Você está na página 1de 19

RICAR DO SALLES

da

sava na Eul pa
H
0
e
mpério do Br
wos.que c
fada e
caise demográfii
ta madura,no
'e
EoValeeraoescravo
scimentodaste
stas ex
Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império
ficado na prática de senhores e es
em como os escravos pa:

alforriaparaoutra,em qu atf

i l ! !U.lii
P 'q '-Ü
CAPITULO
l A classe senhorial e a ascensão e
destruição do escravismo nacional
Entre 1776 e 1848, grandes transformações socioeconómicasreconfi-
guraram o mundo moderno. Revoluções políticas puseram abaixo o A111jHO
Regimeeuropeu e seu co!!glato americano, o 4111igaSi$elxlt Colonial.
Movimente?s.sociais e políticos de trabalhadores passarama demandar li-
berdadecivil, liberdade política e igualdade st)cial, e a reivindicar, entre
outras reformas, a abolição dtgéfico internacional de escravos e, pouco
depois,da prgria .escravidão.Nas Américas, particularmente no Caribe,
multiplicaram-se rebeliões de escravos, entre elas uma revolução vitoriosa.
É no bojo dessastransformações que ocorreu o processo designado pelo
historiador britânico Robin Blackburn, em obra monumental, como (ürru-
óíz(ü(b escraz/limoco/o/zla/.i A escravidão foi abolida nas colónias euro-
péias remanescentes na América, em diferentes estados dos Estados Unidos
e em diversas das novas repúblicas ibero-americanas. No entanto, nesse
mesmoperíodo, em Cuba, ainda uma possessãoespanhola, na maioria dos
estadosdo sul dos EstadosUnidos e no Império do Brasil, a instituição servil
não só foi mantida, como também conheceu notável expansão. Nesses dois
últimos casos, assistiu-seao que se pode designar'llomo üsce/não do
esczzzzls/no
macioma/.Ascensão que se deu em íntima conexão com o desen-
volvimento do mercado mundial capitalista e com a construção dos Estados H
nacionais nessas regiões.'
Tal convivência entre o processo de (ürrzíózz(tzdo escrnuismoco/onça/ e
o processode co/zsfrwção(h esczaz/esmo
nózcioma/,em um mesmo quadro
internacional,tanto do ponto de vista económico quanto social, político e
cultural, trouxe uma j!!!pgltlgQte conseq!!Sega para as regiões que se aterra-
ram à instituição servil e a desenvolveram como nunca antes na história.
r' Rl CARDO SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

Nessasáreas, o novo impulso escravista conviveu permanentemente coU em suaslutas abertas, que incluíam grandes fugas, rebeliões e choques ar-
uma tensão antlescravista, interna e externa.
imadoscoletivos. Essapercepção do novo .significado das !ut!! e aqui
Do ponto de vistaLexlerno, enquanto nos estadosdo sul dos Estados seriarigorgqglente ?plgpqado o emprego da expressãoluta de classes,
Unidos a tensão era resultado direto da convivência com uma opinião pú- Itermo cujo emprego segeneralizou exatamente nessemomento histórico --
blica antiescravista e logo abolicionista que se desenvolvianos estadosnor-
.àpv
. implicou um qçlygpapel do escravo como agenlç.prgtagonlsta das socieda-
tistas,lno Impelia dgBrasil -- onde uma opinião pública abolicionista sÓ desem que vivia e, principalmente, dp ]ytas por direitos e por liberdade --
viria a tomar corpo na décaçjade 1880 -- a tensão resultava.dapressão á'j;;hwa do momento.
inglesa pela extinção do tráfico internacional de escravos. Tal protagonismo, na verdade, foi um importante fator na conformação
l Do ponto de vista.interno, a tensãoantiescravistarepercutiano interior mesmado quadro histórico mais amplo do séculoXIX. Assim, ele contri-
'S do próprio campo,.intelectual e políçco. A escravidão era tema ineludível. buiu para ÍEglçlgr em alguma medida, a própria tensão antiescravista. Des-
Fazia parte do repertório de assuntosque, de alguma maneira, relaciona- de a revolução no Haiti, as rebeliões e a resistência escravas-- endêmicas
vam-secom as questõesdo século,tais como o liberalismo, o governo re- em qualquer sistema escravista nunca mais foram encaradas da mesma
presentativo, a civilização e o progresso,os movimentossociais e. forma pelos cativos -- nem vividas, principalmente. Resistência e rebelião
evidentemente, a ordem e aliberdade. Essefato era exacerbado peia dimen- podiam, desde então, desembocar em revolução. Disso sabiam, diretamen-
são cosmooolita do campgj!!!çbctual brasileiro, marcado, ao mesmo tem- te, os senhores e os governos. Disso acabavam por saber -- ou ao menos
po, por uma grande dblânqa orgânica no que tange aos grupos subalternos por vivenciar -- os próprios escrax-os,ainda que, na grande maioria dos
da sociedade -- em especia]os escravos-- e por sua polarização pelos cen- casos,de forma indireta.
tros intelectuais internacionais.3 Dessa forma, a tensão antiescravista passa- No Brasil, nenhuma experiência de rebeldia cativa repetiu o feito no
va pelo interior do próprio Estado nacional, em suasinstituições e agentes, Haiti. Até a década de 1880, quando eclodiu o movimento abolicionista de
assim como no espaçopúblico, envolvendo intelectuais, políticos, escrito- massas,nenhum movimento social, protagonizado por escravos, seus des-
res, jornalistas, a imprensa, associaçõese demais instituições.4 cendentesou por lideranças e outros setores de trabalhadores que se propu-
A tensão antiescravista,finalmente, repercutia em um quadro de resis- sessema falar em seu nome, colocou em questão a ordem escravista.
y tência escravamarcadopor crescentee novo protagonismo do cativo nas Mesmoassim,diante de um protagonismo cativo, ainda que fragmentado, e
suas relações com os senhores e com outros setores sociais. É difícil medir se
4
de um contexto político e social em que a escravidãoperdia legitimidade, g
houve ou não o aumento do número de rebeliões e de outros aros de resis-
temor de uma grande insurreição escravafoi um fantasmaa atormentar
tência escravaem determinado período histórico, como o que analisamos senhorese autoridades. As lutas escravas,vistas retrospectivamente, conti-
agora. E possível, no entanto, perceber que tais atos, a partir de princípios nuaram a enfrentar e, em última análise, a deter-se na segmentação inerente
do século XIX, revestiram-se de características até então desconhecidas.
àscondiçõessociaisde vida e de trabalho dos cativos. Na época, no entanto,
Elesocorreram em um período de intensasdisputase transformaçõesso- senhorese autoridades não correram riscos. A precaução contra uma possí-
ciais e políticas nas sociedades ocidentais em geral e nas sociedades vel insurreição escrava de largas proporções e de alcance antiescravista
escravistasem particular. Nglpocalst?vamlm jogo diferentes concepções uma possibilidade sempre cogitada depois do Haiti -- foi um importante
gpropgs@gdeArdtos político!.e sociais que. envolviam amplos setores da favorna sondagemde solidariedadesescravistaspara além do âmbito da$
9,y !ociedade. Esse nove:.ÇQgtexto foi percebido e ing1111grado,em maior ou !ivências imediatas desseou daquele senhor, nessaou naquela região em
J"t l menor grau, por senhores e escravos%li;ÍiéusenfrêiitaÚentos cotidianos e particular.Em conjunto com outros fatores, essaprecauçãoconformou,
r'
Rl CA RD O SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

enfim, uma experiência dé classecoletiva,,histórica, a partir da qual os pro- baseconstituiu os grandes proprietários rurais escravistas, primeiramente
prietários individuais de escravospasgái:ama viver suasvidas, a situar-se no
da BaixadaLitorânea e Fluminense e, em seguida, da região de Serra Acima,
mundo das fazendas, das vilas, das cidades, mas também do Império, da ecialmentedo VêJ! do Paraíba.Dg pr;!çg:d11Big çlç.la!!erre, cgm seus
' . Europa e da Civilização. Nesse momento, em articulação com a construção comeiçlante$de grosso trata: adveio a sustentação comercial e financeiras
do Estado, as experiências dos senhores de escravosno Brasil passarama
\

