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Universidade Aberta Isced (UnISCED)

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

Curso de Licenciatura em Administração Pública

Direito a liberdade de reunião e manifestação: caso de Moçambique

Amadine Juma Amade, Código do estudante: 81232529

Nampula, Maio de 2023


Universidade Aberta Isced (UnISCED)

Faculdade de Ciências de Educação

Curso de Licenciatura em Administração Pública

Direito a liberdade de reunião e manifestação: caso de Moçambique

Trabalho de carácter avaliativo,


desenvolvido no campo a ser submetido na
coordenação do Curso de Licenciatura em
Administração Pública no (UnISCED)

Tutor:

Amadine Juma Amade, Código do estudante: 81232529

Nampula, Maio de 2023

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Índice

Introdução.....................................................................................................................................3

Direito à liberdade de manifestação..............................................................................................4

Sentido e alcance do direito à liberdade de manifestação.............................................................4

Chamamento das instituições chave para agir..............................................................................6

Carácter violento...........................................................................................................................7

Autorização...................................................................................................................................8

A Polícia da República de Moçambique contra o Direito à Manifestação...................................8

A actuação da polícia da república de Moçambique na manutenção e reposição da ordem


pública em reunião e manifestação.............................................................................................10

Restrições legais do direito à liberdade de reunião e manifestação............................................11

Controlo das medidas restritivas de direito às liberdades de reunião e manifestação................12

Manual para uma manifestação de sucesso................................................................................14

Conclusão....................................................................................................................................14

Referências bibliográficas...........................................................................................................15

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Introdução

O discurso oficial desqualifica a mais pacífica manifestação de protesto, apresentando-a como um


expediente que não resolve os problemas do país. O coro oficial assume, muitas vezes, formas de
violência física quando em nome de uma pretensa reposição da ordem e tranquilidade públicas a
FIR é mobilizada a descarregar balas de borracha – mais recentemente –, gás lacrimogéneo e jactos
de água sobre cidadãos indefesos e desarmados que protestam contra as mais variadas injustiças. No
fundo, a retórica securitária visa camuflar em delito colectivo um direito constitucional, cujo
usufruto não carece da homologação política ou administrativa dos burocratas do regime. Um aviso
a quem de direito e a necessária cautela para se evitar que os direitos de terceiros não sejam
prejudicados são expedientes suficientes para uma manifestação de sucesso. As causas, essas, não
parecem faltar num país onde a cada dia que passa vai nascendo mais um grupo de protestantes de
direitos coarctados pelo Estado.

Metodologia

Sobreudo, a metodologia usada durante a elaboração do trabalho foi pesquisa bibliográfica.


Conforme Gil (2006), a pesquisa bibliográfica toma forma a partir da consulta à materiais já
elaborados, sendo esses, principalmente, artigos científicos e livros. Aponta, também, que quase
todos os tipos de estudos possuem essa natureza, contudo, há pesquisas que se voltam
exclusivamente ao desenvolvimento a partir de fontes bibliográficas.

Desta forma, o trabalho segue a seguinte estrutura a saber:

 Introdução;
 Fundamentação teórica;
 Conclusão; e
 Referências bibliográfica

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Direito à liberdade de manifestação

Há vários anos que é recorrente o governo de Moçambique, através da sua força policial, limitar
ilegalmente o exercício do direito à manifestação pacífica pelos cidadãos ou diferentes grupos
sociais, por violação dos seus direitos e interesses legalmente reconhecidos ou contra a má gestão
da coisa pública. A manifestação do tipo marcha na via pública é praticamente a mais temida pela
Administração Pública. (ANDRADE, 2006)

 A intervenção da Polícia da República de Moçambique (PRM) para impedir o exercício do direito


a manifestação pacífica e livre tem sido caracterizado por detecções arbitrárias, agressão física,
baleamentos, tortura e outros maus tratos que consubstanciam violação dos direitos humanos, para
além de argumentos falaciosos de que a manifestação não foi autorizada. (ANDRADE, 2006)

Perante esta situação, é curioso e notório a injustificada inércia das instituições de justiça relevantes
nesta matéria, o que é problemático, preocupante, na medida em que perpetua a impunidade das
autoridades policiais e civis que violam o direito à liberdade de reunião e manifestação e outros
direitos humanos neste contexto. (ANDRADE, 2006)

Sentido e alcance do direito à liberdade de manifestação

De acordo com o disposto no artigo 51 da Constituição da República de Moçambique


(CRM): “Todos os cidadãos têm direito à liberdade de reunião e manifestação nos termos da lei.” O
que significa que se trata de um direito fundamental que é directamente aplicável, vincula as
entidades públicas e privadas, deve ser garantido pelo Estado e deve ser exercido no quadro da
Constituição e das leis, conforme se depreende do n.º 1 do artigo 56 da CRM.

