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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Obrigações
Aulas Teóricas

1º Aula: 06/02/2023
Livro II, CC: Direito das Obrigações
Obrigações em geral (o que vamos estudar)
Contratos em especial

Fontes das obrigações: como surge uma obrigação?


Fontes principais: Contrato e Responsabilidade civil
Outras fontes das obrigações
• Negócios jurídicos unilaterais
• Gestão de negócios
• Enriquecimento sem causa

Vamos ainda estudar uma modalidade de obrigação quanto ao objeto:


obrigação de indemnizar.
Dentro do contrato, vamos estudar o contrato promessa.

Obrigação:
Sentido comum ou corrente: dever com aplicação no campo moral, nas regras
de trato social.
Obrigação no plano jurídico (em sentido amplo): situação jurídica passiva
(porém, isto inclui o dever, a sujeição, o ónus); situação em que alguém tem a
necessidade de adotar um certo comportamento ou aceitar os efeitos jurídicos da
atuação de outrem
Obrigação em sentido técnico-jurídico (art. 397º): vínculo jurídico por virtude
do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação

Diferenças em relação ao conceito de obrigação em sentido amplo:


A obrigação não é vista apenas do lado passivo, ou seja, como uma situação
jurídica, mas sim como uma relação jurídica entre duas pessoas (devedor e credor) –
ou seja, a obrigação abrange uma situação jurídica passiva, assim como uma situação
jurídica ativa.

Mesmo quando perspetivada do lado passivo, a obrigação, enquanto situação


jurídica passiva, é um dever jurídico, distinguindo-se da sujeição e do ónus. Dentro dos
deveres jurídicos, temos duas grandes categorias:
 Deveres gerais ou universais: dever de respeito pelos direitos absolutos,
principalmente (não constituem uma obrigação em sentido técnico-
jurídico – correspetivo de um direito absoluto

 Deveres específicos: a obrigação é um dever específico/ especial; exige


uma conduta destinada a satisfazer um interesse concreto/específico de
alguém; tenho de conseguir identificar uma relação jurídica –
correspetivo de um direito relativo

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A obrigação não é uma sujeição, pois na sujeição não podemos fazer nada (os
efeitos produzem-se de forma inelutável), não existe a necessidade de adotar um certo
comportamento para produzir efeitos jurídicos; uma obrigação pode ser incumprida,
pois existe uma conduta esperada, que se pode ou não verificar; a sujeição não pode
ser incumprida.

A obrigação não é um ónus, pois o ónus consiste na necessidade de adotar um


comportamento para conseguir ou manter um certo benefício; o ónus satisfaz o
próprio agente (comportamento do agente para consigo próprio), enquanto a
obrigação consiste num dever para com um terceiro; a não satisfação do ónus não é
um ato ilícito; o incumprimento de um dever é um ato ilícito.

Porém, nos contratos podem existir mais do que uma prestação. No contrato
de compra e venda, existe a obrigação de pagar o preço, e a obrigação de entregar a
coisa. Assim, temos uma relação jurídica complexa.
o Dentro da própria obrigação de entregar a coisa, existe não só o dever
principal de prestação, mas também os deveres secundários (entregar a
coisa com cuidado, a tempo, o objeto tem de ser conservado, etc.).

2º Aula – 08/02/2023

Artigo 397º - o que é que o legislador entende por obrigação – conceito é nos
dado neste artigo. Este é um dever jurídico específico e distingue-se de um estado de
sujeição, de um ónus jurídico.

Características da obrigação:
Importa primeiramente saber que a relação jurídica obrigacional não pode ser
entendida num sentido tao simples como o explicado no artigo 397º. Esta não aparece
de forma una ou simples, utilizamos para este efeito a noção de obrigação com
contraste dos efeitos essenciais do contrato de compra e venda. Aqui temos duas
obrigações recíprocas: a de pagar o preço e entregar a coisa.

1. Relação Complexa
Simples esquema:
- Deveres principais ou primários;
- Deveres secundário;
• Deveres secundários acessórios;
 Deveres secundários com prestação autónoma:
I. Deveres que sejam cumuláveis com a prestação principal;
II. Deveres que sejam sucedâneos com a prestação principal

A obrigação trata-se de um conceito complexo, a relação obrigacional está para


lá de um dever de prestar, podem surgir mais do que um dever de prestar. No caso da
CV estamos perante uma relação obrigacional que tem para seu efeito duas
obrigações.
A relação obrigacional não se esgota nos deveres principais de prestação. Na
relação obrigacional vamos encontrar também realidades que têm de lá estar

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obrigatoriamente. A relação obrigacional não se esgota nos deveres primários ou


principais de prestação, mas ainda os deveres secundários.

Exemplo: Peça de loiça que devia ser devidamente embalada quando


comprada para ser transportada. Ora, evidentemente dir-se-á que o dever primário da
prestação é cumprido quando o vendedor entrega a peça de loiça, mas se nós
acharmos que a peça de loiça deve ser embalada então na verdade embora ele esteja
a cumprir obrigação da forma como ela é em abstrato definida pela lei, ou seja:
obrigação de entregar a coisa (supostamente está a realizar a prestação que deve) mas
em bom rigor não está a fazê-lo de forma adequada e isto dá sentido ao nascimento de
uma outra categoria dentro da relação obrigacional complexa.
NOTA: A relação obrigacional ou a obrigação já não é extensível como uma
relação una ou simples precisamente porque dentro dos próprios deveres primários ou
principais de prestação encontramos regularmente mais do que um, mas transitando
dos deveres primários ou principais de prestação para outras realidades percebemos
que de facto mais se reforça esta natureza complexa da relação obrigacional.

É complexa porque:
• Dentro dos deveres primários, encontramos várias obrigações
• Para além destes, temos ainda deveres secundários

Dentro da relação obrigacional complexa nasce uma nova categoria, uma vez
que dentro dos principais deveres primários encontramos mais do que um e mais se
reforça a natureza complexa desta relação. Além dos deveres primários, que são o
núcleo da obrigação e que nos permitem identificar o tipo de contrato em causa,
encontramos os deveres secundários de prestação.

Deveres secundários de prestação dividem-se em duas categorias: uma


primeira que são os deveres secundários acessórios e uma segunda que são os deveres
secundários com prestação autónoma. Já estamos fora dos deveres principais, já não
se trata de entregar a coisa ou pagar o preço. Esta terminologia é variável – professor
Almeida Costa – manual de referência.

Deveres secundários acessórias – deveres que têm uma relação de


acessoriedade com os deveres principais. Quando falamos estamos destes estamos no
fundo a falar de deveres que se destinam a preparar o cumprimento ou a assegurar a
perfeita realização do cumprimento. Falamos de um dever secundário acessório, uma
vez que a embalagem se destina a evitar que um determinado material se venha a
partir. Trata-se sempre de um ato que se destina a preparar o cumprimento ou a
assegurar a perfeita realização do mesmo, em alguns casos antecedendo o
cumprimento, ou acompanhando o ato do cumprimento. Um devedor num ato de
entregar uma coisa nem sempre podemos dizer que cumprir o cumprimento.

Deveres secundários com prestação autónoma – devemos distinguir duas


categorias dentro desta subcategoria. Subdivide-se em cumuláveis com a prestação
principal ou então sucedâneos da prestação principal.

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Com prestação autónoma significa que não se trata de deveres que se destinam
a assegurar o cumprimento ou a perfeição do mesmo. São atos autónomos desta
prestação principal. Têm vida própria, junta-se ao cumprimento da prestação principal.
 Ex: o devedor deve cumprir pontualmente e quando se diz
pontualmente significa que deve cumprir a obrigação em todos os
elementos que a constituem e em tempo. Se a obrigação não for
cumprida em tempo há indemnização por atraso da mesma – art. 804º e
seguintes do CC. Como forma de assegurar os danos que este atraso
provocou ao credor. Este é um caso de cumuláveis, uma vez que o
devedor apesar de já ter passado o tempo continua a ter a obrigação de
entregar o que deve. Este dever de indemnizar junta-se ao dever de
prestação principal. O devedor terá de pagar o movel e ainda pagar a
indenização.

No caso do sucedâneo, trata-se de algo que substitui a prestação principal. O


devedor tinha de entregar o movel, e deu-se um incendio.
 Se chegarmos à conclusão de que o incendio não foi culpa do devedor
este exonera-se da obrigação – regra do artigo 790º, nº1 – obrigação
dele de entregar a coisa, mas há dever de pagamento? Problema do
risco resolvida no artigo 796º, nº1 – o risco corre por conta do
adquirente, porque pelo artigo 408º o direito de propriedade já se
encontra na esfera jurídica do mesmo. O risco encube-se ao
proprietário. Se o quadro for comprado, a transferência do direito de
propriedade dá-se pelo mero efeito da celebração do contrato. Sendo
assim, a lei estabelece que a regra é que o comprador teria de pagar o
preço e não recebe o quadro (solução mais simplista).
 No entanto, no caso do sucedâneo, impossibilidade culposa, o devedor
está obrigado a indemnizar o valor do quadro. Em vez de entregar o
quadro, entrego uma prestação/indemnização no valor do mesmo
(artigo 801º - regra geral casa-se com o 798º).
Explicação idêntica à anterior:
Se o incêndio não for culpa do devedor, este considera-se exonerado da
obrigação – art.º. 790º/1. Nos termos do artigo 796º/1: O risco corre por conta do
adquirente. Esta regra justifica-se devido ao princípio do art. 408º (transferência
imediata de direitos reais). No caso do quadro, mesmo que este ainda esteja na loja, o
seu proprietário já é o comprador. A lei estabelece que como o adquirente já é o
proprietário, tendo havido o perecimento por causa não imputável ao alienante, o
comprador tem de pagar o preço.
Se o incêndio foi culpa do devedor, estamos perante uma impossibilidade de
cumprimento culposa. Se houver uma impossibilidade culposa, o devedor está
obrigado a indemnizar o comprador, no valor correspondente ao valor do quadro.
Assim, o dever principal de entrega da coisa é substituído por este dever secundário
sucedâneo de indemnização – a indemnização substitui a prestação principal (798º +
801º).
Nota: Art. 804º ss. do CC – mora. É cumulável com o dever principal.

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Deveres laterais

A doutrina identifica ainda deveres laterais. São deveres que também integram a
relação obrigacional – que é uma relação complexa. Trilogia de deveres laterais
proposta do professor Menezes Cordeiro.
 Deveres de proteção
 Deveres de esclarecimento
 Deveres de lealdade

De onde nascem estes deveres laterais? Na verdade, podemos identificar 3 fontes


possíveis para estas 3 categorias:

1º: podem seguir uma cláusula contratual: as partes decidiram disciplinar a relação
obrigacional de forma tal que fizeram nascer deveres laterais desta natureza.

2º: podem resultar de uma norma ad hoc (uma disposição legal) que para aquela
situação concreta proveja o e o comprimento de onda terminar de ver lateral.

3º: podem resultar de uma norma que é muito importante que é a norma que
estabelece a exigência da boa-fé no cumprimento da obrigação, e que norma é essa? É
no fundo uma norma chapéu, uma norma que tem um grande alcance é que se
aplicará a todas as relações obrigacionais independentemente das suas circunstâncias
– artigo 762º (é uma norma que manda aplicar o princípio da boa-fé quer ao devedor
quer ao próprio credor. E isto significa o quê? Deve adotar medidas de proteção? Deve
esclarecer o criador se tal se apresentar necessário? Deve por outro lado para além
destas duas ser leal com o credor? Estes deveres laterais são deveres que surgem em
resultado da boa-fé. A doutrina identifica ainda outras situações jurídicas

1. Direitos potestativos:
 Ex: Direito de resolver um contrato quando haja incumprimento definitivo
da obrigação. Art. 808º - converter a mora em não cumprimento definitivo
por perde de interesse.

Incumprimento definitivo surge devido a:


o Impossibilidade da prestação
o Perda de interesse do credor
o Incumprimento do segundo prazo estabelecido pelo credor, após mora
do devedor
A situação de incumprimento definitivo leva a que o credor se torne titular de
um direito potestativo de resolver o contrato, libertando-se da sua obrigação –
designadamente do pagamento do preço. O direito de resolução está previsto no art.
801º/2 – direito potestativo. Estado de sujeição: situação em que se encontra o
devedor perante o direito de o credor resolver o contrato, quando exista um
incumprimento definitivo

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 Exceção: situações em que a prestação não tem de ser realizada,


existindo justificação para tal. Justificações para a não realização da
prestação. Ex: exceção de não cumprimento e direito de retenção.
Direito de retenção
Surge a propósito do contrato de promessa. Um contrato de promessa pode
gerar obrigações para ambas as partes (há obrigação de venda e obrigação de compra)
ou apenas para uma das partes (o vendedor está obrigado a vender, mas o comprador
não está obrigado a comprar, por exemplo). Supondo que estamos perante um
contrato promessa bilateral.
 Se o promitente vendedor não cumprir a promessa, a lei permite que o
promitente comprador possa pedir a execução específica da promessa
(pedir ao tribunal para decretar o efeito que as partes pretendiam) OU
pode resolver o contrato promessa. Nesse caso, terá direito a uma
indemnização pelos danos sofridos. Quando há um sinal, o promitente
comprador não precisa de provar os danos (442º). A indemnização é
calculada nos termos do sinal. Pela existência do sinal, já está estipulado
o valor da indemnização.

 Supondo que o comprador já estava a viver na casa, este tem o direito


de retenção, ou seja, o direito de permanecer na casa, até que o
vendedor pague a indemnização (755º nº1, alínea f). O promitente
comprador tem o direito de retenção.
Pode haver ainda ónus, expectativas…

Conclusão: a relação obrigacional não pode ser entendida como uma realidade
simples. É uma realidade mais rica do que o artigo 797º nos transmite.
 Exemplo: Contrato de arrendamento entre A e B. B é o arrendatário e vai
viver para sua casa com a sua família e o cão. O proprietário não cumpre o
dever de manter/ cuidar do locado. Cai um pedaço de teto em cima da
mulher do arrendatário, causando danos graves.

Qual a responsabilidade que o proprietário tem para com esta senhora? Não há
um vínculo entre eles… Se se aplicar o regime da responsabilidade extracontratual, o
lesado tem de provocar a culpa do autor da lesão. Ausência de presunção de culpa. Se
se aplicar o regime da responsabilidade obrigacional, há uma presunção de culpa.
Demonstração do interesse da relação obrigacional complexa. O proprietário tem
deveres principais de prestação para com o proprietário. Porém, devido à
complexidade da relação obrigacional, também tem deveres laterais que abrangem
todas as pessoas que convivem com o credor. Ideia de que a relação obrigacional vai
para lá dos deveres principais de prestação, faz estender os efeitos do contrato.
Estender os efeitos obrigacionais para lá da esfera tradicional.

O contrato de arrendamento é um contrato com eficácia de proteção para


terceiros, pois faz nascer deveres laterais, dentro dos quais se encontra a proteção das
pessoas que vivem com o arrendatário. Isto leva a que possamos aplicar a
responsabilidade contratual. O contrato não existe apenas para a relação entre as
partes.

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2. Patrimonialidade
Quanto ao conteúdo da obrigação. A obrigação tem de ter conteúdo
patrimonial? Tem de ter valor pecuniário? Não. Art. 398º/2. A patrimonialidade não é
característica da obrigação.
Quanto aos efeitos do não cumprimento da obrigação. É uma dimensão em que
a patrimonialidade tem de ser reconhecida.
 Art. 601º CC – o que responde é o património do devedor. Quando há uma
situação de não cumprimento, os efeitos são patrimoniais e não pessoais.
 Neste sentido, a obrigação é patrimonial.

3. Autonomia
Trata-se de uma característica tendencial. Uma obrigação não autónoma é aquela
que está dependente de um direito preexistente, surgindo em resultado de um
vínculo jurídico anterior.
 Exemplo 1: Os condóminos estão obrigados a pagar um montante
para a conservação das partes comuns. Esta é uma obrigação não
autónoma, pois surge em virtude de uma pessoa ser condómino: em
virtude de vínculos jurídicos anteriores.

 Exemplo 2: a obrigação de alimento entre os cônjuges surge por


virtude de serem cônjuges, pelo que é uma obrigação não
autónoma.

 Exemplo 3: A obrigação de indemnizar após danos decorrentes de


um acidente de viação é autónoma – não está dependente de um
vínculo jurídico anterior.

As obrigações do livro das obrigações são obrigações autónomas. A doutrina vem dizer
que embora exista diferença quanto à função (autonomia), existe equivalência em
relação à estrutura (regime aplicável). O core é o mesmo. Por isso, à disciplina das
obrigações autónomas, aplica-se o regime das obrigações não autónomas.

Admite-se, porém, que pode haver diferenças em razão da função que as


obrigações desempenham que justifiquem, portanto, a existência de normas que
estabeleçam um regime de desvio à disciplina das obrigações. Art. 397º. Logo, a
autonomia não é característica. Porque o regime das obrigações não autónomas
também se aplica às obrigações autónomas. Esta é a regra. Porque há equivalência em
razão da estrutura.

4. Relatividade
Será que as obrigações têm eficácia relativa? O credor pode demandar o
terceiro?
o Orientação clássica: tese da eficácia relativa. As obrigações são relativas. Logo,
o credor não pode demandar o terceiro. Só o devedor pode ser demandado.

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o Orientação mais atual e defendida na disciplina: teoria do terceiro cúmplice. As


obrigações não são relativas, pelo que o credor pode demandar o terceiro.
 Exemplo: A e B celebram um contrato de promessa. A incumpre o
contrato de promessa, celebrando um contrato de compra e
venda com C. C foi cúmplice do devedor no incumprimento da
obrigação.

Segundo a orientação clássica, B só pode pedir indemnização ao devedor.


Porém, existiu um terceiro cúmplice que inviabilizou o cumprimento da obrigação,
pelo que surge a dúvida se B poderá demandar C. A doutrina clássica defende que o
terceiro só pode ser demandado quando exista abuso de direito. Em regra, o credor
não pode pedir indemnização ao terceiro.

Importância de reconhecer a possibilidade de demandar o terceiro: nas


hipóteses em que o devedor não tem património; ou tem muitos credores (todos a
atacar o mesmo património, que pode não ser suficiente para satisfazer os vários
direitos de crédito).

Argumentos que sustentam a tese clássica:


1. Estrutura da obrigação – a obrigação existe entre credor e devedor;
2. Liberdade negocial
 O devedor pode fazer constituir tantas obrigações quanto
aquelas que ele quiser. Pode prometer vender a mesma coisa
pelas mesmas condições a várias pessoas (o que não exclui a
possibilidade de que não venha a responder pelo não
cumprimento). As obrigações podem constituir-se validamente
independentemente do momento em que estas surgem.
Nota: precisamente pelo facto de todos os contratos que o
devedor celebra serem válidos é que este depois poderá ser
constituído na obrigação de indemnizar ao abrigo da RC
obrigacional.

 Se se admitir a possibilidade de demandar o terceiro, inviabiliza-


se a liberdade negocial. Inibe-se a contratação e entrava-se a
liberdade negocial. Criar-se-ia receio de contratar, pois as pessoas
pensariam que estavam a impedir o cumprimento de uma
obrigação, pelo qual poderiam ser responsabilizadas.

3. Publicidade – não há forma de as pessoas saberem que existem créditos


incompatíveis. Não há forma de publicitar. A falta de publicidade nega a legitimidade
de demandar um terceiro. A publicidade, na verdade não há forma de as pessoas
saberem que existem créditos incompatíveis. Quando formos para os Direitos Reais
nós vamos ver que existem formas de publicidade:
• Publicidade espontânea, que é dada pela posse (todos nós estamos a dar a
conhecer o direito de propriedade que temos sobre os computadores, sobre a nossa
roupa, estamos a publicitar).

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• Publicidade provocada, se eu compro eu registo e dou a conhecer a todos que


aquele meu direito existe. No direito das Obrigações isto não existe, não existe um
registo das obrigações e, portanto, a falta de publicidade negará a legitimidade de eu
responsabilizar o terceiro e isto é o que dizem os defensores da defesa da eficácia
relativa e vêm ainda apresentar argumentos normativos. Vêm dizer para lá destes
argumentos que foram referidos (a estrutura, a liberdade negocial e a falta de
publicidade) é a própria lei a argumentar em sentido favorável à relatividade:

4. Argumentos normativos – a própria lei argumenta em sentido favorável à


relatividade das obrigações:
 Art. 406º/2 – em relação a terceiros o contrato por via de regra não produz
efeitos por via de regra. Apenas produz efeitos nos casos e nos termos
previstos na lei

 Art. 413º e 421º - consagram a possibilidade de atribuir eficácia real (direito


absoluto – possibilidade de ir atrás da coisa) a um direito de crédito. Pode ser
atribuída eficácia real ao contrato promessa e ao pacto preferência mediante
preenchimento dos requisitos previstos. Se não estiverem reunidos, estes não
podem ter eficácia real. Demonstração de que estas situações são excecionais.

 Art. 495º/3 – quando há uma situação de responsabilidade quem tem direito


de indemnização é, em regra, apenas o lesado. Os terceiros não recebem
indemnização a não ser que a lei o preveja. Este artigo vem consagrar a
possibilidade de terceiros poderem exigir uma indemnização (tratando-se de
danos patrimoniais). Por exemplo, aqueles que podiam exigir alimentos ao
lesado. O filho, que é credor de uma obrigação não autónoma – é credor de
alimentos, pode pedir uma indemnização pela morte do pai – o devedor de
alimentos. Aqueles perante os quais o lesado estava adstrito ao cumprimento
de uma obrigação natural. Realça o caracter excecional desta situação.
Demostra que a regra é a não produção de efeitos relativamente a terceiros.

Art. 1306º/1 – princípio da tipicidade dos direitos reais. Só são direitos reais
aqueles que a lei assim o estabeleça. As obrigações estão fora do âmbito dos direitos
reais. Uma coisa é a força real, outra coisa é a força obrigacional. Só poder demandar a
parte e não poder demandar o terceiro.

3º Aula – 13/02/2023

Teoria da Eficácia relativa: só o património do devedor é que poderá responder pela


violação do crédito. Para a teoria clássica o terceiro não seria responsável - mas isto
não quer dizer que a teoria clássica não admita que o credor não possa beneficiar do
património do terceiro.

 Se pensarmos na situação de interferência do terceiro no crédito, ou seja, uma


ação exercida sobre a pessoa do devedor (ex: matou o devedor; feriu
gravemente o devedor), ou uma ação exercida sobre o próprio objeto da
prestação. Aqui, é evidente, e conseguimos perceber que nestes casos, o
terceiro poderá ser responsável perante o devedor.
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 Porque que esta questão é importante para a teoria da eficácia relativa dos
direitos de credor? Porque estes autores vêm dizer que o credor, até poderá
vir a aproveitar essa indemnização que seja devida pelo terceiro, através de um
fenómeno que se designa de commodum de representação - epígrafe dos
artigos 794º e 803º do CC.
 O artigo 803º remete para o artigo 794º:

 Na prática, a diferença destes artigos está em estarmos perante uma


impossibilidade não culposa ou perante uma impossibilidade culposa.

 Estes artigos o que dizem é que o credor para se ressarcir dos danos que tenha
sofrido poderá ir buscar a indemnização, ou o direito que entrou na esfera do
devedor (indemnização que foi paga pelo lesante, ou seja, na prática, o credor
vai se aproveitar da indemnização do devedor por causa do artigo 794º ou por
causa do artigo 803º).

 Não é um aproveitamento direto - o credor vai buscar o dinheiro ao seu


devedor, sabendo que esse dinheiro tem a origem na responsabilidade do
terceiro para com o devedor.

 Mas isto não tem nada a ver com a eficácia externa, isto continua a ser eficácia
relativa! Ou seja, só o devedor é que está a responder perante o credor, não é
o terceiro! Não há uma responsabilidade direta do terceiro perante o credor!

Será que a teoria da eficácia relativa não admite em nenhum caso a


responsabilidade do terceiro? Há uma norma que é aplicada em múltiplas situações
diferentes, e que não poderia deixar de ser aplicável nestes casos - norma do artigo
334º, o Abuso do direito.
 Claro que aqui não estamos a afalar de abuso de direito no
sentido técnico jurídico. Ex: contrato promessa - o que que
acontece aqui? A teoria clássica, até vem admitir que o terceiro
possa responder perante o credor, apesar da sua orientação
fundamental, desde que se consiga concluir que o terceiro agiu
em abuso de direito.

Para que haja abuso de direito (“pressupostos”):


1. conhecimento - isto significará, desde logo, que ele tenha tido conhecimento
do crédito anterior;
2. é necessário que ele tenha dito ao devedor que as condições em que ele estaria
seriam melhores condições? Ou bastará o mero conhecimento da existência do
crédito, a noção de que com o seu comportamento irá lesar o credor do
direito?

Há variações no que seja abuso de direito, mas o pressuposto desta teoria é o


seguinte:

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 pressuposto desta teoria: obrigação da eficácia relativa - o credor só pode


mandar o devedor.
 E em casos em que eu consiga identificar o abuso de direito do terceiro, o
terceiro poderá responder perante o credor.

Não é isto que a eficácia externa das obrigações diz - a teoria da eficácia
externa parte da ideia de que o terceiro será responsável perante o credor pela
violação do direito de crédito.

Teoria do efeito externo: teoria que se contrapõem à teoria clássica, é uma teoria que
diz que o terceiro também sendo responsável com o devedor, também vai ser
responsável pelos danos sofridos pelo credor.

 Quais são os motivos estruturantes desta teoria?

1º argumento - transferência da riqueza para os bens móveis: baseia-se no


facto de ter havido uma transição da riqueza, do património imobiliário (?), para
bens móveis. Ou seja, se nós pensarmos no que se sucedia há alguns séculos- o
que havia de se proteger? O que havia de se tornar oponível erga omnes? Os
bens imobiliários, nomeadamente a terra, e, portanto, consegue entender-se o
porque da propriedade se tornar um poder absoluto.

Basicamente a riqueza está nas transações, e o que está subjacente às


transações é o contrato; O que que é uma transação se não uma obrigação? Em
sentido técnico jurídico, é um vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica
adstrita para com a outra à realização de uma prestação. E isso significará que termos
esta lógica de que os direitos de crédito são relativos e os direitos reais são absolutos,
é uma lógica compactuada à realidade atual. Isto é um argumento bastante forte.

2º argumento - a necessidade de edificação dos comportamentos jurídicos: na


verdade, quando nós pensamos na teoria da eficácia externa, estamos a pensar
na necessidade de edificação dos comportamentos jurídicos.

Ou seja, será que o direito se deve adiar o comercio jurídico ao ponto de


admitir que o que interessa é a produção de riqueza? É verdade que do ponto de vista
da coletividade, é mais interessante a venda por 150.000 mil (mais juros) do que a
venda por 100.000 mil.

 Mas será que o direito se pode adiar da lealdade dos comportamentos no


prazo jurídico? A resposta é negativa, no fundo da edificação dos
comportamentos jurídicos é um argumento fortíssimo da eficácia externa das
obrigações - vem no fundo defender a necessidade de respeitar o direito de
crédito, no sentido em que, se o terceiro conhece, tem de respeitar o direito de
crédito, portanto na prática se eu tiver a responsabilizar um terceiro estou a
conduzi-lo a um comportamento adequado, ao comportamento que pretende
fazer respeitar esse mesmo direito de crédito.

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 Problema destes argumentos: todas as normas que foram convocadas pela


teoria da eficácia relativa das obrigações.

Artigo 406º, nº2: é uma norma que diz que os contratos só produzem efeitos
em relação a terceiros, nos casos em que é especialmente previsto na lei - os
defensores da teoria da eficácia relativa, vem dizer que se isto é assim, então significa
que os contratos não produzem efeitos em relação a terceiros em geral.

Como é que se debate este argumento? O contrato não se confunde com a


obrigação, o contrato relativamente à obrigação é uma fonte da obrigação, o
contrato faz nascer a obrigação - o artigo 406º, nº2 não se refere à obrigação, refere-
se ao contrato. A norma aplica-se não apenas à criação de um dever de prestar, mas
até de um direito à prestação. Ideia de que ninguém pode ser beneficiado contra a sua
própria vontade. À partida entende-se que um contrato só possa produzir efeitos nos
casos em que estão especialmente previstos na lei, mas é o contrato, não é a
obrigação!

 O que que o contrato fez nascer? O contrato fez nascer uma obrigação, e do
que nós estamos a falar é exatamente do dever de respeitar a obrigação - claro
que não podemos criar uma obrigação para um terceiro, mas não é disso que
estamos a falar.

 Ex: A e B criam uma obrigação entre eles, mas a partir do momento em que
criam a sua obrigação, há o dever de todos os outros de respeitarem essa
obrigação - o artigo 406º, nº2 o que diz é que não se pode criar uma obrigação
para terceiros por contratos sem a vontade dessa pessoa, ou seja, A e B não
estão a criar para todos os outros um dever de prestar, ou um direito de uma
prestação, estão apenas a exigir o dever de respeito.

 Recordemos a diferença entre um dever geral (que é um dever de respeito) do


dever especial (que é um dever de prestar). Portanto A e B através de um
contrato criam um dever especial, com a obrigação o que estão a fazer surgir é
um dever geral de respeito.

 Conclusão: o artigo 406º, nº2, só trata do contrato.

Artigos 413º e 421º do CC - nos termos destes artigos, é possível atribuir


eficácia real a um contrato promessa ou um pacto de preferência. O que que isto
significa? Significa dar ao credor a possibilidade de ter um direito que tem a força de
um direito real.

 Em que momento é que isto é um obstáculo para a teoria da eficácia externa?


Os artigos 413º e 421º, não admitem a atribuição da eficácia real, sem mais -
nomeadamente, só se pode atribuir eficácia real relativamente a contratos
promessas ou pactos de preferência que tenham o objeto bens imóveis ou
bens moveis sujeitos a registo, pois uma das condições da eficácia real é a
inscrição no registo.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Estes artigos vêm dizer quando é que há eficácia real. O que que diz a doutrina
clássica em relação a isto? Vem dizer que se estes artigos dizem quando é que
há eficácia real é porque, fora os casos em que as partes atribuíram eficácia
real e possam fazê-lo, significa que em regra as obrigações não têm eficácia real
mas sim relativa (ou seja, só valem entras partes).

Qual é o vício de raciocínio que aqui está? É que na verdade, vamos ter de
distinguir três níveis de efeitos, ou seja, na verdade esta argumentação vem dizer que
ou temos uma eficácia relativa ou temos uma eficácia real.

 Eficácia externa não é a mesma cosia que eficácia relativa nem é a mesma cosia
que eficácia real, é um terceiro nível.

 Estes autores vêm dizer, que se a eficácia real só existe em determinados casos,
significa que a obrigação só pode ter eficácia relativa - só que há três níveis que
temos de distinguir:

1. Eficácia relativa (nível mais baixo):


2. Eficácia externa (nível intermédio)
3. Eficácia real (nível mais alto)

Como é que distinguimos cada uma delas?

 Se eu disser que o contrato promessa tem eficácia relativa então significa que
B só pode mandar para A.

 Se eu disser que o contrato promessa tem eficácia externa, B pode mandar A e


terceiro.

 Se eu disser que o contrato promessa tem eficácia real - ex: uma coisa é o B
pedir uma indemnização a C (terceiro)

Eficácia Real Vs. Eficácia Externa:

 A prometeu vender a B uma fração de que era proprietária - se o contrato


tem eficácia externa, significa que B pode pedir que a A quer a C (ele tem dois
patrimónios à sua disposição, o património do A e o património do C).
 Mas a eficácia real permite ir mais além permite que o B vá “atrás da coisa”
- OU SEJA, quando alguém é titular de um direito que tem a força de um direito
real, esse titular pode ir atrás do objeto do seu direito. Isso significaria que na
eficácia externa B pediria uma indemnização com os danos sofridos, na eficácia
real B pode ir atrás da coisa, ou seja, quem é que é proprietário sobre o direito
de eficácia externa? Se o contrato tem eficácia externa, o proprietário é C, se
eu tiver eficácia real quem vais ser o proprietário é B.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Como só nos artigos 413º e 421º é que pode haver eficácia real, então nos
outros casos só pode haver eficácia relativa? NÃO, porque eficácia real não é uma
realidade que se confunde com eficácia externa, apenas inibe que possa haver eficácia
real, nos casos que estão nos artigos 413º e 421º do CC.

 Artigo 495º, nº3 - os próprios defensores da teoria clássica, que de facto é um


argumento de certeza forma frágil.

 Exemplo para explicar esta norma: B matou A (A era devedor de alimentos de


C) - o artigo 495º, nº3 do CC, diz que o credor de alimentos que é C, pode pedir
uma indemnização ao lesante. Ou seja, no fundo o artigo 495º, nº3 está a
admitir a eficácia externa das obrigações - está admitir que o credor dos
alimentos possa pedir uma indemnização ao terceiro que matou o devedor,
está a admitir que ele possa atacar diretamente o património do terceiro.

 Como é que isto é interpretado pelos defensores da eficácia relativa? Eles


olham para isto como uma exceção, porque se esta fosse a regra então esta
norma não seria necessária.

Este argumento é frágil, pois sabemos que apesar da regra o legislador também
replica essa regra noutros contextos e além disso esta norma era absolutamente
fundamental porque já não é só o problema da eficácia da obrigação, é o problema da
eficácia da responsabilidade - a responsabilidade existe perante um lesado, não existe
perante um terceiro, quando eu causo um dano a algum eu respondo perante um
lesado.

 E portanto, como existe este princípio do lesante responder perante o lesado -


é por essa razão que o artigo 495º, nº3, existe. Não é por causa da natureza da
obrigação em geral, mas por causa do problema da responsabilidade em
particular - é que de facto, nós na responsabilidade temos de esclarecer em
que situações é que um terceiro que não lesado pode pedir uma indemnização
pelos danos sofridos (em termos simples).

O artigo 495º, nº3 é um argumento para os defensores da teoria da eficácia


relativa? É, na medida em que é a confirmação da regra (a exceção confirma a regra).
Primeiro, não está a tratar nesse domínio, está a tratar o problema da
responsabilidade, e segundo, mesmo que estivesse a falar da obrigação, poderia ser
sempre uma norma que se limita apenas a reproduzir a regra.

Artigo 1306º do CC - se eu quero criar um direito real que não está na lei, esse
direito real só vai valer com natureza obrigacional (não pode ser um direito real). Ao
contrário do que acontece nas obrigações, em que há a tipicidade, a liberdade da
definição dos direitos de crédito que as partes queiram criar, nos direitos reais, só há
direitos reais quando a lei o estabeleça.

 o que o artigo 1306º nos diz é que só podemos criar direitos reais olhando para
o catálogo dos direitos reais. Se criarmos um direito que não cabe no catálogo

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

e se tentarmos atribuir eficácia real, a lei diz que isso viola o princípio da
tipicidade.

 No entanto, a lei estabelece que vamos aproveitar o direito! Não vai valer
como um direito real, mas vai valer como um direito de natureza obrigacional.

Como é que esta norma é interpretada pelos defensores da eficácia relativa? Cá está
a configuração de que natureza real é uma coisa, natureza obrigacional é outra.

 Como é que combatemos este argumento? Como combatemos o artigo 413º e


421º - pois quando nós falamos em eficácia externa, não estamos a falar em
eficácia real.

 Ou seja, dizer-se que no 1306º há uma distinção entre a natureza obrigacional


e natureza real, e que se não é real é obrigacional (o que significa que se é
obrigacional tem de ser relativa) - este argumento é falacioso, porque na
verdade a única coisa que o 1306º faz é afastar a eficácia real, mas não diz qual
é a força da natureza obrigacional.

 A natureza obrigacional, continua a não ser real, mas pode ser não apenas
relativa, mas também ter uma vinculação externa.

Normas do artigo 601º e do 798º do CC - o artigo 601º diz que o património do


devedor responde pelo incumprimento da obrigação. O artigo 798º (que no fundo
pode ser emparelhado com o 601º) - vem dizer que o devedor que falta culposamente
ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

 Estas normas as vezes são evocadas pela teoria da eficácia relativa, mas o
professor considera que não podem sequer ter a força destas últimas que
acabou de destruir.

 Estas normas em nada interferem com a questão do terceiro, só estamos a


dizer aquilo que é uma evidência - é evidente que a obrigação estruturalmente
é relativa (há um direito de uma prestação e há uma dever de prestar - relação
de credor e devedor), agora, retirar destas normas a consequência de que um
terceiro não responsável, não é concebível - pois em nenhuma das normas
vemos qualquer indicação do género “só o devedor é que responde”.

 O professor é defensor da teoria da eficácia externa das obrigações.

Quais são os argumentos normativos a favor da teoria da eficácia externa das


obrigações

 O artigo 483º do CC - norma que estabelece o princípio geral da


responsabilidade extracontratual. Esta norma vem ser interpretada por
referência a direitos absolutos - a lei diz que aquele que violar ilicitamente o
direito de outrem, esse direito é interpretado como sendo absoluto.

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 A ver do professor, a lei não dá nenhuma indicação nesse sentido - deve haver
uma colagem à letra da lei, portanto, onde a lei não distingue, também nós não
devemos distinguir-se portanto, neste caso a referência a um direito abrangerá
também o direito de ?????

 O artigo 490º do CC - diz que para além dos autores também são responsáveis
pela violação do direito os instigadores e os auxiliares (todos eles respondem
pelos danos que hajam causado, não apenas os autores). Aqui o autor seria o
devedor, e remete para a responsabilidade contratual - só que o terceiro não
seja de ser ou instigador ou um auxiliar da violação do ????

 O professor considera que o artigo 483º e 490º, geram o efeito externo das
obrigações - só há um problema que se coloca:

 O princípio geral da responsabilidade civil do artigo 483º, diz “aquele com


dolo ou mera culpa” - isto significa que mesmo não havendo dolo, havendo
apenas negligência, neste caso, o terceiro responderia pelo crédito.

 A negligência tem dois níveis: negligência consciente + negligência


inconsciente.

 Negligência consciente: o agente representa como possível produção de dano


mas confia que eles não venham a ocorrer - acredita mal que o dano não vai
ocorrer.

 Negligência inconsciente (também está coberta pelo artigo 483º): a pessoa


nem sequer representa como possível a ocorrência de dano.

 Se nós aplicássemos o artigo 483º à violação do crédito, portanto não


houvesse exceções (nomeadamente a negligência inconsciente), isto significaria
que eu estaria a responsabilizar o terceiro mesmo quando o terceiro nem
sequer tomou conhecimento - então estaria a dar razão ao argumento de que a
eficácia relativa, que diz que se eu admitir a responsabilidade de um terceiro
que estou a entravar a liberdade negocial.

 ou seja, na prática estaríamos a dizer “tu vais negociar, mas tem cuidado,
porque mesmo que não saibas nem te pareça à primeira vista possível haver
um crédito alheio, tu vais ser responsável pelos danos que vieres a causar pela
a constituição de uma obrigação que é incompatível que uma obrigação
anterior” - isto entrava a liberdade negocial.

 O que significa que nós vamos riscar da eficácia externa a possibilidade de


responsabilidade ou negligência inconsciente

 E no caso da negligência consciente? O professor considera que é aqui que


está a grande diferença entra teoria da eficácia externa e relativa - visto que, a

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

negligência consciente é suficiente para responsabilizar o terceiro, porque se é


consciente, ele tem indícios de uma obrigação alheia.

 Os defensores da teoria do efeito externo, o que vem dizer é que, de facto


temos de ser muito calculosos na responsabilização, o artigo 483º é o artigo da
responsabilização. Eles vÊm dizer que devemos de ter situações de dolo.

 Então este caminho todo, para chegar à mesma conclusão da eficácia


relativa? Porque a eficácia relativa vem emitir também a responsabilização de
terceiros no caso de abuso de direito (situação dolosa).

 O professor, acha que na verdade nós temos de pensar da seguinte forma: o


abuso de direito apontará para uma situação de dolo, mas a responsabilidade
do terceiro deve nascer sem haver dolo, por causa do artigo 483º, havendo
pelo menos negligência consciente.

 Então se houver dolo? Não estabelece uma diferença entre a negligência


consciente e dolo? Vamos supor até um dolo intencional. Vamos imaginar que
C compra uma casa, não porque quer a casa só porque sabe que B quer
comprar aquela casa (só com intuito de lhe estragar a alegria de B de ter aquela
casa), isto é um dolo intencional, há um propósito de lesar.

 Esse dolo intencional não deverá ser tratado de forma diferente? Aqui a teoria
do efeito externo tem também, mais um espaço diferente que a teoria da
eficácia relativa:

 a teoria da eficácia relativa, diz-nos que se houver abuso de direito o terceiro é


responsável;

 no entanto, o professor considera que se houver negligência consciente nós


teremos perante a responsabilização do terceiro pelo seu crédito (a preceptiva
dos defensores do efeito eterno);

 mas se houver dolo a situação é mais grave, pois vamos estar perante uma
oponibilidade forte. O que que os defensores da teoria da eficácia relativa dirão
(e até os defensores da eficácia externa)? Que nesse caso B poderá pedir uma
indemnização a C - mas B quer dinheiro? O B não quer o dinheiro, quer a casa!

 Neste caso, podemos dar mais um passo, com base no princípio geral da
indemnização - que trata da reconstituição natural sob a forma de restauração
e despesa, ou seja, quando se indemniza, a indemnização em dinheiro é
subsidiária, a regra é a restauração da despesa, a regra é restaurar o interesse
daquele lesado.

Conclusão:

 A teoria do efeito externo tem razão de ser.

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 A teoria do efeito externo, deve ser apresentada em todas as suas


potencialidades - isto significa que o terceiro pode ser responsável mesmo sem
ter dolo;
 Se houver dolo o credor pode opor-se, mas tem de provar a atuação dolosa do
terceiro.

 Como é que distinguimos a eficácia externa da eficácia real? De uma forma


muito simples, pois a eficácia real dá essa oponibilidade mesmo quando o
terceiro não tem culpa - o credor pode ir atras da coisa sem que haja culpa do
terceiro. Na eficácia externa o credor vai ter de levar o dolo do terceiro,
portanto, não é a mesma coisa que a eficácia real.

Obrigações Naturais Vs. Obrigações Civis

Na verdade, estamos sempre a partir do pressuposto que na obrigação há um


dever jurídico de prestar, e há um direito à prestação, basicamente, há sempre o poder
de exigir. Mas o legislador foi mais além, ele admitiu que há obrigações em que não há
o dever de exigir, há apenas uma pretensão, ou seja, não se consegue exigir o
cumprimento de prestar, mas não deixa de ser uma obrigação - não é o que está no
artigo 397º do CC, quando o 397º diz “fica-se adstrito para com a outra”, significa que
a outra pode exigir o cumprimento dessa prestação.

Há uma categoria autonomizável, dentro da obrigação que é a categoria das


obrigações naturais, em que não o direito de exigir, há apenas o direito de depender a
realização da prestação.

 Ex: A e B, gostam de jogar às cartas, e A tem muito mais sorte do que B, A


consegue ganhar sempre 30 euros - é evidente que B nos primeiros dias foi
pagando ams começou a achar aquilo estranho, então como estão a jogar a
dinheiro, B acha que tem o direito de receber esse valor. A questão é: se a A for
a tribunal, ninguém vai executar o património, porque na verdade, isto é, uma
divida de jogo que a sociedade aceita - não percebi nada deste exemplo???

 Ex: dividas prescritas

 Temos uma obrigação natural, porque há poder de justiça. Obrigação que não
podem ser regidas judicialmente.

 Quando é que estamos perante uma obrigação natural? Qual é o regime que
se aplica a estas obrigações? Sobre esta matéria, dispõem os artigos 402º e
ss, nomeadamente artigo 402º a 404º do CC.

 Artigo 402º do CC - três requisitos de uma obrigação natural:


 1º requisito: é preciso que a obrigação se fundo num dever de
ordem moral ou social;

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 2º requisito: o dever de ordem moral ou social tem de corresponder


a um dever de justiça (relação específica - dever específico de prestar
aquela pessoa).

 3º requisito: este dever não pode ser judicialmente exigível - é um


dever que não posso exigir pela lei.

Casos de obrigações naturais previstos na lei:

 304º, nº1: é a norma que nos está a dizer que a prestação não é exigível - a
partir do momento que o direito prescreveu, o devedor, pode apor-se à
exigência de cumprimento.

 495º, nº3: Identifica a possibilidade de fenómenos desses acontecerem - esta


norma refere-se também às obrigações naturais:
 Ex: uma senhora que trabalhou toda a vida com uma determinada
família, recebe agora a sua reforma, mas não consegue fazer a sua
vida elementar que nós temos direito - se aquela família estiver a
complementar a reforma daquela senhora, não está mais do que a
cumprir um dever de justiça para com aquela senhora.

 Não é um dever exigível, mas de facto há uma relação especifica


entre aquela senhora e aquela família que resultou de uma prestação
que foi realizada ao longo de toda uma vida, que justifica na verdade
este complemento.

 Se a pessoa que naquela família que produz o rendimento morre-se porque há


um terceiro que o mata, essa senhora, que não é credora civil de alimento, tem
por força do artigo 495º, nº3 poder de exigir ao lesante a manutenção do
pagamento daquela quantia que o falecido pagava.

 Enquanto o senhor estava vivo, o direito que a senhora tinha era um direito
natural, a partir do momento em que o senhor morreu, o direito que a senhora
tem sobre o lesante passou a ser um direito civil. Ou seja, ela não pode exigir
ao seu antigo empregador os alimentos, mas ela vai poder exigir ao lesante que
matou o antigo empregador, uma indemnização correspondente ao valor que
pagava.
 Duvida: mesmo que o empregador antigo nunca tivesse complementado a sua
reforma?

 Há aqui uma conversão de uma obrigação natural para uma obrigação civil,
precisamente porque o devedor natural do alimento faleceu.

 1245º e ss: temos de distinguir entre jogo lícito autorizado (gera obrigações
civis), jogo lícito tolerado (gera obrigações naturais) e jogo proibido (jogo é
nulo, e portanto, não gera sequer obrigações - ex: roleta russa).

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 1895º: Direito da família - no fundo diz que quando os pais beneficiam do


trabalho prestado pelos filhos, ou bens ou meios que os pais puseram à
disposição dos filhos devem dar aos filhos, participação dos seus proveitos. Ou
seja, no fundo estamos perante uma obrigação natural.

 Estes artigos não esgotam o universo de obrigações naturais do Código Civil. O


facto de haver uma noção pode ser irrigação natural, qualquer fenómeno que
não esteja previsto na lei, desde que os três requisitos estejam preenchidos.

 Regra - artigo 404º: às obrigações naturais, vai aplicar-se o regime das


obrigações civis - mas naturalmente em tudo o que não diga respeito ao
cumprimento coesivo das obrigações.

 Ou seja, normas sobre: qual é o prazo da prestação; qual é o lugar da


prestação; qual é o modo da prestação; consequências do não cumprimento da
prestação; mora; impossibilidade; cumprimento definitivo - são tudo normas
que existem para as obrigações civis.

 Se num dos requisitos das obrigações naturais é não serem judicialmente


exigíveis, obviamente, que podemos aplicar o regime das obrigações civis em
tudo o que não diga respeito à realização da prestação;

 Artigo 404º: significa que para o regime, vamos ter no fundo duas obrigações:

1º dimensão: equiparação às obrigações civis;

2º dimensão: preciso ter em contas as disposições especiais da lei, ou


seja, disposições que estejam especialmente previstas paras as
obrigações naturais. Portanto, não é so o regime das obrigações civis,
é também a aplicação do regime especialmente previsto para as
obrigações naturais (norma mais importante desse regime, é a norma
do artigo 403º do CC).

 Artigo 403º do CC - o que que se retira deste artigo?

 Não pode ser repetido: isto significa que havia que esclarecer, o que haveria de
acontecer se tivesse invocado a prescrição - a obrigação é natural, e não temo
o direito de exigir a prestação, mas a partir do momento em que a prestação
foi realizada já não pode exigir de volta essa prestação, porque existe um dever
de justiça.

 Quando é que ocorre a repetição do indevido? A lei refere que tem de haver
duas condições para que este efeito se produza:

1º é necessário que o devedor tenha capacidade;

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

2º é necessário ter prestação que seja realizada,


espontaneamente

 Questão da doutrina: e se tu cumprires, estas obrigado a cumprir, quando no


fundo isso é apenas uma obrigação natural? Há capacidade, há
espontaneidade, mas há erro. Isto tem alguma relevância? Não, a lei não se
refere ao erro, refere somente há capacidade e espontaneidade.

Obrigação natural: o professor acha que a doutrina correta, é a doutrina que é


seguida pelo professor Almeida Costa, que no fundo diz que as obrigações naturais,
são obrigações perfeitas, mas conversíveis. Ou seja, não segue o regime das obrigações
civis, mas não deixam de ser de facto, uma obrigação jurídica perfeita. Não é
verdadeiramente perfeita, é uma obrigação imperfeita - perfeita no sentido em que
existe um dever e um direito (é uma verdadeira obrigação), só que é imperfeita porque
não existe o dever jurídico de prestar.

4º Aula – 15/02/2023
Nesta aula vamos abordar três princípios fundamentais do direito das
obrigações e entrar na primeira fonte da obrigação, os contratos. Até agora vimos o
conceito de obrigação e as suas características.
Vamos olhar para a disciplina da obrigação e ver se há critérios referenciais,
princípios fundamentais da mesma. Nos manuais, estão propostas diferenciadas que
orientam a disciplina. No entanto, na cadeira vamos abordar a proposta do professor
Almeida Costa.
Este aborda três princípios fundamentais do direito das obrigações:
1. prevalência do interesse do credor
2. autonomia privada
3. a boa-fé

Estes 3 estruturam a disciplina no seu núcleo mais restrito. Mas claro que há
muitos outros princípios que podíamos identificar e que estão previstos noutros
manuais.

Prevalência do interesse do credor:


- O devedor encontra-se na situação jurídica passiva e quem deverá ser
protegido será o credor. A disciplina está estruturada para proteger o credor – sujeito
ativo. Vamos tentar justificar porque é que o interesse do credor é aquele que orienta
a relação obrigacional:
 Em primeiro lugar é logo no momento da constituição da obrigação. A
obrigação só tem razão de ser se houver um interesse do credor digno de
proteção legal – para que a relação obrigacional possa existir é necessário
que haja interesse por parte do credor.
o Há uma discrepância desde início entre o credor e o
devedor – artigo 398º/2. A prestação so pode existir se o credor
tiver interesse nessa mesma prestação.
 Manifestação desta prevalência nos casos das consequências da RC – a
principal consequência num caso de responsabilização será a constituição

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

de uma indemnização – vamos encontrar esta figura da indemnização


através da reconstituição natural.
o Ex: Tenho um carro que utilizo para trabalhar e em
resultado de um acidente o carro ficou inutilizado. O critério aqui
seria restaurar a lesão como se a mesma não tivesse ocorrido, e
a lei diz que mesmo que a restauração seja superior ao valor que
o lesante teria de pagar em dinheiro correspondente ao valor de
mercado do veículo, prevalece a reconstituição em espécie –
566º/1. Mesmo que seja mais onerosa, deve prevalecer a
indeminização por restauração em espécie (a não ser que seja
excessivamente onerosa – ónus de razoabilidade).
o De forma simplificada: apenas pode haver reconstituição
em espécie (=indemnização em dinheiro) quando a
reconstituição natural não seja possível; quando a reconstituição
natural não repare integralmente os danos; quando a
reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o
devedor. No exemplo anterior a reconstituição natural seria a
reparação do carro.

 Outro exemplo em matéria de não cumprimento da obrigação. No


momento do não cumprimento poderei ter um não cumprimento que pode
ocorrer por uma conduta imputável ao devedor ou por uma conduta
imputável ao credor.
o Ex: No dia 13 foi combinado que o devedor entrega ao credor o
movel na sua casa, mas este chega lá e não esta ninguém. Houve
incumprimento, mas que será imputável ao credor – decorre
devido a um comportamento do credor. SE não houvesse a
prevalência do interesse do credor as consequências seriam tão
ou mais gravosas, no entanto o legislador vem dizer que se o não
cumprimento for devido a um comportamento do devedor as
consequências deverão ser mais gravosas do que nos casos em
que o não comprimento se deveu a comportamento do credor –
artigo 804º que estabelece o dever de o devedor indemnizar o
credor pela mora (ou seja, pelo incumprimento), esta norma não
delimita quais os danos, mas diz sim que estará o devedor
obrigado a indemnizar.
o Será que se fosse um caso do credor estaria neste mesmo
âmbito? – artigo 816º. Este diz que não são quaisquer danos
sofridos pelo credor, mas apenas alguns como por exemplo o
facto de ele ter ido lá e gastado gasóleo, ter de arranjar um local
para colocar o movel. O artigo 816º diz nos que a indeminização
por lucros cessantes não será devida, vemos que há uma grande
diferença entre credor e devedor visto que se fosse ao contrário
o devedor teria de assegurá-los. A mora do devedor gera a
obrigação de indemnizar lucros cessantes, tal não acontece com
a mora do credor.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Mas será que o devedor nunca tem direito a cumprir/a prestar? Como é que o
credor deve ser tratado perante uma situação em que o devedor não consegue
cumprir a prestação a que está vinculado por falta de colaboração do credor? Estas
situações não são a regra, mas há situações em que o devedor tem direito a cumprir/
deve ser tratado como uma pessoa que tem direito a cumprir:
 Artigo 762º/2 - o credor e o devedor devem proceder de boa-fé. Se o credor
não proceder de boa-fé estaria a violar o direito de o devedor cumprir a
prestação. Deverá o devedor ser indemnizado nos termos do artigo 804º.
Este agora deverá ser considerado um devedor/credor.

 O credor não é apenas um sujeito passivo na obrigação, mas também um


sujeito ativo. A regra não é esta, em geral há discrepância - A regra é que é
o credor que tem o direito a prestação e o devedor tem o dever de cumprir.

Autonomia privada:
Quando falamos em autonomia privada, sabemos que as partes podem definir
os direitos e deveres que emergem da relação entre si. Estamos a pensar no exercício
da vontade e deixamos de lado a gestão de negócios, enriquecimento sem causa e
responsabilidade civil.
Olhemos para as fontes voluntárias, contratos + negócios jurídicos unilaterais
(resulta da norma do artigo 457º – só quando a lei preveja é que a vontade unilateral
de alguém é suficiente para formar a obrigação). A autonomia privada tem expressão
real nos contratos. Então porque é que consideramos este princípio como base das
obrigações? Porque a principal fonte das obrigações é o contrato e por isso é que
falamos deste princípio em obrigações.

O processo de contratação é automatizado em muitos casos e embora haja


declarações de vontade não existe um contrato valido e eficaz. Nestes casos, não há
necessariamente declarações de vontade e a doutrina vem entender que não existindo
as mesmas há um vínculo pendente. A declaração de vontade faz ali nascer um vínculo
entre as pessoas. Mesmo que não estejamos perante situações que nasçam de um
encontro de vontades, estas devem ser guiadas pelos princípios da mesma que nasça
de um encontro de vontades. Há fenómenos como o trafico massificado de indivíduos,
relações obrigacionais duradoras no tempo eficazes lato senso, fenómenos
decorrentes do contacto social.
Prof Almeida Costa e a doutrina considera que estes casos vão cair no âmbito
dos contratos e que este regime é suficiente para cobrir situações em que não tenho
encontro de vontades, mas são situações paralelas.
A autonomia privada deverá compreender realidades que não são contratos
baseados em razão de declaração de vontades, mas que têm de ser realidades
suscetíveis.
A autonomia privada é princípio fundamental, porque como dissemos é
principal pilar das obrigações e uma vez que sentimos os contratos todos os dias, todos
os dias assumimos comportamentos de vontade correspondentes a efeitos
contratuais. Devemos interpretar o contrato num sentido amplo que conjuga múltiplas
realidades. A autonomia privada está constantemente presente no nosso dia a dia.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Quando vou a uma máquina de venda ninguém está a pensar nos típicos casos
de declaração de vontade. No caso dos autocarros é um processo automático pois o
motorista não diz que aceita transportar determinada pessoa. Embora haja
declarações de vontade não há um contrato válido e eficaz. As declarações de vontade
fazem nascer um vínculo entre as pessoas. Há ainda uma categoria de relações
obrigacionais que surgiram de contratos inválidos. Mesmo que não estejamos perante
obrigações que nasçam do encontro de declarações de vontade há situações que
devem ter o tratamento semelhante. Na verdade, isto vai cair tudo no regime do
contrato.
 A autonomia privada tem de ser entendida no sentido o mais
abrangente possível, no sentido em que abrange contratos que são
baseados em declarações de vontade ou em situações que se
assemelham a verdadeiros contratos, mas em que não é necessária uma
declaração de vontade

Princípio da boa-fé:
A boa-fé pode ser entendida em sentido objetivo e em sentido subjetivo. Quando falamos em
sentido objetivo é a convicção de se estar a agir de acordo com o direito. No direito das obrigações
interessa fundamentalmente a boa-fé em sentido objetivo que se trata de uma regra de conduta, como
é que a pessoa se deverá comportar e aqui vamos encontrar em vários momentos da vida da obrigação.
Vamos encontrar fundamentalmente na formação dos contratos (artigo 227º), na integração dos
negócios jurídicos (239º), abuso de direito e ainda, na vida da obrigação um instituto que gera impacto –
resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstancias (437º a 439º - instituto que
pretende que quando uma alteração das circunstancia ocorre de forma de tão grave que faz com que
exigir o cumprimento da obrigação seja atentatório da boa-fé enquanto regra de conduta, pode
modificar-se ou resolver-se o contrato). Finalmente, o artigo 762º/2 no cumprimento da obrigação.
princípio da boa-fé impera.

Temos aqui o panorama:


I. Principal fonte das obrigações – Contrato
a. Código civil – disposições gerais aplicadas aos contratos: 405º a 409º
b. contrato de promessa e pacto de preferência.
c. Art. 874º a 1250º – contratos especiais

Disposições gerais dos contratos


PERGUNTA DE ORAL - A base normativa dos 4 princípios fundamentais dos contratos: princípio
da liberdade contratual, princípio do consensualismo, princípio da boa-fé, princípio da força vinculativa.
Princípio da liberdade contratual tem subprincípios:
 princípio da liberdade de celebração de contratos
 princípio da liberdade de fixação do conteúdo dos contratos:
o princípio da liberdade de seleção do tipo contratual
o princípio da liberdade de estipulação.

Princípio da liberdade de celebração de contratos divide-se em duas dimensões/sentidos:


 Primeira dimensão: a ninguém podem ser impostos contratos contra a sua vontade e
em razão disso mesmo ninguém pode ser sancionado se se recusar a contratar.
 Segunda dimensão: ninguém poderá ser impedido de contratar se assim pretender e
claro ninguém pode ser sancionado se vier a contratar.

Exceções à primeira dimensão: Autolimitações que significam que são limitações aceites pela própria
pessoa, em que a pessoa se privou da própria liberdade de contratar e fê-lo por sua vontade (no
contrato de promessa existe autolimitação perante outros casos; pacto de preferência) e
heterolimitações que são limitações que vêm de fora da vontade (não se pode conduzir se não tiver
seguro automóvel, foi a lei que o impôs).

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Exceção à segunda dimensão: artigo 2194º - não é possível fazer um testamento em benefício do
médico que me acompanhou nos últimos dias de vida
Liberdade de fixação do conteúdo do contrato – artigo 405º (dá uma margem de liberdade às partes
para fazerem o que entenderem). Ao abrigo deste princípio podem surgir contratos típicos ou atípicos.
Temos contratos típicos quando as partes fazem um dos contratos previstos na lei, mas segundo o artigo
405º podem fazer contratos atípicos. Estes contratos atípicos podem ter uma de duas naturezas: puro
(em que eu não estou a importar nenhuma regra prevista na lei, as partes criam a sua própria lei; não
estou a recorrer a nenhum tipo legal) ou misto (as partes reúnem nesse contrato normas de dois ou
mais contratos total ou parcialmente regulados na lei).

Que tipos de contratos mistos podemos ter:


1º chamados contratos combinados ou múltiplos - uma das partes vai ficar
adstrita a duas ou mais prestações principais correspondentes a contratos diferentes e
a contraparte fica vinculada a uma única prestação comum (locação de casa mobilada);

2º contratos acoplados ou de duplo tipo – há uma prestação única para cada


uma das partes, sendo que estas prestações pertencem a contratos diferentes. À
prestação de uma parte corresponderá uma contraprestação de um contrato
diferente;

3º contratos mistos em sentido estrito - em que se utiliza um contrato para


prosseguir uma finalidade diferente daquela que lhe é característica.
o Ex: estou a vendar a minha casa a uma pessoa que gosto muito
por um preço de favor; finalidade de doação com prática de
compra e venda. Levantam-se problemas como qual o regime
aqui aplicável e distinguir contratos mistos de contratos de união

5º Aula – 22/02/2023

Qual o regime aplicável aos contratos mistos?

1ª questão: uma vez que estamos a falar de uma reunião de regras respeitantes a
vários contratos, há aqui alguma norma, alguma teoria que nos determine qual é o
regime aplicável a um contrato que vai buscar normas e características de contratos
diferentes?

 Não há uma regra, mas também é verdade que há diferentes abordagens


doutrinais recorrentes sobre qual seja o caminho a seguir para definirmos o
regime aplicável aos contratos mistos;

 Encontramos três caminhos principais, sendo que embora eles pareçam


autonomizados, eles não o são inteiramente. Quais são esta três vias
salientadas pelos diferentes autores?

1. Teoria da absorção
Significa que vamos ter de descobrir um contrato, que no contexto daquele
contrato misto, um tipo contratual que seja predominante e o contrato misto
subordinar-se-á ao regime do contrato predominante (o regime aplicável ao contrato
misto será precisamente o regime do contrato predominante).

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Na doutrina, esta teoria é referida a respeito da terceira categoria de contratos


mistos, ou seja, os chamados contratos mistos em sentido estrito - quando se
utiliza uma determinada tipologia contratual para prosseguir um fim
correspondente a outro tipo contratual.

 No fundo, consegue dizer-se porque que esta teoria tem um espaço


privilegiado, porque na verdade o tipo que está a ser utilizado é apenas um
instrumento da finalidade de outro tipo, e, portanto, conseguimos identificar
um contrato predominante.

 O contrato predominante é precisamente a finalidade prosseguida pelas partes


através da utilização de um tipo contratual - ou seja, se quero efetivamente
beneficiar alguém vendendo com o preço de favor é calor eu embora eu utilize
o regime da compra e venda, naturalmente que o contrato predominante é o
contrato de presunção.

 Vários autores dizem que nos contratos mistos em sentido estrito, o critério a
aplicar é o da teoria da absorção.

2. Teoria da combinação:
Significa que ao contrato misto nós vamos aplicar as regras dos contratos que
estão provocados por esse contrato misto, ou seja, vamos combinar as regras que se
aplicam a todos os contratos que estão envolvidos nesse contrato misto.
Ex: Se eu tenho um contrato de arrendamento com um contrato de prestação
de serviços - imaginemos que alguém que recebe em arrendamento de uma casa e em
contrapartida presta os seus serviços de porteiro, tempo aqui dois contratos, e o que
diz esta teoria é que vamps aplicar as regras destes dois contratos às prestações que
aqui estão envolvidas;

 Uma vez que são prestações correspondentes a contratos diferentes, a cada


uma delas se irá aplicar as regras de cada contrato;

 A mesma doutrina que direcionai a teoria da absorção aos contratos mistos em


sentido estrito, acaba por direcionar a teoria da combinação para as duas
outras categorias contratuais que vimos, ou seja, quer para os contratos
combinados, quer para os contratos acoplados ou do duplo tipo.

 O professor considera que talvez esta não seja a resposta mais adequada - a
proposta que o professor Almeida Costa faz é outro caminho (tem presente a
possibilidade de se aplicar o critério da absorção e da combinação), que é o
caminho da integração dos negócios jurídicos.

3. Teoria da aplicação analógica: caminho da integração dos negócios jurídicos


(Prof. Almeida Costa)

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Reconhecendo que há aqui uma lacuna regimental, no sentido em que falta


definir qual é a disciplina para este negócio jurídico, sendo que as partes nada
disseram a esse respeito - temos de resolver este problema através do artigo 239º do
CC.

 Artigo 239º do CC: vem definir o modo de integrar esta lacuna que existe no
negócio jurídico - “na falta de disposição especial, a declaração negocial deve
ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se
houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé,
quando outra seja a solução por eles imposta”.

 No fundo, o que esta terceira teoria pretende é dar ao juiz esta capacidade de
definição de qual seja po teime aplicável aos negócios mistos.

 Atenção: embora o ponto de partida seja o artigo 239º, o professor Almeida da


Costa diz que só lá chegaremos se obviamente o regime não estiver definido. E
não estiver definido por quem? Não estiver definido pelas partes, ou não
estiver definido pela própria lei, pois a lei também pode definir o regime.

 Exemplo: artigo 1065º do CC - este artigo vai demonstrar que o legislador


adotou uma situação concreta para esse contrato misto que aqui está.

 O artigo 1065º, tem por epígrafe “Imóveis mobilados e acessórios” - o que que
se extrai deste artigo? Estamos a falar de um contrato de arrendamento ou
locação dos móveis, ou seja, ou aluguer dos móveis, isto integra-se na categoria
do contrato combinado.

 De acordo com a doutrina aplicaríamos a teoria da combinação, no entanto, o


legislador neste artigo toma uma posição sobre este contrato misto e manda
aplicar a regra da absorção, porque no fundo o legislador vem dizer que as
regras que se vão aplicar são as regras desta secção.

 A secção tem por epígrafe “arrendamento de prédios urbanos”, no fundo o que


o legislador fez, foi identificar o elemento predominante do arrendamento de
casa mobilada.

 Estamos a falar de uma casa que tem um valor económico muitíssimo superior
ao valor económico das cosias mobiladas que integram a casa, e portanto o
legislador identificou o contrato predominante, que é o contrato predominante
e mandou aplicar à locação de casa mobilada as regras, não do aluguer mas do
arrendamento (aplicou a teoria da absorção).

 Isto demonstra, que a ideia de associar a teoria da absorção ou da combinação


a determinados contratos mistos, é uma ideia que pode ser pervertida desde
logo pelas partes, ou então afastada pela lei e em último caso não devemos
fazer uma aplicação automática da teoria, mas devemos antes recorrer ao

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critério de integração dos negócios jurídicos, do artigo 239º - no fundo é isto


que é proposto pelo o Prof. Almeida Costa.

2ª questão: a distinção entre contratos mistos e união ou coligação de contratos.

 O problema existe fundamentalmente nos contratos mistos, porque se


estivermos a falar da tal outra realidade, a colação de contratos, aí na verdade
este problema que se acabou de identificar não existe.

 O que que acontece na união ou coligação de contratos?

 Quando se fala em contratos mistos, estamos a afalar de uma fusão de


contratos, portanto, eles misturam-se para formar um contrato novo, opa seja,
perdem autonomia, perdem entidade, e por isso surge um contrato atípico.

 Quando nos falamos em união ou coligação de contratos, estamos apenas


perante uma junção den contratos, os contratos são unidos mas nãos e
fundem. O que acontece é que há uma acumulação de contratos, ams não há
uma fusão de contratos.

 Dentro da união ou coligação de contratos, claro que apontar-nos-ia para uma


determinada sub-espécie - basicamente estamos a afale de pessoas que
celebram dois contratos ao mesmo tempo, mas que se conservam com
autonomia que são independentes um do outro, o único elemento que está a
ligá-los é precisamente o momento em que os contratos estão a ser
celebrados.

 A verdade é que quando falamos da união ou coligação de contratos, e não


deixamos de estar perante uma união ou coligação de contratos, nós
temos duas sub-espécies:

Sub- espécie - porque estamos a falar da espécie união ou coligação de contratos,


diferenciada dos contratos mistos, no fenómeno de pluralidade de contratos.

1ª sub-espécie: os contratos estão ligados por um vínculo meramente externo ou


acidental - nesta sub-espécie de união ou coligação de contratos, não há nenhuma
relação de dependência, não há fusão (porque se não estaríamos perante um contrato
misto), mas nem sequer há nenhuma relação de dependência. A única coligação que
há entre os contratos resulta do facto de eles serem celebrados ao mesmo tempo.