o concursodo Estaljg:!çDtral, das redescomerciaise dos capitaisdos co-


al ocorrer a partir de suasvivências na condição de classesenhorial. merciantesde grosso trato foi vital para assegurar o suprimento de mão-de-
P .P»
7 obra escravaafricana necessário à expansão económica com base na
y produção de açúcar nas áreasdas Baixadas Litorânea e Fluminense, a partir
q A CLASSE SENHORIAL, A ESCRAVIDÃO E A CONSOLIDAÇÃO DO IMPÉRIO dadécadade 1790, e à ocupação mais efetiva da região da Serra Acima, com
a produção de café, a partir do início da segunda década do século XIX. A
A construção do Estado nacional no Brasil se deu como parte do grande açãodo Estado para assegurar o provimento de grandes levas de cativos
contexto de desenvolvimento do mercado mundial capitalista, acirramento afrjanos foi particularmente importante em face da conjuntura internacio-
das contradições e conflitos sociais, formação dos Estados nacionais e re- nal andescravista. A manutenç4çlJ. expansão do tráfico internacional de
crudescimento da escravidão, assim como das resistências escravas,em de- escravo?g.eram,
assim, elemç!!®'f111lçlqlÀl+$gld49emdos interesses do Esta-
terminadas áreas das Américas. Essaconstrução foi resultado e resultou na do, aos interesses dos propriçtáriõi íluminep.!SS e comerciantes de grosso
formação de umd claslÊ:!çnhorialjÊ$gavistlque estendeu sua dominação trato: Sglçjagem essaque, por sua vez, esteve na base da expansão militar,
sobre todo o tçl11jçério da nova nação. Nesse processo, ao mesmo tempo em administrativa,política e simbólicapromovida pelo Estadoimperial no in-
que seiglpês, muitas vezes,pelo emprego direto da força por meio do Esta- terior do próprio território da nação que se fazia, assim, império.
do imperial centralizado, a classesenhorial se expandiu como'estilo de vida. Desseponto de vista, as indicações de Cç)rte e Províncias denotaram uma
Tal expansãosignificou a gestaçãode identidades e valores socialmente (vibrar(l!!jg:pçljÍçlça e administrativa real e siüniíicativa -- e não apenas formal
compartilhados e a adesão a práticas políticas, administrativas públicas e dejB!!!egjgnal, entreo Ri(!gSJlgeiro e seuç!!Qlgglxpandido -- a
X institucionalizadas. Esseprocesso não se restringiu aos grupos de grandes própria província e parte! ?d agentes de Mina Gerais, São Paulo e Espírito
proprietários e comerciantesescravistas,mas se estendeua outros grupos êpn.-- e as dej113j!!çgjéçgd(Hnlp&jo-Essa hierarquia de base regional, por
sociais subalternos que se espelharam nos primeiros e buscaram aderir a seu suavez,seconstituiu por meio de uma hierarquia social assemelhada,de na-
estilo de vida. O emprego generalizado da mão-de-obra escravade origem turezaçscravista, presente, em maior ou menor grau, em todas as regiões, que
:$'t' africanasem toda a parte, em diferentes ramos de atividadese por quase possibilitoua chegadaa um denominador comum social: a ordem escrqyista.
« todos os setoressociaislivres que podiam dispor de recursospara tanto, Em que pese o "jogo das semelhanças"(para usar uma expressão cara a limar
forneceu a basesólida para esseprocesso de expansão. R. de Mattos) sociais,a ordem regional se impôs por óeggggçõesentre o
A classesenhorial no Império do Brasil "aconteceu" para empregar a grupodominante da Corte e da provhcia do Rio de Janelroi reunido em
expressão
consagradapor E.]!DhQmpson historicamentea partir de um torno do partido conservador -- em suasdiferentes qualificações até sua con-
movimento que seiniciou na Corte -- centro político, cultural e moralmen- solidação,no início da década de 1840, nessa última designação e grupos
te dirigente do Império que nascia. Esse movimento teve sua principal base sociaisdas províncias. Tais negociações não foram pacíficas e se efetivaram a
de sustentação,tanto do ponto de vista económico-produtivo quanto do partir dm posições de força, muitas vezes obtidas e garantidas pela força das
social,na província e na praça do Rio de Janeiro. No casoda província, essa armas,ocupadas pela Corte. Esseprocesso, cujos marcos foram a abdicação
RI CA RD O SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

r
de dom Pedro 1, em 1831, e a derrota e a incorporação dos grupos rio- Diferentemente dos plantadores escravistas, que restringiam sua atuação
grandenses-do-su!
à ordem imperial, em 1845, demandoupouco mais de quaseexclusivamente ao exercício de uma dominação nos limites de suas
uma década para estabelecer-se.7 propriedades,ou no de sua região, a classesenhorial se serviu do'Estado
De acordo com limar Rohloff de Mattos, o Dgmento histórico de par119pstmir.sua unidade e.levar a termo uma dupla expansão: hcljlontal,
formação da clçlls$ sephglj!!! se deu quando os plantadores esçraljstas da em rglgçãg aos demais plantadores escravistas de outras regiões do Império,
região fluminense, intimamente ligados ao aparelho de Estado centraliza- e verdçal, em relação às pessoaslivres, que só detinham a si mesmas como
do, além de seu antagonismo com as Cortes de Lisboa, ampliaram o leque propljlçlade. Essadupla expansão significou, mais que uma su12111jlsão,
uma
de seusadversário?:do qual passarama constar: o governo inglês com inco1lpQlgção,
"a qual se apresentava,nos termos da própria proposta
sua política antitráfico; proprietários de terras e escravosem outras re- iluminista, como a difusão de uma clz/i/fzczção".9
./

giões de gglicultura mercantil:esçravjsta, com suaspretensões de autono- Tal processofoi viabilizado, num momento histórico específico,entre
T
,mia regional diante do governo central; produtores interioranos do sul de 1837, çom o marco do Regressoconservador,e 1848, com a derrota da
Minas, ligados ao abastecimento do Rio de Janeiro, interessadosem exer- RevoluçãoPraieira, última tentativa de rebelião armada liberal, em
cer o controle político e administrativo da região; colonos das demais Pernambuco.E o foi pela ação concreta de alguns plantadores fluminenses
't:

-- ou de seusaliados -- articulados ao Estado. Nessa articulação, salientou-.


regiões, que buscavam ampliar seu papel na política e seus espaços econó-
micos e sociais; escravosinsurrectos e a malta urbana, que viam em sua se o papel dos dirigentes imperiais -- fossem eles mesmos plantadores,
como José Rodrigues Torres, futuro visconde de Itaboraí, fossem membros
participação no processo de efervescênciapolítica uma chance de subver-
da burocracia estatal,como o militar Luís Alves de Lima e Sirva,futuro
ter a ordem vigente. Nesse processo, os grandes proprietários escravistas
duque de Caxias, que por matrimónios e alianças familiares se uniu a famí-
l fluminenses, os comerciantes de grosso trato e os altos governantes do
lias de plantadores --, que atuavam como intelectuais da classe senhorial.
\ Estado experimentaram e forjaram vivências, sentimentos de identidade e
de interessescomuns. Essaíntima relação entre a construção do EstadoImperial e a constitui-
çãoda classesenhorial se deu conforme a Coroa assumia"o papel de um
nada(Zo,nos termos em que Antonio Gramsci o propõe".ío Por minha conta
No momento em que se propunham a tarefa de construção de um estado
e risco, gostaria de adensar o significado da expressão, combinando ele-
soberano, levavam a cabo seu próprio forjar enquanto classe, transbordan-
do da organizaçãoe direção da atividade económica meramente para a or-
mentosda concepçãodo teórico e revolucionário italiano e do processo
histórico específico do Império do Brasil.
ganização e direção de toda a sociedade, gerando o conjunto de elementos
indispensáveis à sua ação de classe dirigente e dominante. Não se constituin- Em primeiro lugar a Coroa como partido significou a transformação de
do unicamente dos plantadores escravistas, mas também dos comerciantes uma füpsglja em sgsg çopum, isto é, em um conjunto mais ou menos
que lhes viabilizavam e, por vezes,com eles se confundiam de maneira !!!jl1lqdo de práticas, crençase idéias acercada vida socialudifundidase
indiscernível, além dos setores burocráticos que tornavam possíveis as ne- pl;lgilh?daspor grande número de pessoas.No casodo Império, isso siga-
cessáriasarticulaçõesentre política e negócios,a classese/zõorü/se distin- ficou a i;anqfor!!?$ão de uma concepçêg.mgpárqylcQ.representativa, de k.
guiria nessatrajetória por apresentaro processono qual seforjava por meio feitio liberal, masconservadora,da política, em valor corrente no mundo '
do processo de construção do Estado imperial.8 político." Tal concepçãofoi elaborada,no contexto da décadade 1830,
particularmente tendo por base os teóricos que pensaram os fundamentos
da Monarquia de Julho na França.
r'
E O VALE ERA O ESCRAVO