 No entanto, na interpretação do n.º 2 do artigo 56 da CRM, é fácil perceber que o direito à
manifestação pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesse protegidos
pela Constituição, como é o caso da salvaguarda da ordem e tranquilidade públicas, da saúde
pública e da vida. A manifestação do tipo marcha pode ser limitada em virtude da luta contra a
Pandemia da Covid-19, tendo sempre em conta que pelo imperativo constitucional, essa limitação
só por ter lugar nos casos expressamente previstos na Constituição. (Vide n.º 3 do artigo 56 da
CRM).

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 O exercício do direito à manifestação está regulado na Lei n.º 9/91, de 18 de Julho (Lei das
Manifestações) e na Lei n.º 2/2001, de 7 de Julho que altera alguns artigos da Lei das
Manifestações.

“A manifestação tem por finalidade a expressão pública de uma vontade sobre assuntos políticos e
sociais, de interesse público ou outros.” É o que dispõe o n.º 3 do artigo 2 da Lei das Manifestações.
Trata-se, pois, de exercício de um direito que serve como um meio de supervisão da Administração
Pública ou da actividade do Estado pelo cidadão e é exercida nos processos de planeamento,
acompanhamento, monitoramento e avaliação das acções de gestão pública e na execução das
políticas e programas públicos, visando o aperfeiçoamento da gestão pública à legalidade e justiça e
respeito pelos direitos humanos. A manifestação é, indubitavelmente, pressuposto do princípio
constitucional da participação democrática dos cidadãos na vida pública.

 Nos termos do n.º 1 do artigo 3 da Lei das Manifestações; “Todos os cidadãos podem, pacífica e
livremente, exercer o seu direito de reunião e de manifestação sem dependência de qualquer
autorização nos termos da lei.” Desta disposição resulta clara e expressamente que a manifestação
não carece de qualquer autorização. O que significa que não há necessidade de formular pedido
para realização da manifestação à nenhuma autoridade pública ou privada.

Todavia, aqueles que pretendem realizar manifestação do tipo marcha, desfile ou cortejo em lugares
públicos ou abertos ao público devem informar nesse sentido, avisando ou comunicando, por
escrito, essa pretensão com antecedência mínima de quatro dias úteis, as autoridades civis e
policiais da área em questão. (ANDRADE, 2006)

É o que determina o n.º 1 do artigo 10 da Lei das Manifestações. Cumpridas essas formalidades,
que também são questionáveis à luz das garantias constitucionais dos direitos e liberdades
fundamentais, as autoridades civis e policiais devem garantir o livre exercício da manifestação
pacífica e não procurar artimanhas sem cobertura legal para impedir, a todo o custo, a realização da
manifestação. (Vide artigo 8 da Lei das Manifestações).

Aliás, qualquer decisão de proibição ou restrição da manifestação compete a autoridade civil da


área em causa e não à autoridade policial, para além de que essa proibição deve ser fundamentada e
notificada por escrito aos promotores da manifestação, no prazo de dois dias a contar da data da

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recepção da comunicação pelas autoridades, sob pena de ineficácia da proibição caso não sejam
respeitados estes requisitos consagrados no artigo 11 da Lei das Manifestações e sobretudo os
critérios de limitação dos direitos e liberdades fundamentais constitucionalmente estabelecidos.

As normas do direito internacional sobre os direitos humanos de que o Estado moçambicano é


parte, cujos princípios orientadores inspiraram a elaboração da CRM, também protegem os direitos
e liberdades fundamentais, incluindo o direito à liberdade de reunião e de manifestação, de
restrições ou limitações arbitrárias como se pode aferir da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos, do Pacto internacional dos
Direitos Civis e Políticos, da Carta Africana sobre os Valores e Princípios da Função,
Administração Pública, etc. Aliás, determina o artigo 43 da CRM que: “Os preceitos constitucionais
relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos.”