No entanto, não deixamos de estar perante uma união ou coligação de contratos, isto
é, não estaremos perante os contratos mistos quando se estabeleça uma dependência
entre os contratos - o que nos leva a à 2ª sub-espécie de união ou coligação de
contratos.

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2ª sub-espécie: estaremos perante uma união ou coligação de contratos, coliga por


nexo funcional - aqui já temos uma dependência entre os contratos. Como é que
podem estar dependentes? Dentro desta sub-espécie de união ou coligação de
contratos, esta dependência pode existir sobre uma de três formas diferentes:

1. dependência bilateral ou recíproca: cada um dos contratos é dependente do


outro.

Ex: vamos imaginar que estamos numa localidade que não existe perto a possibilidade
de pôr gasolina, se A aluga um automóvel e contrato com B (sujeito que alugou o
automóvel a A), também a prestação de gasolina - estes contratos na verdade acabam
por estar dependentes um do outro, porque obviamente que A não quer alugar um
automóvel que não possa andar, ele precisa da gasolina, e ao mesmo tempo A, não
quer compra a gasolina se não tiver um automóvel para a andar.

2. Dependência unilateral: aqui só um dos contratos é que depende do outro.

Ex: imaginemos que A vende a B um automóvel, e arrenda um lugar de garagem, eu


posso ter um automóvel e ter o automóvel fora d uma garagem, ou seja, na verdade só
um destes contratos é que dependente do outro - só o arrendamento é que é
dependente da compra do automóvel, ams a compra do automóvel não é dependente
do arrendamento da garagem, por isso, eu tenho apenas uma dependência unilateral.

3. Dependência alternativa: dois contratos, mas dependendo de determinadas


circunstâncias, vou celebrar ou um ou outro.

Ex: A e B, contratam entre si que A vende a B um determinado imóvel se B vier a ser


localizado nessa zona - imaginemos que há a hipótese de B vir trabalhar na zona em
causa, e portanto a hipótese é comprar o imóvel se ele vier a ser profissionalmente
deslocado para essa zona, se não vier a ser profissionalmente deslocado para essa
zona, como gosta da zona arrenda a casa para a época balnear. O que que temos aqui?
O contrato estão a ser celebrados ao mesmo tempo, os contratos conservam-se
independentes, trata-se de uma união de contratos, mas também não há apenas um
nexo externo ou acidental, isto é, há uma ligação entre eles, e essa ligação depende
das circunstâncias futuras, pois ou se vai celebrara um contrato ou outro, há um
vinculo funcional mas que se traduz numa dependência alternativa.

PRINCÍPIO DO CONSESUALSMO

 Quando falamos deste princípio é preciso ter presente que estamos a falar de
duas realidades concretas:

1. Formação do contrato: o que que significa o princípio do consensualismo no


plano da formação do contrato? Com base na regra da liberdade de forma, e
também da equiparação entre a declaração expressa e a declaração tácita
(artigo 219º e 217º do CC)

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 a regra da liberdade de forma, e a equivalência entre a declaração expressa e


declaração tácita, o princípio do consensualismo traduz-se na circunstância de
um contrato se consolidar perfeito com o mero acordo de vontades das parte.

 O princípio do consensualismo no plano de formação do contrato, significa, que


o contrato se considere perfeito com o mero acordo de vontade das partes.

 isto é a necessidade de forma, ou a necessidade de formalidades são


excecionais - a regra é a de que basta o acordo de vontades sem estar
submetido a nenhuma forma ou sem se cumprir determinada formalidade para
que o contrato se considere perfeito, ou seja, para que o contrato se considere
concluído.

 Isto leva-nos a fazer uma distinção prévia, entre contratos


consensuais e contratos solenes ou formais.

 A regra no nosso ordenamento jurídico é de que os contratos são consensuais


(que se consideram perfeitos pelo o mero acordo de vontades das partes).

 Mas também há no nosso ordenamento jurídico contratos, que são solenes ou


formais, ou seja, contratos em que a ei estabelece para a sua conclusão a
necessidade de preenchimento de certa forma ou cumprimento de
determinadas formalidades.

 Também é usual distinguir-se a referência a contratos


consensuais de contratos reais quanto à sua constituição (contratos reais
quod constitutionem).

 o que que se quer assentar aqui neste quadro? Quando nós estamos a falar
nesta distinção entre contratos consensuais e contratos reais quod
constitutionem, estamos querer ainda especificar mais a nossa afirmação
inicial, e traçar aquilo que é uma forma e aquilo que é uma formalidade.

 Ou seja, na verdade, a regra é a dos contratos consensuais contrapostos


solenes ou formais, no entanto, é preciso dizer sobretudo tendo em conta
aquilo que é a herança romanista - no direito romano, a perfeição do contrato
ia para lá desta lógica do encontro de vontades, exigia nomeadamente
relativamente a coisas móveis a entrega da cosia (é daqui que vem a
expressão contratos reais quod constitutionem - são contratos que só se
condisseram perfeitos quando há a entrega da coisa).

 Esta segunda distinção, entre contratos reais quod constitutionem e contratos


consensuais - ainda que seja verdade que no nosso direito existam vários
contratos solenes ou formais, a verdade é que ha pelo menos a certeza de que
há uma categoria de contrato que é de quase fundamentalmente o restício
histórico, ou seja, até podíamos dizer que a rega é a dos contratos sem forma,
mas existem muitos contratos com forma, e existem muitos contratos

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

importantes com forma, no entanto, se olharmos para outro aspeto que é o da


formalidade (essencialmente a entrega da cosia), eu posso dizer que ainda
assim eu tenho quis. Expressão de que esses contratos reais quod
constitutionem, são eles sim verdadeiramente excecionais, pois são sobretudo
uma sobrevivência do direito romano.

 Então o que que significa neste caso contratos consensuais? Aqui já queremos
dizer outra cosia, já não estamos a utilizar a mesma definição que foi utilizada à
pouco (contrato consensual é o que se considera perfeito pelo mero acordo de
vontade das partes) - quando estamos a distinguir contratos consensuais de
contratos reais quod constitutionem, quedos dizer o seguinte: mesmo que nós
reconheçamos que há vários contratos em que é necessário forma, ou seja,
ainda assim há um acordo de vontades embora não seja um acordo verbal (tem
de ser escrito), mas há uma cosia que não é preciso que é a entrega da cosia,
portanto o que que será um contrato consensual nestes termos? O contrato
consensual nesta segunda classificação é um contrato em que a perfeição desse
negócio se dá com as declarações de vontade submetidas ou não a
determinada forma, então o que que são contratos reais quod
constitutionem? São queres em que além das declarações de vontade
submetidas a determinada forma, é necessária a entrega da cosia que constitui
objeto desse mesmo contrato.

 Exemplo: Compra e Venda de um móvel - o que que é a compra e venda na


primeira classificação? ele é um contrato consensual da primeira classificação,
e é um contrato consensual na segunda classificação, porquê? Porque ele não
precisa de forma e porque a entrega da cosia é apenas um efeito do contrato,
não é um requisito de perfeição do contrato.

 Exemplo: Compra e venda de um imóvel (um terreno) - já é um contrato solene


ou formal, na primeira categoria, mas não deixa de ser um contrato que se
basta o acordo de vontades embora submetido a uma determinada forma; mas
na segunda classificação já é um contrato consensual, porquê? Porque não é
necessária a entrega do terreno para o contrato se considerar perfeito. O que
que é a entrega do terreno? Sabemos que um dos efeitos essenciais da cobra e
venda é a obrigação de entregar a coisa, portanto, a entrega da cosia não é um
elemento de perfeição do contrato mas é um elemento de execução do
contrato, é uma obrigação que nasceu é um dever que nasce com o acordo de
vontades embora submetido a forma. O que se quer no fundo dizer, é que
estamos, claro já não perante o contrato por si só, no sentido mais estrito do
termo (que será aquele em que não há forma, aqui já há forma), mas não deixa
apesar de tudo de estamos longe daqueles contratos que vem de tempo
históricos em que a entrega da coisa ear um elemento e perfeição do contrato -
mas na verdade temos de reconhecer que alguns desses contratos existem no
nosso ordenamento jurídico (Penhor, comodato, mutuo, deposito, parceria
pecuária, doação d cosia móvel quando não é feita por escrito…).

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Mas esses contratos reais quod constitutionem são muitos, estamos assim
perante a tal exceção? O Prof. Almeida Costa procura reduzir esta categoria,
dizendo o seguinte, é que se as partes quiserem podem até manifestando
vontade nesse sentido basicamente celebra um contrato que é real quod
constitutionem, mas em que a entrega da cosia deixa de ser um elemento de
execução do contrato (único contrato que o prof. Almeida Costa não admite
que isso aconteça é o penhor).

 Contratos reais quod effectum: é como se contratos reais quod effectum se


contrapusessem a reais quod constitutionem - isto é errado! Porquê? Porque
na verdade os contratos reais quod effectum podem ser contratos reais quod
constitutionem para lá de serem contratos consensuais.

 sabemos que o o penhor é um contrato real quod constitutionem, e contra


real reais quod effectum? O penhor é real quod constitutionem, na medida
em que exige a entrega da cosia, mas é real quod effectum, porque é um
contrato que produz efeitos reais (constituição de um direito real de garantia).

Exemplo 1: quando um penhor está constituído, qual é a importância do direito real de


garantia? Imaginemos que A é um devedor, e tem no seu património 600 euros, mas
tem vários credores atrás de si, B, C e D - vamos supor que cada um deste credores
tem um crédito de 300 euros. O que acontece? A, tem 900 euros de dívida e tem 600
euros no património (600 euros não dá para satisfazer 900 euros), isto significa que os
credores vão ser satisfeitos na proporção dos respetivos créditos, como tem créditos
todos os iguais, estes 600 euros vão ser divididos de forma igual pelos diferentes
credores. Mas se um deles tiver numa posição de preferência sobre os outros, se
houver um direito real de garantia a primeira pessoa que tem esse direito real de
garantia (o penhor) - vamos supor que a só tinha um relógio de ouro no seu
património, e vamos supor que se relógio tinha sido empenhado em favor de B, isto
significa que B tem uma posição de preferência relativamente àquele património sobre
os outros credores, o que significa que B vai satisfazer-se primeiro, e o que que vai
ficar lá no património? Os outros 300 neurose. Os outros 300, vão ser divididos de
forma igualitária.

O penhor é um direito real de garantia que dá esta posição de preferência aos credor -
estamos perante um negócio real quod constitutionem que é ao mesmo tempo um
negócio real quod effectum.

Exemplo 2: doação de cosia móvel, não feita por escrito - também é um contrato real
quod constitutionem e também um contrato real quod effectum, porque produz a
transmissão da propriedade sobre a cosia que foi doada. O mútuo também é contrato
real quod constitutionem e quod effectum, porque com a entrega da coisa emprestada
transfere-se a propriedade sobre a coisa emprestada.

Temos sempre contratos reais quod effectum apesar de serem contratos reais quod
constitutionem, porque que se diz isto? Porque agora estamos a transitar para
o segundo plano - o que se quer saber no fundo é s também há consensualismo (no

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

plano de forma sabemos que há - não necessita de forma, e mesmo que necessite de
forma nação necessita da entrega da coisa) no plano dos efeitos da eficácia do
contrato.

Segundo plano: Os efeitos também se produzem por mero efeito do acordo das
partes? Por mero efeito do contrato?

2. Efeitos da eficácia do contrato: (quando se falar eme eficácia, estamos a


pensar na eficácia real ou dos efeitos reais dos contratos).

 Para já é necessário termos em conta que o contrato pode produzir efeitos não
só apenas reais, desde logo o contrato produz efeitos obrigacionais (compra e
venda - obrigação de pagar o preço, obrigação de entregar a coisa, transmissão
da propriedade - é um contrato que produz efeitos obrigacionais; contrato
casamento - produz efeitos familiares).

 Ou seja, os contratos podem produzir efeitos familiares, obrigacionais, ou


sucessórios, na media em que tal seja admitido - no entanto, com o existe uma
regra de tipicidade em relação a direitos reais pessoas e em relação a direitos
sucessórios, na verdade, onde a questão acaba por ser mais importante é
relativamente a questão em relação aos direitos reais (onde apesar de existir
também um principio da tipicidade, esse principio apenas existe para
determinar figuras, mas não em relação aos contratos, ou seja, eu posso
através de uma pergunta que é um contrato atípico transferir a propriedade).

 Isto para dizer que o legislador sentiu necessidade de dizer o que que acontece
em relação os direitos reais, na relação com o contrato, isto é, em que
momento é que eles surgem. Surgem depois do registo Surgem depois da
entrega da coisa? já sabemos que a entrega da cosia não é necessária para a
perfeição do contrato, mas a entrega da cosia poderia ser necessária para a
transmissão da propriedade; ou no nosso sistema jurídico o titulo é suficiente
para a transmissão de direitos reais? O acordo de vontades é suficiente para a
constituição a transmissão de direitos reais?

 Sistema do Título, que vigora no nosso ordenamento jurídico: o


consensualismo, o acordo de vontades, produz os efeitos do contrato,
nomeadamente os efeitos reais - ARTIGO 408º, Nº1 DO CC (claro que há
exceções - artigo 408º, nº2, que vem dizer que a propriedade não se transfere
de imediato, transfere-se quando há conhecimento de ambas as partes ou
transfere-se quando haja colheita ou separação, portanto, estabelecem-se
critérios que são diferentes daquele critério que deriva do nº1). Mas vigora o
sistema do título.

 Em outros ordenamentos jurídicos, isto não é assim, exemplo - ordenamento


jurídico alemão, a entrega da coisa é um elemento fundamental e nem
depende da compra e venda anterior, é um elemento fundamental para que
haja transmissão da propriedade. Não é o caso do direito português, a entrega

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

da cosia não é um elemento fundamental, a entrega da cosia é um efeito do


contrato.

 Portanto, o consensualismo existe na formação do contrato, por causa dos


artigos 219º e 217º, e o consensualismo existe no plano dos efeitos do
contrato por causa do artigo 408º, nº1.

 Mas há uma importantíssima exceção na nossa lei, relativamente a esta


produção de eficácia real, que é a chamada CLAUSULA RESERVA DA
PROPRIEDADE - ARTIGO 409º DO CC:

 É possível as partes convencionarem que a propriedade só se transmitirá no


momento posterior.

"1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da


coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à
verificação de qualquer outro evento.”

“2. Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula


constante do registo é oponível a terceiros.”

 Exemplo: se A vende a B, já sabemos que o pagamento do preço é um efeito do


contrato, a reserva da propriedade é uma garantia para o vendedor -
imaginemos que o comprador não paga o preço, se a reserva da propriedade
não fosse possível, significaria que a cosia se ia transferir para a esfera do
devedor, e o devedor até poderia ter vendido a um terceiro porque passava a
ser proprietário da coisa, então o que que acontecia à pessoa que tinha
vendido? Passava a ser apenas um mero credor, pois ele transferiu a sua
propriedade - o outro não pagou e portanto, o credor vai ter de concorrer com
os outros credores que o devedor tenha. Ora se A, reservar a propriedade
significa que este valor ainda está na esfera jurídica de A, e A não vai concorrer
com ninguém.

 Então e não existe a figura da resolução do contrato? A não pode extinguir o


contrato? Se extinguir o contrato a coisa voltaria à sua esfera jurídica, no fundo
não estaríamos a produzir o mesmo efeito. É verdade que a lei permite.

 Resolução do contrato em determinadas circunstâncias com determinados


requisitos, mas a figura da reserva da propriedade ainda tem esta outra
vantagem, porque vão entrar em jogo duas normas - artigo 886º e 934º do CC.

 Artigo 886º: esta norma vem dizer que transmitida a propriedade e feita a
entrega da coisa o vendedor, não pode resolver o contrato por falta de
pagamento do preço exceto se existir uma convenção em contrário. Se isto
acontecer não haverá a possibilidade de resolver o contrato - qual é a
vantagem que a clausula de reserva de propriedade nos trás? É que não se
verifica a primeira condição do artigo 886º, que é a transmitida a propriedade

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

da coisa, ou seja, se tiver havido uma clausula de reserva de propriedade não


há a primeira condição do artigo 886º, e portanto já se pode resolver o
contrato.

 Artigo 934º - venda a prestações - quando se trata da venda a prestações em


que o preço vai ser pago em vários momentos temporais, este artigo vem dizer
que vendida a coisa a prestações com reserva de propriedade e feita a sua
entrega ao comprador, se a prestação que não é paga (imaginemos que a
pessoa falha uma prestação), tiver um determinado valor pode acontecer que
não seja possível resolver o contrato. À partida se eu venci o obstáculo do
artigo 886º através de uma cláusula de reserva de propriedade, já seria possível
resolver um contrato quando não há o pagamento do preço, mas o legislador
quis ser protetor das vendas a prestações e veio dizer que mesmo até havendo
uma reserva de propriedade, se estivermos a falar de uma venda a prestações
desde que tenha havido a entrega da cosia, não é possível resolvido o contrato
se a prestação que não é paga não exceder a oitava parte do preço.

Exemplo: 800 euros é o preço - 8 prestações, 100 euros cada prestação, significa que
cada prestação é um oitavo, ou seja, se o devedor falhar uma prestação é uma
prestação que não excede o oitavo. O que a lei vem dizer é que, como esta prestação é
de valor baixo, mesmo tendo havido reserva de propriedade, não podes haver
resolução do contrato.

A cláusula reserva de propriedade, basicamente vem permitir que se garanta a


satisfação do crédito, mas também vem garantir que se possa resolver o contrato e
portanto também libertar dos deveres que se tenha, ou seja, permite que se possa
destruir a obrigação (estamos a falar de contratos bilaterais sinalagmáticos - podemos
destruir os deveres que temos, podemos destruir a obrigação - e isto é
particularmente importante precisamente nas situações em que há uma venda em que
o preço pago mais à frente).
Exemplo 2: imaginemos que A vende a B um automóvel, foi acordado o pagamento do
preço em 5 prestações de 1000 euros cada, e o automóvel foi entregue ao comprador.
O comprador não pagou a segunda prestação, pode o vendedor resolver o contrato?
Um quinto é mais do que um oitavo, logo não se preenche a limitação do artigo 934º
do CC, logo pode haver resolução do contrato - no entanto, o professor considera que
neste caso não pode haver resolução do contrato, pois não há uma cláusula de reserva
de propriedade, e se não existiu não é possível resolver o contrato, e mais do que isso,
segundo o principio do consensualismo a propriedade transmitiu-se, o que significa
que estão preenchidas as alíneas as duas condições do artigo 886º (transmitiu-se a
propriedade e foi feito a entrega d a coisa), logo não pode haver resolução do contrato
por causa do artigo 886º.

Exemplo 3: mesmo exemplo, só que foi inserida a clausula da reserva de propriedade,


mas não foi entregue a coisa - a resolução já é possível, segundo o artigo 886º, no
entanto, não foi feita a entrega da coisa, e portanto temos de aplicar o artigo 934º
(norma que vem impedir a resolução, agora resta saber se se aplica a esta hipótese ou

35
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

não) - uma das condições do artigo 934º é a entrega da coisa, e portanto não há a
possibilidade de se resolver o contrato.

Exemplo 4: mesmo automóvel + clausula de reserva de propriedade + 10 prestações +


entrega da coisa + não cumprimento de uma só prestação - pode haver resolução do
contrato? Não porque não excede um oitavo, e aplica-se o artigo 934º do CC.

A clausula de reserva de propriedade trouxe a garantia de ter a propriedade da coisa e


trouxe ainda outra garantia, que é o facto de se poder resolver o contrato.

Nota muito importante: Há aqui duas alternativas, A resolver o contrato sem prejuízo
de uma indemnização que possa receber, outra coisa é manter o contrato (pode
continuar a utilizar, mas há perda de beneficio do prazo, em regra o prazo é definido
em beneficio do devedor) - o 934º fala destas duas coisas.

Vamos supor que foi definido o dia 15 de maio para cumprimento de uma
determinada obrigação - significa que até ao dia 15 de maio o credor não pode exigir o
cumprimento da prestação, e que até o devedor pode antecipar e o credor tem de
aceitar. Portanto em principio o prazo tem se estabelecido em beneficio do devedor.

O que diz a lei, é que se ele não cumpre uma prestação perde o beneficio do prazo, o
que significa que a partir do momento que ele não cumpriu no dia 15 de maio, ele
dedicou de ter a possibilidade de pagar o restante preço apenas em junho, julho,
agosto, etc. precisamente porque falhou uma prestação vencem-se todas as outras.

Ou seja, o devedor não quer destruir o contrato, ele quer manter o contrato, mas vai
ter que pagar tudo, pois se não pagar os juros de mora vão vencer não apenas sobre a
prestação que não foi já paga mas também sobre todas as outras prestações futuras
pela a perda do benefício do prazo.

Dúvida doutrinal: se é vencimento automático ou se o credor tem de interpelar o


devedor para pagar.

 Conclusão: o princípio do consensualismo de facto aplica-se na matéria da


formação do contrato, na matéria dos efeitos do contrato, sem prejuízo de uma
importante relevância que se atribui á cláusula de reserva da propriedade.

Matéria abordada na aula prática:


Explicação - Artigo 934º
 O credor perante o incumprimento pode optar por manter ou por
resolver o contrato. Falamos na compra e venda a prestações e
sabemos que quanto à resolução perante o não pagamento do preço há
duas normas que são impeditivas da resolução, vedam a sua
possibilidade – normas que o fazem são o 886º e 934º.

 A resolução seria possível se não se verificasse o 886º, e porquê? Qual a


norma que justifica a possibilidade de resolução num contrato de

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

compra e venda? – norma do 801º. O pressuposto de base deste artigo


é que haja uma impossibilidade culposa (o objeto da prestação já não é
possível) ou um incumprimento definitivo (o objeto é possível, caso do
vestido de noiva – norma do artigo 808º permite a não prestação da
mora em incumprimento definitivo).

 O artigo 808º diz que há duas hipóteses em que o atraso da mora pode
passar a ser considerado incumprimento definitivo. Se optasse por
manter o contrato, a doutrina maioritária associa como indemnização
por interesse contratual positivo – o que remete para os artigos 719º e
801º. Se optasse por resolver o contrato pelo interesse contratual
negativo raramente conseguiria ser indemnizado, exemplo do caso do
quadro – mesmo nos casos de impossibilidade culposa.

A manutenção do contrato vai levar a que haja uma indemnização nos termos
do artigo 798º. Já na resolução devemos olhar para os artigos 886º e 934º. Há um
espaço no caso da manutenção que nos falta preencher. Quando falamos em
manutenção numa hipótese em que existe impossibilidade culposa, a prestação é
sempre possível.

Se pelo artigo 886º a resolução fosse possível ainda teríamos de olhar para o
artigo 934º, uma vez que se trata de uma venda a prestações. Assim se não pudesse
resolver a única solução seria a manutenção – ver artigo 817º e seguintes – se não
cumprir entregando o que deve vamos executar – manutenção significará a realização
coativa da prestação.
o Norma 779º significa que se há uma data prevista para o
devedor cumprir, esta data foi estabelecida para o seu proveito e
se nada em contrário for dito no contrato (se não for dito que o
prazo foi estabelecido em benefício do credor). Se o devedor
quiser cumprir antes pode fazê-lo e se o credor não quiser entrar
em mora. Em prestações como o benefício no prazo é do
devedor até aquela à data estabelecida o credor não pode exigir
nada. O professor Almeida Costa entende que neste artigo não
se deverá falar em vencimento, mas sim em exigibilidade
antecipada. O artigo 781º dir-nos-ia que se o devedor não pagou
a 2 prestação, o credor poderia exigir antecipadamente as
restantes. Tudo seria assim se não interviesse a norma do artigo
934º, segunda parte refere-se explicitamente ao estabelecido na
norma do 781º.

Importante: quando se pode resolver o contrato pelos artigos 886º e 934º,


pode resolver-se o contrato de imediato? Não, a mora tem de se transformar em
incumprimento definitivo, artigo 808º – A resolução opera nos termos do artigo
801º, nº2.
O professor Almeida Costa tem a opinião de que quando falamos de bem
moveis não registáveis a clausula de reserva de propriedade não depende da

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

publicidade, é oponível a terceiros. A convenção das partes mediante a qual


estabeleceram a reserva de propriedade é oponível a terceiros.

PRINCÍPIO DA BOA FÉ

 Estamos a falar aqui, da boa fé em sentido objetivo, e vamos centramo-nos


numa das dimensões do princípio da boa fé em matéria contratual, que é a
dimensão da formação do contrato - responsabilidade pré-contratual (artigo
227º do CC).

 Quais sãs modalidades típicas de responsabilidade pré-contratual?

1ª situação: em primeiro lugar a celebração do contrato inválido ou ineficaz, ou seja,


houve uma violação de uma ever de informação de uma parte relativamente a outra e
isto conduziu à celebração d num contrato inválido e ineficaz.

2ª situação: responsabilidade pela rotura das negociações preparatórias de um


contrato - as partes estavam a negociar e a determinada altura há uma das partes que
rompe as negociações e portanto opta á formação do contrato.

3ª situação: responsabilidade pré-contrarual pelos prejuízos causados à outra parte


apesar do contrato ser válido e eficaz - quando até se conclui um contrato válido e
eficaz, ou seja, na verdade a responsabilidade existe porque houve deveres pré-
contratuais que foram violados e que por isso mesmo vieram causa prejuízos a uma
das partes apesar de haver um contrato válido e eficaz. Imaginemos que houve
despesas que foram assumidas para a realização do contrato e que não eram
necessárias terem sido válidas para que o contrato fosse válido e eficaz, e uma das
partes induziu a outra a que essas depenes fossem efetuadas.

 O que que há de comum a todas estas modalidades? O princípio da boa fé, é


este principio que nos vai permitir fazer um juízo de censura à conduta do
agente.

 Qual é o regime aplicável a esta responsabilidade pré contratual? Se olharmos


para a responsabilidade extra-contratual e para a responsabilidade
obrigacional, há várias questões que são tratadas nos artigo 483º e ss e 798º e
ss, há varias questões que são tratadas e que são importantes, por exemplo
presume-se a culpa do devedor, mas na responsabilidade extra-contratual, não,
pois é o lesado que tem de provar a lesão.

 Ora, nós ja sabemos que o artigo 227º do CC, nos diz que só há
responsabilidade se houver danos e culpa (culpa na atuação em contrariedade
à boa fé), onde é que está o onus da prova|? No 227º não nos diz.

 Como é que respondem as pessoas se houver mais do que um


responsável? Vamos imaginar que são três pessoas que estão a contratar com
uma, e em alguma medida estas três vem ser responsáveis pré-

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

contratualmente - como é que elas respondem pelos danos sofridos por A? O A


pode mandar qualquer delas e pedir a qualquer delas a integralidade da
indemnização? Ou tem de pedir a cada uma delas a parte que corresponde a
essa indemnização? é que porque se seguirmos o regime da responsabilidade
extracontratual é o lesado que tem de provar a culpa do autor da lesão, e que
os responsáveis podem solidariamente responder (cada um responde pelos
danos que causou) - isto está previsto no artigo 227º? Não está.

 Imputabilidade? A capacidade de entender e querer é sempre necessária para


haver culpa. Se um menor de 10 anos partir um vidro de 10 anos, ele é
responsável? Sim, porque ele pode ter património (imaginemos que ele herdou
uma herança - os pais administram a herança, mas o património é dele) -
responsabilidade extracontratual existe? Sim, porque não é necessário ser
capaz para se responder contratualmente, mas já é necessário ser se capaz
para se responder contratualmente - o artigo 227º responde a esta questão?
Não.

 Há várias questões que estão em aberto. A única questão que esta


verdadeiramente resolvida pelo artigo 227º é a prescrição, que remete para o
artigo 498º (é o regime de prescrição da responsabilidade extracontratual).

 Em geral, a doutrina maioritária, aplica o regime aplicável à responsabilidade


contratual.

 O professor, Almeida Costa, considera que o regime aplicável deve ser o da


responsabilidade extracontratual. O Prof. Almeida Costa, dá um exemplo muito
concreto, referindo-se a uma das modalidades, a rotura das negociações
preparatórias de um contrato - ele vem dizer que se alguém rompe as
negociações pode responder, mas quando alguém rompe as negociações está a
exercer uma liberdade, a liberdade contratual, fará sentido presumir a culpa de
quem exerce uma liberdade? A resposta é não, e pronto deve aplicar-se o
regime da responsabilidade extracontratual.

 Será uma indemnização com interesse contratual positivo ou negativo? Há


uma diferença na doutrina, embora mais ou menos consensualmente se diz
que a relação enche vários tipos - ICN, relativamente a duas modalidades, a
rotura e a situação em que estamos a falar d num contrato inválido ou
ineficaz; ICP - relativamente outra categoria de responsabilidade pré-
contratual, ou seja, pelos prejuízos emergentes de um processo contratual do
qual o contrato é valido e eficaz.

6º Aula – 27/02/2023
Quando falamos do princípio da boa-fé e o associamos à formação do contrato
importa realçar que a boa-fé poderá ter importância após a extinção da relação
obrigacional.
Boa-fé: orienta a relação das partes durante (através da responsabilidade
obrigacional/contratual – responsabilidade pela violação de uma obrigação) e após a

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

cessação da relação obrigacional (responsabilidade pós contratual que consiste numa


violação de deveres laterais à relação obrigacional).
o Exemplos desta última responsabilidade: alguém faz um desenho
de um casaco e encomenda a concessão desse casaco a um
terceiro. O terceiro faz essa concessão (ou seja, quando finda a
relação obrigacional – relação obrigacional já tinha cessado) e
após a mesma partilha o desenho com um terceiro. A boa-fé
impõe que o desenho não possa ser partilhado com um terceiro.
Há deveres laterais que se mantêm e não podem ser violados. Se
o forem então entramos na responsabilidade pós obrigacional)
Aplicação de normas na Responsabilidade Pós Obrigacional
Não há uma norma a falar desta responsabilidade, mas o 762º/2 abrange esta
responsabilidade. A norma está pensada para o momento em que ainda existe a
relação obrigacional, mas podemos aplicá-la nestes casos em que continua a haver
deveres mesmo com a cessação da relação.
 Regime aplicável à responsabilidade pos obrigacional: algumas normas da
responsabilidade contratual – discussão ainda em aberto. Vamos ver mais a
frente que não se aplica nem a obrigacional nem a extra obrigacional na sua
integridade.
 Princípio da força vinculativa – artigo 406º - artigo que estrutura este princípio
o Os subprincípios deste artigo vão buscar a sua fundamentação
aos dois números do 406º
o há aqui neste artigo um fuso de três planos relevantes que vao dar
origem aos três subprincípios do princípio da força vinculativa:
a. 1º Plano – artigo 406º, nº1, primeira parte: princípio
da pontualidade
b. 2º Plano – artigo 406º, nº1, segunda parte: princípio
da estabilidade
c. 3º Plano – artigo 406º, nº2: princípio da relatividade
1. Princípio da Pontualidade

Este princípio não se trata apenas de cumprir atempadamente. O contrato deve


ser cumprido na sua integralidade. Deve ser cumprido em tempo, mas para além disso
deve ser cumprido de forma integral.
2. Princípio da Estabilidade

Este divide-se em duas dimensões:


1. Estabilidade traduz-se na irretratabilidade ou irrevogabilidade dos contratos
– os contratos só se podem extinguir por mútuo consentimento das partes
ou nos casos previstos na lei;
2. Intangibilidade do conteúdo dos contratos: o conteúdo do contrato não
pode ser modificado, senão nos casos referidos no 406º/1;

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Estas são as regras, mas há exceções às dimensões:


Princípio da irretratabilidade – podemos falar de 4 categorias que permitem a
extinção do contrato; dos 4 só o fenómeno da resolução tem um regime geral:
1. Resolução – artigos 432º a 436º. Da leitura do regime da resolução surgem
várias ideias. A resolução (possibilidade de resolver o contrato) pode ter origem
legal ou convencional (432º/1). A resolução é de exercício unilateral. A
resolução, em regra, tem de ser fundamentada/justificada (resolve-se
porque…?). Esta tem um efeito retroativo. O artigo 434º vem estabelecer os
efeitos da retroatividade e o artigo 435º estabelece uma salvaguarda dos
terceiros relativamente ao efeito da retroatividade.

2. Revogação – Esta tem fundamento na vontade das partes, ou seja, ela não
surge da lei, apesar de haver situações em que a lei se refere à revogação. A
revogação é de exercício bilateral (ocorre quando há acordo entre as partes em
pôr termo ao contrato que celebraram – declaração das partes contrária a
declaração que fez nascer o contrato). A revogação não tem de ser
fundamentada/justificada. A revogação tem efeitos apenas para o futuro e não
tem eficácia retroativa). A lei vem, no entanto, estabelecer algumas exceções a
esta caracterização:
o pode ser a própria lei a prever o direito de revogar (art. 970º - as
doações são revogáveis por ingratidão do donatário;
o 974º - situações de ingratidão;
o 448º - norma que prevê a possibilidade de o contrato a favor de
terceiro ser revogado.
o Em qualquer destes casos a revogação não resulta de acordo de
vontade, é unilateral, não têm fundamento na vontade das
partes, surgem da lei. Mesmo havendo um fundamento legal,
exercício unilateral a verdade é que a revogação so produz
efeitos para o futuro e este é o fundamento que permite
distinguir a resolução e a revogação (em princípio distinguem-se
de forma clara, mas há exceções que podem trazer dúvidas
sobre qual a dimensão que estamos a tratar).

3. Denúncia – aplica-se aos contratos que têm prestações de natureza duradoura.


A categoria de prestações duradouras pode-se dividir:
 prestações duradouras que são divididas (ex; compro um
automóvel em março e pago em prestações nos meses seguintes
– tenho apenas uma prestação, mas esta vai ser cumprida em
momento temporais diferentes);
 prestações duradouras continuativas (não estamos perante uma
só prestação, mas sim perante prestações que são reiteradas, ou
seja, que se vão sucedendo no tempo, mas cada uma com
autonomia
o Ex: renda que se paga pela locação de um prédio.
Se paga a renda todos os meses estou perante
uma prestação que se repete/reitera. Temos

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

dentro das continuativas as reiteradas/periódicas


e aquelas que simplesmente se prolongam no
tempo.
o As prestações continuativas não periódicas
(prestações que se prolongam no tempo (Ex:
senhoria tem a obrigação de garantir que o objeto
locado esta em condições para ser utilizado pelo
arrendatário). Contrato de prestação
indeterminada (não têm prazo para terminaram) –
quando se fala na denuncia é comum falar-se
destes contratos que vão permanecer no tempo.
o Contratos de prestações duradouras – podemos
estar a falar de contratos que se prolongam no
tempo, mas em que há um fim (são contratos de
prestação determinada). Será que a doutrina
permite que uma parte que esteja adstrita a uma
vinculação que não tem fim. Esta denuncia aplica-
se aos contratos de prestação duradoura de
prestação determinada ou só ao contratos de
prestação determinada? O nosso prof considere
que se deve aplicar aos dois, mas tem de haver
uma característica para que a denuncia se aplique
aos contratos de prestação duradoura, mas
determinada: tem de haver renovação automática
do contrato. O fundamento da denuncia é legal,
ou seja, não está na disponibilidade das partes (as
partes não podem pôr no contrato que esse não
pode ser denunciado). O exercício é unilateral.
Quanto à questão da motivação: tem de ser
motivado ou não? Se formos ao regime do
arrendamento urbano em relação à denuncia que
é feita pela senhoria em contratos de prestação
indeterminada, esta tem de ser fundamentada. A
regra é que não tem de ser fundamentada, mas há
regimes de denuncia em que a fundamentação
pode ser necessária (o caso do arrendamento
urbano – exige-se fundamentação no art.º.
1101º).
 A denuncia so tem efeitos para o futuro. Quando se diz que a denuncia
tem uma origem legal, resulta apenas de princípio de ordem publica, a
ordem publica impõe que as pessoas não possam ficar “amarradas” ao
contrato até o fim da sua vida. Qualquer clausula em sentido contrário
seria uma clausula nula em violação da ordem publica – prof tem esta
opinião

4. Caducidade – se dissermos que o contrato vale por dez anos e não há


renovação automática o contrato ao fim dos dez anos extingue-se (contrato

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

caduca). O fundamento da caducidade é legal. Esta opera automaticamente – não


é preciso declaração de vontade das partes. Podemos ter várias causas de
caducidade:
o Expropriação do objeto que está a ser utilizado; morte; destruição do
objeto em causa… o efeito da caducidade só tem efeitos para o futuro.
Retomando para a resolução:
Pode ter fundamento legal ou convencional (pode resultar da lei ou da vontade
das partes)
Relativamente à resolução legal – há várias normas que permitem resolver o
contratos por causas previstas nessas normas:
 Artigo 801º/2 – diz que nos contratos bilaterais havendo o
incumprimento definitivo da prestação por parte do devedor, o credor
pode resolver o contrato – prevê o direito à resolução. Exercício
unilateral, justificado, e com efeitos retroativos.
 Fenómeno que ganhou importância: possibilidade que através da lei se
possa fazer extinguir o contrato ou permitir a modificação do conteúdo
do contrato pelo facto de ter havido uma mudança da vontade das
partes (437º e ss). permite a extinção e alteração do conteúdo. Nãk
apanhei o nome do fenómeno
Em certos casos, há uma alteração das circunstâncias – não há incumprimento
– isso leva a que seja possível a extinção ou alteração do conteúdo do contrato.
Teoria da clausula rebus sic stantibus – na prática o que esta teoria diz é que
quando houver uma alteração significativa nas circunstâncias que existiam ao tempo
da celebração do contrato a extinção do contrato é admissível. Esta teoria é muito
abrangente e por isso surgem outras:
Teoria da imprevisão: acrescenta à teoria anterior a ideia de que não basta que
seja uma alteração significativa, mas sim imprevisível, pois se a parte lesada antecipava
a alteração então já não devia ter celebrado o contrato. Mesmo assim considera-se
que estamos perante um âmbito muito alargado. Surgem duas novas teorias que
procuram limitar o alcance das duas primeiras:
Teoria da pressuposição – diz que não pode admitir-se a extinção do contrato
em qualquer circunstância. Apenas as circunstâncias passadas, presentes ou futuras
que a parte interessada em fazer extinguir o contrato ao tempo da celebração do
contrato pressupunha que se teriam verificado ou que se verificariam. Ou seja, no
fundo são circunstâncias que representam uma condição implícita. Só celebraria este
contrato com a verificação destas circunstâncias que para mim eram certas/eram
dadas como adquiridas. Na verdade, estamos a falar de circunstâncias que são
fundamentais para uma das partes. A pessoa pressupunha que estas circunstâncias se
verificaram ou se iriam fazer cumprir. Mesmo assim é um conceito amplo e por isso
surge outra teoria (temos também de olhar para a outra parte – a teoria da
pressuposição diz que têm de ser circunstâncias que sejam conhecias ou cognoscíveis

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

(=pudesse conhecer) das outras partes. Mas será isto suficiente? Consideramos que
não:
Teoria da base do negócio – diz que estou perante a possibilidade de resolução
e modificação do contrato quando se trata de circunstâncias fundamentais para uma
das partes ou ambas. A outra parte conhecesse ou devia conhecer essa essencialidade.
Alem de conhecer ou puder conhecer é preciso que a outra parte tivesse aceitado ou
que a boa-fé assim o impusesse.
Quais os requisitos para que possa haver modificação ou extinção do contrato?
Artigo 437º - Requisitos:
1. É preciso que a alteração das circunstâncias ocorra nas circunstâncias em que
as partes fundaram a decisão de contratar – esta ideia de as partes fundaram a
decisão de contrato corresponde à teoria da base do negócio; têm de ser
circunstâncias fundamentais para as partes e serão a razão por estarem a
contratar. A chamada base negocial subjetiva trata de circunstâncias em que
ambas as partes fundaram a sua decisão de contratar.
2. Tem de haver uma alteração anormal; A anormalidade significa uma alteração
que não chegue a ser expectável na sequência dos eventos
3. Tem de haver a lesão para umas das partes (não tem de ser necessariamente
económica); pode não ser uma lesão de caracter económico, mas sim de
caracter pessoal
4. A manutenção da obrigação afete o princípio da boa-fé gravemente; o
cumprimento desta obrigação, a exigência da obrigação em causa afete
gravemente os princípios da boa-fé. A base negocial objetiva estamos a pensar
no enquadramento social que existia ao tempo da celebração do contrato
deixar de ser o mesmo, houve uma mudança na sociedade, é uma base
negocial que está para além da vontade das partes, está na sua realidade –
estas questões têm espaço no artigo 437º. Para um caso caber nesta base
negocial objetiva teremos de olhar para o devedor enquanto impacto na crise
negocial e não como um individuo
5. É preciso que não esteja coberto pelos riscos próprios do contrato (ex. de uma
situação em que a alteração está coberta pelos riscos próprios do contrato:
796º - o comprador assume o risco da perda ou deterioração;
6. So é possível iniciar a alteração das circunstâncias para obter a modificação do
contrato quando o devedor já estava em mora relativamente ao pagamento do
preço. Inexistência de mora do lesado – 438º
O 437º a 439º não pode ser invocado para os contratos já terminados
Este regime da alteração das circunstâncias está pensado para os contratos de
prestações duradouras, mas não só poderá incluir contratos de uma única prestação.
Relatividade – contrato não produz efeitos relativamente a terceiros a não ser nos
casos previstos na lei (exceções à relatividade):
 Contrato a favor de terceiro – distingue-se de várias realidades: não é um
fenómeno de representação. No regime do contrato a favor de terceiro diz-se
que o terceiro adquire de imediato a prestação, mas ele pode aceitar ou

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

rejeitar a mesma. O terceiro já é credor (o crédito já nasceu na sua esfera


jurídica). Se o terceiro aderir o contrato a favor de terceiro torna-se
irrevogável, mas enquanto não adere o contrato pode ser revogável (438º)
 Contrato para pessoa a nomear – diz-se que neste não há de facto uma exceção
à relatividade. vai aparecer uma outra pessoa que me vai nomear. No leiloes
peço ao senhor A que vá em meu lugar e o direito vai nascer na esfera jurídica
do contraente, que neste caso seria a pessoa nomeada. Quando há nomeação
e ratificação a nomeada vem para dentro do contrato. Se a nomeação ou
ratificação não surgissem o contrato so produzia feitos em relação as partes Os
efeitos produzem-se em relação a ele a partir…455º/1. Em bom rigor na
circunstância de um contrato surgir para beneficiar um terceiro. Juridicamente
podemos dizer que e nunca esta la como um terceiro.

7º Aula – 01/03/2023

REGIME DO CONTRATO PROMESSA

 O que que há de comum entre um contrato promessa e um contrato de


preferência?

 São ambos preliminares, o que significa que são contratos que tem por objeto
a celebração de um contrato futuro (não necessariamente apenas de um
contrato, mas fundamentalmente de um contrato futuro).

 Para além disso, são ambos exemplo de autolimitações à liberdade de


celebração do contrato. O que significa que quando se celebra um contrato
promessa, ou um pacto de preferência haverá a obrigação de celebrar um
contrato futuro.

 Ainda assim, essas autolimitações têm intensidade diferentes - quando falamos


no contrato promessa a intensidade é maior, e porquê?
 Olhando para o pacto de preferência a obrigação de preferência, é uma
obrigação duplamente condicionada, ou seja, se A dá a B, a preferência na
alienação do seu automóvel, A não está obrigado a vender o seu automóvel à
Raquel, se não preenchendo-se duas condições:

1ª condição: querer celebrar um contrato que tenha como objeto a preferência;

2ª condição: dar a essa contato as mesma condições que um terceiro aceitou (pacto
de preferência significa dar a alguém o direito de preferir a outrem na celebração
daquele negócio).

 Isto não é assim no contrato promessa, quando alguém se obriga, por natureza,
a promessa significa o dever de celebrar o contrato que é objeto dessa
promessa. Portanto, se A promete vender a B, e convencionaram que a
celebração do contrato definitivo seria daqui a três meses - uma obrigação mais
intensa.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Instrumentos fundamentais para lidarmos com a figura do contrato promessa:

 410º a 413º: normas que estão na subsecção relativa ao contrato promessa.


Mas não são só estes os artigos, teremos de ter sempre presente os artigos
441º e 442º; ainda especificamente sobre o contrato promessa vamos ter de
ter presente o artigo 830º (trata da matéria da execução específica); e o artigo
755º, nº1 alínea f);

 Há ainda, algumas normas que são centrais na matéria dos contratos em geral,
e que também são centrais na matéria do contrato promessa - artigo 801º,
nº2 e do artigo 808º.

Do ponto de vista da formação do contrato promessa:

 o que que é necessário para que se celebre um contrato promessa válido e


eficaz.

 Há aqui um princípio absolutamente fundamental que temos e conhecer no


contrato promessa - é um princípio que não se esgota na formação do
contrato, mas que tem particular relevância na formação do contrato. Este
princípio fundamenta o contrato promessa - Artigo 410º, nº1 - Princípio da
equiparação:

 a 1ª parte desta norma diz logo que se trata de um contrato promessa (de uma
convenção pela qual alguém se obriga a celebrar um certo contrato futuro);

 De seguida, estabelece-se na norma, uma regra - “são aplicáveis as disposições


legais relativas ao contrato prometido” - a equiparação está aqui.

 Atenção: não é que a norma em si dê claramente a indicação do alcance total


deste princípio da equiparação, isto é, quando olhamos para a norma, o
princípio da equiparação significa que ao contrato promessa se aplicam as
normas do contrato prometido (se for um contrato promessa de compra e
venda, aplicam-se as normas da C/V; se for um contrato promessa de doação,
aplicam-se as normas da doação; etc).

 Só que esta referência, não é verdadeiramente completa. Com esta norma,


estamos a querer significar que ao contrato promessa se aplicam as disposições
relativas ao contrato prometido, é certo, mas que se aplicam tal como acontece
em relação ao contrato prometido as normas relativas aos negócios jurídicos
em geral.

 Ou seja, quando falamos em princípio da equiparação estamos a querer dizer


que se aplicam ao contrato promessa as normas relativas aos contrato em geral
e as normas relativas ao contrato prometido em especial.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Portanto, tudo isso é chamado para o regime do contrato promessa e é isso


que consiste o princípio da equiparação - convocar para o contrato promessa as
normas relativas aos contratos em geral e as normas relativas ao contrato
prometido em especial.

 Dito isto, a dificuldade não está em definir o que sei ao princípio da


equiparação, está depois em entender quais são as exceções ao princípio da
equiparação.

 O princípio da equiparação tem duas exceções, em bom rigor tem dois planos
em que as exceções atuam e que estão indicadas também no artigo 410º nº1
do CC.

 O que está no fundo o legislador a dizer com esta norma é que ao princípio da
equiparação se aplicam duas exceções, uma relativamente à forma e outra
relativamente às normas do contrato prometido que pela sua razão de ser não
se devam considerar extensivas ao contrato promessa.

 Nota: nas provas orais pergunta-se com frequência quais são as exceções ao
princípio da equiparação.

 Exceções do Princípio da equiparação - artigo 410º, º1 do CC:

1ª exceção - quanto à forma - “exceptuadas as relativas à forma”:

 Relativamente à forma há duas normas que estão no artigo 410º e que são
normas especiais do contrato promessa - agora, é preciso percebermos em que
medida é que essas normas especiais vão trazer uma exceção a este princípio
da equiparação.

 Nº2 do artigo 410º do CC - “a promessa respeitante à celebração de contrato


para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se
constar de documento assinado” - esta parte inicial da norma é
frequentemente mal interpretada pelos alunos na oral (não cometer este
erro). Quando a lei exige documento quer autêntico quer particular exige
para que? Para o contrato definitivo, ou seja, o que está no fundo o legislador
a dizer é que a promessa respeitante à celebração de contrato que se leia
definitivo para o qual a lei exija documento quer autêntico quer particular -
estamos a falar de um contrato definitivo para o qual a lei exige um documento
autêntico ou particular. A norma continua…

 “só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por
ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral” - a
promessa só vale se constar de documento assinado - mas onde é que está a
exceção relativamente à forma? Basicamente o que a lei está a dizer é que se
exige um documento autenticado ou particular para o contrato definitivo e que

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também se exija um documento para o contrato promessa, então, mas onde é


que está aqui a exceção à equiparação? Não estão a ser tratados da mesma
forma? NÃO!

 Claro que se estivéssemos perante um contrato definitivo consensual, o


contrato promessa também seria consensual (não é o número 3 que vai alterar
isto).

 Exemplo: contrato de compra e venda de uma coisa móvel, que é consensual


(não está submetido a forma) - imaginemos que B está hesitante se quer ou
não comprar a caneta, e, portanto, celebrou-se apenas um contrato promessa,
qual é que seria o regime aplicável a este contrato promessa? Obviamente que
este também seria consensual, pois se o contrato definitivo é consensual então
o contrato promessa também o é.
 Mas o nº2 não trata de contratos consensuais, trata de contratos solenes ou
formais (a promessa respeitante a celebração de contrato definitivo solene ou
formal);

 E depois a lei continua “só vale se constar de documento assinado pela parte
que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou
bilateral”, ou seja, na verdade o que está a dizer é que se um contrato
definitivo (já não é consensual) é solene ou formal também o contrato
promessa vai ser solene ou formal - e é aqui que está a dificuldade eme
entender a diferença!

 É verdade que são ambos solenes ou formais, mas há uma diferença muito
relevante.

 Imaginemos que celebrávamos hoje, um contrato promessa de compra e venda


de um terreno de que A é proprietário - B prometeu a A comprar e A prometeu
a B vender - podem fazer este contrato promessa, realizar as suas
manifestações de vontade numa folha de papel usual, será este um contrato de
promessa válido? Sim, porque a lei apenas exige um documento assinado pela
parte ou partes que se vinculam (um documento particular) - aqui estima
grande diferença, este contrato promessa é um contrato válido, e, no entanto,
se nos perguntarem se isto foste o contrato definitivo? A resposta é de que o
contrato seria inválido, pois estaríamos a manifestar a vontade através de uma
forma que a lei não admite porque exige um documento autêntico ou
particular autenticado.

 A exceção está precisamente aqui, quando a solenidade do contrato definitivo


exigir um documento autêntico ou particular autenticado, um contrato
promessa bastasse com um documento particular. São ambos solenes ou
formais, mas há esta divergência de solenidade.

 E se for um contrato promessa relativamente a um contrato definitivo em que


se exija apenas um documento particular? Por exemplo, se formos ao contrato

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do mútuo o artigo 1143º - “o contrato de mútuo de valor superior a € 25 000 só


é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular
autenticado” - até aqui estávamos perante a solenidade maior, mas “o de valor
superior a € 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário”.
 Ex: vamos supor um empréstimo de 17.500 euros é um valor superior a 2500
euros, mas é um valor inferior a 25000 euros - neste caso, qual é que seria a
forma desse contrato definitivo? Seria um documento particular. E do contrato
promessa? Seria também um documento particular por causa do artigo 410º,
nº2 (portanto aqui não teríamos uma exceção).

 Mas essa exceção existe precisamente em relação aos contratos definitivos


cuja solenidade seja superior.

 Nº3 do artigo 410º: é preciso termos me conta esta norma, pois também não
podemos dizer que é sempre suficiente um documento particular sem
nenhuma intervenção de uma autoridade externa.

 Se olharmos para o nº3 do artigo 410º, vamos perceber que quando estamos a
falar de um determinado objeto e de contratos que tem alguns efeitos
relativamente a esse objeto, o contrato promessa tem de revestir uma
solenidade diferente do mero documento particular.

 Ou seja, se em vez de um terreno fosse por exemplo, um edifício ou um


apartamento, teríamos de aplicar o artigo 410º, nº3.

 “documento referido no número anterior” - documento particular.

 Nota: porque que a lei fala em edifício? E não fala em aquilo que seria. A
realidade se estivéssemos a utilizar a terminologia da parte geral do CC?
Quando falamos em edifício estamos a falar de um prédio urbano, então
porque que a lei não fala em prédio urbano? Porque na verdade uns prédios
urbanos pressupõem já a implantação, e se olharmos para o artigo 410º, nº3,
este fala em edifício já construído, ou em edifício ainda em construção ou até
mesmo edifício apenas projetado.

 Exemplo: Eu queria comparar um apartamento que está a ser construído em


determinado empreendimento e fazia um contrato promessa, naquele
momento só havia o terreno, ainda nem sequer a construção começou, mas
qual é o objetivo do contrato promessa? É uma compra e venda de uma fração
autónoma de um edifico que vai ser construído, então qual é a forma que se
deve aplicar? Não é a forma do artigo 410º, nº2, não é o mero documento
particular, porquê? Porque já estamos perante uma fração autónoma de um
edifício ainda que nem sequer a construção se tenha iniciado, ainda que lá só
esteja o terreno, não é o terreno o objeto da promessa, o que é o objeto da
promessa é uma fração autónoma a ser construída.

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 Atenção: não é qualquer contrato promessa relativamente a um edifício, ainda


que esse edifico não esteja já construído, nem sequer esteja em construção - a
lei diz assim “na promessa respeitante à celebração de contrato ONEROSO.

 O objetivo do artigo 410º, nº3, é no fundo evitar que alguém celebre um


contrato promessa relativamente à aquisição de uma construção que é
clandestina, e por isso submete o contrato ao reconhecimento das assinaturas
e à certificação da licença de construção ou de utilização desse mesmo edifício.

 Exemplo: se fosse um contrato promessa de uma fração autónoma de uma


doação, não iríamos aplicar o nº3 do artigo 410º, porque a lei se refere a um
contrato oneroso - a solenidade maior (a exigência de um reconhecimento das
assinaturas) e ainda a certificação feita por essa entidade que reconhece as
assinaturas, apenas se aplica a contratos onerosos, mesmo sendo a edifícios, se
o contrato for gratuito não se aplica. No contrato promessa doação a forma é
do documento particular (artigo 410º, nº2).

 Exemplo: contrato de arrendamento, portanto, era um contrato promessa de


um contrato de arrendamento de uma fração autónoma de um determinado
edifício - qual é a forma desse contrato promessa? Se para o arrendamento for
necessário documento aplicamos o nº2 ou o nº3? Aplicamos o nº2, porque a lei
diz que só se aplica a contratos ONEROSOS mas DE TRANSMISSÃO OU
CONSTITUIÇÃO DE DIREITO REAL (o arrendamento, apesar da discussão
doutrinal que existe não é um direito real).

 Prof. Almeida Costa, e o Prof. Henrique Sousa Antunes, não concordam - se o


contrato for MODIFICATIVO DE AMPLIAÇÃO (imaginemos que se trata por
exemplo de aumentar o usufruto de 30 anos para 50 anos - é um contrato que
tem por objeto a modificação de um direito real que já existe e no sentido de
ampliar essa direito real, e nesse caso também cai no nº3 do artigo 410º).

 No fundo são situações em que estamos a criar uma situação de dependência


para um determinado adquirente, e, portanto, essa medida precisamos
obviamente de nos proteger.

 A intenção de proteção é tão grande, que o nº3 diz se porventura estes


requisitos não forem preenchidos, em princípio só uma das parte sé que tem
direito a evocar a nulidade do contrato promessa por falta de preenchimento
destes requisitos. O artigo diz claramente que essa parte é o promitente
adquirente

 Exemplo: Contrato de Compra e venda de uma fração autónoma e não houve o


preenchimento destes requisitos do artigo 410º, nº3 (reconhecimento das
assinaturas e a certificação).

 O contrato é nulo. O que que neste caso se sucede? O que a lei vem dizer é que
se não se provar quem é que tem a culpa na não verificação destes requisitos,

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só uma parte pode invocar a nulidade o que significa que à partida a outra
parte está vinculada ao contrato promessa apesar do contrato promessa não
preencher os requisitos de forma que a lei prevê.

 E quem é essa parte? É o promitente adquirente. É o promitente adquirente


que tem o direito de invocar a nulidade do contrato promessa quando não se
demonstre quem é que tem culpa.

 O promitente alienante pode invocar alguma vez essa lei? Só pode invocar
quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte, ou seja,
tem de demonstra que a falta de preenchimento dos requisitos se deveu a
culpa do promitente adquirente. Nesse caso ele pode evocar a omissão desses
requisitos.

 Portanto, a ideia é claramente proteger o promitente adquirente (artigo 410º,


nº3).

 Visto isto, torna-se necessário voltarmos ao artigo 410º, nº2.

 Na verdade, o artigo 410º, nº2 diz-nos que um contrato promessa poder ser
unilateral ou bilateral:

 Contrato promessa unilateral: pode gerar uma obrigação/vinculação para


apenas uma das partes. Só uma das partes é que se vincula à obrigação. Qual é
a relevância que isto tem? É que só a parte que se vinculou vai ser incumpridor
(se viermos a ter um problema de incumprimento). Para evitar que haja
vinculações excessivas - artigo 411º do CC - para evitar que a pessoa que está
vinculada fique indefinidamente vinculada.

 Contrato promessa bilateral: as duas partes estão vinculadas, ambas as partes


estão vinculadas à emissão de declaração negocial que lhes respeita.

 Contrato em que se aplica o artigo 410º, nº2 (ex: compra e venda de um


terreno). Vamos imaginar que este era um contrato promessa bilateral, em que
ambas as partes se vincularam, mas só uma das partes assinou o contrato
promessa. Qual é a sequência? Negócio jurídico é nulo por violação de forma, o
artigo 410º, nº2 determina que tem de haver assinatura de ambas as partes
sendo bilateral. E na eventualidade de queremos aproveitar este negócio?

 Ou aplicamos o regime da conversão - pressupondo que se não há assinatura


de uma das partes o negócio jurídico é totalmente nulo, mas vamos aproveitá-
lo como um contrato promessa unilateral. Ou seja, enquanto promessa
bilateral é totalmente nulo porque tinha de haver a assinatura de ambas as
partes, mas ainda assim vamos aproveitá-lo com a conversão como um
contrato promessa unilateral.

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 Ou então utilizamos o regime da redução - Prof. Almeida Costa, vem dizer


quando estamos perante um contrato promessa bilateral que requer a
assinatura de ambas as partes e só uma das partes é que assinou, a nulidade
não será total mas sim parcial, aplicando por isso o regime da redução. Qual a
diferença entre um e o outro? Na conversão, se não for provada de as partes
perante a existência na nulidade quererem um contrato promessa unilateral, a
nulidade inteira - ao passo que, na redução é o inverso que se sucede. Na
redução é a parte que não quer que o contrato promessa como um contrato
promessa unilateral que terá de demonstrar que só valia como contrato
promessa bilateral. Aplicamos o regime da redução porque o negócio vai ser
aproveitado, enquanto na conversão o negócio por defeito é nulo. Vamos
aplicar a redução porque é mais favorável ao promitente adquirente, e porquê?
Vamos imaginar que é contrato promessa bilateral assinado pelo promitente
adquirente - se aplicarmos o regime da redução, significa que o contrato
promessa vai ser aproveitado por defeito, vai passar a ser somente o
promitente adquirente que vai estar vinculado.

 Situação em que o mercado estável - poderá haver melhores ofertas, há a


tentação para incumprir. É claro que se quem assinou foi o promitente
adquirente claro que ele está vinculado e o promitente alienante não está

 Porque que isto protege mais o Porque que isto protege mais o promitente
adquirente? precisamente porque se a tentação para incumprir está do lado do
promitente alienante, então vamos tentar apanhar nas situações em que o
promitente alienante tenha assinado, o promitente alienante. E se apanharmos
o promitente adquirente porque foi ele que assinou a situação dele não é
problemática porque ele próprio não se importará de cumprir.

 Este é argumento principal para se defender a redução do negócio jurídico.

2ª exceção - quanto à substância - “e as que, por sua razão de ser, não se devam
considerar extensivas ao contrato-promessa”:

 Substância: significa normas que pela sua razão de ser são aplicáveis ao
contrato prometido mas que não são aplicáveis ao contrato promessa.

 Qual é o efeito que tem o contrato promessa tem? Gerar a obrigação de


celebrar o contrato definitivo, tem efeitos obrigacionais.

 Há normas relativamente aos contratos que podem ser objetos das promessas,
que estão claramente associados não aos efeitos obrigacionais, mas aos efeitos
reais desses contratos.

 Ex: nulidade quando haja venda de coisa alheia - se alguém vende dois alheia
não enlacrada como futura, não sendo encarada como coisa que irá adquirir e

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depois irá vender. Vamos imaginar que A vende este computador (computador
de C) a B - A está a vender uma cosia a alheia, o negócio jurídico é nulo.

 será que a norma do artigo 892º que é uma norma que vale para o contrato de
compra e venda e que tem por força o princípio da equiparação também se
aplicaria ao contrato promessa?

 Se A não vender, mas prometer vender o computador de C, a B (B não sabe que


o computador é de C), será que esta promessa é uma promessa nula? A
resposta é não, porque embora A esteja a tratar a coisa como sendo dele, A
tem tempo para adquiri-la, ou seja, não se está a transmitir nenhum direito real
(A, não está a transmitir a propriedade - a promessa não transmite a
propriedade, a venda de coisa a alheia é nula precisamente porque está
associada a um efeito real que a compra e venda tem).

 Conclusão: artigo 892º não se aplica ao contrato promessa.

 Artigo 1682º, alínea a) - se A, quiser vender um terreno que até pode ser só de
A (porque herdou), no entanto, ele só irá conseguir vender o terreno com o
consentimento da sua mulher, porque é isso que diz o artigo 1682º, se assim
não for vamos ter um negócio jurídico que é anulável. Será que isto se aplica ao
contrato promessa? Não, mais uma vez é uma norma que se aplica a efeitos
reais. Se A prometer vender apenas está a criar para si a obrigação.

 Mas o que que acontece à obrigação? Podemos ter uma obrigação válida
relativamente a um ato que depois a ser praticado no contrato definitivo gera
anulabilidade? Sim, pois se A não conseguir vender o que prometeu, vai ter de
responder pelos danos que causou à outra parte.

 É possível criar a obrigação, se não se cumprir vai responder pelos danos


causado pelo incumprimento. Já o efeito real é que não surge no contrato
promessa porque se surgisse nãos seria possível, mas como não surge no
contrato promessa, estas normas não se aplicam.

 Claro que há uma eficácia real, é possível atribuir eficácia real ao contrato
promessa, mas essa eficácia real não é esta eficácia que estamos aqui falar
(esta eficácia real é a constituição ou transmissão de direitos reais de gozo -
quando estamos a falar da eficácia real do artigo 413º, é basicamente a
oponibilidade do direito e crédito é o chamado direito real de aquisição, é
apenas opor a obrigação que eu tenho, mas não se está a transferir nenhuma
propriedade).

 Estas normas são exemplos de normas que não se aplicam ao contrato


promessa.

Não cumprimento do contrato Promessa

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Do ponto de vista das consequências do não cumprimento da obrigação que nasce


do contrato promessa:

 já sabemos que do contrato promessa nasce a obrigação de celebrar um


contrato definitivo - a prestação que está aqui em causa é a correspondente à
emissão de uma declaração de vontade da celebração do contrato definitivo).

 Há duas normas que temos de ter presente o artigo 441º e 442º do CC, e uma
outra norma que é o artigo 830º, e ainda artigo 755º, nº1 alínea f).

 Quando estamos perante um contrato de promessa, e uma das promessas não


foi cumprida, é necessário fazermos várias perguntas:

1. O contrato promessa tem sinal ou não tem sinal? Quando falamos em sinal, é
uma coisa que é entregue, geralmente dinheiro que depois serve para
determinar qual é a indemnização que terá lugar se o não cumprimento do
contrato ocorrer. Sinal é um meio de determinação antecipada da
indemnização. Se houver um sinal vamos ter ir ao regime do sinal para
determinar quais são as consequências do não cumprimento.

Ex: Vamos supor um contrato promessa bilateral de compra e venda - há a promessa


de compra e a promessa de venda. Imaginemos que tinha sido marcado o dia 20 de
maio para a celebração da escritura publica de compra e venda, e o promitente
vendedor não comparece - há um não cumprimento por parte do promitente
vendedor.

 Quais são as consequências desse não cumprimento? Quem é o credor dessa


obrigação? O promitente comprador é o credor desta obrigação, e o
promitente vendedor é o devedor.

 Que direitos tem o credor? Em termos abstratos, pode dizer-se que o credor
tem duas opções - manter ou restituir o contrato (vamos aplicar isto à venda
em prestações, no contrato promessa);

 Manter o contrato: imaginemos que promitente comprador quer manter o


contrato porque se tratava de uma casa que ele há muito tempo ambicionava
ter.

 Imaginemos que o não cumprimento ocorreu porque tinha vendido a um


terceiro (C) - temos um direito real em benefício do C, e temos um direito de
crédito em benefício de B. Manter significa obter aquilo que se quer do
contrato promessa - só que aqui temos um problema pois o promitente
vendedor vendeu a um terceiro, e sabemos que tirando os casos de abuso de
direito em que podemos segundo alguma doutrina reconhecer uma eficácia
dita real (em que se possa até reconhecer que ele vá atrás da coisa), tirando
essas situações de abuso de direito (vamos imaginar eu não é um situação de
abuso de direito).

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 A vendeu a C, que direitos tem B? Como neste caso não foi atribuída eficácia
real ao contrato promessa (artigo 413º). Se o promitente comprado tivesse
efetivamente beneficiado de eficácia real, ele até poderia ir atrás da coisa, ele
podia ter optado pela manutenção do contrato, só que não foi atribuída
eficácia real à promessa.

 Quais são as condições para a atribuição de eficácia real? É preciso que


estejamos perante um contrato promessa que diga respeito a um bem imóvel
ou um móvel sujeito a registo (artigo 413º), pode beneficiar de eficácia real se
as partes assim quiserem, mediante declaração expressa e inscrição no registo.

 Neste caso, trata-se de uma promessa de transmissão de propriedade sobre


um bem imóvel, mas para que houvesse eficácia real era necessário que
houvesse declaração expressa e inscrição no registo. Para além disso era ainda
preciso preencher a condição de forma que estabelece o artigo 413º, nº2 - o
contrato definitivo exige escritura pública, então conjugando o artigo 413º, nº1
e nº2, era necessário também escritura pública quanto à promessa.

 Se as partes não atribuírem eficácia real não é possível ir atras da cosia , o que
significa que a ideia de manutenção do contrato nãos seria possível. Neste caso
o credor só tem a possibilidade de destruir o contrato (aliás já esta destruído
porque foi vendido a coisa a um terceiro).

 Vamos imaginar que os 10.000 euros são um sinal, as partes qualificaram como
sinal. Mas as partes até podiam ter dito que o promitente comprado entregava
10.00 euros ao promitente vendedor e não qualificarem como sinal, que
conseguimos chegar lá, porquê? Artigo 441º.

 Artigo 441º: Vamos imaginar que as partes disseram que o promitente


comprador entrega já 10.000 euros por conta do preço - isto é sinal? Por força
do artigo 441º isto é sinal, pois trata-se de um contrato de promessa de compra
e venda e há uma presunção de que é sinal.

 Qual é a relevância de ser sinal? Se eu tiver um sinal, não vamos de ter de


demostrar quais os danos sofridos. Ou seja, vamos imaginar que A opta pelo
regime do artigo 442º (que é o regime do sinal, é o regime que acompanha a
resolução) - se há sinal, não se tem de demonstrar os danos sofridos, já se não
tivesse e quisesse resolver o contrato (resolver o contrato também implicaria a
chamada da transformação da mora em não cumprimento definitivo)

 Se tem sinal as consequências são as do 442º - o incumprimento teria direito ao


dobro do sinal, isto resulto do artigo 442º, nº2.

 Vamos imaginar que foi o promitente comprador que não compareceu - nesse
caso a lei diz que o promitente que recebeu o sinal, que neste caso era o
promitente comprador, significaria que o promitente vendedor poderia ficar

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com o sinal. Então se for o promitente comprador a incumprir o promitente


vendedor só recebe 10.000 euros, e ao contrário recebe-se o dobro? Não, são
sempre 10.000 euros, pois os 20.000 euros são 10.000 euros que o promitente
comprador já entregou de indemnização, ao passo que o promitente vendedor
ficar com 10.000 euros, são 10.000 euros que não eram dele, na prática ele
está a receber exatamente a mesma coisa.