De acordo com essavisão, a ordem era a condiç4Q.4gl.j$eZ4gde,


ea Tanto os estadistasquanto o imperador em sua prática política, contri-
garantia dessaúltima era o fundamento ético da primeira. Nessa equação, a buíampara a tais!!!q!!!!gsêg gp !jj8elçnSg! e dos interessescomuns aos
ordem representava as condições históricas reais da sociedade que subordi- diferentesestratosda classesenhorial. No topo de»! hierarquia, e em posi-
navam a busca da realização de quaisquer definições e princípios abstratos. ção externa e superior a ela, estava a (:oroa. Era exatamente essa posição
Estes, quando buscados sem mediações, acabavam por conduzir à anarquia que [he garantia o lugar de ascendÊ1lci4: moral,. condição densahie-
y *Ê, finalmente, à tirania, que terminava por matar a própria liberdade. Isso rarquização çle interesses e,diferenças.t3 Mas a hierarquização de interesses
'significou, com variações de acordo com as características particulares de e a organização social não se restringiam à classe senhorial e àqueles que
cada lugar e circunstância, uma postura que reconheceu a inevitabilidade da queriam e excepcionalmente podiam ingressar nela ou em torno dela
:?' .y }l expansão
da liberdade,de acordocomosnovostemposdo séculoXIX, e orbitar. Na base desse procel$so, no mundo privado do governo da Casa,14
'V !' o' que por isso sempre buscou conduzir essaexpansão em seu limite mínimo e estavaa possibilidade, sempre remotíssima, é verdade de um percurso para
.$..f.. dentro do slafws qzío social. Eventualmente, a postura se formulou como a liberdadee para a possede escravos,controlado pela figura do senhor,
.*.f doutrina que se queria ora liberal moderada, ora conservadora liberal. No que seestendia mesmo aos setores mais baixos da sociedade e, no limite, ao
Império do Brasil, foram expressãodessa postura o conservador José próprio mundo da escravidão. Esse lugar do senhor era possível e mesmo
.l Paulino Sobres de Souza, o visconde do Uruguai, e Nabuco de Araújo -- requeridodevido à p=sen$!=gS5q no tecido social de escravosjovens afri-
este,a partir do início da década de 1860, como liberal moderado. canoscom um valor r€1ativamFntebaixo. Essapresençapressionavae
Na vida política do Império, isso representoua aceitaçãotácita, por viabi[izava a existência de um "mercado da.]jberdqç4e" regulado pela prática
f .;' todos ou quase todos os agentes políticos, das regras do jogo tais como daa corria, que era, ao lado e como face suplementar da violência, o princi-
ssJ / definidas na letra da Constituição de 1824, no Ato Adicional de 1834 e na palinstituto no governo da Casa.A Coroa, como símbolo do Estadoe da
Interpretação do Ato Adicional, promovida sob a égide do Regressoconser- Civilização, conferia a esseexercício de domínio o sÍafws de prerrogativa e
vador. A idéia de República foi isolada, quando não banida, do espectro distinçãosocial, isto é, senhorial.
político. O ideário liberal -- ou a filosofia liberal, é claro continuou a ser A Coroa, por outro lado, emprestava sua distinção e superioridade a
esgrimida, aqui e ali, mas, até açljltçlg]86Z, seussujeitos, os liberais, não determinados órgãos que, se tinham sua origem no mundo dos interesses
buscaram implementá-lo de fato. As críticas dos liberais ao centralismo e ao políticos, sociais e económicos, diferençavam-se desse mundo por sua arti-
imperialismo do poder moderador, até a ocasião, e mesmo depois, perma- culaçãodireta com essamesma Coroa. Assim, o Conselho de Estado e o
neceram no plano da teoria. Para chegar ao governo, aceitavam as regras Senadovitalkio eram compostos efetivamente a partir do recrutamento e
estabelecidas.Uma vez no governo, acomodavam-sea elas e, muitas vezes, indicaçãode seusquadros entre as famílias, os grupos de interesse, os "clãs"
eram mais realistasque os próprios conservadores.A filosofia liberal se locaise regionais, os partidos. Mas, uma vez compostos, passavam a pautar
mantinha circunscrita ao plano da doutrina, era contida no senso comum suasdiscussões acima desses interesses particulares. Tinham como foco os
conservador liberal que caracterizou a ordem política imperial. interessesgerais do Estado, e não os dos grupos e localidades particulares,
Em segundo lugar, a Coroa como partido desempenhouum determina- aindaque, em momento algum, perdessemessesúltimos de vista, como
do papel representadopelo imperador no jogo político. Assim como o rei veremosadiante no caso específico das discussões do Conselho de Estado
medieval estudado por Kantorowicz,:' o imperador tinha dois corpos, ou sobrea questão do elemento servil.
melhor, duas inserçõesna ordem política imperial: o da ritualística do regi- O P[9SSssohislóriçQ de fomiação da cjailç senhoria] não foi um proces-
me monárquico e o da sua intervenção pessoal. sológico ou teórico. Foi, sim, uma art culação estrutura -histll11jça,na medi-
RICARDO SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

da em que seu alcance, seusefeitos, sentidos, potencialidades, cristalizações trosgrupos sociais,Fornadas,assim,sub:!jKlnos. Essefoi o momento em que se
simbólicas e institucionais, e, principalmente, suasrelações sociais de pro. apraentoua questãodo Estaçãoe.da direção moral ! jnte]ectua]de toda a
dução condicionaram e ultrapassaram o âmbito das ações e intenções dos sociedade,
de todo c!!mpério, e não apenasda região fluminense,como forma
sujeitos singulares e reais-concretos, coletivos ou individuais, da classese- ãe nnnytençãoe reproduggla ordem senhorial:esçravistaOrdem social
nhorial, ainda que dele tenham derivado.ts escram$ta
que, na época histórica da formação do mundo contemporâneo,
O sentido e o alcance dessasaçõese intenções foram além do pretendida esavalonge de.setDaturalizada, e convivia com uma tensão antiescravista per-
imediatamente pelos sujeitos em suas implicações e conexões com eventos nuanentenos quadros da segunda escravidão, ainda que guardando suasparti-
com outros sujeitos e processosmais amplos em termos temporais e espaciais. cularidades nacionais.ió
Essefato ocorreu porque suasaçõesproduziram resultados que decorreram A classesenhorial foi uma realidqdç.histórica, uma fqmaç4Q.jnter-
não só de suas intenções, mas também dos efeitos das ações de outros agentes rac anal definida a partir de sua dimensão projetiva e memorial que ten-
-- e que, multas vezes,terminaram por ser inesperados e mesmo não deseja- deu a expê!!!i!!Je como forçam direçg:o moÇgl por determinada época e por
dos--- ou porque se inserirem em processossociais e históricos mais amplos, toda a sociedade, entendida como um b/oco bfsfórlco. Isto é, uma totalida-
já em curso e sobre os quais não tinham domínio. Concretamente, a ação dos de de relaçõessociais entre classese grupos.sociais estabelecidasa partir de
agentes era circunscrita a uma esfera -- na qual repercutir que envolvia mod91.deprodução, acumulação, reprodução e apropriação material, con-
articulações do mercado nacional e internacional, de consumidores, de tnão- figuraçõesterritoriais e demográficas, redes institucionais, práticas cultu-
de-obra, de capitais, de insumos etc. tanto capitalistas quanto escravistas,no rai!,lmdições. Nessesentido, !.çlgsse senhorial..ipp!!çgg.yma cultura e um
espaço do moderno sistema-mundo; envolvia articulações entra e in- qàZzos'.btoé, cgmpolçqpçpl:Q$.®QdQ$ .dç.$çb.Jq1941es,
.i.den$dades,lugares
terestatais; articulações culturais intelectuais e artísticas, no âmbito local. re. lõàiais, que delimitaram espaçosde redes de poder ancoradosnessecon- 1: '$;
gional, nacional e internacional. Finalmente, essasarticulaçõesse inseriam junto histórico. A.gaslç senhorial.foi,uq.acontecimento histórico comple- W\.%
em processosde alcancetemporal preexistentese mais duradouros que as xo, e seusmodos de ser e plçl4uz+!$e impuseram como modos de ser, como :%q q
açõesdos sujeitos reais concretos e singulares. estilo dg.y.!da,tanto.jDçelna.qlllg:Rtoexternamente, a outros grupos sociais
Assim, a formação da classesenhorial não pode ser reduzida a um processo subajlernos.E, dessaforma, impuseram-se,enfim, como condição de sua
/ de expansão de alianças familiares a partir de um núcleo de origem, formado reproduçãosocial, física, espacial e temporal por meio de sua articulação
por uma ou mais famílias radicadas em uma região central. Se tal aspecto hz com a WUglsêl1 ages!!do imperial. Sua transformação em classe domi-
parte da formação da classee pode ser concretamente rastreado em termos de nante se deu à medida que se transformou em classenacional, isto é, subor-
indivíduos, famílias e grupos com redes de interessemais ou menos extensas, dinadaà direção moral e intelectual que emanavadessemesmo Estado
ele não foi o dominante. A partir de uma situaçãohistórica particular -- no como formação de poder ampliado.
caso brasileiro, a Sppl!!!!BXg 1lç.i!$37-421 como vivida pelos conservadores Esseacontecerhistórico da classesenhorial envolveu a formação de hie-
fluminenses, olsaquaremas--- as ações de indivmuos, famílias, grupos, muitos } rarquias internas situacionais e simbólicas. Em primeiro lugar, entre orações
deles radicados em aparatos institucionais locais, regionais e nacionais, resulu- económicas,especializadasem diferentes ramos de produção, como o café
mm, nas palavras de Gramsci, em determinado "grau de homogeneidade, de e o açúcar,acarretandodivisões espaciais,isto é, ligados ao controle de
!utogngdência e de organização",em que havia a consciênciacoletiva.de árease regiões específicas.Em segundo lugar implicou, na medida em que
interesseseconómico-corporativos e sua formulação como identidade e inte- abarcava a mediação das instituições governamentais e do espaço público, a
ressesuniversais,com capacidadede incorporar e modificar interessesde ou- constituiçãode camadasde intelectuais e, mais particularmente, de dirigen-
r'
Rl CARD O SAL LES E O VALE ERA O ESCRAVO

