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UCP 2021
Introdução
Este direito está contido no livro 2º do Código Civil (CC), ou seja, do art. 397º ao 1250º.
Este livro está dividido em 2 títulos: o 1º trata das obrigações em geral; o 2º trata dos
contratos em especial.
A fonte da obrigação é o facto de onde nasce o vínculo, que lhe confere existência real.
Trata-se de um elemento estranho à obrigação.
- Responsabilidade Civil
- Por se tratar de uma tendência, é normal que existam situações em que esta dinâmica
não se verifica. Ex: Na legislação arrendatícia, há uma obrigação de derrogação da
relação com o arrendatário; As relações de trabalho podem durar muito tempo;
Contratos de concessão. Portanto, há algumas relações obrigacionais duradouras.
- Por um lado, o direito das obrigações apresenta uma relativa uniformidade nas
diferentes áreas do globo. Isto resulta da existência de uma base comum romana
muito relevante, ou seja, o nosso direito das obrigações encontra-se no seio da
chamada família romano-germânica. Esta herança comum permite uma afinidade
maior com outro países. É, por isso, um direito suscetível de ser codificado com
âmbito supranacional. A elaboração do Código Europeu dos Contratos é digna de
especial menção. Tem de singular o facto de se tratar da primeira tentativa séria de
unificação do direito privado anglo-saxónico com as diversas famílias do direito
continental. No seio da UE, procurou promover-se a harmonização do direito privado e
do direito das obrigações (EPECL: Principals of European Contract Law).
- Por outro lado, este ramo do direito apresenta uma notória estabilidade/lenta evolução
no tempo. As concepções de justiça e de equidade, as máximas da experiência, as
regras do bom senso, etc, não têm sofrido grande variação. O que sofreu uma
evolução sensível, desde os tempos antigos do direito romano clássico até ao período
contemporâneo foi o complexo das normas imperativas.
- Tem que ver com a disparidade de poder entre aquele que exerce profissionalmente a
atividade e que pretende obter lucro, e aquele que está sujeito às técnicas praticadas
pela outra parte (como técnicas de marketing). São, então, necessárias estruturas de
tutela daqueles que estão numa situação de fragilidade em relação à outra parte.
- Ex: Normas protetoras dos consumidores e dos que contratam por adesão; Seguros
obrigatórios; Proteção de certos contraentes, como o arrendatário ou o trabalhador.
Conceito de Obrigação
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Estrutura da Obrigação
- Sujeitos
- Objeto
- Vínculo Jurídico
1. Sujeitos
Credor
- É o titular do direito à prestação, o sujeito ativo da relação de crédito.
Devedor
1 Boa fé no sentido objetivo (ou princípio da boa fé) é diferente de boa fé no sentido subjetivo. A
primeira refere-se a um padrão ou critério de conduta, de regras de orientação de condutas. Não
tem que ver necessariamente com aquilo que se sabe ou se ignora, mas sim com aquilo que se
deve ou não fazer. Já a última noção refere-se ao estado psicológico do sujeito, por exemplo, se
tinha ou não conhecimento de certa situação.
A obrigação tem, assim, caráter relativo, na medida em que vincula apenas
determinadas pessoas (ao contrário dos direitos reais ou direitos de personalidade que,
como direitos absolutos, vem em relação a um círculo indeterminado de pessoas).
Contudo, o art. 511º veio a prever a possibilidade do sujeito ativo ser indeterminado no
momento em que a obrigação se constitui. O que se exige é que seja determinável, isto
é, a presença de elementos, critérios objetivos, que permitam a sua posterior e
necessária determinação. Ex: Promessa pública art. 459 (o credor será aquele que vier a
encontrar-se na situação de facto exigida pelo anunciante); Contrato para pessoa a
nomear art. 452º; Herança deixada a nascituro art. 2033º; Título ao portador, como o
bilhete para o teatro (a qualidade do credor determina-se pela posse, quem possuir o
bilhete é o credor 2).
Quanto ao devedor, a maioria da doutrina entende que este tem de estar sempre
determinado, ou seja, que nenhuma obrigação pode nascer sem devedor. Já Brandão
Proença não sabe se, rigorosamente, é assim, pois aponta a responsabilidade civil como
uma situação que põe esta ideia em causa.
Pode haver, então, uma transmissão de obrigações. O credor pode ceder o seu crédito
a outrem (vendendo-o, doando-o ou trocando-o), por exemplo numa cessão de créditos
art. 577º; Um fiador pode pagar em vez do devedor e a lei pode investi-lo (sub-rogação),
em virtude do pagamento efetuado, na posição do credor. A obrigação é a mesma,
apenas circula de um sujeito para o outro. Este fenómeno é muito frequente, sobretudo
com certos títulos (ações, letras de câmbio e cheques) regulados no direito comercial,
cuja circulação se torna bastante expedita, ao ponto de a titularidade ativa da obrigação
se determinar em muitos casos (títulos ao portador) pela simples posse do título, ou seja,
é credor quem possuir o título.
As mais das vezes, de cada lado da relação há apenas uma pessoa (um credor e um só
devedor), dizendo-se que a obrigação é singular.
No entanto, pode haver pluralidade de sujeitos. Esta pluralidade pode-se verificar tanto
do lado ativo (Ex: Várias pessoas alugam uma camioneta e tornam-se credoras do
serviço transporte; O marido e a mulher constituem um depósito solidário ou conjunto no
banco), como do lado passivo (Ex: Vários indivíduos danificam coisa alheia, sobre todos
recaindo a obrigação de indemnizar o lesado). Pode ainda existir em ambos os lados
simultaneamente (Ex: Vários indivíduos danificam coisa alheia, sobre todos recaindo a
obrigação de indemnizar o lesado e a coisa danificada pertence a 2 ou mais
comproprietários).
- Conjunção: Do lado passivo, cada um dos obrigados fica adstrito a cumprir apenas
uma parte da prestação art. 513º e ss. Ex: Se A combina com B e C que estes têm de
fazer uma entrega de mercadorias, A só pode exigir a cada um deles uma parte das
mercadorias. Este regime não protege tanto o credor, em casos de insolvência por
exemplo.
- Solidariedade: Este regime já protege mais o credor, pois este terá o direito de exigir a
qualquer um dos obrigados a prestação por completo. O credor pode escolher, de
todos os devedores, qual o que oferece melhores condições de cumprimento.
Constitui um desvio, mas pode ser previsto pelo legislador ou combinado pelas partes,
aliás, em termos práticos acaba por ser a regra, dado que é muitas vezes previsto pelo
legislador. Ex: Responsabilidade civil art. 497º e 507º
2. Objeto
Prestação de Facto
- Material: Reparar uma viatura, pintar uma casa… Ex: Contrato de empreitada, que tem
como prestação típica a realização de certa obriga, que é um facto material art. 1207º
- Jurídico: Emissão de uma declaração de vontade, assunção de certa dívida,
patrocínio de certa causa, etc… Ex: Contrato-promessa, em que a prestação típica é a
prestação de facto jurídico, pois as partes vinculam-se a emitir as declarações
negociais correspondentes ao contrato definitivo; Contrato de mandato, em que o
mandatário se compromete à prática de atos jurídicos art. 1157º.