 Então e se não houver sinal? Ou estamos perante uma situação de


impossibilidade ou não cumprimento definitivo, e, portanto, a resolução
ocorre logo; ou estamos perante um atraso (a tal mora), e aí é necessário
transformar em não cumprimento definitivo, ou seja, temos de dar um novo
prazo ao promitente vendedor para ele cumprir, se ele voltar a não cumprir
podemos resolver (artigo 408º, nº2). E aqui qual a indemnização que ele tem
direito? Indemnização calculada nos termos gerais, pela teoria da diferença,
isto é, ele vai ter demonstrar que sofreu um prejuízo, vai ter que demonstrar a
juiz que pelo o facto daquele contrato definitivo não ter sido celebrado lhe
causou o montante y.

 Portanto, há aqui uma distinção do ponto de vista da resolução entre haver


sinal e não haver sinal. Se houver sinal vamos parar ao artigo 442º do CC, se
não houver sinal vamos parar ao artigo 408º, nº2 e ainda 562º e ss (artigos
sobre a obrigação de indemnização - artigo que no fundo vão permitir
demonstrar a existência de danos e o cálculo desses danos).

 Supor que não houve venda a terceiro - houve um atraso no cumprimento da


obrigação, pronto já não estamos na resolução, e porque há um atraso o
promitente comprador pode logo ir aquilo que configura a manutenção.

 O que que configura a manutenção? Artigo 830º do CC - a chamada execução


especifica.

 Artigo 830º do CC: no fundo o que nós temos aqui é uma substituição do
tribunal as partes a pedido do promitente fiel (aquele que queria cumprir) - e
portanto, ele pede ao tribunal que através de sentença produza os efeitos do
contrato que deveria ter sido celebrado voluntariamente. O tribunal a pedido
do promitente fiel a substituir-se às partes, a produzir os efeitos através de
sentença.

 Quando é que não pode haver execução específica (artigo 830º)?

1. Quando haja uma ilegitimidade superveniente: A vende a C, deixando de ser


proprietário - só poderei haver execução especifica se tivesse sido atribuída
eficácia real ao contrato promessa;

2. Se houver uma ilegitimidade originária não suprida: relembrando as normas


que não se aplicam ao contrato promessa - se A não consegue o consentimento
do cônjuge para conseguir vender, obviamente que o tribunal não pode

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

substituir a parte, há uma ilegitimidade originária que nunca chegou a ser


suprida durante o tempo da promessa; A promessa é válida sem o
consentimento antes da venda

3. Quando as partes tenham afastado a execução especifica: no próprio contrato


promessa as partes convencionaram o afastamento da execução especifica; -
ver 830, nº2

4. Quando a natureza da obrigação sumida se oponha a execução


específica: estamos aqui a falar de duas categorias diferentes - obrigações que
tenham natureza pessoal (por exemplo, se for um contrato promessa num
contrato trabalho; contrato promessa doação) – presente na parte final do
artigo 830º, nº1 e a segunda categoria, contratos reais quod
constitutionem (se for um contrato promessa de mútuo - não é possível a
execução especifica, pois não é compatível, pois nos C. RQC não basta a
declaração de vontade é necessária a entrega da coisa) – a execução especifica
é inviabilizada uma vez que é exigida a entrega da coisa.

Trabalho de casa para aula teórica: artigo 830º, nº2 - estabelece uma presunção. 442º,
nº3 - é uma norma que está no regime do sinal, o artigo 832º afasta a execução
especifica se houver sinal, mas o artigo 432º, nº3 vem contradizer.

8ª aula – 06/03/2023

Quando o contrato de promessa não é cumprido, o promitente fiel pode recorrer à


execução especifica:

- Artigo 830º, nº1 CC: se alguém estiver obrigado a celebrar certo contrato
pode a outra parte obter sentença, na falta de convenção em contrário. Se houver
convenção em contrário, a execução especifica não será possível. As partes podem
afastar a possibilidade de recorrer à execução especifica.

o Há convenção em contrário se existir sinal ou se tiver sido convencionada


uma pena para o caso do incumprimento. Pena (clausula penal) no sentido
de as partes poderem estipular que, em caso de incumprimento, a parte
faltosa tem de entregar à contraparte o montante X – pena regulada nos
art.810º e seguintes.

O que nos interessa agora é a figura do sinal, que é regulado muito


especificamente em relação ao contrato promessa. O artigo 830º, nº2 – se existir sinal,
afastamos a convenção especifica.

 A norma que está em confronto com esta é a norma do artigo 442º, nº3 que diz
na sua primeira parte: “em qualquer dos casos previstos no nº anterior (nº

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

anterior refere-se a situações de não cumprimento), o contraente não faltoso,


pode em alternativa recorrer a execução especifica do contrato nos termos do
artigo 830º, isto é, chegamos ao 442º, nº3 e percebemos, uma vez que
começámos no 830º, nº2 que há aqui alguma coisa que pode não estar a bater
certo, porque o 830º, nº2 diz que, se houver sinal não há execução especifica e
o art.º. 442º, nº3 (relativo aos CP com sinal) diz que o contraente não faltoso
pode obter a execução especifica. São contraditórios, em que é que ficamos?

- Ela dá-nos as pistas para entrarmos noutra questão, estas normas têm de ser
compatibilizadas e na verdade elas são compatibilizáveis.

Elas são compatibilizadas da seguinte forma: Há DUAS situações em que estando


perante um CP com sinal, a execução especifica é possível:

O artigo 442º, nº3 diz assim: em qualquer dos casos previstos no nº anterior, o
contraente não faltoso, pode ocorrer em execução especifica do contrato nos termos
do artigo 830º, ou seja, permite-se a execução especifica, mas nos termos do artigo
830º. Temos de descobrir como é que nos termos do artigo 830º/2 pode haver
execução especifica. A presunção do nº2 é uma presunção ilidível (é a regra das
presunções, se não houver indicação em contrário, a presunção é ilidível).

1. As partes terem ressalvado a possibilidade de execução especifica. A


presunção do nº2 é uma presunção ilidível (é a regra das presunções, se
não houver indicação em contrário, a presunção é ilidível).

 Artigo 350º, nº2: as presunções legais podem, todavia, ser ilididas


mediante prova em contrário exceto nos casos em que a lei o proíba.
Aqui, estamos perante uma presunção em que a lei não impede a prova
em contrário. Quando há um CP com sinal e as partes estipularam que
apesar de se tratar de um CP com sinal, se houver um não
cumprimento, o promitente fiel pode recorrer à execução especifica.
Isto significa, afastar a presunção do artigo 830º, nº2, as partes podem
ressalvar a possibilidade de recorrer à execução especifica.

2. Quando a execução especifica é imperativa: não é possível à vontade


das partes afastar a execução especifica. E, portanto, se não pode haver
convenção em contrário, naturalmente também não se pode entender
como convenção em contrário a existência de um sinal. A execução
especifica não é afastada por convenção das partes nem por sinal. Isso
ocorre no nº3 do artigo 830º - a execução especifica é imperativa, nos
casos a que se refere o artigo 410º, nº3 (CP que dizem respeito a
direitos reais sobre edifícios e frações autónomas do edifício e que
sejam onerosos). Apesar da execução especifica não poder ser afastada
pelas partes, isso não significa que o promitente fiel tenha de
necessariamente recorrer à execução especifica. Sabemos que perante
o incumprimento, podemos recorrer à resolução do contrato ou a

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

manutenção do contrato (esta manutenção é feita pela forma da


execução especifica).

EXEMPLO: Imaginando que eu vendo a minha casa a B, e B paga-me logo 50 mil


euros. Mesmo que não tenhamos convencionado que o dinheiro que B me entregou
era sinal, este é tido como tal pelo artigo 441ºCC. As partes podem afastar esta
qualificação, pois esta é uma presunção ilidível, mas se as partes não tiverem dito
nada, presume-se que este dinheiro é um sinal.
(Mora da prestação – atraso/Impossibilidade de prestação – ex: vendi a terceiro, logo
há um direito real incompatível com um direito de crédito/Não cumprimento).

EXEMPLO: Se o promitente vendedor não comparecer no dia da escritura do


contrato definitivo (CV edifício), pode o promitente comprador resolver de imediato o
contrato? (se se tratasse de uma impossibilidade, é obvio que sim, podia resolver).

Quais são as consequências do não cumprimento, admitindo que a mora se tornou


em não cumprimento definitivo ou até que a própria mora é suficiente para dar lugar
à resolução?

 O promitente fiel tem meios para resolver este problema de não cumprimento:
manter o contrato (pedir a execução especifica do contrato, ou seja, vir a
tornar-se proprietário da coisa que pretendia adquirir, não com a colaboração
da vontade do promitente vendedor, mas através de uma sentença do tribunal)
ou resolver o contrato (destruir o contrato, ou seja, o outro não emite a
declaração de venda nem eu emito a declaração de compra).

A resolução do contrato pode ter 2 consequências consoante haja sinal ou não haja.

Se não houver sinal:


- Se houvesse mora, teria de haver transformação da mora em não
cumprimento definitivo (através da fixação de um prazo adicional para o
cumprimento, findo qual se o promitente faltoso continuasse a não cumprir o credor
poderia resolver o contrato – 808º). A indemnização seria calculada de acordo com o
regime geral de obrigação de indemnização – artigos 562º e seguintes. Isto significa
que o credor vai ter de provar que teve danos e vai ter de quantificar esses danos.

Se houver sinal (é uma vantagem):


- A obrigação de indemnização não ocorre por recurso às regras gerais, isto é, a
indemnização é calculada de imediato, sem a demonstração da existência de um dano
e sem a quantificação do dano, ou seja, se o promitente fiel/comprador, optar por
resolver o contrato, como se trata de um CP onde há um sinal constituído, ele vai
receber o sinal em dobro.

A questão aqui é se pode manter? O problema seria o 830º, nº2 em


conjugação com o nº1 – o nº1 diz que se houver convenção em contrário não pode
haver execução especifica, e o nº2 diz que entende-se haver convenção em contrário

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

se houver sinal. Nós estamos precisamente perante um contrato de promessa com


sinal e, portanto, se calhar respondíamos ao credor que não pode haver execução
especifica porque estamos perante um contrato de promessa com sinal e nos termos
do 830º/2 entende-se haver convenção em contrário que afasta a execução especifica,
se houver sinal - esta NÃO É a resposta certa.

 RESPOSTA CERTA: o credor tem à sua disponibilidade quer a resolução quer a


manutenção porque se trata de um caso que cai no 410º/3, ou seja, este é um
contrato promessa que está regulado pelo 410º/3, é um CV sobre uma fração
autónoma de um edifício e é um contrato que por isso mesmo é oneroso e
transmite o direito de propriedade. Aqui, mesmo que haja um sinal, sabemos
que a execução especifica é imperativa (pelos artigos vemos isso – 410º e
830º). É imperativa no sentido em que o credor pode optar pela resolução ou
pela execução especifica, mas não é obrigado a ir pela execução especifica
(manutenção).

- Se o devedor entra em mora e depois ocorre a alteração das circunstâncias,


ele não pode invocar essa alteração para depois vir a obter a resolução ou modificação
do contrato - 830º, nº3. Aqui estamos a ver uma diferença, diz que pode obter a
modificação do contrato, ainda que a alteração das circunstâncias seja posterior à
mora, isto é, o artigo 830º, nº3 está claramente a executar o que dispõe o artigo 438º
que diz que a parte lesada não goza do direito de resolução de invocação do contrato
se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.

830º, nº3 parte final: quando se pergunta por uma situação em que estamos
perante um CP que tem por objeto uma fração autónoma de um edifício e em que
houve uma alteração das circunstâncias (valia 200 mil e agora vale 1 milhão). Pode
ocorrer uma vontade do vendedor de resolver o contrato de promessa de compra e
venda. Pode o promitente vendedor resolver o contrato de promessa de compra e
venda com fundamento de ter havido uma alteração das circunstâncias? Se dissermos
que sim, ele destrói o contrato e não responde por nenhum incumprimento.

 A alteração das circunstâncias criou um desequilíbrio flagrante entre as


prestações económicas das partes (o promitente comprador ia comprar algo
que vale 1 milhão de euros por 200 mil). O promitente comprador, vai propor
uma ação de execução especifica porque quer adquirir o terreno – 830º, nº3.

Pode ou não resolver?

Erro comum: Dizer que não pode. Ir ao 830º, nº3 porque estamos perante uma
execução especifica imperativa, logo o sinal não afasta a execução, e dizem que não
porque na parte final diz que só podemos modificar (porque só fala em modificação e
não em resolução, não pode).

Resposta certa: Pode. O 830º, nº3 não está a tirar nada ao regime da resolução
e modificação do contrato por alteração das circunstâncias, isto é, esse regime aplica-
se sempre. O 830º, nº3 está é a fazer o que: a dar mais, estabelece que pode a parte

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

faltosa pedir e com sucesso a modificação do contrato, mesmo que a alteração das
circunstâncias seja posterior à mora. De acordo com o regime geral a alteração das
circunstâncias tem de ser anterior à mora, mas este artigo diz que o regime geral está
lá, mas acresce ainda a faculdade de poder pedir a modificação do contrato mesmo
que a alteração seja posterior à mora. Mas porque é que só fala em modificação e não
resolução também? Porque esta é uma compensação à parte faltosa pela circunstância
dessa parte não ter tido possibilidade de afastar a execução especifica (compensar a
falta de liberdade de estipulação das partes), a resolução estaria a negar a
imperatividade da execução especifica. Ele pode pedir com sucesso a resolução do
contrato pela alteração das circunstâncias, porque se todos os requisitos estiverem
verificados, o regime aplica-se, o 830º, nº3 não afasta o 437º a 439º, este artigo
acrescenta informação a estes, não os substitui.

Parte final do 830, nº3º: Quando estivermos confrontados com situações em


que possa haver uma alteração das circunstâncias e a parte interessada queira
requerer a resolução do contrato por alteração das circunstâncias, não é o facto de
estarmos perante uma execução específica que cai no artigo mencionado, que afasta a
aplicação dos 437-439º - eles aplicam-se sempre. Se for uma alteração das
circunstâncias anterior à mora, a resolução do contrato é possível.

 Pode ou não haver a resolução do contrato sem ter de transformar a mora em


não cumprimento definitivo no caso de haver sinal? Perante um CP sem sinal,
o promitente fiel só consegue obter a resolução do contrato se houver
incumprimento definitivo – tem de se transformar a mora em não
cumprimento definitivo.

 E se for o CP com sinal? A letra da lei gera um debate doutrinal intenso:


segundo a posição da maioria da jurisprudência, esta considera que ao contrato
promessa com sinal se aplica o regime geral, ou seja é preciso transformar a
mora em incumprimento definitivo.

A posição de Almeida Costa é diferente: diz que a resolução do contrato não


exige o recurso ao artigo 808º (não exige a fixação de um novo prazo para a
resolução). Se considerarmos a opinião de Almeida Costa, parece que no fundo
estamos a concluir que a mora é suficiente para a resolução (a mora daria lugar à
resolução do contrato, o que a maioria da jurisprudência não aceita).

- No entanto, o professor Almeida Costa fala numa coisa um bocadinho


diferente, dizendo o seguinte: este é um incumprimento definitivo especial, ou seja, no
caso do CP sinalizado, o incumprimento definitivo dá-se logo no primeiro momento – o
professor não fala em mora, diz que é um incumprimento definitivo, mas não é um
incumprimento definitivo como o que detetamos no regime geral, em que tenho de
dar um novo prazo para haver um incumprimento definitivo.

- Depois há alguns autores que referem a mora como sendo o fundamento da


resolução do CP com sinal (Antunes Varela, MC) – são autores que na prática chegam à
conclusão de AC, mas não dizem que é incumprimento definitivo, falam em mora que

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

neste caso leva à resolução do contrato. Há um enquadramento teórico diferente, que


embora em termos práticos seja a mesma coisa. (Mas a maioria da jurisprudência
continua a defender a necessidade de transformação da mora em não cumprimento
definitivo de acordo com o regime geral).

EXEMPLO - Contrato Promessa de C/V de um terreno: 200mil para a compra do


terreno, 50mil que as partes qualificaram como sinal, e houve um não cumprimento do
CP. Antes da celebração do CP, o promitente vendedor já tinha feito a tradição da
coisa ao promitente comprador que já está a utilizar o terreno. Tendo havido tradição
antecipada da coisa (promitente comprador ainda não é proprietário do terreno, mas
já está a utilizá-lo), estou perante um CP.

 Entretanto os imóveis valorizaram em geral na região, mas não o


suficiente para se considerar uma alteração de circunstâncias. Na
celebração da data do contrato definitivo o terreno passou de 200 para
300 mil. O promitente vendedor não comparece, porque quer vender a
outra pessoa por mais caro.

O que pode o promitente comprador fazer? Como houve transmissão


antecipada da coisa, para evitar estas situações (situações em que o promitente
vendedor se sinta tentado a vender a terceiro, para retrair o promitente vendedor), a
lei dá ao promitente comprador o outro direito que se chama “indemnização
atualizada”.

 Em alternativa ao dobro do sinal, pode recorrer à indemnização


atualizada. Porquê? Porque diz o artigo 442º, nº2 que o promitente
comprador pode recorrer a indemnização atualizada que é o valor
objetivo da coisa à data do não cumprimento da promessa (300mil),
com dedução do preço convencionado (200mil), devendo ainda ser
restituído o sinal que tiver pagado (50mil) – total: 150mil. Na verdade,
porque houve transmissão antecipada da coisa, o promitente
comprador tem uma alternativa: ou opta pelo dobro do sinal ou pela
indemnização atualizada (que lhe dá 150mil euros).

Como se calcula a indemnização atualizada:


No valor objetivo da coisa à data do não cumprimento da promessa, menos o
valor convencionado e com a restituição do sinal (300.000 – 200.000 = 100.000 +
50.000 =150.000; mais vantajoso do que se receber o dobro do sinal pois nesse caso só
ia receber 100.000

- Passando para a segunda parte do nº3 do 442º, a lei diz que o promitente
comprador pode exigir os 150mil euros, mas o nº3 dá uma outra possibilidade ao
promitente vendedor para ele não ter de pagar isto. Se o promitente comprador optar
pela indemnização atualizada, diz o nº3 que o promitente vendedor (faltoso) pode
optar por cumprir a promessa – exceção de cumprimento da promessa – pode dizer
que prefere cumprir a promessa a pagar a indemnização atualizada (resolução do
contrato).

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Mas isto só vale se o art.808º não se tiver verificado. Imaginando que


estávamos perante o regime geral do não cumprimento do contrato – CP sem
sinal: para que eu pudesse resolver o contrato (pedir indemnização atualizada),
teria de passar pelo 808º e só poderia pedir a indemnização atualizada se
passasse por este artigo.

 A questão é: será que posso transportar este regime geral para o CP com sinal?
É que se eu transportasse, alguma vez poderia haver exceção de
incumprimento da promessa? Alguém poderia oferecer-se para cumprir a
promessa? A lei diz que sim, a não ser que já houvesse o 808º: ora, para haver
resolução é necessário o 808º, pelo que se eu para resolver tivesse de verificar
o 808º, alguma vez poderia haver exceção de cumprimento da promessa? Não,
porque estaria sempre verificado o 808º.

Em relação a isto, o professor Almeida Costa explica que a indemnização


atualizada é apenas uma alternativa ao dobro do sinal. Interpreta que se o artigo
442º/3 parte final prevê que não se precisa de verificar o 808º para haver
indemnização atualizada, como esta indemnização é apenas uma alternativa ao dobro
do sinal e o dobro do sinal é apenas o outro lado da perda do sinal, então para todo o
regime do sinal, vai valer a regra de que não é preciso verificar o 808º para resolver o
contrato.

Como diferenciar a doutrina de Almeida Costa de Antunes Varela e Menezes


Cordeiro:

Na prática, podemos dizer que se eu estivesse perante um contrato de


promessa sem sinal, a mora ter-se-ia transformado em não cumprimento definitivo,
devido ao art.808º para resolver. Se eu estiver perante um CP com sinal, por causa do
442/3, na opinião dos autores AV/MC, a mora permite a resolução do contrato.

O CP com sinal tem dois benefícios para o promitente fiel:


 Pode resolver logo o contrato (posso resolver o contrato com mora)
 A indemnização está pré-fixada sem necessidade de provar a existência de
danos e fixar a quantidade

 NOTA RELATIVAMENTE AO CP COM SINAL: entrega antecipada da coisa, o


chamado direito de retenção:

Direito de retenção 755º nº1 alínea f): direito real de garantia das obrigações.
A garantia real é um direito que atribui ao credor que dela beneficia uma posição de
preferência sobre outros credores. Natureza do direito de retenção: reter a coisa que
já se tem.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Vantagem de se ter uma garantia real: se eu tiver de receber uma indemnização da


outra parte, eu tenho uma posição de preferência relativamente aos demais credores
que sejam credores por outras razões ao credor x.

 Exemplo: um credor que obteve a tradição antecipada da coisa, que resolva


um contrato de promessa de compra e venda entre A e B. A entregou de
imediato a casa a B, e B já a está a utilizar, sem ter ocorrido ainda a compra
e venda. Aconteceu o não cumprimento na data prevista para a celebração
do contrato definitivo, por parte do vendedor. Vamos imaginar que é um CP
sem sinal. É preciso transformar a mora em não cumprimento definitivo,
continua a não cumprir. O promitente fiel pode assim resolver o contrato,
transformando a mora em não cumprimento definitivo (art.808/2 dá-lhe o
direito de resolver?) e o art.562º e ss são os artigos que vão permitir que
calcular e quantificar esses danos e pedir uma indemnização
correspondente.

 Pergunta: Tem direito de retenção sobre o imóvel porque já o está a


utilizar? Tem alguma posição de preferência relativamente aos demais
credores? Não, só tem o direito de retenção os credores ou promitentes
fiéis que beneficiem de uma tradição antecipada da coisa no contexto de CP
com sinal.

O professor ML diz que só há direito de retenção quando se trata de uma


indemnização calculada nos termos do regime da indemnização atualizada, porque na
verdade só aí há uma convergência entre a indemnização e aquilo que é o pressuposto
do direito de retenção, que é uma tradição antecipada da coisa. O professor até
restringe o art.755º nº1 f), mas independentemente da aceitação ou não desta tese, é
certo que a lei é muito clara: são só os CP que tenham sinal constituído.

Se houver sinal e eu pedir o dobro do sinal ou indemnização atualizada, não


posso pedir pelo incumprimento outra indemnização. Eu abdico de uma indemnização
suplementar – art.442/4. Nos termos deste artigo, quando peço o valor do sinal, a
indemnização está fixada, mesmo que eu venha a mostrar que sofri danos superiores.

9ª aula – 08/03/2023
Resolução de Hipóteses Práticas dadas pelo Professor

A. Contrato promessa de constituição de uso fruto sobre um apartamento –


Resposta: artigo 410º, nº3 - estamos a falar de um apartamento (parte de um
edifício), estamos a falar da constituição de um direito real de gozo, resta nos
saber se a constituição é onerosa ou gratuita, disso dependeria a aplicação no
nº3 se fosse oneroso, ou a aplicação no nº2 se fosse gratuito.

B. Contrato promessa de extinção de um uso fruto sobre um apartamento:


Resposta: artigo 410º, nº2 - pois o nº3 é para “constituição ou transmissão”,

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

quando nós pensamos no nº3 estamos a pensar em direitos que entram na


esfera jurídica do adquirente, ou seja que entram pela primeira vez ou lá
estando se alargam (modificação no sentido de expansão, mas se for no
sentido de redução ou então extinção o artigo 410º, nº3 já não se aplica) - o
artigo 410º, nº3, pretende proteger o adquirente contra a aquisição de direitos
sobre edifícios que estejam clandestinos, e portanto, quando se trata de
extinguir o direito ou se trata de diminuir o direito que já existe então já não
estamos no âmbito de proteção do fim dessa norma, e aí teríamos de aplicar o
artigo 410º, nº2.

C. Contrato promessa de comodato de um apartamento – Resposta: artigo 410º,


nº2 - apesar de ser um contrato que tem por objeto uma parte do edifício,
como é um contrato gratuito e como apenas produz efeitos obrigacionais (não
é um contrato que produz efeitos reais), não se aplica o artigo 410º, nº3.

D. Contrato promessa de compra e venda de um apartamento com eficácia real


– Resposta: artigo 410º, nº3 - qual é a norma que disciplina a atribuição de
eficácia real? Artigo 413º (oral importante):
Quando é que é possível atribuir eficácia real a um contrato
promessa? Bens móveis sujeitos a registo ou bens imóveis.
Há um requisito que se aplica a qualquer contrato promessa que se
atribui eficácia real, que é a necessidades da declaração expressa,
as partes tem de atribuir eficácia real de forma expressa. Além da
declaração expressa, é necessário que haja inscrição no registo.
E depois há um requisito que é variável em razão do contrato
definitivo, que é o que está no nº2 do artigo 413º - continuando a
leitura da norma vê-se que “porém, quando a lei não exija essa
forma para o contrato prometido, é necessário documento
particular com reconhecimento da assinatura da parte que se
vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa
unilateral ou bilateral.” - basicamente o que é necessário é que
conste de um documento particular (ou não) com a identificação
dos promitentes - O REQUISITO É A IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
(atenção: nem sempre é preciso escrituras pública ou documento
particular autenticado). O que é necessário é saber se é necessário
ou não documento autentico ou documento particular autenticado,
a lei diz que quando a lei não exige para o contrato prometido,
então o contrato promessa não tem de constar escritura pública ou
documento autenticado.

E. FORMA DO CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA COM EFICÁCIA


REAL- Resposta: declaração expressa; inscrição no registo; escritura pública ou
documento particular autenticado;

F. CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UM AUTOMÓVEL COM


EFICÁCIA REAL – Resposta: declaração expressa; inscrição no registo;
documento particular com assinatura das partes e identificação dessas partes.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

G. CONTRATOS PROMESSAS CONSENSUAIS: se o contrato definitivo for um


contrato consensual o que que deverá ser um contrato promessa? Consensual
também, porque não faria sentido o contrato promessa ter uma forma superior
à forma do contrato definitivo. Ora, a compra e venda de um automóvel é um
contrato consensual, não exige forma, e, no entanto, se celebrar um contrato
promessa (se for somente com mera eficácia obrigacional também basta a
forma consensual). Se for com eficácia real de compra e venda de um
automóvel, já necessário o documento particular do artigo 413º, nº2 - ou seja,
o contrato promessa vai assumir uma forma superior à do contrato definitivo.

Exemplos de não cumprimento do contrato Promessa:

Exemplo 1: A e B celebraram um contrato promessa de compra e venda de um


terreno, em que A é promitente vendedor e B promitente comprador. Se A se recusar
a vender o terreno a B, este tem direito execução específica do contrato promessa? –
Resposta: Sim, porque na verdade isto não cabe em nenhuma das exceções à execução
específica (execução especifica é a forma do credor conseguir obter aquilo a que o
contrato promessa lhe dá direito).

Exemplo 2: Igual à hipótese anterior só que agora, o promitente comprador


entregou 50 000 mil euros a título de sinal. Se A se recusar a vender o terreno a B, este
tem direito à execução específica do contrato promessa? Não, artigo 830º, nº2 - o sinal
afasta a execução específica.

Exemplo 3: A e B celebraram um contrato promessa de compra e venda de um


apartamento, em que A é promitente vendedor e B promitente comprador. O
promitente comprador entregou 50 000 mil euros a título de sinal. Se A se recusar a
vender o apartamento a B, este tem direito à execução específica do contrato
promessa? Sim, artigo 830º, nº3, em que execução específica é imperativa, o facto de
haver um sinal não é a presunção de que a execução especifica está afastada pelas
partes.

Exemplo 4: A e B celebraram um contrato promessa de compra e venda de um


apartamento, em que A é promitente vendedor e B promitente comprador. Depois de
celebrar o contrato promessa, A vendeu a C. B tem direito à execução específica do
contrato promessa? Não, pois estamos perante uma Ilegitimidade superveniente, o
promitente vendedor tinha legitimidade no momento da promessa para vender, mas
perdeu essa legitimidade a partir do momento em que vendeu a terceiro, o
proprietário já não é ele, e o tribunal não se põe substituir ao promitente vendedor. S
estivermos num situação de Ilegitimidade superveniente, em que o promitente
vendedor vende a um terceiro independentemente do que seja, mesmo que seja um
apartamento então a execução específica está inviabilizada a não ser que tivesse sido
atribuída eficácia real à promessa, porque sua eficácia real é que permite ir atrás da
coisa e aí o tribunal pode substituir ao promitente vendedor na venda da coisa a
terceiro.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Exemplo 5: A e B celebraram um contrato promessa de compra e venda de um


apartamento, em que A é promitente vendedor e B promitente comprador. Ao qual
foi atribuído eficácia real segundo os requisitos do artigo 413º, depois de registado o
contrato promessa A vende a C o apartamento prometido a B. B tem direito à
execução específica do contrato promessa? Sim, ao contrário do que sucedida na
aliena anterior (o contrato promessa de um apartamento sem eficácia real), as partes
atribuíram eficácia real à promessa, e, portanto, o promitente comprador pode ir atrás
da coisa.

Exemplo 6: A prometeu vender a B, um quadro que pertence a C. Admitindo


que na data para a celebração do contrato de compra e venda o A ainda não é
proprietário do quadro. B tem direito à execução específica do contrato promessa?
Não, há uma ilegitimidade originária não suprida.

Exemplo 7: A e B são casados em regime de comunhão de adquiridos. A


prometeu vender a C um apartamento de que é proprietário sem o consentimento do
cônjuge. Na data acordada para a celebração da compra e venda, B recusa-se a prestar
o seu consentimento para a venda como exige a alínea a) do nº1 do artigo 1682º do
CC. C em direito à execução específica do contrato promessa? Não, Ilegitimidade
originária não suprida. A promessa é válida, só que no momento da venda ele precisa
do consentimento do cônjuge.

Exemplo 8: A e B celebraram um contrato promessa de trabalho. Se A se


recusar a celebrar o contrato de trabalho. B tem direito à execução específica do
contrato promessa? Não pode haver execução especifica de contratos promessa que
tem obrigações de natureza pessoal. Artigo 830º - quando à execução especifica se
oponha a natureza do contrato (natureza da obrigação sumida).

Exemplo 9: A e B celebraram um contrato promessa de comodato de um bem


pertencente a A. A prometeu emprestar a B um bem que lhe pertence, se A se recusar
a celebrar o contrato de comodato, B tem direito à execução específica do contrato
promessa? É um contrato real quod constitutionem (entrega da coisa) - a execução
especifica esgota-se na sentença, e portanto, a sentença não substitui a entrega
material da cosia, de modo a que não tem esse efeito de permitir a entrega da coisa. A
execução específica seria inviabilizada pela natureza da obrigação sumida. Contratos
promessas relativamente a contratos reais quod constitutionem não são submetidos a
execução especifica.

Exemplo 10: A e B celebraram um contrato promessa de compra e venda de


um apartamento pertencente a A. O preço acordado para a venda foi de 100 000 mil
euros, B entregou a A a quantia de 50 000 mil euros a título de sinal. Na data agendada
para a celebração da escritura publica do contrato de compra e venda, A não
comparece no notário. B fixa a A um novo prazo para a celebração do contrato de
compra e venda, decorrido o novo prazo fixado, A recusa-se novamente a vender o
apartamento. Quais são os direitos que assistem a B? Execução especifica ou resolução
(em abstrato o que está disponível para poder reagir ao incumprimento do contrato
promessa)

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Execução especifica: é possível porque se trata de uma fração autónoma


(artigo 830º, nº2 que faz a remissão para o artigo 410º, nº3), apesar de haver aqui um
sinal de 50 000 mil euros, estamos perante o artigo 830º, nº3. Neste caso temos um
não cumprimento definitivo, e, portanto, já não poderia haver execução especifica,
isto s solháramos a posição que é tomada pelo professor Almeida Costa. No entanto, o
professor HSA, considera que é possível, pois não é pelo facto de criar condições para
resolver o contrato que fica repudiada a possibilidade de se recorrer à execução
especifica, é verdade o que diz o professor AC, logicamente a execução especifica
acompanha a mora, mas tal não significa que transformada a mora em não
cumprimento definitivo que o credor não possa recorrer á execução especifica, só não
pode haver execução especifica quando há uma impossibilidade da prestação. Pode
recorrer à execução específica pois apesar de haver um sinal a execução especifica é
imperativa nos ternos do artigo 830º, nº3.

Nota: execução específica acompanha a mora e a resolução acompanha o


incumprimento definitivo.

Resolução: vamos ao regime do sinal. Teria sido necessário transformar a mora


em não cumprimento definitivo? Não, para o professor Almeida Costa que segue
aquela orientação de que o 1º atraso já é suficiente para pedir a indemnização
correspondente ao sinal, não teria tido esta transformação da mora em não
cumprimento definitivo. Mas como é que se calcula gora a indemnização? Artigo 442º,
nº2 - que o promitente fiel tem direito ao dobro do sinal, porque quem não cumpriu
foi quem recebeu o sinal e, portanto, vai ter de restituir o sinal no dobro.

Exemplo 11: A e B celebraram um contrato promessa de compra e venda de


um apartamento pertencente a A. O preço acordado para a venda foi de 100 000 mil
euros, B entregou a A a quantia de 50 000 mil euros a título de sinal, e A entregou a B
as chaves do apartamento que nele passou a habitar. Na data a agendada para a
celebração da escritura publica do contrato de compra e venda, A não comparece no
notário. B fixa a A um novo prazo para a celebração do contrato de compra e venda,
decorrido o novo prazo fixado, A recusa-se novamente a vender o apartamento, que
passou a valer entretanto 200 000 mil euros. Quais são os direitos que assistem a B?
Direito de retenção é uma garantia que serve no fundo para concluir o vendedor a
pagar aquilo que tem de pagar pelos danos que causou, e portanto, vamos ter que
encontrar qual é a quantia que está garantida pelo o artigo 751º, alínea f). Quanto à
execução específica as respostas matem-se, a variação que está aqui na hipótese diz
respeito à resolução e também diz respeito ao facto de tendo havido a entrega da
coisa, porque a indemnização vai ser calculada nos termos do artigo 442º haver uma
garantia que o promitente comprador tem de pagamento dessa indemnização que é o
direito de retenção nos termos do artigo 751º, alínea f). Só que, em bom rigor o artigo
442º, nº2 - temos 3 alternativas:

o 1ª alternativa: o promitente comprador que constituiu o sinal não cumpriu,


então há perda do sinal a favor do promitente vendedor.

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o 2ª alternativa: quem não cumpre é o promitente vendedor, então o


promitente comprador tem uma primeira faculdade que é a de exigir o
dobro do sinal.

o 3º alternativa: mas se tiver havido tradição antecipada da coisa, pode exigir


daquela forma complexa que vimos na aula passada a indemnização
atualizada. Como é que se calcula a indemnização atualizada? A
indemnização atualizada traduz-se em pegar no valor atual da cosia, o valor
existente à data do novo valor da promessa (passou de 100 mil euros para
200 mil euros), e pegando no valor atual deduz-se o valor que as partes
tinham convencionado + o sinal (daria um valor de 150 mil euros) - o
promitente comprado vai optar pela indemnização atualizada.

PERGUNTA IMPORTANTE: Qual é que foi a vantagem de ter transformando a


mora em não cumprimento definitivo, dado que ele vai pedir a indemnização
atualizada?
 O facto de ele ter adido um novo prazo para cumprir, neste caso é
importante porque como sabemos, quando se pede a indemnização
atualizada a outra parte pode oferecer-se para cumprir a promessa, no
entanto, a lei diz “salvo o disposto no artigo 808º”, ou seja, se tiver
ocorrido uma situação de transformação da mora em não cumprimento
definitivo então nesse caso a exceção de cumprimento já não é possível,
logo, a resolução e o pedido de indemnização é procedente. Portanto
neste caso teríamos a execução especifica OU indemnização atualizada.

Exemplo 12: A e B celebraram um contrato promessa de compra e venda de


um apartamento pertencente a A. O preço acordado para a venda foi de 100 000 mil
euros, B entregou a A a quantia de 50 000 mil euros a título de sinal. Na data a
agendada para a celebração da escritura publica do contrato de compra e venda, A não
comparece no notário, por que se esqueceu deste compromisso. B exige de imediato
que A lhe devolva o valor em dobro. A recusa-se a devolver o sinal em dobro e
pretende reagendar a escritura publica da compra e venda do apartamento. Quid
Iuris? Isto é um contrato promessa com sinal, nesta questão há uma certa divergência
entre a doutrina maioritária e outros autores, mas procurando seguir a posição do
Professor Almeida Costa, B tem direito a receber o dobro do sinal. Ou seja, estamos
perante uma exceção aquela regra em que é preciso transformar a mora em não
cumprimento definitivo.

Exemplo 13: A e B celebram um contrato promessa de compra e venda de um


apartamento pertencente a A. O preço acordado para a venda foi de 100 000 mil
euros, mas não foi constituído sinal. Na data a agendada para a celebração da escritura
publica do contrato de compra e venda, A não comparece no notário. B fixa a A um
novo prazo para a celebração do contrato de compra e venda, decorrido o novo prazo
fixado, A recusa-se novamente a vender o apartamento. B pertence a resolução do
contrato promessa e que A lhe pague todas as despesas que teve com o banco
relativamente aos custos administrativos suportado para aquisição do empréstimo
feito ao banco para aquisição do apartamento que acabou por não se concretizar. Quid

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Iuris? Primeiro estamos perante uma situação de não cumprimento definitivo,


segundo, o credor, o promitente fiel já está a dizer qual é a opção que ele vai tomar, a
resolução (não precisamos de falar na execução especifica, pois, a opção já foi
tomada). O que que temos de dizer perante uma resolução de um contrato promessa
sem sinal? Primeiro é necessário transformar a mora em não cumprimento definitivo
(artigo 808º), segundo, a norma que permite resolver o contrato é o artigo 801º, nº2.
O artigo 808º foi preenchido? Sim, a hipótese diz nos que ele deu um novo prazo e o
promitente vedor voltou a não comparecer, portanto já estamos perante uma situação
de não cumprimento definitivo e poderá resolver-se o contrato. A questão é, como é
que vai, os calcular a indemnização? Ele quer ter uma indemnização com os custos
administrativos suportado para aquisição do empréstimo feito ao banco para aquisição
do apartamento que acabou por não se concretizar - que tipo de danos são estes?
Danos emergentes. Qual é o critério que vou utilizar para definir a indemnização a que
B tem direito? Estamos perante uma situação de não cumprimento de uma obrigação,
e estou a querer colocar o lesado numa determinada situação, se o contrato tivesse
sido pontualmente cumprido. O que que costuma acompanhar a resolução? O artigo
801º, nº2 - diz-nos quando há impossibilidade ou não cumprimento definitivo, o credor
pode resolver o contrato e pedir indemnização. Como é que é entendida, geralmente,
essa indemnização? Há uma clara maioria na jurisprudência e na doutrina, que nos diz
que o artigo 801, nº2, é que se aplica o Interesse contratual Negativo, é aquilo que é
congruente com a resolução, pois se ele destrói o contrato então tem de ser colocado
na posição em que estaria se não tivesse celebrado o contrato. Portanto temos, os
artigo 808º; 801º, nº2 e a indemnização pelo ICN (os artigos 562º e ss - vão dizer que
na indemnização pelo ICN, vamos encontrar danos emergentes e lucros cessantes -
estes danos emergentes são efetivamente ICN, ou não? Estas despesas que o lesado
teve, seriam despesas que ele não teria tido se não tivesse celebrado o contrato? Sim,
porque o que diz a hipótese é que são custos administrativos suportados peara aquilão
do apartamento, ou seja, se ele não tivesse celebrado o contrato promessa ele não
atrai tido estas despesas e, portanto, irá ter direito ao ressarcimento delas.

Exemplo 14: Vamos imaginar que A decide comprar o quadro pelo preço de
mercado, o quadro custava 500 mil euros - é tal o entusiasmo de A, que decide investir
todo o dinheiro que tinha disponível na compra do quadro. Só que ao entregar aqueles
500 mil euros para aquele efeito (conscientemente), perdi o negócio de compra e
venda de um terreno que A estava a ser vendido por metade do seu preço de mercado
- o terreno valia 1 milhão e B estava a vendê-lo por 500 mil euros. Mas, A
conscientemente comprou o quadro. No entanto, houve um incendio na galeria de
arte e o quadro ficou destruído: Responsabilidade pré-contratual, presunção de culpa
do devedor que vai responder pelos danos causados ao credor. O credor pode fazer
uma de duas coisas, manter ou resolver - aqui não há vantagem em manter tendo em
conta que A está a comprar pelo preço de mercado. Mas se A optar por resolver, a lei
diz a A que pode pedir uma indemnização pelo ICN - qual é que seria a situação em
que A etária se não tivesse celebrado aquele contrato? Teria tido a oportunidade de
comprar um terreno a 500 mil euros que valia 1milhão de euros, portanto o que A
estaria a pedir era um indemnização pelo ICN que neste caso não teve danos
emergentes (não teve despesas), mas há lucros cessantes. Portanto quer o ICN quer o

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

ICP tem lucros cessantes, ou seja, o facto de a indemnização estar a ser calculada pelo
ICN, não significa que esteja a abdicar de lucros cessantes.

PACTO DE PREFRÊNCIA

Expressão mais abrangente: direitos de preferência - o professor Henrique


Sousa Antunes, utiliza esta expressão pois os direitos de preferência podem ter origem
em contrato, ou ter origem na lei.

Iremos ver várias situações de direitos de preferência atribuídos por lei, 2 exemplos:

 Direito de preferência que assiste ao arrendatário - artigo 1091º, alínea a) do


CC: imaginemos que A é proprietário de um apartamento, B é arrendatário de
A (vive lá há 5 anos), olhando para este artigo, o que isto significa é que se A
quiser vender este apartamento, vai ter de contactar B, dizendo que tenciona
vender o apartamento e que já tem um terceiro interessado na aquisição do

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

apartamento, a B, cabe decidir se quer ou não celebrar aquele contrato


preferindo ao terceiro.

 Direito de preferência de origem legal - artigo 1535º do CC: neste caso


estamos a falar de um direito real de gozo, que é o direito de superfície.

Exemplo: Em Lisboa há muitas zonas onde os prédios estão implantados em


terrenos alheios, e quando alguém compra um apartamento em propriedade
horizontal está a adquirir a fração autónoma, e as partes comuns (ex: garagem) e uma
das partes comuns é o solo. Sucede-se, sobretudo para diminuir os custos da venda,
que se pode construir em terreno alheio, isto é, não se tem de comprar o solo, mas
neste caso na verdade o que vamos ter é um terreno que pertence a A e um prédio
que vai pertencer a B, ou aos vários condóminos que, entretanto, vierem adquirir o
apartamento.

Exemplo: parques de estacionamento - muitos deles estão construídos no


subsolo de um terceiro (isto é um direito de superfície). O que diz a lei é que quando o
superficiário (=proprietário do prédio) pretende alienar o seu direito de superfície
despropósito, o proprietário do solo tem o direito de preferir nessa alienação. Para
que? Para libertar o solo, desta oneração que é o direito superfície.

Exemplo: imaginem que A é titular do direito de superfície, A tem uma casa em


regime de superfície sobre o terreno do senhor B, em 50 anos. Se A vender esta casa a
um terceiro, o proprietário do terreno, pode preferir nesta venda a um terceiro. É isto
que diz o artigo 1535º - o proprietário do solo goza do direito de preferência na venda
em relação ao direito de superfície.

Qual é a importância destes dois exemplos?


Há vários exemplos de preferências legais - porque que estes dois são
relevantes? É relevante, pois quando nós falamos em pacto de preferência podemos
estar na exposição em induzir quem discuta no erro, que é pensar que a preferência só
pode ter origem contratual - não, a preferência pode ter origem contratual ou pode
ser origem legal. Claro que no regime contratual vai ser importante também para as
preferências legais, pois estas normas que se referiu, e a generalidade de outras
normas de direitos de preferência, remetem para o regime do pacto de preferência
(não para todo, remetem geralmente para os artigos 416º e 418º e depois para um
regime especial que é o artigo 410º da ação de preferência).

Quais são as principais diferenças entre um direito convencional de preferência e um


direito legal de preferência?

O que tem em comum: serem direitos de preferência, ou seja, isto significa que
o titular do direito pode substituir-se a um terceiro na aquisição do bem que é objeto
dessa mesma preferência.
A lei toma por referência para os pactos de preferência a compra e venda, mas
como iremos ver o regime do pacto de preferência é extensível a outros contratos -

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mas esta questão da compra e venda vai nos orientar no estabelecimento de vários
esclarecimentos a respeito do direito de preferência.

o 1ª grande diferença: os direitos de preferência podem ter origem


contratual (nascerem de um pacto de preferência ou de um contrato de
preferência) ou podem ter origem legal.

o 2ª diferença: particularmente significativa: diz respeito à violação do


direito de preferência - o pacto de preferência é por definição um
contrato unilateral, ou seja, na verdade só está obrigado a pessoa que
dá a preferência, pois a pessoa a quem é atribuído o direito não tem o
dever de prestar - mas vamos imaginar que A vende a um terceiro sem
comunicar ao preferente (B), ou seja, havia um pacto de preferência
estabelecido entre A e B, e A em incumprimento desse pacto de
preferência vendeu a um terceiro, incumpriu o pacto de preferência, se
A não disser mais nada a consequência vai ser a que de B só tem direito
a indemnização, não pode ir atras da coisa, porque é um direito de
natureza obrigacional que não pode prevalecer sobre um direito de
natureza real. Mas se se trata de um direito legal de preferência a
eficácia é erga omnes, ou seja, B pode ir atrás da coisa - se o direito de B
não é um direito que resulta de um contrato celebrado com A, mas sim
o direito de preferência que resulta da lei, nesse caso se o obrigado á
preferência vender a um terceiro, pode o preferente ir atrás da coisa (há
uma eficácia real do direito de preferência legal, enquanto que no
direito de preferência convencional só há uma eficácia obrigacional -
esta é a diferença). NOTA: também é possível atribuir eficácia real ao
direito de preferência convencional - artigo 421º do CC.

o 3ª diferença: mesmo quando o direito convencional de preferência


tenha eficácia real, porque lhe foi atribuído, se conflituarem. Ex:
relativamente a um imóvel existe um direito legal de preferência
relativamente a B, e um direito convencional de preferência
relativamente a C, e foi atribuído eficácia rela - neste caso qual é o
direito que vai prevalecer? Prevalece sempre o direito legal de
preferência, nos termos do artigo 422º do CC.

10ª aula – 13/03/2023

PACTO DE PREFERÊNCIA
Existe uma diferença entre a obrigação nascida do contrato promessa e
obrigação nascida do pacto de preferência – o que têm em comum é o facto de se
referirem à emissão de uma declaração de vontade tendo em conta à celebração de
um contrato futuro.
 Exemplo: Se A e B celebram um pacto de preferência, se A ficar obrigado à
preferência o A vai estar obrigado a não só, mas sobretudo a celebrar um
contrato que é objeto dessa mesma preferência.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Do mesmo modo que o contrato promessa seja unilateral ou bilateral, a


obrigação que nasce é exatamente o da celebração de um contrato futuro. A obrigação
do pacto de preferência, a obrigação que nasce do pacto de preferência, esta
autolimitação é menos limitativa do que aquela que nasce do contrato promessa e
porquê? O Professor já tinha referido na aula passada que obrigação que nasce do
pacto de preferência é duplamente condicionada, ou seja, há duas condições que se
aplicam à preferência:

o 1ª condição: querer celebrar um contrato que é objeto de uma


preferência;
o 2ª condição: é necessário que o titular da preferência aceite as
condições que são dadas pelo terceiro para a celebração desse
mesmo contrato.

Pequena nota ainda sobre a aula passada: O legislador para efeitos do pacto
de preferência toma um contrato como referência que é o contrato de compra e venda
e por isso refere-se à preferência relativamente à compra e venda, mas é preciso que
fique
claro que o pacto de preferência é compaginável com outros contratos, falamos em
especial do artigo 423º que diz que nós vamos tomar a compra e venda como
referência
mas o pacto de referência não se refere apenas ao contrato de compra e venda (aqui
no exemplo vamos tomá-la como referência).

 Exemplo: Se A se obriga a dar preferência a B na venda de um terreno de que é


proprietário porque é que eu tenho aqui uma obrigação que é duplamente
condicionada?

• A obrigação está clara que é "vender o terreno a B" mas esta obrigação se fosse
nascida do contrato promessa não teria nenhuma complicação, isto é, verificada a data
da celebração do contrato definitivo a emissão da declaração de venda teria de surgir,
mas porque é o pacto de preferência estamos perante duas condições:

o A pode viver a vida toda sem querer vender a coisa de que é


proprietário e não é o pacto de preferência que o obriga a vender, o
pacto de preferência apenas significa que dará prioridade ao
beneficiário dessa preferência na celebração daquele contrato mas
isto pressupõe que quem dá o direito preferência quer a vender o
terreno, quer celebrar esse mesmo contrato porque se ele não
quiser vender o terreno nunca o direito de preferência poderá ser
exercido (o obrigado à preferência queira celebrar o contrato – 1ª
condição).

o E quando A se obrigou a dar preferência ao B na venda do terreno


está no fundo a dizer que vai vender o terreno, se quiser vender o
terreno e se B aceitar as condições que o terceiro dará para a

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

compra desse mesmo terreno, ou seja, a obrigação só nasce se o


titular da preferência aceitar as condições que foram acordadas
pelo obrigado à preferência ou um terceiro (isto tem algum impacto
prático relevante), isto é, nós só estamos no contexto da preferência
quando efetivamente há na órbita das partes, um terceiro que
aceita negociar aquele contrato que é objeto da preferência de
acordo com determinadas condições e perante as quais o titular da
preferência tem o direito a preferir.

É um contrato que nasce de um acordo de vontades, mas é um contrato por


definição unilateral, não quer dizer que não possa haver preferências recíprocas, mas o
que é certo é que olhando para o pacto de preferência no seu estado mais puro nós
estamos perante um contrato unilateral, porque nasce do acordo de vontades, mas só
gera obrigação para uma das partes, só uma das partes é que está vinculada à prática
de um facto jurídico futuro, qual é essa parte? Naturalmente o obrigado à preferência,
o A está obrigado e não o B, o B quando for confrontado com a vontade do A de
vender e com as condições que o terceiro dá para a celebração daquele contrato o B é
livre de contratar ou não contratar, não está vinculado à contratação.

Portanto, ao contrário do que acontece no contrato promessa em que o


contrato pode ser unilateral ou bilateral, o pacto de preferência será por natureza um
contrato
preliminar, mas unilateral, vinculando apenas uma das partes.

Há um conjunto de questões que legislador deveria disciplinar e que emergem


daquilo que acabamos de falar: do facto de estarmos perante um contrato preliminar
cuja obrigação dele nascida está duplamente condicionada. Perguntas como:

 Como é que o titular da preferência sabe que existe um terceiro?

 Como é que o titular da preferência pode controlar as condições que


foram acordadas entre obrigado à preferência e o terceiro?

 O que é que acontece se por exemplo, independentemente se existe


um
terceiro ou não, o obrigado à preferência comunicar ao titular da preferência a
vontade de vender sem haver um terceiro. Isto tem alguma interferência no direito
de preferência ou não?

o O que é que acontece por exemplo se a pessoa com quem o obrigado à


preferência for contratar, além de celebrar este pacto de preferência celebrar um
outro contrato, união de contratos um contrato misto, isto é alguma interferência no
exercício da preferência?

Desde logo o legislador dá no artigo 414º dá uma noção de pacto de preferência:

75
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- “O pacto de preferência consiste na convenção (falamos de um contrato, um


acordo de vontades) pela qual alguém (uma das partes e por isso é que é um contrato
unilateral) assume a obrigação de dar preferência a outrem (aquele que tem o direito
e não a obrigação) na venda de determinada coisa.!

- Pacto de preferência: consiste na convenção pela qual alguém assume


obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa.

Já sabemos que o legislador utiliza compra e venda como referência, mas que o
pacto de preferência é extensível a outros contratos semelhantes à compra e venda
como contratos onerosos que encontramos no CC.

FORMA DO PACTO DE PREFRÊNCIA

Qual é a forma deste contrato? Isto é, este pacto de preferência pode ser
celebrado livremente ou o pacto de preferência obedece a alguma forma?

o Nós vimos que no caso do contrato promessa havia disposições


específicas sobre a forma do contrato promessa (410 nº2 e o 410 nº3).
Relativamente ao pacto de preferência o legislador veio disciplinar a
questão da forma do pacto de preferência e fê-lo no artigo 415º.

Artigo 415º: “É aplicável ao pacto de preferência o disposto no n.º 2 do artigo


410.º”

o Está a remeter para uma das normas que nós referimos como sendo uma
exceção ao princípio da equiparação do contrato promessa no que toca à forma, esta
remissão é absolutamente suficiente para nós percebermos qual é a forma deste pacto
de preferência em particular - estamos a falar de um pacto de preferência
relativamente a um contrato compra e venda de um terreno - aqui não há qualquer
dúvida que se o artigo 415º remete para o artigo 410 nº2 isto significa que eu vou ter
de raciocinar nos seguintes termos: qual é o regime aplicável ao contrato definitivo? O
que o 410º diz é que se a lei exigir para o contrato definitivo escritura pública ou
documento particular autenticado diz o nº2 que a promessa só vale se constar
documento assinado pela parte que se vincula.

o Portanto nós sabemos que nos termos do artigo 410º nº2 temos uma
exceção à forma porque pode ser exigido um documento particular
autenticado para o contrato definitivo enquanto o contrato promessa se
basta com o documento particular, não é suficiente a mera declaração
verbal das partes, mas um documento particular é suficiente para
celebrar a promessa validamente.

o O mesmo acontece para o pacto de preferência, este pacto de


preferência não requer escritura pública ou documento particular
autenticado, nos termos do artigo 410 nº2 aqui a única coisa que requer
é um documento particular assinado e neste caso como o contrato de

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

preferência é unilateral pela única parte que se vincula que é obrigado a


preferência - portanto para que tenhamos um pacto de preferência
válido (neste caso) temos de ter um documento particular assinado
pelo obrigado à preferência.

O legislador omitiu uma norma semelhante àquela que temos no contrato


promessa e onde se estabelece o princípio da equiparação, ou seja, no contrato
promessa nós temos no artigo 410 nº1 que diz que ao contrato promessa se aplicam as
normas dos contratos as normas do contrato prometido - aqui o legislador nada disse
o que faz com que uma vasta doutrina (caso do Prof. Almeida Costa) diga que ao pacto
de preferência não se aplica o princípio da equiparação o que significa que o pacto
de preferência vai ser regulado pelas normas jurídicas em geral (aplicadas aos
negócios jurídicos em geral) e pelas regras específicas do pacto preferência mas não se
vai aplicar ao pacto de preferência as normas relativas ao contrato que é objeto dessa
mesma preferência isto é não vigora para o pacto de preferência um princípio da
equiparação.

 O artigo 415º remete apenas para o nº2 do artigo 410º, não remete
para uma outra norma que é nº3 do artigo 410º.

 Vamos imaginar que o pacto de preferência não era sobre um terreno,


mas tinha como objeto uma fração autónoma do edifício, nós sabemos
que aí o contrato promessa tinha que respeitar a forma do artigo 410º
nº3, mas pergunta-se “será que esta remissão não se deve entender
como feita também para o nº3?” até porque este artigo 415º não foi
mexido na versão original do Código Civil mas a norma do contrato
promessa foi mexida.

 O nº3 do artigo 410º não surge da versão originária o que significa que
na verdade há aqui uma superveniência de regime, ou seja, o nº3 do
artigo 410º surge depois da aprovação do Código Civil o que levanta a
questão de saber se não deve haver aqui uma adaptação do artigo 415º
a esta alteração legislativa que houve na matéria de contrato de
promessa;

- Professor Almeida Costa (o professor HSA concorda): diz que não faz sentido
por uma razão (não apenas esta, mas esta é particularmente significativa se pensarmos
na generalidade dos casos): O contrato promessa será com grande frequência bilateral
o que significa que está vinculado não apenas ao sujeito que prometeu vender mas
também à pessoa que prometeu comprar e então o 410º nº3 está lá para proteger a
pessoa que está vinculada a comprar, para evitar que ela venha eventualmente estar
adstrita à aquisição de uma fração autónoma de construção clandestina ou de um
edifício de construção clandestina, a lei diz que este contrato promessa tem de ser
submetido à apreciação de alguém que vai ser vai fazer o reconhecimento das
assinaturas e ainda a certificação da licença de utilização ou pelo menos da licença de
construção.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

o Ou seja, o artigo 410º nº3 está lá para proteger o promitente


adquirente, porque o promitente adquirente está vinculado pelo
contrato promessa. Ora, no pacto de preferência isto não se sucede, nós
já sabemos que o pacto de preferência é um contrato unilateral e quem
está vinculado é o alienante, isto é, aquele que assume a obrigação de
dar preferência na venda.

o Portanto, isto permite-nos dizer que as preocupações sentidas pelo


legislador com a aprovação do artigo 410 nº3 não têm razão de ser, pelo
facto da preferência, isto é, se a razão do artigo 410 nº3 é proteger o
promitente adquirente porque o promitente adquirente está vinculado,
essa razão não se aplica ao pacto de preferência porque no pacto de
preferência o titular do direito preferência na aquisição da coisa não
está vinculado e, portanto, não há esta necessidade de proteger.

o A remissão do artigo 415º deve ser só lida apenas para o nº2 do artigo
410º o que significa também que se eu tivesse em vez de um terreno
um edifício e se me fosse perguntado qual era a forma do pacto de
preferência relativamente à compra e venda do edifício nós
continuaríamos a dizer “artigo 410 nº2”, ou seja, documento particular
com assinatura da parte que se vincula, sem preenchimento dos
requisitos do artigo 410 nº3 apesar de se isto fosse um contrato
promessa esse componente do artigo 410º se dever aplicar.

o É evidente que se remete para o nº2 do artigo 410º também se extrai


daí uma consequência. Se agora mudássemos o objeto e passasse a ser
um relógio de ouro tratar-se-ia de um negócio consensual porque o nº2
delimita o seu campo de aplicação, pois, diz que se para o contrato
definitivo for necessário documento autêntico o documento particular
autenticado então é necessário também o documento particular no
contrato promessa, aliás, documento autêntico, particular autenticado
ou particular, o artigo 410º nº2 basicamente refere-se aos contratos
solenes ou formais em geral.

o Portanto o artigo 410 nº2 delimita o seu campo de aplicação, pois diz
que se o contrato definitivo for um contrato solene ou formal então o
contrato promessa também será solene ou formal embora não seja com
a mesma solenidade que o contrato definitivo, se, no entanto, o
contrato definitivo for um contrato consensual - que não exija forma -
naturalmente o contrato promessa também será um contrato
consensual. Ora, isto que vale para o contrato promessa vale também
para o pacto de preferência.

NOTA:
• Se eu estiver a falar de um terreno: artigo 410º n2, pacto de preferência
relativamente à compra e venda de um terreno, é necessário documento particular
com assinatura da pessoa que se vincula

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

• Se eu estiver a falar de um edifício, pacto de preferência relativamente à


compra e venda de um edifício, é necessário documento particular com assinatura da
parte que se vincula.

• Se eu estiver a falar de um relógio de ouro, pacto de preferência


relativamente à compra e venda de um relógio de ouro, há liberdade de forma.

ATRIBUIÇÃO DE EFICÁCIA REAL AO PACTO DE PREFERÊNCIA

Quais são as condições para que isso se suceda?

o Diz o artigo 421º nº1: “O direito de preferência pode, por convenção


das partes, gozar de eficácia real se, respeitando a bens imóveis, ou a
móveis sujeitos a registo, forem observados os requisitos de forma e de
publicidade exigidos no artigo 413.º “.

- E isso significa que, embora a doutrina suscite aqui várias questões sobre esta
remissão em termos simples podemos dar como adquirido que a atribuição da eficácia
real ao pacto de preferência segue o regime da atribuição da eficácia real ao contrato
promessa o que significa que se nós tivéssemos a falar de atribuição de eficácia real ao
pacto de preferência que tenha por objeto a compra e venda de um terreno ou pacto
de preferência que tenha por objeto a compra e venda de um edifício, como o 421º
remete para o 413º este último diz-nos que é necessário que se verifiquem três
requisitos:

 1º requisito: é necessário que haja uma declaração expressa da


atribuição da eficácia real;
 2ª requisito: é necessário que haja inscrição do registo;
 3ª requisito: é necessário ainda que se para o contrato definitivo for
necessária escritura pública ou documento particular autenticado a
mesma forma seja cumprida para o contrato promessa, neste caso
para o pacto de preferência (identificação).

o Isto é, quando nós chegarmos ao artigo 413º o nº1 fala da declaração


expressa e na inscrição no registo e depois o nº2 diz que “salvo disposto
em lei especial deve constar de escritura pública ou documento
particular autenticado a promessa a que as partes atribuam eficácia
real” e depois continua “quando a lei exija essa forma para o contrato
prometido”, ora, como a lei exige essa forma para o contrato
prometido, ou seja, para o objeto da preferência, se eu estivesse a falar
de um pacto de preferência que tem por objeto a compra e venda de
um terreno ou a compra e venda de um edifício e ao qual eu quisesse
atribuir eficácia real já não era suficiente um documento particular
assinado pela parte que se vincula, era necessário a existência de

79
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

escritura pública ou de um documento particular autenticado ou seja a


mesma forma do contrato definitivo.

o Portanto é preciso termos presente que isto é assim nos termos do


artigo 415º. Se o pacto de preferência tiver eficácia obrigacional, porque
se tiver eficácia real então já temos de respeitar os requisitos de forma
do artigo 413º o que faz com que já não tenha apenas um documento
particular, mas tenha de ter uma escritura pública ou documento
particular autenticado.

O pacto de preferência nasce, como é que as coisas depois se processam?

- O artigo 416º vem explicar como é que nascido do pacto de preferência a


dinâmica desse pacto se processa e diz o artigo 416º o seguinte:

1. Querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve


comunicar ao titular do direito de preferência o projeto de venda e as
cláusulas do respetivo contrato.

2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do


prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a
prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.

- A lei diz que tem de haver uma comunicação para o exercício da preferência,
já agora, esta comunicação pode ser feita extrajudicialmente ou também
judicialmente nos termos do Código de Processo Civil.

- Neste momento vamos apenas analisar esta comunicação extrajudicial, e o


que é que a lei diz relativamente a esta comunicação?

• Comunicação extrajudicial: a lei é especialmente exigente, diz que o obrigado


à preferência tem que comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas
do respetivo contrato, isto significa que na verdade o titular da preferência tem de
conhecer todos os aspetos que sejam relevantes para a sua formação de vontade ou
seja não basta saber apenas que um terceiro pretende comprar o terreno, precisa de
saber o preço, por outro lado é preciso também perceber quais são as condições de
pagamento, paga de uma só vez, pague em prestações e se pagar em prestações será
de quanto tempo.

o Exemplo: as convenções disciplinadoras de responsabilidade, se não


pagar existe uma cláusula penal? São tudo questões que são
absolutamente relevantes para que o titular da preferência possa tomar
a sua decisão, ou seja, na verdade o que a lei quer dizer é que não só o
projeto de venda, mas como todas as condições do contrato.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Dependendo das circunstâncias do caso concreto se calhar todas elas poderão


ter interesse em concreto e, portanto, a resposta mais adequada é esta questão de
saber sobre o que é que deve ser comunicado é basicamente o projeto de venda e
todas as condições que são aprovadas pelo terceiro - tudo isso deve ser transmitido ao
titular da preferência para que ele possa decidir apenas saber que existe um projeto
de venda ou saber o preço, é saber todas as condições que foram acordadas entre as
partes porque todas elas, umas de uma forma mais óbvia e outras de uma forma
menos óbvia dependendo das circunstâncias do caso concreto podem ser relevantes
para a formação do contrato.

- Há uma questão (identidade do terceiro), no entanto, que não é coberta pela


letra da lei e que leva o Professor Oliveira Ascensão a dizer que como a letra da lei não
se refere a esse elemento então essa informação não deve ser prestada ao titular de
preferência - estamos a referir-nos à identidade do terceiro (quem é o terceiro?).

- Já sei o projeto acordado pelo terceiro, mas quem é esse terceiro? A lei fala
em projeto de venda e as condições do contrato, mas não fala da identidade do
terceiro.

- Há alguns autores que com base no princípio da boa-fé entendem que a


identidade do terceiro deve ser revelada ao contrário daquilo que diz o professor
Oliveira Ascensão. Como por exemplo o Professor Menezes Cordeiro ou o Professor
Galvão Teles dizem que o princípio da boa-fé determinará que essa identidade do
terceiro deve ser comunicada ao titular da preferência. E porquê? pela força do
princípio da boa-fé?
- Obviamente para que no fundo se perceba que este terceiro existe e portanto
para que o titular da preferência consiga perceber que o que ali está não é uma ficção
do projeto de venda, o que é que ali está é efetivamente um projeto acordado pelo
terceiro e também para que possa averiguar a veracidade daquilo que foi acordado
pelo terceiro, isto é, foram efetivamente aquelas causas ou estás a dizer que foram
aquelas cláusulas sem ser essas cláusulas apenas para que no fundo o titular da
preferência aceite preferir em condições mais onerosas do que aquelas acordada pelo
terceiro.

- Professor Almeida Costa: Também é favorável à comunicação da identidade


do terceiro e dá inclusivamente para além desta consideração geral de que se perceba
que existe efetivamente um projeto de venda e que se possa indagar a veracidade
daquelas cláusulas, dá um exemplo muito concreto da importância que tem a
identidade do terceiro independentemente destas considerações que derivam do
princípio da boa-fé.
o O professor Almeida Costa refere-se ao seguinte: pensemos que do
não exercício da preferência pode resultar uma relação jurídica com o
terceiro que pode pôr em causa os interesses do titular da preferência:
o Exemplo: A tem a obrigação de dar preferência a B nos termos da lei
(neste caso não é fruto de um contrato, mas podia ser). Se a identidade
do terceiro não for comunicada ao B, pode eventualmente o A vender
ao C.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Como sabemos, o contrato nos termos do artigo 1057º CC, se o C comprar o


apartamento, uma fração autónoma a A que está arrendado a B, apesar de eu ter o
direito de crédito que é o direito de B e um novo direito real que é o direito de C, este
é um dos casos em que o direito de crédito se mantém, não vai ser impossibilitado
pelo direito real, ou seja, o contrato de arrendamento mantém-se por causa do artigo
1057º pois este artigo diz que C substitui a A na relação com B portanto o contrato de
alocação mantém-se, o contrato arrendamento mantém-se.

- Ora, o que pode acontecer é que este C apresente determinadas condições


que permitam, de acordo com a lei, denunciar o contrato de arrendamento por
exemplo para habitação própria. Aqui o que aconteceu foi que como não foi
comunicado a identidade do terceiro ao titular de preferência, ele não se pode
perceber de que a pessoa que iria adquirir a fração seria uma pessoa que poderia
denunciar o contrato de arrendamento para habitação e por isso pôs em causa a sua
própria situação jurídica. (Não percebi)

- Na prática aquilo que nós estamos a permitir se aceitarmos que a identidade


do terceiro não seja condição de validade da comunicação com o exercício de
preferência é que se a identidade do terceiro não for comunicada B pode ser
surpreendido com alguém que possa pôr em causa o seu direito, neste caso o direito
que ele tem enquanto arrendatário pois como sabemos nos termos da lei embora o
contrato de arrendamento se mantenha, pode o arrendatário denunciar esse contrato
de arrendamento sendo certo com as condições definidas por lei mas vejamos o art.º
1101º al. a):

“O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos


seguintes:
a) Necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º
grau; “

- Imaginemos que ele precisa da habitação e agora vai denunciar o contrato, o


que aconteceu foi que B não teve oportunidade de se opor a que isto acontecesse, se
ele tivesse imaginado que quem viria aí fosse um individuo que lhe vai infernizar a
vida, ele se calhar viraria toda a sua vida do avesso para conseguir arranjar um
empréstimo e comprar a casa para evitar que o terceiro viesse e basicamente originar
certas consequências.

