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1. Conceito de obrigação
1. A obrigação em sentido técnico
O termo obrigação é utilizado, tanto na linguagem corrente como na literatura jurídica, em vários
sentidos. É necessário distinguir obrigação em sentido técnico de certas figuras próximas:
Dever jurídico: é a necessidade imposta pelo direito a uma pessoa de observar certo
comportamento, que visa a protecção de um interesse alheio, sancionado pelo ordenamento
jurídico com a cominação de uma sanção. Ao dever jurídico corresponde um direito
subjectivo, que é o poder conferido pela ordem jurídica a certa pessoa de exigir
determinado comportamento de outrem, como meio de satisfação de um interesse próprio
ou alheio. Os deveres jurídicos são uma categoria bastante mais ampla que os deveres de
prestação correspondentes às obrigações, incluindo deveres de carácter:
Geral: situações de vinculação de uma pessoa a um comportamento genérico (como
sucede nos deveres gerais de abstenção, correspondentes aos direitos reais);
Especial: situações de vinculação de uma pessoa a uma conduta específica, como sucede
nas obrigações.
ii) Sujeição: a sujeição traduz-se na situação inelutável de uma pessoa ter de suportar na sua
própria esfera jurídica a modificação a que tende o exercício do poder conferido a uma
outra pessoa. Constitui o contrapolo dos direitos potestativos, que se traduzem no poder
conferido a uma pessoa de, mediante acto unilateral, criar, modificar ou extinguir uma
relação jurídica com outra pessoa.
iii) Ónus: o ónus consiste na necessidade de observância de certo comportamento, não por
imposição da lei, mas como meio de obtenção ou de manutenção de uma vantagem para o
próprio onerado.
iv) Direitos-deveres ou poderes funcionais: são direitos conferidos no interesse, não do titular
ou não apenas do titular, mas também de outra ou outras pessoas e que só são
legitimamente exercidos quando se mantenham fiéis à função a que se encontram adstritos.
Qual, então, o conceito de obrigação em sentido técnico? O art. 397.° dá-nos uma definição: “é o
vínculo jurídico pelo qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação”,
por outras palavras, diz-se obrigação a relação jurídica por virtude da qual uma pessoa pode exigir
de outra (ou outras) a realização de uma prestação. Ao direito subjectivo de um dos sujeitos
corresponde o dever jurídico de prestar, caracterizando-se este dever por ser imposto no interesse de
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determinada pessoa e por ter como objecto uma prestação. A prestação é assim a conduta a cuja
realização uma pessoa se vincula perante outra e mediante a qual dá satisfação aos interesses desta.
A obrigação em sentido técnico abrange por isso a relação no seu conjunto, que é composta, no lado
activo, pelo crédito e, no lado passivo, pelo débito.
Todavia, o art. 397.° dá-nos uma visão simplista da relação obrigacional, olhando apenas para os
direitos e deveres que a integram (na compra e venda, dever jurídico do vendedor da entrega da
coisa devida e correlativo direito subjectivo do comprador de exigir a entrega). A intenção do
legislador terá sido a de descrever a estrutura da obrigação, através de um modelo explicativo pouco
complexo. Mas a verdade é que há outros direitos e deveres que integram a relação jurídica
obrigacional ab initio (dever jurídico do comprador de entregar o preço e direito subjectivo do
vendedor a exigir o preço); e sobretudo esta pode sofrer ao longo da sua vida várias vicissitudes, o
que faz nascer novas figuras jurídicas no seu seio. Para expressar a ideia de que a obrigação, na sua
acepção mais ampla, compreende todos os poderes e deveres que se vão constituindo no seio da
relação, LARENZ defendia a concepção da obrigação como uma estrutura ou um processo.
A relação jurídica em geral diz-se simples quando compreende o direito subjectivo atribuído a uma
pessoa e o dever jurídico ou estado de sujeição correspondente; e complexa quando abrande o
conjunto de direitos e de deveres ou estados de sujeição nascidos do mesmo facto jurídico. Assim,
falamos da relação jurídica obrigacional complexa ou em sentido amplo para designar o conjunto
de vínculos jurídicos que nasce do mesmo facto e se conexiona tendo em vista a mesma unidade de
fim.
Que vínculos são estes? Podemos encontrar deveres jurídicos, ónus e sujeições. Dentro dos deveres
jurídicos, temos:
1. Deveres de prestação:
a. Deveres primários ou principais: são todos aqueles que surgem com o nascimento do
vínculo obrigacional, sem necessidade de ocorrência de um qualquer evento, e
qualificam a relação obrigacional como uma relação típica. Exemplo: a entrega da
coisa vendida, por parte do vendedor, e a entrega do preço, pelo lado do comprador -
arts. 879.°, a) e b).
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- Deveres de conduta
Apesar de estes deveres de conduta estarem espalhados pelo Código Civil e legislação avulsa, estes
decorrem hoje genericamente do princípio da boa fé, art. 762.°, que impõe a ambas as partes um
padrão de conduta segundo o qual estas devem agir com honestidade, correcção e lealdade. Estes
deveres são mais frequentes no caso das relações obrigacionais duradouras e, dentro destas,
naquelas que comprometam especialmente a personalidade dos contraentes (ex: contrato de trabalho
ou de sociedade).
A doutrina tradicional negava a estes deveres a qualidade de verdadeiros deveres jurídicos, posto
que não são dotados de coercibilidade. Esta ideia está hoje completamente ultrapassada, com
fundamento em dois argumentos: há casos de incumprimento de deveres de conduta em que se pode
intentar uma acção; e há casos de deveres jurídicos em que não se pode exigir o seu cumprimento. A
doutrina tem vindo a desenvolver esta ideia, identificando os deveres de conduta mais comuns:
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Existem relações obrigacionais sem deveres de prestação, onde apenas existem deveres de conduta
que,
quando violados, dão origem a outros deveres secundários, como o dever de indemnizar.
1. Relação obrigacional de negociações contratuais: quando as partes se encontram e preparam
uma negociação, gera-se entre elas uma relação especial que fundamenta o aparecimento de
determinados deveres de conduta. Nomeadamente, existe um dever de protecção quanto aos
bens jurídicos envolvidos no negócio. A violação destes deveres pode gerar
responsabilidade pré- contratual, art. 227.°. A doutrina tem tipificado os casos que dão
origem à responsabilidade pré- contratual:
Ruptura abusiva de negociações: se uma das partes romper as negociações sem qualquer
fundamento, isto gera responsabilidade pré-contratual, que pode gerar a obrigação de
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No entanto, o regime geral das obrigações não pode deixar de sujeitar a desvios impostos pela
natureza especial dos vínculos que precedem as relações não autónomas. Alguns destes desvios
estão expressamente consagrados na lei, de que são exemplos:
A possibilidade de o comproprietário se eximir a obrigação de participar nas despesas da
coisa comum, renunciando ao seu direito a favor dos credores (art. 1411.°/1);
A variabilidade do objecto da obrigação alimentícia (art. 2012.°);
A indisponibilidade e impenhorabilidade do direito a alimentos (art. 2008.°/1 e 2);
A separação de patrimónios ligada à satisfação de encargos da herança (arts. 2070.° e
2071.°).
Fora dos desvios previstos na lei, o regime geral das obrigações poderá ainda sofrer outras
derrogações, sempre que se demonstre que a origem da obrigação não autónoma ou o seu fim não se
compaginam com a solução prescrita.
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Só o credor tem direito à prestação, e esta só do devedor pode ser exigida - a obrigação tem
carácter relativo (ao contrário dos direitos absolutos, como os direito reais e de personalidade),
vinculando apenas determinadas pessoas.
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ii) Pode haver situações de sujeito activo indeterminado. Em princípio, a lei não admite
situações de sujeito passivo indeterminado. Todavia, certos autores admitem esta
possibilidade - são as obrigações ambulatórias (exemplo: obrigação de os condóminos
contribuírem para as despesas de um determinado prédio, que mudam quando mudam os
condóminos).
A permanência dos sujeitos originários do vínculo não é, no direito moderno, condição essencial à
persistência da obrigação. Assim, encontramos situações de modificação subjectiva da relação
creditória - sucessão. A obrigação como que se desloca do património de uma para o de outra
pessoa, ao contrário do que sucede na novação (arts. 857.° e segs.), que implica a constituição de
uma nova obrigação em substituição da antiga. Podemos ter vários tipos de transmissão.
Do lado activo:
Cessão de créditos, arts. 577.° e segs.: é um negócio através do qual o credor cede o seu
crédito sem necessidade de autorização do devedor.
Sub-rogação, arts. 589.° e segs.: ocorre quando um terceiro, como o fiador, paga em vez
do devedor e a lei o investe, em virtude do pagamento efectuado, na posição do
credor.
2. Do lado passivo:
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Para além destes casos, encontramos ainda o da cessão da posição contratual, arts. 424.° e segs:
toda a posição contratual, incluindo direitos e deveres, se transmite, o que exige igualmente o
consentimento do credor.
2. Objecto
Tendo em vista principalmente as obrigações com prestação de coisa, os autores distinguem entre:
Objecto imediato: consiste na actividade devida, ou seja, no comportamento do devedor -
entrega da coisa, restituição, etc.
Objecto mediato: consiste na coisa sobre que versa o comportamento, ou seja, no objecto da
prestação.
Prestação de coisa
Modalidades
A prestação de coisa consiste na entrega ou restituição de uma determinada coisa, que constitui o
objecto mediato da prestação. Encontramos três modalidades:
Prestação de dar: a prestação visa constituir ou transferir um direito real definitivo sobre a
coisa. Há certos casos em que o domínio ou a constituição de um direito real depende, por
força da lei ou da convenção das partes, do acto de entrega da coisa. Exemplos típicos de
prestação de dar são: a entrega da coisa feita pelo mutuante ao mutuário (art. 1144.°); a
prestação de coisa feita pelo mandatário ao mandante (art. 1181.°/1); e a entrega da coisa ao
legatário feita pelo sucessor onerado nos casos previstos no art. 2251.°/2.
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Prestação de entregar: consiste na entrega de determinada coisa quando vise apenas transferir a
posse ou detenção dela, para permitir o seu uso, guarda ou fruição. É exemplo a obrigação
do locador de entregar ao locatário a coisa locada (art. 1031.°/1).
Prestação de restituir: ocorre quando através dela o credor recupera a posse ou detenção da
coisa, ou o domínio sobre coisa equivalente, do mesmo género e qualidade. São exemplos: a
obrigação do locatário de restituir a coisa locada findo o contrato (art. 1038.°/i)); a
obrigação do comodatário de restituir a coisa comodada (art. 1135.°/h)); e a obrigação do
mutuário de restituir coisa equivalente, do mesmo género e qualidade (art. 1142.°).
A prestação de coisa pode também ter por objecto coisas futuras, possibilidade expressamente
admitida pela lei no art. 399.° (em especial para a compra e venda, arts. 380.° e 383.°). O art. 211.°
define coisa futura numa acepção ampla, abrangendo:
Coisas que ainda carecem de existência física;
Coisas já existentes, mas que ainda não existem na esfera jurídica do disponente ao tempo da
declaração negocial.
O intuito prático desta disposição legal é o de sujeitar os actos de disposição relativos a coisa não
pertencente ao disponente, mas que este conta vir a adquirir em momento posterior, ao regime dos
negócios sobre bens futuros e não ao da venda de coisa alheia. É o que se passa na compra e venda:
a venda de bens alheios pode ser tratada como venda de bens futuros se as partes tratarem a coisa
como um bem futuro - art. 893.°.
Para fixar o regime da prestação da coisa futura é necessário conhecer a vontade das partes que está
na base da constituição da obrigação. Assim, quando a coisa futura, contra a expectativa dos
contraentes, não chega a existir ou vem a ser criada em quantidade inferior, por causa não imputável
ao devedor...
Em princípio, a obrigação extingue-se total ou parcialmente, ficando o credor desonerado da
contraprestação - arts. 795.°/1, 880.°/1 e 793.°/1.
Se, porém, as partes tiverem atribuído ao contrato carácter aleatório, ou seja, se tiverem
negociado a própria chance da prestação, o risco da não existência definitiva da coisa corre
por conta do credor e o contrato é válido. O credor tem de pagar o preço ainda que não se
verifique a transmissão dos bens - art. 880.°/2.
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Prestação de facto
Modalidades
As prestações de facto são aquelas cujo objecto de esgota num facto, ou seja, num comportamento
do devedor. A prestação de facto pode ser:
Prestação de facto positiva: o comportamento a que está adstrito o devedor é um facere, uma
acção. São prestações de facto positivas típicas a do mandatário na do contrato de mandato
ou a do trabalhador no contrato de trabalho. Por outro lado, assumem especial configuração
as prestações de facto positivas emergentes dos contratos-promessa (arts. 410.° e segs.) e
dos pactos de preferência (arts. 414.° e segs). As prestações de facto positivo podem ser:
Obrigações de facto material: por exemplo, a realização de uma empreitada (art. 1027.°)
Obrigações de facto jurídico: por exemplo, a emissão de uma declaração de vontade.
ii) Prestação de facto negativa: traduz-se num non facere, ou seja, numa abstenção, omissão
ou mera tolerância. Dentro desta categoria, podemos ter duas variantes distintas.
Obrigação de abstenção (em sentido estrito): o devedor compromete-se apenas a não
fazer, ou seja, a não praticar certos actos (por exemplo, não abrir estabelecimento de
determinado ramo de comércio).
Obrigação de tolerância: o devedor compromete-se a tolerar que o credor pratique actos
a que, de contrário não teria direito. É exemplo a obrigação do locatário de
consentir, nos termos do art. 1038.°/e), a realização das reparações urgentes do
prédio.
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A prestação diz-se fungível quando pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem
prejuízo do interesses do credor.
A prestação diz-se infungível no caso de o devedor não poder ser substituído no cumprimento
por terceiro. São as obrigações a que ao credor não interessa apenas o objecto da prestação,
mas também as qualidades pessoais do devedor, como a sua habilidade ou conhecimentos
específicos.
A distinção entre prestações fungíveis e infungíveis coloca-se no âmbito das prestações de facto. As
prestações de coisa são, em regra, fungíveis, quer a coisa seja fungível, quer seja infungível (art.
207.°): é indiferente, para o credor, quem entrega a coisa.
A regra, no Direito Civil, é a da fungibilidade, art. 767.°/1: “a prestação pode ser feita tanto pelo
devedor como por terceiro”. Todavia, o n.° 2 ressalva duas excepções:
i) Infungibilidade convencional: casos em que expressamente se tenha acordado que a prestação
deva ser feita pelo devedor.
ii) Infungibilidade natural: casos em que a substituição prejudique o credor. Isto sucede quando
há interesses especiais do credor que para tal concorram ou quando há uma relação especial
de confiança que possa ser posta em causa.
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Para além destes casos de infungibilidade, temos ainda a infungibilidade relativa, que ocorre
quando a substituição do devedor é possível, ainda que apenas em determinadas direcções
(exemplo: escolhe-se um cirurgião A, mas admite-se que este possa ser substituído pelo B ou C).
Esta distinção reflecte-se ao nível do regime jurídico das obrigações, em dois aspectos.
Regime da impossibilidade de cumprimento: a fungibilidade da prestação interessa à questão de
saber quando é que a impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa, por equiparação
à impossibilidade objectiva, a extinção da obrigação - art. 791.°. No regime da
impossibilidade de cumprimento, distingue-se entre impossibilidade objectiva e subjectiva.
Impossibilidade objectiva: ocorre quando a prestação se torna irrealizável quer pelo
devedor, quer por qualquer outra pessoa. Nos termos do art. 790.°, quando há uma
impossibilidade objectiva não imputável ao devedor, a obrigação extingue-se.
Impossibilidade subjectiva: a impossibilidade é relativa à pessoa do devedor, isto é, em
si mesma a prestação mantém-se possível, apenas não pode ser realizada pelo
devedor. O art. 791.° diz-nos que, quando a prestação é fungível, a obrigação não se
extingue; todavia, sendo infungível, como o devedor não se pode fazer substituir por
terceiros a impossibilidade subjectiva tem os mesmos efeitos que a objectiva - a
extinção da obrigação.
ii) Regime do incumprimento:
No caso das prestações fungíveis: tratando-se de uma prestação fungível, pode o credor
requerer, no processo de execução, que o facto seja prestado por terceiro à custa do
devedor - art. 828.°.
Se a prestação for infungível, não faz sentido a substituição por terceiro, logo o credor
apenas pode exigir o cumprimento do devedor (art. 817.°) e, na hipótese de este não
cumprir, terá de contentar-se com a indemnização do prejuízo resultante do não
cumprimento. Também pode ser fixada, nestes casos, uma sanção pecuniária
compulsória.
A sanção pecuniária compulsória está prevista no art. 829.°-A, limitando-se o seu âmbito de
aplicação às prestações de facto infungíveis - algo criticado pela doutrina, uma vez que se deveria
aplicar às obrigações em geral. A previsão da sanção pecuniária compulsória para as prestações
infungíveis justifica-se pois como o devedor não pode ser substituído sem prejuízo do credor, a lei
não encontra outra forma de satisfazer o interesse do credor interessado no cumprimento. A sanção
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i) Efeitos da resolução:
a. Quando estejam em causa obrigações duradouras em sentido restrito, a resolução do
contrato não abrange, em princípio, as prestações já efectuadas - art. 434.°/2 e 277°/
1.
Isto é assim não porque seja materialmente impossível dar-lhe eficácia retroactiva,
mas porque as obrigações se encontram idealmente ligadas às diversas fracções de
tempo, em que é possível dividir a sua duração, gozando assim as prestações já
efectuadas e as que devem ser realizadas no futuro de uma certa independência entre
si. Por outro lado, algumas das prestações realizadas podem constituir o
correspectivo de benefícios irreversíveis pela contraparte.
b. Tratando-se de obrigações fraccionadas, a resolução tem eficácia retroactiva,
abrangendo em princípio todas as parcelas da prestação, incluindo as já efectuadas.
ii) Consequências do não cumprimento:
Nas obrigações fraccionadas, o não cumprimento de uma das prestações leva ao
vencimento antecipado de todas as outras (art. 781.° e 934.°), precisamente porque a
formação ou constituição destas não está dependente do decurso do tempo. Falamos
aqui em perda do benefício do prazo: as partes fixam um prazo mais amplo para o
pagamento, em benefício do devedor; deixando este de pagar uma das prestações,
isto origina uma quebra de confiança, legitimando a perda do benefício do prazo.
Nas obrigações duradouras em sentido restrito, não existe um crédito formado em
relação às prestações futuras, logo o art. 781.° não se aplica. A falta de pagamento
poderá dar ao senhorio o direito de indemnização previsto no art. 1041.°/1, mas não
lhe confere o direito de exigir imediatamente o pagamento das rendas
correspondentes aos meses futuros.
Existe uma regulamentação especial, quanto aos efeitos do não cumprimento, para o contrato de
compra e venda a prestações - art. 934.°. Em princípio, o legislador não admite a resolução do
contrato de compra e venda, dado que este é um contrato com eficácia translativa e a resolução tem
efeitos retroactivos - se com a resolução a propriedade se transferisse novamente para o credor, isto
levaria a insegurança no tráfego jurídico. Apenas se admite a resolução do contrato de compra e
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venda quando as partes apuserem ao contrato uma cláusula de reserva de propriedade, que impede
a transferência da propriedade no momento da celebração do contrato, ou seja, esta cláusula é
condição de resolução do contrato de compra e venda. Não havendo cláusula de reserva de
propriedade e não se podendo resolver o contrato, o credor pode optar pelo vencimento antecipado
(a resolução e o vencimento antecipado são caminhos alternativos).
Todavia, se nos termos do art. 781.° basta a falta de uma prestação para se poder exigir o
vencimento antecipado, na compra e venda o legislador dá mais uma oportunidade ao devedor: se a
prestação não cumprida não for superior a 1/8 do preço (valor a partir do qual o legislador entende
haver prejuízo para o credor), o devedor tem mais uma oportunidade para pagar. Assim:
Estando apenas uma prestação em falta ou esta for inferior a 1/8 do preço, o vendedor nada
pode fazer.
Se houver mais do que uma prestação não cumprida ou, havendo apenas uma, esta seja
superior a 1/8 do preço, o credor pode:
Lançar mão da resolução, havendo cláusula de reserva de propriedade;
Exigir o vencimento antecipado.
iii) Estando em falta duas prestações, qualquer que seja o seu montante, há direito à resolução
ou vencimento antecipado. Esta é a opinião do curso apesar de não haver unanimidade na
doutrina, uma vez que a ratio deste preceito é a de dar mais uma oportunidade ao devedor e,
na falta de duas prestações, a quebra de confiança é demasiado grande para ser tutelada.