Chamamento das instituições chave para agir

Considerando que há anos que é deveras difícil os cidadãos exercerem livre e pacificamente a
liberdade de reunião e de manifestação, sobretudo, na vertente de marcha na via pública, devido a
brutalidade policial, a denegação das autoridades civis para o exercício das liberdades em causa,
com a consequente violação de direitos humanos, da legalidade e da justiça urge a intervenção e
pronunciamento público de determinados actores chave nesta matéria, quais sejam:

a.) O MINISTÉRIO PÚBLICO como garante da legalidade e enquanto titular da acção penal,


tem a obrigação de investigar os factos supra descritos de modo a apurar a existência ou não
de ilícitos de natureza criminal por parte dos agentes da PRM e também repor a legalidade
violada por parte das autoridades civis que denegam a realização da manifestação
infundadamente.
b.) O PROVEDOR DE JUSTIÇA na qualidade de órgão que tem como função a garantia dos
direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração
Pública;
c.) A COMISSÃO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS que tem o mandato de
promover, proteger e monitorar os direitos humanos no país, bem como consolidar a Cultura
de Paz;
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d.)  A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA na qualidade do mais alto órgão legislativo na
República de Moçambique e autor da Lei das Manifestações para proceder a interpretação
autêntica das normas sobre o exercício do direito à liberdade de reunião e manifestação com
vista a dissipar as dúvidas e problemas de interpretação que permitem espaço para abuso de
poder e violação dos direitos humanos, no contexto do exercício destas liberdades.

Carácter violento

“Se a manifestação assumir um carácter violento ou tumultuoso não será considerada como
pacífica”. Isto é, perderá, desse modo, a protecção constitucional. Salienta-se, porém, que tal
violência deverá brotar da maioria ou globalidade dos respectivos participantes, pelo que a sua
constitucionalidade será aferida pelo carácter não excepcional dos actos lesivos. (CHAUI, 2000)

Quanto à proibição de armas, abrange os participantes e os promotores da manifestação. Os


indivíduos armados não poderão beneficiar do exercício desse direito, “já que o porte de arma é
interdito e objecto de sanção penal. Deve, portanto, entender-se por arma “todo o objecto
susceptível de ser utilizado como meio de agressão física de pessoas ou bens, destituído de qualquer
aptidão para servir de veículo de expressão ‘espiritual’ das ideias dos manifestantes”. (CHAUI,
2000)

Importa salientar que a CRM não impõe qualquer limite substancial ao exercício da liberdade de
manifestação, pelo que, por exemplo, não se poderá submeter a prévia ou posterior censura o teor
da manifestação. É claro que como qualquer outro direito constitucionalmente protegido, a
liberdade de manifestação encontra o seu limite naquela norma que garanta e discipline outro
direito ou interesse com ele colida, tal como o direito de propriedade, a liberdade de circulação, o
direito à integridade pessoal, o respeito pelos bons costumes e pela lei penal. (CHAUI, 2000)

Ou seja, “não existe qualquer privilégio ou imunidade de manifestações, pelo que as infracções
ocorridas durante ou no decurso (número 2 do artigo 16) fica sujeito à competente responsabilidade.
O que não podem é, só por si, determinar a dispersão da manifestação pela força.

O direito à manifestação comporta, diga-se, três componentes: a liberdade de manifestação, ou seja,


o direito de se manifestar sem impedimento e, desde logo, sem necessidade de autorização prévia;

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direito de não ser perturbado por outrem no exercício desse direito, incluindo o direito à protecção
do Estado contra ataques ou ofensas de terceiros e, por último, o direito de utilização de locais e
vias públicas, sem outras limitações que as decorrentes da salvaguarda de outros direitos
fundamentais que com ela colidam. (CAPORALI, 1997)

Autorização

O exercício de manifestação ou reunião, em locais privados, não carece de informação e nem de


autorização. Quanto o mesmo acto é exercido em lugares públicos ou abertos ao público as pessoas
ou entidades que a pretendam realizar deverão avisar por escrito, do seu propósito e com
antecedência mínima de quatro dias úteis as autoridades civis e policiais da área. O aviso deve ser
assinado por dez dos promotores devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou,
tratando-se de pessoas colectivas, pelos respectivos órgãos de direcção. (CAPORALI, 1997)

Do aviso deverá constar a indicação da hora, local e objecto da reunião e se se tratar de cortejos,
desfile e outras formas de manifestação a indicação do trajecto a seguir. A entidade que receber o
aviso tem a obrigação de emitir o comprovativo da recepção.

