqua: nam facultas absolute hoc ipsum sonat.
facultas hoc ipsum sonat. Potestas Potestas siquidem remota utendi aliena re
siquidem remota utendi aliena re non non est facultas.
est facultas.
Addiderim autem propria ut Additur in illa finitione propria
dominium distinguatur a mera ut dominium distinguatur a mera
possessione, usu et usufructu. possessione, usu et usufructu. Nam qui
Etenim qui tantum habet usum aut solum habet usum aut usumfructum
usumfructum non habet propriam non habet propriam facultatem sed
facultatem sed dependentem a vero dependentem a vero domino, vel a iudice
domino, vel a iudice id permittente. hoc permittente.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1241

Se esclarece además el dominio añadiendo “en beneficio propio”,


para diferenciar el derecho con la superioridad que ejerce un gobernante
sobre sus subordinados en los que el poder se ejerce para bien de la comu-
nidad o, como en otro caso, para el bien de los gobernados. Añaden final-
mente que el uso ha de estar permitido por la ley, ejemplificando con el
caso de un verdadero dueño cuyos contratos son inválidos legalmente: el
menor de edad.

Itaque quod non soli


barbari, verum et latinissimi
iuris prudentes more iam
proprietatem dicunt, id magis
latine dicitur propria facultas.
Neque, opus est addere cum
Gersone, assumendi res alias.
Nam et homo per propriam
voluntatem, quae motrix est
omium potentiarum, utitur
etiam suis propriis membris,
in quae (ut paulo ante ex Arist.
citatum est) habet anima
dominicum imperium.
Adiectum tamen est definitioni, Adiecimus tamen in praedicta
quod dominium sit facultas ad finitione quod dominium sit facultas
proprium utentis commodum, ad proprium utentis commodum,
quo differat ab aliis iuris quo differat ab aliis iuris speciebus,
speciebus, quibus superior quibus superior inferiores gubernat
inferiores ob suum ipsorum ob ipsorum inferiorum bonum.
bonum gubernat. At dictum Deinde diximus universaliter, in
est deinde universaliter quaecumque usum ut distinguatur
quemcumque usum ut dominium ab usu, et usufructu.
distinguatur dominium ab uso et
usufructu. Est enim dominium
facultas non solum utendi
fruendique re, verum et ipsam
distrahendi, donandi, vendendi,
negligendi, etc.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1242 Mª Idoya Zorroza

Verum tamen adhibitus est Addidimus tandem modum illum


modus ut usus ille sit lege ut usus ille sit lege permissus ad
permissus ad dissolvendam dissolvendam obiectionem qua quis
obiectionem qua quis tentaret tentaret infirmare definitionem, quia
infirmare definitionem. pupillos ante aetatem legitimam
Enim vero pupillos ante aetatem dominium habet rerum suarum,
legitimam dominio rerum non tamen habet liberam facultatem
suarum pollet: quarum tamen utendi illis ad omnes usus alias
potiundi liberam facultatem licitos et honestos, quia non potest
non habet, cum talia bona illa bona donare nec alio titulo illa
neque donare valeat, neque alienare, quoniam lege humana
vendere, quoniam lege humana prohibetur ea dilapidare. Ratio est
prohibetur ea dilapidare. Nam quia cum dominium fundetur in
cum dominium fundetur in libertate, licet ante usum rationis
libertate, licet ante usum rationis vere sit dominus quia vere est liber
vere sit dominus quia vere liber et et non servus, usus tamen dominii
non servus, usus tamen dominii ei ob bonum suum interdicitur,
ei ob bonum suum interdicitur, quousque usum habeat liberi
quoadusque rationis lux illi arbitri. Et pro hoc facit illud Pauli
affulgeat. Unde ait Paul. quandiu quod quandiu haeres parvulus est
haeres parvulus est nihil differt nihil differt a servo, ad Galat. 4, non
a servo: non quidem uantum quidem quantum ad dominium sed
ad dominium sed quantum ad quantum ad usum: et ideo est sub
usum: et ideo est sub tutoribus. tutore. Et simile fit argumentum
Et simile fit argumentum de illo cuius bona ligata sunt iure
de illo cuius bona vinculo progeniturae: qui cum sit vere
progeniturae obligata sunt: qui eorum dominus illa tamen non
cum sit vere eorum dominus potest ratione aliqua alienare, quia
illa tamen non potest ratione est legibus prohibitus: quod autem
aliqua alienare, eo quod civili ille primogenitus vere sit dominus.
sit lege prohibitus. Nam quod Probatur, prius, quia alias illa bona
vere sit dominus inde patet quia carerent domino. Secundo, cum
alias illa bona carerent domino. rex, ad instantiam alicuius, bona
Praeterea cum rex, cuius piam eis vinculo primogeniturae alligat
postulationi annuens bona eis quae prius libera erant, nullum ei
vinculo primogeniturae alligat adimit dominium, nec postmodum
quae prius erant libera, nullum quando possessori facultatem
ei adimit dominium, neque concedit alienandi novam illi confert
postmodum quando possessori proprietatem aut dominium: ergo
facultatem concedit alienandi semper est dominus, prohibitus tum
novam illi confert proprietatem ut diximus de pupilo.
aut dominium, ergo semper est
dominus, prohibitus tamen sicut
pupilus.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1243

Llega el momento de esclarecer qué es en la realidad el dominio, y la


definición de Domingo de Soto es recogida por Ledesma en su sentido y
casi también en sus términos: “dominio es una relación real entre posesor
y cosa poseída”, la facultad de usar y disfrutar de la cosa poseída.

Ab sit autem de illis hic naeniis


meminisse utrum dominium
sit res ipsa quae possidetur, an
dominus, an potius relatio. Hoc
verum tamen admonere non
praeteribo, ut philosophi caveant
barbaras illas Terministarum
loquutiones. Ec quis enim
audire ferat dominium equi, esse Quae autem res fit dominium dico
vel equum vel equite? Est enim quod non est ipse possidens rem,
dominium illa rerum habitudo nec res possessa, sed est habitudo
inter possidentem et possessum, inter possessorem et rem possessam,
puta facultas possidentis in rem quae habitudo vocatur facultas
possessam. Ob idque definit possidentis in rem possessam. Nam
per suum actuum, qui quidem licet illa praedicta habitudo non sit
modus definiendis potentiis entitas distincta a possidente vel re
peculiaris est. Etenim ut visus possessa, est tamen relatio quae in
est potentia sentiendi colores vera philosophia non praedicatur
et auditus potentia sentiendi de fundamento nec de termino.
sonos: sic dominium est facultas
utendi re, fruendique etc.

Sigue en Soto y Ledesma una distinción que en Vitoria no estaba


tan desarrollada ni era tan central: la distinción expresa entre dominio
y títulos de dominio; si dominio es esa relación y facultad, el título es
“la raíz donde el dominio brota” que puede ser, bien la naturaleza, bien
una ley, contrato, etc. Es interesante porque advierten la confusión de los
maestros parisinos que confunden la realidad del dominio con la de los
títulos de dominio. En este punto el texto de Ledesma es una versión abre-
viada del de su maestro Soto.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1244 Mª Idoya Zorroza

Ad haec adnotandum est Adnotant etiam aliqui doctores non


diversam rem esse titulum esse idem dominium et titulum
dominii ab ipso dominio: id dominii, nam dominium est
quod negligentius quidam facultas utendi re, etc., ut diximus,
Parisiensium considerant: titulus autem dominii est radix illa
arbitrantes cum suo Cancellario unde provenit dominium, nempe
eandem facultatem quae est natura, lex, contractus et electio.
dominium, esse et titulum. Natura quidem quia a natura habes
Enim vero titulus basis dominii dominium, ut in extrema necessitate
est, seu radix ex qua pullulat. utaris bonis tibi necessariis esto
Est autem dominiorum titulus alius possideat ista bona et ita
vel natura vel lex vel contractus poteris signare exempla de lege et
vel electio, etc. Exempli gratia: aliis unde dominium dimanat.
Titulus dominii naturalis quod
homo habet in terra nascentia
est naturalis vita, quae sine illis
conservari nequit, ratione cuius
Deus et natura homini dedit
unam cum appetitu servandi
se ius etiam utendi necessario
alimento: veluti titulus iuris
(non dicam dominii) quod
parentes habent in suas proles
est naturalis genitura. Titulus
autem quo quisque propria
possidet est ius gentium, quo
facta est rerum divisio. Titulus
vero episcopi est electio. Et
titulus quo quis possidet domum
est, vel nativa haereditas, vel
emptio, vel praescriptio, etc.

Pasan ambos autores a diferenciar tres formas de dominio: o mejor,


entre dominio en sentido propio, uso y usufructo; la distinción, en vez de
referirse a la misma facultad, se diferencia por aquello a lo que se refiere:
la naturaleza, sus cualidades o accidentes. En el dominio se mira a la
realidad en su sustancia, en el uso y el usufructo, a disfrutar de ella respe-
tando dicha naturaleza que pertenece al verdadero dueño. En este sentido
ambos autores no añaden nada significativo a lo expresado jurídicamente
por la tradición civilista que les precede, y se remiten a varios lugares de
las Institutiones.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1245

Ex hac constituta definitione dominii Ex dictis colligitur differentia inter


colligitur differentia inter ipsum dominium, usum, et usum fructum,
et usum atque usum fructum. nam dominium est facultas in
Dominium enim est facultas in substantiam rei, ususfructus non nisi
substantiam rei: ususfructus vero non in eius qualitatem et accidentia; in
nisi in eius qualitate et accidentia. In substantiam in quam rei quia si est usu
substantiam inquam rei quia si est usu consumptibilis, ut cibus et vestis potest
consumptibilis, veluti cibus et vestitus eam dominus consumere: si autem
potest eam dominus consumere: non est res usu consumptibilis potest
si minus, potest illam donare et dominus illam donare et vendere, ut
vendere, ut domum et servum: quin fundum et etiam aliquando occidere
vero et occidere ut pecudem. At vero ut bovem. Unde ususfructus a
ususfructus est ius alienis utendi ac iurisconsultis sic definitur: ususfructus
fruendi rebus, salva earum substantia: est ius utendi ac fruendi alienis
ut habetur, ff. De usufructo, et rebus, salva earum substantia: ff. De
Instit. eodem titulo. Nam qui habet usufructo, et eodem titulo in Institutis:
usumfructum agri vel hortorum qui enim habet usumfructum agri vel
potest non solum fructus edere, verum fundi potest et fructibus uti et eos
etiam et vendere: quin vero et agrum vendere, et fundum ipsum alteri locare,
alteri locare. Nudus autem usus est usus autem solus est ius rebus alienis
ius rebus alienis utendi salva earum utendi salva earum substantia, non
substantia, non tamen fruendi. Quod tamen fruendi. Unde minus iuris est in
circam ut habetur Institut. De usu usu quam in usufructu. Dicitur enim
et habi. minus iuris est in usu, quod ille frui re qui in eius fructibus habet
in usufructu. Fruitur enim ille re qui plenam potestatem: quos nempe non
in fructus habet plenam potestatem: solum edere, verum vendere et multiis
quos scilicet non solum edere, verum aliis titulis alienare potest. Dicitur
quomodocunque alienare potest autem ille uti fructibus rei, cui tantum
utitur autem, cui tantum illis vesci illis vesci licet: vel suos alere greges:
licet: vel sua alere armenta: haud sed non licet illi eosdem fructus aliter
tamen illos aliter distrahere: ut qui distrahere: ut qui habet nudum usum
habet nudum usum agri potest illuc agri potest in eum intrare, comedere
intrare, comedere poma et foeno poma et foeno iumenta sua et pecudes
iumenta sua et pecudes pascere: pascere: sed fructus aut agrum ipsum
vendere tamen fructus aut locare locare non licet. Unde usuarius aut
non item. Quapropter in utramque usufructuarius verus dominus non
definitione dictum est alienis rebus, est et ideo in utraque finitione dicitur
quoniam verus dominus non dicitur alienus rebus. Emphyteuta dicitur
usuarius aut usufructuarius sed habere dominium utile ad differentiam
ille qui praecisum habet usum vel dominii directi, quod simpliciter
usumfructum. Tametsi emphyteuta dominium est. Sed haec vide apud
dicatur habere dominium utile ad Summistas et iurisconsultos.
differentiam dominii directi, quod
simpliciter est dominium. Haec autem
non sunt nostrae modo speculationis.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1246 Mª Idoya Zorroza

4. Conclusión

Como era objetivo del trabajo: los textos mostrados en paralelo entre
Domingo de Soto y Martín de Ledesma muestran, además de la deuda
intelectual de Ledesma con su maestro Francisco de Vitoria –que ya había
trabajado y mostrado Vicente Beltrán de Heredia en su estudio70–, la
estrecha relación entre sus lecturas en Coímbra –de las que su publicación
es un reflejo– con lo aprendido por él de sus maestros, incluido Domingo
de Soto.
Ciertamente, para un lector moderno, la construcción de Ledesma
de su docencia –que bebe claramente de lo enseñado por sus maestros–
tendría una dura calificación por falta de originalidad.71 El texto de Beltrán
de Heredia citado nos coloca en la tesitura de su producción: primero, que
los trabajos que ahí expone ha recogido de otros teólogos “ex doctoribus
omnibus grana colligemus”;72 segundo, que fueron publicados sin poder
revisar el material utilizado en su docencia.73 Debemos tener en cuenta
que los textos publicados (tanto por Soto como por Ledesma) proceden
de sus lecturas académicas, más o menos elaboradas posteriormente para
darlas a imprenta. Por lo que no es ilógico que del texto elaborado por
un autor, en el que tuviera, reflexionara y completara el material inicial
obtenido de sus clases salmantinas, pudiera encontrarse no sólo el espíritu
sino también la letra de aquello que formaba parte de sus cuadernos y con
los que se preparó.
Por otro lado, debe tenerse también en cuenta la prioridad del
docente (e incluso de los autores de los cartapacios con los manuscritos
que nos han llegado de la docencia salmantina): la originalidad cedía prio-
ridad a la búsqueda colectiva de la verdad y la argumentación probada de
aquellos en que se apoya el expositor. Como es sabido, fue práctica común
en Salamanca, y de manera particular en el Convento de San Esteban,
que tanto los autógrafos con que los profesores preparaban sus lecciones,
como los apuntes tomados por los alumnos, copiados al dictado y alguna
vez revisados y corregidos por los propios profesores, pasaban de profe-
sores a profesores en la Cátedra (especialmente entre los maestros del

70. Beltrán de Heredia, “Las relecciones y lecturas”.


71. Beltrán de Heredia, “Las relecciones y lecturas,” 135: “El proceder de Ledesma que se
refleja en los textos mencionados parece muy extraño, y en nuestros días merecería las
más duras calificaciones”.
72. Ledesma, Secunda quartae, fol. 217v.
73. Beltrán de Heredia, “Las relecciones y lecturas,” 135-136.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La presencia de Domingo de Soto en la teoría del dominio de Martín de Ledesma 1247

Convento San Esteban de Salamanca) a modo de tradición que se recibía,


conservaba y aumentaba de generación en generación.74
Por ello, queremos ver en el texto que aquí termina, sobre todo, una
muestra de la fiel proyección de las tesis de la Escuela de Salamanca (de
Francisco de Vitoria y Domingo de Soto) en el centro universitario de
Coímbra donde Martín de Ledesma enseñó durante años. En positivo:
los textos publicados de Ledesma son un testimonio fidedigno de la
docencia  –perdida a efectos de transmisión impresa– de Francisco de
Vitoria.

Referencias

Almeida Rolo, Raúl de. “Francisco de Vitoria e a renovaçâo da teologia portuguesa no século
XVI.” En I diritti dell’uomo e la pace nel pensiero di Francisco de Vitoria e Bartolomé de las
Casas, 293-307. Milano: Massimo, 1988.
Antonio, Nicolás. Biblioteca hispana nueva (o de los escritores españoles que brillaron desde el año
1500 hasta el de 1684), traducción castellana revisada, corregida y ampliada, editada por F.
Pérez Bayer. Madrid: Imprenta de la Viuda y Herederos de D. Joaquín Ibarra, 1788. Nueva
edición coordinada por M. Matilla Martínez. Madrid: Fundación Universitaria Española,
1999.
Barrientos García, José. “Cauces de influencia en Europa.” En Francisco de Vitoria y la Escuela de
Salamanca, La ética en la conquista de América, 457-458. Madrid: CSIC, 1984.
Barrientos García, José. “El derecho de propiedad privada en Martín de Ledesma.” En ‘In
umbra intelligentiae’. Estudios en homenaje al Prof. Juan Cruz Cruz, editado por Ángel Luis
González, Mª Idoya Zorroza, 111-124. Pamplona: Eunsa, 2011.
Barrientos García, José. Repertorio de moral económica (1526-1670): La Escuela de Salamanca y su
proyección. Pamplona: Eunsa, 2011.
Barrio, José and Quintana, Jerónimo. Historia del Convento de S. Esteban de Salamanca. En
Historiadores del Convento de San Esteban de Salamanca, editado por Justo Cuervo.
Salamanca: Imprenta Católica Salmanticense, 1914-1915.
Belda Plans, Juan. La Escuela de Salamanca y la renovación de la teología en el siglo XVI. Madrid:
BAC, 2000.
Beltrán de Heredia, Vicente. “El intercambio hispano-lusitano en la historia de la orden de
predicadores.” En Miscelánea Beltrán de Heredia: Colección de artículos sobre la historia de
la teología española, t. 1, 103-130. Salamanca: San Esteban, 1972.
Beltrán de Heredia, Vicente. “Las relecciones y lecturas de Francisco de Vitoria en su discípulo
Martín de Ledesma OP.” En Miscelánea Beltrán de Heredia: Colección de artículos sobre la
historia de la teología española, t. 2, 113-136. Salamanca: San Esteban, 1972.
Beltrán de Heredia, Vicente. “Las relecciones y lecturas de Francisco de Vitoria en su discípulo
Martín de Ledesma OP.” La ciencia tomista 49 (1934): 5-29.
Beltrán de Heredia, Vicente. “Los comienzos de la reforma en Castilla, particularmente en el
Convento de San Esteban de Salamanca y su maduración en la provincia de Portugal.” En
Miscelánea Beltrán de Heredia: Colección de artículos sobre la historia de la teología española,
t. 1, 403-425. Salamanca: San Esteban, 1972.

74. Cfr. Belda Plans, La Escuela de Salamanca, 201.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1248 Mª Idoya Zorroza

Beltrán de Heredia, Vicente. Francisco de Vitoria. Barcelona: Editorial Labor, 1939.


Calafate, Pedro. “A idea de Comunidade universal em Francisco Suárez.” IHS: Antiguos Jesuitas
en Iberoamérica 5, 2 (2017): 48-65.
Carro, Venancio Diego. La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América.
Salamanca: Editorial San Esteban, 1951.
Cuervo, Justo. Historiadores del Convento de San Esteban de Salamanca. Salamanca: Imprenta
Católica Salmanticense, 1914-1915.
Ehrle, Franz. “Los manuscritos vaticanos de los teólogos salmantinos del siglo XVI.” Estudios
Eclesiásticos 8 (1929): 165-167.
Ferreira, Américo. A eclesiología de Francisco Carreira. Lisboa: Biblioteca da Ajuda, 1982.
Getino, Luis G. Alonso. El maestro Fr. Francisco de Vitoria: su vida, su doctrina e influencia. Madrid:
Imprenta Católica, Publicaciones de la Asociación Francisco de Vitoria, 1930.
Ledesma, Martín de. Secunda quartae doctoris fratris Martini Ledesmii. Conimbricae, apud
Ioannem Aluarum, 1560.
Marcos de Dios, Ángel. “Proyecciones salmantinas. Area Lusa.” En La Universidad de Salamanca,
vol. 1, Trayectoria histórica y proyecciones, editado por Manuel Fernández Álvarez, 425-444.
Salamanca: Universidad de Salamanca, 1989.
Pereña, Luciano. “Francisco de Vitoria en Portugal.” Arbor 46 (1960): 326-341.
Pereña, Luciano. La Escuela de Salamanca. Proceso a la conquista de América. Salamanca:
CAMPS, 1986.
Polo Carrasco, Jesús. “La mariología de Francisco de Vitoria: cuestiones bibliográficas.” Scripta
Theologica 10 (2002): 327-402.
Rodríguez Cruz, Águeda María. “Fray Francisco de Vitoria: modelo de catedráticos.” Revista
Universidad Pontificia Bolivariana 32, 111 (2015): 214-235.
Soto, Domingo de. De iustitia et iure libri decem. De la justicia y del derecho en diez libros, edición
facsimilar […] Introducción histórica y teológico-jurídica por Venancio Diego Carro, 5 vols.
Madrid: Instituto de estudios políticos, 1967-68.
Tomás de Aquino, Scriptum super libros Sententiarum magistri Petri Lombardi episcopi Parisiensis,
editado por M. F. Moos, t. 4. Parisiis: P. Lethielleux, 1947.
Tomás de Aquino. Opera omnia iussu impensaque Leonis XIII P. M. edita; t. 8-10: Secunda secundae
Summae theologiae. Romae: Ex Typographia Polyglotta S. C. de Propaganda Fide, Romae,
1895-1897-1899.
Urdánoz, Teófilo. “Introducción.” In Obras de Francisco de Vitoria: Relecciones teológicas, 69-70.
Madrid: BAC, 1960.
Vitoria, Francisco de. Comentarios a la Secunda Secundae de Santo Tomás, t. III, De Justitia (qq.
57-66), editado por V. Beltrán de Heredia. Salamanca: BTE, 1934.
Vitoria, Francisco de. Contratos y usura, traducción, introducción y notas de Mª I. Zorroza.
Pamplona: Eunsa, 2006.
Vitoria, Francisco de. Relectiones Theologicae. Lyon: Jacobo Boyer, 1557.
Vitoria, Francisco de. Relectiones Theologicae. Salamanca: Alonso Muñoz, 1565.
Zorroza, Mª Idoya. “Del precio del uso que llaman usura. El debate sobre el uso en el siglo XVI.” En
Ley y razón práctica en el pensamiento medieval y renacentista, 155-172. Pamplona: Eunsa,
2014
Zorroza, Mª Idoya. “Un discípulo salmantino en Coímbra: Martín de Ledesma.” Humanistica e
Teologia 37, 2 (2016): 159-183.
Zorroza, Mª Idoya. “Vitoria y Soto: relación y comparación de sus respuestas a una problemática
común.” En Francisco de Vitoria en la Escuela de Salamanca y su proyección en Nueva
España, 113-130. Pamplona: Eunsa, 2014.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1249-1286.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1249

Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em


Domingo de Soto: a atualidade da contribuição da Escola
Ibérica da Paz para um problema renovado
SANDRO ALEX SOUZA SIMÕES *

Abstract
This article analyzes the contribution of Domingo de Soto in the context of the reform of
assistance in the sixteenth century, from the book Deliberación en la causa de los pobres, in
which the author discusses the recent legislation of the time that prohibited the begging of
foreigners and proposed a secularized model of assistance to the poor. It seeks to emphasize
that Soto, outstanding intelligence of the Iberian School of Peace, when engaging in the
relevant discussion around the theme, highlights the coherence of the key arguments and
characteristics on the aforementioned School, which allows a rather distinct humanist look
at its premises and conclusions in relation to the humanist reformers like Erasmus and
Vives. This peculiarity allows us to propose, in the end, that the structuring foundations of
the discourse of the thinkers of the Iberian School do not establish exclusive demarcation
lines between internal and external law, but instead recognize the legal phenomenon as
universal and uniform.
Keywords: Domingo de Soto, iberian school of peace, migrations, poverty, school of Salamanca.

1. Introdução

A
s migrações e os deslocamentos humanos foram parte constituinte
e, não menos, constitutiva das sociedades humanas durante a
história. É bastante conhecida a afirmação de Le Goff de que a
sociedade medieval tinha como característica uma intensa mobilidade a
tal ponto de ser “desconcertante”.1
Da mesma forma, a idade média não desconhece os problemas rela-
tivos à mendicância e desocupação de trabalho.

* Centro Universitário do Pará, CESUPA.


 sandroalex@cesupa.br
1. “Sin embargo, aunque la mayoria de los hombres del Occidente medieval tengan por
horizonte, a veces durante toda la vida, las orillas de un bosque, no hay que imaginarse
a la sociedad medieval como un mundo de sedentários: la movilidad del hombre
medieval fue extraordinária, incluso desconcertante”. Jacques Le Goff, La civilización
del occidente medieval (Barcelona: Paidós), 114.

1249-1286

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1250 Sandro Alex Souza Simões

O que justifica o tema desse artigo, portanto, não é a novidade dos


problemas relativos à mendicância, vagabundagem e migrações, senão
uma renovada abordagem acerca de velhos conhecidos da história da civi-
lização que os tornam capazes de assumir uma centralidade e relevância
particularmente inusitados ao parecer contemporâneo, especialmente sob
a ótica do interesse filosófico-teológico-jurídico.
Contudo, a sociedade contemporânea vive a realidade das migrações
e deslocamentos, sejam ou não forçados, por motivo de pobreza, guerra e
desastres ambientais, assim como a busca de melhores possibilidades de
vida e trabalho em sociedades mais desenvolvidas.
Hoje na União Europeia já são quase 22 milhões de habitantes que
possuem outra nacionalidade de países terceiros e em 2016 foram acolhidos
cerca de 2 milhões de migrantes.2 Tal realidade, não raro é pungente e
dramática, como são as notícias trágicas dos desastres e naufrágios no
mediterrâneo, dos campos de refugiados e embates nas cercas limítrofes
dos países que evocam memórias dolorosas da história europeia no século
XX.
Porém, tal apelo que o problema suscita também vem acompanhado
da necessidade imperiosa de reposicionar alguns fatos e questões que
estão na base da abordagem a ser empreendida pelo presente artigo.
Em primeiro lugar, desmistificar as migrações enquanto tragédias
humanas e fenómeno de natureza episódica, especialmente ligada às
misérias do nosso próprio tempo. Nossa premissa é a de que as migrações
e deslocamentos são realidade vincada da sociabilidade humana e uma
característica civilizatória.
Em segundo lugar, por reconhecer as migrações como elemento
universal ao homem e sua história, o direito de migrar e deslocar-se vem a
ser postulado enquanto um direito natural e referido ao ius gentium e não
ao direito civil mais local e regionalizado. As implicações disso estarão
conscientemente notadas nos debates sobre a colonização e conquistas
no novo mundo, mas são igualmente relevantes e estruturantes dos argu-
mentos esgrimidos nas discussões acesas sobre a mendicância e vagabun-
dagem no século XVI em toda a Europa, ainda que menos explorados aí.
Em terceiro lugar, as migrações e deslocamentos não são um
problema em si mesmos, nem historicamente jamais foram percebidos
dessa maneira senão a partir da afirmação paulatina dos Estados-Nação

2. https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/Migration_and_migrant_
population_statistics/pt#Popula.C3.A7.C3.A3o_migrante:_quase_22_milh.C3.B5es_
de_cidad.C3.A3os_de_pa.C3.ADses_terceiros_vivem_na_UE.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1251

e da elaboração coetânea das doutrinas de razão de Estado. Isso, de um


lado, não significa que não haja questões humanas difíceis, das mais
diversas ordens, provocadas pelas migrações, especialmente a considerar
número de população e momentos históricos mais definidos, porém, de
outro, quer propor que parte relevante dos conflitos e tensões evocados
nos debates sobre as migrações e deslocamentos podem dizer menos
respeito ao direito de mobilidade e à própria realidade da mobilidade
humana e muito mais aos paradigmas nupérrimos suscitados do século
XVI em diante, como tal a reforma da assistência social aos pobres no
espírito do humanismo norte-europeu.
Para tanto, o artigo pretende basear-se nos argumentos de Domingo
de Soto no opúsculo Deliberación en la causa de los pobres por considerá-lo
especialmente fecundo e atual, em um sentido clássico, mas que pode
justificar-se com maior clareza pelas seguintes razões a seguir.
Não escapa a um volume de estudos dedicado à Escola ibérica da
Paz que os teólogos-juristas ligados à renovação dos estudos teológicos
iniciados em San Esteban em Salamanca, mas que formaram uma
notável rede de investigação que envolveu intensamente as Universidades
de Valladolid, Alcalá, Coimbra e Évora, destacaram-se não somente pela
inovação do método de pensamento, cujo grau de aproximação com o
humanismo e nominalismo ainda é objeto de controvérsia, assim como,
por consequência a maior ou menor fidelidade ao tomismo,3 mas de

3. “Así pues, el empezar a entender la verdadera contribución de Salamanca a la historia del


pensamiento occidental, y concretamente, a la filosofía, pasa necesariamente, como un
primer requisito fundamental, por entender que ni Salamanca ni sus sabios representan
un fenómeno aislado, existente tan sólo en una isla llamada España, separada del resto
de Europa por alguna barrera invisible. Al contrario: los filósofos salmantinos siempre
tuvieron una relación muy intensa con el mundo más allá de las fronteras nacionales,
cultivando una fuerte interdependencia intelectual con pensadores de todos los
rincones de Europa, recibiendo y asimilando influencias a la vez que ejerciéndolas
en otros, participando activamente en todos los grandes debates de la época, y
conectando, a partir del siglo XVI, y a través de su universidad, a las Españas a una y
otra orilla del Atlántico. Este papel tan central de la Escuela de Salamanca en el medio
del mundo cultural de su época es un reflejo, en realidad, del papel general que jugaba
España, a una escala mucho mayor, en el panorama de las relaciones internacionales
durante el Renacimiento y el inicio de la Era Moderna.” (Jorge Roaro, “La Escuela
de Salamanca y la interpretación histórica del Humanismo renacentista español”,
Disputatio Philosophical Research Bulletin, Vol. 3, Nº4, (2014):194. Não obstante a
ênfase do autor em Salamanca, mais do que oportuna a lúcida observação de Calafate,
a qual acolhemos neste estudo, de chamar atenção para o fato de que a interação
entre os autores das Universidades españolas e portuguesas conferia verdadeiramente
uma dimensão ibérica e pensinsular aos principios comuns defendidos pelos teólogos-
juristas do século XVI, reunidos em torno de temas transversais e do neoescolasticismo

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1252 Sandro Alex Souza Simões

maneira comum pela forte inserção e projeção nos debates mais candentes
de seu tempo, seja a reforma católica no Concílio de Trento e o enfrenta-
mento das teses do protestantismo, a conquista, colonização e os dilemas
da escravidão no Novo Mundo, seja a cornucópia de disrupções causadas
pelas rápidas transformações políticas, económicas e seus graves reflexos
sociais da Europa do século XVI.
Assim, desde logo, é assertiva que assumiremos a de que o elemento
distintivo de um conceito como o de Escola Ibérica da Paz é a emble-
mática capacidade desses pensadores em engajar-se na formulação e
adaptação de aparatos conceituais e soluções para questões de seu tempo
que envolviam de maneira horizontal a paz social, notadamente relevante
para fins dessa artigo a sua ênfase às repercussões no novo cenário inter-
nacional dos problemas teológico-jurídicos suscitados pelo incremento da
mobilidade humana, seja esta uma consequência das inovações tecnoló-
gicas e da revolução espacial provocada pelas grandes navegações, seja
pela dinâmica geopolítica dos Reinos em ascensão, da rápida redefinição
territorial, das guerras, epidemias e fome, especialmente na pensínsula
ibérica a partir do século XVI.

enquanto metodología de debate, senão vejamos: “…os professores portugueses e


espanhóis de Coimbra e Évora fundamentaram de forma muito clara as teses sobre a
soberanía inicial do povo, considerando o poder político como constitutivo da natureza
humana, no quadro do jusnaturalismo escolástico, pois o conceito de natureza, que
qualificava o direito, afirmava-se como imperativo de universalidade constitutiva, de
intelegibilidade, de ordem e de racionalidade. A natureza era, assim, a voz interior
da razão, comum a todos os homens, apontando para um patrimonio originario que
fundamentava a unidade substancial do género humano, enraizado na paternidade
divina, pois que a lei natural era, no fundo, o brilho do rosto de Deus no coração de
todos os homens” (Pedro Calafate. Estudo introdutório – I, in A Escola ibérica da Paz
nas Universidades de Coimbra e Évora (Século XVI), org. Pedro Calafate (Coimbra :
Almedina, 2015), 18. No trabalho seminal sobre o pensamento ibérico no período o
autor destaca os profesores Fernando Pérez, Luis de Molina, Pedro Simões e Fernando
Rebelo como representantes da Escola Ibérica da Paz nas Universidades portuguesas.
E noutro relevante estudo, de caráter propedêutico, adianta o autor: “…importa situar
na Península Ibérica o nascimento de um dos pilares da modernidade europeia,
mostrando como entre nós se firmaram as bases do moderno conceito de comunidade
internacional, assente no direito natural e numa concepção objetiva da justiça, sem
cedência a relativismos de ocasião, ou a interesses vitais da razão de Estado, de que
se alimentaria mais tarde o positivismo jurídico, bem como o afã das correntes do
realismo jurídico contemporâneo (…) À razão de Estado sobrepuseram sempre os
mestres peninsulares a “razão da Humanidade” e a dignidade da pessoa humana, de
que emergiam normas imperativas de Direito”. Pedro Calafate, “A Escola Ibérica Da
Paz Nas Universidades De Coimbra e Évora (Século XVI)”, Teocomunicação, v. 44, n.
1, (2014): 78-96.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1253

Nesse diapasão, o debate sobre os pobres travado por Domingo de


Soto no Deliberación en la causa de los pobres não é apenas sintomático
da nova sensibilidade sobre os velhos problemas da mendicância e da
migração, mas principalmente atento e propositivo aos desafios inéditos
postos pelas leis municipais e pragmáticas em toda europa, a começar por
Ypres de Flandres e a espalharem-se rapidamente pelo reino de Espanha,
sob Carlos Habsburgo.
Ainda que esta seja uma questão posta bem mais ao largo das luzes
da revigoração que os temas e pensadores da Escola Ibérica, notadamente
a produção dos autores salmantinos, vêm a experimentar nos debates
sobre o direito internacional público, o novel direito internacional dos
direitos humanos, o direito humanitário com os conceitos de guerra
justa, sua abordagem sobre comunidades políticas e direitos subjetivos, a
proposta desse artigo é demonstrar que a mesma natureza e estrutura de
argumentos que caracteriza tão singularmente a Escola estão presentes
na defesa de Domingo de Soto, além de seu alinhamento completo com
o espectro temático da Escola da Paz e as repercussões inegáveis que o
debate tem, a seu tempo e atualmente, no direito internacional e huma-
nitário.

2. A mobilidade na Baixa Idade Média

A realidade das migrações na Idade Média, especialmente no baixo


medievo, envolve uma amplitude de diferentes fenómenos, tais como os
deslocamentos oriundos das atividades comerciais que progressivamente
recrudescem a partir do século XII, as peregrinações religiosas para os
lugares santos, a busca de trabalhos sazonais e de oportunidades novas
de trabalho que começam a aparecer na esteira da reurbanização e os
consectários compagnonnages que se multiplicam como mecanismo de
adestramento e formação de mão-de-obra especializada, ao que Coccoli
refere como uma população flutuante.

Accanto a questa forma bestiale di nomadismo esisteva però anche una


mobilità regolata, incanalata in flussi più o meno codificati e in qualche
modo integrata nell’orizzonte di legittimità della prima età moderna:
pellegrinaggi, compagnonnages, commercio, migrazioni legate ai lavori
stagionali o a situazioni di necessità (guerre e carestie). Tutta una popu-
lation flottante che, pur rimanendo ai margini di un’Europa perlopiù
stanziale, aveva comunque un suo posto nell’ordine complessivo della
Respublica Christiana. Ora, è precisamente questa forma di mobilità che

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1254 Sandro Alex Souza Simões

Soto ritiene minacciata dalla nuova legislazione sui poveri e che tenta
quindi di difendere. Lo fa ricorrendo agli strumenti a lui più congeniali,
quelli del diritto.4

Não há, portanto, uma contradição ou relação excludente em entender


que o aparecimento, a consolidação e expansão de centros urbanos no
ambiente europeu, seja em Itália, seja no norte alemão, ao mesmo passo
que implica em uma nova fase de sedentarização e fixação da população,
igualmente comporta a existência de camadas dessa população que
ocupam um papel bem menos gregário, ainda que não necessariamente
desenraizado. Os mercadores são um exemplo bastante expressivo da afir-
mação.
Essa mudança interage em uma relação dinâmica de causas e conse-
quências com a expansão demográfica e o impulso comercial que se segue,
não imediatamente, ao fim das invasões bárbaras, tal como descrito por
Le Goff:

A essas mudanças está ligado – fenômeno capital – o nascimento ou o


renascimento das cidades. Sejam elas novas criações ou velhas aglome-
rações; é o seu caráter novo e importante que determina o primado da
função econômica. Etapas de rotas comerciais, articulações entre as vias
de comunicação, portos marítimos ou fluviais, seu centro vital fica ao
lado do velho castrum feudal, do núcleo militar ou religioso, é o novo
bairro das lojas, do mercado, do trânsito das mercadorias, É ao desenvol-
vimento das cidades que se ligam os progressos do comércio medieval’
é no contexto urbano que cumpre situar o crescimento do mercador
medieval.5

As alterações da geografia urbana, os impactos demográficos e as


suas repercussões foram transversais à política, à economia, à cultura e
sociedade europeia do baixo medievo e cabe-nos destacar que por todas
as mudanças perpassa o fenómeno das migrações, dessa “população
flutuante” a que nos referimos acima, a qual tem nas deslocações a sua
forma de atuar. Está-se diante, portanto, de um elemento social que se vai
incorporar como dado da civilização da baixa idade média com nota de
regularidade e não de crise. Ao contrário, as migrações são um resultado,

4. Lorenzo Coccoli, “Il conflitto sulla mobilità alle soglie dell’età moderna”, Jura Gentium,
XI, nº 1 (2014): 47.
5. Jacques Le Goff, Mercadores e banqueiros da Idade Média (São Paulo: Martins Fontes,
1991), 8.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1255

segundo visto, de um horizonte de relativa pacificação derivada da


acomodação das hordas e fim das invasões, curiosamente um nomadismo
funcional como um produto das novas acomodações e sedentarizações.
Mas importa a essa altura estabelecer um esclarecimento conceitual,
pois as migrações não podem ser confundidas com todos os fenómenos
de deslocamento. Viajar e migrar não são a mesma coisa. A migração é a
deslocação realizada com interesse de permanência de médio ou longo
prazo em lugar distinto do originário. Implica, pois, em movimento e
melhor define-se por essa sua natureza do que pela sua finalidade.
É distinta pela sua finalidade a migração do mercador medieval que
vai estabelecer-se por alguns meses em uma nova cidade em razão de
uma feira que atrai oportunidades de bons negócios, e em razão disso
irá constituir, obrigatoriamente, relações com o novo ambiente, seja pelos
imperativos da estada, seja pelos reflexos sociais, económicos e polí-
ticos da permanência, daquela migração feita pela guerra ou epidemias.
No entanto, ambas são migrações pela sua natureza e as questões que
propõem não são distintas tendo-se em conta essa mesma natureza.
Da mesma forma, há que se trazer em relevo para os fins específicos
desse artigo a migração que se dá em razão da pobreza e da desocupação,
seja a mendicância – voluntária ou não – e a vagabundagem. Deixa-se mais
ao lado a questão referida aos peregrinos que são abordados por Soto, por
constituírem uma motivação diversa, ainda que usualmente valham-se de
esmolas e do dever de hospitalidade para a consecução de suas longas
viagens ascéticas.
Esses fenómenos comuns na cristandade medieval projetam-se para
a idade moderna tendo como sujeitos essa “população flutuante” a que já
se referiu acima e as nações ibéricas nascentes lidarão com esse público,
inicialmente, procurando deslocá-los  – pelos menos os válidos para o
trabalho – para o Novo Mundo descoberto, o que confere uma linha de
continuidades, mais do que de rupturas ao seguir o problema da mendi-
cância e dos pobres entre a baixa idade média e a idade moderna, especial-
mente no século XVI. A respeito, adverte Fatica:

La stessa proiezione del cristiano del Vecchio Mondo verso terre che si
ritevano antiche, e che si riconosceranno appartenere, dall’ottica euro-
cêntrica, al Nuovo Mondo, porta i segni di mentalitá e di prassi non ignote
nei secoli precedenti, ma com più frequenza ed insistenza riemerse e
richiamate in vigore nell’età moderna.6

6. Michele Fatica, Il problema della mendicità nell’Europa moderna  – secoli XVI-XVII

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1256 Sandro Alex Souza Simões

Ainda que não se trate de situações inusitadas no mundo medieval e


projetem-se para o mundo moderno como um fenómeno crescente, uma
série de circunstâncias de ordem política, religiosa e económica trazem
ao século XVI, nos albores da idade moderna, uma configuração bastante
peculiar na qual esse quadro humano tão rotineiro constituído por pobres
a pedir esmolas e a vagar de cidades em cidades pelos reinos adquire tons
e repercussões surpreendentemente novos.

2.1. A migração enquanto problema político

Desta maneira, fui obrigado a tirar forças da minha fraqueza e, pouco


a pouco, com a ajuda de pessoas bondosas, encontrei-me na cidade de
Toledo, onde, com a graça de Deus, passados quinze dias fechou minha
ferida. Enquanto estive doente, sempre me davam alguma esmola, mas,
depois que fiquei bom, todos me diziam: – Você é um velhaco e preguiçoso.
Procure, procure um amo para servir. – Onde estará ele – perguntava-me
eu –, se Deus não o fizer agora do nada, como fez o mundo?7

O século XVI europeu vivenciou um conjunto significativo de crises


estruturais cujas dimensões efetivamente interferem com a vida cotidiana
e a geografia social, política, económica e cultural dos reinos e, notada-
mente, dos novos centros urbanos.
Do ponto de vista do recorte metodológico, considerados os obje-
tivos desse presente artigo e seu foco primordial nos problemas referidos
à mobilidade e migrações, especialmente oriundas das transformações
estruturais da era moderna, optamos por deixar de abordar diretamente
a vasta literatura que estuda a pobreza voluntária e os aspectos escato-
lógicos do abandono do mundo muito presentes na doutrina mística e
monacal europeia, que encontrarão eco renovado com as reformas intro-
duzidas pelas ordens mendicantes e pela Escola de Chartres.8

(Napoli:Liguori Editore, 1992), 21.


7. Anónimo, Lazarilho de Tormes, trad. Pedro Câncio da Silva (São Paulo: Página Aberta;
Brasília, DF: Consejería de Educación de la Embajada de Espana, 1992), 65.
8. A respeito remeto aos estudos de Maria Helena da Cruz Coelho, “A acção dos particulares
para com a pobreza nos séculos XI e XII”, in Homens, espaços e poderes. Séculos XVI –
XVI – Notas do viver social, (Lisboa, Livros Horizonte, 1990). Barbara H. Rosenwein
e Lester K. Little, “Social meaning in the monastic and mendicant spiritualities”, Past
& Present, 63 (1974): 4-32. Giulia Barone, “L’Ordine dei predicatori e le città. Teologia
e política nel pensiero e nella’azione dei Predicatori”, Mémoires de l’École Française
de Roma, 89 (1977): 609-618. Giacomo Todeschinni, “Ordini mendicante e coscienza

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1257

A escassez dos metais preciosos e seus efeitos sobre a circulação


monetária causa imenso prejuízo ao comércio e aos negócios que na
euforia do novo fluxo de riquezas do Novo Mundo do século anterior pros-
peravam a passos largos. A forte retração económica gerou desemprego
e aumentou a desocupação nas cidades em proporções muito elevadas,
a derrocada da produção agrícola já anteriormente fragilizada pelo cres-
cente êxodo dos campos, o aumento dos pobres e a voragem da fome que
assolou o século XVI.
Nesse contexto, é bastante representativa a literatura picaresca espa-
nhola daquele tempo que se inicia com a novela anónima denominada
Lazarillo de Tormes, que mistura o realismo cruento das cidades e
estradas da Espanha do século XVI, com o humor de costumes no qual
os personagens da geografia social desfilam no limite do grotesco. Porém,
o grotesco não reside em uma exageração, mas deflui da situação social
perniciosa que envolve a todos com algum misto de surpresa e resignação,
como se todos estivessem nos mesmos lugares e posições que ocuparam
desde longa data, contudo o entorno altera-se dramaticamente.9
Dessa maneira, os nobres, os clérigos e os pobres, todos relacio-
nam-se com a mendicância como que opressivamente empurrados para
ela por uma realidade de miséria e fome que se abateu sobre o seu mundo.
Todos são famintos no romance e as situações inusitadas e ridículas – o
picaresco – encontra nessa fonte um manancial rico a explorar. Lazarillo
de Tormes já descreve o novo ambiente urbano, a tragédia da fome e a
mendicância revestida do seu renovado sentido antissocial e proto-cri-
minoso.
O cenário das cidades estava repleto de mendigos, os quais nelas, pelas
razões das aglomerações, são mais notados que na dispersão do ambiente
rural. Mas a elevação do seu número, bem como o fluxo contínuo dos que
chegavam às cidades para tentar melhor sorte, mesmo sem pouso fixo
ou mesmo por causa disso, constituía uma realidade distinta da anterior,

cittadina”, ibidem: 657-666. Para Portugal, especialmente, ver José Mattoso, “O


enquadramento social e económico das primeiras fundações franciscanas”, in Portugal
medieval. Novas interpretações, Lisboa, I.N.C.M. (1984):329-345. Constance Hoffman
Berman, The cistercian evolution: the invention of a religious order in twelfth century
Europe (Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1999).
9. Calero tem sustentado a tese de que Luis de Vives é o autor de Lazarillo de Tormes,
com o qual aponta inúmeras similitudes de estilo e preocupações na comparação
com o De subventionae pauperum. Ver F. Calero, Juan Luis Vives, autor del Lazarillo de
Tormes (Valência, 2006).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1258 Sandro Alex Souza Simões

agravada pelo temor das revoltas e das epidemias. A respeito, afirma


Hernández:

La ausencia de condiciones higiénicas sanitarias suficientes y la propa-


gación de enfermedades contagiosas derivadas de esa escasez, junto
con los cambios climáticos en la meseta castellana, que dieron lugar a
hambrunas y a la aparición en las ciudades de numerosos mendigos, son
algunos de los factores cuya concatenación llevó al aumento del paupe-
rismo. Aunque no hay constancia de censos generalizados de pobres
hasta el siglo XVIII, el número debió ser tan elevado que obligó a los
distintos responsables a buscar soluciones.10

Doutro lado, a influência da reforma protestante faz-se sentir na


forma como diversos pensadores do período postulam a descrição e
as soluções para o problema, seja na desconfiança da eficácia do tradi-
cional meio de enfrentamento da questão da pobreza pelas Instituições
de caridade da Igreja católica, seja pela premissa que associa a mendi-
cância e a vagabundagem – ou seja, a mendicância que vaga de cidade em
cidade – como produto de vícios e, ao mesmo tempo, oficina de delitos.
Não se pretende estabelecer a premissa acima como uma linha de
divisão nítida que separa e opõe os reformadores e os teólogos católicos,
especialmente os pertencentes à Escola Ibérica da Paz, mesmo porque isso
não seria possível. Como se verá adiante, muitos dos diagnósticos e propo-
sições de ambos são coincidentes e assumem a mendicância como um
problema a ser tratado, a virtude do trabalho com especial sentido tera-
pêutico e corretivo, assim como a potencialidade dos riscos trazidos pelo
incremento da pobreza associado às migrações. Tais teses se encontram
tanto em Erasmo e Luis de Vives, mas igualmente repercutem no bene-
ditino Frei Juan de Robles.
Daí, nossa hipótese de trabalho não apontar de maneira simplista
para um paradigma católico e outro reformado acerca da questão da
mendicância e da vagabundagem, mas sim para um olhar renovado sobre
tais crises que foi possível pelos fundamentos comuns e característicos
partilhados na Escola Ibérica da Paz, os quais associavam simultanea-
mente uma abordagem mais aberta da escolástica aos temas sensíveis de
seu tempo, sem descurar da tradição solidamente fundada no tomismo,
e o direito romano, especialmente o ius gentium , que ao nosso entender,

10. Paz Molero Hernández, “La aparente actualidad en el debate sobre los inmigrantes y
refugiados”, Análisis, Vol. 48, Nº 89 (2016): 273.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1259

foi a nota mais idiossincrática que permitira-nos referir a uma segunda


receção do direito romano de cariz propriamente ibérico, além de revelar
aspetos de seu caráter inequivocamente humanista.11
A linha distintiva, nesse caso, dava-se menos pela divergência acerca
da mendicância e da vagabundagem enquanto problema, seja social, seja
ético e moral, mas pelas soluções levantadas para sua superação. Nesse
aspeto as distâncias, não raro, apresentam-se como de difícil transposição
e as filiações tornam-se mais evidentes, como procuraremos apontar em
seguida.

Por otra parte, y como ha señalado F. Calero, había una razón circuns-
tancial que podía motivar el escrito: una nueva mentalidad sobre el
problema de la mendacidad estaba recorriendo Alemania, los Países
Bajos, Inglaterra y España. El mismo Erasmo había escrito, dos años
antes, el Diálogo de los mendigos (1524), donde se plasma dicha menta-
lidad, que considera la pobreza perniciosa socialmente, pues la menda-
cidad es sinónimo de ociosidad, aunque también se critica al opulento
por su falta de virtud. Y en esta obra ya se habla de que pronto no se
permitirá que los mendigos vayan de una ciudad a otra, sino que cada
ciudad podrá albergar sólo a sus propios mendigos. No cabe la hospita-
lidad para el extraño, es lo que viene a decirse. Además, la mendicidad
es nido de delitos, por lo que se hace todavía más recomendable dicha
política.12

11. “Lo que pretendo hacer notar aquí, al fin de cuentas, es que el espíritu humanista
hispano no fue igual al florentino, ni a los otros humanismos en Italia o los países del
norte, y sin embargo, fue tan humanista como ellos. Sin necesidad de una ruptura
abierta con la Escolástica, superó en forma natural muchos de los defectos inherentes
al método y formas de la enseñanza escolástica. Tiene sus propios méritos y sus
propias limitaciones, pero en general, mantuvo una línea similar a la que se manifestó
en otros países europeos durante el Renacimiento, y en especial tiene similitudes con
el Humanismo italiano, aunque también tiene características muy diferentes a éste, y
muy específicamente hispanas. Uno de los problemas recurrentes en la interpretación
histórica del Humanismo renacentista español ha sido justamente la suposición de
que, para ser un auténtico Humanismo, o para ser auténticamente renacentista, tiene
que ser igual, o al menos parecido, al modelo italiano, y que en la medida en que
no lo sea, entonces no es lícito hablar siquiera de que haya existido realmente un
Humanismo renacentista español. Esta absurda y acomplejada manera de desacreditar
el pasado intelectual hispano debería de haber caído por su propio peso desde hace
mucho tiempo, pero desafortunadamente no ha sido así”. Jorge Roaro, “La Escuela
de Salamanca y la interpretación histórica del Humanismo renacentista español”,
Disputatio. Philosophical Research Bulletin, Vol. 3, Nº4. (2014): 242.
12. J. M. Panea Márquez, “Juan Luis Vives y la responsabilidad para con los pobres”,
Pensamiento, vol. 73, nº. 278, (2017):1176.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1260 Sandro Alex Souza Simões

A rediviva configuração da mendicância, forçoso dizer, era a de ser


agora objeto de uma disputa de mentalidades que ocupava o pano de fundo
do século XVI então há pouco iniciado. De um lado, as bases das teses de
Lutero que fortaleciam o institucionalismo e a autoridade do Estado, e
estimulavam os pensadores do seu tempo a refletir sobre propostas de
uma reforma para a assistência aos pobres que pudesse ultrapassar a
beneficência e a rede de instituições de caridade e esmolares, assumidas
como insuficientes para responder à altura ao problema na medida em
que ele se apresentava. E isso, ressaltamos, ultrapassa os limites de um
ponto de rutura entre reformadores protestantes e a Igreja Católica, posto
que é relevante assinalar que a própria Igreja passa também por uma
reforma teológica e institucional da qual já faziam parte as Ordens mendi-
cantes e que culmina no Concílio de Trento, do qual farão parte cons-
pícuos representantes da Escola Ibérica como Domingo de Soto, objeto de
nossa atenção neste artigo.
Assim, Luis de Vives publicou em 1526 um livro denominado De
subventione pauperum, o qual pode ser considerado o marco teórico inicial
da ampla proposta de reforma assistencial aos pobres no século XVI, e que
fixou os principais pontos da controvérsia, doravante, tais como a neces-
sidade de primordial atenção à mendicância dos estrangeiros ou a vaga-
bundagem pelos riscos de revoltas e epidemias, bem como a imperativa
distinção a ser feita entre os pobres verdadeiros e falsos, o que implicava,
em última análise, a indispensável adoção de critérios aferíveis ou mensu-
ráveis para definição da pobreza a ser atendida. Não escapou a Vives a
dimensão económica das políticas assistenciais a serem preconizadas,
mormente o fato de que essa “população flutuante” poderia constituir a
mão-de-obra de menor custo e tão escassa em uma Espanha golpeada pela
crise de trabalho e produção.