Nota: Um cantor que vai dar um concerto, por exemplo, ou um poeta que vai declamar
um poema, estas podem-se considerar prestações de facto de caráter intelectual ou
espiritual.
Além disso, a prestação pode ser própria (e em princípio será), mas pode ser também
prestação de facto de terceiro:
3 Neste caso, falamos de contratos-promessa, e, por isso, não são inválidos. Por exemplo, no
caso da venda de imóvel por parte de um dos cônjuges, este contrato-promessa será válido
porque só produz efeitos obrigacionais (para já não produz efeitos reais de disposição da coisa,
mas se o fizesse, por exemplo, através do CCV, então já seria inválido). O que haverá é
incumprimento mais tarde, caso esse consentimento não seja obtido.
do resultado não será suficiente para se considerar que houve incumprimento (é
necessário que o credor prove que o devedor não diligenciou como deveria).
Nota: Em princípio, se nada mais for dito, nestas situações, a obrigação será apenas de
meios.
Prestação de Coisa
- O seu objeto refere-se a uma coisa.
- De Coisa Futura: A prestação de coisa futura é permitida desde que a lei não o proíba
art. 399º. A lei faz uma acepção ao conceito de “coisa futura”, abrangendo não só as
coisas que ainda não existem (Ex: objetos que serão fabricados, venda de frutos
pendentes), mas também aquelas coisas já existentes, a que o disponente ainda não
tem direito ao tempo da declaração negocial, mas conta vir a ter num momento
posterior (Ex: Venda de bens alheios considerados como próprios art. 893º). Este
último tipo de coisa futura está sujeita ao regime do negócios sobre bens futuros, e
não às regras da venda de coisa alheia.
Para fixar o regime da prestação de coisa futura interessa conhecer a vontade das partes
que está na base da constituição da obrigação. Quando a coisa futura, contra a
expectativa dos contraente, não chega a existir ou vem a ser criada em quantidade
prevista, por causa não imputável ao devedor, a obrigação extingue-se (em princípio),
mas o credor fica desonerado da contra-prestação, ou seja, a coisa só será paga se
existir e na respetiva quantidade art. 795º, 1880º, 793º: aqui, falamos de um contrato
comutativo (emptio rei sperate); Quando as partes assumem o caráter aleatório do
contrato (emptio spei), o risco de não existência definitiva da coisa correrá por conta do
credor, ou seja, o preço será devido mesmo que a coisa não chegue a existir art. 880º
nº2.
Dentro das prestações duradouras em sentido amplo, podemos ainda distinguir entre as
duradouras em sentido estrito e as fracionadas ou repartidas:
A estrutura própria das obrigações duradouras em sentido estrito explica o art. 1058º.
- Fungível: A prestação pode ser realizada por pessoas diferentes do devedor (por
terceiro), sem prejuízo do interesse do credor (Ex: entrega de uma coisa, pois o que
interessa é aceder à coisa e, portanto, o próprio ato de entrega não importa;
Pagamento de um preço). A fungibilidade é a regra art. 767º nº1. Mas o art. 767º nº2
chama a atenção para os casos em que é acordado que a prestação deve ser feita
pelo devedor: não fungibilidade convencional; ou em que a substituição prejudique o
interesse do credor: não fungibilidade fundada na natureza da prestação. Nestes
casos, o credor pode requerer, no processo de execução (regime da ação executiva),
que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor art. 828º e art. 933º CPC.
- Não Fungível: O devedor não pode ser substituído no cumprimento por terceiro. São
as obrigações em que ao credor não interessa apenas o objeto da obrigação, mas
também a habilidade, destreza, força, bom nome ou outras qualidades pessoais do
devedor. (Ex: Pintura de um retrato por um pintor renomado; Realização de uma
intervenção cirúrgica por um médico com qualidades especializadas). Quanto ao
regime da ação executiva, aqui, o credor apenas poderá exigir o cumprimento do
devedor (art. 817º) e, se este não cumprir, terá de contentar-se com a indemnização do
prejuízo resultante do incumprimento e a garantia eventualmente devida a título de
sanção pecuniária compulsória art. 933º nº1 CPC. A impossibilidade relativa à pessoa
do devedor importa a extinção da obrigação (art. 791º), quando este não se possa
fazer substituir por terceiro no cumprimento da obrigação.
A prestação tem de preencher certos requisitos para que possa constituir objeto de uma
obrigação (válida) art. 280º, 398º nº2, 400º, 401º.
- Legalmente Possível: O que a lei permite que possa ser feito. A impossibilidade legal
ocorre quando o sistema não está dotado de mecanismos que permitam a realização
daquele objetivo. Ex: A lei não permite que se hipotequem jóias, pois a hipoteca só
vale para bens imóveis e móveis sujeitos a registo. Não posso com o credor vincular-
me a dar-lhe como garantia uma jóia de família, apenas posso em relação a ela
constituir um penhor; Não é possível vender um bem de domínio público, como a torre
dos clérigos.
- Objetiva: Não é realizável, nem pelo devedor, nem por ninguém art. 401º nº3. Nos
casos em que o devedor não possa realizar a prestação, mas outra sim (tendo, para
esse efeito, de corresponder a uma prestação fungível), não há razões para a nulidade
da prestação. Assim, o que releva é a impossibilidade objetiva (a que abranja os
indivíduos em geral), e não a subjetiva (a que procede apenas das condições
especiais da pessoa do devedor). Apesar do previsto no art. 401º nº3, a doutrina tem
chamado a atenção para um entendimento: Se se tratar de uma prestação infrangível
(que só pode ser realizada pelo próprio devedor), então a impossibilidade originária
subjetiva determina a invalidade da obrigação. Ex: Por via de legítimo representante,
mas sem que este se tenha ainda inteirado, José, interessado em obter um retrato,
contrata com determinado artista de renome. No entanto, quando este contrato é
realizado, o artista já está completamente cego (o seu representante não soube a
tempo e por isso concordou com a contratação). Já naquele momento da constituição
da obrigação, o devedor não era capaz de realizar a prestação.5
5Mas, por exemplo, se alguém cego se compromete a vigiar uma casa, não podemos dizer que
há invalidade, porque a prestação em causa não é infungível (o cego pode ter treinado o seu cão
para o ajudar, ou pode contar com a ajuda de terceiros para a realização da atividade).