As únicas restrições impostas ao exercício do direito estão relacionadas com a ofensa à CRM, às
leis e à ocupação abusiva de espaços públicos. Também pode não ser permitida por razões de
segurança a realização de manifestações a menos de 100 metros de órgãos de soberania e das
instalações militares e militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes das representações
diplomáticas e consulares e ainda das sedes de partidos políticos. (CAPORALI, 1997)

A Polícia da República de Moçambique contra o Direito à Manifestação

As duas últimas manifestações realizadas em Maputo (18 de Junho e 27 de Agosto de 2016)


trouxeram em evidência “o lado negro” da Polícia da República de Moçambique (PRM), na
qualidade de agente principal de protecção pública.

Começando com a marcha de 27 de Agosto, organizada pelo Parlamento Juvenil (PJ), informações
veiculadas pelo jornal mediax nº 6133, da Terça-feira 30 de Agosto de 2016, nas suas páginas 1 e 2,

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revelam o que de mais assustador caracteriza as nossas autoridades policiais: o abuso de poder e a
intimidação.

Conforme avançou o jornal, baseando-se em supostas investigações, um dia antes da realização da


manifestação pacífica, a PRM decidiu convocar os seus organizadores, Alice Mabota da Liga dos
Direitos Humanos (LDH) e Salomão Muchanga, Presidente do PJ, na tentativa de “persuadi-los” a
não realizarem a marcha. Segundo o jornal, a PRM argumentou que estava na posse de informações
segundo as quais havia um grupo que estava a organizar-se para criar distúrbios e que, se isso
acontecesse, os organizadores seriam responsabilizados. (FERNANDES, 2000)

Depois dessa afirmação, a polícia não pediu, mas exigiu que os organizadores abdicassem do seu
direito constitucionalmente previsto de manifestarem-se, até que ela, quando bem lhe aprouvesse,
indicasse uma data apropriada para o efeito. Ou seja, foi a PRM a violar o princípio de separação de
poderes, pretendendo ir além do espírito da lei e do legislador, que reconhece o direito à
manifestação como um direito subjectivo, próprio dos cidadãos e das cidadãs, enquanto membros
do Estado-comunidade, não do Estado-poder (instituições e agentes públicos), do qual a PRM é
parte. (FERNANDES, 2000)

Ao elaborar a lei, o legislador estava ciente que, a partir do momento que este direito ficasse
resignado à estrita vontade do Estado-poder, os direitos, as liberdades e garantias dos cidadãos e das
cidadãs estariam em risco. É daí que se deve extrair o entendimento e o sentido do nº 1 do artigo 3
da Lei que regula as manifestações, Lei nº 9/91, de 18 de Julho, quando preceitua que “todos os
cidadãos podem, pacífica e livremente, exercer o seu direito de reunião e manifestação, SEM
DEPENDÊNCIA DE QUALQUER AUTORIZAÇÃO NOS TERMOS DA LEI”.

Mas infelizmente, esta não foi a primeira vez que as estruturas de poder e, inclusivamente, a polícia
da República de Moçambique, através do Comando da cidade, procuram de forma expressa
desencorajar o exercício do direito à manifestação. Durante a preparação da marcha que teve lugar
no dia 18 de Junho de 2016 sob lema “Pelo Direito à Esperança”, organizada por um grupo de
organizações da sociedade civil, para contestar a instabilidade política-militar, as dívidas ilegais e a
violação da liberdade de expressão, a polícia agiu de forma a colocar os organizadores da marcha

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numa situação de incerteza quanto à protecção e de certeza quanto à repressão. (FERNANDES,
2000)