Vives aspiraba a la supresión de la mendacidad mediante la integración.


No es de extrañar, por tanto, que su obra causara verdadero impacto, y
fuera atacada incluso años después, en 1562 por Gilles Wyts, y en 1564
por fray Lorenzo de Villavicencio, quien acusará a Vives de intromisión
en materias que son de competencia eclesiástica, como la caridad.
Villavicencio, confesionalista y censor, consideraba que el municipa-
lismo defendido por Vives implicaba una herejía de tufo luterano, pues
la beneficencia dejaba de estar en manos del poder eclesiástico, para
estarlo bajo la jurisdicción del Consejo municipal. Pero la novedad de
la propuesta vivista no quedará aquí, sino que también contemplará la
atención dispensada a los niños, quienes carecían de todo valor y estima
en su tiempo. Y del mismo modo, sus ideas sobre la integración de los

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1261

discapacitados, o la dignificación del trabajo manual, considerado en la


época de modo servil, otorgan a su enfoque una extraordinaria actua-
lidad.13

Na esteira da influência ampla do debate inciado por Vives, em 1545


o Frei Juan de Robles publica o seu De la orden que en algunos pueblos de
España se há puesto en la limosna, para remedio de los verdaderos pobres,
o qual dá acolhida ampla às teses de Vives e procura refletir e repercutir o
modelo de reforma da assistência que começava a ser adotado em diversos
países europeus, inclusive no Reino de Espanha.
São de particular importância pelo seu protagonismo, mas igual-
mente pela função paradigmática que representam as Leis municipais de
Yprés, na Bélgica (1525) e a do Ajuntamiento de Zamora, na Espanha.
Teremos em consideração, ademais, a Pragmática Real de 1540, elaborada
pelo Cardeal Tavera e que terá significativa influência na matéria.14
Todas as leis acima referidas estão indisfarçavelmente embebidas
do espírito de reforma social de Vives e Erasmo, mas não é de descon-
siderar que ganham relevante força e amplitude em um contexto mais
conturbado de reforma religiosa que lhe antecede em que diversos temas
deverão passar pelo crisol do pensamento crítico, dos questionamentos
que tornarão acesos os debates teológicos e políticos do século XVI. Isso
porque é inegável o envolvimento do tema da pobreza, da mendicância e
desde logo das migrações, se tivermos em mente a aspiração universalista
do termo Káthos e do espaço de evangelização que ele anuncia, e a Igreja,
sua missão e função caritativa de suas Instituições, tais como hospitais,
lazaretos e abrigos. Contudo, a responsabilidade que pende sobre o cristão,
segundo a conceção católica tradicional, deriva da caridade e da hospi-
talidade e que deveria estar imediatamente colocada como fundamento
dos cuidados e socorros aos pobres, ao invés de submetida e regulada
pelo Estado e pelas leis nascentes, aos quais caberia a resposta direta e a

13. Ibid., 1176.


14. “Ya hemos dicho que la Pragmática Real del cardenal Tavera, pese a ser pensada
inicialmente para Madrid, acabó sirviendo de marco para que otras ciudades de
Castilla con problemas similares la adoptasen y modificasen en función de sus propias
necesidades. Entre estas ciudades castellanas tenemos a Toledo, a Valladolid o a
Salamanca. Sin embargo, el caso que más nos interesa a nosotros es la legislación
adoptada por la ciudad de Zamora a finales de 1540 y que servirá de detonante para que
Soto escriba su propio tratado”. David Jiménez Castaño, “El Caso de La Deliberación
en la causa de los pobres: un ejemplo del humanismo de Domingo de Soto”, Revista de
Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, vol 4, nº 1 (2016): 73.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1262 Sandro Alex Souza Simões

principal responsabilidade. Daí não ser difícil associar o novo modelo de


assistência com os ventos de reforma religiosa como seu impulso inicial.

En efecto, a principios del siglo XVI, la Iglesia católica tenía regulada no


solo la liturgia, el matrimonio y la vida moral, sino también el cuidado de
los pobres y de los que padecían necesidades materiales. “El cristianismo
en todas sus formas, como el judaísmo del que procede, enfatizó desde el
principio la obligación de cuidar al pobre, al enfermo, a las viudas y huér-
fanos” (Berman, 2009, p. 189). Este cuidado requería que los párrocos
asignaran una cantidad al cuidado del pobre, que los monasterios dieran
comida, refugio y ropa, y que los laicos de buena posición  –príncipes,
reyes– hicieran donaciones a instituciones caritativas de todo tipo. Se
exigía que, al menos, un cuarto de los ingresos fuera destinado a este
objetivo. Se crearon en numerosas ciudades hermandades y cofradías de
laicos, que tenían como finalidad desarrollar las obras de misericordia,
siguiendo los dictados de la Iglesia católica. Pero cuando esa reforma fue
apoyada también por miembros de la jerarquía católica, no tardaron en
venir las críticas, en gran parte por la supuesta doctrina “herética” en la
que se apoyaba esta reforma.15

Assim é que de um componente não somente linearmente presente,


senão característico do mundo medieval, em nada estranho à dinâmica
dos povos e grupos significativos como comerciantes, peregrinos e mili-
tares, para além dos mendigos, a mobilidade adquire um contorno proble-
mático logo ao início do século XVI que impõe algum corte que pressupõe
a existência, doravante, de uma boa e aceitável mobilidade, digamos
uma “mobilidade virtuosa” e consentânea com o bem social e outra que
é nefasta, a “mobilidade nociva”, que é fruto de defeitos humanos e ligada
a ausência da virtude.
Fazem parte da primeira classificação fundamentalmente os merca-
dores e trabalhadores livres, compagnonnages e os peregrinos, na condição
de que não sejam eles mesmos mendigos. Da segunda, passam a compor
os mendigos estrangeiros e vagabundos que foram tornando-se elementos
proscritos quanto aos quais as cidades deveriam declarar guerra, adotando

15. Hernández, Análisis, 275. Para um exemplo desse debate em terras portuguesas refiro-
me a Miguel de Giginta (Tratado de remedio de los pobres – 1579) que desde Coimbra
advoga adoção de centros de recolhimento. A pretensão era a de excluir os mendigos
das ruas. Seriam classificados por sexo, idade e segundo o tipo de enfermidade de que
padeciam, se o caso. Manteriam-se pela arrecadação de esmolas e pelo trabalho dos
internos.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1263

medidas que iriam da proibição da mendicância, pura e simplesmente, à


integração dos pobres e desocupados como uma nova força de trabalho.
Os principais pontos da abordagem da política de assistência
defendida pelas Leis recentes são, via de regra, comuns e encontram-se
convergentes nos seguintes pontos, os quais podem ser resumidos:

a) A proibição da mendicância para os falsos pobres, estipuladas punições


para o que seria considerado doravante uma transgressão;

b) A vedação da vagabundagem, proibindo-se que alguém pudesse pedir


esmolas em outras cidades que não a sua. Cada cidade deveria tratar de
seus próprios pobres e banir os estrangeiros, cuja entrada restava agora
como uma infração;

c) O trabalho como terapia para a pobreza mendicante, associada aos


vícios, tal como a preguiça;

d) A criação de um sistema público de assistência, a cargo das municipali-


dades, o qual estaria encarregado da arrecadação das esmolas e doações
e sua administração aos necessitados16.

Algumas das preocupações que cercam as novas disposições das


leis e pragmáticas que vão multiplicando-se pelo Reino de Espanha e por
grandes centros europeus, sob o influxo do humanismo, estão ligadas ao
fato de que assumem a pobreza como um estigma ao enfatizarem a neces-
sidade não de sua redução e enfrentamento, mas sim ao desiderato de
afastar os pobres das ruas.
Doutro modo, depreende-se da reforma da assistência que a insti-
tucionalização do cuidado com os pobres de um lado ressalta o papel da

16. “Tutto o quasi il Vecchio Continente veniva attraversato in quegli anni da un movimento
di riforma della beneficenza che sembrava presentare ovunque caratteristiche simili:
innanzitutto, una forte centralizzazione dell’assistenza, con la creazione di un’unica
borsa comune in cui far confluire tutte le rendite dei vari istituti caritatevoli (fondazioni
e ospedali), oltre al gettito derivante dalle offerte private. In secondo luogo, una certa
secolarizzazione dell’amministrazione degli apparati assistenziali, la cui gestione
veniva affidata a un consiglio composto in gran parte da laici. Terzo, la proibizione
della mendicità e la subordinazione dell’elargizione dei sussidi a criteri condizionali
e discriminatori, con la distinzione tra “veri” e “falsi” poveri. Quarto, un’attenzione
pedagogica alla correzione dei comportamenti considerati devianti che vedeva nella
coazione al lavoro lo strumento per eccellenza di una nuova ortopedia sociale, a cui
però si affiancavano progetti di istruzione e di educazione religiosa dei poveri e dei
figli dei poveri.” Coccoli, “Il conflitto sulla mobilità alle soglie dell’età moderna”, Jura
Gentium, XI, 1 (2014): 41-42.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1264 Sandro Alex Souza Simões

lei e de um corpo burocrático nascente de funcionários das municipali-


dades aos quais incumbiria a recolha das esmolas, sua administração e
distribuição, ao mesmo tempo que um aparelho de segregação com os
hospitais e asilos aos quais seriam recolhidos os pobres verdadeiros, os
quais estariam sob tutela do Poder Público, bem como alguma confusão
conceitual entre pobres e vagabundos que acabavam por suscitar o
problema, base da crítica social mais contundente de Domingo de Soto,
como veremos adiante, de que o fundamento real da reforma fosse a de
um temor ou hostilidade aos pobres.
O universalismo que subjaz ao pensamento de Soto, mas idiossin-
crático nos pressupostos da Escola Ibérica da Paz desde Francisco de
Vitória, está presente nas suas cautelas quanto ao autonomismo comunal
e ao empoderamento dos municípios oriundo das propostas da reforma
assistencial em Erasmo e Luís de Vives. Daí que haja um esforço cons-
ciente dos seus argumentos em buscar princípios interpretativos que
presidam a mais adequada hermenêutica das novas leis e pragmáticas,
não raro expressos em sutilezas conceituais e princípios que possam ser
comuns ou universais. Diz Soto:

…para que uno sea legitimamente pobre no es necessário que sea


enfermo, sino basta que sea hombre en días o flaco o que tenga outro cual-
quier impedimento, por donde no pueda sufrir tanto trabajo cuanto es
menester para su sustentación o de su família si la tuviere. Y esto se nota
en aquella ley de los mencicantes válidos, que no sin intitula de mendi-
cantes sanos, sino válidos. Para dar a entender que para quitar a uno el
derecho de mendigar no basta que sea hombre sano si nos es hombre
de fuerzas. Y lo mismo avisa la ley del ordenamento del Rey don Juan,
diciendo que quien del rostro se pudiere manifiestamente juzgar que no
puede trabajar sin outra inquisición há de ser tenido por pobre. (…) De
onde se colige este documento digno de guardarse memoria, que en duda
si uno es pobre o no, antes en favor de la pobreza se há de aprobar por
pobre que en favor de la justicia reprobarse por no pobre. Porque mayor
dano y mayor crueldade sería que a vuelta de veinte fingidos pobres se
excluyensen cuatro verdadeiros, que sería injusticia por no hacer injuria
a cuatro verdadeiros sufrir que hubiese veinte fingidos, porque aun hasta
esto alcanza la significación de la parábola del Evangelio (Math. XIII),
donde el Señor templo el celo ahervorado de los criados que querían
arrancar la cizaña, que es el vallico o si digamos grama, de entre el trigo,
impidiéndoles que no lo hiciesen porque juntamente no arrancasen en el
mismo césped el trigo.17

17. Domingo de Soto, Deliberación en la causa de los pobres (Instituto de Estudios políticos:

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1265

Ainda que aos olhos dos reformadores as intenções e objetivos da


reforma fossem legítimos e nobres, não escapará ao Frei Domingo de Soto
que, dentre outras questões a seguir examinadas, a reforma implica em
violações múltiplas que atingem, simultaneamente, a misericórdia para
com os pobres, que passam agora a ser avaliados segundo a lei e as pragmá-
ticas; a Igreja e os cristãos, pois, ao validarem as reformas, distanciam-se
da compaixão diante dos males dos demais e dos deveres da caridade
no confronto com aqueles que mais necessitam, nos quais ao longo do
tempo a Igreja ensinou a reconhecer Cristo (os nus, os famintos e os pere-
grinos); e, por sua vez, a associação da pobreza com males sociais como
vilanias e crimes, vícios capitais como o ócio e com as epidemias fazia
com que as leis e pragmáticas estabelecessem restrições e proibições aos
pobres, tal como a impossibilidade de migrar, as quais não impunha aos
ricos e possuidores, partindo do pressuposto de que esses não produziam
nenhum dano, não possuíam vícios, nem o Reino precisava opor-lhes
preocupações.
No capítulo seguinte passo a examinar a posição do Dominicano
Frei Domingo de Soto que se dá como reflexão da Lei de Zamora, a qual
por sua vez repercute e adapta a Pragmática do Cardeal Tavera de 1540,
pois a obra de Domingo de Soto foi intencionalmente publicada como um
contraponto no debate a essas disposições, ainda que em muito ultrapas-
sando os seus propósitos mais imediatos, tal como postulamos oportuna-
mente.

3. Domingo de Soto e as novas disposições em relação aos pobres

Domingo de Soto nasceu em Segovia em 1494, de origem bastante


modesta, rapidamente distinguiu-se pela sua grande capacidade inte-
lectual. Estudou em Alcalá de Henares, onde pôde estudar com São Tomás
de Villanueva e em Sorbonne, onde foi discípulo de Frei Francisco de
Vitória.
Tornou-se Frade dominicano em 1524 e em 1533 assume a prestigiosa
Cátedra de Vésperas na Universidade de Salamanca, a qual já havia incor-
porado as tão relevantes alterações substanciais de estudo introduzidas
por Vitória na direção da obra de São Tomás de Aquino. Em Salamanca
e a partir daí, juntamente com Frei Melchor Cano, igualmente discípulo

Madrid, 1965), 75.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1266 Sandro Alex Souza Simões

de Vitória, tratarão de consolidar a vocação de método e debate que tanto


destacou a Escola Salmantina.
Não obstante, em comparação a Vitória e Melchor Cano, a obra de
Domingo de Soto, se bem que extensa, é menos estudada e seu autor
apenas nas últimas décadas passa a ser analisado, ainda que de forma
pouco sistemática e incipiente. Isso não deve enganar-nos a respeito da
sua estatura intelectual e importância no quadro da formação e disse-
minação da Escola Ibérica a partir de Salamanca, pois seus livros serão
seguidamente reeditados e terão um impacto efetivamente amplo especial
e temporalmente, projetando-se sua influência também nas recentes
Universidades da América Espanhola.18

Respecto a Domingo de Soto, las ediciones se suceden con profusión


hasta 1602, momento en que se producirá un gran salto, que tendrá que
esperar hasta el siglo XVIII por ser superado. En el año 1727 contamos
con un Compendium Summularum y, ya en la segunda mitad del siglo
contamos con reediciones de compendios y tratados.19

A obra de Domingo de Soto que interessa mais de perto ao objeto desse


artigo é a Deliberación en la causa de los pobres (1545) por sua inserção
no debate sobre a mendicância e a vagabundagem no período, cujos ante-
cedentes legislativos imediatos radicam na já referida Pragmática Real
de 24 de Agosto de 1540 e o Ordenamiento de los pobres, de Zamora, mas
que será replicado em Salamanca e Valladolid logo em seguida. Ambas as
normas se inserem significativamente em um contexto realmente europeu
de reforma social que procura estabelecer novos parâmetros daquilo
que poderíamos considerar, sem o temor de anacronismos, princípios de
justiça social.

18. “Profundo conocedor de los problemas de su época, se enfrentó, con decisión


plenamente consciente de su responsabilidad, a la aplicación de los principios, con
una independencia de ánimo que sorprende aún hoy día. No descuidó el estudio
de los hechos históricos, ni de las fuentes profanas; si sus especulaciones fueron
discutidas y llegaron a imponerse en la legislación, ello se explica en buena parte por
su concordancia con la realidad histórica y por sus consecuencias sobre la conducta
pública y privada. Sin sentirse impulsado por el afán de novedades, no retrocede ante
la proposición de innovaciones que en su tiempo podían parecer audaces, cuando las
cree justificadas”. J. Brufau Prats, La Escuela de Salamanca ante el descubrimiento del
Nuevo Mundo (Salamanca:1989), 61.
19. Miguel Anxo Pena González, “Aproximación histórica al concepto «escuela de
salamanca»”, Salmanticensis, 52 (2005), 97.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1267

Esses princípios estabelecem-se segundo a premissa do esgotamento


das formas e estruturas tradicionais de assistência aos pobres, desde
séculos conduzidas pela Igreja Católica. Ainda que não afastando o funda-
mento da caridade que preside o socorro aos pobres, a reforma social
da assistência procura institucionalizar as iniciativas de auxílio a partir
das municipalidades e regulamentando-as segundo ordenações escritas.
Trata-se, claramente, de um processo de secularização da assistência
social que visa reconhecer o protagonismo das Instituições políticas no
enfrentamento de questões consideradas de bem comum.
Contudo, ainda que o argumento do bem comum venha a aparecer
em muitos, senão em todos os epígonos da reforma da assistência, como é
o caso de Juan de Robles, o qual questionará os argumentos de Domingo
de Soto a seu tempo, parece-nos mais adequado caracterizar a sua fina-
lidade e objetivo como “utilidade social”, isso porque auxilia-nos a vincar
a forma distinta pela qual os reformadores estabeleceram o alcance das
proibições da mendicância e da migração dos pobres, bem como suas
medidas terapêuticas pela via da internação e do trabalho, em compa-
ração com a tradição de bem comum seguida por Domingo de Soto que
o leva a opor-se ao que ele considera os desvios ou excessos das “Leis dos
pobres”.
Para deixar mais claros os principais pontos comuns das reformas
sociais introduzidas pelas “Leis dos pobres” sobre os quais o Deliberación
en la causa de los pobres tecerá suas reflexões e críticas, valemo-nos do
resumo esquemático do próprio Soto a seguir:

El primero, que ninguno demande por Dios sin que sea examinado si es
pobre;
El segundo, que aunque sea pobre, nadie pida sino en su naturaleza,
dentro de ciertos limites, salvo si fuese en caso de pestilencia o grave
hambre;
El terceiro, que esos mismos, en sus naturalezas, no puedan pedir sin
cédulas del cura o del diputado;
Lo cuarto, que estas cédulas no se las den sin que sean primero confes-
sados como lo manda la Iglesia;
Y, lo quinto, que los peregrinos que van a Santiago no puedan salir a
pedir más de cuatro leguas del caminho derecho. Todas las otras cosas
que allí se añadieron fueron santas e buenas. E no tienen necesidad de
más examinación.
El postrer artículo que se puso fué, que por que si se pudiese hacer que
los pobres se alimentasen sin que anduviesen a pedir por las calles, los
Provisores y los Corregidores tuviesen cuidado cada uno en lo tocante

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1268 Sandro Alex Souza Simões

a su oficio y pusiesen diligencia como los hospitales dotados se refor-


masen, para que allí fuesen alimentados y curados.20

Acerca desses marcos interessa-nos avançar especificamente com


três argumentos desenvolvidos por Domingo de Soto na sua Deliberación:

1. A mendicância é um problema a ser enfrentado e pode configurar, de


fato, uma grave situação para as cidades, mas não é lícito proibi-la,
porque não há título jurídico que sustente tal vedação;

2. Dado que o direito de migrar (ius migrandi) é um direito natural e


universal e, nessa qualidade, anterior aos Reinos, não é lícito estabelecer
proibição a qualquer um de que o exerça sem que isso configure uma
ofensa ao próprio direito,

3. O direito de migrar (ius migrandi) implica em uma conceção de uso


comum dos bens da terra, especialmente em casos de necessidade,
de modo que o direito de propriedade não pode ser entendido como
absoluto, mas referido ao bem comum de toda a sociedade.

3.1. A mendicância e a vagabundagem

Domingo de Soto está plenamente consciente da gravidade do que a


intensificação das migrações motivadas pela pobreza pode acarretar aos
núcleos urbanos, tais como o aumento do risco de epidemias e revoltas, o
incremento da criminalidade e o próprio agravamento da fome. Da mesma
forma, cabe abordar a questão com a consciência de dispor corretamente
os conceitos e separar o problema da natureza das coisas.
Como membro de uma ordem mendicante como a dos dominicanos
pregadores, Soto está alerta para não confundir a mendicância com o
novel fenômeno dos riscos sociais por ela levantados no ambiente europeu
do século XVI, no qual ela representa mais uma consequência de outros
fatores do que uma causa em si.
Assim, há os que se fazem mendigos por escolha, tal como os membros
das ordens mendicantes medievais dos franciscanos e dominicanos,
dentre outras. A mendicância é uma forma de vida baseada no despren-

20. Domingo de Soto, Deliberación en la causa de los pobres (Instituto de Estudios


políticos: Madrid, 1965), 18. V. Beltrán de Heredia, Domingo de Soto. Estudio biográfico
documentado (Salamanca, 1960), 85. V. D. Carro, Domingo de Soto y su dotrina jurídica:
estudio teológico-jurídico e histórico (Madrid: Hijos de E. Minuesa, 1943), 40.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1269

dimento de bens, na humildade e confiança plena, corajosa e necessária


na Providência. Ela é ativa e produz frutos, sendo um dos principais a
resposta da caridade fraterna, do socorro dos demais aos que necessitam.
A existência dos mendigos desafia a indiferença e permite a generosidade
e liberalidade dos demais21. A mendicância está associada ao desiderato
da liberdade evangélica que consiste em crer e depender inteiramente de
Deus, em uma entrega audaz e não passiva, como se fora resultado de
revezes e desgraças, de modo a seguir a promessa das bem-aventuranças
(“Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Felizes os
que choram, porque serão consolados”).22
Pela natureza dessa mendicância, sejam religiosos ou não, a liberdade
de migrar e de mover-se participa-se-lhe intrinsecamente. O que muda
com as “Leis dos pobres” do século XVI é que se introduz a necessidade de
lidar com algumas classificações que dantes não se faziam. Logo de início,
separar o que sejam os pobres verdadeiros dos falsos e, em segundo, esta-
belecer que dentre os migrantes há os ditos “vagabundos”, que doravante
seriam os tipos violentos de migrantes, dados aos maus hábitos e suble-
vações, marcados pela ociosidade. Com isso, acabam por prejudicar os
pobres verdadeiros que dependem de ajuda. Isso mesmo adverte Soto, ao
invocar Justiniano:

Descendiendo al derecho común, por esta razón el emperador Justiniano


hizo aquella ley que está en el libro XI del Código De mendicantibus
validis: que quiere decir de los hombres que siendo sanos y teniendo
bastantes fuerzas para trabajar andan so color de pobres a mendigar,
quitando el alimiento y poniendo en necesidad a los verdadeiros pobres.23

A linha demarcatória da classificação é ténue. Entre pobres falsos


e verdadeiros, importa fundamentalmente em distinguir quem pode ou
não trabalhar, ter-lhe destinada alguma função social, bem como destacar
da necessidade de mendigar os peregrinos em geral. Quanto aos vaga-
bundos, esses são vistos por Soto como baldíos, ociosos e não perten-
centes ao consórcio humano e, portanto, intrinsecamente afastados da
civitas. Recorda Coccoli a respeito, não somente a leyenda negra acerca
dos vagabundos no período medieval, muito própria de uma literatura

21. “Y por eso tiene San Juan (I. Juan, 3) Por imposible que el que tiene de los haberes y
sustancia deste mundo viere a su hermano en necesidad y no le socorriere que éste tal
tenga caridad ni hermandad com él”. Soto, Deliberación en la causa de los pobres, 63.
22. Mt 5, 3-4.
23. Soto, Deliberación en la causa de los pobres, 30.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1270 Sandro Alex Souza Simões

de rapinagem em voga na época, tal como aparece no Speculum cerreta-


norum de Teseo Pini e o seu correspondente alemão Liber vagatorum, mas
especialmente a referência à uma terceira espécie de bárbaros a que, com
base em Aristóteles, referia-se Bartolomé de Las Casas em Valladolid:

Per certi versi, i vagabondi di Soto ricordano “la terza specie di barbari”
di cui parla Las Casas nel Sumario della celebre disputa di Valladolid,
quelli che, per i loro costumi perversi e per la rozzezza dell’ingegno e
l’indole brutale, sono paragonabili a delle fiere selvagge che vivono nei
campi, senza città, senza case, senza Stato (policia), senza leggi, senza
riti, né comportamenti secondo il diritto delle genti. Anzi, essi vanno
errando – palantes, come si dice in latino – ovvero rapinando e facendo
violenze [...]. Di essi si potrebbe accettare quello che sostiene Aristotele,
ossia che, così come è lecito dare la caccia alle fiere, allo stesso modo
è lecito fare loro guerra, difendendoci da essi, perché non ci arrechino
danno, e facendo in modo da ricondurli a una civile convivenza (policia)
umana.24

A proscrição da vagabundagem, veja-se, não encontra oposição na


Deliberación, ao passo que a preocupação recai sobre a mendicância,
especialmente em dois aspectos. Em primeiro, mesmo ao considerar os
mendigos “pobres verdadeiros” as “Leis dos pobres” mantém a vedação
da vedação da migração, possibilitando às municipalidades adotarem
as providências para banimento e punição dos mendigos estrangeiros. A
única exceção seria na hipótese de guerra ou grande fome, como já visto. E,
em segundo, a criação da obrigatoriedade legal de classificação dos pobres
verdadeiros para a obtenção das “cartas” que permitissem a mendicância
legal, apenas agrava a situação já delicada dos que dependem de esmolas.
Domingo de Soto, nessa linha, inicia seus argumentos pela necessária
diferenciação conceitual destinada a melhor orientar a hermenêutica e
aplicação das novas disposições das Leis e pragmáticas que se espalham
pela Espanha:

...hay diferencia entre los vagabundos baldíos y holgazanes que no


siendo pobres, fingiendo pobreza, andan pidiendo limosna y los que
siendo legitimamente pobres andan fuera de sus naturalezas a pedir por
todo el reino. Porque de los primeros no solamente es ley antigua del
reino, empero es más antigua de derecho común y mucho más antigua
de derecho divino y natural, que no sean permitidos ni se sufran sin
castigo. Y lo segundo, que es de lo que ahora se trata, salvo el parecer de

24. Coccoli, Iura gentium, 47.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1271

otros que mejor lo supieren, a mi pobre juicio es cosa nueva y no fundada


en ley común ni en ley antigua del reino, antes no conforme a lo que por
el Evangelio y buena razón parece.25

E continua Soto para estabelecer a diferença mais precisa entre


os vagabundos e os pobres verdadeiros, especialmente dirigido para a
pobreza voluntária e os peregrinos das ordens mendicantes, da qual faz
parte enquanto frade dominicano:

...aunque el nombre de vagabundo no parece suena más de hombre que


no tiene propia casa ni habitación señalada, sino que anda vagando por
el mundo, como bien lo notan los jurisconsultos sobre el capítulo final de
foro competenti y sobre la ley heres absens. ff. de iudici, y en otros lugares,
empero la propiedad deste nombre añade que anden por el mundo sin
necesidad ni utilidad. Porque vagar no sólo quiere decir no tener casa,
empero no tener oficio ni legítima causa o necesidad de discurrir. Que
de otra manera no sería este nombre infame como lo es ni sonaría mal
como suena, porque significa ociosidad. Y así, en castellano, se llaman
baldíos, como ganado sin dueño. Por lo cual el que por razón de su trato
o su oficio, o su necesidad, anda por el mundo, ni es digno de reprehensión
ni se puede, por ende, juzgar por vagabundo. (grifos nossos)26

Soto emprega energia ao marcar uma distinção firme entre aquele


que migra por necessidade ou ofício, mesmo sendo pobre e sem casa, e o
que o faz por ociosidade ou desocupação desejada. Essa ênfase não deve
ser interpretada redutivamente como se a o seu alcance fosse somente
biográfico e parcial, qual seja, o de preservar as ordens mendicantes das
vedações de migração que estabelece. Isso equivaleria a subestimar a inte-
ligência e riqueza argumentativas do mestre segoviano. Soto, ao elaborar
sua distinção sutil, permite esclarecer que as Leis e as pragmáticas sobre
vagabundos que esmolam fora de suas naturezas não devem ser enten-
didas e aplicadas da mesma forma que as disposições anteriores do direito
comum e do direito do reino, as quais se referiam aos casos de necessidade
extrema, os quais justificariam a esmola, mas sem distinções entre nativos
e estangeiros. Isso porque se trata de um fenómeno novo exatamente pela
introdução da referida distinção.
Em relação ao direito precedente, explica Fatica:

25. Domingo de Soto, Deliberación en la causa de los pobres (Instituto de Estudios políticos:
Madrid, 1965), 23.
26. Ibid., 24.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1272 Sandro Alex Souza Simões

Quanto alla legge giustinianea, essa consente agli invalidi dei due sessi e
agli anziani di rimanere in Costantinopoli, senza discrimine tra indigeni
e stranieri. Carlo imperatore, d’altra parte, nelles cortes del 1540 nien-
tr’altro stabilì, se non che fosse stato provveduto nelle loro case ai poveri
non entro i limii dello stretto necessario, ma entro la soglia del più che
sufficiente, non sarebbe stata più permessa la mendicità. Essendo ciò
impossibile, anche che per le miserie corrennti, i cristiani, sul presu-
pposto del vincolo strettissimo che, in Cristo e secondo il diritto di natura,
lega gli uomini di tutto l’universo, non solo dovrebbero ammettere nelle
loro città i poveri do qualsiasi parte del regno, ma anche quelli prove-
nienti dai territori degli infedeli, se non fossero nostri nemici e so non
temessimo da parte loro un danno alla fede.27

Assim, Soto prossegue para insistir que as novas disposições


abrangem somente aos vagabundos, excluídos de sua abrangência os que
se fazem pobres pelo Evangelho, tal como os frades das ordens mendi-
cantes, mas acrescenta também outra delicada distinção, bem ao gosto
da escolástica, entre mendigos “sãos” e mendigos “válidos”. Tendo em
consideração Lei do Reinos de Castela e Leão de 1387, de D. Juan I, Soto
procura demonstrar que ela não se referia aos mendigos são, porém aos
mendigos válidos, isto é, aos que tivessem forças suficientes para trabalhar
e daí as restrições e vedações seriam justificáveis pela lei natural.
A distinção importa dentro do novo contexto a que se refere o
problema na Deliberación por três aspectos igualmente importantes em
Soto: primeiro, para que não se afaste a característica de pobreza simples-
mente pela ausência de sinais exteriores de doença ou males físicos, o
que implica que em casos de dúvidas opte-se pela conclusão de pobreza
e que, segundo, haja outras motivações para a necessidade de esmolar
e vagar que não apenas a doença incapacitante. Aí estão incluídas, na
linha de raciocínio de Soto, não apenas a já referida pobreza voluntária
das ordens mendicantes, mas igualmente as migrações provocadas pela
fome e miséria extremas, pela desocupação involuntária nas cidades e
pelas guerras as quais constituirão um cenário presente de desolação na
península ibérica dos séculos XVI e XVII, tal como plasmado como pano
de fundo do romance picaresco “Lazarillo de Tormes”. E, last but not least,
a misericórdia no juízo de quais são os pobres que possuem direito de
mendigar.

27. Michele Fatica, Il problema della mendicità nell’Europa moderna-secoli XVI-XVII


(Napoli:Liguori Editore, 1992), 103.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1273

Quanto a este último quadrante, defendemos que possui um papel


estruturante na argumentação do ilustre frade segoviano por destacar
uma desconfiança de premissa na transição cultural e institucional que,
ao fim e ao cabo, implica a reforma de assistência em curso, seja no que
respeita ao papel inédito atribuído às autoridades locais e ao corpo buro-
crático dos Estados nascentes, seja pela sub-rogação da justiça à lei, ao
invés da misericórdia, cujo mister não é distinguir entre bons e maus,
senão alcançar a todos28.
Entende Soto que há cinco razões para caracterizar como injusta
a proibição da migração dos pobres ou “mendigos estrangeiros”. Desde
logo, isso equivale a uma penalidade como a de banimento ou desterro
para todos os efeitos e o único título justo para a imposição de uma pena
é o cometimento de um crime e, ora, quem é verdadeiramente pobre não
tem nenhuma culpa em sentido jurídico, nem cometeu crime.
A Lei não obriga que os cidadãos naturais de uma cidade retenham
todos os seus pobres, mas de outra também não obriga, nem poderia obri-
gá-los a oferecer-lhes esmolas, de modo que para prover a sua própria
sobrevivência, o que é preceito de direito natural, os pobres necessitariam
migrar e a ninguém seria justo impedi-los.
A terceira razão diz respeito a existência de ricos e pobres em cada
sociedade como um dado do mundo como ele é, tal como o corpo possui
diferentes partes, mas desta diferença mesmo nasce a necessidade de
cooperarem e ajudarem-se mutuamente.29
Assim também, há terras mais abundantes e outras mais escassas,
seja em riquezas naturais, seja em liberalidade e generosidade pessoal.

28. “Pues luego porque la doctrina destos santos pongamos en suma delante de los ojos:
lo que ellos enseñan es que el oficio de la misericordia no es discernir entre buenos y
malos, eso se reserva a solos los ministros de la justicia; la misericordia es socorrer a
todos” (Domingo de Soto, Deliberación en la causa de los pobres (Instituto de Estudios
políticos: Madrid, 1965), 91.
29. “Los pobres, por fuerza, han de ser como las hormigas que han de subir al cogollo. Y
aun no solamente todo un reino es obligado a mantener sus pobres, mas los pobres
de un reino tienen derecho de pedir por Dio sen el outro, si son verdadeiramente
pobres. Porque todos los cristianos, dice San Pablo (1. Cor. 12) somos membros de
un cuerpo. Y por ende, como agudamente está entre las fábulas griegas que un ciego
llevaba a cuestas a un cojo porque el cojo guiase ao cego, ansí los que saben han de
ser como ojos de los que no saben, y los que pueden trabajar han de ser como manos y
pies de los que entienden en la gobernación y culto divino; y los ricos han de ser como
estómago para mantender a los pobres y en Jesuscristo, como dice en outro lugar, no
hay distinción entre griego y latino, y judío y gentil, porque todos somos de un dueño”.
Soto, Deliberación en la causa de los pobres, 39.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1274 Sandro Alex Souza Simões

Cada qual deve poder buscar sua sobrevivência onde melhor pouso e
frutos puder colher.
A quinta razão nos é particularmente relevante porque diz respeito a
uma vasta tradição que perpassa a religião e a filosofia, qual seja o dever
de hospitalidade. A tradição judaica já ressaltava o imperativo de tratar
bem ao estrangeiro e acolhê-lo, dado que os judeus devem lembrar que
já foram estrangeiros e peregrinos no Egito. Mas igualmente a tradição
da filosofia clássica greco-romana aponta para a hospitalidade como uma
virtude das mais elevadas e um dever que deriva da philia.

Un’ospitalità dovuta  – è bene evidenziarlo  – non solo a fronte di una


condizione permanente di debolezza o invalidità. Soto, a differenza della
maggior parte dei riformatori, ammette anche il caso della disoccupa-
zione involontaria: non tutti coloro che non lavorano sono da etichettare
come vagabondi oziosi; può accadere talvolta che un uomo, benché
“sano e in forze”, non trovi chi lo assuma o lo prenda a servizio. È allora
che egli ha il diritto di andare a cercare lavoro “in tutto il regno”. Non
solo. Lo stesso ius migrandi si applica anche a tutti coloro che vogliano
migliorare il proprio livello di vita (certo, sempre nei limiti di una giusta
misura), magari andando in cerca di condizioni lavorative più favorevoli:
in questo caso, “per diritto naturale e per diritto delle genti ciascuno
ha la libertà di andare dove vuole, a patto che non sia un nemico e non
faccia nulla di male”. Una tesi non del tutto anodina, soprattutto quando
si pensi che una delle poste in gioco dei conflitti scatenati dal nascente
capitalismo fu proprio la libertà del lavoratore di rompere il vincolo di
lavoro e spostarsi alla ricerca di opportunità di vita migliori.30

No que refere à exigência legal da distinção entre pobres verdadeiros


e falsos, Soto compreende que o fim que tal medida busca alcançar seja a
eliminação da vagabundagem por asfixia, por assim dizer, combatendo-se
a ociosidade e adotando cautelas de controlo. Ocorre que os gravames que
estão conexos sobrecarregam pessoas já em situação social penosa ainda
a maiores penas sob a justificativa de socorro.
Isso porque preocupa a Soto as injustiças que possam decorrer
dos critérios restritivos e limitativos para determinação do que seja um
“pobre verdadeiro”, pois esses não são somente os doentes e os aleijados
inválidos. Soto insere nessa categoria e, portanto, acolhe como verda-
deira a necessidade de mendigar dos que tenham sérias dificuldades para
trabalhar, mesmo não sendo doentes ou inválidos, os que, mesmo tendo

30. Coccoli, Iura gentium, 51.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1275

tido alguns bens, tudo perderam ou enfrentam grave necessidade perma-


nente ou temporária e, principalmente, para os interesses do artigo, são
pobres verdadeiros os que se deslocam em razão de desocupação ou de
melhores condições de vida, não obstante sejam capazes e são. Para Soto,
as disposições das “Leis dos pobres” somente seriam justas se tivessem
em conta que é a misericórdia e não a justiça que preside o cuidado com
a pobreza.

…aunque sea equidad y razón entressacar los vagabundos y fingidos


pobres de entre los verdadeiros, empero lo que aqui ante todas cosas
se debe considerar es que estas dos virtudes de misericordia y justicia
son muy distintas y aunque en Dios sempre estén juntas, empero en los
hombres cometiolas a diversos ministros. La misericordia mandola y
encargóla a todo linaje y condición de gente; y la ejecución de la justicia
y el castigo de los malos cometíole a pocos ministros de justicia, que,
como dice San Pablo (Rom. 13), por eso traen armas, porque son los que
como hombres justamente airados toman venganza de los malhechores.
(…) Porque a la verdade poner tantos ojos y tantos ejecutores contra los
pobres, que no tengan outro negocio sino el escudriñarlos y acusarlos
y examinarlos, no parecer nacer tanto del amor y misericordia de los
verdaderos pobres como de algún odio o hastio de todo este miserable
estado. Principalmente que aun las justicias no traen tanto cuidado en
rastrear las culpas de los ricos sino bástales que los que caen en sus
manos esos castiguen.31

31. Soto, Deliberación en la causa de los pobres, 73. A propósito, procurando resumir a
argumentação de Soto como linhas para interpretação e melhor aplicação das “Leis
dos pobres”, aduz Castaño: “Por lo tanto, si la finalidad de toda ley de pobres debe ser la
satisfacción de las necesidades materiales y corporales de los menos favorecidos, queda
claro que los tres preceptos lícitos de la ley del cardenal Tavera estarán bien aplicados
siempre que redunden en el beneficio de los pobres y colmen de forma eficiente las
urgencias de los más necesitados. En primer lugar, Soto va a tratar todo lo relacionado
con el examen de pobres y con la obtención de la cédula de mendicidad, es decir, va a
indagar cómo se puede poner en marcha todo esto para para no causarles problemas
o perjuicios que ahondarían aún más en su delicada situación. Nuestro autor señala
cinco limitaciones al examen de pobres y, en consecuencia, al condicionante de ligar
el ejercicio de la mendicidad a la concesión de la cédula pertinente por parte de las
autoridades. La primera, parte de la distinción entre justicia y misericordia y relaciona
el auxilio de los pobres únicamente con lo segundo. Eso quiere decir que el examen
debe ser flexible y no buscar únicamente la captura de vagabundos ya que, un solo
error, causaría un perjuicio irreparable al verdadero pobre. En segundo lugar, los
exámenes deben ser hechos por funcionarios buenos y justos para evitar cualquier tipo
de negligencia. El motivo aducido por Soto es que los pobres no tienen voz y no pueden
defenderse de injusticia. La tercera limitación al examen está en que se deben ampliar
los casos en los que se concede el permiso para pedir. No sólo deben ser considerados
pobres los enfermos, sino que se debe tener en cuenta a otros tantos que, aún sin estar

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1276 Sandro Alex Souza Simões

4. Domingo de Soto e a defesa do ius migrandi e do ius peregrinandi

Uma das características mais relevantes da Escola Ibérica da Paz é,


ao nosso entender, a capacidade de articulação de seus mais destacados
pensadores entre a teologia, mater scientiarum, a filosofia e o direito
romano para a busca de respostas para os problemas mais urgentes de seu
tempo, os quais desafiam os fundamentos daquele próprio mundo como
havia sido até então.32
Mas se na teologia e na filosofia o manancial é fornecido por São
Tomás de Aquino, especialmente na Summa, e por ele, Aristóteles, para o
direito romano os mestres da Escola Ibérica voltam a encontrar as poten-
cialidades do ius gentium, o que lhes permite soluções desde logo desenrai-
zadas de localismos e regionalismos, mas sim raciocionar juridicamente
com esteio na universalidade de um direito que não é plasmado pela
consuetudo civil mais estreita, mas sim por preceitos do direito natural.
A fonte do ius gentium mostrou-se mais harmoniosa com as premissas
da Escola Ibérica, outrossim, por considerar a categoria dos povos, o que
impõe uma linguagem distinta de um direito civil mais patrimonial e
contratual.
A partir disso, conceitos relevantes como ius migrandi, ius commerci
e jus communicationis estarão presentes de maneira usual e transversal na
linguagem dos argumentos de base da Escola e fazem-se presentes mesmo
em um debate como o desenvolvido na Deliberación que, a rigor, afasta-se
dos temas mais candentes que celebrizaram seus autores, tais como a

enfermos, tienen dificultades para trabajar. Eso nos lleva a la cuarta limitación: se debe
conceder cédula para mendigar también a aquellos que se desplazan para conseguir
trabajo. Este permiso sería temporal y se limitaría obviamente al periodo en el que la
persona estuviera desempleada. El quinto y último motivo tiene que ver con el tercero
ya que amplía la consideración de pobres a aquellos de buena sangre y familia que han
perdido la hacienda y que, de otra forma, se verían compelidos a ejercer profesiones
mucho más vergonzantes.” (Castaño, Revista de filosofía moderna e contemporânea, 79).
32. “Efectivamente com Vitoria entran de lleno en la teologia los más diversos temas
humanos y sociales en el âmbito eclesiástico y civil, que son estudiados y solucionados
desde los princípios de la Fe cristiana. ‘Siempre mostro un interés preferente por los
problemas humanos planteados en la teologia moral, no deteniéndose en el terreno
árido de los princípios y cuestiones especulativas, sino buscando el contato imediato
com la realidade histórica y orientando su exposición a los temas vivos del orden
jurídico, social y político. El interés que despertaron sus leciones fue enorme. Su fama
de teólogo se difundió y propagó fuera de las aulas universitárias, comenzando a venir
a su mesa de estúdio multitude de consultas de índole muy diversa’”. Juan Belda Plans,
La Escuela de Salamanca y la renovación de la teologia (Madrid: BAC, 2000), 191.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1277

guerra justa, os títulos da conquista e colonização do Novo Mundo, poder


político e limites entre a jurisdição papal e real, etc.
Contudo, uma visão mais detida demonstra que a linha transversal e
comum da Escola se encontra presente na argumentação de Domingo de
Soto e é responsável pelas características peculiares de suas premissas que
lhe conduziram à conclusões divergentes em relação aos reformadores
sociais de seu tempo como Erasmo e Luís de Vives, bem como Juan de
Robles que responderia ao livro de Soto.33

Notiamo tre cose. Innanzitutto, come già segnalato da Annabel Brett, qui
il teologo di Salamanca non fa che applicare allo scenario europeo quello
stesso ius peregrinandi che Francisco de Vitoria aveva teorizzato all’in-
terno della sua ricognizione dei possibili “titoli legittimi” della guerra
contro gli Indios. Anche nella Relectio de Indis (1538) troviamo infatti
l’idea di un diritto degli Spagnoli a viaggiare e trattenersi nei territori dei
“barbari” (sia pure a condizione di non arrecargli danno). Un diritto per
di più sostenuto con argomenti assai simili a quelli della Deliberación:
la legge dell’ospitalità, la proprietà comune delle vie di comunicazione,
l’impossibilità giuridica di infliggere l’esilio a stranieri senza colpa. A
questo proposito, quel che è interessante sottolineare è la facilità con cui
Soto può trasferire al contesto interno uno strumento giuridico elaborato
nell’ambito di quello che potremmo anacronisticamente definire “diritto
internazionale”: prova ulteriore della già rilevata fiducia della tarda
scolastica nell’uniformità dell’ordine razionale dell’essere, un ordine che
non conosce fratture normative di rilievo tra relazioni interne ed esterne
agli Stati.34

O último ponto referido por Coccoli traz em relevo a compreensão


unitária de direito que está presente em Soto, Vitória e Suárez, dentre
outros, e que permitiu plasmar argumentos que, de fato, tivessem como
base a universalidade e a igualdade como elemento de validade de suas
conclusões.

33. Um exemplo encontra-se no ius peregrinandi e ius commercii quando considerados


fundados no direito das gentes e pertencentes, por isso, a todos os homens, sejam
europeus, sejam indígenas. Ensina a respeito Calafate: “Vitoria havia considerado
que um dos principais títulos que poderia justificar a guerra contra os índios e a
permanência dos espanhóis na América era a licitude do estabelecimento de relações
comerciais com os habitantes dessas terras, desde que as mesmas os não prejudicassem,
considerando tal preceito inscrito no direito das gentes”. Calafate, A Escola Ibérica da
Paz nas Universidades de Coimbra e Évora (século XVI), 37.
34. Coccoli, Iura Gentium, 53.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1278 Sandro Alex Souza Simões

Muito dos esforços intelectuais da Escola Ibérica da Paz tiveram


como propósito encontrar fundamentos no melhor conhecimento clássico
que tornassem possível estabelecer um caminho de solução para tratar
dos problemas titânicos suscitados pela conquista do Novo Mundo diante
de novos povos, sem qualquer conexão com a cristandade e sem os laços
que permitissem entendê-los como participantes da mesma história.
Um dos pontos firmes de reflexão da Escola dá-se, nessa linha, na
receção e no desenvolvimento renovado da tradição do ius gentium como
legado do direito romano fundado sobre a relação entre os povos e que
ao mesmo tempo que pressupõe as realidades concretas das migrações,
do comércio e da elevada mobilidade dentro do Império entre distintas
comunidades, foi forjando uma utopia jurídica de um ius commune huma-
nitatis alimentado pelas noção filosófica de philia,35 de um lado, e pela de
dignitatis humanae doutro, com o aporte do cristianismo.
Ainda que toda maneira de pensar da Escola estivesse umbilical-
mente ligada a uma renovação do estudo teológico e, daí enraizada na cris-
tandade e nos Evangelhos, sendo assim justamente cristocêntrica, pode
avançar para uma elaboração ética que encontrasse conceitos comuns
que atassem os povos da cristandade e os índios do Novo Mundo que
a ela não pertenciam. Na metafísica valeram-se os seus autores de uma
ideia de racionalidade universal e de direitos naturais de uma maneira
que assinala a via pela qual vai-se afirmando uma doutrina de direitos
subjetivos contra os abusos do poder político, por exemplo. Na filosofia
do direito, a doutrina tomista do direito natural fornece as bases comuns
para a organização da sociedade mesmo entre distintas comunidades.

…the whole humanity was conceived as a natural occurence, divided


into differing cultural communities; and the concrete regulation of their
relations was expressed via a positive law, founded upon natural and
common principles of justice and natural right that represented the will
of na international community of republics: the ius gentium or law of
nations, and equally a just war doctrine (ius belli), which set forth the
principles by which the aims and methods of aggressive foreign policy

35. “A palavra philia designa, no mundo grego, a ideia geral de amizade. Mas, entre os
termos que na semântica grega envolvem o conceito de amizade, foi o de hetairiké
(camaradagem militar) que prevaleceu. Passando do plano militar para o político,
indica solidariedade ideológica da aristocracia que se opunha à constituição das
tiranias, ligando a amizade política à democracia da polis”. Eduardo Vera-Cruz,
História do direito comum da humanidade, Vol.I, (Lisboa: AAFDL, 2003), 432. Ver
também Fábio Comparato, Afirmação histórica dos direitos humanos, 3º ed. (São
Paulo: Saraiva, 2003), 30.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1279

were to be limited. Such ruminations heralded the great works that later
were to adress more systematically the nature of the international legal
order ando f the modern secular state.36

São inegáveis as conexões entre os argumentos de Domingo de Soto


contra uma vedação erigida pela Pragmática Real de 1540 e a Lei muni-
cipal de Zamora, ambas leis “locais” ou “nacionais” na denominação
moderna, e os dilemas propostos atualmente na crise das imigrações e
refugiados, por exemplo. O mesmo raciocínio empregado para combater
as limitações consideradas injustas nas leis locais, são os que derivam
da maneira de pensar o direito internacional nascente na Escola Ibérica
da Paz. Isso porque o fundamento dessa estrutura de argumentos deriva
invariavelmente de uma conceção de liberdade humana que é anterior ao
Estado e às organizações políticas e encontra esteio no direito natural.
A noção de que esse debate se situa no plano do direito natural e do ius
gentium e não no direito civil e positivo marca a universalidade com que
os pensadores da Escola procuram construir suas premissas e conclusões.
A mobilidade humana será entendida por Soto, nesse diapasão,
também como um bem comum, pois ela corresponde, permite e aper-
feiçoa a sociabilidade humana. As civilizações encontram na mobilidade
os meios de resolverem suas dificuldades recíprocas através do comércio,
equilibrando a escassez de algumas com a abundância de outras, dado
que nenhum povo é dotado de tudo o que precisa para viver. Isso envolve
a troca de conhecimentos e a expansão da missão de evangelizar, para
além das trocas materiais. Nesse sentido, proibir as migrações e restringir
a mobilidade, mesmo diante de intenções supostamente boas, jamais é
justificável segundo o direito natural e o ius gentium.