Para que a obrigação se constitua validamente, a prestação deve obedecer a determinados requisitos
- possibilidade, licitude e determinabilidade. Porém, em tempos os autores discutiram se também
não se deveria incluir, nestes requisitos de validade da obrigação, a patrimonialidade. Nestes
termos, a patrimonialidade da prestação aferia-se, segundo uns, pelo interesse do credor, que tinha
de ser de carácter patrimonial; ou, segundo outros, pela própria prestação, que necessitava de
possuir valor económico, de ser susceptível de avaliação pecuniária.
Os autores que defendiam a patrimonialidade da prestação argumentavam para tal com a execução
forçada do património do devedor, que só é possível se a prestação tiver valor pecuniário. Todavia,
a execução forçada não se propõe necessariamente obter a realização coactiva da prestação (pode
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servir para compensar o credor dos danos causados pelo incumprimento da obrigação -
indemnização por equivalente); e a execução não é a única forma através da qual se pode revelar a
coercibilidade do dever de prestar, embora seja a mais importante (encontramos também a execução
específica, a acção directa, o emprego de outros meios coercitivos como a resolução do contrato, a
aplicação das sanções pecuniárias compulsórias, o recurso aos procedimentos cautelares, etc.).
A doutrina responde hoje em sentido afirmativo à questão da validade das obrigações de prestação
não patrimonial, com fundamento na protecção que merecem alguns deveres de conteúdo não
patrimonial estipulados entre as partes e na função disciplinadora da vida social atribuída ao direito,
que não se pode confinar aos valores de pura expressão económica. A própria lei responde
exemplarmente a esta questão no art. 398.°/2: “a prestação não necessita de ter valor pecuniário,
mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de protecção legal”. Não se exige a
patrimonialidade, mas apenas:
Que a prestação corresponda a um interesse real do credor;
ii) Que esse interesse seja digno de protecção legal.
Nas prestações patrimoniais, não se levantam quaisquer dúvidas quanto à sua validade; nas
restantes, para que sejam válidas, estes dois critérios terão de ser respeitados e explicitados. Com a
imposição destes dois requisitos, a lei quis afastar as prestações que correspondam a um mero
capricho do credor, e excluir as prestações que, podendo ser dignas de outros complexos normativos
como a religião ou a moral, não merecem a tutela do direito.
A obrigação é ainda um valor do património do credor - mesmo antes de a prestação debitória ser
exigida ou efectivamente realizada, já o poder jurídico do credor, economicamente considerado,
representa um elemento actual do seu património. O valor patrimonial do crédito assenta na
expectativa do cumprido, reforçada pelas garantias geral e especiais. Através do poder de
disposição, o credor pode utilizar o valor económico do seu direito, quer como objecto de alienação
ou oneração, quer como instrumento de crédito. O crédito é, por conseguinte, um objecto do
comércio jurídico como qualquer outro direito patrimonial.
Ao longo dos tempos, os autores foram elaborando várias teorias sobre a natureza jurídica da
obrigação.
A obrigação como poder do credor sobre a pessoa do devedor. Elaborada por Savigny como uma
reacção contra as teorias que, rompendo com a orientação clássica, pretendiam deslocar o centro de
gravidade da obrigação para o património do devedor, na linha desta concepção a obrigação é uma
forma especial de propriedade do credor, não sobre toda a pessoa do devedor, mas sobre um dos
seus actos. Esta tese é facilmente rejeitada:
Desde logo, esquece a vontade do devedor que, embora sujeita a medidas coercitivas, assume
um valor decisivo na obrigação - é o instrumento essencial de ligação entre o direito do
credor e a prestação a que o devedor se encontra adstrito.
Não dá nenhuma explicação lógica para o poder de agressão do património do devedor.
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2) A obrigação como poder do credor sobre os bens do devedor. Numa posição diametralmente
oposta da anterior, os autores consideram a obrigação como um poder do credor sobre os bens ou
património do devedor. Não fará sentido falar de um direito do credor à prestação, uma vez que esta
depende da vontade do devedor; assim, a essência da obrigação só se revela quando há
incumprimento, através dos meios coercitivos facultados ao credor. Esta doutrina também não se
encontra isenta de críticas, confundindo a substância da prestação com as medidas subsidiariamente
cominadas para o caso do não cumprimento:
Este conceito deixa de fora a grande massa de obrigações que nascem, vivem e se extinguem
sem necessidade de recorrer à acção creditória. Desde logo, não abrange as obrigações cuja
prestação consiste num facere ou num non facere - como a prestação carece de valor
pecuniário, não há quaisquer bens no património do devedor sobre os quais incida o direito
do credor.
Mesmo nas próprias obrigações de dar, entregar ou constituir não se pode falar num poder do
credor sobre os bens do devedor, uma vez que, para que assim fosse, este teria de se traduzir
num direito directo e imediato sobre a coisa, com os atributos da preferência e sequela.
Todavia, o credor sofre a concorrência de todos os outros credores na execução do
património; e, se o devedor alienar a coisa devida, o credor não pode reivindicá-la do
terceiro adquirente, posto que o seu direito é relativo.
3) A obrigação como relação entre patrimónios. Esta doutrina explica-se como uma reacção contra
a tese que via na obrigação um vínculo de sujeição pessoal do devedor, vendo antes na obrigação
uma relação entre patrimónios - quando se constitui a obrigação, o devedor efectuaria uma
alienação de bens do seu património, cuja eficácia fica apenas dependente da faculdade que ele tem
de resgatar os valores alienados mediante o cumprimento voluntário da prestação. Estes autores
exageraram o alcance do fenómeno da despersonalização e, para além das críticas à posição anterior
que são também aqui válidas, pode dirigir-se ainda as seguintes críticas:
Ao reduzir a obrigação a um nexo entre dois patrimónios, não atende a que esta, como toda a
relação jurídica, postula a existência de dois sujeitos. São os sujeitos quem dispõe dos
meios de tutela concedidos pelo direito.
execução. A novidade desta doutrina está no facto de conceber estes dois momentos como duas
relações distintas, autónomas entre si, argumentando para tal com algumas figuras especiais em que
se verifica esta separação (ex: obrigações naturais e dívidas condicionais ou futuras, asseguradas
por fiança ou por garantia real). Apreciação crítica desta doutrina:
A relação obrigacional deve ser concebia como unitária e não como fraccionada. Aqueles casos
especiais invocados falham em comprovar o desmembramento da obrigação: por exemplo,
as obrigações naturais não são verdadeiras obrigações jurídicas. A responsabilidade não se
pode constituir sem uma dívida, ainda que futura ou condicional, em vista do qual ela se
forma; e a responsabilidade não persiste depois de extinto o débito.
Esta tese, ao limitar o crédito ao dever de prestar do devedor, reduz o direito à prestação do
credor a uma simples expectativa. Todavia, a interpelação do devedor tem o sentido de uma
exigência, feita sob a cominação dos meios coercitivos predispostos pela ordem jurídica
para a tutela da obrigação. Esta doutrina desloca o direito de crédito para a relação de
responsabilidade, identificando-o com o direito de agressão do património do devedor, o
que equivale a confundir a substância da obrigação com os meios acessórios que a tutelam.
5) Teoria clássica: a obrigação como direito pessoal e como relação unitária. A teoria clássica,
adoptada por ANTUNES Varela, é aquela que reconduz a essência da obrigação a um
comportamento pessoal do devedor, ou seja, a acção ou omissão a que este está adstrito. Para além
disto, a relação obrigacional é também uma relação unitária, ou seja, que envolve todas as facetas
que reveste o poder do credor e, correlativamente, o dever do obrigado numa unidade ontológica.
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1.1 Carácter absoluto dos direitos reais e carácter relativo das obrigações
O traço mais saliente da distinção assenta no carácter absoluto dos direitos reais, por um lado, e no
carácter relativo das obrigações, por outro.
Dizer que os direitos reais revestem carácter absoluto significa dizer que valem erga omnes - o
titular do direito real pode afastar todos os restantes membros da colectividade jurídica, ficando
estes com uma obrigação de não ingerência
Por seu turno, os direitos de crédito operam apenas inter partes, vinculando pessoas determinadas
ou determináveis - em regra, o credor e o devedor.
Do carácter absoluto dos direitos reais decorrem importantes consequências - o direito de
preferência o direito de sequela.
Nos direitos de crédito, a regra é a de que os credores têm de sofrer o concurso dos restantes,
executando o património do devedor no peso relativo de cada um dos créditos - art. 604.°. Isto
significa que não se dá qualquer prioridade jurídica aos credores anteriores. Podemos no entanto
encontrar uma excepção:
Direitos pessoais de gozo: o art. 407.° parece estabelecer a prevalência ou preferência, uma vez
que afirma que, se sobre a mesma coisa se celebrarem contratos que confiram aos
Dto Obrigações DS 21
respectivos credores direitos pessoais de gozo (direito de gozar a coisa alheia mas sem
carácter real, como o arrendamento, comodato, etc.) prevalece o mais antigo tendo em conta
a data de celebração - protecção possessória contra terceiros. Todavia, há interpretações
diferentes deste artigo. Como categoria mista entre os direitos reais e de crédito, os direitos
pessoais de gozo pressupõem para a sua constituição duas fases - uma meramente creditória,
desde o momento de celebração do negócio até à entrega da coisa (apenas se tem o direito
de exigir a entrega); e outra que se inicia com a entrega da coisa. Assim, certos autores
entendem que a entrega da coisa é que confere prioridade jurídica, é este momento que
conta. Qualquer que seja a solução, mesmo que entendamos que pela simples celebração se
adquire um direito pessoal de gozo e que em matéria destes direitos vigora o princípio da
prevalência, esta regra será sempre uma excepção.
2) Direito de sequela: o direito de sequela é o poder do titular do direito real de perseguir a coisa,
ou seja, a faculdade conferida ao titular de fazer valer o seu direito sobre a coisa, mesmo estando no
domínio material ou jurídico de outra pessoa. Este direito manifesta-se de forma diferente nos
vários tipos de direitos reais.
Direito de propriedade: este poder manifesta-se através da acção de reivindicação, expoente
máximo da ideia de sequela. Se o proprietário se vir privado da coisa, pode lançar mão desta
acção para a recuperar, não só na propriedade, mas também direitos reais limitados.
Direitos reais de aquisição: neste direitos, que são direitos legais de preferência, em
determinados casos a lei confere direito de preferência a determinados sujeitos -
arrendatário, comproprietário, etc. Como se manifesta aqui a sequela? A e B são senhorio e
arrendatário e A decide alienar o prédio, pelo que B tem um direito legal de preferência. E se
A vender a C sem dar conhecimento a B (notificação da preferência)? Há aqui violação do
direito de preferência e B pode lançar mão da acção de preferência, art. 1410.°, para se
substituir na posição de C, pagando os valores entregues pelo comprador.
Direitos reais de garantia: A e B, respectivamente cliente e banco, celebram um contrato de
mútuo no valor de 10.000 e B exige a constituição de uma hipoteca sobre o imóvel X. O
credor hipotecário pode executar o bem objecto de garantia, e pagar-se o valor preferindo
sobre os restantes credores. E se A vender o imóvel a C? Parece que B não pode pagar-se o
valor do bem - mas não é assim por esta ideia de sequela, isto é, B pode seguir o bem e
executá-lo onde quer que esteja. Como sucede na prática? O registo da hipoteca tem carácter
constitutivo, logo não existe nenhuma hipoteca que não esteja registada. Como a compra e
Dto Obrigações DS 22
venda de imóveis é um negócio formal (até 2004, por escritura pública, a partir de 2005,
também por documento particular autenticado), e no momento da celebração se exige um
documento onde constem todas as inscrições relativas aquele imóvel, C tem sempre
conhecimento da hipoteca, logo se quiser celebrar a compra e venda à mesma sabe que o
bem pode ser executado - não há nenhuma expectativa que fica defraudada. A posição do
terceiro adquirente não é merecedora de tutela.
Todavia, o carácter relativo das obrigações não obsta a que...
A lei considere excepcionalmente oponíveis a terceiros algumas relações que, na sua essência,
são autênticas relações obrigacionais. É o que sucede, como vimos, nos direitos pessoais de
gozo, mas também no contrato-promessa com eficácia real: A promete vender certo prédio a
B, atribuindo os contraentes eficácia real à promessa. Se A vender o mesmo imóvel a C, ou
o hipotecar a favor do credor D, B continuará a poder exigir de A a realização do contrato
prometido. Assim, o direito de D, ainda que de carácter obrigacional, é oponível a C e D, ou
a quaisquer outros posteriores adquirentes da coisa. O mesmo vale para o pacto de
preferência com eficácia real.
A relação de crédito, na sua titularidade, constitua um valor absoluto, e como tal oponível a
terceiros.
Os terceiros possam intervir ou colaborar na relação creditória: a prestação pode ser efectuada
por terceiro; há contratos a favor de terceiro, e há terceiros a quem a relação obrigacional
reflexamente abrange através dos deveres de conduta (como sucede com os familiares do
arrendatário no arrendamento para habitação, art. 76.° do RAU).
A doutrina da eficácia externa veio defender que também os direitos de crédito seriam oponíveis a
terceiros, desde que estes tivessem deles conhecimento. Assim, todo o terceiro que tivesse
conhecimento da relação creditória seria juridicamente obrigado a respeitá-la, pelo que a
responsabilidade extracontratual abrangeria aqui também a infracção dos direitos de crédito
cometida por terceiros. Quando é que tal ocorre? Os autores falam na tipologia da violação direito
de crédito por terceiro, que abrange duas situações:
Quando há um ataque directo ao próprio crédito, isto é, quando o terceiro colabora com o
devedor na violação desse direito. Exemplo: A, tendo celebrado um contrato com B, deixa
Dto Obrigações DS 23
de cumprir para celebrar outro contrato com X. Para a doutrina da eficácia externa, bastaria
que X tivesse conhecimento do contrato inicial para ser responsabilizado.
Quando há um ataque a um dos elementos do substrato do crédito (sujeitos ou objecto).
Podemos perguntar-nos se esta doutrina terá sido consagrada entre nós. Do ponto de vista do direito
constituído, a resposta é negativa - para além de haver normas que a contrariam, também concorre
para esta resposta um argumento histórico. No momento da elaboração do Código, esta doutrina
estava a ser debatida, sendo contrariada pela doutrina tradicional; logo, se o legislador quisesse
contrariar a tradição, tê-lo-ia feito expressamente. Quais são as normas que afastam a doutrina da
eficácia externa?
Art. 406.°: consagra a regra geral de que os direitos de crédito têm eficácia relativa, ou seja, só
nos casos expressamente previstos serão estes direitos oponíveis a terceiros. Esta é uma
indicação, pese embora não ser decisiva.
ii) Arts. 412.° e 421.°: dizem, respectivamente, respeito aos contratos de promessa e pactos de
preferência. Estes contratos têm, em princípio, uma mera eficácia obrigacional, podendo
todavia as partes atribuir-lhe eficácia real, verificando-se quatro requisitos cumulativos:
Tratar-se de bens imóveis;
Haver declaração expressa no sentido da atribuição;
Registo;
Submissão à forma especial da forma do contrato definitivo.
Parte da doutrina, como ANTUNES VARELA, entende mesmo a atribuição de eficácia real
a estes contratos faz com que os direitos de crédito se transformem em direitos reais de
aquisição. Todavia, para efeitos de regime, não interessa saber se são considerados direitos
de crédito ou direitos reais de aquisição, mas apenas se têm eficácia real ou não. Destas
normas podemos concluir que se o legislador teve de vir estabelecer requisitos especiais, é
porque estes contratos em regra não têm eficácia real, só sendo oponíveis ao devedor.
iii) Art. 495.°/3: dá direito ao credor de alimentos de reagir, pedindo uma indemnização ao
terceiro que impeça o cumprimento do direito de alimentos. Regra geral, perante um
terceiro lesante, quem tem direito a indemnização é o lesado; mas a lei permite nestes casos
que o próprio credor de alimentos possa pedir uma indemnização a terceiro por violação do
direito a alimentos. Consagra uma certa eficácia externa do direito a alimentos, todavia esta
é uma regra excepcional, justificada pelo carácter especial deste direito, que visa assegurar
a sobrevivência de determinada pessoa. Não podemos pensar em aplicar esta regra fora do
Dto Obrigações DS 24
âmbito do direito a alimentos, esta não é extensível a qualquer outro direito (nem por
interpretação extensiva, nem por interpretação analógica). Simplesmente podemos utilizá-
la para fazer um raciocínio a contrario - se o legislador teve necessidade de, para proteger
o direito de alimentos, consagrar esta protecção, é porque não é um princípio genérico.
iv) Art. 1306.°: este artigo diz-nos que há restrições ao direito de propriedade que são
oponíveis a terceiros; fora disso, temos restrições com carácter meramente obrigacional. Se
partíssemos da ideia de que os direitos de crédito são oponíveis a terceiro, este artigo
ficaria esvaziado de utilidade
v) Art. 794.°: estabelece o "commodum" de representação, que consiste numa espécie de sub-
rogação do devedor pelo credor. Se um estranho à relação de crédito destruir ou deteriorar
coisa devida e esta pertencer já ao credor, incorrerá em responsabilidade perante este, mas
por ter violado o direito absoluto do lesado. Mas se a coisa devida pertencer ainda ao
devedor, é este quem tem direito à indemnização. Através do “commodum” de
representação, o credor vai reagir contra o terceiro, mas substituindo-se ao devedor, dado
que na indemnização haverá uma
quantia em dinheiro que substituirá o objecto da prestação.
Concluímos, assim, que os direitos de crédito não tem eficácia perante terceiros; contudo, isto não
significa que não possamos responsabilizar terceiros que violem ou contribuam para violar o direito
do credor. Como?
A responsabilidade civil exige que o facto praticado seja ilícito, o que se pode traduzir numa
violação de direito alheio, numa violação de uma disposição legal destinada a proteger
direito alheio ou num abuso do direito. Ora, os direitos de crédito, ainda que sejam direitos
alheios, não são oponíveis a terceiros, devendo entender-se que apenas a violação de um
direito absoluto de outrem gera responsabilidade civil.
Assim, apenas podemos ir pela via do abuso do direito (art. 334.°), mais concretamente, pela
violação dos bons costumes. Quando o devedor celebra um novo contrato com terceiro,
mesmo que este terceiro tenha conhecimento do contrato inicial, este parece não ser um
comportamento censurável. Todavia, quando é o próprio terceiro a promover a quebra
contratual, abordado ele o devedor e convencendo-o, há aqui uma indução à quebra do
contrato com intuito de prejudicar o concorrente. Podemos entender que esta situação
configura um abuso do direito, uma vez que o terceiro tinha a intenção de prejudicar e as
regras da concorrência ditam que os comportamento tragam benefícios e não prejuízos.
Dto Obrigações DS 25
A distinção entre os direitos reais e os direitos de crédito passa por outros dois aspectos:
O direito real como poder directo e imediato sobre a coisa; a obrigação como relação de
cooperação. Apesar de vários autores negarem aos direitos reais a natureza de poder sobre
a coisa, uma vez que toda a relação jurídica é uma relação entre sujeitos, ANTUNES
VARELA defende a concepção clássica, segundo a qual os direitos reais consistem em
autênticos poderes de soberania, direitos sobre os bens. A concepção personalista do direito
real pecaria por partir da falsa premissa de que as situações reguladas pelo direito só
interessam à ordem jurídica enquanto vínculos entre pessoas; ora, interessa ao direito a
ligação do titular com a res. Já as obrigações consistem num direito à prestação, só
realizável através do intermediário, que é o devedor. O credor necessita da cooperação do
devedor, logo a obrigação só conferirá ao credor, nos casos de prestação de coisa, um
direito aos bens, mas nunca um direito sobre os bens,
Princípio da tipicidade dos direitos reais e princípio da liberdade contratual nos direitos de
crédito. Por força do princípio da liberdade contratual, as partes têm grande liberdade no
conteúdo dos contratos que celebram; enquanto que nos direitos reais, as partes não podem
criar direitos para além dos previstos - art. 1306.°. A criação de outros direitos reais para
além do de propriedade implica restrições a este, isto é, o direito de propriedade é o direito-
mãe, que é elástico: inclui os poderes de usar, fruir e dispor, que podem ser limitados,
comprimindo-se assim o direito de propriedade e criando-se através desta limitação os
restantes direitos reais, que são direitos menores ou limitados. Extinguindo-se estes
direitos, o direito de propriedade volta a expandir- se. Temos ainda os direitos reais de
garantia, que visam garantir os direitos de crédito (ex: penhor); e finalmente os direitos
reais de aquisição - ex: direitos legais de preferência, nos quais a lei atribui a dadas pessoas
o poder de preferir numa dada aquisição sobre todos os terceiros que nela estejam
interessados. Todas as outras limitações do direito de propriedade têm carácter
obrigacional, cabendo na segunda parte do art. 1306.°. O que justifica o princípio da
tipicidade dos direitos reais?