- O Professor Almeida Costa diz que este é um bom exemplo daquilo que
justifica a transmissão da identidade do terceiro, portanto isto significa que a
identidade do terceiro deve sempre ser comunicada.

- Também não conseguimos perceber em concreto se efetivamente naquele


caso vai ser necessário, portanto diz o professor Almeida Costa que a identidade do
terceiro é um elemento que deve ser comunicado e um bom exemplo disso é o que se
sucede aqui (no exemplo dado): basicamente quando não se exerça preferência há
alguém que vai estabelecer uma relação jurídica - que é C - que vai estabelecer uma

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

relação jurídica com B que pode vir a pôr em causa o direito de B e portanto é nesta
medida que a identidade do terceiro deve ser comunicada.

- O Prof. HSA acrescentaria ainda dos autores ao se falar da entidade do


terceiro, mas a identidade do terceiro parece muito pouco pois se se disser “vou
vender ao senhor António Silva” há imensos Antónios Silvas no país, como é que eu
vou conseguir averiguar se esse António Silva existe, quais são as condições
efetivamente acordadas com esse António Silva, quem é esse António Silva.

- O Prof. HSA considera que para além da identidade tem vindo a ser
transmitida também alguma forma de comunicação com esse terceiro para que na
verdade se possa cumprir quer aquilo que deriva em geral do princípio da boa-fé,
quer para evitar estas consequências práticas tão importantes que foram referidas.

Em suma: Em termos sintáticos aquilo que resulta do artigo 416º é que tem de
ser comunicado um projeto de venda, todas as cláusulas do contrato e ainda deve ser
comunicada a identidade do terceiro de modo que o titular da preferência posso
tomar uma decisão consciente.

O que é que acontece se houver uma comunicação para o exercício da preferência


corretamente efetuada no que toca ao direito preferência?

o É que o direito preferência pode-se extinguir, o direito preferência


quando há uma comunicação corretamente efetuada (portanto eu
preciso de saber se foi ou não corretamente efetuada), mas quando foi
o que se vai suceder é que basicamente o titular da preferência pode
dizer que não quer e se ele disser que não quer está a fazer extinguir o
seu direito preferência por renúncia, renunciou o seu exercício do
direito preferência ou então diz a lei que ele não diz nada, mas ele não
pode estar indefinidamente sem dizer nada porque se ele não disser
nada num determinado prazo que a lei define o seu direito caduca
segundo a forma de extinção.

o Ou se extingue por renúncia ou se extingue por caducidade (artigo 416


nº2) e o prazo segundo o qual o titular da preferência pode exercer a
sua preferência nos termos do artigo 416º nº2 é de 8 dias salvo se
estiver vinculado a prazo mais curto o obrigado a assinar um prazo mais
longo (8 dias para responder, se nada disser nesses 8 dias o seu direito
caduca, extingue-se).

O que acontece quando o seu direito se extingue?

 A partir desse momento o obrigado à preferência pode celebrar com o terceiro


sem estar a violar nenhuma preferência porque o direito do preferente já se
extinguiu ou por denúncia ou caducidade.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Qual é a consequência de o titular da preferência exercer o seu direito de


preferência?

 Aqui podemos ter, em bom rigor, 1 de 3 cenários (o Professor faz um


parêntesis com a pergunta que vem a seguir)

Qual é a forma para a comunicação do exercício da preferência?

- Será que é necessária forma ou eu posso por exemplo fazer um telefonema e


dizer ao titular da preferência que o senhor António Silva que vive na rua da
Amendoeira em Lisboa no número três aceita comprar o terreno que eu me vinculei a
vender em preferência pelo preço de X pelas condições Y e Z e ele diz que aceita.

- Ora, a comunicação foi corretamente efetuada ou era necessário ser por


escrito? Há liberdade forma, o artigo 416º não diz nada sobre isso, portanto a
comunicação pode ser feita verbalmente, não tem de ser feita por escrito e se for por
escrito pode ser feita por um documento particular, não tem de ser feita por um
documento autêntico ou um documento particular autenticado. Portanto a
comunicação pode ser feita de modo que o obrigado à preferência entender.

Qual é o valor que tem a comunicação para o exercício da preferência?

- O entendimento comum é o de que estamos perante uma resposta


contratual, ou seja, a comunicação para o exercício da preferência tem também o
valor de uma proposta contratual.

• “O senhor X quer comprar por um preço de €100.000, queres exercer o


teu direito de preferência?” no fundo isto é dizer “queres comprar?” e se
ele aceitar obviamente temos um acordo de vontades, portanto é a
aceitação da proposta contratual.

• a aceitação é do titular da preferência, o obrigado à preferência


comunica e ao comunicar está no fundo a fazer uma proposta contratual.

• a aceitação tem o valor da conclusão desse contrato

Quando a pessoa aceita temos 1 de 3 cenários (e porquê?):

1º cenário: Vamos imaginar que se trata do pacto de preferência relativamente


à compra e venda do relógio de ouro, qual é a forma da compra e venda do relógio de
ouro? Nenhuma, há liberdade forma o que significa que é um contrato consensual.
Vamos supor que o exercício da preferência foi feito por telefone e o outro aceitou por
telefone, nesse caso aquilo que nós temos é:

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

• 1ª possibilidade: o contrato definitivo foi celebrado porque a forma


foi preenchida.

• 2ª possibilidade: não se tem um contrato definitivo, mas sim um


contrato de promessa.

 Pode acontecer, porém, que a forma não tenha sido


preenchida embora se pudesse aproveitar ainda aquela
comunicação e aquela aceitação.

 Vamos imaginar que se tratava do pacto de preferência


para a compra e venda do terreno e foi feita por troca
de cartas, portanto o obrigado à preferência enviou uma
carta a comunicar as condições exigidas para o exercício
da preferência e o titular da preferência respondeu por
carta dentro do prazo que a lei prevê (mas foi por troca
de cartas ou seja documentos particulares).

 Ora, nós sabemos que o contrato de compra e venda de


um terreno não pode ser feito por documento
particular, tem de ser feito por escritura pública ou
documento particular autenticado então nesse caso
podemos dizer que da troca de correspondência NÃO
resultou o contrato definitivo mas resultou qualquer
coisa porque na verdade houve uma vontade de
vender e houve uma vontade de comprar só que o que
aconteceu foi que a forma exigida para o efeito não está
preenchida portanto o que é que nós podemos
identificar aqui?

 Um contrato promessa porque a forma do contrato


promessa está preenchida que a forma do artigo 410
nº2: um documento particular. (isto vai ao encontro
da 2ª hipótese)

 Mas aí o que é que aconteceria se não houvesse


cumprimento pois é preciso fazer qualquer coisa, é
preciso depois fazer escritura pública ou documento
particular autenticado.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Da comunicação para o exercício de preferência da


aceitação nasceu um contrato promessa, mas um
contrato promessa não há contrato definitivo, ainda é
preciso chegar a um contrato definitivo, portanto a
partir daí vamos seguir o regime do contrato promessa,
ou seja, na verdade deixamos de ter um pacto de
preferência, porque a preferência já foi exercida e
passamos a ter um contrato promessa que resultou da
comunicação do exercício da preferência e da
aceitação.

• 3ª possibilidade: o mesmo terreno, mas desta vez foi feito por


telefone (comunicação verbal).

 Quando ele aceita temos um acordo de vontades, mas o


problema é que eu não tenho nem a forma do contrato
definitivo nem a forma do contrato promessa (para este
caso era necessário documento particular isto foi tudo
feito por telefone). O que a doutrina diz é que
claramente destas manifestações de vontade nasce um
dever de celebrar o contrato, agora a questão é como é
que eu vou enquadrar este dever de celebrar o
contrato.

 Assumindo que existe este dever de celebrar o contrato


como é que se atua este dever de celebrar o contrato? A
proposta de alguma doutrina (Prof. HSA concorda) é
através do regime de execuçãoo específica - artigo
830º.

 Isto é, não temos o contrato promessa, mas não


deixamos de ter um dever de celebrar um contrato, ora
o artigo 830º tem que ser uma norma suficientemente
abrangente para incluir não apenas os contratos de
promessa, mas também as situações como esta em que
alguém assumiu um compromisso de celebrar o
contrato futuro portanto eu não tenho o contrato
promessa, tenho apenas o dever de celebrar o contrato

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

preferido mas poderei recorrer à execução específica


para esse efeito nos termos do artigo 830º.

3 possibilidades: contrato definitivo, contrato promessa, dever de celebrar o


contrato definitivo

2º cenário: uma comunicação em que não se falou por exemplo da


possibilidade do preço ser pago em prestações, portanto disse apenas que se vai
vender o terceiro tal pelo preço de €300.000 sendo que aquilo que tinha sido acordado
com esse terceiro era que o preço de €300.000 seria dividido por três prestaçõ es de
€100.000, mas isso não tinha sido transmitido ao titular de preferência. Esta
comunicação foi corretamente efetuada?

Não, é uma cláusula do contrato que não foi transmitida ao titular da


preferência, portanto esta comunicação não foi corretamente efetuada.

Deste modo, posso falar em renúncia, caso ele diga que não quer
comprar. Ou posso falar em caducidade? Deixou passar 10 dias e não
respondeu.

Não, porque o seu direito preferência se vai manter, o seu direito


preferência só se poderia extinguir por renúncia ou caducidade se a
comunicação do exercício de preferência tivesse sido corretamente
efetuada, portanto isto significa que se não houver uma comunicação
corretamente efetuada e obrigado a preferência e vender a terceiro o que
vai haver é uma violação da preferência.

De facto, houve uma comunicação para o exercício da preferência só que


essa comunicação para o exercício da preferência não foi corretamente
efetuada e se não foi corretamente efetuada então o direito preferência
mantém-se, e se o direito preferência se manteve então o contrato que
ele venha a celebrar com terceiro é uma violação do direito preferência
do titular desse mesmo direito.

3º cenário: Imaginemos que o professor acordava com a Francisca um pacto de


preferência relativamente a venda do seu automóvel. Num dia o professor diz à
Francisca que vai vender o automóvel por €1000 e pergunta a Francisca se esta o quer
comprar, pergunta ao qual Francisca respondeu negativamente.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Ora, aqui diríamos que sendo que a Francisca respondeu que não então a
uma renúncia ao exercício da preferência logo o professor já está livre de
vender a quem quiser, MAS NÃO!

Há pouco vimos que não havia uma comunicação para o exercício da


preferência, mas não deixava de haver uma comunicação do exercício de
preferência.

O Professor ao dizer “Francisca queres comprar o meu automóvel?” não


faz referência a nenhum terceiro, a Francisca ao dizer que não, não está a
pôr em causa o seu direito preferência, está apenas a recusar uma
proposta contratual que o professor lhe está a fazer - aquilo que o
professor está a fazer não é uma comunicação para o exercício da
preferência é apenas uma proposta contratual de venda que não tem
nada a haver com a comunicação para o exercício de venda pois a
comunicação para o exercício de preferência pressupõe que haja um
terceiro!

Então, mas se a Francisca já disse que não se agora o professor fosse


vender a um terceiro também por €1000 que sentido faz dizer que a
Francisca agora possa vir a dizer que também quer comprar (ou seja,
exercer o seu direito de preferência)?

Se o professor pergunta a Francisca se esta quer comprar o seu


automóvel e a Francisca diz que não, que quando diz que não tem um
direito sobre o professor que é o direito de preferência e quando houver
um terceiro interessado que queira no fundo celebrar o contrato que a
Francisca quer eu vou ter de dizer alguma coisa portanto a Francisca
apenas rejeitou a proposta de venda mas conservou o seu direito
preferir isto é se houver algum terceiro que vai pôr a mão na coisa e aí é
que vai definitivamente privar o Prof. da coisa, aí o Prof. vai ter de ter
conhecimento.

O professor a dizer “quer comprar por €1000” ou dizer “Quer exercer o


seu direito preferência sabendo que há um terceiro disponível para dar
€1000 por pelo meu carro” – a diferença entre estas duas realidades é
que na segunda o facto de haver um terceiro significa que se a Francisca
dizer que não então é o terceiro que vai comprar e portanto basicamente
a Francisca abdicou da coisa ao passo que quando uma pessoa é titular da
preferência se a apenas uma recusa da proposta contratual basicamente
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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

está abdicar de comprar naqueles termos mas não abdica do seu direito
de preferir.

Portanto, o que é que acontece se depois da Francisca dizer que “não” o


Professor vender a um terceiro sem comunicar a Francisca dessa
venda? Violação da preferência.

Nota: Há sempre a violação da preferência quer para quando a comunicação


não é corretamente efetuada, quer para quando nem sequer há comunicação para a
preferência e neste caso mesmo até que a preferência viesse a ser exercida nos exatos
termos de uma proposta contratual que é obrigado a preferência já tivesse feito a
titular da preferência (uma coisa é uma proposta contratual, outra coisa é dizer que
essa proposta tem a ameaça de um terceiro vai poder tirar da sua esfera jurídica a
coisa que o preferente quer).

Os vários cenários que abordamos:

1. Comunicação corretamente efetuada extingue-se por renúncia ou por


caducidade;

2. Comunicação corretamente efetuada pode ser aceite a proposta contratual (?)


sendo que as consequências são: contrato definitivo, contrato promessa, dever
de celebrar o contrato definitivo;

3. Comunicação da preferência, mantém-se o direito preferência – se houve venda


a terceiro há violação da preferência;

4. Comunicação efectuada ele mantém-se o direito preferência - se houver venda


a terceira há violação da preferência

Há ainda um outro aspeto que o professor salienta:

Vamos imaginar que a Francisca diz o seguinte “Professor estive a pensar e não
se preocupe, pode vender o seu automóvel quando quiser, a quem quiser, porque eu
não vou exercer a minha preferência” – estamos a ter alguém a pronunciar-se sobre o
seu direito antes de haver uma comunicação para o exercício da preferência.

Isto é uma renúncia, há bocado já falamos em renúncia, mas há pouco essa


renúncia pressupunha uma comunicação corretamente efetuada do exercício da

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

preferência - qual a diferença entre essa renúncia e esta renúncia? É que agora é uma
renúncia antes da comunicação é chamada de “renúncia antecipada”, é uma renúncia
anterior que pode extinguir o direito de preferência, mas aqui entra a tal diferença que
ainda não falámos entre os direitos legais de preferência e os direitos convencionais
de preferência (falámos em 3, mas não falamos de uma 4º):

A renúncia antecipada pode ter dois alcances:

1. Renuncia antecipada de alcance genérico ou indiscriminado: não


interessa quem é o terceiro, não interessa qual o preço de venda, as
condições, em nenhuma circunstância eu estou interessada em exercer a
minha preferência. Não define as condições dessa mesma renúncia, é
uma renúncia genérica, antecipada porque é anterior à comunicação do
exercício da preferência. Qual o efeito da renúncia antecipada de alcance
genérico ou indiscriminado no caso dos direitos convencionais de
preferência? Extinguir porque a vontade que fez nascer o direito
preferência é a vontade que pode fazer extinguir o direito preferência.

2. Renúncia antecipada a um projeto concreto de negócio: suponhamos


que a Francisca diz “se porventura o professor pretender vender o
automóvel por mais de €1000 eu não estou interessada” aqui já está a
definir uma das condições do contrato (não é de alcance genérico ou
indiscriminado). É uma renúncia antecipada a um projeto concreto de
negócio pois se o negócio tiver um preço X eu já não estou interessada em
preferir, neste caso, esta renúncia antecipada de projeto concreto
negócio tem também eficácia extintiva, ou seja, extingue o direito
preferência (mais uma vez, se o direito preferência nasce da vontade
então essa mesma vontade pode fazer extinguir mesmo que seja antes da
comunicação para o exercício da preferência)

Isto vale também para os direitos legais de preferência?

Não, por isso é que existe uma grande diferença, ou seja, é possível extinguir o
direito legal de preferência se houver uma renúncia antecipada a um projeto concreto
de negócio, isto é, o direito legal de preferência - aquele que nasce da lei, que é mais
forte do que o direito convencional – pode extinguir-se por uma renúncia antecipada a
um projeto concreto de negócio, isto é, quando se esteja a definir condições da
renúncia.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

• Agora no tocante a uma renúncia antecipada de alcance genérico ou


indiscriminado a doutrina em geral entende que ela não é válida, isto é, não
tem efeito extintivo do direito legal de preferência - a renúncia antecipada
de alcance genérico ou indiscriminado só pode fazer extinguir o direito
convencional de preferência, não pode fazer extinguir o direito legal de
preferência e porquê?

• Porque os direitos legais de preferência prosseguem interesses de ordem


pública.

• Exemplo: porquê que o legislador não quer que haja cinco comproprietários
e, portanto, disciplina a possibilidade de quando haja venda a terceiro um
dos comproprietários preferir dessa venda?

• Porque nós sabemos que quantas mais pessoas existem a tomar decisões
sobre a mesma coisa mais hipóteses de conflito existe e, portanto, o
legislador não acarinha a situação de compropriedade e por isso é que
estabeleceu como um dos direitos legais de preferência o direito de um
comproprietário preferir na venda da quota de outro comproprietário um
terceiro.

• Assim, há dois comproprietários - A e B, e B pretende vender a sua quota a


C, a lei diz no artigo 1409º que o comproprietário tem direito de preferir na
alienação na quota do outro comproprietário e assim isto permite que A
quando B quiser vender a C seja chamado, se pronuncie e diga porventura
que quer exercer o direito preferência e ao exercer vai fazer extinguir a
compropriedade (isto é o que o legislador quer: reduzir ou extinguir a
situação de contitularidade de direitos de maneira a evitar o conflito).

• Será possível uma renúncia antecipada de alcance genérico ou


indiscriminado? Não, porque no fundo eu estaria antes ainda da questão se
colocar, antes ainda da comunicação estar a acontecer, estaria admitir que
alguém pura e simplesmente pusesse em causa aquilo que é o objetivo do
legislador e dissesse “eu renuncio ao meu direito de preferir em situação de
compropriedade” portanto isto no fundo é basicamente fazer com que a
vontade do comproprietário se sobreponha à vontade do legislador ou seja
a vontade privada se sobrepusesse à vontade que prossegue interesses de
ordem pública e isso não é possível.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

• A renúncia antecipada de alcance genérico ou indiscriminado não é possível


no caso dos direitos legais de preferência.

Outros aspetos relevantes:

 Vamos supor que o terceiro pretende comprar não apenas aquilo que é objeto
de preferência, mas também mais coisas – artigo 417º (venda da coisa
juntamente com outras) – neste artigo o que o legislador entendeu é que se há
um terceiro que está disposto a comprar aquilo que é o objeto de preferência
mas mais qualquer coisa por um preço global ainda assim a preferência pode
exercer-se apenas em relação a coisa que é objeto desse mesmo direito, a não
ser que tal traga um prejuízo apreciável e nesse caso pode o obrigado exigir
que a preferência abrange todas as restantes.

 E se for uma prestação acessória? Vamos imaginar que como acontece nos
contratos mistos combinados, ou seja, eu arrendo a casa e presto serviços de
porteiro – artigo 418º a regra também aqui é de que a preferência vai poder
ser exercida embora neste caso exigindo uma compensação em dinheiro da
prestação acessória a não ser que se verifique uma das situações que
referimos no nº1 do artigo 418º.

QUAL É A CONSEQUÊNCIA DA VIOLAÇÃO DO EXERCÍCIO DA PREFERÊNCIA?

Vamos imaginar que efetivamente não houve uma comunicação do exercício da


preferência ou não houve uma comunicação corretamente efetuada do exercício da
preferência, o que é que acontece nesse caso?

 Vamos voltar a entrar na matéria dos direitos de preferência, vamos ter


de distinguir o direito preferência de origem legal e o direito de
preferência de origem convencional:

 Se o direito de preferência que for violado é o de direito de preferência


de origem legal: como o Professor explicou na aula passada o preferente
pode ir atrás da coisa, o direito de preferência de origem legal tem por
definição eficácia erga omnes, eficácia real e, portanto, pode-se ir atrás
da coisa através de um meio que se chama “ação de preferência”. A ação
de preferência está no artigo 1410º e permite ao titular de preferência
substituir-se ao terceiro na aquisição da coisa que foi alienada - é uma
norma que está pensada para a compropriedade, mas que é aplicável a
todos os direitos legais de preferência.
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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Se eu tiver um direito preferência de origem convencional vou ter de


distinguir:

- Se esse direito de preferência de origem convencional tiver uma


eficácia obrigacional, ou seja, se não tiver sido atribuída a eficácia
real seja porque não é possível atribuir a eficácia real, seja porque
sendo possível atribuir eficácia real ela não foi atribuída, qual é a
consequência da violação deste direito de preferência?
Indemnização nos termos gerais (562º e seguintes + 798º), ou
seja, o titular de preferência vai ter de provar os danos e
quantificar esses danos e é na medida dessa prova que ele faça
que ele será tutelado. Obriga-nos a dizer que a parte que renuncia
em ir atras da coisa, que não exerce o seu direito de preferência,
mas que mesmo assim deverá ser restituído pela violação do seu
direito de preferência. Se um juiz estiver situado perante este
problema como vai calcular a situação? Este credor quer ser
colocado em que situação? Indemnização pelo dano de
incumprimento se o pacto de preferência tivesse sido cumprido? O
equivalente aos lucros cessantes pelo facto de não ter sido
colocado nos termos de o direito de preferência ter sido exercido.

- Já se o direito de preferência de origem convencional tiver eficácia


real nos termos do artigo 421º, qual é a consequência? Neste
caso, pode à semelhança do que acontece ao direito de
preferência de origem legal o preferente ir atrás da coisa também
nos termos do artigo 1410º, ou seja, também nos termos da ação
de preferência e isso resulta, aliás, expressamente do artigo 421
nº2.

A eficácia real é uma eficácia erga omnes que dá a mesma força ao direito
convencional de preferência que o direito de legal preferência tem quando há uma
violação da preferência porque não houve uma comunicação corretamente efetuada
para o exercício da preferência.

DIFERENÇAS ENTRE OS DIREITOS DE PREFERÊNCIA CONVENCIONAIS E OS DIREITOS


DE PREFERÊNCIA LEGAIS:

A. Um nasce do contrato e outro nasce da lei;

93
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

B. Um tem eficácia real e outro tem eficácia obrigacional;

C. Mesmo que o direito de preferência convencional tenha eficácia


real, ou seja, tenha a força da eficácia erga omnes que tem o direito
legal de preferência é importante não esquecermos que se
estivermos perante uma hipótese em que temos um conflito como:
o Exemplo: O arrendatário tem o direito de preferir
por força da lei e no entanto o senhorio deu o
direito de preferência na aquisição dessa mesma
coisa arrendada a um terceiro por força do
contrato e atribui a eficácia real a esse contrato.

D. Se eu tiver o direito legal de preferência a conflituar com o direito


convencional de preferência, mesmo tendo o direito convencional
de preferência eficácia real é importante que não nos esqueçamos
que o direito legal de preferência prevalece sempre ou seja no
conflito prevalece sempre e isso está claro nos termos do artigo
422º do Código Civil:

“O direito convencional de preferência não prevalece contra os direitos legais de


preferência; e, se não gozar de eficácia real, também não procede relativamente à
alienação efectuada em execução, falência, insolvência ou casos análogos.”

11º Aula: 15/03/2023

Negócio jurídico unilaterais vem tratados nos artigos 457º a 473º. Até agora só
vimos obrigações que nascem de negócio jurídicos unilaterais ou contratos. Hoje,
vamos ver com a gestão de negócios, obrigações que nascem da lei.

Nos negócios jurídicos unilaterais o princípio que o legislador estabeleceu, é um


princípio diverso, estabeleceu um princípio de tipicidade, ou seja, só são fontes de
obrigações os negócios unilaterais que o legislador estabeleceu - isto resulta do artigo
457º do CC. Razões pela qual o legislador estabeleceu este princípio:

O direito das obrigações assenta na intersubjetividade, no sentido em


que se olharmos para o conceito de obrigação “é o vinculo jurídico por
virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com a outra à realização
de uma prestação”- a obrigação está marcada pela relação entre duas

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

partes, credor e devedor, e nessa medida a fonte de obrigação


também devia refletir essa lógica de intersubjetividade, nós não
confundimos a fonte com a obrigação mas se a obrigação estiver
intersubjetividade própria então refletir a fonte essa
intersubjetividade. Ora, isso não acontece nos negócios jurídicos
unilaterais, pois apenas uma parte é que faz nascer a obrigação, isto é
faz nascer o dever e o direito.

Circunstância de que ninguém deve ser tornado credor contra a sua


vontade, ou seja, o crédito deve nascer com concordância do
beneficiário.

Os negócio jurídicos unilaterais podem levar a vinculações


precipitadas, ou seja como não há intersubjetividade, como não há
uma concordância de vontades, por acontecer que alguém se vincule à
realização de uma determinada prestação de uma forma pouco
ponderada.

O professor Almeida Costa, acrescenta ainda um outro fator - a


porventura dos negócios jurídicos unilaterais vincularem apenas uma
parte, poderá isso dificultar a atividade probatória que venha
eventualmente mais tarde a ser exigida, ou seja, como não temos um
acordo de vontades, isso poderá ter de algum modo uma interferência
negativa.

Visto isto, interessa saber quais são os negócios jurídicos unilaterais que a lei prevê.
Quais sai os negócios jurídicos unilaterais que fazem nascer as obrigações?

Quando não estamos na secção relativa aos negócio unilaterais, depois do


princípio geral, há um conjunto de normas que traduziram quais sais os negócio
jurídicos unilaterais que são fonte de obrigações, e a uma primeira vista teríamos:

- O artigo 458º que fala da promessa de cumprimento ou do reconhecimento


de divida - são negócio jurídicos unilaterais, mas não são fonte de obrigação. Porquê?
Imaginemos que A promete pagar a B 500 euros, esta declaração é uma declaração
que não constitui uma obrigação, pois não é pelo o facto de A dizer que vai pagar 500
euros a B que está a gerar uma obrigação, pois a lei explica que quando a alguém
promete ou reconhece uma prestação sem indicar a causa dessa mesma prestação,
não é por essa declaração que finca vinculado - não deixa de haver aqui uma

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

consequência, o que o artigo 458º estabelece é que a partir do momento me que A fez
esta declaração a prova da relação fundamental deixa de estar como sendo uma
oneração do credor, ou seja, na verdade A devia 500 euros a B, no entanto, não é a
declaração feita por A que está a fazer nascer o dever de prestar, mas tem um efeito,
que é o de fazer em vez de ser B a ter de demonstrar qual a razão de ser da divida,
passa a ter de ser o declarante a demonstrar que a relação fundamental que subjaz
aquela orientação uma relação fundamental que não produz efeitos, logo é nula.
Ou seja, o artigo 458º estabelece que quando há uma promessa de
cumprimento ou reconhecimento de uma dívida o que nós temos são negócios
jurídicos unilaterais que presumem a causa mas que não criam a causa, estes negócios
jurídicos não criam a obrigação apenas permitem presumir que existe uma reação
jurídica fundamental da qual nasce a obrigação que aparece traduzida nesta
declaração (deixou de ser o credor a ter de provar e passa ter de ser o devedor a
demonstrar que essa relação fundamental não existe ou é ineficaz). Isto é relevante,
pois quais são então na lei civil os negócios jurídicos unilaterais que são fonte de
obrigação?

1. O artigo 459º que fala da promessa pública - são negócios jurídicos que
são verdadeiramente uma fonte de obrigação!
o Ex: se alguém prometer pagar ou entregar 1000
euros a quem descobrir o seu cão perdido no
jardim, aqui estamos perante uma promessa
pública , pois está se a prometer a realização de
uma prestação a quem praticar um certo facto. O
que a lei diz é que quando alguém anuncia de
forma publica que promete pagar uma prestação
a quem pratique certo facto, ou a quem se
encontra em determinada situação, fica vinculado
por essa mesma declaração á realização da
prestação (atenção: estamos sempre limitados
pelo o princípio da tipicidade, portanto para que
haja efetivamente a obrigação é necessário que se
verifiquem os requisitos destes negócios jurídicos
unilaterais que a lei admite como fonte de
obrigação). E lei até a diz mais, vem dizer que a
pessoa que praticou o facto ou a pessoa que se
encontra numa determinada situação, se não
conhecesse a promessa tem o direito de exigir o
cumprimento dessa promessa (artigo 459º, nº2).
A lei estabelece algumas regras de operatividade
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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

desta promessa pública, designadamente que a


promessa pública sem prazo de validade fixado
pelo promitente ou imposto pela natureza ao fim
da promessa, mentem-se enquanto ele for ???. E
ainda que não tendo prazo de validade a
promessa é revogável a todo tempo, e se houver
prazo só é revogável por justa causa (artigo ??). A
revogação vai ter de ser feita da mesma forma
que foi feita a promessa. A promessa é feita com
o intuito de se realizar um determinado facto, ou
então a verificação duma determinada situação,
então diz a lei que nesse caso a revogação já não é
eficaz, porque na verdade já se cumpriu aquele
que era o propósito da própria promessa.

2. Artigo 463º dos concursos públicos - são negócios jurídicos que são
verdadeiramente uma fonte de obrigação! O concurso público não
deixa de ser uma promessa pública, também temos aqui a promessa de
realização de uma prestação feita de forma pública - mas há duas
circunstâncias que especificam o concurso publico relativamente à
promessa pública:

o 1ª requisito: porque o concurso público é


necessário que quem pretende receber aquela
prestação concorra a esse mesmo benefício, é
preciso que as pessoas se candidatem. Problema:
a produtora do concurso teria inteira liberdade
para tomar a decisão e mesmo que s estivesse
enganado, estaria a produtora exonerada de
responsabilidade ao abrigo do artigo 463º, nº2 -
claro que isto teme suscitado alguns exercício
interpretativos que segundo o professor Henrique
Sousa Antunes lhe parecem corretos, pois de
facto o artigo 463º, nº2 está pensado para
qualidades de natureza subjetiva (qualidades
artísticas, científicas, não propriamente para
respostas de certo ou errado e aí de facto parece
discutível se o artigo 463º, nº2 se possa aplicar e
determinar que o concorrente que objetivamente

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

deu a resposta certa não pudesse ter sido


indemnizado pelos danos que sofreu).

o 2ª requisito: é necessário também que o premio


sei atribuído pelo um júri, isto é, haverá uma
seleção que determinará quem é o beneficiário
dessa mesma promessa.

3. Há dois negócios jurídicos unilaterais, que não aparecem nesta secção,


mas que são também fonte de obrigações: ATO ENTRE VIGOS DE
INSTITUIÇÃO DE UMA FUNDAÇÃO & DOAÇÃO PURA FEITA A INCPAZ.

ATO ENTRE VIVOS DE INSTITUIÇÃO DE UMA FUNDAÇÃO:

Artigo 185º, nº2: a criação de uma fundação obedece a um reconhecimento de


natureza administrativa, o que diz a lei neste artigo é que a partir do momento em que
a fundação foi criada e o reconhecimento foi requerido ou o processo oficioso de
reconhecimento se iniciou, essa instituição torna-se irrevogável, já não é possível
voltar atras com essa vontade.

E qual é a consequência da instituição da fundação? Quando se cria uma


fundação vai se atribuir um patrocínio à fundação, ora, o que resulta do artigo 185º,
nº2 é que a partir do momento em que se inicia este processo de reconhecimento na
verdade esta prestação, esta atribuição do património é devida - e portanto,
basicamente o que estamos a falar é de uma situação em que a manifestação
unilateral de vontade, no sentido de criação da fundação acabou por conduzir à
necessidade de realização da prestação que é dotar a fundação dos bens que lhe
foram destinados (gera-se o dever de atribuição dessa dotação).

DOAÇÃO PURA FEITA A INCPAZ:

 Artigo 951º, nº2.

 Uma doação pura, é uma doação sem encargos, ou seja, em que a pessoa
recebe, mas não tem nenhum compromisso, não tenho nenhum encargo
associado a essa mesma doação.

 Porquê que a doação pura feita a incapaz é considerada um negócio unilateral


como fonte de obrigações? Como sabemos. Doação é um contrato, o que faz

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com que pareça um pouco estranho estarmos agora a falar de um negócio


jurídico unilateral como fonte de obrigações, porém, as doações que são feitas
sem encargo no fundo são só um benefício, já quando se trata de uma doação
com encargo feita a um incapaz o represente legal tem de aceitar e, portanto,
estamos ainda perante um contrato.

 Mas, se a doação for pura, o artigo 951º, nº2 vem dizer-nos que essas doações
sem encargos feitas a incapazes produzem efeitos independentemente da
aceitação em tudo o que aproveite ao donatário. Isto permite-nos ver um
negócio jurídico unilateral, pois só existe a manifestação de vontade do doador
e nem sequer é exigida a manifestação de vontade do donatário, e por outro
lado é fonte de obrigações, pois como sabemos a doação gera obrigações
(regime da doação - efeitos que podem ser reais e podem ser também efeitos
obrigacionais, nomeadamente a entrega da cosia que se tenha doado).

GESTÃO DE NEGÓCIOS - ARTIGO 464º DO CC

• Exemplo: A tem dois cães que são a sua companhia, a determinada a altura A é
internada de urgência num hospital, sem conseguir providenciar alguém que cuide
dos cães.

• Exemplo: em tribunal é preciso trazer uma contestação e a parte interessada não


está comunicável.

• São tudo situações em que nós temos claramente uma tenção entre aquilo que é o
respeito pela esfera jurídica de cada um e a necessidade de um apoio solidário. Ou
seja, à partida diz-se que a lei deve estar estipulada de forma tal que relativamente a
cada interesse de cada pessoa só essa pessoa tenha poderes de decisão, no fundo,
são questões que esta reservadas ao seu titular. Mas sabemos que a vida,
infelizmente, traz situações de mudança que podem levar a que o ato de
solidariedade seja justificável e que deva até ser promovido, e esta tenção pelo o
respeito pela esfera jurídica individual e a necessidade de proteção dos atos
solidários que faz nascer o regime da gestão de negócios.

• Quando é que estamos então perante uma gestão de negócios? Quais são os
requisitos da gestão de negócios? Nota: quando fomos confortados numa prova oral
com esta pergunta não podemos olhar à lei, temos de saber de cor. São três
requisitos, no entanto, o professor Almeida Costa refere 4.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

1ª requisito: direção de negócio alheio - podemos traduzir isto numa só


palavra, alienidade, ou seja, é um negócio que pertence a outrem. Mas negócio no
sentido técnico jurídico? Não, quando a lei fala em negócio alheio está a pensar no
sentido mais abrangente de assunto ou interesse.

o Ex: cães da senhora que foi internada de urgência - esses interesses


cabem no conceito de negócio? Sim, portanto, estamos perante uma
gestão de negócios quando alguém está a gerir um assunto ou
interesse alheio.

2ª requisito: no interesse e por conta do respetivo dono - o que que significa


isto? Embora haja divergência doutrinal, o professor Almeida Costa, vem dizer que os
interesses e por conta do respetivo dono significa intencionalidade, ou seja, agir de
forma a que os efeitos resultante da ação se produzam na esfera jurídica do dono do
negócio.
 Atenção (oral): na oral tende-se a confundir este requisito da
gestão de negócios com um dos deveres da gestão de
negócios, que aparece na norma seguinte e que diz o seguinte
“os gestor deve conformar-se com o interesse…”. NÃO
COMETER ESTE ERRO.

 Quando o artigo 464º fala no interesse, não está a querer


dizer que a ação tem que ser necessária, está a querer dizer
apenas que a atuação está a ser feita de modo a que os
efeitos se produzam na esfera jurídica do dono do negócio,
independentemente desses efeitos serem positivos ou
negativos - onde é que está aqui a solidariedade? O legislador
ao tratar deste instituto fê-lo de forma a compreender
também aquelas situações em que alguém intervém em
esfera jurídica alheia, até com bom propósito, no entanto não
fazendo depois aquilo que é devido, ou eventualmente até
sem que fosse necessária essa mesma intervenção
independentemente da boa vontade da pessoa.

 Portanto, quando falamos no interesse e por conta, é apenas


intencionalidade, isto é, agir para outrem, agir de forma a que
os efeitos da minha ação se produzam na esfera jurídica
alheia.

100
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

3ª requisito: falta de autorização - sem para tal estar autorizado, portanto, a


gestão de negócios pressupõem que não haja uma autorização dada em resultado do
exercício da vontade do dono do negócio. Quando a lei se refere a falta de autorização,
significa que não existe nenhum título que legitime à ação ou que imponha mesmo
essa ação - no fundo estamos a falar de atos que são verdadeiramente de
solidariedade, sem autorização (artigo 464º do CC).

4ª não requisito - Almeida Costa: tem de haver necessidade ou utilidade para


aplicarmos as regras de gestão de negócios? E a resposta que o professor Almeida
costa dá é negativa - pois para ser positiva teríamos de interpreta o tal interesse não
como sendo apenas a ação para com outrem, mas como sendo uma ação boa para
com outrem. O professor Almeida Costa, exclui este requisito, pois quando estamos
perante a gestão de negócios vamos ter de distinguir entre dois tipo de relações:

Relações internas: são relações que disse respeito ao vínculo que


se estabelece entre o dono do negócio e o gestor.

Nas relações internas nós vamos ter de distinguir dois tipos de


gestão, duas formas de gerir que tem efeitos diferentes:

1. Gestão regular: é aquela que é exercida em conformidade com o


interesse e a vontade real do dono do negócio. Isto é, o gestor agiu de
modo a satisfazer uma necessidade ou a trazer uma utilidade ao dono
do negócio e exerceu de acordo com a vontade real do dono do
negócio.

ORAL ERROS: “gestão real é uma gestão exercida de acordo com a vontade real
do dono do negócio” - errado! Falta o interesse, ou dizem é uma “gestão exercida de
acordo com o interesse e vontade do dono do negócio” errado! Não é vontade, é
vontade real. Cada palavra tem o seu significado:

Interesse: é apreciado em termos objetivos, corresponde à necessidade ou


utilidade. Tem de existir interesse, a intervenção tem de ser necessária ou útil.

Vontade real: quando falamos em vontade estamos a falar numa dimensão


subjetiva, ou seja, o interesse é a necessidade ou utilidade e a vontade corresponde a
um desejo relativamente aquele facto está a ser praticado. Tem que existir vontade
real, pois essa intervenção tem de ser exercida em conformidade com a vontade real

101
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

(com a vontade que ele conhece ou então uma vontade que ele não conhece mas que
em razão das circunstâncias se pode presumir).

Onde é que isso está? Ora, isto corresponde ao primeiro dever do gestor -
artigo 465º, alínea a) - é neste artigo que vamos encontrar a definição mais
importante do que seja uma gestão regular.

Gestão irregular:

O que é certo, é que a lei acaba por discriminar as duas situações, isto é,
quando a gestão é exercida em conformidade com o interesse e a vontade real do
dono do negócio temos uma gestão regular, mas, a lei também vem definir quais são
os efeitos de uma gestão de negócios em que o gestor não se conformou com o
interesse ou não se conformou com a vontade real ou presumível do dono o negócio.

o As duas cosias tem de estar presentes para que estejamos perante


uma gestão regular, se uma delas não existir estamos perante uma
gestão irregular.

o Ora, o que é certo é que o legislador vem a estabelecer quer os


efeitos da gestão regular quer os efeitos da gestão irregular - e é por
isso que o professor Almeida costa diz que a necessidade ou
utilidade não é um requisito da gestão de negócios, porque se
fossem um requisito da gestão de negócios então a gestão de
negócios seria sempre regular e por isso não faria sentido termos as
normas que determinam quais são os efeitos de uma gestão regular.

o O professor Almeida Costa considera que estamos perante uma


gestão negócios seja ela regular ou irregular, agir de acordo com o
interesse ou utilidade é um dever da gestão, não é um requisito da
gestão.

Quais são os efeitos de uma gestão regular e irregular?

Efeitos da gestão regular:

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

1º efeito: a primeira consequência é a que deriva do artigo 468º, nº1 - quando


alguém age corretamente satisfazendo o interesse e a vontade real ao devedor,
obviamente que este vai querer um reembolso das despesas que teve ao gerir de
forma solidária o interesse alheio.

 Este reembolso é ou não é possível? É o artigo 468º, nº1 que vem


dizer que sim - por isso é que a gestão de negócio é uma fonte das
obrigações porque vai determinar deveres de prestar quer no caso
da gestão regular quer no caso da gestão irregular.

 Artigo 468, nº1: se a gestão tiver sido exercida em conformidade


com o interesse e vontade real do dono do negócio, portanto, uma
gestão regular - é este o dono do negócio obrigado a reembolsar o
gestor das despesas que ele fundadamente tenha considerado
essencial, mas não são despesas quaisquer.

 Ex: imaginemos que os cachorrinhos tinham de ir à tosquia e o


gestor decide dar lhe um tratamento de luxo, decide levar lhes à
tosquia num hotel que tem spa para cães em vez de gastar 50 euros
numa tosquia normal gasta 300 euros e vai pedir o reembolso. De
facto, foi pelo interesse e vontade real do dono do negócio, no
entanto, as despesas não são consideradas indispensáveis.

 As despesas têm de ser fundadas!!

 E uma vez que as despesas já foram realizadas no passado, a lei diz


que tem direito ao reembolso das despesas com juros legais a contra
do momento em que foram feitas e ainda se a pessoa teve um
prejuízo na realização dessa gestão tem direito a uma indemnização
do prejuízo que sofreu.

 No fundo este artigo vem dizer que se houve uma gestão regular, o
gestor tem direito ao reembolso das despesas que tenham
considerado indispensáveis com juros legais a contra do momento
em que foram feitas e ainda tem direito a um indemnização do
prejuízo que eventualmente possa ter sofrido com a realização
daquela gestão regular.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

2ª efeito: além do reembolso das despesas tem ainda direito a uma


remuneração. Mas atenção, só terá direito a receber uma remuneração se a gestão
corresponder ao exercício da sua atividade profissional.

• Este dever está previsto no artigo 470º do CC - que diz que a gestão
não dá direito a qualquer remuneração salvo se corresponder ao
exercício da atividade profissional do gestor.

• É um feito condicionado.

3ª efeito: é um efeito negativo - é negativo porque não acontece, não


acontece a responsabilidade do gestor.

 Ex: estava a passear os cães e um deles fugiu e foi atropelado e ficou


com uma lesão na perna - vamos supor que o cão vai ter uma sequela
para o resto da sua vida, que o vai obrigar a fazer todos os anos
fisioterapia que custam 400 euros. O que significa que no exercício da
gestão regular houve danos, terá o gestor que responder por esses
danos? A lei vem dizer que só há responsabilidade pelo o gestor quando
a gestão é irregular - artigo 466º do CC.

 O que é culpa do artigo 466º? O legislador vem dar a noção de culpa


sendo certo, no entanto que parece estar a referir-se à ilicitude. Seja
como for é preciso definir esta condição que aqui está para que haja
responsabilidade.

 E qual é esta condição que aqui está? Artigo 466º, nº2 - há


responsabilidade do gestor quando ele hoje em desconformidade com o
interesse e vontade real do dono de negócio, isto é, quando a gestão é
irregular.

 O que significa que o efeito negativo da gestão regular é não haver


responsabilidade. O que significa também que um dos feitos positivos
que ocorrem da gestão irregular é a responsabilidade do gestor.

 Como é que se vai avaliar a culpa do gestor? A doutrina diverge, há uns


autores que propõem o critério do bom pai de família, outros autores
propõem o critério do homem em concreto (no fundo de estar no
exercício de um ato solidário). O que diz o professor Almeida Costa é

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

que o critério terá de ser efetivamente o do homem em concreto, o


daquela pessoa em concreto, exceto em duas situações em que o
critério terá de ser o do bom pai de família:

Quando corresponde ao exercício da atividade profissional do gestor: se o


gestor atuar no âmbito da sua atividade profissional então devemos ser mais
exigentes, sobrepõem-se à solidariedade a atuação profissional daquele gestor -
critério do bom pai de família.
Quando o gestor afastou um terceiro (até pode tê-lo feito de boa-fé) a partir
desse momento ele assumiu o risco dos danos que viessem a ocorrer dessa mesma
gestão - critério do bom pai de família.

Efeitos da gestão irregular:

1º efeito: negativo - a remuneração do gestor não se verifica: se a gestão for


irregular não há remuneração do gestor, mesmo que o gestor tenha agido no âmbito
da sua atividade profissional

2º efeito: este verifica-se - artigo 468º, nº2 – se a gestão não foi exercida em
conformidade com o interesse a vontade real do dono do negócio, o dono do negócio
responde apenas segundo as regras do enriquecimento sem causa.

• O que significa responder segundo a regras do enriquecimento sem


causa? Vamos imaginar que A faz uma intervenção em bem alheio e
essa intervenção fez com que com a pintura que fez a casa passa se
a valer 120 mil euros (valia 100 mil) - a despesa que o gestor teve
com as pinturas foi de 25 mil euros.

• Qual é a diferença entre aplicar o artigo 468º, nº1 ou aplicar o nº2?


É que se estivermos numa gestão regulara a Lei diz que ele tem
direito a reembolso de todas as despesas que tiver realizadas desde
que sejam fundadamente consideradas indesejáveis, e poderia
então pedir os 25 mil euros, mas se for uma gestão irregular ele só
pode pedir na medida do enriquecimento do negócio - qual é que foi
o enriquecimento do negócio? 20 mil euros.

NOTA: Pode o dono do negócio aprovar a gestão e se aprovar a gestão, e


mesmo que esta tenha sido irregular, nesse caso. Gestão vai produzir os efeitos de

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

uma gestão regular. É possível transitar de uma gestão irregular para uma gestão
regular desde que haja aprovação da gestão

Relações externas: estamos a espiar numa cosia diferente, que é o dono do


negócio e ou o gestor perante o terceiro.

o Ex: A para reparar o telhado do vizinho, foi comprar telhas e ao


mesmo tempo contratou um empreiteiro - não foi feito nenhum
pagamento relativamente aquela obra, temos aqui uma questão
de saber quem é que a empresa que vendeu as telhas ou o
empreiteiro poderá demandar pela a execução daquela obra?
Ou seja, se o terceiro poderá demandar a execução do negócio
ou o gestor? Quando estamos em relações sintrense estamos no
fundo a falar em situações ema eu não houve terceiros
envolvidos, ou tendo havido terceiros envolvidos os custos já
forma internalizados.

o Nas relações internas nós vamos ter que distinguir dois tipos de
gestão, duas formas de gerir que tem efeitos diferentes.

o Quando falamos em relações externas não podemos confundir


com gestão regular ou irregular.

o Nas relações externas só temos de saber se a gestão


corresponde à chamada gestão representativa ou a gestão não
representativa.

o Se quando o gestor atuo disse que o estava a fazer em nome do


dono do negócio sem ter autorização, ou se o fez em nome
próprio.

Gestão representativa: significa que se está a atuar em nome de outrem, se se


está a atuar em nome de outrem, juridicamente é como se não estivesse lá. O gestor
vai ficar vinculado ao negócio? Não, o gestor é como se não lá estivesse. E o dono do
negócio? Não pois não autorizou aquele ato não deu poderes de representação a este
sujeito, o dono do negócio também não é viuvando. No entanto, o artigo 471º remete
para o artigo 268º (artigo da representação sem poderes, que diz como é que se
processa a situação jurídica - a pessoa em nome de quem o ato foi praticado pode vir a
assumir os efeitos desse ato se ratificar).

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Gestão não representativa: neste caso o gestor está vinculado, é possível


responsabilizar o gestor pois agiu em nome próprio não agiu em nome de outrem, é
ele que aparece perante o terceiro. E o dono do negócio? Não, pois não deu
autorização e porque quem agiu foi o gestor em nome próprio.

12º Aula – 20/03/2023

Continuação da matéria da gestão de negócios:

Relação em que existe a eventual ratificação do ato pelo qual o dono do


negócio assume os direitos e obrigações que assume pelos atos que o gestor tem, e a
aprovação enquanto manifestação de vontade através da qual o dono do negócio
pretende atribuir ao gestor os efeitos de uma gestão regular. Isto é, quero saber o tipo
de confronto é preciso fazer entre a retificação, do plano das relações externas
dedicada à gestão representativa, e a aprovação, plano de relações internas aplicada a
uma gestão irregular para que produza efeito como uma gestão regular.

RETIFICAÇÃO: artigo 471º:

Artigo 471 º

(Representação sem poderes e mandato sem representação)

Sem prejuízo do que preceituam os artigos anteriores quanto às relações entre o gestor
e o dono do negócio, é aplicável aos negócios jurídicos celebrados por aquele em nome
deste o disposto no artigo 268.º; se o gestor os realizar em seu próprio nome, são
extensivas a esses negócios, na parte aplicável, as disposições relativas ao mandato
sem representação.

Aqui falamos para a gestão representativa. Mas remete para o artigo 268º, da
qual tem a epígrafe representação sem poderes.

Artigo 268.º

(Representação sem poderes)

1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de


outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.

2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia


retroativa, sem prejuízo dos direitos de terceiro.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte
fixar para o efeito.

4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar
ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do
representante.

No fundo é isto que acontece, alguém celebra o negócio sem ter poderes de
representação para isso. No artigo 268, nº1 tiramos a ideia de que sem ratificação o
dono do negócio não está vinculado, e o gestor também não estará vinculado, uma vez
que o negócio não foi celebrado em seu nome.

A questão prévia ao confronto da ratificação e aprovação: será que quando


estamos perante uma situação de gestão representativa, o gestor não está vinculado,
e o dono do negócio só ficará vinculado se ratificar, e se o dono do negócio não
ratificar será que o terceiro ficará prejudicado?

Ex: alguém aparece dizendo que se encontra em nome de y, e, no entanto, não


tem autorização, não havendo ratificação o dono do negócio não se encontra
vinculado, e o negócio não produz efeitos. Imaginemos que houve a reparação do
telhado por um terceiro, foi pintado a casa pelo terceiro, e agora o terceiro não poderá
exigir o pagamento do trabalho nem ao gestor, nem ao dono do negócio pois este não
ratificou.

O terceiro tem sempre a possibilidade, melhor dizendo o ónus, de exigir a


prova dos poderes de representação, como decorre da própria lei, o artigo 260º, nº
1:

Artigo 260.º

(Justificação dos poderes do representante)

Se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este
exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob
pena de a declaração não produzir efeitos.

A própria lei estabelece a faculdade que o terceiro tem, que poderá ser a figura
de um ónus. Devemos reconhecer que a lei dá uma resposta, uma forma de tutelar o
terceiro, que na doutrina do prof JÚLIO GOMES, refere outras duas saídas, que poderá
atenuar o terceiro.

108
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Resposta da lei quando estamos perante um negócio jurídico que não produz
efeitos perante o gestor, que não existiu uma ratificação por parte do dono do negócio
o terceiro tem, no entanto, uma resposta: o enriquecimento sem causa, isto é, ao fazer
aquela reparação, aquela pintura, o seu trabalho trouxe valor ao dono do negócio, e
este benefício não é ignorado pela lei, pode sempre haver lugar à restituição do valor
por enriquecimento sem causa.

 Mas não é uma resposta totalmente satisfatório para terceiro, porque o


enriquecimento sem causa pressupõe apenas a restituição da medida do
enriquecimento, ora esta medida do enriquecimento pode ser injusta,
imaginemos que no total de materiais e mão de obra ele gastou perto de 1
000€ e se acabar apenas enriqueceu 500€, nesta medida ele apenas iria
receber metade daquilo que gastou.

Logo esta resposta não é totalmente satisfatória, mas é possível. No entanto o


professor Júlio Gomes refere outras duas hipóteses/respostas possíveis:

1º: Possibilidade de ausência de ratificação do dono do negócio constituir um


abuso de direitos - imaginemos que a reparação do telhado foi necessária em relação
a uma tempestade, e era necessário para proteger o resto da causa, não há motivo
nenhum para que o dono do negócio não assuma aquele ato em seu nome, porque foi
um ato que veio proteger o seu património. Logo podemos ver algumas situações em
que não ratificar o ato poderá ser abusivo.

2º: sempre se poderá sugerir, em algumas hipóteses, a responsabilidade pré-


contratual do gestor de negócios, ou seja, o gestor do negócio agiu sem ter poderes de
representação, agiu em nome do dono do negócio sem ter poderes para tal. Podemos
conceber, em algumas circunstâncias, desde que consideremos que a aquele
comportamento violou o princípio da boa-fé que poderá haver responsabilidade pré-
contratual do gestor.

CONFRONTO ENTRE RATIFICAÇÃO E APROVAÇÃO:

Vamos ver quais são as consequências onde havendo uma, não existe a outra. A
ratificação diz respeito às relações externas, e esta consequência resulta do artigo
471º, com uma remissão para o artigo 268º. A aprovação: é um ato que diz respeito às
relações internas e está regulado no artigo 469º.

Artigo 469.º

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(Aprovação da gestão)

A aprovação da gestão implica a renúncia ao direito de indemnização pelos danos


devidos a culpa do gestor e vale como reconhecimento dos direitos que a este são
conferidos no n.º I do artigo anterior.

Este artigo diz que mesmo estando perante uma gestão irregular, se o dono
aprovar a gestão, essa aprovação vai produzir os efeitos do artigo 469º e determina:

o renuncia dos direitos de pedir indemnização ao gestor pelos danos que


poderá ter sofrido, ou seja, falamos do artigo 466º, da responsabilidade do
gestor.

o Vale como reconhecimento dos direitos que ao gestor são


reconhecidos/conferidos do nº1 do artigo anterior.

o Artigo nº1 do artigo 268º, estabelece o dever de reembolsar todas as


despesas que o gestor tenha considerado fundamentalmente
indispensáveis, mais juros legais a contar do momento em que foram feitas,
e ainda o indemnizas pelo prejuízo que aquele gestor haja sofrido.

Na verdade, estamos perante dois efeitos da gestão regular, uma vez que a
gestão regular produz dois efeitos positivos e um efeito negativo. O artigo 469º diz que
se existir aprovação, vai produzir um dos efeitos positivos da gestão regular, artigo
468º, nº1 e um efeito negativo da gestão regular, que é não existir responsabilidade do
gestor pelo artigo 466º, nº1.

O que deveria estar no artigo 469º, dentro da lógica de transformação, mas não está:

- Falta a questão da remuneração, o artigo 469º não diz, se houver aprovação


da gestão, e se essa gestão corresponder ao exercício da sua atividade profissional que
haverá um cargo da remuneração do gestor. Mas se o artigo 469º remete para os
efeitos da gestão regular, iremos presumir que é sobre todos os efeitos da gestão
regular.

Várias diferenças que podemos estabelecer entre a aprovação e a ratificação:

1º diferença:

- Ratificação: relações externas

- Aprovação: relações internas

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2º diferença:

- Ratificação: diz respeito a atos jurídicos

- Aprovação: diz respeito tanto a atos jurídicos, como a atos materiais.

3ª diferença:

- Aprovação: é de natureza consensual, não exige forma especial.

- Ratificação: não é assim. O artigo 268º, refere que a ratificação estará sujeita à forma
exigida pela procuração. E qual será a forma da procuração? Segundo o artigo 262º,
nº2, isto significa que a ratificação como segue a forma da procuração, e a procuração
segue a forma do negócio que venha a ser celebrado. Ratificação seja no caso do
negócio consensual seja formal, faz com que ela seja também um ato solene ou
formal.

Exemplo: A questão que se coloca é que se estivermos perante uma gestão,


que tem por sua base a celebração de um negócio entre B (gestor) e C (terceiro), e
imaginemos que B contratou C para fazer a reparação do telhado e imaginemos que o
preço foi dividido em duas prestações e que o B já pagou a 1º prestação, e agora o
terceiro, C, vem reclamar da segunda prestação. So que, entretanto, o A, dono do
negócio, já apareceu e o pagamento é reclamado perante A. - gestão de negócio, não
há procuração.

A questão que se coloca é, perante a primeira prestação, o reembolso da


mesma, é um reembolso que deve ser feito num pedido que o gestor vai fazer ao dono
do negócio, estou no âmbito das relações internas, e tenho de saber se estou perante
uma gestão regular ou irregular, e em função disso determino o regime aplicável. Se
falamos de uma gestão regular, tenho direito ao reembolso integral, 468º, nº1. Se
estiver perante uma gestão irregular, só tenho direito ao reembolso na medida do
enriquecimento sem causa.

No plano das relações externas aparece a segunda prestação, nesta situação


não é o gestor que pede o reembolso, aqui quem exige o pagamento é o terceiro, este
é que pede o reembolso ao dono. Aqui precisamos de perceber se é uma gestão
representativa ou não.

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o Assumindo que estamos perante uma gestão representativa, como é que o


terceiro poderá exigir o pagamento da segunda prestação ao dono do
negócio? Apenas se ele ratificar.

Exemplo: Imaginemos que se tratava de uma situação em que B, o gestor,


mudou o telhado porque achava o outro desatualizado, não existe nenhum motivo
válido para a sua substituição. Aqui neste caso estamos perante uma gestão irregular.

Como é que gestor poderia vir pedir o reembolso se houvesse ratificação, ou se


nos termos previstos no enriquecimento sem causa. Mas vamos prever que nos
termos do enriquecimento sem causa, vamos supor que o preço total foi de 5 000€, e
que por isso o preço foi dividido em duas prestações de 2500€ cada, estes já foram
pagos pelo gestor ao terceiro, assim estamos no âmbito das relações internas e numa
gestão irregular.

o Vamos supor, que a casa apenas valorizou em 500€, estes 500€ não irão
permitir o reembolso dos 2500€ da primeira prestação, isto é, se eu estou
perante uma gestão irregular o reembolso não se faz sobre todas as
despesas, mas apenas nos termos do enriquecimento sem causa, e se esta
apenas valorizou 500€, ele só receberia este dinheiro. Por isso para ele
receber a totalidade era necessário que o dono do negócio aprovasse essa
gestão.

A questão que se coloca na doutrina é em relação as relações externas, agora


sobre a segunda prestação e segundo uma gestão representativa, vamos supor que o
dono do negócio perante o terceiro, ele gostou do seu trabalho, ratifica o ato que foi
praticado.

A questão que se coloca é se a ratificação deve ou não ter alguma consequência


no plano da aprovação, isto é, ele nega a aprovação, mas aceita a ratificação. A
questão que se coloca é se a ratificação tem algum efeito sobre a aprovação, mesmo
sendo dois atos diferentes.

Doutrina:

Prof Pessoa Jorge, entende que a ratificação envolve uma aprovação tácita da
gestão. Quando o dono do negócio ratifica, está a aprovar tacitamente o negócio.

Maioria da doutrina, onde se insere a posição do prof Almeida Costa - Onde


consideram que os atos são diferentes, e por tanto não se pode dizer que a ratificação
envolva uma aprovação tácita da gestão. Abrem uma hipótese a esse efeito, mas não

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sempre, e para que isso seja assim não poderemos desconsiderar as circunstâncias do
caso concreto.

o Na verdade, pode acontecer, e em regra, a ratificação traduzirá essa


vontade de aprovar, mas não é uma consequência necessária, é uma
consequência tendencial. Ou seja, em princípio a ratificação envolverá a
aprovação. O prof AC diz para que não seja assim, para que se possa dizer
que existe ratificação sem a aprovação, é preciso que haja da parte do dono
do negócio uma manifestação de vontade nesse sentido, isto é, o dono do
negócio tem de manifestar que ratifica, mas não aprova, e a ratificação que
não envolve a aprovação não seja contrária à boa-fé.

ENREQUECIMENTO SEM CAUSA:

Aparece regulado no Artigo 473.º:

(Princípio geral)

1.Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a


restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por
objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma
causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

Artigo 474.º

(Natureza subsidiária da obrigação)

Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido


outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir
outros efeitos ao enriquecimento.

Critério orientador: recurso à proposta do prof Almeida Costa:

113
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Para estamos perante um enriquecimento sem causa é necessário:

Requisitos positivos (3) - circunstâncias que tem de existir:

1º Pressuposto positivo - Tem de existir um enriquecimento - corresponde a


uma vantagem patrimonial (avaliada em dinheiro), direta ou indiretamente, mas não
se prescinde de uma vantagem patrimonial, isto é, se falamos de um benefício de
natureza não patrimonial tal não é suficiente para que haja um enriquecimento sem
causa.

 Questão: que enriquecimento é que eu considero? Já sei que é um


enriquecimento pecuniário, é avaliável em dinheiro, mas qual será este
enriquecimento? Existe uma controvérsia na doutrina porque a lei não é
clara, na medida que se o enriquecimento que deve ser considerado, se
deve ser entendido em sentido patrimonial ou real? Sentido patrimonial
falamos na diferença que é produzida, para mais, na esfera económica do
enriquecido. Pensamos na diferença para mais que foi produzida na esfera
económica do enriquecido. Sentido Real: quando falamos em
enriquecimento real, falamos no valor objetivo e autónomo da vantagem
adquirida.

 Exemplo: A está a vender gelados, entrego X (gelado) que não foi pago a
uma pessoa atoa que estava a passar, B, por engano. Quando falamos em
enriquecimento patrimonial ou real, ou estarei a olhar para a esfera do
enriquecido ou estarei a olhar para o próprio objeto que a pessoa
beneficiou e que tem um valor objetivo.

 Se usarmos para o enriquecimento patrimonial, ou seja, ao reflexo para


mais na esfera económica do enriquecido, da vantagem adquirida, eu vou
olhar para o património de B, e o património de B depois de receber o
gelado está igual, não há nenhuma diferença entre a situação real e a
situação hipotética, porque a entrada do gelado não mudou nada, porque B
ao consumir o gelado não poupou nada.

 Se olhar para um enriquecimento real, o valor autónomo e objetivo da


vantagem adquiria, eu tenho de perguntar qual será o preço do gelado.
Qual será que foi a vantagem, em termos objetivos adquira por B, logo o
enriquecimento real será 1,5€

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Artigo 479º que na medida da restituição, esta medida compreende tudo o que
se tem obtido à custa do empobrecido ou ao valor obtido.

Artigo 479.º

(Objeto da obrigação de restituir)

A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo


quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for
possível, o valor correspondente.

Prof Almeida Costa: enriquecimento patrimonial: a pessoa só deve reconstituir


aquilo que realmente beneficiou.

Outras propostas: como Prof Júlio gomes, e Menezes leitão: onde referem que
o valor que devemos utilizar não é o enriquecimento patrimonial, mas sim
enriquecimento real.

2º requisito positivo - Circunstâncias de haver um suporte de um


enriquecimento por pessoa diversa do enriquecido, por outras palavras, tem de haver
o suporte do enriquecimento, tem de ser constituído por um património diverso do
património do enriquecido, uma outra forma menos jurídica: à custa de outrem, outro
património suporta o enriquecimento, esta expressão pode ser enganadora, como se
significasse que deve existir um empobrecimento. Quando se fala em enriquecimento
sem causa, não é necessário que exista um empobrecimento.

 Exemplo: Alguém habita numa casa, sem contrato, mas o dono da casa
não teve um prejuízo porque não pretendia arrendar. O Direito civil não
admite, na verdade que tem de pagar o valor da renda, o instituto que
me dá esta resposta é através deste requisito.

3º requisito positivo: Têm de existir uma relação direta entre o enriquecimento


e o suporte do enriquecimento, ou seja, não pode passar por um terceiro património.
Esta vantagem, a desvantagem e o suporte da vantagem têm de ser diretos, porque os
direitos de crédito têm uma estrutura relativa (natureza relativa dos direitos de
crédito), a não ser que a lei preveja o contrário.

Requisitos negativos (3) - circunstâncias que não podem existir para poder
aplicar o instituto do enriquecimento sem causa:

1º Requisito Negativo: Ausência de uma causa justificativa - não pode haver


um motivo que legitime este enriquecimento. Quando falamos de uma causa e

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motivos, falamos de um contrato (se houver um contrato há uma causa para o


enriquecimento), ou da lei (exemplos em que existe uma causa justificativa para
aquele enriquecimento, por exemplo, a divida que se extingue por prescrição, outro
exemplo é a usucapião).

2º Requisito Negativo: Ausência de outro meio jurídico - encontra-se previsto


no artigo 474º - subsidiariedade do enriquecimento sem causa.

Artigo 474º, diz que não há lugar à reconstituição, se a lei negar ou atribuir
outros efeitos ao enriquecimento. Outros efeitos: regime da motivação do contrato
por alteração das circunstâncias, imaginemos que existe um desequilíbrio entre a
prestação das partes.

Artigo 474.º

(Natureza subsidiária da obrigação)

Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido


outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir
outros efeitos ao enriquecimento.

Artigo 498º do CC: sobre a prescrição do direito da indemnização:

Artigo 498.º

(Prescrição)

1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que


o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento
da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição
ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.

2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de


regresso entre os responsáveis.

4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de


reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver
lugar a uma ou a outra.

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Onde diz que o direito prescreve deve-se verificar um dos dois prazos. Nº4 se
houver prescrição da responsabilidade, não significa que existe prescrição da ação de
reivindicação, ou da ação de enriquecimento sem causa, logo não se pode ir pela
responsabilidade, mas poderemos ir “buscar dinheiro” pelo enriquecimento sem
causa, mas para que isto aconteça, o prazo do enriquecimento sem causa, não poderá
ser igual ao prazo da prescrição da responsabilidade civil.

- Ex (explicação nossa, não da aula) passaram-se 4 anos desde que fui atingida
por uma pedra numa pedreira, mas so hoje tive conhecimento do direito que me
assiste. Sendo assim já prescreveu o prazo nos termos na RCEC. No entanto se só ao
fim de 18 anos é que descubro o direito que me assiste olhamos para o prazo da
prescrição ordinária.Mais prazo, 482º:

Artigo 482.º

(Prescrição)

O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da


data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do
responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo
a contar do enriquecimento.

Ou seja, eu tenho 3 anos, mais 20 anos, o mesmo prazo que na


responsabilidade, mas este prazo é mais favorável, porque existe uma diferença, que
será conhecer o responsável, isto é, na responsabilidade civil o prazo começa logo
mesmo não conhecendo o responsável. No enriquecimento sem causa, o prazo dos 3
anos apenas começa quando eu conhecer o responsável. Esta diferença faz com que
haja uma discrepância na prescrição da responsabilidade civil, e na prescrição do
enriquecimento sem causa.

Quando falamos em subsidiariedade, é verdade que estamos a dar prioridade a


outros regimes sob o enriquecimento sem causa, mas não significa que este regime do
enriquecimento sem causar penas de haver outro regime aplicável, não possa ser
convocado ainda, este ainda pode intervir quando o outro não deu uma resposta
adequada.

A subsidiariedade pretende que se eu quiser resolver um problema de


enriquecimento eu vou, em primeiro lugar, tentar encontrar uma solução noutros
regimes, e só se não tiver outro regime aplicável é que vou recorrer ao enriquecimento
sem causa.

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3 requisito negativo - Previsto no artigo 474º, não há lugar à restituição por


enriquecimento sem causa se a lei negar o direito à reconstituição ou se atribuir outros
efeitos ao enriquecimento.

 Exemplo: estou a lavrar um terreno alheio e penso que é meu, que


calhou como herança, e estou de boa-fé, os frutos que estou a produzir,
artigo 1170º, nº1, são meus, ou seja, a lei está a dizer que até ao dia do
proprietário aparecer eu pensava que era meu, logo os frutos são meus.
Isto é uma norma que esta a negar o direito à restituição.

 Norma que atribuía outros efeitos ao enriquecimento sem causa:


regime da modificação do contrato por alteração das circunstâncias.

22/03/2023 – 13º Aula

Artigo 473º, nº1 – Norma que estabelece o princípio geral em materia do


enriquecimento sem causa. Vamos ver hoje que o nº2 deste artigo vem falar de
algumas hipóteses de enriquecimento sem causa, hipóteses específicas de
enriquecimento sem causa.

