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Direito das Obrigações

Maria Margarida Costa

UCP 2021

Introdução

O Direito das Obrigações é o conjunto de normas jurídicas reguladoras das relações de


crédito.

Este direito está contido no livro 2º do Código Civil (CC), ou seja, do art. 397º ao 1250º.
Este livro está dividido em 2 títulos: o 1º trata das obrigações em geral; o 2º trata dos
contratos em especial.

As relações de crédito são as relações jurídicas (RJ) em que ao direito subjectivo


atribuído a um dos sujeitos corresponde um dever de prestar especificamente imposto a
determinada pessoa. É este dever de prestar, a que uma pessoa fica adstrita, no
interesse de outra, que distingue a relação obrigacional de outros tipos próximos de
relações. Portanto, o objeto fundamental do direito das obrigações consiste nos deveres
de prestação.

A fonte da obrigação é o facto de onde nasce o vínculo, que lhe confere existência real.
Trata-se de um elemento estranho à obrigação.

Conhecemos 2 grandes fontes das relações de crédito:

- Contratos (mais comum)

- Responsabilidade Civil

Já as modalidades das obrigações são as várias categorias de relações creditórias que


é possível distinguir.

- Quanto ao vínculo: obrigações civis e naturais

- Quanto ao sujeito: obrigações singulares e plurais; obrigações conjuntas e solidárias;


obrigações de sujeito indeterminado

- Quanto ao objeto: obrigações divisíveis e indivisíveis; obrigações genéricas e


específicas; obrigações pecuniárias, alternativas, de indemnização, etc.…

O fim natural da obrigação, seja qual for a modalidade em questão, é o cumprimento,


que representa o meio normal de satisfação do interesse do titular ativo da relação. Ex:
Se o tribunal condenar o autor da agressão a pagar uma indemnização à vítima, o
sentido natural da imposição desde dever é que o autor da agressão entregue o dinheiro
à vítima, o quanto antes.

Os direitos de crédito nascem para serem cumpridos. Portanto, o cumprimento é um


modo de extinção das obrigações (é o modo normal, na medida em que pressupõe o
funcionamento regular do vínculo obrigacional).

Características do Direito das Obrigações


1. É um direito de dinâmica negocial.
- Dá suporte jurídica à vida económica, funcionalizando para a circulação de bens e a
prestação de serviços, mas sem esquecer a prevenção de riscos e a recuperação de
danos).

- A tendência é a de que as obrigações se constituem para se realizarem e extinguirem.


Portanto, as relações de crédito constituem um domínio particularmente dinâmico da
realidade jurídica.

- Será um direito tendencialmente patrimonial e relativo.

- A obrigação traduz-se no sacrifício imposto a um das partes, com o fim de


proporcionar uma vantagem à outra parte, sob a cominação de sanções próprias da
disciplina jurídica.

- Já por contraposição, os direitos reais têm uma função essencialmente estática, na


medida em que tendem a garantir situações duradouras de uso, fruição ou eventual
aquisição das coisas.

- Por se tratar de uma tendência, é normal que existam situações em que esta dinâmica
não se verifica. Ex: Na legislação arrendatícia, há uma obrigação de derrogação da
relação com o arrendatário; As relações de trabalho podem durar muito tempo;
Contratos de concessão. Portanto, há algumas relações obrigacionais duradouras.

2. A sua matéria apresenta uma relativa estabilidade no tempo e uniformidade no


espaço.
- Se analisarmos o direito da família, verificamos que este sofre várias alterações em
função da realidade. Ex: Papel da mulher; Casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Já olhando para os direitos reais, estes variam muito consoante os diferentes países.
Ex: Comparando o direito anglo-saxónico e o direito dos países de leste sobre regimes
de índole comunista.

- Por um lado, o direito das obrigações apresenta uma relativa uniformidade nas
diferentes áreas do globo. Isto resulta da existência de uma base comum romana
muito relevante, ou seja, o nosso direito das obrigações encontra-se no seio da
chamada família romano-germânica. Esta herança comum permite uma afinidade
maior com outro países. É, por isso, um direito suscetível de ser codificado com
âmbito supranacional. A elaboração do Código Europeu dos Contratos é digna de
especial menção. Tem de singular o facto de se tratar da primeira tentativa séria de
unificação do direito privado anglo-saxónico com as diversas famílias do direito
continental. No seio da UE, procurou promover-se a harmonização do direito privado e
do direito das obrigações (EPECL: Principals of European Contract Law).

- Por outro lado, este ramo do direito apresenta uma notória estabilidade/lenta evolução
no tempo. As concepções de justiça e de equidade, as máximas da experiência, as
regras do bom senso, etc, não têm sofrido grande variação. O que sofreu uma
evolução sensível, desde os tempos antigos do direito romano clássico até ao período
contemporâneo foi o complexo das normas imperativas.

3. Assiste-se a uma heterolimitação do direito privado à autonomia privada.


- Trata-se de uma publicização do direito privado, que existe para limitar a atuação dos
intervenientes de modo a proteger uma das partes. No fundo, fazem-se sentir
restrições: as partes não podem fazer tudo aquilo que querem.

- Há, portanto, preocupações de justiça social e criam-se soluções para corrigir


desequilíbrios.

- Tem que ver com a disparidade de poder entre aquele que exerce profissionalmente a
atividade e que pretende obter lucro, e aquele que está sujeito às técnicas praticadas
pela outra parte (como técnicas de marketing). São, então, necessárias estruturas de
tutela daqueles que estão numa situação de fragilidade em relação à outra parte.

- Ex: Normas protetoras dos consumidores e dos que contratam por adesão; Seguros
obrigatórios; Proteção de certos contraentes, como o arrendatário ou o trabalhador.

4. É um direito com uma forte componente ética.


- Este ramo do direito apresenta uma base, uma estrutura ética de dever-ser.

- Isto confirma-se com a existência do princípio da boa fé no sentido objetivo1, da figura


do abuso de direito, da responsabilidade pré-contratual e pós-contratual.

Conceito de Obrigação
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Estrutura da Obrigação

É útil decompor da estrutura da relação obrigacional nos seus elementos constitutivos.


Podemos então falar dos seguintes elementos:

- Sujeitos

- Objeto

- Vínculo Jurídico

1. Sujeitos

Os sujeitos são os titulares (ativo e passivo, ou simultaneamente ativo e passivo quando


se trata, por exemplo, de obrigações nascidas de um contrato bilateral) da relação.

De um lado, temos o credor; do outro, temos o devedor.

Credor
- É o titular do direito à prestação, o sujeito ativo da relação de crédito.

- É a pessoa a quem se proporciona a vantagem resultante da prestação. No fundo, é o


titular do interesse (patrimonial, espiritual ou moral) que o dever de prestar visa
satisfazer.

- A tutela do seu interesse depende da sua vontade. Assume a qualidade de verdadeiro


sujeito de um direito subjetivo (e não de simples titular de um interesse reflexivamente
protegido), podendo dispor, pelas mais variadas formas, de meios coercitivos
predispostos pela ordem jurídica para gerir a relação: pode exigir o cumprimento
(voluntário ou judicial) da obrigação ou pode não o exigir (sem que do facto lhe
advenha qualquer sanção).

Devedor

- É a pessoa sobre a qual recai o dever (específico) de efetuar a prestação. Ex: O


comprador, quanto à entrega do preço; A entidade patronal, quanto à entrega do
salário; O empreiteiro, quanto à entrega da obra. Portanto, é quem está adstrito ao
cumprimento da prestação.

- Encontra-se numa posição de subordinação jurídica.

- É sobre o património do devedor que recai a execução destinada a indemnizar o dano


causado ao credor, quando a obrigação não seja voluntária ou judicialmente cumprida
art. 817º. Ou seja, a sanção principal é hoje a execução do património do devedor.

Só o credor tem direito à prestação, e esta só do devedor pode ser exigida.

1 Boa fé no sentido objetivo (ou princípio da boa fé) é diferente de boa fé no sentido subjetivo. A
primeira refere-se a um padrão ou critério de conduta, de regras de orientação de condutas. Não
tem que ver necessariamente com aquilo que se sabe ou se ignora, mas sim com aquilo que se
deve ou não fazer. Já a última noção refere-se ao estado psicológico do sujeito, por exemplo, se
tinha ou não conhecimento de certa situação.
A obrigação tem, assim, caráter relativo, na medida em que vincula apenas
determinadas pessoas (ao contrário dos direitos reais ou direitos de personalidade que,
como direitos absolutos, vem em relação a um círculo indeterminado de pessoas).

Obrigações de Sujeito Indeterminado

Por norma, a relação obrigacional nasce estando o credor e o devedor individualizados,


determinados.

Contudo, o art. 511º veio a prever a possibilidade do sujeito ativo ser indeterminado no
momento em que a obrigação se constitui. O que se exige é que seja determinável, isto
é, a presença de elementos, critérios objetivos, que permitam a sua posterior e
necessária determinação. Ex: Promessa pública art. 459 (o credor será aquele que vier a
encontrar-se na situação de facto exigida pelo anunciante); Contrato para pessoa a
nomear art. 452º; Herança deixada a nascituro art. 2033º; Título ao portador, como o
bilhete para o teatro (a qualidade do credor determina-se pela posse, quem possuir o
bilhete é o credor 2).

Quanto ao devedor, a maioria da doutrina entende que este tem de estar sempre
determinado, ou seja, que nenhuma obrigação pode nascer sem devedor. Já Brandão
Proença não sabe se, rigorosamente, é assim, pois aponta a responsabilidade civil como
uma situação que põe esta ideia em causa.

Alteração dos Sujeitos da Obrigação

A permanência dos sujeitos originários do vínculo obrigacional não é, no direito moderno,


condição essencial à persitência da obrigação. Esta pode persistir, com todos os seus
atributos fundamentais (garantias, juros, contagem do prazo prescricional, cláusulas
adicionais, etc…), apesar de mudar um dos sujeitos ou de mudarem ambos.

Pode haver, então, uma transmissão de obrigações. O credor pode ceder o seu crédito
a outrem (vendendo-o, doando-o ou trocando-o), por exemplo numa cessão de créditos
art. 577º; Um fiador pode pagar em vez do devedor e a lei pode investi-lo (sub-rogação),
em virtude do pagamento efetuado, na posição do credor. A obrigação é a mesma,
apenas circula de um sujeito para o outro. Este fenómeno é muito frequente, sobretudo
com certos títulos (ações, letras de câmbio e cheques) regulados no direito comercial,
cuja circulação se torna bastante expedita, ao ponto de a titularidade ativa da obrigação
se determinar em muitos casos (títulos ao portador) pela simples posse do título, ou seja,
é credor quem possuir o título.

Pode, ainda, se verificar uma sucessão de obrigações. Dá-se esta designação à


substituição de sujeitos determinada pela morte de um deles. Aqui, a relação permanece
(idêntica a si própria), sendo o herdeiro (ou o legatário) quem vai ocupar a posição
jurídica que competia ao antigo titular. Ex: A, credor de B, morre e sucede-lhe um único
herdeiro, C. Este ocupará o lugar de A na relação creditaria, entendendo-se que a
obrigação entre o herdeiro C e o devedor B é a meus que existia na titularidade de A.

Situação diferente é a da separação entre sujeitos da obrigação: aqueles entre os quais a


obrigação nasce, e pessoas/terceiros que, em determinadas circunstâncias, podem
cumprir, em vez do devedor, ou receber a prestação em vez do credor. A estes sujeitos
chamamos de terceiros com legitimidade para cumprir ou receber a prestação art.
767º. Há algumas hipóteses, previstas no art. 770º, em que se permite que a prestação

2Para Brandão Proença, estar-se-há a confundir titularidade com o exercício do direito,


entendendo que, a partir do momento em que alguém compre o bilhete, há credor, que pode ou
não transmitir o título a outra pessoa. O professor crê que neste caso não existe indeterminarão
mas apenas dissociação entre a titularidade do crédito (o primeiro adquirente do bilhete) e o seu
exercício (o último possuidor).
feita a terceiro permita a extinção da obrigação, ou seja, em que se considera que houve
cumprimento.

Pluralidade dos Sujeitos

As mais das vezes, de cada lado da relação há apenas uma pessoa (um credor e um só
devedor), dizendo-se que a obrigação é singular.

No entanto, pode haver pluralidade de sujeitos. Esta pluralidade pode-se verificar tanto
do lado ativo (Ex: Várias pessoas alugam uma camioneta e tornam-se credoras do
serviço transporte; O marido e a mulher constituem um depósito solidário ou conjunto no
banco), como do lado passivo (Ex: Vários indivíduos danificam coisa alheia, sobre todos
recaindo a obrigação de indemnizar o lesado). Pode ainda existir em ambos os lados
simultaneamente (Ex: Vários indivíduos danificam coisa alheia, sobre todos recaindo a
obrigação de indemnizar o lesado e a coisa danificada pertence a 2 ou mais
comproprietários).

A pluralidade pode ser um regime de conjunção ou parcialidade (em regra) ou de


solidariedade.

- Conjunção: Do lado passivo, cada um dos obrigados fica adstrito a cumprir apenas
uma parte da prestação art. 513º e ss. Ex: Se A combina com B e C que estes têm de
fazer uma entrega de mercadorias, A só pode exigir a cada um deles uma parte das
mercadorias. Este regime não protege tanto o credor, em casos de insolvência por
exemplo.

- Solidariedade: Este regime já protege mais o credor, pois este terá o direito de exigir a
qualquer um dos obrigados a prestação por completo. O credor pode escolher, de
todos os devedores, qual o que oferece melhores condições de cumprimento.
Constitui um desvio, mas pode ser previsto pelo legislador ou combinado pelas partes,
aliás, em termos práticos acaba por ser a regra, dado que é muitas vezes previsto pelo
legislador. Ex: Responsabilidade civil art. 497º e 507º

2. Objeto

O objeto da obrigação é a prestação devida ao credor, o meio que satisfaz o interesse


do credor. As indicações gerais à cerca do objeto estão previstas no art. 398º e ss.

A principal distinção que fazemos é, quanto ao critério do objeto da prestação, em que


encontramos as prestações de facto e as prestações de coisa:

Prestação de Facto

- Consiste numa atividade, num comportamento que é adotado pelo devedor.

- Ex: Realização de intervenções médico-cirúrgicas, investigações policiais particulares,


etc…

Estas prestações de facto podem ter uma feição positiva ou negativa:

- Positivas: Há um comportamento, ação ou atividade de sinal positivo. Ex: Prestação


do mandatário no contrato de mandato; Prestação do trabalhador no contrato de
trabalho; Informação por parte de um gestor de negócios art. 465º d); Contrato-
promessa art. 410º; Pacto de preferência art. 414º (nos quais a prestação debitaria
consiste na emissão de uma declaração negocial)

- Negativas: Há uma abstenção, um comportamento negativo, ou uma tolerância.


Podemos, assim, falar em 2 variantes distintas. Nuns casos, o devedor compromete-se
apenas a não fazer, um non facere (Ex: Não abrir estabelecimentos de determinado
ramo de comércio; Não se abastecer de outro fornecedor ou não fornecer produtos
aos concorrentes do comprador; Não usar, no caso do depositário, a coisa depositada;
Não prestar serviço durante certo período em determinada empresa concorrente).
Noutros casos, o devedor limita-se a consentir ou tolerar que o credor pratique alguns
atos a que, de contrário, não teria direito (Ex: O locatário tem que consentir, nos
termos do art. 1038º e ss., a realização de reparações urgentes do prédio; A obriga-se
a deixar B caçar na sua lagoa).