Esta impossibilidade só gera nulidade se for originária6 art. 401º nº1. Há casos em que
os devedores, quando se obrigam, já não podem nesse mesmo momento cumprir a
obrigação. Ex: Pianista que partiu o braço e obriga-se a tocar num concerto no dia
seguinte.
Será, assim, nulo o contrato no qual alguém se obriga a realizar um concerto, a efetuar
uma intervenção cirúrgica, num momento em que já está fisicamente incapacitado de
fazê-lo.
Não há impossibilidade quando está em causa a prestação de coisa futura: O art. 399º
admite essa prestação, não sendo a simples inexistência atual da coisa a constituir
obstáculo à validade da respetiva obrigação.
2. Licitude
3. Determinibilidade
6 Distinta da impossibilidade superveniente, que não conduz à nulidade da obrigação, mas sim à
sua extinção. Trata-se de um problema de cumprimento da obrigação. Ex: Pianista está bem e
faz o contrato, mas, na véspera do concerto, parte o braço.
Há certos tipos de obrigações, como as obrigações genéricas e as obrigações
alternativas, em que o objeto da prestação não fica determinado no momento em que o
negócio se celebra, mas em que os contraentes ou as disposições supletivas da lei
indicam o processo para fixá-lo:
- Obrigação Alternativa: Pode-se dizer que é válido, por exemplo, o legado em que o
tentador deixe um dos seus 3 carros ao motorista que o serviu. Mas já é considerado
nulo o legado em que o tentador se limite a deixar-lhe uma recordação do seu
património (é demasiado vago).
Além de tudo isto, a prestação não pode ser contrária à ordem pública e aos bons
costumes. Tem de se verificar uma conformidade do comportamento prometido com a
ordem pública e os bons costumes art. 280º nº2.
Patrimonialidade da Prestação
O art. 398 nº2 expressa isso mesmo, afirmando que se precinde de que a prestação
tenha valor económico ou que seja suscetível de avaliação pecuniária, desde que essa
prestação corresponda a um interesse do credor digno de proteção legal, interesse este
que não tem de ter caráter patrimonial. Exige-se apenas que a prestação corresponda a
um interesse do credor real e digno de proteção. Assim, a lei pretendeu afastar as
prestações que correspondam a um mero capricho ou mania do credor (Ex: Não usar
cabelos compridos; Escrever um livro de exaltação pessoal do credor; Trajar de certa
forma; Obrigar-se um ator teatral a não trabalhar em certa cidade para não ofuscar o
prestígio do outro), e excluir as prestações (que podendo ser dignas da consideração de
outros complexos normativos, como a religião, a moral, a cortesia, os usos sociais) não
mereceram a tutela específica do direito (Ex: Rezar todas as noites X orações; Reatar
relações com uma certa pessoa; Incorporar-se todos os meses numa procissão). Além
disso, não é essencial que o interesse do credor seja objetiva ou socialmenteútil,
podendo a obrigação servir puros interesses pessoais e subjetivos, visto haver muitos
desses interesses que são dignos de tutela de direito.
A prestação tem de ter interesse para o credor, não numa perspetiva subjetiva, mas sim
objetiva: o interesse que um credor invoque naquela prestação tem de ser aferido em
termos jurídicos art. 398º, jurídicamente relevante.
Autonomia da Prestação
A obrigações autónomas são aquelas que não assentam num vínculo jurídico
preexistente entre as partes ou que pressupõem, na sua constituição, um simples vínculo
de caráter genérico. O contrato ou a responsabilidade civil fazem-nas aparecer. Estas
estão sujeitas às disposições legais que fixam a disciplina geral das obrigações.
Discute-se na doutrina se devem ser sujeitas ao mesmo regime, e se devem ser incluídas
no conceito geral das relações de crédio, as obrigações não autónomas. Estas
obrigações são aquelas que, estando integradas em relações de tipo diferente (de
direitos reais, de família ou de sucessões), pressupõem a existência de um vínculo
jurídico especial entre as partes. Ex: Art. 1323º, 1350º, 1411º, 1424º, 2009º 2265º.
O pensamento dominante, em parte com suporte legal, não considera que a autonomia
seja requisito da prestação. Existem prestações não autónomas, e estas devem ser
incluídas na disciplina legal das obrigações em geral, devem ser incorporadas no
conceito estrito de obrigação.
Contudo, o regime geral das obrigações não pode deixar de considerar-se sujeito aos
desvios impostos pela natureza especial dos vínculos que precedem as obrigações não
autónomas. Ex: Possibilidade de o co-proprietário se eximir à obrigação de participar nas
despesas da coisa comum, renunciando ao seu direito a favor dos credores, ou seja,
direito ao abandono liberatório ou à renúncia liberatória art. 2012º, 2008º nº1, 2070º,
2071º.
Aceitar isto pressupõe que haja uma conversão do não cumprimento do dever principal
num dever secundário.7
7Há quem diga que apenas surge uma responsabilidade contratual. Antunes Varela afirma que é
duvidoso.
8Denominação do Prof. Brandão Proença. Antunes Varela apelida-os de deveres acessórios de
conduta.
- Deveres de Cooperação: É a colaboração entre o credor e devedor, essencial para
que a relação obrigacional se venha a desenrolar bem. Ex: Para facilitar a obtenção de
um documento, o dono do bem deve entregá-lo ao transportador.
Sendo deveres que não estão condicionados pela validade do contrato (Ex: Acidente
sofrido por comprador de bem alheio na loja do vendedor) e que fundam a eficácia do
contrato relativamente a pessoas estranhas à contratação (art. 1050º b)), também é certo
que, como já foi referido, relevam nos vários períodos contratuais, incluindo a fase pré-
contratual e pós-contratual (Ex: Dever de assistência e informação pós-venda).
3. Objeto
Direito À Prestação
O direito (do credor) de exigir a prestação é um poder juridicamente tutelado que o
credor tem de exigir a prestação do devedor. Não se trata de um simples interesse
juridicamente protegido, semelhante àqueles interesses de ordem geral (Ex: O dos
comerciantes nacionais, de indústrias de certo ramos, dos consumidores) que a lei
protege muitas vezes (mediante providências pautais, aduaneiras ou sanitárias, regras
limitativas de concorrência). O credor, e só ele9, pode exigir o cumprimento: É o titular da
tutela do interesse, sendo de acordo com a sua vontade que funciona o mecanismo da
execução. Esta titularidade da tutela traduz-se, desde logo, no caso de o devedor
cumprir voluntariamente. O credor não é obrigado aí a restituir o objeto da prestação
(como seria se esta não lhe fosse devida) art. 476º nº1, e nem sequer a reterá a título de
liberalidade, como sucederia se nenhum vínculo prévio fundamentasse a realização dela,
mas a título de verdadeiro cumprimento. A juridicidade do poder conferido ao credor
manifesta-se principalmente no direito de agressão ao património do devedor, mas
não se deixa de manifestar noutros aspetos.