5. A propriedade comum dos bens e os ius communicacionis

Encaminhando-nos para finalizar o artigo, resta-nos ainda um


argumento relevante da Deliberación a ser explorado, segundo o qual as
restrições em relação à mendicância e em especial às migrações dos pobres
estrangeiros implica conceber a propriedade dos bens como absoluta, o

36. Luis Valenzuela-Vermehen, “Vitoria, humanism and the School of Salamanca in early
sixteenth-century Spain”, Logos 16:2 (2013):117. A respeito também o clássico James
Brown Scott, The catholic conception of international law (Washington:Georgetown
University Press, 1934), 488.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1280 Sandro Alex Souza Simões

que, segundo o pensamento económico e moral desenvolvido pelos pensa-


dores da Escola Ibérica da Paz, notadamente pelo próprio Domingo de
Soto e por Luis de Molina, é uma violação ao direito natural.
Novamente, aqui são identificáveis argumentos de base já anterior-
mente postulados por Francisco de Vitória quanto aos títulos justos em
favor dos espanhóis, que permitiriam a colonização do Novo Mundo e
que exercem a função de matizar a compreensão da soberania ou da auto-
nomia das comunidades e dos diferentes povos. Para os pensadores da
Escola Ibérica a partir de Vitória a igualdade de todos os povos implica
em uma sociabilidade natural e livre comunicação entre todos os povos
do mundo pelo que a disposição dos povos pelo território do globo não faz
desaparecer esse direito que lhe é coetâneo ou mesmo anterior, mas sim
o pressupõe.
A compreensão de que a propriedade não é absoluta importa
em admitir que a delimitação espacial dos povos, senão igualmente a
propriedade dos indivíduos não deve ser assumida como excludente ou
absoluta no sentido de estar colocada acima de outros direitos e afastá-los
por completo. O reconhecimento do direito de propriedade não é posto
em causa pelos pensadores da Escola, contudo ele não é capaz de justificar
a conquista, da mesma forma que não é suficiente para reputá-la como
injusta. Doutro modo, os europeus não podem atribuir-se a propriedade
das terras dos ameríndios porque o direito natural reconhece-os como
seus donos, não sendo razoável invalidar esse domínio pelos argumentos
da rudeza, da gentilidade e do paganismo ou da servilidade por natureza,
os quais foram sistematicamente combatidos pela Escola Ibérica. Mas
também, a propriedade dos índios não pode ser, via reversa, argumento
para excluir os direitos de viajar, migrar e de sociabilidade dos europeus
que chegam ao Novo Mundo.37 Assim, longe de postular um argumento
eurocêntrico em relação aos povos do Novo Mundo, bem observa Belda
Plans que Vitória realiza mesmo o contrário, indicando argumentos com
base em direito do género humano:

37. “…ao sustentar que os índios são verdadeiros senhores de suas terras, Vitoria é levado
a reconhecer não só que qualquer título legítimo de ocupação dessas terras deriva
forçosamente do direito das gentes e não do direito civil, pressupondo algum tipo
de injúria dos índios contra os espanhóis, como ainda que estes últimos podiam,
quando muito, pretender um domínio de jurisdição na América, mas não direitos
de propriedade. A argumentação de Grócio, de modo diferente, visava justificar
diretamente a existência de verdadeiros direitos de propriedade sobre as terras não
cultivadas dos índios”. (Miguel Nogueira de Brito, Estudo introdutório – II, in Calafate
(org.), A Escola ibérica da Paz, 54).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1281

…la distribuición de las tierras por personas, famílias o pueblos no


puede abolir un derecho natural subyacente propio de todo hombre en
relación a todo el Orbe, que se debe reconocer por todos. Además todas
las razas forman parte del género humano y por tanto existe un derecho
natural de amistad y fraternidad entre los hombres que postula solida-
riedad, respeto y ayuda mutua, que los poderes públicos deben proteger
y no pueden quebrantar. Com estos sérios planteamientos Vitoria rompe
la visión tradicional puramente europeísta del, así llamado, Orbis
Christianus, sustituyéndola por la Communitas Orbis o Comunidad de
todo el género humano, construída sobre un fundamento natural ante-
rior.38

Seguindo tal raciocínio, para Soto na Deliberación a investida das


“Leis dos pobres” em face dos mendigos estrangeiros defronta-se com um
obstáculo jurídico de dupla ordem, seja aquele que importa no questio-
namento da mendicância enquanto uma atividade que deva ser regulada
pela lei e submetida ao aparato das autoridades políticas na forma da
exigência da “carta” que classificará os “pobres verdadeiros”, seja a proi-
bição da migração para os pobres estrangeiros.
Isso porque a propriedade deve ordenar-se segundo o bem comum
e a existência dos pobres e mendigos constitui uma responsabilidade
para os que têm recursos de auxiliar os que não os possuem, da mesma
maneira que não se pode obrigar os que não os possuem de não pedir
auxílio. Ainda que Soto concorde com o argumento de Juan de Robles
de que a melhor situação seria o de não existirem os mendigos, não pode
admitir que sendo essa uma realidade, as leis lhes ponham gravames,
dado que isso pressupõe assumir que a propriedade deve ser protegida
contra eles. É bastante evidente em Soto, como anteriormente citado, que
a finalidade das “Leis dos pobres” é bem menos eliminar a pobreza pelo
enfrentamento de suas causas, e mais erradicá-la pelo combate aos pobres
e sua contenção39.

38. Plans, La Escuela de Salamanca y la renovación de la teología, 388.


39. “They engaged, for example, in a lively philosophical debate on the advantages
and disavantages of private property, inspired by reports of the primitive American
communities, especially the collectivist society of Peru, which were seized upon as
survivals of a lost Golden Age when all things were held in common.1 And the practical
problems of business life were growing daily more pressing. The inflationary economy
of the period offered unprecedented opportunities for enrichment, and the Church’s
solemn warnings against undue love of gain passed all too often unheeded. Lip-service
was paid to the prohibition of usury, but, since theologians themselves differed as to
the definition of the term, laymen could scarcely be blamed if they lapsed into ‘error’.
The most blatant forms of usury were universally practised, though generally under

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1282 Sandro Alex Souza Simões

Igualmente, ao considerar não a propriedade dos indivíduos, mas a


dos povos, a proibição de peregrinar e migrar afronta um direito natural
universal que é anterior à lei positiva e deve conformá-la, qual seja o ius
communicationis, que engloba o ius peregrinandi e o ius migrandi. Em
uma perspectiva complementar, tais direitos correspondem a faculdades
e liberdades humanas fundamentais e ainda que não esteja claramente
desenvolvida pelos pensadores da Escola uma teoria dos direitos subje-
tivos individuais, cremos que está fora de dúvida que a correspondência
entre ius e facultas ou libertas que se encontra em várias de suas obras e,
não diversamente na Deliberación, insere-os na trajetória da história do
conceito de direitos subjetivos com algum destaque, especialmente, como
é o caso, tais argumentos funcionam para elaborar as linhas divisórias
entre os povos e comunidades e os limites do poder político e da lei posi-
tiva.40

6. Conclusões

Ao final do presente artigo importa-nos assinalar algunas conclusões,


ainda que parciais, acerca dos mais relevantes argumentos de Domingo de
Soto e sua conexão com a Escola Ibérica da Paz, com o fim de indicar a
expressiva atualidade dos temas em torno dos quais orbitou aquela Escola.
A envergadura intelectual da Escola Ibérica da Paz deve-se sobretudo
a uma atitude de desassombro no diagnóstico dos principais problemas
do seu tempo, alguns dos quais constituem-se crises axiais e civilizatórias,
a partir de uma teología renovada. Mesmo não tendo sido o objetivo de

cover of some device invented to conceal the true nature of the transaction. In Spain,
the great stronghold of religious authoritarianism, such a situation could not idly be
tolerated”. Marjorie Grice-Hutchinson, The School of Salamanca. Readings in Spanish
Monetary Theory, 1544-1605 (Oxford, 1952), 41.
40. “Por este motivo, albergaba ds (Domingo de Soto) serias dudas de que se pudiera
prohibir a los pobres legítimos salir a mendigar, porque equivalía a obligarles a
pasar necesidad injustamente. Idéntica libertad de movimientos reivindicaba para
el peregrino, sobre todo si era extranjero. No negaba que el trasiego de peregrinos
ocasionara problemas, pero le parecían tan pocos, numéricamente, los que mendigan
en suelo extranjero, que no consideraba necesaria la expedición de una ley para
regularlos. Concluía que no es lícito a ningún poder político restringir la libertad a
ningún necesitado. Para Soto, el dominio sobre las cosas o el derecho de propiedad
privada no es un derecho absoluto, sino relativo y limitado al bien común de toda
la sociedad.” Hernández, “La aparente actualidad en el debate 1sobre los inmigrantes y
refugiados”, 284.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1283

análise do artigo, é impossível passar ao largo de algunas características


marcantes da Escola, presentes em seus autores mais expressivos como
Vitória e Soto aquí referidos, como o de aplicar a teología, a qual retiram
de alguns séculos anteriores de especulações escolásticas especializadís-
simas e herméticas, como que atada a um jogo circular de pensamentos
e derivações, para posicioná-la convictamente no lugar de mater scien-
tiarum e a partir dela iluminar a realidade dramática que cerca todo o
século XVI.
Francisco de Vitória deixa isso singularmente expresso logo na
abertura do famoso De indis ao afirmar sem vacilar a que título chegam os
teólogos às materias pertinentes às conquistas e colonização, questões de
justiça, de lei e jurisdição:

Digo que no pertenece a los jurisconsultos fallar este asunto, o al menos


a ellos solos. Porque como aquellos bárbaros no están sometidos al
derecho humano, sus cosas no pueden ser examinadas por las leyes
humanas, sino por las divinas, en las cuales los juristas no son sufi-
cientemente peritos para poder definir por sí semejantes cuestiones. Ni
sé con certeza que hayan sido llamados para el examen y sentencia de
este asunto teólogos dignos que pudieran con garantía ser oídos sobre
materia de tanta importancia. Y puesto que se trata de algo que entra en
el fuero de la conciencia, al sacerdote, esto es a la Iglesia, toca fallar.41

A mesma atitude verifica-se em Domingo de Soto no engajamento


demonstrado pela Deliberación em um tema de ampla preocupação e
que recebe, rapidamente, por toda a Europa um entusiasmo reformador
nem sempre cuidadosamente refletido. A obra de Domingo de Soto, como
acima exposto, não se alinha como pensamento de crítica reacionária ou
conservadora  – ainda que pudesse sê-lo  – , muito menos demite todas
as propostas e críticas presentes nos reformadores. Ao contrario, Soto
alinha-se a tantas delas, mas sempre imbuído de um zelo e consciência
das premisas básicas da Escola Ibérica da Paz, a saber a prevalência do
direito natural sobre o positivo e a liberdade humana como valor funda-
mental em oposição aos abusos do poder político.
E cabe-nos dizê-lo: Soto fá-lo com uma precisão, erudição e clareza
que a tornam notável e de frutuosa leitura até hoje.
Diante de crises que se repetem com características semelhantes nos
nossos tempos como o problema das migrações de refugiados e desloca-

41. Francisco de Vitoria, Obras de Francisco de Vitoria (Madrid:BAC, 1960), 18.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1284 Sandro Alex Souza Simões

mentos forçados por razões humanitarias, ambientais ou pela busca de


melhores condições de vida e trabalho, mesmo nas hipóteses em que não
haja situação de risco, são inúmeros os argumentos que parecen evocar
imediatamente a lembrança histórica do debate em que Domingo de Soto
estaba envolvido.
Isso porque a maior parte do que considera-se os elementos centrais
da crise atual referem-se à migração de pobres, de doentes e os problemas
relativos ao aumento das tensões de segurança e embates de religião. Na
sua essência são versões em nova roupagem para as mesmas que já se
apresentavam no século XVI e para as quais Domingo de Soto construiu
refutação que bem podem ser-nos de profundo valor hoje, pois ainda
que não respondam a todos os aspectos de uma europa pós-vestfaliana,
de um pluralismo da ordem política que não se pode ler sob a categoría
de “cristandade” ou dos Estados-Nação encerrados nos limites de suas
Constituições, mesmo que isso vá-se despedaçando a cada passo, é insupe-
rável o valor pedagógico do Deliberación en la causa de los pobres.
Foi escrito ao seu tempo dentro do modelo do speculum princeps,
mas em muito ultrapassa seus objetivos iniciais. Ao procurar iluminar o
Imperador acerca de uma controvérsia social relevante e urgente, Soto
legou-nos uma obra solidamente fundada em uma compreensão profunda
do valor da pessoa humana e de sua dignidade universal.

Referências

Anónimo. Lazarilho de Tormes, trad. Pedro Câncio da Silva. São Paulo: Página Aberta; Brasília,
DF: Consejería de Educación de la Embajada de Espana, 1992.
Belda Plans, Juan. La Escuela de Salamanca y la renovación de la teologia. Madrid: BAC, 2000.
Beltrán de Heredia. Domingo de Soto. Estudio biográfico documentado. Salamanca, 1960.
Brufau Prats, J. La Escuela de Salamanca ante el descubrimiento del Nuevo Mundo. Salamanca,
1989.
Calafate, Pedro (org). A Escola ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora (Século XVI).
Coimbra: Almedina, 2015.
Calero, F. Juan Luis Vives, autor del Lazarillo de Tormes. Valência, 2006.
Carro, Venâncio D. Domingo de Soto y su doutrina jurídica: estudio teológico-jurídico e histórico.
Madrid: Hijos de E. Minuesa, 1943.
Castaño, David Jiménez. “El Caso de La Deliberación en la causa de los pobres: un ejemplo del
humanismo de Domingo de Soto”. Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília,
vol 4, nº 1 (2016):65-83.
Coccoli, Lorenzo. “Il conflitto sulla mobilità alle soglie dell’età moderna”. Jura Gentium, XI, 1
(2014): 40-57.
Comparato, Fábio. Afirmação histórica dos direitos humanos. 3º ed., São Paulo: Saraiva, 2003.
Fatica, Michele. Il problema della mendicità nell’Europa moderna  – secoli XVI-XVII , Napoli:

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Mendicância, vagabundagem e a defesa do ius migrandi em Domingo de Soto 1285

Liguori Editore, 1992.


García, José Barrientos. “Los tratados “de legibus” Y “de iustitia et iure” en la escuela de salamanca
de los siglos XVI y XVII”. Salamanca, Revista de Estudios, 47 (2001).
González , Miguel Anxo Pena. “Aproximación histórica al concepto «escuela de salamanca»”,
Salmanticensis 52 (2005) 69-119.
Grice-Hutchinson, Marjorie. The School of Salamanca. Readings in Spanish Monetary Theory,
1544-1605. Oxford:Clarendon Press, 1952.
Hernández, Paz Molero. “La aparente actualidad en el debate 1sobre los inmigrantes y refugiados”.
Análisis, Vol. 48, nº 89 (2016):269-289.
Le Goff, Jacques. La civilización del occidente medieval. Barcelona: Paidós.
Le Goff, Jacques. Mercadores e banqueiros da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
Panea Márquez, J. M. “Juan Luis Vives y la responsabilidad para con los pobres”. Pensamiento,
vol. 73, núm. 278 (2017):1173-1196.
Roaro, Jorge. “La Escuela de Salamanca y la interpretación histórica del Humanismo renacentista
español”. Disputatio. Philosophical Research Bulletin, Vol. 3, Nº4. (2014):189-261.
Scott, James Brown. The catholic conception of international law. Washington:Georgetown
University Press, 1934.
Soto, Domingo de. Deliberación en la causa de los pobres. Instituto de Estudios políticos: Madrid,
1965.
Valenzuela-Vermehen, Luis. “Vitoria, humanism and the School of Salamanca in early sixteenth-
century Spain”, Logos 16:2 (2013):99-125.
Vera-Cruz, Eduardo. História do direito comum da humanidade. Vol.I, Lisboa:AAFDL, 2003.
Vitoria, Francisco de. Obras de Francisco de Vitoria. Madrid:BAC, 1960.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1287-1320.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1287

La consideración del “otro”. La figura del Indio en


Francisco de Vitoria y su proyección actual en los derechos
humanos de los pueblos indígenas *
JAVIER GARCÍA MEDINA **

Abstract
In complex societies the condition of “the other” is defined by the religious, the ethnic, the
political, the cultural, etc., in this paper the “Indian” will be alluded to a figure that unites
practically all of these perspectives both from the vision of Francisco de Vitoria as from a
current perspective in order to determine the status of their rights.
Keywords: companies, Francisco de Vitoria, human rights, indians, indigenous peoples,
social philosophy, the “other”.

1. Introducción

L
as sociedades actuales se caracterizan por su diversidad, la cual se
puede contemplar tanto desde una perspectiva sociológica como
normativa. En el seno de las sociedades aparecen grupos que se
diferencian en atención a rasgos identitarios como la lengua, la religión,
las tradiciones, los valores y prácticas que se asimilan a una u otra cultura.
Por otra parte, la configuración política como Estados democráticos de
derecho exige, cuando menos, la presencia de principios como la libertad,
la igualdad y, sobre todo, el pluralismo. En este contexto se hace impres-
cindible gestionar no ya la coexistencia de estos grupos sino la convivencia.
Si esta es el objetivo a conseguir la pregunta evidente es cómo llevarlo a
cabo si para ello se requiere que la percepción del “otro” sea considerada

* Este trabajo se encuadra dentro del proyecto: “La nueva protección jurídica de las
personas vulnerables, (DER 2015-69120-R) cuyos investigadores principales son Cristina
Guilarte Martín-Calero y Javier García Medina.
** Universidad de Valladolid, Spain.
 javier.garcia.medina@uva.es

1287-1320

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1288 Javier García Medina

como no problemática y cuando, en caso de superar esta primera fase, se


asuman e interioricen los valores que presiden el Estado democrático y de
derecho.
Una mirada a lo que acontece en el mundo actual pone de manifiesto
que ese “otro” no es aprehendido en términos pacíficos, por ver en él un
enemigo, un destructor de los valores, portador de disvalores y negatividad,
que altera la convivencia y genera inseguridad, representa lo distinto, lo
transgresor, introduciendo incertidumbres en torno al trabajo, la religión,
la moral, provocando una crítica indirecta al grupo mayoritario que lo
vive como un ataque a su identidad, por otro lado también diversa.
Lo expuesto evidencia que los valores y principios del Estado demo-
crático y de derecho no están suficientemente presentes ni insertados de
forma indeleble ni en las propias instituciones ni tampoco en los ciuda-
danos. De lo contrario las desviaciones que se produjesen en la sociedad
serían neutralizadas y corregidas de forma eficaz al percibir que tales
distorsiones implican un déficit en la calidad democrática y en el valor de
los derechos de todos.
Es imperioso repensar sobre estos dilemas y retos. Los autores
de la Escuela de Salamanca no pueden ofrecer respuestas con las que
solucionar los problemas actuales, sería pedirles demasiado y forzar su
discurso hasta posiblemente hacerlo ininteligible, pero si hay algo común
es que ellos reflexionaron sobre los dilemas que su sociedad afrontaba
en aquel momento, siendo uno de los temas precisamente la conside-
ración del “otro”, el infiel, el hereje, el indio, cuestiones que trasladadas a
nuestro momento pueden aludir a la inmigración, la libertad religiosa, los
nacionalismos identitarios, la globalización, o, incluso, la actuación de las
empresas transnacionales.1
Este trabajo va a tomar como referencia diversos pasajes de la Relectio
de Indis de Francisco de Vitoria,2 precisamente porque en ella la figura
del “otro”, encarnado en los indios, permite configurar el estatus jurídico,
político, social y moral que se les atribuía. Pero se destacará también cómo
Vitoria articula metodológicamente su discurso. En una segunda parte se

1. A/HRC/40/48 https://undocs.org/es/A/HRC/40/48.
https://www.ohchr.org/Documents/Publications/UNDRIPManualForNHRIs_SP.pdf.
2. Se citará la relección De Indis por Francisco de Vitoria O.P. Relecciones Jurídicas y
Teológicas, Tomo II, Biblioteca de Teólogos Españoles, 52, (Salamanca; Editorial San
Esteban, 2017). Edición crítica usando los manuscritos y con nueva versión española
dirigida por Antonio Osuna Fernández-Largo. Con la colaboración de Jesús Cordero
Pando, Mauro Mantovani, Ramón Hernández Martín, Simona Langella y Ángel
Martínez Casado.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1289

confrontará la visión de Vitoria con recientes documentos de Naciones


Unidas que hacen alusión a la situación de los pueblos indígenas en el
marco del Pacto Global sobre derechos humanos y empresas.

2. El indio, el “otro”, en la Relectio de Indis de Francisco de Vitoria

Los aspectos éticos, jurídicos y políticos del pensamiento de Vitoria


que son relevantes para enmarcar este apartado se pueden sintetizar,
siguiendo a Fernando Llano, en que, en el terreno ético, demostró la posi-
bilidad de “fusionar la doctrina neotomista con el humanismo renacen-
tista”. Por otra parte, desde un punto de vista jurídico, Vitoria puede ser
incluido en la corriente del “iusnaturalismo racionalista de raíz estoico-ci-
ceroniana”. Por último, en el ámbito político surge lo que puede entenderse
como su mayor contribución al concebir “la idea del ius comunicationis”,
basado en los “principales valores del humanismo cosmopolita que se
orienta a la constitución de una sociedad humana universal”.3
Combinar la renovación del tomismo con el espíritu renacentista,
centrado en fomentar la libertad, la individualidad y la dignidad del
hombre “como categoría universal”, conducía necesariamente a que
Vitoria se pronunciase sobre los dilemas éticos y jurídicos que la coloni-
zación del llamado Nuevo Mundo implicaba. Interrogantes que adquirían
una dimensión mayor si se parte del principio, como Vitoria hacía, de la
igualdad esencial entre todos los seres humanos.4 Posicionamiento que
resaltaba por no ser la perspectiva que del mundo tenían ni el emperador,
Carlos V, ni el Papa, Clemente VII, más centrados ambos en destacar y
hacer ver que su dominio era legítimo en todo el orbe en el plano secular
por parte del Emperador y en el plano espiritual (y temporal) en el caso
del Papa, por otra parte.5

3. Fernando H. Llano Alonso, “Humanismo renacentista, Razón Universal y Sociedad


humana en el pensamiento jurídico de Francisco de Vitoria”, en Derechos y Libertades,
(Número 34, Época II, enero 2016), 91. doi: 10.14679/1021.
4. Ibid., 98-99. V. tb.Vicente Beltrán de Heredia.“Personalidad del maestro Fray Francisco
de Vitoria y trascendencia de su obra doctrinal”, Introducción a: Francisco de Vitoria,
Relectio de indis o Libertad de los indios, Edición crítica bilingüe por L.Pereña / J.
M. Pérez Prendes, Introducción por V. Beltrán de Heredia / R.Agostino Iannarone
(“Génesis del pensamiento colonial en Francisco de Vitoria”), T. Urdanoz (“Síntesis
teológico-jurídica de la doctrina de Vitoria”), A. Truyol y L. Pereña, CSIC, Corpus
Hispanorum de Pace, Madrid, 1967.
5. Ibid., 99-100.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1290 Javier García Medina

El descubrimiento de América va a poner a prueba el alcance espacial


y conceptual de “ethos cristiano medieval”, al que Vitoria se enfrenta desde
la aportación de la doctrina neotomista en combinación con el huma-
nismo universal y cuya expresión será “el bien común del orbe concebido
como la comunidad universal de los pueblos organizados en Estados (a
los que Vitoria se refiere con el nombre de “Repúblicas”), fundada en el
Derecho Natural”.6 Dos son, por tanto, las ideas guía a tener en cuenta; la
primera, defender la dignidad y la igualdad de los seres humanos, enten-
didos como individuos naturalmente libres y racionales; y, la segunda,
entender a esos seres humanos en “su condición de miembros de una
comunidad más amplia en la que se desarrollan como especie: la sociedad
del género humano”.7 Ahora bien hasta la configuración del denominado
ius communicationis se precisaba de una reflexión previa y paralela sobre
el dominium.
Las Bulas de Donación de Alejandro VI de 1493, en un primer
momento parecían dejar claro que, en base a la “plenitud del poder” papal,
concedían a los Reyes Católicos soberanía sobre todas aquellas tierras que
se descubriesen en el Atlántico que no se hubiesen previamente ocupado
por otro príncipe cristiano. Sin embargo, esa autoridad temporal papal
sobre cristianos y paganos por la que se concedía tal soberanía empezó
a ser discutida dadas las implicaciones políticas que podían darse en
ámbitos de política interior. Si se discutía el fundamento de tal poder papal
también se removía la base de la soberanía concedida, reduciéndose, en
todo caso, a la corona de Castilla su actuación al deber de evangelizar
pero sin que ello les permitiese establecer asentamientos en las Antillas y
tampoco apropiarse de las tierras y pobladores nativos.8
Como señala Anthony Pagden, las conclusiones de la junta de
abogados civiles, teólogos y canonistas convocada por el rey Fernando
en 1504, sostenían que era conforme a la ley humana y divina el que los
españoles se quedaran con los indios, pero chocaban con el sermón del
dominico Antonio de Montesinos del domingo antes de Navidad de 1511
denunciado la cruel y horrible esclavitud a la que los colonos españoles
habían reducido a las poblaciones nativas, poniendo no solo en cuestión la
conducta de aquellos sino, de manera implícita, los derechos de la corona

6. Ibid., 100-101.
7. Ibid., 101.
8. Anthony Pagden, “‘Las bases ideológicas de la disputa sobre el dominium y los derechos
naturales de los indios americanos”’, en Revista Internacional de Pensamiento Político,
I Época, Vol.1, (2006): 15.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1291

en América y especialmente, lo que en términos de jurisprudencia tomista,


se denominaba dominium.9
La corona pretendía un pronunciamiento nítido, no tanto sobre si
podía gobernar a los indios, algo no cuestionado por nadie, sino si “podía
legítimamente beneficiarse de los frutos de su trabajo y de las ganancias
que sacaban de la tierra, y aún más importante, de lo que se encontraba
debajo de ella”, cuestión que resolvió la junta celebrada en Burgos en 1511
y cuyas conclusiones fueron que la corona poseía los derechos de sobe-
ranía y de dominium en las nuevas tierras.10
Los argumentos que se utilizaron fueron que los pueblos conquis-
tados por los españoles no constituían sociedades civiles legítimas y que,
por tanto, no se podía afirmar que sus tierras fuesen realmente suyas, sino
espacios abiertos, sobre los que se podía aplicar la doctrina del derecho
romano de res nullius. Este argumento podía tener aceptación mientras
se tuviese en la mente a las comunidades de las Antillas menos desarro-
lladas, pero perdía fuerza cuando se contemplaban los imperios azteca o
inca, que si estaban en disposición de dotarse de recursos a partir de la
explotación y el control de las tierras en las que estaban. Ya no se podía,
en consecuencia, afirmar que dada su situación de estado de naturaleza se
les podía privar de la tierra.
En este estado de cosas Vitoria surge para aportar luz en este debate.
La primera y gran aportación de Vitoria es poner de relieve la necesidad
de dejarse interrogar por la realidad circundante:

Toda esta exposición y relección ha sido suscitada a causa de estos


bárbaros del nuevo orbe, llamados indios por el vulgo, que, desconocidos
antes por nuestro mundo, hace cuarenta años han venido en poder de los
españoles.11

Los indios son una realidad nueva que conlleva un desafío doctrinal
en todos los órdenes y al que Vitoria pretende dar respuesta estableciendo
tres preguntas que representan tres hipótesis de trabajo con las cuales
estructura su disertación: “(…) con qué derecho han venido estos bárbaros
al dominio de los españoles; (…) qué autoridad tienen los príncipes de

9. Pagden, “Las bases ideológicas de la disputa sobre el dominium y los derechos


naturales de los indios americanos”, 16.
10. Ibid., 16.
11. De Indis, Relecciones Jurídicas y Teológicas, Tomo II, 511. V. Ramón Hernández Martín.
Francisco de Vitoria. Doctrina sobre los Indios (edición facsimilar, transcripción y
traducción del ms. de Palencia), (Salamanca: San Esteban, 1992).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1292 Javier García Medina

los españoles sobre ellos en las cosas temporales y civiles; (…) qué poder
tienen estos mismos príncipes o la Iglesia sobre ellos en las cosas espiri-
tuales y en las que se relacionan con la religión”.12
Se adentra en la primera de las cuestiones de forma prudente y en
principio considera que quizás es una cuestión ya debatida y resuelta y en
la que él ni muchos otros tienen nada que decir dado que los príncipes de
España ni los consejos deben revisar los títulos. Es una cuestión extrema-
damente delicada, en atención a los argumentos que se habían manejado
y que tranquilizaban a la corona, pero al mismo tiempo transcendental
para fundamentar los posibles derechos sobre los indios.13
Corresponde, pues, a Vitoria buscar argumentos para, sin poner en
duda los títulos de los príncipes de España, si reforzarlos, eliminando toda
posible duda y que en caso de haberla, determinar a quién le corresponde
resolver dado que en este tema se superan los ámbitos de las comunica-
ciones, contratos y negocios y se entra en el de la salvación.14
Vitoria quiere introducir una salvaguarda y garantía mucho más
fuerte cuando se puedan generar dudas en la conciencia, que debe estar
tranquila “hasta que de nuevo sea advertido por una autoridad similar o
por diversas razones humanas, que le mueven seriamente a la duda o a

12. Ibid., 511.


13. Ibid., 511 y 513: “(…) debemos decir que parece que toda esta disputa es inútil y ociosa
primeramente para nosotros, a quienes no pertenece disputar ni dudar sobre este
asunto: si todas las cosas se llevan bien en el gobierno de aquellos hombres, o si tal
vez se falla en algo, para procurar encomendarlo. Pero también parece inútil entre
aquellos a los que corresponde considerar, enmendar y decidir.
Primero porque ni los príncipes de España ni los que presiden sus consejos están
obligados a examinar y tratar de nuevo los derechos y los títulos sobre los que ya han
deliberado y decidido, máximamente en aquellas cosas que los príncipes ocupan de
buena fe y las mantienen en su pacífica posesión.
(…) De igual modo, como nuestros reyes, a saber Fernando e Isabel, que fueron los
primeros en ocupar aquellas regiones, eran cristianísimos, y el emperador Carlos
V es un príncipe justísimo y religiosísimo, no es de creer que no tengan muy bien
exploradas e investigadas todas las cosas que pueden afectar a la seguridad de su
estado y de su conciencia, máximamente en una cuestión de tanta importancia. Por
lo tanto no solo puede parecer inútil, sino temerario disputar sobre estas cuestiones.
Sería como buscar un nudo en el junco o una iniquidad en la casa del justo”.
14. Ibid., 517: “En efecto, en las cosas que se refieren a la salvación es necesario creer en
aquellos que la Iglesia ha puesto para la salvación y para la enseñanza. Y en las cosas
dudosas el juicio de ellos es ley. Pero como en el foro contencioso el juez está obligado
a juzgar según las cosas alegadas y probadas, así en el foro de la conciencia cada
uno tiene que obrar, no según su propia conveniencia, sino según la razón probable,
o según la autoridad de los entendidos. De otra manera sería un juicio temerario y
ponerse en peligro de equivocarse, y ya por esto mismo yerra”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1293

creer en lo contrario”.15 Por tanto, Vitoria marca una línea de actuación en


cuestiones que pueden suscitar duda y que sintetiza en tres proposiciones:

1. Primera proposición: En las cosas dudosas uno tiene que consultar a


aquellos a los que corresponde enseñar en esa materia; de otra manera
no está cierto en su conciencia, sean lícitas o no esas dudas.

2. Segunda proposición: Si después de la consulta de la duda, fue deter-


minado por los entendidos en esa materia que lo por él propuesto es
ilícito, debe seguir el parecer de esos sabios, y hacer lo contrario no le
excusa, aunque por otra parte aquello sea lícito.

3. Tercera proposición: Al contrario; si después de consultada la cuestión


dudosa, es determinado por los sabios que eso es lícito, el que sigue la
decisión de ellos está seguro, aunque en realidad eso fuese ilícito.16

Vitoria avanza en su disertación en relación a los indios señalando


que no es una cuestión ya cerrada desde un análisis de justicia o injusticia
y que además se han producido hechos nuevos que exigen hacer uso de
las proposiciones mencionadas.17 La muerte, el expolio y la desposesión se
presentan por Vitoria como los elementos que hacen levantar dudas más
que razonables sobre las actuaciones que allí se llevan a cabo. Pero es que
aunque no hubiese duda sobre los hechos si debe darse una reflexión al
modo de la teológica, la cual es decisiva para evitar nuevos exámenes en
el futuro, con el fin no de hacer nuevas demostraciones o plantear nuevos
cuestionamientos, sino puramente enseñar.18

15. Ibid., 521.


16. Ibid., 521.
17. Ibid., 523: “En efecto primeramente, cuando vemos que todo aquel negocio es
administrado por varones prudentes y buenos, parece creíble que todas las cosas son
tratadas con rectitud y justicia. Después, como oímos hablar de tantas muertes y de
tantos expolios de hombres, incluso de hombres inocentes, tantos señores desposeídos
de sus bienes y tierras, se puede dudar con razón si se han cometido estas injurias.
Por consiguiente esta controversia no es superflua. Y con esto aparece manifiesta la
respuesta a la objeción”.
18. Ibid., 523: “Y en primer lugar, supongamos que no hubiera duda alguna en toda esta
cuestión; no es una cosa nueva instituir disputas teológicas incluso sobre cosas ciertas.
Así disputamos sobre la Encarnación del Señor y sobre los artículos de la fe. Pues
no siempre las disputaciones teológicas son del género demostrativo, es decir, no se
suscitan para consultar sino para enseñar.
Y, si alguno nos saliera al paso, diciendo que, si alguna vez hubo dudas sobre este
negocio, ya han sido tratadas y resueltas por los sabios, y así según el consejo de éstos
son administradas todas las cosas, y no es necesario ningún nuevo examen.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1294 Javier García Medina

En definitiva, Vitoria termina esta introducción con una pregunta


retórica con la que justifica su reflexión: “¿no es posible que en un asunto
de tanta transcendencia se den algunas dudas muy particulares, que
puedan todavía disputarse? Por lo tanto no solo no es algo ocioso e inútil,
sino que pienso que haría yo un trabajo de gran valor, si pudiese tratar este
asunto como su dignidad se merece”.19
Uno de esos interrogantes tiene que ver con la Capacidad de dominio
de los indios privada y públicamente, esto es, “si los indios antes de la
llegada de los españoles […] eran verdaderamente dueños de sus cosas
privadas y de sus haciendas, y si había entre ellos verdaderos príncipes y
señores de otros indios”.20
El concepto de dominium es complejo y varió especialmente desde la
mitad del siglo XVI a finales del XVII. La primera escolástica sostuvo que
el dominium era un derecho inalienable que se mantenía incluso cuando
los sujetos transitaban desde la libertad natural a una sociedad civil que
les daba seguridad y avance moral. Se configuraba como un ius que se
ejercía sobre aquello que podía pertenecer a un individuo. Idea que se
transformó más adelante, en el XVII, en el concepto de propiedad privada.
Pero para la escolástica española, el dominium iba más allá de la estricta
propiedad privada y se extendía a las acciones, la libertad e, incluso, al
propio cuerpo. Por tanto, y esto es lo relevante, quienes están situados
en el estado de naturaleza poseen similares derechos a quienes habitan
las comunidades civiles. Si esto es así habrá que determinar, para que
la conquista sea legítima, que los pobladores del nuevo mundo habían
perdido sus derechos por causa de sus propias acciones.21
Era evidente, por consecuencia, que los indios gozaron de una
posesión pública, privada y pacífica de sus cosas. Vitoria va a discutir
cada uno de los argumentos que se venían usando para negar a los indios
el dominio de las cosas, entre ellos el fundamentado en la Política de
Aristóteles:

Respondemos primero que, si así es, bendito sea Dios. Y nuestra discusión nada obsta
ni yo quiero mover nuevas querellas”.
19. Ibid., 525.
20. Ibid., 525.
21. Pagden, “‘Las bases ideológicas de la disputa sobre el dominium y los derechos
naturales de los indios americanos’, 17-18. V. Domingo Ramos Lisson, “El respeto a la
libertad personal de los Indios en los iniciadores de la Escuela de Salamanca, Vitoria
y Soto”, en José Luis Illanes Maestre / Pio Gonçalo Alves de Sousa / Teodoro López
Rodríguez / Augusto Sarmiento (eds.), Ética y teología ante la crisis contemporánea: I
Simposio Internacional de Teología, (Pamplona: Eunsa, 1980), 215-222.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1295

[…] algunos son siervos por naturaleza, para los que, a saber, es mejor
servir que mandar. Estos son aquellos a quienes su razón no les alcanza
ni para regirse a sí mismos, sino solo para aceptar lo que se les manda, y
cuya fuerza está más bien en el cuerpo que en el alma.
Pero en verdad, si hay algunos así, ésos en máximo grado son los indios,
que realmente poco parecen distar de los animales brutos y son por
completo inhábiles para gobernar, y sin duda para ellos es mejor que
sean regidos por otros que regirse a sí mismos. Aristóteles dice que es
justo y natural que esos hombres sirvan. Luego éstos no pueden ser
dueños o señores de otros.
No obsta que antes de la llegada de los cristianos no tuvieran otros
señores, pues no es contraindicado que haya siervos sin dueño.22.

Vitoria por el contrario considera que “los indios estaban en pacífica


posesión de sus cosas pública y privadamente; luego, si no se demuestra
lo contrario, han de ser considerados como totalmente dueños y seño-
res”.23 Sostener lo contrario obliga a pensar en cuáles son las razones de
tal carencia:

[…] se debe notar que, si los bárbaros no tuvieran dominio, no parece


que pudiera pretenderse otra causa, si no es la de ser pecadores o la de
ser infieles, o ser dementes o insensatos.24

El argumento del pecado y más del pecado mortal (supuesto caniba-


lismo o sacrificios humanos) como fundamento para privar del dominio
a los indios se basaba en la idea según la cual “el título del dominio es
la gracia, y por consiguiente que los pecadores, al menos los que están
en pecado mortal, no tienen dominio sobre ninguna cosa”.25 Vitoria, sin
embargo, considera que “el pecado mortal no impide el dominio civil y el
verdadero dominio”.26

22. De Indis, Relecciones Jurídicas y Teológicas, Tomo II, 527.


23. Ibid., 529.
24. Ibid., 529.
25. Ibid., 531.
26. Ibid., 535: “La Sagrada Escritura llama muchas veces reyes a los que eran malos y
pecadores, como a Salomón (1 Re 11,1-13), a Acab ( I Re 16, 29-33), etc. Ahora bien no
es rey, si no es señor, o si no tiene dominio. Luego,
(…) El dominio se funda en la imagen de Dios. Pero el hombre es imagen de Dios por
naturaleza, es decir, por sus potencias racionales. Luego no se pierde esa imagen por
el pecado mortal.
La potestad espiritual no se pierde por el pecado mortal; luego tampoco la civil. En
efecto la civil parece fundarse menos en la gracia que la espiritual”.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1296 Javier García Medina

Y como Dios hace salir su sol sobre los buenos y los malos, y llueve sobre
los justos y los injustos, según Mt 5,45, así da los bienes temporales a los
buenos y a los malos.27

Un segundo argumento contra la capacidad de dominio de los indios


es la infidelidad, porque si los herejes carecían de dominio tampoco los
“otros infieles” parecen tener la mejor condición para ello.28 Vitoria no
comparte este posicionamiento y lo explica a través de un pasaje en el que
“Tobías manda devolver un cordero a los gentiles como robado (Tob 2,12-
13), y esto no sería robo, si los gentiles no tuvieran dominio” […] Luego
los dominios no desaparecen por la falta de fe”.29 y termina su argumen-
tario diciendo:

De todo esto queda claro que no es lícito despojar de sus bienes ni a los
sarracenos, ni a los judíos ni a los demás infieles, hablando en general,
por el solo hecho de ser infieles. Sería un robo o rapiña no menor que si
se hace a los cristianos.30

Vitoria concluye:

Los indios ni por el pecado de infidelidad ni por los otros pecados


mortales son impedidos de ser verdaderos dueños tanto pública como
privadamente. Y por este título los cristianos no pueden ocupar sus
bienes ni sus tierras, como amplia y elegantemente enseña Cayetano en
la Secunda Secundae, cuest.66, art.8.31

Falta por determinar si la ausencia del uso de razón (amentes) obsta-


culiza la capacidad de dominio. Vitoria, al respecto, plantea que “las cria-
turas irracionales no pueden tener dominio”, aludiendo esencialmente a
los animales, los cuales al no ser dueños de sus actos, tampoco lo son de
las demás cosas”.32 Se traslada posteriormente este cuestionamiento a los

27. Ibid., 539.


28. Ibid., 539.
29. Ibid., 541.
30. Ibid., 543.
31. Ibid., 553. Las minorías indígenas siguen viendo peligrar sus tierras bajo formas
diversas de explotación. V. Marco Aparicio Wilhelmi (ed.). Los derechos de los pueblos
indígenas a los recursos naturales y al territorio : conflictos y desafíos en América Latina.
(Barcelona: Icaria, 2011).
32. Ibid., 559: “Y, aunque la disputa parezca de solo el nombre, ciertamente es muy
impropio y fuera del modo común de hablar, atribuir dominio a los animales, pues no
decimos que uno es dueño, sino de aquello que está en su poder. Así decimos que eso

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1297

niños al preguntarse si estos “antes del uso de la razón, pueden ser dueño”,
en su respuesta no hay duda para afirmar que “los niños antes del uso de
la razón pueden ser dueños” atendiendo a que:

[…] pueden padecer injuria: luego tiene derecho sobre las cosas; luego
tienen dominio, que no parece ser otra cosa que derecho.
Además los bienes de los niños no figuran entre los bienes del tutor, sino
que tienen sus dueños, que no son otros que esos pupilos. Luego éstos
son dueños.
[…] También decimos que el fundamento del dominio es la imagen de
Dios, que se da incluso en los niños. […] Y no es lo mismo que la criatura
irracional, porque el niño no existe por el bien del otro, como son los
animales, sino por razón de sí mismo.33

La preocupación se centra, por tanto, en los denominados “amentes”


perpetuos, entendidos como aquellos “que ni tienen uso de razón ni lo
pueden tener”. Vitoria desde el inicio de su proposición afirma que los
indios sí pueden tener dominio, y además añade que los indios no son
“amentes en el sentido que se ha indicado, ya que poseen juicio como
se manifiesta en el hecho de que “guardan un orden en sus cosas, tienen
ciudades, llevan vida matrimonial, tienen magistrados, señores, leyes, arte-
sanos, comunicaciones, y todas estas cosas requieren el uso de la razón.
La aparente falta de razón y su torpeza se debe a una “mala y bárbara
educación”.
En conclusión Vitoria sostiene que “los indios, sin la menor duda,
son verdaderos dueños pública y privadamente, como los cristianos”.34 Y
finaliza este apartado recuperando a Aristóteles y matizando algunas de

no está en mi facultad, o no está en mi poder, cuando no soy dueño. Los animales en


cambio, como no se gobiernan a sí mismos, sino que son gobernados por otro, según
Santo Tomás en la Prima Secundae, en el lugar citado antes, por esta misma razón no
tienen dominio”.
33. Ibid., 561.
34. Ibid., 563 y 565: “Además tienen una especie de religión, etc. No yerran en las cosas
que para otros son evidentes, y eso es un indicio de tener uso de razón”.
Asimismo habrían estado sin culpa suya durante muchos miles de años fuera del estado
de salvación, pues habrían nacido en pecado, y no tendrían uso de razón para buscar el
bautismo y las cosas necesarias para la salvación. (…) Y sería grave negar aquellos, que
nunca nos hicieron ninguna injuria, lo que concedemos a los sarracenos, perpetuos
enemigos de la religión cristiana, a los cuales no negamos que tengan dominio de sus
bienes, si no es la ocupación de tierras cristianas”. V. Víctor Zorrilla.“Los instrumentos
argumentativos de la defensa lascasiana de la plena racionalidad de los indios”,
Tópicos, 2008 (34): 223-231.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1298 Javier García Medina

sus afirmaciones con el objetivo de dejar definitivamente claro que los


indios no son por naturaleza siervos, que su posible falta de ingenio no
fundamenta apoderarse de ellos y/o de sus bienes”.35
En definitiva, los argumentos que se habían dado para legitimar la
conquista, y que Vitoria rebate, no servían para respaldar el dominium
que sobre América quería desplegar la corona castellana.36

2.1. Sobre los títulos ilegítimos

Dadas estas consideraciones y conclusiones iniciales para Vitoria


se mantiene con mayor justificación la pregunta acerca de en base a qué
títulos los bárbaros del nuevo orbe pudieron venir en poder de los españoles.
En este punto se refiere a los títulos que se podrían pensar como legí-
timos pero que en realidad no lo son: que el serenísimo emperador es el
señor del mundo o que el sumo pontífice es el monarca de todo el orbe.
Posteriormente presentará aquellos títulos por los que los indios pudieron
pasar legítimamente a la jurisdicción de los cristianos.
Vitoria parte de la proposición según la cual “el emperador no es el
señor de todo el orbe”, condición que “se prueba porque el dominio no
puede provenir más que del derecho natural, o del divino, o del humano.