O facto que constitui o objeto da obrigação pode ser material ou jurídico:

- Material: Reparar uma viatura, pintar uma casa… Ex: Contrato de empreitada, que tem
como prestação típica a realização de certa obriga, que é um facto material art. 1207º
- Jurídico: Emissão de uma declaração de vontade, assunção de certa dívida,
patrocínio de certa causa, etc… Ex: Contrato-promessa, em que a prestação típica é a
prestação de facto jurídico, pois as partes vinculam-se a emitir as declarações
negociais correspondentes ao contrato definitivo; Contrato de mandato, em que o
mandatário se compromete à prática de atos jurídicos art. 1157º.

Nota: Um cantor que vai dar um concerto, por exemplo, ou um poeta que vai declamar
um poema, estas podem-se considerar prestações de facto de caráter intelectual ou
espiritual.

Além disso, a prestação pode ser própria (e em princípio será), mas pode ser também
prestação de facto de terceiro:

- Própria: A prestação de facto refere-se, em regra, a um facto do devedor (Ex: É o


mandatário e só o mandatário que se compromete a realizar determinados atos
jurídicos).

- De Terceiro: O facto devido pode reportar-se a factos de terceiro (Ex: A, dono de um


posto de venda de combustíveis, promete que os futuros (e eventuais) adquirentes do
posto manterão o direito de exclusivo concedido à companhia fornecedora; B, casado,
obriga-se a vender certo prédio a C, prometendo que a mulher dará o consentimento
necessário à validade da venda)3. A prestação de facto de terceiro não vincula o
terceiro a quem ela se refere art. 406º nº2 (“Ninguém fica obrigado pela promessa de
terceiro”).

Esta classificação do compromisso assumido pelo promitente relaciona-se com uma


outra distinção, entre obrigações de meios e de resultado:

- De Meios: Verifica-se um compromisso mais ténue, pois aquilo a que o contraente se


vincula é a despender dos seus melhores esforços a diligenciar no sentido de obter o
resultado prometido, neste caso, a que o terceiro pratique o facto. Ex: Um advogado
não pode vincular-se a vencer a causa. Há vários fatores que influenciam a causa
(prova, testemunhas, etc…), o resultado é aleatório. No entanto, aquilo que o
advogado assume é o compromisso de diligenciar, de argumentar no sentido de
vencer a causa; Um médico que se compromete a empregar a diligência requerida
para obter a cura de um doente. O que interessa ao credor é, de facto, a satisfação do
seu interesse, mas, pela própria natureza da atividade ou do conteúdo do
compromisso assumido, a obrigação tem esta nota mais limitada. A falta de verificação

3 Neste caso, falamos de contratos-promessa, e, por isso, não são inválidos. Por exemplo, no
caso da venda de imóvel por parte de um dos cônjuges, este contrato-promessa será válido
porque só produz efeitos obrigacionais (para já não produz efeitos reais de disposição da coisa,
mas se o fizesse, por exemplo, através do CCV, então já seria inválido). O que haverá é
incumprimento mais tarde, caso esse consentimento não seja obtido.
do resultado não será suficiente para se considerar que houve incumprimento (é
necessário que o credor prove que o devedor não diligenciou como deveria).

- De resultado: Uma das partes decide arriscar, garantindo a verificação de um


determinado resultado, embora não o controle. Se não se obtiver esse resultado, então
há incumprimento. Ex: Contrato de franquia, onde há uma cláusula em que o
franquiado se compromete a obter um determinado nível de rendimento, embora não
controle a forma como a sua atividade comercial vai correr.

Nota: Em princípio, se nada mais for dito, nestas situações, a obrigação será apenas de
meios.

Prestação de Coisa
- O seu objeto refere-se a uma coisa.

A prestação da coisa pode integrar 3 modalidades:

- Obrigação de dar: A prestação visa constituir ou transferir um direito real sobre a


coisa. Essa transferência ou constituição depende, por força da lei ou de convenção
das partes, do ato de entrega da coisa art. 1144º, 1181º nº1, 2251º nº2.
- Obrigação de entregar: A prestação visa apenas transferir a posse ou detenção da
coisa para permitir o seu mero uso, fruição (entrega ao locatário, ao comodatário, ao
mandatário, etc…), ou guarda (depositário) art. 1031 a).
- Obrigação de restituir: Através da prestação, o credor recupera a posse ou detenção
da coisa ou o domínio sobre coisa equivalente (do mesmo género e qualidade) art.
1038º i), 1129º, 1142º, 1185º.

A coisa pode ainda ser presente ou futura art. 211º:

- De Coisa Presente: Em regra, a prestação de coisa refere-se a coisas já existentes.

- De Coisa Futura: A prestação de coisa futura é permitida desde que a lei não o proíba
art. 399º. A lei faz uma acepção ao conceito de “coisa futura”, abrangendo não só as
coisas que ainda não existem (Ex: objetos que serão fabricados, venda de frutos
pendentes), mas também aquelas coisas já existentes, a que o disponente ainda não
tem direito ao tempo da declaração negocial, mas conta vir a ter num momento
posterior (Ex: Venda de bens alheios considerados como próprios art. 893º). Este
último tipo de coisa futura está sujeita ao regime do negócios sobre bens futuros, e
não às regras da venda de coisa alheia.

Para fixar o regime da prestação de coisa futura interessa conhecer a vontade das partes
que está na base da constituição da obrigação. Quando a coisa futura, contra a
expectativa dos contraente, não chega a existir ou vem a ser criada em quantidade
prevista, por causa não imputável ao devedor, a obrigação extingue-se (em princípio),
mas o credor fica desonerado da contra-prestação, ou seja, a coisa só será paga se
existir e na respetiva quantidade art. 795º, 1880º, 793º: aqui, falamos de um contrato
comutativo (emptio rei sperate); Quando as partes assumem o caráter aleatório do
contrato (emptio spei), o risco de não existência definitiva da coisa correrá por conta do
credor, ou seja, o preço será devido mesmo que a coisa não chegue a existir art. 880º
nº2.

Quanto ao critério temporal, a prestação pode ser instantânea ou duradoura:

- Instantânea: O comportamento exigível ao devedor esgota-se num período só (de


duração praticamente irrelevante). A obrigação fica cumprida num único momento
temporal. Ex: Entrega de certa coisa, pagamento do preço numa só prestação num
certo dia e hora.

- Duradoura (em sentido amplo): A prestação prolonga-se no tempo, durando mais ao


menos. O tempo passa a ter uma dimensão relevante.

Dentro das prestações duradouras em sentido amplo, podemos ainda distinguir entre as
duradouras em sentido estrito e as fracionadas ou repartidas:

- Duradoura em sentido estrito (ou propriamente dita): A prestação devida depende


do fator tempo, que tem influência decisiva, não só no que toca à execução da
prestação, mas também na fixação do seu objeto. Portanto, o tempo influi na
conformação global da prestação.

Ainda dentro das prestações duradouras em sentido estrito, podemos identificar 3


subdivisões:

- De Execução Continuada: O cumprimento da prestação prolonga-se


ininterruptamente no tempo. As prestações estão sempre a cumprir-se, como se a
prestação estivesse sempre em cumprimento. Ex: Prestação do senhorio, do locador,
do fornecedor de água, do depositário; Relações de facto negativas (há autores que
consideram a assunção permanente do risco coberto pelo seguro).

- Reiteradas, Periódicas ou com Trato Sucessivo: Renovam-se em prestações


singulares sucessivas, por via de regra ao fim de períodos consecutivos. Constituem a
regra, porque a sua formação dá-se com periodicidade. Ex: Prestação do locatário,
que paga a renda; Prestação da empresa fornecedora de refrigerantes a certo
estabelecimento; Pagamento da luz; Prestação do antigo foreiro

- Reiteradas Não Periódicas: Apresentam um caráter de irregularidade, na medida em


que não há períodos certos para a sua prestação. Ex: Reparações em certo móvel ou
imóvel à medida que se tornem precisas.

Nota: Dentro das relações obrigacionais duradouras (locação, comodato, mandato,


depósito, contrato de trabalho, etc…), surgem, a cada passo, obrigações de prestação
instantânea (renda vencida, indemnização por despesas feitas pelo comodatário ou pelo
depositário, indemnização pelo acidente que o trabalhador sofreu, salário devido, etc…)
ao lado daquelas obrigações de prestação duradouras art. 307º e 310º.

- Fracionadas ou Reiteradas: O cumprimento da prestação prolonga-se no tempo,


através de sucessivas prestações instantâneas, mas o objeto da prestação está
previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual. O tempo não
influi na determinação do objeto da prestação, apenas se relacionando com o modo da
sua execução, ou seja, o tempo tem um papel secundário, pois apenas serve para
dividir a prestação. Ex: Preço pago a prestações; Fornecimento de certa quantidade
de mercadorias a efetuar em várias partidas.

São duas as principais diferenças de regime existentes entre as prestações duradouras


propriamente ditas e as prestações fracionadas. Nas prestações duradouras
propriamente ditas, a resolução do contrato não abrange as prestações já efetuadas
(art. 434º nº2, 227º nº1), operando somente quanto às futuras prestações ou quanto à
duração futura da prestação em curso, uma vez que as prestações já efetuadas gozam
de uma certa independência em relação às prestações que devem ser realizadas no
futuro: não têm eficácia retroativa. Já no caso das prestações fracionadas, a resolução
atinge, em princípio, todas as parcelas da prestação, incluindo as já efetuadas, ou
seja, o contrato pode acabar, mas o que foi prestado é restituído: gozam de eficácia
retroativa. Por outro lado, a falta de cumprimento de uma das frações da prestação
fracionada provoca, em regra, o vencimento imediato das restantes art. 781º e 934º. Já
nas prestações duradouras propriamente ditas, por exemplo, a falta de pagamento da
renda de um mês, apesar de poder dar ao senhorio o direito à indemnização especial (art.
1041º nº1, não lhe confere o direito de exigir imediatamente o pagamento das rendas
correspondentes aos meses futuros.

A estrutura própria das obrigações duradouras em sentido estrito explica o art. 1058º.

Nesta classificação, não se devem confundir os atos preparatórios da prestação com o


cumprimento propriamente dito. Ex: Contrato de empreitada art. 1207º e ss. A prestação
devida pelo empreiteiro é instantânea, visto que o seu cumprimento se traduz na entrega
da obra por ele realizada. Mas, para proceder à entrega, o empreiteiro necessita de
realizar a obra, e esta realização prolonga-se no tempo. A empreitada em si é um
contrato de execução prolongada, mas a prestação devida não é duradoura: o que se
visa é um certo resultado final, e não a atividade que se torna necessária para o efeito. À
resolução do contrato (art. 1222º nº1) não se considera, por isso mesmo, aplicável o
disposto no art. 434º nº2.

Quanto ao critério da natureza subjetiva da prestação, podemos diferenciar prestação


fungível de prestação não fungível:4

- Fungível: A prestação pode ser realizada por pessoas diferentes do devedor (por
terceiro), sem prejuízo do interesse do credor (Ex: entrega de uma coisa, pois o que
interessa é aceder à coisa e, portanto, o próprio ato de entrega não importa;
Pagamento de um preço). A fungibilidade é a regra art. 767º nº1. Mas o art. 767º nº2
chama a atenção para os casos em que é acordado que a prestação deve ser feita
pelo devedor: não fungibilidade convencional; ou em que a substituição prejudique o
interesse do credor: não fungibilidade fundada na natureza da prestação. Nestes
casos, o credor pode requerer, no processo de execução (regime da ação executiva),
que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor art. 828º e art. 933º CPC.

- Não Fungível: O devedor não pode ser substituído no cumprimento por terceiro. São
as obrigações em que ao credor não interessa apenas o objeto da obrigação, mas
também a habilidade, destreza, força, bom nome ou outras qualidades pessoais do
devedor. (Ex: Pintura de um retrato por um pintor renomado; Realização de uma
intervenção cirúrgica por um médico com qualidades especializadas). Quanto ao
regime da ação executiva, aqui, o credor apenas poderá exigir o cumprimento do
devedor (art. 817º) e, se este não cumprir, terá de contentar-se com a indemnização do
prejuízo resultante do incumprimento e a garantia eventualmente devida a título de
sanção pecuniária compulsória art. 933º nº1 CPC. A impossibilidade relativa à pessoa
do devedor importa a extinção da obrigação (art. 791º), quando este não se possa
fazer substituir por terceiro no cumprimento da obrigação.

- Relativamente Fungível: O devedor pode ser substituído por um círculo limitado de


pessoas (Ex: Contrata-se um carpinteiro para fazer uma cómoda e o carpinteiro acaba
por não poder realizar a prestação pois está magoado. Um dos seus aprendizes pode
substitui-lo, confiando-se na existência de uma competência por parte deste conjunto
de indivíduos). É necessário tem em conta a natureza da convenção e da prestação art.
767º nº2.

4 Esta classificação importa na questão da impossibilidade objetiva e subjetiva a propósito dos


requisitos de validade do objeto da obrigação.
Esta distinção é relevante nas prestações de facto, pois no caso da prestação de coisa, a
prestação é, em regra, fungível, quer a coisa em si seja fungível ou não, pois em ambos
os casos o interesse do credor não será lesado com a substituição do devedor.

Requisitos da Prestação/Objeto da Obrigação

O objeto da obrigação é a prestação debitória, o comportamento a que o devedor se


encontra adstrito por força do vínculo obrigacional.

A prestação tem de preencher certos requisitos para que possa constituir objeto de uma
obrigação (válida) art. 280º, 398º nº2, 400º, 401º.

1. Possibilidade Física e Legal


A prestação tem de ser possível. Os devedores não podem ficar vinculados a prestações
impossíveis.

A prestação tem de ser possível física e legalmente:

- Fisicamente Possível: Tem de ser realizável. É impossível a prestação de facto que


exceda a força do Homem, ou que vá contra as regras da natureza, e a prestação de
coisa que não exista nem possa vir a existir nos termos da obrigação.

- Legalmente Possível: O que a lei permite que possa ser feito. A impossibilidade legal
ocorre quando o sistema não está dotado de mecanismos que permitam a realização
daquele objetivo. Ex: A lei não permite que se hipotequem jóias, pois a hipoteca só
vale para bens imóveis e móveis sujeitos a registo. Não posso com o credor vincular-
me a dar-lhe como garantia uma jóia de família, apenas posso em relação a ela
constituir um penhor; Não é possível vender um bem de domínio público, como a torre
dos clérigos.

O padrão é o da impossibilidade absoluta, total e objetiva:

- Absoluta: Trata-se de uma verdadeira impossibilidade, distinguindo-se da situação da


inexigibilidade, em que há uma dificuldade e operosidade muito elevada para o
devedor realizar a prestação, mas esta não é absolutamente impossível.

- Total: Nenhuma parte da prestação é realizável.

- Objetiva: Não é realizável, nem pelo devedor, nem por ninguém art. 401º nº3. Nos
casos em que o devedor não possa realizar a prestação, mas outra sim (tendo, para
esse efeito, de corresponder a uma prestação fungível), não há razões para a nulidade
da prestação. Assim, o que releva é a impossibilidade objetiva (a que abranja os
indivíduos em geral), e não a subjetiva (a que procede apenas das condições
especiais da pessoa do devedor). Apesar do previsto no art. 401º nº3, a doutrina tem
chamado a atenção para um entendimento: Se se tratar de uma prestação infrangível
(que só pode ser realizada pelo próprio devedor), então a impossibilidade originária
subjetiva determina a invalidade da obrigação. Ex: Por via de legítimo representante,
mas sem que este se tenha ainda inteirado, José, interessado em obter um retrato,
contrata com determinado artista de renome. No entanto, quando este contrato é
realizado, o artista já está completamente cego (o seu representante não soube a
tempo e por isso concordou com a contratação). Já naquele momento da constituição
da obrigação, o devedor não era capaz de realizar a prestação.5

5Mas, por exemplo, se alguém cego se compromete a vigiar uma casa, não podemos dizer que
há invalidade, porque a prestação em causa não é infungível (o cego pode ter treinado o seu cão
para o ajudar, ou pode contar com a ajuda de terceiros para a realização da atividade).
Esta impossibilidade só gera nulidade se for originária6 art. 401º nº1. Há casos em que
os devedores, quando se obrigam, já não podem nesse mesmo momento cumprir a
obrigação. Ex: Pianista que partiu o braço e obriga-se a tocar num concerto no dia
seguinte.