Depois de os organizadores terem recebido do Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM)


o comunicado da marcha com as devidas assinaturas do Presidente do Município, decidiram, de
boa-fé, apresentar ao Comando da Cidade o respectivo documento. Numa atitude, diga-se, sádica,
nenhum funcionário da secretaria do Comando Geral da Polícia quis dar o visto de entrada ao
documento, um formalismo simples, apenas confirmativo, exigido por lei a qualquer órgão de
administração pública. (CAPORALI, 1997)

O mais caricato é que no meio do processo, dias antes da realização da marcha, um oficial da
polícia ligou para um dos representantes das organizações informando que, caso não apresentassem
o documento com as respectivas assinaturas do CMCM, a polícia iria reprimir com força e
caninamente a marcha. Quer dizer, era a própria polícia a deitar cascas de banana para o cidadão
infringir a lei.

Este comportamento da PRM demonstra um profundo desrespeito aos cidadãos e cidadãs que de
bom grado e fazendo jus aos princípios da nossa República, fazem de tudo para respeitar a
Constituição e a lei. E exclui a própria polícia do papel de agente principal na consolidação da paz,
democracia e do Estado de Direito. Ademais, é necessário que se desculturalize a ideia equivocada
de que a actuação da PRM é alheia à observância da lei e do respeito pelos Direitos Humanos; ao
contrário, a sua existência é (ou deve ser) a prova viva da garantia da efectivação desses direitos.

A actuação da polícia da república de Moçambique na manutenção e reposição da ordem


pública em reunião e manifestação

Nos momentos em que vivemos, a defesa dos direitos de liberdade de expressão frutos do
democratismo tornam-se cada vez mais preponderantes num Estado de Direito. Assim sendo, a
democracia é vista como sinónimo de reunião ou manifestação, quer seja pacífica, violenta,
inopinadas ou com pré-aviso. A gestão destes eventos face aos novos riscos e ameaças para a ordem
e tranquilidade públicas exigem muito empenho por parte das Autoridades policiais, servidores de
segurança pública em Moçambique. (FREIRE, 1996)

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Nestes eventos de cariz democrático, em que- se verificam riscos, em termos de segurança, pois por
diversas vezes o exercício do direito de reunião e manifestação colide com outros direitos, a
actuação policial deve-se pautar meramente pela preservação da ordem e de tranquilidade públicas,
respeitando os direitos e liberdades dos cidadãos, porque finalmente a actividade da Polícia é
vigiada por várias instituições democráticas. (FREIRE, 1996)

Havendo necessidade de alteração do actual modelo orgânico operacional da Polícia da República


de Moçambique (PRM) que só confere a Unidade Intervenção Rápida (UIR) como única força de
reposição de ordem pública em caso de desordem pública em Moçambique, a resposta policial da
unidade de elite tem sido ineficaz, aliado a longas distâncias que tem percorrido para o interior dos
Distritos, porque a UIR encontrar- se sedeada nas capitais provinciais. (FREIRE, 1996)

Face a isso, para melhorar o actual problema que assola a PRM e os cidadãos em geral, importa
aludir à reorganização da actual estrutura orgânica, criando-se uma força intermediária nos
Comandos distritais mais desenvolvidos do país, com enfoque nos Distritos com historiais de
conflito político armado, incluindo as capitais provinciais. (FREIRE, 1996)

A criação duma força inferior à UIR e superior à Polícia de Protecção (PP), para além de dar rápida
resposta policial, actuará de forma proporcional atendendo ao nível de escalada de desordem,
porque actualmente a UIR é chamada a responder em situações menos graves, limitando o exercício
do direito de reunião e manifestação. (FREIRE, 1996)

Restrições legais do direito à liberdade de reunião e manifestação

As restrições relativas à liberdade de manifestação parecem estar a circundar todas as esferas e de


forma constante. No plano constitucional, decorre do número 2 do artigo 56 que as liberdades de
reunião e manifestação não são absolutas, podendo ser limitadas em razão de salvaguarda de outros
direitos ou interesses protegidos pela Constituição, mormente a saúde pública. (MENDES, 2000)

Deste dispositivo depreende-se que para evitar arbitrariedade, o legislador constituinte desenhou
todo um quadro em que limitações às liberdades de reunião e manifestação são possíveis. Assim,
dispõem os números  2, 3 e 4 do artigo 56, que o “exercício dos direitos e liberdades pode ser
limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela constituição”;  a
“lei só pode limitar os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na

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Constituição”; e que “as restrições legais dos direitos e das liberdades devem revestir carácter geral
e abstracto e não podem ter efeito retroactivo.”