35. Ibid., 565-567: “(…) ciertamente Aristóteles no enseña que los que tienen poco ingenio
sean por naturaleza siervos, y no tengan dominio ni de sí ni de sus cosas. Esta sería la
esclavitud civil o legal, pues nadie es siervo por naturaleza.
Tampoco quiere decir el Filósofo que, si hay algunos que por naturaleza tienen poco
ingenio, sea lícito apoderarse de sus bienes, reducirlos a la esclavitud y poderlos vender.
Quiere decir solamente que por naturaleza, hay en ellos una necesidad o carencia, que
los hace aptos para ser regidos y gobernados por otros, y que es un bien para ellos estar
sometidos a otras personas, como los hijos antes de la edad adulta estar sometidos a
los padres, y a la mujer al marido.
Que sea ésta la mente del Filósofo es claro, porque dice también que hay algunos que
son por naturaleza señores, porque sobresalen en entendimiento. Mas es cierto que no
quiere decir que estas personas puedan tomar para sí el gobierno sobre los otros por
ese título de ser sabios, sino que por naturaleza tienen capacidad para regir y un don
especial para ello.
Por consiguiente estos indios, aunque sean tan ineptos y rudos para poder gobernar, no
por eso se les debe negar un verdadero dominio y no deben ser tenidos como esclavos.
Es verdad que por esta razón y título podría haber algún derecho para someterlos,
como diremos.
Queda por lo tanto como cierta esta conclusión: Antes de la llegada de los españoles a
aquellas tierras, los indios eran verdaderos dueños tanto pública como privadamente.
36. Pagden, “Las bases ideológicas de la disputa sobre el dominium y los derechos
naturales de los indios americanos”, 22.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1299

Ahora bien por ninguno de éstos derechos existe un dueño de todo el


orbe”.37
El segundo de los títulos que Vitoria niega como legítimo es la auto-
ridad del Papa, el cual siendo el “monarca de todo el orbe, incluso en el
orden temporal, y por lo tanto que pudo constituir a los reyes de España
como reyes y dueños de aquellas regiones y que así se hizo”.38 Quienes
defienden este argumento sostienen:

Primero. El Papa, como señor temporal supremo puede libremente cons-


tituir a los reyes de España como príncipes de los indios.
En segundo lugar dicen que, suponiendo que esto no pueda ser, si los
indios no quisieran reconocer el dominio temporal del Papa sobre ellos,
por esta razón se les puede hacer la guerra e imponerles otros príncipes.39

37. De Indis, Relecciones Jurídicas y Teológicas, Tomo II, 575: “(…) Por derecho natural los
hombres son libres, excepto en el dominio paterno y marital. (…) La otra es la potestad
civil, que, por tener su origen en la naturaleza, puede decirse de derecho natural (…);
pero esta potestad no viene establecida por la naturaleza sino por la ley. Tampoco
leemos que, antes de la venida de Cristo, por derecho divino haya habido emperadores
o señores del mundo”. Ibid., 579: (…) y que por ese título el emperador no puede
hoy arrogarse el dominio del orbe, y por consiguiente el de los indios. Después de
la venida de Cristo podría alguno pretender que por concesión del Señor exista un
emperador en la tierra. Ibid., 581-583: Pero tampoco esto puede sostenerse de ningún
modo. En primer lugar porque es dudoso que Cristo, según su humanidad, haya sido
señor temporal del mundo, y es probable que no lo fue. (…) Además, dado que Cristo
hubiera sido señor temporal, es de adivinos decir que dejó esa potestad al emperador,
siendo así que en toda la Escritura no se hace ninguna mención de esto”. Ibid., 587:
“Así queda claro que es pura imaginación defender que por concesión de Cristo hay
un solo emperador y señor del mundo. No dudo que se trata de pura fantasía. “Por el
derecho humano consta que el emperador no es señor del orbe, porque esto podría
serlo por la sola autoridad de la ley, y esta ley no existe; y, si existiese, no tendría
efecto, porque la ley presupone jurisdicción. Ahora bien, si el emperador antes de
la ley no tenía jurisdicción sobre el orbe, la ley no pudo obligar a los que aún no
eran súbditos. Tampoco el emperador pudo tener el dominio del orbe por legítima
sucesión o por donación o por compra etc. o por cambio o por elección o por algún
otro título legítimo. Luego nunca el emperador fue señor de todo el orbe”. Pero Vitoria
además añade, Ibid., 587: “(…) Aún concediendo que el emperador fuese dueño de
todo el orbe, no por esto podría tomar las provincias de los indios y constituir nuevos
señores y deponer a los anteriores y cobrar tributos. Se prueba porque, incluso los
que atribuyen al emperador ese dominio sobre el orbe, no dicen que él sea señor
con dominio de propiedad, sino sólo de jurisdicción. Ahora bien, este derecho no se
extiende al extremo de poder convertir las provincias en su propio provecho y donar
pueblos y campos según sus intereses. Luego, como se desprende de lo dicho, por este
título los españoles no pudieron ocupar las provincias de los indios”.
38. Ibid., 589.
39. Ibid., 593.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1300 Javier García Medina

Ambas cosas, dice Vitoria, son las que se han venido realizando en
concreto, pero eso no le impide analizar el dominio temporal del Papa,
remitiendo a la relección De potestate ecclesiastica, y plantear las siguientes
proposiciones: en primer lugar, “el Papa no es señor temporal de todo el
orbe, hablando de dominio en sentido propio” y, al igual que lo dicho
sobre el emperador “no le puede convenir ese dominio ni por el derecho
natural ni por el derecho divino, ni por el derecho humano”,40 en segundo
lugar, aún en el supuesto de poseer aquella, no podría transferirla a los
príncipes, reyes o emperadores; en tercer lugar, “el Papa tiene potestad
temporal en orden a las cosas espirituales, esto es en cuanto necesario
para administrar las espirituales”, pero nada más.41
De lo expuesto se extrae la conclusión, referida de forma específica a
la potestad sobre los indios: “El Papa no tiene ninguna potestad temporal
sobre los indios, ni sobre los otros infieles”.42 Pero es que además Vitoria va
más allá y señala que “si los indios no quieren reconocer ningún dominio
del Papa, no por eso se les puede hacer la guerra ni ocupar sus bienes”.43

40. Ibid., 595-597: “Proposición primera: (…) Y si Cristo, el Señor, no tuvo dominio
temporal, según hemos expuesto antes como lo más probable y hemos probado como
sentencia de Santo Tomás, mucho menos lo tendrá el Papa, que es vicario de Cristo.
Es claro; ellos atribuyen al sumo pontífice lo que éste nunca reconoció. Es más; en
muchos lugares ha confesado lo contrario, como lo hemos mostrado en la mencionada
relección, y hemos probado suficientemente, como más arriba sobre el emperador, que
no le puede convenir ese dominio ni por el derecho natural ni por el derecho divino,
ni por el derecho humano. Por el derecho natural y humano es cierto que no. Por el
derecho divino nadie lo ha probado”.
41. Ibid., 601-603: ”Segunda proposición: Dado que el sumo pontífice tuviera aquella
potestad temporal en el orbe, no podría concederla a los príncipes seculares. La razón
es clara, porque estaría aneja al papado y no podría el Papa separarla del oficio de
sumo pontífice, ni podría privar a su sucesor de esa potestad, ya que no puede ser
un sumo pontífice menor que su predecesor”. (…) Tercera proposición: (…) Por eso
también, cuando discrepan los príncipes en torno al derecho sobre algún reino y hay
peligro de guerra, el Papa puede ejercer de juez, examinar el derecho de ambas partes
y decidir la sentencia; la cual están obligados a aceptar los príncipes, para que no
sobrevengan tantos males espirituales como habrían de suceder por una guerra entre
príncipes cristianos.
Si el Papa no hace esto o no lo hace de ordinario, no es porque no pueda hacerlo,
como dice Durando, sino porque teme el escándalo; para que no piensen los príncipes
que lo hace por ambición, o por temor de que se rebelen los príncipes contra la sede
apostólica. Por dicha razón puede el Papa en algunas circunstancias deponer a los
reyes e instituir otros nuevos, como lo ha hecho algunas veces. Y ciertamente ninguno
legítimamente cristiano debería negar esta potestad al Papa”.
42. Ibid., 607.
43. Ibid., 607: “Está claro, porque el Papa no tiene semejante dominio. Se confirma esto
con toda evidencia. Porque, como se dirá y lo confiesan los adversarios, suponiendo

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1301

Vitoria termina esta argumentación mediante un razonamiento


respecto a un colectivo más próximo como son “los musulmanes que
habitan entre los cristianos, nunca fueron expoliados de sus bienes ni
molestados en modo alguno. Si este título fuese suficiente para hacerles
la guerra, esto sería lo mismo que decir que se les puede quitar los bienes
por causa de su infidelidad.44
Llama la atención la rotunda afirmación que emplea Vitoria al
terminar de analizar este argumento:

Por todo lo dicho queda claro que los españoles, cuando navegaron por
primera vez a la tierra de los indios, no llevaron consigo ningún título de
ocupación de aquellas provincias.45

A estos dos títulos Vitoria añade otros cinco títulos no legítimos,


siendo el tercero por tanto el que se refiere al derecho de descubrimiento,
basado en la idea de que “las cosas que están abandonadas son por derecho
de gentes y natural del que las ocupa”. Para Francisco de Vitoria este es un
argumento inadmisible porque ya se ha visto que “los indios eran verda-
deros dueños pública y privadamente”, en consecuencia “como aquellos
bienes no carecían de dueño, no pueden caer bajo este título”.46
El cuarto título no legítimo tiene que ver con el hecho de que los
indios no querrían recibir la fe de Cristo, “aunque se les haya propuesto

que los indios no quieran recibir a Cristo por señor, no se puede hacerles guerra ni
causarles ningún mal. Ahora bien, es absurdísimo lo que ellos dicen, a saber, que
pueden impunemente rechazar a Cristo, y sin embargo estén obligados a recibir a su
vicario, y de lo contario acometerlos con la guerra y expoliarlos.
Se confirma también porque según estos autores la causa de no poder obligar con
la fuerza, aunque los indios no quieran recibir a Cristo ni creer en Él, es que no se
les puede demostrar esa fe evidentemente por razones naturales. Ahora bien mucho
menos se les puede probar el dominio del Papa. Luego tampoco se les debe obligar por
la fuerza a reconocer ese dominio”.
44. Ibid., 609: “(…) Ahora bien, es cierto que ningún infiel reconoce ese dominio, y sin
embargo ningún doctor, ni entre los adversarios, admite que por el solo título de
infidelidad se pueda expoliar. Luego es completamente ficticio lo que estos dicen, a
saber, que, si no reconocen el imperio del romano pontífice, pueden ser expoliados. Y
ninguno reconoce esto; no lo dudo.
De todo ello se deduce que tampoco este título es idóneo contra los indios, sea porque
el Papa dio el dominio al emperador sobre aquellas provincias, sea porque los indios
no quieren reconocer el dominio del Papa”.
45. Ibid., 611.
46. Ibid., 613.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1302 Javier García Medina

y se les ha exhortado con demostraciones a recibirla”.47 Si “el Papa es


ministro de Cristo al menos en las cosas espirituales; luego parece que, al
menos por la autoridad del Papa, pueden ser obligados a recibir la fe de
Cristo, y, si requeridos sobre ello, no quieren aceptarla, por el derecho de
la guerra se puede ir contra ellos”.48
La pregunta es, por tanto, si los indios incurrían en infidelidad,49 a lo
que Vitoria responde que “los indios antes de haber oído algo de Cristo,
no pecaron con el pecado de infidelidad por el hecho de no creer en Él”.50
Refuerza su argumentación señalando que se requiere algo más que una
simple presentación o exposición de lo que es la religión cristiana, hay
que dar un motivo para creer.51 Por tanto se puede colegir como hace
Vitoria que “si la fe solo es propuesta de aquel modo a los indios, y éstos
no la quieren recibir, no por esta razón pueden los españoles declararles la
guerra”.52 Pero, “Si la fe de Cristo es propuesta a los indios de una manera
probable, es decir, con argumentos probables y razonables, con una vida
honesta y virtuosa según la ley natural, que constituye un gran argumento
para la confirmación de la verdad, y esto no una vez y superficialmente,
sino con diligencia y con esmero, los indios están obligados a recibir la fe
de Cristo bajo pena de pecado mortal”.53
La cuestión es, tal y como se plantea Vitoria, si esto efectivamente ha
sido así porque confiesa “No sé con suficiencia si la fe de Cristo ha sido
propuesta y anunciada hasta el presente a los indios de tal manera que
estén obligados a creer bajo un nuevo pecado”, sino que más bien no se ha

47. Ibid., 613.


48. Ibid., 613.
49. Ibid., 627: “Pues los indios, a los que no llegó el anuncio de la fe o de la religión
cristiana, se condenarán por sus pecados mortales o por su idolatría, pero no por el
pecado de infidelidad cristiana”.
50. Ibid., 617. V. “Parecer de Francisco de Vitoria sobre el bautismo de los indios”, 1540,
publicado en Corpus Hispanorum de Pace, (Madrid CSIC, V, 196) 157-164.
51. Ibid., 627-629: “Los indios no están obligados a creer en Cristo por el primer anuncio
del Evangelio, de manera que, si no creen, pequen mortalmente por el solo hecho
de que se les ha anunciado sumariamente, y propuesto que la religión cristiana es la
verdadera y que Cristo es el Salvador y Redentor del mundo, sin milagros o cualquier
otra prueba o demostración.
Esta conclusión se prueba con la primera. Pues, si antes de oír algo de esta religión
tenían excusa, tampoco pueden quedar obligados ahora por una admonición o simple
exposición, si semejante anuncio no lleva consigo una argumentación o motivo para
creer”.
52. Ibid., 631.
53. Ibid., 633.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1303

tenido manifestación de una vida religiosa valiosa.54 Al tiempo sale al paso


de otros argumentos sosteniendo que “creer es propio de la voluntad”, por
tanto “aunque la fe haya sido anunciada a los indios con demostraciones
probables y suficientes, si no quisieran recibirla, no por esta razón es lícito
perseguirlos con la guerra y despojarlos de sus bienes”.55
El quinto de los títulos que para Vitoria es ilegítimo pero que tenía
sus defensores es el que postula que cabe la guerra contra los indios
“por otros pecados mortales, que son muchos y gravísimos”, […] “como
alimentarse de carne humana, los concubinatos de diversas clases, con la
madre, con la hermana o con otros hombres, y por todos estos pecados
pueden ser castigados con la guerra y obligarlos que los abandonen”,56
entre otras cosas porque ni los príncipes cristianos ni la autoridad del
Papa tienen jurisdicción sobre ellos.57 Por otro lado, la ley natural no es
clara y evidente para todos, y menos para los indios. Y, además, muchos
cristianos incurren en esos mismos pecados.58

54. Ibid., 635: “Digo esto, porque, como consta claramente por la segunda proposición,
no están obligados a creer, si no se les propone la fe con una persuasión probable.
Ahora bien, milagros y signos no oigo que haya habido; ni ejemplos de vida altamente
religiosa; al contrario, muchos escándalos, crímenes crueles y muchas impiedades”.
Por lo tanto no parece que la religión cristiana les haya sido predicada con suficiente
amabilidad y piedad como para que ellos estén obligados a asentir. Es verdad que
muchos religiosos y otros varones eclesiásticos con su vida y ejemplos, y con su
diligente predicación hubieran manifestado un trabajo y una dedicación suficiente, si
otros, movidos por otros intereses, no lo hubieran impedido.
55. Ibid., 635-639: “Además la guerra no es ningún argumento en pro de la verdad de la fe
cristiana. Luego por la guerra no pueden los indios ser movidos a creer, sino a fingir
que creen y que reciben la fe cristiana, lo cual es un gran sacrilegio”.
“Está claro, pues, que tampoco este título es idóneo y legítimo para ocupar las
provincias de los indios”.
56. Ibid., 639-641.
57. Ibid., 643: “Pongo la conclusión: Los príncipes cristianos, incluso con la autoridad del
Papa, no pueden apartar por la fuerza a los indios de los pecados contra la naturaleza
ni castigarlos por causa de ellos.
Se prueba esta conclusión. Primeramente porque presuponen algo falso, a saber, que
el Papa tiene jurisdicción sobre ellos, lo cual ya hemos rechazado arriba.
En segundo lugar, porque esos pecados contra la naturaleza o los entienden de modo
general del robo, de la fornicación, del adulterio, o los entienden de modo particular de
los que trata Santo Tomás en la Secunda Secundae, cuest.154, art.11 y 12, donde enseña
que pecado contra la naturaleza se dice no sólo el que es contra la ley natural, sino
contra el orden natural, que son los que San Pablo en 2 Cor 12,21 llama inmundicias, y
la Glosa pone como ejemplos el concubinato con los niños, los pecados con las bestias,
o de mujer con mujer, de los que habla el mismo San Pablo en Rom 1,26-32”.
58. Ibid., 645-647: “Igualmente no todos los pecados contra la ley natural de la naturaleza
pueden mostrarse con evidencia, al menos para todos.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1304 Javier García Medina

El sexto título no legítimo al que alude Vitoria es al de la elección


voluntaria. Título contra el que señala que para que tal elección fuese
adecuada “deberían estar ausentes el miedo y la ignorancia. […] Los indios
ignoran lo que hacen; incluso no entienden lo que piden los españoles.
Además esto lo piden, rodeados de armas, a una turba pacífica e inti-
midada. Pero es que además “los indios […] tenían verdaderos señores, y
no puede un pueblo sin una causa razonable recibir nuevos señores, pues
eso iría en detrimento de los primeros”.59 Y si “no están obligados a creer
en la religión cristiana, ni en el dominio del Papa. Luego tampoco en el
dominio del emperador”.60
Para finalizar el catálogo de títulos no legítimos, Vitoria menciona
“una donación especial de Dios”, basada en que “Dios por su especial
determinación condenó a todos estos indios a la perdición a causa de
sus abominaciones, y los entregó a manos de los españoles”, señalando
que “Y dado que así fuera, que Dios hubiera determinado la perdición de
los indios, no se sigue que aquellos que los persiguieron estuvieran sin
culpa”.61
Vitoria concluye:

Por consiguiente, si no hubiesen otros títulos que éstos, mal se habría


contribuido a la salvación de los príncipes, o al menos de aquéllos a los
que pertenece dirigir esto. Los príncipes en efecto siguen el consejo de
otros, porque ellos por sí mismos no pueden examinar estos asuntos.62

Brevemente, esto sería lo mismo que decir que por la infidelidad es lícito declararles la
guerra, pues todos son idólatras.
Además, no es lícito al Papa hacer la guerra a los cristianos, porque éstos sean
fornicarios o adúlteros, o incluso porque sean sodomitas. Y por lo tanto tampoco
pueden arrebatarles sus tierras y darlas a otros príncipes. Pues de este modo, como en
todas las naciones hay muchos pecadores, podría cambiar los reinos a diario”.
Y se confirma, porque estos pecados son más graves en los cristianos, ya que éstos
saben que esas cosas son pecados, y los indios, en cambio lo ignoran.
Asimismo es admirable que el Papa no pueda dictar leyes a los infieles y pueda, sin
embargo, juzgarlos e imponerles penas. No encuentro la causa”. Ibid., 649: “(…) Por
otra parte ¿a qué llaman éstos profesar la ley natural? Si es conocerla, los indios no
la conocen toda. Si es querer observarla, ¡contra!, también quieren observar la ley de
Cristo. Pues si supieran que la ley cristiana es ley divina, la querrían observar. Luego
no profesan más ésta que aquélla”.
59. Ibid., 651.
60. Ibid., 651.
61. Ibid., 651-653.
62. Ibid., 655.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1305

2.2. Sobre los títulos legítimos

En este apartado se hará un repaso de los títulos que a juicio de


Vitoria podrían haber justificado que los indios pudieran venir en poder
de los españoles.

1.

El primero de tales títulos podría denominarse según Vitoria “de la


natural sociedad y comunicación entre los hombres”. Fundamentado en
que “los españoles tienen derecho de transitar por aquellas provincias y
de morar en ellas, no causando daño a los indios, y éstos no se lo pueden
impedir”. Derecho que “se prueba primero por el derecho de gentes, que o
bien es natural o se deriva del natural”, de tal modo que “Si la ley humana
prohibiera sin ninguna causa lo que es lícito por el derecho natural y el
divino, sería inhumana e irracional, y por consiguiente no tendría fuerza
de ley”.63
En una segunda proposición y con el fin de abundar en este título
Vitoria indica que “Es lícito a los españoles negociar con los indios, pero
sin causar daño a su patria. Pueden importarles productos de los que ellos
carecen, extrayendo a cambio oro, plata u otras cosas en las que los indios
abundan. Los príncipes de los indios no pueden impedir a sus súbditos que
practiquen el comercio con los españoles, ni, al contrario, los príncipes de
los españoles pueden impedirlo a los suyos”.64 En la tercera proposición
de este título Vitoria señala que “si hay algunas cosas entre los indios que
son comunes tanto a los ciudadanos como a los huéspedes, no les es lícito

63. Ibid., 659: “Todas las cosas que no están prohibidas son lícitas, si por otra parte no
redundan en daño y detrimento de los demás. Este tránsito de los españoles no está
prohIbido y no va en detrimento de los indios, como suponemos. Por consiguiente es
lícito”. Ibid., 659-663: (…) Hay cosas que son comunes de todos por derecho natural:
el agua corriente y el mar; también los ríos y los puertos; y todas las naves de donde
quiera que vinieren pueden atracar en ellos, por el derecho de gentes, según las
Institutiones, De rerum divisione. Y por la misma razón parecen públicas esas cosas.
Luego a nadie se le puede prohibir el uso de ellas. De todo esto se sigue que los indios
hicieron injuria a los españoles, si los rechazaron de sus territorios.
(…) Porque si a los españoles no les fuera lícito viajar hasta ellos, esto sería o por
derecho natural o por derecho divino o por derecho humano. Por el derecho natural y
divino ciertamente es lícito”.
64. Ibid., 663. V. Luciano Pereña Vicente. “Derechos y deberes entre indios y españoles.
Declaración de Francisco de Vitoria”, en S. Biolo (ed.), L’universalitá dei diritti umani e
il pensiero cristiano del ‘500. Contributi al XLVII Convegno del Centro di Studi Filosofici
di Gallarate (sett. 1992), (Turín: Rosemberg & Sellier, 1995), 51-66.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1306 Javier García Medina

prohibir a los españoles de su comunicación y participación”.65 La cuarta


de las proposiciones hace alusión a “si algún español engendra allí hijos
y éstos quisieran ser ciudadanos de aquel territorio, no parece que los
indios les puedan prohibir la permanencia en la ciudad o el disfrute de
los beneficios que corresponden a los ciudadanos; hablo de los padres que
tienen allí su domicilio”.66
A partir de este punto Vitoria se pregunta qué ocurre si los indios
tuvieran la pretensión de prohibirles algunas de las cosas que se acaban
de ver. En un primer momento se recomienda que “con razones y persua-
siones evitar el escándalo y mostrar con toda clase de pruebas que no han
venido para hacerles daño”:67

Pero, si expuestas las razones a los indios, no quieren recibirlos, sino


que recurren a la fuerza, los españoles podrían defenderse y tomar todas
las medidas convenientes para su seguridad; podrían incluso rechazar la
fuerza con la fuerza. Más todavía; si no pudieran estar seguros de otro
modo, pueden construir fortalezas y fortificaciones. Y, si reciben injuria,
podrían por la autoridad del rey castigarlos con la guerra y poner por
obra los otros derechos de la guerra”
Se prueba, porque el fin de la guerra justa es vengar la injuria. […] Ahora
bien los indios, impidiendo a los españoles el derecho de gentes, les hace
injuria. Luego éstos pueden vengar esa injuria.68

Vitoria termina su argumentación en torno a este primer título


legítimo señalando que su legitimidad procede de que “se haga sin engaño
ni fraude, y no busquen causas ficticias de guerra. Por consiguiente, si los
indios permiten a los españoles negociar pacíficamente con ellos, los cris-
tianos no pueden pretender ninguna justicia para ocupar sus bienes más
que los de otros cristianos. No hay duda”
Este primer título legítimo constituiría el denominado ius comunica-
tionis, en el que se muestra el iusnaturalismo racionalista de Vitoria pues
como se observa el Derecho positivo está subordinado, para ser válido, al
Derecho natural. Pero por otra parte, se afirma como un derecho humano
básico fuente del resto de “derechos y libertades tanto a nivel individual
como en el ámbito social e internacional”. Así la “libertad de comuni-
cación y comercio entre los hombres estaría amparada por el Derecho de

65. Ibid., 667.


66. Ibid., 669.
67. Ibid., 669.
68. Ibid., 669-671.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1307

gentes y por el mismo Derecho natural, por lo que debe ser ejercida sin
límites ni restricciones legales”.69
Un derecho que consistiría en poder viajar pacíficamente contando
con la hospitalidad y el auxilio de los demás seres humanos, cuyo origen
es antiguo, está vinculado a la más básica condición humana y en conse-
cuencia la ley humana no puede suprimirlo. Este derecho de comuni-
cación y sociabilidad es un derecho absoluto que no puede ser interferido
por ninguna sociedad humana.70
Se inaugura de esta manera la idea de “una sociedad humana
universal” que vaya más allá de la comunidad política internacional,
basada sobre intereses nacionales, y prevalezcan los seres humanos dando
un nuevo sentido al ius gentium, comprendido como Derecho común de
la humanidad y anclado en los lazos de fraternidad y solidaridad entre los
seres humanos, con el fin de preservar los bienes y valores fundamentales
de toda la humanidad”.71

2.

El segundo de los títulos legítimos tiene que ver con la propagación


de la religión cristiana, dado que “los cristianos tienen el derecho de
predicar y anunciar el Evangelio en las provincias de los indios”, unido
a que “de otra suerte los indios estarían fuera del estado de salvación,
si no se permitiera a los cristianos acercarse a ellos para anunciarles el
Evangelio”. Pero esta promoción del Evangelio se puede confiar a los
españoles y prohibir a los demás cristianos, debido a que “los príncipes
españoles con sus auspicios y su dinero hayan emprendido, los primeros
de todos, aquella navegación, y hayan encontrado tan felizmente el nuevo
orbe, es justo que esa navegación se les prohíba a los otros, y sean ellos
solos los que disfruten de las tierras encontradas”.72

69. Llano Alonso, ‘Humanismo renacentista, Razón Universal y Sociedad humana en el


pensamiento jurídico de Francisco de Vitoria’, 110. Antonio E. Pérez Luño, La polémica
sobre el Nuevo Mundo. Los clásicos españoles de la Filosofía del Derecho (Madrid Trotta,
2ª ed., 1995), 87.
70. Pagden, “Las bases ideológicas de la disputa sobre el dominium y los derechos
naturales de los indios americanos”, 23.
71. De Indis, Relecciones Jurídicas y Teológicas, Tomo II, 110-111; Luciano Pereña Vicente.
“El concepto del derecho de gentes en Francisco de Vitoria”, Revista Española de
Derecho Internacional, 1952 (5), 603-628.
72. Ibid., 679.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1308 Javier García Medina

Qué ocurriría si los indios obstaculizasen el anuncio del Evangelio,


para Vitoria “incluso, si fuere necesario para esto, les es lícito aceptar la
guerra o inferirla hasta que tengan la oportunidad de predicar libremente
el Evangelio de Cristo. Y lo mismo podemos decir, si, permitiendo la
predicación, impiden la conversión, o matando o atormentando o atemo-
rizando con amenazas a los conversos”.73
Sin embargo Vitoria es muy cauteloso en este punto y, si bien,
considera a este título legítimo no deja de subrayar que “se debe cuidar
y en gran manera que aquello que es lícito de suyo, no se convierta en
ilícito por las circunstancias, porque el bien tiene que ser bueno en todos
los aspectos, mientras que, para que el mal sea malo, basta un defecto”.74

3.

El tercero de los títulos parte de la premisa de que hubiese una


conversión de los indios “y sus príncipes por la violencia y el miedo
quieren llevarlos de nuevo a la idolatría y apartarlos de Cristo”, en tal
caso “los españoles pueden mover justísimamente la guerra y obligar a
los indios a que desistan de tal injuria”. Esta acción no estaría vinculada
a una cuestión estrictamente religiosa sino a la amistas y a la solidaridad
humana.75

4.

Con el fin de impedir la apostasía, si una buena parte de los indios


se hubiese convertido al cristianismo, “el Papa por una razonable causa,
pidiéndolo ellos o no pidiéndolo, pueden darles príncipes cristianos, y
deponer a los señores infieles”.76 Este sería el cuarto título legítimo.

5.

La tiranía de los señores de los indios o de sus leyes en injuria de


los inocentes se afirma por Vitoria como quinto título legítimo, “porque
sacrifican a hombres inocentes, o porque los matan para comerlos, etc.
Defiendo que, incluso sin la autoridad del Papa, pueden los españoles

73. Ibid., 681.


74. Ibid., 683.
75. Ibid., 685.
76. Ibid., 685.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1309

prohibir a los indios toda costumbre y ritos nefastos, porque pueden


defender a los inocentes de la muerte injusta”.77

6.

El sexto título alude a un sometimiento voluntario al rey de España


por parte de los señores y de sus gentes.78

7.

El séptimo título apela a la ayuda mutua entre socios y amigos de


tal modo que puesto que “los mismos indios recurren algunas veces a la
guerra entre ellos (…), la parte que sufrió la injuria tiene el derecho a
proclamar la guerra, puede llamar en su ayuda a los españoles, comuni-
cándoles parte de los frutos de la guerra”.79

8.

Vitoria procede con profundas dudas a ofrecer un octavo título


legítimo centrado en que:

Los indios, aunque no son completamente discapacitados, poco distan


de serlo; de manera que no son idóneos para constituir o administrar
una república legítima y ordenada, y dentro de unos términos humanos
y civiles.
Por consiguiente podría uno decir que, por el propio bien de ellos, los
príncipes cristianos podrían aceptar su administración e instituir por sus
ciudades prefectos y gobernantes y ofrecerles nuevos señores, <mientras
conste que esto les es conveniente>.
Ciertamente puede fundarse esto en el precepto de la caridad, pues los
indios son nuestros prójimos y tenemos la obligación de cuidar de sus
bienes. Pero esto, como dije, lo propongo sin darlo por seguro, e igual-
mente con la aclaración de que se haga todo por el bien de ellos y no sólo
por el provecho de los españoles.80

Termina Vitoria la relección y el conjunto de títulos legítimos haciendo


una consideración importante, pues si no se diesen las condiciones para

77. Ibid., 689.


78. Ibid., 691.
79. Ibid., 693.
80. Ibid., 697-699.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1310 Javier García Medina

aplicar estos títulos, “de forma que los indios no dieran ninguna causa
para una guerra justa, ni quisieran tener a los españoles como príncipes,
etc., cesaría toda expedición y el comercio con gran perjuicio para los
españoles, como también los príncipes recibirían un gran daño en sus
ingresos, todo lo cual sería intolerable”.
Vitoria entiende que el comercio no va a cesar porque los cambios
se van a mantener y recomienda a los reyes “imponer una contribución
sobre el oro y la plata”, […] “porque esa navegación fue descubierta por el
rey y por su autoridad los negociantes se sienten seguros”. Pero además y
dadas las conversiones ya existentes “no sería conveniente ni sería lícito
que el rey de España dejara por completo la administración de aquellas
provincias”.81

3. Pueblos indígenas y Pacto Global sobre derechos humanos y


empresas

El apartado anterior ha permitido ver con cierto detalle la reflexión


sobre un proceso de relación con una realidad diversa como eran los
indios por parte de uno de los pensadores que se considera iniciador del
Derecho internacional. Esta condición da pie a analizar cuáles son los
parámetros por los que se rige la actuación de Estados y sus empresas
en otros territorios que no son los propios y que impactan directamente
en la vida de muchos pueblos y minorías indígenas. Con la diferencia de
que existe en la actualidad un referente básico como es la Declaración
Universal de Derechos Humanos y todo el acervo normativo que se produjo
a continuación, dirigido precisamente a proteger a colectivos indígenas de
las consecuencias que los procesos de colonización y de descolonización
habían e iban produciendo, al tiempo que la globalización económica
les dejaba en condiciones de indefensión al verse desamparados por una
falta de protección legislativa, administrativa y judicial por parte de los
Estados. A pesar de todo el recorrido temporal se ha de hacer una reflexión
sobre los límites de actuación, cómo y de qué manera intervenir y bajo qué
“títulos”.
Es evidente que en un mundo globalizado el ius communicationis de
Vitoria adquiere un sentido más que justificado a la hora de fundamentar
las relaciones entre individuos y pueblos, pero este derecho que, si bien

81. Ibid., 701.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1311

se afirmaba como ilimitado legalmente, sin embargo tenía unos límites


que hay que resaltar por el valor que pueden tener en el contexto actual,
pues la legitimidad de tal derecho se asienta sobre la ausencia de engaño
y fraude y de falta de daño a la “patria” de los indios. A sensu contrario, si
no se dan esas condiciones puede afirmarse que se vulnera y no se cumple
con el ius communicationis.
El Informe del Grupo de Trabajo intergubernamental sobre las empresas
transnacionales y otras empresas con respecto a los derechos humanos82 de 2
de enero de 2019 nos da unas referencias poco favorables para los pueblos
indígenas. En el apartado B. Declaraciones generales ya se anticipa una
situación especialmente dramática: “el injusto desequilibrio de poder
entre las empresas y los titulares de derechos, el poder cada vez mayor que
tenían las empresas con respecto a los Estados, el alcance cada vez mayor
de los derechos que se concedían a las empresas en el escenario interna-
cional sin imponerles las obligaciones correspondientes y la falta de una
regulación efectiva en entornos de conflicto o posteriores a un conflicto”.
Situación que se materializa en abusos concretos, desplazamientos y
homicidios de pueblos indígenas.
Se alude a la importancia de una especial protección de los defensores
de derechos humanos83 y otros grupos vulnerables, con una “referencia
específica a los pueblos indígenas y a la importancia del consentimiento
libre, previo e informado”. No puede perderse de vista lo establecido en el
artículo 32.2. del Convenio Núm. 169 de la OIT sobre Pueblos Indígenas
y Tribales (Declaración de las Naciones Unidas sobre los Derechos de
los Pueblos Indígenas) según el cual “Los Estados celebrarán consultas
y cooperarán de buena fe con los pueblos indígenas interesados por
conducto de sus propias instituciones representativas a fin de obtener su
consentimiento libre e informado antes de aprobar cualquier proyecto
que afecte a sus tierras o territorios y otros recursos, particularmente en

82. A/HRC/40/48. Informe del Grupo de Trabajo intergubernamental de composición abierta


sobre las empresas transnacionales y otras empresas con respecto a los derechos humanos
sobre su cuarto período de sesiones de 2 de enero de 2019. https://undocs.org/es/A/
HRC/40/48 . V. Carlos R. Fernández Liesa, Eugenia López-Jacoiste Díaz (directores),
Empresas y derechos humanos. (Cizur Menor (Navarra) : Thomson Reuters-Aranzadi,
1ª ed., 2018).
83. Especial mención merece, entre otros muchos casos y a modo de ejemplo, el asesinato
de Berta Cáceres como consecuencia de su oposición a que una de las constructoras
hidroeléctricas más grandes del mundo se retirara del proyecto para construir la presa
Agua Zarca en el cauce del río Gualcarque, sagrado para los Lenca.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1312 Javier García Medina

relación con el desarrollo, la utilización o la explotación de recursos mine-


rales, hídricos o de otro tipo”.84
De especial interés en este sentido es el Informe de la Relatora Especial
sobre los derechos de los pueblos indígenas de 10 de agosto de 201885 en el
que se describe el impacto que muchos “megaproyectos” tiene sobre la
vida de las comunidades indígenas dentro del apartado Causas fundamen-
tales de las agresiones y la criminalización y factores que impulsan a estas:

1- La intensificación de la competencia por los recursos naturales prota-


gonizada por las empresas privadas, a veces con la complicidad del
Gobierno, ha dado lugar a que las comunidades indígenas que intentan
proteger sus tierras tradicionales pasen a ser los principales objetivos de
una persecución.86
2- Los casos de criminalización y violencia surgen, en la mayoría de los
casos, cuando los dirigentes indígenas y los miembros de sus comuni-
dades manifiestan su oposición a proyectos de gran envergadura87 en

84. A/HRC/39/17 https://undocs.org/es/A/HRC/39/17, parágrafo 36: “Esos proyectos


frecuentemente se ejecutan sin consultar con los pueblos indígenas interesados ni se
recaba su consentimiento libre, previo e informado. Las medidas que se adoptan para
consultar a los pueblos indígenas son a menudo inadecuadas desde la perspectiva
cultural, carecen de buena fe y obedecen principalmente al objetivo de que se refrenden
sin críticas proyectos ya elaborados, sin intención de permitir una revisión o una
participación verdaderas en su preparación y ejecución. Con demasiada frecuencia,
esas denominadas consultas han generado divisiones y menoscabado las instituciones
de adopción de decisiones de los pueblos indígenas”. En la sección VI. Panel: “La voz
de las víctimas”, “Varios participantes mencionaron casos de abusos relacionados con
empresas, especialmente con respecto a pueblos indígenas, en zonas afectadas por
conflictos o contra defensores de los derechos humanos”. V. Mikel Berraondo, (coord.).
Pueblos indígenas y derechos humanos. (Bilbao: Universidad de Deusto, 2006). V.
Amelia Alva Arévalo, El derecho a la consulta previa de los pueblos indígenas en Derecho
Internacional, (Bilbao: Universidad de Deusto, Instituto de Derechos Humanos, 2014).
85. A/HRC/39/17 https://undocs.org/es/A/HRC/39/17.
86. A/HRC/39/17, parágrafo 27. Parágrafo 32: “La relegación de los derechos de los
pueblos indígenas a la propiedad de las tierras tradicionales genera tensiones,
seguidas de violencia y criminalización, a medida que los pueblos indígenas pasan
a ser intrusos u ocupantes ilegales de sus propias tierras y se les imputan cargos
penales por “usurpación” u ocupación ilegal, al tiempo que pueden ser desalojados
por la fuerza y expulsados de las tierras de las que dependen su subsistencia, su
cohesión social y cultural y sus tradiciones espirituales. En el peor de los casos, el
aumento de la militarización, agravado por la marginación histórica, da lugar a que
las leyes nacionales de seguridad y la legislación contra el terrorismo se dirijan contra
los pueblos indígenas, convirtiéndolos, en ocasiones literalmente, en blancos para el
ejército y la policía (A/HRC/24/41/Add.3)”.
87. A/HRC/39/17, parágrafo 34: “La Relatora Especial está particularmente preocupada
por el rápido aumento de esos proyectos, por lo general financiados mediante acuerdos

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1313

relación con las industrias extractivas, la agroindustria, las infraestruc-


turas, las presas hidroeléctricas y la tala de árboles. En otros casos, los
modos de vida y de subsistencia de los pueblos indígenas son conside-
radas ilegales o incompatible con las políticas de conservación, lo que
da lugar a la prohibición de los medios de vida tradicionales y a la
detención, el encarcelamiento, el desalojo forzoso y las violaciones de
otros derechos humanos de los pueblos indígenas.88
3- Causa de la intensificación de las agresiones es la falta de respeto por los
derechos colectivos sobre la tierra de los pueblos indígenas y el hecho de
no ofrecer a las comunidades indígenas una tenencia segura de la tierra,
lo que a su vez redunda negativamente en su capacidad de defender
con eficacia sus tierras, sus territorios y sus recursos frente a los daños
causados por los proyectos en gran escala.89 Si bien algunos países han
aprobado leyes para proteger los derechos colectivos sobre la tierra de
los pueblos indígenas, siguen existiendo problemas para determinar
esos derechos en la práctica. Por lo general, la legislación relativa, por
ejemplo, a la silvicultura, la minería y el sector de la energía no se pone
en consonancia con los derechos de los pueblos indígenas sobre la tierra
y tales derechos se ven relegados en beneficio de los intereses comer-
ciales.90

de inversión internacionales y bilaterales, ya que los beneficios financieros recaen


principalmente en los inversores extranjeros, quienes tienen poco o ningún respeto por
los derechos de las comunidades indígenas locales y la protección del medio ambiente.
Con demasiada frecuencia, esos proyectos dan lugar a que los pueblos indígenas se
vean aún más marginados y atenazados por la pobreza a medida que se destruyen sus
recursos naturales. Además, la base jurídica de los proyectos financiados mediante
acuerdos de inversión generalmente tiene por objeto excluir las posibilidades de las
comunidades afectadas de obtener un resarcimiento y una reparación (A/70/301 y A/
HRC/33/42)”.
88. A/HRC/39/17, parágrafo 28. Véase también el Informe del Experto independiente sobre
la cuestión de las obligaciones de derechos humanos relacionadas con el disfrute de un
medio ambiente sin riesgos, limpio, saludable y sostenible, John H. Knox (A/HRC/25/53),
,parágrafo 76: “la realización de proyectos de extracción de recursos naturales y
otros proyectos de desarrollo en territorios indígenas o en proximidad de ellos se ha
convertido en una de las máximas preocupaciones de los pueblos indígenas de todo
el mundo y posiblemente también en la fuente más generalizada de retos al pleno
ejercicio de sus derechos” (A/HRC/18/35, párr. 57). Se indica en este mismo informe
que las principales amenazas para el disfrute de un medio ambiente sano son: el
cambio climático, la desertificación y algunas actividades mineras.
https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G13/192/14/PDF/G1319214.
pdf?OpenElement.
89. A/HRC/39/17, parágrafo 30.
90. A/HRC/39/17, parágrafo 31.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1314 Javier García Medina

4- Se hace especialmente complicado pedir responsabilidades a las empresas


en el marco de la rendición de cuentas a la hora de hacer efectivo el prin-
cipio de diligencia debida en materia de derechos humanos.91

Toda esta situación se está produciendo cuando desde el año 2000 se


ha venido llamando a las empresas a ser agentes de protección y difusión
de los derechos humanos en el marco del denominado Global Compact
de Naciones Unidas.92 Tras numerosos desastres provocados por la acción
de las empresas multinacionales se abrió un programa específico en
Naciones Unidas con el fin de que aquéllas integrasen modos de conducta
que evitasen que sus actuaciones supusiesen un impacto irreparable en las
personas y en el medio ambiente.
La Declaración Universal de los Derechos Humanos reclama de todos,
la protección y el respeto a los derechos humanos, lo cual implica una
exigencia tanto a los Estados como a personas93 y entidades. Sin embargo,

91. A/HRC/39/17, parágrafo 35.


92. Principios del Pacto Global https://www.unglobalcompact.org/what-is-gc/mission/
principles En su discurso de 31 de enero de 1999 ante el Foro Económico Mundial,
Kofi Annan, Secretario General de las Naciones Unidas, propuso crear un Pacto
Mundial (Global Compact) sobre Responsabilidad social de las Empresas. En el
marco establecido por la resolución de Naciones Unidas A/54/2000 de 27 de marzo
de 2000, titulada Nosotros los pueblos: la función de las Naciones Unidas en el siglo
XXI, se anticipan los retos y el papel que se espera de las empresas, esencialmente no
abusar de reglamentaciones menos exigentes y de posiciones dominantes a la hora
de negociar. En esta misma, se señala que el Pacto Mundial ha de ser el marco de
colaboración entre las Naciones Unidas y el sector privado.
Anunciado por el Secretario General a principios de 1999, el Pacto Mundial es una
empresa conjunta de la Organización Internacional del Trabajo, el Programa de las
Naciones Unidas para el Medio Ambiente y la Oficina del Alto Comisionado para los
Derechos Humanos.
El Pacto tiene por objeto lograr la participación de las empresas en la tarea de promover
normas laborales equitativas, el respeto de los derechos humanos y la protección
del medio ambiente. Se pide a las empresas que traduzcan su adhesión a diversos
principios generales en estas tres esferas en prácticas concretas de gestión. El Pacto
Mundial se basa en la convicción de que la incorporación de los valores universales
en la urdimbre de los mercados mundiales y las prácticas empresariales contribuirá
al logro de amplios objetivos sociales y garantizará la apertura de los mercados.” Por
otro lado la resolución A/RES/55/215, de 21 de diciembre del 2000, denominada Hacia
formas mundiales de colaboración, invita especialmente al sector privado a sumarse en
la consecución de los objetivos de Naciones Unidas. V. tb. Carmen Márquez Carrasco e
Inmaculada Vivas Tesón (coordinadoras). La implementación de los principios rectores
de las Naciones Unidas sobre empresas y derechos humanos por la Unión Europea y sus
estados miembros. (Cizur Menor : Aranzadi, 2017).
93. Recordar simplemente la doctrina Drittwirkung sobre la eficacia horizontal de los
derechos humanos.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1315

no ha sido hasta finales del XX cuando las empresas se han sentido concer-
nidas por su posible aportación a la realización de los derechos humanos.
Hasta ese momento les bastaba con alcanzar sus beneficios y cumplir con
las exigencias que cada marco legal en los diferentes ámbitos y niveles
establecía. El discurso de derechos en el marco de la responsabilidad
social de las empresas (RSE)94 era completamente ajeno.
El cambio de planteamiento procede de la comprensión por parte
de las empresas que para la justicia de su propia sociedad y para el bene-
ficio de sus inversores han de asumir una responsabilidad en sus actua-
ciones en otros países más allá del cumplimiento de mínimos locales que
pueden provocar una evaluación inadecuada y conformista de prácticas
que pueden ser consideradas irresponsables, cuando menos, y que impac-
tarían de modo especial en la rentabilidad y viabilidad futuras.
La visión a corto plazo de beneficios empieza a ser insuficiente para
un contexto que sin limitar la eficiencia y competitividad empresarial,
posibilite evaluar el impacto de la actividad económica mediante indica-
dores eficaces para una situación de deterioro del medio ambiente y de un
entorno social en crisis, en el que las posibilidades de explotación laboral
se incrementan. Se trata de dar un paso adelante más de compromiso
ya que se pasaría de una situación de compromiso voluntario en estas
cuestiones a la búsqueda de regulaciones que limiten y permitan valorar
y evaluar las actuaciones de las empresas. La toma de decisiones en
inversión ha de contar con criterios no estrictamente financieros, en el
que los índices ambientales, sociales y de gobierno corporativo95 cada vez
cobran más importancia.
Avanzar en un marco regulativo no solo de ámbito nacional sino inter-
nacional, generando la posibilidad de vincular a empresas privadas parece
un escenario posible.96 Los pasos adelante que se han dado desde la puesta

94. Se emplea el término Responsabilidad Social Empresarial, con preferencia al de


Responsabilidad Social Corporativa, al entender que éste último queda englobado en
el primero al abarcar empresas de mediano y pequeño tamaño (siempre superior a 10
trabajadores). Además el Pacto Mundial de Naciones Unidas alude de forma reiterada
a las empresas. V.tb. Juan Víctor Meseguer Sánchez y Manuela Avilés Hernández
(directores) Juan José Nicolás Guardiol y César Augusto Giner Alegría (coordinadores)
Empresas, derechos humanos y RSC, (Cizur Menor (Navarra): Thomson Reuters-
Aranzadi, 2016).
95. Se alude a lo que se denomina Environmental, Social & Governance (ESG).
96. El 2 de abril de 2013 la Asamblea General de Naciones Unidas aprueba el primer Tratado
sobre Comercio de Armas, con 154 votos a favor, 3 en contra y 23 abstenciones. “Guía
Principios rectores sobre las empresas y los derechos humanos. Puesta en práctica del
marco de las Naciones Unidas para “proteger, respetar y remediar”. A/HRC/FBHR/2012/4

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1316 Javier García Medina

en marcha en el año 2000 del Pacto Mundial sobre la Responsabilidad


social de las empresas, permiten considerar que de forma progresiva los
diferentes países, aborden la elaboración de Planes Nacionales sobre
Derechos Humanos y Empresas.
En particular, y a modo de documento relevante, ha de mencionarse
la Declaración de las Naciones Unidas sobre los derechos de los pueblos
indígenas. Guía de referencia para las empresas,97 porque en él se puede
encontrar el elemento esencial del planteamiento metodológico de
Francisco de Vitoria, esto es, cómo ha de ser la relación con los “indios”
para que se pueda afirmar que la actuación de las empresas que operan
en sus tierras es justa y legítima, en definitiva cuáles serían los títulos
legítimos. Los criterios que se ofrecen en esta guía para la acción pueden
servir también para determinar vulneraciones de los estándares interna-
cionales de derechos humanos de los pueblos indígenas: compromiso en
el respeto de los derechos humanos de los pueblos indígenas; diligencia
debida en materia de derechos humanos; comprometerse a obtener (y
mantener) el consentimiento libre, previo e informado de los pueblos indí-
genas para proyectos que afectan sus derechos; igualdad y derecho a no
ser objeto de ninguna discriminación; libre determinación, autogobierno
y nacionalidad; respeto a la vida, libertad, seguridad e integridad cultural;
cultura, idioma y espiritualidad; promover la educación, información y
empleo; fomentar el desarrollo participativo, derechos económicos y
sociales; respeto a las tierras y recursos naturales; protección de la iden-
tidad, instituciones y relaciones.

de 23 de enero de 2013.
http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession1/a_hrc_fbhr_2012_4_sp.pdf.
http://www.ohchr.org/Documents/Publications/GuidingPrinciplesBusinessHR_EN.pdf.
Nueva York y Ginebra, 2011, Naciones Unidas, Derechos Humanos, Alto Comisionado.
97. Declaración de las Naciones Unidas sobre los derechos de los pueblos indígenas. Guía de
referencia para las empresas.
https://www.unglobalcompact.org/docs/issues_doc/human_rights/IndigenousPeoples/
BusinessGuide_ES.pdf. En el mismo sentido se expresa el documento Empresas y
Pueblos Indígenas que constituye la Guía de la Red Española del Pacto Mundial.
https://www.pactomundial.org/2017/08/la-red-espanola-del-pacto-mundial-lanza-
una-guia-orientar-al-sector-privado-respeto-los-pueblos-indigenas/. Vd. Christian
Felber, Por un comercio mundial ético: porque el debate no es entre libre comercio y
proteccionismo, sino entre comercio ético y no ético, traducido por Silvia Yusta.
(Barcelona: Ediciones Deusto, 2018).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1317

4. Conclusiones

Los protagonistas de este trabajo son los indios, los indígenas, el


“otro”, el conjunto de comunidades que ya en los tiempos de Francisco
de Vitoria o ya en los actuales eran objeto de reflexión. Se ha tratado de
recoger uno de los análisis más agudos sobre los indios y sobre el derecho
internacional en un momento histórico en el que muchos conceptos
estaban por hacer, pero en el que en buena medida se veía a los indios con
cierto paternalismo y a quienes había que amparar, si bien se reconocía en
ellos capacidad de dominio privado y público. El recorrido en el tiempo
hasta enero de este mismo año 2019, nos devuelve una imagen muy preo-
cupante de la situación de los pueblos y comunidades indígenas amena-
zados en sus formas de vida y en su integridad física cuando pretenden
reclamar sus derechos.
Vitoria calificaba de “rapiña” la usurpación de bienes cuando no
existía un justo título de apropiación por parte de los españoles, a día de
hoy la impunidad, la corrupción, la amenaza, el engaño, son los “títulos”
de los que muchos se valen para seguir esquilmando, tal y como el Informe
de la Relatora Especial sobre los derechos de los pueblos indígenas de 10
de agosto de 2018 refleja.
Hoy los “indios”, los indígenas siguen siendo un obstáculo para la
globalización solo económica, hoy siguen siendo los desconocidos, y
lo que se ignora se teme, se despersonaliza y no se valora. Aquello que
destruía el ius communicationis, el engaño, el fraude y el daño a la “patria”
de los indios, por desgracia sigue aún presente.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1318 Javier García Medina

Referencias

Alva Arévalo, Amelia. El derecho a la consulta previa de los pueblos indígenas en Derecho
Internacional. (Bilbao: Universidad de Deusto, Instituto de Derechos Humanos, 2014).
Aparicio Wilhelmi, Marco (ed.). Los derechos de los pueblos indígenas a los recursos naturales y al
territorio: conflictos y desafíos en América Latina. (Barcelona: Icaria, 2011).
Berraondo, Mikel (coord.) Pueblos indígenas y derechos humanos. (Bilbao: Universidad de Deusto,
2006).
Beltrán de Heredia, Vicente: “Personalidad del maestro Fray Francisco de Vitoria y trascendencia
de su obra doctrinal”, Introducción a: Francisco de Vitoria, Relectio de indis o Libertad
de los indios. Edición crítica bilingüe por L.Pereña / J. M. Pérez Prendes, Introducción
por V. Beltrán de Heredia / R.Agostino Iannarone (“Génesis del pensamiento colonial en
Francisco de Vitoria”),T. Urdanoz (“Síntesis teológico-jurídica de la doctrina de Vitoria”), A.
Truyol y L. Pereña, CSIC, Corpus Hispanorum de Pace, Madrid, 1967.
Felber, Christian. Por un comercio mundial ético: porque el debate no es entre libre comercio y
proteccionismo, sino entre comercio ético y no ético. Traducido por Silvia Yusta. (Barcelona:
Ediciones Deusto, 2018).
Fernández Liesa, Carlos R. y López-Jacoiste Díaz, Eugenia (directores). Empresas y derechos
humanos. (Cizur Menor (Navarra): Thomson Reuters-Aranzadi, 1ª ed., 2018).
Llano Alonso, Fernando H.. ‘Humanismo renacentista, Razón Universal y Sociedad humana en el
pensamiento jurídico de Francisco de Vitoria’, Derechos y Libertades, (Número 34, Época II,
enero 2016), p.91. doi: 10.14679/1021.
Márquez Carrasco, Carmen e Vivas Tesón, Inmaculada (coordinadoras). La implementación de los
principios rectores de las Naciones Unidas sobre empresas y derechos humanos por la Unión
Europea y sus estados miembros. (Cizur Menor: Aranzadi, 2017).
Meseguer Sánchez, Juan Víctor y Avilés Hernández, Manuela (directores) Juan José Nicolás
Guardiol y César Augusto Giner Alegría (coordinadores). Empresas, derechos humanos y
RSC. (Cizur Menor (Navarra): Thomson Reuters-Aranzadi, 2016).
Osuna Fernández-Largo, Antonio. Relecciones Jurídicas y Teológicas. (Edición crítica usando los
manuscritos y con nueva versión española dirigida por Antonio Osuna Fernández-Largo.
Con la colaboración de Jesús Cordero Pando, Mauro Mantovani, Ramón Hernández
Martín, Simona Langella y Ángel Martínez Casado). Tomo II, Biblioteca de Teólogos
Españoles, 52. (Salamanca; Editorial San Esteban, 2017).
Pagden, Anthony. ‘Las bases ideológicas de la disputa sobre el dominium y los derechos naturales
de los indios americanos’, Revista Internacional de Pensamiento Político, I Época, Vol.1,
2006.
Pereña Vicente, Luciano. “Derechos y deberes entre indios y españoles. Declaración de Francisco
de Vitoria”, en S. Biolo (ed.). L’universalitá dei diritti umani e il pensiero cristiano del ‘500.
Contributi al XLVII Convegno del Centro di Studi Filosofici di Gallarate (sett. 1992), (Turín:
Rosemberg & Sellier, 1995).
Pereña Vicente, Luciano. “El concepto del derecho de gentes en Francisco de Vitoria”. Revista
Española de Derecho Internacional, 1952 (5).
Pereña Vicente, Luciano. Inculturación del indio. (Salamanca: Universidad Pontificia de
Salamanca, 1988).
Pérez Luño, Antonio E.. La polémica sobre el Nuevo Mundo. Los clásicos españoles de la Filosofía
del Derecho. (Madrid Trotta, 2ª ed., 1995).
Ramón Hernández, Martín. Francisco de Vitoria. Doctrina sobre los Indios. (edición facsimilar,
transcripción y traducción del manuscrito. de Palencia), Salamanca: San Esteban, 1992).
Ramos Lisson, Domingo. “El respeto a la libertad personal de los Indios en los iniciadores de la
Escuela de Salamanca, Vitoria y Soto”, en José Luis Illanes Maestre / Pio Gonçalo Alves de
Sousa / Teodoro López Rodríguez / Augusto Sarmiento (eds.). Ética y teología ante la crisis

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La consideración del “otro” 1319

contemporánea: I Simposio Internacional de Teología. (Pamplona: Eunsa, 1980).