Será, assim, nulo o contrato no qual alguém se obriga a realizar um concerto, a efetuar
uma intervenção cirúrgica, num momento em que já está fisicamente incapacitado de
fazê-lo.

Admite-se, no entanto, que entretanto, antes de chegar o tempo da sua execução, a


prestação se torne possível art. 401º nº2. Aqui, no momento da constituição, a prestação
não é possível, mas prevê-se que se venha a tornar possível no topo da sua execução, e
aí já deve ser válida.

Não há impossibilidade quando está em causa a prestação de coisa futura: O art. 399º
admite essa prestação, não sendo a simples inexistência atual da coisa a constituir
obstáculo à validade da respetiva obrigação.

2. Licitude

A prestação tem de corresponder a um comportamento conforme à lei. Assim, a


prestação não pode ir contra normas imperativas ou proibições legais. Ex: É ilegal a
promessa de matar, roubar ou injuriar outrem.

A prestação ilegal é nula: os devedores só se podem vincular a prestações lícitas.

Qual a diferença entre legalmente impossível e contrário à lei?

No caso da prestação legalmente impossível, o que acontece é que o sistema coloca à


realização do negócios obstáculos inultrapassáveis. Não dispõe de uma estrutura que
permita a realização daquele negócios.

A prestação é contrária à lei ou ilegal quando, sendo fisicamente possível e não


consistindo num ato que o direito possa diretamente impedir, viola, todavia, uma
disposição legal imperativa/proibitiva.

3. Determinibilidade

A prestação necessita de ser determinável, isto é, concretizáveis no seu conteúdo.

Não se exige que a prestação esteja determinada no momento em que a obrigação se


constitui. No entanto, deve ser nessa altura determinável, de modo a que possa ser
concretizada, de acordo com critérios estipulados pelas partes ou fixados na lei. Ex: Não
é necessário que o preço esteja indicado, mas tem de haver critérios supletivos que
depois permitam a fixação desse preço art. 883º.

A prestação, sendo determinável no momento da constituição da obrigação, pode ser


concretizada, de acordo com o art. 400º, por uma ou outra das partes, por terceiro (e em
qualquer um dos casos essa concretização deve ser feita segundo juízos de equidade),
ou pelo tribunal. Fora os casos em que a lei provê diretamente ou indiretamente à
determinação da prestação, torna-se indispensável que, sendo esta indeterminada, os
contraentes indiquem a pessoa que haja de concretizá-la.

6 Distinta da impossibilidade superveniente, que não conduz à nulidade da obrigação, mas sim à
sua extinção. Trata-se de um problema de cumprimento da obrigação. Ex: Pianista está bem e
faz o contrato, mas, na véspera do concerto, parte o braço.
Há certos tipos de obrigações, como as obrigações genéricas e as obrigações
alternativas, em que o objeto da prestação não fica determinado no momento em que o
negócio se celebra, mas em que os contraentes ou as disposições supletivas da lei
indicam o processo para fixá-lo:

- Obrigação Genérica: A prestação está determinada apenas no seu género, qualidade


ou quantidade. Ex: Venda de 10 garrafas de vinho tinto de uma determinada marca.

- Obrigação Alternativa: Pode-se dizer que é válido, por exemplo, o legado em que o
tentador deixe um dos seus 3 carros ao motorista que o serviu. Mas já é considerado
nulo o legado em que o tentador se limite a deixar-lhe uma recordação do seu
património (é demasiado vago).

Ordem Pública e Bons Costumes

Além de tudo isto, a prestação não pode ser contrária à ordem pública e aos bons
costumes. Tem de se verificar uma conformidade do comportamento prometido com a
ordem pública e os bons costumes art. 280º nº2.

- Ordem Pública: Há violação da ordem pública quando a prestação ofende interesses


superiores da coletividade/princípios superiores a cada ordem jurídica que, segundo o
espírito do sistema, não podem ser sacrificados aos interesses particulares, embora a
lesão por eles sofrida não esteja diretamente prevista em nenhum preceito legal. Ex:
Obrigação assumida para com um grupo terrorista, de lhes fornecer armamento para
tos de terrorismo.

- Bons Costumes: É um conceito extra-sistemático, que está na ligação entre o que é


jurídico e o que pertence a outras ordens normativas. Corresponde a uma ideia de
moral social, de ética, de um dever-ser. Terá de ser o tribunal a ponderar se a
prestação ofende ou não os bons costumes. Cabem na ofensa dos bons costumes as
prestações que, embora não sejam punidas criminalmente ou feridas com outro tipo
de sanções legais expressas, repugnaria à consciência ou à sensibilidade das pessoas
corretas e honestas que desfrutassem da tutela da lei. Ex: Alguém prometer certa
quantia a outrem para este não matar certa pessoa.

Patrimonialidade da Prestação

A patrimonialidade, no direito português vigente, não é requisito de validade da


prestação.

As obrigações de prestação não patrimonial são válidas, baseando-se na proteção que


merecem alguns deveres de conteúdo não patrimonial estipulados entre as partes e na
função disciplinadora da vida social atribuída ao direito, que não se confina aos valores
da pura expressão económica.

O art. 398 nº2 expressa isso mesmo, afirmando que se precinde de que a prestação
tenha valor económico ou que seja suscetível de avaliação pecuniária, desde que essa
prestação corresponda a um interesse do credor digno de proteção legal, interesse este
que não tem de ter caráter patrimonial. Exige-se apenas que a prestação corresponda a
um interesse do credor real e digno de proteção. Assim, a lei pretendeu afastar as
prestações que correspondam a um mero capricho ou mania do credor (Ex: Não usar
cabelos compridos; Escrever um livro de exaltação pessoal do credor; Trajar de certa
forma; Obrigar-se um ator teatral a não trabalhar em certa cidade para não ofuscar o
prestígio do outro), e excluir as prestações (que podendo ser dignas da consideração de
outros complexos normativos, como a religião, a moral, a cortesia, os usos sociais) não
mereceram a tutela específica do direito (Ex: Rezar todas as noites X orações; Reatar
relações com uma certa pessoa; Incorporar-se todos os meses numa procissão). Além
disso, não é essencial que o interesse do credor seja objetiva ou socialmenteútil,
podendo a obrigação servir puros interesses pessoais e subjetivos, visto haver muitos
desses interesses que são dignos de tutela de direito.

A prestação tem de ter interesse para o credor, não numa perspetiva subjetiva, mas sim
objetiva: o interesse que um credor invoque naquela prestação tem de ser aferido em
termos jurídicos art. 398º, jurídicamente relevante.

O interesse normalmente tem caráter patrimonial, mas nem sempre é assim. Há


prestações que correspondem a interesses espirituais dos credores. Ex: Vizinho que toca
piano à noite compromete-se a deixar de tocar a partir de certa hora para deixar o
vizinho dormir, corresponde o interesse do credor ao descanso e repouso.

Autonomia da Prestação

A obrigações autónomas são aquelas que não assentam num vínculo jurídico
preexistente entre as partes ou que pressupõem, na sua constituição, um simples vínculo
de caráter genérico. O contrato ou a responsabilidade civil fazem-nas aparecer. Estas
estão sujeitas às disposições legais que fixam a disciplina geral das obrigações.

Discute-se na doutrina se devem ser sujeitas ao mesmo regime, e se devem ser incluídas
no conceito geral das relações de crédio, as obrigações não autónomas. Estas
obrigações são aquelas que, estando integradas em relações de tipo diferente (de
direitos reais, de família ou de sucessões), pressupõem a existência de um vínculo
jurídico especial entre as partes. Ex: Art. 1323º, 1350º, 1411º, 1424º, 2009º 2265º.

O pensamento dominante, em parte com suporte legal, não considera que a autonomia
seja requisito da prestação. Existem prestações não autónomas, e estas devem ser
incluídas na disciplina legal das obrigações em geral, devem ser incorporadas no
conceito estrito de obrigação.

Contudo, o regime geral das obrigações não pode deixar de considerar-se sujeito aos
desvios impostos pela natureza especial dos vínculos que precedem as obrigações não
autónomas. Ex: Possibilidade de o co-proprietário se eximir à obrigação de participar nas
despesas da coisa comum, renunciando ao seu direito a favor dos credores, ou seja,
direito ao abandono liberatório ou à renúncia liberatória art. 2012º, 2008º nº1, 2070º,
2071º.

Obrigação Simples e Relação Obrigacional Complexa

Podemos falar em obrigações simples e obrigações complexas:

- Obrigação Simples: Obrigação entre o devedor e o credor, em que o devedor está


obrigado a fazer uma prestação ao credor art. 397º. Ex: Ao ir ao bar tomar café,
estabeleço com o vendedor um relação obrigacional simples, relação esta que se
extinguir quando me dão o café.
- Obrigação Complexa: Estas situações são mais recorrentes. Cortes na obrigação
para encontrar diversas camadas que nos darão um conteúdo bastante rico da relação
obrigacional. Para lá da relação linear (direito à prestação - dever de prestação) do art.
397º, há um conjunto mais ou menos intenso de vínculos de diversa ordem e que
fazem parte do conteúdo normal da relação contratual. Esta complexidade ordenada é
típica nos contratos duradouros (Ex: Trabalho, arrendamento, sociedade, fornecimento,
empreitada), mas também noutro tipo de contratos (Ex: Bancários, de consumo), bem
como na obrigação de indemnização resultante da responsabilidade civil
extracontratual, se pensarmos nos deveres que surgem para o levante e o lesado após
a, e antes da, verificação dos danos (Ex: Procurar assistência médica, conter o dano
de forma razoável ou mandar reparar o veículo em caso de urgência).

A relação obrigacional complexa é composta por 4 camadas:

- Deveres Principais de Prestação: Esta é a camada principal, composta pelos


deveres mais importantes, essenciais do contrato, que têm de ser cumpridos.
Corresponde, no fundo, ao núcleo da relação. Se não os cumprirmos, somo
sancionados. Ex: Pagar o preço, a renda, mensalidade; Entregar o bem.

- Deveres Secundários da Prestação: Estes são menos importantes, revestindo-se de


uma natureza acessórias, ao serviço dos primeiros. Contudo, devem ser cumpridos.
Ex: transporte ou guarda do bem vendido; Entrega do voucher do alojamento de férias.

Por exemplo, ao comprar um automóvel usado, o dever principal é entregar o automóvel


e pagar. Já o dever secundário será o do vendedor entregar os documentos do
automóvel: se ele não me entregar, posso recorrer a tribunal. O não cumprimento
acarreta sanções. Ninguém põe em causa estes deveres.

É duvidosa a consideração de deveres secundários autónomos (de tipo indemnizatório)


derivados do incumprimento dos deveres principais (a indeminzação por incumprimento
definitivo pode ser vista como resultado de uma responsabilidade civil) e que o contrato
pode integrar obrigações acessórias cuja “vida” depende da “vida” do dever principal,
como uma cláusula penal ou uma fiança. Ex: Dever secundário autónomo seria a
indemnização a pagar caso não se cumpra o dever principal, ou seja, não se cumpre o
dever principal e o credor pede um dever de indemnização, dever este que é secundário
e não autónomo.

Aceitar isto pressupõe que haja uma conversão do não cumprimento do dever principal
num dever secundário.7

- Deveres Laterais8: São deveres de conduta, e não de prestação ou de exigência


judicial. São deveres funcionalizados em ordem ao perfeito cumprimento do contrato,
destinados à plena satisfação do fim da relação, ou seja, devem ser cumpridos para
que se possa dizer que o contrato foi devidamente cumprido, pois se assim não for,
teremos de falar de cumprimento defeituoso do contrato. Recaem sobre ambas as
partes do contrato. Estes deveres surgem, ou por convenção das partes, ou resultando
da lei (Ex: Art. 1038º b) e 1161º b)), ou por aplicação do princípio da boa fé art. 762º
nº2. Podem surgir antes do contrato, sem o contrato, sendo nulo o contrato, com o
contrato, após o contrato.

Alguns dos deveres laterais mais importantes são:

- Deveres de Aviso/Comunicação: O gestor deverá avisar o dono do negócio do início


da gestão; O cliente deverá avisar o banco do extravio do livro de cheques; O
sinistrado deve avisar a sua seguradora do sinistro ocorrido; A mulher do arrendatário
deverá avisar o senhorio da morte do marido; O arrendatário comercial deverá
comunicar ao senhorio o trespasse.

- Deveres de Informação/Esclarecimento: É a informação técnica, jurídica ou médica


a prestar e relacionada com a compra d máquinas complexas, produtos perigoso,
prestação de serviços. Ex: O vendedor do frigorífico tem de informar como ele
funciona.

7Há quem diga que apenas surge uma responsabilidade contratual. Antunes Varela afirma que é
duvidoso.
8Denominação do Prof. Brandão Proença. Antunes Varela apelida-os de deveres acessórios de
conduta.
- Deveres de Cooperação: É a colaboração entre o credor e devedor, essencial para
que a relação obrigacional se venha a desenrolar bem. Ex: Para facilitar a obtenção de
um documento, o dono do bem deve entregá-lo ao transportador.

- Deveres de Lealdade/Fidelidade: Este dever é importante em contratos mais


pessoais, como o mandato e de prestação de serviços. Ex: Contrato de sociedade,
entre o trabalhador e a entidade patronal; Deveres de não concorrência, de sigilo, de
descrição do gestor bancário art. 990º e 1003º a).

- Deveres de Proteção/Cuidado: Cada sujeito deve, no decurso da obrigação, proteger


a pessoa e os bens do outro. Como a execução do contrato pode comportar riscos
para a integridade pessoal, há que evitar a criação de condições perigosas, como má
iluminação num café ou no cinema, mesas de bilhar mal colocadas, degraus em
estado precário, limpeza deficiente do hipermecado. Ex: Ao contratar alguém para
fazer um serviço em casa, há que avisar o sujeito de possível perigos para que este
não tropece.

O incumprimento dos deveres laterais têm consequências variáveis. Às vezes, a


consequência atinge o próprio contrato; outras vezes, a consequência é indemnizatória,
ou seja, o lesado pode pedir indemnização pelos danos que sofreu pelo não
cumprimento do dever lateral.

Em princípio, o incumprimento não permite que se vá a tribunal, raros são os casos em


que isso acontece, pois os deveres laterais não passam de deveres de conduta. O
contraente legitimado não pode recorrer, em regra, à ação de cumprimento, restando-lhe
o direito de invocar, ao que parece, a responsabilidade contratual. Em contra partida,
se existir um contrato de que decorre uma relação estreita de confiança mútua e de leal
colaboração, poder-se-á resolver esse mesmo contrato se se verificar um
comportamento que afete gravemente essa relação art. 2013º c).

Sendo deveres que não estão condicionados pela validade do contrato (Ex: Acidente
sofrido por comprador de bem alheio na loja do vendedor) e que fundam a eficácia do
contrato relativamente a pessoas estranhas à contratação (art. 1050º b)), também é certo
que, como já foi referido, relevam nos vários períodos contratuais, incluindo a fase pré-
contratual e pós-contratual (Ex: Dever de assistência e informação pós-venda).

Assim, como efeitos do incumprimento dos deveres laterais, podemos apontar a


indemnização, a resolução do contrato (que poderá ser livre art. 8º nº4 da Lei de Defesa
do Consumidor, ou fundamentada), a exclusão do clausulado, a invalidada do contrato,
e, em alguns casos, a acção de cumprimento ou cessação da obrigação art. 2013º c).