- É preciso, no entanto, ter presente, o seguinte: quando analisamos o artigo


473º, nº1 e procuramos estabelecer os tais requisitos do enriquecimento sem causa é
porque a figura do enriquecimento sem causa se aplica independentemente de uma
previsão concreta ou não. Ou seja, o facto de haver normas que como iremos depois
analisar que se referem a situações concretas/ específicas de ESC, não significa que o
enriquecimento sem causa não seja um instituto que não se deva aplicar apenas pelo
aquilo que diz o princípio geral, previsto no artigo 473º, nº1. Não há aqui nenhuma
restrição às situações em que o ESC é considerado, há o princípio geral, que se aplica a
todas as situações que caibam na sua previsão.

- O artigo 473º, nº2 refere-se a situações particulares de ESC. Teremos de nos


questionar, mas então o ESC só existe nestas circunstâncias previstas no nº2? Não, o
ESC existe sempre que se verifique a previsão do nº1, o princípio geral. Este artigo,
nº2, é uma das situações em que o legislador entendeu regular, sendo uma situação
especial. Estas situações especiais vêm ainda desenvolvidas nos artigos 475º e 478º.

Numa tentativa de classificação das várias hipóteses de ESC, percebemos que


podem ter aparências muito diversas, ou seja:

o pode tratar-se da pessoa que utiliza uma casa alheia sem ter autorização
para tanto

o de uma pessoa que recebe uma prestação sem que essa prestação lhe fosse
devida

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

o pode tratar-se de alguem que vê a sua casa melhorada por intervenção de


um terceiro.

- Há aqui situações muito diversas e numa tentativa de classificação, alguma


doutrina, designadamente o Professor Menezes Leitão, que põe em 4 categorias de
ESC situações que não se esgotam na lei, mas que tentam dar algo corpo ao princípio
geral do 473º, nº1:

1) Enriquecimento por prestação

2) Enriquecimento sem causa por despesas efetuadas por outrem

3) Enriquecimento sem causa por intervenção

4) Enriquecimento sem causa por desconsideração de um património


intermedio

Iremos agora analisar detalhadamente cada uma destas categorias:

Enriquecimento sem causa por prestação

- Neste caso o que é que acontece? Como a própria designação assinala


falamos de uma hipótese em que alguem efetua uma prestação a outrem, mas não
existe uma causa jurídica para a receção da prestação.

- Que modalidades temos de ESC por prestação? Na verdade, temos as


hipóteses referidas no artigo 473º, nº2 que são de facto as hipóteses de ESC por
prestação configuráveis na doutrina. Dentro deste enriquecimento por prestação
podemos de facto encontrar várias hipóteses e essas são as que estão escritas no
artigo 473º, nº2. Basicamente podemos dizer que o ESC por prestação pode configurar
1 de 3 hipóteses.

- No ESC por prestação podemos estar a falar daquilo que comumente se


costuma designar de:

1. repetição do indevido;

2. repetição do que foi recebido por uma causa que deixou de existir;

3. repetição do que foi recebido em vista de um efeito que não se verificou;

1. Repetição do indevido

- Na repetição do indevido podemos estar também perante várias hipóteses.


Qualquer uma destas 3 categorias de ESC por prestação está indicada no artigo 473º,
nº2 (IMPORTANTE perceber isto). Voltemos a este artigo, e ao lermos percebemos
que estas 3 hipóteses de ESC por prestação vêm expressas de forma muito clara.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Aqui podemos ter aquilo que é estritamente qualificado pela lei como
repetição do indevido, expresso no artigo 476º, mas cabe ainda o que está previsto no
artigo 477º e 478º. Quando falamos em repetição do indevido estamos a pensar nas
hipóteses que caem nos artigos 476º, 477º e 478º - apesar de apenas uma das normas
ter como sua epigrafe “repetição do indevido”.

- Começando pelo artigo 476º, do que é que estamos a falar em concreto, em


sentido mais estrito? Como o professor anteriormente explicava, no ESC por prestação
o que acontece é que alguem realiza uma prestação a outra sem haver causa jurídica
para essa prestação.

- E o que o artigo 476º, nº1 vem dizer é que se há um determinado sujeito que
vem realizar uma prestação em cumprimento de uma obrigação que não existia no
momento da prestação, a repetição é possível.

o Exemplo: Alguém cumpre ou realiza uma prestação, mas vem-se a


apurar que essa obrigação da qual decorria a prestação na verdade
não existia. O que diz o artigo em análise é que se for uma obrigação
natural, que prescreveu não há lugar à repetição do indevido. O
artigo 476º, nº1 é o princípio geral, ou seja, se de facto a obrigação
não existia, não há causa jurídica para essa mesma prestação, de
modo que há lugar à repetição daquilo que tiver sido prestado.

- Nº 2 do artigo 476º - Aqui na verdade, o devedor não tem para com o terceiro
nenhuma obrigação, ele tem uma divida para com o credor, mas realizou a prestação a
um terceiro. A lei nestes casos diz que a obrigação existe, não perante aquele terceiro,
mas sim perante o credor – mas a obrigação existe. Neste caso, o legislador diz que a
repetição é possível, mas é preciso ter em conta o interesse do credor, visto que a
obrigação verdadeiramente existe.

- Por isso é que o artigo refere “enquanto não se tornar liberatória nos termos
do artigo 770º” – ora o artigo 770º prevê precisamente que o credor possa ratificar a
prestação que for prestada a terceiro, de modo que assim fique o devedor exonerado
da obrigação. Ou seja, neste caso não há lugar há repetição do indevido, porque
embora perante o terceiro não exista obrigação, existe uma obrigação e o credor vai
reivindicar a prestação que foi dada ao terceiro. O artigo 476º, nº2 diferencia-se do
nº1 por isto que vimos, ou seja, existe efetivamente uma obrigação, embora não seja
perante o terceiro, mas porque existe uma obrigação, se o credor ratificar o
cumprimento da mesma prestação, entao obviamente não haverá lugar à repetição do
indevido e considera-se a obrigação bem cumprida.

Nº 3 do artigo 476º - Terceira hipótese, temos uma obrigação que imaginemos


só deveria ser cumprida no dia 15 de maio e no entanto o devedor julgando que tinha

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

de cumprir logo no dia 3 de maio fez esse cumprimento. Trata-se de uma situação em
que a obrigação verdadeiramente existe, mas o cumprimento dessa obrigação apenas
é exigível mais à frente, até ali o devedor podia não cumprir. No entanto, o devedor
por erro desculpável cumpriu. O que diz o legislador nestes casos é que mais uma vez
existe uma verdadeira obrigação e sendo assim não há lugar à repetição do indevido, a
não ser na medida daquilo que corresponda à antecipação da prestação. Ou seja, se
efetivamente podia ao ser cumprida 12 dias mais cedo o credor obteve um
enriquecimento, entao na medida deste enriquecimento haverá lugar à restituição. No
fundo, o legislador procura anunciar o princípio geral de que sem a obrigação há
repetição, mas havendo obrigação não existe.

Duas situações que cabem ainda na repetição do indevido:

1º Situação - Artigo 477º: Alguém cumpriu uma obrigação alheia, por erro
desculpável, portanto esta obrigação existe, não existe porem para aquela pessoa,
para aquele devedor. Alguém que não é devedor – grande diferença para os nº2 e nº3
do 476º. Neste caso, a lei vem estabelecer uma situação de equilíbrio e dizer que se
alguem julgava que tinha uma obrigação para com um terceiro, não tendo
efetivamente essa obrigação e ter cumprido, se for um erro desculpável pode exigir a
restituição daquilo que entregou. Mas, atenção, não pode, no entanto, exigir a
restituição daquilo que entregou se porventura o credor se tiver desguarnecido de
defesas – “exceto se o credor… se tiver privado do título ou das garantias do crédito…”.
Neste caso, o que acontece é que esta pessoa que não era devedora cumpriu perante
o credor e o credor já ficou desprotegido perante o verdadeiro devedor, e a lei diz que
já não há lugar à repetição.

- Claro que apesar de tudo a pessoa cumpriu uma obrigação que não é sua, e
por isso, existe o nº2 do artigo 477º que diz que nesse caso a pessoa que cumpriu
perante o credor, não pode exigir-lhe a restituição por causa da parte final do nº1
desta norma daquilo que já prestou, mas vai substituir-se ao credor e exercer os
direitos que o credor tem relativamente ao devedor – solução de equilíbrio.

2º Situação – Artigo 478º: convicção de um sujeito de cumprir a obrigação de


outrem. Alguém assume a posição de fiador, esta posição de fiador de facto existe,
mas vem-se a comprovar que efetivamente não é assim. Mais uma vez, neste caso, a
obrigação existe. A lei aqui claramente vem proteger o credor. Vem-se dar ainda assim
a hipótese à pessoa que cumpriu de se poder exonerar daquele que foi o
enriquecimento que causou àquele devedor.

- Não costumamos trabalhar muito nestas normas, apenas viemos aqui


conhecê-las, no entanto não vamos propriamente realizar hipóteses sobre as mesmas.

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Passemos à segunda categoria do enriquecimento sem causa por prestação:

2- Repetição do que foi recebido por virtude de uma causa que deixou de
existir:

Presente no artigo 473, nº2 e depois não há mais nenhuma norma que se refira
a esta hipótese de enriquecimento por prestação.

Exemplo: Estamos a falar de um contrato de promessa que foi cumprido e que


aquela prestação que foi realizada no contexto do CP com sinal. Tratava-se de um sinal
sob a forma de uma joia, tratava-se de com isso fixar os direitos indemnizatórios, mas
com o cumprimento do CP fez-se a venda e cumpriu-se o CP. O vendedor continua a
ter a joia, neste caso obviamente que este sinal terá de ser restituído, porque havia
uma causa que justificava fruto do sinal do CP, mas que deixou de existir, já não existe
uma causa que justifique, uma vez que o CP se cumpriu. Isto resulta diretamente do
artigo 442º.

Exemplo: Imaginemos como sucedeu durante o período do covid, foi decretado


estado de emergência, não se podia voar e uma pessoa já tinha comprado um bilhete.
Temos aqui uma prestação que tinha uma causa jurídica e que de facto deixou de a
ter, e onde é que está a norma que determina a restituição da coisa que não foi
prestada? ARTIGO 795º. Deixou de haver causa para a retenção do valor da viagem, há
lugar à restituição nos termos do artigo 795, nº1.

2. repetição do que foi recebido em vista de um efeito que não se


verificou – Artigo 473º, nº2, última parte

Em determinada circunstância, por exemplo, temos um CP e este CP foi


celebrado com antecipação do princípio do pagamento do preço, trata-se de uma
prestação que estaria dependente do contrato definitivo. O que acontece é que eu
entreguei o preço para a realização do contrato de compra e venda que é objeto do
CP, e este não se veio a realizar. Sendo assim, há lugar à restituição do valor que foi
entregue e nesta situação o pagamento do preço seria um efeito do contrato de
compra e venda, e não do CP, e uma vez que a compra e venda não se realizou, esse
efeito não se verificaria, pelo que há lugar à restituição do valor.

Ainda, sobre a modalidade de enriquecimento por prestação, temos ainda


outra disciplina que procura limitar o exercício do direito de repetição (quando se fala
em repetição fala-se em exigir o reembolso). O artigo 475º a respeito desta forma de
enriquecimento por prestação, fala de situações em que a prestação é realizada
sabendo o prestador que o objetivo prosseguido é impossível, ou então é ele próprio
que inviabiliza a concretização desse mesmo objetivo – aqui a repetição é impedida.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Vamos agora para a segunda categoria de enriquecimento sem causa:

2) Enriquecimento sem causa por despesas efetuadas por outrem:

o Exemplo: O senhor A tem uma casa que foi pintada por um terceiro
que não estava obrigado a realizar aquele ato. O senhor A vê-se
agora confrontado com a sua casa pintada por um terceiro que não
contratou e agora vê-se confrontado com um pedido de ESC. O que
diz o terceiro é que esta casa com a intervenção que realizou
valorizou de 100.00 para 130.000 e vem pedir o pagamento dos
30.000 euros que constituem o enriquecimento do senhor A.

o Que problemas é que isto convoca? Nós sabemos que quando


falamos de gestão de negócio, tratando-se de uma gestão irregular a
lei determina que o gestor possa pedir o reembolso daquilo que
gastou nos termos previstos para o ESC – um dos efeitos da gestão
de negócios. Há muitas outras normas que se referem a este tipo de
realidades, por exemplo, se formos ao regime dos direitos reais, o
artigo 1273º. Na gestão de negócios há um terceiro que age pelo
interesse e conta de outrem, gerindo o tal negócio alheio, mas
nunca chegou a existir uma situação em que fosse possuidor da
coisa em que fez a intervenção. Mas pode dar-se o caso de alguém
vir a ser considerado possuidor e aí quando alguém possui coisa
alheia, e faz uma intervenção na coisa alheia diz o artigo 1273º que
as benfeitorias necessárias são aquelas precisas para a manutenção
da coisa e as inúteis são aquelas que não são imprescindíveis e que
aumentam o valor da coisa. Este artigo, fala numa situação de posse,
nós na gestão de negócios temos alguém a gerir o património alheio,
enquanto na posse temos alguem que gere para si próprio, e neste
caso o artigo 1273º remete para as normas do ESC.

o O problema que isto convoca é que o proprietário A em nenhum


momento quis que essa intervenção ocorresse, é verdade que lhe
veio a dar um enriquecimento, mas nunca foi procurada por este
enriquecido. Coloca a questão de saber se será justificado que este
esteja obrigado a restituir o valor do enriquecimento quando na
verdade nunca colaborou no surgimento deste enriquecimento. De
facto, na doutrina, nomeadamente o professor Menezes Leitão,
sugere que quando se trata desta forma de enriquecimento, de
despesas efetuadas por outrem, apesar da leitura do regime da
gestão de negócios, ou deste artigo 1273º, nós nunca nos podemos
adiar da planificação subjetiva do beneficiário. Eu tenho sempre de

123
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

perguntar o que é que na ausência daquela intervenção teria o


beneficiário feito. Se o beneficiário não tivesse pintado a casa, então
não faz sentido a restituição, uma vez que não há nenhuma
colaboração dele neste enriquecimento, não faz sentido de facto
sujeitá-lo à obrigação de restituir os 30 mil euros.

o Nesta medida e de acordo com aquilo que propõe o Professor


Menezes Leitão, este caso de enriquecimento sem causa por
despesas efetuadas por outrem, é preciso ter em conta esta
planificação subjetiva e então considerar que se não houver uma
poupança de despesas efetiva, não há lugar ao reembolso. Seja isto
sob a forma de gestão de negócios, ou sob a forma de benfeitorias.

- Este caso é um enriquecimento sem causa por despesas efetuadas por


outrem, porque de facto alguém enriquece não porque esteja a receber uma
prestação, não está a colaborar na receção de uma prestação, está antes a receber um
benefício que resulta de uma intervenção espontânea de um terceiro sobre uma coisa
que é sua.

3) Enriquecimento sem causa por intervenção:

O que é que acontece no enriquecimento sem causa por intervenção, neste


caso alguém tem um enriquecimento através de uma ingerência/intervenção não
autorizada no património alheio frustrando a destinação jurídica atribuída aos bens.

o Exemplo: Se alguém utiliza uma casa alheia para habitar, porquê que
tenho aqui um enriquecimento por intervenção? Não há nenhuma
prestação que o proprietário da casa esteja a fazer a este individuo, por
outro lado não há nenhuma despesa que o proprietário da casa esteja a
fazer em benefício deste individuo, mas este indivíduo está a ter um
enriquecimento, está a ter uma vantagem à custa do proprietário. Qual
é essa vantagem? É o facto de no fundo ter feito uma ingerência em
bem alheio sem ter autorização para tanto e contrariando a destinação
deste bem, uma vez que este bem pertence a este proprietário e será o
mesmo a ditar o que quer fazer com o bem.

Este enriquecimento por intervenção é um enriquecimento que do ponto de


vista da restituição nos levará a fazer algumas considerações particulares. Vamos
primeiro fazer aqui um parenteses para introduzirmos esta questão em concreto. Estas
formas de ESC que vimos até aqui são tudo formas de ESC que depois geram a
pergunta do que é que vai ser restituído? Na aula passada o Professor explicou que

124
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

havia uma divergência na doutrina a respeito do conceito de enriquecimento, esta


questão prendesse com a medida da restituição, isto é: então quando existe uma
situação de enriquecimento, como é que se determina a medida da restituição? Em
bom rigor, há duas teorias a este respeito, quando procuramos determinar o montante
da restituição do enriquecimento sem causa, há duas teorias a este respeito que
acompanham a divergência doutrinal entre prevalência do enriquecimento patrimonial
ou prevalência do enriquecimento real.

Vamos primeiro analisar as duas doutrinas: a teoria clássica é a designada por


teoria do duplo limite e a segunda é designada por teoria do enriquecimento real.
Frequentemente iremos ouvir que é designada esta segunda por teoria moderna, na
verdade esta não é moderna, apesar de ter sido defendida na tese do professor Júlio
Gomes e do professor Menezes Leitão. O professor prefere falar em teoria do duplo
limite e teoria do enriquecimento real.

Teoria do duplo limite:

Vai nos dizer que a restituição se deve fazer na medida do enriquecimento


patrimonial, portanto deve-se restituir o enriquecimento patrimonial, não podendo,
todavia, exceder a medida do empobrecimento patrimonial.

Vamos supor o exemplo do gelado ou do cabaz – o A consumiu um cabaz que


custava 500 euros, mas que não lhe era destinado, ou seja, ele consumiu algo que não
lhe pertencia, imaginando que estava de boa-fé e que teria sido uma atitude simpática
por parte do Pingo-doce uma vez que fazia sempre muitas compras lá. Ele consumiu o
cabaz e teve esta vantagem objetiva de um cabaz de 500 euros. Vamos supor que ele
até estaria disponível para comprar um cabaz igual, mas não de 500 euros, um que no
máximo custaria 300 euros. Estes dois valores vão ser de facto importantes para nós,
uma vez que se virmos bem estes dois valores vao nos permitir determinar aquele que
vai ser o seu enriquecimento patrimonial. Pelo facto de ele ter recebido um cabaz de
500 euros, fez com que ele não tivesse de gastar 300 euros para comprar um cabaz
para receber a família. Portanto, qual é que foi o reflexo daquela vantagem no seu
património, qual é que foi o seu enriquecimento patrimonial? Foi exatamente 300,
uma vez que este foi o valor que ele não teve de gastar para ter um cabaz, mas é
evidente que alguém pagou os 500 euros e ficou sem o cabaz.

- Isso é o empobrecimento patrimonial, ou seja, eu tenho aqui um


enriquecimento patrimonial e um empobrecimento patrimonial. A teoria do duplo
limite diz que se deve restituir tudo aquilo que foi obtido entendendo-se isso como a
vantagem para mais no património do beneficiário nunca excedendo, porém aquilo
que seja o empobrecimento patrimonial. Neste caso, teríamos um valor de
enriquecimento patrimonial que é de 300 e portanto, de acordo com a teoria do duplo

125
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

limite a restituição seria clara, era igual a 300, uma vez que o valor do
empobrecimento é superior ao valor do enriquecimento.

- Mas podia suceder-se o contrário, na verdade ele recebeu o cabaz de 150


euros, que o efetivamente levou a não gastar os 300 euros e que cumpriu os objetivos
que ele desejava. Se eu tiver um enriquecimento de 300, mas um empobrecimento de
150, de acordo com a teoria do duplo limite tenho que entregar o enriquecimento
patrimonial, mas na medida do empobrecimento patrimonial, isto significa que 300 era
o que teria de entregar, mas como o outro so empobreceu 150 eu só vou entregar o
valor do empobrecimento que é o mais baixo.

- Esta teoria tem a sua razão de ser, a ideia é que se eu recebi uma vantagem
devo entregar essa vantagem, mas também não devo entregar essa vantagem se
porventura a pessoa que arcou com a despesa teve uma despesa inferior, porque se
não estaria a causar um enriquecimento sem causa justificativa à outra pessoa.

- Teoria do duplo limite falamos em enriquecimento e empobrecimento,


sempre que entendidos como valores patrimoniais, ou seja, o reflexo da vantagem ou
desvantagem no património do enriquecido ou do empobrecido.

Teoria do enriquecimento real:

- Teoria defendida por Meneses Leitão e Júlio Gomes. Os autores defensores


desta teoria consideram que o enriquecimento deve ser visto de uma perspetiva e
autónoma, sem deixar de reconhecer a importância da dimensão patrimonial.

- Ora, esta teoria não deixa de considerar a BF do enriquecido. Quando o


enriquecido está de BF, a medida da restituição deve ter por referência o
enriquecimento patrimonial.

- Evidentemente, aquilo que se pretende é beneficiar o enriquecido de BF.


Assim, se o valor a restituir em virtude desta via for superior. Porque se o patrimonial
for superior ao valor a restituir por referência ao enriquecimento real, deve optar-se
pela via do enriquecimento real: a via mais favorável ao enriquecido de BF.

Argumento normativo:

Tentemos aplicar a teoria do duplo limite ao exemplo dado anteriormente da casa:

 Alguém se introduziu na casa, conseguiu poupar em valores de rendas o


equivalente a 2000 euros – o que é que são os 2000 euros? É o
enriquecimento patrimonial, ou seja, esta vantagem de eu ter usado a
casa traduziu-se no meu património numa poupança de despesas de
2000 euros. Mas como a teoria do duplo limite, seguida pelo professor
Almeida Costa, diz que eu tenho de olhar ainda para o empobrecimento

126
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

patrimonial, isto é para aquilo que foi o reflexo deste facto no


património da pessoa que suportou este enriquecimento, ora isto
obriga-nos a olhar para o proprietário.

 Ao olhar para o proprietário, se eu sei que a casa não iria ser arrendada
e que a casa se manteve em perfeitas condições tal como vimos na aula
de segunda-feira passada, então qual seria o seu empobrecimento
patrimonial? A teoria do duplo limite diz que se restitui o
empobrecimento patrimonial, mas nunca excedendo o enriquecimento
patrimonial, ou seja, não haveria lugar à restituição, seria de zero. Esta
solução conduz-nos a uma solução não defensável, pois isto seria
fomentar a expropriação privada, eu poderia entrar nas coisas alheia
desde que não cause danos nenhuns, nem lucros cessantes, nem danos
emergentes. Se fosse assim eu não teria de ressarcir nada, visto que a
teoria clássica neste caso diria que a restituição não seria nenhuma.

 Claro que os autores que defendem a teoria clássica estão sensibilizados


para o problema e dão uma resposta a este problema.

Outro exemplo: Um menor que conseguiu embarcar num voo para Nova
Iorque. A questão que se colocava era se estaria ou não obrigado a restituir o valor do
preço do bilhete. Vamos pegar neste exemplo para tentar inseri-lo na exposição feita
pelo professor.

- Vamos supor que o preço do bilhete de avião seria de 700 euros, e que o avião
ia com lugares disponíveis, com comida a mais e que a presença de uma pessoa a mais
não faria diferença, ou não representou maior consumo de combustível. Na prática,
aquela viagem, daquele menor, na verdade acabou por não ter impacto nenhum do
ponto de vista patrimonial para a companhia aérea. Isto significa que teria uma
situação semelhante à anterior, em teoria um enriquecimento patrimonial de 700
euros e um empobrecimento patrimonial de 0 euros.

- A teoria do duplo limite reage a estas situações, introduzindo uma variação na


aplicação desta teoria, e convocando para estas hipóteses, em que não existe
empobrecimento patrimonial, ou em que o empobrecimento patrimonial é marginal, o
conceito de dano ou empobrecimento real. Nestes casos, entende que o valor que
deve ser considerado não é o reflexo daquele facto no património da pessoa que
suportou o enriquecimento, mas antes o valor objetivo e autónomo da desvantagem
que o titular do direito teve. Recorrendo ao conceito de empobrecimento real ou dano
real, vamos conseguir dar um valor a este proprietário e a esta companhia aérea.

- No caso do proprietário, vamos imaginar que o enriquecimento patrimonial é


de 2000 euros, visto que seria aquilo que quem ficou na casa estaria disposto a pagar

127
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

se efetivamente tivesse de desembolsar as rendas do seu património para conseguir


ter uma casa onde habitar. Vamos supor que aquela casa em concreto tem um valor
de renda para os tempos em que ele lá esteve no valor de 5000 euros. O que é que é
isto? Não é nenhuma perda patrimonial que o proprietário tenha tido, uma vez que a
casa ia estar fechada e este não a iria arrendar a ninguém. Na verdade, o valor objetivo
e autónomo da desvantagem que ele teve é o facto de não ter conseguido cobrar
aquela renda àquela pessoa que utilizou a sua casa. Esse valor é de 5000 euros e esta
teoria faz uma variação no valor do empobrecimento, e em que termos é que este
deve ser entendido, mas continua a aplicar a teoria do duplo limite, ou seja, que vou
buscar o enriquecimento patrimonial com limite do empobrecimento patrimonial.

- A teoria do duplo limite, neste caso, continua a estabelecer dois limites, visto
que teremos sempre de lidar primeiro com o enriquecimento patrimonial e depois
com o empobrecimento real. Significaria que a restituição seria de 2000 euros, o limite
do empobrecimento patrimonial já não se aplicava, isto é já conseguimos desviar-nos
daquela situação injusta que seria termos uma restituição de zero. Nesta teoria, vai
valer sempre o valor mais baixo na prática.

- No exemplo do avião, a teoria do duplo limite consegue responder no sentido


em que se ele não pagou o bilhete do avião poupou 700 euros e, por outro lado, o
empobrecimento real é o preço do bilhete de avião, foi a desvantagem real que seriam
também 700 euros. Portanto, a restituição seria de 700 euros, mas não nos podemos
esquecer que se o menor não tivesse entrado no avião não teria feito nenhuma
viagem, isto é, foi uma oportunidade, mas se não tivesse acontecido também não teria
viajado para lado nenhum. Neste caso, no caso do cabaz, são bens não materializáveis
no património, se não através da poupança de despesas.

- Então, a conclusão seria que até poderia dar 700 ao empobrecimento real,
mas o que é que iria ter na perspetiva do enriquecimento patrimonial? Se eu viesse a
demonstrar que ele nunca iria ter feito nenhuma viagem se não tivesse enganado a
segurança e entrado naquele avião. O seu enriquecimento patrimonial seria zero e
coloca-se a questão de ter um empobrecimento real, mas ter um enriquecimento real
igual a zero.

- A teoria do duplo limite de facto nunca corrige este valor, porque parte
sempre do enriquecimento patrimonial. Nestas circunstâncias, em que o
enriquecimento patrimonial é igual a zero temos um grande problema com esta teoria.
Circunstâncias em que a pessoa que enriqueceu está de má-fé, eu entrei no avião
iludindo a segurança e depois demonstro em tribunal que nunca teria feito tal viagem
se não fosse assim.

128
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- O professor introduziu este tema devido ao enriquecimento por intervenção e


ele entra aqui. Trata-se de uma questão muito sensível, da qual o professor gosta
muito e foi parte da sua tese de doutoramento. O problema é que podemos estar a
falar de uma intervenção deste género, a intervenção permite uma poupança de
despesas, mas a intervenção pode levar-me a outras coisas, a ter por exemplo à
imagem de uma determinada pessoa e divulguei-a comercialmente. Estamos a falar de
ingerência em esfera jurídica alheia utilizando bens que pertencem a outras pessoas,
para com isso obter um lucro. Por exemplo, peguei num cavalo de outra pessoa,
ganhei uma corrida com o mesmo e recebi 10000 euros, sendo que o aluguer do
cavalo é de 50 euros.

- São tudo situações em que tenho um enriquecimento por intervenção, porque


estou a entrar em esfera jurídica alheia, e essa intervenção vai gerar um lucro, uma
vantagem. Como é que a questão do lucro por intervenção é tratada?

o O professor Menezes Leitão e Júlio Gomes dizem que o valor a restituir


é o valor do enriquecimento real, ou seja, o valor autónomo e objetivo
daquela vantagem. Qual o valor objetivo e autónomo da utilização do
cavalo? É o aluguer do cavalo. Qual o valor objetivo e autónomo da
imagem de um ator? É o valor que ele habitualmente pede para que a
sua imagem seja usada em campanhas publicitárias.

o Temos um problema, pois na verdade o lucro por intervenção acaba por


ser tratado pela doutrina à margem destas respostas que vimos e que
servem para as outras hipóteses de enriquecimento sem causa, ou seja,
estas situações que aqui estão não valem para as hipóteses que já
vimos.

o O lucro por intervenção acaba por ter para a doutrina três respostas
possíveis: 1 – resposta dada pelo Professor Almeida Costa que diz que
quando há um lucro por intervenção, o instituto do ESC determinará a
restituição de tudo o que se obteve com o facto excetuando aquilo que
resulte de investimentos do próprio enriquecido, na prática pode
conduzir a quase nada;

o 2 – de acordo com o professor Menezes Leitão e Júlio Gomes que


defendem a teoria do enriquecimento real, o que deve aplicar-se a estas
hipóteses é o instituto da gestão de negócio, pois há uma norma de
que ainda não falamos que é a do artigo 472º. Esta norma existe, pois
estamos perante uma situação em que alguém está a gerir o negócio de
outrem, mas não o faz no interesse por conta do respetivo dono,
porquê? Porque está convencido de que aquilo que gere é seu. O

129
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

legislador vem dizer que falamos de uma gestão de negócios alheia


julgada do próprio, e diz a lei que se pode aplicar as regras da gestão de
negócio se o dono do negócio aprovar a gestão, ou seja, se o dono do
negócio aprovar a gestão aplicamos as regras da gestão. O argumento
destes professores é por maioria de razão, ou seja, se eu posso aplicar
as regras da gestão de negócios por aprovação quando alguém gere
negócio alheio julgando próprio. Qual o interesse de aplicar as regras de
gestão de negócios? É que nas regras de gestão de negócios há uma
norma muito importante que leva basicamente à obrigação da
restituição do lucro – artigo 465º, alínea e). Significa que se o gestor no
exercício da gestão teve um lucro, esse lucro tem de ser entregue ao
dono do negócio, o artigo 472º diz que eu devo aplicar as normas da
gestão de negócios se o dono do negócio assim o quiser, se aprovar.
Para que o dono do negócio, por exemplo consiga ir buscar 100 mil
euros que um agricultou lucrou no seu terreno pensando que o terreno
lhe pertencia, terá de aprovar a gestão, e o gestor que na verdade não
era gestor, mas acabou por lavrar a terra como se fosse, terá de
entregar os 100 mil euros. Os professores dizem que se isto era assim
nas situações em que as pessoas estavam convencidas que a coisa era
sua, então por maioria de razão se sabe perfeitamente que a coisa não
era sua será igual – estamos perante a gestão de negócios imprópria,
em que alguém gere negócio alheio para si.

o Terceira resposta – para o lucro por intervenção, é a perspetiva do


Professor HSA. Trata-se de aplicar a responsabilidade civil para
indemnizar um dano não patrimonial. O que é o dano não patrimonial
neste caso? Este existe quando alguém usa um cavalo alheio, sabendo
que é alheio. Existe quando alguém utiliza imagem alheia e ganha lucro
com isso. É o justo relacionamento patrimonial entre as partes, isto é,
todos nós na sociedade estamos obrigados a respeitar o património
alheio e isso determina o relacionamento justo entre nós, a partir do
momento em que entro na esfera alheia e me aproprio de coisas que
pertencem à mesma, independente da pessoa a usar ou não, estou a
romper o justo relacionamento patrimonial entre as partes. Na ótica do
professor, isso é um dano não patrimonial autónomo que deve ser
ressarcido. Rotura do justo relacionamento entre as partes

o Última nota: Mas a gestão de negócios não chegaria lá? O ponto de


partida na gestão de negócios é o artigo 472º, ou seja, o dono do
negócio tem de aprovar a gestão, ou seja, o meu rosto foi utilizado e eu
para ir buscar o lucro vou dizer que sim, correu tudo muito bem e
130
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

aprovo a gestão? É inaceitável que para que eu vá buscar o lucro


concorde com um facto ilícito, e não nos podemos esquecer quais são
os efeitos de uma aprovação – gestão regular. Uma gestão regular
produz a remuneração do gestor, o reembolso das despesas que o
gestor tenha tido com o exercício da gestão, ou seja, na prática o
professor considera que isto não é uma boa solução. Isto é uma ficção, é
supor que a pessoa que viu a sua esfera jurídica afetada vai ter de dar o
seu acordo, dizer que aquilo foi bem feito, para receber a sua vantagem
– quando na verdade houve uma violação da sua esfera jurídica.

Aula 27/03/2023 – 14º Aula

4) Enriquecimento por desconsideração de um património intermédio

4º lugar: enriquecimento sem causa por desconsideração de um património


intermédio. Isto prende-se com uma das hipóteses de enriquecimento sem causa. Para
haver lugar ao Enriquecimento Sem Causa é necessário haver ligação direta com o
enriquecimento e a causa. Não pode haver a intermediação de um terceiro
património, isto é a regra. Mas não deixa de ser verdade que existe algumas hipóteses
que se vem a considerar que alguém pode agir contra um terceiro património, apesar
deste património não ser o património do enriquecimento inicial.

Falamos de hipóteses especiais que atuam em desconsideração de património


intermédio. Quais são estas hipóteses:

Falamos do facto de alguém que enriquece, mas não advém o enriquecimento


do comportamento do suporte do enriquecimento, mas sim de alguém que esta num
plano intermédio.

Normas: artigo 289º, nº2; artigo 616º, nº3; artigo 481º.

Artigo 481º: é uma norma que está no contexto na disciplina do


Enriquecimento Sem Causa:

Artigo 481.º

(Obrigação de restituir no caso de alienação gratuita)

Tendo o enriquecido alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, fica o


adquirente obrigado em lugar dele, mas só na medida do seu próprio enriquecimento.

2. Se, porém, a transmissão teve lugar depois da verificação de algum dos


factos referidos no artigo anterior, o alienante é responsável nos termos desse artigo, e
o adquirente, se estiver de má-fé, é responsável nos mesmos termos.

131
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Poderemos falar de três sujeitos jurídicos, o A (suporte do enriquecimento), B


(1º enriquecido), mas depois diz a lei que se o enriquecido tiver alienado
gratuitamente coisa que devesse restituir, ou seja, coisa que recebeu sem causa
justificativa, fica o adquirente a lembrar dele, mas só na medida de causa do
enriquecimento.

- Por outras palavras, falamos da possibilidade de A agir contra C (que também


seria enriquecido, mas será o segundo enriquecido), o património intermédio está em
B.

- Falamos que o titular que suportou o enriquecimento que possa agir


diretamente contra o 3º que não teve nenhuma ligação com a relação jurídica, neste
caso entre A e B, a lei decidiu proteger o A contra determinados atos de B, do
enriquecido, nomeadamente o ato gratuito. Basicamente falamos de alguém que
pode ser prejudicado com a intervenção de A, pela circunstâncias de que para ele, com
o ato que permitiu receber o benefício, não foi um ato oneroso, que tivesse
comprometido matrimonialmente, e falamos de uma alienação gratuita.

Artigo 289º, nº2:

Artigo 289.º

(Efeitos da declaração de nulidade e da anulação)

2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não
podendo tornar-se efetiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o
adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.

Falamos de um negócio jurídico ente A e B que é nulo, ou de um negócio


anulável, sabemos que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio tem efeito
retroativo.

- Mas o nº2, neste caso fala de um negócio jurídico entre A e B que é nulo, ou
que vem a ser anulável, e que depois na verdade o que acontece é que este B, o 1º
beneficiário, alienou gratuitamente a coisa a C.

- E mais uma vez a lei permite ao A que possa atacar o C.

Artigo 616º

(Efeitos em relação ao credor)

1. Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na


medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição
e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

132
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

2. O adquirente de má-fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem
como dos que tenham perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se
provar que a perda ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso de os bens
se encontrarem no poder do devedor.

3. O adquirente de boa-fé responde só na medida do seu enriquecimento.

4. Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.

- Falamos do contexto da impugnação Pauliana, já vimos que é um bem jurídico


previsto na lei, e ora para que o credor possa conservar o património do devedor, pois
é no fundo um meio que ele tem ao seu dispor para satisfazer o crédito, a lei prevê que
os atos praticados por terceiro possam ser atacados.

- Se falarmos de atos onerosos praticados pelo devedor, o A é o credor, o B é o


devedor, e o C é o terceiro: a lei diz que se o devedor praticar atos que vem pôr em
causa a satisfação do crédito de A, a lei diz que o A pode ir atras, isto é, pode atacar os
atos praticados pelo B.

 A lei diz o seguinte, se os atos forem onerosos, neste caso deve existir má-fé,
quer do devedor, quer do terceiro.

 Se os atos forem gratuitos, ainda que o devedor e o terceiro agissem de boa-fé,


o ato poderia ser atacado - artigo 612º

Artigo 612.º

(Requisito da má-fé)

1. O ato oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro


tiverem agido de má-fé; se o ato for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e
outro agissem de boa-fé.

2. Entende-se por má-fé a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor.

O que é que significa: atacado o ato - Será que significa necessariamente ir


buscar a coisa, isto é, atacar a esfera jurídica do outro?

O artigo 616º refere que A poderá atacar diretamente o património do 3º, mas
neste caso, este ato, precisamente porque o C estará de boa-fé, só poderá ser atacado
se for uma aquisição gratuita.

133
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Extraímos destes atos basicamente três condições para fazer esta forma de
enriquecimento sem causa por desconsideração de património de intermédio.

Três condições para haver este enriquecimento sem causa:

1º condição: Está presente em qualquer uma destas normas. O interessado na


reconstituição, ou se quisermos, o credor, tem de ter uma pretensão de restituição
contra o alienante, ou seja, A deve ter uma pretensão de reconstituição contra B .
Sendo que esta pretensão é fundada na nulidade, artigo 289º, ou no facto de o
negócio ser anulado, ou é fundamento da impugnação pauliana, porque o devedor
realizou uma ação que mete em causa a satisfação do crédito. Por tanto deve existir
uma pretensão contra o alienante.

2º condição: Para que o credor possa agir contra o terceiro, é necessário que
não seja possível satisfazer a pretensão, ou em virtude da extinção do enriquecimento
do alienante, ou seja, ele já se desfez da coisa, ou em resultado da insolvência do
próprio alienante, isto é, ele não tem meios para satisfazer o crédito (podemos ver na
situação de impugnação pauliana).

3º condição: A aquisição tem de ser gratuita. Ou seja, não podemos falar de


uma aquisição onerosa. É uma causa menor de aquisição. Reunidas as condições, e
desde que a lei preveja, é possível excetuar a regra de que para haver enriquecimento
sem causa, e para agir dentro das regras do enriquecimento sem causa, é preciso
haver uma relação direta entre o património do “empobrecido” e o património do
“enriquecido”.

Responsabilidade Civil

Na responsabilidade civil pretende-se indemnizar os danos sofridos por


determinado indivíduo.

Mas à responsabilidade civil tem sido trazidas outras funções, vistas como
funções acessórias, como a prevenção, punição, funções que descobrimos na
responsabilidade criminal.

Mas talvez a forma mais simples de perceber o propósito da RC que não é


punir, retribuir ou prevenir a conduta do agente, mas sim indemnizar o dano causado.
Esta ideia parece traduzida no facto de o nível de culpa da RC ser em princípio
irrelevante, em princípio, porque existe exceções.

- Artigo 483.º estabelece o princípio geral da responsabilidade civil. Esta norma


refere que aquele com dolo ou mera culpa, ou seja, quer com dolo ou mera culpa
responde. Mas se formos à responsabilidade penal, nesta assentará numa prática

134
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

penosa, a não ser quando o legislador prevê que determinado agente deva ser
sancionado por uma prática negligente. Mas à partida, só com culpa dolosa é que
determinará a responsabilidade penal. Porque nesta responsabilidade olhamos para o
agente. E na responsabilidade civil olhamos para o lesado.

- É verdade que elas se cumulam, basta pensar, se A mata B, há lugar para


ambas as responsabilidades, no civil, em indemnizar os danos sofridos pela família da
vitima. Além de punir o facto praticado pelo agente.

História:

 Se pensarmos nos primórdios da humanidade, a responsabilidade civil,


verdadeiramente não se distinguia da penal, até podemos dizer que a reação
que se fazia era fundada em comportamentos objetivos e coletivos. Ou seja,
objetiva na medida que a responsabilidade objetiva tinha lugar mesmo que o
agente não tivesse culpa, e coletiva na medida em que a reação não seria
apenas da vítima, mas de toda a comunidade que a vítima lesasse.

 Passados alguns séculos, a responsabilidade civil vem-se a autonomizar da


responsabilidade penal, a responsabilidade penal acabou por definir propósitos
diferentes, e a culpa afirmou-se na responsabilidade civil. Logo transitou para
uma dimensão individual. E deu-se a subjetivação da responsabilidade.

 No século 19, surge a primeira lei, na Alemanha, de responsabilidade objetiva,


aplicada ao transporte ferroviário. E neste século começam a divergir vários
regimes da responsabilidade sem culpa, do regime da responsabilidade
objetiva, seja por acidente de veículos, seja por acidentes de trabalho. Logo
neste século, temos uma comparação da responsabilidade objetiva com a
subjetiva, e atualmente temos vários regimes jurídicos de responsabilidade
objetiva, exemplos: regime de acidentes de aviação, outra responsabilidade do
produtor. Isto está associado à lógica de proteção da vítima.

 Dimensão coletiva: exemplo - condução, a responsabilidade que temos é


objetiva. Circunstâncias que pode não haver culpa, mas existe
responsabilidade, e quem responde pelos danos é a companhia de seguros. -
Exemplo de heterolimitação - uma obrigação de celebração do contrato,
quando circulamos na estrada é obrigatório ter um seguro. A companhia de
seguros vai responder nos termos em que o sujeito é responsável, mas quem se

135
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

substitui, mesmo existindo exceções, isto é, quem responde perante o terceiro


é a companhia de seguros.

Associada à responsabilidade objetiva vêm os seguros, como vem a segurança


social, mas em particular o regime dos seguros. O Seguro é uma comunidade de
assegurados, isto é, se o sujeito A casou dados no valor de 5mil, a seguradora paga,
mas paga com o dinheiro de todos os assegurados. Na prática quando existe uma
expansão da responsabilidade objetiva, temos o regresso de uma responsabilidade
objetiva e coletiva. Na verdade, a responsabilidade objetiva e coletiva tem um espaço
muito relevante no espaço atual.

- O professor Almeida Costa diz ainda que não podemos confundir a


responsabilidade civil e o enriquecimento sem causa, é verdade que o
enriquecimento sem causa também vai olhar para o terceiro, mas este terceiro é uma
pessoa que recebe o benefício e tenta tirar-se esse benefício, não compensar pelos
prejuízos. As perspetivas são diferentes. A responsabilidade civil olha para o terceiro
na perspetiva de compensar pelos prejuízos que sofreu.

- Sabemos que o princípio geral da responsabilidade nos remete para a culpa,


e sabemos que o fim principal é a indemnização dos danos sofridos de um
determinado sujeito.

Que categorias de Responsabilidade Civil é que encontramos:

- Distinção essencial: entre responsabilidade extra-contratual e


responsabilidade contratual

Em termos sistemáticos, estes dois tipos de responsabilidade estão regulados


em momentos diferentes:

 Responsabilidade Extra-contratual: nos artigos 483º e ss.

 Responsabilidade Contratual: artigos 798º e ss.

 Depois há um conjunto de normas comuns a ambas estas


responsabilidades, que estão nos artigos 562º e ss., sobre a obrigação
de indemnização.

Breve distinção entre RCO e RCEO

Em primeiro lugar, ressalva terminologia, quando falamos em RC contratual


referimo-nos à violação daquilo que nasce do contrato, a uma obrigação, mas isto
não nasce só do contrato, as fontes das obrigações são os contratos, negócios jurídicos
unilaterais, a gestão de negócios, o enriquecimento sem causa e a responsabilidade
civil.

136
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Estas 5 fontes das obrigações têm relevâncias para efeito da responsabilidade


civil contratual, porque geram obrigações, quando falamos da violação de uma
obrigação que nasce de uma destas modalidades.

- Se estas obrigações não forem cumpridas vou aplicar as normas da


responsabilidade contratual. As obrigações podem nascer das várias fontes, e não só
dos contratos. Além disso podemos diferenciar entre fontes voluntárias (contratos e
negócios jurídicos unilaterais) e fontes legais (gestão de negócios, enriquecimento sem
causa e responsabilidade civil- a lei faz nascer as obrigações)

Se calhar em termos mais corretos poderíamos falar de uma responsabilidade


obrigacional, no entanto, a tradição impõem-se e fala-se de responsabilidade
extracontratual e contratual.

o Na responsabilidade contratual encontramos uma violação de uma


obrigação, em sentido técnico.

o Na responsabilidade extracontratual encontramos a violação de


deveres ou vínculos jurídicos gerais, que correspondem à necessidade
de respeitar direitos absolutos, e ainda de cumprir disposições legais
destinadas a proteger interesses alheios. Por um lado, o respeito pelos
direitos absolutos, por outro lado o cumprimento de disposições legais
destinadas a proteger interesses alheios - artigo 483º, nº1.

Pergunta-se: eu sei que são dois tipos de responsabilidade diferentes, mas os


regimes, apesar de estarem em diferentes momentos da lei, será que os regimes são
assim tão diferentes que justificam a separação de momentos no Código Civil?

o Podemos dizer que os regimes são diferentes, embora tenha de se dizer


que existem traços de comunhão, isto é, existem normas da
responsabilidade extracontratual que se aplicam na responsabilidade
contratual.

o Exemplo: regime da indemnização de danos não patrimoniais, seriam


ressarcireis na responsabilidade contratual, porque apenas existe uma
norma, o artigo 496º. Atualmente é consensual que o regime também se
aplica à responsabilidade contratual, por isso se o devedor através de uma

137
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

violação causar danos não patrimoniais ao credor, será obrigado a


indemnizá-los.

Mas de facto reconhece-se que existem diferenças entre os regimes, então quais
serão as diferenças entre os mesmos?

- Nas lições temos 9 diferenças, mas o direito apenas dá atenção a 6º.

1º diferença: ónus de prova de culpa

- No regime da responsabilize extracontratual dispõe o estabelecido no artigo


487º, nº1. Para já, voltamos ao facto de apesar da expansão da responsabilidade
objetiva, a matriz da responsabilidade continua a ser subjetiva, e por isso mesmo
individual, artigo 483º.

- Isto significa que a culpa é um pressuposto da responsabilidade civil. É


evidente que o ónus de prova da culpa pode ser determinante no sucesso ou insucesso
da ação de responsabilidade, porque na verdade, pode ter o agente praticado o ato
com culpa, mas cabendo ao lesado o ónus da prova e não conseguindo provar, a
decisão do juiz pode ser contra ele. Por isso, a questão do ónus da prova de culpa é
relevante.

 No que toca à responsabilidade civil extracontratual, o artigo 487º, nº1,


diz que incumbe ao lesado provar a culpa - o ónus da culpa está no lado
do lesado.

 Já na responsabilidade contratual, acontece o inverso, o lesante


(devedor) é que tem de provar sobre quem recaí a culpa, quando vamos
ao artigo 799º:

- O devedor é o lesante, é como se a lei me dissesse que incumbe ao lesante


que não teve culpa na prática do facto danoso, provar que não a teve. Existe um
contraste entre o artigo 497º, nº1, que é o lesado que tem de provar o autor da culpa
da ação e o artigo 799º que é o autor da lesão que tem de demonstrar que a lesão não
procede de culpa sua.

- E isto poderá ser determinante, e sendo que podemos identificar que o


regime mais favorável ao lesado é o regime da responsabilidade contratual, porque o
lesado beneficia de uma presunção de culpa do ator de lesão.

Será que na responsabilidade extracontratual não encontramos situações em


que o legislador haja previsto presunção de culpa?

138
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Na verdade, é que o próprio artigo 487º, nº1 diz, “salvo havendo


presunção legal de culpa”, este artigo identifica uma regra, mas essa
mesma regra reconhece que de facto há normas que se inverte o ónus
da prova, o autor da lesão é que terá de demonstrar que não teve
culpa.

 É absolutamente fundamental saber as normas do CC sobre as


presunções legais de culpa no regime da responsabilidade
extracontratual, como por exemplo:

- Artigo 491º: Responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem;

- Artigo 492º: Danos causados por edifícios ou outras obras;

- Artigo 493º: (mas é necessário dividir este em dois números). Nº1: danos causados
por coisas, animais ou atividades. E o nº2: danos causados por atividades perigosas.

- Artigo 503º, nº3: este artigo trata de acidentes causados por veículos.

Uma responsabilidade objetiva, é uma responsabilidade que prescinde da


culpa, ou seja, mesmo que eu demonstre que agi corretamente, na verdade eu
respondo pelos danos que eu causar.

Na responsabilidade por culpa presumida é diferente, se eu demonstrar que agi


bem, eu já não vou responder.

Logo neste artigo 503º tem dois espaços distinguíveis. Um dos espaços é o
chamado detentor do veículo, aquele que nos termos no nº1, tem a direção efetiva do
veículo, normalmente o proprietário. No segundo espaço, é o nº3, o chamado
comissário, aquele que conduz o veículo por conta de outrem, isto é, nos termos no
artigo 503º, nº3

o Exemplo: Imaginemos a empresa A, que tem a seu serviço o motorista B. B teve


um ataque cardíaco e o veículo da empresa A despistou-se e bateu num outro
veículo, resultando na morte do condutor do outro veículo, e na destruição do
mesmo. Quem é que é responsável pelos danos? O motorista não será
responsável, pois teve um ataque cardíaco, a responsabilidade do motorista, do
comissário, é uma responsabilidade subjetiva, isto é, está dependente da
existência de culpa. A empresa não deixa de ser detentora do veículo, logo
estas circunstâncias encontram-se dentro dos riscos que a empresa detém só
pelo facto de ter o veículo, logo a empresa responde.

Aqui temos o programa da diferença:

- O lesado tem de provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção


legais de culpa. - Responsabilidade extracontratual.
139
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Ao passo que na responsabilidade contratual é ao devedor, ao lesante, ao


autor da lesão, que cabe provar que não teve culpa.

2ª diferença: Pluralidade de responsáveis

Os regimes são diferentes:

o Exemplo: imaginemos que aparecem como devedores de D, o A, B e C.


No plano da responsabilidade extracontratual o dano foi causado por
uma atuação dos três. Ou então A, B e C são devedores de D, resultado
de um negócio jurídico que celebraram entre eles – responsabilidade
contratual.

o Tenho vários responsáveis e tenho de analisar como é que respondem


nos dois planos.

No plano da Responsabilidade extracontratual:

- Existe uma norma fundamental, artigo 487º CC. Este artigo diz-nos que
quando existir uma pluralidade de responsáveis, os vários responsáveis, respondem
solidariamente perante o lesado. O que é que significa responder solidariamente?
Significa que o lesado pode pedir o ressarcimento integral dos danos a cada um deles.

 A vantagem será que nem todos os patrimónios são solventes, basta


haver um património que não consiga pagar. Imaginemos que B não
tem dinheiro, se não houvesse este regime o lesado não iria receber a
parte deste B. Mas com este regime de solidariedade acontece que eles
podem demandar o total a A, e é evidente que o prejuízo se transfere
da esfera do lesado para um dos lesantes, pois o A poderá depois pedir
o dinheiro - chama-se direito de regresso, que está também no artigo
497º:

 O direito de regresso é aquilo que tiver sido pago por um devedor, pode
ser reembolsado pelos demais devedores nos termos do artigo 497º.

No plano da Responsabilidade Contratual:

A não ser que as partes tivessem convencionado que a obrigação fosse


solidária, ou resultar da lei, isto esta previsto no artigo 513º. A solidariedade de
devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.

- Se isto não tiver ocorrido, o regime será o do regime das obrigações


conjuntas, o regime da conjunção.
140
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

O que é que significa o regime das obrigações conjuntas ou regime da conjunção: o


que distingue com o regime da solidariedade?

O que distingue é que se as obrigações forem conjuntas, o credor vai ter de


demandar cada um dos devedores na medida em que cada um dos devedores tivesse
contribuído para os danos.

- O regime mais favorável ao lesado é o regime da responsabilidade


extracontratual.

3º diferença: regime do artigo 494º:

É uma norma prevê que em determinadas situações se o lesante tiver agido


com mera culpa, com diligência, que possa ser reduzida a sua obrigação. Este artigo
permite reduzir em casos de mera culpa e por razões de equidade, reduzir a obrigação
ao valor inferior aos danos causados.

- Esta norma está prevista para a responsabilidade extracontratual, não para a


contratual.

O que se discute é se é uma norma que deverá ser extinta à responsabilidade


contratual:

- A resposta maioritária vai no sentido negativo, isto é, é uma norma que não se
deve aplicar à responsabilidade contratual, para não afetar as legitimas expectativas
do credor.

- Na extracontratual não há nenhuma relação jurídica prévia entre as partes. Na


contratual, se falarmos de uma obrigação que nasce de contrato, como é obvio que
existiu uma relação prévia, e o credor cria expectativas.

4º diferença: Prescrição

Para a responsabilidade extracontratual existe um regime concreto de


prescrição, regime que conjuga dois prazos, de 3 anos e de 20 anos, a respeito do
enriquecimento sem causa, artigo 498º. Basicamente, 20 anos a contar do facto
danoso, e 3 anos a contar do conhecimento.

- Qual é que faz prescrever o direito? O primeiro que ocorrer.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Na responsabilidade contratual, não existe uma norma paralela ao artigo 498º,


e por isso mesmo, a doutrina maioritária, diz que se aplicará o regime regra da
prescrição, o que significa contaremos apenas com a regra dos 20 anos.

5º diferença: responsabilidade por facto de um terceiro:

Comparam-se duas normas: 500º e 800º. O artigo 500º é uma norma que se
aplica à responsabilidade extracontratual. Já o artigo 800º é uma norma que se aplica à
responsabilidade contratual.

Duas grandes diferenças:

 O artigo 500º pressupõe uma relação de comissão, o artigo 800º não. Uma
relação de comissão é uma relação caracterizada por um vínculo de autoridade
e de subordinação. Ex: empresa- motorista- contrato de trabalho

 No artigo 500º a responsabilidade do chamado comitente, ou seja, daquele que


responde pelos danos causados por um terceiro, depende da obrigação de
indemnizar do comissário. No artigo 800º, não.

29/03/2023 – 15º Aula

6º diferença, com carácter significativo – qual é a condição subjetiva elementar para


que se possa fazer um juízo de culpa relativamente a um determinado indivíduo:

- Em termos muito simples, a REC basta-se com a imputabilidade, ou seja, para


que alguém possa ser responsável basta que tenha capacidade de entender e de
querer.

- Porém, na RO é imputabilidade não é suficiente, ou seja, para alguem


responder pela violação de uma obrigação, além da imputabilidade (da capacidade de
entender e de querer) necessita ainda de ter capacidade de exercício.

- A imputabilidade é condição na REC, a capacidade é a condição na RO.


Estamos a falar de um critério mais exigente na RO.

Passamos a outras diferenças, não tão relevantes como as anteriores, que o


professor gostaria de assinalar e que dizem respeito ao seguinte:

7º diferença: quando ao momento da constituição do devedor em mora

142
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Artigo 805º, nº3 veio estabelecer um regime especial para a REC, a


respeito dessa matéria. No fundo o que está no nº3 é a antecipação do
momento da constituição em mora, isto é, mesmo que não haja um
crédito líquido, conforme a lei prevê, o devedor tem-se por constituído
em mora desde citação nos termos do nº3. Isto é um regime que se
aplica à REC, e que não se aplica à RO.

 Iremos depois em Cumprimento e Não cumprimento ver como é que


isto se traduz na prática.

8º diferença: obrigações pecuniárias

- Noção que quando o devedor se atrasa no cumprimento de uma obrigação


pecuniária a indemnização que é devida corresponde aos chamados juros de mora.
Portanto se o devedor se atrasa no cumprimento de uma obrigação pecuniária, a lei
estabelece que o devedor está obrigado ao pagamento de uma indemnização
correspondente ao pagamento de juros de mora.

- Isto é independente dos danos que tenham sido efetivamente sofridos pelo
credor, ou seja, a lei fixa antecipadamente qual é a indemnização no caso de
incumprimento de obrigações pecuniárias.

- No artigo 806º, nº3 há uma questão que importa salientar. O artigo 806º trata
das obrigações pecuniárias e constituição em mora do devedor relativamente a
obrigações pecuniárias.

 O nº3 interessa-nos pelo seguinte: estabelece que é possível pedir uma


indemnização superior à que resulta da aplicação dos juros legais à
obrigação pecuniária para calcular a indemnização devida pela mora,
mas tal (é aqui que está a diferença) – tal só é possível em relação à
REC

 A expressão “responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco” significa


responsabilidade extracontratual.

 Há normas que só falam em Responsabilidade Civil e podíamos ficar


hesitantes sobre a qual das responsabilidades é que se referia. Não tem
haver com as diferenças, é um parenteses, só para sabermos. Muitas
vezes, apontam no sentido da REC.

- No artigo 799º trata do problema de saber a quem pertence o ónus da prova


(já percebemos que na RO cabe ao devedor provar que não teve culpa relativamente
ao facto danoso, a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não
procede de culpa sua).

143
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- E há outro problema de demonstrar como é que não teve culpa, qual é o


parâmetro que se deve aplicar para saber se efetivamente ele teve culpa ou de facto
não teve culpa no incumprimento da obrigação. Como é que se aprecia a culpa?

o Podemos convocar o critério do bom pai de família, ou o critério do homem


em concreto. Se eu estiver a olhar para um individuo e ele for mais
prudente do que o homem médio, se o critério fosse o do homem em
concreto, não haveria problema.

o Como é que sei qual é que foi o critério usado na RO? O artigo 799º, nº2
estabelece que a culpa é apreciada nos termos aplicados à responsabilidade
civil, mas não estamos na responsabilidade civil? O que é que isto quer
dizer?

o À luz do que o professor disse, está claro que esta referência à RC, significa
que na RO é aplicável o critério que se utiliza para a REC.

o Na REC existe uma norma que estabelece o padrão, e o padrão é o do bom


pai de família. Este padrão do bom pai de família aplica-se quer na REC,
quer na RO (artigo 487º, nº2). Não há a este respeito nenhuma diferença e
o professor só fez um parenteses para explicar isto.

9º Diferença – O professor Almeida Costa identifica, mas trata-se de uma diferença


em que só temos de saber o cabeçalho, visto que são matérias que dizem respeito a
outras disciplinas:

- Diferenças a respeito do regime das cláusulas contratuais gerais,


encontramos diferenças entre as modalidades.

- Diferenças em qual seja o tribunal competente se tivermos perante uma RO


ou REC

- Diferença em matéria de direito internacional privado, qual a lei aplicável


àquele litígio

NOTA: em oral saber dizer 4/5 diferenças, principalmente as primeiras que


foram apontadas pelo professor.

Apesar de nós percebermos que conceptualmente são modalidades distintas,


que em termos de regime são também responsabilidade com diferenças, o que é certo
é que na prática traz-nos muitas vezes o seguinte desafio: é que uma determinada
situação pode subsumir-se quer às regras da REC, quer às regras da RO.

- Aqui não vamos ter um concurso real de normas, porque não são dois factos,
temos um concurso aparente, preciso de saber se àquele facto vou aplicar as regras da
REC ou RO:

144
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

o Exemplo – Se uma empresa que se obrigou ao transporte de


determinada pessoa vem a não realizar satisfatoriamente esse
transporte, porque ocorreu um acidente com o veículo que
transportava a pessoa. Tenho aqui um RO pela obrigação da prestação
ao transporte, mas também vou ter uma REC que deriva dos ferimentos
ou mesmo da morte que a pessoa tenha sofrido (violação de uma
obrigação e violação de direitos de personalidade).

o Exemplo do AC – Eu vou a uma farmácia e o farmacêutico entrega-me o


medicamento errado, eu venho a sofrer lesões físicas com isso. Também
aqui tenho uma cumulação aparente de responsabilidades. Estabeleço
uma relação obrigacional com a farmácia, mas ao mesmo tempo para
além da violação da obrigação, há também a violação da integridade
física.

A possibilidade de uma determinada situação se subsidiar à RO e à REC ao


mesmo tempo é frequente e coloca-se a questão de saber qual o regime que se deve
aplicar. A este respeito há uma divisão na doutrina, não há nenhuma norma que
preveja qual o regime a aplicar e por esta razão as opiniões acabam por ser diferentes.
É possível agrupar essas opiniões, em dois grandes sistemas. Quando estamos a
tentar encontrar a solução para este problema é usual identificarmos dois sistemas
que nos darão a resposta.
Sistema do Culu – significa que os dois tipos de responsabilidade se vão
cumular através do conceito (HSA tem preferência por este sistema numa das suas
respostas). Como é que os dois tipos de responsabilidade se podem cumular?

Dentro do sistema do Culu podemos identificar 3 respostas possíveis, 3


teorias possíveis:
1. Teoria da duplicação de ações

Na prática significa que de acordo com esta doutrina o lesado poderia intentar
duas ações com fundamentos diferentes, uma com base na RO, outra com base na
REC, e basicamente aquela que lhe viesse a ser mais favorável impor-se-ia à outra. Esta
tese parece pouco defensável, uma vez que estamos perante o mesmo facto, e não se
justifica estando perante a mesma lesão que houvesse a atribuição a dois direitos
processuais. Um problema que seria evidente na articulação entre as duas ações. De
facto, tem muito poucos defensores, visto que falamos de apenas um facto danoso.

3. Teoria da ação híbrida

O que é que significa ação híbrida? Estamos já a falar de uma só ação, a um


direito corresponde uma ação. Esta ação iria basear-se nas normas que fossem mais
favoráveis ao lesado nos dois tipos de responsabilidade. Iria misturar normas da REC
com normas da RO, na medida em que fossem mais favoráveis ao lesado.

145
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Exemplo: iriamos buscar à RO a presunção de culpa, que é mais favorável, mas


iriamos buscar à REC a solidariedade, uma vez que havendo pluralidade de
responsáveis, o regime da solidariedade é mais favorável do que o regime das
obrigações conjuntas. Na prescrição iriamos buscar o regime da RO.

Evidente que esta teoria também colhe fortes críticas, porque quando o
legislador estabeleceu os regimes de cada uma das responsabilidades, vê-lo de um
modo equilibrado, ponderando simultaneamente os interesses do lesado e do lesante.
Não podemos esquecer que apesar de tudo a responsabilidade é apenas uma limitação
ao princípio da liberdade de ação, à partida somos todos livres de agir, mas claro que
se provocarmos danos vamos responder. Escolher a teoria da ação híbrida será, no
fundo, desequilibrar aquilo que o legislador procurou fazer, vamos procurar aquilo que
apenas é favorável ao lesado e há uma perturbação do equilíbrio que foi encontrado
pelo legislador ao definir cada um destes regimes.

4. Teoria da opção

O professor HSA tem simpatia por esta última teoria, visto que aqui já não
vamos desequilibrar nada, nem vamos duplicar ações. Como o próprio termo indica, o
lesado vai ter de que se sujeitar a uma dessas responsabilidades, seja a RO, seja a REC.
Há aqui uma alternativa, uma escolha e ao lesado vai aplicar-se apenas um dos
regimes. Parece ao professor, que a resposta é em si equilibrada. O facto ilícito em
causa tanto provocou RO como REC e o lesado apenas terá de optar pelo regime que
lhe parece mais favorável e adotá-lo.

Sistema do Não Culu – sistema que é preferido pelo Professor Almeida Costa.
Significa que os dois tipos de responsabilidade não se vão cumular. Mas então qual a
responsabilidade que vai prevalecer e porquê?

1 – Regime da Responsabilidade Contratual

Para o Professor Almeida Costa, sempre que perante uma situação de


possibilidade de aplicação das duas responsabilidades, deveremos sempre optar pela
responsabilidade contratual. Faz-se valer para esse efeito do princípio da consunção,
uma coisa consome a outra e com base neste princípio a RO consome a REC – isto é o
que sustenta que o regime a aplicar será o da RO.

Mas com que fundamento? Consome porquê? Quando começamos a estudar


esta matéria das obrigações, vimos que um dos traços fundamentais das obrigações
era a autonomia privada e que tem uma expressão muito grande em matéria
contratual. No fundo, a ideia do professor Almeida Costa é esta, se há aqui duas
pessoas que decidiram criar uma relação obrigacional, decidiram disciplinar os seus
interesses, se assim é, também decidiram que se o direito do credor for violado as
regras da RO se aplicarão. No fundo, precisamente por causa da prevalência da
autonomia privada quando as partes exercem a sua autonomia privada, estão a fazer

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

uma escolha não só para a fase sã da relação obrigacional, mas também para a fase
patológica da relação obrigacional.

Ainda completa esta ideia dizendo que isto não vai prejudicar os interesses do
lesado, uma vez que já sabemos que há aspetos deste regime que são mais favoráveis
do que o equivalente na REC e, interesses tão importantes como por exemplo, o caso
da indemnização por danos sofridos na pessoa ou no seu património, ou danos não
patrimoniais, acabam também por estar cobertos pela RO, através da relação
obrigacional complexa – mesmo que isto diga respeito a direitos absolutos, esses
direitos absolutos estão de alguma forma associados à relação obrigacional e portanto
não é por serem direitos absolutos que fará com que não estejam consumidos pela RO,
à luz da relação obrigacional complexa.

O Professor Almeida Costa pretende dizer que não se invoque contra esta
perspetiva o facto de não corresponder a alguns desafios, como danos não
patrimoniais, uma vez que no âmbito da relação obrigacional complexa, a RO dará
sempre resposta a estes problemas. O professor AC ao tomar esta decisão faz
escolhas, por exemplo, na pluralidade de responsáveis, não se aplica a solidariedade.
Imaginemos que num caso concreto a questão mais importante seria a da
solidariedade, se fosse pela REC seria muito mais favorável – critica apresentada pelo
professor HSA.

Nota: o professor quer falar sobre uma questão que tem sido bastante falada
pela doutrina. Uma terceira via de responsabilidade. Reconhecendo que há
determinadas situações que não são equacionáveis apenas como responsabilidade
extracontratual, são situações que transcendem os pressupostos da REC.
o Exemplo típico: A responsabilidade pré-contratual que iremos ver. De
facto, há doutrina diversa, como o professor Menezes Leitão, que em
certas situações aplicar apenas o regime da REC, porque não temos uma
obrigação, porque no fundo eu não tenho uma obrigação, e, portanto,
dificilmente chegaria à RO, não é suficiente. São situações em que eu
embora não tenha uma obrigação, não são segundo esta doutrina
claramente apenas de REC, porque pensado no exemplo concreto da
RPC, nós já temos uma negociação entre as partes e, portanto, já há
uma relação entre elas, que não sendo obrigacional, porque nunca foi
estabelecido o dever de prestar, estas têm de agir de acordo com a boa-
fé. Isto será suficiente para alguma doutrina para estarmos perante uma
terceira via. Uma situação que não sendo de RO justificará algumas
normas da RO, mas quais normas? Evidente que algumas normas são
desde logo evidentes/equívocas, uma delas será a presunção de culpa,
ou seja, aplicar-se a presunção de culpa. Ou por exemplo, aplicar-se o
disposto no artigo 800º.

o O problema maior para o professor é que enquanto a REC tem a sua


disciplina bem estabelecida e a RO também, a terceira via é algo que
ninguém sabe bem onde é que vai dar. Nunca sabemos bem quais as
normas que se vão aplicar

147
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

o O professor Almeida Costa rejeita esta visão e para ele a dicotomia está
clara entre RO e REC, algo que também é defendido pelo professor HSA.

Este ano vamos estudar a REC. Tanto na RO e na REC, vamos encontrar SUB
modalidades. O que vamos ver depois também se aplica à RO, mas isso apenas
estudaremos no próximo ano.

Quais são as SUB modalidades que encontramos na REC?