Tendo os direitos reais eficácia erga omnes, a livre criação de instrumentos neste
domínio poderia causar séria perturbação no comércio jurídico.
Dto Obrigações DS 26
1.4 Afinidades
falecido. Esta função transparece em pontos específicos do seu regime, como o relevo especial de
que goza a vontade real do declarante na interpretação e integração dos testamentos (art. 2187.°). O
confronto entre as obrigações e as relações sucessórias resume-se nos seguintes pontos:
Há nas relações sucessórias, a par das obrigacionais, muitas outras relações de tipo diferente;
As obrigações enquadradas nas sucessões têm o seu regime geral fixado no livro das
obrigações;
Uma vez concluído o processo de sucessão, as obrigações compreendidas na herança retomam o
regime normal das obrigações.
Dto Obrigações DS 29
Parte II:
Noção
A principal fonte das obrigações é constituída pelos contratos. Diz-se contrato o “acordo
vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado;
aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer
uma composição” (ANTUNES Varela); ou seja, “o contrato, ou negócio jurídico bilateral, é
formado por duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto mas convergente, que se
ajustam na sua comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário” (MOTA PINTO).
2. Classificação
A mais importante classificação dos contratos é a que se faz entre contratos unilaterais e contratos
bilaterais:
Dto Obrigações DS 30
Contratos unilaterais: geram obrigações apenas para uma das partes. Exemplos: doação e
mútuo.
Contratos bilaterais ou sinalagmáticos: geram obrigações para apenas uma das partes,
obrigações estas ligadas entre si por um nexo de causalidade e correspectividade.
Exemplos: compra e venda e locação.
a. Contratos bilaterais imperfeitos: nestes há inicialmente apenas obrigações para uma
das partes, surgindo eventualmente mais tarde obrigações para a outra parte, em
virtude do cumprimento das primeiras e em dados termos. Exemplos: mandato e
depósito (quando gratuitos).
A figura das relações contratuais de facto foi criada pela doutrina e jurisprudência alemãs, tendo
sido HAUPT quem primeiro estudou aprofundadamente a questão. Com efeito, se a doutrina
tradicional considerava como elemento essencial do contrato o acordo bilateral dos contraentes,
traduzida no encontro das declarações de vontade das partes, HAUPT veio apontar algumas
categorias de situações jurídicas, a cuja disciplina seria aplicável o regime dos contratos, sem que
haja na sua base um acordo de declarações de vontade dos contraentes. Estas são as relações
contratuais de facto, assentes em puras actuações de facto, e que se dividem em três categorias:
Relações pré-contratuais;
Relações jurídicas provenientes de contratos ineficazes;
Relações massificadas e de comportamento social típico.
Dto Obrigações DS 31
Muitos contratos formam-se rapidamente, pelo mero encontro de uma oferta e aceitação, sem que
existam anteriores aproximações dos contraentes ou negociações prévias, Todavia, no meio
industrializado contemporâneo, são cada vez mais frequentes os contratos onde os respectivos
preliminares se alongam e pormenorizam, fenómeno que se explica pela importância e
complexidade crescentes dos bens e serviços objecto do comércio jurídico e dos meios através dos
quais este se realiza. Estas relações dirigem-se à obtenção da convergência da vontade das partes
nas cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha considerado necessário, sem o qual o contrato
não fica concluído (art. 232.°). Nem sempre é fácil distinguir as negociações do contrato promessa
e do contrato definitivo:
Distinção entre a negociação e a conclusão de contratos: é obrigatoriamente um problema de
vontade das partes, ou seja, se estas ainda estão a conceber e a ditar os termos da regulação
contratual ou se vinculam já à regulamentação ditada e acordada por elas.
Distinção entre negociações e contrato prometido: o negócio prometido no contrato promessa
deve ficar logo negociado, ou seja, determinado ou determinável no seu conteúdo, sob pena
de nulidade. Não é necessário que os promitentes regulem o conteúdo integral do contrato
definitivo, mas apenas que o contrato promessa contenha os mesmos requisitos de
determinação ou determinabilidade requeridos para o contrato prometido (por força do
princípio da equiparação). Aqui, o critério de distinção é o mesmo, o do respeito pela
vontade das partes: apurar se estas se vinculam ou não ao conteúdo definitivo. Com efeito, a
obrigação de contratar emergente do contrato promessa importa a eliminação de
subsequentes negociações ou tratativas do futuro contrato - o que motiva os contraentes a
celebrarem este contrato é precisamente a segurança ou garantia da realização futura do
contrato definitivo nos termos acordados.
É neste quadro que assumem relevo as minutas ou punctações. A minuta é um escrito donde
constam os acordos a que as partes chegaram, ou vão chegando, acerca do contrato a realizar -
acordos parciais ou parcelares. Através da redução a escrito destes pontos, estabiliza-se o consenso
formado acerca deles, sendo que estes depois serão as cláusulas do contrato definitivo. Assim, as
partes estão como que amarradas a estes pontos, que não admitem mais discussão (salvo por novo
acordo), tendo porém a sua eficácia suspensa até à celebração do contrato definitivo (não são
vinculantes).
Para HAUPT, estas relações nascidas do simples contacto social entre as pessoas, antes da
celebração de um negócio jurídico, seriam uma categoria das relações contratuais de facto. Mas
como é que estas são reguladas? A lei estabelece, no art. 227.°/l, que todo aquele que “negoceia com
outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele,
proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à
outra parte”. Assim, sanciona-se a responsabilidade por culpa na formação de contratos ou
responsabilidade pré-contratual: nas fases anteriores à celebração do contrato, o comportamento
dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da boa fé (sinceridade, seriedade, honestidade
correcção e lealdade), aqui em sentido objectivo.
A boa fé em sentido objectivo constitui uma regra jurídica, um princípio normativo, que
aplicado aos contratos constitui um regra de conduta segundo a qual os contraentes devem
agir de modo honesto e leal, não só impedindo comportamentos desleais (obrigações de
escopo negativo), como impondo deveres de colaboração entre eles (obrigações de escopo
positivo). Esta acompanha a relação contratual desde o seu início, permanecendo durante
toda a sua vida e subsistindo mesmo após se ter extinguido: art. 227.°, art. 236.°, art. 239.°,
art. 334.° e art. 762.°/2.
Já a boa fé em sentido subjectivo reporta-se a um estado subjectivo, tendo em vista a situação
de quem julga actuar em conformidade com o direito, por desconhecer ou ignorar,
designadamente, qualquer vício ou situação anterior - exemplos: art. 243.°/2, art. 291.°/3,
art. 612.° e art. 1260.°.
A lei não concede, porém, o direito ao cumprimento ou à execução específica da obrigação, quando
as negociações, eventualmente prolongadas, não desemboquem na conclusão do contrato. Com a
responsabilidade pré-contratual, o legislador quis consagrar para o processo de formação do
contrato uma solução intermédia, conciliadora de dois grandes princípios: o princípio da liberdade
contratual e o princípio da boa fé.
Dto Obrigações DS 33
Daqui se conclui que a liberdade de concluir o contrato constitui a regra e a responsabilidade pela
ruptura das negociações a excepção. Com efeito, a responsabilidade decorre, mais das vezes, da
ruptura ilegítima das negociações. A responsabilidade pré-contratual do art. 227.° pressupõe a
verificação cumulativa de dois requisitos:
Existência de efectivas negociações que gerem confiança e expectativas legítimas na conclusão
do contrato em formação. A minuta funciona assim como um documento escrito probatório
das tratativas em marcha.
Ruptura ilegítima, arbitrária e sem justa causa das negociações. Nos contratos de formação
complexa e progressiva, assume especial importância o art. 232.°: se não houver acordo
sobre a totalidade dos pontos em discussão entre as partes, não pode ser celebrado o
contrato. Isto independentemente de se tratar de elementos essenciais ou secundários - o
próprio artigo refere-se às “cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado
necessário o acordo” -, uma vez que, se durante as negociações as partes discutem certos
pontos, esses são elementos determinantes da conclusão do contrato. Assim, não havendo
acordo sobre todos os pontos discutidos, uma das partes pode romper legitimamente as
negociações, desde que se tenha comportado segundo os ditames da boa fé.
Dto Obrigações DS 34
possíveis (lucros cessantes). Assim, só são indemnizáveis os danos adequadamente ligados por um
nexo causal ao facto gerador da responsabilidade (doutrina da causalidade adequada, arts. 562.° a
564.°), e aqueles que resultem da diferença entre a situação real e a situação hipotética do lesado a
actualidade (teoria da diferença, art. 566.°/2). Designadamente, quanto aos lucros cessantes, não
basta alegar hipóteses alternativas teóricas, não especificadas, sem fundada possibilidade: é
necessário demonstrar a existência de outras efectivas possibilidades negociais.
A minuta ou punctação pode igualmente ter relevo em sede de determinação dos danos, pois pode
verter em certos pontos verdadeiros deveres jurídicos (por exemplo, o dever de negociação
exclusiva), cuja violação pode dar origem à indemnização.
A segunda categoria de relações contratuais de facto abrange as relações provenientes dos contratos
inválidos ou anulados, regidas pelo art. 289.° e segs.
Entre nós, estas relações encontram apoio legal no art. 234.°: dispensa de declaração da aceitação.
Estão em causa casos em que a lei tem o contrato por concluído sem declaração de aceitação, sem
todavia prescindir da vontade de aceitação - esta está na prática dos actos materiais que a exprimem.
Não há motivos para reconduzir estas relações a uma nova figura de negócio jurídico, ao lado dos
contratos - a lei admite, no art. 217.°, que são declarações negociais todas as formas de
comportamento do homem que exteriorizam uma vontade, cabendo nela os comportamentos sociais
típicos.
Dto Obrigações DS 35
Princípio da autonomia privada: no âmbito dos contratos, assume a forma da liberdade contratual,
que é um princípio estrutural e fundamental. Reconduz-se à faculdade que as partes têm, dentro dos
limites da lei, de fixar, de acordo com a sua vontade, o conteúdo dos contratos que realizarem,
celebrar contratos diferentes dos prescritos no Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes
aprouver (art. 405.°). Sabemos que para além da liberdade de fixação do conteúdo do contrato, cabe
também no art. 405.° a liberdade de contratar ou não contratar e a liberdade de escola do outro
contraente.
Princípio da confiança (pacta sunt servanda): os contratos são para cumprir pontualmente, em
conformidade com as cláusulas, por força da protecção da legítima expectativa criada nos
contraentes. Este princípio informa vários aspectos do regime dos contratos, como a doutrina em
matéria de interpretação e integração(art. 236.°, 238.° e 239.°), a regra da imodificabilidade do
contrato por vontade unilateral de um dos contraentes (art. 406.°/1), a irrevogabilidade da proposta
contratual (art. 230.°), etc.
Princípio da justiça comutativa ou da equivalência das prestações: entre as prestações deve haver
uma justiça, uma equivalência - equivalência esta que é principalmente subjectiva, ou seja,
atendendo à vontade das partes. Mais uma vez, este princípio está na base de várias disposições
importantes: a
anulação ou modificação de negócios usurários (arts. 282.° e segs.), direito à redução do preço no
caso de venda de coisas defeituosas (art. 913.°), etc.
- Princípio da utilidade: diz-nos que os contratos devem ser úteis, ou seja, proporcionar utilidades
que satisfaçam os interesses das partes.
Dto Obrigações DS 36
Noção
A massificação das relações de prestação de serviços deu origem a uma nova forma de contratar,
através de contratos pré-formulados que se destinam a servir de modelo, com um conjunto de
cláusulas que os clientes não estão em condições de discutir, restando-lhes apenas aceitar ou não o
contrato. Este fenómeno justificou-se por uma racionalização da técnica de contratação, ou seja,
por exigências de simplificação e racionalização de custos, de eficiência, de celeridade e de
segurança na contratação.
Esta técnica de contratar significa uma restrição de facto à liberdade contratual, uma vez que
apenas um dos contraentes ocupa, de forma unilateral, o poder de modelar o contrato; o outro
apenas tem a possibilidade de aceitar ou não. Mesmo nas hipóteses em que não exista monopólio, a
liberdade de rejeitar o contrato pode não ser real. Esta restrição à liberdade contratual representa o
perigo de não atender convenientemente aos interesses da contra-parte, prevalecendo os interesses
da parte que tem o poder de modelar. Daí a lei vir estabelecer limites ao poder do utilizador das
cláusulas contratuais gerais, no Decreto-Lei 446/85.
No art. 1.°/1 desde Decreto-Lei, estabelece-se o seu âmbito de aplicação, descrevendo o fenómeno
das cláusulas contratuais gerais. As cláusulas contratuais gerais são aquelas que preenchem três
requisitos cumulativamente:
Pré-formulação: têm de ser formuladas previamente. Não é necessário ser o utilizador a
formular ele própria as cláusulas que utiliza; de facto, o que muitas vezes sucede é que são
associações representativas que recomendam as cláusulas - falamos aqui da existência de
um pré- recomendante. Se as cláusulas não resultarem de negociação, são pré-elaboradas,
logo está preenchida esta característica.
Generalidade: destinam-se a fazer parte de uma série de contratos, ou seja, são elaboradas com
a intenção de servirem de modelo a vários contratos individuais, determinados ou
determináveis.
Rigidez: o aderente ou contra-parte do utilizador não tem qualquer possibilidade de modificar o
conteúdo do contrato, ou seja, a cláusula é apresentada na sua versão final.
Dto Obrigações DS 37
Todavia, é necessário fazer a distinção entre cláusula contratual geral e contrato de adesão: todos os
contratos que contêm cláusulas contratuais gerais são contratos de adesão, mas nem todos os
contratos de adesão contêm cláusulas contratuais gerais. A noção de contrato de adesão é mais
ampla. O n.° 2 do art. 1.° do Decreto-Lei alarga o âmbito de aplicação aos contratos de adesão, e
resultou da transposição da Directiva 93/13/CE em 1999, uma vez que se tinha feito uma
transposição incorrecta da directiva na elaboração original. Esta Directiva tinha um âmbito mais
abrangente que o diploma legislativo, já que este se aplicava apenas às cláusulas contratuais gerais e
aquela aos contratos de adesão. Para haver um contrato de adesão, as notas que têm de existir são as
de pré-formulação e rigidez, independentemente de o conjunto de cláusulas se destinar ou não a
fazer parte de uma generalidade de contratos. A maioria dos contratos de adesão contém cláusulas
contratuais gerais, mas pode acontecer que os contratos de adesão se destinem a regular apenas um
contrato na sua individualidade, o que tem igualmente o perigo de apresentar um clausulado que a
parte não pode modificar e que pode não ter devidamente em conta os interesses da contra-parte.
O contrato de adesão, pelo facto de ter características específicas, não deixa de ser um verdadeiro
contrato, logo é necessário que exista uma proposta e uma aceitação. Mas só se aceita
conscientemente uma coisa que se conheça e em relação à qual haja informação, daí o legislador ter
imposto um conjunto de regras ao nível da informação e comunicação para que as cláusulas se
considerem incluídas, em nome da transparência epublicidade (art. 4.°).
Dever de comunicação, art. 5.°: a inclusão das cláusulas no contrato individual não pode ocorrer
sem o consentimento são e consciente do aderente, daí a lei impor regras quanto à sua comunicação.
Desde logo, a comunicação tem de ser integral.
Mas deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária, de forma a que,
tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se
torne razoavelmente possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de
comum diligência - art. 5.°/2. Não se desresponsabiliza completamente o aderente, este tem
Dto Obrigações DS 38
2) Dever de informação, art. 6.°: o dever de comunicação diz apenas respeito ao facto de levar o
teor da cláusula ao conhecimento do aderente; aqui, trata-se de fornecer informações acerca do
conteúdo, de modo a que o aderente perceba as cláusulas e as suas implicações. Distinguimos dois
deveres de informação:
Dever de informação: é um dever activo, que determina que, por iniciativa própria, o utilizador
tem de informar o aderente acerca dos aspectos cuja clarificação se justifique, de acordo
com as circunstâncias objectivas e subjectivas do contrato concreto. Este dever não é um
dever geral de informação que exista em todos os contratos, porém o desnível entre as
partes que existe nos contratos de adesão leva a que se tenha de esclarecer a contra-parte de
certas questões que possam não ser facilmente perceptíveis.
Dever de esclarecimento: é um dever reactivo, de resposta às dúvidas, questões ou
interrogações do aderente, prestando os esclarecimentos, explicitações ou aclarações
razoáveis que são solicitados ao aderente.
aderente não pode tomar conhecimento efectivo e completo de uma cláusula redigida nestes termos,
consideram-se como não escritas e excluídas do contrato - art. 8.°/c).
A lei presume ainda que todas as cláusulas inseridas em formulários depois da assinatura de algum
dos contratantes não são cláusulas atempadamente cognoscíveis e compreensíveis em termos da sua
válida aceitação e inserção no conteúdo - art. 9.°. Acresce a isto que as cláusulas especificamente
acordadas prevalecem sobre as cláusulas inseridas em formulários, mesmo que constantes de
formulários assinados pelas partes - art. 7.°.
O que acontece então ao contrato? O art. 9.° do Decreto-Lei 446/85 diz que, apesar de as cláusulas
se considerarem não incluídas, o negócio mantém-se - isto origina lacunas de regulamentação, que
têm de ser preenchidas - art. 9.°/1.
Em primeiro lugar, aplicar-se-ão as normas legais supletivas.
Se não existir direito supletivo, recorre-se às regras de integração do negócio jurídico,
seguindo o critério da vontade hipotético-conjectural das partes salvo se esta for contrária à
boa fé, caso em que esta prevalece (art. 239.°).
Se, apesar do recurso às normas supletivas, vontade hipotética das partes e boa fé, ainda assim não
for possível determinar aspectos essenciais do contrato, o contrato será nulo (art. 280.°). Esta
solução está consagrado no art. 9.°/2 do Decreto-Lei, que consagra igualmente a solução da
nulidade se, após a integração das lacunas, houver uma indeterminação insuprível de aspectos
essenciais e um desequilíbrio de prestações. Esta hipótese não é muito plausível, uma vez que, em
última instância, o contrato é integrado de acordo com os ditames da boa fé.
Dto Obrigações DS 40
O art. 10.°, primeira parte, estabelece que as cláusulas contratuais gerais devem ser interpretadas
segundo as regras gerais de interpretação dos negócios jurídicos, o que remete para o art. 236.° do
Código Civil (teoria da impressão do destinatário).
A segunda parte deste artigo tem, todavia, um alcance decisivo. Quando se discutiu a interpretação
das cláusulas contratuais gerais, colocou-se uma dúvida: será que o sentido a dar a uma cláusula
deve ser geral, válido para todos os contratos que tenham aquela cláusula, ou deve ser
individualizado, podendo- se dar um sentido diferente em função das circunstâncias? Esta é uma
opção entre uma interpretação generalizante ou individual. A doutrina, sobretudo a alemã, discutiu
muito esta questão; mas o legislador português optou pela interpretação individual - vale o sentido
normal apurado no contexto do contrato singular em apreço. Isto é, a mesma cláusula pode ter um
sentido diferente em função das próprias expectativas do aderente, apesar de o fenómeno das
cláusulas contratuais gerais ser um fenómeno generalizante.
Podemos, então, perguntar-nos o que é diferente na interpretação dos contratos de adesão. A
diferença está no art. 11.°/2, que estabelece o princípio da interpretação mais favorável ao
aderente. Quando, eventualmente, através do recurso às regras interpretativas se mantenha alguma
ambiguidade, ou seja, quando for possível dar ao comportamento declarativo sentidos diversos, o
sentido que se deve optar é por aquele que for mais favorável ao aderente - in dubio pro aderente.
Este princípio tem uma justificação:
Em termos de justiça distributiva, quem retira vantagens da utilização de dados meios e com
isso cria determinados riscos, deve suportar os riscos decorrentes dessa forma de
contratação. É mais justo ser o utilizador a suportar os riscos da ambiguidade do que o
aderente, que em nada contribuiu para o conteúdo das cláusulas.