- Direitos Potestativos, Sujeições, Ónus Jurídicos, Faculdades Jurídicas,


Expectativas Jurídicas

3. Objeto

O vínculo jurídico é o enlace entre o direito do credor exigir a realização da prestação e o


dever específico do devedor realizar essa mesma prestação. Forma o núcleo essencial
da obrigação, o elemento verdadeiramente irredutível da relação.

Podemos identificar 3 elementos do vínculo jurídico: O direito à prestação, o dever


correlativo de prestar e a garantia.

Direito À Prestação
O direito (do credor) de exigir a prestação é um poder juridicamente tutelado que o
credor tem de exigir a prestação do devedor. Não se trata de um simples interesse
juridicamente protegido, semelhante àqueles interesses de ordem geral (Ex: O dos
comerciantes nacionais, de indústrias de certo ramos, dos consumidores) que a lei
protege muitas vezes (mediante providências pautais, aduaneiras ou sanitárias, regras
limitativas de concorrência). O credor, e só ele9, pode exigir o cumprimento: É o titular da
tutela do interesse, sendo de acordo com a sua vontade que funciona o mecanismo da
execução. Esta titularidade da tutela traduz-se, desde logo, no caso de o devedor
cumprir voluntariamente. O credor não é obrigado aí a restituir o objeto da prestação
(como seria se esta não lhe fosse devida) art. 476º nº1, e nem sequer a reterá a título de
liberalidade, como sucederia se nenhum vínculo prévio fundamentasse a realização dela,
mas a título de verdadeiro cumprimento. A juridicidade do poder conferido ao credor
manifesta-se principalmente no direito de agressão ao património do devedor, mas
não se deixa de manifestar noutros aspetos.

A lei tem como ilícita a falta de cumprimento. Esta ideia é confirmada por várias soluções:
A mora, que transfere para o devedor o risco de perda ou deterioração da coisa, mesmo
que estes factos não lhe sejam imputáveis (art. 807º nº1), pois é sinal que a coisa não se
encontra onde se deveria encontrar; A obrigação pecuniária (que tem por objeto uma
certa quantia de dinheiro) passa a vencer juros, a contar do dia da constituição da mora
art. 806º nº1; O devedor em mora passa a responder por todos os danos que a falta de
cumprimento causa ao credor art. 804º e 808º; Ao devedor em mora recusa a lei o direito
de obter a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias
vigentes à data da sua conclusão art. 438º. Além disso, se o credor estiver, por seu turno,
obrigado perante o devedor, ele pode, sob determinados pressupostos (art. 847º e ss.),
compensar o seu crédito com a dívida contrária, obtendo assim, a realização prático do
direito que tem à prestação. Se as duas obrigações recíprocas tiverem nascido do
mesmo contrato bilateral e forem o correspetivo uma da outra, qualquer um dos credores
pode compelir o outro a cumprir, recusando a entrega da sua prestação enquanto este
não o fizer (exceção do não cumprimento do contrato art. 428º e ss.). E poderá, em
certos termos, ameaçá-lo com a perda definitiva do crédito q compete a esse contraente,
mediante a resolução do contrato art. 808º nº1, 801º nº2 e 432º e ss. Existem, ainda,
outras soluções que evidenciam este poder do credor: Meios de conservação da garantia
patrimonial, como o arresto (art. 619º), a impugnação paulina (art. 610º e ss.), a sub-
rogação do credor ao devedor (art. 606º e ss.) e a declaração de nulidade (art. 605º).

Dever de Prestar
O dever correlativo de prestar é a necessidade imposta (pelo direito) ao devedor de
realizar a prestação, sob a cominação de sanções.

Trata-se de um dever, e não de um ónus. A prestação é o instrumento de satisfação de


um interesse alheio (do credor), a que o devedor fica adstrito por força da lei, sob pena
de incorrer em determinadas sanções. É um dever jurídico, e não um simples dever
ditado pelos usos sociais, em que não há um dever exigível no plano do direito, e
portanto a prestação é considerada como uma liberalidade. A prestação correspondente
ao dever de prestar é vista como cumprimento de dívida. Tão-pouco se trata de um
dever moral ou social, como os deveres de justiça relativos às obrigações naturais.

As sanções, que já foram referidos acima, exprimem a juridicidade do dever de prestar,


tornando-o exigível.

Garantia

9 Sem prejuízo do disposto no art. 606º


Tem de haver uma garantia para que o credor, caso o devedor não realize a prestação,
tenha meios de reação perante isso.

A ação creditória é o poder de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação quando


o devedor não a cumpra voluntariamente, e de executar o seu património art. 817º. Quer
isto dizer que os bens do devedor respondem pelo cumprimento da obrigação.

Convém salientar que, para acionar esta garantia, o credor terá de recorrer aos tribunais,
não podendo fazer justiça pelas próprias mãos, uma vez que a lei condena o sistema da
justiça privada. E para o fazer, o credor deverá estar munido de um título executivo10
(documento que constitua o mínimo de prova sobre a existência, a titularidade e o objeto
da obrigação e o não cumprimento do devedor). É com base neste título executivo que
se instaura a execução forçada. O fim da execução consiste em proporcionar ao credor a
realização do interesse que a prestação visava facultar-lhe ou uma satisfação tão próxima
quanto possível desse interesse (indemnização do prejuízo que lhe causa o não
cumprimento).

O património do devedor é a garantia comum dos credores. Isto porque este património
responde igualmente perante todos os credores (comuns), independentemente da data,
do montante, da constituição do crédito ou da natureza da dívida art. 604º.

A execução forçada pode revestir diversas formas, consoante a natureza da prestação


em dívida: a execução para pagamento de quantia certa, para entrega de coisa certa ou
para prestação de facto:

- Prestação de coisa certa: O tribunal procurará apreende-la, usando a força se


necessário, para a entregar ao credor (Ex: Entrega de um prédio, de um automóvel, de
uma jóia).

- Prestação de Facto Fungível: O tribunal pode, a requerimento do credor, mandar


realizá-la por outrem à custa do devedor.

- Prestação de Quantia Certa ou de Facto Não Fungível: Se não se encontrar a soma


devida no património do devedor, há que sacrificar os bens do devedor necessários
para, com o produto da sua alienação, se pagar a indemnização devida ao credor pelo
prejuízo sofrido. A penhora consiste na apreensão pelo tribunal dos bens considerados
necessários para cobrir, através do seu valor, a indemnização devida, retirando-os da
disponibilidade do devedor art. 819º.

Nota: Há ainda meios não judiciais (alternativos) de resolução de litígios. Na arbitragem,


são árbitros que vão decidir a questão num tribunal arbitral, sendo movidos, não pela
aplicação estrita do direito, mas também por uma ideia de justiça e equidade. A
arbitragem é relativamente frequente em certas áreas, como transferências
internacionais. Temos ainda a mediação, que é um processo de resolução do conflito
feito entre as partes, ocorrendo, normalmente, quando os interesses têm uma dimensão
mais reduzida.

Fronteira entre o Jurídico e o Não Jurídico

Há certas situações dúbias, em que se questiona a possibilidade de exigir o seu


cumprimento por via judicial, questionando-se, também, a sua relevância jurídica.

10Caso não disponha deste documento, o credor terá que principiar por propor uma ação
declaratórias destinada a averiguar a existência e a falta de cumprimento da obrigação e a obter
uma sentença de condenação do devedor.
Há certas relações em que não se verifica a existência de um vínculo jurídico, mas que,
ainda assim, relevam de certa forma e devem ser tidas em conta.

Acordos de Honra ou “Acordos de Cavalheiros”


Estes acordos estão assentes na honra. Ex: A diz a B que honrará com a sua palavra,
empenhando com a sua palavra que irá dar uma certa quantia de dinheiro.

Nesta situação, não estamos perante um contrato, não existe vínculo jurídico: a palavra
pode não ser cumprida, e não poderá ser exigido o seu cumprimento em tribunal.

No entanto, a circunstância de não haver vínculo jurídico não impede que se apliquem
algumas normas jurídicas, ou seja, que até tenha relativa relevância no plano do direito.
Para Menezes Cordeiro, o art. 280º é aplicável, isto é, pode-se chegar à conclusão de
que o acordo de honra é ilícito ou vai contra os bons costumes e, aí, nem sequer como
acordo de honra terá valor.

Relações Sociais de Cortesia

Nestas relações, há um ato expontâneo que é feito, por exemplo, entre conhecidos,
amigos, parentes ou vizinhos, sem consciência de vinculação jurídica, para agradar,
prestar um favor. Ex: A “aceita” guardar a mala de B, enquanto que este vai fazer um
serviço; A, na ausência de B, oferece-se para regar as suas roseiras.

A questão da existência de vinculação nestas relações está dependente de vários


fatores. Em primeiro, devemos questionar se houve ou não intenção, ou seja, se houve
ou não o desejo de criar uma espécie de laço jurídico, para lá da pura relação de cortesia
conexa a uma amizade ou a um parentesco. Mas devemos também olhar para a
presença e interpretação de outros sinais de juridicidade, como os interesses em jogo
(Ex: O valor da coisa confiada para vigilância), uma cláusula penal ou uma contrapartida
pecuniária.

Há certas relações de cortesia que se assumem como contratos gratuitos. Ex: A, tia de
B, prometeu verbalmente costear todas as despesas do sobrinho na universidade. B
inscreve-se na universidade a contar com o financiamento da tia, mas A acaba por
recusar o financiamento e B vê-se obrigado a anular a sua inscrição. B tem ou não o
direito a exigir o financiamento das despesas por parte da tia? No fundo, quando é que
este acordo passa a ser juridicamente vinculante?

A verdade é que um vínculo jurídico não resulta de qualquer declaração, que se profira de
qualquer forma. Há uma preocupação por parte do legislador em, perante casos como
este, estabelecer a fronteira entre o que é jurídico e o que não é.

Este acordo não poderia ser considerado um contrato-promessa de doação (art. 947º),
pois este exige 1 de 2 requisitos: Ou que haja tradição, e aí não se exige que seja feito
por escrito; Ou que seja feito por escrito, não se exigindo que haja a tradição. Neste caso
concreto, são estes os elementos que o sistema entende que fazem com que a confiança
mereça ser tutelada e que, portanto, o acordo ganhe juridicidade. A gratuitidade não é
sinónimo de falta de juridicidade: pode não haver contra-partida e ter sido, ainda assim,
assumido o vínculo jurídico.

No caso de A e B, B não teria direito a exigir o financiamento das despesas por parte da
tia, visto que não se verificaram nenhuns dos requisitos do art. 947º.

Mas há contratos gratuitos, como o comodato (art. 1129º), o mandato (art. 1157º) e
depósitos gratuitos (art. 1185º), que têm eficácia jurídica: Apesar de terem na sua base
uma relação de cortesia/amizade, são verdadeiros contratos gratuitos juridicamente
vinculantes.

Temos, também, outras situações que, também provendo de relações de cortesia, são
relevantes para o direito. Ex: A convida B para um passar o fim-de-semana na sua casa
de praia e oferece-lhe boleia.

Nestes casos de transporte gratuito11, não há contrato. Porém, o transportando a título


gratuito goza de proteção em caso de acidente de viação. Quer isto dizer que, se houver
um acidente, o transportado pode responsabilizar, quer haja culpa ou não, a outra parte.

Há ainda relações de cortesia em que, não sendo assumidos deveres de prestação,


existem contudo deveres laterais. Ex: A pede a B para que lhe guarde um objeto
valioso, pois B se ofereceu para tal. Embora B não assuma um dever de prestação, ele
tem de ter cuidado, vigiar o objeto, não o danificar. B assume deveres laterais e, se não
os cumprir, a contra-parte poderá responsabilizá-lo pelo não cumprimento, embora não
haja contrato. Esta questão gera dúvidas, pois geralmente só se poderá ser
responsabilizado se houver dolo ou culpa grave (se se incorre em culpa leve, poder-se-há
verificar uma redução na indemnização).

Nota: É preciso ter cuidado e não juridificar em demasia a solidariedade, tendo em conta
os efeitos perversos que esta juridificação pode ter, pois pode acontecer que, exigindo-
se que as pessoas tenham de ser sempre tão cautelosas, pode acontecer que estas
nunca permitam que se lhes confie nada. Este é um problema recorrente na questão da
gestão de negócios (art. 464º), onde há uma intervenção altruísta.

Quando está ausente nas relações de cortesia, mais puras ou com algum significado,
qualquer responsabilidade contratual, restará ao lesado, em certos casos, recorrer à
responsabilidade extracontratual, se bem que há dúvidas quanto ao critério de
apreciação da culpa.

Qual a diferença entre as Relações de Cortesia e os Acordos de Cavalheiro?

Nas relações de cortesia, há um ato expontâneo, que é feito sem se ter necessariamente
a consciência de vinculação jurídica. Alguém é movido por um espírito de liberalidade, de
estima, de altruísmo, de compromisso social, de modo a que realize uma determinada
prestação como um favor. É esta ideia de favor que a caracteriza. Normalmente, releva,
não no plano do direito, mas sim noutras ordens (social, moral). Isso não quer dizer que
nenhuma declaração que se faça tenha relevância jurídica e que seja sempre necessário
celebrar um contrato. Simplesmente é necessário salvaguardar os requisitos que marcam
ou procuram marcar a passagem da cortesia para o jurídico.

Já os acordos de cavalheiros são aquelas situações que, em princípio, teriam vinculação


jurídica, mas acorda-se que se exclui essa vinculação: As partes combinam que não
querem que aquilo tenha um efeito jurídico-negocial, mas comprometem-se a realizar a
prestação. Ex: Cartas de conforto, que é um documento preparado por uma empresa de
contabilidade que assegura a solidez financeira ou o apoio de uma empresa. Esta carta
não corresponde a uma garantia, e quem a faz não se vincula a assegurar o cumprimento
das obrigações; Há certos acordos, por exemplo feitos entre sócios de uma sociedade,
que, apesar de não serem ilegais, a lei não permite muito.

Os acordos de cavalheiros parecem ter uma conotação diferente, não gozando da


expontaniedade, da falta de consciência de vinculação jurídica, que são características
das relações de cortesia. Pelo contrário, são feitos em áreas em que a vinculação jurídica

11Não confundir o transporte gratuito com o contrato de transporte gratuito, que também terá
efeitos jurídicos, no domínio contratual.
poderia vir a acontecer e, por isso, há o cuidado de lhe dar uma conotação de acordo de
cavalheiros.

Obrigações Naturais

Tendo como base um dever de justiça, as obrigações naturais são um conjunto de


obrigações em que o credor não pode exigir coercivamente a prestação, embora a possa
reter, como pagamento, caso o devedor a preste voluntariamente art. 402º e 404º.

As obrigações naturais não constituem deveres jurídicos, mas simples deveres morais
ou sociais juridicamente reconhecidos como tais. É possível que se cumpra um dever
moral, mas que este não configure uma obrigação natural: É necessário que o
cumprimento do dever moral ou social se imponha por razões de justiça.

Existe um vínculo jurídico, embora enfraquecido, uma vez que, se o devedor natural não
cumprir, não é possível que se lhe exija judicialmente esse cumprimento. Por outro lado,
esse vínculo jurídico traduz-se na possibilidade de, se o devedor acabar por cumprir, não
poder pedir de volta aquilo que cumpriu.

Ao cumprirmos uma obrigação natural, não estamos a fazer uma doação, desde logo
porque não se trata de um contrato. Além disso, aquilo que preside à doação é a
liberalidade: Quem faz uma doação, fá-lo livremente, não estava obrigado de qualquer
forma a nada. Liberalidade é diferente de dever de justiça.