tes políticos. Finalmente, o acontecerhistórico da classesenhorial, ao se de. governo central, o Rio de Janeiro teve uma série de presidentes diretamente
senvolver em um tempo histórico, resultou em hierarquias geracionais. Con- ligados aos interesses regionais, principalmente no período entre os últimos
figurou-se, assim, um território social e simbólico, com lugares específicos, anos da Regência e as primeiras décadas do Segundo Reinado.tP
como a Corte, a civilização, a província, a fazenda, a boa sociedade,e, Entretanto, a Sg:!êg4a classesenhorial se encontrava para além do
A ll malgrado ela, a e dB.:7 Nesse territó- âmbito imediato dos interesseseconómicos, regionais, locais e familiares. l
rio, a Corte e a província do Rio de Janeiro ocuparam o centro da boa socie- Estavaescorada em sua subordinação política e !!mbólica ao Estado imperial.
dade e do Império. O dito "g Império é o café e o ufé é o VHe' e o rama Subgl4jplç49Jl!!ç ÇQ!!b!!g çê(4g.!!qLde suasorações,grupos, famílias e
\ simbólico que emoldurava o brasão do Império são elementos que e4presu- hdivídug! ulX! sensggE identidade e unidade superiores, além, é claro, do
ram, com perfeição, o acontecer histórico da classesenhorialEiDjua conexão átiÕQ.!fççWQ-çlQglçcursos 4dmipjstrativos, finanççi+lg$Lmilitarese políticos
umbilical com ilatifúndio escravistacafeicultor da região fluminense, com a ão Esüdo, sempre que necessário.A instituição monárquica, personificada
X Corte e com o Estado. imperial. Foram essescondicionamentos, perten- na Coroa e na figura do imperador, garantia que essemesmo Estado, ainda
c mentor e identidades mais gerais e amplos o Império do Brasil, a nobre- quesolidamenteancorado no apoio e no favorecimento de uma oraçãoes-
: za, o Estado, a escravidão como modo de produção -- que passaram a balizar pecífica da classe -- a dos grandes fazendeiros fluminenses --, não fosse
e a conferir estabilidade e solidez às identidades, aos pertencimentos e às prá- instrumentalizadodiretamente por nenhum grupo ou facção em particular.
\ ticas sociais mais imediatas e particulares, vivenciadas nos âmbitos local, do Do ponto de vista simbólico, havia como uma inversão que, ao mesmo
grupo de interessese relações,familiar e do indivíduo. tempoque encobria as fontes sociais do poder estatal, fortalecia essasfontes l.
$ A tecedura de redes familiares e de círculos de influência continuou emseusinteressesmais amplos e fundamentais.
= -8 . sendo importante, mas agora mediada pelo processo social irradiador da Dom Pedra ll encarnou e ajudou a moldar, de forma exemplar, o cume
ê Estado (em sentido amplo). A classe senhorial "aconteceu" -- dife- dessacomplexa pirâmide hierárquica. Em sua atuação, buscou estar sempre
rençando-sedos seusgrupos de origem: a "elite" política, o grupo dos co- um nível acima dos demais personagens do topo da hierarquia social e polí-
merciantesde grossotrato, ou, finalmente,o grupo de proprietáriosde tica.Fato que era facilitado pela existência de uma aristocracia nobilitada
escravose terras da região fluminense -- no momento em que a facção do pelomérito, e não pelo sangue.Apenas a família real personificavauma
partido conservador fluminense dos saquaremassetornou governo no Im- realezade origem européia, de sangue, e, portanto, independente das forças
pério e na província. Uma rápida mirada na importância real dessaprovín- sociais e políticas reais, identificando-se, contudo, com a nação como reali-
cia como "celeiro" de quadros imperiais -- fossem elessomente dirigentes dadeem parte derivada da boa sociedade, em parte território naturalizado,
políticos, fossem, além disso, fazendeiros, comerciantes, capitalistas, ou a subordinadoao império do rei e dessamesma boa sociedade. A natureza era
estes diretamente ligados por laços de parentesco e amizade -- atesta esse entronizadona simbologia real e, romanticamente, na simbologia nacional,
fato. Mana FernandaVieira Mastins, em recentee importante trabalho, expressandoa verticalização da ordem política e social, e de todo o espaço
demonstra a preeminência da província fluminense na composição do Con- público, em direção à Corte.20
selho de Estado, além de traçar, em detalhes, as conexõesde família e inte- Resumindo,a formação da classesenhorial como classedominante con-
ressesdos diferentes conselheirosoriundos ou estabelecidosna província." solidou uma arde ntravam-se os

O mesmo pode ser constatado por meio do exame da relação dos presiden- grandessenhoresdé escravos,ern particular os da província fluminense. Tal
tes da província. Em contraste com o caso das demaisprovíncias do Impé- ordem,por sua vez, implicou a construção de uma ordem política hierár-
rio, governadas,na maioria dasvezes,por políticos de fora, indicados pelo quica,em cujo topo encontravam-se o imperador e os estadistasimperiais, a
r'
E O VALE ERA O ESCRAVO

nobreza e a boa sociedade, condição de manutenção da primeira -- e que a mo Nabuco, mais tarde, enfatizada, em suas narrativas clássicassobre o Se-
ela se sobrepôs e se interligou intimamente. Se, durante todo o Segundo gundo Reinado -- U/n es adisfa do /mpéHo, de 1897, e Àffnba Óorma@o, de
Reinado, houve estreita correspondência e dependência entre estas duas 1900 --, o compromisso, ainda que nem sempre bem sucedido, do impera-
ordens, com a primazia estrutural da ordem social sobre a ordem política, dor e de alguns de seuscolaboradores mais íntimos com a abolição. De acor-
uma vez que a escravidão e o controle sobre os escravos eram o chão sobre do com essatradição, haveria quase um cona/nwz/m nesseencaminhamento
o qual ambas se erguiam, nunca houve homologia. O equilíbrio das duas por parte do Estado e da elite política imperiais, que, progressivamente,os
.l ordens e dessasentre si dependia do poder económico e social dos grandes teria afastadoda çlase dominante económica dos senhoresde terra e de es-
senhores, o qual, por sua vez, dependia e se realizava sobre a escravidão. cravos. Afastamento que teria culminado, em 1888, com a Abolição.ZS