Mas não é só uma questão de justiça: também se pretende evitar determinados
comportamentos, como a chamada ambiguidade intencional: muitas vezes, o utilizador
formulava as cláusulas de modo genérico, por forma a poder realizar os seus objectivos.
Até agora, o controlo imposto pela lei foi um controlo meramente formal. Porém, na prática, as
mais das vezes a adesão formal não assenta numa análise cuidada do conteúdo material das
cláusulas ou condições negociais, daí a lei vir impor igualmente restrições ao nível do conteúdo.
Dto Obrigações DS 41
No art. 15.°, vem desde logo prevista um cláusula geral de controlo: são proibidas (e, logo, nulas -
art. 12.°) todas as cláusulas atentadoras da boa fé (em sentido objectivo). Na aplicação da boa fé
como critério e princípio geral de controlo do conteúdo, o art. 16.° manda ponderar os “valores
fundamentais do direito”, relevantes em face da situação considerada, em especial a confiança
suscitada nas partes e o objectivo que as partes visam atingir negocialmente. Um destes valores
fundamentais é precisamente a justiça contratual - é em nome da justiça contratual que se coloca
este princípio da boa fé, a fim de evitar que, tendo em conta o fim contratual e a legítima confiança
das partes, as cláusulas sejam abusivas, dando origem a um desequilíbrio significativo entre os
direitos e as obrigações das partes.
A cláusula geral de controlo da boa fé é classificada como uma espécie de "última rede", uma vez
que, para além dela, encontramos listas de cláusulas proibidas - arts. 18.°, 19.°, 21.° e 22.°. Estas
listas são concretização da cláusula geral, na medida em que são cláusulas violadoras da boa fé; e
são concretizações meramente exemplificativas. Como tal, podemos ter cláusulas contratuais gerais
que, ainda que não estejam na lista de cláusulas proibidas, podemos considerá-las nulas por
violarem a cláusula geral do 15.°, que funciona nestes termos como um último crivo, uma “rede de
justiça última”.
A consequência para a inclusão de uma cláusula com conteúdo proibido é a sua nulidade da
cláusula, art. 12.°. Todavia, o contrato permanece? A lei permite que o contrato permaneça ou não,
mas com uma novidade aqui: o aderente pode optar pela manutenção do contrato, apesar da
nulidade de algumas das cláusulas - art. 13.°. Note-se que a opção do aderente é entre a subsistência
do contrato integrado nos termos do art. 239.° do Código Civil e o regime geral da redução do
negócio jurídico, previsto no art. 292.°; isto é, o aderente não tem a liberdade de escolha entre a
manutenção ou não do contrato, pois se a faculdade do art. 13.° não for exercida vigora o regime da
redução dos negócios jurídicos - art. 14.°.
Muitas vezes, as cláusulas são formuladas de modo genérico de forma a terem um conteúdo que só
parcialmente é inválido. No direito comum, o princípio é o da conservação do negócio jurídico, ou
seja, sempre que a nulidade seja parcial, devemos optar pela redução, no sentido de retirar a parte
inválida. Não devemos fazer também este raciocínio para cada uma das cláusulas parcialmente
inválidas, considerando inválida apenas a parte do conteúdo que viole a lei? Por exemplo: se uma
cláusula limitar ou excluir a responsabilidade contratual em termos genéricos, e face à proibição
(art. 18.°/c)) de exclusão ou limitação da responsabilidade em caso de dolo ou culpa grave,
poderíamos pensar em manter a cláusula apenas na parte em que exclua ou limite a
responsabilidade no caso de negligência. No entanto, a doutrina tem entendido que não se deve
proceder à redução de cláusulas parcialmente inválidas: uma coisa é a redução do contrato, art.
14.°, outra é a redução das cláusulas. Se fosse possível a redução das cláusulas, estaríamos a
premiar o infractor.
Dto Obrigações DS 44
5. Acção inibitória
A nulidade das cláusulas abusivas é invocável nos termos gerais (art. 24.°), ou seja, nos termos do
art. 285.° e segs. do Código Civil - é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser
declarada oficiosamente pelo tribunal. Todavia, para além deste controlo repressivo, as cláusulas
proibidas pelos arts. 15.°, 16.°, 18.°, 19.°, 21.° e 22.° podem ser proibida por decisão judicial,
independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares - art. 25.°. A legislação
portuguesa cumpre assim o dever imposto pela Directiva: “os Estados-membros providenciarão ...
meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas” (art. 7.°/1).
Este controlo preventivo e abstracto é realizado, entre nós, através da chamada acção inibitória, um
complemento indispensável da prevenção legislativa sempre que a proibição legal não é respeitada,
pela utilização ou recomendação dessas cláusulas contratuais gerais abusivas. A acção inibitória tem
natureza abstracta no sentido de que não depende da inclusão das cláusulas apreciadas num caso
em concreto, podendo não só ser deduzida a posteriori, quando as cláusulas abusivas estejam já
inseridas em contratos singulares, mas também a priori, quando utilização de cláusulas proibidas é
ainda só recomendada por profissionais ou respectivas associações. É uma acção normal de
condenação numa obrigação de non facere, com vista à abstenção do uso ou recomendação de
cláusulas proibidas. A fiscalização nesta acção é sempre do conteúdo das cláusulas, uma vez que o
seu objectivo é erradicar do comércio jurídico cláusulas contrárias à lei.
Legitimidade processual
Dto Obrigações DS 45
Contra quem deve ser proposta esta acção? Contra todas as entidades que utilizem ou
recomendem as cláusulas gerais ou eventualmente cláusulas semelhantes, ou seja, pode-se
demandar os simples recomendantes - art. 26.°.
É competente o tribunal de comarca no lugar em que o utilizador tenha a sua sede ou centro de
actividade - art. 27.°/l. Se o autor quisesse propor acções contra várias entidades, poderia
ser forçado a intentar acção nos vários tribunais das suas sedes - isto não só desincentivaria
o recurso a estas acções, como poderia gerar decisões contraditórias; pelo que a lei veio
evitar este problema permitindo uma coligação de réus ainda que esta viole as regras de
competência territorial. A entidade pode demandar a acção contra várias entidades que
predisponham e utilizem ou recomendem as mesmas cláusulas, ou cláusulas
substancialmente idênticas, num único lugar - art. 27.°/2.
Encontramos na lei outros indícios de que o legislador pretendeu facilitar o recurso a esta acção,
art. 29.°: a forma de processo é a sumária; são acções isentas de custas judiciais; o valor é
sempre l cêntimo a mais do que a alçada da Relação, permitindo recurso até ao Supremo.
A decisão que proíba as cláusulas contratuais gerais deve especificar o âmbito de proibição,
designadamente pela referência concreta do seu teor e a indicação do tipo de contratos a que a
proibição se reporta (art. 30.°/1). O legislador mantém assim a regra da eficácia relativa do caso
julgado, o que significa que a sentença produz apenas efeitos perante o demandado (daí a
importância da coligação prevista no art. 27.°/2). Outros predisponentes de cláusulas iguais ou
semelhantes não demandados são terceiros perante os quais o caso julgado não produz efeitos.
Todavia, ainda que isto seja verdade, a doutrina tem alertado para o facto de se permitir aqui uma
eficácia ultra partes, ainda que limitada - art. 32.°/2. Se houve uma acção e o tribunal condenou
certas entidades na proibição de utilização destas cláusulas, a decisão é apenas oponível aos
demandados; apesar disso, se as entidades continuarem a utilizar as cláusulas, um contraente que
venha a ser afectado pode fazer apelo à decisão embora não tenha participado no processo. O
contraente do demandado que seja prejudicado pode fazer apelo à decisão judicial a todo o tempo
e em seu benefício, nas acções individuais que venha a deduzir, mediante pedido da declaração
incidental de nulidade contida na decisão inibitória - neste sentido, há aqui uma eficácia para fora
dos próprios intervenientes no processo, embora com carácter limitado.
Dto Obrigações DS 46
Isto não valerá no caso da acção colectiva, já que, uma vez proposta acção inibitória por uma
associação de defesa dos consumidores, pelo Ministério Público ou pelo Instituto do Consumidor,
não podem as demais entidades com legitimidade activa intentar as suas acção: a acção preventiva é
una, com a eficácia do caso julgado a estender-se a todos os colegitimados para a apreciação do
mesmo pedido e causa de pedir (o Ministério Público, o Instituto do Consumidor e uma associação
de defesa do consumidor são consideradas como a mesma parte activa, ou seja, há identidade se
sujeito para efeito de repetição da causa e excepção do caso julgado).
Com efeito, o art. 33.° prevê a possibilidade do tribunal fixar uma sanção pecuniária compulsória,
mas esta apenas pode ser pedida e decretada depois da violação da obrigação ocorrida pós-trânsito
em julgado da sentença. A ser assim, esta sanção não passaria de uma verdadeira multa, uma sanção
repressiva, quando o carácter preventivo da sanção determina que esta deva ser aplicada pelo
tribunal logo na própria sentença. No entanto, CALVÃO DA SILVA entende que o art. 33.°/2 se
encontra revogado pelo art. 10.°/2 da Lei de Defesa do Consumidor, que estabelece que “a sentença
proferida em acção inibitória pode ser acompanhada de sanção pecuniária compulsória” (lei
posterior derroga lei anterior).
Por último, saliente-se que as decisões tomadas na acção inibitória são decisões sujeitas a registo,
art. 34.°. Este preceito diz que devem as decisões ser enviadas no prazo de 30 dias para um serviço,
que veio a ser fixado pela Portaria 1093/95, de 6 de Setembro: Gabinete de Direito Europeu do
Ministério da Justiça. O registo destas decisões serve duas finalidades:
Pode de alguma forma servir de precedente judicial, pois os juízes tendem a consultar as
proibições já decretadas no julgamento dos casos.
Dto Obrigações DS 47
Tem um certo efeito preventivo no sentido da não utilização de cláusulas proibidas, pois a
publicidade do registo é uma publicidade negativa, que as empresas querem evitar.
Pode acontecer que entre a propositura da acção e a sentença sejam as cláusulas integradas em
contratos individuais, pelo que a lei dá a possibilidade de requerer uma providência cautelar, a
inibição provisória da utilização das cláusulas que estão a ser apreciadas (art. 31.°).
Dto Obrigações DS 48
Noção
Diz-se misto o contrato no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou
parcialmente regulados na lei. As partes, porque os seus interesses o impõem, celebram por vezes
contratos com prestações de natureza diversa ou com uma articulação de prestações diferente da
prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou todas elas compreendidas em espécies
típicas directamente reguladas na lei. O art. 405.°/2 refere-se expressamente a esta possibilidade,
querendo destacar a importância desta categoria de contratos. É o caso típico do contrato da viagem
em cruzeiro.
O contrato misto distingue-se, pela sua natureza, quer da simples junção, quer da união ou coligação
de contratos.
Junção de contratos: o vínculo que prende os contratos é puramente exterior ou acidental,
como quando são celebrados ao mesmo tempo ou constam do mesmo título. Como os
contratos não são só distintos, mas autónomos, aplica-se a cada um deles o regime que lhe
compete. Exemplo: A compra um relógio e manda consertar outro ao mesmo tempo.
União ou coligação de contratos: aqui, o nexo que une os contratos não é puramente exterior
ou acidental, mas sim um vinco substancial, uma vez que se cria uma relação de
interdependência entre eles. Esta relação pode revestir as mais variadas formas: um dos
contratos pode funcionar como condição, contraprestação ou motivo do outro; pode um
deles constituir a base negocial do outro, etc. Porém, nem as cláusulas acessórias, nem o
nexo de correspectividade ou de motivação que prendem um dos contratos ao outro
destroem a sua individualidade. Exemplo: A encomenda refeições no restaurante de B, mas
só as quer se B lhe puder reservar aposentos num hotel próximo.
No contrato misto, pelo contrário, há a fusão, num só negócio, de elementos contratuais distintos
que, além de perderem a sua autonomia no esquema negocial unitário, fazem simultaneamente parte
do conteúdo deste. Como distinguir entre a fusão e a união? Pode não ser fácil determinar se,
perante um contrato, estamos perante dois ou mais contratos substancialmente correlacionados entre
Dto Obrigações DS 49
si (união), ou se há, pelo contrário, um só contrato atípico, de diversas prestações (fusão). Esta
questão pode ter relevo prático, nomeadamente na aplicação do art. 292.° (redução) e do art. 232.°
(que só considera o contrato incluído quando houver acordo das partes sobre todas as cláusulas que
o integram.
Este é um problema de interpretação de cada contrato em concreto, determinando a vontade
das partes e o grau de interdependência dos vários elementos contratuais que o integram.
Para que as diversas prestações a cargo de uma das partes façam parte de um só e o mesmo
contrato, e não de dois ou mais contratos, é necessário que elas integrem um processo
unitário e autónomo de composição de interesses.
Todavia, podemos encontrar alguns critérios orientadores:
Critério da unidade ou pluralidade da contraprestação - se às diversas prestações a cargo
de uma das partes corresponder uma prestação única, será de presumir, até prova em
contrário, que elas quiseram realizar um só contrato, possivelmente de carácter
misto.
Critério da unidade ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação: se
houver um esquema ou acerto económico unitário, de tal modo que a parte obrigada
a realizar várias prestações as não queira negociar separada ou isoladamente, mas
apenas em conjunto (é o caso típico da viagem em cruzeiro), será de presumir que
estamos perante um contrato misto.
A doutrina alemã elaborou uma sistematização dos contratos mistos em três modalidades:
Contratos combinados: são contratos em que a prestação global de uma da partes se compõe
de duas ou mais prestações integradoras de contratos típicos diferentes, enquanto que a
outra se vincula a uma contraprestação unitária. Exemplo: contrato realizado entre o
campista e a entidade titular do parque de campismo.
Contratos de tipo duplo: uma das partes obriga-se a uma prestação de certo tipo contratual,
mas a contraprestação do outro contraente pertence a um tipo contratual diferente.
Exemplo: A cede a B uma casa para habitação em troca da prestação de serviços, que
integra o contrato de trabalho.
Contratos mistos em sentido estrito: um contrato serve de meio ou instrumento de realização de
um outro. É o caso da doação mista, em que o contrato que serve de instrumento é o
Dto Obrigações DS 50
contrato de compra e venda. A doação mista é o contrato em que, segundo a vontade dos
contraentes, a prestação de um deles (em regra, a transmissão de coisa) só em parte é
coberta pelo valor da contraprestação, para que a diferença de valor entre ambas beneficie
gratuitamente o outro contraente.
4. Regime
A fixação do regime dos contratos mistos tem dado lugar a muitas hesitações na jurisprudência e a
largas divergências na doutrina. São três as teorias desenvolvidas pelos autores quanto ao regime
dos contratos mistos:
Teoria da absorção: é necessário saber qual é, entre as diversas prestações reunidas no
contrato misto, aquela que prepondera dentro da economia do negócio, pois este tipo
contratual dominante absorveria os restantes elementos na qualificação e na disciplina do
negócio. O regime do contrato equivale ao regime da prestação principal, com as devidas
adaptações.
Teoria da combinação: outros autores, com o fundamento de quem nem sempre é possível
determinar o elemento principal do contrato e de que não se justifica a extensão
indiscriminada do seu regime a todo o contrato, tentam harmonizar as normas aplicáveis a
cada um dos elementos típicos que integram o contrato. Procura-se, assim, respeitar ao
máximo o regime de cada um dos elementos do contrato, uma vez que este deve não só
valer para os contratos típicos, mas também para as espécies em que cada um destes
elementos se instala.
Teoria da aplicação analógica: finalmente, outros autores, considerando os contratos mistos
como espécies omissas na lei, apelam ao poder de integração de lacunas do juiz. É este que
deve fixar o regime do contrato, nomeadamente com recurso à disciplina dos contratos
análogos.
Entre nós, existe uma disposição legal que regula expressamente este problema, mas fá-lo apenas
para a locação com vários fins - art. 1028.°. No entanto, se o legislador consagrou um determinado
regime para este caso, é porque o considera o melhor, pelo que podemos ver nesta norma um
afloramento de um princípio e aplicá-la aos restantes contratos mistos.
Sempre que o contrato misto se traduza numa simples justaposição ou contraposição de
elementos distintos (como sucede nos contratos combinados e nos contratos de tipo duplo),
deve aplicar-se a cada um dos elementos integrantes da espécie a disciplina que lhe
Dto Obrigações DS 51
corresponde dentro do respectivo contrato típico. É este o critério geral enunciado no art.
1028.°/1 para a locação com vários fins, e significa uma consagração da teoria da
combinação.
No entanto, pode suceder que exista entre os diversos elementos contratuais uma relação, não
de justaposição ou contraposição, mas de subordinação. Aí, o que as partes quiseram
fundamentalmente celebrar foi um determinado contrato típico, ao qual juntaram, como
cláusula puramente acessória ou secundária, elementos de outra espécie contratual. Nestes
casos, o regime dos elementos acessórios só será de observar na medida em que não colida
com o regime da parte principal do contrato. É o disposto no n.° 3 do art. 1028.°, que
constitui um afloramento da teoria da absorção.
Dto Obrigações DS 52
O art. 408.° diz-nos que a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-
se por mero efeito do contrato, ou seja, a propriedade transfere-se imediatamente por mero acordo
das partes, sem necessidade da traditio. A este princípio dá-se o nome de princípio da
consensualidade, que vigora entre nós por influência do Código de Napoleão. Aos contratos que
operam imediatamente a transferência da propriedade a doutrina dá o nome de contratos com
eficácia real; todavia, subsistem excepções - os contratos reais quanto à constituição, que exigem,
para além das declarações de vontade das partes, a prática de um acto material (ex: mútuo,
comodato e depósito).
Já não sucede assim, por exemplo, no sistema germânico, no qual o contrato de alienação, não
dispensando um acto posterior de transferência da propriedade, torna o adquirente um simples
credor da transferência da coisa. Esta diferença entre os dois sistemas reflecte-se ainda em dois
aspectos:
No sistema de translação imediata, o risco do perecimento da coisa passa a correr por conta do
adquirente, antes mesmo de o alienante efectuar a entrega (arts. 408.°/1 e 796.°/2), ao invés
do que sucede no sistema germânico.
A nulidade ou anulação do contrato de alienação tem como consequência, no nosso regime, a
restauração do domínio na titularidade do alienante; ao contrário do que sucede nos actos
de transmissão do direito germânico, no qual a validade do acto de transmissão não
depende da validade do contrato obrigacional.
Dto Obrigações DS 53
com espera de preço. Esta é, no fundo, uma cláusula suspensiva, que suspende a transmissão da
propriedade até ao pagamento do preço ou à verificação de outro evento futuro.
Para que esta cláusula tenha efeitos perante terceiros, e tratando-se de coisas imóveis ou coisas
móveis sujeitas a registo, é necessário o registo da cláusula de reserva de propriedade, art. 409.°/2
e art. 2.°/1/u) do Cód. Reg. Predial. Tendo a alienação por objecto coisas móveis não sujeitas a
registo, a reserva vale, mesmo em relação a terceiros, por simples convenção das partes. Nestas
situações, não há, entre nós, tutela quer dos credores do adquirente, quer dos próprios
subadquirentes (ao contrário do que sucede no direito francês, no qual a posse vale como título de
propriedade, ou seja, os terceiros podem confiar nos gestos efectivos de posse) - os terceiros podem
supor, na ignorância da cláusula, que a coisa alienada que se encontra no poder do adquirente já lhe
pertence. Isto explica-se, todavia, pelo intuito de facilitar a concessão de crédito ao adquirente e
ainda pela possibilidade que, em regra, não faltará a um contraente prudente de conhecer a real
situação das coisas.
Diferente da reserva de propriedade é a cláusula resolutiva prevista no art. 886.°. Pelas regras gerais
do cumprimento das obrigações, se, uma vez transmitida a propriedade da coisa, o adquirente não
pagar o preço, o alienante pode apenas exigir o pagamento do preço; persistindo o incumprimento,
há direito à resolução do contrato por incumprimento grave, com o efeito retroactivo de restituição
da coisa (art. 801.°/2). Quer isto dizer que não há direito à resolução do contrato pelo não
pagamento do preço.
No entanto, o art. 886.° admite “convenção em contrário”, ou seja, há uma reserva do direito de
resolução de contrato, que é uma cláusula resolutiva expressa que não opera automaticamente,
exigindo uma declaração do titular do direito da resolução em como se vai exercer o mesmo. Nesta
medida distingue-se da reserva de propriedade, que opera automaticamente. Apesar de, na prática,
visarem resultados semelhantes, são figuras distintas.