Podemos identificar 2 tipos de doações:

- Donativos Conformes aos Usos Sociais: Não são obrigações naturais, nem sequer
são considerados doações. Não se verificam características do art. 402º para que haja
obrigação natural, embora possa haver um dever moral ou social que não corresponde
a um dever de justiça art. 940º nº2. Ex: Esmolas na igreja; Ajuda que alguém dá a uma
família que teve a casa incendiada.

- Doação Remoneratória: Quando se gratifica alguém por um serviço prestado


gratuitamente. Pode partir de uma relação de cortesia, na qual se gratifica quem
prestou um favor. Esta gratificação está sujeita ao regime das doações, que não se
aplica às obrigações naturais art. 941º. Não há obrigação, nem civil, nem natural.

Ex: A presta um serviço a B. Passaram 3 anos da data da constituição da dívida, período


em que A esteve fora do país em trabalho. Quando A regressa, B paga o devido pelo
serviço. Entertanto, B informa-se que, nessa altura, já não estava obrigado a esse
pagamento, pedindo a restituição do valor pago.

Estamos perante uma situação de dívida prescrita art. 304º nº2.

O credor vê o seu crédito prescrito, ou seja, a dívida prescreveu art. 317º.

A prescrição da dívida tem de ser invocada: A prescrição não é oficiosamente


reconhecida, tem de ser invocada pelo seu beneficiário art. 303º. Se assim não for, então
a dívida continua a corresponder a uma obrigação civil, não chegando a haver
verdadeiramente uma modificação para obrigação natural. Isto significa a necessidade de
uma prévia invocação da prescrição como pressuposto necessário de um pagamento
que corresponda a um dever de justiça.

Se a dívida for invocada pelo beneficiário, então já estamos perante uma obrigação
natural. A passagem do tempo atenua, fragiliza a garantia da prestação, mas não a
elimina: A dívida ainda está lá e, apesar de não poder ser judicialmente exigida, deve ser
cumprida.

Se o devedor realizar a prestação como devedor natural (art. 304º nº1), ele paga algo que
é devido, e, por isso, não pode vir pedir, mais tarde, a restituição daquilo que foi bem
pago. Não há direito à restituição da prestação.

Ex: A faz companhia B, ajudando-a com tudo, sendo uma espécie de empregada. Entre
A e B estabelecia-se uma obrigação natural de B prestar alimentos a A. B acaba por
falecer num acidente de viação. A requer ao lesante, ou seja, à pessoa que provocou a
morte de B, uma indemnização sob a forma de renda vitalícia ou temporária.

Apesar de entre A e B haver apenas uma obrigação natural, o requerimento de


indemnização por parte de A ao lesante acaba por constituir uma obrigação civil, sendo a
indemnização, portanto, judicialmente exigível. A obrigação natural no vínculo entre A e B
passou a ser uma obrigação civil no vínculo em relação ao lesante. Isto é possível pela
conjugação dos art. 404º, 495º nº3, 567º nº1.

Ex: Um filho, menor de idade, ajuda o pai no seu trabalho, numa oficina. Não existe o
direito de exigir o pagamento de um salário, até porque o pai acaba por costear as
despesas do filho, por força do seu dever familiar. Mas estará o pai obrigado a
compensar o filho?

Existe aqui uma obrigação natural (específica). É um dever de ordem moral ou social art.
1895º nº2.

Ex: Faz-se uma posta em que a equipa que ganhar o jogo tem direito a que a outra lhe
ofereça um jantar.

Também as dívidas provenientes de jogo e aposta lícitos constituem obrigações naturais,


mas apenas aquelas que não estão sujeitas a legislação especial (se se tratar de dívidas
num casino, por exemplo, então já estamos perante o plano das obrigações civis,
segundo a lei especial.

Os casos enunciados são aqueles previstos legalmente. A doutrina diverge no que toca
à existência de outros casos de obrigações naturais para além deles. Há quem diga que
é necessário que o legislador inclua todos os casos de obrigações naturais no domínio
jurídico, não admitindo a existência de situações não previstas na lei. Por outro lado, há
também quem defenda que, atendendo à definição genérica do art. 402º, existem outras
obrigações naturais, desde que respeitem os requisitos para tal: Ser um dever de ordem
moral e social; Não ser judicialmente exigível; Corresponder a um dever de justiça.
Nestas situações, temos uma obrigação natural que segue o respetivo regime (direito de
retenção). As obrigações naturais não são apenas aquelas que a lei refere12.

Existem situações em que também se podem identificar obrigações naturais, apesar de


os tribunais terem dúvidas em saber se estão, de facto, ou não perante obrigações
naturais:

- Quando o devedor civil for mal absolvido num processo, ou seja, existia uma dívida
que foi declarada não constituída ou extinta por sentença injusta (baseada em
testemunhos falsos, insuficiência probatória ou errada valorarão judicial) e o devedor
decide, ainda assim, cumprir com a prestação. Se este cumprimento corresponder a
um dever de justiça, então pode ser considerado o cumprimento de uma obrigação
natural.13

- Quando há um negócio inválido, por não preencher os pressupostos necessários. Ex:


A empresta dinheiro a B. Este contrato é nulo e, sendo nulo, não é possível que A exija
de B o pagamento dos juros convencionados, mas será possível que o devedor (B)

12Há um exemplo da jurisprudência em que se considerou obrigação natural o pagamento, pela


entidade patronal à família de um trabalhador que se feriu num acidente, de um salário mínimo
enquanto o processo decorria e enquanto a seguradora ainda não era condenada.
13 Parte da doutrina não concorda.
cumpra esses juros como devedor natural. Então, se este cumprimento corresponder a
um dever de justiça, pode ser considerado o cumprimento de uma obrigação natural.
O Acordão Uniformizador STJ admite que, nestes casos, o contrato, apesar de ser
inválido, pode servir, pelo menos, para o dinheiro ser restituído. Quando aos juros, só
vendo o pagamento como dívida natural. Mas é duvidosa, em virtude do peso
atribuído às exigências formais ou à particular estrutura do negócio, a possibilidade de
defender como obrigação natural o cumprimento derivado de negócios formalmente
nulos. Para Menezes Cordeiro, a solução para este tipo de situações passa pela
aplicação do abuso do direito. É necessário que, dado o quadro circunstancial, o
pagamento corresponda a algo devido.

- Quando não se consegue provar todos os pressupostos da responsabilidade civil,


por sentença injusta, e mesmo o devedor sabendo que ela existia. Pode-se considerar
o ressarcimento dos danos causados a outrem sem verificação dos pressupostos
condicionantes da responsabilidade civil como uma obrigação natural. Ou seja, se o
levante ressarcir os danos do lesado, ainda que não seja civicamente
responsabilizado, e se isso corresponder a um dever de justiça, então estar-se-há a
cumprir uma obrigação natural.

As Obrigações e Outras Classes de Relações Jurídicas

Direito das Obrigações e Direitos Reais

O traço mais saliente da distinção entre direitos de crédito e direitos reais assenta no
caráter relativo que têm as obrigações, e a natureza absoluta, que revestem os direitos
reais.

Relatividade Obrigacional14
Os direitos de crédito são relativos. Operam só inter partes, apenas vinculando pessoas
determinadas (ou determináveis), que são os sujeitos da relação. Aquele credor só pode
exigir daquele devedor. Ex: O senhorio só pode exigir a renda do arrendatário.

Esta característica torna os direitos de crédito frágeis: A fragilidade está na circunstância


de, se aquele devedor não cumprir, o credor arrisca-se a não receber.

No entanto, esta característica não é absoltua. O legislador tem consagrado algumas


soluções em que a relatividade não está presente. Ex: Contrato de empreitada, em que A
manda fazer B uma moradia e esta tem defeitos. A não exige nada e vende a moradia a
outra pessoa. A este comprador, a lei dá o direito de se dirigir ao empreiteiro e exigir-lhe
que corrija os defeitos. Se aplicássemos a ideia da relatividade, apenas A poderia exigir
do empreiteiro art. 1225º-

Eficácia Absoluta dos Direitos Reais

Os direitos reais são absolutos, têm eficácia erga omnes: Valem contra todos. Podem ser
opostos a todos (coisa que não sucede nos direitos de crédito, que só podem ser
invocados contra aquele devedor).

Esta natureza absoluta dos direitos reais reflete-se num duplo aspeto, ou seja, em 2
características que os direitos de crédito não têm. São estas características a prevalência
e a sequela:

14 Ou relatividade estrutural, para Menezes Leitão.


- Sequela: Faculdade conferida ao titular do direito real de fazer valer o seu direito sobre
a coisa, onde quer que esta se encontre. Aplica-se, não só ao direito de propriedade
(art. 1311º), mas também aos restantes, quer de gozo, de garantia ou de aquisição.
Sendo proprietário, pode-se dizer “Isso é meu, tenho direito sobre isso”, enquanto que
o credor apenas pode fazer valer o seu direito sobre o devedor, pedindo-lhe que
cumpra.

- Prevalência: Trata-se, para a concessão dominante, da prioridade dos direitos reais


sobre os direitos de crédito e sobre todos os direitos reais de constituição posterior.
Isto significa que, num conflito entre direito reais e direitos de crédito, o direito real é
sempre mais forte, prevalecendo independentemente de qual deles foi constituído
primeiro; Num conflito entre 2 direitos reais, prevalece o mais antigo15. Contudo, outros
autores (Carvalho Fernandes), e com razão, não consideram que haja um problema de
prevalência entre os direitos do proprietário, do usufrutuário e do arrendatário, mas já
será invocada esta característica em caso de conflito entre direito real e direito de
crédito, de “colisão de direitos reais de gozo”, e quando se afirmar “a atribuição
preferencial do produto da venda da coisa hipotecada à satisfação do crédito
garantido pela hipoteca mais antiga”. Menezes Cordeiro entende que o conflito entre
os direitos reais e os direitos de crédito pode ser resolvido pela via obrigacional da
impossibilidade de cumprimento, negando, assim, a existência desta característica.

Há, contudo, no sistema jurídico, “marcas externas” dos direitos de crédito, pois estes
podem ser oponíveis a terceiros, em virtude de acordo (art. 413º) ou por força da lei
(art. 1057º). Assim, a relatividade essencial das obrigações não obsta a que a lei
considere excepcionalmente oponíveis a terceiros algumas relações obrigacionais e a
que a relação de crédito, na sua titularidade, consista num direito absoluto e, como tal,
oponível a terceiros (art. 583º nº2, 1225º nº1). Ex: Relação locatícia, sendo de natureza
intrinsecamente obrigacional (art. 1031º, 1032º e 1034º), não deixa de ser oponível (pelo
locatário) ao terceiro adquirente do direito (normalmente de propriedade) com base no
qual o contrato foi celebrado art. 1057º. Se A, proprietário de certo imóvel, o arrendar a B
e, em seguida, o vender a C, o locatário B poderá opor o seu direito (relativo) a C, apesar
de com ele não ter contratado; Promessa de alienação de imóvel ou móvel (sujeito a
registo) que goze de eficácia real. A promete vender certo prédio a B, atribuindo os
contraentes eficácia real à promessa (art. 413º), e, apesar disso, A vende o mesmo
imóvel a C. B continuará a poder exigir de A a realização do contrato prometido, logo que
possa. E, apesar do direito de B ser, na sua raiz e estrutura, de caráter obrigacional, este
pode ser oponível a C, ou a quaisquer posteriores adquirentes da coisa, porque os
efeitos da aquisição da coisa pelo credor (mesmo que ela resulte da execução específica
do art. 830º) retroagem à data do registo da promessa.

Princípios Fundamentais do Direito das Obrigações

Tratam-se de princípios positivos e não estáticos, na medida em que não se fecham em


si e dialogam uns com os outros, que caracterizam as relações jurídicas obrigacionais.

Este elenco não é exaustivo e abarca princípios atinentes às áreas contratual e


extracontratual, tendo certas raízes constitucionais.

O sistema jurídico não dá resposta a tudo e, através dos princípios, que construímos
através da leitura das normas, chegamos às soluções.

15 E, se estiver sujeito a registo, prevalece o primeiro registado.


1. Princípio da Autonomia Privada

Este é um princípio basilar do direito das obrigações, referido nos art. 398º e 405º, e
ainda nos art. 26º nº2 e 61º CRP16. Trata-se do poder que os sujeitos jurídicos têm de
regular os seus interesses. Ex: Autonomia para fazer um testamento, um negócio jurídico,
exercer um direito, constituir uma sociedade.

Tem a sua máxima expressão na liberdade contratual. O contrato é a principal fonte de


obrigações e esta liberdade a ele inerente contempla várias opções: Liberdade de
celebrar ou não contratos; De selecionar o tipo ou a forma atípica; De fixar o conteúdo do
contrato; De escolher a pessoa com quem se quer fazer o contrato; De pôr termo ao
contrato. No fundo, a liberdade contratual consiste na faculdade que as partes têm,
dentro dos limites da lei, de fixar, de acordo com a sua vontade, o conteúdo dos
contratos que realizarem, celebrar contratos diferentes dos prescritos no Código ou
incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

Contudo, a liberdade contratual não é ilimitada.

Se a liberdade de contratar deve ser entendida como a faculdade de livre criação de um


ato vinculativo para cada um dos contrantes, também é verdade que esta sofre
limitações:

Dever de Contratar

Há múltiplos casos em que as pessoas, singulares ou coletivas, têm o dever jurídico de


contratar, logo que se verifiquem determinados pressupostos. Quando assim seja, a
pessoa que se recusa a contratar pratica um ato ilícito, que pode constitui-la em
responsabilidade perante a que deseja realizar o contrato.

- Promessa Negocial de Contratar: Quando uma das partes ou ambas assumem


previamente, em contrato-promessa, a obrigação de celebrar determinado contrato
art. 410º. O promitente fica obrigado a contratar, sob pena de a contra-parte poder
exigir judicialmente o cumprimento ou a indemnização pelos danos causados por esse
incumprimento.

- Seguro Obrigatório da Eesponsabilidade Civil Automóvel

- Serviços Públicos: São obrigados a contratar, em certos termos, as empresas


concessionárias de serviços públicos (Ex: transportes, comunicações, abastecimento
de água, fornecimento de energia elétrica, etc…). O facto de estas atividades
respeitarem a bens essenciais e se exercerem em regime de excluisividade faz com
que a entidade concessionária não possa recusar a celebração do contrato com
qualquer utente que preencha os requisitos de utilização fixados no respeito
regulamento.

- Profissões de Exercício Condicionado: O caso dos médicos que não podem, salvo
caso de força maior, recusar a prestação de assistência em situações de urgência, e
que são obrigados a prestar os serviços da sua especialidade, sempre que não haja
outro médico a quem o doente possa facilmente recorrer. Esta imposição (embora com
aplicação menos intensiva) recai também sobre os advogados e solicitadores, e ainda
com os corretores nas operações de bolsa.

- Venda de Bens Essenciais: Embora discutível, parte da doutrina considera que, por
exemplo, a única sala de espetáculos numa cidade ou o único restaurante não podem
recusar a entrada de nenhum cidadão. É ainda referida a venda de produtos

16 Este princípio é mais fundado na CRP do que no CC.


farmacêuticos, que as farmácias de serviço não podem recusar-se a efetuar com quem
pretenda adquiri-los.

Proibição de Contratar com Determinadas Pessoas

- Proibição do acesso de menores a certos espetáculos públicos

- Venda feita por pais a filhos ou por avós a netos sem o consentimento de outros filhos
ou netos

- Doação a favor das pessoas abrangidas pelas indisponibilidades relativas art. 953º e
2192º a 2198º

- Art. 579º e 876º

Renovação ou Transmissão do Contrato Imposta a um dos Contraentes


- Locação: O senhorio está sujeito à renovação do arrendamento, desde que o
arrendatário não o denuncie, podendo fazê-lo. O art. 1057º impõe ao adquirente da
coisa locada a manutenção do contrato de locação, se essa for a vontade do locatário.