A lei tem como ilícita a falta de cumprimento. Esta ideia é confirmada por várias soluções:
A mora, que transfere para o devedor o risco de perda ou deterioração da coisa, mesmo
que estes factos não lhe sejam imputáveis (art. 807º nº1), pois é sinal que a coisa não se
encontra onde se deveria encontrar; A obrigação pecuniária (que tem por objeto uma
certa quantia de dinheiro) passa a vencer juros, a contar do dia da constituição da mora
art. 806º nº1; O devedor em mora passa a responder por todos os danos que a falta de
cumprimento causa ao credor art. 804º e 808º; Ao devedor em mora recusa a lei o direito
de obter a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias
vigentes à data da sua conclusão art. 438º. Além disso, se o credor estiver, por seu turno,
obrigado perante o devedor, ele pode, sob determinados pressupostos (art. 847º e ss.),
compensar o seu crédito com a dívida contrária, obtendo assim, a realização prático do
direito que tem à prestação. Se as duas obrigações recíprocas tiverem nascido do
mesmo contrato bilateral e forem o correspetivo uma da outra, qualquer um dos credores
pode compelir o outro a cumprir, recusando a entrega da sua prestação enquanto este
não o fizer (exceção do não cumprimento do contrato art. 428º e ss.). E poderá, em
certos termos, ameaçá-lo com a perda definitiva do crédito q compete a esse contraente,
mediante a resolução do contrato art. 808º nº1, 801º nº2 e 432º e ss. Existem, ainda,
outras soluções que evidenciam este poder do credor: Meios de conservação da garantia
patrimonial, como o arresto (art. 619º), a impugnação paulina (art. 610º e ss.), a sub-
rogação do credor ao devedor (art. 606º e ss.) e a declaração de nulidade (art. 605º).
Dever de Prestar
O dever correlativo de prestar é a necessidade imposta (pelo direito) ao devedor de
realizar a prestação, sob a cominação de sanções.
Garantia
Convém salientar que, para acionar esta garantia, o credor terá de recorrer aos tribunais,
não podendo fazer justiça pelas próprias mãos, uma vez que a lei condena o sistema da
justiça privada. E para o fazer, o credor deverá estar munido de um título executivo10
(documento que constitua o mínimo de prova sobre a existência, a titularidade e o objeto
da obrigação e o não cumprimento do devedor). É com base neste título executivo que
se instaura a execução forçada. O fim da execução consiste em proporcionar ao credor a
realização do interesse que a prestação visava facultar-lhe ou uma satisfação tão próxima
quanto possível desse interesse (indemnização do prejuízo que lhe causa o não
cumprimento).
O património do devedor é a garantia comum dos credores. Isto porque este património
responde igualmente perante todos os credores (comuns), independentemente da data,
do montante, da constituição do crédito ou da natureza da dívida art. 604º.
10Caso não disponha deste documento, o credor terá que principiar por propor uma ação
declaratórias destinada a averiguar a existência e a falta de cumprimento da obrigação e a obter
uma sentença de condenação do devedor.
Há certas relações em que não se verifica a existência de um vínculo jurídico, mas que,
ainda assim, relevam de certa forma e devem ser tidas em conta.
Nesta situação, não estamos perante um contrato, não existe vínculo jurídico: a palavra
pode não ser cumprida, e não poderá ser exigido o seu cumprimento em tribunal.
No entanto, a circunstância de não haver vínculo jurídico não impede que se apliquem
algumas normas jurídicas, ou seja, que até tenha relativa relevância no plano do direito.
Para Menezes Cordeiro, o art. 280º é aplicável, isto é, pode-se chegar à conclusão de
que o acordo de honra é ilícito ou vai contra os bons costumes e, aí, nem sequer como
acordo de honra terá valor.
Nestas relações, há um ato expontâneo que é feito, por exemplo, entre conhecidos,
amigos, parentes ou vizinhos, sem consciência de vinculação jurídica, para agradar,
prestar um favor. Ex: A “aceita” guardar a mala de B, enquanto que este vai fazer um
serviço; A, na ausência de B, oferece-se para regar as suas roseiras.
Há certas relações de cortesia que se assumem como contratos gratuitos. Ex: A, tia de
B, prometeu verbalmente costear todas as despesas do sobrinho na universidade. B
inscreve-se na universidade a contar com o financiamento da tia, mas A acaba por
recusar o financiamento e B vê-se obrigado a anular a sua inscrição. B tem ou não o
direito a exigir o financiamento das despesas por parte da tia? No fundo, quando é que
este acordo passa a ser juridicamente vinculante?
A verdade é que um vínculo jurídico não resulta de qualquer declaração, que se profira de
qualquer forma. Há uma preocupação por parte do legislador em, perante casos como
este, estabelecer a fronteira entre o que é jurídico e o que não é.
Este acordo não poderia ser considerado um contrato-promessa de doação (art. 947º),
pois este exige 1 de 2 requisitos: Ou que haja tradição, e aí não se exige que seja feito
por escrito; Ou que seja feito por escrito, não se exigindo que haja a tradição. Neste caso
concreto, são estes os elementos que o sistema entende que fazem com que a confiança
mereça ser tutelada e que, portanto, o acordo ganhe juridicidade. A gratuitidade não é
sinónimo de falta de juridicidade: pode não haver contra-partida e ter sido, ainda assim,
assumido o vínculo jurídico.
No caso de A e B, B não teria direito a exigir o financiamento das despesas por parte da
tia, visto que não se verificaram nenhuns dos requisitos do art. 947º.
Mas há contratos gratuitos, como o comodato (art. 1129º), o mandato (art. 1157º) e
depósitos gratuitos (art. 1185º), que têm eficácia jurídica: Apesar de terem na sua base
uma relação de cortesia/amizade, são verdadeiros contratos gratuitos juridicamente
vinculantes.
Temos, também, outras situações que, também provendo de relações de cortesia, são
relevantes para o direito. Ex: A convida B para um passar o fim-de-semana na sua casa
de praia e oferece-lhe boleia.
Nota: É preciso ter cuidado e não juridificar em demasia a solidariedade, tendo em conta
os efeitos perversos que esta juridificação pode ter, pois pode acontecer que, exigindo-
se que as pessoas tenham de ser sempre tão cautelosas, pode acontecer que estas
nunca permitam que se lhes confie nada. Este é um problema recorrente na questão da
gestão de negócios (art. 464º), onde há uma intervenção altruísta.
Quando está ausente nas relações de cortesia, mais puras ou com algum significado,
qualquer responsabilidade contratual, restará ao lesado, em certos casos, recorrer à
responsabilidade extracontratual, se bem que há dúvidas quanto ao critério de
apreciação da culpa.