Solanes Corella, Ángeles. Derechos y culturas. Los retos de la diversidad en el espacio público y
privado. (Valencia: Tirant lo Blanch, 2018).
Vitoria, Francisco de. “Parecer de Francisco de Vitoria sobre el bautismo de los indios”, 1540,
publicado en Corpus Hispanorum de Pace. (Madrid CSIC, V, 196).
Zorrilla, Víctor. “Los instrumentos argumentativos de la defensa lascasiana de la plena racionalidad
de los indios”, Tópicos, 2008 (34).
A/HRC/39/17 https://undocs.org/es/A/HRC/39/17
A/HRC/FBHR/2012/4 http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession1/A_HRC_
FBHR_2012_4_SP.pdf
A/HRC/40/48. Informe del Grupo de Trabajo intergubernamental de composición abierta sobre
las empresas transnacionales y otras empresas con respecto a los derechos humanos sobre
su cuarto período de sesiones de 2 de enero de 2019. https://undocs.org/es/A/HRC/40/48
“Guía Principios rectores sobre las empresas y los derechos humanos. Puesta en práctica
del marco de las Naciones Unidas para “proteger, respetar y remediar”.
http://www.ohchr.org/Documents/Publications/GuidingPrinciplesBusinessHR_EN.pdf
Nueva York y Ginebra, 2011, Naciones Unidas, Derechos Humanos, Alto Comisionado.
Resolución de la Comisión de Derechos Humanos de las Naciones Unidas. Human rights and
transnational corporations and other business enterprises E/CN.4/RES/2005/69.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1321-1340.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1321

La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un


diálogo con nuestro tiempo
JOSÉ LUIS MORA GARCÍA *

Abstract
Recent years have seen a recovery of the value that the Salamanca School has had in the
defense of human rights and in the formation of International Law. This recovery has
brought with it a better knowledge of the dimensions it had, which were the institutions in
which it was developed and all the authors that were part of it. That is why today it is called
“Ibérica” or, more appropriately,”Iberoamericana”.
Keywords: America, human rights, peace, Portugal, rights, Spain.

S
e conmemoró el pasado año 2018 el septuagésimo aniversario de la
Proclamación de los Derechos Humanos. Fue el 10 de diciembre de
1948, con los rescoldos de la segunda gran guerra aún humeantes,
cuando la Asamblea General de las Naciones Unidas en París, en la
Resolución 217ª, expresó cuál debía ser el ideal común para todos los
pueblos y naciones. La Declaración establecía, por primera vez, los
derechos humanos fundamentales que debían protegerse en el mundo
entero.
Baste recordar ahora que la Declaración, en su comienzo, utiliza la
expresión “familia humana” y, un poco más adelante, en el quinto conside-
rando, hace lo propio con la palabra “pueblos”, que retoma en el artículo
21 para fijar la legitimidad del poder público. En total son más de veinti-
cinco ocasiones en las que retoma la expresión “persona humana”, “toda
persona” o “todo ser humano”, para acentuar el fuerte carácter de comu-

* Universidad Autónoma de Madrid, Spain.


 jose.mora@uam.es

1321-1340

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1322 José Luis Mora García

nidad que rezuma todo el texto. La palabra “individuo” se deja para el


artículo 3, que se refiere al derecho a la vida, a la libertad y a la seguridad,
y para el 19 que se refiere a la libertad de opinión.
Hoy sabemos que esta Declaración debe mucho al espíritu humanista
de los clásicos renacentistas que vivieron indistintamente en ciudades
portuguesas y españolas, olvidados, o casi, durante mucho tiempo. Esto
ha sucedido incluso en los países de la península ibérica hasta no hace
demasiado tiempo. Ha sido necesario un esfuerzo basado en la investi-
gación y el estudio para recuperar aquel viejo espíritu destruido por las
guerras del siglo XX que se apoyaron en el culto al individuo, en tanto que
nueva “divinidad” que debía ser secundada por masas heterogéneas e inca-
paces de poseer el más mínimo sentido comunal. De ahí lo significativo de
la fecha de la proclamación, al finalizar la gran conflagración, y de recor-
darla con motivo de estos setenta años transcurridos, para incorporarla al
pensamiento político, jurídico y moral de nuestro tiempo como propuesta
remozada para el futuro. Más recientes son la Declaración de las Naciones
Unidas sobre los Derechos de las Personas Pertenecientes a Minorías
Nacionales o Étnicas, Religiosas y Lingüísticas (1992); y la Declaración de
las Naciones Unidas sobre los Derechos de los Pueblos Indígenas” (2007)
que, sin embargo, adolece, como ha señalado Silvia Loureiro “de la fragi-
lidad intrínseca de no ser más que una declaración cuyo efecto vinculante
no deja, precisamente por ello, de ser objeto de permanente discusión”.1
Por esta fragilidad tiene especial relevancia la Corte Interamericana de
Derechos Humanos (1978) que, con sus cuarenta años recién cumplidos,
y otros tribunales como la Corte Internacional de Justicia, establecida en
La Haya a finales de la segunda guerra mundial, forman las instituciones
garantes de los derechos universales. A estos organismos pertenece Antonio
Augusto Cançado Trindade, Juez de este Tribunal Internacional de Justicia
y miembro que fue de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Fue
investido Doctor Honoris Causa por la Universidad Autónoma de Madrid
el 20 de mayo de 2016 siendo su padrino el catedrático de la Facultad de
Derecho Carlos Espósito.2 Este reconocimiento ennoblece a esta univer-

1. In Pedro Calafate e Ramon Emiio Mandado, Escuela Ibérica de la paz/Escola Ibérica da


paz (Santander: Ediciones de la Universidad de Cantabria, 2014), 147.
2. Discurso del Acto de Investidura como Doctor Honoris Causa del Profesor Antônio
Augusto Cançado Trindade. Incluye la Laudatio expuesta por el profesor Carlos Espósito
y el Discurso de investidura: “La perennidad del legado de los Padres Fundadores
del Derecho Internacional,” (Madrid: Servício de Publicaciones de la Universidad
Autónoma de Madrid, 2016).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un diálogo con nuestro tiempo 1323

sidad española pues este magistrado es un reconocido defensor de los


derechos de los indígenas y utiliza, con mucha frecuencia, en sus alega-
ciones, argumentos de aquella Escuela de Salamanca.
Otras muchas razones podrían traerse aquí para mostrar la vigencia
de aquellos dominicos del convento salmantino de San Esteban que luego
tuvieron discípulos también entre agustinos y jesuitas. Su potencia ha
sido enorme, compartiendo con las universidades portuguesas de Evora
y Coimbra los centros de la península ibérica donde este pensamiento se
desarrolló. Por ello es justo que se haya acuñado una denominación que
incluya la verdadera dimensión de la escuela aludiendo a su dimensión
ibérica. Ha sido, sobre todo, a partir de los estudios del profesor lisboeta
Pedro Calafate, desde comienzos del presente siglo, cuando se ha aceptado
esta denominacion. Sin duda la magna obra dirigida por él, Historia del
Pensamiento Filosófico Portugués3 cuyo segundo volumen, el correspon-
diente al Renacimiento es de 2001, puso las bases de proyectos que se han
ido desarrollando en los últimos años y que han contribuido a consolidar
una visión que incluye a los países de la península ibérica así como a los
americanos de lengua española y portuguesa. Me refiero, sobre todo, a
estos dos que el equipo de la Universidad de Lisboa ha desarrollado en las
dos décadas últimas: Corpus Lusitanorum de Pace: a contribuiçao portu-
guesa para a Escola Ibérica da Paz (s. XVI e XVII); De restitutione: A escola
Ibérica da Paz e a Idea de Justiça na Ocupaçao da América (s. XVI).
Con ello se ha dado una dimensión peninsular a la Escuela que era,
en verdad, la que había tenido casi desde sus comienzos, incorporando a
los teólogos que cruzaban con facilidad, en ambos sentidos, una frontera
apenas existente para las órdenes religiosas. Esta perspectiva nos ha
permitido atender a nombres que habían quedado oscurecidos por las
figuras de Francisco de Vitoria, Melchor Cano o Domingo de Soto. No
era, por supuesto, el caso de Suárez, profesor tantos años en Coimbra,
fallecido en 1617, cuyo recuerdo, cuatrocientos años después, ha contri-
buido, también, a la publicación de un buen número de estudios.
Pero, además, estas propuestas de Calafate introducían un importante
concepto en la caracterización de la Escuela al ser denominada con mucho
acierto “de la Paz”. No eran pacifistas nuestros antepasados en el sentido
que hoy se le da a este término pero sí hombres de paz, un concepto muy
vinculado al concepto de “concordia”, acuñado por los humanistas o al

3. Pedro Calafate, História do Pensamento Filosófico Português (Lisboa: Editorial


Caminho, 1999-2004), 5 vols, 7 t.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1324 José Luis Mora García

concepto de “concierto” que figura repetidamente en esa excelente utopía


que nos ha rescatado Ignacio García Pinilla, Regimiento de príncipes como
parece se tituló inicialmente, u Omnibona4, el nombre de la ciudad regida
por el rey Prudenciano que pretende ser un ejemplo práctico de República
cristiana. La paz, pues, no solo como ausencia de guerra sino como el
estado natural del ser humano ya que, como nos recordará Francisco
de Vitoria, “Va contra el Derecho Natural que un hombre aborrezca sin
razón a otro hombre. Pues no es el hombre un lobo para el hombre, sino
hombre”,5 expresión formulada inicialmente por Plauto.
Los crecientes estudios realizados en América, desde México hasta los
países andinos, pasando por Brasil, tanto en la Universidad de São Paulo
como en la Universidad del Estado del Amazonas, han puesto de relieve esta
dimensión. En la universidad del noreste de Brasil el equipo que coordina
la profesora Silvia Loureiro organizó en agosto de 2018 un encuentro
sobre la “Declaración Universal de 1948 y las Raíces jus-naturalistas de los
derechos humanos: El pensamiento de la Escuela Ibérica de la Paz (siglos
XVI-XVII) y los desafíos de la contemporaneidad”.6 Ahí fueron presentados
un buen número de trabajos referidos a las lecturas de aquellos teólogos,
realizadas en el siglo XX. Es significativa, por ejemplo, la defensa de la
propuesta suareziana, realizada por Eduardo Nicol, exiliado español
en México. No es en absoluto casual esta recuperación de Suárez y su
comparación con la obra de Locke, precisamente, en los años cuarenta,
como explicación histórico-filosófica de su propio exilio y de la situación
en que se hallaba Europa. Sus artículos coincidieron en el tiempo con la
Declaración de Derechos Humanos7.
Sin duda, México es otro importante polo de recuperación de
esta Escuela. Los antecedentes se remontan al grupo de Historia del
Pensamiento Mexicano que fue impulsado por Antonio Caso, Samuel
Ramos y José Gaos. Luego ha sido retomado, con una metodología actua-
lizada, por Carmen Rovira con el apoyo de Ambrosio Velasco, Julieta

4. Ignacio Pinilla, Omníbona. Utopía del siglo XVI (Salamanca: SEMYR, 2018).
5. Francisco de Vitoria, De indis, in Calafate y Mandado, 165.
6. Anais do II Ciclo de Palestras Ibero-americanas. Anais...Manaus (AM) Programa de
Pós-Graduação em Direito Ambiental (PPGDA), 2018. Disponível em: <https//www.
even3.com.br/anais/2ciclo/140092- Acesso em: 23/02/2019.
7. Eduardo Nicol, “Libertad y comunidad. La filosofía de Francisco Suárez” (1948) y
“Propiedad y comunidad. Suárez frente a Locke y Marx” (1948), recogidos en La
vocación humana (México Ciudad: El Colegio de México, 1953), 203-249. Fueron
publicados incialmente en revistas mexicanas. Mora García, J.L., “Propiedad y
comunidad,” en II Ciclo de Palestras Ibero-americanas, 1-15.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un diálogo con nuestro tiempo 1325

Lizaola, Xochilt López y los que son ya discípulos más jóvenes, lo que
da continuidad al proyecto que este equipo ha venido desarrollando los
dos últimos años: Crisis de la Escolástica, Humanismo del Siglo de Oro
Español y su influencia en México. Y las universidades de Perú y Colombia,
principalmente “la Javeriana” han completado una dimensión de esta
Escuela que hoy puede llamarse con propiedad Iberoamericana pues las
doctrinas salmantinas se expandieron con rapidez por las universidades
que la monarquía española iba fundando en los virreinatos de la Nueva
España y en el de Perú. Lógicamente también ha habido en España, con
Salamanca a la cabeza un gran número de estudios. En el número editado
con motivo de la conmemoración del octavo centenario de la fundación
de la Universidad de Salamanca, la revista de Filosofía, Azafea (18, 2016)
Emmanuel Lacca, profesor de la Università degli Studi di Cagliari, ha
dedicado un excelente artículo a trazar las que llama “Nuevas perspec-
tivas en el estudio de la Escuela de Salamanca”. En él subraya lo siguiente
apoyándose en la investigadora brasileña María Emilia Granduque José:

Al final del siglo XVI los cronistas americanos señalan siempre a la


Universidad de Salamanca como la universidad oficial de la cultura,
donde filósofos, teólogos, cosmógrafos, cartógrafos y matemáticos que
enseñaban en Salamanca se ponían como punto de referencia para los
estudiantes de las nuevas tierras, porque, para ellos, eran los únicos que
habían sabido mediar entre los conocimientos del naciente humanismo,
la relectura de los textos griegos y romanos y las novedades teóricas rela-
cionadas con los descubrimientos de las tierras de ultramar.8

En el mismo número de Azafea, el profesor de la Unisinos, Alfredo


Culleton,9 expone quiénes fueron y en qué universidades de los territorios
encontrados ejercieron los que podemos considerar primeros difusores.
Ahí puede hallar el lector un estudio detallado del proceso de expansión
que tuvo esta Escuela, desde la primera Universidad de Santo Domingo
(1538) a la que siguieron México y Lima y luego, sucesivamente, las
demás, en Bolivia (Sucre y La Paz), Santa Fé, Quito, La Plata. Un número
importante de universidades y profesores relevantes que difundieron la

8. Azafea. Revista de Filosofía. Monográfico: “Una mirada retrospectiva de La Escuela


de Salamanca desde el presente”, v. 18, (Salamanca: Ediciones de la Universidad de
Salamanca (2016), 39-40.
9. Alfredo Culleton, “Los maestros y la enseñanza de la filosofía en la primera universidad
hispanoamericana” en Azafea v. 18, (2016), 41-54.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1326 José Luis Mora García

doctrina salmantina. Principalmente los que llama “hijos de San Marcos”:


Jerónimo Valera y Juan Espinosa Medrano.
Pedro Calafate y Ramón Emilio Mandado, en el precioso volumen
editado por la Universidad de Cantabria en edición bilingüe y en modelo
álbum (2014), Escola Iberica da Paz/La Escuela Ibérica de la Paz, ya citado10,
han reunido un buen número de textos de estos autores que ejercieron
en la América española y portuguesa: Bartolomé de las Casas, Manuel
de Nóbrega, José de Acosta, Juan Zapata y Sandoval y Antonio Vieira.
Alonso de la Veracruz se incluye en el capítulo I con quienes enseñaron en
universidades españolas y americanas. Lógicamente hay un capítulo para
los maestros que enseñaron en las universidades portuguesas: Martín de
Azpilcueta, Martin de Ledesma, Fernando Pérez, Luis de Molina, Pedro
Simoes, Antonio de Sao Domingos, Fernando Rebelo y Francisco Suárez
que, como es sabido, pasó desde 1597 hasta su fallecimiento en 1517 en
Coimbra donde escribió su principal obra De legibus ac Deo legislatore.
Así pues, hoy se habla ya con propiedad de una Escuela teológico/
jurídica de dimensión Ibérica e Iberoamericana. Y en estos términos lo
señala el propio Pedro Calafate en las Consideraciones Preliminares:

Estamos ante un trabajo de naturaleza y proyección iberoamericana


en cuyas páginas constatamos la elocuente evidencia de que fueron los
imperios portugués y español los que, por vez primera en la historia
humana, se cuestionaron la moralidad y legitimidad de su expansión
y del arcaico y cruel derecho de conquista al que, de facto, se estaban
acogiendo y dignificando sus universidades y su permanente condición
de baluartes del pensamiento critico.11

A este apunte sobre el desarrollo e influencia de la Escuela Ibérica de


la Paz puede ponérlese el contrapunto de las palabras pronunciadas por
Serrano Suñer el 17 de julio de 1938. Podemos así comprobar hasta qué
punto la historia puede ser pervertida por un régimen de carácter militar
adaptando a sus toscos intereses el espíritu universalista de aquellos
teólogos renacentistas. En Ceuta, dirigiéndose a los “soldados, camaradas

10. Este artículo desea contribuir al reconocimiento de este trabajo, fruto de la colaboración
entre grupos de portugueses y españoles, para la mejor difusión de textos de aquellos
teólogos que son acompañados, en esta edición, por interesantes y bellas ilustraciones
realizadas por estudiantes de Bellas Artes de la Universidad de Lisboa.
11. Pedro Calafate “Introducción” en Pedro Calafate y Ramon Emilio Mandado, Escuela
Ibérica de la paz/Escola Ibérica da paz (Santander: Ediciones de la Universidad de
Cantabria, 2014), 119.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un diálogo con nuestro tiempo 1327

de la Falange y musulmanes”, y tras hacer un excursus histórico sobre las


relaciones hispanomarroquíes, concluyó de la siguiente manera:

Quiero para terminar, referirme brevísimamente a este concepto filo-


sófico del mundo [se refería al concepto del mundo y de la vida que
España representaba]. Hay pueblos que no conciben la unidad del género
humano. Creen que unas agrupaciones humanas tienen un destino
inferior a otras, que tienen que estar al servicio de las que se consideran
superiores y que estas, las naciones superiores, colonizadoras, tienen
derecho, incluso a la destrucción de aquella otra agrupación humana de
tipo inferior. Frente a esta anticristiana concepción del género humano,
se levanta otra también inaceptable; me refiero a la que admite la unidad
del género humano, pero la admite de un modo naturalista, biológico;
y frente a estas dos falsas concepciones existe otra que es un timbre de
gloria del pensamiento español; la que nuestros teólogos defendieron
en Trento: la unidad moral de los hombres rubricada por la redención
divina, que es consecuencia de considerar al hombre no de un modo
biológico, sino como dijo José Antonio, como portador de valores
eternos, como envoltura corporal de un alma que es capaz de salvarse o
de condenarse. Y cuando un pueblo concibe al hombre así, si, alguna vez,
como en España sucede, realiza una obra de expansión y de cultura en
el mundo, jamás es un pueblo colonizador ni mercader de civilización.
España es un pueblo misionero, un pueblo que por las tierras donde
va lleva su cultura y su sangre y funde su raza con la indígena, pero
jamás procede con miras mezquinas y utilitarias. […] Es el misionero
siguiendo y acabando la obra del guerrero.12

Lógicamente, el discurso terminó con los gritos de rigor en aquel


contexto, para que los oyentes supieran a qué nombres y realidades polí-
ticas debían asociar aquella doctrina. Ahora que el tema de la “Hispanidad”
está de nuevo en los periódicos, sirva el recuerdo de estas palabras como
prudente cautela para filósofos, políticos e, incluso, historiadores. No por
las palabras en sí mismas, sino por el uso que de ellas se hace.13

12. Ramón Serrano Suñer, “Discurso pronunciado por el Excelentísimo Señor Ministro
del Interior D. Ramón Serrano Suñer en Ceuta el 17 de julio de 1938” en Dieciocho de
julio. Tres Discursos (Madrid: Ediciones “Arriba”, 1938), 7-22.
13. Tras la publicación del famoso libro de Elvira Roca, Imperiofobia y leyenda negra
(Madrid: Siruela,2016. 6ª ed.) menciono aquí algunos de los más recientemente
publicados el pasado año: Rike Bolte, and Jenny Hasse and Susanne Schulünder,
eds., La Hispanística y los desafíos de la globalización en el siglo XXI. Posiciones,
negociaciones y códigos en las redes transatlánticas (Madrid: Ed. de Iberoamericana,
2018); Fr. Dubosquet Lairis y Carmen Valcárcel, ) eds., Memoria(s) en transición.
Voces y miradas sobre la transición española (Madrid, Visor, 2018); Frigdiano Álvaro

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1328 José Luis Mora García

Antes de comentar algunos de los principios fundamentales que


elaboraron aquellos teólogos me quedo con esta caracterización general
de un estudio clásico de esta Escuela, la del profesor Juan Belda de la
Universidad de Navarra14, libro bien ponderado y menos citado de lo que
merecería:

Vitoria hace una teología eminentemente práctica, viva, que ilumina


poderosamente los problemas humanos y temporales a partir de los prin-
cipios del Evangelio, influyendo de manera decisiva en el decurso de los
acontecimientos de su entorno histórico; no es en absoluto una teología
abstracta o desencarnada, de gabinete como a veces había sucedido con
la Escolástica del entorno. Se puede afirmar, así, que la teología vitoriana
constituye un ejemplo paradigmático de diálogo intelectual entre fe y
cultura, entre fe y filosofía, entre política y evangelio. La fuerza transfor-
madora y humanizante del pensamiento cristiano se hace presente, de
tal forma que incide de manera real y viva en lo que hoy llamaríamos las
estructuras temporales, para mejorarlas y elevarlas a un plano superior.
De aquí su virtualidad de cara al futuro.15

Podríamos añadir que en esa fundamentación, quizá, radicaba


también parte de su fragilidad, que no debilidad. Claro que nosotros
jugamos con la ventaja de saber qué ha ido pasando después. Mas hay algo
fundamental: este cultivo de la teología solo se entiende como la herencia
del humanismo y como un diálogo con los que fueron sus principales prin-
cipios, sintetizados en la que consideran la función regeneradora que, al
ser humano, como criatura privilegiada de Dios, le corresponde realizar en
la Naturaleza y la Sociedad, concebidas como realidades ordenadas pero
cuyo orden depende ya no solo de la Providencia sino de los remedios que
el propio ser humano sea capaz de desarrollar para su mantenimiento. La
dimensión activa que corresponde al hombre en la marcha de las cosas es
lo decisivo en esta posición. Lo nuevo venía de la revolución que los astró-
nomos habían comenzado con Copérnico y el descubrimiento de la teoría
heliocéntrica que modificaba, radicalmente, la concepción geocéntrica
clásica;16 del papel creciente del médico, o “físico” que, aún dentro de la

Durántez, Iberofonía y Paniberismo (Madrid, Última Línea, 2018); Beatriz Figallo, ed.,
Desarrollismo, franquismo y neohispanidad. Historias conectadas entre España, América
Latina y Argentina (Rosario, CONICET, 2018).
14. Juan Belda, La escuela de Salamanca (Madrid: BAC, 2000).
15. Ibid., 393.
16. Juan Luis García Hourcade, La rebelión de los astrónomos. Copérnico y Kepler (Madrid:
Nivola, 2000).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un diálogo con nuestro tiempo 1329

orientación galénica, modificaba la relación del ser humano con la natu-


raleza, acrecentando la que denominaríamos nueva concepción activa de
la salud;17 y, finalmente, de la necesidad de dar una nueva forma al mundo
conocido (desde Europa, se entiende) ahora ensanchado con una diver-
sidad de seres humanos que había de ser reorganizada sin perder el orden
pero excluyendo la violencia.18
Al fondo quedaba Luis Vives como recordaremos al final de estas
consideraciones. Baste ahora señalar que, en estas [aquellas] circuns-
tancias, necesitamos crear la concordia. Las leyes son importantes en este
proceso pero, como dejó escrito el propio Vives en “El templo de las leyes”,
estas son ciegas y mal aplicadas terminan por condenar a los débiles y
proteger a los poderosos y eso genera discordia.
Como respuesta a estos retos, creo que podríamos resumir en cinco
los puntos que concentran la doctrina de la Escuela de Salamanca, Escuela
Iberoamericana de la Paz, con una palabra de comentario a cada uno y la
lectura de un texto para ilustrarlos: el uso de la recta razón; el principio
del Ius Gentium; la legitimidad del poder; los derechos de los indígenas; la
paz como estado natural del ser humano.

1.

El primero, sobre el que se asientan los demás, es la llamada recta


ratio que heredaron de Cicerón, y que Cançado Trindade, en el largo
Prefacio que abre el volumen Escuela Ibérica de la Paz, caracteriza como
el ejercicio conjunto de “la justicia, la buena fe y la benevolencia”.19 “Tales
principios  –añade–, son cogentes, emanan de la conciencia humana y
afirman ineludiblemente lo jurídico y lo ético, pues el Derecho Natural
refleja los dictámenes de la recta ratio en donde se fundamenta la Justicia”.
Recordamos aquí el texto de Vives, El templo de las Leyes (1519), para
comprobar cómo el humanista valenciano utilizaba ya el término “ecuani-
midad” como imprescindible para la necesaria interpretación de las leyes.

17. Sacristán del Castillo, J.A. (y otros), Andrés Laguna, un científico español del siglo XVI
(Madrid: Fundación Lilly, 2013).
18. Andrés Laguna, Europa heautentimorumene, es decir, que míseramente a sí misma se
atormenta y lamenta su propia desgracia en Miguel Ángel González Manjarrés, ed.
Prólogo de Joseph Pérez (Valladolid: Junta de Castilla y León, 2001). El discurso fue
pronunciado en la Universidad de Colonia en enero de 1543.
19. Cançado Trindade, A., “Prefacio” en Pedro Calafate e Ramon Gutiérrez, Escuela Ibérica
de la paz/Escola Ibérica da paz (Santander: Ediciones de la Universidad de Cantabria,
2014), 47.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1330 José Luis Mora García

Pues de ellas “la justicia es hermana, son rectas (como lo era la torre que
las custodiaba) e iguales por todas partes”. Pero –añadía– “por sí mismas
son mudas y sordas.”20 Por consiguiente, es preciso que las interprete
esa razón recta que emana de la conciencia del hombre que ha tener un
carácter universal. Por eso en la doctrina de Vitoria la recta razón es base
del Derecho Internacional como algo necesario y no simplemente volun-
tario.
Señala Cançado Trindade que esta recta razón es la fuente material
última del Derecho de Gentes. Dicho de otra manera, este Derecho es la
base de la razón de humanidad que impone límites a la razón de Estado.
En base a esto, el Dr. Trindade ha dictado votos de distinto carácter a
las sentencias que declaraban la impunidad de determinados Estados.
Se refiere, concretamente, al caso de las Inmunidades Jurisdiccionales del
Estado (2010) que establecían la inmunidad de un Estado frente a otro. Y
esto es así porque, como indica Pedro Calafate, “A la Razón de Estado los
maestros peninsulares antepondrán siempre la Razón de la Humanidad y
la dignidad de la persona humana, que es de donde proceden los mandatos
imperativos del Derecho”.21 Sobre este punto incidió insistentemente el
magistrado brasileño en su discurso de investidura como Doctor honoris
causa, ya mencionado.22
Así pues, es esa unidad de la razón, que no lo es solo de conocimiento,
que no reduce al sujeto a solo sujeto epistémico, la que se considera base
de la justicia y de la benevolencia tal como ha explicado muy bien Javier
García Gibert cuando explica cómo “la dignidad humana era una noción
bien asentada en las bases mismas de la cultura humanística cristiana, que
la fundaba a su vez sobre la idea previa de una especie humana común –un
universal humano–, ya apuntada por el estoicismo antiguo y reforzada por
la inequívoca formulación de San Pablo, al afirmar que existe un Dios que
no hace distingos entre judíos y cristianos, bárbaros y romanos” (…) “Es
un mérito extraordinario del humanismo renacentista el volver a la idea
del “universal humano”, al margen de estamentos, razas o religiones, y

20. Juan Luis Vives, “El templo de las leyes” en Juan Luis Vives, Diálogos y otros escritos.
Juan Francisco Alcina, ed., (Barcelona: Planeta, 1988), 171-172.
21. Pedro Calafate, Pedro Calafate e Ramon Gutiérrez, Escuela Ibérica de la paz/Escola
Ibérica da paz (Santander: Ediciones de la Universidad de Cantabria, 2014), 119.( Cito
por la versión española.
22. Ver nota 2.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un diálogo con nuestro tiempo 1331

ello tuvo una notable proyección histórica en la admirable apuesta de la


teología moral española del siglo XVI (Vitoria, Soto, Suárez…)…”23

2.

El Ius gentium es un principio ineludiblemente unido al anterior, de


carácter universal, que determina las limitaciones del poder del propio
Estado y del Soberano, que hace de la violencia una acción ilegítima, y
que elimina el relativismo moral que no puede refugiarse en la pluralidad
de culturas.
Los fundadores de este derecho lo concibieron como un derecho
universal para la totalidad del orbe y, en palabras de Cançado Trindade, a
quien venimos siguiendo en este comentario,

Regula una comunidad internacional constituida por seres humanos


organizados socialmente en Estados y coextensiva con la propia huma-
nidad; la reparación de las violaciones de los derechos humanos refleja
una necesidad internacional atendida por el Derecho de Gentes, con los
mismos principios de justicia aplicándose de acuerdo a la recta ratio,
tanto a los Estados como a los individuos o pueblos que los forman.24

Así queda fijado por Vitoria en la primera de las reelecciones sobre los
indios, la Relectio prior en la que prima la unidad de la societas gentium,
de la propia humanidad en un mundo que comenzaba a comprobar la
diversidad de culturas y en el que se iniciaban las formas embrionarias
de los que serían Estados. El apartado, dedicado por Cançado Trindade
en su Discurso de investidura, es muy largo y sólido, al tiempo que lo
contrapone al que sería, posteriormente, Derecho Positivo de los siglos
XVIII y XIX bien que, habría que añadir, el naturalismo del siglo XVIII
ofrece sustanciales diferencias con el renacentista. Sí queda clara la
dimensión universal del Derecho y de la Justicia, así como la titularidad
internacional de Derechos de la persona humana. Y queda, de esta manera,
también superada la concepción medieval del Orbis cristiano.

23. Javier García Gibert, Sobre el viejo humanismo (Madrid: Marcial Pons, 2010), 226.
24. Antonio Augusto Cançado Trindade, Discurso del Acto de Investidura como Doctor
Honoris Causa del Profesor Antônio Augusto Cançado Trindade Discurso de Investidura
(Madrid: Servício de Publicaciones de la Universidad Autónoma de Madrid, 2016), 27,
es 215., en Evora: do, R.E., o.c., 193, raciones. Baste añora señalar que 1543. de Lisboa.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1332 José Luis Mora García

3.

Los dos puntos anteriores conducen necesariamente a una revisión


de la legitimidad del poder. Es el propio Juan Belda quien lo expresa de
esta manera:

Vitoria inicia un justo proceso de secularización, en el sentido de rechazar


el orden teocrático medieval y establecer una adecuada separación entre
el poder espiritual (eclesiástico) y el poder temporal (político), defen-
diendo la autonomía de ambos.25

Habrían sido los hechos americanos, tras los sucesos sangrientos del
Perú en 1534 y todas las noticias que iban llegando sobre las violaciones
infligidas a los indígenas, las que habrían producido esta conciencia crítica
en el P. Vitoria. Para el periodo posterior (1570-1620) Manuel Rivero26
habla de reducciones brutales de la población del antiguo imperio Inca
“donde los datos  –señala– son más fiables gracias a que se conoce la
contabilidad tributaria”: en las tierras altas se consignó un descenso de
1.045.000 habitantes a 585.000; y en la costa de 250.000 a 87.000.
Las Relecciones que dicta Vitoria, a partir de 1537, sobre la
Temperantia (templanza o moderación alcanzarían su culminación en
las dos Relecciones de 1939, ambas sobre los derechos de los indios y la
guerra justa. Todas mostraban su enorme sensibilidad por este hondísimo
problema y suponían ya una negación a la mayor de las bases argumen-
tales del Requerimiento redactado en 1513 por Juan López de Palacios
que sostenía el derecho de conquista básicamente sobre la concepción
teocrática del poder.
Dan fundamento a la comunidad como la sustentadora de la legiti-
midad de ese poder que, si bien tiene su origen en Dios, llega mediado al
Soberano por la elección de la comunidad. Podríamos recordar aquí de
nuevo las lecturas que Eduardo Nicol, ya mencionadas, hizo de la obra
de estos teólogos, principalmente de Suárez a propósito de este concepto.
Nicol dedica la segunda parte de “Libertad y comunidad” y todo el que
tituló “Propiedad y Comunidad”, ambos de 1948, a mostrar que, tanto
en el ámbito de la libertad como en el de la propiedad, Suárez se habría
adelantado a los tratados sobre el gobierno civil publicados por Locke en

25. Juan Belda, La escuela de Salamanca (Madrid: BAC, 2000), 381.


26. Manuel Rivero, La España de Don Quijote. Un viaje al siglo de Oro (Madrid: Alianza,
2005), 264.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un diálogo con nuestro tiempo 1333

1689, el segundo de los cuales, su análisis menos británico y más universal


del poder, fue traducido al francés dos años después lo que le garantizó
una proyección internacional que ha hecho de él un texto canónico del
liberalismo moderno.27 Como señala el propio Ángel Rivero, “fue este
Locke el que leyeron todos los liberales europeos del siglo XIX y es en él
donde hunden sus raíces las constituciones española de 1812 y la portu-
guesa de 1822.”28
Nicol sostiene la superioridad del teólogo ibérico en la defensa de la
dignidad de la persona humana que Locke reduce a “una mera garantía de
propiedad”, convirtiendo el ingreso del individuo en la sociedad política
en una “concesión”. Es decir, para Locke la sociedad es consecuencia de
una transacción por haberse producido una degradación en el estado de
naturaleza y por el uso abusivo del monarca que llevó en Inglaterra a los
sucesos comenzados en 1649 con la ejecución de Carlos I y que conclu-
yeron con la revolución de 1688 y la instauración de la monarquía parla-
mentaria. Para Suárez, la sociedad es el estado perfecto en principio, la
situación adecuada del hombre en el mundo, aquella que completa su
personalidad y en que precisamente puede realizarse la plenitud de su
libertad. No es necesaria, por consiguiente, ninguna transacción. Por
no alargar mucho ahora el estudio de este concepto, fundamental en la
doctrina de los autores de esta escuela digamos que está asentada ya en
el muy largo escrito de Luis Vives, Sobre la concordia y la discordia en el
género humano (1529), dejó escrito casi al tiempo que la primera de las
Relecciones de Vitoria dedicada al poder civil (Navidad de 1528).

En resumen  –dirá Vives– el hombre no contempla a todo el género


humano de otra forma que como a miembros de la sociedad, de forma
que con el recuerdo de la semejanza y de la naturaleza común no ignore
que ha nacido para servicio de todos y no deje ninguna ocasión de favo-
recer a los demás, consciente de que no puede pasarse eso por alto sin
violar las leyes de la naturaleza, esto es, de Dios, creador de todo e incluso
de la naturaleza, de forma que abandonar los mandatos de la naturaleza
es como hacer una notable ofensa a Dios, como si él mismo hubiera esta-
blecido algo que mereciese nuestra reprobación.29

27. Ángel Rivero, John Locke y “Traité sur le Goverment Civil” y el nacimiento del liberalismo
moderno en Manuel Rivero, Manuel, ed. La crisis del modelo cortesano. El nacimiento
de la conciencia europea (Madrid: Polifemo, 2017), 241-264.
28. Ibid., 261.
29. Juan Luis Vives, Sobre la concordia y la discordia en el género humano (Valencia:
Ayuntamiento de Valencia, 1997), 63.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1334 José Luis Mora García

Fue justamente por los años en que Suárez ejerció de profesor en


ciudades castellanas cuando se produjeron las primeras tensiones entre
los pueblos cuya actividad estaba ligada a la tierra y a la ciudad que evolu-
cionaba de la mano de mercaderes hacia un modelo más industrial. Sin
embargo, es en estos años finales del XVI, cuando se acentúa el carácter de
Comunidad como muy bien ha estudiado Enrique Gallego Lázaro.30 Sería
largo de explicar toda esta forma de organización de la propiedad y de la
estructura política, mas digamos ahora, simplemente, que es un punto
clave, tanto desde un punto de vista doctrinal como en la organización del
territorio. Sobre el primero, señala Calafate que “la legitimidad del poder
civil, inherente a las comunidades humanas, no proviene de la fe ni de la
caridad ni, por principio, puede hacérsela depender de un orden jurídico
de naturaleza imperial, puesto que, como decía Martín de Azpilcueta en
Coimbra, 1548, la ley imperial no suprime las providencias naturales”.31
Para completar este punto me remito a los epígrafes IV y VI del
estudio preliminar del volumen Escola Iberica da Paz: “El origen popular
del poder y la fundamentación de la comunidad internacional” y “Persona
y comunidad”, muy esclarecedores del que fue asunto trascendental de
la Escuela: la defensa de los pueblos americanos como señores de sus
bienes ya que, como señala Calafate, “el dominio se ejercía a partir de
una dimensión comunitaria y, por ello, “ese reconocimiento surgía como
consecuencia directa”.32 También es verdad que nunca abogaron por que
los españoles se retiraran de las tierras descubiertas en base a los que
consideraron títulos legítimos.

4.

Así pues, la doctrina de esta escuela viene marcada por su defensa


de los derechos de los indígenas y por señalar los límites de la guerra, es

30. Discurso de ingreso como académico de número en la Real Academia de Historia y


Arte de San Quirce (25.11.2016) (Inédito). Como no es aquí lugar para dedicar más
espacio del necesario a esta cuestión, me remito al artículo de María Ángeles Martín
Romera, “Administración y gobierno. De los sexmos segovianos a la administración
provincial” en La Comunidad de Ciudad y Tierra de Segovia. Diez siglos de existencia.
XXXIII curso de Historia de Segovia (Segovia, abril-junio 2012) (Segovia: Real Academia
de Historia y Arte de San Quirce, 2013), 147-172.
31. Pedro Calafate, “Introducción” en Pedro Calafate e Ramón E. Mandado , Escuela
Ibérica de la paz/Escola Ibérica da paz (Santander: Ediciones de la Universidad de
Cantabria, 2014), 123.
32. Ibid. 145.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un diálogo con nuestro tiempo 1335

decir, por delimitar bajo qué exclusivas condiciones la guerra puede ser
justa. Por esta doctrina Vitoria es conocido como fundador del Derecho
Internacional. Es su doctrina americanista que divide entre los “títulos
no legítimos y los legítimos por los que los bárbaros del nuevo mundo
pudieron venir a poder de los españoles.”
Son dieciséis en el primer apartado y dieciocho en el segundo bien
conocidos; por eso me limitaré a citar estas palabras de Cançado Trindade
que pertenecen al título VIII del Discurso de Investidura, que venimos
mencionado, y que se titula, con mucha precisión, “La concepción huma-
nista en la Jurisprudencia Internacional”. Resume muy bien qué sostenían
aquellos teólogos y qué consecuencias se derivan, incluso para nuestros
días. Dice así:

En una dimensión amplia, la concepción humanista del ordenamiento


jurídico internacional requiere la promoción continua de la cultura de
los derechos humanos en el seno de las sociedades nacionales, inclusive
para superar las resistencias e incomprensiones en éstas presentes y rein-
cidentes, y buscar evitar los abusos del pasado. Hay, además, que buscar
capacitar los círculos jurídicos en los más diversos países, en particular
ante la escasa familiaridad con el Derecho Internacional, demostrada
sobre todo por muchos Poderes judiciales nacionales. Tengo siempre
presentes las interacciones entre los ordenamientos jurídicos inter-
nacional y nacional en el actual dominio de protección de la persona
humana.33

Rescatar –añadía más adelante– en esta segunda década del siglo XXI, el


legado del Ius Gentium en evolución equivale a sostener la concepción
universalista del Derecho Internacional, atenta al mundo en que vivimos.
Es esta una tarea que me parece crucial en nuestros días, en un mundo
despezado por conflictos y disparidades, transformando al Derecho
Internacional para que sea capaz de responder a las necesidades y aspi-
raciones de la humanidad en la actualidad.34

Podríamos añadir que así lo hicieron estos maestros en los siglos


XVI y XVII. No entro aquí a analizar otras dimensiones de la religiosidad
católica de estos años que se refieren a cuestiones propias de la Iglesia
como organización y su inserción en el modelo de monarquía católica

33. Antonio Augusto Cançado Trindade, Discurso del Acto de Investidura como Doctor
Honoris Causa del Profesor Antônio Augusto Cançado Trindade. (Madrid: Servício de
Publicaciones de la Universidad Autónoma de Madrid, 2016), 29-30.
34. Ibid. 41.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1336 José Luis Mora García

frente a la Reforma. Me remito para estos aspectos al libro de José


Martínez Millán y Carlos Javier de Carlos Religión, política y tolerancia en
la Europa Moderna (2011).

5.

Finalmente, como conclusión, debemos señalar que esta Escuela


recibe con toda propiedad el nombre de “Escuela de la Paz”. Deberíamos
decir más bien, de “la pacificación”, pues eran hombres de paz en tiempos
de guerras. Así se titulaba el texto de Luis Vives, “Sobre la pacificación”,
escrito en 1529. La paz era el estado deseable pero el estado que se ha
perdido y que es preciso recuperar ya que sin ese estado no habrá humanos
sino animales. En esa concepción tríadica que hemos heredado de las reli-
giones: salvación (concordia), perdición (discordia), salvación (concordia
recuperada), considerarían los humanistas que estaban en el segundo
estadio; que se habría destruido el primero, un estado originario que
pertenece a nuestra genuina naturaleza, realizado en un tiempo pasado
y que necesitamos crear, recuperar, pues, la concordia para acceder al
tercer estadio deseado. ¿Cuál es el instrumento que Vives propone para
recuperar ese estado de paz? No otro que la educación que deben ejercer
los varones justos, aquellos que desempeñan puestos de responsabilidad
social. Y a esta finalidad dedica el escritor de origen valenciano docena
y media de apartados señalando lo que corresponde a cada uno de esos
varones a los que califica de justos.
No es que Luis Vives no tuviera en cuenta los aspectos sociales nece-
sarios para la construcción de una situación de paz, pero sí creo que los
teólogos fueron más avanzados en este apartado. La estructura jurídica
de su doctrina fue fundamental para para conseguir este fin, al abordar
todas las cuestiones jurídicas y las sociales: la legitimidad del poder, las
relaciones de cada república con las demás, los derechos de propiedad de
la tierra, la dignidad de la persona, la guerra justa y la concepción de la
humanidad como una realidad universal que incluye las diferencias pero
elimina cualquier atisbo de relativismo. Como señala Francisco Castilla
en un libro que tiene algunos años pero que no ha perdido su vigencia, El
pensamiento de Francisco de Vitoria. Filosofía, política e indio americano,35

35. Francisco Castilla, El pensamiento de Francisco de Vitoria. Filosofía, política e indio


americano (Barcelona: Anthropos, 1992).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un diálogo con nuestro tiempo 1337

para el fraile dominico, uno de los fines propios del Estado “es la pacífica
convivencia civil, la felicidad humana dentro de la república”.36
Estas son, a mi entender, las propuestas relevantes de esta Escuela de
teólogos humanistas. Su presencia en la península ibérica y en las tierras
americanas resultó fundamental para ejercer una crítica severa, política
y moral frente a los efectos nocivos de la conquista. Al mismo tiempo
pusieron las bases de la que, a la distancia de aquel siglo XVI, puede cons-
tituir una comunidad internacional desde la hispanolusa o lusohispana
en su dimensión iberoamericana, tan respetuosa con las realidades nacio-
nales como cooperativa en todos los asuntos de repúblicas imperfectas
que son todas en este mundo que llamamos globalizado.
Cerremos con tres textos muy breves para que la palabra de sus
autores no quede muda.

a)

El primero es de Diego de Covarrubias, toledano de origen, dominico


que fue obispo de Segovia, algo menos conocido que otros de los miembros
de este grupo:

Al contrario de lo que sucede con la potestad espiritual, la temporal total


y suprema pertenece a la misma comunidad y reside en ella, y, por consi-
guiente, será supremo señor temporal superior a todos en todo el orbe
aquel que sea elegido y constituido como tal por la república de todo el
orbe.37

b)

El segundo pertenece a Pedro Simoes, nacido en Mortagua, población


portuguesa cercana a Coimbra, jesuita que ejerció de profesor en Evora:

Si el “príncipe pagano” no oprime a los cristianos, ni gobierna la repú-


blica a manera de un tirano, sino conforme al fin natural, no podrá ser
privado de su dominio por el simple hecho de no ser cristiano ni admi-
nistrar la república conforme al bien espiritual, y una vez probado el

36. Ibid. 123.


37. Diego de Covarruvias, Relectio in Regulam Peccatum in Omnium Operum (Salmanticae:
1577) en Escuela Ibérica de la paz/Escola Ibérica da paz (Santander: Ediciones de la
Universidad de Cantabria, 2014), 193.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1338 José Luis Mora García

hecho de que es legítimo señor, ni el Sumo Pontífice ni la Iglesia tienen


jurisdicción sobre él.38

c)

El tercero pertenece a Fray Alonso de la Veracruz, nacido en


Caspueñas, provincia de Guadalajara, agustino, profesor en la recién
fundada Real y Pontificia Universidad de México:

Los habitantes de este Nuevo Mundo no solo no son niños o locos sino que
a su modo, están muy bien dotados. Esto es evidente: antes de la llegada
de los españoles, como acabamos de constatar con nuestros propios ojos,
había entre las autoridades, gobiernos y ordenanzas sumamente apro-
piadas, y tenían comunidad política y régimen no solo monárquico sino
aristocrático; y entre ellos existían leyes, y castigaban a los malhechores,
a sí como premiaban a los beneméritos de la república (…) Síguese del
análisis que aquellos, quienes fueren, que los consideran indignos del
dominio o del reino o de otras esferas en las que eran verdaderos dueños,
alegan un título injusto.39

Referencias

Belda, Juan, La escuela de Salamanca Madrid: BAC, 2000.


Calafate, Pedro y Mandado, Ramón Emilio, Escuela Ibérica de la paz/Escola Ibérica da paz
Santander: Ediciones de la Universidad de Cantabria, 2014.
Calafate, Pedro, História do Pensamento Filosófico Português Lisboa: Editorial Caminho, 1999-
2004, 5 vols, 7 t.
Cançado Trindade, Antonio Augusto, Discurso del Acto de Investidura como Doctor Honoris
Causa del Profesor Antônio Augusto Cançado Trindade. Incluye la Laudatio expuesta por
el profesor Carlos Espósito y el Discurso de investidura: “La perennidad del legado de los
Padres Fundadores del Derecho Internacional,” Madrid: Servício de Publicaciones de la
Universidad Autónoma de Madrid, 2016.
Culleton, Alfredo, “Los maestros y la enseñanza de la filosofía en la primera universidad

38. Pedro Simoes, Annotationes in materiam de bello, ms. De la BNP 3858, ff 305 en Pedro
Calafate y Ramón Gutiérrez, Escuela Ibérica de la paz/Escola Ibérica da paz (Santander:
Ediciones de la Universidad de Cantabria, 2014), 299.
39. Alonso de la Veracruz, de iusto bello contra indos en Escuela Ibérica de la paz/Escola
Ibérica da paz (Santander: Ediciones de la Universidad de Cantabria, 2014), 215.
García Gibert, Javier, Sobre el viejo humanismo (Madrid: Marcial Pons, 2010), 226.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
La Escuela Iberoamericana de la Paz. Contribuciones a un diálogo con nuestro tiempo 1339

hispanoamericana” en Azafea v. 18, (2016), 41-54.


García Hourcade, Juan Luis, La rebelión de los astrónomos. Copérnico y Kepler Madrid: Nivola,
2000.
Laguna, Andrés, Europa heautentimorumene, es decir, que míseramente a sí misma se atormenta
y lamenta su propia desgracia en Miguel Ángel González Manjarrés, ed. Prólogo de Joseph
Pérez. Valladolid: Junta de Castilla y León, 2001.
Mora García, José Luis, “Propiedad y comunidad,” en II Ciclo de Palestras Ibero-americanas,
Disponível em: <https//www.even3.com.br/anais/2ciclo/140092. Acesso em: 23/02/2019.
Nicol, Eduardo, “Libertad y comunidad. La filosofía de Francisco Suárez” (1948) y “Propiedad
y comunidad. Suárez frente a Locke y Marx” (1948), recogidos en La vocación humana
México Ciudad: El Colegio de México, 1953, 203-249. Fueron publicados incialmente en
revistas mexicanas.
Pinilla, Ignacio, Omníbona. Utopía del siglo XVI. Salamanca: SEMYR, 2018.
Rivero, Manuel, La España de Don Quijote. Un viaje al siglo de Oro. Madrid: Alianza, 2005.
Rivero, Ángel, John Locke y “Traité sur le Goverment Civil” y el nacimiento del liberalismo moderno
en Manuel Rivero, ed. La crisis del modelo cortesano. El nacimiento de la conciencia europea.
Madrid: Polifemo, 2017.
Sacristán del Castillo, J.A. (y otros), Andrés Laguna, un científico español del siglo XVI. Madrid:
Fundación Lilly, 2013.
Vives, Juan Luis, Sobre la concordia y la discordia en el género humano. Valencia: Ayuntamiento
de Valencia, 1997.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Ad Extra
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1343-1380.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1343

«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente».


La filosofia della musica di Alfred Schütz
ANTONIO DI CHIRO *

Abstract
This essay analyzes the reflection of Alfred Schütz on music. The first part will focus on
the analysis of those that for Schütz are the constitutive elements of the phenomenology of
music. The second part will focus on the idea of music as a social interaction and relationship
of mutual harmony. The aim of the work is to demonstrate that Schütz’s reflection on music
does not constitute an isolated element within his thought process, but rather it constitutes
a fundamental element of his reflection because music represents in an exemplary way the
structure of the social relationship. Therefore, it will be demonstrated that music is for
Schütz a relationship based on the sharing of space and time, or an intersubjective sharing
of reality that allows simultaneous sharing in the experiences of one’s interlocutor.
Keywords: intersubjectivity, music, phenomenology, Schütz, social relation.

1. Filosofia della musica

A
lfred Schütz (1889-1959) è ritenuto un classico del pensiero socio-
logico e filosofico1. Nato a Vienna, studia economia e diritto e si
laurea con Hans Kelsen, ma viene subito attratto da questioni filo-
sofiche. Incontra diverse volte Husserl e partecipa alle riunioni del circolo
fenomenologico di Vienna. Prima dell’invasione nazista, abbandona l’Au-
stria e risiede a Parigi fino al 1939, per poi trasferirsi definitivamente

* Università degli Studi del Molise, Italy.


 a.dichiro@libero.it
1. Su Alfred Schütz e sul suo percorso intellettuale si vedano i lavori di: Alberto Izzo,
‘Introduzione’, in alfred Schütz, Saggi sociologici (Torino: Utet, 1979); V-L; Helmut
R. Wagner, Alfred Schutz: An Intellectual Biography (Bloomington, The University
of Chicago Press, 1978); Mauro Protti, Alfred Schütz. Fondamenti di una sociologia
fenomenologica (Milano: Unicopli/Cuesp, 1995), e (a cura di), Quotidianamente. Studi
sull’intorno teorico di Alfred Schütz (Lecce: Edizioni Pensa Multimedia, 2001); Luigi
Muzzetto, Il soggetto e il sociale. Alfred Schütz e il mondo taken for granted (Milano:
FrancoAngeli, 2006); Antonio Di Chiro, L’uomo a più dimensioni. Alfred Schütz e le
realtà multiple (Soveria Mannelli: Rubbettino, 2018); Remo Bodei, La filosofia nel
Novecento, (Milano: Feltrinelli, 2015), 131-137.