Dto Obrigações DS 54
Capítulo V: Contrato-Promessa
Bibliografia: CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato Promessa
Noção
O contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo negócio jurídico
(art. 410.°/1: apesar de este preceito de referir apenas a "contrato", devemos estender a noção para
abranger também os negócios unilaterais). O contrato-promessa frequentemente prece um contrato,
seja de eficácia real, seja de eficácia meramente obrigacional, mas pode igualmente preceder um
negócio unilateral. Do contrato-promessa nasce uma obrigação de prestação de facto positivo, que
consiste na emissão de uma declaração negocial correspondente ao negócio prometido ou definitivo.
O contrato-promessa é dos contratos celebrados com maior frequência, uma vez que serva múltiplos
interesses e exigências práticas dos operadores económicos. Tem uma dupla função - uma função
preparatória e uma função de segurança. Tem uma função preparatória pois através dele os
contraentes fixam o conteúdo do futuro contrato e obrigam-se a celebrá-lo, sem, contudo,
procederem à sua imediata conclusão. E tem uma função de garantia pois empresta certeza e
segurança à celebração do contrato definitivo, já que, na linha do princípio pacta sunt servanda, os
contratos são para cumprir, havendo regras e sanções para o incumprimento do contrato-promessa.
Esta cisão em duas fases do procedimento de formação do contrato - a fase preliminar e a fase
definitiva - tem o seu campo privilegiado de utilização no contrato de alienação de bens imóveis,
principalmente na promessa de venda de andares a construir.
3 . Eficácia real
Todavia, a lei faculta às partes a possibilidade de atribuir eficácia real à promessa de transmissão
ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou bens móveis sujeitos a registo (art. 413.°).
Tratando- se este de um caso excepcional, a lei subordina a atribuição de eficácia real à verificação
cumulativa de três requisitos:
Declaração expressa: a declaração da atribuição da eficácia real não pode ser tácita mas antes
expressa, por meio directo de manifestação da vontade (art. 217.°).
Forma: a promessa tem de ser solenizada.
Por escritura pública, se o contrato prometido exigir igual forma.
Por documento particular, em todos os negócios prometidos não sujeitos a forma (ex:
compra e venda de veículos automóveis) ou não sujeitos a escritura pública (caso
Dto Obrigações DS 56
dos bens móveis sujeitos a registo, para cuja transmissão e oneração apenas é exigia
a forma escrita).
iii) Registo: a promessa deve ser inscrita no registo respectivo (para a promessa de bens
imóveis, art. 2.°/1/f) do Registo Predial; para a promessa de bens móveis sujeitos a registo,
art. 11.°/1/h) do Código de Registo de Bens Móveis).
Verificados os três pressupostos, os direitos de crédito nascidos do contrato-promessa vêem a sua
eficácia ampliada perante terceiros, graças ao registo efectuado e correspondente publicidade (art.
5.° Código de Registo Predial, com primado sobre todos os direitos (pessoais ou reais) relativos ao
mesmo objecto, não registados anteriormente. Assim, a aquisição feita por terceiro será ineficaz em
relação ao promissário, que pode exigir o cumprimento do seu direito à celebração do contrato
prometido nos termos do art. 830.°.
4 . Figuras próximas
Desde logo, nem sempre é fácil, na prática, saber se estamos perante negociações, um contrato-
promessa ou um contrato definitivo. Esta tratar-se-á de uma questão da interpretação da vontade das
partes. As negociações ou tratativas são a actividade instrumental da conclusão de um contrato
(podendo anteceder também o contrato-promessa), na qual as partes devem agir segundo a regra da
boa fé (art. 227.°). Mas através destas negociações as partes não assumem a obrigação de celebrar o
contrato. Nas negociações as partes frequentemente redigem minutas ou punctações, que são
documentos provisórios cujo conteúdo integrará o futuro contrato se este vier a ser celebrado (o
contrato apenas fica concluído quando houver acordo sobre todas as cláusulas, art. 232°).
Dto Obrigações DS 57
Pacto de preferência, art. 414.° e segs.: é um contrato que faz nascer a obrigação de escolher
outrem como contraente, no caso do obrigado à preferência se decidir, livremente, a
contratar. Diferentemente do que sucede no contrato-promessa, não há uma obrigação de
contratar.
Venda a retro, art. 927.° e segs.: dá ao vendedor a faculdade de resolver o contrato por meio de
simples notificação judicial, sem necessidade de nova declaração do vendedor.
5 . Princípio da correspondência
Todavia, o princípio da correspondência encontra duas excepções, quer quanto à substância, quer
quanto à forma do contrato-promessa.
A nível exemplificativo, são inaplicáveis à promessa de venda, por não transmitir a propriedade, as
seguintes normas:
Normas da compra e venda relativas à eficácia real translativa (art. 879.°/a)), e subsequente
distribuição do risco (art. 796.°) ou afastamento do direito de resolução do contrato por
falta de pagamento do preço (art. 886.°).
Normas relativas à proibição de venda de coisa alheia (art. 892.° e 939.°). Como a promessa de
venda não tem eficácia real, é totalmente ineficaz perante o verdadeiro proprietário da
coisa; e nada impede o promitente de obter a coisa necessária a realização do negócio. O
Dto Obrigações DS 58
mesmo se diga em relação à venda de coisa comum por um só dos comproprietários (arts.
1405.° e 1408.°), que carece do consentimento dos restantes proprietários.
Normas relativas à venda de imóveis feita por um dos cônjuges, em que se exige o
consentimento do outro (art. 1682.°-A). Esta regra não se aplica à promessa de venda de
um imóvel por um dos cônjuges, uma vez que nada impede que venha posteriormente a
obter o consentimento necessário do outro cônjuge. O mesmo se diga em relação à
promessa de venda a filhos ou netos feita sem o consentimento dos outros filhos ou netos,
em que é inaplicável o art. 877.°.
Estes dois últimos exemplos referem-se à promessa de facto de terceiro, pela qual o promitente se
vincula a obter uma prestação de facto de terceiro - contrato válido à luz da liberdade contratual e
uma vez que, em última instância, a promessa de facto de terceiro se reconduz a uma verdadeira
promessa de facto próprio (a de conseguir a coisa ou o consentimento necessário). Esta doutrina
encontra afloramento na locação de coisa alheia (arts. 1032.° e 1034.°). Se o promitente não
conseguir a prestação de facto de terceiro, haverá incumprimento do contrato-promessa por
impossibilidade subjectiva, culposa ou não consoante o alcance da promessa. A existência ou não de
responsabilidade indemnizatória depende do grau de vinculação do promitente:
Se este tiver assumido uma obrigação de meios, obrigando-se apenas a fazer o que estivesse ao
seu alcance no sentido de adquirir a coisa alheia ou obter o consentimento necessário, e se
provar que procedeu às diligâncias adequadas, não haverá responsabilidade civil pelos
danos sobrevindos (arts. 798.° e 801.°).
Se o promitente tiver assumido uma obrigação de resultados, assegurando ao promissário a
celebração do contrato prometido, haverá lugar à responsabilidade civil (mas não à
execução específica, uma vez que o contrato não vincula o terceiro).
6 . A excepção da forma
Dto Obrigações DS 59
Por vezes, no chamado contrato-promessa unilateral, em que só uma das partes de vincula à
celebração do contrato, também o promissário se constitui na obrigação de realizar uma prestação.
Por exemplo, na promessa unilateral de venda, em que só o promitente-vendedor se obriga a
concluir o contrato definitivo, o beneficiário da promessa assume a obrigação de efectuar uma
prestação, em rega de carácter pecuniário (em França é de 10% do preço total de venda), no caso
de não exercer o seu direito creditório à celebração do contrato. Se o promissário exercer o seu
Dto Obrigações DS 60
Outra questão prende-se com a forma exigida para o contrato-promessa unilateral acompanhado de
indemnização de imobilização: necessita este, para ser válido, da assinatura de ambas as partes, ou
basta a assinatura daquela que se vincula a contratar? Para ANTUNES VARELA, apesar de apenas
uma das partes se obrigar a contratar, a outra também se obriga ao pagamento de uma
contraprestação pecuniária, sem a qual a outra parte não quereria contratar. Assim, deverá ficar
sujeito aos mesmos requisitos formais que o contrato-promessa bilateral, sendo necessária a
assinatura de ambas as partes.
Porém, CALVÃO DA SILVA rejeita esta doutrina: na promessa unilateral de venda de coisa imóvel
acompanhada da indemnização de imobilização, como o beneficiário não promete comprar e a
forma é imposta por causa da obrigação de adquirir, a redução a escrito da sua declaração de
vontade não é necessária. Os perigos, os riscos, a irreflexão que a lei quer precaver com ao
imposição de forma referem- se exclusivamente ao promitente-vendedor. Daqui retiram-se duas
conclusões:
A promessa unilateral com contraprestação constante de escrito assinado apenas pela parte que
promete contratar é válida.
Dto Obrigações DS 61
Contrato-promessa bilateral assinado por uma das partes: a redução do negócio jurídico (art. 292.°)
A promessa bilateral deve ser exarada em documento assinado por ambas as partes, nos casos
abrangidos pelo art. 410.°/2. Porém, não raras vezes apenas uma das partes assina, normalmente o
promitente- vendedor. Qual o valor do contrato nesta hipótese? Faltando um requisito de forma, a
consequência é a nulidade por vício de forma (art. 220.°).
Todavia, a doutrina e jurisprudência não são unânimes quanto a saber se o caso é de nulidade
parcial ou total - CALVÃO DA SILVA entende que o caso deve ser resolvido em sede do art. 292.°,
logo estamos perante uma nulidade parcial. Não é de excluir a priori, automática e
sistematicamente, a possibilidade do contrato querido como bilateral valer como promessa
unilateral do promitente que assina (à validade deste basta a assinatura da parte que se vincula), pois
a não obediência à forma atinge só a declaração negocial do outro contraente. Significa isto que, em
abstracto, o contrato-promessa bilateral assinado apenas por um dos promitentes é objectivamente
divisível em partes. Este é um argumento contra a tese da nulidade total (que defende a conversão
do negócio jurídico), mostrando como o problema que se coloca é o da redução, que pressupõe
precisamente a divisibilidade do negócio jurídico.
No entanto, é ainda necessário perguntar pela divisibilidade subjectiva do contrato-promessa
bilateral assinado por apenas um dos contraentes: as partes celebrariam o contrato
independentemente da vinculação da outra? A resposta a este problema tem de ter em conta dois
factores:
A natureza preliminar e preparatória do contrato-promessa - é necessário ligar a reciprocidade
instrumental das prestações os promitentes à sinalagmaticidade final do contrato definitivo,
uma vez que o contrato final pode ser validamente celebrado apesar da nulidade parcial do
contrato- promessa. Isto sem qualquer prejuízo para o interesse final do promitente
Dto Obrigações DS 62
vinculado, que pode obter a fixação judicial do prazo para o promissário exercer o seu
direito creditório, sob pena de caducidade.
Os critérios legais dos arts. 292.° e 239.°. Nos termos do art. 292.°, a nulidade parcial não
determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido
celebrado sem a parte viciada. Ou seja, o art. 292.° contém uma presunção de
divisibilidade subjectiva do negócio, invertendo o ónus da prova (art. 350.°/1): a parte que
pretende a nulidade de todo o negócio é que tem de alegar e mostrar que este não teria
sido concluído sem a parte viciada.
Porém, mais das vezes o promitente-vendedor não tem interesses legítimos em arguir a nulidade
total, ou seja, a invocação da nulidade total pode não passar de um pretexto para se subtrair às
consequências do incumprimento da promessa, bem mais gravosas do que as da nulidade: enquanto
que esta tem eficácia retroactiva, determinando a restituição de tudo aquilo que se recebeu, o
incumprimento pode, por exemplo, obrigá-lo a restituir o sinal no dobro. Assim, o exercício do
direito à nulidade total pelo promitente-vendedor seria de má fé e constituiria um claro abuso do
direito, combatido pela redução imperativa. O promitente-vendedor não tem qualquer interesse
legítimo, digno de tutela, na invocação da nulidade. Como este se trata de um problema de
integração do negócio jurídico, a boa fé intervém aqui a título correctivo.
Esta questão foi objecto foi objecto do assento do Tribunal de Justiça, de 29 de Novembro de 1989,
que veio adiantar: “o contrato-promessa bilateral de compra e venda exarado em documento
assinado apenas um dos contraentes é nulo, mas pode considerar-se válido como contrato-promessa
unilateral, desde que essa tivesse sido a vontade das partes".
i) O assento veio consagrar a tese da posição do problema em sede de redução do negócio
jurídico, afastando quer a tese da nulidade total automática e sistemática, quer a tese da
conversão. No entanto, ao afirmar que a parte interessada na validade parcial é que terá o
Dto Obrigações DS 64
O art. 410.°/3 foi aditado ao texto originário pelo Decreto-Lei n.° 236/80, impondo, para os
contratos- promessa nele previstos, dois requisitos adicionais de forma: o reconhecimento
presencial das assinaturas, e a certificação, pelo notário, da existência da licença de utilização ou
de construção do edifício. Enquanto que o n.° 2 tem um alcance geral, este preceito apenas se aplica
quando o contrato prometido preencha três requisitos:
Seja um contrato oneroso;
Transmita ou crie direitos reais (não bastando a transmissão ou criação de direitos pessoais de
gozo);
O objecto do contrato seja um edifício ou fracção autónoma dele, já construído, em construção
ou a construir.
Dto Obrigações DS 65
Na versão original do artigo, a omissão destes requisitos só era invocável pelo promitente-vendedor
no caso de ter sido o promitente-comprador que directamente (ou seja, intencional e
deliberadamente) lhe deu causa; na versão actual, o promitente-vendedor pode invocar a omissão
destes requisitos quando a mesma tenha ido culposamente causada pela outra parte - parte final do
art. 410.°/3. O propósito legislativo foi o de facilitar ao promitente-vendedor a invocação da
sanção correspondente à omissão dos requisitos formais prescritos, podendo fazê-lo quando esta se
deva a uma conduta negligente da outra parte.
No entanto, é necessário ter em conta que impende sobre o promitente-vendedor o dever de
promover o cumprimento e a observância dos requisitos prescritos.
Quanto à providência da licença de construção ou utilização, dificilmente se concebe alguma
situação em que a sua omissão se deva a culpa do promitente-comprador.
Quanto à omissão do reconhecimento presencial da assinatura do promitente-comprador, é
necessário ponderar, por um lado, o dever que o promitente-vendedor tem de recolher a
assinatura do promitente-comprador e o reconhecimento presencial respectivo; e, por outro,
a mera culpa ou negligência deste na inobservância da formalidade em apreço, para
averiguar que cometeu falta mais grave.
Quanto à omissão do reconhecimento presencial da assinatura do promitente-vendedor, este não
poderá invocar a falta de reconhecimento presencial da sua própria assinatura por ter sido
culposamente causada pela outra parte, considerando estar na sua própria esfera o poder de
disposição e o dever de assinatura e reconhecimento presencial respectivo.
CALVÃO DA SILVA tem opinião diferente: a preocupação fundamental deve ser a de adaptar o
regime da invalidade contido na parte final do art. 410.°/3 ao fim da norma, não devendo a sanção
Dto Obrigações DS 66
ir para além deste fim. Assim, é necessário saber qual a ratio legis das formalidades previstas no art.
410.°/3:
Argumento da ratio legis: os requisitos formais prescritos visam a tutela dos promitentes-
compradores, sobretudo numa zona socialmente muito sensível, que é a da aquisição de
habitação própria, evitando que estes, por falta de preparação e por estarem perante
promitentes-alienantes profissionais, sejam vítimas de abuso, injustiças e imoralidades. O
n.° 3 do art. 410.° tem, asism, em vista proteger o promitente-comprador contra os
inconvenientes resultantes da promessa de alienação e aquisição de edifícios clandestinos.
Argumento da ordem pública de protecção ou ordem pública social: a ordem pública de
protecção opõe-se à ordem pública de direcção, através da qual os poderes públicos
realizam certos objectivos de interesse geral e dirigem a economia nacional. Estes
formalismos integram a ordem pública de protecção, cujo objectivo é a de tutelar os
consumidores, ou seja, a parte considerada contratualmente mais débil. O legislador, em
face dos abusos contratuais, imoralidades e injustiças de que eram vítimas, na conjuntura
económica, os promitentes- compradores de edifícios, veio em auxílio destes, instituindo
um controlo notarial, por julgar os promitentes-adquirentes impreparados e incapazes de
sozinhos defenderem os seus interesses.
Assim, não estando em causa interesses gerais da sociedade e do comércio jurídico mas tão-só do
promitente-comprador, a invalidade não deve ser invocável por terceiros nem oficiosamente
conhecida pelo tribunal.
Invocabilidade por terceiros: um banco que goze de hipoteca sobre uma casa objecto de
contrato prometido não deve poder invocar a invalidade do art. 410.°/3 para deste modo
afastar a prevalência do direito de retenção que o legislador concede ao promitente-
comprador que obteve a traditio da casa (art. 759.°/2). A concessão do direito de retenção
ao beneficiário da promessa foi introduzida pela reforma de 1980 (DL 236/80); enquanto
que a sua prevalência sobre hipoteca anteriormente registada, alargando-se o âmbito desta
protecção em nome da defesa do consumidor, foi estabelecida pela de 1986 (DL 379/86).
Ora, a arguição da invalidade por terceiros subverteria a finalidade destas reformas e das
formalidades prescritas para a protecção do promitente-comprador. O mesmo se passaria
com o conhecimento oficioso pelo tribunal.
Invocabilidade pelo promitente-vendedor: a circunstância de estarem em causa formalidades
constitutivas da ordem pública de protecção faz com que a invocação da nulidade seja em
Dto Obrigações DS 67
Sabemos já que se trata de uma invalidade com regime especial; ora, CALVÃO DA SILVA defende
que se trata de uma nulidade atípica. Vejamos porquê.
Dto Obrigações DS 68
Nulidade: CALVÃO DA SILVA propende para a nulidade e não para a anulabilidade, uma vez
que a lei quer proteger o melhor possível o promitente-comprador, recusando
automaticamente os efeitos a que o contrato-promessa tende. É este elemento da exclusão
da produção de efeitos automaticamente que leva o autor a defender a tese da nulidade,
uma vez que este se adequa com o escopo legal do art. 410.°/3. Para além da não produção
de efeitos, a nulidade é invocável a todo o tempo.
Atípica: trata-se de uma nulidade atípica por ser invocável, não por qualquer interessado, mas
apenas pelo promitente-comprador - aproximando-se nesta medida do regime da
anulabilidade, É assim nula a cláusula pela qual o promitente-comprador renuncia
antecipadamente ao direito de a inovar, para o proteger da sua própria inexperiência e
inadvertência. E ainda por dever ser passível de sanação ou convalidação, ou seja, é uma
nulidade sanável. Pense-se, por exemplo, na superveniente legalização da construção ou na
ulterior apresentação da licença e no posterior reconhecimento das assinaturas dos
promitentes
Diferentes são as formalidades da forma imposta pelo n.° 2 do art. 410.°, que já integra a ordem
pública de direcção, logo a invalidade correspondente à sua omissão constitui uma nulidade típica,
oficiosamente conhecida pelo tribunal e de que se pode prevalecer qualquer interessado. Já o regime
que melhor se adequa às finalidades das formalidades previstas no art. 410.°/3 é o da nulidade
atípica, próxima da anulabilidade, própria da ordem pública de protecção, de que se pode prevalecer
apenas o protegido. Resumindo:
Nulidade por não produzir efeitos automaticamente e por ser invocável a todo o tempo.
Atípica por ser apenas invocável pelo promitente-comprador (com as excepções que
conhecemos) e por ser sanável.
Já há hoje jurisprudência uniforme neste sentido - o Supremo Tribunal de Justiça acolheu a tese de
CALVÃO DA SILVA nos assentos de 28 de Junho de 1994 e 1 de Fevereiro de 1995, que hoje
funcionam como acórdãos uniformizadores de jurisprudência. Quanto à doutrina, ainda continua a
haver autores, nomeadamente ALMEIDA COSTA, que quanto à questão da falta de licença, como
está em causa o interesse público de combate à construção clandestina, o tribunal deve ser admitido
a conhecer oficiosamente a invalidade. Todavia, contra isto pode argumentar-se que não é
necessário desproteger o promitente-comprador para proteger o interesse público, este pode - e deve
- proteger-se no momento da celebração do contrato e não antes.