Nas relações de cortesia, há um ato expontâneo, que é feito sem se ter necessariamente
a consciência de vinculação jurídica. Alguém é movido por um espírito de liberalidade, de
estima, de altruísmo, de compromisso social, de modo a que realize uma determinada
prestação como um favor. É esta ideia de favor que a caracteriza. Normalmente, releva,
não no plano do direito, mas sim noutras ordens (social, moral). Isso não quer dizer que
nenhuma declaração que se faça tenha relevância jurídica e que seja sempre necessário
celebrar um contrato. Simplesmente é necessário salvaguardar os requisitos que marcam
ou procuram marcar a passagem da cortesia para o jurídico.
11Não confundir o transporte gratuito com o contrato de transporte gratuito, que também terá
efeitos jurídicos, no domínio contratual.
poderia vir a acontecer e, por isso, há o cuidado de lhe dar uma conotação de acordo de
cavalheiros.
Obrigações Naturais
As obrigações naturais não constituem deveres jurídicos, mas simples deveres morais
ou sociais juridicamente reconhecidos como tais. É possível que se cumpra um dever
moral, mas que este não configure uma obrigação natural: É necessário que o
cumprimento do dever moral ou social se imponha por razões de justiça.
Existe um vínculo jurídico, embora enfraquecido, uma vez que, se o devedor natural não
cumprir, não é possível que se lhe exija judicialmente esse cumprimento. Por outro lado,
esse vínculo jurídico traduz-se na possibilidade de, se o devedor acabar por cumprir, não
poder pedir de volta aquilo que cumpriu.
Ao cumprirmos uma obrigação natural, não estamos a fazer uma doação, desde logo
porque não se trata de um contrato. Além disso, aquilo que preside à doação é a
liberalidade: Quem faz uma doação, fá-lo livremente, não estava obrigado de qualquer
forma a nada. Liberalidade é diferente de dever de justiça.
- Donativos Conformes aos Usos Sociais: Não são obrigações naturais, nem sequer
são considerados doações. Não se verificam características do art. 402º para que haja
obrigação natural, embora possa haver um dever moral ou social que não corresponde
a um dever de justiça art. 940º nº2. Ex: Esmolas na igreja; Ajuda que alguém dá a uma
família que teve a casa incendiada.
Se a dívida for invocada pelo beneficiário, então já estamos perante uma obrigação
natural. A passagem do tempo atenua, fragiliza a garantia da prestação, mas não a
elimina: A dívida ainda está lá e, apesar de não poder ser judicialmente exigida, deve ser
cumprida.
Se o devedor realizar a prestação como devedor natural (art. 304º nº1), ele paga algo que
é devido, e, por isso, não pode vir pedir, mais tarde, a restituição daquilo que foi bem
pago. Não há direito à restituição da prestação.
Ex: A faz companhia B, ajudando-a com tudo, sendo uma espécie de empregada. Entre
A e B estabelecia-se uma obrigação natural de B prestar alimentos a A. B acaba por
falecer num acidente de viação. A requer ao lesante, ou seja, à pessoa que provocou a
morte de B, uma indemnização sob a forma de renda vitalícia ou temporária.
Ex: Um filho, menor de idade, ajuda o pai no seu trabalho, numa oficina. Não existe o
direito de exigir o pagamento de um salário, até porque o pai acaba por costear as
despesas do filho, por força do seu dever familiar. Mas estará o pai obrigado a
compensar o filho?
Existe aqui uma obrigação natural (específica). É um dever de ordem moral ou social art.
1895º nº2.
Ex: Faz-se uma posta em que a equipa que ganhar o jogo tem direito a que a outra lhe
ofereça um jantar.
Os casos enunciados são aqueles previstos legalmente. A doutrina diverge no que toca
à existência de outros casos de obrigações naturais para além deles. Há quem diga que
é necessário que o legislador inclua todos os casos de obrigações naturais no domínio
jurídico, não admitindo a existência de situações não previstas na lei. Por outro lado, há
também quem defenda que, atendendo à definição genérica do art. 402º, existem outras
obrigações naturais, desde que respeitem os requisitos para tal: Ser um dever de ordem
moral e social; Não ser judicialmente exigível; Corresponder a um dever de justiça.
Nestas situações, temos uma obrigação natural que segue o respetivo regime (direito de
retenção). As obrigações naturais não são apenas aquelas que a lei refere12.
- Quando o devedor civil for mal absolvido num processo, ou seja, existia uma dívida
que foi declarada não constituída ou extinta por sentença injusta (baseada em
testemunhos falsos, insuficiência probatória ou errada valorarão judicial) e o devedor
decide, ainda assim, cumprir com a prestação. Se este cumprimento corresponder a
um dever de justiça, então pode ser considerado o cumprimento de uma obrigação
natural.13
O traço mais saliente da distinção entre direitos de crédito e direitos reais assenta no
caráter relativo que têm as obrigações, e a natureza absoluta, que revestem os direitos
reais.
Relatividade Obrigacional14
Os direitos de crédito são relativos. Operam só inter partes, apenas vinculando pessoas
determinadas (ou determináveis), que são os sujeitos da relação. Aquele credor só pode
exigir daquele devedor. Ex: O senhorio só pode exigir a renda do arrendatário.
Os direitos reais são absolutos, têm eficácia erga omnes: Valem contra todos. Podem ser
opostos a todos (coisa que não sucede nos direitos de crédito, que só podem ser
invocados contra aquele devedor).
Esta natureza absoluta dos direitos reais reflete-se num duplo aspeto, ou seja, em 2
características que os direitos de crédito não têm. São estas características a prevalência
e a sequela:
Há, contudo, no sistema jurídico, “marcas externas” dos direitos de crédito, pois estes
podem ser oponíveis a terceiros, em virtude de acordo (art. 413º) ou por força da lei
(art. 1057º). Assim, a relatividade essencial das obrigações não obsta a que a lei
considere excepcionalmente oponíveis a terceiros algumas relações obrigacionais e a
que a relação de crédito, na sua titularidade, consista num direito absoluto e, como tal,
oponível a terceiros (art. 583º nº2, 1225º nº1). Ex: Relação locatícia, sendo de natureza
intrinsecamente obrigacional (art. 1031º, 1032º e 1034º), não deixa de ser oponível (pelo
locatário) ao terceiro adquirente do direito (normalmente de propriedade) com base no
qual o contrato foi celebrado art. 1057º. Se A, proprietário de certo imóvel, o arrendar a B
e, em seguida, o vender a C, o locatário B poderá opor o seu direito (relativo) a C, apesar
de com ele não ter contratado; Promessa de alienação de imóvel ou móvel (sujeito a
registo) que goze de eficácia real. A promete vender certo prédio a B, atribuindo os
contraentes eficácia real à promessa (art. 413º), e, apesar disso, A vende o mesmo
imóvel a C. B continuará a poder exigir de A a realização do contrato prometido, logo que
possa. E, apesar do direito de B ser, na sua raiz e estrutura, de caráter obrigacional, este
pode ser oponível a C, ou a quaisquer posteriores adquirentes da coisa, porque os
efeitos da aquisição da coisa pelo credor (mesmo que ela resulte da execução específica
do art. 830º) retroagem à data do registo da promessa.