O edifício político e social do Império do Brasil repousava sobre o equi- Há boas razões para assim pensar, como se pode ver ao acompanhar o
líbrio, sempre renovado, dessasduas ordens interdependentes. A história impressionanteprocessode declínio e destruiçãoda escravidãobrasileira
$ do Império, do Estado imperial e da classesenhorial fora a história da cons- que se iniciou em 1850. Com efeito, a partir desseano, com a abolição
efetivado tráfico internacional, a população cativa entrou numa fasehistó-
g trução concreta dessainterdependência e equilíbrio. A partir de t8ZQ: essa
rica de declínio. No Quadro 1, podem ser vistos os dados desse declínio. De
ordem começou a dar sinais de crescente instabilidade: estadistas e senhc-
um total de dois milhões e meio, o número de escravosdiminuiu para
!es, que até então haviam .convergido para a formação da clmse senhorial,
723.419cativos em 1887, às vésperasda Abolição. Apresentando, portan-
P começarama divergir. Na rgjLda divergênciaestavaa questãoda esçravi-
aje. ú' .dão. A tensão antiesçravista,agora principalmente em sua dimensão inter- to, uma queda de Z!!Sló(K num período de 37 anos!
çi] .p'na, reabria-se e ameaçava tornar-se um fosso -- o que de fato ocorreu, com
Quadro l
o movimento abolicionista e com a rebeldia escrava--- a partir de 1880. Declínio da população escrava no Brasil
Que papel desempenharam a escravidão e os escravosnesseprocesso? E 1850-88
\ o que veremos a seguir.
Variação
t A '"

relativa ao variação média


Ano população escrava marco anterior anual
ESTABILIZAÇÃO. CRISE E DESTRUIÇÃO DO ESCRAVISMO BRASILEIRO 185o 2.5oo.ooo
1867 1.400.000 -44% 2,59%
Existe um razoável consensona historiografia brasileira em datar o início da 1872 1.510.806 7,91% 1,58%
crise do Império, ou de seu declínio, a partir de 1870.2t Para alguns, essa 1880 1.368.000 -9,45% -1,18%
] 884 1.24o.8o6 9,3% 2,32%
crise tem sido associadatambém ao encaminhamento da soluçãoda chama-
1885 l.ooo.ooo 19,41% 19,41%
da questãoservjhiniçiada em 18$Q, com a extinção efetiva do tráfico inter-
1887 723.4]9 27,66% 13,83%
nacional de escravos,e intensificada com a Lei do Ventre Livre. de 1871.ZA
1888 500.000 3 1,07% 31,07%
idéia :íi iim encaminhamentocontinuado da questãoservil ao longo do
Fonte: Para1884 e 1887, Re/at(5dodo À4f/zfs/á'fodi 4gHcK/fera, de 1885 e 1888. Para 1872, 1880,
século XIX foi primeiramente expressadapor setoresdo próprio movimen- 1885 e 1888, estatísticasdiversas coligidas por Stanley Stein, oP. clf. Para 1867, JoaqujQ llgolberto de
to abolicionista na décadade 1880, como em O abo/lclon&mo, de Joaquim Saum e Sl\xa, Itiuestigações sobre os tecmseametitos da população gera! do Impao e de cada ptouíncia de
persa'íêizíadoi desdeos tempos co/onfafs afé bo/e, Rio de Janeiro, 'lipograâia Perseverança, 1870. Anexo
Nabuco, de 1883, ainda que com ênfase na descontinuidade e na postura aoReiatófio apesmtado à Assembleia Gaut ?taaberttiru da segunda sessãoda décima quarta tegislatt4ra,
errática do Estado, do próprio imperador e da elite política imperial. O mes- pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império, Paulino José Soares de Souza.
RI CAR DO SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

Considerando o marco da Lei de 28 de setembro de 1871, que estipu- De tudo isso, pode-se cgp:ç!!!!!.guezA4.ye+ldade, entre 1 850 e 1 870, a
lou, entre outras disposições, que os filhos das mulheres escravasnasceriam escravid49Jl91111jlgp!isentou uma tendência à esfzzói/cação, senão ao
livros a partir daquela data, há um visível paradoxo na série histórica dessas rescimenlo.),.ao,menos.çlg.pinto de vista demográfico. Essa tendência
cifras. A taxa média anual de diminuição da população cativa entre 1850 e foi interrompida pelas.conseqüências da Lei do Ventre Livre.24 Dessa
1867 é mais de duas vezessuperior (-2,59%) àquela presente entre 1872 e forma, 1871 é o marco do início da c lse do regime escravista, caracteri-
1880 (--1,18%). Isso em que pese o fato de os efeitos da Lei de 1871 -- que zadopor um ritmo de declínio demográfico relativamente lento e pela
retirava do cálculo os filhos de escravasmenoresde oito anosde idade já perspectiva inevitável de fim do trabalho escravo em futuro mais ou
repercutirem por nove anos. Mesmo se computarmos em conjunto os pe- menos previsível.
ríodos de 1850-67 e 1867-72, quando os dados apontam o crescimento da Em 1884, portanto antes da Lei dos Sexagenários,que libertou os cati-
população escrava,ainda assim, o ritmo de queda entre 1872 e 1880 seria vos maiores de sessentaanos, o número de escravos no país teve uma queda
inferior ao do momento anterior. Entre 1850 e 1872, a população escrava de 9,3%, em relação a 188 0. Isso significou uma taxa média anual de queda
diminuiu em 39,57%, a uma taxa média anui! de queda de 1,8%, ainda de 2,32% praticamente o dobro daquela experimentada no período an-
superior à do período seguinte, de 1,18%. O que esteparadoxo indica é terior.A partir dessemomento, o ritmo de declínio se intensificou, e. de
que, como se trata de taxas médias estimadas e não taxas reais, o movimen- 1885 até o 13 de maio de 1888, a queda foi de 59,7%, ou de 41,7(}6, se for
to demográfico da população escrava, entre 1850 e 1872, não foi de um consideradoo número oficial de 1887. Tal mudança de ritmo resultou da
declínio constante e retilíneo. As taxas médias encobrem um primeiro mo- l bertação de cativos deck!!SBlç-glCgtlm.!!!!ç.da ação !.da propaganda
vimento de declínio, em ritmos cadavez menores,até atingir um ponto de abolia onistas. Esseritmo exponencial de queda caracterizou, assim, a partir
inflexão, provavelmente em torno de 1865, quando se iniciou uma fase de de 1.880,o período de desz?rz/irãoda escravidão brasilei+la,que se consumou
crescimento. Se for considerada a cifra de 2.100.000 escravos existentes no no 13 de maio de 1888.zs
Brasil em 1850, também aventada entre os estudos demográficos desde os
anos 1860, então teríamos um declínio de 33,33% da população cativa até
1867, a uma taxa média anual de 1,96%. O que demonstraria um momen- OPROTAGONISMO
SOCIALDOS ESCRAVOS
EA
to de inflexão, em que a tendência ao declínio cedeu lugar ao crescimento, DESTRUIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL
noinício da década de 1860.
Um segundo aspecto importante a respeito da questão seria considerar a A historiografia brasileira das últimas décadas tem destacado o papel ativo
cifra disponível, a partir de estudosdo século XIX, de 1.690.000 escravos que os escravos desempenharam no processo de destruição da escravidão,
em 1869. Aqui há claramente uma incongruência em relação aos números aomenosa partir do início dosanos.[880.2óA participaçãoatavado escravo
relativos a 1867(1.400.000). A diferença de 20,71% entre as cifras de 1869 nosanos 1880 derivaria, por suavez, de mudançasprofundas ocorridas no
e 1867 não pode ser resolvida apenas com a adição de uma média para o perfil da população cativa e nas relações entre senhores e escravos,a partir
ano de 1868(1.545.000). plenos ainda com a utilização dos dois números, da abolição do tráfico internacional em ] 850. Tais mudanças seriam, resu-
pois as variaçõesanuais seriam muito grandes, da ordem de --2,65(%,sem midamente:!.j:ç11jgu!!zqçãçl:jJ4g:pop141ação
cativa, com o aumento crescen-
que houvessequalquer favor externo significativo que pudesseexplica-las. te.4g:p11gpS!!$êg.gf?.escravo!.Qasçidogtllg.B11g$4io desenvolvimento de laços
Trata-se, pois, de adorar um dos dois números. A cifra relativa a1867 pare- familiares e de outras redes de.:g.ljdariSSjqçi$ o çp e ampllg11gg:capaclgade
ce ser a mais afinada com os dados históricos. de.resistêllc!!.çlS1lava; uma.çg!!!çjênclq: .mais ai1lpb.çlç .I'direitos' .adq$ri-
r'
Rl CAR DO SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