1343-1380

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1344 Antonio Di Chiro

negli Stati Uniti. Dal 1943 al 1959 insegna alla Graduate Faculty della New
School for Social Research di New York e ha modo di studiare il pensiero
di James, Dewey e Mead2. Schütz è stato sostanzialmente un «teorico
delle scienze sociali»3 e il «fondatore della sociologia fenomenologica»,
ovvero «un approccio alla sociologia in cui confluiscono in una sintesi
originale elementi del pensiero di Weber e del pensiero di Husserl», quali,
l’aspetto «relativo ai presupposti epistemologici delle scienze sociali»4 e la
questione dell’intersoggettività5, ossia il complesso delle strutture e delle

2. Cfr. Di Chiro, L’uomo a più dimensioni. Alfred Schütz e le realtà multiple, 11.
3. Nicola Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica
di Alfred Schütz’, in Alfred Schütz, Frammenti di fenomenologia della musica, (Milano:
Guerini e Associati,1996), 9.
4. Paolo Jedlowski, ‘Introduzione’, in Alfred Schütz, Don Chisciotte e il problema della
realtà, (Roma: Armando,1995), 8.
5. A proposito della questione dell’intersoggettività nel pensiero di Husserl, bisogna
precisare che essa, come fa notare Emilio Baccarini in La fenomenologia. Filosofia
come vocazione, (Roma: Studium,1981), 72-73, è per il padre della fenomenologia
una vera e propria «ossessione che l’ha accompagnato per gran parte della vita,
come documenta la pubblicazione dei tre grandi tomi dell’Husserliana dedicati
all’intersoggettività» e che, pertanto, secondo Vincenzo Costa, Elio Franzini, Paolo
Spinnicci, La fenomenologia, (Torino; Einaudi, 2002), 186, la riflessione di Husserl
sul tema dell’intersoggettività, dalla quinta delle Meditazioni cartesiane ai vari scritti
tra il 1929 e il 1932, non si configura come un «luogo oscuro», ma come la logica
continuazione di un lavoro di «chiarificazione concettuale sulla costituzione del tutto
implicito in Idee I, e fors’anche in scritti precedenti, nella precisa consapevolezza
che la costituzione stessa non può compiersi nel solipsismo, cioè nell’ambito di un
progetto isolato e astratto. Il tema dell’intersoggettività, dunque, nasce non da vaghe
esigenze “esistenziali” […] bensì dalle ricerche sulla costituzione della natura nei suoi
vari strati d’esperienza, reale e possibile». I tre tomi sull’intersoggettività pubblicati
nell’Husserliana sono: vol. XIII, Zur Phänomenologie der Intersubjektivität, Erster Teil
(1905-1920), vol. XIV, Zur Phänomenologie der Intersubjektivität, Zweiter Teil (1921-
28), vol. XV, Zur Phänomenologie der Intersubjektivität, Dritter Teil (1929-35), tutti e tre
a cura di I. Kern, Nijhoff, Den Haag, 1973. Sul tema dell’intersoggettività in Husserl
si vedano i lavori di: Giuseppe Cacciatore, Il fondamento dell’intersoggettività tra
Dilthey e Husserl, in A. Masullo, C. Senofonte (a cura di), Razionalità fenomenologica e
destino della filosofia, (Genova: Marietti, 1988), 143-173; Vincenzo Costa, ‘L’esperienza
dell’altro. Per una fenomenologia della separazione’, in A. Ferrarin (a cura di), Passive
Synthesis and Life-World. Sintesi passiva e mondo della vita, (Pisa: Ets, 2006), 109-
125; Vincenzo Costa, Dan Zahavi, ‘Esperienza e intersoggettività nella prospettiva
fenomenologica’, in Bollettino filosofico, n. 16, (2000), 263-286; Giovanni Ferretti,
‘Soggettività e intersoggettività. Le “Meditazioni cartesianea” di Husserl’, (Torino:
Rosenberg & Sellier, 1997); Alice Pugliese, La dimensione dell’intersoggettività.
Fenomenologia dell’estraneo nella filosofia di Edmund Husserl, (Milano: Mimesis,
2004); Berhnard Waldenfels, Das Zwischenreich des Dialogs. Socialphilosophisce
Untersuchungen in Anschluẞ an Husserl, (Den Haag: Nijhoff, 1971), doi: 10.1007/978-
94-010-3000-7; Dan Zahavi, Husserl und die transzendentale Intersubjektivität. Eine

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1345

relazioni che intercorrono tra i soggetti umani. Da questo punto di vista,


il progetto di Schütz è stato quello di «una fondazione filosofica»6 delle
scienze sociali, tramite la ripresa del pensiero di Husserl. Infatti, «Schütz
cerca di farsi carico e di affrontare e risolvere buona parte delle criticità
presenti nel lavoro di Husserl e soprattutto attua uno spostamento del
campo d’indagine della fenomenologia che si rivelerà decisivo per le
scienze umane»7. Pertanto, è con lui che «l’oggetto della fenomenologia
diviene di natura eminentemente sociale, intersoggettivo», e attraverso «la
scoperta del senso costituitivo dell’intersoggettività, occorre riconoscere
che l’oggetto per eccellenza della fenomenologia è il fenomeno sociale»8.

Antwort auf die sprachpragmatische Kritk, (Dordrecht-Boston-London: Kluwer, 1996),


doi: 10.1515/SATS.2000.191 Sul tema dell’intersoggettività a partire da Husserl si veda
Vincenzo Costa, Fenomenologia dell’intersoggettività, (Roma: Carocci, 2010).
6. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, 9.
7. Di Chiro, L’uomo a più dimensioni. Alfred Schütz e le realtà multiple, 157. L’incontro con
la fenomenologia segna per Schütz l’inizio di un’indagine critica su alcuni dei concetti
centrali del pensiero di Husserl. Gian Luca Sanna, in Realizzazione etica del sé in Alfred
Schütz. Tra pragmatismo e fenomenologia, (Roma: Armando, 2007), 50, rileva che tale
indagine occupa la riflessione di Schütz per un periodo che dura all’incirca venticinque
anni e che la discussione critica con Husserl porterà a un graduale, polemico e sofferto
distacco nei confronti del padre della fenomenologia, I toni polemici nei confronti di
Husserl emergono soprattutto nello scambio epistolare di Schütz con Aron Gurwitsch,
Philosophers in Exile. The corrispondence of Alfred Schütz and Aron Gurwitsch, 1939-
1959, (Bloomington: Indiana University Press, 1989). Seguendo le indicazioni di
Lugi Muzzetto in Fenomenologia, etnometodologia. Percorsi della teoria dell’azione,
(Milano: FrancoAngeli, 1997), 26, possiamo affermare che il confronto con Husserl
si svolge lungo tre periodi: il primo ruota intorno all’opera del 1932 Fenomenologia
del mondo sociale; il secondo riguarda gli anni che vanno dal 1940 al 1954; il terzo
va dal 1954 alla morte dell’autore. Appartengono al secondo periodo i saggi: ‘Some
Leading Concepts of Phenomenology’, Social Research, 12, 1945, 77-97, poi in Collected
Papers, vol. I, (The Hague: Martinus Nijhoff, 1962), trad. it. A. Izzo, Saggi sociologici,
(Utet: Torino 1979), 99-117, doi: 10.1007/978-94-010-2851-6_4; ‘Phenomenology and
the Social Sciences’, Philosophical Essays in Memory of Edmund Husserl, edited by
Farber Marvin (Cambridge: Harvard University Press), 1940, 164-186, poi in Collected
Papers, vol. I, 118-139, trad. It. A. Izzo, Saggi sociologici, 118-138; ‘Edmund Husserl’s
Ideas, Volume II’, Philosophy and Phenomenological Research, 13, 1953, 394-413, poi
in Collected Papers, vol. III, (The Hague: Martinus Nijhoff, 1970), 15-39; ‘Scheler’s
Theory of Intersubiectivity and the General Thesis of the Alter Ego’, Philosophy and
Phenomenological Research, 2, 1942, 323-347, poi in Collected Papers, vol. I, 150-179, trad.
it. di A. Izzo, Saggi sociologici, 149-178, doi: 10.1007/978-94-010-2851-6_7. Appartiene,
invece, all’ultimo periodo il saggio ‘The Problem of Transcendental Intersubjectivity in
Husserl’, Philosophisce Rundschau: Eine Vierteljahresschrift für philosophisce Kritik, 5,
1957, poi in Collected Papers, vol. III, (51-91), doi: 10.1007/978-94-015-3456-7_4.
8. Kai Noschis, Denys De Caprona, ‘Postface’, in Alfred Schutz, Le Chercheur et le Quotidien,
Phénoménologie des sciences sociales, (Méridiens Klincksieck : Paris, 1987), 269-271.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1346 Antonio Di Chiro

In tal modo, «il nucleo dell’opera di Schütz può essere inteso essenzial-
mente come una riflessione sistematica sui modi e luoghi dell’incontro,
della costituzione e ri-costituzione della soggettività e della socialità»9.
All’interno di questo quadro teorico si collocano le riflessioni di Schütz
sulla musica, che, ben lungi dall’essere considerazioni occasionali, sono
in realtà, un elemento fondamentale all’interno del percorso culturale del
filosofo e sociologo austriaco.

La musica, allora, tenderà, ad assumere un valore paradigmatico, nel


senso che il brano musicale nel suo concreto svolgersi temporale, alla
presenza di esecutori ed ascoltatori, esibirà in maniera davvero esem-
plare il funzionamento di un processo di relazione sociale a vari livelli:
da quello della decifrazione-interpretazione della partitura – che richiede
complesse mediazioni culturali  – a quello in cui la musica, rappresa,
per così dire, in segni posti su un supporto cartaceo, viene nuovamente
disciolta nel flusso temporale e resa disponibile per l’ascoltatore nel
presente “vivido”10.

Gli scritti sulla musica risalgono al periodo americano e sono tre:


Frammenti di Fenomenologia della musica composto nel 1944 e pubblicato
postumo nel 1976; Fare musica insieme del 1951 e Mozart e i filosofi del
195611. Questi scritti

pur risentendo del clima che caratterizzava l’estetica fenomenologica,


non si identificano con quella tradizione, né si inseriscono nel dibattito
socio-filosofico sulla musica che vedeva impegnati, tra gli altri, Sorokin,
Adorno, Lissa, Blaukopf. Sono il risultato della confluenza di 1) alcuni
assunti della fenomenologia husserliana (sulla coscienza in particolare);
2) della teoria bergsoniana del tempo; 3) di alcune intuizioni sulle dina-
miche psico-sociologiche dell’attività musicale rintracciabili in Simmel,
Dilthey e, in misura minore, Weber, riformulate attraverso la psicologia
sociale di W. James e G. H. Mead12.

9. Luigi Muzzetto, Il soggetto e il sociale. Alfred Schütz e il mondo taken for granted,
(Milano: FrancoAngeli, 2006), 9.
10. Pedone, Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di Alfred
Schütz, 9.
11. Il saggio ‘Fragments of Phenomenology of Music’ è in Music and Man, II/1-2, 1976, 23-
71. Gli altri due saggi, ‘Making Music Together’ e ‘Mozart and the Philosophers’ sono
contenuti nei Collected Papers, vol. II (The Hague: Martinus Nijhoff, 1964), 159-178.
In italiano tutti e tre i saggi sono in Schütz, Frammenti di fenomenologia della musica
(Milano: Guerini e Associati,1996).
12. Paola Prato, ‘La fenomenologia della musica di Alfred Schütz’, Rivista di estetica, n. 10,

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1347

Da questo punto di vista, ciò che interessa a Schütz non è la questione


di problemi concernenti l’ambito di una possibile «sociologia della
musica» o di una «fenomenologia del linguaggio musicale», quanto piut-
tosto quella delle «relazioni sociali connesse alla musica», ovvero lo studio
di «una fenomenologia dell’ascolto e una fenomenologia della pratica
musicale»13. Pertanto, la riflessione di Schütz sul fenomeno musicale si
configura come una vera e propria filosofia della musica, ovvero un’in-
dagine rigorosa, anche se frammentaria, tesa ad appurare le condizioni
di possibilità dell’esperienza musicale, le sue strutture portanti e i suoi
elementi costitutivi14, ed essa, come cercheremo di dimostrare, assume un
posto rilevante all’interno del suo pensiero in quanto diventa un oggetto
privilegiato dell’indagine sia filosofica che sociologica.
Sia il secondo che il primo saggio si aprono con una definizione del
termine musica che delimita il quadro delle indagini15:

La musica è un contesto dotato di significato, non collegato a uno schema


concettuale. Questo contesto dotato di significato, può, però, essere
comunicato. Il processo di comunicazione tra compositore ed ascol-
tatore richiede di norma un intermediario: un esecutore o un gruppo di
esecutori. Tra queste figure che partecipano al processo comunicativo
s’instaurano relazioni sociali dalla struttura particolarmente complessa16.

(1982), 90.
13. Ibid. Sul tema dell’ascolto musicale si veda: Marian T. Dura, ‘The Phenomenology of
the Music-Listening Experience’, Arts Education Policy Review, 107, 3, (2006): 25-32,
doi: 10.3200/AEPR.107.3.25-32.
14. Per quanto riguarda la filosofia della musica il riferimento è al lavoro di Giovanni
Piana, Filosofia della musica, (Milano: Guerini e Associati, 1991). Sul tema della musica
nel pensiero di Schütz si vedano i lavori di: Timothy M. Costolloe, ‘Schutz, Music, and
Temporality: A Wittgensteinian Assessment’, Philosophy of the Social Sciences, 24, no.
4, (1994): 439-57, doi:10.1177/004839319402400403; Mendoza De Arce, ‘Alfred Schutz
on Music and Society’, The Annals of Phenomenological Sociology, no. 1, (1976): 47-
55; Gerd Sebald, ‘Fragment on the Phenomenology of Rhythm’, Schutzian Research,
5, (2013): 1-22, doi: 10.7761/sr.5.2013.11; Christine A. Skarda, ‘Alfred Schutz’s
Phenomenology of Music’, Journal of Musicological Research, 3, no. 1-2, (1979): 75-
132, doi: 10.1080/01411897908574508; Riccardo Venturini, ‘Time, intersubjectivity,
and musical relationship in Alfred Schutz’, in SocietàMutamentoPolitica, 6, no. 12,
(2015): 165-201, doi: 10.1080/01411897908574508. Sul tema della musica nella
tradizione fenomenologica si veda Augusto Mazzoni, ‘La musica nella prima estetica
fenomenologica’, Il saggiatore musicale, 9, no. 1/2 (2002), 137-150,
15. Cfr. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, 10.
16. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’, Frammenti di
fenomenologia della musica, 91.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1348 Antonio Di Chiro

La citazione fa emergere alcuni elementi cruciali della riflessione di


Schütz sulla musica. La prima riguarda il fatto che la musica è dotata «di
significato» e non è «collegata ad uno schema concettuale». La seconda
riguarda il fatto che, nonostante la musica non sia riconducibile ad uno
schema concettuale, essa sia comunicabile e questa sua comunicabilità
riguarda il compositore, l’ascoltatore e l’esecutore del brano musicale;
e infine, l’ultimo e il più importante elemento concerne il fatto che il
processo comunicativo proprio della musica consente relazioni sociali
«dalla struttura particolarmente complessa». Nella prima parte di questo
lavoro ci soffermeremo sul primo saggio al fine di analizzare i primi due
punti e sul secondo saggio per analizzare il terzo punto e dimostrare come
la musica per Schütz permetta la deiscenza di un mondo in comune e
la conseguente condivisione intersoggettiva della realtà, configurandosi,
quindi, come un «affare eminentemente sociale»17.

2. Lineamenti di fenomenologia della musica

Nei Frammenti di fenomenologia della musica, come fa notare


Pedone, «i motivi filosofici, nonostante il carattere non sistematico dell’e-
sposizione, sono trattati secondo una prospettiva più ampia» ed è subito
indicato «l’ambito entro cui deve svolgersi una filosofia della musica di
ispirazione fenomenologica»18:

Un approccio fenomenologico alla musica può sicuramente trascurare


le qualità fisiche del suono, così come il processo di razionalizzazione
dei suoni che conduce alla scala musicale. Come ha già correttamente
puntualizzato Scheler, nell’ascoltare musica noi non percepiamo onde
sonore provenienti dall’oscillazione del corpo che produce il suono.
Qui possono venir confusi due differenti schemi di riferimento. Il fisico
può dire che dal corpo oscillante provengono onde sonore e che queste
colpiscono il timpano dell’orecchio umano. Il fisiologo, per quanto lo
consentono le sue capacità e la sua scienza, può spiegare quali parti
dell’orecchio interno, quali nervi e cellule cerebrali rispondono allo
stimolo che il timpano riceve. Tutto ciò è irrilevante per l’esperienza

17. Prato, ‘La fenomenologia della musica di Alfred Schütz’, 95. Nel nostro lavoro non
prenderemo in considerazione il saggio Mozart e i filosofi, poiché il lavoro in questione
si sofferma sull’analisi della figura del musicista viennese e non sugli elementi
costitutivi dell’esperienza musicale e sulla natura sociale della musica.
18. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, 11.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1349

dell’ascoltatore. Egli non reagisce a onde sonore, né tantomeno perce-


pisce suoni; egli semplicemente ascolta musica19.

Il punto di partenza, dunque, per un’indagine fenomenologica sulla


musica riguarda l’ascolto. Altri aspetti quali il background culturale
dell’ascoltatore, le differenze tra le diverse esecuzioni e culture musicali
passano in secondo piano20 e, una volta, tralasciati questi temi, rimangono
«aspetti che sono essenziali per l’esperienza della musica come fenomeno
della nostra vita di coscienza, e sono esattamente questi gli elementi che
devono essere indagati da una descrizione fenomenologica»21. Una volta
delimitato l’ambito d’indagine Schütz può soffermarsi sulla definizione di
un brano musicale. Esso «non è identificabile con la sua partitura, né con
la sua esecuzione, così come una teoria matematica non s’identifica con il
libro su cui è scritta, né con la lezione con cui viene spiegata»22.
Infatti, secondo Schütz

È sbagliato pensare che una sinfonia esista soltanto nella partitura o


nell’esecuzione di un’orchestra. Tanto la sua partitura quanto l’esecu-
zione hanno, rispetto all’opera musicale, la stessa relazione che un libro
stampato o una lezione hanno rispetto ad un pensiero filosofico o a una
teoria matematica. In realtà, la partitura, l’esecuzione, il libro, la lezione
sono mezzi indispensabili per comunicare il pensiero musicale o scien-
tifico. Essi non sono, tuttavia, questo pensiero stesso. Un’opera musicale
o un teorema matematico hanno il carattere di un oggetto ideale23.

Pertanto, un «brano musicale e un teorema condividono questo


statuto di oggetto ideale; essi differiscono tuttavia in quanto a costitu-
zione»24. A tal proposito, Schütz riprendendo Husserl, opera una distin-
zione tra costituzione politetica e costituzione monotetica. Egli utilizza
come esempio il teorema di Pitagora. Esso viene costituito nella mente
«in una serie di operazioni mentali interconnesse» e dopo aver seguito tale

19. Schütz, ‘Frammenti di fenomenologia della musica’, 34.


20. Cfr. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz, 12.
21. Schütz, ‘Frammenti di fenomenologia della musica’, 58.
22. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, 12.
23. Schütz, ‘Frammenti di fenomenologia della musica’, 36.
24. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, 12.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1350 Antonio Di Chiro

procedura si è in grado di «osservare con un solo sguardo l’intero processo


di passi politetici»25. Tuttavia Schütz precisa che

Non è possibile – per lo meno per una comune mente umana – guardare
nomoteticamente l’oggetto ideale “opera musicale”. In un singolo sguardo
non possiamo afferrare il significato costituito di un’opera musicale. In
un solo sguardo possiamo, tutt’al più, afferrare il contenuto che l’opera
musicale comunica, il particolare stato d’animo o l’emozione che esso
evoca, oppure la sua forma interna […]. L’opera d’arte stessa, tuttavia,
può soltanto essere ricordata e afferrata ricostituendo i passi politetici
in cui è stata costituita, riproducendo mentalmente o effettivamente il
suo sviluppo dalla prima all’ultima battuta, seguendo il suo procedere
nel tempo26.

E questo fa si che il «modo specifico di costituzione»27 dell’opera


musicale sia quello politetico. Tuttavia, Schütz ritiene necessaria un’ul-
teriore precisazione in quanto la divisione tra costituzione politetica e
costituzione nomotetica rimanda ad «un sottostante schema concettuale
di riferimento» e pertanto «l’affermazione per cui la musica non può
essere afferrata nomoteticamente è semplicemente un corollario della tesi
secondo la quale il contesto di significato della musica non è correlato ad
uno schema concettuale»28. Quest’ultima precisazione è molto importante
poiché rimanda alla questione cui abbiamo accennato poco sopra, ovvero
a quella del significato musicale e poi a quella del tempo. Ora ci soffer-
meremo sulla prima questione, poi sulla seconda e infine proveremmo a
individuare un elenco degli elementi comuni all’esperienza musicale.
Paola Prato fa notare che «la nozione di “significato musicale” viene
da Schütz assunta in tre accezioni tra di loro apparentemente incompa-
tibili»29. Proviamo a vedere tali accezioni. In base alla prima, «l’opera
possiede un significato per l’autore, che può essere compreso come tale
dall’ascoltatore» e pertanto si parla di un «“significato corretto” che l’in-
terprete ha il compito di svelare». In base alla seconda accezione, invece,
il significato musicale «non è un predicato o una qualità dell’esperienza
musicale ma è l’effetto dell’atteggiamento riflessivo che assumiamo nei suoi
confronti». Da questo punto di vista, il significato riguarda solo il passato e

25. Schütz, ‘Frammenti di fenomenologia della musica’, 37.


26. Ibid. 38-39.
27. Ibid. 39.
28. Ibid.
29. Prato, ‘La fenomenologia della musica di Alfred Schütz’, 90.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1351

non il futuro. Infine, secondo l’ultima accezione, «il significato sorge dall’i-
dentificazione dell’ascoltatore col tempo interiore del compositore; può
sorgere solo reimmergendosi nel flusso corrente e riproducendo l’evento
musicale in tutti i suoi momenti costitutivi»30. In sintesi, per Schütz il
significato musicale si configura come una sorta di «svelamento», come
«intergioco dei meccanismi coscienziali del ricordo e dell’anticipazione,
e come effetto di sintonizzazione»31. Dunque, se nel primo caso si parla
di significato musicale come descrizione delle proprietà che l’autore del
brano musicale trasferisce su di un oggetto, nel secondo e nel terzo caso
si parla di una relazione tra il soggetto e l’oggetto: «relazione di distanzia-
mento (secondo caso) e relazione di identificazione (terzo caso)32.
Schütz si sofferma ad analizzare gli ultimi due aspetti. «La sua feno-
menologia è un tentativo di descrizione delle relazioni che il soggetto
stabilisce con l’oggetto. Il primo tipo di problematica (il significato come
complesso di qualità-attributi immanenti all’oggetto musicale) resta
sostanzialmente ai margini della sua trattazione, come assunto impli-
cito»33. Egli afferma che il «significato musicale non è di natura concet-
tuale: la musica non si riferisce né a concetti né a oggetti del mondo. Non
ha funzione rappresentative o semantiche»34. La «fruizione di un brano
musicale si caratterizza in riferimento ad un sistema di competenze
(linguistica, comunicativa, comportamentale) che sono parte di quella
“conoscenza a portata di mano” che costituisce l’orizzonte del senso
comune. Tale conoscenza ha origini sociali, può essere condivisa, perciò
i significati designativi sono una parte reale, se non fondamentale dell’e-
sperienza musicale»35. Qui è opportuno un chiarimento a proposito della
struttura sociale della conoscenza. Per Schütz, solo una piccola parte delle
conoscenze di cui noi disponiamo, scaturisce dai nostri vissuti e dalle
nostre esperienze, mentre, la parte restante risiede in vissuti ed esperienze
che noi non abbiamo avuto modo di vivere, ma che ci sono stati comu-
nicati e tramandati per eredità dai nostri simili36. Questo tipo di cono-
scenza si basa su «un genere di organizzazione dovuta ad abitudini, a

30. Ibid.
31. Ibid.
32. Ibid. 91.
33. Ibid.
34. Ibid.
35. Ibid.
36. Cfr. Alfred Schütz, ‘Il cittadino bene informato: saggio sulla distribuzione sociale della
conoscenza’, Saggi sociologici, 404-418.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1352 Antonio Di Chiro

regole e a princìpi di cui ci serviamo costantemente con risultati positivi»


e che tuttavia riceviamo passivamente e in maniera acritica dai nostri
predecessori. Infatti, Schütz afferma che

l’origine delle nostre abitudini è quasi al di fuori del nostro controllo; le


regole che applichiamo sono regole empiriche approssimative e la loro
validità non è mai stata verificata. I principi da cui muoviamo sono in
parte ereditati acriticamente dai genitori e dagli insegnanti e in parte
scelti a caso da situazioni specifiche della nostra vita o della vita di altri
senza aver fatto alcuna ulteriore ricerca circa la loro consistenza. Non
abbiamo alcuna garanzia circa l’attendibilità di tutti questi presupposti
da cui siamo regolati. D’altro lato, queste esperienze e queste regole ci
sono sufficienti per dominare la vita37.

Pertanto, questo tipo di conoscenza non si basa sulla certezza, ma


solo sulla probabilità. Essa si discosta da quella «delle leggi naturali» e si
avvicina a «quella delle sequenze e dei rapporti tipici». Schütz la chiama
«“conoscenza da libro di cucina”» e così afferma:

Il libro di cucina contiene ricette, liste di ingredienti, formule per mesco-


larli, e istruzioni per raggiungere il risultato finale dei piatti. Ciò è tutto
quanto ci serve per fare una torta di mele, e anche tutto quanto ci serve
per affrontare le questioni di routine della vita quotidiana. Se ci piace
la torta di mele fatta in questo modo, non ci chiediamo se il modo di
prepararla indicato dalla ricetta è il più appropriato dal punto di vista
igienico o dell’alimentazione, o se è il modo più rapido, più economico
e più pratico. Ci limitiamo a mangiarla, e ci piace. La maggioranza delle
nostre attività da quando ci alziamo a quando andiamo a letto è di questo
genere. Esse sono compiute seguendo ricette ridotte ad abitudini auto-
matiche o a luoghi comuni indiscussi. Questo genere di conoscenza ha
interesse solo per le regolarità degli eventi del mondo esterno come tale,
prescindendo dalle sue origini. In seguito a questa regolarità ci si può
ragionevolmente attendere che il sole domani sorgerà. Accade con pari
regolarità e può pertanto essere anche anticipato con buone ragioni che
l’autobus mi porterà in ufficio se prenderò quello giusto e pagherò il
biglietto38.

Dunque, la «conoscenza da libro di cucina» è costituita da regole,


esperienze e cognizioni che l’attore sociale riceve in maniera passiva, senza

37. Alfred Schütz, ‘Il problema della razionalità nel mondo sociale’, Saggi sociologici, 355-
356. Corsivo nostro.
38. Ibid. 356.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1353

mettere in discussione e limitandosi ad applicarle pragmaticamente per


fini concreti e scopi di natura eminentemente pratica. Questa precisazione
sul carattere sociale e derivato della conoscenza è importante in quanto ci
riporta alle altre due accezioni relative al significato musicale, «quella del
momento dell’identificazione e del momento del distanziamento, ovvero
del significato che scaturisce dal fatto di astrarsi dal flusso musicale e di
ricordarlo. Entrambi i significati sono funzione del particolare schema di
riferimento entro cui l’utente si pone nei confronti dell’evento musicale»39.
Questo evento non ha una dimensione di purezza originaria, ma appare
sempre «caricato di marche semantiche»40, ovvero ha a che fare con
schemi, conoscenze, nozioni, e valori che appartengono ad una precisa
tradizione storico-culturale che, come abbiamo visto, l’attore sociale
eredita in maniera passiva ed acritica.
Una volta enucleati i punti chiave di una fenomenologia della musica
ed esserci soffermati sul concetto di significato musicale, possiamo ora
soffermarci sugli elementi comuni all’esperienza musicale e sul valore
del tempo nella musica. Quest’ultimo punto ci porterà poi ad analizzare
l’aspetto sociale della musica.
Schütz afferma che vi sono diversi «elementi comuni ad ogni tipo di
esperienza musicale»41. Proviamo a vedere, in sintesi, questi elementi.
1) «Ogni esperienza musicale prende origine nello scorrere del tempo
interno, nel flusso della coscienza»; 2) «L’esperienza musicale si basa sulla
facoltà della mente di ricordare il passato attraverso ritenzioni e riprodu-
zioni e di presentire il futuro attraverso protenzioni e anticipazioni»; 3)
«L’elemento di base di ogni musica è un’unica configurazione chiamata
tema. Essa stessa è estesa nel tempo interno e viene appercepita come
un’unità (Gestalt)»; 4) «Un tema può ricorrere. Esso può essere ripetuto
immediatamente oppure ricorrere dopo che sono intervenuti altri temi»;
5) «Un tema può essere modificato»; 6) «Un tema può essere combinato
con altri temi o con se stesso o con sue parti o momenti o sue modifica-
zioni. Questa combinazione può aver luogo sia in successione sia in simul-
taneità»42. Da questa lista di elementi comuni dell’esperienza musicale
Schütz esclude il ritmo come aspetto «non essenziale». Esso è «pecu-
liare solo a certe culture musicali» e, inoltre tale concetto è «equivoco»

39. Prato, ‘La fenomenologia della musica di Alfred Schütz’, 92.


40. Ibid.
41. Schütz, ‘Frammenti di fenomenologia della musica’, 60.
42. Ibid. 60-61.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1354 Antonio Di Chiro

poiché rimanda sia all’aspetto fisiologico, sia a «eventi del mondo esterno
(marciare, camminare, ballare) e, infine, alle specifiche strutturazioni alla
nostra idea moderna di musica (ritmo come funzione dell’armonia)»43.
Una volta individuate le caratteristiche comuni dell’esperienza musicale
Schütz si sofferma sulla questione del tempo. Secondo Prato, egli parte
«dalla concezione bergsoniana del tempo per analizzare l’articolarsi del
flusso musicale nelle dimensione del tempo interiore […] e dalla conce-
zione husserliana della coscienza per discutere lo statuto ideale di un’opera
musicale, la sua costituzione politetica e il tipo di sintesi che permette di
rendere significante il flusso»44. Abbiamo già visto come per Schütz un
brano musicale abbia a che fare con una dimensione politetica, ovvero
possa «essere afferrabile ripercorrendo per intero l’estensione temporale
in cui esso si dispiega». Questo è possibile poiché il brano, al contrario
di una poesia o dei passaggi per dimostrare un teorema matematico che
possono essere colti in maniera nomotetica in quanto riferiti ad uno
schema concettuale, non può essere afferrato nella dimensione spaziale:
«l’arte della musica e i mezzi che essa impiega sono indipendenti dalla
nostra esperienza spaziale»45. Pertanto, proprio dell’esperienza musicale
è non la dimensione spaziale, ma quella temporale. Qui, come detto, i
riferimenti di Schütz sono, da una parte Bergson, dall’altra Husserl. Per
quanto riguarda il primo autore, Schütz da esso riprende «il tema della
durée, intesa come il tempo interno del nostro flusso di coscienza: nel
fluire ininterrotto della vita, il tempo non è riducibile ad una successione
di istanti, ma è un continuum in cui l’io vive in modo immediato e irri-
flesso». E questa è la dimensione del tempo interno che è propria dell’a-
scolto musicale. In contrapposizione a tale dimensione Schütz pone quella
del tempo «esterno o spazializzato», ovvero la dimensione che ci permette
di «segmentare il flusso temporale, e dunque di misurarlo»46 per gli scopi
pragmatici dell’esistenza. Per Schütz le due dimensioni temporali sono
inconciliabili e il tema musicale può essere colto, in maniera indivisibile,
solo nella dimensione del tempo interiore:

I filosofi, da Agostino a Husserl, fino a James e Bergson, hanno studiato


la natura del tempo immanente o durée, come la chiama Bergson,

43. Ibid. 62.


44. Prato, ‘La fenomenologia della musica di Alfred Schütz’, 93.
45. Schütz, ‘Frammenti di fenomenologia della musica’, 48.
46. Nicola Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica
di Alfred Schütz’, 14.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1355

e del nostro flusso di coscienza (titolo sotto il quale James affronta il


problema). Senza entrare in una disamina esaustiva degli insegnamenti
di questi filosofi, dobbiamo sottolineare alcuni ulteriori concetti di base,
rilevanti per il nostro problema, allo scopo di mostrare che la musica
viene esperita in quanto avvenimento nel tempo interno47.

Tale tempo interno è il «tempo della nostra attesa, il tempo in cui


invecchiamo. Il tempo del nostro flusso di coscienza» ed è «del tutto libero
da elementi di spazio». Proiettato nella dimensione spaziale, tale tempo
interno diventa un «tempo cosmico o tempo dei fisici»48, ovvero un tempo
misurabile, quantificabile e calcolabile che è agli antipodi del tempo
interno. Quest’ultimo è costituito da «esperienze che si susseguono ad altre
esperienze in modo ininterrotto e interconnesso» in un flusso continuo.
Nei confronti di tale flusso si possono avere due atteggiamenti: da una
parte, si può nuotare in tale corrente e dirigersi così verso i contenuti dei
nostri pensieri; dall’altra parte, possiamo uscire dal flusso e soffermarci a
«guardare indietro, in quello che si definisce un atto di riflessione, verso le
fasi passate del flusso del nostro pensiero»49. Qui Schütz riprende Husserl
e il «riferimento alle analisi husserliane sul tempo» gli consente di «dare
all’intera trattazione una maggiore ricchezza e precisione analitica» e di
confrontarsi con alcuni dei concetti fondamentali della fenomenologia,
quello quale di sintesi passiva50. Infatti, il «presente fenomenologico, in
accordo con Husserl, risulta da una tensione tra la direzione del passato e

47. Schütz, ‘Frammenti di fenomenologia della musica’, 50-51.


48. Ibid. 50.
49. Ibid. 51.
50. Nicola Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica
di Alfred Schütz’, 16. La questione della sintesi passiva è affrontata da Schütz nel
saggio ‘La teoria dell’intersoggettività di Scheler e la tesi generale dell’alter ego’,
Saggi sociologici, 149-178, e ‘The Problem of Transcendental Intersubjectivity in
Husserl’, Philosophisce Rundschau: Eine Vierteljahresschrift für philosophisce Kritik, 5,
1957, poi in Collected Papers, vol. III, (51-91). Sull’importanza della sintesi passiva
ai fini dell’esperienza musicale nel pensiero di Schütz si veda Venturini, ‘Time,
intersubjectivity, and musical relationship in Alfred Schutz’, 177-179. Per quanto
riguarda il tema della sintesi passiva, il riferimento principale è: Edmund Husserl,
Lezioni sulla sintesi passiva, trad. it. V. Costa, a cura di Paolo Spinnicci, (Milano:
Guerini e Associati, 1993). Sulla questione della sintesi passiva in Husserl si veda:
Ichiro Yamaguchi, Passive Synthesis und Intersubjekvität bei Edmund Husserl,
(Boston-London: The Hague, 1982), doi: 10.1007/978-94-009-7447-0; Tommaso Piazza,
Esperienza e sintesi passiva. La costituzione percettiva nella filosofia di Edmund Husserl,
(Milano: Guerini, 2001); Alberto Ferrarin (a cura di), Passive Synthesis and Life-World.
Sintesi passiva e mondo della vita (Pisa: Ets, 2006).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1356 Antonio Di Chiro

quella del futuro»51. In riferimento alla prima dimensione, avremo ricordi


e rammemorazioni di due tipi: la ritenzione, ovvero una tipologia di ricordo
in cui si mantiene ancora un contatto diretto con il passato; e la riprodu-
zione, ovvero un atto di riferirsi a passati remoti che il ricordo tende a
riprodurre e che non si «salda immediatamente ad esperienze attuali».
Entrambi, ritenzione e «riproduzione sono, allora, i due tipi preminenti
di memoria. Entrambe sono importanti allo stesso modo per la costitu-
zione dell’esperienza musicale»52. Diverso è, invece, l’atteggiamento verso
il futuro. Anche in questo caso abbiamo a che fare con due tipologie di
rammemorazioni: la protenzione e l’anticipazione. La prima si collega diret-
tamente all’esperienza del momento presente, la seconda rimanda invece
«ad eventi e esperienze del futuro più lontano»53. Alla luce di queste distin-
zioni Schütz afferma che «Ritenzioni e riproduzioni, protenzioni e anti-
cipazioni sono costitutive dell’interconnessione del flusso della coscienza.
Esse sono ugualmente costitutive di ogni esperienza della musica»54. Egli,
a questo punto, si sofferma sull’analisi del tema musicale nella dimen-
sione del tempo interno e concentra la sua attenzione su alcune categorie
«basilari di ogni esperienza musicale»55: a) continuità e ripetizione; b)
identità. Per quanto riguarda la prima, i «termini continuità e ripetizione
sono opposti solamente se applicati all’esperienza di una singola nota,
sia che questa perduri, sia che la sua fase finale si trovi eseguita da una
fase iniziale della stessa nota». Dunque, con il termine ripetizione Schütz
vuole intendere «semplicemente un caso speciale dell’intermittenza di una
continuità». Pertanto, continuità e ripetizione non

si originano nella pura ritenzione. Esse si basano su altre forme della


memoria; la ripetizione si origina in una sintesi di riconoscimento tra
l’esperienza trascorsa e riprodotta del tema e la sua ricorrenza effettiva-
mente esperita; la continuità si origina in un compimento dello sviluppo
precedentemente anticipato dall’esperienza effettiva56.

Per quanto concerne la seconda categoria, Schütz riconosce che


quello «dell’“identità” è uno dei problemi più difficili della fenomeno-

51. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, 16.
52. Schütz, ‘Frammenti di fenomenologia della musica’, 53.
53. Ibid. 54.
54. Ibid.
55. Ibid. 64.
56. Ibid. 65-67.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1357

logia» in quanto lo stesso Husserl ha «mostrato che possiamo ricono-


scere un oggetto come lo stesso, ma modificato e che, inoltre, dobbiamo
distinguere tra identità e uguaglianza»57. La musica si comprende tramite
una «sintesi di riconoscimento – basata sull’identificazione passiva». Tale
processo è diverso nel caso di oggetti sensibili e tangibili. Infatti, in questo
caso, dato che si ha a che fare con la dimensione spaziale, si verificano
intermittenze cinestetiche che ristabiliscono l’identità di un oggetto

Vedo un oggetto. Chiudo gli occhi e li riapro. L’oggetto è ancora lì ed è


sempre lo stesso visto prima. Lo stesso vale se, attraverso qualche opera-
zione cinestetica, cambio il mio campo visivo, allontanandomi dall’og-
getto e ritornandovi successivamente. Esso rimane lo stesso e come tale
viene riconosciuto58.

La situazione è, invece, diversa per quanto riguarda il campo uditivo:

l’intermittenza non può mai essere ascritta ad un cambiamento cine-


stetico, che ristabilisca o persino verifichi l’identità. L’intermittenza
non ha un carattere soggettivo, ma oggettivo. Il suono, la nota stessa,
ha cessato di esistere e un’altra ha cominciato ad apparire. Quest’altra
può essere come la prima ma, parlando rigorosamente non può mai
essere la stessa. Nella dimensione del tempo interno, l’identità deve
essere intesa in un modo diverso rispetto a quanto avviene con gli oggetti
tangibili o visibili. La sintesi dell’identificazione opera in maniera diffe-
rente in questa dimensione rispetto all’altra. Identità non significa che lo
stesso oggetto sopravviveva mentre le mie esperienze di questo oggetto
venivano interrotte. Significa che l’identificazione viene esperita nella
forma di una ricorrenza di un oggetto uguale. L’uguaglianza, tuttavia,
presuppone la comparazione, la possibilità di “sovrapporre” un oggetto
sull’altro, la possibilità di porre entrambi in corrispondenza. Questo, a
sua volta, presuppone la coesistenza di entrambi gli oggetti e, insieme
a ciò, le categorie dello spazio, all’interno delle quali soltanto possono
coesistere due oggetti in quanto unità distinte e separate. Nella sfera del
tempo interno, nella sfera delle esperienze puramente uditive, non vi è
alcuna coesistenza59.

Dunque, in questo modo Schütz «muove la sua critica a Husserl.


Secondo Husserl la sintesi dell’identificazione è universale e fondamentale

57. Ibid. 67.


58. Ibid. 69-70.
59. Ibid. 70-71.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1358 Antonio Di Chiro

per l’altro tipo di sintesi, quella associativa»60. Invece, per Schütz l’identità
riguarda solo la dimensione spaziale e non quella temporale. Così, nel
caso della musica, non si ha nessuna «sintesi di identificazione ma sintesi
di associazione (il riconoscimento di un tema musicale, ad esempio)
poiché nella dimensione del tempo interiore si hanno solo “somiglianze
ricorrenti”, non identità»61.
Alla luce di queste osservazioni, sarebbe erroneo e inappropriato
ritenere che per Schütz la musica sia una mera questione individuale che
riguarda il singolo. La musica è, nella riflessione del sociologo viennese
una sorta di Giano bifronte, ovvero ha a che fare con una dimensione
individuale, poiché, come abbiamo avuto modo di vedere, riguarda la
dimensione del tempo interiore dell’individuo, che può comprendere un
brano musicale in maniera politetica, ovvero ripercorrendo i passaggi che
lo hanno costituito, e tuttavia, essa esula dalla mera dimensione dell’indi-
viduo e si apre a quella della collettività, ovvero al complesso di persone che
interagiscono suonando insieme e che così facendo si trovano ad esperire
e condividere una realtà in comune. Pertanto, da «questa prospettiva,
la musica è affare eminentemente individuale. D’alta parte essa è anche
un evento che ha luogo nel tempo esterno, poiché coinvolge un gruppo
musicale o comunità di persone (esecutori e/o ascoltatori). Come tale la
musica è affare eminentemente sociale»62. Quest’ultima osservazione ci
porta verso la seconda parte del nostro lavoro e ci spinge a soffermarci sul
saggio Fare musica insieme. Uno studio sulle relazioni sociali.

3. La musica come relazione sociale

Il saggio Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale si apre con
un richiamo ai Frammenti di fenomenologia della musica e inaugura una
nuova strada alla ricerca schütziana. Gli spunti analizzati nei Frammenti
«forniscono a Schütz la base filosofica per svolgere in Fare musica insieme
una ricerca sulle relazioni sociali che s’instaurano durante l’ascolto di un
brano» e soprattutto, quest’ultimo saggio «non è soltanto uno studio di
“teoria applicata”, ma rivela, a sua volta, l’esplicita ambizione filosofica

60. Prato, ‘La fenomenologia della musica di Alfred Schütz’, 94.


61. Ibid.
62. Ibid. 95.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1359

di gettare luce, partendo dall’ascolto musicale come caso esemplare, sulla


struttura della relazione sociale in quanto tale»63.
Schütz afferma che la

musica è un contesto dotato di significato, non collegato ad uno schema


concettuale. Questo contesto dotato di significato può, però essere
comunicato. Il processo di comunicazione tra compositore ed ascol-
tatore richiede di norma un intermediario: un esecutore o un gruppo di
esecutori. Tra queste figure che partecipano al processo comunicativo
s’instaurano relazioni sociali dalla struttura particolarmente complessa64.

Inoltre, egli precisa che lo scopo del suo lavoro non ha che fare con
«problemi confinanti nell’ambito della cosiddetta sociologia della musica»,
né con «una fenomenologia dell’esperienza musicale». La sua intenzione
rimane quella di analizzare e chiarire «le interazioni sociali connesse con
il processo musicale» al fine di poter «illuminare la struttura dell’intera-
zione sociale in quanto tale, cosa che finora non ha avuto da parte dei
sociologi l’attenzione che pure meritava»65.
Una volta fatte queste doverose premesse, Schütz si sofferma ad
analizzare il rapporto tra interazione sociale e comunicazione. Innanzi
tutto, egli afferma che quando «i sociologi parlano di interazione sociale,
essi di solito hanno in mente una serie di azioni interdipendenti su
diversi esseri umani, posti in mutua relazione per mezzo del significato
che l’attore conferisce alla sua azione e che egli suppone venga inteso dal
suo partner» e questo ha fatto sì che essi abbiano, studiando il processo
comunicativo, preso a modello «sia lo scambio di gesti dotati di signi-
ficato, sia il linguaggio nel senso più ampio del termine»66. In entrambi i
casi si assume che «ciascun partner interpreti tanto il proprio comporta-
mento quanto quello dell’altro in termini concettuali che possono essere
tradotti e comunicati all’altro partner per mezzo di un comune sistema
semantico»67. Per evitare l’incomprensione linguistica e l’incomunicabilità
tra due o più attori sociali68, Schütz formula la tesi della reciprocità delle

63. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, 21.
64. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’, 91.
65. Ibid, 91-92.
66. Ibid. 92.
67. Ibid.
68. Sul rapporto comprensione/incomprensione linguistica in Schütz si veda Talbot J.
Taylor, L’incomprensione linguistica, (Roma-Bari: Laterza, 1996), 231-238, e Antonio

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1360 Antonio Di Chiro

prospettive69. In virtù di essa io ipotizzo che l’altro esperisca la realtà quoti-


diana in maniera simile alla mia, in modo tale che il settore di mondo dato
per scontato da me lo sia anche da lui e che i significati che io attribuisco
a fatti, dati, oggetti, eventi siano i medesimi in vista dei nostri comuni
scopi pratici. La tesi della reciprocità di prospettive si basa su due assunti:
«l’idealizzazione dell’interscambiabilità dei punti di vista» e «l’idealizza-
zione della congruenza del sistema di attribuzione e di importanza»70. In
base alla prima io «do per scontato  – e presumo che il mio compagno
faccia la stessa cosa – che se io mi cambio di posto con lui così che il suo
“qui” diventa mio, sarò alla sua stessa distanza dagli oggetti e li vedrò
attribuendo ad essi la stessa tipicità che egli di fatto vi attribuisce; inoltre,
le stesse cose che sono a sua portata saranno alla mia. (È vero anche il
contrario)»71.
La seconda assicura che io dia per scontato fino a prova contraria
«e presumo che il mio compagno faccia lo stesso – che quelle differenze
nelle prospettive le quali hanno origine nelle nostre situazioni individuali
uniche siano irrilevanti nei confronti del comune fine da raggiungere e che
lui e io cioè “noi”, presupponiamo di aver entrambi scelto e interpretato
i comuni oggetti effettivi o potenziali e le loro caratteristiche in modo
identico, o almeno in modo “empiricamente” identico, vale a dire suffi-
ciente per tutti i nostri fini pratici»72. In base alla tesi della reciprocità delle
prospettive si riesce a comprendere il mondo della vita quotidiana e gli
oggetti propri di questa dimensione in maniera oggettiva e non più legati
solo alla situazione biografica, e quindi soggettiva, del singolo individuo.
Da questo punto di vista, le due «idealizzazioni»: quella dell’«interscam-
biabilità dei punti di vista e quella della congruenza dell’attribuzione di
significato», sono costrutti che

rendono tipici oggetti di pensiero i quali scavalcano per importanza


gli oggetti di pensiero della mia esperienza privata o di quella del mio
compagno. Per opera di questi costrutti del pensiero del senso comune
si presume che il settore del mondo dato per scontato da me sia dato per
scontato anche da te, il mio compagno individuale, e, anche in maggior

Di Chiro, L’uomo a più dimensioni, 118-122.


69. Sulla tesi della reciprocità di prospettive si veda Alfred Schütz, ‘L’interpretazione
dell’azione umana da parte del senso comune e della scienza’, Saggi sociologici, 11-14.
70. Ibid. 12.
71. Ibid.
72. Ibid.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1361

misura, che sia dato per scontato da “Noi”. Questo “Noi”, tuttavia, non
include necessariamente te e me, ma “ognuno che sia uno di noi” cioè
ognuno il cui sistema di attribuzione di importanza sia sostanzialmente
(sufficientemente) in conformità con il tuo e il mio. La tesi generale delle
reciproche prospettive conduce pertanto alla comprensione di oggetti e
di loro aspetti attualmente conosciuti da me e potenzialmente conosciuti
da te come conoscenza di ognuno. Tale conoscenza è concepita come
oggettiva e anonima, cioè staccata e indipendente dalla mia definizione
della situazione e da quella del mio compagno, dalle nostre circostanze
biografiche individuali uniche e dai fini attuali o potenziali a disposi-
zione che esse comportano73.

Pertanto la tesi generale delle reciproche prospettive dovrebbe


permettere, favorire e rendere possibili le condizioni che ci permettono, in
maniera intersoggettiva, dunque condivisa, di comprendere l’Altro, i suoi
vissuti, le sue azioni e il significato che lui attribuisce ad esse. Tuttavia,
Schütz, insiste sull’aspetto legato alla comunicazione e critica la visione
tradizionale della relazione sociale in quanto viziata «da una sorta di
surrettizia identificazione tra relazione sociale e comunicazione, laddove
quest’ultima è spesso intesa nel senso forte di un sistema semantico imper-
niato sulla polarità tra un mittente e un destinatario e sull’esistenza di un
codice comune a entrambi»74. In realtà, occorre affrontare la questione
dell’«esistenza di un sistema semantico», ovvero del linguaggio in quanto
«veicolo di comunicazione per eccellenza» e del «problema del signifi-
cato»75.
Schütz nell’analisi di queste questioni si confronta con la tradi-
zione del pragmatismo e in particolar modo con il pensiero di Mead76.