São três:

1) Por factos ilícitos que é a regra, a que deriva dos artigos 483º e seguintes;

2) Pelo risco, a que está prevista nos artigos 499º e seguintes;

3) Por factos lícitos, ou seja, comportamentos que apesar de serem lícitos, ou seja
autorizados pela ordem jurídica, geram o dever de indemnizar – não há
nenhuma disciplina geral da disciplina por factos lícitos, eles aparecem
pontualmente na nossa lei. Não temos um regime genérico, mas ter normas
avulsas que estabelecem o dever de indemnizar apesar de o facto ser lícito;

Vamos estar mais tempo nas duas primeiras SUB modalidades, por factos ilícitos e
pelo risco.
Responsabilidade Civil por factos ilícitos

- Vamos agora estudar os seus pressupostos, vamos olhar para eles um a um e


dar-lhes algum conteúdo.

1º é necessário que exista um facto voluntário;


2º é necessário que exista ilicitude;
3º é necessário que exista culpa;
4º lugar é necessário que exista um dano;
5º lugar é necessário que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

1. Facto voluntário
O que é que significa dizer-se que só há responsabilidade se houver um facto
voluntário? Significa que só há RC quando o dano é gerado por um comportamento
dominável pela vontade do homem. Evidentemente que se for um ciclone a provocar
danos naturalmente não haverá responsabilidade.

- Também temos de ter presente que às vezes até podemos estar perante
factos que derivam do homem que, no entanto, não são factos voluntários. Se uma
pessoa tem um ataque cardíaco e parte um vaso de uma loja, será responsável? Não,
de facto houve ilicitude, mas não há facto voluntário, porque este comportamento não
é controlável/dominável pela vontade humana. De facto, é verdade que foi o homem
que causou o dano, mas não foi o homem que com a sua vontade causou o dano.

148
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Atenção que não queremos com isto dizer que todos os factos têm que ser
imputáveis, há pouco o professor disse que a imputabilidade é um pressuposto da REC,
querendo dizer que só há RC quando o agente for imputável. Nós iremos ver que a lei
vem estabelecer a possibilidade de pessoas não imputáveis, ou seja, pessoas que não
têm a capacidade de entender ou de querer puderem responder pelos danos que
causam.
o Iremos ver que um menor de 4 anos, é pela lei presumido inimputável,
então pode vir a responder pelos danos que causar? Sim, mas iremos
dizer que quem responde é o património dos pais. Na verdade, um
menor de 4 anos pode até ter um património maior do que o
património dos pais e, portanto, se houver um prejuízo causado por
aquele menor, o património que vai pagar os danos será o do menor.

o Pode o menor de 4 anos ser considerado responsável? Em primeiro


lugar ele até poderá vir a ser considerado imputável, a lei estabelece
uma presunção que é ilidível e podemos estar a falar de circunstâncias
em que o menor de 4 anos deveria ter sabido controlar o seu
comportamento. Mas mesmo que ele seja presumido inimputável, a lei
estabelece que em determinadas circunstâncias que iremos ver, pode o
inimputável responder.

o Perguntar-se-á, mas então não se está a violar o que acabamos de ver,


que para que haja responsabilidade tem de haver um facto voluntário?
Não, porque não deixa de ser um facto voluntário, ainda que a pessoa
seja inimputável. A pessoa está a praticar um ato que deriva da sua
vontade, ainda que uma vontade imperfeita, mal formada ou viciada – é
sempre uma vontade.

o Temos de sempre de encontrar um facto que seja controlável pela


vontade, mesmo que a pessoa seja inimputável, ou seja, o facto de ser
inimputável não significa que não tenha vontade.

Segundo aspeto em relação ao facto voluntário – as formas que o facto


voluntário pode ter:

O facto voluntário pode consistir numa ação, alguém que pega numa pistola e
atira sobre outra, isto é um facto voluntário, que consiste numa ação. Mas, um facto
voluntário também pode consistir numa omissão, uma escolha que uma pessoa na
verdade não fez, mas que deveria ter feito e que levou à ocorrência do dano.

- A ação e a omissão não são equiparáveis. Qualquer ação controlada pela ação
humana gera a responsabilidade verificados os demais pressupostos. Já o mesmo não
acontece com a omissão:

 Não podemos dizer que qualquer omissão gera o dever de indemnizar e


veremos que o legislador, de facto, fez essa escolha. As omissões só

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

geram o dever de indemnizar em determinadas circunstâncias. E porquê


que tem de ser assim?

 Seria inviável olhando para o próprio agente se todas as omissões


levassem a uma responsabilidade, estaríamos a diluir as fronteiras entre
o direito e a moral, seria também ingovernável para os terceiros, que
provavelmente não querem a interferência de certo sujeito e esse
sujeito acha que vai ter de agir para prevenir determinado mal, apesar
de a pessoa não querer.

 A omissão só gera responsabilidade em casos específicos, e quais são?

- Artigo 486º rege sobre esta matéria. Está claro neste artigo quando é que as
omissões geram a responsabilidade. É preciso que haja um dever que surge na lei, ou
de negócio jurídico, de praticar o ato omitido.

- Normas que interessa destacar, lei é entendida no seu sentido amplo, não
apenas norma civil:
o artigo 200º do Código Penal sobre omissão de auxílio – falamos aqui de
um estado de grave necessidade que ponha em risco a vida, a liberdade
de outra pessoa, não é um auxílio qualquer. Este regime não está na lei
civil, mas obviamente que se aplica ao artigo 486º, se alguém omitir o
auxílio responde criminalmente e responde civilmente pelos danos que
a pessoa que não foi auxiliada veio a sofrer em relação a essa omissão.
o A teoria alemã concebeu uma teoria que na prática pretende alargar a
responsabilidade por omissão para lá dos casos em que a lei ou o NJ
preveja. A doutrina dos deveres de segurança do tráfego – procura
dizer que sempre que alguém possui uma coisa, ou exerce uma
atividade que se apresentem como potencialmente suscetíveis de
causar danos a outrem, tem o dever de tomar as providencias
adequadas a evitar a existência de danos sob pena de responder se não
o fizer. Na jurisprudência portuguesa, há vários exemplos disto,
reconhece-se a responsabilidade por omissão.

o Exemplo de um caso: Uma empresa de limpeza de um condomínio que


veio a ser condenada por não ter avisado que as escadas do prédio
estavam molhadas tendo causado a um condómino danos físicos.
Estamos a olhar para uma determinada atividade potencialmente
danosa que geraria um dever de aviso pelo menos, e uma vez que esse
dever de aviso não foi efetuado – há um incumprimento do dever de
segurança do tráfego.

o Outro exemplo que foi ao STJ – A gestora de uma barragem foi


condenada por não ter colocado um aviso a dizer que a utilização da
albufeira seria perigosa, uma vez que existiam fundões. Uma pessoa que
não saiba nadar, dá os primeiros passos numa albufeira e, de repente,
se vê privada do apoio dos pés, será fatal. A empresa que gere a

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

barragem deveria ter colocado esse aviso e não o fez, veio a ser
responsabilizada. Mas perguntamos outra vez? Haveria lei? Haveria um
contrato com eficácia para proteção de terceiros? Não, a doutrina de
deveres de segurança do tráfego impõe-se aqui.

2. Ilicitude
Segundo requisito da responsabilidade civil, trata-se de um juízo de desvalor
atribuído pela ordem jurídica, ou seja, a ordem jurídica diz que não pode acontecer. E
o que é que não pode acontecer? – o artigo 483º identifica logo duas situações em que
a ordem jurídica é chamada a intervir, porque aquilo não pode acontecer. Não pode
acontecer a violação de um direito absoluto.

 Se falar da violação de um direito real, de um direito de personalidade…


são direitos absolutos e a ordem jurídica é chamada a intervir – há
ilicitude;
 Ou entao, segunda modalidade de ilicitude prevista no artigo 483º,
quando se trate da violação de uma disposição legal destinada a
proteger interesses alheios. O que é isto? As normas no código da
estrada, por exemplo, que impõe limites de velocidade, porquê que as
mesmas fazem isto? Precisamente para evitar que os danos venham a
ocorrer, está pensado para cada pessoa que utiliza a estrada, para evitar
que cada utilizador seja confrontado com sujeitos que vão a criar o
perigo. Então quando é que eu estou perante esta forma de ilicitude? É
preciso que se preencham 3 requisitos:
o 1º Requisito: é preciso que haja uma norma jurídica, a lei em
sentido amplo;

o 2º Requisito: é preciso que haja um objetivo prosseguido por


essa norma muito específico e que seja um objetivo de proteger
diretamente interesses particulares. A ideia não é protegê-los
apenas reflexamente – a norma foi concebida precisamente para
proteger interesses particulares. Exemplo referido pelo
professor AC: falamos de uma lei que proíbe importações de um
produto para evitar o endividamento do país. É claro que esta
importação que é proibida vai beneficiar as empresas
portuguesas que produzem esse mesmo bem. Ma qual foi o
objetivo da lei? O objetivo da lei foi o interesse geral, então esta
não era uma lei que tivesse por objetivo proteger interesses
particulares. Se a lei tivesse por objetivo proteger as empresas
nacionais, então aí estaria perante uma lei que protege
diretamente interesses particulares;

o 3º Requisito: O dano venha a ocorrer na esfera jurídica dos


interesses particulares protegidos pela lei, ou seja, é preciso que
o dano ocorra precisamente nessa esfera jurídica. Uma lei que
prevê especificações técnicas para um medicamento, que
querem proteger os utilizadores desse medicamento. O que

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

aconteceu foi que surge uma empresa que vem pedir uma
indemnização porque um concorrente não cumpre o previsto na
lei. A questão é onde é que o dano se veio a verificar? Veio a
verificar-se na esfera de interesses que não está protegida por
esta norma, uma vez que o objetivo era proteger os utentes. Não
haveria responsabilidade.

- A lei prevê para além destas situações de responsabilidade gerais outras, nos
artigos 484º e 485º. Situações em que mesmo que tenhamos dúvidas se efetivamente
cabem ou não nas clausulas do artigo 483º, são casos de RC:
 Ofensa do crédito ao bom nome – alguem que retira credibilidade a
uma pessoa pode responder nos termos do artigo 484º;
 Quando haja prestação de conselhos, informações de forma danosa –
artigo 485º
 São situações de ilicitude específica que o legislador veio prever, mas
que o faz apenas, porque à cautela podem a não ser reconhecidas como
estando no artigo 483º

Existem outras situações de ilicitude que também já conhecemos como é o


caso do abuso de direito, ou entao, o que deriva da regra da colisão de direitos –
importam para a RC, mas são apenas particulares de ilicitude.

Reflexões deixadas pelo professor quanto à questão de exclusão de ilicitude,


isto é, na verdade, a ilicitude pode assumir estas várias formas que vimos, mas será
que um facto é sempre ilícito?
Hipóteses: Imaginando que me roubaram o relógio que pertenceu ao meu avô
e eu ao passar na rua vejo o relógio que me tinha sido roubado dentro de um carro.
Parto o vidro e tiro o relógio – é verdade que violei o direito de propriedade de
outrem.

2º Hipótese: Arrombo um automóvel para socorrer uma pessoa, voltei a violar


o direito de propriedade de outrem. Arrombo esse automóvel sendo que não é o da
própria pessoa.
3º Hipótese: Uso o meu automóvel para levar a pessoa ao hospital – o que é
que está aqui em causa? Do ponto de vista do direito civil, ocorre a gestão de
negócios.

Num estado de necessidade eu reajo contra um terceiro, mas há aqui alguma


hipótese em que tenha reagido contra um terceiro? No primeiro caso, há de facto uma
ação direta, o direito já teria sido violado e quando eu parto o vidro estou a exercer
uma ação direta.
No segundo caso, quando arrombo o automóvel que não é da pessoa que está
no passeio a sentir-se mal para a levar ao hospital, estou perante um caso de estado
de necessidade, afeto o património de um terceiro para proteger o interesse de outra
pessoa.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Isto que aqui vimos está a denunciar algumas das causas de exclusão de
ilicitude que regressaremos a falar na próxima aula. Posso estar a violar um direito de
propriedade, mas existirem razões para tal.

12/04/2023 – 16º Aula

Quando falamos de outras formas de ilicitude falamos para lá da violação de


direitos absolutos ou se preferirmos de direitos subjetivos para incluirmos nessa
categoria também os direitos de crédito e para além da violação de uma disposição
legal destinada a proteger interesses alheios, as duas formas principais ilicitude que
vimos no artigo 483º: o tal juízo de desvalor da ordem jurídica relativamente ao facto
praticado. A verdade é que estas formas de ilicitude podem não ser suficientes para
compreender outros fenómenos que merecem o mesmo juízo de desvalor, e quais são
essas formas de ilicitude que estamos a falar?

- Vamos abordar, agora 5 categorias sendo que uma delas já foi referida a
propósito do facto voluntário, que é a categoria das omissões que esta no 486ºCC.

- Dentro destas cinco categorias ou formas de ilicitude aparecem duas que


também já estudamos pelo menos na cadeira de princípios fundamentais que é
o abuso de direito e a colisão de direitos.

 Abuso de direito: quando alguém age excedendo os limites que vêm


definidos pela lei, esse comportamento é um comportamento que pode
gerar várias consequências, pode gerar a invalidade do negócio jurídico,
mas pode também gerar obrigação de indemnizar. Isto é o abuso de
direito é uma forma autónoma especifica de ilicitude, quando alguém
exercesse o direito de forma abusiva, portanto excedendo
manifestamente os princípios impostos pelo fim económico social desse
direito ou por os bons costumes ou a boa-fé;

 Esse agente deverá responder pelos danos que venha a causar com essa
conduta e não é necessário ir buscar uma das formas de ilicitude do
artigo 483º.

 O artigo 384º é suficiente para preencher a ilicitude, se eu achar que de


facto daquela circunstância concreta, um direito, uma liberdade está a
ser exercida de forma manifestamente abusiva ou melhor está a ser
exercida de forma abusiva excedendo manifestamente os limites
impostos por estas várias categorias que se referiu, então neste caso
temos a ilicitude preenchida. Não quer dizer com isto que tenhamos
forçosamente responsabilidade, porque nós estamos apenas a falar de
um dos pressupostos da responsabilidade, para haver responsabilidade
é preciso que se preencham os 5 pressupostos, é necessário que haja
um ato voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade (estamos
apenas a falar de ilicitude, mas o abuso de direito é de facto uma

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

categoria de ilicitude que não podemos desconsiderar, a outra é a


colisão de direitos).

A colisão de direitos:
 Está prevista no artigo 335º, porque na verdade este artigo estabelece o
critério para legitimar o exercício do direito quando existe um conflito
de direitos. No nº2 está facilmente identificada uma situação de
ilicitude e de colisão de direitos, ou seja, se os direitos forem desiguais
ou de espécie diferente prevalece o que deva considerar-se superior.
Ora, se o direito de importância menor for exercido em detrimento do
direito de importância superior evidentemente que estaremos perante
uma situação de ilicitude.

- Para além dos artigos 334º e 335º e para além das omissões do artigo 486º
será importante referir duas outras situações que aparecem no nosso Código Civil
logo a seguir ao artigo 483º e que são consideradas pela doutrina como sendo
situações especiais ou específicas de ilicitude.
- Diz logo o artigo 484º que a lei estabelece a responsabilidade por ofensa do
crédito ou do bom nome. Claro que dir-se-á que o direito de crédito ou do bom nome
são realidades que estão compreendidas no direito geral de personalidade, isto é, no
fundo não poderíamos estar a utilizar o artigo 483º nº1 quando alguém ofende o
crédito ou o bom nome de outra pessoa no artigo 483 nº1, na parte que se refere a
violação de um direito subjetivo não seria suficiente?

 Para o legislador esta é uma situação de valor que considera relevante


e, portanto, estabeleceu qual o regime aplicável à ofensa do crédito e
do bom nome.

 Então o artigo 484º de uma forma muito simples diz que quem afirmar
ou disser ou difundir o facto capaz de prejudicar o crédito de qualquer
pessoa singular ou coletiva responde pelos danos causados.

 Quando falamos de uma ofensa ao crédito estamos a falar em factos


que levam à diminuição da confiança em certa pessoa para cumprir as
suas obrigações, isto é, basicamente dizer que aquele indivíduo é um
sujeito que não honra as suas dívidas ou mais ainda do que isso dizer
que é “burlão”. Evidentemente que há desde logo uma dimensão de
crédito que é visível, porque obviamente quem é que vai querer
estabelecer negócios jurídicos com uma pessoa que é intitulada desta
forma.

Nota: Claro que aí também é uma ofensa ao bom nome, porque quando
falamos da ofensa do bom nome estamos a falar da ofensa do prestígio que uma
pessoa goza, portanto quando estamos a dizer que ele é “burlão”, eu estou a ofender
simultaneamente o crédito e o bom nome, mas eu posso ofender apenas o crédito.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Se eu disser, por exemplo, “aquele sujeito é um sujeito que não cumpre as


dividas” eu não estou a ofender o bom nome, o prestígio que tem socialmente,
mas claramente estou a ofender o crédito dessa pessoa, isto é, esta pessoa não
merece crédito, porque é uma pessoa que não honra o seu compromisso para
com terceiros.

- Claro que não deixa de ser verdade que também há uma dimensão do bom
nome que é afetada, mas em termos muito concretos o que está a ser
prejudicado é efetivamente o crédito ou pode ser, na verdade, apenas um bom
nome, dizer factos relativos à vida pessoal daquela pessoa que no fundo acaba
por desprestigiar aquela pessoa na comunidade em que se insere.

o Repare-se que há uma diferença entre “vem-se a saber” e “vem-se a


dizer”.

o “Vem-se a saber” pressupõe a veracidade do facto. “Vem-se a dizer”


não pressupõe, isto é, o facto pode ser falso e a questão que se coloca é
de saber o que é que se responsabiliza, ou seja, será que a
responsabilidade diz apenas respeito a factos falsos?

Quanto aos factos falsos ninguém tem dúvidas que se alguém difunde um facto
falso que ofende o crédito ou o bom nome de uma pessoa essa pessoa deve ser
responsabilizada pelos danos que venha a causar. Estamos a falar, naturalmente, de
um comportamento que não pode ser tido em comunidade, para no fundo garantir o
respeito entre os diferentes agentes que compõem a comunidade e, portanto, se o
facto é falso e ofende o crédito ou o bom nome de uma pessoa evidentemente que
haverá responsabilidade da pessoa que fez essa declaração.

Mas, e se o facto for verdadeiro? Se o facto corresponder à verdade?

Na doutrina não há uma posição unânime em relação a este respeito, de facto


o artigo não diz “quem afirmar ou difundir um facto falso”, diz apenas “um facto capaz
de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa singular ou coletiva
responde pelos danos causados”.

Portanto, como não diz, dir-se-ia que qualquer facto seja ele falso ou
verdadeiro seria suscetível de gerar responsabilidade. Claro que quando a difusão
deste facto é enquadrada com a própria lei evidentemente existe um fator de exclusão
de ilicitude, ou seja, se estivemos a falar da liberdade de imprensa.
- O exercício da liberdade de empresa determinará que os meios de
comunicação social possam fazer a difusão de notícias que venham a ofender o crédito
ou bom nome de determinada pessoa, porque essa atividade está enquadrada
juridicamente. Ainda que eu pudesse dizer que há um facto que ofende o crédito ou o
bom nome de uma determinada pessoa, o que é certo é que a liberdade de imprensa
está garantida pela lei e, portanto, a ilicitude estaria excluída porque se trata no
fundo do exercício de um direito ou de uma liberdade outorgada pela lei.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

E quando há um facto verdadeiro, mas não há um enquadramento jurídico


para tanto?

Imaginemos que a Verónica disse algo em relação ao seu vizinho do terceiro


direito. O facto é verdadeiro e a Verónica diz no prédio que o vizinho é um senhor que
anda a desviar parte do dinheiro do condomínio, não há nenhum regime jurídico que
venha dizer que a Verónica tem a liberdade de anunciar ou difundir esta informação,
mas pode esta informação ser responsabilizante sendo que o facto é verdadeiro? Sim,
se se vier a apurar que o facto é verdadeiro em tribunal deverá Verónica responder
pela circunstância de ter ofendido o crédito e o bom nome desta pessoa?

 Na verdade, não há uma posição única na doutrina, há uma posição


muito clara no sentido de se dizer que quando o facto é verdadeiro não
haverá responsabilidade na orientação do Professor Pessoa Jorge, este
diz que se o facto for verdadeiro então não haverá responsabilidade, ou
seja no fundo a verdade liberta o agente do dever de responder por
danos que eventualmente venham a ser causados.

 Se nós olharmos para o Direito Penal onde como sabemos há tipos de


crimes que dizem respeito a estes factos. A lei penal parece afastar a
responsabilidade quando o facto sendo verdadeiro corresponder ao
exercício de um interesse legítimo, ou seja, quando a difusão é feita
para salvaguardar um interesse legítimo.

 O Professor HSA acha que é isso que leva o professor Almeida Costa a
dizer que em seu entender não basta dizer-se que o facto é verdadeiro
para que a responsabilidade não exista, ou seja, não é a verdade sem
mais que afasta a responsabilidade. Tem que ser a verdade
acompanhada de um determinado objetivo que o sistema jurídico
aceite, e qual é esse objetivo? Para o professor Almeida Costa é a
defesa de um interesse legítimo, se alguém difunde um facto que se
venha a apurar como verdadeiro para a defesa de um interesse legítimo
então não deve ser responsabilizado por isso.

- No exemplo da Verónica em que difundiu um facto verdadeiro, deverá ser


responsabilizada perante o visado pela sua afirmação? O professor HSA diria que
NÃO, pois o que a fez divulgar esta informação foi o facto de a comunidade onde vive
ter sido afetada por esta prática, porque aquele individuo está a desviar verbas do
condomínio para benefício próprio. Portanto esta informação que foi difundida
corresponde à verdade e ao mesmo tempo está a ser utilizada para prossecução de um
interesse legítimo.

- Agora, se for para dizer que o vizinho do terceiro direito é um indivíduo de


carácter muitíssimo duvidoso, porque tem uma segunda família aparentando ser um
homem muito dedicado a família com quem vive no prédio é evidente que a
comunidade continua a ser a mesma, o facto até é verdadeiro, mas não há interesse
legítimo e nesse caso a responsabilidade já não existiria.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Portanto, dizer como o professor Pessoas Jorge sem mais que o facto da
informação ser verdadeira exonera a responsabilidade parece para o
Professor HSA excessivo.

 O Professor HSA considera que será mais adequada esta abordagem do


professor Almeida Costa, no sentido de exigir a prossecução de um
interesse legítimo, para além das situações em que há o exercício de
um direito (a liberdade de imprensa é um exemplo claro de uma
situação em que a informação é dada e obviamente não haverá
responsabilidade se o facto for verdadeiro e o que corresponde ao
exercício de uma liberdade mas para além das situações em que existe
um direito ou uma liberdade resta-me as outras situações em que eu
possa identificar o interesse legítimo, no fundo são motivos,
circunstâncias que justificam aquela conduta).

2º modalidade de ilicitude: artigo 485º

Nº1: No fundo compreende-se esta regra, ou seja, se eu peço a alguém


indicações sobre a forma como chegar à repartição de finanças daquele bairro e a
pessoa se engana e me orienta para o sentido diverso, foi o que ocasionou o meu
atraso. Quando eu chego a repartição ela está fechada e aquele era o último dia que
eu tinha para tratar daquele assunto e a partir daí sou multada em 100€. Será que eu
posso pedir uma indeminização à pessoa que me deu uma orientação (por acaso eu
até consigo descobrir quem seja), porque me deu uma informação errada? A resposta
naturalmente negativa e porquê?

o A informação é errada, isso é certo. Mas, a lei diz que não se


responsabiliza mesmo que haja negligência por sua parte, ou seja, a
pessoa que está a dar informação se calhar podia ter sido mais
diligente. Podia ter pensado um bocadinho e assim teria percebido que
a informação dada era a errada, nós até podemos chegar à conclusão
que a pessoa foi negligente e, no entanto, não há responsabilidade nos
termos do artigo 485 nº1.

o Isto é assim, porque se parte do pressuposto que tratando-se de factos


que são praticados com obsequiosidade não faria sentido que esse
facto que é praticado desta forma graciosa se vire contra o próprio
agente. No fundo eu estou a ser simpático a tentar ajudar a pessoa, é
verdade que poderia ter sido mais diligente, mas a circunstância de eu
ter feito isto de uma forma generosa leva a que o legislador tenha
considerado que deve exonerá-lo de responsabilidade e, portanto,
não há responsabilidade.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

No entanto, a lei vem prever no nº2 situações em que essa responsabilidade


existe e na verdade não é preciso ir ao número dois para identificar situações dessas.
Se formos a um advogado e a informação que que me deram é errada evidentemente
que isto já não é um ato praticado com obsequiosidade, portanto já não estamos no
âmbito do número um e então o número dois diz-nos que estamos perante três
situações em que há responsabilidade pela prestação de conselhos, recomendações ou
informações que venham a causar danos.

A obrigação de indemnizar existe, porém quando alguém tenha assumido a


responsabilidade pelos danos:

1º situação: quando alguém ao dar o conselho ou a recomendação ou


informação se responsabilizou pelos danos;

2º situação: quando havia o dever jurídico de dar um conselho, recomendação


ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar (um
dos exemplos é um dever que nasce do contrato, se eu vou ao advogado é evidente
que há um contrato celebrado entre mim e o prestador dessa informação e
evidentemente que esse advogado tenha de a prestar de forma diligente e, portanto,
se for feita de forma negligente ou dolosamente naturalmente haverá
responsabilidade);

3º situação: Quando a conduta do gente constitui um crime;

- Parecendo que aparentemente esta norma é isenta de grandes controvérsias


doutrinais, a verdade é que também aqui existe uma controvérsia doutrinal:

 Trata-se de saber se nos termos do nº1, ou seja, quando não estamos


perante situações em que a lei já estabeleceu a responsabilidade do
agente. Quando estamos perante situações em que no fundo não
teríamos responsabilidade nos termos do nº1 e é preciso saber se um
comportamento doloso determinará ou não a responsabilidade.

 A lei diz que não haverá responsabilidade ainda que haja negligência
por parte do prestador do conselho, da recomendação ou da
informação, mas a pergunta que se coloca é se o agente atuar com
dolo. Poder-se-ia dizer que se calhar quando a lei diz que não há
responsabilidade ainda que haja negligência está no fundo a querer
dizer que não há responsabilidade ainda que haja culpa da sua parte ou
seja ainda que ele não tenha agido corretamente não deve ser
responsável precisamente porque a informação foi prestada de forma
graciosa. Portanto há quem sustente que precisamente pela razão de
ser do nº1 do artigo 485º, mesmo quando a informação é prestada
dolosamente, exceto quando há abuso do direito não haverá a
responsabilidade.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Por exemplo: dolo eventual dá-se quando o agente representa o resultado


ilícito e ao agir não confia que ele não se venha a produzir, ou seja, aceita a
possibilidade da sua produção e é essa é a diferença entre o dolo eventual e a
negligência consciente.

- Isto é se eu passo um sinal vermelho 5 segundos depois dele transitar para o


vermelho, eu tenho a representação da possibilidade de um acidente, da colisão com
outro veículo e mesmo assim passo, ou seja, eu assumo essa possibilidade. Portanto eu
não confio que esse resultado não se venha a produzir, mas se eu passei 2 segundos
depois do sinal vermelho eu confio que ainda não se pôs verde para o outro veículo e,
portanto, que essa colisão não venha ocorrer. Portanto no primeiro caso estou perante
uma situação de dolo eventual e no segundo caso estou perante uma negligência
consciente.

No dolo eventual eu não estou a querer causar um dano, não estou a agir de
forma que aquele recetor do conselho, da recomendação da informação venha a
sofrer um dano, mas aceito a possibilidade desse dano poder ocorrer.
 A opinião do Professor Almeida Costa vai neste sentido, ou seja, a de
que o dolo não responsabiliza, mesmo que haja um comportamento
doloso não haverá responsabilidade a não ser nas situações mais graves
ou seja em situações de verdadeiro abuso de direito. É possível
perguntar, “mas consigo traçar a fronteira entre aquilo que ainda é
“abuso” e aquilo que já configura um verdadeiro abuso
direito?” Poderá ser difícil, princípio do Professor Almeida Costa é de
que não, não haverá responsabilidade por dolo e no fundo partindo
aquela ideia de que a pessoa está livre de dar informação, pois como
fala de uma forma graciosa não deve responder pelos danos que causa.

 Outra é a opinião de outros autores, por exemplo, quer o Professor


Menezes Cordeiro, quer o Professor Menezes Leitão consideram que o
dolo é fator de responsabilidade e o Professor HSA concorda com eles.

 O professor HSA considera que quando a lei diz que não há


responsabilidade, ainda que haja negligência da sua parte não está pura
e simplesmente a dizer que não há responsabilidade ainda que haja
culpa da sua parte. Está a especificar qual é a culpa em concreto que
não determina a responsabilidade e essa culpa é a negligência, mas não
o dolo, porque se houver dolo então nós já estamos perante uma
situação de responsabilidade.

 Portanto quer o professor Menezes Cordeiro, quer o professor


Menezes Cordeiro consideram que qualquer situação dolosa mesmo
que não se possa configurar como abuso de direito é uma situação
responsabilizante no artigo 485º.

Em suma: 5 categorias - abuso de direito, colisão de direito, a responsabilidade


por ofensa ao crédito ou bom nome, a responsabilidade por conselhos,

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

recomendações ou informações e também o regime das omissões (artigo 486º que já


foi analisado quando estudámos o facto voluntario).

Vamos aquele outro ponto em que ficámos antes de termos ido para férias da
Páscoa que é questão da exceção da ilicitude.

Quais são as situações em que se exclui a ilicitude?

1 - Exercício do direito: (exemplo clássico) alguém tem a licença de caça e vai


caçar para o terreno de outro precisamente legitimado por essa licença.
Evidentemente que se mata um coelho que esteja nesse terreno estará a ofender
direitos absolutos de propriedade do proprietário do terreno. No entanto, apesar
dessa ilicitude a verdade é que o seu comportamento está legitimado pela licença.
Claro que esta legitimidade não vai ao ponto de dizer que ele pode disparar como bem
entender e, portanto, se porventura atingir o proprietário há, porque ele tem apenas
uma licença de caça. Portanto claro que nós temos de saber o âmbito da legitimação, e
nesse sentido exclui-se a ilicitude, portanto o exercício do direito é na verdade uma
forma de excluir a ilicitude.

2 - Cumprimento de um dever jurídico: Se alguém pratica certo facto


causando danos com esse facto, mas está a cumprir um dever jurídico obviamente que
não haverá responsabilidade. Se um médico que tem dois doentes a quem aplicar uma
transfusão de sangue vier a fazer uma escolha legítima (obviamente que o exercício
dessa escolha é avaliável para efeitos da apreciação do cumprimento ou não do dever
jurídico), a verdade é que não vai responder pelos danos que venham surgir no doente
que não recebeu essa transfusão de sangue. Se eu tenho dois doentes, um está numa
situação mais grave do que o outro e só tenho 1 Unidade de transfusão de sangue para
dois doentes, eu tenho de fazer uma escolha e é evidente que quando eu escolho a
pessoa que está na situação mais urgente é natural que vá causar danos à outra
pessoa, mas aquilo que eu estou a fazer é uma escolha no âmbito do cumprimento de
um dever jurídico. Eu tenho que salvar vidas, mas para salvar vidas eu tenho que fazer
opções e essas opções passam por perceber qual é a pessoa que está numa situação
mais complicada, portanto o cumprimento do dever jurídico é também uma exclusão
de ilicitude.

 O exercício do direito e o cumprimento de um dever jurídico não


aparecem tratadas na parte geral do Código Civil no capítulo relativo ao
exercício de tutela dos direitos e aí a única coisa que vamos encontrar
são as demais causas de exclusão da ilicitude, portanto para além do
exercício do direito e do cumprimento de um dever jurídico vamos ter
que saber o que é uma ação direta (artigo 336º), o que é a legítima
defesa (artigo 337º), o que é o estado necessidade (artigo 339º) e o
que é o consentimento do lesado (artigo 340º)  são todas as causas
de exclusão da ilicitude que a lei refere nessa parte geral.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Situações de autotutela, situações em que alguém protege os interesses


próprios ou de outra sem recurso a autoridade pública e precisamente por isso coloca-
se uma questão de ilicitude, uma vez que à partida quando se ofende um bem jurídico
alheio essa ofensa é uma ofensa que gerará ilicitude. Teria de ser uma ofensa
legitimada pela lei ou por alguma entidade pública que interviesse. Mas, sabemos que
em muitas situações não é possível recorrer em tempo útil aos meios normais e é por
isso que estas figuras existem.

O que é que distingue estás várias figuras?

Agora estamos a falar fundamentalmente na distinção entre ação direta,


legítima defesa e estado de necessidade
- A primeira diferença que o professor Almeida Costa refere em relação às
várias causas de exclusão de ilicitude é a apreciação do pressuposto de base, ou seja,
na ação direita o que ocorreu foi que o direito já foi violado (o direito que vai ser
defendido já foi violado) e isto distingue ação direta da legítima defesa e do estado de
necessidade.

 Na legítima defesa e no estado de necessidade o direito está


ameaçado, o bem jurídico, o interesse, os direitos estão ameaçados, ou
seja, não há uma violação consumada, mas há uma ameaça.

 Sabemos que essa ameaça pode assumir naturezas diferentes, por


exemplo, se eu estiver a falar de uma pessoa que com uma pistola
ameaça de morte outra pessoa evidentemente que eu estou perante
uma agressão atual e ilícita que justificará a aplicação do regime da
legítima defesa, restará saber em que termos é que essa legítima defesa
pode ser exercida, mas o que eu tenho aqui é uma agressão. Tenho um
facto humano que é ilícito e é atual e justificará uma reação da pessoa
que estará a ser ameaçada.

 No estado de necessidade eu também tenho uma ameaça, mas essa


ameaça é causada por uma situação de perigo. Por exemplo à minha
frente aparece um cão agressivo, se eu para me defender da
agressividade do cão mato-o, a reação que eu tenho é uma reação que
obviamente à primeira vista é ilícita, porque eu estou ofender o direito
propriedade do proprietário daquele cão, mas no entanto aquele
comportamento é justificado pelo facto de haver uma ameaça à minha
integridade física e essa justificação é dada pelo regime do estado de
necessidade e porquê pelo regime do estado necessidade e não pelo
regime da legitima defesa?

 Não é um comportamento humano que está a pôr em causa o meu


direito, o meu interesse, é uma situação de perigo. É uma situação que
diverge de uma conduta humana e que pode assumir diferentes formas,
pode ser um cão, pode ser um incêndio, pode ser um ciclone um sismo,

161
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

são tudo situações que na verdade eu estou perante uma situação de


perigo, mas que não corresponde ao perigo causado pelo homem.

 Se for um perigo causado por um ser humano naturalmente eu estou


perante a legítima defesa, se for um perigo não causado pelo ser
humano então estou perante o estado de necessidade. Claro que se eu
estivesse a falar do mesmo cão e o dono do cão instigar o cão para ele
me fazer mal evidentemente que eu já estaria parente legítima defesa,
porque o cão está a ser apenas um instrumento nas mãos daquele
homem.

Será assim tão relevante distinguir legitima defesa e estado de necessidade?

É relevante por causa da ponderação dos interesses aqui presentes, isto é, a


proporcionalidade entre aquilo que está a ser ameaçada e aquilo que eu vou causar
com a minha reação. Portanto eu saber se estou perante uma legítima defesa e não
em estado de necessidade é determinante para a justificação do meu comportamento,
como iremos ver a seguir.

Voltemos à primeira diferença:

- Na ação direta, o direito já foi violado, na legítima defesa e no estado


necessidade o direito ou interesse em causa estão a ser ameaçados.

Exemplo de ação direta: Se eu vejo o meu relógio que eu herdei do meu avô no
assento do carro que está estacionado mesmo ao pé de mim, eu percebo que se eu
não reagir de imediato corro o risco de que o proprietário daquele carro se meta no
carro e leve o meu relógio porventura para sempre. Portanto se eu partir o vidro do
carro para recuperar o meu relógio é evidente que estou a violar o direito de
propriedade do dono do carro e para além disso a causar um dano, mas estou a fazê-lo
para defender um direito meu que estava no interior do carro, sendo que já teria sido
violado.

2º diferença salientada pelo Prof. AC:

Na legítima defesa tendo em conta o que se referiu, a reação dá-se contra a


pessoa que pratica a agressão, ou seja, na legítima defesa reage-se contra o agressor.

Já no estado de necessidade o bem jurídico que vem a ser ofendido pela minha
reação é o bem jurídico de um terceiro, ou seja, é designadamente o património de um
terceiro que não contribuiu para a situação de perigo que vai ser prejudicado.

 No exemplo do cão, poderíamos ter dito que o homem não contribuiu


para o perigo e se ele tiver contribuído para o perigo eu posso estar
perante a legítima defesa, mas se ele não tiver contribuído para o perigo
o perigo está efetivamente no cão e não nele.

162
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Portanto eu estou a reagir contra o homem, mas ele não criou a


situação de perigo. Poderíamos dizer que é difícil eu não ter criado a
situação de perigo, mas na verdade não é assim tão difícil.

 Imaginemos que eu entreguei o meu cão para ser vigiado por um


terceiro e esse terceiro não cumpriu o seu dever e agora o cão aparece
a ameaçar uma certa pessoa e essa pessoa reage contra o cão. A pessoa
vai matar o cão, vai causar um dano ao proprietário do cão e, no
entanto, não foi o proprietário do cão que criou o perigo, quem criou o
perigo foi o vigilante do animal.

Na legítima defesa reage-se para quem causar a agressão, no estado de


necessidade reage-se contra um terceiro que não pode ter cumprido certos deveres.

O professor diria que vamos encontrar nestas duas diferenças motivo para
percebermos claramente uma terceira diferença, que é a questão da
proporcionalidade da reação.

3º diferença: proporcionalidade da reação

A verdade é que se olharmos para ação direta, para a legítima defesa e para o
estado de necessidade, a lei vem estabelecer padrões de referência diferentes e o que
é que queremos dizer com isto? No fundo o que o legislador foi tendo em conta estas
duas diferenças que já observamos. O que é que se pode fazer contra aquilo que me
está a acontecer? Até onde é que eu posso ir?

Claro que em qualquer dos casos vamos encontrar aquela exigência de que não
seja possível ocorrer a meios coercivos normais, porque o princípio não é o da
autotutela, é o da hétero-tutela, mas isso é comum a todas estas hipóteses. Neste
momento eu estou na terceira diferença e esta diferença pretende saber qual é que é
o peso do bem que está a ser salvaguardado relativamente ao bem que está a ser
sacrificado. Quando eu parto a janela do carro para ir buscar o meu relógio é evidente
que eu estou a sacrificar o direito de propriedade sobre o carro, quando eu mato o cão
é óbvio que também estou a sacrificar aquele direito propriedade sobre o cão. Ora, o
que se quer saber é se o legislador estabeleceu alguma diferenciação ou não.

Artigo 336º nº3

“A ação direta não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o
agente visa realizar ou assegurar.”

Aqui eu não estou perante uma ameaça, o direito já foi violado. O que a lei diz é
que se queres reagir contra a ação direita tens de ter presente que os interesses que
tu sacrificas não podem ser superiores aos interesses que pretendes salvaguardar.

Se por exemplo eu estiver a falar de partir o vidro de um Maseratti para ir


buscar um relógio falso que eu comprei em Bangkok. Se calhar aí eu não estou a ter

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um comportamento justificado, porque na ação direta eu não posso sacrificar


interesses superiores àqueles que eu pretendo salvaguardar.

Na legítima defesa será que eu posso ou não? Sim, no fundo eu estou a reagir
contra uma agressão que me estão a fazer e, portanto, eu estou a reagir contra uma
ameaça sobre a forma de agressão, a única forma de resgatar o meu relógio. O que é
certo é que considerando apenas interesses patrimoniais, se for isso apenas que está
em jogo, a verdade é que o vidro do Maseratti é mais caro do que o próprio relógio, ou
seja, não tenho um comportamento justificado.

- Então e na legitima defesa e no estado de necessidade?


 Quando chegámos à legítima defesa é fácil de entender que o legislador
não há de ter estabelecido a mesma solução, ou seja, na ação direta eu
não posso sacrificar interesses superiores àqueles que eu pretendo
salvaguardar e na legítima defesa será que eu posso ou não?

 Sim, no fundo eu estou a reagir contra uma agressão que me estão a


fazer e, portanto, eu estou a reagir contra uma ameaça sobre a forma
de agressão estando, por isso, a reagir contra o agressor.

 A lei diz que esse comportamento é permitido desde que o prejuízo


causado pelo ato não seja manifestamente superior ao que pode
resultar de agressão. O que resulta do artigo 337º sobre a legítima
defesa é que eu posso causar um prejuízo superior ou um prejuízo que
eu salvaguarde, portanto vamos supor que eu estou a proteger um
relógio de ouro e para me resguardar dessa agressão eu acabo por
partir o braço àquela pessoa que está a agredir-me.

 Repare-se que temos dois valores presentes em causa: o valor pessoal e


o valor patrimonial - dir-se-á por definição que o valor pessoal deverá
sobrepor-se ao valor patrimonial, mas a verdade é que mesmo que isso
fosse assim eu, porque estou perante a legítima defesa eu posso reagir
causando um prejuízo superior àquele que resultaria de agressão.

 Se eu para proteger o meu relógio que vale €1000 parto um relógio ao


agressor que vale €1500, ainda assim o meu comportamento vai ser
justificado, porque a lei diz que como eu estou a reagir contra uma
agressão eu posso causar um prejuízo superior àquele que ele pretendo
salvaguardar.

 Portanto se uma pessoa para se defender causa a morte do agressor


provavelmente nós diríamos que o facto em concreto é um facto que
embora cause um dano superior (uma vez que se perdeu a vida), o que
é certo é que o valor que está a ser posto em causa pela agressão
justifica esta conduta, e portanto nesta medida mesmo que haja um
interesse superior a ser sacrificado o que é certo é que estamos a
salvaguardar um bem que a ordem jurídica protege e contra uma

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

agressão portanto mesmo que haja um desequilíbrio de valores a


verdade é que a lei permite que um prejuízo maior venha a ser causado
pela legítima defesa.

E no estado de necessidade?
 No estado de necessidade nós estamos a reagir contra um terceiro que
não é ele que causa a agressão. A lei diz a esse respeito que o bem
sacrificado, aquele que provoca o perigo tem de ser um dano
manifestamente superior ao por mim provocado, ou seja, se eu quero
proteger um dano manifestamente superior quer dizer que o dano que
eu vou causar é o dano que tem de ser inferior ao dano que me
provocaram, ao bem que eu quero proteger.

Resumindo: Na ação direta eu tenho valores iguais (portanto bem protegido e


bem sacrificado). É possível eu sacrificar um bem igual ou de valor igual ao do bem
protegido. Na legítima defesa o bem que está a ser sacrificado pode ser de valor
superior ao bem que está a ser protegido. Na ação direta o que acontece justifica-se,
porque eu estou a reagir contra o terceiro que não tem nada a ver com esta situação,
na legítima defesa eu estou a reagir contra o agressor, portanto eu posso danificar um
bem superior ao bem protegido.

4º diferença

Na ação direta o que ocorre é tutela de um direito próprio tal como diz o artigo
336º, número 1.
Na legítima defesa e no estado de necessidade, estamos perante uma situação
de ameaça, e no fundo quer se prevenir a consumação da ameaça. Assim, o legislador
acabou por ser mais generoso e vem admitir a ação na legítima defesa ou não está a
necessidade não apenas para proteger um direito próprio agente, mas também
proteger um direito de terceiro.

Consentimento do lesado

Naturalmente é compreensível que quando alguém dá autorização para que o


seu bem jurídico seja comprometido, que essa autorização exclui a ilicitude da pessoa
que compromete o bem jurídico.

Se eu disser ao Francisco que pode, por exemplo, rasgar o meu CC


evidentemente que este facto, é um facto que não deixa de ser ilícito, na medida em
que é uma ofensa ao meu direito de propriedade.

 Mas a justificação do facto ocorre pela circunstância de eu ter permitido


essa conduta, isto é, o consentimento legítimo.

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 A verdade é que a lei vem dizer que há limites ao consentimento. Pôr a


situação em que alguém ajuda outra a morrer, aí estamos a falar de
consentimento usado o que afasta a responsabilidade civil?

 Na verdade, não, na medida em que a lei não permite essa ofensa pelo
menos por enquanto e nos termos do artigo 340 nº2, o consentimento
do lesado não exclui a ilicitude do ato quando este for contrário a uma
proibição legal ou aos bons costumes. Ora, não há neste momento nada
na lei que permita a colaboração de alguém na morte de outra pessoa e,
portanto, nessa medida evidentemente que estaremos, portanto,
perante um consentimento que mesmo a ser dado não exclui a ilicitude
do facto.

 Agora quando falamos em consentimento do lesado é preciso não


esquecer que estamos perante quer um consentimento expresso, quer
um consentimento tácito.

 Por exemplo, num jogo de futebol mesmo que uma pessoa tenha
começado a jogar sem ter declarado expressamente que exonera
qualquer colega de outra equipa que lhe causa um dano de
responsabilidade, mesmo que não haja esse consentimento expresso o
simples facto de participar numa atividade que acarreta certo risco é
suficiente para fazer aplicar o regime do consentimento do lesado.

 Nos termos do artigo 340º o ato lesivo dos direitos de outrem é lícito
desde que tenha consentido na lesão. Esse consentimento poderá vir só
da participação de uma atividade que gera riscos e se esses riscos se
vierem a concretizar é evidente que embora não haja consentimento
expresso há um consentimento relevante para esse efeito. É um
consentimento que tem a mesma força que um consentimento
expresso, isto é, não se pode mais tarde vir dizer que outra seria a sua
vontade, portanto não há aqui a possibilidade de alguma forma excluir a
relevância do consentimento demonstrando que outra fora a vontade
quando começou a praticar o jogo de futebol.

Consentimento presumido – artigo 340º nº3

- Aqui sim é possível demonstrar que outra seria a vontade da pessoa.

- No artigo 340º, nº3 diz-se que tem como consentida a lesão quando esta se
deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível.

- Imaginemos que alguém vai parar ao hospital e que acaba por ser
intervencionado de urgência, sem que tenha havido qualquer prestação de
consentimento para a intervenção médica, isto é naturalmente um caso de
consentimento presumido?

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Primeiro a figura é relevante, pois eu estou a ofender a integridade


física do paciente, pois se eu opero o paciente para evitar que ele
morra, eu estou a ofender a integridade física dele.

 Segundo a figura é relevante, pois eu estou a ofender a integridade


física do paciente, pois se eu opero o paciente para evitar que ele morra
eu estou a ofender a integridade física dele. É um consentimento
presumido, porque a pessoa está a ser intervencionada para que a sua
vida seja salvaguardada e, portanto, o consentimento tem-se por
presumido.

 Haverá situações, no entanto, em que o consentimento se tenha por


presumido e no entanto pode se vir a demonstrar que no caso concreto
o próprio agente que veio a praticar o ato ilícito conhecia ou podia ter
conhecido que outra seria a vontade.

 No fundo, o consentimento presumido cria abertura, visto que no


fundo se possa vir a demonstrar que o agente agiu sabendo ou devendo
saber que outra seria a vontade quando essa vontade é relevante para
efeitos do consentimento.

 O consentimento presumido ao contrário do consentimento tácito


precisamente, porque não se traduz num comportamento concludente
admite uma vontade contrária, ou seja, no caso do consentimento
presumido é possível demonstrar que a vontade do lesado era contrária
àquela intervenção e qual é a consequência que existe? A consequência
é de excluir a justificação do comportamento danoso.

O REGIME DO ARTIGO 338º

Erro sobre os pressupostos da ação direta e da legitima defesa

“Se o titular do direito agir na suposição errónea de se verificarem os


pressupostos que justificam a ação direta ou a legítima defesa, é obrigado a
indemnizar o prejuízo causado, salvo se o erro for desculpável.”

- Imaginemos que eu estou convencida, porque olhei para todo lado e não vi
nenhum polícia que eu posso partir o vidro do carro precisamente, porque a única
forma que eu tenho para que o meu relógio seja levado ou que eu de facto para me
proteger da tentativa de violação, tenho de praticar um facto que pode inclusivamente
levar à morte do agressor, porque não vejo ninguém que me possa socorrer naquela
altura.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Mas vamos supor que havia ali um polícia ou seja havia maneira de ter
recorrido a autoridade pública, ora nesse caso não está preenchido um pressuposto de
base que é a impossibilidade de recorrer a meios coercivos normais, mas se estava ali
a polícia será que era legítimo ter partido o vidro ou será legítimo ter tirado a vida ao
agressor?

- No fundo a lei procurou esclarecer dizendo que à partida não é justificada,


portanto é verdade que o comportamento não é justificado, porque não está
preenchido este pressuposto de base de qualquer meio de autotutela que é a
impossibilidade de recorrer aos meios coercivos normais, mas considera-se que a
pessoa não deve indemnizar  diz o artigo 338º, se o erro for desculpável.

 Consequência de o erro ser desculpável é que a responsabilidade


excluída.

 Alguma doutrina considera que (e o Prof. HSA CONCORDA)


responsabilidade não se dá, porque tenha excluído a ilicitude (como
sabemos para haver responsabilidade tem de haver os várias
pressupostos), mas como a lei fala em erro desculpável, na verdade o
que se está a excluir é a responsabilidade por exclusão da culpa.

 Não estamos perante uma causa de justificação desse caso ou de


exclusão da ilicitude, mas estamos perante uma causa de exclusão da
culpa ou exculpação, portanto no fundo continuamos a excluir a
responsabilidade, mas não com a exclusão da ilicitude.

O mesmo acontece na norma do artigo 337 nº2. Imaginemos que tínhamos


alguém que vem para me agredir, não para me matar e eu com medo reajo e causo a
morte da pessoa. Ora, não está verificado o pressuposto do artigo 337 nº1 que refere
que o bem sacrificado não pode ser superior ao bem protegido. Neste caso a lei diz
que o ato se considera igualmente justificado, na verdade fala-se em excesso da
legítima defesa por perturbação ou medo não culposa da vítima.

Será verdadeiramente justificação?


Será também uma causa de exclusão de ilicitude? O professor Menezes Leitão
diz que não (e o Prof. HSA concorda), que é uma causa de exclusão da culpa, já não é o
erro desculpável, mas é o medo invencível (fiquei de tal modo perturbada pelo medo
de que agi contra este agressor desta forma causando a morte e, por isso, aqui há
exclusão da responsabilidade por exclusão da culpa, porque não tive culpa).

19/04/2023 – 17º Aula

Pressuposto da RC por ato ilícito:

O artigo 483º, nº1 estabelece o princípio Geral da responsabilidade civil por factos
ilícitos.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

3. CULPA:
É pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos, mas não por factos lícitos

Regra 483º, nº2: diz que só existe obrigação de indemnizar independentemente de


culpa dos casos especificados na lei - o que significa que aquilo que nós costumamos
designar como responsabilidade objetiva (responsabilidade sem culpa) é um dos casos
previstos na lei em que não é preciso verificar a culpa. Culpa não é pressuposto,
portanto, mesmo que não exista culpa há lugar à responsabilidade. Nos termos deste
artigo a RC é com culpa, só é sem culpa quando a lei preveja especificamente

 Norma extremadamente importante para que se perceba que no nosso


ordenamento jurídico a culpa é uma condição da responsabilidade a não ser
que a lei diga ao contrário.

Quando falamos em culpa temos de fazer uma análise segmentada.

O que que é a culpa?


 Nós vimos que a ilicitude se traduzia num juízo de censura sobre o próprio
facto, mas quando falamos em culpa podemos na mesma utilizar a expressão
“juízo de censura”, mas neste caso é sobre o agente e não sobre o facto.

Juízo de censura sobre o agente: para haver este juízo é preciso que em 1º
lugar estejamos perante um agente que seja IMPUTÁVEL (tenha capacidade de
entender e de querer).

A imputabilidade é um pressuposto da culpa: quando falamos da culpa como


pressuposto da responsabilidade por factos ilícitos, a primeira coisa que temos de
apreciar é o regime da imputabilidade - a esse respeito temos duas normas que
importa conhecer 488º e 489º.

Artigo 488º, nº1:


 enuncia este principio geral, o de que só há culpa se o agente tiver a
capacidade de entender e de querer , ou seja, só posso fazer um juízo de
censura a um determinado agente se se conseguir perceber que o indivíduo
tem a capacidade de prever os efeitos do seu comportamento (capacidade de
entender) e ao mesmo tempo tem também a faculdade de determinação, isto
é, de adequar o seu comportamento à previsão dos efeitos que consegue
discernir (capacidade de entender e de querer). Só assim podemos fazer um
juízo de censura.

Artigo 488º:
 a lei esclarece que ainda será tratado como uma pessoa imputável aquele que
se colocou culposamente nesse estado.

Ex: sujeito que tenha tomado substâncias psicotrópicas ou que tenha bebido de mais e
que tenha ido conduzir - embora não tenha capacidade de entender ou não tenha

169
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

capacidade de querer o que é certo é que esse estado foi atingido por uma decisão
culposa da sua parte.
A pessoa que culposamente se colocou nesse estado (decisão culposa da sua parte
- deveria ter antecipado as consequências da conduta que estava a ter).

Ex: alguém está a conduzir e sente que está a adormecer, deve parar o carro - se não o
fizer a sua escolha é culposa.

“Sendo este estado transitório” (488º/1):


Ex: se estivermos a falar de uma pessoa que tomou durante anos substâncias
psicotrópicas e ficou afetado na sua capacidade de entendimento - a lei esclarece que
sendo este estado transitório quando estamos a falar de uma conduta deste género,
não deixa de ser considerado imputável apesar de se ter colocado culposamente nesse
estado por uma opção que fez ao longo de vários anos da sua vida.
 A lei diz que só devemos dar relevância à opção culposa quando ela
corresponde a uma situação transitória - nestes casos não vai corresponder
como inimputável, mas sim como imputável.

Artigo 488º, nº2: estabelece ainda uma presunção de inimputabilidade -


criança menor de 7 anos.
 A lei vem estabelecer que a regra é a de que só se deve estabelecer esta sanção
do dever de indemnizar a quem consegue controlar o seu comportamento, e
portanto se uma pessoa é inimputável não deve responder (mesmo que tenha
património).

 Uma criança de 6 anos é presumida inimputável - nestes casos estamos perante


uma presunção ilidível (artigo 350º, nº2), e fora deste contexto que a lei
estabelece, todos aqueles que não estão nesta presunção de inimputabilidade
estão na presunção de imputabilidade.

 Os menores podem ter um património significativo (eles têm capacidade de


gozo, apesar de não terem capacidade de exercício).

 Ex: imaginemos uma criança com 6 anos que causa de facto danos - se a criança
é presumida inimputável, e essa presunção não é afastada, quem é que
responderá pelos danos causados? Os pais apenas respondem na medida em
que a criança seja responsável, mas eles próprios também são agentes de
responsabilidade, ou seja, há uma norma que está claramente relacionada com
os artigos 488º e 489º, que é? Artigo 491º (RC obrigadas à vigilância de outrem
- pessoas que por lei tem o dever de vigiar outrem - quem é “outrem”?)

Artigo 491º: este artigo está a dizer que se alguém estiver obrigado a vigiar
outrem em virtude da incapacidade de outrem, então vai responder pelos danos
causados por essa pessoa. Este artigo permite-nos desde logo saber o seguinte: se a
criança de 6 anos causou um dano, quem vai responder em princípio por esses danos é
a pessoa que estava responsável por vigiar a criança.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Quando temos um inimputável a causar um dano, o dano não vai ficar por
indemnizar, ou seja, podemos desde logo responsabilizar quem está obrigado a vigiar o
inimputável.

Portanto, apesar de identificarmos a inimputabilidade, não significa que o


dano fique por reparar, porque esse inimputável seria porventura vigiado por
alguém, portanto, o artigo 491º tem de estar presente (a criança não responde, mas
os obrigados ao dever podem responder pelos danos).

Ex: E se for um menor de 10 anos? Já não é presumido inimputável, é


considerado imputável (tem capacidade de entender e querer), o menor responde
com o seu património. E os pais? O artigo 491º fala em incapacidade natural, não fala
em inimputabilidade (incapacidade natural - é aquilo que está na base da incapacidade
de exercício, um menor de 17 anos continuará a ser em regra naturalmente incapaz
uma vez que ainda não tem a maturidade suficiente para gerir por si só os seus bens) -
ele é imputável mas não deixa de ser incapaz, e por isso os pais também podem
responder com o seu património por esse dano causado pelo jovem, nos termos do
artigo 491º, pois este artigo não se aplica apenas à vigilância de inimputáveis, aplica-se
à vigilância de pessoas naturalmente incapazes.

Em que medida é que o inimputável pode responder pelos danos que causou?

Artigo 489º - Responsabilidade por equidade - inimputável - regime especial para


obrigação de indemnização do imputável.

É costume identificar nesta responsabilidade da pessoa não imputável, dois traços


fundamentais, dois traços que a diferencia da responsabilidade do imputável. E quais
são esses dois traços fundamentais?

1. É uma responsabilidade subsidiária: não é uma responsabilidade solidária, só


vamos buscar dinheiro à esfera se de facto não conseguir obter o
ressarcimento da pessoa a quem incube a sua vigilância.
2. É uma responsabilidade por equidade: esta pessoa inimputável só responderá
se a justiça do caso concreto determinar que ela deva responder.

Isto é o que resulta claramente do artigo 489º.

Quando é que não é possível obter a declaração das pessoas a quem incumbe a sua
vigilância?

1ª condição: Quando é que o vigilante não é responsável? Quando cumpriu o


dever o artigo 491º, quando cumpriu o seu dever de vigilância.

2ª condição: se essas pessoas não tiverem património suficiente para


responder pelos danos causados. E se não tiver património e forem
responsáveis? Se os pais são os responsáveis e não tiverem um património
próprio para responder pelos danos, mas o filho de 6 anos tem um património
próprio, nesse caso tem-se verificada a questão da subsidiariedade, porque

171
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

não conseguia obter a reparação dos danos da pessoa a quem incube a sua
vigilância.

3ª condição: quando a pessoa em causa não tenha ninguém obrigado à sua


vigilância. Ex: pessoas que andam por aí com anomalias graves. Apesar de a
pessoa ser inimputável pode responder mesmo que não haja ninguém a vigiá-
la.

O que nós temos aqui? Temos um princípio geral, a culpa é necessária para
responsabilidade, a imputabilidade é necessária para a culpa, e portanto, a
imputabilidade é necessária para a responsabilidade, mas que responsabilidade é
esta? É a responsabilidade corrente, regular. Mas não significa que o inimputável não
possa ser responsável nos termos do artigo 489º.

O regime do artigo 491º não se esgota na imputabilidade - aplica-se a qualquer


pessoa que seja naturalmente incapaz, o que significa que abrange jovens que não
sendo imputáveis ainda não têm capacidade genérica de exercício.

E se os danos forem sofridos pelo próprio vigiado?

Ex: uma escola não exerceu devidamente a vigilância da criança, e a criança caiu e foi
parar ao hospital - é responsável nos termos do artigo 491º? Não, é responsável nos
termos do artigo 486º - regime geral por omissão.

Porque que não é pelo artigo 491º? Porque o artigo 491º estabelece a
responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem pelos danos causados
pelo incapaz a um terceiro. Ex: se fosse uma criança que arranhou outra criança, a
criança arranhada beneficiaria da responsabilidade de um professor ou da auxiliar nos
termos do artigo 491º.

Mas se forem casos em que quem sofreu os danos foi o próprio vigiado então
recorremos ao regime do 486º (aplica-se aos danos sofridos pelo próprio incapaz).

 Isto tem uma consequência prática muito importante: o artigo 491º


estabelece uma presunção de culpa, ou seja, verificado o dano presume-se que
o dano foi causado por falta de vigilância dos obrigados à vigilância. Isto é o
exemplo da escola, se a criança apareceu arranhada os pais dessa criança
arranhada podem pedir uma indemnização sem terem de demonstrar que
houve uma falha da vigilância da escola. Mas se se tratar dos pais da criança
que caiu e ficou lesada, nesse caso eles têm de demonstrar porque o regime
das omissões não permite uma presunção de culpa pela falha de vigilância que
causou aqueles danos.

 Portanto, aplicar o artigo 491º ou o artigo 486º tem importâncias


práticas.
 Artigo 491º - danos causados pelo incapaz a um terceiro
 Artigo 486º - danos sofridos pelo próprio incapaz.

172
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

PATAMARES DA CULPA:

1º patamar: imputabilidade - só chegamos à culpa se houver imputabilidade sem


prejuízo de haver uma responsabilidade dos inimputáveis nos termos do artigo 489º.

2º patamar: preenchida a imputabilidade ainda não temos todas as questões


resolvidas, porque mesmo que cheguemos à conclusão que um determinado agente
é capaz de entender e de querer, como é que podemos fazer um juízo de censura a
esse agente?
 Como é que podemos fazer um juízo de censura ao agente? Os critérios que
nos permitem averiguar isto, que nos permitem dizer que aquele individuo
naquela situação concreta não agiu corretamente, são os seguintes:

1. critério do homem em concreto: só podemos dizer que aquele individuo


merece censura porque ele não se comportou como igualmente se costuma
comportar, em circunstâncias idênticas. Este critério é defendido por
alguma doutrina, não para a responsabilidade extracontratual mas para a
responsabilidade contratual.
o Ou seja, na prática a ideia é esta: se escolho alguém para se tornar
meu devedor, eu escolho alguém com as características que essa
pessoa tem, não posso esperar mais do que a pessoa habitualmente
dá.

2. critério do homem em abstrato, do bom pai de família (homem médio): na


nossa lei aplica-se este critério - artigo 487º, nº1 - o que tornará mais
alargada a esfera de responsabilidade, do que se utilizássemos o critério do
homem em concreto. No plano da R. Contratual este critério também é
aplicado.

Questão: Poderíamos aplicar o critério da culpa em abstrato para a


responsabilidade extracontratual e poderíamos aplicar o critério da culpa em
concreto para a responsabilidade contratual? Não foi essa a opção da lei, e na
verdade na responsabilidade contratual também o critério do bom pai de família é
aplicável (o artigo 799º, nº2 diz-nos que a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à
responsabilidade civil - o que significa que no plano da responsabilidade contratual
também o critério do bom pai de família é aplicado).

3º patamar:
MODALIDADES DE CULPA - que modalidades de culpa existem? Essa distinção é
relevante?

 Dentro da culpa podemos ter uma atuação dolosa ou negligente.

Dolo Vs. Negligência:

DOLO:

173
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

3 modalidades de dolo: dolo direito ou intencional; indireto ou necessário; ou


eventual:
 Dolo direto ou intencional: o agente representa um resultado ilícito e pretende
praticá-lo.
 Dolo indireto ou necessário: ele representa o resultado ilícito e sabe que esse
resultado é uma consequência necessária da sua conduta embora não uma
consequência modelo procurada.
 Dolo eventual: representação do resultado ilícito, e o agente não confia que o
resultado se venha a produzir, isto é, o resultado não é uma consequência
necessária da sua conduta, mas é uma possibilidade e ele atua conformando-se
com essa possibilidade (sabendo que é uma possibilidade ele não escolhe o
caminho alternativo e prossegue a sua conduta - conforma-se com o resultado
possível)

NEGLIGÊNCIA:

 Negligência Consciente: consciência significa que também representa um


resultado ilícito, mas ele confia que o resultado não venha a surgir.
 Negligência Inconsciente: significa que a pessoa, contrariamente ao critério do
bom pai de família, nem sequer representou como possível o resultado ilícito
(se tivesse sido diligente e cuidadoso teria representado como possível aquele
resultado ilícito - mas nem sequer representou).

No plano da responsabilidade civil, a distinção entre dolo e negligencia não tem, em


princípio, relevância e sobretudo não tem a relevância que tem na responsabilidade
penal (os ilícitos só serão punidos se forem praticados com dolo, a não ser quando a lei
diga que também será ilícito se praticado com negligencia).

Na responsabilidade civil não, resulta do artigo 483º, nº1:

 Artigo 483, nº1: “dolo ou mera culpa (negligencia)” - mas ainda assim a
distinção entre eles não deixa de ser relevante:

Artigo 494º: vem permitir reduzir a indemnização no caso de mera culpa, ou seja, se
houver mera negligência o juiz pode fixar a indemnização num valor inferior áquele
que resultaria do conto dos anos causados. Este artigo é uma demonstração clara da
importância da distinção entre negligencia e dolo na nossa lei.

Mas atenção: não é assim sem mais. É óbvio que o juiz utiliza um juízo de
equidade, o que acontece é que a negligência é um pressuposto deste juízo de
equidade, isto é, se o agente tiver agido dolosamente, mesmo até que ele seja um
agente pobre e o lesado seja rico, o agente pobre vai responder pela integralidade dos
danos, porquê? Porque para se aplicar o juízo de redução equitativa de indemnização
é necessário que haja negligência, se se chegou à conclusão que aquele agente agiu
dolosamente, mesmo que seja pela forma mais baixa de dolo (dolo eventual) ele vai
responder por todos os danos causados.

174
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Mas também não posso dizer que o mero facto de haver negligencia leva a que seja
possível haver redução equitativa da indemnização. O que o artigo 494º diz é que
poderá a indemnização ser fixada equitativamente em montante inferior ao que
corresponderia aos danos causados desde que o grau de culpabilidade do agente
(negligência consciente Vs, negligencia inconsciente).
 Ou seja, o que que o juiz vai avaliar? O juiz vai avaliar se dentro desta
negligencia é particularmente grave ou não? E para alem disso olha ainda
à situação económica do lesante - vai ter de fundamentar de acordo com os
critérios do artigo 494º.
 Importância do artigo 494º: norma que diz que no dolo não há redução mas na
negligencia pode haver.

4º patamar:
PROVA DA CULPA - a quem é que cabe o ónus da prova?

Aqui de alguma forma já temos uma resposta. Responsabilidade contratual e


extracontratual - foi dito que na contratual existe uma presunção de culpa e na
extracontratual (em regra) não existe uma presunção de culpa.

Se tivermos de responder a esta pergunta em termos gerais: quem está


onerado com a prova da culpa é o lesado, ele tem de provar a culpa do autor da lesão -
é isto que diz exatamente o artigo 487º, nº1, “Salvo havendo presunção legal de
culpa”.

Quais os casos de presunção legal de culpa na responsabilidade extra


contratual? 491º; 492º; 493º; e 503º, nº3. Estas são as normas no Código Civil que
estabelecem as presunções de culpa.

 Artigo 491º: pessoas obrigadas à vigilância de outrem;


 Artigo 492º: danos causados por edifícios ou outras obras por defeito de
construção ou de conservação.
 Artigo 493º: tem que se distinguir entre dois números - 1) danos causados por
coisas ou animais; OU 2) danos causados por atividades perigosas.
o Nº1 do artigo 493º - danos causados por coisas ou animais - exemplos:

Ex de coisas: depósito de combustível; balizas de futebol; auto-estradas


(quando aparece um animal na auto-estrada e a pessoa tem uma acidente).

Se o dano aconteceu em resultado de uma deficiente vigilância da coisa imóvel,


então ela deve ser presumida culpada pelo dano que ocorreu.

Quando há animais, animais enquanto agentes da lesão, há aqui que ponderar


dois regimes importantes:
1. regime do artigo 493º, nº1 (responsabilidade subjetiva com presunção de
culpa);
2. regime do artigo 502º da responsabilidade por danos causados por animais.

175
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Ex 1: imaginemos que temos um são bernardo (cão grande) que gosta de se


deitar no passeio em frente a uma vivenda a apanhar sol. Num belo dia, uma pessoa ia
a passar e ia distraída porque ia ao telemóvel (o que pode convocar outro instituto que
iremos falar - culpa do lesado), tropeçou no cão e partiu uma perna. Neste caso estar
um cão ou estar um banco de jardim é indiferente, a pessoa tropeça e com isto partiu
a perna, mas não há nenhuma especificidade ligada ao animal.