dos, e a oposição às iniciativas dos senhores de resningi:!gsnnuma conjun- esabelecimentode guarnições militares em seusmunicípios para preveni-
tura de escassez
de mão-de-obra.Tudo isso teria implicado o incremento rem-secontra o incremento de fitos de rebeldia escrava.Explicitamente,
das ações de resistência e rebeldia, tais como crimes contra senhores e seus umadaspetiçõesrelacionou essesfitos com o aumento do número de criou-
prepostos,fugas, a formação de quilombos, outros ates de rebeldia coti- losentra.!.pglD41ggaçLçqçlv@.
Os crioulos, em contraste com o comporta-
diana, anõesna justiça contra maus-tratos e pela liberdade etc. A rebelião mento dos africanos, tendiam a colocar em questão a legitimidade da
aberta, incentivada e respaldada pela ação do movimento abolicionista da propriedade escrava. Historicamente, os crioulos, "muitos dos quais mula-
década de 1880, seria, dessa forma, a culi$gaçjo de um longo plgçesso tos", nas palavras de Dean, parcialmente serviam de mediadores nas rela-
históEicQdçacumulação dç.forças.27
çõesde controle que os senhores exerciam sobre uma massa de africanos de
Warren Dean, em 1977, discutiu explicitamente essaquestãoe conside- diferentesprocedências recém-chegadosda África. Os mulatos eram pre-
rou mesmo que a própria Lei do Ventre Livre já responderia a uma intensi- feridos para as ocupações domésticas e especializadas.Também tinham
ficação da rebeldia escrava. Ele criticou a literatura histórica anterior que maispossibilidadesde obter alforrias, que vinham a funcionar, para esse
debitara a aprovação da lei apenasà ação dos estadistasimperiais ou à inter- grupo, como uma válvula de escape. Essapossibilidade não dependia de
venção pessoal do imperador, considerando essasinterpretações ingênu- qualquer benevolência dos senhores, derivada de laços de consan-
as.28Criticou a historiografia de sua época,mais sistemática,que via a lei güinidade, mas acontecia "porque sua ambição e ímpeto]dos mulatos]
como um indício de que os fazendeiroshaviam percebido que o trabalho tinham um objetivo mais bem definido, o que dificultava o não-atendi-
livre era mais produtivo que o escravo. Para Dean, essapercepção era em- mento por parte do proprietário".se
brionária no início da décadade 1870 e os estadosescravistasnorte-ameri Uma geraçãoapósa extinção efetiva do tráfico internacional, impor-
canosjá haviam demonstrado que avançosem direção ao capitalismo não tantesmudanças haviam se processado no seio da população escrava. De-
eram incompatíveis com a manutenção da escravidão. Finalmente, ele argu- cresciao número de africanos e "havia mais mulatos e também brasileiros
mentou que, naquele momento, o sentimento abolicionista da classemédia entre os escravos". Estes eram deslocados das ocupações domésticas para
urbana era ainda muito reduzido para que pudesseser considerado fatal o trabalho no campo- Nesse quadro, diminuíam as chances de alforrias.
deflagrador da aprovação da Lei de 28 de setembro de 1871. Assim, con- Em Rio Claro, essaschancespassaramde 8%, em 1846-50, para 2,4%,
siderou que eram falhas as opçõesaventadaspara explicar a aprovação da considerando-se a expectativa de vida de vinte anos para um escravo mé-
Lei do Ventre Livre e adiantou o pressupostode sua explicação. "E inacei- dio, em 1870." A alteração nas regras do jogo fez com que também mu-
tável considerar os escravoscomo seresinertes e passivos,cujo papel alte- dassea "capacidade do escravo brasileiro racionalizar suas queixas". Os
rou-se apenas com a mudança de condições que estavam além de seu escravos nascidos no país passavam mesmo a auto-identificar-se como
alcance ou compreensão. De fato, todas essascondições transformaram- brasileiros,e não mais como crioulos. E se a Lei do Ventre Livre não foi
se marginalmente no decorrer do século XIX, mas os escravosmudaram uma novidade, uma vez que iniciativas semelhantesjá haviam sido
muito mais. ""
adoradasem outras regiões das Américas, "foi notável, entretanto, como
A aprovação da Lei de 28 de setembro de 1871 responderia a essas reação à inquietação dos escravos".s2
mudanças. Para apoiar sua opinião, Dean recorreu a alguns fatos ocorridos JoséMurilo de Carvalho criticou explicitamente a relação estabelecida
no interior de São Paulo na época. Em princípios de 1871, fazendeiros por Warren Dean entre a rebeldia escravae a discussãoe aprovação da Lei do
paulistas, de Rio Claro e .de Campinas, requereram ao governo provincial o VentreLivre. Para ele, esta relação era exagerada, já que não havia quaisquer
r'
RICAR DO SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

indícios de rebeliões de vulto no período. Em vez disso, o processo revelaria inevitávele de que deveria ser encaminhado de forma gradual e ordeira. Em
maisa capacidadeda elite política imperial em conduzir um processode ante- 1866, por exemplo, o titular da pasta da Justiça respondia à carta
cipação de reformas(zeÓorm-monges/zg)para o enfrenEamento de questões endereçadaao Imperador pelaJunta de Emancipação francesa,consideran-
vistas como inevitáveis em futuro próximo.:' A despeito das consideraçõesde do que "a emancipação dos escravos, consequência necessária da abolição
JoséMurilo e da ampla circulação que sua obra teve no seio da comunidade do tráfico, é somente uma questão de forma e oportunidade". No início de
de historiadores brasileiros, as questões propostas por Warren Dean tiveram 186Zz.iniciou-se
a discussãodo projeto de emancipaçãogradual de Pimenta
desenvolvimento promissor na historiografia posterior sobre a escravidão no Bueno no Conselho de Estado. A necessidade de encaminhar a resolução da
Brasil no século XIX.H Entretanto, sejano trabalho de Dean, sejanos traba- questão servil também foi objeto da Fala do Trono do mesmo ano.só
lhos posteriores, até o momento, as pesquisasnão encontraram evidências Resumindoa discussãoaté agora, não há como estabelecerde forma
que corroborem diretamente a relação entre um ciclo de rebelião ou de inten- inequívoca uma relação direta entre um aumento nas ações de rebeldia
sificação da resistênciaescravae eventos específicosocorridos na esferapolí-
dos escravose a motivação do Estado imperial para colocar a questão da
tica ou jurídica em 1871.
escravidãoem pauta. Aros de rebeldia, fugas, assassinatos,aros de violên-
A combinação entre a rebeldia escrava e a legislação que atingiu os inte-
cia, formaçãode quilombos e tudo mais que marcavaa resistência
ressesescravistaspode ser encontrada, claramente, na década de 1880. Em endêmicados escravizadosao cativeiro eram uma realidade na década de
relação à abolição efetiva do tráfico internacional de escravosem 1850 --
1860,assimcomo haviam sido em períodos anteriores. O fato novo eram
ainda que não tenha sido o fator principal para a aprovação da lei, que
as.con4jçêS!demog1láfica!!..gociqis
ç.po+fçicasem que estesfitos aconteci-
respondeu primordialmente às ações navais inglesas --, a revolta escrava,
am. Isto é, de que !ipg.gç.pol!!!bçêg.ç$crava, coO.quais características
ou melhor, seutemor, estevepresente nas consideraçõespara que tal deci-
depggláficas,.de origem çtç: Fasesates emergiam.Entretanto, daí não
são fosse tomada. São abundantes os indícios de rebeldia escrava, particu-
advémautomaticamente que fossem mais ameaçadores, que representas-
larmente africana, e de temor de uma insurreição geral dos escravosnas
semperigo mais iminente. Essaavaliação era, para os contemporâneos, e
décadasde 1830 e 1840. limar Rohloff de hlattos salientou como a aprova-
é,para os historiadores, matéria altamente subjetiva. A posferfod, o que
ção da Lei Eusébio de Queiras, nas palavras de seu próprio autor, respon'
deu, em parte, ao temor da rebeldia escrava, devido à presença maciça de podemosfazer é considerar -- çom a vantagem de partir dos aconteci-
mentosjá ocorridos e de conhecimentos de que os homens do passado
africanos nos plantéis, especialmenteda região do Vale do Paraíba's
No caso da Lei de 28 de setembro de 1871, contudo, podem-se estabe- não dispunham, ao menos com a abrangência que o fazemos --, as ações,
os fatos e as suas circunstâncias.
lecer ilações, com algum grau de verossimilhança, HaSnão relaçõesdiretas.
Vejamos, então, sumariamente, em que consistiam as alterações ocorri-
De fato, desde meadosda décadade 18ó0,já qçnédia idenljfjçar claramen-
te, nos discursos.çz.menos comum, nas ações de diferentç$.ageplle!.!gciais dasnas circunstâncias que envolviam as ações de senhores e escravos após
é,.e.A l do período, sinaisde que a instituição servil estavaem criseqdç.gygp.seu 1850, e que já estavam consolidadas por volta de meados da década de
fim em inevitável. Iniciava-seum 1860, às quais voltarei a considerar de forma mais detalhada.