Estas exigências da lei vinculam as autoridades públicas, ainda que tomadas em circunstâncias ou
situações excepcionais como o estado de emergência.  As liberdades de reunião e manifestação são
igualmente objecto de tutela pela Carta Africana de Direitos do Homem e dos Povos, artigo 11. Este
instrumento dispõe que as liberdades de reunião e manifestação se exercem sob reserva de
restrições previstas por leis, no interesse de segurança nacional, segurança de outrem, saúde, moral
ou direitos e liberdades de outrem. (MENDES, 2000)

Decorre de jurisprudência constante da Comissão Africana de Direitos do Homem e dos Povo o


sistema africano de direitos humanos não permite distinções entre restrições de direitos em
circunstâncias e situações excepcionais e em períodos ditos normais4, e as restrições permitidas aos
direitos consagra- dos da Carta  são nos termos definidos pela Carta, seu artigo 27, número 2.

O número 2 do artigo 27 da Carta estabelece as mesmas exigências da reserva estabelecida no


artigo 11, designadamente restrição por via de lei, para respeitar os direitos de outrem, segurança
colectiva, moral e interesse comum. Não definindo nenhum dos elementos ou conteúdo e alcance
das razões podendo levar à restrições de liberdades de reunião e manifestação (segurança colectiva,
moral, saúde, interesse público), a Carta Africana reenvia, através margem nacional de apreciação,
ao Estado o cuidado de os definir.

A CRM, por sua vez, reenvia a prudência da lei à definição do modo de exercício das liberdades de
reunião e manifestação5, ao mesmo tempo que enquadra a possibilidade de limitação no artigo 56 e
as exigências não vão para além das estabelecidas na Carta Africana: fundamento legal para
restrição, em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição,
mor- mente a saúde pública, como foi o caso do impedimento da manifestação da Associação
Médica de Moçambique. (MENDES, 2000)

Ora, das disposições dos instrumentos de protecção de direitos do Homem supracitados resulta que,
apesar de o direito às liberdades de reunião e manifestação serem tangíveis, na medida em que
admitem-se restrições, estas obedecem certos critérios e ainda que fluxo são objectos de estrito
controlo.

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Controlo das medidas restritivas de direito às liberdades de reunião e manifestação

Morin (2005), “como liberdade e direito afectado por certo coeficiente de relatividade e cujas
razões são cobertas pela margem nacional de apreciação, as restrições às liberdades de reunião e
manifestação não são feitas de forma discricionária”.

Os critérios estabelecidos, tanto pela Constituição (limitação legal, salvaguarda de outros interesses
protegidos ou direitos de ou- trem) como pela Carta Africana (legalidade, respeito de direitos de
outrem, segurança colectiva, saúde, moral e interesse comum) resumem-se em três: 

1. Legalidade - restrição de um direito fundamental apenas pode resultar de lei;

2. Necessidade da restrição, dito motivos/razões imperiosas; salvaguarda de outros interesses


protegidos pela CRM, tal como a segurança, saúde pública ou de direitos de outrem;

3. Proporcionalidade das medidas restritivas das liberdades e dos direitos fundamentais à situação
que as tornou necessárias. Estas exigências decorrem da preeminência do Estado de Direito
mencionado no artigo 3 da Constituição e permite reforçar a eficácia do controlo da interferência
das autoridades na esfera de direitos das pessoas e recurso aos órgãos jurisdicionais em caso de
excesso ou abuso de poderes das autoridades públicas e consequentes violações de direitos
fundamentais. (MORIN, 2005)

Ora, se o despacho de indeferimento da solicitação da Associação Médica de Moçambique (desde


logo abusivo pois nos termos do número 1 do artigo 3 da Lei das Manifestações o direito de reunião
e de manifestação se exerce sem dependência de qual- quer autorização) se funda no Decreto de
Conselho de Ministros número 76/2021, de 24 de Setembro, e motivo imperioso, protecção da
saúde pública contra o risco de propagação do vírus da Covid-19, o mesmo falha ao teste de
proporcionalidade.

A jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos considera a técnica de “cerco” legal,


mas sublinha que “as autoridades nacionais não podem recorrer a tais medidas de controlo de
multidões afim de, directa ou indirectamente, sufocar e desencorajar movimentos de
manifestação.” (MORIN, 2005)

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A cultura das autoridades públicas em Moçambique leva a crer que os impedimentos ao exercício
do direito à liberdade de expressão visam desencorajar e sufocar qualquer intenção de manifestação.
O fundamento da medida imposta pelo Conselho Municipal de Maputo dispõe de certa carga de
incoerência, atento a factos como sobrelotação de transporte público relativamente ao qual as 
autoridades públicas parecem tapar propositadamente os olhos. (MORIN, 2005)

O teste de proporcionalidade impõe que as medidas restritivas sejam tomadas na estrita medida da
necessidade. Qualquer extravaso faz da medida  desproporcional e abusiva e violadora do direito ou
da liberdade restringidos. Implicando a realização de um teste de substituição, este último  impõe a
necessidade de escolher, dentre várias medidas que se apresentam face à situação de necessidade
imperiosa, a que menos restringe ou limita os direitos e liberdades. (RIOS, 2010)

Manual para uma manifestação de sucesso

 Identificar a causa.
 Definir a rota ou local público onde ela decorrerá
 Garantir a assinatura de dez promotores
 Informar das causas da manifestação
 Avisar ou informar as autoridades civis e policiais da área
 Entregar o aviso com quatro dias de antecedência
 Exigir o documento comprovativo da entrega do aviso
 Solicitar protecção do Estado contra eventuais sabotadores
 Garantir que nenhum manifestante tenha armas ou objectos susceptíveis de ferir terceiros
 Se houver necessidade de se aproximar de um espaço de soberania garantir que esteja, no
máximo, a 110 metros de distância
 Não colocar em causa a integridade de terceiros ou a propriedade privada
 Informar os órgãos de informação social sobre o objectivo e espírito da manifestação

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Conclusão

Tendo em vista os aspectos observados, nota-se que nos momentos em que vivemos, a defesa dos
direitos de liberdade de expressão frutos do democratismo tornam-se cada vez mais preponderantes
num Estado de Direito. Assim sendo, a democracia é vista como sinónimo de reunião ou
manifestação, quer seja pacífica, violenta, inopinadas ou com pré-aviso. A gestão destes eventos
face aos novos riscos e ameaças para a ordem e tranquilidade públicas exigem muito empenho por
parte das Autoridades policiais, servidores de segurança pública em Moçambique. Nestes eventos
de cariz democrático, em que- se verificam riscos, em termos de segurança, pois por diversas vezes
o exercício do direito de reunião e manifestação colide com outros direitos, a actuação policial
deve-se pautar meramente pela preservação da ordem e de tranquilidade públicas, respeitando os
direitos e liberdades dos cidadãos, porque finalmente a actividade da Polícia é vigiada por várias
instituições democráticas.

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Referências bibliográficas

ANDRADE, Jaqueline Alencar. (2006) Direito à liberdade de manifestação: Estudo Sobre o Juízo.
Porto Alegre: UFRGS.

CHAUI, Marilena. (2000) Ética e Violência. [Palestra apresentada no Colóquio Interlocuções com
Marilena Chaui, São Paulo.

CAPORALI, Renato. (1997) “A Polícia da República de Moçambique contra o Direito à


Manifestação”. In Estado de Minas. Minas Gerais, 22 Set..

FERNANDES, M. (2000). Mudança e Inovação na pós-modernidade. Perspectivas curriculares.


Porto: Porto Editora.

FREIRE, Paulo. (1996) A actuação da polícia da república de Moçambique na manutenção e


reposição da ordem pública em reunião e manifestação: saberes necessários à prática educativa. 15.
ed. São Paulo : Paz e Terra.

MENDES, João Batista. (2000) Utilização de jogos de empresas no ensino de contabilidade – Uma
experiência no curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Uberlândia. Contabilidade
Vista e Revista, Belo Horizonte, v. 11, n. 3, p 23-41, dez.

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São Paulo, Cortez.

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LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. (2010) Técnicas de pesquisa:


planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e
interpretação de dados. 3. ed. São Paulo: Atlas.

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