Necessidade de Consentimento, Assentimento ou Aprovação de Outrem

- O caso dos cônjuges, que necessitam do consentimento um do outro para alienarem


os bens compreendidos no art. 1682º nº1, nº2 e nº3 a).

- Inabilitado, que necessita de autorização do curador para os atos de disposição entre


vivos e todos os demais que constem da sentença de inabilitação art. 153º nº1

- Representantes legais de certos incapazes, que necessitam da autorização do tribunal


para a realização de certos atos jurídicos art. 139º, 140º, 1889º e 1938º.

Uma zona em que a liberdade contratual está fortemente condicionada é nos contratos
de consumo e nos contratos de adesão.

Chegou-se à conclusão de que o Estado, no interesse coletivo, não pode permitir que a
liberdade contratual se traduza num jogo desleal, em proveito exclusivo do mais forte. Há
uma ideia de defesa do consumidor, que se traduz na intervenção da lei para limitar o
poder que certas empresas têm de lançar mão a meios sedutores e enganosos com
interesse puramente lucrativo, acarretando perigos gravíssimos para os mais frágeis e
expostos.

Cláusulas Contratuais Gerais

Se permanece a margem para a contratação negociada, é cada vez maior a rede de


contratos de adesão.

Por razões de custos, racionalidade, rapidez e eficiência, os atuais “contratos de massa”


são celebrados segundo a técnica das cláusulas contratuais gerais (CCG). Este tipo de
contratação é frequente nas seguradoras, bancos, empresas de comunicações
eletrónicas, empresas de transportes. Não seria possível, tendo em conta a elevada
quantidade de clientes, que este tipo de empresas negociasse individualmente cada
contrato, desde logo, pois não faria sentido uma pessoa saber que as cláusulas do seu
contrato com, por exemplo, o seu banco, são diferentes das cláusulas do contrato de
uma outra pessoa com esse mesmo banco. Assim, estas empresas, em lugar de
discutirem caso por caso o conteúdo dos contratos que celebram com os seus clientes,
adotam determinados padrões ou modelos que utilizam na generalidade dos seus
contratos.

O conteúdo das CCG é predisposto unilateralmente por uma das partes, e com rigidez,
ou seja, não há qualquer debate prévio com a contra-parte. O aderente não tem a
possibilidade de influir no conteúdo do contrato, o que leva ao risco de ficar
desprotegido, visto que está apenas legitimado para aceitar ou recusar o contrato. Além
disso, seja porque a empresa em causa tem o monopólio da atividade que explora, seja
porque igual atitude é tomada por todas as empresas concorrentes, os aderentes
acabam por ser forçados pelas circunstâncias a aceitar o modelo que de certo modo lhes
é imposto.

Estes tipo de cláusulas não são fruto da liberdade contratual, pois, naturalmente, o
predisponente é considerado mais forte por criar de modo unilateral todas ou quase
todas as cláusulas do contrato, não havendo negociação (ou, havendo, muito pouca).

A imposição destas CCG pode representar um abuso da liberdade e pôr em causa a


justiça do contrato, tendo em conta a assimetria de poder e até de conhecimentos das
partes, e um conteúdo abstrato, complexo, extenso e raramente compreensível para um
aderente médio.

Por isso, impulsionado pela CEE, o legislador teve de intervir para limitar o poder do
predisponente e proteger o aderente: Aqui surge o DL 466/85 de 25 de outubro.

Capítulo I
Art. 1º
- Define o âmbito de aplicação, através de 3 requisitos: Clausulado que é previamente
elaborado; O aderente não pode influir no conteúdo do clausulado, estando limitado a
aceitar ou recusar; Destinado a nº indeterminado de aderentes.

- Este diploma aplica-se, igualmente, a contratos de adesão individualizados, que,


embora menos frequentes, também existem. Neste tipo de contratos, não há um
clausulado predisposto para um nº indeterminado de contraentes, mas, ainda assim, o
que é necessário é que o clausulado não tenha sido previamente negociado.

Este diploma aplica-se, não só a contratos celebrados entre empresas e consumidores


(Businesse to Consumer), como a contratos celebrados entre empresas e entidades
comparáveis (Business to Business), sendo que uma delas tem de ser dominante
relativamente à outra.

Capítulo II

Este capítulo destina-se a acatar o perigo do desconhecimento.

A realidade é que um aderente normal não tem disposição nem conhecimentos para
corretamente ler, interpretar e compreender todas as cláusulas contratuais gerais. É
ineficiente estar-se a ler demoradamente, tomando consciência com cuidado de cada
uma das cláusulas que se está a assinar, quando esta leitura não é apelativa.

Art. 5º e 6º

- Os aderentes têm de conhecer as CCG que assina.

- Há um dever de comunicação integral, adequada e efetiva, dando-se ao aderente


tempo suficiente para o conhecimento das CCG.

- Este dever, assegurado hoje pela entrega das fichas de informação pré-contratual e
pela entrega de um exemplar do contrato de crédito ao consumo, é completado por
um dever de informação, de esclarecimento do sentido e significado das CCG.

- Todas as questões suscitadas devem ser devidamente esclarecidas. Mas, neste plano
há divergências: Há quem entenda que, mesmo que não tenham sido solicitadas
dúvidas por parte do aderente (e até, mesmo que este mostre achar que
compreendeu), pode-se exigir ao predisponente o dever de chamar a atenção para
pontos que possam ser divergentes ou que possam acarretar um certo risco para o
aderente (Ex: Explicar certas noções jurídicas mais complicadas; Explicar o que são
perdas de benefício do prazo). No entanto, a jurisprudência recente tem dito que
também o aderente tem de se comportar diligentemente, de modo a procurar
compreender o contrato que está a realizar.

Art. 8º e 9º

- Exclui-se do contrato as cláusulas que tenham sido comunicadas ou devidamente


informadas.

- São, ainda, consideradas excluídas as cláusulas colocadas depois da assinatura.

- Se as cláusulas forem excluídas, o contrato singular subsiste e, na parte onde ficavam


essas cláusulas excluídas, dá-se lugar às disposições da lei civil geral (disposições
supletivas). Isto a menos que surja uma indeterminação insuprível ou um desequilíbrio
excessivo de prestações pela eliminação das cláusulas em questão: Nesses casos, o
contrato não subsistirá e seria inválido.

Capítulo III

No caso de cláusulas ambíguas, o predisponente assume o fardo de as explicar. Na


dúvida, ou seja, quando a cláusula é redigida de modo dúbio (Ex: Se há falta de precisão
quanto à delimitação da assunção do risco por parte de uma seguradora), prevalece o
sentido mais favorável ao aderente.

Capítulo IV e V
O perigo do desconhecimento não é o único: Ainda que o aderente tenha a informação,
não vai estar muito vocacionado para tomar consciência plena de todos os aspectos que
constam do contrato.

Por isso, o legislador preocupa-se com que o conteúdo do clausulado não seja
desequilibrado ou injusto para o aderente, proibindo certas cláusulas.

Há 3 tipos de cláusulas proibídas:

- Cláusulas Contrárias à Boa Fé: São proibidas pelo art. 15º, tendo em conta a
concretização do conceito de “boa fé” feita pelo art. 16º17. Aqui, o legislador entendeu
recorrer à boa fé, usando-a como última rede: Pode acontecer que um contrato tenha
uma cláusula que não cabe na lista seguinte de proibições, mas, ainda assim, é
considerada abusiva ou injusta. Esta disposição aplicar-se-á a esses casos e a
cláusula será proibida apesar de não estar prevista especialmente.
- Cláusulas Absolutamente Proibidas: Aquelas que a lei não permite que constem do
contrato art. 18º e 21º.

- Cláusulas Relativamente Proibidas: São proibidas em função do quadro negocial


padronizado. Não são automaticamente inválidas: Quem estiver a avaliar, tem de fazer
um juízo de ponderação art. 19º e 22º.

Nota: O quadro negocial padronizado é o critério utilizado para ponderar a validade de


uma cláusula relativamente proibida. É o padrão de justiça dentro do tipo negocial de que
se trata. Não corresponde à espécie contratual concreta, mas também não corresponde
ao tipo negocial que está previsto na lei. Ex: Não será a “compra e venda”, mas sim a
“compra e venda de automóvel usado” ou a “compra e venda de imóveis”. São quadros
negociais diferentes, os objetos são distintos, bem como os setores de atividade.

17Oliveira Ascensão critica este artigo, entendendo de que pouco adianta, pois os seus critérios
não são muito servíreis para concretizar uma possibilidade de proibição de uma cláusula, mesmo
ao abrigo da boa fé. Entende, ainda, que a lei não ajuda suficientemente o intérprete, apesar de
que há muitas decisões jurisprudênciais em que se foi recorrendo a este critério da boa fé.
Reação a Clausulas Proibidas

A ativação do controlo das CCG ou é relativo, concreto, tendente à decoração de


nulidade de cláusulas proibidas ou é preventivo, abstrato, consistente numa ação
inibitória:

- Declaração de Nulidade: É a reação que surge quando o contrato já começou a ser


executado (mais atual), levando a que o próprio aderente venha pedir ao tribunal que
declare a nulidade de determinada cláusula art. 24º
- Ação Inibitória: É a reação preventiva a certas cláusulas, por meio da qual se pode
obter, por decisão judicial preventiva, a proibição de cláusulas com certo conteúdo
antes de serem incluídas em qualquer contrato singular efetivo art. 24º e ss. Há uma
tutela inibitória que previne e impede a inserção de certas cláusulas em CCG. A
legitimidade ativa para desencadear esta ação está prevista no art. 26º, apesar de ser
o Ministério Público a entidade que mais intenta este tipo de ações, e a legitimidade
passiva, prevista no art. 27º, corresponde geralmente a todas as empresas que
possam ter em vista a utilização dessas cláusulas. Além disso, prevê-se, que se possa
na sentença condenar-se, também, o predisponente das cláusulas a dar publicidade à
proibição. Existe, ainda, um registo (art. 34º e 35º), do qual vão constar essas cláusulas
proibidas para sejam de conhecimento de todos. Ex: Ginásio teve de se abster de
utilizar determinada cláusula sobre o cliente reaver quantias.

2. Princípio da Boa Fé

Este princípio, que dialoga com a autonomia privada, é um critério normativo que
acompanha todas as fases da obrigação.

Neste contexto, referimo-nos à boa fé no sentido objetivo, que é diferente da boa fé no


sentido meramente subjetivo.

A boa fé no sentido subjetivo traduz um estado de espírito/psicológico de alguém que,


em certo momento, estava convencido da verificação ou da conformidade do direito da
certo ato, facto ou posição jurídica (Ex: Crença na validade de um contrato), sendo essa
convicção desconforme à realidade. Este sentido pouco importa para o que estamos a
abordar. Ex: Art. 1301º, 291º nº3, 243º nº2

A boa fé no sentido objetivo, ou seja, como princípio objetivo de comportamento,


traduz-se no dever dos contraentes adotarem um comportamento leal, correto, honesto,
no sentido de cooperar com a outra parte, zelando pelos interesses de ambos. Diz
respeito aos sujeitos de qualquer relação obrigacional, abarca os quadrantes principais
da lealdade, fidelidade e cooperação, prevalece, como critério de controlo, sobre o
clausulado contratual, e justifica-se por uma ideia de solidariedade negocial. Como se lê
em certa decisão judicial “Agir de boa fé é atuar com diligência, zelo e lealdade face aos
interesses da contra-parte; É ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de
correção e proibidade, visando não prejudicar os legítimos interesses da outra parte”.
Não está previsto numa norma específica, não corresponde à previsão de uma conduta
em específico: Por isso, é considerado uma cláusula geral. Assim, necessita, na sua
aplicação, de um intermediário, que neste caso serão os tribunais, de modo a ser
concretizado em função das circunstâncias do caso. Pode vincular à realização de certos
comportamentos ou proibir outros comportamentos. Ex: Art. 334º, 762º nº2, 227º nº1.

O princípio da boa fé está presente em toda a “vida” da obrigação:

- Fase Pré-contratual: Antes de o contrato ser celebrado, as partes devem comportar-


se nas negociações de acordo com o princípio da boa fé. Pode gerar responsabilidade
pré-contratual de assim não for. A aplicação do art. 227º deriva da rotura das
negociações, da indução dolosa ou negligente à celebração de um contrato viciado,
do silêncio sobre a existência de um vício, da violação de deveres de cuidado e de
informação.
- Fase de Execução: Viola-se o princípio da boa fé se, por exemplo, o devedor descura
a conservação do bem ou utiliza em excesso a máquina alugada, se o dono do bem a
transportar não avisa o transportador da sua fragilidade, se o escritor não corrige em
tempo as provas tipográficas, se o vendedor não avisa o comprador do dano iminente
para a coisa a prestar, se o vendedor, obrigado a entregar o cão vendido, não o
alimenta.
- Fase Pós-contratual: Após o contrato cessar, os contraentes podem continuar
vinculados a este princípio. Ainda pode haver responsabilidade fundada em não
frustrar a realização do fim contratual com comportamentos que se possam,
ulteriormente, adotar. Ex: Dever de confidencialidade, estando as partes vinculadas a
não revelar segredos negócios; Obrigação de não concorrência; Exercício em prazo
razoável do direito de resolução.

Como já foi referido, em matéria de Cláusulas Contratuais Gerais, o princípio da boa fé


serve para controlar a validade das cláusulas, bem como controlar o equilíbrio do
contrato. Ex: Contrato em que uma das partes quer todos os benefícios para si, que será
inválido por violação do princípio da boa fé previsto no art. 15º DL.

Abuso do Direito

Verifica-se abuso do direito quando há um exercício de um direito que respeita a sua


estrutura forma e que foi concedido por lei, mas esse exercício é feito em termos
reprováveis. Afasta-se substancialmente, materialmente e teleologicamente dos
interesses em prol dos quais o direito foi atribuído.

No fundo, só há abuso direito quando o direito existe: A lei, de facto, concede aquela
posição jurídica (o direito ainda pode ser exercido), mas, no caso concreto, ocorrem
circunstâncias especiais que tornam o seu exercício abusivo, excedendo os limites
colocados pelo fim económico-social do direito.

Havendo danos resultantes de um abuso do direito, haverá que indemnizá-los.

O abuso do direito desdobra-se em várias figuras, e em todas elas está em causa o


princípio da boa fé18.

1. Venire Contra Factum Proprium


Esta modalidade relaciona-se com um comportamento (lícito) de alguém que, por
palavras ou atos, cria na contra-parte uma certa expectativa, confiança, de que, a partir
daquela conduta, a pessoa que a adotou se irá comportar de certa forma.

Traduz-se numa conduta contraditória. Um comportamento não pode dirigir-se num


sentido diferente da confiança suscita na outra parte envolvida. O titular do direito
exerce-o em distorção com a sua conduta passada.

Ex: Senhorio diz que o arrendatário pode estar fora do imóvel durante 3 anos. Isso cria no
arrendatário a expectativa de que, se sair, nada acontecerá. De repente, o senhorio tem
um comportamento contraditório, ao ir a tribunal propor uma ação de despejo. Neste
caso, o senhorio estará vencer contra factum proprium. Tem de haver esta situação de
confiança, com bases sólidas. O arrendatário, ao sair do imóvel, terá feito um
“investimento da confiança”, ou seja, traduziu em atos a sua própria confiança, gerada

18 Para Menezes Cordeiro, o abuso do direito é um “subinstituto" do princípio da boa fé.


pela conduta do senhorio. Para que se possa afirmar esta figura, Menezes Cordeiro diz
que a situação de confiança terá de ser imputada a quem a criou19.