Ex 2: imaginemos que uma pessoa tem um rottweiler, e o rottweiler atacou


outra pessoa. Neste caso há uma especificidade ligada ao animal, no sentido em que
um rottweiler é um cão tendencialmente perigoso, e essa perigosidade traduz-se em
poder morder.

 Em qualquer dos casos, se o cão estiver com o proprietário, os danos


causados nestas circunstâncias geram responsabilidade do proprietário do
animal.
 O artigo 493º é o artigo que se refere ao vigilante do animal. Este artigo
seria convocável quer para o exemplo 1 quer para o exemplo 2.

O artigo 502º refere-se aquele que utiliza o animal no seu próprio interesse. Já
o artigo 502º só seria convocável para o exemplo 2.

Qual é a importância disto? Se o cão estiver com o proprietário, se calhar não é


relevante, mas imaginemos que o proprietário do cão entregou a vigilância do animal a
um pet sitter.

 No exemplo 1, na verdade há uma falha de vigilância e, portanto, o artigo 493º,


nº1 aplica-se - mas o que que vai acontecer? É uma responsabilidade subjetiva
fundada na culpa, e o que o proprietário vai dizer? Que não tem nada a ver
com isto uma vez que entregou o cão ao pet sitter, e, portanto, de facto a
responsabilidade será do pet sitter.

 Mas se os danos fossem os do exemplo 2, então aqui, mesmo que o rottweiler


estivesse com o vigilante, o proprietário não se podia exonerar da
responsabilidade, porque já estamos a falar de uma responsabilidade objetiva -
o artigo 502º, diz que quem utilizou o animal no seu próprio interesse (o
proprietário) responde pelo perigo especial (período da espécie), o rottweiler
mordeu, e portanto aplica-se o artigo 502º - responsabilidade objetiva que está
dependente apenas de se conseguir verificar que o dano deriva da espécie do
perigo associado à espécie em causa.

 Em relação ao São Bernardo só podemos aplicar o artigo 493º, porque ele não
está ali como um perigo da espécie, e portanto, o proprietário não vai ser
responsabilizado.

Já no caso do artigo 502º, como é um artigo com responsabilidade objetiva sem


culpa e é ferido pela espécie, então nesse caso aplica-se o artigo 502º.

176
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Sobre estes dois exemplos: se o cão tivesse com o proprietário não seria
relevante porque o proprietário seria sempre responsável, mas se o cão tiver
com outra pessoa que seja um vigilante, aí o proprietário exonerar-se-ia da
responsabilidade relativamente ao são Bernardo, mas responderia nos termos
do artigo 502º (rottweiler).

Nº2 ARTIGO 493º

 Regime das atividades perigosas - onde também se estabelece uma presunção


de culpa.
 Ex: caça.

4. DANO

Dano é visto como a frustração de uma utilidade que é protegida pela ordem jurídica.

Ex: imaginemos que há uma pessoa que transitava de pé num veículo que fazia
a recolha do lixo e esse funcionário vem a ser atropelado por um outro veículo que
colidiu com o veículo que fazia a recolha do lixo. O que foi dado como provado foi
grave, nomeadamente que, o autor ficou a carecer de incapacidade total para a sua
profissão, e muito mais (instabilidade emocional, transtornos). A mulher deste senhor
pode ou não pedir uma indemnização, pois também foi dado como provado que a
autora passou a viver para o marido, e por isso sente-se triste e desanimada sem
qualquer esperança de que esta situação possa melhorar, uma vez que o marido
precisa de ajuda permanente.

 Estes danos são danos não patrimoniais. Indemnizariam esta senhora? Os


danos não patrimoniais são indemnizáveis.

Questão: será que um terceiro, que não é lesado, pode pedir uma indemnização? Um
terceiro que sofra danos pode pedir uma indemnização por esses danos que sofreu?

 Resposta: na responsabilidade quem tem direito a uma indemnização é o


lesado. Só quando a lei expressamente determine que terceiras pessoas
possam receber uma indemnização é que a essas pessoas pode-se aplicar esse
regime. Nos casos dos danos não patrimoniais nós temos um problema, pois a
lei nos danos não patrimoniais só vem permitir a indemnização a terceiros
quando tenha havido morte da vítima (artigo 496º do CC).

 Mas não é de admitir o ressarcimento de danos não patrimoniais mesmo que


não haja a morte da vítima? A lei não o prevê, e temos argumentos contra. O
professor Vaz Serra propôs uma norma que admitisse a indemnização a danos
sofridos por terceiros mesmo que não houvesse morte da vítima, mas quando
houvesse uma lesão grave. O que é certo é que o CC na versão final não veio
admitir, só veio admitir relativamente á morte da vítima.

177
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Há um acórdão de uniformização de jurisprudência que veio considerar que


em circunstâncias de uma lesão particularmente grave da vítima que tenha tido
efeitos particularmente graves no terceiro, que essa indemnização seja
possível. Nota: o que o acórdão está a procurar fazer é uma interpretação
atualista da lei.

Aula de 24/04/2023 – 18º aula

Dano:
Artigo 493º A – indemnização em caso de lesão ou morte de animal
 Nº1 – está a falar do lesado e de terceiros que sofreram danos patrimoniais. Diz
que se houve a lesão de um animal, a pessoa que causou a lesão do animal vai
estar obrigado a indemnizar o seu proprietário (como o animal não tem
personalidade jurídica naturalmente o proprietário é o lesado) e os indivíduos,
como as entidades que tenham procedido ao socorro do animal pelas despesas
em que tenham incorrido para o seu tratamento, sem prejuízo de
indemnização devida nos termos gerais

 Assim, nos casos em que há uma lesão causada ao animal, o proprietário vai ter
direito a uma indemnização correspondente às despesas em que incorreu para
o tratamento do animal. A lei diz ainda: “sem prejuízo de indemnização devida
nos termos gerais”, sendo que esta indemnização é uma indemnização que
relativamente ao proprietário poderá existir por exemplo nos termos dos lucros
cessantes. Imaginemos que o proprietário para acompanhar o seu animal teve
de faltar durante 15 dias ao trabalho, isto cabe nos termos gerais, apesar de
não caber no nº1 do artigo 493ºA. Mas este artigo não fala apenas em
proprietário, fala também em terceiros (os indivíduos ou entidades que tenham
procedido ao socorro do animal pelas despesas em que tenham incorrido para
o tratamento do animal – estas despesas correspondem a danos emergentes).
São terceiros relativamente a um lesado, sendo este último o proprietário do
animal, que podem ser indemnizados nos termos restritos que o art. 493ºA
admite.

 Nº2 – “A indemnização prevista no número anterior é devida mesmo que as


despesas se computem numa quantia superior ao valor monetário que possa
ser atribuído ao animal.” – imaginando que é um cão que não tem valor
patrimonial ou um cão que no mercado pode ser comprado por 200 ou 300
euros, se as despesas forem superiores ainda assim a indemnização é devida.

 Nº3 – “No caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a


morte, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e
permanente da sua capacidade de locomoção, o seu proprietário tem direito,
nos termos do n.º 1 do artigo 496.º, a indemnização adequada pelo desgosto
ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante a ser fixado
equitativamente pelo tribunal.” – é uma norma que diz respeito a danos não
patrimoniais, que define quem é que tem direito a receber essa indemnização

178
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

(o proprietário) e limita as situações em que o desgosto ou sofrimento moral


que sofreu ocorrem. Que situações são essas: morte do animal, privação de
importante órgão ou membro, ou a afetação grave e permanente da sua
capacidade de locomoção. Em qualquer uma destas circunstâncias é possível o
proprietário pedir uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos.

Tendo em conta a discussão que fomos tendo sobre esta definição das
fronteiras entre lesado, terceiro, danos patrimoniais, danos não patrimoniais, esta
norma (493º A, nº3) faz-nos refletir sobre algo? Quando esta norma surgiu deu origem
a um debate relativamente aceso. Esta norma vem dizer que se acontecer a morte, a
privação de um importante órgão ou membro do animal ou a perda de locomoção, o
proprietário pode pedir uma indemnização por danos patrimoniais resultantes do
sofrimento que tal facto lhe causou. Isto faz-nos pensar em alguma coisa? A questão
neste artigo está clara, mas a jurisprudência e a doutrina entendem que de facto esta
solução não responde a todas as vicissitudes que a vida nos coloca, portanto
entendem que temos de ler a norma à luz de uma interpretação atualista e, nessa
medida, estender a norma, embora com cautelas, para permitir que mesmo não
havendo morte da vítima possa haver uma indemnização por danos não patrimoniais.
O artigo 493ºA nº3 no fundo está a permitir uma indemnização por danos não
patrimoniais. A vítima não é o proprietário, a vítima é o animal – estamos perante uma
personificação do animal. Quando se trata de uma pessoa humana só quando o lesado
morre é que o terceiro poderá receber a indemnização, quando se trata de um animal,
mesmo que o animal não morra o terceiro, que é um proprietário, poderá receber uma
indemnização.

Toda esta ideia teria alguma razão de ser se o animal fosse uma pessoa jurídica.
Em termos de técnica jurídica a norma está correta e não há propriamente uma
incongruência entre aquilo que foi a solução original do CC no art. 496º e aquilo que
foi a solução adotada no art. 493ºA nº3, porque em bom rigor o lesado é o
proprietário. Se fizéssemos uma transposição simplista entre o objeto da lesão, o
animal, e o objeto da lesão relativamente à pessoa que não morreu, diríamos que de
facto haveria um desequilíbrio, mas o art. 493º A nº3 pressupõe que quem é o lesado
não é o animal, mas sim o proprietário e nessa medida não podemos dizer que haja
um desequilíbrio.

Pergunta da margarida:
Ainda que as normas relativamente às coisas não sejam afastadas pelo próprio
estatuto jurídico, ou seja, continuam a aplicar-se e, portanto, continua a haver
propriedade sobre o animal, o que é certo é que o animal acaba por ser protegido pela
via dos deveres, que são definidos na lei. Pelo art. 1305º A percebesse a tutela que o
legislador procurou garantir ao animal sem, no entanto, o personificar. Nº2 deste
mesmo artigo estabelece uma lista de deveres em que se traduz a necessidade de se
assegurar o bem-estar do animal. O animal é destacado da coisa e precisamente por
isso adquire o regime diferente da coisa. A pessoa humana tem sempre a sua tutela
garantida pela dignidade que lhe é inerente e que tem tradução na própria
constituição.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Devemos refletir sobre o facto de a personalidade jurídica não ser mais do que um
instrumento jurídico. A pessoa coletiva é um instrumento jurídico. Não repugna ao
prof que os animais possam ter personalidade jurídica, ainda para mais pela razão de
ser cada vez mais alvo de discussão se os sistemas de software e de hardware (ex:
robôs) devem adquirir personalidade jurídica.

493ºA – norma que é introduzida no CC que veio especificamente regular a


questão dos danos sofridos por animais e lesão feita a animais. E portanto, aqui temos
a reflexão que mistura danos patrimoniais com danos não patrimoniais, lesado com
terceiro.

1. Danos patrimoniais vs. danos não patrimoniais


a. Danos patrimoniais – são aqueles que são suscetíveis de avaliação
pecuniária
b. Danos não patrimoniais – aqueles que não são suscetíveis de avaliação
pecuniária
a. Qual o objetivo de indemnizar um dano não patrimonial? Dar algum
conforto pela perda ou pelo sofrimento ou desgosto que alguém
sofreu/teve e nessa medida devemos pensar também nas circunstâncias
sociais em que a pessoa está, o que é que lhe poderia proporcionar um
certo gozo
b. Ex: um indivíduo intencionalmente destruiu o relógio do outro. Nos
termos do art. 494º deve-se ter em conta o grau de culpabilidade do
agente, a situação económica do agente e do lesado e as demais
circunstâncias do caso – é uma cláusula em aberto. Ainda quanto ao
exemplo, o relógio tem um valor, supondo que vale materialmente
1000 euros, mas de facto tem um peso de tal ordem na vida daquela
pessoa que se calhar será preciso uma indemnização superior ao valor
patrimonial que o relógio tem.

2. Danos diretos vs. danos indiretos


a. Danos indiretos – não há necessidade de os danos virem de uma
repercussão direta do facto. Danos podem vir de outros danos, e não é
por isso que deixam de ser indemnizáveis
b. Danos direto – é uma repercussão direta do facto
c. Podemos ter um dano patrimonial direto e um dano não patrimonial
indireto; ou um dano patrimonial indireto e um dano não patrimonial
direto

4. Danos pessoais vs. danos não pessoais


a. É comum os alunos fazerem confusão entre esta classificação e a
classificação de danos patrimoniais e não patrimoniais
b. Danos pessoais – danos produzidos em pessoas
c. Danos não pessoais (ou materiais) – danos produzidos em coisas

180
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

d. Porquê que não podemos confundi-los com danos patrimoniais e não


patrimoniais? Porque se alguém de forma culposa destruir um relógio
que tinha particular significado porque pertencia à minha avô, eu estou
a falar de um dano em coisa, de um dano não pessoal (ou material) que
no entanto gerará danos não patrimoniais; ou se eu estiver a falar por
exemplo de alguém que sofreu um acidente de viação e em resultado
disso não pôde trabalhar durante 6 meses, eu estou perante um dano
pessoa e no entanto tem uma tradução patrimonial (é simultaneamente
um dano pessoal e um dano patrimonial). É tendência os alunos
confundirem danos pessoais com danos não patrimoniais e danos não
pessoais com danos patrimoniais, e isto é errado.
e. Há uma norma em que esta confusão é muito frequente. Em matéria de
acidentes de viação há o art. 504º que vem estabelecer quem são os
beneficiários da responsabilidade e o âmbito desse benefício. O art.
504º nº3 é um exemplo de uma norma que expressamente se refere
esta classificação que distingue danos pessoais e danos materiais.
f. Já sabemos que danos pessoas são danos produzidos em pessoas e que
podem ser tanto danos patrimoniais como danos não patrimoniais.
Quando o art. 504º/3 diz: “abrange apenas danos pessoais da pessoa
transportada” a lei está a excluir os danos materiais (danos em coisas).
Ex: dei boleia a um amigo e o acidente resultou na destruição do
computador que ele transportava - nesse caso a responsabilidade se for
pelo risco, ou seja, por exemplo se o acidente ocorreu porque rebentou
um pneu, e, portanto, não houve culpa da minha parte, então podemos
atender ao art. 504º/3 e neste caso, supondo que o meu amigo vinha
pedir uma indemnização pela destruição do seu computador, seria
possível invocar este artigo e retirar do mesmo que no caso de
transporte gratuito (=boleia) excluem-se os danos materiais, logo o
computador não está coberto por este regime.
g. Quer os danos pessoas quer os danos não pessoas podem ser danos
patrimoniais quer danos não patrimoniais.

5. Dano real vs. dano de cálculo


a. Em bom rigor esta classificação está presente na determinação da
obrigação de indemnização
b. Dano real – estamos a pensar no prejuízo que o lesado sofreu em
termos naturalísticos. Ex: carro do A embate no carro do B e destrói o
carro do B. neste caso o dano real é a destruição do carro; ou alguém
parte o meu relógio, o dano real é o meu relógio partir
Qual a importância do dano real? É que quando vamos ao regime da obrigação de
indemnização (art. 562º e ss.) o legislador estabeleceu como regra prioritária da
indemnização a chamada “reconstituição natural”, ou seja, em primeiro lugar, antes de

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

se dar uma indemnização em dinheiro deve-se reconstituir a situação que existiria se o


dano não tivesse ocorrido (566º/1).
Regra é a reconstituição natural e, portanto, no caso do relógio, o relógio deve ser
reparado mesmo até que a mesma seja superior ao próprio valor da indemnização em
dinheiro. A lei só manda intervir a indemnização em dinheiro quando:

 a reparação /reconstituição natural não seja possível


 ou quando não repare integralmente os danos
 ou quando seja excessivamente onerosa para o devedor.
o Mais uma vez estamos perante um conceito indeterminado. O
que é que se entende que é excessivamente oneroso para o
devedor? Será o dobro excessivamente oneroso?
Há uma norma importante no nosso ordenamento importante para a
interpretação deste artigo 566º. Essa norma é o nº2 do art. 493º A: “A indemnização
prevista no número anterior (ou seja, a indemnização do proprietário ou dos indivíduos
ou entidades que tenham procedido ao socorro de animais pelas despesas em que
tenham incorrido para o tratamento do animal) é devida mesmo que as despesas se
computem numa quantia superior ao valor monetário que possa ser atribuído ao
animal.”. Esta norma permite-me dizer que mesmo que seja excessivamente oneroso
para o devedor o valor que está subjacente a esta reconstituição natural leva a que ele
não possa defender-se dizendo que o animal vale 5x menos e, portanto, não pago uma
vez que isto é excessivamente oneroso nos termos do 566º.
Neste sentido o art. 493º A nº2 em certa medida vem excecionar o art. 566º/1
noa termos da prevalência da reconstituição natural.
Mas admitindo que ocorre uma das três situações previstas no art. 566º, ou
seja, admitindo que a reconstituição natural não é possível, ou não repare
integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, o que é que
intervém? Intervém a indemnização em dinheiro como o próprio artigo 566º/1 diz.
Então vai entrar a segunda categoria de danos que há pouco nos referimos, os danos
de cálculo (expressão pecuniária do prejuízo em sentido naturalístico, isto é, aquele
prejuízo repercutiu no património do lesado em quanto? Em que é que isso se
traduziu?)
c. Dano de cálculo - expressão pecuniária/económica do prejuízo em
sentido naturalístico. Quando falo em dano de cálculo podia ainda ter
duas perspetivas diferentes:
i. Uma avaliação abstrata do prejuízo – estaria a fazer uma
ponderação objetiva do prejuízo sofrido em termos concretos.
Ex: se eu destruir o livro do lesado, se o livro no mercado tem o
preço de 30 euros ou 100 ou 150 euros, essa será a avaliação
abstrata do dano de cálculo, ou seja, basicamente será o
prejuízo objetivo sofrido. No fundo quando pensamos em
avaliação abstrata estamos a pensar no conceito de

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

enriquecimento real (mas em vez de vantagem estamos a olhar


para o outro lado, ou seja, para a desvantagem), ou seja, no
valor objetivo e autónomo da desvantagem adquirida

ii. Avaliação concreta do prejuízo (avaliação seguida pela nossa lei)


– ou seja, uma ponderação já não objetiva do prejuízo sofrido,
mas sim subjetiva. O que significa uma ponderação subjetiva do
prejuízo sofrido? Significa a diferença para menos no património
do lesado. Quando falamos em avaliação concreta estamos a
pensar no fundo no enriquecimento patrimonial também na
perspetiva da desvantagem, ou seja, estamos a pensar qual é o
reflexo que aquele prejuízo teve no património do lesado, a
avaliação em concreto traduz-se nessa ponderação subjetiva do
prejuízo, ou seja, a diferença para menos produzida no
património do lesado. Ex: o livro custa 30 euros, no entanto
aquele livro permitia ao lesado ter a coleção completa, e coleção
completa valia 5000 euros e sem aquele livro a coleção completa
desvalorizou para 4500 euros. Ou seja, o valor do livro em
termos concretos é de 30 euros, mas o reflexo daquela perda no
património do lesado, supondo que se trata de um livro
insubstituível (pois se fosse substituível haveria a reconstituição
natural), seria de 500 euros. A avaliação concreta do prejuízo é
muito maior do que a avaliação abstrata do prejuízo.

A metodologia seguida pelo nosso legislador foi a metodologia da avaliação


concreta, de acordo com a teoria da diferença:

 Quando eu transito da reconstituição natural para a indemnização em


dinheiro a indemnização em dinheiro é calculada por esta teoria da diferença.
 O que é que nos diz a teoria da diferença? Diz-nos que a indemnização em
dinheiro corresponde à diferença e entre a situação patrimonial real do lesado
e a situação patrimonial em que ele se encontraria se a lesão não tivesse
ocorrido.
 A lei diz que esta diferença deve ser avaliada na data mais recente que o
tribunal puder utilizar. Tudo isto esta dito por outras palavras no art. 566º/2 –
o que está aqui em causa é o conceito de dano de cálculo e em segundo lugar
o conceito de dano de cálculo entendido nos termos de uma avaliação
concreta, isto é, é o impacto que aquele prejuízo tem no património daquele
lesado. Não é o prejuízo em si em termos objetivos, mas é o reflexo desse
prejuízo no património do lesado.

6. Dano emergente vs. lucro cessante


a. Dano emergente – é a perda ou a diminuição de valores já existentes no
património do lesado. Ex: o meu carro foi destruído ou o meu relógio foi

183
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danificado, estes são exemplos de danos emergentes porque são bens


que já estão no meu património e que vêm a ter uma desvalorização em
resultado de um prejuízo ou facto danoso
b. Lucro cessante – corresponde a benefícios que o lesado deixou de obter
em consequência da lesão. Podemos dizer que é um acréscimo
patrimonial frustrado. Ex: eu comprei um quadro por 10.000 euros na
perspetiva de o conseguir vender por 25.000 euros (compete ao lesado
demonstrar a existência desse dano). É evidente que neste caso há um
acréscimo patrimonial que se frustrou se por exemplo o devedor não
conseguiu entregar o quadro uma vez que ocorreu um incendio na sua
loja (presunção de culpa do devedor, aplicar-se-á a impossibilidade da
prestação, logo ele responde perante o credor). Se o credor pedir uma
indemnização correspondente a estes 15.000 que seriam no fundo o
lucro que ele obteria com a venda do quadro; estamos a falar do lucro
cessante, ou seja, do acréscimo patrimonial que foi frustrado em
virtude do incumprimento contratual por parte do devedor
c. No nosso direito quer os danos emergentes quer os lucros cessantes são
indemnizáveis (564º/1) – evidentemente é preciso demonstrar a
existência desses danos.

7. Danos presentes vs. danos futuros


a. Danos presentes – danos que já se verificaram no momento da fixação
da indemnização. Quando se esta a fixar a indemnização esses danos já
se verificaram
b. Danos futuros (ex: danos ambientais – gerações futuras vão ser
confrontadas com danos que hoje ainda não se verificam). Danos que
ainda não ocorreram no momento em que se fixa a indemnização, mas
que são indemnizáveis desde que sejam previsíveis (564º/2)

8. Danos diretos vs. danos indiretos


a. Danos diretos – são aqueles que resultam imediatamente do facto ilícito
b. Danos indiretos – são aqueles que só resultam imediatamente
nomeadamente pela ocorrência de outros danos. Ex: sofri um dano que
me fez entrar em depressão (dano não patrimonial), mas essa
depressão, que é um dano imediatamente resultante de um facto ilícito,
tem depois uma repercussão também patrimonial, porque eu deixei de
trabalhar. O dano direito é a depressão. O dano indireto são os danos
patrimoniais, nomeadamente os lucros cessantes, o facto de eu ter
deixado de trabalhar.
c. Em regra, são indemnizáveis quer os danos diretos quer os danos
indiretos.

9. Dano positivo (ou de cumprimento) vs. dano negativo (ou de confiança)

184
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a. Dano positivo (ou de cumprimento) – estamos a falar de uma


indemnização que pretende colocar o lesado na situação em que ele
estaria se a obrigação fosse exatamente cumprida.
b. Dano negativo (ou de confiança) – indemnização que tende a pôr o
lesado na situação em que estaria se não tivesse celebrado o contrato
ou pelo menos iniciado negociações em vista n sua celebração

5. Nexo de causalidade
É um outro pressuposto da RC.
Eu sei que a responsabilidade requer um dano e sei que a responsabilidade
requer, se for por factos ilícitos, a reunião de outros pressupostos.
Tem de haver um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Isto é, eu tenho
de poder chegar à conclusão de que aquele dano é resultado daquele facto. A questão
está e saber como é que eu vou determinar quando é que um facto é causa de um
dano.
Como é que eu vou poder identificar as situações em que o facto é causa de um
dano? (há várias abordagens de natureza mais teórica – há várias teorias):
 Teoria mais clássica – teoria da equivalência das condições (ver nome em
latim):
o Esta teoria diz que é causa de um dano toda e qualquer condição que
tenha concorrido para a sua produção, em termos tais que a sua não
ocorrência implicaria que o resultado danoso deixasse de se verificar –
ou seja, toda e qualquer condição que contribuiu para a produção do
dano deve ser considerada causa do dano.
o Esta teoria é considerada demasiado ampla/abrangente
o Ex: alguém acabou por provocar um corte na mão de outrem. Vamos
supor que dois talhantes, estavam a trabalhar e há um talhante que
distraidamente usou mal a faca e a faca em vez de cortar apenas o bife
de vaca cortou também a mão do colega. Este talhante lesado foi parar
ao hospital e no hospital ocorreu um incêndio e este veio a morrer.
 O que é que diria a teoria da equivalência das condições?
 Diria que na verdade se não tivesse sido este corte da mão ele
não teria isto trabalhar ao hospital e não teria morrido por
causa do incêndio que lá ocorreu. E, portanto, em última
instância o talhante deve ser também responsável pela morte
do seu colega
 É evidente que isto não parece correto e daí esta teoria ter sido
corrigida por um grupo de teorias que são no fundo teorias
seletivas

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 Teorias seletivas - só algumas condições é que devem ser entendidas como


causa do dano (devemos ser seletivos) – dentro desta podemos destacar duas
abordagens/teorias diferentes:
o Teoria da última condição ou da causa próxima – não são todos os
factos/condições que devem ser considerados causa do dano, mas
apenas a última que se tiver verificado.
 Ex: um indivíduo amarra outro e põe-no numa jaula de leões e
este indivíduo vem a ser comido pelo leão, de acordo com esta
teoria a condição mais próxima da morte foi o leão e não o facto
de ele ter sido amarrado e colocado dentro da jaula. Desta
teoria retira-se que a pessoa que amarrou o lesado não viria a
ser responsável porque não é autor da causa próxima (da última
condição). Este não é obviamente um resultado satisfatório.
o Teoria da condição eficiente - deve-se escolher a condição eficiente,
isto é, aquela que tiver mais peso
 dentro das várias condições que concorreram para a ocorrência
do dano vamos ter de fazer uma avaliação e vamos ter de
perceber qual é que foi a condição mais relevante. E é essa
condição mais relevante que deve ser considerada como causa
do dano.
 Esta teoria também é normalmente criticada porque induz a um
certo subjetivismo, ou seja, basicamente será o juiz que terá de
olhar para as várias causas e de ser ele a decidir qual é que, em
bom rigor, terá sido a condição mais relevante para aquele
facto.
 Em vez de se atribuir uma relevância a todas as condições que
de forma adequada contribuíram para o dano estaríamos
apenas a selecionar uma ao critério do juiz e, portanto,
estaríamos de alguma forma a prejudicar o critério objetivo
trazendo alguma incerteza e insegurança jurídica em razão da
necessidade de escolher aquela que se pudesse considerar
como a mais relevante

 Teoria da causalidade adequada - teoria que está consagrada no nosso


ordenamento jurídico ainda que de forma imperfeita (563º); teoria seguida
pela generalidade da doutrina portuguesa
o Esta teoria procura de algum modo conjugar as críticas que são feitas à
teoria da equivalência das condições ou a vantagem que a teoria da
equivalência das condições também, de alguma forma, tem
o De acordo com a teoria da causalidade adequada para que exista um
nexo de causalidade entre o facto e o dano é preciso que o facto tenha
sido em concreta condição do dano – ou seja, para que um determinado
facto seja condição de um dano é preciso que tenha sido em concreto
condição do dano

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o O primeiro patamar da teoria da causalidade adequada parte


precisamente da teoria da equivalência das condições – para que um
facto seja a causa do dano é preciso que em primeiro lugar tenha sido
condição desse mesmo dano, ou seja, é preciso que sem esse facto o
resultado não tivesse surgido.
o Ex: se o senhor que foi parar ao hospital não tivesse sofrido aquele
corte então o talhante não poderia ser responsabilizado pela morte.
Como vimos há pouco a teoria da equivalência das condições é uma
teoria manifestamente injusta porque trata todas as condições de
forma igual. É verdade que o facto tem de ser condição do dano, mas
não quer dizer que todos os factos que foram condição do dano tenham
de ser causa desse mesmo dano.
 Neste sentido, a teoria da causalidade adequada diz que a partir
do momento em que determinei que aquele facto foi uma
condição do dano (ou seja, sem aquele facto aquele dano não
teria surgido) isso não é bastante para que eu efetivamente
possa dizer que já estou perante uma causa. Então quando é que
estou perante uma causa?
 Para lá do facto ter de ser condição do dano é necessário ainda
que, em abstrato (ou seja, de acordo com o curso normal das
coisas/acontecimentos) aquele facto seja adequado a produzir
aquele dano. Ou seja, para que o facto seja causa do dano é
preciso que seja em concreto condição do dano, mas é preciso
também que em abstrato, se acordo com o curso normal das
coisas ou dos acontecimentos, seja adequado a produzir aquele
dano
 Ex: no caso do talhante, quando provocou a ferida do colega
esta ferida não é adequada a causar a morte e, portanto, ele não
deve ser responsável pelos danos que derivam da morte. Ele
será responsável pelas despesas associadas ao tratamento da
vítima em razão do seu comportamento negligente, mas não em
relação à morte, porque não há causa. E porquê que não há
causa? Porque é certo que o facto foi condição do dano, mas em
abstrato o facto não é adequado à produção daquele dano.
 Para que estejamos perante uma causa é necessário que o facto
seja condição do dano e ainda é preciso que em abstrato esse
facto seja adequado à produção daquele dano

Aula de 26/04/2023 – 19º aula

NEXO DE CAUSALIDADE - continuação

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Imaginem que um pai está com o filho e distrai-se, e permite que o seu filho dê
um ponta pé na bola, vindo com esse ato a partir a montra de uma loja. No entanto, a
montra dessa loja ter-se-ia partido dado que aconteceu um sismo que destruiu as
monstras de todas as lojas dessa zona.

Questão: do ponto de vista indemnizatório será que este segundo ato que nós
qualificamos como uma causa virtual (o sismo) é relevante? Porque não foi este
fenómeno da natureza que ocasionou o dano,
- No entanto, se não tivesse ocorrido o facto anterior este fenómeno (sismo)
teria causado esse mesmo dano, ou seja, a causa virtual distingue-se da causa
operante.

 Causa operante: resulta de uma conjugação de fatores, resulta de um


comportamento do menor conjugado com a omissão de vigilância do
pai - esta é a causa operante, foi isso que partiu a montra. No entanto,
sabemos que esse mesmo dano teria ocorrido por um outro facto, um
facto agora natural - será que esse evento que teria causado o mesmo
dano deverá ter alguma repercussão na obrigação de indemnizar do
pai?

- Vamos imaginar que a criança é inimputável - esse fenómeno sísmico terá


algum impacto na obrigação de indemnizar do pai? Pois se não fosse a criança a ter
chutado a bola, ter-se-ia partido na mesma a montra em razão do sismo que ocorreu
uma hora depois.

 Resposta: se pensarmos no que diz a teoria da diferença, como é que


se calcula a indemnização em dinheiro, será que isto nos ajudaria?

 Quando utilizamos esta teoria vamos comparar a situação real do


património do lesado com a situação hipotética desse mesmo
património na data mais recente que for entendida pelo tribunal

 Vamos imaginar que o facto de a montra ter sido partida representa um


dano de 500 euros, qual é a situação patrimonial real atual? A perda dos
500 euros;

 Qual é a situação patrimonial hipotética? Seria também a perda dos 500


euros, precisamente porque não tendo sido a montra partida pelo chuto
da criança seria partida pelo sismo, o que levaria a que a indemnização
fosse igual a zero, ou seja, na prática, embora o pai seja o autor da
causa operante do dano, o pai não iria responder nos termos da
indemnização, a situação patrimonial hipotética acabaria por arredar a
diferença patrimonial em que se fundaria a indemnização.

188
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- Se nós seguíssemos este raciocínio de considerar que um outro facto, uma


outra causa, uma causa virtual não teria causado o mesmo dano e tirássemos
consequências disso mesmo na avaliação da situação patrimonial hipotética do lesado,
então estaríamos sempre a atribuir relevância negativa à causa virtual.

 Relevância negativa à causa virtual: relevância negativa significa que


com base na causa virtual excluímos o dever de indemnizar do autor da
causa operante - significa utilizar a causa virtual para excluir o dever de
indemnizar o autor da causa operante.

 Relevância positiva de uma causa virtual: significa se será possível


obrigar a indemnizar quem não tendo sido o autor da causa operante
poderia ter causado o mesmo dano?

 Imaginemos que alguém envenena um animal ou uma pessoa, mas essa


pessoa ou esse animal vêm a falecer em virtude de um tiro que foi
disparado por outra pessoa. Quem é que é o autor da causa operante?
Aquele que disparou o tiro; quem é que é o ator da causa virtual? O que
envenenou - porquê?

 Porque se não tivesse havido o tiro, o envenenamento iria casuar a


morte da pessoa ou do animal. A pergunta que coloca é, será que a
causa virtual tem relevância positiva? Será que um agente que poderá
ter causado o dano, mas não causou porque houve a intervenção de um
outro facto, que foi a causa operante, está obrigado indemnizar?

 A causa virtual não tem relevância positiva, ou seja, não é possível


obrigara a indemnizar quem não foi o autor da causa operante, da
causa que efetivamente fez surgir o dano.

- Onde o debate surge é na relevância negativa da causa virtual: saber se o


autor da causa operante se pode valer de um fenómeno que virtualmente causaria os
mesmos danos para com isso excluir o seu dever de indemnizar.

- De acordo com a teoria da diferença sim, pois esta determinaria sempre a


relevância negativa da causa virtual.

Qual é a finidade principal da responsabilidade civil?


- Compensar, indemnizar, é ressarcir os danos que existem. Ora, se admitirmos
que a teoria da diferença não pode ser interpretada assim, ou seja, que no caso da
situação hipotética eu não posso atribuir relevância negativa à causa virtual, isto é, se
houver uma causa virtual, ela em princípio não é um fator de exclusão da obrigação de
indemnizar do autor da causa operante.

189
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Doutrina maioritária: entende que em regra a causa virtual não pode ter
relevância negativa.

o Mas isto não contraria a teoria da diferença? Sim, mas também é


preciso ter em conta que a teoria da diferença é excecionada em muitas
hipóteses, estamos apenas a introduzir mais uma exceção à teoria da
diferença.

o Exemplo: artigo 489º - indemnização por pessoa não imputável, aplica-


se a teoria da diferença? Não, porque o que determina a indemnização
é a equidade.

o Exemplo: artigo 494º - no caso de haver mera culpa a possibilidade de


reduzir a indemnização, aplicamos a teoria da diferença? Não, é a
equidade a intervir.

o Quando se trata por exemplo da fixação de limites máximos de


indemnização - em matéria de acidentes de viação, como é uma
responsabilidade pelo risco, o legislador veio estabelecer um teto
máximo de indemnização - também aqui não estamos a seguir a teoria
da diferença.

o Ou seja, há vários casos em que de facto não seguimos a teoria da


diferença.

- A pergunta que se coloca é, mas porquê que, neste caso, eu não devo seguir
a teoria da diferença? Porquê que a doutrina em regra diz que não devemos seguir a
teoria da diferença, e, portanto, não devo em geral atribuir relevância negativa à causa
virtual?

 A razão dá-se pelo facto de a responsabilidade civil ter por fim principal,
a compensação, a indemnização, mas não deixa de ter fins acessórios,
nomeadamente a punição do agente.
 É preciso não esquecer que estamos aqui a falar de situações, em que
há culpa. Na responsabilidade civil por factos ilícitos, a culpa é um
pressuposto da responsabilidade, isto é, o dever de indemnizar surge,
porque há um comportamento censurável do agente:
 É por isso que a doutrina diz que, há um dano, mas não é só o dano que
existe, também existe o comportamento censurável, e, portanto, puder
uma pessoa valer-se de uma circunstância que não está na dependência
da sua decisão, tal não deve ser admitido.

190
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

CONCLUSÃO: a doutrina em geral, entende que a relevância negativa da causa


virtual não deve ser admitida precisamente, porque a responsabilidade não deixa de
desempenhar acessoriamente uma função punitiva.

Mas nunca existe relevância negativa da causa virtual? 3 normas em que


existe relevância negativa da causa virtual:

1. Artigo 491º: precisamente no caso em que o pai não cumpriu o seu dever de
vigilância e o filho partiu a montra da loja. A norma diz - “ou que os danos se teriam
produzido ainda que o tivessem cumprido” - ESTÁ A RELEVÂNCIA NEGATIVA DA CAUSA
VIRTUAL, está se a admitir que o autor possa demonstrar a existência de uma causa
virtual e com isso excluir o seu dever de indemnizar.

NOTA: ERRO DAS ORAIS GRAVE - quando se pede que identifiquemos onde
está a presunção de culpa e os alunos normalmente dizem que a presunção de culpa
está na parte final da norma - NÃO! A presunção de culpa não está neste segmento
todo, está só na primeira parte quando diz “ou que os danos se teriam produzido ainda
que o tivessem cumprido” - o obrigado vai ter culpa na obrigação do dever de
vigilância, há aqui uma presunção de culpa, é só aqui! - Esta RELEVÂNCIA NEGATIVA
DA CAUSA VIRTUAL, está a admitir que o autor possa demonstrar a existência de uma
causa virtual e com isso excluir o seu dever de indemnizar. NÃO ESTÁ AQUI - “salvo se
mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância” - isto é afastar a presunção de
culpa.

2. Artigo 492º, nº1: “ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam
evitado os danos” - ESTÁ A RELEVÂNCIA NEGATIVA DA CAUSA VIRTUAL. + o nº2
que remete para o nº1.

3. Artigo 493º, nº1 parte final: que estabelece a relevância negativa da casa
virtual, embora talvez estranhamente, o artigo 493º, nº2 não consagre a
relevância negativa da causa virtual - dúvida: perguntar o porquê:

Por que razão é que o legislador terá consagrado aqui a relevância negativa da
causa virtual? A mesma doutrina que diz não haver relevância negativa da causa virtual
reconhece que nestes casos de factos existe relevância negativa da causa virtual, e
porquê?

- A situação em que estão estas pessoas cobertas por estas normas


mencionadas, é uma situação de algum desequilíbrio relativamente aos responsáveis
em geral.

 Porquê que é possível dizer-se que as pessoas que estão nestas


normas, onde há relevância negativa da causa virtual, estão numa
situação de desequilíbrio relativamente aos responsáveis?

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Porque há uma presunção de culpa destas pessoas, estas pessoas estão


numa situação mais frágil, e, portanto, também pode dizer-se que de
alguma forma se esbate a censura que lhes é devida.
 Já se está a assumir que elas têm culpa e pode dar-se o caso em que
efetivamente elas não têm culpa, e por isso, atenua-se aquela
necessidade da função punitiva, precisamente tendo em consideração a
posição mais frágil em que estas pessoas estão.

CONCLUSÃO: há relevância negativa da causa virtual, nestes casos


precisamente porque, estes agentes têm culpa presumida e estão numa situação de
desequilíbrio relativamente aos lesantes em geral, em relação aos quais o lesado tem
de demonstrar a culpa.

RESPONSABILIDADE POR FACTOS LÍCITOS:

Não tem a mesma abordagem teórica que os outros institutos, porque não
temos um enquadramento geral desta responsabilidade.

- Quando falamos em responsabilidade por factos lícitos, estamos a falar de


situações em que o legislador veio permitir a satisfação de um determinado interesse,
em virtude de considerações de razoabilidade, mas veio impor a obrigação de
indemnização pelos danos causados a terceiros.

o Ou seja, permite-se a alguém que satisfaça um interesse, mas por


considerações de razoabilidade, de ponderação dos interesses em
conflito. Vem-se também determinar que essa pessoa deverá
indemnizar pelos danos que tenha causado a terceiro no
desenvolvimento daquela atividade.

- Embora esta responsabilidade não tenha um enquadramento genérico,


podemos em termos teóricos estabelecer uma subdistinção entre responsabilidade
por factos lícitos lícitos extracontratual e a responsabilidade por factos lícitos
contratual.

1. Responsabilidade por factos lícitos extracontratual

O direito que está a ser prejudicado, pode ser lesado por autorização da lei,
impondo, no entanto, a lei uma compensação por essa lesão. Exemplo é o direito de
propriedade.

O que acontece é que na responsabilidade extracontratual? A lei permite lesar


o direito de propriedade alheio embora estabeleça o dever de ressarcir os danos
produzidos com essa lesão.

192
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Disciplinas avulsas:

Causas de justificação do facto ilícito - Estado de necessidade - quando alguém


age em estado de necessidade (artigo 339º, nº2), sabemos que o seu comportamento
é um comportamento justificado, lícito.
o Alguém age em estado de necessidade com o fim de remover um perigo
atual de um dano manifestamente superior quer do agente quer de
terceiro.
o No entanto a lei no artigo 339º, nº2, permite que mesmo que o agente
pratique o facto que é justificado pela lei, seja por motivos de equidade
ou outros, deva compensar o terceiro que viu o seu património
prejudicado sem ter contribuído para que aquele perigo tivesse
ocorrido. Por motivos de equidade o legislador veio permitir a lesão da
do direito de propriedade, mas também a sua compensação.

Artigo 489º e 494º: em que também não é a teoria da diferença que vai
determinar a medida da indemnização

o Exemplo: imaginem que alguém realiza escavações no seu prédio, ou


que alguém tem de passar por um prédio alheio para regressar ao seu
próprio edifício - artigos 1347º, 1348º, 1349º.
o São normas em que se diz que o facto é permitido, no entanto, prevê-se
que os danos que sejam casados, no exercício desse direito são
indemnizáveis.
o Os artigos 1347º, nº3; 1348º, nº2; 1349º, nº3 - direitos de
indemnização.

o Direitos reais: diz respeito às servidões de passagem - artigo 1550º - a


lei prevê que se possa atribuir uma servidão legal (encargo imposto
prédio em beneficio do outro prédio).
o No entanto, o artigo 1554º, impõe a obrigação de indemnização do
titular do prédio que fica onerado com essa servidão de passagem.

2. Responsabilidade por factos lícitos contratual:

- Estamos perante uma responsabilidade por facto lícito contratual quando o


direito atribui a um contraente a faculdade de pôr termo a um contrato, mas
estabelecendo a obrigação de indemnizar a contraparte.

Exemplos:

1. Contrato de arredamento: o proprietário do imóvel que está


arrendado, pode denunciar esse contrato se precisar da casa

193
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

para nela viver. A lei vem permitir que se ponha termo àquele
contrato, no entanto também vem estabelecer que o
arrendatário tem direito a uma indemnização de modo a
permitir encontrar alternativas.

2. Artigo 1101º - quando o proprietário pode denunciar o contrato


de arrendamento para a habitação. Mas o arrendatário tem
direito a uma indemnização – 1 ano de renda - artigo 1102º.

3. Quando alguém pede divorcio com fundamento na alteração


das faculdades mentais do conjugue - artigo 1781º, alínea b) - a
lei permite que seja possível pedir o divorcio com base neste
fundamento, no entanto a própria lei considerando a
sensibilidade deste motivo e considerando também o impacto
que o pedido de divorcio terá na pessoa que tem a alterações
mentais, a lei vem estabelecer uma compensação - artigo 1792º,
nº2 .

NOTAS: Não há censura do facto. Não há culpa, o comportamento é legítimo e


lícito. Mas a lei reconhece direito a uma compensação.

RESPONSABILIDADE PELO O RISCO

- Responsabilidade objetiva em que a culpa não é pressuposto - a


indemnização será devida mesmo sem haver culpa do agente.

Quando falamos em responsabilidade pelo risco, estamos a pensar em


situações de perigo, algumas situações serão de perigo evidente, outras o perigo acaba
por ser esbatido, mas não deixa de haver de algum modo alguma cosia que justifique
que a pessoa ou entidade responda sem culpa.

Duas categorias:

1. Responsabilidade do comitente: alguém que delega


noutrem a realização de uma atividade em seu nome e
por sua conta. Haverá aqui verdadeiramente um risco?

o Não, é o mesmo risco do veículo de circulação


terrestre, mas a circunstância de haver uma
dissociação entre o interesse e a assunção dos cargos
financeiros acaba por justificar uma consagração da
responsabilidade pelo rico - Ubi comoda, ubi
incomoda.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

o Não deixa de haver um risco proveito, não é um risco


perigo, porque não sou eu que vou praticar o ato que
me interessa, delego isso noutra pessoa e vou de
alguma forma aproveitar essas circunstâncias, e se
me traz vantagens o legislador entende que deve
arcar com os danos que venham associados a essa
vantagem.

2. Responsabilidade por acidentes de viação:


responsabilidade de acidentes de viação com veículos de
circulação terrestre. É uma situação de perigo criado.

Artigo 499º: primeira norma da responsabilidade pelo risco, e apesar disso,


manda aplicar as normas da responsabilidade por factos ilícitos. Exemplos:

o Artigo 496º - danos não patrimoniais - vai poder ser aplicada à


responsabilidade pelo risco por causa do artigo 499º.

o Artigo 494º - redução da indemnização por caso de mera culpa - vai poder
ser aplicada à responsabilidade pelo risco por causa do artigo 499º.

o Artigo 497º - responsabilidade solidária - vai poder ser aplicada à


responsabilidade pelo risco por causa do artigo 499º.

Responsabilidade do comitente - artigo 500º

- Situações em que alguém está a agir no interesse e por conta de outrem sob
autoridade desse terceiro e por isso mesmo, devendo seguir as ordens e instruções
que são dadas pelo terceiro, e também sujeitar-se a que a sua conduta seja fiscalizada.

Exemplo clássico: relação de trabalho, em que temos a entidade patronal que


tem um poder de autoridade sob o trabalhador. A entidade patronal pode dar ordens,
instruções e fiscalizar a conduta do trabalhador. O que que a entidade patronal é
relativamente aos danos que o trabalhador venha a causar a um terceiro?
 É um comitente, porque está a beneficiar de um ato que é praticado
pelo trabalhador. A entidade patrimonial beneficia da atividade
praticada pelo trabalhador, que pratica atos em seu nome e por sua
conta e em seu benefício. Há uma relação de autoridade e de
subordinação.

Exemplo: empresa A tem ao seu serviço o motorista B (este exemplo é


replicável a todas as situações de trabalho). Quais são os pressupostos da

195
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

responsabilidade do comitente, quando é que a empresa A vai responder pelos danos


provocados pelo motorista?

PRESSUPOSTOS - para que o artigo 500º se aplique é necessário preencher estes


pressupostos - nº1 e nº2 do artigo 500º:

1 - É necessário que haja uma relação de comissão: vínculo de autoridade, que


corresponde à subordinação, traduzido no facto de o comitente ter a faculdade de dar
ordens e instruções ao comissário e de fiscalizar a sua conduta.

2 - É necessário que haja obrigação de indemnizar do comissário: para que o


comitente responda, é preciso que o próprio comissário seja responsável pelos danos
causados, é preciso que haja obrigação de indemnizar do comissário.

3 - É necessário que o facto danoso tenha sido praticado no exercício da


função que foi confiada ao comissário (nº2): este artigo até acrescenta mais qualquer
coisa - ainda que o agente tenha querido praticar aquele resultado danoso
(desobedecendo as ordens e instruções - agiu com dolo) OU quando o agente tenha
agido desobedecendo a instruções, mas sem querendo com isso praticar esse facto
danoso (sem dolo).

 Imaginemos que a empresa A estabeleceu que o seu motorista tinha de


fazer a entrega da encomenda no local x e que durante o percurso
rebentou um pneu do veículo. Em resultado disso, o motorista
atropelou uma pessoa que estava no passeio.

 Neste caso, o comitente será responsabilizado?

 Há uma relação de comissão – empresa motorista; O facto danoso foi


praticado no âmbito da função que lhe foi confiada - ele ia caminho da
casa do cliente;

 Mas é preciso que haja obrigação de indemnizar do comissário. O


comissário é responsável por este dano? Há a obrigação de indemnizar
do comissário que leva à obrigação de indemnizar do comitente? E há?
Matéria dos acidentes de viação. Não há culpa do motorista. E só há
responsabilidade sem culpa nos casos previstos na lei. O motorista não
responde sem culpa.

RESPONSABILIDADE POR ACIDENTES DE VIAÇÃO

- Artigo 503º: Responsabilidade objetiva, sem culpa pelo risco - esta


responsabilidade cai sobre quem tem a direção efetiva.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Quem é que tem a direção efetiva? A pessoa que controla o veículo e que tem
o dever de zelar pelo bom funcionamento do veículo - não significa legitimidade
jurídica, o proprietário obviamente tem direção efetiva do veículo.

- O detentor: aquele que controla o veículo e tem o dever de zelar pelo bom
funcionamento do veículo, evidentemente que o proprietário é o detentor.

NÃO TEM QUE HAVER LEGITIMIDADE JURÍDICA - uma pessoa que conduza o
veículo da outra passou a ser detentor.

Cuidado - não é a mesma coisa que ter as mãos no volante. Ex: Um aluno de
uma loja de condução não é o detentor do veículo.

 Mas a lei diz que não basta isso, é preciso também, que o veículo esteja
a ser usado no próprio interesse.

 Mas a lei diz “ainda que por intermédio de comissário” - isto já nos
permite fazer uma ligação com a empresa, pois a empresa é o detentor
do veículo. A empresa responde enquanto detentora do veículo (não
responde enquanto comitente, mas vai responder enquanto detentora
do veículo), nos termos do artigo 503º, nº1.

Artigo 503º, nº3: estabelece a presunção de culpa do comissário. O comissário


não responde sem culpa, só responde culpa.

Cuidado: ORAIS ERROS - NÃO confundir uma responsabilidade com culpa


presumida com uma responsabilidade objetiva (são totalmente destintas, porque
quando falamos de uma responsabilidade com culpa presumida significa que se a
pessoa tem o ónus de provar, que não teve culpa. SE demonstrar que não teve culpa,
não responde; quando falamos em responsabilidade objetiva falamos em situações em
que mesmo que o agente tenha demonstrado que não teve culpa vai ainda assim
continuar a responder).

Responsabilidade por acidentes de viação é uma responsabilidade com culpa


presumida. A responsabilidade do comissário é uma responsabilidade com culpa!

 Exemplo: empresa deu o mesmo encargo ao motorista e o acidente


ocorreu. O veiculo saiu da fazia de rodagem e foi atropelar uma senhora
- o que que muda em relação à hipótese anterior?
 Não temos a causa do acidente, ao omitir a causa do acidente há aqui
uma cosia que vai mudar na resolução da hipótese, é que não nos
podemos esquecer que o motorista tem uma presunção de culpa, e por
isso tem de se aplicar (porque nãos abemos a causa).

 O que que mudará na resolução da hipótese? Além da empresa, vai


responder também o motorista, porque há uma presunção de culpa do

197
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

comissário - o artigo 489º permite aplicar as disposições da


responsabilidade por facto ilícitos aqui, nomeadamente solidariedade.

 E a empresa responde a que titulo? À bocado vimos que a empresa só


poderia responder ao abrigo do artigo 503º, nº1, porque faltava um dos
pressupostos da responsabilidade do comitente (obrigação de
indemnizar o comissário) - que agora surgiu, então ja podemos dizer
que a empresa não é responsável pelo 503º, nº1 mas antes pelo artigo
500º.

Artigo 503º, nº1 Vs. artigo 500º

A consequência prática é que quando aplicamos o regime dos acidentes de


viação, é claro que nós temos aqui um regime que é fundando num risco/perigo
criado, e, portanto, o regime vem favorecer os lesados, mas ao favorecer os lesado,
também vem estabelecer aqui algumas cautelas na forma desse favorecimento.

 Ou seja, dizemos que a empresa é responsável nos termos do artigo


503º, nº1 ou que a empresa é responsável nos termos do artigo 500º
não é a mesma coisa, porque o artigo 500º esgota-se nessa disposição
(não tem mais nada a associar), e o artigo 503º tem várias coisas
associadas.

 503º - várias coisas associadas: Artigo 504º - beneficiários da


responsabilidade; Artigo 508º - limites máximos de indemnização;

 Ambos estes artigos são normas que se aplicam à responsabilidade que


emerge do artigo 503º, nº1 (R. pelo risco), ou seja, na prática o artigo
504º vem estabelecer várias limitações.

 Se for o artigo 503º, nº1 a aplicar-se o detentor não vai responder por
todos os danos só responde pelos danos pessoais.

 Ou o artigo 508º que estabelece os limites máximos da indemnização,


ou seja, significa que, se os danos forem superiores aos limites máximos
do artigo 508º esses danos não são indemnizáveis.

Se responsabilizarmos a empresa nos termos do artigo 500º a empresa não vai


beneficiar das limitações que derivam do artigo 504º ou do artigo 508º, porque essas
limitações só se aplicam ao artigo 503º, nº1. IMPORTANTE

ARTIGO 503º, Nº1

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Quando conduzimos sabemos que podemos ser responsáveis nos termos do


artigo 503º, nº1 - a nossa empresa seguradora vai responder pelos danos por nós
causados nos termos do artigo 503º, nº1. Quais são os riscos considerados no 503º?

 Riscos ligados à máquina; Riscos ligados à pessoa do condutor (Ex: teve um


AVC); Riscos ligado à interação da máquina com o meio ambiente (ex:
derrapou em óleo que existia na estrada; derrapou em gelo que existia na
estrada; condutor encadeado pelo sol).

Nestes casos, vamos aplicar o artigo 503º e todo o regime subsequente,


nomeadamente 504º e 508º, mas isto não significa que as pessoas sejam apenas
responsáveis nos termos do artigo 503º, nº1.

Se estiver em causa – substâncias psicotrópicas, álcool. Não vou excluir a


responsabilidade por factos ilícitos. O facto de termos o artigo 503º, nº1, não significa
que não tenhamos responsabilidade por culpa, e a vantagem de invocarmos esta
responsabilidade é de que não vamos estar subordinados ao 504º e ao 508º.
O facto de haver uma responsabilidade pelo risco não exclui a responsabilidade
por factos ilícitos.

Nota: responsabilidade por factos lícitos é mais generosa para o lesado do que
a responsabilidade pelo risco.

O artigo 493º, nº2 das atividades perigosas é ou não é aplicável aos acidentes
de viação? Porque se for aplicável temos responsabilidade pelo risco e ainda teríamos
em benefício a presunção de culpa.

Aula de 03/05/2023 – 20º AULA


Vamos tratar de uma matéria que tem grande aplicação prática e que é por isso
mesmo central no nosso curso. Vamos fazê-lo de uma perspetiva mais prática. Esta
matéria requerer algum tempo para ser percebida e vamos nas aulas até ao final de
semestre dedicar-nos a isto.

- Como sabemos estamos no plano da responsabilidade objetiva, em particular,


so seu espaço mais amplo, que é o espaço da responsabilidade pelo risco. Também é
verdade que nós não temos possibilidade de estudar todos os casos de
responsabilidade objetiva previstos na lei, nem sequer mesmo fazer uma análise
cuidada de todas as situações que estão no CC. Deveremos ficar com a ideia de que
para além dos casos que encontramos no código civil, nós já falamos da
responsabilidade do comitente, ainda que brevemente, e dos acidentes causados por
veículos.
- Mas importa também saber que há uma norma do artigo 501º que trata da
responsabilidade do Estado e de outras pessoas coletivas públicas por atos de gestão
privada. Quando se trata de atos de gestão pública, a responsabilidade é uma
responsabilidade que é regulada por um diploma autónomo, que estudaremos em
Direito Público, mas que remete para o regime de responsabilidade do comitente.
Estudando a responsabilidade do comitente estamos, no fundo, a estudar a

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

responsabilidade do Estado e de outras pessoas coletivas públicas relativamente a atos


de gestão privada.

 Artigo 502º - Danos causados por animais – artigo que também já foi
por nós referido no confronto entre o artigo 502º e o 493º.

 Artigo 509º - Danos causados por instalações de energias elétricas ou


gás – não vamos prestar muita atenção a este regime, não é que não
tenha interesse prático, mas de facto, em certa medida, vai buscar
alguns dos conceitos e reflexões que vamos fazer em relação a
acidentes de viação.

Acidentes de viação

Os acidentes de viação, é a matéria com maior aplicação prática nos tribunais,


todos os meses chegam casos de acidentes de aviação aos tribunais.

- Para lá do Código civil, temos também situações de responsabilidade objetiva


relevantes, mas que não iremos estudar, uma vez que não temos tempo:

 Responsabilidade do produtor;
 Responsabilidade por danos ambientais;
 Responsabilidade por veículos que não sejam de circulação terrestre
(aeronaves, embarcações de recreio)
 São regimes que estão fora do Código Civil, e são casos de
responsabilidade sem culpa, de RC Objetiva.

O propósito da aula de hoje é praticarmos alguns dos conceitos que vimos na


aula passada e alguns que vamos conhecer hoje. Ainda antes de começarmos a
resolver os exercícios propostos pela professora Gabriela, o professor sugere que
façamos a hipótese prática seguinte:
Hipótese - XXXIV
Suponha as situações seguintes:

1) A empresa Segurança Lisboeta, Lda presta serviços de segurança em edifícios


e outros locais. Daniel, seu empregado, quando estava ao serviço da referida empresa,
espancou um transeunte quando se deslocou à rua para fumar um cigarro. Poderá este
responsabilizar a Segurança Lisboeta, Lda. Pelos danos sofridos. Quid iuris?

- Hipóteses que dizem respeito à matéria da responsabilidade pelo comitente e


acidentes de viação.

- Hipóteses 34, 35 e da 37 a 39 são hipóteses que vamos resolver na aula


teórica.

Primeiro, qual é o problema que encontramos na hipótese?

200
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Existe uma lesão à integridade física, mas do ponto de vista do enquadramento


da hipótese na matéria que estamos a dar, esta hipótese convoca que regime? Trata-
se de uma relação de comissão ao abrigo do contrato de trabalho, que é a forma mais
típica de uma relação de comissão – o problema que aqui que poderemos ter é saber
se podemos responsabilizar o comitente pelo dano praticado pelo comissário.

o Como sabemos o dano praticado pelo comissário foi a agressão física, e


já agora porquê que estamos perante uma relação de comissão? O
professor tinha dito na aula passada, que um exemplo clássico de
relação de comissão ocorre nos contratos de trabalho, e de facto aqui
temos uma empresa de segurança, que tem um empregado, e é o
empregado que quando estava ao serviço da devida empresa pratica
esta agressão. A agressão aconteceu em que momento? Quando o
mesmo deslocava para ir à rua fumar um cigarro.

o Queremos saber quem é que vai responder por estes danos causados ao
transeunte. Claro que, na perspetiva que agora nos interessa, o mais
relevante é saber se a empresa será ou não responsabilizada. No
entanto, temos de dar uma resposta completa à hipótese. Se o lesado
fosse nosso cliente e quisesse saber a quem poderá pedir uma
indemnização pelos danos sofridos, como é que enquadraríamos esta
questão? Como é que resolvíamos?

o Quando o cliente chega ao escritório, ele vai dizer que foi agredido por
Daniel, ou seja, quem agrediu não foi a pessoa coletiva, é a pessoa física
empregada da pessoa coletiva. A primeira questão que temos de referir
é, do ponto de vista da responsabilidade do Daniel o que é que
acontece? Como é que enquadramos esta hipótese?

o Claramente já sabemos que há danos, serão danos patrimoniais ou não


patrimoniais, não estão especificados – quando não é uma pergunta
que diga respeito à especificação dos danos que tenham sido sofridos,
nós assumimos apenas que há uma situação de lesão e há lugar há
indemnização. Resta saber quem são os responsáveis por esse dano.

- Como é que fundamentaríamos a eventual responsabilidade de Daniel?


Devemos começar primeiro pela própria pessoa que agride, aquela que pratica
o facto danoso. Quando estivermos nas orais haverá muitas vezes pequenos exercícios
práticos e se uma hipótese destas nos fosse colocada em oral devemos começar por
pensar na responsabilidade do próprio agente que provoca o dano.

- Qual é a norma que serve para dizer que Daniel é responsável? Obviamente
que temos de dizer que estão reunidos todos os pressupostos, facto voluntário,
ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.

- QUAL É A NORMA QUE RESPONSABILIZA O AGENTE? – Artigo 483º, nº1. A


responsabilidade deste senhor, Daniel, é fundada no artigo 483º, nº1. Como não

201
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

estamos perante nenhuma situação de presunção de culpa, isto implica que o lesado
faça prova da responsabilidade – este não beneficia da presunção de culpa. Temos
sempre de fundamentar, de especificar qual a norma que serve para invocar a
responsabilidade do agente, neste caso, artigo 483º, nº1.

- Se na hipótese, isto é o previsto, é porque foi dado como provado que a


pessoa ia a passar e este sujeito espancou-o, os pressupostos da responsabilidade
foram dados como provados. Logo, o Daniel tem a obrigação de indemnizar.

Responsabilidade do comitente

O artigo 500º trata de responsabilidade do comitente, que neste caso é a


empresa, entidade patronal e o comissário é o Daniel. O regime do comitente atenção
que não é apenas específico do contrato de trabalho. São situações em que há uma
relação de autoridade e consequente subordinação que se traduz no facto de o
comitente poder dar ordens e instruções ao comissário, e fiscalizar o desempenho da
atividade que lhe foi atribuída (serviço, tarefa, função – atividade no sentido amplo).

O legislador veio a consagrar a responsabilidade do comitente, porque o


comitente terá, em princípio, outra capacidade. Veio a responsabilizar para fazê-lo
assumir a o facto de delegar as suas funções num terceiro, e ainda, contrabalançando
o proveito de que daí se retira. Há um propósito muito pragmático por parte do
legislador, que é o de oferecer um património que porventura será um património
mais capaz para a indemnização do lesado.

o Neste caso, se calhar o Daniel até teria património suficiente para


indemnizar o lesado, mas pode não acontecer assim. Podemos estar a
falar de danos que sejam elevados, e o empregado não tem património
suficiente para indemnizar. Portanto, já sabemos que Daniel é
responsável, mas vamos agora ver se a empresa pode também ser
responsável.

o O lesado pode demandar a empresa? Para que isso se suceda é


necessário que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade do
comitente: (PERGUNTA DE ORAL)

1. Relação de comissão – neste caso, existe, uma vez que


estamos perante um contrato de trabalho. Daniel é
empregado desta empresa.
2. Obrigação de indemnizar do comissário – isto deriva da
letra da lei, do artigo 500º, nº1
3. Ato praticado no exercício das funções – presente no
artigo 500º, nº2. O facto danoso foi praticado no
exercício das funções que tinham sido confiadas ao
comissário. Temos de ser nestes pressupostos, muito
rigorosos com as palavras.

202
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Estarão os três pressupostos verificados na hipótese?

- É certo que ele está durante aquele período na atividade que lhe foi confiada,
mas a colega Margarida entende que isto não é estar no exercício da função que lhe
foi confiada, este facto danoso não foi praticado no exercício da função que lhe foi
confiada.
o Um exemplo dado pela colega a pedido do professor, em que dentro
das mesmas personagens da hipótese, estivéssemos perante um caso
em que este pressuposto já estivesse verificado:

o O Daniel estivesse num evento a ser segurança, a exercer a sua


atividade de segurança e nesse mesmo momento agredia alguém.

- A questão é que a lei fala especificamente “no exercício da função que lhe foi
confiada”. Não diz algo que iria cobrir certas situações discutidas em aula que seria
“por ocasião do exercício da profissão que lhe foi confiada”.

- No exercício da função que lhe foi confiada remete-nos para danos que
tenham sido favorecidos pela natureza da atividade que foi atribuída àquele
funcionário ou eventualmente pelas características dos instrumentos que foram
atribuídas àquele funcionário para o exercício da atividade.
 Tem de haver aquilo que o Professor Antunes Varela diz, um
nexo de causalidade adequada entre a atividade e o dano.

 O dano tem de ser uma consequência adequada do exercício


daquela atividade. Só haverá responsabilidade do comitente
quando as funções do comissário, quer pela natureza dos
atos que foi incumbido, quer pela natureza dos instrumentos
que lhe foram confiados favoreçam ou aumentem o perigo
daquele tipo de danos.

- Sendo assim, na hipótese em análise, uma vez que este está na rua, ele está a
praticar o dano por ocasião das funções, ao tempo e no local de exercício das
funções, mas não está a praticar o dano por causa das funções. A diferença está em
ser por ocasião das funções ou ser por causa das funções.
 POR CAUSA DAS FUNÇÕES – Comitente é responsável – mesmo
que o dano seja praticado dolosamente, ou mesmo que ele
tenha desobedecido a ordens do comitente, a responsabilidade
do comitente existe.
 POR OCASIÃO DAS FUNÇÕES – Comitente não é responsável;

CONCLUSÃO DA HIPÓTESE: O Daniel é responsável nos termos do artigo 483º,


nº1, e a empresa não é responsável nos termos do artigo 500º, uma vez que um dos
pressupostos da responsabilidade por parte do comitente não está verificado – o facto
danoso não foi praticado no exercício da função que lhe foi confiada. Ele veio fumar,
estava na rua quando praticou o facto, foi por ocasião das funções, não foi por causa
das funções.

203
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

OUTRO EXEMPLO DADO PELO PROFESSOR:


o 1º - Trata-se de um funcionário bancário que recebe um cliente do
banco e que aproveita o facto de estar debruçado e não conseguir ver
bem, para lhe furtar a carteira que estava à mostra;

o 2º - O mesmo cliente e o mesmo funcionário, mas o prejuízo do cliente


não advém do facto de o funcionário lhe ter frutado a carteira, mas sim
do facto de o ter burlado, enganou-o, dizendo que se preenchesse
aquele formulário estaria a fazer uma aplicação financeira de grande
valor, e no entanto, estava a fazer uma transferência bancária da sua
conta para a do funcionário do banco.

o Nestes dois casos, o banco deverá ser responsável perante o cliente?


Ou deverá ser apenas responsável num dos casos? Ou em nenhum?

o Temos de ter em atenção exatamente o previsto na letra da lei, do


artigo 500º, nº2, logo apenas o comitente seria responsabilizado nos
casos em que o comissário estivesse a desempenhar o facto danoso no
exercício das funções que lhe foram confiadas.

o Qual é a relação que existe de causalidade adequada entre o exercício


daquelas funções e o roubo da carteira? O furto da carteira não podia
ter acontecido no autocarro? Sim, não é nenhuma característica
daquela atividade bancária que potenciou/favoreceu aquele dano. Na
verdade, o funcionário seria responsável na primeira situação, mas não
o banco.

o Já no segundo caso, quando o cliente tenta burlá-lo, claro que isto


resulta da atividade que o funcionário pratica. O cliente confiou nas
informações que lhe estavam a ser prestadas pelo funcionário,
confidenciou acesso ao seu cartão, visto que estava a falar com um
funcionário do banco. A atividade do banco propiciou, favoreceu, o
aparecimento daquele banco. O banco seria responsabilizado.

o No entanto, ele agiu para benefício próprio, isso não deveria ser
relevante? A própria lei esclarece que não é relevante, uma vez que diz
“ainda que intencionalmente” – se o dano foi causado por que o
comissário quis produzir esse dano, não cumprindo ordens ou
instruções do comitente, isso é irrelevante. O banco, o comitente,
continua a ser responsabilizado.

o Porquê que isto é assim? A responsabilidade do comitente é uma


responsabilidade objetiva, não é uma responsabilidade fundada em
culpa.

204
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Como iremos ver nas lições, costuma-se dizer a propósito do comitente que
seria equacionável a existência de 1 de 3 culpas, que poderá eventualmente ser
relevante como veremos depois, mas que nenhuma delas serve de fundamento à
responsabilidade do comitente.

- Quando a culpa é negligente, o facto de não se escolher uma pessoa confiável,


ou a culpa em que o comitente não dá as instruções necessárias, ou a culpa in
vigilando (não vigiou a atividade do comissário) – tudo isto são fatores de culpa, mas é
necessário que exista uma destas situações para que haja responsabilidade do
comitente? NÃO
 Mesmo que eu diga que o comitente escolheu bem, deu boas instruções
e fiscalizou devidamente a conduta, este ainda é responsável, desde
que, o facto tenha sido praticado no exercício da atividade que lhe foi
conferida.