O sistema jurídico não dá resposta a tudo e, através dos princípios, que construímos
através da leitura das normas, chegamos às soluções.
Este é um princípio basilar do direito das obrigações, referido nos art. 398º e 405º, e
ainda nos art. 26º nº2 e 61º CRP16. Trata-se do poder que os sujeitos jurídicos têm de
regular os seus interesses. Ex: Autonomia para fazer um testamento, um negócio jurídico,
exercer um direito, constituir uma sociedade.
Dever de Contratar
- Profissões de Exercício Condicionado: O caso dos médicos que não podem, salvo
caso de força maior, recusar a prestação de assistência em situações de urgência, e
que são obrigados a prestar os serviços da sua especialidade, sempre que não haja
outro médico a quem o doente possa facilmente recorrer. Esta imposição (embora com
aplicação menos intensiva) recai também sobre os advogados e solicitadores, e ainda
com os corretores nas operações de bolsa.
- Venda de Bens Essenciais: Embora discutível, parte da doutrina considera que, por
exemplo, a única sala de espetáculos numa cidade ou o único restaurante não podem
recusar a entrada de nenhum cidadão. É ainda referida a venda de produtos
- Venda feita por pais a filhos ou por avós a netos sem o consentimento de outros filhos
ou netos
- Doação a favor das pessoas abrangidas pelas indisponibilidades relativas art. 953º e
2192º a 2198º
Uma zona em que a liberdade contratual está fortemente condicionada é nos contratos
de consumo e nos contratos de adesão.
Chegou-se à conclusão de que o Estado, no interesse coletivo, não pode permitir que a
liberdade contratual se traduza num jogo desleal, em proveito exclusivo do mais forte. Há
uma ideia de defesa do consumidor, que se traduz na intervenção da lei para limitar o
poder que certas empresas têm de lançar mão a meios sedutores e enganosos com
interesse puramente lucrativo, acarretando perigos gravíssimos para os mais frágeis e
expostos.
O conteúdo das CCG é predisposto unilateralmente por uma das partes, e com rigidez,
ou seja, não há qualquer debate prévio com a contra-parte. O aderente não tem a
possibilidade de influir no conteúdo do contrato, o que leva ao risco de ficar
desprotegido, visto que está apenas legitimado para aceitar ou recusar o contrato. Além
disso, seja porque a empresa em causa tem o monopólio da atividade que explora, seja
porque igual atitude é tomada por todas as empresas concorrentes, os aderentes
acabam por ser forçados pelas circunstâncias a aceitar o modelo que de certo modo lhes
é imposto.
Estes tipo de cláusulas não são fruto da liberdade contratual, pois, naturalmente, o
predisponente é considerado mais forte por criar de modo unilateral todas ou quase
todas as cláusulas do contrato, não havendo negociação (ou, havendo, muito pouca).
Por isso, impulsionado pela CEE, o legislador teve de intervir para limitar o poder do
predisponente e proteger o aderente: Aqui surge o DL 466/85 de 25 de outubro.
Capítulo I
Art. 1º
- Define o âmbito de aplicação, através de 3 requisitos: Clausulado que é previamente
elaborado; O aderente não pode influir no conteúdo do clausulado, estando limitado a
aceitar ou recusar; Destinado a nº indeterminado de aderentes.
Capítulo II
A realidade é que um aderente normal não tem disposição nem conhecimentos para
corretamente ler, interpretar e compreender todas as cláusulas contratuais gerais. É
ineficiente estar-se a ler demoradamente, tomando consciência com cuidado de cada
uma das cláusulas que se está a assinar, quando esta leitura não é apelativa.
Art. 5º e 6º
- Este dever, assegurado hoje pela entrega das fichas de informação pré-contratual e
pela entrega de um exemplar do contrato de crédito ao consumo, é completado por
um dever de informação, de esclarecimento do sentido e significado das CCG.
- Todas as questões suscitadas devem ser devidamente esclarecidas. Mas, neste plano
há divergências: Há quem entenda que, mesmo que não tenham sido solicitadas
dúvidas por parte do aderente (e até, mesmo que este mostre achar que
compreendeu), pode-se exigir ao predisponente o dever de chamar a atenção para
pontos que possam ser divergentes ou que possam acarretar um certo risco para o
aderente (Ex: Explicar certas noções jurídicas mais complicadas; Explicar o que são
perdas de benefício do prazo). No entanto, a jurisprudência recente tem dito que
também o aderente tem de se comportar diligentemente, de modo a procurar
compreender o contrato que está a realizar.
Art. 8º e 9º
Capítulo III
Capítulo IV e V
O perigo do desconhecimento não é o único: Ainda que o aderente tenha a informação,
não vai estar muito vocacionado para tomar consciência plena de todos os aspectos que
constam do contrato.
Por isso, o legislador preocupa-se com que o conteúdo do clausulado não seja
desequilibrado ou injusto para o aderente, proibindo certas cláusulas.
- Cláusulas Contrárias à Boa Fé: São proibidas pelo art. 15º, tendo em conta a
concretização do conceito de “boa fé” feita pelo art. 16º17. Aqui, o legislador entendeu
recorrer à boa fé, usando-a como última rede: Pode acontecer que um contrato tenha
uma cláusula que não cabe na lista seguinte de proibições, mas, ainda assim, é
considerada abusiva ou injusta. Esta disposição aplicar-se-á a esses casos e a
cláusula será proibida apesar de não estar prevista especialmente.
- Cláusulas Absolutamente Proibidas: Aquelas que a lei não permite que constem do
contrato art. 18º e 21º.
17Oliveira Ascensão critica este artigo, entendendo de que pouco adianta, pois os seus critérios
não são muito servíreis para concretizar uma possibilidade de proibição de uma cláusula, mesmo
ao abrigo da boa fé. Entende, ainda, que a lei não ajuda suficientemente o intérprete, apesar de
que há muitas decisões jurisprudênciais em que se foi recorrendo a este critério da boa fé.
Reação a Clausulas Proibidas
2. Princípio da Boa Fé
Este princípio, que dialoga com a autonomia privada, é um critério normativo que
acompanha todas as fases da obrigação.
Abuso do Direito
No fundo, só há abuso direito quando o direito existe: A lei, de facto, concede aquela
posição jurídica (o direito ainda pode ser exercido), mas, no caso concreto, ocorrem
circunstâncias especiais que tornam o seu exercício abusivo, excedendo os limites
colocados pelo fim económico-social do direito.