Dto Obrigações DS 69
O DL 281/99, em nome do interesse público do combate à construção clandestina, veio proibir que
se celebrassem escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade sem que se faça,
perante o notário, prova suficiente da existência da correspondente licença de utilização (art. 1.°/1).
A licença de utilização tem como finalidade atestar o uso a que se destina o edifício ou fracção, e
que se encontram aptos para o respectivo fim.
Esta pode ser substituída pela licença de construção, desde que o transmitente prove estar
requerida a licença de utilização e declare que a construção se encontra concluída.
Na transmissão de prédios urbanos que o alienante declare como não concluídos, com licença
de construção em vigor, baste que se apresenta esta.
Assim, independentemente de qual seja o culpado, os promitentes não podem celebrar o contrato
definitivo - logo, o art. 830.° não pode funcionar - sem a apresentação da licença de construção ou
utilização, nos termos previstos pelo DL 281/99. Aqui, os interesses gerais imperam, pelo que se o
notário lavrar a escritura pública de transmissão de prédio sem licença de utilização, o negócio
enfermerá de nulidade típica.
Para além deste requisito, o DL 68/2004 veio impor um conjunto de mecanismos que visam reforçar
os direitos dos consumidores à informação e à protecção dos seus interesses económicos na
aquisição de prédio urbano para aquisição, bem como a transparência do mercado. Um destes
mecanismos é a chamada “ficha técnica de habilitação”, um documento descritivo das principais
características técnicas e funcionais do prédio urbano para fim habitacional, a cargo do promotor
imobiliário. Assim, não pode ser celebrada a escritura pública sem que o notário se certifique da
existência da ficha técnica da habitação e de que a mesma é entregue ao comprador. A
inobservância desta formalidade constituirá uma nulidade atípica, invocável apenas pelo comprador,
irrenunciável e sanável: está em causa a ordem pública de protecção.
Uma última alteração que o DL 379/86 introduziu no n.° 3 do art. 410.° diz respeito ao âmbito dos
contratos-promessa sujeitos a este regime específico. Na versão de 80, a lei referia apenas a
“promessa relativa à celebração de contrato de compra e venda”, entendendo-se que, da mesma
Dto Obrigações DS 70
forma que o contrato de compra e venda é o paradigma de todos os contratos onerosos de alienação
ou oneração de bens (art. 939.°), também o contrato-promessa de compra a venda deveria ser o
paradigma das promessas relativas à celebração de contrato oneroso. Assim, quando na versão
actual se fala de “promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou
constituição de direito real”, esta é apenas uma ampliação literal, não vindo alterar o âmbito de
aplicação do artigo face ao que já se entendia.
Noção e classificação
O sinal é uma coisa, normalmente uma quantia pecuniária, que um dos contraentes entrega ao
outro, no momento de celebração do contrato ou em momento posterior.
Dto Obrigações DS 71
É a liberdade contratual que molda o carácter do sinal, cabendo ao tribunal apurar se as partes
quiseram um sinal confirmatório ou penitencial. Este é um problema de interpretação da vontade
das partes; porém, em caso de dúvida, o sinal deve ter-se como confirmatório, só devendo valer
como penitencial quando tal resulte expressamente da lei (art. 830.°/2) ou de uma inequívoca
vontade das partes.
O sinal confirmatório, dirigindo-se a reforçar o vínculo negocial e a garantir o cumprimento
das obrigações, integra-se na regra geral do pacta sunt servanda.
O sinal penitencial significa uma renúncia prévia ao direito de pedir o cumprimento, e o nosso
sistema jurídico consagra a regra da irrenunciabilidade prévia deste direito (art. 809.°).
Dto Obrigações DS 72
Nos demais contratos, a existência de sinal não é presumida - art. 440.°. Assim, a entrega por um
dos contraentes ao outro de coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica
adstrito é havida como antecipação total ou parcial do cumprimento (se for parcial, falamos em
começo do cumprimento; se for total, em antecipação do cumprimento), salvo se as partes
expressamente lhe atribuírem carácter de sinal.
O DL 379/86 veio dar nova redacção aos arts. 442.° e 830.°, relativos ao sinal e à execução
específica do contrato-promessa. Ora, apesar de o art. 442.° disciplinar o regime geral do sinal para
todos os contratos, o legislador introduziu, no n.° 2, segunda parte, e no n.° 3, uma regulamentação
específica para o contrato- promessa, o que é criticado por CALVÃO DA SILVA - seria preferível
separar as regras do regime geral e do especial.
Quando haja sinal, presumido (art. 441.°) ou convencionado (art. 440.°), a coisa entregue deve ser
imputada na prestação devida, ou restituída, quando a imputação não for possível - art. 442.°/1.
Assim:
No caso de cumprimento tempestivo do contrato, a coisa entregue pelo tradens a título de sinal
deve ser deduzida automaticamente à prestação devida, sem a intervenção activa do
accipiens. É o que sucede via de regra, traduzindo-se a coisa entregue numa quantia
pecuniária.
Se a coisa entregue a título de sinal não for uma quantia em dinheiro mas um bem de outra
natureza, pode não ser possível a sua imputação na prestação devida, pelo que se impõe a
restituição da coisa entregue como sinal para se evitar o enriquecimento injustificado do
accipiens.
Dto Obrigações DS 73
No caso de o incumprimento ser imputável a um dos contraentes, o art. 442.°/2 regula os efeitos do
sinal:
Se o incumprimento é imputável ao tradens, o outro contraente tem a faculdade de fazer sua a
coisa entregue, originando a perda do sinal.
Se o incumprimento é imputável ao accipiens, este é obrigado à restituição no dobro do que
recebeu. Porque não restituição em singelo? Havendo incumprimento, o outro contraente
tem o direito a resolve o contrato com eficácia retroactiva (art. 432.° e segs.), sendo o
accipiens obrigado a restituir aquilo que recebeu. Ora, esta não seria nenhuma sanção -
apenas a restituição no dobro pode configurar uma sanção pelo incumprimento culposo.
Tratando-se de contrato-promessa em que tenha havido tradição da coisa objecto do contrato
prometido, o promitente-comprador pode optar entre a restituição no dobro e o valor da
coisa.
Como vimos, nos termos do art. 442.°/2, a parte que constitui o sinal, se o não cumprimento do
contrato for devido ao accipiens, tem a faculdade de exigir como indemnização, em vez do dobro do
sinal, o valor da coisa, se tiver havido tradição da coisa a que se refere o contrato prometido. Esta
faculdade visa estimular o promitente accipiens a celebrar o contrato, uma vez que o regime do
sinal poderia não constituir sanção suficiente, incentivando o incumprimento.
Dto Obrigações DS 74
O n.° 2 consagra a teoria defendida por VASCO XAVIER, segundo a qual é necessário deduzir
ao valor da coisa o preço convencionado e não pago, e ainda restituído o sinal. A redacção
inicial dizia que o promitente accipiens teria de restituir o valor da coisa, o que é uma
sanção exagerada.
No entanto, o n.° 3 e o n.° 4 já falam do “aumento do valor da coisa", que corresponde à tese
defendida por CALVÃO DA SILVA. Que dizer disto? Em regra, o aumento do valor da
coisa entre a data da celebração e a do incumprimento será igual à diferença entre o valor
da coisa e o preço convencionado, se este corresponder ao valor objectivo da coisa ao
tempo da celebração do contrato. No entanto, a razão de ser da tese de CALVÃO DA
SILVA prende-se com aquelas situações em que o preço convencionado não corresponde
ao valor objectivo da coisa - por exemplo, por se tratar de um preço de favor ou afectivo.
Aqui, a indemnização que o promitente tradens do sinal terá direito será apenas o aumento
do valor da coisa, determinado objectivamente - diferença entre o valor objectivo actual e o
valor objectivo ao tempo da celebração do contrato.
Esta interpretação decorre da ratio legis do art. 44.2.°/2, parte final, que visa evitar um
regime desrazoável, que importe um injustificável enriquecimento do contraente
insatisfeito. Assim, quando o preço não corresponda ao valor objectivo da coisa no
momento da celebração do contrato, deve-se atender a este e não aquele;
interpretação que é favorecida pela fórmula “aumento do valor” (e não do preço).
Não se argumente contra isto com as incertezas de fixar o valor objectivo da coisa,
reportado à data da promessa. Cabe à parte interessada afastar a presunção de que o
preço estipulado traduz o valor real da coisa, o que não será difícil de demonstrar
com base nos critérios do art. 883.°.
Não se argumente ainda que o beneficiário da promessa não cumprida deve ser
indemnizado do prejuízo que a violação do contrato lhe causou, sendo este prejuízo
medido pela diferença entre o preço e o valor da coisa. No entanto, não é exacto que
assim seja - o n.° 4 estatui que não há lugar a qualquer outra indemnização, ou seja,
o aumento do valor não contém outros prejuízos. Só se houver estipulação em
contrário é que o promitente-comprador poderá ir buscar indemnização de dano
maior.
- Onde for de concluir pela inexistência da traditio rei, deve o tribunal condenar na restituição do
dobro do sinal recebido, se tiver sido pedido o valor da coisa - que pede o mais pede o menos,
Dto Obrigações DS 75
considerando-se aquele pedido contido neste. A sentença condena em quantidade inferior e não em
objecto diverso daquilo que foi pedido, logo não atenta contra o princípio do pedido (art. 609.°/l do
Código de Processo Civil).
Existindo traditio, o credor pode pedir o dobro do sinal em vez do valor da coisa, mas neste caso o
tribunal apenas pode condenar o devedor na restituição do sinal em dobro e vice-versa. Isto é o que
decorre do igualmente do art. 609.°/1 do Código de Processo Civil.
A primeira parte do art. 442.°/3 dispõe o seguinte: “em qualquer dos casos previstos no número
anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato,
nos termos do art. 830.°”. Este preceito é altamente criticado por CALVÃO DA SILVA:
Desde logo, o legislador disse mais do que queria - a possibilidade de requerer a execução
específica não é própria de qualquer contrato (como dispõe o art. 442.°/2, 2a parte), mas
apenas dos contratos-promessa. Deve-se assim fazer uma interpretação restritiva deste
artigo, o que significa, por conseguinte, que a traditio rei não constitui requisito da
execução específica.
Nos termos do art. 830.°/1 e 2, o direito à execução específica existe na falta de convenção em
contrário, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida, sem mais
requisitos ou condições. Assim sendo, a referência à execução específica é meramente
remissiva para o art. 830.°, e é uma remissão meramente supérflua e dispensável.
Mais - o recurso à execução específica (direito ao cumprimento) por parte do credor só tem
sentido quando perdure o interesse deste na execução possível, lançando mão deste
mecanismo para evitar o incumprimento definitivo. Sempre que haja incumprimento
definitivo, não tem cabimento a execução específica, recorrendo o credor à resolução do
contrato com direito à indemnização compensatória do art. 442.°. Ora, se o regime do sinal
foi sempre concebido para a hipótese de incumprimento definitivo, não é correcto o
legislador fazer qualquer referência à faculdade de execução específica, cujo pressuposto
é a mora, pelo que se deve ter como não escrita a primeira parte do art. 442.°/3.
Dto Obrigações DS 76
A segunda parte do art. 443.°/3 dispõe: “se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da
coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício
dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no art. 808.°”. O artigo
808.° fixa duas maneiras em converter uma mora em incumprimento definitivo:
1a parte: prova da perda do interesse na prestação, que o n.° 2 completa dizendo que esta é
apreciada objectivamente (não se podem aceitar caprichos), ou seja, a mora consubstancia
uma perda objectiva e razoável de interesse.
2a parte: fala-nos da interpelação admonitória. Interpelar é intimar para cumprir, fixando um
prazo razoável para o cumprimento com a cominação ou admoestação da sanção de que,
findo o prazo e persistindo o incumprimento, declara-se o incumprimento definitivo (não
exige que seja feita por escrito, mas deve-se fazê-lo para efeitos de prova). É necessária a
verificação cumulativa de três requisitos:
Interpelação;
Num prazo suplementar peremptório;
Com a cominação de uma sanção - continuando o incumprimento, o contrato tem-se
como definitivamente não cumprido, sendo automaticamente resolvido pela parte,
que depois não pode vir requerer a execução específica do contrato - esta acção não
procederá (apesar de haver acórdãos minoritários que aceitam isto).
Este preceito parece aplicar o regime do sinal à mora - mas será assim? CALVÃO DA SILVA
começa por fazer uma análise de todo o art. 442.°:
O n.° 3, 2a parte, remete para o n.° 2 (“como se estabelece no número anterior)”. Porém, o n.° 2
pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa, como decorre das fórmulas “se
quem constitui o sinal deixar de cumprir” e “se o não cumprimento for devido”. Também a
obrigação de restituir o sinal e a parte do preço que se tenha pago mostra que a faculdade de
exigir o valor da coisa anda ligada à resolução do contrato-promessa acompanhado de
tradição da coisa.
Esta ligação decorre ainda do preâmbulo do DL 238/80: “a indemnização devida por causa da
resolução do contrato...”.
A mesma conclusão se pode retirar da primeira parte do n.° 3, uma vez que só relativamente ao
direito de resolução a execução específica é alternativa, pela qual o credor opta se ainda for
possível e útil o cumprimento. Assim, o promitente-comprador só opta pela execução
específica no caso de mora ou provisório inadimplemento; logo que haja incumprimento
Dto Obrigações DS 77
Dto Obrigações DS 78
deixa de poder exigir o cumprimento. E também não tem qualquer utilidade a ressalva do
art. 808.°, visto que se aplica previamente ao regime do sinal.
As sanções do sinal dobrado e do aumento do valor da coisa estão associadas - não tem lógica
atribuir-lhes regimes diferentes, uma vez que este surge como actualização daquele, com os
mesmos pressupostos e requisitos.
A opção pelo valor da coisa em caso de mora não teria qualquer interesse, dado que se trataria
de uma mera interpelação, envolvendo a renúncia ao dobro do sinal no caso de
incumprimento definitivo do promitente-vendedor. Para o credor, é preferível manter em
aberto a opção (dobro do sinal ou valor da coisa), pelo recurso a uma verdadeira
interpelação admonitória.
O que levou o legislador a consagrar este preceito? Ora, a 2a parte do n.° 3 do art. 442.° parece ter
recebido inspiração na doutrina de MENEZES CORDEIRO, segundo o qual, quando o promitente-
comprador exigisse o valor da coisa, o promitente-vendedor poderia “sempre oferecer-se para
cumprir o contrato- promessa, antecipando-se à execução específica”, já que aquele teria sempre
interesse no cumprimento da prestação nos casos de aquisição de habitação. O art. 808.° não
funcionaria previamente ao regime do sinal, já que este poderia operar assim que haja mora - “quem
exija uma indemnização correspondente ao valor da coisa terá de se contentar com a própria coisa”.
Havendo incumprimento definitivo, o promitente faltoso teria de ressarcir, para além do valor da
coisa, os demais danos emergentes e todos os lucros cessantes (algo que está expressamente negado
no n.° 4). Esta doutrina foi refutada por VASCO XAVIER, uma vez que é possível, em situações de
incumprimento definitivo do promitente-vendedor, que seja legítimo à contraparte recusar a oferta
tardia da celebração do contrato prometido (mesmo nos contratos relativos à habitação). Foram
estas duas posições que o legislador tentou conciliar, porém estas são inconciliáveis - a
possibilidade de o promitente faltoso oferecer o cumprimento é precludiade pelo incumprimento
definitivo e pela opção de resolução do contrato feita pelo promitente-comprador. Note-se que a
resolução de um contrato constitui um direito potestativo, logo os efeitos impõem-se
inelutavelmente à contraparte.
Assim, CALVÃO DA SILVA defende que se deve fazer uma interpretação abrogante do art. 442.°/
3, 2a parte. Apesar de a jurisprudência nunca o ter reconhecido, a verdade é que este artigo não é
aplicado.
O caso de não cumprimento bilateralmente imputável do contrato deve ser resolvido pela
compensação de culpas concorrentes, verificados os respectivos pressupostos (art. 570.°). Se as
culpas dos dois contraentes forem iguais, a indemnização deve ser excluída, ficando apenas o
accipiens obrigado a restituir o sinal em singelo. O facto de o não cumprimento ser imputável, em
igual medida, a ambas as partes, não deve precludir o direito de resolução de uma delas - a culpa
não é pressuposto do direito de resolução.
A restituição do sinal em singelo terá igualmente lugar, por força do art. 289.°, na hipótese de
imputável impossibilidade originária (art. 280.), ou qualquer outra causa de nulidade ou
anulabilidade do contrato. Pode aqui intervir a responsabilidade pré-contratual, por culpa in
contrahendo (art. 227.°), se a exclusão do dever de indemnização não resultar do art. 570.°.
A restituição do sinal em singelo terá igualmente lugar, por força do art. 289.°, na hipótese de não
imputável impossibilidade originária (art. 280.°), ou qualquer outra causa de nulidade ou
anulabilidade do contrato.
Dto Obrigações DS 80
Noção
Começa-se por dizer que o pressuposto da execução específica é a mora, não o incumprimento
definitivo.
Com efeito, se um dos promitentes não cumpre pontualmente, e o outro intenta a acção de execução
específica, é porque o credor considera como simples atraso a violação do devedor e está ainda
interessado na prestação. Ao invés, se este não tivesse mais interesse na prestação, consideraria a
violação como incumprimento definitivo e optaria pela resolução do contrato.
Isto porque a execução específica equivale, em última instância e no plano funcional, à acção de
cumprimento: enquanto que esta visa a condenação do devedor no cumprimento, aquela produz
imediatamente os efeitos da declaração negocial do faltoso. Através da sentença constitutiva
prevista no art. 830.°, que é uma sentença substitutiva da declaração negocial do promitente
faltoso, o credor obtém o cumprimento funcional da promessa, ou seja, o resultado prático do
cumprimento. Este efeito produz-se imediatamente e mesmo contra a vontade do promitente faltoso,
sem ter de recorrer à sentença de condenação nem ao processo executivo. O legislador português
seguiu, assim, a doutrina de POTHIER, CHOIVENDA e do Código Civil italiano; afastando-se da
solução alemã, na qual o promitente faltoso é condenado e ficciona-se que a sentença produz os
mesmos efeitos que a declaração. Percebe-se que a solução seja esta e não outra: a condenação no
cumprimento seria inútil e meramente repetitiva, uma vez que a obrigação de contratar já nasce do
contrato-promessa e não se poderia executar a sentença (ninguém pode ser coagido ao próprio
facto).
Mora: como vimos, para que o promitente fiel possa requerer a execução específica do contrato, o
promitente faltoso tem de se encontrar numa situação de mora, culposa ou não. Porém, é necessário
fazer a prova da mora: na maioria dos contratos promessa, não se fixa um prazo para a mora, ou
este é meramente indicativo, pelo que é necessário interpelar a outra parte para cumprir, pedindo ao
juiz que fixe um prazo. Findo esse prazo, o promitente faltoso está numa situação de mora e pode-se
intentar a acção de execução específica.
Dto Obrigações DS 81
Inexistência de convenção em contrário: o art. 830.°/1 dispõe que o promitente fiel pode pedir a
execução específica “na falta de convenção em contrário”, o que significa que a regra geral da
execução específica é supletiva, podendo as partes afastá-la por convenção expressa ou tácita. O n.°
2 entende haver convenção em contrário sempre que existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para
o caso de não cumprimento - multa penitencial e não cláusula penal compensatória, uma vez que
esta não afasta ao credor a possibilidade de exigir o cumprimento.
Resulta daqui que a existência de sinal no contrato-promessa faz presumir convenção contrária à
execução específica - ao entregar o sinal, presume-se que as partes quiseram afastar a execução
específica, logo reservar o direito ao arrependimento (sinal penitencial). Assim, não só se presume
que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente
vendedor (art. 441.°), como ainda esse sinal se presume penitencial no art. 830.°/2. CALVÃO DA
SILVA critica severamente esta opção:
O direito de arrependimento não se coaduna com os princípios fundamentais do direito das
obrigações, como o são o pacta sunt servanda e a irrenunciabilidade prévia ao direito de
exigir o cumprimento das obrigações (art. 809.°).
No contrato promessa já se admite como regra a possibilidade de as partes convencionarem a
exclusão da execução específica, num claro desvio ao regime geral do art. 809.°.
3) Não oposição da natureza da obrigação assumida: o art. 830.°/1 afirma ainda que a execução
específica não tem lugar sempre que a ele se oponha a natureza da obrigação assumida, tendo em
conta que o juiz, ao emitir a sentença, se substitui, na declaração negocial, ao promitente faltoso. É
o que sucede quando o contrato prometido for:
Dto Obrigações DS 82
Contrato de natureza pessoal, como o contrato promessa de trabalho. Aqui, o juiz não se pode
substituir ao promitente faltoso, dada a natureza pessoal da obrigação assumida.