73. Ibid. 12-13.


74. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, 21.
75. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’, 93.
76. A partire dal 1939 Schütz soggiorna negli Stati Uniti. Dal 1943 al 1959 insegna alla
Graduate Faculty della New School for Social Research di New York. É chiamato da
Martin Farber a far parte del gruppo fondatore dell’International Phenomenological
Society e partecipa anche al comitato editoriale della rivista «Philosophy and
Phenomenological Research». Negli Stati Uniti egli ha modo si studiare e confrontarsi
con il pragmatismo e si avvicinarsi al pensiero di James, Dewey e Mead. Sul
pragmatismo e sulla tradizione pragmatista nelle sue molteplici declinazioni si vedano
i lavori di Rosa Maria Calcaterra, Introduzione al pragmatismo americano, (Roma-
Bari: Laterza, 1997); Pragmatismo. I valori dell’esperienza. Letture di Pierce, James
e Mead, (Roma: Carocci, 2003) e, sempre della stessa autrice, insieme a Giovanni
Maddalena e Giancarlo Marchetti (a cura di), Il pragmatismo. Dalle origini agli sviluppi

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1362 Antonio Di Chiro

Il sociologo viennese critica sia la tendenza del pensiero contemporaneo


a «identificare il significato con la sua espressione semantica e a consi-
derare linguaggio, lingua, simboli e gesti significanti, come la condizione
fondamentale del rapporto sociale in quanto tale» e anche «il tentativo
di Mead» di «spiegare l’origine del linguaggio con la relazione reci-
proca di gesti significanti»77. La questione di fondo, allora, si struttura
sotto forma di due interrogativi. Il primo riguarda il fatto che occorre
capire se «il processo comunicativo sia realmente il fondamento di ogni
possibile relazione sociale», mentre il secondo, che «ogni comunica-
zione debba presupporre l’esistenza di una qualche sorta di interazione
sociale, che pur essendo condizione indispensabile per ogni comunica-
zione possibile, non entra nel processo comunicativo e non è in grado
di essere da questo afferrata»78. Schütz propende verso questa seconda
ipotesi. «Sarebbe, insomma, in una sorta di ambito precomunicativo che
dobbiamo cercare l’apriori di ogni comunicazione possibile, sicuramente
anteriore alla nascita del linguaggio come sistema semantico»79. Pertanto
Schütz si sofferma sulle analisi di alcuni filosofi e sociologi che hanno
studiato il legame tra rapporto sociale e comunicazione. Egli menziona
il sociologo Leopold von Wiese; la teoria dell’alter ego di Scheler, Charles
Horton Cooley e il suo concetto di looking-glass-self, in base al quale l’io
sarebbe il risultato delle interazioni sociali e di quello che gli altri perce-
piscono di noi80; la concezione di Malinowski sul linguaggio come intera-

contemporanei, (Roma: Carocci, 2015). Sempre sul pragmatismo si vedano i lavori di:
Antonio Santucci, Storia del pragmatismo, (Roma-Bari: Laterza, 1992); Carlo Sini, Il
pragmatismo americano, (Roma-Bari: Laterza, 1972); John P. Murphy, Il pragmatismo,
(Bologna: Il Mulino, 1997); Cornel West,  La filosofia americana. Una genealogia del
pragmatismo, (Roma: Editori Riuniti, 1997). Si vedano inoltre i lavori di Charles
Sanders Pierce e William James, Che cos’è il pragmatismo, a cura di F. Vimercati,
(Milano: Jaca Book, 2000) e William James, Pragmatism: A New Name for Some
Old Ways of Thinking (1907), Prometheus, New York 1991, trad. it. di S. Franzese,
Pragmatismo: un nome nuovo per vecchi modi di pensare, (Torino: Aragno, 2007).
Il riferimento di Schütz a Mead riguarda il testo Mind, Self and Society, (Chicago:
University of Chicago Press, 1937), trad. it. R. Tettucci, Mente, Sé e Società, (Firenze:
Editrice Universitaria Barbera, 1966).
77. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’, 93. Sulla questione
del gesto all’interno della tradizione pragmatista si veda Giovanni Maddalena, The
Philosophy of Gesture, (McGill: Queen’s University Press, 2015).
78. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’, 93.
79. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, 22.
80. Cfr. Charles H. Cooley, Human nature and the Social Order, (New York: Charles
Scribner’s Sons 1902).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1363

zione sociale e il «concetto fondamentale di Sartre del “guardare l’Altro ed


essere guardato dall’Altro” (le regard)»81. Tutti questi autori e le teorie da
loro formulate sono «soltanto alcuni esempi del tentativo di indagare ciò
che potrebbe essere chiamato “relazione di mutua sintonia”, sulla quale è
fondata ogni possibile comunicazione». Qui, in questo passaggio, emerge
uno dei concetti fondamentali del pensiero di Schütz, ovvero quello di
intersoggettività. Infatti, la relazione di mutua sintonia fa sì che «l’“Io” e
il “Tu” vengano esperiti da entrambi i partecipanti come un “Noi” nella
presenza vivida»82. E tuttavia, Schütz aggiunge che piuttosto che adden-
trarsi qui nella complessa analisi filosofica di questo problema, è forse
preferibile far riferimento ad una serie di fenomeni ben noti nel mondo
sociale, nei quali questa relazione comunicativa viene in primo piano»83.
In particolar modo, egli si sofferma su un esempio fatto da Mead in Mente,
Sé e Società in cui il filosofo americano analizza il comportamento di due
lottatori che comunicano tra loro con una serie di gesti i propri comporta-
menti e le proprie intenzioni84. Tale esempio secondo Schütz rimanda ad
altre attività simili, quali il rapporto tra lanciatore e ricevitore nel baseball,
tra i giocatori di tennis; l’attività del «marciare insieme, nel danzare
insieme, nel fare l’amore insieme, nel fare musica insieme», ovvero tutte
quelle attività che permettono agli esseri umani di «vivere insieme simul-
taneamente in specifiche dimensioni di tempo»85.
A questo punto, Schütz si sofferma sull’analisi di alcuni «elementi
della struttura sociale del processo musicale» e contenuti negli scritti del
sociologo francese Maurice Halbwachs. Costui

Riteneva che ogni genere di memoria fosse determinato da uno schema


di riferimento sociale e che non potesse concepirsi memoria individuale
senza l’assunzione di una memoria collettiva dalla quale ogni ricordo
individuale deriva. Questo principio fondamentale – che non intendiamo

81. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’, 94. Schütz si confronta
con il pensiero di Sartre nel saggio ‘Sartre’s Theory of the Alter Ego’, Philosophy and
Phenomenological Research, 9, 1948, 181-199, poi in Collected Papers, vol. I, 180-203.
82. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’, 94.
83. Ibid.
84. Il riferimento di Schütz a Mead è a Mind, Self and Society, cit., 14, 63, 253 sgg. L’esempio
fatto da Mead, a cui Schütz accenna solo, sarà riproposto anche da Gregory Bateson
a proposito del concetto di frame e di gioco. L’antropologo americano racconterà che
le sue idee su questi concetti sono nate dall’osservazione del comportamento di alcune
scimmie dello zoo di San Francisco. Si veda Gregory Bateson, ‘Una teoria del gioco e
della fantasia’, Verso un’ecologia della mente, (Milano: Adelphi, 1976), 220-221.
85. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’, 94.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1364 Antonio Di Chiro

criticare in questa sede – fu applicato al problema della comunicazione


musicale per il fatto che l’autore avvertì che la struttura stessa della
musica […] offre un’eccellente opportunità per dimostrare che non vi
è altra possibilità per conservare un complesso di ricordi, compresi le
sfumature e i dettagli, che ricorrere alla memoria collettiva86.

Sempre secondo Schütz, Halbwachs distingue il «dominio della


musica» in due parti: «la musica in quanto esperita dal musicista esperto
e la musica in quanto esperita dal profano»87. Nel primo caso, la trasmis-
sione della musica è possibile poiché i segni musicali e la loro combina-
zione acquistano un significato solo nel gruppo sociale che li ha inventati
e che li utilizza. Per quanto riguarda il secondo dominio, quello della
musica esperita dai profani, per Halbwachs «anche la memoria degli
eventi musicali propria del profano è fondata sulla memoria collettiva,
ma essa è tuttavia legata a esperienze metamusicali. La melodia di una
canzone viene ricordata poiché vengono ricordate le parole, che sono
un prodotto sociale». Pertanto, secondo il sociologo francese, il ritmo
non esisterebbe in natura, ma si configurerebbe esclusivamente come il
«risultato del nostro vivere in società»88. Schütz contesta la distinzione
operata da Halbwachs e solleva le seguenti obiezioni:

1) egli identifica il pensiero musicale con la sua comunicazione; 2)


egli identifica la comunicazione musicale con il linguaggio, che per
lui è tutt’uno con il sistema di notazione musicale; 3) egli identifica la
notazione musicale con il fondamento, in senso sociale, del processo
musicale89.

Schütz risponde a tali obiezioni affermando che un «pensiero


musicale può essere concepito senza alcuna intenzione di comunica-
zione»; che la comunicazione musicale non riguarda solo i simboli della
notazione musicale ma anche «il meccanismo dei suoni udibili» e soprat-
tutto che la «notazione musicale, dunque, è soltanto uno dei molti veicoli
per comunicare il pensiero musicale. Ma in nessun modo la notazione
musicale è identica al linguaggio musicale»90. Pertanto il

86. Ibid. 95.


87. Ibid.
88. Ibid. 96-97.
89. Ibid. 97.
90. Ibid. 97-99.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1365

segno musicale non è altro che un’istruzione affinché l’esecutore produca


con la voce o con il suo strumento un suono di una particolare altezza
e durata, fornendo in aggiunta, in determinati periodi storici, suggeri-
menti riguardanti il tempo, la dinamica e l’espressione, oppure indica-
zioni riguardanti la connessione con altri suoni […]. Tutti questi elementi
possono essere prescritti in maniera solo approssimativa e il modo per
ottenere l’effetto indicato è lasciato all’esecutore91.

In tal modo un ruolo fondamentale nell’interpretazione musicale


è riservato al «lettore o all’esecutore» e questo fa sì che la «notazione
musicale» rimanga «vaga e aperta a molteplici interpretazioni». In
conclusione, una «teoria sociale della musica» non deve «essere fondata
sul carattere convenzionale dei segni visivi» ma sulla «cultura musicale,
sul cui sfondo ha luogo l’interpretazione del lettore e dell’esecutore di tali
segni»92. Pertanto, al fine di «chiarire la natura della rete di relazioni sociali
chiamata cultura musicale» Schütz afferma che la conoscenza musicale,
così come la conoscenza in generale, ha una natura strettamente sociale in
quanto è «socialmente derivata». Ed è proprio all’interno di questa cono-
scenza che

spicca in particolare la conoscenza trasmessa da coloro ai quali è stato


conferito il prestigio dell’autenticità e dell’autorità, vale a dire i grandi
compositori e gli interpreti riconosciuti della loro opera. La conoscenza
musicale da loro trasmessa non è solo socialmente derivata, ma è anche
socialmente approvata, essendo giudicata autentica e dunque più quali-
ficata di un’altra ad acquistare valore di esempio93.

Qui s’impone però una precisazione terminologica sui concetti di


conoscenza socialmente derivata e socialmente approvata. Con il primo,
Schütz intende il complesso di conoscenze e di esperienze che «non noi
ma i nostri simili, contemporanei e predecessori hanno avuto, e che essi
ci hanno comunicato o tramandato per eredità»94. Essa si basa su un’im-
plicita idealizzazione:

Credo nell’esperienza del mio simile perché se io fossi (o fossi stato) al


suo posto avrei (o avrei avuto) le medesime esperienze che ha (o ha avuto)
lui, potrei fare solo quanto fa (o ha fatto) lui, avrei le stesse possibilità e

91. Ibid. 99.


92. Ibid. 100.
93. Ibid. 102.
94. Schütz, ‘Il cittadino ben informato’, Saggi sociologici, 415.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1366 Antonio Di Chiro

correrei gli stessi rischi nella stessa situazione. Pertanto, ciò che per lui è
(o è stato) un oggetto realmente esistente della sua effettiva esperienza è
per me un oggetto potenzialmente esistente di un’esperienza possibile95.

Inoltre, questo tipo di conoscenza ha diverse tipologie di origine,


ognuna associata a una determinata figura sociale. La prima è quella del
«testimone oculare», ovvero colui che ha un’esperienza immediata e diretta
di qualcosa. La seconda è quella dell’«iniziato». Costui non è necessaria-
mente un testimone oculare e nemmeno un individuo che mi racconta
la sua esperienza, ma semplicemente chi «fa esperienza» di qualcosa «in
un contesto unico o tipico di attribuzione di importanza» e conosce l’og-
getto della sua esperienza meglio di quanto potrei farlo io. La terza figura
è quella rappresentata dall’analista, colui che ha una conoscenza «orga-
nizzata e integrata in un sistema di attribuzioni di importanza simile al
mio» e la sua opinione è rilevante per me in quanto posso controllare i
fatti su cui essa si basa. Infine, l’ultima figura riguarda il commentatore,
ovvero colui che ha una conoscenza «integrata in un sistema di attribu-
zioni di importanza diverso dal mio». Nei confronti di questa persona io
nutro fiducia poiché «ho la capacità di formarmi una conoscenza suffi-
cientemente chiara e precisa del deviante sistema di attribuzioni di impor-
tanza che ne è alla base»96. Questo per quanto riguarda il primo tipo di
conoscenza. Per quanto concerne, invece, il secondo, Schütz precisa che

Ogni conoscenza, le nostre esperienze originarie così come ogni genere


di conoscenza derivata socialmente assume un peso maggiore se essa è
accettata non solo da noi stessi ma anche dagli altri membri del nostro
gruppo di appartenenza. Io considero le mie esperienze corrette al di là
di ogni dubbio se altri, che reputo competenti, confermano ciò che ho
riscontrato, o in seguito alle loro stesse esperienze, o solamente perché
hanno fiducia in me97.

Pertanto, questo tipo di conoscenza ha un raggio molto ampio in


quanto investe tutto quello che approva il gruppo sociale di appartenenza
(usi, costumi, tradizioni) e, soprattutto, diventa qualcosa di «semplice-
mente dato per scontato», una sorta di elemento «della concezione del
mondo relativamente naturale»98.

95. Ibid.
96. Ibid. 416.
97. Ibid. 417.
98. Ibid. Sulla questione del «dato per scontato» (taken for granted) nel pensiero di Schütz

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1367

Questa precisazione sul carattere sociale della conoscenza si rivela,


ai fini del nostro discorso, fondamentale, poiché l’analisi delle tipologie di
conoscenza «costituisce lo scenario per la relazione sociale principale»99
che ci permette di analizzare la struttura delle relazioni sociali che sono
alla base della cultura musicale e soprattutto per analizzare il rapporto
tra compositore e spettatore. A tal proposito, Schütz precisa che egli non
«intende assolutamente sostenere la tesi per cui un’opera musicale (o
d’arte in generale) non possa essere intesa se non in riferimento al suo
autore o alle circostanze – biografiche o altro – in cui egli avrebbe creato
l’opera» e che, pertanto, ogni «opera d’arte, una volta compiuta, esiste
come entità dotata di significato, indipendente dalla vicenda personale
del suo creatore»100. Qui il discorso schütziano sembra prendere un’altra
strada e aprirsi a una sorta di contaminazione con altre discipline, quali
l’ermeneutica. Infatti, l’ultima osservazione di Schütz, quella dell’indipen-
denza dell’opera d’arte dalla vicenda biografica del suo creatore, sembra
richiamare uno dei concetti fondamentali dell’ermeneutica di Gadamer
in Verità e metodo101, ovvero quello di «storia degli effetti». In quest’opera
Gadamer afferma che l’ermeneutica, ovvero l’arte o tecnica dell’interpre-
tazione, ha come compito quello di «chiarire le condizioni entro le quali
il comprendere si verifica», e per fare questo è necessario che si instauri
un rapporto, «una polarità di familiarità e estraneità» tra «l’oggettività
del dato storiografico e l’appartenenza a una tradizione»102. Per Gadamer,
se l’interpretandum fosse totalmente conosciuto, il lavoro ermeneutico
sarebbe inutile, mentre se fosse totalmente estraneo l’analisi interpretativa
sarebbe destinata al fallimento. Quindi, è opportuno che tra interpre-
tandum e interpretans vi sia un rapporto di familiarità e estraneità basato
sulla distanza-lontananza temporale, in quanto l’estraneità è dovuta all’al-
terità dell’oggetto interpretato e la familiarità è dovuta all’appartenenza di
interpretante e interpretato alla stessa tradizione storica. Tutto ciò implica
una nuova considerazione del concetto di distanza temporale «in tutta la
sua fecondità»103. A tal proposito Gadamer afferma che il tempo

si veda: Muzzetto, Il soggetto e il sociale. Alfred Schütz e il mondo taken for granted,
e Pablo Hermida-Lazcano, ‘The taken-for-granted world: A study of the relationship
between A. Schutz and J. Ortega y Gasset’, Human Studies, vol. 19, n. 1, (1996), 43-69.
99. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’, 103.
100. Ibid.
101. Hans G. Gadamer, Verità e metodo, trad. it. G. Vattimo, (Milano: Bompiani,1983).
102. Ibid. 345.
103. Ibid. 347.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1368 Antonio Di Chiro

non è più anzitutto un abisso che deve essere scavalcato, perché separa
e allontana, ma è invece, in verità, il fondamento portante dell’accadere,
nel quale il presente ha le sue radici. La distanza temporale, perciò, non è
qualcosa che debba essere superata. […] In realtà, invece, si tratta di rico-
noscere nella distanza temporale una positiva e produttiva possibilità del
comprendere. Questa distanza non è un abisso spalancato davanti a noi,
ma è riempito dalla continuità della trasmissione e della tradizione, nella
cui luce si mostra tutto ciò che è oggetto di comunicazione storica104.

Questa consapevolezza della storicità si concretizza nel concetto di


«storia degli effetti o delle determinazioni»105 (Wirkungsgeschichte). Con
questo concetto si intende l’insieme degli effetti prodotti da un testo,
sottoposto a diverse interpretazioni nel corso del tempo, i quali contri-
buiscono a determinarne il senso di fronte a ulteriori interpretazioni.
Per Gadamer un testo, una volta che è stato prodotto, gode di una vita
autonoma durante la quale si riempie di significati, ovvero acquista una
serie di significati che l’autore non poteva minimamente prevedere. In tal
modo il senso di un testo è sempre condizionato dalle conseguenze degli
effetti che esso produce e l’interprete legge il testo alla luce della storia
degli effetti. Quindi, la distanza temporale tra testo e interprete non è
un ostacolo alla comprensione. Anzi, più ci si allontana temporalmente
dal testo, più matura la possibilità di una sua comprensione. Pertanto
la lontananza temporale si configura come la condizione che permette
l’esperienza della verità. Gadamer afferma che:

La coscienza storica deve prender consapevolezza del fatto che nella


pretesa immediatezza con la quale essa si mette davanti all’opera o
al dato storico, agisce anche sempre, sebbene inconsapevole e quindi
non controllata, questa struttura della storia degli effetti. Quando noi,
dalla distanza storica che caratterizza e determina nel suo insieme la
nostra situazione ermeneutica, ci sforziamo di capire una determinata
manifestazione storica, siamo già sempre sottoposti agli effetti della
Wirkungsgeschichte. Questa decide anticipatamente di ciò che si presenta
a noi come problematico e come oggetto di ricerca, e noi dimentichiamo
la metà di ciò che è, anzi dimentichiamo l’intera verità del fenomeno
storico se assumiamo tale fenomeno, nella sua immediatezza, come
l’intera verità106.

104. Ibid.
105. Ibid. 350.
106. Ibid. 350-351.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1369

Questa coscienza della determinazione storica è «anzitutto coscienza


della situazione ermeneutica», ovvero consapevolezza di non trovarsi mai
completamente di fronte a qualcosa di cui si possa avere una conoscenza
obiettiva, in quanto la situazione è «qualcosa dentro cui stiamo, nella
quale ci troviamo già sempre ad essere, e la chiarificazione di essa è un
compito che non si conclude mai»107.
Questa consapevolezza della distanza storica rende possibile una
comprensione autentica, che per Gadamer si realizza mediante una
fusione di orizzonti, ovvero tramite una dialettica tra passato e presente in
cui il proprio tempo costituisce lo sfondo che rende possibile la compren-
sione del tempo altrui e tramite un gioco in cui gli interlocutori mettono
in discussione i propri limitati punti di vista per superare i propri oriz-
zonti: «La comprensione […] è sempre, il processo di fusione di questi
orizzonti che si ritengono indipendenti tra loro»108. Ora, sebbene Schütz
non menzioni assolutamente Gadamer, tuttavia, sembra che vi siano una
serie di consonanze e di affinità tra il suo pensiero e quelle del fondatore
dell’ermeneutica filosofica. Infatti, secondo il sociologo austriaco, «lo
spettatore di un brano musicale partecipa a, ed entro un certo limite
ricrea, le esperienze del suo consimile (supponiamolo anonimo), che creò
quest’opera non soltanto come espressione dei suoi pensieri musicali, ma
anche perseguendo un intento comunicativo»109. In tal modo, si crea un
legame tra i soggetti impegnati, a vario titolo, nel rapporto musicale e tale
relazione si struttura, come abbiamo visto, nella dimensione del tempo
interno: «il tempo interno, la durée, è la forma vera e propria di esistenza
della musica»110. Ovviamente, precisa Schütz, «suonare uno strumento,
ascoltare un disco, leggere una pagina di musica» sono eventi che si
«svolgono nel tempo esterno», ovvero nel tempo che può essere misurato
e scandito in parti omogenee. E tuttavia tale dimensione temporale non
ha importanza per l’ascoltatore. Infatti, durante l’ascolto

egli vive in una dimensione di tempo non comparabile con quella che
può essere suddivisa in parti omogenee. Il tempo esterno è misurabile;
vi sono parti di lunghezza; vi sono i minuti e le ore e vi è la lunghezza
del solco che deve essere percorso dalla puntina del giradischi. Nella
dimensione del tempo interno in cui vive l’ascoltatore non vi sono simili

107. Ibid. 352.


108. Ibid. 356.
109. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’, 104.
110. Ibid. 105.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1370 Antonio Di Chiro

parametri: non vi è eguaglianza tra parti, sempre ammesso che vi siano


parti111.

Quest’ultima osservazione chiarisce la struttura della relazione


sociale tra compositore e spettatore e istituisce una correlazione con i
concetti dell’ermeneutica prima analizzati.
Il rapporto tra compositore e spettatore è tale che sebbene entrambi
siano lontani anche centinaia di anni l’uno dall’altro,

quest’ultimo partecipa con quasi simultaneità al flusso di coscienza del


primo, eseguendo con lui, passo dopo passo e mentre si compie, l’artico-
lazione del suo pensiero musicale. Lo spettatore, in questo modo, si trova
unito al compositore da una dimensione temporale comune a entrambi,
che non è altro che una forma derivata del presente vivido condiviso dai
partners di un’autentica relazione faccia a faccia quale s’instaura tra chi
parla e chi ascolta112.

Ovviamente, Schütz precisa che tale relazione è propria soltanto del


rapporto tra compositore e spettatore e non, ad esempio, del rapporto tra
un lettore e un autore, tra uno studente impegnato con un teorema e il
creatore del teorema, poiché la musica ha a che fare con la dimensione
politetica e non nomotetica, come abbiamo già avuto modo di vedere:
«Il significato di un’opera musicale è di natura essenzialmente politetica.
Esso non può essere afferrato nomoteticamente. Esso consiste nello
svolgimento, articolato passo per passo, nel tempo interno, nello stesso
processo costitutivo politetico»113. Pertanto, la musica permette il supera-
mento della distanza temporale e la condivisione di un comune orizzonte
in cui il flusso di coscienza del compositore e quello dello spettatore «sono
vissuti in simultaneità, simultaneità che viene creata attraverso il flusso
in svolgimento del processo musicale»114, in una dimensione che Schütz
definisce come «vivido presente». Con tale concetto egli intende la dimen-
sione in cui il

mio partecipare in simultanea al processo comunicativo dell’Altro


stabilisce allora una nuova dimensione temporale. Lui e io, noi, condi-
vidiamo per l’intera durata del processo un comune vivido presente, il

111. Ibid. 105-106.


112. Ibid. 106.
113. Ibid. 107.
114. Ibid. 108.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1371

nostro vivido presente, che dà a lui e a me la possibilità di dire: “noi


abbiamo vissuto questo evento”. Attraverso la relazione nella forma del
Noi che viene così a stabilirsi, tutti e due – viviamo in un reciproco vivido
presente, rivolti al pensiero da realizzare nel processo comunicativo e
attraverso di esso. Noi invecchiamo insieme115.

La simultaneità temporale che s’instaura tra «un uomo e un suo


simile» è la stessa che avviene nella relazione «tra due o più individui
che fanno musica insieme»116. In questo caso, emerge definitivamente il
carattere sociale della musica. Infatti «il fare musica insieme accade in
una vera relazione faccia a faccia, in quanto i partecipanti condividono non
solo una sezione di tempo, ma anche una porzione di spazio». Le espres-
sioni facciali dell’altro, i suoi movimenti e le tutte le attività collegate all’e-
secuzione musicale possono essere afferrate e intese dal suo partner come
suggerimenti, comandi, ordini e istruzioni su ciò che uno ha intenzione di
fare. Ovviamente, Schütz precisa che tale relazione può stabilirsi solo tra
«un numero ristretto di coesecutori». Inoltre, per lui non vi è differenza, al
contrario di quanto sostenuto da Halbawachs, tra «l’esecuzione di un’or-
chestra moderna, un coro di persone sedute attorno al fuoco che cantano
strimpellando una chitarra o un’assemblea di fedeli che canta inni sotto la
guida dell’organo». Così come «non vi è alcuna differenza di principio tra
l’esecuzione di un quartetto d’archi e le improvvisazioni di una jam session
di buoni jazzisti»117. E questo perché «il sistema di notazione musicale è
semplicemente un mezzo tecnico, secondario rispetto alla relazione che
si instaura tra gli esecutori» Questa relazione si basa sulla fusione di due
diverse dimensioni temporali: quella del tempo interno e quella del tempo
esterno, che «presuppone anche una relazione faccia a faccia, cioè una
comunanza di spazio, ed è questa dimensione che unifica i flussi di tempo
interno e garantisce la loro sincronizzazione nel presente vivido»118. In
tal modo, appare chiaro che la musica consenta «una relazione di muta
sintonia tra colui che comunica e il destinatario della comunicazione» e
che tale comunicazione sia possibile solo perché si basi «sulla reciproca
condivisione del flusso di esperienze dell’altro nel tempo interno, vivendo

115. Alfred Schütz, Le realtà multiple, trad. it. di I. Possenti, William James, Alfred Schutz,
Realtà multiple e altri scritti, (Pisa: Ets, 2005), 138-139. Sul tema del tempo in Schütz
si veda Luigi Muzzetto, ‘Time and Meaning in Alfred Schütz’, in Time & Society, 15, no.
1, (2006): 5-31, doi: 10.1177/0961463X06061334.
116. Schütz, ‘Fare musica insieme. Studio sulla relazione sociale’,110.
117. Ibid. 112-113.
118. Ibid. 113.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1372 Antonio Di Chiro

in comune il presente vivido ed esperendo questa comunità come un


“Noi”»119.
Alla luce di queste osservazioni, si comprende come il saggio Fare
musica insieme vada oltre il saggio Frammenti di fenomenologia della
musica. In quest’ultimo lavoro la trattazione di Schütz sulla musica
escludeva la dimensione spaziale e quella del tempo esterno. Nel secondo
saggio, invece, la trattazione riconosce, ai fini del discorso musicale, l’im-
portanza della dimensione legata allo spazio e a quella del tempo interno,
aprendosi all’analisi della questione dell’intersoggettività e della condivi-
sione della realtà. Da tale punto di vista, pertanto il saggio Fare musica
insieme assume, all’interno del percorso schütziano una dimensione rile-
vante perché apre la strada a una serie di considerazioni che nell’altro
lavoro erano confinate in una dimensione puramente «tecnica», ovvero
volte a delineare gli elementi fondamentali dell’esperienza musicale senza
però soffermarsi sulla dimensione sociale della musica. Tuttavia, al di là di
questi limiti ascritti ai due lavori, ambedue, pur con le dovute differenze,
contribuiscono a rendere la meditazione di Schütz sulla musica ampia
e articolata e in grado di poter dar luogo ad una filosofia della musica,
ovvero una riflessione sistematica e approfondita sulla natura dell’espe-
rienza musicale in tutte le sue diverse e molteplici declinazioni.

4. Rilievi conclusivi

La riflessione di Schütz sulla musica non è, come abbiamo cercato


di dimostrare, un elemento sporadico e isolato del suo percorso culturale,
bensì una meditazione rigorosa e articolata che si struttura in un arco
temporale che, sebbene non sia molto esteso, tuttavia racchiude e sinte-
tizza elementi e concetti fondamentali del pensiero del sociologo viennese.
Come fa notare Pedone, diversi «passaggi, nei Frammenti, ci autorizzano
a pensare che nelle intenzioni dell’autore c’era forse un’opera di filosofia
della musica dal disegno ampio e articolato»120, ovvero una riflessione
tesa ad investigare la natura, la struttura e la dimensione del fenomeno
musicale nella sua interezza.
Provando a tracciare un bilancio della riflessione schütziana sulla
musica e sul suo tentativo di costituire una filosofia della musica, possiamo

119. Ibid.
120. Pedone, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, 24.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1373

sottolineare alcune criticità del suo discorso. La prima ha a che fare con
la rivendicazione «“in negativo”, dell’autonomia dell’atteggiamento feno-
menologico rispetto a altri orientamenti: una fenomenologia della musica
non è una teoria psicoacustica del suono e nemmeno sorge dallo studio
comparato di culture e sistemi musicali differenti. Al contrario, va posta fin
dall’inizio l’esperienza dell’ascolto come oggetto della riflessione filosofica».
E tuttavia, ciò non avviene in Schütz, che è caso mai interessato non all’a-
spetto legato al suono ma a quello della musica «in quanto oggetto strut-
turato» e quindi al brano musicale. Per il sociologo viennese, quest’ultimo,
piuttosto che il suono è meritevole di indagine filosofica. Pertanto, per
Schütz il problema centrale di una filosofia della musica è quello della
«definizione dello statuto ontologico dell’opera musicale»121. Questa consi-
derazione ci porta a una seconda criticità presente nel discorso schütziano,
ed esattamente all’importanza da lui attribuita al tema musicale definito
in termini di Gestalt e considerato «l’elemento base di ogni musica». E
tuttavia, il tema, pur esaminato al di là di un sistema musicale, è e rimane
sempre una successione di suoni. Tale aspetto ci sembra costituire un
problema all’interno della filosofia della musica di Schütz che egli non
affronta appieno e che tende a sminuire d’importanza. Allo stesso modo,
ci sembra costituisca un problema irrisolto all’interno della sua rifles-
sione la poca importanza attribuita all’aspetto spaziale rispetto a quella
accordata a quello temporale. Pedone fa notare come Schütz «abbia un
atteggiamento empiristico, che porta a negare la spazialità del suono come
suo tratto originario» e come egli «nel privilegio accordato all’elemento
temporale, si sia poi impedito di cogliere la spazialità che pure pertiene
al suono in maniera originaria e irriducibile»122. Per quanto riguarda la
questione legata all’aspetto spaziale della musica, siamo d’accordo con le
riflessioni di Pedone, anche se è opportuno precisare che tale distinzione
tra dimensione spaziale e temporale è presente, come abbiamo cercato
di dimostrare, solo nel saggio Frammenti di fenomenologia della musica
e non in Fare musica insieme e questo può in qualche modo essere indi-
cativo della continua attenzione data da Schütz al tema della musica e
che lo spingeva sempre verso ulteriori indagini fino al punto da fargli riva-
lutare l’aspetto spaziale della musica.
Questo per quanto riguarda le criticità del discorso schütziano.
Dall’altra parte, ci sentiamo in dovere di affermare che il discorso del

121. Ibid. 24-25.


122. Ibid. 25-26.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1374 Antonio Di Chiro

sociologo viennese sulla musica introduce diversi temi di ricerca e


presenta spunti e suggestioni importanti non solo per un discorso filo-
sofico sulla musica ma anche per quanto riguarda aspetti concernenti le
scienze umane e l’ambito sociologico. Infatti, Schütz era interessato alla
musica non solo come fenomenologo ma anche come sociologo. Egli «era
interessato alla musica come un fenomeno sociale da intendere come un
atto di co-costruzione e trasporto di significati. L’intento del sociologo
austriaco era di fornire una rigorosa base teorica per il problema “scan-
daloso” dell’intersoggettività, un tema dato per scontato nelle scienze
sociali (come lo era il problema del linguaggio)»123. Da questo punto di
vista, la musica costituisce un oggetto d’indagine privilegiato poiché essa
permette, come abbiamo visto, la condivisione della dimensione temporale
tra diversi soggetti. Inoltre, le «indagini di Schutz sulla relazione musicale
sono di grande valore per le scienze sociali» poiché «consentono di iden-
tificare un numero di problemi correlati all’istituzione intersoggettiva del
significato», quali «la sincronizzazione del tempo degli attori, il problema
del passaggio dal politetico al monotetico, il legame tra intersoggettività
e immediatezza dell’esperienza, la musica come una provincia limitata di
significato»124. Tra tutti i problemi legati alle scienze sociali e a una loro
rigorosa fondazione filosofica, per Schütz è fondamentale il concetto d’in-
tersoggettività. Il sociologo viennese si confronterà con questo concetto
e con la tradizione fenomenologica husserliana, arrivando a un distacco
dalle posizioni di Husserl e ad affermare che

Limiterò il mio interesse alla fenomenologia della sfera naturale e


mondana. Primo, perché credo che questo campo sia ancora quasi inte-
ramente da esplorare da parte dei fenomenologi; secondo, perché mi sto
sempre più convincendo che il Sociale ha origine solamente nella sfera
naturale, non in quella trascendentale125.

Pertanto, l’importanza della fenomenologia per le scienze sociali si


evince dal fatto che

il rapporto tra fenomenologia e scienze sociali non può essere dimostrato


analizzando problemi concreti della sociologia o dell’economia, quali
l’adattamento sociale o la teoria del mercato internazionale. È tuttavia

123. Venturini, ‘Time, intersubjectivity, and musical relationship in Alfred Schutz’, 172.
124. Ibid. 179.
125. Alfred Schütz, lettera a H. Spiegelberg del 24/08/1945, in Helmut R. Wagner, Alfred
Schutz: An Intellectual Biography, 304, corsivo nostro.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1375

mia convinzione che i futuri studi sui metodi delle scienze sociali e sulle
loro nozioni fondamentali condurranno necessariamente a problemi che
appartengono al dominio della ricerca fenomenologica126.

Questi problemi – tra cui un ruolo fondamentale ha quello dell’inter-


soggettività – «non possono trovare una risposta nei metodi delle scienze
sociali. Essi richiedono un’analisi filosofica. E la fenomenologia […] non
solo ha aperto una strada a una tale analisi, ma anche cominciato questa
stessa analisi»127.
Dunque, alla luce di queste osservazioni si chiarisce l’importanza
della musica nel pensiero di Schütz. Essa, come abbiamo visto, non è
un affare eminentemente individuale e non ha una dimensione solipsi-
stica, ma una natura strettamente sociale, in quanto relazione di mutua
sintonia e partecipazione tra due o più individui. Essa rivela una natura
intersoggettiva e consente la deiscenza della dimensione sociale basata su
una relazione incentrata sulla condivisione di una comune dimensione
temporale, su quella che Schütz definisce un vivido presente, ovvero un
tempo comune in cui noi cresciamo insieme ai nostri simili e esperiamo
insieme a loro una comune realtà128. L’aspetto intersoggettivo proprio
della musica emerge anche nel saggio Mozart e i filosofi. Questo lavoro è
sostanzialmente differente rispetto agli altri due su cui ci siamo soffermati.
Infatti, esso tende a concentrarsi sull’immagine che alcuni filosofi moderni
(Cohen, Kierkegaard e Dilthey) si «sono formati di Mozart e della sua
arte»129. Tuttavia, il saggio offre brevi spunti sul tema dell’intersogget-
tività e sull’idea di musica come «mutua relazione». Idee e spunti che nei
saggi precedenti erano sviluppati e analizzati e qui, invece, solo accennati.
Secondo Schütz, la musica di Mozart assicura «una simultaneità tra il
flusso di coscienza dei personaggi sulla scena e quello dello spettatore.
In questo modo egli stabilisce una comunità di intersoggettività tra i due,
in quanto entrambi partecipano dello stesso flusso di tempo interno»130.
Pertanto, i soggetti impegnati a vario titolo nell’esperienza musicale, «si

126. Schütz, ‘Concetti guida della fenomenologia’, Saggi sociologici, 116.


127. Ibid. 117.
128. La questione della realtà e della percezione della realtà è affrontata da Schütz nel
saggio ‘Le realtà multiple’, trad. it. I. Possenti, William James, Alfred Schutz, Realtà
multiple e altri scritti, (Pisa: Ets, 2005), 123-178 e nel saggio Don Chisciotte e il problema
della realtà, trad. it. P. Jedlowski (Roma: Armando 1995).
129. Schütz, ‘Mozart e i filosofi’, in Frammenti di fenomenologia della musica, 115.
130. Ibid. 138.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1376 Antonio Di Chiro

trovano legati in una situazione intersoggettiva di comunità, in un Noi»131.


La musica ha dunque, una struttura eminentemente collettiva e costituisce
uno strumento d’indagine privilegiato per analizzare il mondo sociale, le
interazioni tra i soggetti umani e la dimensione dell’intersoggettività.
In conclusione, nonostante i limiti teorici dell’analisi schütziana sulla
musica, ci sembra di poter affermare che le sue osservazioni, soprattutto
quelle sul rapporto tra tempo, esperienza musicale e intersoggettività,
hanno avuto il merito di aver iniziato una serie d’indagini sulla filosofia
della musica che aprono una nuova strada all’interno delle scienze sociali
e alla possibilità di una loro fondazione filosofica.

Riferimenti

Baccarini. Emilio, La fenomenologia. Filosofia come vocazione. Roma: Studium, 1981.


Bateson. Gregory, Una teoria del gioco e della fantasia, in Verso un’ecologia della mente. Adelphi:
Milano, 1976.
Belvedere. Carlos, ‘The Tuning-in Relationship: From a Social Theory of Music. Towards a
Philosophical Understanding of Intersubjectivity’, 209-277, edited by Michael Barber
and Jochen Dreher, The Interrelation of Phenomenology, Social Sciences and the Arts.
Dordrecht: Springer, 2014. doi: 10.1007/978-3-319-01390-9_15.
Bodei. Remo, La filosofia nel Novecento. Feltrinelli: Milano, 2015.
Cacciatore. Giuseppe, ‘Il fondamento dell’intersoggettività tra Dilthey e Husserl’, in Aldo
Masullo, Ciro Senofonte (a cura di), 143-173, Razionalità fenomenologica e destino della
filosofia. Genova: Marietti, 1988.
Calcaterra. Rosa Maria, Introduzione al pragmatismo americano. Laterza: Roma-Bari, 1997;
Calcaterra. Rosa Maria, Pragmatismo. I valori dell’esperienza. Letture di Pierce, James e Mead.
Carocci: Roma, 2003.
Calcaterra. Rosa Maria, Maddalena Giovanni, Marchetti Giancarlo (a cura di), Il pragmatismo.
Dalle origini agli sviluppi contemporanei. Carocci: Roma, 2015.
Cooley. Charles Horton, Human nature and the Social Order, Charles Scribner’s Sons, New York,
1902.
Costa. Vincenzo, Fenomenologia dell’intersoggettività, Roma, Carocci, 2010.
Costa. Vincenzo, ‘L’esperienza dell’altro. Per una fenomenologia della separazione’, in A.
Ferrarin (a cura di), 109-125, Passive Synthesis and Life-World. Sintesi passiva e mondo
della vita. Pisa: Ets, 2006.
Costa. Vincenzo, Zahavi. Dan, ‘Esperienza e intersoggettività nella prospettiva fenomenologica’,
in Bollettino filosofico, no. 16, (2000): 263-286.
Costolloe. Timothy M., ‘Schutz, Music, and Temporality: A Wittgensteinian Assessment’, Philosophy

131. Ibid. 139.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1377

of the Social Sciences, 24, no. 4 (1994): 439-457. doi:10.1177/004839319402400403.


Dura. Marian T., ‘The Phenomenology of the Music-Listening Experience’, Arts Education Policy
Review, 107, 3, (2006): 25-32. doi: 10.3200/AEPR.107.3.25-32.
De Arce. Mendoza, ‘Alfred Schutz on Music and Society’, The Annals of Phenomenological
Sociology, 2, no. 1 (1976): 47-55.
Di Chiro. Antonio, L’uomo a più dimensioni. Alfred Schütz e le realtà multiple. Rubbettino:
Soveria Mannelli, 2018.
Ferrarin. Alfredo, (a cura di), Passive Synthesis and Life-World. Sintesi passiva e mondo della vita.
Ets: Pisa, 2006.
Ferretti. Giovanni, Soggettività e intersoggettività. Le “Meditazioni cartesiane di Husserl”. Torino:
Rosenberg & Sellier, 1997.
Gadamer. Hans-Georg, Verità e metodo, trad. it. G. Vattimo. Bompiani: Milano, 1983.
Goettlich. Andreas G., ‘Music, Meaning, and Sociality: From the Standpoint of a Social
Phenomenologist’, 243-257, edited by Micheal Barber and Jochen Dreher, The
Interrelation of Phenomenology, Social Sciences and the Arts. Dordrecht: Springer, 2014.
doi:10.1007/978-3-319-01390-9_17.
Hermida-Lazcano. Pablo, ‘The taken-for-granted world: A study of the relationship between
A. Schutz and J. Ortega y Gasset’, Human Studies, 19, no. 1 (1996): 43-69. doi: 10.1007/
BF0014285.
Husserl. Edmund, Zur Phänomenologie der Intersubjektivität, Erster Teil (1905-1920),vol. XII, a
cura di I. Kern. Den Haag: Nijhoff, 1973.
Husserl. Edmund, Zur Phänomenologie der Intersubjektivität, Dritter Teil (1929-35), vol. XV, a
cura di I. Kern. Den Haag: Nijhoff, 1973.
Husserl. Edmund, Zur Phänomenologie der Intersubjektivität, Zweiter Teil (1921-28), vol. XIV, a
cura di I. Kern. Den Haag: Nijhoff, 1973.
Husserl. Edmund, Lezioni sulla sintesi passiva, trad. it. di V. Costa, a cura di P. Spinnicci. Milano:
Guerini, 1993.
Izzo, Alberto. ‘Introduzione’, in A. Schütz, Saggi sociologici. Torino: Utet, 1979, V-L.
James. William, Pragmatism: A New Name for Some Old Ways of Thinking (1907), Prometheus,
New York 1991, trad. it. di S. Franzese, Pragmatismo: un nome nuovo per vecchi modi di
pensare. Torino: Aragno, 2007.
Jedlowski. Paolo, ‘Introduzione’, in Alfred Schütz, Don Chisciotte e il problema della realtà.
Roma: Armando, 1995.
Maddalena. Giovanni, The Philosophy of Gesture. McGill: Queen’s University Press, 2015.
Mazzoni. Augusto, ‘La musica nella prima estetica fenomenologica’, Il saggiatore musicale, 9,
no. 1/2 (2002): 137-150.
Mead. George Herbert, Mind, Self and Society. Chicago: University of Chicago Press, 1937, trad.
it. R. Tettucci, Mente, Sé e Società. Firenze: Editrice Universitaria Barbera,1966.
Mototaka. Mori, ‘Musical Foundation of Interaction: Music as Intermediary Medium’, 267-277,
edited by Micheal Barber and Jochen Dreher, The Interrelation of Phenomenology, Social
Sciences and the Arts. Dordrecht: Springer, 2014. doi: 10.1007/978-3-319-01390-9_19
Murphy. John P., Il pragmatismo. Bologna: Il Mulino, 1997.
Muzzetto. Luigi, Fenomenologia, etnometodologia. Percorsi della teoria dell’azione. Milano,
FrancoAngeli, 1997.
Muzzetto, Luigi. Il soggetto e il sociale. Alfred Schütz e il mondo taken for granted. Milano:
FrancoAngeli, 2006.
Muzzetto. Luigi, ‘Time and Meaning in Alfred Schütz’, Time & Society, 15, no. 1 (2006): 5-31. doi:
10.1177/0961463X06061334.
Noschis. Kai, De Caprona. Denys, ‘Postface’, in A. Schutz, Le Chercheur et le Quotidien,

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1378 Antonio Di Chiro

Phénoménologie des sciences sociales, 269-271. Paris : Méridiens Klincksieck, 1987.


Pedone. Nicola, ‘Intersoggettività, tempo e relazione sociale nella filosofia della musica di
Alfred Schütz’, in A. Schütz, Frammenti di fenomenologia della musica. Milano: Guerini
e Associati, 1996.
Piana. Giovanni, Filosofia della musica. Milano: Guerini e Associati, 1991.
Piazza. Tommaso, Esperienza e sintesi passiva. La costituzione percettiva nella filosofia di Edmund
Husserl. Milano: Guerini e Associati, 2001,
Pierce. Charles S., James. William, Che cos’è il pragmatismo, a cura di F. Vimercati. Milano: Jaca
Book, 2000.
Protti. Mauro, (a cura di), Quotidianamente. Studi sull’intorno teorico di Alfred Schütz. Lecce:
Edizioni Pensa Multimedia, 2001.
Protti. Mauro, Alfred Schütz. Fondamenti di una sociologia fenomenologica. Milano: Unicopli/
Cuesp, 1995.
Pugliese. Alice, La dimensione dell’intersoggettività. Fenomenologia dell’estraneo nella filosofia di
Edmund Husserl. Milano: Mimesis, 2004.
Sanna. Gian Luca, Realizzazione etica del sé in Alfred Schütz. Tra pragmatismo e fenomenologia.
Roma: Armando, 2007.
Santucci. Antonio, Storia del pragmatismo. Laterza: Roma-Bari, 1992.
Schütz. Alfred, ‘Phenomenology and the Social Sciences’, in Philosophical Essays in Memory of
Edmund Husserl, edited by Farber Marvin. Cambridge: Harvard University Press, 1940,
164-186, poi in Collected Papers, vol. I. The Hague: Martinus Nijhoff, 1962, 118-139, trad.
it. di A. Izzo, Saggi sociologici, 118-138. doi: 10.4159/harvard.9780674333512.c9.
Schütz. Alfred, ‘Edmund Husserl’s Ideas, Volume II’, in Philosophy and Phenomenological
Research, 13, 1953, 394-413, poi in Collected Papers, vol. III. The Hague: Martinus Nijhoff,
1970, 15-39. doi: 10.1007/978-94-015-3456-7_2.
Schütz. Alfred, Gurwitsch. Aron, Philosophers in Exile. The corrispondence of Alfred Schütz and
Aron Gurwitsch, 1939-1959. Bloomington: Indiana University Press, 1989.
Schütz. Alfred, Le realtà multiple, trad. it. di I. Possenti, in William James, Alfred Schütz, Realtà
multiple e altri scritti. Pisa: Ets, 2005, 125-178.
Schütz. Alfred, Don Chisciotte e il problema della realtà, trad. it. di P. Jedlowski. Roma: Armando
1995.
Schütz. Alfred, ‘Scheler’s Theory of Intersubiectivity and the General Thesis of the Alter Ego’,
in Philosophy and Phenomenological Research, 2, 1942, 323-347, poi in Collected Papers,
vol. I, cit., 150-179, trad. it. di A. Izzo, in Saggi sociologici, cit., 149-178. doi: 10.1007/978-
94-010-2851-6_7.
Schütz. Alfred, ‘Some Leading Concepts of Phenomenology’, in Social Research, 12, 1945,
77-97, poi in Collected Papers, vol. I, cit., 99-117, trad. it. di A. Izzo, Saggi sociologici. doi:
10.1007/978-94-010-2851-6_4.
Schütz. Alfred, ‘The Problem of Transcendental Intersubjectivity in Husserl’, in Philosophisce
Rundschau: Eine Vierteljahresschrift für philosophisce Kritik, 5, 1957, poi in Collected
Papers, vol. III, cit., 51-91. doi: 10.1007/978-94-015-3456-7_4
Sebald. Gerd, ‘Fragment on the Phenomenology of Rhythhm’, in Schutzian Research, 5 (2013):
11-22. doi: 10.7761/SR.5.2013.11.
Sini. Carlo, Il pragmatismo americano. Roma-Bari: Laterza, 1972.
Skarda. Christine A., ‘Alfred Schutz’s Phenomenology of Music’, in Journal of Musicological
Research, 3, no. 1-2 (1979): 75-132. doi: 10.1080/01411897908574508.
Venturini. Riccardo, ‘Time, intersubjectivity, and musical relationship in Alfred Schutz’, in
SocietàMutamentoPolitica, 6, no. 12 (2015): 165-201. doi: 10.1080/01411897908574508.
Wagner. Helmut R., Alfred Schutz: An Intellectual Biography. Bloomington: The University of

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
«Mutua sintonia», intersoggettività e «vivido presente». La filosofia della musica di Alfred Schütz 1379

Chicago Press, 1978.


Waldenfels. Bernhard, Das Zwischenreich des Dialogs. Sozialphilosophisce Untersuchungen in
Anschluẞ an Edmund Husserl. Den Haag: Nijhoff, 1971. doi: 10.1007/978-94-010-3000-7.
West. Cornel, La filosofia americana. Una genealogia del pragmatismo. Roma: Editori Riuniti,
1997.
Yamaguchi. Ichiro, Passive Synthesis und Intersubjekvität bei Edmund Husserl. Boston-London:
The Hague, 1982. doi: 10.1007/978-94-009-7447-0.
Zahavi. Dan, Husserl und die transzendentale Intersubjektivität. Eine Antwort auf die
sprachpragmatische Kritk. Dordrecht-Boston-London: Kluwer, 1996. doi: 10.1515/
SATS.2000.191.
Zaner. Richard M., ‘Making music together while growing older’, in Human Studies, 25, no. 1
(2002): 1-18. doi: 10.1023/A:1014842508875.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Recensões | Book Reviews
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1383-1386.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1383

[Recensão | Book Review]

Laurens van Apeldoorn & Robin Douglass (Eds.), Hobbes on Politics and Religion.
Oxford: Oxford University Press, 2018. Xiv + 297 pp., Isbn: 978-019-880-3409,
Doi: 10.1093/oso/9780198803409.001.0001.

Hobbes on Politics and Religion é um livro político em três sentidos.


Primeiro, este volume é o primeiro projecto editorial da recentemente
criada “European Hobbes Society”, ele é assim uma tentativa, da parte
desta associação, de se posicionar no panorama dos estudos políticos. Em
segundo lugar, o livro é também político no sentido em que propõe uma
leitura política do pensamento religioso de Hobbes. Em terceiro lugar, os
textos apresentados em Hobbes on Politics and Religion pretendem ser, não
apenas um estudo de história das ideias, mas também uma contribuição
para a reflexão sobre a gestão hodierna da convivência entre diferentes
comunidades religiosas no seio de uma mesma comunidade política.
(1) A “European Hobbes Society [EHS]” apresenta-se como uma rede
de investigadores unidos pelo desejo de promover os estudos hobbesianos
através da constituição de uma plataforma de divulgação dos trabalhos
dos seus membros. Apesar da sociedade se chamar “europeia”, ela só o foi
brevemente, sendo hoje constituida por investigadores de várias geogra-
fias.1 Quando surgiu, em 2011, a EHS era apenas uma rede informal de
investigadores que queriam organizar conjuntamente alguns eventos
científicos sobre Hobbes. Mas, em 2015, ela ganhou novos contornos com
a criação de uma página na internet que, por sua vez, permitiu a orga-

1. A diversidade geográfica da filiação académica dos membros da EHS pode ser ilustrada
pela lista dos autores de Hobbes on Politics and Religion onde escrevem autores sediados
na Holanda (Laurens Van Apeldoorn e Glen Newey, U. de Leiden; Alexandra Chadwick,
Groningen; Johan Olsthroorn, U. de Amsterdão), no Reino Unido (Teresa M. Bejan
e Jon Parkin, U. de Oxford; Alan Cromatie, U. de Reading; Robin Douglass, King’s
College London), na Alemanha (Daniel Eggers, U. de Colónia; Patrícia Springborg,
Humboldt), em França (Franck Lessay, Paris  – III), mas também em Israel (Elad
Carmel, U. Hebraica de Jerusalém), no Canada (Jeffrey Collins, Queen’s University) e
nos E.U.A. (Paul B. Davis, N.Y.; S.A. Lloyd, U. da California do Sul; A.P. Martinich, U.
do Texas; Alison McQueen, Stanford).