Ex: Senhorio diz que o arrendatário pode estar fora do imóvel durante 3 anos. Isso cria no
arrendatário a expectativa de que, se sair, nada acontecerá. De repente, o senhorio tem
um comportamento contraditório, ao ir a tribunal propor uma ação de despejo. Neste
caso, o senhorio estará vencer contra factum proprium. Tem de haver esta situação de
confiança, com bases sólidas. O arrendatário, ao sair do imóvel, terá feito um
“investimento da confiança”, ou seja, traduziu em atos a sua própria confiança, gerada
2. Neutralização do Direito
Alguém cria na outra parte uma determinada confiança ou expectativa, por exemplo, um
credor cria no devedor a convicção de que não lhe exigirá determinada dívida, e o
devedor acredita, confia. Passa algum tempo e o credor, sem que nada o fizesse prever,
vem pedir o cumprimento da dívida. Este credor age abusivamente e o seu direito deve
ser neutralizado: Apesar do seu direito ainda não ter prescrito e, em teoria, possa invocá-
lo em ação judicial para exigir o pagamento da dívida, não deve poder exercê-lo tendo
em conta as circunstâncias. Neste caso, é o facto de ter criado no devedor a confiança,
aliado ao decurso do tempo que são determinantes. Tem que ver com as expectativas
legítimas decorrentes do não exercício de um direito (pela contraparte) durante um lapso
de tempo razoável.
3. Aquisição do Direito
Vão-se criando expectativas em alguém de que esse alguém irá adquirir um certo
direito.
Ex: A tem uma quinta e faz B crer que lhe irá transmitir essa quinta. B até frequenta
cursos de agricultura. Mas, no entanto, B acaba por não adquirir qualquer propriedade.
Em teoria, são situações em que, em vez de o direito ser neutralizado, será adquirido.
Pode conduzir à aquisição de um direito por força daquele significado do decurso
temporal.
No fundo, trata-se da afirmação do velho princípio de que “ninguém pode recorrer à sua
própria conduta reprovável para fundamentar um direito ou posição jurídica”.
Mais exemplos desta figura de abuso de direito podem ser encontrados nos art. 275º
nº2, 339º nº2, 475º, 525º nº2, 570º e 1033º c).
Ex: Construção que não serve para nada, apenas com o propósito de o vizinho receber
menos luz.
O abuso do direito, sendo uma derivação negativa do princípio da boa fé, concretiza-se
nestas diversas figuras.
A constatação, mesmo oficiosa, da conduta abusiva, pode ter como efeito típico a mera
preclusão do direito, ou seja, a inibição do exercício do direito (Ex: Não é reconhecida
ao credor a tutela preventiva ou extinta pretendidas mas exercidas em ofensa à boa fé),
ou até, dada a ilicitude e a possível presença da culpa (Ex: Na conduta indevida e na
indução à omissão formal), o surgimento de uma obrigação de indemnização, no caso
de se ter revelado danosa.
Este problema tem tido particular expressão no crédito ao consumo, facto à exigência
legal da entrega ao consumidor de um exemplar do contrato.
Mas, a doutrina e a jurisprudência têm admitido, num certo nº de situações, mas a título
excecional, a solução de bloqueio da alegação do vício formal. Chegou-se à
conclusão que a primeira solução (de aplicação da nulidade e indemnização) premiava o
infrator: Alguém que tinha sugerido não formalizar e, ao invocar a nulidade mais tarde,
conseguia o que queria. Assim, a título excecional, tem-se decidido que, verificados os
pressupostos do venire contra factum proprium, quem invoca a nulidade está a agir
abusivamente, e o contrato deve ser considerado como se fosse válido, deve continuar.
Esta doutrina é defendida para “casos bem vincados” por Menezes Cordeiro. Esta
posição é de aplaudir, uma vez que a declaração da nulidade representaria uma solução
intolerável e danosa para um dos contraentes, tendo primazia (na colisão dos valores
certeza e justiça) o respeito pelo princípio da boa fé.
Posto isto, tem-se constatado que há pessoas que, devido à sua fragilidade, merecem
soluções jurídicas mais flexíveis: Certos devedores (Ex: Os devedores em situação
económica difícil, na iminência da insolvência, que têm dificuldade em cumprir as suas
obrigações, terão um tratamento adequado, pois o Código da Insolvência prevê um
processo especial de revitalização); Certos arrendatários (Ex: Sendo despejados e não
tendo local para onde ir, o Código de Deferimento da Desocupação do Imóvel dá-lhe um
tempo para resolverem a sua solução); Vítimas de negócios usuários (Ex: Pessoas que
estão numa situação de carência, necessidade, inexperiência, e que podem levar a que
outros se aproveitem e daí retirem benefícios, são protegidas pelo regime dos negócios
usuários art. 282º)
As vulnerabilidades propriamente ditas têm que ver com a idade (crianças e idosos).
Nestes 2 casos, a tutela existe maioritariamente no plano extracontratual (Ex: Nos
acidentes de viação), mas também no plano contratual.
Área Extra-contratual
Nesta área, não podem deixar de se destacar a vulnerabilidade dos inimputáveis, dos
lesados com certas predisposições agravadoras do dano, dos utentes de certas vias
rodoviárias em obras (verdadeiros consumidores), ou daqueles que têm mobilidade
reduzida (grávidas, cegos, surdos, em cadeira de rodas).
Quando há, por exemplo, atropelamentos destas pessoas, do ponto de vista jurídico, os
casos são tratados numa perspetiva de favorecimento dos lesados.
Direito do Consumo
A atenção do direito privado europeu tem-se centrado nos contratos de consumo.
Os contratos de consumo mais vulgares são: CCV de bens de consumo (DL 67º/2003);
CCV à distância (Ex: Por telefone, computador); CCV fora do estabelecimento comercial
(vendedor porta a porta, regulado no DL 24/14); Contrato de crédito ao consumo (crédito
ao consumo em geral e crédito para habitação, objeto de legislação específica de 2017).
Quem é consumidor?
Há vários conceitos de consumidor: Não são inteiramente iguais. Mesmo os conceitos
vindos da UE não são inteiramente coincidentes.
Partimos do conceito refletido na Lei de Defesa do Consumidor (LDC), o que não impede
que, em cada contrato de consumo, se veja se o conceito coincide.
O que se adquire como bens tem de ser destinado a uso não profissional. Isto leva a 3
interrogações:
- O que acontece quando o bem é adquirido para uma aplicação mista: uso profissional
e uso não profissional (Ex: Advogado compra computador para o escritório, mas
também para uso pessoal)?
- O que acontece quando alguém compra algo para uso pessoal, mas percebe da área
em que está a comprar (Ex: Quem tem uma loja de eletrodomésticos, mas vai a uma
grande superfície comprar uma TV para uso pessoal)? Tem de ocorrer entre uma
empresa, que atua no âmbito do exercício da sua atividade profissional, e um outro
sujeito, que tem de actuar fora do âmbito dos seus conhecimentos especiais
profissionais.