2. Neutralização do Direito

Alguém cria na outra parte uma determinada confiança ou expectativa, por exemplo, um
credor cria no devedor a convicção de que não lhe exigirá determinada dívida, e o
devedor acredita, confia. Passa algum tempo e o credor, sem que nada o fizesse prever,
vem pedir o cumprimento da dívida. Este credor age abusivamente e o seu direito deve
ser neutralizado: Apesar do seu direito ainda não ter prescrito e, em teoria, possa invocá-
lo em ação judicial para exigir o pagamento da dívida, não deve poder exercê-lo tendo
em conta as circunstâncias. Neste caso, é o facto de ter criado no devedor a confiança,
aliado ao decurso do tempo que são determinantes. Tem que ver com as expectativas
legítimas decorrentes do não exercício de um direito (pela contraparte) durante um lapso
de tempo razoável.

3. Aquisição do Direito

Vão-se criando expectativas em alguém de que esse alguém irá adquirir um certo
direito.

Ex: A tem uma quinta e faz B crer que lhe irá transmitir essa quinta. B até frequenta
cursos de agricultura. Mas, no entanto, B acaba por não adquirir qualquer propriedade.

Quem criou a confiança está a agir abusivamente. A consequência será a de que a


propriedade será adquiria pelo outro (neste caso, por B). Esta figura é controversa,
uma vez que, se o proprietário não quiser transmitir a propriedade, ninguém deveria ser
capaz de lha tirar.

Em teoria, são situações em que, em vez de o direito ser neutralizado, será adquirido.
Pode conduzir à aquisição de um direito por força daquele significado do decurso
temporal.

4. Conduta Anterior Indevida


Esta modalidade é chamada de tu quoque20 por Menezes Cordeiro.

Há um primeiro comportamento que é reprovável, ou até mesmo ilícito, contra a lei21.


Ex: Senhorio não faz obras, embora a lei obrigue a que as faça. A partir daqui, ele vai
querer aproveitar-se do que não fez. Pode acontecer, por exemplo, que o arrendatário
tenha de sair do imóvel e o senhorio intente uma ação de despejo. O senhorio está a agir
abusivamente, pois teve uma conduta anterior indevida: O seu direito não deve ser
reconhecido; Há um devedor em mora e, entretanto, ocorre uma alteração anormal das
circunstâncias e este quer-se aproveitar dessa alteração art. 438º. Apesar do 1º
comportamento ilícito, o seu autor quer aproveitar-se. Ninguém se pode aproveitar do
mal que fez.

A valoração negativa recai logo sobre o primeiro comportamento, mantendo-se


virtualmente em estado de latência, para ser imediatamente convocado se o sujeito
posteriormente pretender retirar vantagens da posição jurídica daquele modo criada.

No fundo, trata-se da afirmação do velho princípio de que “ninguém pode recorrer à sua
própria conduta reprovável para fundamentar um direito ou posição jurídica”.

Mais exemplos desta figura de abuso de direito podem ser encontrados nos art. 275º
nº2, 339º nº2, 475º, 525º nº2, 570º e 1033º c).

19 A jurisprudência confirma esta ideia de Menezes Cordeiro.


20 “Tu também”
21 A diferença do venire contra fartum proprium, é que neste, o 1º comportamento é lícito.
5. Exercício Danoso Inútil
Atos praticados por alguém, que não têm interesse nenhum para esse alguém e que
apenas são praticados com o intuito de prejudicar outra pessoa (normalmente, vizinho).
Exercer o direito (de que, de facto, se é titular) apenas para prejudicar outro, não tendo
qualquer utilidade no exercício desse mesmo direito é considerado um ato abusivo.
Também chamados de atos emulativos.

Ex: Construção que não serve para nada, apenas com o propósito de o vizinho receber
menos luz.

No exercício danoso inútil, o escopo é emulativo, pondo em causa o fim económico e


social do direito.

6. Exercício Desequilibrado do Direito


Oferecendo-se uma determinada vantagem, não se pode pedir à outra parte que realize
um prejuízo excessivamente maior.

Ex: A é arrendatário de um prédio cujo telhado se encontra em estado de degradação. A


paga um valor muito reduzido de renda ao senhorio (9 €). A vem exigir (ao abrigo do art.
1074º nº1) que o senhorio proceda à realização das necessárias obras, que ficarão por
um valor exuberado comparativamente com aquilo que recebe de renda (20000 €). Aqui
há um desequilibro no exercício do direito. Apesar de A ser titular do direito, e, em teoria,
poder exercê-lo, verifica-se um desequilíbrio entre a vantagem que oferece ao senhorio e
o prejuízo que pede que este realize. No entanto, há alguns cuidados a ter, pois “abusar”
do abuso do direito passando por cima de outros interesses que se pretende
salvaguardar pode ser reprovável: Os senhorios são, de facto, os responsáveis pela
conservação da coisa e há, realmente, este dever de manter e conservação da coisa. O
arrendatário terá o direito de exigir as obras atribuído por lei, mas, tendo em conta o
quadro circunstancial (e importa, neste caso concreto, ter também em conta toda a
história do regime do arrendamento), entende-se que o exercício do direito teve de ser
paralisado por ser manifestamente desequilibrado.

O abuso do direito, sendo uma derivação negativa do princípio da boa fé, concretiza-se
nestas diversas figuras.

A constatação, mesmo oficiosa, da conduta abusiva, pode ter como efeito típico a mera
preclusão do direito, ou seja, a inibição do exercício do direito (Ex: Não é reconhecida
ao credor a tutela preventiva ou extinta pretendidas mas exercidas em ofensa à boa fé),
ou até, dada a ilicitude e a possível presença da culpa (Ex: Na conduta indevida e na
indução à omissão formal), o surgimento de uma obrigação de indemnização, no caso
de se ter revelado danosa.

Teste prático da aplicação da figura do abuso do direito tem sido a questão do


tratamento jurídico dos casos em que o negócio padece de viciação formal, com ou
sem culpa de algum dos contraentes, tendo, contudo, tido uma execução mais ao
menos longa e pretendendo, agora, um dos contraentes invocar a nulidade negocial.

Este problema tem tido particular expressão no crédito ao consumo, facto à exigência
legal da entrega ao consumidor de um exemplar do contrato.

A solução normal para os primeiros casos a aplicação da nulidade (art. 220º) e da


indemnização a cargo do contraente a quem seja imputável (por ter feito crer, intencional
ou negligentemente, na desnecessidade da observância da forma “pública”) a não
formalização do contrato (art. 227º). Foi esta a solução adotada, por muito tempo, por se
entender que as exigências de forma não podiam ser passadas por cima.

Mas, a doutrina e a jurisprudência têm admitido, num certo nº de situações, mas a título
excecional, a solução de bloqueio da alegação do vício formal. Chegou-se à
conclusão que a primeira solução (de aplicação da nulidade e indemnização) premiava o
infrator: Alguém que tinha sugerido não formalizar e, ao invocar a nulidade mais tarde,
conseguia o que queria. Assim, a título excecional, tem-se decidido que, verificados os
pressupostos do venire contra factum proprium, quem invoca a nulidade está a agir
abusivamente, e o contrato deve ser considerado como se fosse válido, deve continuar.
Esta doutrina é defendida para “casos bem vincados” por Menezes Cordeiro. Esta
posição é de aplaudir, uma vez que a declaração da nulidade representaria uma solução
intolerável e danosa para um dos contraentes, tendo primazia (na colisão dos valores
certeza e justiça) o respeito pelo princípio da boa fé.

Nota: O crédito ao consumo tem especialidades, pois o consumidor é objeto de uma


proteção máxima, às vezes até exagerada. Nestes casos, não nos podemos admirar que
o tribunal considere o contrato nulo, prevalecendo a lógica de defesa do consumidor (a
exigência de forma prevalece).

3. Princípio da Tutela da Vulnerabilidade

Como já foi abordado, as necessidades de consumo e as novas tecnologias da


comunicação desumanizaram o contrato, conferindo às grandes empresas o poder de
adotarem um modelo liberal de contrato: auto-suficiente, por vezes pouco inteligível para
a contra parte e, sobretudo, estandardizado.

Posto isto, tem-se constatado que há pessoas que, devido à sua fragilidade, merecem
soluções jurídicas mais flexíveis: Certos devedores (Ex: Os devedores em situação
económica difícil, na iminência da insolvência, que têm dificuldade em cumprir as suas
obrigações, terão um tratamento adequado, pois o Código da Insolvência prevê um
processo especial de revitalização); Certos arrendatários (Ex: Sendo despejados e não
tendo local para onde ir, o Código de Deferimento da Desocupação do Imóvel dá-lhe um
tempo para resolverem a sua solução); Vítimas de negócios usuários (Ex: Pessoas que
estão numa situação de carência, necessidade, inexperiência, e que podem levar a que
outros se aproveitem e daí retirem benefícios, são protegidas pelo regime dos negócios
usuários art. 282º)

As vulnerabilidades propriamente ditas têm que ver com a idade (crianças e idosos).
Nestes 2 casos, a tutela existe maioritariamente no plano extracontratual (Ex: Nos
acidentes de viação), mas também no plano contratual.

Área Extra-contratual
Nesta área, não podem deixar de se destacar a vulnerabilidade dos inimputáveis, dos
lesados com certas predisposições agravadoras do dano, dos utentes de certas vias
rodoviárias em obras (verdadeiros consumidores), ou daqueles que têm mobilidade
reduzida (grávidas, cegos, surdos, em cadeira de rodas).

Há pessoas que o código da estrada considera especialmente frágeis, reclamando dos


condutores maior cuidado, atenção: Crianças, idosos, pessoas com deficiência que lhe
dificulta a mobilidade. Os condutores têm de ter especial cuidado com os peões e, se
forem crianças, ainda maior cuidado devem ter.

Quando há, por exemplo, atropelamentos destas pessoas, do ponto de vista jurídico, os
casos são tratados numa perspetiva de favorecimento dos lesados.

Direito do Consumo
A atenção do direito privado europeu tem-se centrado nos contratos de consumo.

Há desigualdades em virtude da posição jurídica que se adota. O consumidor pode ser


muito abastado, ou ter muitos conhecimentos (até jurídicos), e desse ponto de vista não
ser inferior. Porém, considera-se que o consumidor está sempre numa situação de
vulnerabilidade. Há outros elementos, para além da carência económica ou da
ignorância, que levam a que o consumidor esteja sempre em desvantagem, na medida
em que o contrato que celebra é assimétrico: As grandes empresas, em princípio, têm
mais conhecimentos sobre os produtos que colocam no mercado, sobre as
características, sobre o lucro que obtêm, sobre técnicas de marketing, etc…

Estamos no domínio da vulnerabilidade em sentido lato. O contrato de consumo


coloca frente a frente o consumidor e o profissional (fornecedor de bens ou prestador
de serviços), pretendendo aquela primeira “categoria” ser a expressão da tutela jurídica
não de uma qualquer debilidade subjetiva, mas sim de um modelo pessoal caracterizado,
na relação com o profissional, por uma certa situação de inferioridade (inexperiência,
impulsividade, distância, dependência e ignorância). Esta concepção é igualmente
compreensiva dos pequenos empresários e da subcategoria dos consumidores
especiais, verdadeiramente vulneráveis (Ex: Menores, idosos, deficientes, estrangeiros).

Os contratos de consumo mais vulgares são: CCV de bens de consumo (DL 67º/2003);
CCV à distância (Ex: Por telefone, computador); CCV fora do estabelecimento comercial
(vendedor porta a porta, regulado no DL 24/14); Contrato de crédito ao consumo (crédito
ao consumo em geral e crédito para habitação, objeto de legislação específica de 2017).

Os contratos de viagem organizada são um tipo de contrato de consumo. Quando se


compra um pacote turístico, está-se a fazê-lo na qualidade de consumidores. O viajante
é protegido. Há essa preocupação de proteger uma das partes, nomeadamente se se
tratarem de estrangeiros.

Quem é consumidor?
Há vários conceitos de consumidor: Não são inteiramente iguais. Mesmo os conceitos
vindos da UE não são inteiramente coincidentes.

Partimos do conceito refletido na Lei de Defesa do Consumidor (LDC), o que não impede
que, em cada contrato de consumo, se veja se o conceito coincide.

O que se adquire como bens tem de ser destinado a uso não profissional. Isto leva a 3
interrogações:

- Só estão incluídas pessoas singulares, ou também um pessoas coletivas (Ex:


Associação que preta apoio aos mais cadenciados e que adquire certos bens
alimentares junto do fornecedor)? Segundo o art. 2 nº1 e 3º c) LDC, “pessoa singular”.

- O que acontece quando o bem é adquirido para uma aplicação mista: uso profissional
e uso não profissional (Ex: Advogado compra computador para o escritório, mas
também para uso pessoal)?

- O que acontece quando alguém compra algo para uso pessoal, mas percebe da área
em que está a comprar (Ex: Quem tem uma loja de eletrodomésticos, mas vai a uma
grande superfície comprar uma TV para uso pessoal)? Tem de ocorrer entre uma
empresa, que atua no âmbito do exercício da sua atividade profissional, e um outro
sujeito, que tem de actuar fora do âmbito dos seus conhecimentos especiais
profissionais.

Vetores Fundamentais da Tutela do Consumidor


- Definição de especiais direitos de informação e de comunicação: Os direitos do
consumidor têm acento constitucional (art. 60º CRP). Os consumidores têm direito “à
formação e à informação”. Diz-se que o contrato tem de ser feito por escrito, para
permitir uma maior consolidação da informação e uma maior ponderação por parte do
consumidor. Ex: As instruções de um produto não podem estar numa língua que não
seja a língua do consumidor.

- Criação de períodos de reflexão e de mecanismos de livre revogação dos contratos


por parte dos consumidores. Ex: Na matéria dos produtos financeiros; Na atividade
bancária; No mercado financeiro. Percebeu-se, com a crise de 2008, que era
necessário acautelar a posição dos investidores, sobretudo os não institucionais. Tem
menos que ver com a ideia de resolução, e mais que ver com a ideia de revogação, de
arrependimento livre, pois não tem de ser fundamentado. Criaram-se mecanismos que
constituem um desvio ao princípio “pacta sunt servanda”22, que só pode existir nestas
situações, perante consumidores (Ex: A possibilidade de, depois de celebrar o
contrato, e depois de o produto chegar a casa por encomenda, independentemente do
estado do produto, poder-se devolver, sem ter de invocar uma especial razão).

- Proibição de práticas comerciais desleais. Ex: Apelar-se diretamente às crianças,


que são consideradas uma subcategoria particularmente vulnerável e influenciável;
Fazer-se crer que determinado produto serve para curar completamente uma doença;
Fazer-se crer que um determinado produto está autorizado pela autoridade
competente.

- Restrições à liberdade de fixação do conteúdo do contrato. Ex: Não é admissível a


exclusão da livre resolução.

- Responsabilidade objetiva do produtor: Evita-se que a responsabilidade se “dilua” no


anonimato da intervenção dos vários sujeitos que participam na produção do produto.
Assim, independentemente de ter culpa ou não, o produtor vai ser responsável por
quaisquer danos, pois é ele que tira partido da produção.

- Tutela de interesses difusos e instituição de mecanismos de ações inibitórias:


Pode-se recorrer à ação inibitória, de forma a prevenir certas práticas.

Nota: Não são abrangidos pela lei os contratos entre dois consumidores. Estes contratos
estão sujeitos às normas gerais do CC. Ex: Venda no OLX de uma TV, apesar de ser um
CCV, não é considerado um contrato de consumo.

Mas, além do consumidor, há outras categorias de sujeitos que são consideradas numa
posição de vulnerabilidade.