Contrato real quanto à constituição, como o mútuo, o comodato e o penhor. Como estes
contratos carecem de um acto material, como a traditio rei, para a sua validade, a
declaração negocial do faltoso não chega para celebrar validamente o contrato.
Contrato que pressuponha um facto de terceiro: quando o contrato prometido dependa do
consentimento de terceiro, ou de uma declaração negocial de terceiro que transfira para o
promitente vendedor a propriedade da coisa (venda de coisa futura), a declaração negocial
do faltoso não basta para a celebração do contrato, pelo que não é possível a execução
específica.
Nos termos do art. 830.°/3, o direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas
promessas a que se refere o art. 410.°/3. Pelo que a cláusula que exclua a execução é nula, não
valendo qualquer convenção em contrário, expressa ou tácita, incluindo-se nesta a presunção legal
do n.° 2. Nada obsta, porém, à renúncia após a violação da promessa ou atraso no cumprimento.
Fala-se aqui de uma execução específica imperativa.
Já a 2a parte do art. 830.°/3 dispõe que o promitente faltoso pode requerer, na acção de execução
específica, a modificação do contrato por alteração das circunstâncias, ainda que esta seja
posterior à mora. Enquanto que a possibilidade de invocar a alteração das circunstâncias na
execução específica é geral e existe também nos casos do art. 830.°/1, por força do princípio da
equiparação, a possibilidade de modificação da promessa ainda que a alteração seja posterior à
mora já se deve considerar exclusiva das promessas do art. 410.°/3. Trata-se de uma excepção
introduzida pela reforma de 1986, por se mostrar “necessária ao relativo equilíbrio de posições das
partes”. CALVÃO DA SILVA não é sensível a esta argumentação, uma vez que não existem
motivos sérios que justifiquem este privilégio do promitente faltoso relativamente aos devedores.
Nos termos do art. 3.°/1/a) do Código do Registo Predial, estão sujeitas a registo as “acções que
tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a
Dto Obrigações DS 83
extinção de” direitos reais sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo. A acção de
execução específica tem por fim a celebração do contrato prometido - logo, tratando-se da promessa
de venda de imóveis, a acção de execução específica está sujeita a registo, uma vez que a
celebração do contrato definitivo pela sentença transfere a propriedade da coisa.
O registo da acção, feito nos termos do art. 53.° do Código de Registo Predial, é provisório por
natureza (art. 92.°/1/a) CRPred). Quando transitada em julgado, a decisão final está igualmente
sujeita a registo (art. 3.°/1/c) CRPred), sendo este feito por averbamento à inscrição da acção, nos
termos do art. 101.°/2/b). O legislador estabelece que “o registo convertido em definitivo conserva a
prioridade que tinha como provisório, o que significa que a publicidade se inicia com o registo da
acção, com a consequência da ineficácia perante o autor das transmissões da coisa registadas depois
do registo da acção. A prioridade do registo da sentença reporta-se ex lege à data do registo da
acção.
Assim, CALVÃO DA SILVA critica a posição firmada pelo STJ, no Acórdão 4/98: a execução
específica não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o promitente-vendedor
haver transmitido o seu direito real sobre a coisa antes de registada a acção, ainda que o terceiro
adquirente não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da acção pois esta não confere
eficácia real à promessa. Com efeito, com o registo da acção, não se confere eficácia real à
promessa, ou seja, o direito de crédito do promitente-comprador é inoponível ao terceiro-adquirente
do promitente-vendedor. Porém, aplicando as regras gerais do registo, o registo da sentença
favorável ao promitente-comprador prevalece sobre o registo da aquisição de terceiro ao
promitente-vendedor feito depois do registo da acção, ainda que a venda tenha sido anterior. Ou
seja, uma vez registada a acção de execução específica, a alienação a terceiro da coisa objecto do
contrato prometido é ineficaz, pois tudo se passa como se tivesse sido o próprio promitente-
vendedor a alienar a coisa ao promitente-comprador na data do registo da acção: ao produzir os
efeitos da declaração negocial do faltoso, a sentença celebra o contrato definitivo de compra e
venda e o seu registo produz efeitos desde o registo da acção. Este mecanismo publicitário torna
cognoscível a terceiros a possibilidade de a titularidade registada a favor do réu vir a ser prejudicada
pela pretensão do autor, caso este obtenha ganho de causa. Por outro lado, não existe qualquer
impossibilidade de execução específica quando a venda a terceiro anteceda o registo da acção,
como defende o STJ, uma vez que a venda celebrada pela sentença prevalece nos termos em que
vimos.
Dto Obrigações DS 84
Por outro lado, o art. 830.°/5 dispões que, nos casos em que seja lícito invocar a excepção de não
cumprimento - leia-se nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos -, a acção improcede se o
requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal. Ou
seja, se o promitente-comprador requerer execução específica da promessa, a acção apenas
procede se este consignar em depósito o preço devido. Com a consignação em depósito como
requisito necessário da procedência da acção, o legislador visa salvaguardar o princípio da
simultaneidade do cumprimento das prestações (art. 428.°), querendo evitar o risco da transmissão
da propriedade com falta de pagamento simultâneo do preço.
Cúmulo da execução específica com a redução do preço ou a eliminação dos defeitos da coisa
Dto Obrigações DS 85
Por fim onde o contrato não tenha sido ainda concluído, em alternativa ao cúmulo defendido pode o
promitente-comprador lançar mão da exceptio non adimpleti contractus, independentemente de
culpa do promitente-vendeor no cumprimento defeituoso pela entrega de objectos com vícios.
O art. 342.°/1 do Código de Processo Civil dispõe que “se a penhora, ou qualquer acto
judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito
incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na
causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”. Os embargos de terceiro, que
antes estavam ligados apenas à defesa da possa do embargante, permitem efectivar qualquer direito
incompatível com a agressão patrimonial, judicialmente ordenada: os direitos atingidos ilegalmente
pela penhora ou outro acto judicial de apreensão de bens podem ser invocados pelo lesado no
processo, obstando à venda dos bens.
Dto Obrigações DS 86
Como tal, o promitente-comprador com direito à execução específica pode deduzir embargos de
terceiros fundados no seu direito, ainda que não tenha havido tradição da coisa.
No caso de contrato-promessa de eficácia meramente obrigacional, o promitente-comprador
tem apenas um direito de crédito à celebração de contrato, sem eficácia real. Porém, por
força das regras da prioridade do registo, pode o promitente-comprador reagir através de
embargos de terceiro contra a penhor posterior ao registo da acção da execução específica.
No caso de contrato-promessa de eficácia real, sendo o direito de crédito oponível erga omnes
por força do registo, o promitente-comprador pode reagir contra a penhora posterior da
coisa, mediante embargos de terceiro.
Note-se que o promitente-comprador mero detentor da coisa não poderá deduzir embargos de
terceiro - só poderá embargar o promitente-comprador que tenha a verdadeira posse.
9. O direito de retenção
O DL n.° 236/80 veio conceder ao promitente-comprador, no caso de ter havido tradição da coisa
objecto do contrato definitivo, o direito de retenção sobre a mesma, pelo crédito resultante do
incumprimento (art.
442.°/2). Note-se que o direito de retenção, nos termos do art. 759.°/2, prevalece sobre a hipoteca,
ainda que anteriormente registada (logo, prevalece também sobre o penhor). Não obstante as
críticas tecidas a esta solução, em 1986 o legislador veio acrescentar o art. 755.°/1/f): “o
beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da
coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não
cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.°”. Apesar de ter havido uma
melhoria de ordem sistemática (está previsto no capítulo adequado, das garantias especiais das
obrigações), as críticas substantivas permanecem, mormente da parte de CALVÃO DA SILVA, que
entende ser esta uma protecção exagerada.
Dto Obrigações DS 87
de restituir tudo o que lhe fora prestado; possuindo o direito de retenção da coisa, este
constitui um meio de coacção fortíssimo ao cumprimento.
Para que o promitente-comprador seja titular do direito de retenção, é necessário que se verifiquem
os seguintes requisitos:
Traditio rei: goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou
constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato prometido.
Crédito resultante do incumprimento: o que está em causa é o crédito (dobro do sinal, valor da
coisa ou indemnização convencionada nos termos do art. 442.°/4) derivada do
incumprimento definitivo, de que o direito de retenção constitui garantia acessória.
Dto Obrigações DS 88
Dto Obrigações DS 89
crédito. Se já tiver sido vendido o bem, o art. 786.°/6 do Código de Processo Civil dispõe que não
haverá anulações das vendas das quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário, restando à
pessoa que deveria ter sido cita o direito a uma indemnização, segundo as regras do enriquecimento
sem causa, e sem prejuízo da responsabilidade civil da pessoa a quem seja imputável a falta de
citação. Estas indemnizações serão pedidas em acção de condenação especialmente proposta para o
efeito.
Dto Obrigações DS 90
Noção
O pacto de preferência, previsto no art. 414.° e segs., é o contrato pelo qual alguém assume a
obrigação de, em igualdade de condições, escolher determinada pessoa (a outra parte ou terceiro)
como seu contraente, no caso de se decidir a celebrar determinado negócio. Os pactos de
preferência são admitidos em relação à compra e venda (art. 414.°), mas também relativamente a
todos os contratos onerosos em que faça sentido a opção por certa pessoa sobre quaisquer outros
concorrentes (art. 423.°).
Quanto à forma do pacto de preferência, a lei estabelece os mesmos requisitos que para o contrato
promessa, art. 415.°): se a preferência respeitar a contrato para cuja celebração a lei exija
documento autêntico ou particular, o pacto só é válido se contar de documento escrito, assinado
pelo obrigado.
Tal como o contrato promessa, o pacto de preferência pode ter eficácia meramente obrigacional ou
eficácia real, quando se reporte a bens móveis ou imóveis sujeitos a registo, desde que se
verifiquem os requisitos exigidos para o caso paralelo do contrato promessa (art. 421.°/1). Quando
assim suceda, a promessa torna-se um verdadeiro direito real de aquisição, oponível ao terceiro
adquirente da coisa, igualmente atendível nos processos de execução e liquidação.
2. Figuras próximas
Dto Obrigações DS 91
Pacto de opção: consiste na declaração contratual de uma das partes num contrato em formação,
enquanto que o pacto de preferência prevê a celebração de um eventual contrato futuro.
3. Modalidades
O pacto de preferência pode ter fonte na lei - preferência legal - ou num contrato - preferência
convencional. Dentro da preferência convencional, esta pode ter, como vimos, eficácia real ou
obrigacional. Quid iuris se tivermos, num caso, três tipos de preferências? Estas são graduadas de
seguinte forma:
Preferência real;
Preferência convencional de eficácia real;
Preferência convencional de eficácia obrigacional.
Será que este dever de comunicação implica que o contrato seja comunicado na íntegra? À primeira
vista, pela letra do art. 416.°/1, parece que sim. No entanto, o art. 1410.°/1 (acção de preferência)
fala-nos dos “elementos essenciais da alienação”: com efeito, a ratio da comunicação aponta para
que devam ser comunicadas todas as cláusulas determinantes e fundamentais para a formação da
vontade do preferente, ou seja, o dever de comunicação abrange as cláusulas essenciais para a
determinação da vontade do preferente. O que se deve entender por cláusulas essenciais?
Condições do preço: é, sem dúvida, essencial.
Identidade do terceiro: apesar de, na maior parte dos casos, ser irrelevante a identidade do
terceiro que se dispôs igualmente a contratar, poderá haver casos em que isto será
Dto Obrigações DS 92
Violação da preferência
Dto Obrigações DS 93
Outra questão que se coloca é a seguinte: contra quem deve ser proposta a acção de preferência?
ANTUNES Varela defende, contra uma orientação jurisprudencial do Supremo que vingou durante
certo tempo, que esta deve ser intentada não só contra o adquirente, mas também contra o alienante,
visto a lei mandar citar os réus, no plural.
Pode suceder que o obrigado aliene, por um preço global, uma ou mais coisas juntamente com a que
é objecto da preferência - muitas vezes, esta é uma forma de o obrigado tentar contornar o pacto de
preferência a que está vinculado. A lei veio tentar resolver este problema no art. 417.°:
Concede-se ao preferente a faculdade de restringir o direito de preferência à coisa a que o
pacto se refere, reduzindo o preço devido à importância que proporcionalmente
corresponde a essa coisa. Na falta de acordo sobre o preço, terá de se recorrer à acção de
arbitragem necessária para fixar o valor proporcional da coisa.
O obrigado pode, contudo, opor-se à separação das coisa, se ela envolver um prejuízo
apreciável para os seus interesses. Neste caso, o titular da preferência terá de exercer o seu
Dto Obrigações DS 94
direito, se não o quiser perder, relativamente ao conjunto das coisas alienadas e pelo preço
global.
Este é um jogo casuístico, na qual o juiz terá uma grande margem de discricionariedade para
apreciar, no caso concreto, se a preferência recai apenas sobre uma coisa ou sobre todas no global.
Pressupõe-se a boa fé do vendedor; porém, se se provar que este está de má fé, o direito de
preferência abrangerá apenas a coisa sobre a qual recai o direito.
Pode também suceder que o obrigado receba de terceiro uma proposta com prestação acessória,
que o preferente não possa satisfazer: A celebra um pacto de preferência com B, dando-lhe o direito
de preferência sobre a sua casa. Passados 15 anos, C quer comprar a casa, comprometendo-se a
prestar a A, que tem já idade avançada, a prestar todos os cuidados de saúde. Como funciona o
direito de preferência nestes casos?
Esta prestação acessória é de todo irrelevante se tiver sido convencionada com o mero intuito
de afastar a preferência (art. 418.°/2).
Esta também não terá qualquer efeito se, não sendo avaliável em dinheiro, não for essencial ao
contrato que o obrigado pretende celebrar.
Se a prestação for essencial, e não havendo intuito fraudulento das partes:
Não sendo avaliável em dinheiro, a preferência fica excluída, mas sem prejuízo da
indemnização a que o seu titular tenha direito.
Sendo avaliável em dinheiro, o titular da preferência que pretenda exercer o seu direito
terá de acrescentar o valor dela ao preço convencionado.
8. Natureza jurídica
O pacto de preferência é assim um contrato sui generis, cujo objecto típico está na obrigação de
escolha daquele que será o futuro contraente, se o obrigado vier a contratar. É um contrato com
prestação de facto positiva: a de escolher determinada pessoa, no caso de o obrigado se decidir a
realizar o negócio. Se o obrigado à preferência celebrar o negócio com terceiro, passa o titular da
preferência a gozar de um verdadeiro direito potestativo, por virtude do qual, mediante uma simples
declaração unilateral de vontade integrada pela sentença judicial, se pode substituir ao adquirente.
Há quem sustente que a prestação de facto a que o obrigado se encontra vinculado é uma prestação
de facto negativa, de não contratar com terceiro. No entanto, não é esta a concepção que se melhor
Dto Obrigações DS 96
se coaduna com a lei, uma vez que, tanto na notificação para preferência, como na acção de
preferência, não se trata apenas de destruir o projecto de contrato ou o contrato, mas sim de investir
o titular da preferência na posição contratual prometida.
Dto Obrigações DS 97
Noção
O contrato a favor de terceiro é o contrato pelo qual uma das partes (promitente) se obrigada
perante outra (promissário) a realizar uma prestação (de coisa ou de facto) a favor de terceiro,
estranho à relação contratual - art. 443.°. Algumas notas sobre os termos em que a lei admite este
contrato:
Apesar de não estar previsto no Código de Seabra, o Código de 1966 veio admitir em termos
bastante amplos os contratos a favor de terceiro. O requisito estabelecido para a validade
destes contratos é paralelo ao que vigora para a constituição de qualquer obrigação: o
promissário tem de ter na prestação prometida ao terceiro um interesse digno de protecção
legal, ou seja, um interesse sério, atendível à luz da ordem jurídica, em atribuir o direito ao
terceiro beneficiário. Este interesse pode revestir carácter patrimonial ou não.
O contrato a favor de terceiro pode ter eficácia meramente obrigacional (n.° 1) ou ainda
eficácia real (n.° 2) - através deste, as partes podem remitir dívidas e constituir, modificar,
transmitir ou extinguir direitos reais.
Não é essencial a esta figura o carácter gratuito da vantagem proporcionada ao beneficiário.
2. Figuras próximas
- Contratos autorizativos de prestação a terceiro: são contratos cuja prestação principal se destina a
terceiro, mas sem que este adquira previamente, segundo a intenção dos contraentes e o próprio
conteúdo do contrato, qualquer direito de crédito à prestação. Não há nestes casos nenhuma
obrigação que o devedor assuma perante o terceiro destinatário. Ao contrário, no contrato a favor de
terceiro, os contraentes procedem com a intenção de atribuir, através dele, um direito de crédito a
terceiro. São exemplos de contratos autorizativos de prestação a terceiro:
Dto Obrigações DS 98
Que terceiros são estes abrangidos no círculo de protecção? Tendo em conta que está precisamente
esse alargamento da responsabilidade, com afrontamento do princípio da relatividade dos efeitos
dos contratos, a jurisprudência e a doutrina alemã limitam este contrato a uma situação de “contacto
social”, caracterizada pelos três elementos seguintes:
Proximidade dos terceiros da prestação devida ao credor.
Interesse especial do credor em proteger os terceiros dos eventuais riscos resultantes da
prestação.
Previsibilidade ou cognoscibilidade dos dois elementos anteriores, por parte do devedor, no
momento da conclusão do contrato.
Dto Obrigações DS 99
O contrato a favor de terceiro é, no seu aspecto instrumental, o meio de que o promissário se serve
para efectuar uma atribuição patrimonial indirecta em benefício de terceiro. A relação entre o
promitente e o promissário é a relação que alimenta, subsidia ou cobre o direito conferido a terceiro,
sendo que é dela que o promitente tira cobertura para a atribuição a que fica adstrito - daí chamar-se
relação de cobertura. Já a relação estabelecida entre o promissário e o terceiro beneficiário é a
relação de valuta.
Como efeito imediato do contrato, o terceiro adquire o direito à prestação, independentemente da
sua aceitação ou conhecimento. Este direito coenvolve o poder de exigir o cumprimento do contrato
- é esta faculdade que dá ao direito à prestação a sua exequibilidade. Porém, a lei atribui igualmente
o poder de exigir o cumprimento do contrato ao promissário, que é um poder instrumental e
acessório, ao serviço do interesse fundamental do terceiro. A lei distingue assim, devidamente, o
direito à prestação e o poder de exigir o seu cumprimento:
Art. 444.°/1: o terceiro adquire o direito à prestação, que inclui o direito de exigir o
cumprimento.
Art. 444.°/2: o promissário pode “igualmente” exercer a faculdade de exigir o cumprimento,
para além do terceiro.
No entanto, quando se trate de promessa de exonerar o promissário de uma dívida que este tenha
com um terceiro, só o promissário pode exigir o cumprimento da promessa. Isto permite distinguir o
contrato a favor de terceiro da assunção de dívidas, em que o credor adquire o direito de exigir do
assuntor a realização da prestação devida (art. 595.°) - já na promessa de exonerar o promissário de
uma dívida deste para com um terceiro, o promitente obriga-se a pagar a dívida, mas não a assume.
Vimos que o terceiro adquire direito à prestação como efeito imediato do contrato,
independentemente da aceitação ou até do conhecimento da celebração do contrato. Porém, nos
termos do art. 447.°, o terceiro pode aceitar ou rejeitar a promessa:
A aceitação ou adesão deve ser comunicada ao promitente, uma vez que é sobre este que recai
o dever de cumprir, e ao promissário. A comunicação da adesão ao promissário justifica-se
por esta ter um efeito útil, a de precludir a revogação da promessa por parte do
Dto Obrigações DS 100
promissário. Assim, enquanto que a adesão não for comunicada ao promissário, mesmo
que o seja ao promitente, pode aquele revogar a promessa; enquanto não for comunicada ao
promitente, não incorrerá este em mora, nem estará vinculado aos deveres secundários de
conduta.
O terceiro pode também rejeitar o direito: embora a sua atribuição representa para o
beneficiário uma vantagem, entende-se que esta não deve ser imposta contra a sua vontade.