NOTA DADA PELO PROFESSOR A RESPEITO DA OBRIGAÇÃO DE INDENMIZAR DO


COMITENTE:

- Ninguém discute na doutrina que quando a lei diz “responsabilidade de


indenizar do comissário”, está a pensar na RC por factos ilícitos, culposa (artigo 483º,
nº1). O problema está quando vamos para lá disso, pode haver situações em que o
comissário seja responsável por uma responsabilidade que não é por factos ilícitos:

 Exemplo: Uma empresa, em que o seu motorista dirige o veículo, e em


frente do veículo aparece um peão. Para ele se desviar de peão, colide
com uma montra de uma loja.

 Nós vimos na aula passada, que há um caso de RC por factos ilícitos no


regime do estado de necessidade, ou seja, que quem age em estado de
necessidade pode por motivos de equidade ser obrigado a indemnizar
os danos sofridos pelo terceiro (visto que, o dono da loja não tinha nada
a ver com aquilo).

 A lei prevê a possibilidade de, apesar de o facto ser justificado pelo


estado de necessidade, ainda assim o agente ter de responder.

 A questão é, quem é que praticou este facto em estado de necessidade?


Não foi a empresa, foi o motorista, e se eu aplicar o artigo 339º, nº2 vou
aplicá-lo ao motorista – vou dizer que o motorista é responsável por
factos lícitos. Será isso suficiente para eu poder responsabilizar o
comitente, uma vez que já há uma obrigação de indemnizar por parte
do comissário?

A doutrina não discute quando se trata da obrigação de indemnizar fundada em


responsabilidade civil por factos ilícitos, mas por factos lícitos ou pelo risco já é
problemático. Se o comissário responder por factos lícitos, ou se eu conseguisse

205
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

identificar uma situação em que o comissário respondesse pelo risco, já não haveria o
preenchimento do pressuposto anteriormente mencionado – PORQUÊ?

o O Professor Menezes Leitão, contrariamente ao Professor Almeida


Costa, invoca o regime da responsabilidade pessoas coletivas (artigo
165º), que remete para o regime da responsabilidade do comitente;

o O Professor Almeida Costa diz que, com certeza, quando o legislador


estabeleceu o regime da responsabilidade das pessoas coletivas,
remetendo para o regime da responsabilidade do comitente, estava a
pensar em todas as situações de responsabilidade, e não apenas em
situações de RC por factos ilícitos. No fundo, seria redutor estarmos
depois a interpretar o artigo 500º como sendo uma responsabilidade
limitada a factos ilícitos praticados pelo comissário.

o A verdade, é que há um argumento literal importante, no sentido


favorável ao que é defendido pelo professor Menezes Leitão, ideia de
que para que haja obrigação de indemnizar pelo comitente é
necessário que haja responsabilidade por factos ilícitos do comissário.
Isto resulta do artigo 500º, nº3 e vamos ver de seguida isto no caso
prático – o que é que resulta deste artigo? Vamos por partes:

o Primeiro, resulta a confirmação daquilo que já resultaria do artigo 499º


(primeira norma da responsabilidade pelo risco), ou seja, que se
aplicaria as normas relativas à responsabilidade por factos ilícitos. Ora,
uma das normas que está na RC por factos ilícitos, é uma norma relativa
à pluralidade de responsáveis.

o O professor quer nos conduzir a hipóteses em que poderá ser


responsabilizado o comissário e também poderá o comitente
responder.

- Olhemos para a hipótese 2) para perceber o que é que o professor quer dizer
com esta conversa:

2) Fernando, empregado da empresa Z, durante a reparação da fachada de


um edifício, deixa cair um martelo e fere Carolina que circulava na rua naquele 15
momento. Poderá esta última responsabilizar Fernando e a empresa Z pelos danos
sofridos?

- O Fernando quando é que causou o dano? Quando reparava a fachada do


edifício, e nesse momento deixou cair o martelo, provando o dano a Carolina. Carolina
pode responsabilizar Fernando e a empresa Z?

- Qual a diferença entre esta hipótese e a primeira?

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Neste caso, o facto danoso pode dizer-se que foi praticado no exercício da
atividade que lhe foi conferida, uma vez que o dano foi causado por causa do
exercício das funções.
- Perguntar qual a norma que enquadra a responsabilidade deste comissário?
Aqui temos primeiro de saber se o comissário é responsável, e só depois vamos ao
regime de responsabilidade do comitente e analisamos os requisitos. A norma que
responsabiliza o comissário, nesta situação concreta, será o 493º, nº2? O professor diz
que não exclui esta hipótese, visto que na jurisprudência há muitos exemplos de
decisões judiciais de atividades que vieram a ser como perigosas, mas, no entanto, não
seria o que o professor pretendia exatamente aqui. O professor não exclui esta
possibilidade de aplicação deste artigo, visto que a probabilidade de acontecerem
danos neste caso não é assim tão remota, mas de qualquer forma o instrumento que
causou dano foi o martelo.

o Parece mais fácil, para o professor, encaixar esta situação no artigo


493º, nº1 – “quem tiver em seu poder coisa móvel com o dever de a
vigiar, responde pelos danos que a coisa causar”. Ora, o martelo é uma
coisa móvel, e o funcionário tem o dever de vigiar essa coisa móvel.
Podemos responsabilizá-lo nos termos do artigo 493º, nº1? SIM,
sabemos que ele deixou cair o martelo, e por isso, houve falta de
cuidado da parte do funcionário.

o Esta norma tem uma vantagem, uma vez que tem uma presunção de
culpa, e portanto, a partir deste momento cabe ao agente demonstrar
que tudo fez para evitar que o martelo tivesse caído e ferido a pessoa.

o Nunca, nestes casos, deixamos de estar perante o princípio geral do


artigo 483º, nº1, mas temos um regime especial, que é o do artigo 493º,
nº1, que permite presumir a culpa do agente.

o Isto permite-nos dizer que, este agente, vai ser responsável nos
termos do artigo 493º, nº1.

o Embora, ainda se pudesse suscitar a dúvida se podemos ou não fazer


um juízo de negligência – se calhar dificilmente conseguiríamos afastar
este juízo.

- E agora, o comitente vai também ser responsável? SIM, uma vez que há
relação de comissão, obrigação de indemnizar do comissário e o facto danoso foi
praticado por causa da função (a reparação da fachada do prédio).

PROBLEMA – Agora tenho mais do que um responsável, a quem é que o


lesado pode pedir a indemnização dos seus danos?

- Quem é que tem de pagar? Recordemos o que o professor referiu do artigo


499º, norma remissiva, que remete para as disposições relativas aos factos ilícitos. Nas
normas relativas aos factos ilícitos, tenho uma que fala precisamente da situação em

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

que há mais do que um agente responsável, claro que são regimes diferentes, aqui não
se responde com culpa enquanto na norma deste regime há culpa.
 NORMA DO ARTIGO 497º: o artigo 499º permite-nos aplicar no domínio
da responsabilidade pelo risco, o artigo 497º;

 Isto significa que, quer comitente, quer comissário são responsáveis


perante o lesado. São solidariamente responsáveis, isto é, o lesado pode
pedir a indemnização a qualquer um deles.

 A lei esclarece que se o comitente pagar, como a sua responsabilidade é


uma responsabilidade pelo risco, e agora entra o argumento da doutrina
favorável à restrição da obrigação de indemnizar à responsabilidade por
factos ilícitos, poderia ainda pedir “dinheiro” ao comissário.

 O artigo 500º, nº3 diz que tendo sido o comitente a pagar os danos, tem
uma responsabilidade objetiva, vai pedir ao comissário que muito
provavelmente terá uma RC por factos ilícitos, terá culpa, todo o
dinheiro que gastou. Na verdade, o comitente ao pagar está apenas a
garantir a indemnização devida pelo comissário ao lesado. O comissário
é que culposamente provocou o dano ao lesado e, por isso, pagando o
comitente, depois o comissário deverá reembolsar o valor
integralmente que este pagou.

 O objetivo do artigo 500º, nº3 não é dizer em que termos é que o


comissário responde, esta norma é utilizada pela doutrina para dizer
que a obrigação de indemnizar tem de ser perante uma RC por factos
ilícitos. Mas, esta norma não o diz, não diz que tem de ser por factos
ilícitos. O objetivo desta norma é dizer que em determinadas situações
o comitente não pode ir buscar tudo, e que situações são essas? Pensa
na situação mais comum, em que o comissário tem culpa e que ele
próprio tem culpa.

 “EXCETO SE HOUVER TAMBÉM CULPA DA SUA PARTE” – artigo 500º,


nº3, o que é que significa este TAMBÉM? Parece que o legislador está a
assumir que houve culpa por parte do comissário. O artigo 500º, nº3 é o
argumento usado pela doutrina que vem dizer que a obrigação de
indemnizar tem de ser restringida à RC por factos ilícitos. O ponto fulcral
aqui é a utilização do legislador do termo “também”, ou seja, para além
da culpa do comissário, também culpa do comitente.

 Não é assim que o Professor Almeida Costa interpreta, diz que essa é a
situação comum, mas que se pensarmos na norma, qual é o objetivo da
norma? Não é definir qual a obrigação de indemnizar do comissário, não
é esse o objetivo. O objetivo da norma é dizer que o comitente pode
pedir tudo, exceto quando haja circunstâncias que justificam que esse
reembolso não seja integral. Qual é que é a circunstância mais comum
disto acontecer? Quando o próprio comitente tem uma

208
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

responsabilidade com culpa, o facto de o comitente responder


objetivamente, não significa que ele não possa ter culpa. Se ele
escolheu mal a pessoa, se ele deu más instruções, se ele fiscalizou mal,
embora pudesse responder objetivamente, responde com culpa.

 O professor Almeida Costa diz que apesar da situação mais comum ser a
falada anteriormente, não significa que não possa haver casos de
responsabilidade por factos lícitos do comissário.

 E ele responde com culpa, ao abrigo de que norma? – ARTIGO 483º,


nº1. O facto de haver o 500º, não significa que o comitente não possa
responder ao abrigo do princípio geral da responsabilidade por factos
ilícitos. E, neste caso, ele pedir o reembolso integral ao comissário?
NÃO, uma vez que o comissário teve culpa, mas ele também teve culpa,
portante haverá uma repartição e a lei manda aplicar o 497º, nº2.

 O que diz o artigo 497º, nº2 – o direito de regresso, ou seja, estamos no


plano das relações internas, não estamos perante o lesado (relações
externas), estamos numa relação interna quando o comitente pede o
reembolso ao comissário. Este artigo estabelece um critério para a
repartição da indemnização e ainda estabelece uma presunção – se não
se conseguir identificar a medida da culpa de cada um deles, presume-
se que ambos agiram com a mesma medida de culpa para a ocorrência
do dano.

- Sendo assim, se aplicássemos o artigo 497º, nº2, não conseguíssemos dizer


quem é mais culpado, então o comitente só poderia pedir metade daquilo que tivesse
pagado, a outra metade seria assegurada por si.

RESPONSABILIDADE POR FACTOS LÍCITOS DO COMISSÁRIO

- Como já abordamos anteriormente, um sujeito para não atropelar o peão


parte uma montra. Chegamos à conclusão, que por uma razão de equidade, o lesante
deveria ressarcir os danos – artigo 339º, nº2 – responsabilidade por facto lícito.
Haveria responsabilidade de indemnizar do comissário, mas havia responsabilidade do
comitente? SIM, nos termos propostos pelo A.C., há relação de comissão, obrigação de
indemnizar e o facto danoso foi praticado no exercício da atividade que lhe foi
conferida.

- Teríamos aqui a responder o comitente e o comissário. O dono da loja


demandou o comitente, pediu o ressarcimento integral dos danos ao comitente, e este
pagou tudo.

- A teologia do artigo 500º é precisamente evitar que haja um reembolso


integral.

209
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- SERÁ QUE O COMITENTE DEVE/PODE PEDIR AO COMISSÁRIO O REEMBOLSO


INTEGRAL DOS DANOS QUE PAGOU?

 Se o comissário tivesse culpa, não se discute que podia, de acordo


com o que decorre do artigo 500º, nº3.

 Mas se o comissário não teve culpa, estamos perante uma RC por


factos lícitos. Esta norma aplica-se então também nos casos em que
não houve culpa por parte do comissário. Nem o comitente, nem o
comissário têm culpa, então se nenhum deles tem culpa não faz
sentido que o comitente possa ir buscar a integralidade da
indemnização ao comissário que também não teve culpa.

 O professor A.C diz que nestes casos se deverá repartir a meio a


indemnização.

- Há um caso em que o Professor Almeida Costa considera, que apesar de


tudo, se houver risco com risco, ou risco com facto lícito, que o comitente poderá
pedir o reembolso integral:

- A responsabilidade pelo risco parte do pressuposto que a pessoa está a


exercer uma atividade em benefício próprio, e a responsabilidade do comitente parte
do pressuposto que o comissário está a agir não em seu benefício, mas em benefício
do comitente – parece haver alguma contradição.

 O professor Almeida Costa diz que se isto acontecer, concebe que,


mesmo havendo risco do comitente, e risco ou facto lícito do
comissário, que possa haver ainda um reembolso integral, ao contrário
do que vimos há pouco.

 O terceiro pressuposto da responsabilidade do comitente é de que o


facto danoso tenha sido exercido no exercício da função que foi
confiada, e vimos também que o comissário responde quando está no
exercício da função, mesmo que não tenha respeitado as indicações do
comitente.

 O professor Almeida Costa diz que se houver uma responsabilidade pelo


risco do comitente, e uma responsabilidade pelo risco ou por factos
lícitos do comissário (ele não teve culpa no dano causado), mas a
verdade é que o dano ocorreu, porque ele não respeitou as informações
que lhe foram dadas pelo comitente. Ele não tem culpa em relação ao
terceiro, não causo nenhum dano culposamente em relação ao terceiro.

- EXEMPLO: O comissário estava a conduzir a 40km/h, mas o comitente tinha


dito que naquela zona tinha de conduzir a 20km/h por causa dos peões. Ele não é
culpado, ele desvia-se para não atropelar o peão e bate na montra – é uma
responsabilidade por factos lícitos, fá-lo em estado de necessidade, sendo que cumpre

210
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

o limite de velocidade imposto naquela zona. No entanto, se ele fosse a 20km/h como
tinha dito o comitente se calhar tinha conseguido travar a tempo do atropelamento do
peão e não tinha batido na montra.

- Este é um dos casos em que o professor A.C equaciona que o comitente,


embora esteja a pedir o reembolso a alguém que só tem uma responsabilidade por
facto lícito, sem culpa, o comissário deverá arcar com tudo – PORQUÊ?

- Porque se ele tivesse cumprido as instruções aquele dano não teria ocorrido.

- O professor quer dizer com esta exposição que fez que, quando formos
estudar o A.C e percebermos que o professor Almeida Costa interpreta a obrigação de
indemnizar em sentido amplo, não devemos estranhar o facto de haver um artigo
500º, nº3 que diz “também culpa da sua parte”. Uma vez que o objetivo desta norma
não é definir qual a natureza de indemnizar da obrigação do comissário. O objetivo
desta norma é definir as situações em que não é justificado que o comitente possa
pedir tudo ao comissário - ISTO ACONTECE QUANDO?

1. Quando ele próprio, comitente, não tem culpa;


2. Se o comissário tiver uma responsabilidade que não seja
culposa – aqui temos a objetiva contra a objetiva.

RESUMINDO ESTA HIPÓTESE:


- Quem é que poderia ser responsabilizado neste caso? Fernando, funcionário,
seria responsabilizado ao abrigo do artigo 493º, nº1. A empresa Z seria
responsabilizada nos termos do artigo 500º, uma vez que estão preenchidos os 3
pressupostos.

HIPÓTESES DA PROFESSORA GABRIELA

- Nas primeiras hipóteses apenas falaremos de acidentes de viação, mas esta


matéria está inteiramente ligada à responsabilidade do comitente. A hipótese mais
difícil que resolveremos será a 37, e a hipótese 4 do documento das hipóteses da
professora Gabriela corresponde à hipótese 35 do documento principal.

1) A, conduzindo o seu automóvel em excesso de velocidade, atropelou B,


que atravessava a estrada na passadeira. B ficou ferido em consequência do
atropelamento. A é responsável pelos danos sofridos por B? Se sim, com que
fundamento?

- A será responsável pelos danos causados a B, com base no artigo 483º, nº1, é
uma responsabilidade por factos ilícitos, nos termos do princípio geral do Código Civil.
- Este caso é, claramente, um caso de aplicação da norma do 483º, nº1. A
norma que responsabiliza A é a norma do princípio geral da responsabilidade civil por
factos ilícitos, artigo 483º, nº1. Neste caso, o lesado até ficaria satisfeito, visto que se
lermos o enunciado, a prova da culpa já foi feita – sabemos que conduzia o automóvel

211
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

em excesso de velocidade, violou a norma que protege interesses alheios e não há


nenhum fator de exclusão de culpa associado a este comportamento.

- Há uma responsabilidade com culpa!!!

- Será um problema de responsabilidade objetiva? O Professor coloca em causa


a aplicação do artigo 503º sugerida pela colega Margarida.

- É importa quando estivermos a resolver hipótese práticas sobre acidentes de


viação, percebermos que só pelo facto de ser um acidente de viação não podemos
saltar para o artigo 503º, uma vez que o artigo 503º, nº1 tem várias implicações:
limitações quanto à indemnização, quanto a certos beneficiários da responsabilidade,
ou em relação mesmo em terceiros nos limites máximos de indemnização. Eu só vou
para o 503º, quando eu não tenha um fundamento de ilicitude, ou seja, uma
responsabilidade com culpa. Só aí é que vou recorrer ao regime do artigo 503º e
seguintes.

- Se a hipótese fosse “A conduzia o seu automóvel e atropelou B que atravessa


a passadeira” – faria sentido dizermos que tínhamos a norma do artigo 503º, nº1 para
responsabilizar, uma vez que haverá um risco que decorre do simples facto do veículo
estar a circular e que se materializou no dano. Porém, sabemos, que ao aplicarmos o
503º vamos ter limitações, ou seja, não são todos os danos que são indemnizáveis, e,
portanto, se a hipótese diz que conduzia o veículo e atropelou B, talvez possa aplicar
uma presunção de culpa, que intervém quando não se sabe a causa do acidente, e ao
aplicar a presunção de culpa, estou a afastar-me do regime da RC pelo risco e a entrar
no RC por factos ilícitos:
o Ao entrar no regime da RC por factos ilícitos já não há as limitações
das indemnizações que temos nos termos da RC pelo risco. Neste
caso agora dado, não estou perante o 483º, nº1, visto que a
hipótese não diz que tenha havido um facto ilícito e culposo.

o Mas como a hipótese não me diz nada pergunto se não posso usar
uma presunção, que é a presunção do artigo 493º, nº2?

o Perguntar-se-á, mas conduzir não é uma atividade perigosa? Deve


ser das atividades mais perigosas que mais facilmente
reconheceremos. O artigo 493º, n3 não deverá ser aplicado, por
uma razão simples – em 1999 houve um acento 1/80 seguido pela
jurisprudência que diz que este artigo 493º, nº2, das atividades
perigosas, não é aplicável em matéria de acidentes de viação.

o Perguntaremos ao professor, mas como é que é possível o STJ vir


dizer que o regime das atividades perigosas não é aplicável àquela
que é uma das atividades mais perigosas de todas? O argumento do
Supremo é o de que a primosidade da atividade já está refletida no

212
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

regime específico que é o regime da RC pelo risco, dos artigos 503º e


seguintes.

o O artigo 493º, nº2 deve-se aplicar quando aquela perigosidade não


se venha a introduzir num regime mais gravoso ainda, regime que
obriga a indemnizar mesmo não havendo culpa. A partir do
momento que o legislador escolheu consagrar o regime da
responsabilidade do detentor de acidentes de viação, nos artigos
503º e seguintes, concretizou o regime aplicável àquela
perigosidade, e o artigo 493º, nº2 deixa de ser aplicado.

o Em termos práticos podemos dizer que não aplicaremos a presunção


de culpa do artigo 493º, nº2, em matéria de acidentes de viação, em
razão do acento nº1/80 que é seguido pelos tribunais.

o RESSALVA que há alguma doutrina, professor Menezes Leitão, que


diz que isto é assim, mas há situações de condução que são
situações de especial gravidade, isto é, estão para lá do que é o
regime normal de circulação. Nesse caso, justificar-se-ia aplicar o
artigo 493º, nº2. Por exemplo, situações em que o condutor conduz
com excesso de álcool, aqui já não é só a perigosidade da condução,
é a perigosidade que deriva do estado em que ele está. OU por
exemplo, o transporte de material inflamável, um fator de perigo
acrescido à própria condução. OU provas desportivas de condução,
estamos sempre a acrescentar níveis de perigosidade ao nível de
perigo comum de condução.

o Nestes casos, o Professor Menezes Leitão, diz que se aplicaria o


artigo 493º, nº2, mas APENAS NESTES CASOS de perigosidade
acrescida.

2) A conduzia o seu automóvel, com respeito pelo limite de velocidade e


pelas demais regras de trânsito, mas, em virtude de uma falha nos travões,
atropelou B, que atravessava a estrada na passadeira. Ficou demonstrado que A
cumprira os deveres de diligência exigíveis na manutenção dos travões do veículo.
B ficou ferido em consequência do atropelamento. A é responsável pelos danos
sofridos por B? Se sim, com que fundamento? A resposta seria a mesma se A
tivesse derrapado no gelo que existia na estrada ou se A tivesse tido um ataque
cardíaco que o impediu de travar?

- A pergunta é muito ampla, mas a resposta é muito simples. Primeiro, possa


aplicar o artigo 483º a este caso? Não, porque não há um facto ilícito – retiramos isso
da hipótese quando refere que a condutora respeitava os limites de velocidade e, além
disso, o dano ocorreu em virtude de uma falha nos travões, o que prova que A cumpria
os seus deveres de diligencia na manutenção dos travões do veículo. Não há nada que
eu possa censurar a esta condutora. Não posso aplicar a responsabilidade civil por
factos ilícitos.

213
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

O que é que aconteceu aqui? Concretizou-se um dos riscos do veículo, a lei diz:
o O detentor do veículo, e sabemos que o proprietário é
detentor do veículo, porque tem a obrigação de zelar pelo
bom funcionamento do veículo. E ainda diz a lei, quem o utiliza
no seu próprio interesse, não está dito na hipótese que ela não
estava a utilizar no seu próprio interesse, não estava a utilizar
o veículo para outrem.
o O 503º, nº1 aplica-se, desde que, o acidente ocorra em virtude
dos riscos próprios do veículo. Neste caso, há um risco,
claramente, concretizado, porquê? Uma falha nos travões.

o Na aula passada, já vimos quais são os riscos próprios de um


veículo. Quando falamos em riscos de circulação falamos em
riscos da máquina (falha de travões, o volante ficou travado, o
pneu rebentou), riscos ligados ao próprio condutor (teve um
ataque cardíaco, um AVC, desmaiou), riscos ligados à
interação da pessoa com o meio ambiente (encadeado pelo
sol), riscos ligados à interação da máquina com o meio
ambiente (derrapou no gelo, derrapou no óleo, furou os pneus
em razão de ramos pontiagudos na estrada) – tudo isto são de
facto riscos de circulação.

- Assim sendo, já estamos a responder à última parte da hipótese que pergunta


se a resposta seria diferente se A tivesse derrapado no gelo, ou se A tivesse tido um
ataque cardíaco que a impediu de travar. Portanto, em ambas as situações, A seria
responsável pelos danos provados a B, artigo 503º, nº1.

- Só há um dado que é relevante, não para agora, mas que a partir da próxima
aula será importante. Na hipótese diz-se que B atravessava a estrada na passadeira, e
isto, não é digamos uma mera coincidência da hipótese, tem razão de ser, porquê?
o Se ele atravessasse fora da passadeira poderíamos ter um problema
de exclusão da responsabilidade do artigo 503º, nos termos do
artigo 505º. Será mesmo isto um fator de exclusão de
responsabilidade ao abrigo do artigo 505º?

08/05/2023 – 21º Aula:

3) A, motorista de C, circulando dentro dos limites de velocidade, despistou-


se, em virtude de uma poça de óleo existente na faixa de rodagem, enquanto
conduzia o carro de C, transportando uma mercadoria a pedido deste. Em
consequência do despiste, B foi atropelado. Quem é responsável, e com que
fundamento, pelos danos sofridos por B? A resposta seria a mesma se A circulasse
excedendo os limites máximos de velocidade? E se se ignorassem as causas do
acidente?

Dentro dos limites:


 A não é responsável. Isto porque não há nenhuma norma na RC pelo risco que
responsabilize o motorista, pelo que aplicamos, nos termos do 499º, o regime
214
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

da responsabilidade por factos ilícitos. Aqui não há responsabilidade porque


não há culpa.
 C é responsável enquanto proprietário do veículo- 503º/1 CC

A circulava em excesso de velocidade:


 A é responsável nos termos do 483º/1 CC
 C é responsável nos termos do 500º CC
Ignorando as causas do acidente:
 A é responsável pelo 503º/3 CC
 C é responsável pelo 500º CC

Correção Professor:

Dentro dos limites:

- É C responsável nos termos do artigo 500º? Temos de ver os requisitos.


Haverá obrigação de indemnizar do comissário?

- A responsabilidade do motorista comissário está no 503º/3 CC. Aqui há


responsabilidade por factos ilícitos, embora com culpa presumida. Se o agente
demonstrar que não teve culpa, não responderá.

- Não há nenhuma norma que responsabilize o motorista, como comissário, no


interesse de outrem. O motorista comissário só responde com culpa (por factos
ilícitos); embora com esta especialidade de presunção de culpa.

- Como vimos, o que levou ao dano foi uma poça de óleo, não há culpa do
motorista. Demonstra-se que o motorista afastou a presunção de culpa do 503º/3. O
dano não ocorreu por culpa dele. O comissário (A) não é responsável.

- Se o comissário não tem obrigação de indemnizar, o comitente também não


responderia.

- Porém, o comitente tem outra qualidade: detentor do veículo (tem o dever de


zelar pelo bom funcionamento do veículo). Pode ser o proprietário ou o usufrutuário,
isto é, sempre que alguém tem dever de zelar pelo seu bom funcionamento.

- O comitente (C) é responsável pelo 503º/1 CC. Tem direção efetiva do veículo
(verifica-se), o veículo é usado no seu próprio interesse (verifica-se) e responde pelos
riscos inerentes ao veículo (verifica-se. Este é um risco próprio do veículo, em
interação com o meio ambiente). Este regime é mais favorável ao lesado, é menos
limitada em termos de indemnização.

- O C não é responsável pelo 500º, que tem mais limitações.

Fora dos limites:

215
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Demonstrar-se-ia a culpa do comissário e aplicava-se o 483º/1 CC.

Comitente (C) também é responsável, porque já se cumpre o requisito de


obrigação de indemnizar- 500º CC.

Responderiam solidariamente nos termos do 497º, por remissão do 499º CC.


Ignorando as causas do acidente:

- Se não se conhecerem as causas de acidente e houve relação de comissão,


esta pergunta é importantíssima, porque a responsabilidade do comissário assenta
numa presunção de culpa. Na dúvida, decide-se contra quem está onerado da prova.

- O comissário (A) é responsável pelo 503º/3 CC. O fundamento da sua


responsabilidade é a presunção de culpa do 503º/3 CC.

- O comitente (C) responde como comitente, pelo 500º CC.

- Como há presunção de culpa pelo 503º/3 do comissário, o comitente já não


responde pelo nº1 do 503º.

4) A conduzia o seu automóvel, dentro dos limites de velocidade e no


respeito pelas demais regras de trânsito, mas atropelou, em virtude de uma falha
nos travões, um peão que atravessava a estrada fora da passadeira. Ficou
demonstrado que A cumprira os deveres de diligência exigíveis na manutenção dos
travões do veículo. B tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos? Qual
seria a resposta se A circulasse excedendo os limites máximos de velocidade?

Dentro dos limites de velocidade:

 A é responsável pelo 503º CC (não houve culpa, logo pelo risco), porém
505º diz que se exclui essa responsabilidade se for por causa imputável ao
lesado. Será que é sempre assim?

Correção professor:

Dentro dos limites:

- Há um comportamento censurável por parte da pessoa lesada, visto que esta


não cumpria as regras de código da estrada.

- Em abstrato, pode-se aplicar o 483º/1 CC ou o 503º/1 CC.

- Não houve culpa, logo não se aplica o 483º. Podemos estar perante 503º/1- os
travões são um risco da própria máquina. Os requisitos do 503º/1 verificam-se.

- Será que o facto do lesado ter sido lesado na estrada, fora da passadeira, tem
relevância?
216
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Artigo 505º CC

Sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do


artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a
terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do
veículo.
 A lei fala em “acidente imputável” em sentido objetivo. Não tem de
haver um juízo de censura em relação ao que ocorre. Mesmo que
não pudéssemos fazer um juízo de censura (criança de 3 anos),
podemos dizer que o acidente ocorreu responsabilizar por facto do
lesado.

- Quando existe uma falha de travões e há um concurso do comportamento do


lesado para a ocorrência do dano (facto de ele estar fora da passadeira), o acidente é
imputável ao lesado- 505º CC. Exclui-se a responsabilidade do lesante. Esta é a ideia da
doutrina e jurisprudência tradicional.

Doutrina tradicional- Jurisprudência e Prof Antunes Varela

 Quando houvesse risco de um veículo a concorrer com culpa do lesado, a


culpa do lesado iria excluir a responsabilidade pelo risco.

 Argumento principal: extrai-se do Artigo 570º/2 CC (culpa do lesado) - Se


houver litígio e se se fundamentar a responsabilidade do agente numa
presunção de culpa, havendo culpa provada do lesado, a culpa do lesado
afasta a responsabilidade por culpa presumida do lesante.

 Haver culpa presumida nem sempre significa que o agente tem culpa. Na
culpa do lesado sabemos que o lesado foi efetivamente culpado.

 Assim, este argumento baseia-se numa maioria de razão. Porque se a culpa


do lesado afasta a culpa presumida do lesante (570º/2), então a culpa do
lesado deve afastar a responsabilidade objetiva sem culpa do lesante, por
maioria de razão.

 Neste caso concreto, temos responsabilidade objetiva do proprietário do


veículo e responsabilidade com culpa provada do lesado. Para esta
doutrina, por interpretação por maioria de razão do 570º/2, o 505º exclui a
responsabilidade quando haja um concurso de risco com culpa.

Doutrina moderna- Jurisprudência e doutrina moderna

- A culpa provada do lesado não pode excluir a responsabilidade pelo risco do


lesante. No caso concreto, esta orientação moderna não exclui a responsabilidade nos
termos do artigo 505º CC. Há um concurso de risco com culpa, que podem conviver.

217
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Quando falamos em presunção de culpa, a responsabilidade é por factos


ilícitos, mas é como entrar num quarto escuro e não saber onde estão as coisas.
Imaginamos que o livro esteja aqui, mas pode não estar e eu posso cair. É uma decisão
de presunção arriscada, apenas baseada no legislador ter estabelecido esta mesma
presunção de culpa. Se eu tenho um culpa às claras (demonstrada) contra uma culpa
às escuras (presumida), a culpa às claras afasta às escuras, a culpa do lesado afasta a
presunção de culpa do lesante.
- Mas isto não se aplica à responsabilidade objetiva. Quando tenho
responsabilidade objetiva, eu sei que o acidente foi devido a riscos do veículo, eu
identifiquei as causas do acidente. Não é uma decisão por presunção. A
responsabilidade objetiva não é menor que uma responsabilidade por culpa
presumida.
A presumida é que é menor, porque é uma presunção, não sei se verificaram os
pressupostos. Na responsabilidade objetiva, os pressupostos verificaram-se: falha de
travões.

- Dizer que o 570º/2 CC deve funcionar como argumento de maioria de razão,


no caso da responsabilidade objetiva, não é válido. É como comparar situações
incomparáveis.

Então a jurisprudência e doutrina moderna dizem que sempre que há risco e culpa, a
culpa nunca afastará o risco?

- A doutrina e jurisprudência têm vindo a fazer uma distinção muito relevante.

- Admitindo que a culpa convive com o risco, o que nem sempre acontece:
 Risco de circulação- aplica-se o 505º
 Risco concretizado/acrescido- aplica-se o 570º

- Se nesta hipótese se dissesse apenas que a pessoa, cumprindo todos os


preceitos do código da estrada, veio a atropelar esta pessoa que atravessava fora da
passadeira, teria um risco de circulação. O atropelamento vai provocar danos maiores
do que os que resultariam de ele colidir com uma tração animal. Está em causa a
velocidade, dimensão, peso do veículo. Não há mais nada para além de algo que
provém da circulação do veículo. Nesse caso, porque há apenas um risco de circulação,
a culpa do lesado afasta o risco de circulação. O 505º aplica-se. Temos culpa do lesado
a concorrer com risco de circulação do veículo.

- Um risco concretizado/acrescido é falhar os travões, ter um AVC, derrapar no


gelo, etc. Não é apenas um veículo a circular. Houve algo a acrescer para além de
circular, algo que acontece que funcionou mal. Se tiver um risco de um lesado a
concorrer com um risco concretizado/acrescido, não se aplica o 505º CC, não se exclui
a responsabilidade, mas antes o 570º CC. O 570º não vai conduzir à mesma coisa,
porque faz com que o juiz possa avaliar se deve conceder totalmente a indemnização,
se deve reduzir ou excluir a indemnização. Não há uma exclusão automática como no
505º.

218
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Para a doutrina moderna, só haverá exclusão da responsabilidade quando o facto do


lesado for o único a contribuir para o acidente.

Conclusão:

- A é responsável nos termos do 503º/1 CC. O acidente ocorreu em virtude dos


riscos próprios do veículo.
 Se estivermos a seguir a orientação tradicional, o artigo 505º
determinará exclusão da responsabilidade, por culpa do lesado.
 Se seguirmos a orientação moderna, temos de distinguir entre risco
de circulação e risco concretizado/acrescido. Se eu estiver numa
situação de risco de circulação (em que não se fala de mais nada que
não o atropelamento), aplica-se o 505º e exclui-se a
responsabilidade. Se houver um risco concretizado/acrescido (falha
de travões, etc.), aplica-se o 570º CC. Só haverá exclusão quando o
facto do lesado for o único a contribuir para o acidente.

B tem direito a ser indemnizado?

- Se seguirmos a tradicional, o 505º determinará exclusão da responsabilidade


por culpa do lesado.
- Se seguirmos a moderna, a exclusão de responsabilidade não se dará, porque
existe um risco concretizado/acrescido.

Fora dos limites:


 Aplicava-se o 483º/1 CC

A doutrina moderna aplicaria também o 570º CC

A doutrina tradicional vê-se confrontada com culpa contra culpa. O 505º só se


aplica quando haja risco contra culpa.

Se houvesse excesso de velocidade, mudaria:


 Fundamento de responsabilidade do proprietário do veículo- 483º/1 CC
 Possibilidade, de acordo com a doutrina tradicional, excluirmos a
responsabilidade, porque o 505º só se aplica à responsabilidade pelo risco e
não por factos ilícitos.

5) A, conduzindo seu automóvel em excesso de velocidade, despistou-se. Em


consequência do acidente, B, a quem A dera boleia, morreu. Os filhos de B,
menores de idade, exigem a A uma indemnização, pelo dano da perda de alimentos
que B lhes prestava, pelo dano da perda da vida de B e pelo sofrimento com a sua
morte. Quid juris? A resposta seria a mesma se A circulasse dentro dos limites
máximos de velocidade?

 A é responsável pelo 483º CC

219
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Perda do dano da perda de alimentos:


 495º/3 CC

Perda pelo dano da perda da vida e sofrimento com a sua morte:


 496º/1 e 2
 496º/4

Correção professor:

Fora dos limites:

 A é responsável pelo 483º/1 CC.

Os filhos de B têm direito a indemnização pela perda de alimentos?


 495º/3 CC

Dano da perda da vida:


 496º/1 CC
 496º/2 CC- os filhos têm direito

Dano pelo sofrimento com a morte da mãe?

- Podem eles pedir estes danos- 496º/4 CC

- Nº4- As pessoas referidas no nº2 podem exigir indemnização pelo dano da


perda da vida e ainda pedir uma indemnização pelos danos sofridos por eles próprios.

Dentro dos limites:

 A é responsável pelo 503º/1 CC. Não se aplicava o 483º/1 CC

Vai haver diferenças relativamente à resposta a dar aos pedidos dos filhos?

- Quando estamos no 503º/1, temos de identificar quem são os beneficiários da


responsabilidade, porque não é qualquer pessoa. O 504º vem dizer que é que pode
pedir uma indemnização, se houver responsabilidade nos termos do 503º/1 CC.

Artigo 504º CC
1. A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem
como às pessoas transportadas.
2. No caso de transporte por virtude de contrato, a responsabilidade abrange só os
danos que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas.
3. No caso de transporte gratuito, a responsabilidade abrange apenas os danos
pessoais da pessoa transportada.
4. São nulas as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade do
transportador pelos acidentes que atinjam a pessoa transportada.

220
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Se aplicássemos o nº1, a resposta a dar aos vários pedidos dos filhos seria
positiva. À partida, não haveria nenhuma limitação aos pedidos pelos filhos. Porém, o
504º tem uma norma que se aplica claramente ao caso concreto- 504º/3 CC.

- A responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa transportada,


logo:
 O sofrimento dos filhos não era indemnizável (são danos de terceiros).
 Os alimentos não eram indemnizáveis, não são danos da pessoa
transportada, mas de terceiros.
 O dano da perda da vida é um dano pessoal da pessoa transportada-
único indemnizável. O dano da perda da vida é a perda do bem jurídico
da pessoa transportada, é um bem pessoal. Esta indemnização é devida.
Mas o reflexo dessa morte nos filhos não é indemnizável.

- Excluímos, assim, com o nº3, os danos de terceiros e danos em coisas


(materiais). Isto é assim, porque o transporte é gratuito. Nem o sofrimento dos filhos
nem um relógio da pessoa transportada são indemnizáveis.

- Se fosse um transporte oneroso, aplicava-se o nº2, que se refere a “danos


que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas”. O nº2 continuaria a
excluir danos de terceiros, mas permite os danos em coisas (materiais). Entrava o
relógio, mas nenhuns bens de terceiros.

- O que extraímos do confronto entre estas duas possibilidades da hipótese é


que a responsabilidade civil por factos ilícitos pode ter um alcance indemnizatório
mais amplo do que a responsabilidade pelo risco.

6) Os veículos de A e de B, conduzidos pelos respetivos proprietários, colidiram


entre si, ignorando-se as causas do acidente. Quem responde e com que
fundamento pelos danos resultantes do acidente?

Colisão de veículos:

 Temos de saber distinguir os danos que são sofridos pelos proprietários dos
veículos que colidiram e os danos sofridos por terceiras pessoas.
 Quando estamos a falar de colisão de veículos e dos danos sofridos pelos
próprios proprietários, vamos diretamente ao 506º CC.

Falamos no 506º CC.

Artigo 506º CC
1. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em
relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a
responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos
houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos

221
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é
obrigada a indemnizar.

1ª parte:
 Se não houver culpa de nenhum, a responsabilidade é repartida na proporção
em que o risco dos veículos houver contribuído para os danos.
 No caso, A e B colidem, não se falando em culpa. Colidiram ambos. Não se
aplica a segunda parte do nº1. Aplica-se a primeira parte do nº1.
 Em contrário, percebemos que este nº1 diz que, quando haja culpa de uma das
partes, a responsabilidade cai toda de um lado, não há repartição de
responsabilidades. Havendo culpa de um dos condutores, a responsabilidade
cai na esfera onde a culpa está.

- Se numa colisão, só um veículo se despistasse e colidisse com um veículo


parado, aplicava-se a segunda parte do nº1.

- No artigo 506º/1 CC também se aplica a presunção do comissário do 503º/3


CC. Aqui há uma especificidade deste regime. Imaginando que havia uma colisão de
veículos, em que um deles é proprietário e o outro é motorista em serviço
(comissário), sendo que se desconheciam igualmente as causas do acidente. Aplicava-
se a presunção do comissário, a responsabilidade está toda do lado onde a culpa está.
Nos termos do artigo 500º, é o comitente quem vai responder porque o comissário
está em serviço. A responsabilidade exclusivamente do comitente. Em contrário,
percebemos que este nº1 diz que quando haja culpa de um lado, responsabilidade cai
toda desse lado, não há repartição de responsabilidades, quando haja culpa de uma
das partes. Aplica-se o 506º CC. Havendo culpa de um dos condutores, a
responsabilidade cai na esfera onde a culpa está.

Como sei como conciliar o 503º/3 ou o 506º/1 CC?

 Assento nº3, de 1994- Esta presunção do 503º/3, aplica-se no


506º/1 CC. Se houver culpa, ainda que presumida, exclui-se a
responsabilidade do outro.

Então como resolver:

- A lei refere-se à proporção em que tenham contribuído para o dano. Como


aplicar o 506º/1 CC?
1. Quais são os danos totais? Vamos supor que A sofreu danos no valor de 900
euros e B sofreu danos no valor de 300.

2. Qual foi a proporção em que cada um dos veículos contribuiu para o


acidente? O que sofreu 300 é um camião, enquanto que o que sofre 900 é o
mini. O mini contribuiu em menos para o acidente, do que o camião. O valor
total dos danos é causado maioritariamente pelo camião. O mini (A) contribuiu
1/3 e o camião (B) contribuiu em 2/3.

222
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

3. Do conjunto total de danos (1200), quanto tem de ser suportado por A e


quanto tem de ser suportado por B? A tem de suportar 400. B tem de suportar
800.

Já agora:

- Em termos práticos, se A vai suportar 400 euros e B vai suportar 800 euros, há
uma valor que vai transitar de um para o outro. B sofreu 300 euros, mas deveria pagar
800 euros. O défice é 500, que vão transitar para A. O A sofreu 900 de danos e só
recebe 500. Isto porque 400 vão ter de ser suportados por ele próprio. Isto só para
demonstrar que as contas batem certo.

10/05/2023 - 22º Aula:

7) Os veículos de A e de B colidiram entre si. O veículo de B era conduzido por C,


motorista de B e ao seu serviço, e que, circulando em excesso de velocidade,
invadiu a faixa em que A circulava. O veículo de A era por este conduzido, no
respeito pelas regras do Código da Estrada. Quem responde e com que
fundamento pelos danos resultantes do acidente?

 C é responsável pelo 506º/1 CC, primeira parte. 500º- responde o comitente


 A não é responsável

Correção Professor:

 Regime da colisão de veículos- 506º/1.

- Neste caso, embora não haja culpa do proprietário do veículo de B, uma vez
que o veículo de B era conduzido por C, motorista de B, havendo comissário e estando
este conduzindo no interesse do comitente, o comissário está, para efeitos do 506º/1,
está no papel do condutor. O que resultará deste artigo é que quando haja culpa de
algum dos agentes, a responsabilidade é exclusivamente imputável àquele agente (e
não ao comitente). Havendo culpa de um dos responsáveis, a responsabilidade será
exclusivamente dele.

Na verdade, a culpa é do comissário, porque será o comitente a responder


exclusivamente e não solidariamente?

- É preciso conjugar este artigo com o artigo 500º. O proprietário é responsável


quando o veículo esteja a ser conduzido por um comissário. O proprietário B, que vê o
seu veículo a ser conduzido pelo motorista, vai responder por todos os danos causados
por esta colisão, nos termos do 506º CC.

- Estamos perante colisão de direitos. O 506º diz que se houve culpa de um dos
condutores, a responsabilidade é exclusivamente dele. Mas sabemos que a culpa é do
motorista. Porque responde o proprietário?

223
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Porque o 506º/1 diz que quem tiver culpa irá responder pelos danos, mas
este artigo está a enquadrar o artigo 500º, que vem dizer que o comitente responde
pelos factos danosos praticados por culpa do comissário.

- O 506º está a pensar nos detentores, porque diz que se não houver de culpa
nenhum, a responsabilidade é repartida na proporção do risco, ou seja, os condutores
são pessoas que respondem pelo risco. Se a responsabilidade vai ser repartida na
proporção do risco, está a dizer que os condutores são pessoas que respondem pelo
risco. Já sabemos que o comissário não responde pelo risco.
- Numa hipótese como esta, em que um detentor está a utilizar um comissário
e o comissário tem culpa, o detentor vai ser responsável, por causa do 506º. Basta isto.
O que o condutor faz repercute-se na esfera do comitente. Teve culpa através do
comissário. Não diretamente, mas a culpa do comissário reflete-se na esfera do
comitente (artigo 500º). Na colisão de direitos, onde está a culpa, está a
responsabilidade.

Podemos ter um segundo plano:

- Em última instância, o comitente não causou o acidente. O detentor (B) pagou


ao A, porque foi exclusivamente responsável. Porém, no plano das relações internas,
há uma norma que se aplica que permite que o detentor do veículo venha a exigir do
comissário aquilo que pagou- 500º/3 CC. Os danos sofridos pelo detentor (B) no seu
próprio veículo vão ser acautelados pelo 483º CC.

8) Os veículos de A e de B colidiram entre si, ignorando-se as causas do acidente. O


veículo de B era conduzido por C, motorista de B e ao seu serviço. O veículo de A
era por este conduzido. Quem responde e com que fundamento pelos danos
resultantes do acidente?

 B é responsável pelo 506º/1 CC, presunção de culpa do 503º/3 CC (só o


comitente responde)

Correção professor:

- Aqui não ficou provado que o acidente tivesse ocorrido por excesso de
velocidade do motorista.

- Quando eu não sei a culpa do acidente, mas sei que há um motorista


envolvido, aplica-se a presunção de culpa (503º/3 CC). O acidente ocorreu por culpa
presumida do comissário. Ter em conta o Assento nº3, de 1994, a presunção de culpa
do 503º/3 aplica-se ao 506º/1 CC.

- Quem responde pelos danos do acidente é o B, de forma exclusiva. É ele


quem tem ao seu serviço um motorista, e por isso, há uma presunção de culpa e todos
os danos vão cair na esfera jurídica do B.

224
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

9) Os veículos de A e de B, conduzidos pelos respetivos proprietários, colidiram


entre si, ignorando-se as causas do acidente. No veículo de A eram transportados, a
título gratuito, C e D, que ficaram feridos com gravidade, em resultado do
acidente. Quem responde e com que fundamento pelos danos sofridos por C e D?

Correção Professor:

- Quanto aos danos sofridos pelos detentores, respondem proporcionalmente


de acordo com aqueles 3 passos, fazendo as contas. Não estando provada a culpa do
acidente e sendo os condutores os proprietários, não há nem culpa nem presunção.
Logo, não havendo culpa de nenhum, o 506º diz que a responsabilidade é repartida na
proporção em que o risco tenha contribuído para os danos.

Quanto a C e D, estes sofreram danos, quem responde e em que termos pelos seus
danos?

- Posso aplicar o 506º para saber quem responde perante estes terceiros? Não.
Só posso aplicar este artigo relativamente aos danos sofridos pelos próprios
detentores. Estes são terceiros, são pessoas transportadas gratuitamente. Assim,
estamos fora do 506º CC.

- Assim, vamos ter de ir aos critérios gerais de responsabilidade por acidentes


de viação. Aqui não há culpa de ninguém, logo não aplico o 483º CC.

- Foi um acidente foi causado por ambos os veículos, pelo que são ambos
responsáveis nos termos do 503º/1 CC. Eles são detentores e são responsáveis pelos
danos que derivem dos riscos próprios dos seus veículos.

- Quando estou a falar de terceiros em relação a detentores de veículos, em


caso de colisão, o primeiro passo é identificar o tipo de responsabilidade, dos
condutores que colidiram.

- O segundo passo é perceber quem são os beneficiários.

- Título de responsabilidade dos condutores que colidiram --> ambos


respondem solidariamente

- Os danos aqui são pessoais e as partes são responsáveis pelo 503º C. Quem
são os beneficiários desta responsabilidade?

Artigo 504º- quem são os beneficiários desta responsabilidade


1. A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros,
bem como às pessoas transportadas.

- O veículo atropelou uma pessoa na estrada. Se não houver exclusão de


responsabilidade, ele é um terceiro. Está coberto pelo 503º/1 CC.
225
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Uma pessoa transportada à boleia. Também vai beneficiar do 503º/1 CC. O


504º/1 aproveita quer a terceiros, quer a pessoas transportadas.

- Porém, quanto às pessoas transportadas, há duas normas que vêm fazer uma
restrição importante aos danos indemnizáveis: 504º/2 e 504º/3 CC

2. No caso de transporte por virtude de contrato, a responsabilidade abrange só


os danos que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas.

- O cônjuge do lesado falecido poderia pedir uma indemnização pela morte do


cônjuge, mas não pelo sofrimento que teve com a morte do cônjuge, porque a lei diz
que só se abrangem os danos sofridos pela própria pessoa e não por terceiras
pessoas.

3. No caso de transporte gratuito, a responsabilidade abrange apenas os danos


pessoais da pessoa transportada.

- No caso de transporte gratuito, a restrição ainda é maior. No caso de


transporte por via de contratos, os terceiros ficam excluídos, mas abrangem-se danos
pessoais e danos materiais. Mas se for à boleia, a responsabilidade admite apenas os
danos pessoais da pessoa transportada.

- Um relógio, por exemplo, não pode ser indemnizável.

Como é que B vai responder perante C e D?

- Já aceitámos que o seu fundamento base é o 503º/1, mas tenho de saber


quem são os beneficiários da responsabilidade de B. O 504º/1 diz que a
responsabilidade identificada no 503º/1 abrange quer pessoas transportadas, quer
terceiros.

- C e D são terceiros, relativamente a B. A responsabilidade do B é fundada no


503º/1 e 504º/1 CC. Esta responsabilidade não tem limitações, porque abrange danos
pessoais, materiais e danos a terceiras pessoas.

Quanto à responsabilidade do A, a resposta vai ser diferente.

- Aqui, A transportava C e D. A responsabilidade de A é fundada no 503º/1, mas


quanto aos beneficiários da responsabilidade, aplica-se o 504º/3 CC. Só os danos
pessoais são indemnizáveis.

- Isto não é problemático aqui, porque só tenho danos pessoais.

226
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Ambos (A e B) respondem pelo 503º/1, mas um responde pelo 504º/1 e outro


pelo 504º/3. Mas como é que eles respondem? O lesado pode demandar de qualquer
um deles ou tem de demandar dos dois e só pode pedir uma indemnização na
medida da contribuição deles para os danos (solidariamente)?

- A e B respondem solidariamente- 497º, por remissão do 499º CC.

- Porque não se aplica o 507º (responsabilidade solidária), uma vez que


estamos perante acidentes de viação?

- Porque temos de ter em atenção o nº2 do 507º CC.


Artigo 507º CC- Responsabilidade solidária
1. Se a responsabilidade pelo risco recair sobre várias pessoas, todas respondem
solidariamente pelos danos, mesmo que haja culpa de alguma ou algumas.
2. Nas relações entre os diferentes responsáveis, a obrigação de indemnizar reparte-
se de harmonia com o interesse de cada um na utilização do veículo; mas, se houver
culpa de algum ou de alguns, apenas os culpados respondem, sendo aplicável
quanto ao direito de regresso, entre eles, ou em relação a eles, o disposto no n.º 2 do
artigo 497.º

- O nº2 diz que externamente eles respondem, mas internamente cada um


responde de acordo com este critério, ou, havendo culpa, só os culpados respondem,
aplicando-se o 497º/2 CC.

- Porém, a primeira parte deste artigo diz que a obrigação de indemnizar


reparte-se de harmonia com o interesse de cada um na utilização do veículo.

- Este critério não pode ser utilizado a esta hipótese. Temos 2 responsáveis,
com 2 veículos. Este artigo está feito para casos em que um veículo está em
compropriedade, ou seja, este preceito está feito para uma pluralidade de
responsáveis, quando eles o sejam, em razão do mesmo veículo.

- Tendo uma colisão de dois veículos, aplica-se o 497º CC.

10) O comboio Alfa Pendular despistou-se no percurso Lisboa – Porto. O acidente


provocou cinquenta mortos e cem feridos. Existe um limite máximo para a
obrigação de indemnização eventualmente devida pelo acidente?

 Artigo 508º- Limites máximos para a indemnização. Esta norma está


dependente de legislação avulsa, que vai determinar qual é o limite máximo de
indemnização.

 No caso dos comboios, o regime está definido pelo DL 124/A, de 31 de


dezembro, artigo 22º- estabelece 10.000.000 euros como valor máximo de
indemnização.

Artigo 508º CC

227
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

1 - A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do


responsável, tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de
responsabilidade civil automóvel.
2 - Se o acidente for causado por veículo utilizado em transporte coletivo, a
indemnização tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de
responsabilidade civil automóvel estabelecido para os transportes coletivos.
3 - Se o acidente for causado por veículo utilizado em transporte ferroviário, a
indemnização tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de
responsabilidade civil estabelecido para essa situação em legislação especial.

- O capital mínimo de responsabilidade no caso dos transportes ferroviários é


de 10.000.000 euros. A lei vem dizer que este é o limite máximo de indemnização.
- Vamos supor que com estes feridos e mortos, a indemnização era de
15.000.000 euros. Seria possível ir buscar os 5.000.000 euros em excesso? 10.000.000
é o capital mínimo do seguro de responsabilidade, ou seja, o montante em que eu não
respondo diretamente perante o lesado, mas sim a seguradora.

- A lei poderia ter estabelecido que a responsabilidade tem de estar segurada


neste montante, mas poderia nada a dizer sobre os limites máximos, isto é, seria a
seguradora a responder pelos 10.000.000 e dos 10.000.000 aos 15.000.000 quem
responderia seria o lesante. Mas considerando que a responsabilidade pelo risco é
especialmente gravosa, e os danos podem ser bastante avultados, o legislador
entendeu alinhar o limite máximo da indemnização com o capital mínimo da
responsabilidade civil, o que significa que se os danos excederem os 10.000.000 euros
a seguradora não responderá, mas também o lesante não responderá, porque estamos
no âmbito do 508º CC, que estabelece os limites máximos de indemnização.

- Isto torna ainda relevante algo que vimos no início desta matéria. Será que
estes lesados não teriam nenhum instrumento a seu dispor, sabendo, no entanto, que
os danos foram superiores ao limite máximo de indemnização?

 A CP tem motoristas. E os motoristas são presumidos culpados, nos


termos do 503º/3. Se a presunção não for afastada, a CP vai
responder nos termos do 500º CC, não se aplicando os limites do
508º CC.

- Vamos supor que se tratava de um acidente de viação causado por um


indivíduo que entrou em contramão na autoestrada e causou um acidente enorme em
cadeia. A responsabilidade dele dificilmente permitira indemnizar todos os danos.
Neste caso, do ponto de vista da responsabilidade, o que estaria coberto pelo 508º
CC?
 Era uma responsabilidade subjetiva.

- Vamos supor que não sabíamos a causa do acidente e que ele era o homem
mais rico da Europa. O que é que um jurista tentaria invocar? Que norma invocaria?
 493º/2 CC- presunção de culpa das atividades perigosas

228
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Exercício 38 da coletânea:

António, empregado de Bernardo, foi encarregue, por este, do transporte de


determinadas mercadorias. Quando procedia a tal transporte António perdeu o
controle da viatura devido ao gelo existente na estrada causando ferimentos graves
a uma criança, Catarina, que brincava no passeio.
a) Quem e em que termos pode ser demandado pelos danos sofridos pela
Catarina?

- Alguém trabalha para outrem, como motorista. Enquanto procedia ao


transporte de mercadorias, o motorista perdeu o controlo da viatura, por causa do
gelo na estrada, causando danos a uma criança, que estava no passeio.
- Títulos de responsabilidade do Bernardo, em abstrato- enquanto comitente
(500º) e detentor (503º/1)

- Responsabilidade de Bernardo como comitente: há relação de comissão, mas


não há obrigação de indemnizar do comissário (foi por causa do gelo). O comissário só
responde com culpa, se foi por causa do gelo, não há culpa, logo não há obrigação de
indemnizar, nem responsabilidade do comitente.

- Responsabilidade como proprietário do veículo. Cumprem-se os requisitos


do 503º/1 CC.

- Porém, a criança não deveria brincar no passeio. Não de pode deixar uma
criança brincar no passeio. Há uma responsabilidade dos pais.

- Isso é importante na relação com a Catarina? Em princípio não, porque os pais


independentemente da responsabilidade, têm obrigação de alimentar o filho. Se
acontecer alguma coisa ao filho, mesmo sendo culpa deles, eles vão ter de arcar com
essas despesas. Mas a culpa deles tem relevância na responsabilidade por acidentes
de aviação.

Será o acidente imputável ao lesado?

- O artigo 505º não se aplica só a casos de culpa do lesado ou casos de força


maior, mas também quando o acidente é imputável a um terceiro, podendo a
responsabilidade ainda assim ser excluída.

Será imputável a terceiro?

- No início, vimos que a doutrina, a respeito do 505º, quanto ao lesado,


entendia que quando havia culpa do lesado isso afastaria a responsabilidade pelo risco
do lesante. No entanto, houve uma evolução da doutrina e jurisprudência que passou
a aceitar que determinado risco pudesse concorrer com a culpa do lesado. Que risco
era esse, que não era afastado pela culpa do lesado?

229
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

 Risco acrescido/concretizado- não é apenas um risco de situação


(derrapou no gelo, teve AVC).

Há culpa do lesado, mas também houve risco acrescido. Aqui não haveria
exclusão da responsabilidade e aplicava-se o 570º CC. Esse raciocínio serve também
para o facto de terceiro. Quando o facto de terceiro existe, mas não é a única causa
do acidente, isto é, também há risco acrescido/concretizado do detentor do veículo,
então essa responsabilidade não vai ser excluída.

Conclusão:

Quem e em que termos pode alguém ser demandado pelos danos sofridos a
Catarina?

 O comissário não é responsável, porque não teve culpa


 A entidade patronal não é responsável enquanto comitente, porque
não há obrigação de indemnizar do comissário
 A entidade patronal é responsável enquanto detentora- 503º/1 CC.

- Haverá exclusão de responsabilidade por uma contribuição dos pais para esse
acidente, isto é, a criança não deveria estar ali. A responsabilidade será dos pais?

- Não. O que está demonstrado é que o acidente não foi exclusivamente


imputável aos pais. Há uma contribuição de um risco, acrescido/concretizado, do
detentor do veículo. Nessa medida, a responsabilidade mantém-se.

- Quem é responsável é Bernardo, enquanto detentor (503º/1), sem haver


exclusão da responsabilidade, porque o acidente não é imputável a facto de terceiro.

b) Suponha agora que António perdeu o controle da viatura por ter de travar
súbita e bruscamente ao ver a criança correr pela estrada atrás da bola com
que brincava. Quem e em que termos pode ser demandado pelos danos
sofridos pela Catarina, que tinha fugido do colégio que frequentava, sem que
ninguém se tivesse apercebido do facto?

- O detentor do veículo, Bernardo, mantem a responsabilidade? Não, já não há


responsabilidade do 503º/1 CC, porque este risco de circulação pode ser afastado em
certas situações- 505º CC. Neste caso, invocando o que dissemos na alínea a), quando
há um lesado que é vigiado, é melhor invocar o acidente imputável a terceiro, que está
obrigado a vigiar esse terceiro.

230
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- A diferença entre as duas alíneas é que aqui não há gelo, só há risco de


circulação. Nesse sentido, o 505º aplica-se quando só há risco de circulação. A
responsabilidade dele é excluída.

E o colégio é responsável?

 O 491º CC não é, de todo, aplicável. O 491º fala de danos causados pelo vigiado
a terceiros. Nesta alínea está em causa danos sofridos pela própria vigiada.
 Os auxiliares/professores não vigiaram a criança, logo respondem pelo regime
das omissões nos termos do 486º CC
 O colégio vai ser responsável nos termos do artigo 500º, enquanto comitente.

Conclusão:
 Vão ser responsáveis o colégio, pessoa coletiva, nos termos do 500º e o colégio,
enquanto auxiliares e professores, nos termos do 486º CC.
Exercício 39

No dia 10 de novembro de 2019, quanto conduzia o seu táxi, António perdeu


súbita e inesperadamente o controlo do veículo, devido ao rebentamento de um
pneu, embatendo violentamente contra um veículo conduzido por Bernardo,
empregado de Celso, que circulava em sentido contrário e com velocidade superior à
permitida no local.
a) Em consequência da colisão, Diana, cliente de António, que seguia no seu
automóvel, ficou gravemente ferida e veio a falecer seis meses depois em
consequência das lesões, deixando viúvo Eduardo, que, desgostoso,
pretende ser indemnizado. Quid júris?

- Há colisão de veículos. Nesta alínea, não vamos aplicar o artigo 506º CC, porque
Diana não é detentora do veículo, mas antes um terceiro.

- A seguir, temos um risco e temos culpa.

15/05/2023 – 23º Aula

- Continuação do Exercício 39
A) Parece estar a referir-se aos danos por Ana e por Eduardo, viúvo de Ana. É
importante referirmos os danos que ocorreram nos veículos, uma vez que estes
colidiram. Vamos empregar uma questão para simplificar a resolução dos exercícios
nestes casos. Quando há hipóteses de colição de veículos, com danos nos veículos e
em terceiros devemos distinguir dois planos:

- Plano das Relações internas – quem é que vai assumir os danos fruto da
colisão de veículos, danos do próprio carro

- Plano das relações externas – pessoas que n são proprietária do veiculo e que
vêm a sofrer danos

231
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

A alínea A) parece apontar para os danos sofridos por Ana e Eduardo, mas
importa recordar que fruto da colisão, os danos sofridos pelo próprio veiculo remetem
para o artigo 506º.
À culpa do lado do Celso, através do seu condutor Bernardo, pelo artigo 506º à
contrário percebemos que a culpa se produz na esfera do proprietário do veiculo –
CELSO iria responder.

Quando se diz que se desconhece a causa do acidente teremos de convocar a


presunção de culpa, mas se nada disser isto não é necessário convocar.

Plano das relações externas – a responsabilidade perante Diana e Eduardo.


Tenho 3 pessoas que são potencialmente responsáveis perante Diana e
Eduardo.

- Bernardo tem culpa – assenta no artigo 483º, nº1.


- Transição lógica – analisar se os pressupostos do artigo 500º: há responsabilidade do
comitente, por parte de Celso.

- António terá responsabilidade? Haverá uma exclusão de responsabilidade? Vai tentar


exonerar-se da responsabilidade dizendo que apenas será imputável a terceiro. A
posição consensual é que a culpa não afasta o risco, para que a culpa afasta-se o risco,
a culpa teria de ter exclusivamente provocada o acidente. A não pode afastar a
responsabilidade pelo artigo 505º.

Em que termos respondem estas esferas lesadas?


Gravemente ferida Diana – convocados danos patrimoniais e danos não patrimoniais,
mas convoca ainda um outro dano não patrimoniais que é a perda da vida (a privação
do maior bem).

Eduardo – danos não patrimoniais

Em que termos é que a responsabilidade de Antonio, fundada no artigo 503º,


nº1, vai aproveitar os beneficiários do artigo 504º. A indemnização por danos sofridos
por Diana, nos termos do artigo 504º, nº1 e 2 advém de antonio. Perante os danos de
Diana, respondem solidariamente os 3, mas apenas Bernardo responde com culpa – no
direito de regresso o direito de indemnizar irá recair para Bernardo. Pode ser
demandando cada um deles.
Danos sofridos por Eduardo – apenas Bernardo e Celso é que vão responder,
pois há uma causa de exoneração da responsabilidade de Antonio no artigo 504º, nº2.

Alínea B)
Plano das relações internas:
- António responde de acordo com o artigo 506º, nº1, segunda parte – nestes
termos, será António que embate no veículo de Celso e que tem de arcar com todos os
danos entre Antonio e Celso.

232
AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

Plano das relações externas:


- Bernardo não teve contributo para o acidente, portanto não será responsável
pelos danos.
- Celso não é responsável como comitente uma vez que não há obrigação de
indemizar do comissário. Havia responsabilidade de indemnizar nos termos do artigo
503º, nº1 de Celso, mas que é afastada pelo artigo 505º, uma vez que a causa de
acidente é imputável exclusivamente a terceiro (António).

C)
Plano das relações internas:
- Relação entre Celso e António. Bernardo poderá ser colocado na posição de
Celso? 503º, nº3 esclarece a resposta – Bernardo é o detentor do veículo nos termos
do artigo 503º, nº3 que remetem para o 503º, nº1. Só Bernardo irá responder – artigo
506º, nº1, ultima parte.

Plano das relações externas:


- Antonio não responde, até poderia responder nos termos 503º, nº3, mas é
afastado pelo artigo 506º, visto que o acidente se deu por causa exclusivamente
imputável a terceiro.
- Bernardo responde nos termos do artigo 503º, nº1. Diana é em relação
Antonio uma pessoa transportada, e por isso, Bernardo responde perante Diana e
Eduardo nos termos do 504º, nº1.

D)
- Apenas desrespeitou as indicações dadas pelo comitente. A lei diz que o
comitente responde pelo facto danoso praticado no exercício das funções que lhe
foram conferidas, ainda que contra as instruções dele.

- Bernardo: Aqui só muda o facto de ele já não estar a trabalhar. Já não


podemos aplicar o 503º, nº3, parte final. Tem uma responsabilidade com culpa
presumida nos termos do artigo 503º, nº3 que será afastada, visto que o acidente se
deu por causa imputável a uma falha nos travões. Demonstra que é um risco da
máquina, que ocorreu por falha dos travões e assim afasta a culpa presumível e não
responde.

- Celso será responsável enquanto detentor dos veículos nos termos do artigo
503º, nº1. Colisão de veículos – artigo 506º, nº1 responde por tudo.

No plano das relações externas:


- Celso responde nos termos do artigo 503º, nº1 e 506º, nº1.

Exercício 37
Plano das relações internas – que nos levam para o 506º: usado para os danos
sofridos pelos detentores dos veículos, pode abranger danos pessoais e materiais.
- O motorista vai ter de ser tratada que cai nas relações externas, o dano
tratado por ele vai ser tratado no plano das relações externas.

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AULAS TEÓRICAS OBRIGAÇÕES | Alice Fernandes & Frederica Rosa

- Amélia vai colidir com o veículo de Duarte.


- Carlos consegue afastar a presunção de culpa presente no artigo 503º, nº3,
uma vez que prova que a causa do despiste do veículo terá sido o óleo na estrada.
Carlos não é responsável.
- Duarte é responsável nos termos do artigo 503º, nº1 e não pode excluir a sua
responsabilidade com base no artigo 505º, uma vez que a culpa do acidente não é
exclusivamente de um terceiro – igual ao que aconteceu com Amélia.
- Amélia e Duarte são dois lesantes que respondem nos mesmos termos.

Plano das relações externas:


Temos Carlos, danos pessoais, e Berta, danos materiais e pessoais. Tenho dois lesados

- Amélia e Duarte respondem solidariamente perante Carlos nos termos do


artigo 497º.
- As pessoas que são responsáveis pelo funcionamento da máquina no âmbito
do artigo 506º devem ser tratadas como terceiro. Carlos perante Duarte deve ser
tratado como um terceiro.
- Berta é um terceiro perante Duarte – 504º, nº1 – não há qualquer restrição enquanto
aos danos indemnizáveis.

- Berta perante Amélia é uma pessoa transportada gratuitamente – artigo 504º, nº3 –
Amélia apenas vai responder pelos danos pessoais.

- Duarte a responder pela integralidade dos danos materiais – AC diz que só deve
responder na medida em que o risco contribuiu para aqueles danos materiais.
Responde apenas na proporção em que o risco tenha contribuído para os danos.

- Na relação entre Carlos e Duarte há exclusão de responsabilidade por parte de


Duarte, uma vez que pelo artigo 506º a causa do acidente é exclusivamente imputável
a Carlos.

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