Outra relação deste tipo é a do arrendamento. O regime do arrendamento tem


preocupação em proteger o arrendatário, pois se entende que quem está nessa posição
está de certa maneira dependente. (Ex: Precisa daquele espaço para viver, para
trabalhar). Protege-se o arrendatário, mas além disso, há uma proteção especial para
certos arrendatários: Os que se encontram em situação de carência económica, em que
a taxa de esforço que se tem de fazer para pagar a renda é muito considerável; Os que
têm idade avançada (mais de 65 anos); Os que se encontram em situação de deficiência
(com grau de incapacidade superior a 60%).

Ainda nas relações laborais, há uma dependência económica e social. Ainda por cima,
existe um poder de subordinação entre o patrão e o trabalhador: O que está em posição
superior é que decide se, como e quando a outra parte trabalha. Estas circunstâncias
promovem a criação de uma situação desequilibrada.

22 Princípio da eficácia dos contratos.


Life Time Contracts

Esta categoria de contratos foi surgindo por força do trabalho de 2 autores: L. Nogler e
Reifner.

Trouxe-se à ribalta o debate à volta dos “contratos duradouros para a existência da


pessoa”, também chamados de life time contracts: Contratos assentes na
vulnerabilidade relacionada com os riscos de desemprego, endividamento e perda de
habitação. Destacando os contratos de trabalho, de crédito ao consumo e de
arrendamento com contratos aptos a satisfazer necessidades básicas e de realização
pessoal, os autores defendem a aplicação a esses contratos de 16 princípios, entre os
quais estão o princípio da cooperação, da confiança, da não discriminação, da
proporcionalidade prestacional, da adaptação à mutação social e económica, da
informação e transparência, da garantia dos meios de subsistência e do tratamento
adequado dos riscos de desemprego, endividamento e perda de habitação, que
traduzem uma visão humanista do contrato. Devem ser tomadas em consideração
situações que não são imputáveis aos sujeitos e que os colocam dificuldades no
cumprimento das suas obrigações.

Esta convenção lembra que deve haver uma adaptação e cooperação dos contraentes.

4. Princípio da Proporcionalidade

Menezes Cordeiro considera que este princípio está integrado no princípio da boa fé, ou
seja, que condutas desproporcionadas são condutas abusivas, ligadas de alguma forma
à boa fé. Este autor integra este princípio na modalidade de abuso do direito chamada
“Desequilíbrio no Exercício de Posições Jurídicas”. Não Brandão Proença entende que
este princípio deve ser autonomizado: As condutas das pessoas devem ser moderadas,
os contratos devem incluir cláusulas moderadas, as normas jurídicas devem criar
soluções moderadas. Apela à razoabilidade das condutas, normas e clausulado negocial.

Ser proporcional é ser adequado, equilibrado. Procura-se uma justa composição, de


modo a que as vantagens realizadas por um interesse não sejam desproporcionais em
relação ao sacrifício que se impõe à outra parte.

Este princípio não exige que haja um “cálculo matemático”, de forma a que uma
prestação tenha um valor correspondente exato.

Este princípio está presente, tanto na área contratual, como na área extracontratual:

Área Extracontratual

Este princípio manifesta-se na legítima defesa art. 337º. O legislador pede que a nossa
defesa seja proporcionada àquilo que procuramos salvaguardar. Ao defender-me de um
ataque alheio, poderei ter de causar danos a quem me está a agredir: Pede-se
razoabilidade na defesa.

O art. 494º afirma que se provocar um dano com dolo, devo indemnizar mais do que se o
provocar com pouca culpa: Se a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a
indemnização ser reduzida. Ou seja, indemnizar na medida em que se causou. Há aqui
uma adequação do conteúdo indemnizatório em função da gravidade da atuação
culposa.

Área Contratual
A parte contratual ou negocial é mais rica em manifestações deste princípio.

Adequação do conteúdo do contrato na hipótese de alterações anómalas e


supervenientes art. 437º: Há uma preocupação do legislador em reequilibrar o contrato.
Se houver uma alteração anómala e superveniente, pode haver resolução, extinção do
vínculo contratual, ou modificação, para se ajustar essa alteração de circunstâncias, de
modo a evitar que aquilo que se continua a exigir a uma das partes, tal como tinha sido
acordado inicialmente, não seja agora desproporcionado e injustos em relação aos
interesses que se visam realizar.

Adequação entre o incumprimento e as consequências art. 802º nº2: Não pode haver
resolução do contrato (que é um mecanismo de reação ao incumprimento grave, uma vez
que leva à extinção do vínculo contratual) em face de um incumprimento com escassa
importância. Portanto, a resolução há de estar ajustada como mecanismo de reação
grave a uma situação de facto de suficiente gravidade para o desencadear.

Situação de impossibilidade de incumprimento da obrigação art. 793º nº1: Quando a


impossibilidade (não imputável ao devedor) é parcial, apenas parcialmente é de
impossível realização. O devedor satisfaz o que for possível, e deve-se reduzir a
contraprestação. O credor que não tiver justificçadamente interesse no cumprimento
parcial, por resolver o negócio: A lei aqui é menos exigente, mas ainda assim tem de
haver uma justificação válida; O credor tem de provar que não tem interesse nesse
cumprimento parcial da obrigação. A ideia é a de, mais uma vez, se ajustar a gravidade
da reação à situação de incumprimento.

Equilíbrio entre a gravidade da culpa e o âmbito das consequências danosas art.


494º, 497º nº2, 500º nº3 2ª parte, 570º nº1: No caso do art. 494º, permite-se que se
possa limitar o montante da indemnização em função do reduzido grau de culpa.
Representa um desvio à regra da indemnização, que em princípio tem uma função de
reparação, que quando a culpa é leva possa a indemnização ser fixada equitativamente
(tendo em conta a ideia de justiça e as circunstâncias do caso concreto) em montante
inferior ao que corresponderiam os danos causados, desde que o grau de culpabilidade
do agente, a sua situação económica e as demais circunstâncias o justifiquem. O art.
497º nº2 prevê o direito de regresso quando há responsabilidade solidária. Também aqui
há uma preocupação em estabelecer uma adequação justa entre a medida em que a
culpa de cada um contribui para a verificação dos danos.

Equilíbrio entre o custo da reconstituição natural para o devedor e o interesse do


credor art. 566º nº3, 829º nº2: Quando se fixa a indmenização23, o legislador preveligia a
reconstituição natural24, ou seja, procura-se, numa primeira instância, reconstituir a
situação que existia antes da lesão. Mas, se não for possível ou se for excessivamente
onerosa para o lesante, então fixa-se um sucedâneo e a indemnização é paga em
dinheiro. O art. 563º apela a esta ideia de proporcionalidade. No art. 829º nº2 está
presente a mesma ideia: O prejuízo da demolição para o devedor não pode ser
consideravelmente superior ao prejuízo sofrido pelo credor.

Redução de sanções convencionais excessivas art. 812º: Um dos mecanismos que se


pode fixar num contrato é a cláusula penal. A cláusula penal liquida antecipadamente um
montante de indemnização e geralmente tem uma dupla função: liquidar o dano e
compelir ao cumprimento. Nada impede que que a cláusula penal possa ser superior ao
valor dos danos, até porque serve como forma de pressão do devedor ao cumprimento.

23 Associamos a ideia de indemnização a dinheiro, mas, na verdade, indemnizar é recompor a


situação que existia antes da lesão. Pode ser in natura ou por equivalente (através do pagamento
de uma quantia pecuniária).
24 Recomposição in natura.
No entanto, há uma proibição da tutela excessiva dos interesses do credor: A cláusula
penal não pode ir além do nível que se considere proporcional25.

Adequação entre a gravidade do dano e o pedido compensatório art. 496º

Aplicação jurisprudencial do princípio da proporcionalidade26


- O princípio da proporcionalidade implica uma justa medida, isto é, a escolha das
soluções de que decorram menos gravamos, sacrifícios ou perturbações para a
posição jurídica dos interessado, acabando por funcionar como fator de equilíbrio, de
garantia e de controle dos meios e medidas adotadas.

- Tem que ver com um contrato de empreitada: O empreiteiro é contratado pelo dono da
obra (construção de um muro). Chegou-se à conclusão de que o muro tinha sido mal
construído.

- A conclusão sobre a desproporção do custo da reparação dos defeitos da empreitada


resulta da prevalência da lei pela reparação natural (art. 4º DL 67/2003 e art. 562º e
566º) e da perspectivação primacial do direito do lesado à reposição ante factum
lesivo, postulando uma interpretação restritiva do conceito exigente de um sacrifício
exorbitante ou desmesurado para o empreiteiro. No fundo, o tribunal chega à
conclusão de que não houve desproporção quando se veio a exigir ao empreiteiro que
reconstruísse o muro, mesmo tendo o empreiteiro alegado que o pedido era
demasiado oneroso e desproporcional.

- Está aqui presente a ideia de que quando se procura indemnizar, vai-se optar, em
primeira linha, pela reconstrução natural. Esta ideia resulta do regime de empreitada,
mais especificamente do regime de empreitada de bens de consumo. Deixa de haver
reconstituição natural quando esta for desproporcional, mas isso não acontece neste
caso.

- Recai sobre o devedor o ónus de alegar e provar os factos que integram a


desproporcionalidade.

- Não existe desproporção se, numa empreitada com o preço de 2238€, a reparação
dos defeitos ascende a 4500€, se o dono da obra em nada contribui para a
verificação desses defeitos, e se não se prova grave afetação económico-financeira
do empreiteiro.

5. Princípio da Responsabilidade Patrimonial

Quando o devedore não cumpre a obrigação, é o seu próprio património que vai
responder por esse incumprimento art. 601º e 817º. Não é possível, hoje em dia, atuar
sobre a pessoa do devedor ou sobre os seus familiares.

O património do devedor é a garantia do cumprimento das obrigações. É sobre ele que o


credor penhora bens.

Dá-se prioridade ao conjunto: Ação de cumprimento - Execução específica (mesmo que


haja vários credores, o património do devedor responde, em primeira linha, pelo
cumprimento das obrigações), e na secundarização da tutela por mero equivalente
indemnizatório.

Este princípio relaciona-se com a fragilidade dos direitos de crédito: Os credores, além
de estarem dependentes do cumprimento ou não cumprimento por parte dos devedores,
também estão dependentes do maior ou menor património dos devedores.

25Este juízo de proporção é aferido atendendo à gravidade da culpa, aos interesses de um e


sacrifícios de outro, à justa medida e às circunstâncias económicas de cada uma das partes.
26 Acordão da Relação de Coimbra de 10 de março de 2015
Quando um devedor tem muitos credores, estes estão todos colocados na mesma
posição: O princípio é a aplicação por igual a todos os credores. Não se pode falar em
credores de 1ª e credores de 2ª. Não interessa a data de surgimento do crédito. A única
coisa que os vai diferenciar é a circunstância de alguns deles terem garantias especiais
(Ex: Hipoteca).

É evidente que o credor pode ver reforçada ou privilegiada a sua posição mediante
cláusulas protetoras (Ex: Cláusula penal; Cláusula resolutiva; Exigência de garantias
especiais).

Pode, ainda, haver a possibilidade de o credor atuar sobre o património de terceiros, se


se tiver constituído uma garantia pessoal, ou seja, se houver fiador.

Os credores irão procurar, na medida do possível, conseguir aquilo a que o devedor se


tinha obrigado (determinada coisa que não foi entregue, determinado facto fungível que
não foi prestado). Este princípio procura que o credor ainda obtenha aquilo a que tenha
direito.

6. Princípio da Heterorresponsabilidade

Este princípio está relacionado com a responsabilidade civil.

Na área extracontratual, significa que o lesante pode responder verificados os critérios


responsabilizantes.

O princípio vale mais para a área extracontratual, mas se pudermos defender que
também existe autonomamente uma responsabilidade contratual, então valerá para os 2
campos. É duvidoso que exista uma autónoma responsabilidade obrigacional.

Este princípio diz: Somos livres, temos capacidade de agir e não agir. Mas, a partir do
momento em que esta capacidade cause danos a outros, poderemos ser
responsabilizados.

Há essencialmente 3 critérios de imputação da responsabilidade pelos danos sofridos


por outrem:

- Responsabilidade por Factos Ilícitos: Conduta ilícita e culposa art. 483º. Se causar
danos, é-se responsabilizado, o princípio entra em funcionamento. Também referida
como responsabilidade subjetiva, uma vez que assenta na culpa: Há uma
censurabilidade do comportamento do agente, que podia e devia ter ateado de modo
diferente. Estamos perante um agir consciente e voluntário que não respeita os
círculos de domínio e de autonomia dos outros, abrindo zonas de conflito que é
preciso remover com a tutela indemnizaria (art. 562º e 566º). Ex: Ao atropelar alguém
por distração ou excesso de velocidade, responder-se-á pelos danos causados.
- Responsabilidade pelo Risco: Também chamada de responsabilidade objetiva, pois é
independente de culpa. O agente vai responder mesmo que não tenha agido com
culpa, mesmo que o resultado não lhe seja subjetivamente imputável. É uma
responsabilidade taxativa, sujeita a um numerus clausus, pois é necessário que o ato
em questão seja um daqueles que o legislador liga a esta responsabilidade. Há certas
situações que estão previstas no CC e outras em diplomas avulsos. Tem a sua razão
no facto de haver certas atividades suscetíveis de agravar aquilo que se assume como
um risco geral de vida: Quem aproveita essas atividades deve responder pelos danos
causados; Onde estão os benefícios, também devem estar os sacrifícios e
inconvenientes. Ex: Alguém que atropela um peão sem culpa, porque os travões do
carro não funcionaram. Se o peão não tiver culpa, então essa pessoa responderá.

- Responsabilidade por Factos Lícitos: São hipóteses taxativas em que a pessoa está
autorizada a praticar determinados atos, mas, se causar danos, terá de responder por
eles. Não está no domínio do risco, mas sim das atuações lícitas, autorizadas por lei.
Praticamente todos os casos estão nos direitos reais (a lei permite ao proprietário fazer
algo mas, se causar danos aos vizinhos, terá de os suportar). Menezes Cordeiro
chama esta responsabilidade de “imputação pelo sacrifício”. Ex: Pode-se estragar uma
coisa para poupar uma vida art. 339º nº2; Enxame de abelhas art. 1229º

Os tribunais lidam com mais 2 critérios responsabilizantes, em situações mais contadas:

- Responsabilidade por Falta de Precaução: Responsabilidade de tipo preventivo,


mais utilizada pelos tribunais administrativos. Enquanto que os critérios atrás referidos
atuam depois de consumado o dano, neste critério, atua-se mesmo antes de o dano
se ter verificado. Há uma certa atividade que se receia poder vir a causar danos: Há
uma incerteza, mas não é uma questão de risco27 (que é algo previsível/calculado). Há
bens que são postos em circulação, e não se sabe se serão danosos, mas suspeita-se
que sim. Se a suspeita for fundada, então o melhor é retirar o produto de circulação,
pois se não for retirado e causar danos, verificar-se-á esta responsabilidade. Esta
perspetiva preventiva pode levar, no limite, à omissão de atividades potencialmente
lesivas. Ex: Instalação de antenas de telecomunicações ou de linhas de alta tensão;
Possíveis danos à saúde ligados ao consumo de alimentos com materiais
geneticamente modificados.

- Responsabilidade pela Confiança: Parece subjacente a normas do CC, como o art.


81º nº2. Segundo Carneiro da Frada, este critério, envolvendo um fundamento
específico destinado a ressarcir as expectativas criadas (art. 81º nº2, 1172º, 1594º),
distingue-se da responsabilidade pré-contratual e pós-contratual ligadas à violação de
regras de conduta derivadas da boa fé.

7. Princípio da Autorresponsabilidade

Este princípio é complemento do princípio da heterorreponsabilidade, dialogando com


ele. Trate-se de uma responsabilidade perante si próprio. Sofremos as consequências
dos atos ou omissões que praticarmos: Imputação Própria.

27 É uma situação de risco não calculado.

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