O direito de rejeitar é um direito potestativo do terceiro beneficiário, e destrói
retroactivamente os efeitos da aquisição imediata do direito, reconstituindo a situação
jurídica existente no momento anterior à celebração do contrato. A rejeição faz-se mediante
declaração ao promitente, uma vez que é este que tem o dever de cumprir, devendo
comunicá-la ao promissário. Se aquele, culposamente, não o fizer, será responsável perante
o promissário.
Algumas notas sobre a revogação - art. 448.°.
A faculdade de revogação pode ser afastada por convenção em contrário.
Se a prestação for para ser realizadapost mortem, presume-se que só depois de o
promissário falecer é que o terceiro adquire o direito à prestação, logo a
promessa é revogável enquanto o promissário for vivo - art. 448.°/1 e art.
451.°.
O direito de revogação pertence ao promissário (art. 448.°/2, 1a parte); porém, se for feita em
benefício de ambas as partes, a revogação pressupõe o consentimento de ambos (2a parte).
Exemplo: A, banco, promete a B que abre um crédito a favor de C. Como esta promessa é
feita igualmente no interesse do banco, a revogação por parte de B depende do seu acordo.
O promitente apenas pode opor ao terceiro, nos termos do art. 449.°, os meios de defesa derivados
do contrato, ou seja, da relação de cobertura. É o que sucede, por exemplo, se o contrato for nulo ou
anulável por carência de forma ou por falta ou vícios da vontade; se caducar por verificação da
condição resolutiva ou não verificação da condição suspensiva; se houver fundamento para a
excepção de não cumprimento - todos estes meios de defesa são oponíveis quer ao promissário,
quer ao terceiro.
O que o promitente não pode fazer é invocar os meios de defesa baseados em qualquer outra
relação entre ele e o promissário, ou na relação de valuta entre promissário e terceiro - é assim que
se deve ler o art. 449.°, 2a parte. O direito à prestação está afectado pelos vícios genéticos do
contrato (entre promitente e promissário), sendo alheio a vícios de outras relações.
O destinatário da prestação estipulada nos contratos a favor de terceiro é, em regra, uma ou mais
pessoas determinadas; mas pode suceder, e acontece frequentemente nas liberdades modais ou com
encargos (o modo é uma cláusula acessória típica pela qual, nas doações e liberalidades
testamentárias, o disponente impõe ao beneficiário da liberalidade um encargo, ou seja, a obrigação
de adoptar um certo comportamento no interesse do disponente, de terceiro ou do próprio
beneficiário - art. 963.° e 2244.°) que a prestação vise proteger um interesse público ou se destine a
um conjunto indeterminado de pessoas. Por exemplo: doam-se certos quadros, mas com o encargo
de o donatário os manter expostos ao público; doa-se um prédio rústico com o encargo de o jardim
continuar a ser utilizado pelas crianças de uma certa localidade.
A natureza dos interesses favorecido e a falta de pessoa determinada que zele pelo cumprimento da
prestação fazem com que a lei introduza certas especialidades no tratamento jurídico:
O direito de exigir o cumprimento pertence ao promissário e aos seus herdeiros (esta é a regra
geral), mas também às entidades competentes para a tutela dos interesses em causa - art.
445.°.
Por outro lado, recusa-se a essas entidades, bem como aos herdeiros do promissário, o poder
de disporem da prestação, uma vez que esta não se destina a satisfazer o interesse
particular deles, mas o interesse ideal do doador e, nalguns casos, o interesse público - art.
446.°/1.
Por último, atribui-se às entidades competentes e aos herdeiros do promissário o direito de exigirem
a indemnização devida, no caso de impossibilidade imputável ao promitente. Ponto é que o
montante indemnizatório ficará adstrito à realização do fim social, dos interesses vidados pelo
doador.
Noção
O contrato para pessoa a nomear é o contrato em que uma das partes se reserva a faculdade de
designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato
tivesse sido celerado com esta última - art. 452.°/1. Não há aqui nenhum desvio ao princípio da
eficácia relativa dos contratos: o contrato produz os seus efeitos apenas entre os contraentes que,
enquanto não há a designação do amicus electus, são os outorgantes do contrato. Depoos da
designação, o contraente passa a ser já não o outorgante, mas a pessoa designada - art. 455.°/1.
2. Figuras próximas
no contrato para pessoa a nomear, uma vez efectuada a nomeação, os efeitos do negócio
encabeçam-se retroactivamente na titularidade da pessoa nomeada.
Contrato promessa: o contrato para pessoa a nomear é um contrato definitivo.
3. Regime jurídico
Desde logo, a lei não admite a reserva de nomeação quando (art. 452.°/2):
Não seja possível a representação - temos aqui uma espécie de representação.
Seja indispensável a determinação dos contraentes.
Para que a declaração de nomeação seja eficaz, é necessário que se verifiquem os seguintes
requisitos - art. 453.°:
A nomeação tem de ser feita por documento escrito;
Dentro do prazo convencionado ou, na falta de convenção, dos cinco dias posteriores à
celebração do contrato;
E deve ser acompanhada do instrumento de ratificação do contrato ou de procuração anterior
ao contrato.
Ratificação: tem de constar de documento escrito, art. 454.°/1, salvo se o contrato tiver
sido celebrado por documento mais solene, caso em que a ratificação tem de ter
forma igual à do contrato (art. 454.°/2 e 413.°).
Procuração: também pode suceder que o terceiro nomeado, antes de um dos contraentes
ter celebrado o contrato, tenha passado uma procuração, caso em que esta deve
constar da declaração de nomeação.
4. Natureza jurídica
1. Tese da representação: segundo alguns autores, o contrato para pessoa a nomear é uma
modalidade especial da representação, em que o dominus negotii é designado em data posterior, ou
seja, o titular do contrato seria representado “de modo anónimo”. Existem algumas semelhanças
entre a representação e o contrato para pessoa a nomear:
Uma vez nomeada a pessoa, tudo se passa como se tivesse havido representação.
Se a cláusula tem por trás uma procuração anterior, maiores são as afinidades com a
representação (embora se aproxime mais de um mandato sem representação).
Não se admite a cláusula para pessoa a nomear nos casos em que não é admitida a
representação.
Porém, o recurso à ideia da representação anónima não toca num aspecto fundamental da cláusula:
não só o contrato é celebrado em nome próprio, ou seja, não existe a contemplatio domini
característica da representação; como existe a possibilidade de o contrato se vir a consolidar na
titularidade do interveniente. Na representação os efeitos produzem-se directamente na esfera do
representado ab initio, não há qualquer eficácia retroactiva. Também não se aplica o preceito
relativo à representação sem poderes, art. 268.°.
2. Tese da condição: esta tese, mais certeira, defende que a cláusula para pessoa a nomear é uma
condição do contrato - de efeito resolutivo, quanto à titularidade do interveniente, e de efeito
suspensivo, quanto à aquisição da pessoa nomeada. No fundo, o contrato para pessoa a nomear
tem, quanto a uma das suas partes, dois sujeitos em alternativa: quando uma das partes se reserva o
direito de nomear, fica o contrato celebrado suspenso da aquisição pelo nomeado; quando há a
nomeação, esta nomeação tem um efeito resolutivo da aquisição pelo nomeante. Não havendo este
efeito resolutivo, o negócio mantém-se válido e eficaz entre os contraentes originários.
Princípio da tipicidade
Nos negócios bilaterais, vale o princípio da liberdade contratual, e nos negócios unilaterais? Deverá
admitir-se livremente como fonte de obrigações? O art. 457.° dá-nos uma resposta: a promessa
unilateral de uma prestação só obriga (ou seja, só é fonte de obrigações) nos casos previstos na leis,
pelo que nos negócios unilaterais vale o princípio da tipicidade. Para ANTUNES VARELA, a
explicação deste princípio assenta no facto de não ser razoável manter alguém irrevogavelmente
obrigado perante outrem, com base numa simples declaração unilateral de vontade, visto não haver
conveniências práticas do tráfico que o exijam, nem quaisquer expectativas do beneficiário dignas
de tutela.
CALVÃO DA SILVA interpreta este princípio como assente no sistema da causalidade - o nosso
sistema é o da causalidade, não da abstracção, o que significa que não devemos admitir declarações
abstractas, das quais não se saiba qual a causa material subjacente. Ao contrário do direito alemão,
que funciona num sistema de abstracção, o ordenamento português quer sempre saber qual a causa
real dos efeitos jurídicos, sendo que a última ratio deste princípio podemos vê-la no enriquecimento
sem causa. Isto com excepção do Direito Comercial, no qual, em nome da circularidade dos títulos
de crédito, se entra na abstracção - os cheques, por exemplo, circulam abstraindo da sua causa
inicial, da primeira relação que lhe deu origem; caso contrário (por exemplo, se a primeira compra e
venda fosse nula e o cheque devesse ser restituído), não haveria fiabilidade no cheque como meio
de pagamento.
Assim, CALVÃO DA SILVA defende que se deve fazer uma interpretação restritiva deste artigo de
acordo com a sua racionalidade, expandido ao máximo a validade das promessas unilaterais. E a
interpretação restritiva é a que coincide com o princípio da causalidade: a promessa unilateral de
uma prestação não causada só obriga nos casos previstos da lei. É esta a ratio legis desta
limitação, posto que, a partir do momento em que uma promessa unilateral tem uma causa real,
tem-se controlo sobre ela.
3. Promessa pública
Assim, abstraindo dos negócios unilaterais instrumentais (ex: a resolução do contrato), o Código
apenas prevê e regula as promessas públicas. Diz-se promessa pública a declaração, feita mediante
anúncio, na qual o autor se obriga a dar uma recompensa ou gratificação a quem se encontre em
determinada situação ou pratique certo facto. O anúncio pode ser feito por intermédio da imprensa,
televisão, rádio, afixação em lugar público, etc., e tem geralmente o sentido de um prémio ou
recompensa pela prática de certo facto: por exemplo, a descoberta de um criminoso, a entrega de
um animal perdido ou o melhor aproveitamento numa escola. Não se confunde com as ofertas ao
público a que se refere o art. 230.°/3, que são propostas negociais que, fazendo parte de um contrato
em formação ou em mera expectativa, só se aperfeiçoam com a aceitação da outra parte, que
completa o ciclo da formação contratual.
Os concursos públicos, previstos no art. 463.°, são um tipo de promessa pública, na qual a intenção
normal do promitente é a de galardoar um ou alguns dos concorrentes.
Noção
A gestão de negócios caracteriza-se pela intervenção, não autorizada, das pessoas na direcção de
negócio alheio, feita no interesse e por conta do respectivo dono. Com efeito, surgem na prática
diversas situações em que é necessário prover em lugar do titular do direito, a fim de evitar graves
prejuízos - é o que sucede no caso de a pessoa estar afastada e haver actos urgentes que importa
praticar para a defesa, conservação ou frutificação dos bens. O exemplo típico da gestão de
negócios é aquele que, carecendo o imóvel de reparação urgente numa altura em que o dono se
encontra ausente, um vizinho diligente encarrega o empreiteiro de efectuar a obra.
2. Requisitos
Para que haja gestão de negócios, é necessário que estejam verificados os seguintes três requisitos.
1) Direcção de negócio alheio: a expressão negócio não é aqui utilizada no seu sentido técnico-
jurídico, tendo antes o significado de assunto, interesse alheio. Esta expressão denota que a gestão
de negócios não se estende, em princípio, a todo o património do beneficiário, mas apenas a algum
ou alguns interesses isolados. Notas:
A actuação do gestor tanto pode concretizar-se na realização de negócios jurídicos em sentido
estrito, como na prática de actos jurídicos não negociais, como ainda em simples factos
materiais.
Este interesse tanto pode ser um interesse material como um interesse espiritual.
Aqui cabem não só os actos relativos a bens pertencentes ao dono do negócio como os actos
que a este incumba realizar.
Se estiverem em causa interesses próprios, que o agente erroneamente considere de outrem,
não chega a pôr-se nenhum dos problemas específicos da gestão. Se, pelo contrário,
estiverem em jogo interesses alheios, que o agente erroneamente supõe serem seus,
também não há gestão, uma vez que esta pressupõe a consciência e a vontade de dirigir
negócio alheio.
Actuação no interesse e por conta do dono do negócio: é necessário que o gestor actue no interesse,
e ainda por conta, do dono do negócio, ou seja, que a sua intervenção decorra intencionalmente em
proveito alheio.
Não é necessário, note-se, que actue em nome alheio, como iremos ver. É, sim, necessário que
a actividade do gestor se destine a satisfazer um interesse alheio, preenchendo uma
necessidade de outra pessoa, e que aja por conta de outrem, ou seja, na intenção de
transferir para a esfera jurídica de outrem os proveitos e encargos da sua intervenção -
senão os efeitos jurídicos, pelo menos os efeitos práticos.
Se o gestor agir no seu exclusivo interesse, falta um requisito essencial do espírito do sistema,
que é precisamente o de estimular a intervenção útil nos negócios alheios carecidos de
direcção. É preciso distinguir duas situações:
O gestor age no seu interesse por supor erroneamente que o negócio lhe pertence:
aplicam-se as regras do enriquecimento sem causa.
O gestor age no seu interesse conscientemente: temos uma falsa gestão ou gestão
imprópria, em que o gestor gere negócio alheio com a intenção de carrear para o seu
património os proveitos da intromissão na esfera jurídica de outrem. Neste caso,
aplicam-se as regras da responsabilidade civil.
3) Falta de autorização: a gestão pressupõe por fim a falta de autorização, ou seja, a inexistência
de qualquer relação jurídica entre o dono do negócio e o agente, que confira a este o direito ou lhe
imponha o dever legal de se intrometer nos negócios daquele. A gestão supõe, portanto: a falta de
mandato, de poderes voluntários, de poderes legais de representação ou administração, etc.
Havendo uma causa pela qual o agente esteja obrigado ou autorizado a intervir no negócio alheio,
os direitos e obrigações entre as partes são os derivados dessa relação. Se o agente supuser
erroneamente que tem o dever de intervir, aí já não há motivos para não se aplicar as regras da
gestão de negócios, uma vez que todos os seus requisitos essenciais estão preenchidos - note-se que
não é necessário que o dono do negócio ignore a intervenção do gestor.
A nossa lei não impõe directamente ao gestor o dever de prosseguir a gestão iniciada, todavia
consagra este dever de continuação indirectamente, ao responsabilizar o gestor pelos danos que
resultarem da injustificada interrupção da gestão (art. 446.°/1).
Quanto à capacidade e diligência com que o gestor deve agir, discute-se se o critério deve ser
objectivo, ou seja, baseado na diligência exigível quanto à administração de bens alheios, ou um
critério subjectivo, assente no grau de capacidade e diligência revelado pelo gestor na administração
dos seus próprios interesses. ANTUNES VARELA defende que se deve aceitar a tese da culpa in
concreto - pelo carácter espontâneo e altruísta da acção do gestor e pelos riscos a que
desnecessariamente se expõe, seria injusto exigir dele que pinha na direcção de interesses alheios
maior zelo do que na gestão do seu próprio património.
Como resolver um conflito entre o interesse e a vontade do dono? Note-se que a lei apenas
considera haver conflito quando a vontade seja contrária à lei ou ordem pública, ou ofensiva dos
bons costumes - art. 465.°/a). No entanto, podemos dizer que o gestor deve:
Abster-se de praticar os actos que o dono do negócio não praticaria, por mais favoráveis que
sejam aos seus interesses;
Abster-se de praticar o actos que o dono praticaria, mas que sejam condenados por uma
judiciosa ponderação dos seus interesses;
Praticar os actos favoráveis que o dono só não queira realizar por ignorância de certos factos
conhecidos do gestor (art. 1162.°).
informações relativas à gestão, para que o interessado possa acompanhar a sua evolução e
tomar oportunamente as providências que considerar necessárias.
A aprovação é o juízo global de concordância com a actuação do gestor, emitido pelo dono do
negócio, ou seja, é a declaração de que considera a gestão, no geral, conforme ao seu interesse e à
sua vontade. Havendo aprovação da gestão (mesmo que esta não tenha correspondido ao seu
interesse e vontade!) resultam deste facto duas consequências, art. 469.°:
Por um lado, cessa a responsabilidade do gestor pelos danos que eventualmente tenha
causado;
Por outro lado, reconhece-se ao gestor o direito de ser reembolsado das despesas que fez, com
os respectivos juros, e de ser indemnizado do prejuízo que sofreu por causa da gestão.
A gestão não dá, porém, direito a ser remunerado, salvo se corresponder ao exercício da
actividade profissional que o gestor exerça (art. 470.°/1 e 2).
E se não houver aprovação? É aqui que se reflecte a distinção entre gestão regular e gestão
irregular:
Gestão regular: se se fizer prova da regularidade da gestão, ou seja, que o gestor agiu em
conformidade com o interesse e a vontade do dono, mesmo não havendo aprovação, ele
terá os mesmos direitos que lhe competiriam, no caso de a gestão ter sido aprovada:
direito a reembolso das despesas com juros e direito de ressarcimento dos danos sofridos.
Gestão irregular: se a gestão tiver sido contrária ao interesse e vontade do dominus e este não
a tiver aprovado, o gestor só terá direito à restituição do valor com que o dono do negócio
injustamente se tiver enriquecido à sua custa, para além de responder pelos danos que haja
causado, já que agiu ilicitamente.
Note-se que a aprovação, como juízo global de valor sobre a actuação do gestor, distingue-se da
ratificação, que é a declaração de vontade pela qual alguém faz ou chama a si o acto jurídico
realizado por outrem em seu nome, mas sem poderes de representação. Pode haver:
Aprovação sem ratificação: se o dono não quiser contestar os direitos atribuídos por lei ao
gestor, mas não se dispuser a chamar a si algum ou alguns dos negócios que celebrou em
seu nome.
Ratificação sem aprovação: se o dono quiser chamar a si os negócios que o gestor realizou em
seu nome, ou alguns deles, mas entender que este não respeitou a sua vontade ou não agiu
em conformidade com os seus interesses.
Se o gestor tiver realizado quaisquer actos jurídicos no âmbito da sua actividade, em que termos se
repercutem tais actos na esfera jurídica do titular dos interesses atingidos?
É necessário distinguir entre a gestão representativa, quando o gestor age em nome de outrem, e a
gestão não representativa, quando o gestor age em nome próprio.
1) Gestão representativa, art. 471.°, 1a parte: temos uma gestão representativa quando o gestor
celebra negócios jurídicos em nome do dono do negócio. O art. 471.°/1 manda aplicar a estes
negócios os princípios da representação sem poderes, art. 268.°: no fundo, temos aqui uma gestão,
uma vez que o gestor não tem poderes jurídicos que o autorizem; e uma representação, uma vez que
actua em nome do dono. Qual o regime da representação sem poderes:
O negócio será eficaz se for ratificado pela pessoa em cujo nome foi celebrado, considerando-
se a ratificação recusada se não for feita dentro do prazo que a outra parte estabeleceu para
o efeito.
O negócio será ineficaz em relação ao dono, se não for por ele ratificado.
2) Gestão não representativa, art. 471.°, 2a parte: temos uma gestão não representativa quando o
gestor celebrar negócios em seu próprio nome. Neste caso, o regime é o do mandato sem
representação, art. 1180.° e segs. O mandato é uma modalidade do contrato de prestação de
serviços, aplicando-se o seu regime aos demais contratos de prestação de serviço (é o contrato
modelo). Note-se que a gestão representativa não é um mandato - este serve apenas para realizar
actos jurídicos, podendo ser um mandato com representação (existe a contemplatio domini) ou sem
representação (actua-se apenas no interesse e por conta de outrem). Qual o regime do mandato,
aplicável à gestão não representativa?
Os efeitos do negócio aproveitam imediatamente ao gestor, ou seja, este fica vinculado pelos
actos que celebra, tudo se passando como se não tivesse havido gestão (ainda que esta seja
conhecida).
No entanto, este tem a obrigação de trasnferir para o dono os direitos e obrigações que
adquiriu, o que se faz através de um segundo negócio.
Se alguém gerir negócio alheio, convencido de que esse assunto é seu, temos uma gestão de negócio
alheio juglado seu. Nestes casos, se houver aprovação do verdadeiro dono, aplicam-se as regras da
gestão de negócios; se não houver, aplicam-se as regras do enriquecimento sem causa - o dono deve
reembolsar a diferença entre as despesas que o vizinho efectuou e aqueles que ele efectuaria. No
entanto, se houver culpa na violação do direito alheio, serão aplicáveis as disposições relativas à
responsabilidade civil (n.° 2), ou seja, o aquele que geriu negócio alheio terá de indemnizar o
verdadeiro dono pelo prejuízo que causou com a gestão.