1383-1386

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1384 [Recensão | Book Review]

nização de eventos científicos on-line, uma muito maior divulgação dos


trabalhos dos seus membros e a entrada de um grande número de investi-
gadores nessa sociedade erudita.2
A publicção de Hobbes on Politics and Religion constitui uma nova
etapa na história da EHS na medida em que é a primeira publicação desta
associação. Uma publicação que reúne comunicações apresentadas em
dois eventos da EHS em 2015 – um primeiro no King’s College London e
um segundo na Universidade de Leiden. Esta publicação é por isso um
gesto político, dado que, com a publicação deste livro, uma sociedade
de estudos hobbesianos, reagrupando jovens talentos e alguns “pesos
pesados” da área, pretende dar-se a conhecer e posicionar-se na academia
enquanto sociedade científica de referência.
(2) Do ponto de vista substancial e metodológico, o volume Hobbes
on Politics and Religion é bastante eclético, mas todos os textos podem
ser reagrupados numa linha de leitura política da totalidade do corpus
hobbesiano (incluindo os seus textos teológicos, exegéticos e sobre a
história das Igrejas Cristãs). Falar aqui numa leitura política dos textos
religiosos de Hobbes não significa porém que os autores de Hobbes on
Politcs and Religion leiam a filosofia de Hobbes como uma consequência
das convicções religiosas (ou ateístas) pessoais de Hobbes, como é o caso
de outros comentadores.3 A leitura política apresentada neste volume pres-
supõe simplesmente que a religião tem inexoravelmente impacto político
e que Hobbes a trata politicamente – da mesma forma que trata também
dos impostos, das penas, dos limites à propriedade privada e de todas as
outras questões sociais que têm (ou podem eventualmente ter) influência
na vida dos cidadãos, ou seja, na política.
Ao tomarem esta opção, os autores de Hobbes on Politics and Religion
acolhem e promovem assim uma tendência relativamente recente dos
estudos hobbesianos que consiste em ler politicamente os textos reli-
giosos de Hobbes. De facto, até há cerca de vinte e cinco anos, era habitual
ignorar os seus textos religiosos quando se trabalhava o seu pensamento
político. Por exemplo, no curso de Filosofia Política Moderna de Harvard

2. “European Hobbes Society”, acedido 18 de Junho de 2019,


<http://www.europeanhobbessociety.org/about/>.
3. A título de exemplos desta outra linha interpretativa, podem consultar-se : Raymond
Polin, Hobbes, Dieu et les Hommes (Paris: Presses Universitaires de France, 1981). Leo
Strauss, La critique de la religion chez Hobbes. Une contribution à la compréhension
des Lumières, trans. C. Pelluchon (Paris: Presses Universitaires de France, 2005).
Christopher Scott McClure, Hobbes and the Artifice of Eternity (New York: Cambridge
University Press, 2016).

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
[Recensão | Book Review] 1385

(Philosophy 171), no ano lectivo de 1983, o Professor John Rawls propunha


aos seus alunos que lessem a filosofia de Hobbes sem prestar atenção às
secções sobre temáticas religiosas.4 Ora, essa opção de leitura ignorava
mais de metade do Leviatã e cerca de um terço do De Cive – dois dos três
tratados políticos mais relevantes do autor inglês. Já a linha hermenêutica
proposta neste volume insiste, ao invés, que se examine e analíse a tota-
lidade do trabalho de Hobbes e não apenas as secções que, à nossa sensi-
bilidade do século XXI, parecem mais imediatamente políticas. A leitura
política dos seus textos constitui-se assim numa linha condutora e unifi-
cadora deste volume heteróclito sob outros aspectos.
(3) Finalmente, é preciso também realçar a motivação política destes
investigadores para se dedicarem ao estudo de Hobbes, especialmente ao
tratamento que ele deu à religião. Uma parte significativa dessa motivação
passa pela convicção de que há paralelismos a estabelecer entre as difi-
culdades da Inglaterra do tempo de Hobbes em gerir as disputas entre
comunidades religiosas e as nossas dificuldades actuais em construirmos
uma sociedade pacífica onde convivam diferentes comunidades religiosas.
O projecto destes autores é assim o de procurar nas estratégias de Hobbes
para o seu tempo, pistas para pensar hoje soluções para um problema
análogo. Na introdução do volume em análise, os editores sintetizam esta
ideia, referindo-se aos autores dos capítulos que se seguem nestes termos:
“We, too, live in an age of religious diversity, which often manifests itself
in disagreement and conflict. While Hobbes’s world was no doubt very
different from ours, these authors show that we may profit from looking
closely at his strategies to overcome religious disagreement in the pursuit
of peace.”5 Este volume é então político num terceiro sentido: ele pretende
estimular a busca de propostas sobre a regulação da convivência pacífica
entre grupos religiosos coexistentes no seio de uma mesma comunidade
política.
Em conclusão, este livro não se distingue nem pela sua coerência
metodológica, nem pela unidade das várias contribuições que o compõem.
A sua relevância advém sobretudo de se tratar da primeira publicação de
uma sociedade erudita particularmente prometedora. Mas os seus méritos
não acabam aí: Hobbes on Politics and Religion é um excelente ponto da
situação dos estudos hobbesianos sobre política e sobre religião. Por fim,

4. Cf. John Rawls, Lectures on the History of the Political Philosophy, ed. S. Freeman
(Cambridge MA: Belknap Press of Harvard University Press, 2007), 26; 29.
5. Laurens van Apeldoorn, Robin Douglass, Hobbes on Politics and Religion. (Oxford:
Oxford University Press, 2018), 5.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1386 [Recensão | Book Review]

este volume é também um convite a todos os que se dedicam aos estudos


políticos para que aproveitem a reflexão de Hobbes sobre como viver paci-
ficamente como um subsídio para pensar hoje estratégias para viver em
paz em sociedades marcadas pelo pluralismo religioso.

Manuel Lencastre Cardoso, SJ


CESPRA-EHESS
Centre d’études sociologiques et politiques Raymond-Aron;
École des hautes études en sciences sociales, Paris

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Revista Portuguesa de Filosofia, 2019, Vol. 75 (2): 1387-1396.
© 2019 by Revista Portuguesa de Filosofia. All rights reserved.
DOI  https://doi.org/10.17990/RPF/2019_75_2_1387

[Recensão | Book Review]

Manuel Cândido Pimentel, Leonardo Coimbra. Vida e Filosofia. Lisboa: Universidade


Católica Editora, 2019. 216 pp., Isbn: 978-972-540-6182.

Manuel Cândido Pimentel, professor da Universidade Católica


Portuguesa e coordenador da Área Científica de Filosofia da Faculdade de
Ciências Humanas, é um ilustre estudioso da filosofia contemporânea e da
filosofia luso-brasileira, bem como hispano-americana, dedicando especial
atenção à teoria do conhecimento e da ética. A sua reflexão metafísica e onto-
lógica da saudade, tema tão específico do pensamento filosófico português, em
concomitância com temas como o tempo, a existência e a alteridade, e, obvia-
mente, a questão imprescindível em todo o pensamento filosófico e literário
português, Deus. Conhecido, igualmente, como poeta e ficcionista, é membro
da Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, da Academia
Brasileira de Filosofia, do Instituto Brasileiro de Filosofia e vice-presidente do
Instituto de Filosofia Luso-Brasileira.
Esta obra de Manuel Cândido Pimentel baseia-se num conjunto de
ensaios e de estudos de exegese e hermenêutica da filosofia luso-brasileira,
centrados na vida e filosofia de Leonardo Coimbra, que o autor ao longo dos
anos tem exposto em diversos momentos da sua vida académica, e, alguns,
editados em revistas da especialidade. Por outro lado, não se pode olvidar
a sua carreira académica que denota o seu interesse acrescido pelo nosso
filósofo, Leonardo Coimbra. Assim, a sua Tese de Mestrado, em 1994, intitu-
la-se Filosofia Criacionista da Morte e a sua Tese de Doutoramento, em 2003, A
Ontologia Integral de Leonardo Coimbra. Bem como as obras que recolheram
até hoje muitos dos seus textos sobre Leonardo Coimbra: Odisseias do Espírito
(1996) e Razão Comovida (2013). Portanto, esta obra agora saída ao prelo dá
continuidade ao desejo de Manuel Cândido Pimentel, com a mestria que se lhe
reconhece, de continuar a partilhar o trabalho sobre o seu filósofo português
de eleição até ao presente. E, como muitos daqueles que o elegeram como o
filósofo português por excelência (entre os quais me gosto de incluir), revela a
empatia e afinidade com o pensamento do filósofo portuense.
O autor apresenta esta obra como uma biografia, uma historiografia
das ideias filosóficas e uma hermenêutica, associando o estudo da génese,
desenvolvimento e aprofundamento do pensamento filosófico de Leonardo
Coimbra. Os textos que selecciona nesta obra foram devidamente revistos

1387-1396

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1388 [Recensão | Book Review]

(assegura o autor), para que não se reduza a uma biografia, mas preferen-
cialmente se trate de uma hermenêutica do pensador e filósofo sui generis,
homem religioso desde sempre, manifestada na tríade de filósofo, político e
educador, e que num percurso filosófico, político e espiritual do nosso filósofo,
desde o seu anarquismo até ao seu catolicismo, se manifesta. “A vida e a filo-
sofia de Leonardo Coimbra constituem o polo de atração deste livro, que é
essencialmente uma biografia, uma historiografia de ideias filosóficas e uma
hermenêutica que adere à centralidade do texto como condutor e configu-
rador de interpretações”, como “verdadeiro nó górdio da hermenêutica”.1
Aprofundar em Leonardo Coimbra as noções de cousismo, ser como
excesso, memória intuitiva, razão experimental e ontologia do espírito, ou a
ética do filósofo do criacionismo como ética simbólica de fundamento teodi-
ceico. Ou, realçando a complementaridade entre A Razão Experimental, de
1923, e A Luta pela Imortalidade, de 1918, com a teoria geral da experiência
ética, estética, metafísica e religiosa; bem como a relação filosófica e poética
de Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes em 3 momentos: a coincidência
temporal de O Pensamento Criacionista e A Arte de ser português, mesmo que
de natureza e propósito diversos, até divergentes, mas parentes espirituais;
o diverso modo de entendimento da Saudade; e, por último, a leitura crítica
de Leonardo Coimbra em São Paulo (de 1933), no qual denuncia a hetero-
doxia e o panteísmo gnóstico de Teixeira de Pascoaes. O lirismo metafísico de
Leonardo Coimbra, expresso de forma sublime em A Alegria, a Dor e a Graça,
que a bela escrita de Manuel Cândido Pimentel testemunha como comunhão
espiritual com o mestre, é de indiscutível interesse na obra do nosso filósofo e
do pensamento português em geral. Porém, e o autor é claro, e concordando
com ele em pleno, a obra de Leonardo Coimbra abre clareiras para a sua vida,
e a sua vida e ação esclarece as suas opções filosófico-políticas e religiosas,
mas para os exegetas e hermeneutas da obra filosófica do filósofo do criacio-
nismo esta apresenta-se como uma “tarefa infinita”, uma obra “em aberto”,
“para novos possíveis”.2
Esta obra divide-se em 18 capítulos, que essencialmente correspondem
a 18 artigos ou trabalhos, que ao longo dos anos Manuel Cândido Pimentel
elaborou sobre o ilustre filósofo nascido entre o Sousa e o Tâmega, orador em
tantas partes de Portugal e de Espanha, e político interventivo, de anarquista a
crónico democrata, mas sempre homem religioso que gaguejou o cristianismo
e o abraçou na profissão de fé católica. Matemático de formação, educador
por vocação, privilegia no âmago da sua filosofia a humanidade, que coloca
no centro das suas maiores preocupações filosófico-político-religiosas. No

1. Manuel Cândido Pimentel, Leonardo Coimbra. Vida e Filosofia (Lisboa: Universidade


Católica Editora, 2019), 11.
2. Ibid., 12.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
[Recensão | Book Review] 1389

primeiro capítulo – A vida e a obra – Manuel Cândido Pimentel enquadra a


sua obra no seu primeiro propósito: mostrar a vida e o pensamento do nosso
filósofo na sua ligação profunda, pois Leonardo Coimbra pensou como viveu
e viveu como pensou. E, por isso mesmo, ao contrário de outros, não percebe
nenhum antagonismo na sua obra filosófica, desde O Criacionismo até A Rússia
de Hoje e o Homem de Sempre, mas como um “movimento de aprofundamento
da sua filosofia, concretizando tendências e dilatando conteúdos”.3 Completa
este capítulo com o segundo – O jovem Leonardo – onde procura abordar o
seu percurso filosófico-político até à sua primeira obra, O Criacionismo.
Estes primórdios da filosofia e da escrita do nosso filósofo demonstram um
dos pilares fundamenais da sua filosofia antimaterialista e antipositivista (eu
prefiro, não materialista e não positivista), como um dos traços indeléveis no
seu pensamento político e científico, que reforçam a sua opção, sempre em
maturação intelectual e espiritual no nosso filósofo, pelo espiritualismo filo-
sófico. E, politicamente, os seus traços anarquistas, contudo, um anarquismo
à sua maneira, romântico, afirma Manuel Cândido Pimentel. Religioso desde
sempre e apaixonado pela liberdade (responsável perante Deus, os outros e a
criação) que conduza a humanidade a uma fraternidade cósmica. Realça o
autor que a continuidade do pensamento de Leonardo Coimbra é incontes-
tável na sua obra escrita, reafirmando a tese leonardina de que o pensamento
jamais poderá esgotar a realidade. E, por isso mesmo, a “tese de Leonardo
Coimbra (O Criacionismo) e o conjunto de toda a sua restante obra possuem
uma arquitetónica de pensamento notável e uma profunda originalidade que
permitem reconhecê-lo como principal filósofo do século XX em Portugal”.4
O capítulo III aborda o tema central do seu pensamento filosófico, A
filosofia do criacionismo. “O criacionismo, como forma sistemática de pensa-
mento, representa-se na ideia segundo a qual a realidade é ação criadora e o
pensar, que judicialmente a ela se refere, é criação em contínuo ato, inven-
tando conceitos, categorias, fórmulas e símbolos, entendendo-os como valores
que só a Vida (no sentido mais amplo de infinito criador) garante e justifica,
por ser a Vida excesso permanente sobre o pensado”.5 E para mais e melhor
aprofundar a sua filosofia estende-se na sua produção filosófica até 1921, ou
ao texto sobre Antero de Quental, passando pel’O Pensamento Criacionista, de
1915, e A Alegria, a Dor e a Graça, de 1916. Mas todas as suas obras e inter-
venções diversas aprimoram e aprofundam esta filosofia, concluindo que A
Rússia de Hoje e o Homem de Sempre “amplia e aprofunda muitas das teses
essenciais do criacionismo e, entre elas, a ideia de Deus nunca me pareceu
oposta ao fundamental teísmo cristão que sempre defendeu”, mesmo quando

3. Ibid., 29.
4. Ibid., 42.
5. Ibid., 58.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1390 [Recensão | Book Review]

era acérrimo crítico da instituição eclesial (para ele o mesmo que catolicismo,
ou o cousismo do cristianismo institucionalizado), bem como “a ideia de
que o pensamento humano é cocriador, isto é, define-se, na criação, como
consciência que ativamente participa do absoluto, com ele colaborando na
redenção espiritualizadora da matéria”.6 Em sequência deste capítulo, e este é
o meu entendimento, o autor coloca o IV, Da ciência à antropologia cristã, refor-
çando a ideia do capítulo anterior de continuidade e unidade, consequente,
do pensamento filosófico do nosso filósofo. Assim, na consciência plena do
cristianismo leonardino, Manuel Cândido Pimentel, e a partir desta matriz,
procura definir o caminho antropológico que Leonardo Coimbra percorreu,
que em A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre “é um singular trânsito de
aprofundamento de linhas e núcleos originais da sua filosofia, a que o novo
olhar sobre o catolicismo trouxe agudezas de visão e subtilezas de entendi-
mento, nomeadamente no que respeita à orientação da antropologia criacio-
nista, já de vasta conceção integral do homem, para uma ontologia do espírito,
em cujo núcleo principal reage uma soteriologia crística do tempo, da história
e da cultura, que acederá a uma mais fecunda inteligência das relações cató-
licas da matéria e da carne com o espírito e das implicações da ciência com a
religião e a moral”.7 Partindo da sua tese de doutoramento, Manuel Cândido
Pimentel apresenta a ontologia do espírito como uma grande novidade do
criacionismo em 1935, que sem negar o espiritualismo anterior e a metafísica
que o animava, percebe o recorte tomista que a enriquece com os planos onto-
lógicos da realidade, e acresce-lhe uma gnoseologia e uma antropologia. E
aqui se percebe a sua proximidade a Heidegger, mas num personalismo e exis-
tencialismo que se acentua numa antropologia da esperança, que se reforça
em teocentrismo (que coloca a humanidade no centro desta comunhão com
Deus e a criação) e se traduz na crítica severa dos humanismos passados e
presentes. Sobretudo “a crise europeia, aí chamando atenção para o delírio do
vazio e da ausência de Deus que a Europa cultural, científica e técnica sofre no
afastamento, por repúdio, das suas origens cristãs e católicas”.8
A ética, desenvolvida no capítulo V, é apresentada como essencial na
economia do pensamento leonardino, e que o acompanhou desde o anar-
quismo romântico até A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre. Aqui aborda
temas como a crise ocidental pós-moderna e apresenta uma ética da cultura
com acento tónico na crítica do materialismo e do cientismo, do positivismo
e da vontade de domínio, bem como a questão tão contemporânea da técnica
e da tenologia, ou da bioética e da ecologia, no diálogo ciência e ética, e as
causas modernas e contemporâneas desta crise. Mas o ponto central deste

6. Ibid., 71–72.
7. Ibid., 74–75.
8. Ibid., 77.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
[Recensão | Book Review] 1391

capítulo é salientar as relações entre metafísica e moral, alertando para uma


ética dos símbolos (ou, ética simbólica). Começa por afirmar que os valores
substanciais do universo ético leonardino são a liberdade, a alteridade e
a fraternidade, e, por outro lado, realça, e bem, que a experiência ética na
filosofia do nosso filósofo constitui uma de entre as demais experiências
humanas, sabendo que é por ela que o pensamento faz o acesso ao ser. E Deus
será um postulado, à maneira kantiana? Para Leonardo Coimbra, conclui o
autor, a experiência ética abre a humanidade ao absoluto, no qual convergem
as experiências científicas e estéticas; coloca-a mesmo como uma hipótese
explicativa do todo. Para Manuel Cândido Pimentel reside aqui a parte proble-
mática do pensamento leonardino, sem deixar de relevar a relação estreita
entre ética e filosofia natural ou teodiceia (mas não em sentido leibniziano). E,
por outro lado, o personalismo ético que exige Deus no princípio, no trânsito
e no fim, é completamente cristão (católico, especifica o autor). E a intro-
dução da caritas, o amor cristão, na ética criacionista, onde Deus não é uma
mera categoria ou postulado, mas o motivo maior e o valor da ação, reveste
a fraternidade cósmica numa relação pessoal e de mais profunda comunhão.
Aqui se inscreve a imortalidade como um esforço para a vida da consciência
e que a humanidade dada em natureza opera em liberdade, e se assume em
consciência.9 Contrariamente a Kant, que propõe um imperativo categórico,
esta ética implica a autodeterminação e a origem do dom, e faz-se por opção
ou escolha. “A ética criacionista pela dimensão simbólica dos valores não é
integrável na esfera das éticas materiais de valores, (…), também é inconfun-
dível com as éticas formais”.10 Mas uma ética simbólica, que não se traduz em
deveres, mas em escolhas maturadas de um mundo de valores que “são linhas
simbólicas por onde a consciência ética progride em luta e esforço”.11
Os capítulos seguintes (VI, VII e VIII) apresentam dois movimentos
filosófico-literários, e políticos, Renascença Portuguesa e Seara Nova, que se
relacionam diretamente com a ação e o pensamento do nosso filósofo, concor-
dando e/ou discordando. Na Renascença Portuguesa Leonardo Coimbra, que
escreveu e presidiu à revista A Águia, conheceu ilustres pensadores e escritores
que o marcaram indelevelmente: Jaime Cortesão e Raúl Proença, Teixeira de
Pascoaes e António Sérgio, e tantos outros. No Porto, na Escola Portuense,
propuseram-se fazer renascer o espírito dos portugueses na e pela cultura,
filosofia, literatura e arte, bem como pela ciência contemporânea. Aqui,
Poesia e filosofia na Renascença Portuguesa, salienta-se a sua atitude religiosa
que na poesia encontra o acesso ao ser, e ao ser divino, mostra-se como que
encantada com o milagre ontológico da existência. Sem dúvida uma poesia

9. Ibid., 87.
10. Ibid., 93.
11. Ibid., 94.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1392 [Recensão | Book Review]

que à época transbordava de panteísmo ou mesmo de um cristianismo hete-


rodoxo e gnóstico, mas que coloca, realçando, a ideia de Deus no pensamento
e filosofia portuguesa, que nele há de desaguar no teísmo e na ideia do Deus
cristão católico. “A poesia é, para ele, uma atitude, uma existência, uma vida
comovida: movendo-se em direção à esfinge das coisas e dos seres, a poesia
fala-nos do mistério, leva-nos ao coração do inefável, transborda-nos de
infinito”.12 Já a Seara Nova testemunha a divergência do nosso filósofo com
outros pensadores da época, que, grasso modo, corresponde a uma visão
depreciativa da obra e do valor filosófico de Leonardo Coimbra, e é momento
e espaço de reflexão dos caminhos diferentes de Leonardo Coimbra e de
António Sérgio, quer filosoficamente, quer politicamente. Como não lembrar,
no ano da morte do nosso filósofo, a polémica entre Sant’Anna Dionísio e
António Sérgio acerca do valor filosófico da obra do filósofo da liberdade.
Ou, a ação ministerial de António Sérgio, que tresanda a ressentimento, na
pasta da Instrução, e de sobremaneira nos pequenos episódios de encontros
e desencontros, que redunda na extinção das Escolas Primárias Superiores,
projeto fundamental da obra educativa e pedagógica de Leonardo Coimbra.
Por isso, Manuel Cândido Pimentel recorda: “Muitas décadas volvidas após a
fundação de revista Seara Nova, continuam a causar viva impressão o rasto
de mal-entendidos da relação de Leonardo Coimbra com o grupo seareiro e
o não menos impressivo retrato de animosidade com que se comprometeu
a dignidade moral do filósofo portuense, se atingiu a figura humanista do
pensador e a idoneidade da sua filosofia”.13
Seguem-se três temas que marcaram rumos de aprofundamento no
seu pensamento filosófico e no seu compromisso de vida: A questão religiosa
(capítulo IX), A crítica do bolchevismo (capítulo X) e A Grande Guerra (capítulo
XI). A questão religiosa, em alguém que foi sempre religioso [“Em momento
algum do percurso de vida de Leonardo Coimbra há registo de descrença, de
dúvida submergindo no agnosticismo, sequer a mínima suspeita de ateísmo”14],
que a Primeira República coloca à sociedade portuguesa, e em particular ao
nosso filósofo, é cabalmente resumida nesta frase do autor – “Leonardo foi o
pensador que em Portugal de forma mais veemente fez confissão pública da
necessidade da religião para o cultivo da inteligência e do destino espiritual
da pessoa e dos povos, tendo assumido uma posição muito clara quanto à
liberdade do culto religioso na sociedade portuguesa, pelo que a ele sobretudo
nos referiremos aqui”.15 Contudo, não se olvida, nem se pode, o seu anticlerica-
lismo e a crítica combativa da instituição religiosa, como cousismo da religião

12. Ibid., 103.


13. Ibid., 111.
14. Ibid., 122.
15. Ibid., 121.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
[Recensão | Book Review] 1393

e, mais propriamente, do cristianismo. Aqui se insere a sua crítica mordaz do


catolicismo. E, sendo sempre um defensor acérrimo da educação integral do
ser humano, a religião, ou o espiritual, ocupa um lugar maior na busca da
universal fraternidade humana, da comunhão com Deus e com toda a criação:
a fraternidade cósmica. Já no capítulo X o autor realça o valor da literatura
russa na formação filosófica e humanista do nosso filósofo, constatando que
desde a juventude manifestava um interesse agudo e um fascínio admirável
pelos autores russos, pela história e pela cultura russa, da expressão sui generis
da sua espiritualidade e do cristianismo ortodoxo russo, destacando-se Tolstoi
e Dostoievski, entre outros. E tudo isto, perante a revolução bolchevique, o
seu materialismo e a sua expressão política totalitária, leva-o a desaguar na
obra que culmina o seu trabalho filosófico  – A Rússia de Hoje e o Homem
de Sempre. Sim, e para quem ainda tem dúvidas, este é um livro de filosofia.
“Antes de ser o registo da visão de Leonardo Coimbra do espírito da Rússia, a
obra sustenta uma conceção filosófica do ser humano, do mundo, do tempo
e da história, fortemente penetrada de pensamento católico, influída em suas
linhas pela soteriologia e a escatologia cristãs, e, o que é mais importante,
pela alegria teândrica vinda da fé no Deus humanado”.16 Aqui percebe-se que
a sua leitura de Marx, e mesmo de Engels, leva-o a denunciar as ruturas e as
descontinuidades do materialismo histórico destes e das doutrinas leninistas,
trotskistas e estalinistas. Por outro lado, confirma o filósofo da liberdade e da
razão, que sempre foi, perante os emergentes totalitarismos do bolchevismo,
do nazismo e do fascismo, onde quem perde é a humanidade feita massa,
máquina ou estatística, em nome do povo, da raça ou da nação. Mas, não
como um derrotado pela história, confia no Homem de Sempre, “o homem
ontológico que é o ser de vida para a dádiva e a graça, que no mundo sente,
de força inapagável, a fome de infinito que atrai as almas”.17 Por último, o que
em rigor cronológico está no meio, A Grande Guerra (capítulo XI). Partindo da
história e da essência da humanidade, e da e na sua existência concreta, e dos
valores que embalam a humanidade, procura a raiz metafísica da guerra e uma
conceção antropológica que explique o sentido da mesma. Em termos indivi-
duais, mas sobretudo na visão holista e cósmica da existência de cada qual e
da humanidade como um todo. A guerra é sempre uma disputa de espírito e
matéria, e de quando se dá uma subversão da vida do Espírito. Enfim, uma
antropologia da guerra e uma valoração da superioridade dos valores da civi-
lização ocidental cristã, sobre qualquer outra (por exemplo, o germanismo,
entendido como pré-cristão), na sua herança greco-latina, semita, e mesmo,
celta. Daí a sua opção por França, mátria da filosofia espiritual, em oposição

16. Ibid., 130.


17. Ibid., 138.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1394 [Recensão | Book Review]

à Alemanha, terra do movimento e da máquina. Manuel Cândido Pimentel


define esta abordagem do tema como sendo fundamentalmente moral, cons-
truída numa base metafísica e espiritualista, e como um defensor da criação
da Sociedade das Nações: “uma sociedade de povos e nações como alteridades
e inteligências cooperantes, em diálogo e fraternização”.18
Teixeira de Pascoaes é uma figura literária e intelectual de profundo
eco na obra filosófica do nosso filósofo, quer concordando, quer discor-
dando, mas merecendo sempre, e mutuamente, uma expressão de carinho
e de respeito por parte destas duas almas gémeas. Manuel Cândido Pimentel,
como qualquer estudioso atento da obra leonardina, realça isso mesmo em
dois capítulos desta obra  – O São Paulo de Teixeira de Pascoaes (capítulo
XII) e Filosofia criacionista e filosofia messiânico-profética (capítulo XIII).
Partindo do texto leonardino – “O Poeta Teixeira de Pascoaes” (1909) – o autor
apresenta a posição do nosso filósofo em relação a Teixeira de Pascoaes na
definição da sua obra como um novo paganismo estético-religioso ou místi-
co-metafísico. Paganismo que nasce “de uma síntese de tendências díspares,
do ruralismo imediato da relação sensitiva com a natureza e do naturalismo
filosófico, estético e religioso da Grécia Antiga até ao semitismo das indicações
teológicas e credenciais do judaísmo, que formam ainda a matriz aberta ao
cristianismo, sobretudo o centrado na figura profética e gnóstica de Jesus, e
a um catolicismo sem igreja, que reivindica que a instituição e a letra matam,
que nas suas tendências ruralistas ou campesinas tem de Cristo a visão de um
Deus que se passeia pelos campos, que ama as crianças e que brinca entre
cardos e flores”.19 Leonardo Coimbra foi um leitor atento aos pressupostos
filosóficos do poeta amarantino, a quem não apelida de filósofo, mas a quem
reverencia a profundidade da sua escrita, onde transparece o seu pensa-
mento filosófico-religioso. Já no Prefácio em “Regresso ao Paraíso”, 2ª edição,
descreve-o como um vidente, um condensador de recordações, em descarga, e
não um filósofo ou dado às ciências. Um místico heterodoxo, dotado de uma
sensibilidade representativa e de um idealismo de profunda feição religiosa. E
como já o referi, esta admiração não o faz obliterar as discordâncias. Quando
é caso disso protesta diante das suas conceções gnósticas e heterodoxas do
cristianismo, que este nostálgico de Deus revela na sua busca de Infinito.
Talvez de um deus pagão, ou até do deus de Heraclito, mas sem dúvida a sua
compreensão imperfeita da conversão de São Paulo: não foi o remorso da
execução de Estêvão, mas a visão real de Cristo ressuscitado. No capítulo XIII
o autor sublinha a diferença, na forma e no conteúdo, entre O Pensamento
Criacionista de Leonardo Coimbra e a Arte de Ser Português de Teixeira da

18. Ibid., 152.


19. Ibid., 153.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
[Recensão | Book Review] 1395

Pascoaes, reforçando que nesta obra o poeta amarantino fez ressurgir a linha
da nossa tradição messiânico-profética como uma ontologia de Portugal, e
mesmo uma antropologia do português. Já o nosso filósofo, no seu texto supra
citado, “tornou marginal o núcleo mais grave do imaginário religioso e político
de Teixeira de Pascoaes e da Renascença Portuguesa”.20 O que dele aceitou
foi a Saudade, mas – e reforça o autor, e eu concordo em pleno – sem uma
interpretação saudosista e revelando-a na experiência pensável, exprimindo-a
em uma gnoseologia e uma metafísica. Portanto, conclui o autor, estas duas
obras “revelam caminhos e destinos diversos, vivem e experienciam universos
e atmosferas de respiração que não são os mesmos, embora cada qual a seu
modo tenha intentado conduzir-nos à mais seleta e pura ordem”.21
Leonardo Coimbra é um filósofo que pensa como vive e vive como pensa,
mas sempre um pensamento pensável que perscruta a Vida na existência
concreta da humanidade e em tudo o que a rodeia. Seja a religião, a ciência ou
a filosofia. O capítulo XIV colocou O criacionismo face ao budismo sopesando
os temas doutrinários fundamentais do budismo, de sobremaneira o núcleo
especulativo da sua metafísica, realçando o autor as questões filosóficas: o
nada e a impensabilidade, e a sua impermeabilidade à noção teológica de
creatio ex nihilo, bem como a acusação ao budismo de eleatismo por analogia.
A crítica do seu núcleo pessimista vê-la manifesta na obra de Schopenhauer,
e em autores portugueses como Antero de Quental. No capítulo seguinte  –
Criacionismo, positivismo e pós-positivismo (1910-1940)  –, Manuel Cândido
Pimentel, coloca a luta antipositivista nas últimas décadas do século XIX, ou
“o contexto da génese, explicativo de apresentar-se a criacionismo na cena
cultural portuguesa do início do século XX como uma forma evoluída de anti-
positivismo”,22 até à sua última obra, A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre,
na crítica do cientismo positivista e do seu humanismo antropolátrico. A visão
positivista da ciência não se reduz a uma só, mas são diversos e múltiplos os
positivismos à época, e Leonardo Coimbra foca a sua crítica em parâmetros
por si bem selecionados e na denúncia dos cousismos que produzem em
facetas diversas do saber e do fazer. E neste capítulo o autor percebe a mesma
denúncia, até à década de quarenta, noutros pensadores e intelectuais, noutras
correntes de pensamento filosófico e literário-cultural, até Álvaro Ribeiro,
discípulo do nosso filósofo, em Os Positivistas. E, finalmente, o Criacionismo
e raciovitalismo (capítulo XVI) que o coloca em contacto com outros filósofos
contemporâneos, particularmente o espanhol Ortega y Gasset. Convergências
e afinidades no nosso filósofo são muitas, mas “trilharam caminhos de pensa-

20. Ibid., 164.


21. Ibid., 166.
22. Ibid., 173.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
1396 [Recensão | Book Review]

mento substantivamente diferentes”.23 Sobressaindo a antropologia filosófica


que elaboram na denúncia da humanidade como dominadora do mundo,
mas percebendo que o racionalismo de Leonardo Coimbra é um ideorracio-
nalismo e o de Ortega y Gasset um raciovitalismo. Concluindo o autor que
para ambos a humanidade “não tem natureza, não tem essência; mas tem
história”.24 Ambos defendem uma conceção da humanidade como existência
encarnada e situada que se constrói em consciência e liberdade.
Termina esta obra com dois capítulos que realçam duas marcas indeléveis
do pensamento e da ação de Leonardo Coimbra: o discipulato e a pedagogia.
Para o autor “Delfim Santos não só foi quem melhor incarnou a apologia da
continuidade e harmonia da obra do Mestre (…), mas aquele que se mostrou o
mais compreensivo no que respeita às suas disposições espirituais e religiosas,
dissentindo de Marinho, Álvaro Ribeiro e Sant’Anna Dionísio”.25 O capítulo
XVII, Delfim Santos e o mestre, mostra-o como o exegeta e o hermeneuta mais
fiel de Leonardo Coimbra, mas igualmente como o menos aberto ao valor
ontológico e teológico da transcendência; talvez, pela sua aproximação à filo-
sofia alemã. E o último capítulo, A «pedagogia profunda» (XVIII), aborda a tese
de doutoramento de Manuel Ferreira Patrício (de 1983), discípulo da segunda
geração do nosso filósofo, onde demonstra a magnífica, e inovadora, peda-
gogia de Leonardo Coimbra. Ou melhor, uma antropagogia, guiada por uma
razão poética, na formação do ser humano, em qualquer fase da sua vida, na
sua humanidade e para a plenitude da sua humanidade.
Esta é uma obra que agrupa trabalhos feitos em tempos diferentes, ou
no discorrer do tempo do filósofo Manuel Cândido Pimentel, que pelo conhe-
cimento da obra do nosso filósofo se mostra um exegeta e um hermeneuta
exímio, conjugando a vida e a filosofia de um homem e de um filósofo que
vivia e pensava em consequência. E, por outro lado, sem perder o rigor do
método filosófico, e a profundidade que merece o tratamento das coisas da
filosofia, escreve de uma forma tão agradável e escorreita que só favorece o
conteúdo do exposto. Vale muito a pena ler mais este conjunto de textos sobre
o grande filósofo, Leonardo Coimbra.

Francisco José de Jesus Oliveira


Universidade Católica Portuguesa
Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais, Braga

23. Ibid., 181.


24. Ibid., 189.
25. Ibid., 192.

Vol. 75
Fasc. 2 RPF 2019

Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2019 Revista Portuguesa de Filosofia. All Rights Reserved.
Publicidade | Publicity
Colecção Pedagogia 1399

Ratio Studiorum da Companhia de Jesus (1599)


Regime Escolar e Plano de Estudos

Margarida Miranda
(Introdução, Versão Portuguesa e Notas)

O nosso mundo não é, nem poderia


ser, o do séc. XVI. (...) os valores são tidos
como relativos, porque, dizem alguns, o
valor, se existe, é algo a refazer por cada
indivíduo livre e único construtor de
si mesmo. O nosso mundo é, pois, em
certa medida, um mundo órfão, porque
não conhecemos o nosso Pai, porque
não nos conhecemos a nós próprios...
É evidente que esta crise de valores,
este “desnorte”, ataca profundamente a
Escola, ambiente, aliás, propício ao seu
cultivo. É, por isso, necessário, que a
mesma Escola fomente nos alunos uma
educação equilibrante, que os ajude a,
conscientemente, assumirem, a porem
em causa e a construírem matura e acti-
vamente o mundo, que é também um
produto deles.
A Ratio Studiorum, hoje, pode ajudar
o mundo da Escola, porque ela se centra
no encontro pessoal entre o educador e
o educando, num processo contínuo de
interacção e comunicação; porque, ao individualismo, responde com a colabo-
ração, com a ajuda recíproca, com o sentido de comunidade no aprender, como
treino para o viver; porque quer que o aluno seja capaz de aprender a aprender
por si próprio, durante toda a vida, que seja activo, interessado, participativo no
processo educativo, e não mero recipiente de informações, pois é o aluno, cada
aluno, quem aprende e o primeiro responsável pela sua educação; porque ensina
e valoriza a generosidade, o trabalho em equipa, a solidariedade; porque apela
a uma educação integral, onde o aluno é convidado a desenvolver, equilibrada
e harmonicamente, todas as suas faculdades intelectuais, afectivas e volitivas;
porque ensina que o homem, todo o homem, tem uma vocação sobrenatural.
Nesta justa medida, e porque quer ensinar a saber viver e a viver bem, pode
dizer-se que a Ratio Studiorum está hoje tão viva como na época que a viu nascer.

Vol. 75
Fasc. 1 RPF 2019
1400 Colecção Pedagogia

A Pedagogia da Companhia de Jesus


Contributos para um Diálogo

José Manuel Martins Lopes

Este livro procura, a partir das


fontes da educação da Companhia
de Jesus (a pessoa de Santo Inácio
de Loiola, os Exercícios Espirituais,
o modus parisiensis, a Parte IV das
Constituições da Companhia de Jesus
e as Ratio), mostrar a vitalidade e
atualidade da proposta educativa da
Companhia de Jesus na construção
de um mundo melhor. A pedagogia
inaciana, a pedagogia da Companhia
de Jesus, está balizada pelas suas
fontes, e são reconhecidos ao longo dos
séculos os seus frutos. Cumpre-nos,
por isso, continuar a revitalizá-la a
partir de si própria e apresentá-la ao
mundo contemporâneo como aquilo
que é: uma proposta válida, provada e
comprovada no mundo da educação.
Não dizemos que ela é melhor do
que outras; é sim diferente, e nessa
diferença está o seu contributo para um outro modo de ser e de estar na
educação. É importante que as famílias disponham de alternativas, para
poderem optar, em igualdade de oportunidades, por um Projeto Educativo
que vá ao encontro das suas expectativas. Numa época em que abundam
“pedagogismos”, porque a ideia de ser humano parece ter contornos cada
vez mais imprecisos e confusos, estas reflexões acerca da pessoa, da vida e da
obra de Inácio de Loyola, a partir de uma antropologia cristã, ambicionam
contribuir para um diálogo com o mundo contemporâneo da educação. Os
textos deste livro, resultantes da experiência e vivência concreta de pessoas
que conhecem a espiritualidade e a pedagogia inacianas, podem ajudar a
um debate e a um diálogo profícuos a quem está envolvido num processo de
ensino-aprendizagem (Famílias, Educadores, Alunos e sociedade política).

Vol. 75
Fasc. 1 RPF 2019
AXIOMA STUDIES
IN PHILOSOPHY OF NATURE AND IN PHILOSOPHY AND HISTORY OF SCIENCE

Equipa Editorial / Editorial Team

Director / Editor 

ÁLVARO BALSAS, SJ
(Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais, UCP – Braga, Portugal)

Director Adjunto / Adjunct Editor

ANTONIO AUGUSTO PASSOS VIDEIRA


(Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brazil)

Conselho Científico / Editorial Advisory Board

AGUSTÍN UDÍAS VALLINA


(Universidad Complutense de Madrid y Universidad Pontificia de Comillas, Spain)

CHARBEL NIÑO EL-HANI


(Universidade Federal da Bahia, Brazil)

GENNARO AULETTA
(Pontificia Università Gregoriana, Italy)

JUAN ARANA
(Universidad de Sevilla, Spain)

LOUIS CARUANA
(Pontificia Università Gregoriana, Italy)

LUÍS MIGUEL CAROLINO


(Instituto Universitário de Lisboa, Portugal)

MICHAEL J. DODDS, OP
(GTU, Dominican School of Philosophy & Theology, Berkeley, USA)

OSVALDO PESSOA JR.


(Universidade de São Paulo, Brazil)

PAUL MUELLER, SJ
(Vatican Observatory, Rome, Italy)

RICARDO LOPES COELHO


(Universidade de Lisboa, Portugal)

TATIANA ROQUE
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil)
1402 Axioma Studies in Philosophy of Nature and in Philosophy and History of Science

Sobre a Série

Axioma Studies in Philosophy of Nature


and in Philosophy and History of Science

A série Axioma Studies in Philosophy of Nature and in


Philosophy and History of Science – uma iniciativa de professores de
filosofia, história da ciência e áreas afins, de Portugal e do Brasil –,
pretende contribuir para a divulgação de obras nestas áreas do
conhecimento, de modo a fortalecer o diálogo interdisciplinar, não
apenas filosófico ou historiográfico, mas também numa perspectiva
cultural ampla, entre aqueles que acreditam que a ciência, nos seus
múltiplos aspectos, pode ser um elemento de ligação entre diversos
âmbitos da sociedade contemporânea. Os seus autores, bem como
os seus leitores, podem ser oriundos quer das ciências humanas –
em sentido amplo, de modo a incluir, por exemplo, a teologia e a
antropologia –, quer das ciências naturais.
Reconhecendo que a ciência, sobre a qual incide o seu foco de
interesse, passou – como passa ainda – por inúmeras transformações
ao longo do tempo, a série Axioma Studies assenta nos pressupostos
basilares de que o pluralismo e o respeito pela diferença teórico-
metodológica são elementos essenciais, não apenas para o diálogo
académico, mas igualmente para a reunião entre as diferentes
especialidades e o público culto em geral. Acreditamos que a riqueza
da ciência somente pode ser percebida e vivida, caso seja analisada
sob múltiplos pontos de vista, interessados em compreendê-la como
um fenómeno humano em contínuo processo de desenvolvimento.
Os textos, publicados nesta série, em inglês, português e
espanhol, devem ser críticos, não dogmáticos e informativos. Os
editores da série Axioma Studies esperam, assim, contribuir para que
os esforços de colaboração entre diferentes especialistas se tornem
realidade. Em particular, almejam ver superadas as barreiras que
impedem a colaboração entre cientistas naturais, de um lado, e
filósofos e historiadores, de outro.

Álvaro Balsas, SJ (Braga, Portugal)


Antonio A. P. Videira (Rio de Janeiro, Brasil)

Vol. 75
Fasc. 1 RPF 2019
Axioma Studies in Philosophy of Nature and in Philosophy and History of Science 1403

About the Series

Axioma Studies in Philosophy of Nature


and in Philosophy and History of Science

The Axioma Studies in Philosophy of Nature and in Philosophy


and History of Science series – a initiative of professors of philosophy,
history of science and related fields, from Portugal and Brazil  –,
aims to contribute to the dissemination of works in these fields of
knowledge in order to strengthen the interdisciplinary dialogue, not
just philosophical or historiographical, but also in a wide cultural
perspective, among those who believe that science, in its multiple
aspects, can be a link between different spheres of contemporary
society. Its authors, as well as its readers, may come from either the
humanities – in a broad sense, to include, for example, theology and
anthropology – or the natural sciences.
Recognizing that science, on which points its focus of interest,
has passed  – and still passes  – through many changes over time,
the Axiom Studies series is based on the basic assumptions that
pluralism and respect for theoretical and methodological differences
are essential elements, not only for the academic dialogue, but also
for the meeting between the different specialties and the interested
general public. We believe that the wealth of science can only
be perceived and lived, if analyzed from multiple points of view,
interested in understanding it as a human phenomenon in progress.
The texts published in this series, in English, Portuguese
and Spanish, should be critical, not dogmatic and informative.
The editors of Axiom Studies series hope thus to contribute to
the collaborative efforts of different specialists become reality. In
particular, aspire to see overcome the barriers that prevent the
collaboration between natural scientists, on the one hand, and
philosophers and historians, on the other.

Álvaro Balsas, SJ (Braga, Portugal)


Antonio A. P. Videira (Rio de Janeiro, Brazil)

Vol. 75
Fasc. 1 RPF 2019
1404 Axioma Studies in Philosophy of Nature and in Philosophy and History of Science

Acerca de la Serie

Axioma Studies in Philosophy of Nature


and in Philosophy and History of Science

La serie Axioma Studies in Philosophy of Nature and in


Philosophy and History of Science  – una iniciativa de profesores
de filosofía, historia de la ciencia y áreas afines, de Portugal y
Brasil  –, tiene como objetivo contribuir a la difusión de obras en
estos campos del conocimiento, con el fin de fortalecer el diálogo
interdisciplinario, no sólo filosófico o historiográfico, sino también
en una perspectiva cultural más amplia, entre los que creen que la
ciencia, en sus múltiples aspectos, puede ser un elemento de vínculo
entre diferentes ámbitos de la sociedad contemporánea. Sus autores,
así como sus lectores, podrán proceder de las humanidades  –
en un sentido amplio, que incluye, por ejemplo, la teología y la
antropología – o de las ciencias naturales.
Reconociendo que la ciencia, en la que centra su foco de
interés, ha pasado – y pasa todavía – a través de inúmeros cambios a
lo largo del tiempo, la serie Axioma Studies se basa en los supuestos
fundamentales de que el pluralismo y el respeto por las diferencias
teóricas y metodológicas son elementos esenciales, no sólo para
el diálogo académico, sino también para el encuentro entre las
diferentes especialidades y el público culto en general. Creemos que
la riqueza de la ciencia sólo puede ser percibida y vivida, si se analiza
desde múltiples puntos de vista, interesados en comprenderla como
un fenómeno humano en proceso de desarrollo.
Los textos publicados en esta serie, en inglés, portugués y
español, deben ser críticos, no dogmáticos e informativos. Los
editores de Axioma Studies esperan de este modo contribuir para que
los esfuerzos de colaboración entre diferentes especialistas se hagan
realidad. En particular, anhelan por ver superadas las barreras que
impiden la colaboración entre los científicos naturales, por un lado,
y los filósofos e historiadores, por el otro.

Álvaro Balsas, SJ (Braga, Portugal)


Antonio A. P. Videira (Rio de Janeiro, Brasil)

Vol. 75
Fasc. 1 RPF 2019
Axioma Studies in Philosophy of Nature and in Philosophy and History of Science 1405

A Jesuit Against Galileo?


The Strange Case of Giovanni Battista Riccioli Cosmology

Alfredo Dinis, SJ

This study aims to contribute to


the research in the history of science,
specifically, in the area of the seven-
teenth century cosmology, which had in
Riccioli, a contemporary of Galileo, an
undeniable protagonist.
In many histories of science,
Giovanni Battista Riccioli (1598-1671)
is either omitted or mentioned only
briefly in relation to his main cosmo-
logical work, the Almagestum Novum
(1651), which is generally taken as little
more than a source of useful infor-
mation. When it comes to evaluating
Riccioli’s philosophical views or his
contribution to the development of
modern science, especially in observa-
tional astronomy, contrasting opinions
have been expressed. Several scholars
believed especially in the past, but some
still in the present, that although during
the dispute over Copernicanism Riccioli
was personally convinced that the official
positions of Catholic theologians were untenable, he kept his own views private,
and mentioned in his works only official opinions, as if he fully agreed with them.
Depicted as “a spokesman for the Society of Jesus” who was asked by his superiors
to uphold a lost cause, Riccioli has been accused of behaving like a bad advocate,
one who acted by commission, rather than by conviction, and who did not
make a real effort to argue convincingly against the Copernican views. Since no
comprehensive and contextual study of Riccioli’s cosmological views has ever been
carried out, references to his thought are often put forward out of perspective.
The present study attempts thus to achieve a more complete view, and sets out to
illustrate the context of Riccioli’s work in the Society of Jesus, and more generally
within the seventeenth century research and debate on cosmology.

Vol. 75
Fasc. 1 RPF 2019
1406 Axioma Studies in Philosophy of Nature and in Philosophy and History of Science

Por que os Físicos Acreditam que as Coisas Existem?


Breves Comentários a Respeito das Relações entre
Ciência e Metafísica

Antonio Augusto Passos Videira

O tema central desta mono-


grafia é a noção de realidade, tal
como esta foi entendida por alguns
cientistas naturais da primeira
metade do século XX. Os cientistas-
-filósofos escolhidos são: Max Planck,
Albert Einstein, Niels Bohr, Werner
Heisenberg, Erwin Schrödinger e
Max Born. À guisa de comentário
introdutório, devo observar que o
tema da realidade não é o único aqui
abordado, e que a presente mono-
grafia pode ser tomada como uma
primeira introdução às ideias e teses
filosóficas dos seis cientistas refe-
ridos. Ao escrever este trabalho, o
meu principal objetivo foi o de fazer com que os estudantes de graduação
dos cursos de filosofia tenham a possibilidade de ler um comentário geral
sobre as ideias filosóficas – em particular, as metafísicas, portanto refe-
rentes à natureza da realidade – de alguns dos físicos mais importantes
do século passado. Um segundo público alvo possível pode ser encontrado
entre os estudantes do ensino médio. Finalmente, este texto pode, even-
tualmente, ser definido como paradidático, atraindo a atenção de profes-
sores, principalmente daqueles que atuam neste último segmento.

Vol. 75
Fasc. 1 RPF 2019
Axioma Studies in Philosophy of Nature and in Philosophy and History of Science 1407

Divine Action and the Laws of Nature


An Approach Based on the Concept of Causality Consonant with
Contemporary Science

Álvaro Balsas, SJ

The notion of divine action – which


claims that God, Creator of the world, is
actively involved in his creation and acts
in history – is central to Christian faith
and experience.
The remarkable success of modern
science since the seventeenth-century, fol-
lowed by the new philosophy of the eigh-
teenth, started a process of undermining
of that notion, whose consequences are
still present nowadays either in theo-
logical circles, or in contemporary debates
of science and religion. We notice a wide-
spread rejection of the concept of “divine
interference” in natural processes and a
pervasive belief that many events desig-
nated as “mighty acts of God” can either
be explained scientifically, or dismissed
as non-historical literary creations. In
other words, it seems that the traditional
notion of divine actions runs counter to
the “scientific authority,” which considers
it an impossible “violation of the laws of nature.” The discoveries of contemporary
science on emergent systemic properties in complex systems, downward causality,
and indeterminism, encouraged, in recent decades, new attempts to search for divine
action inside quantum and chaotic physical processes, in which God was seen either
as “determiner of indeterminacies” or as “communicator of active information.”
Although these approaches represent a remarkable endeavor in putting together
divine action and contemporary science, nevertheless, they reveal scientific problems
and philosophical and theological difficulties. We claim that those problems are
rooted in the concept of causality they use. We suggest that to articulate the notion
of divine action and the laws of nature we should enlarge the concept of causality,
in accordance with what contemporary science itself is pointing out. The purpose of
this monographic study, then, is to investigate in what ways belief in divine action
can be held in theology without conflicting with the laws of nature, so that that belief
might be a credible and useful notion in the dialogue between science and religion.

Vol. 75
Fasc. 1 RPF 2019

Você também pode gostar