política à escravidão. Surgiam as primeiras manifestações abolicionistas,


à".., principalmente nos meios estudantis.Havia também os pronunciamentos
de autoridades no sentido de que o fim da escravidãoera uma questão
RI CAR DO SALLES E O VALE ERA O ESCRAVO

NOVO QUADRO HISTÓRICODAS RELAÇÕESSOCIAIS DE internacional, houve uma tendência à concentração social e territorial da
FORÇAS ENTRE SENHORES E ESCRAVOS (C. 1 865 70) propriedade de cativos. s era disseminada por

A primeira dessasalteraçõesdiz respeito à forma e ao ritmo da reprodução 119p!!y115?gblang a as diferentes regiões do país e se estençjjlj3nlgàsjleas
socialda mão-de-obra cativa. Como era de esperar a interrupção do tráfico rurais quanto às urbanas, a partir de 1850 passou a se restringir às regiões
internacional de escravos,em 1850, praticado em grandesproporções des- mqjlJjgêlygsla economia q às camadas abastadalJla HOWulação livre.30
de meados da década de 1830, incidiu diretamente sobre a taxa de cresci- Essefato, ainda que não deva ser superestimado, pelo menos até a década
mento da população escrava.Até recentementea historiografia considerou de1880, dimlHulu aspgigenlem que poderia ser construída uma solidarie-
que essataxa teria se tornado negativa, uma vez que não havia crescimento dade!91j1l escravista mais ampla, presente praticamente em toda a socieda:
vegetativo da população escrava.Robert Slenes, depois de minuciosa inves- de e todas as regiões. A ma!!!!!unção da ordem. elcravocrata passou a ser
tigação sobre a demografia escrava no Sudestebrasileiro entre 1850 e 1888, interesse
de ulp grupo socialmas restrito: os grandesprgpljÊlárlos, princí-
concluiu que, apesardas taxas de natalidade relativamente altas, a popula-
ção cativa brasileira declinou fundamentalmente devido ao número de mor- O estancamentodo fluxo de novos africanos para o paísresultou ainda
tes superior ao número de nascimentos.A reprodução natural era nacria!!jizaçãoe na ladjl3j;ç5ãoda população cativa. Fato que alterou a
dinâmicaem que se davam as relações entre senhores e escravos.39Crioulos
importante fator na reposição de escravos, mas o tráfico enter e entra-regio-
nal era o principal responsável por atender às necessidadesde mão-de-obra eafricanosladinos dominavam melhor os códigos sociaisvigentes. Por isso
tinham mais possibilidades de construção de laços de amizade, compadrio e
cativa das áreas de p/a/zfafíon.37
de familiaridade, dentro e fora de sua comunidade. Aumentavam seu le.
Se essaconstatação é verdadeira em relação à demanda por mão-de-
que de oportunidades de conquistas de espaços sociais, tais como a constitui-
obra nasnovas áreasque se abriam à produção de café, principalmente em
çãode pecúlios, a compra de alforrias, o direito ao cultivo de uma roça
São Paulo, talvez não o seja em relação à questão do crescimento vegetativo familiar ou pessoal etc.
da populaçãoescrava,ao menos no caso do Vale do Paraíba.Nessaárea,
Houve ainda um iDglQrequilíbrio entre glsexos, advindo da interrup-
'wpodem ser encontrados fortes indícios de que, em meados dos anos 1860, a
f
3 população cativa apresentavataxas positivas de crescimento. Mais ainda:
çãoda vinda de novos jovens e adultos do sexo masculino -- perfil domi-
nantedo cativointroduzido pelo tráfico internacional.Essefato foi
essecrescimento, e não a compra de novos cativos via tráfico interno, pas-
possivelmenteacompanhado da elevação nos padrões de vida da comuni-
f sou a ser o principal fator da reprodução social da escravidão na região. dadecativa. Nessascondições, surgiram melhores possibilidadesde consti-
Adiante, esseassuntoserá retomado. Por ora, fiquemos com a constatação tuição de uniões estáveis entre os escravos. A família escrava, por sua vez,
W
de que, tp!!!F g! !$50, mudglam as çg!!gicões de reploducão social da aumentouo poder de barganha dos escravos junto a seussenhores. É sabido
população escrava.Fatores endógenos-- como a vida familiar e as taxasde quecativos respaldadospor relações familiares, na medida em que conta-
natalidadee mortalidade -- ganharam importância relativa em relaçãoa vamcom a solidariedade dos outros membros da família e de demais pes-
fatores exógenos, como o tráfico de cativos. soascom ela relacionadas, tinham condições mais favoráveis de ampliar
Em segundo lugar, mudaram as condições faciais objetivas em que se seusespaçosde conquistas na sociedade.
davam as relações de forças entre senhores e escravos. Com a escasseze o A tgrççya alteração nas circunstâncias que envolviam asrelações entre
aumento nos preços reais de escravos,resultantes da abolição do tráfico senhorese escravos,após 1850, diz respeito a práticas que até então haviam
Rl CARDO SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

pautado o espaçode negociaçãoentre eles, e funcionou como uma espécie dos cativos, por sua vez, se fazia, dadas as novas condições demográficas e
de contratendência em relação às alteraçõesanteriores. Diante de um qua- sociais,a partir de comunidades escravascaracterizadas por laços de famí-
dro de elçassezde Hêg:çje:abra, os !gghores, principalmente das regiões de lia, compadrio e alianças mais arraigados, mesmo que sob maior ameaça.
p/antatio#, tenderam a se !g!!!êt..mêj!.!éiçbf ng. corlçrole..4e suas escra- Taislaçosenvolviam, direta ou indiretamente, pessoaslivres, na maioria das
varias, no sentido de continuarem a auferir ou a aumentar seusganhos.
vezesoriundas, fosse em primeira geração, fosse com origem em um passa-
Muitos escravos de áreas tradicionais, por outro lado, passaram a ser vendi-
do mais remoto, da escravidão. Essaspessoasviam-se cada vez mais pressio-
dos para as regiões de pZa fation. Nesse movimento viram rompidos deter- nadosa ablg mão ou a desistir de obter cativos. Essefato reduzia asbasesde
minados direitos/concessõesque tradicionalmente haviam desfrutado. As
ãla solidariedade subalterna com.a ordem escravistê.vigente. Mais ainda,
famílias, que usualmente não eram separadas,agora eram atingidas pela facilitava a manutenç4g.o}4.g.ç$tabelçcjmento de laços de solidariedade en-
pressão do tráfico interno e podiam ter seus membros vendidos separada-
tre os setore?.livrei pobres e os escravos, uma vez que tanto os primeiros
mente. Nas novas áreas e regiões, normalmente de agricultura de exporta-
quanto os segundos pelypgWm 4ç!$1dços.aomundo do trabalho. Nessas
ção, o ritmo de trabalho mais tradicional dava lugar ao trabalho de turma, novascondições, a liberdade, antes concedida, transformava-se em direito a
com mais intensidade e realizado sob severavigilância. Ali também restrin- serconquistado.
giam-se os espaçosde movimentação na vida cotidiana que caracterizavam Finalmente, tudo isso acontecia em um ambiente nacional e internacio-
as áreas e regiões mais tradicionais, assim como, e principalmente, as cida-
nal crescenteile!!y..Jllç$:flvor4yç!.ê.gç11gyidão.
A opinião pública européia
des.A análise de processoscriminais envolvendo cativos demonstra não só
-- moldada no quadro de ascensãodo capitalismo industrial e das lutas dos
que a ruptura de padrões tradicionais de relacionamento crescentemente
trabalhadores pela conquista de direitos sociais e políticos -- era cada vez
passou a estar na raiz de muitos crimes cometidos por cativos, como tam-
maisintransigente em sua condenação à escravidão. Essaopinião encontra-
bém que estesúltimos reagiram contra estamudança40
va terreno fértil para se desenvolver entre os estudantes, os letrados e os
O resultado de tudo isso foi a alteração no sentido básico daquilo que
setoressociaisintermediários da sociedadebrasileira que viam aumentar
Joaquim Nabuco chamou de elalçicidade da escrgljlj4o brasileira" TH elas-
seupeso numérico e social, em um mundo em qug a escravidão deixava de
ticidade se caracterizava, em última instância, pela possibilidade, ainda que
fiazerparte de seucotidiano. Eventos políticos nacionaise internacionais.
remota, de ascensãosocial, até mesmo do escravo, para o mundo da liber-
como a Guerra do Paraguai e a Guerra da Secessãonos Estados Unidos.
dadee mesmoda propriedadede cativos,e sempreservira como favor de
expunham ainda mais a face desumana da escravidão moderna. Nessascir-
estabilidade e ordem. Nas novas circunstâncias, advindas das transforma-
cunstâncias,formava-se uma cultura moral e política que condenava mais
ções ocorridas após 1 850, diversos aspectos dessa elasticidade histórica se
diretamente não apenas o tráfico jBçernacional de escravos afrimnos. mas
transfiguraram em elementos de instabilidade das rçlgçéçgsoçb.is.Escravos
também a prç)p!!ê.U!!!gEçao da escravidão.
crioulos e africanos ladinos, dotados de maior capital simbólico e político,
mantiveram e mesmo intensificaram sua pressãopor ampliação de seuses- O Quadro 2 resume o sentido das mudanças históricas que alteraram as
paços de autonomia e liberdade. Entretanto, faziam-no agora em condições condiçõesdas relações de forças entre senhores e escravosna conjuntura
sociais mais restritivas. Aqueles que, mesmo assim, conseguissemobter sua quetem como marco de inflexão meados da década de 1860.
liberdade dificilmente poderiam setornar, como aconteciaaté 1850, senho-
res de uns poucos cativos. A pressão por espaços e por liberdade por parte
RI CAR DO SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