Nota: Não são abrangidos pela lei os contratos entre dois consumidores. Estes contratos
estão sujeitos às normas gerais do CC. Ex: Venda no OLX de uma TV, apesar de ser um
CCV, não é considerado um contrato de consumo.
Mas, além do consumidor, há outras categorias de sujeitos que são consideradas numa
posição de vulnerabilidade.
Ainda nas relações laborais, há uma dependência económica e social. Ainda por cima,
existe um poder de subordinação entre o patrão e o trabalhador: O que está em posição
superior é que decide se, como e quando a outra parte trabalha. Estas circunstâncias
promovem a criação de uma situação desequilibrada.
Esta categoria de contratos foi surgindo por força do trabalho de 2 autores: L. Nogler e
Reifner.
Esta convenção lembra que deve haver uma adaptação e cooperação dos contraentes.
4. Princípio da Proporcionalidade
Menezes Cordeiro considera que este princípio está integrado no princípio da boa fé, ou
seja, que condutas desproporcionadas são condutas abusivas, ligadas de alguma forma
à boa fé. Este autor integra este princípio na modalidade de abuso do direito chamada
“Desequilíbrio no Exercício de Posições Jurídicas”. Não Brandão Proença entende que
este princípio deve ser autonomizado: As condutas das pessoas devem ser moderadas,
os contratos devem incluir cláusulas moderadas, as normas jurídicas devem criar
soluções moderadas. Apela à razoabilidade das condutas, normas e clausulado negocial.
Este princípio não exige que haja um “cálculo matemático”, de forma a que uma
prestação tenha um valor correspondente exato.
Este princípio está presente, tanto na área contratual, como na área extracontratual:
Área Extracontratual
Este princípio manifesta-se na legítima defesa art. 337º. O legislador pede que a nossa
defesa seja proporcionada àquilo que procuramos salvaguardar. Ao defender-me de um
ataque alheio, poderei ter de causar danos a quem me está a agredir: Pede-se
razoabilidade na defesa.
O art. 494º afirma que se provocar um dano com dolo, devo indemnizar mais do que se o
provocar com pouca culpa: Se a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a
indemnização ser reduzida. Ou seja, indemnizar na medida em que se causou. Há aqui
uma adequação do conteúdo indemnizatório em função da gravidade da atuação
culposa.
Área Contratual
A parte contratual ou negocial é mais rica em manifestações deste princípio.
Adequação entre o incumprimento e as consequências art. 802º nº2: Não pode haver
resolução do contrato (que é um mecanismo de reação ao incumprimento grave, uma vez
que leva à extinção do vínculo contratual) em face de um incumprimento com escassa
importância. Portanto, a resolução há de estar ajustada como mecanismo de reação
grave a uma situação de facto de suficiente gravidade para o desencadear.
- Tem que ver com um contrato de empreitada: O empreiteiro é contratado pelo dono da
obra (construção de um muro). Chegou-se à conclusão de que o muro tinha sido mal
construído.
- Está aqui presente a ideia de que quando se procura indemnizar, vai-se optar, em
primeira linha, pela reconstrução natural. Esta ideia resulta do regime de empreitada,
mais especificamente do regime de empreitada de bens de consumo. Deixa de haver
reconstituição natural quando esta for desproporcional, mas isso não acontece neste
caso.
- Não existe desproporção se, numa empreitada com o preço de 2238€, a reparação
dos defeitos ascende a 4500€, se o dono da obra em nada contribui para a
verificação desses defeitos, e se não se prova grave afetação económico-financeira
do empreiteiro.
Quando o devedore não cumpre a obrigação, é o seu próprio património que vai
responder por esse incumprimento art. 601º e 817º. Não é possível, hoje em dia, atuar
sobre a pessoa do devedor ou sobre os seus familiares.
Este princípio relaciona-se com a fragilidade dos direitos de crédito: Os credores, além
de estarem dependentes do cumprimento ou não cumprimento por parte dos devedores,
também estão dependentes do maior ou menor património dos devedores.
É evidente que o credor pode ver reforçada ou privilegiada a sua posição mediante
cláusulas protetoras (Ex: Cláusula penal; Cláusula resolutiva; Exigência de garantias
especiais).
6. Princípio da Heterorresponsabilidade
O princípio vale mais para a área extracontratual, mas se pudermos defender que
também existe autonomamente uma responsabilidade contratual, então valerá para os 2
campos. É duvidoso que exista uma autónoma responsabilidade obrigacional.
Este princípio diz: Somos livres, temos capacidade de agir e não agir. Mas, a partir do
momento em que esta capacidade cause danos a outros, poderemos ser
responsabilizados.
- Responsabilidade por Factos Ilícitos: Conduta ilícita e culposa art. 483º. Se causar
danos, é-se responsabilizado, o princípio entra em funcionamento. Também referida
como responsabilidade subjetiva, uma vez que assenta na culpa: Há uma
censurabilidade do comportamento do agente, que podia e devia ter ateado de modo
diferente. Estamos perante um agir consciente e voluntário que não respeita os
círculos de domínio e de autonomia dos outros, abrindo zonas de conflito que é
preciso remover com a tutela indemnizaria (art. 562º e 566º). Ex: Ao atropelar alguém
por distração ou excesso de velocidade, responder-se-á pelos danos causados.
- Responsabilidade pelo Risco: Também chamada de responsabilidade objetiva, pois é
independente de culpa. O agente vai responder mesmo que não tenha agido com
culpa, mesmo que o resultado não lhe seja subjetivamente imputável. É uma
responsabilidade taxativa, sujeita a um numerus clausus, pois é necessário que o ato
em questão seja um daqueles que o legislador liga a esta responsabilidade. Há certas
situações que estão previstas no CC e outras em diplomas avulsos. Tem a sua razão
no facto de haver certas atividades suscetíveis de agravar aquilo que se assume como
um risco geral de vida: Quem aproveita essas atividades deve responder pelos danos
causados; Onde estão os benefícios, também devem estar os sacrifícios e
inconvenientes. Ex: Alguém que atropela um peão sem culpa, porque os travões do
carro não funcionaram. Se o peão não tiver culpa, então essa pessoa responderá.
- Responsabilidade por Factos Lícitos: São hipóteses taxativas em que a pessoa está
autorizada a praticar determinados atos, mas, se causar danos, terá de responder por
eles. Não está no domínio do risco, mas sim das atuações lícitas, autorizadas por lei.
Praticamente todos os casos estão nos direitos reais (a lei permite ao proprietário fazer
algo mas, se causar danos aos vizinhos, terá de os suportar). Menezes Cordeiro
chama esta responsabilidade de “imputação pelo sacrifício”. Ex: Pode-se estragar uma
coisa para poupar uma vida art. 339º nº2; Enxame de abelhas art. 1229º
7. Princípio da Autorresponsabilidade