Quadro 2
opuseramà lei e seaterraram ao sfafns qao. Vieram a reboque dos estadistas"
Resumo do processo de mudanças históricas nas condições das relações
bemmaistarde, e a contragosto,quando se viram diante de uma ameaça
sociais de forças entre senhores e escravos(c. 1865-70)
maior mais imediata e fatal, representadapelo movimento abolicionista e
Até cercade 1865 Depoisde 1865
pelarebeldia escrava aberta e generalizada, principalmente em São Paulo. Em
Generalização territorial ' Concentração regional
1871,não foi por acasoque dois terços dos deputadosque votaram contra o
Generalização social ' Concentração social
Alto grau de africanidade ' Crioulização e ladinização prometo
de libertação do ventre da mulher escrava,na Assembléia Geral, eram
Alta taxa de masculinidade ' Maior equilíbrio entre os sexos das províncias produtoras de café.41
Maior inorganicidade da comunidade ' Maior organicidade da comunidade es- O que interessa entender no momento, é o fato de que essabi.foi deba-
escrava crava tidanum período em que a correlação histórica de forças entre :senhorese
Instabilidade demográfica e dependên- ' Estabilidade demográfica e auto-repro- escravos.bqyiase alterado substancialmente, numa espécie de luta de classes
cia do tráfico internacional como base dução natural como baseparaa reprodu- semsujeitos específicos, acarretando qudanKas nas condições.dês relações
para a reprodução das relações sociais ção das relações sociais escravistas
sociais egg!.sçilbglç11 Êscrav(2s.Por isso mesmo, a inçÊÇlçilçãQJçgal do
escrawstas
EstadonessalFçllções se deu, ao menos em parte, no !enljlb de reconhecer
Quadro internacional desfavorável mas Quadro internacional hostil à escravidão
neutralizado em relação à escravidão e rçgulamçntar direitos çostumeirQS.jâ.çongubtados. pelos cativos. Nessas
Cultura moral e política interna con- ' Cultura moral e política interna desfavo- circunstâncias,a Lei de 28 de setembltQ.dçl.1.8ZI.flui.ummarcada;s.relações
descendenteem relação à escravidão rável à escravidão enl11g.$ç!!bç)rQ..gçlçlavos. A partir dela, essas relações passaram a ser
Elasticidade como elemento de repro- ' Elasticidade como elemento de crise da mediadas,ao menos parcialmente, pçk.lei. O recurso à intervenção legal e
dução da escravidão escravidão
do Estado nas relações entre senhores e escravos sempre esteve presente no
Brasil,pelo menos a partir de fins do século XVIII. Seu uso permaneceu e
aumentoucom a independênciae se intensificou a contar de meadosdo
O processo de mudança na correlação de forças entre senhores e escra-
vos, em curso desdea décadade 1850 e intensificado a partir de 1865, soma- séculoXIX. Essemovimento pode ser claramente detectado por meio da
observaçãodasaçõesde liberdade movidas por representantesde escravos
do ao quadro de crise institucional aberto com a Guerra do Paraguai,
contra seus senhores, em que os primeiros requeriam o auxílio,Sla*justiça
produziu o ambiente necessáriopara a aprovação da lei em 1871. Essasnovas
paraobtenção de sua liberdade.« A novidade é que, a partir deá870, aludo
condiçõesda correlaçãode forças foram percebidasprimeiramente por uma
issopassoua ocorrer em um quadro de crise institucional da escravidão,
parcela dos dirigentes imperiais. Foi da cúpula do Estado que pariram a ini-
ampliando os espaçosabertos e legais de conquistas por parte dos cativos. O
ciativa da discussãoe a pressãopela aprovação da lei. De acordo com sua
que,por suavez, intensificou a própria crise da instituição servil.
percepção, abria se um momento de crise irreversível da escravidão, em Guio
Em l$ZO, a escravidãono Brasil viv+g:.umparadoxo. Ao mesmo tempo
centro estaria, mais cedo ou mais tarde, o Império do Brasil. Antecipar-se a
emque era claro para alguns -- principalmente para o imperador e a maio-
essemomento e conduzir o abandonogradual e controlado do regime servil
ria dosgrandesdirigentes imperiais reunidos em torno do Conselho de Es-
era a melhor linha de ação. A maioria dos senhores de escravos do Sudeste --
tado-- que o país estava isolado no cenário internacional por conta de sua
e de seusrepresentantes políticos mais diretos ou não tinha a mesma per- permanência,nas fazendas do Sudeste -- em especial na bacia do Paraíba--
cepçãodo quadro político que seabria, ou não considerouque antecipar-sea a instituiçãovivia um período de estabilidadesocial, com perspectivade
suas conseqüências fosse a melhor forma de agir naquele momento. Eles se consolidaçãoe auto-reprodução, como argumentarei adiante.
Rl CA RDO SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

Notas
7. Essa interpretação, que resume a análise empreendida por limar R. de Mattos em O { ...e
temPOsaq#zzrema,
é contestada,a meu ver de forma insuficiente, por Minam rÇ
Dolnikoff em O paçlg.jmPerü/, São Paulo, Editora Globo, 2005.
Robin Blackburn, A q#ec&z
da esczaz/esmo
co/onze/, ] 776-:Z848, Rio de Janeiro, Record,
8 O temposízqare/nza,p 57(grifos no original).
2. Cuja, apesar de manter-se como colónia espanhola, participou ativamente dessa lava 9. O temposaqza eznza,
p' 92(grifo no original)
10.JcÜm (grifo no original)
expansão da escravidão. Dale Tomich designou esseprocesso como "segunda .
dão". Coníetil Taro:lghtbe Prism of Siavefy:iaboT.capital, and world 11. Não é o casode desenvolver aqui a proposição. Gostaria, no entanto, de assinalar que,
ecoHomy,
esquematicamente,
issosignificou a incQlpQlaçãode uma cg.gçepçlg,de mgtri;.jnglç.
Bouldeb Rowman &: Littlefield, 2004, especialmente o capítulo 2.
sa1.29amáticae uglitádq.41.glgS!!!.pgl#ica e social -- que pode ter em Bentham sua
3. Aqui, inspiro-me em Gramsci, que assinalou a característica dos intelectuais italianos expressãomais elaborada no início do século XIX -- a uma visão histórica da vida
como uma concentração funcional de cosmopolitismo. Conferir Cczder/zosb cárcere,
política e social, como a realizada por Guizot a partir da experiência francesa da Revo-
int ad«ção ao estt{(h &t fitosa$m.A Filosofia de Benedetto CTQce,VQX.1, Rlo JeJanei-
lução, da Restauração e, novamente, da Revolução de julho de 1830, agora mitigada,
ro, Civilização Brasileira, 1999, p. 429.
que instaurou a monarquia de Luís Felipe.
4. Há toda uma discussãoacadêmicaque seforma a respeito da existência ou não de uma 12. Conferir Ernest Kantorowicz, Os dois c07Posdo rel: m esfzdo sobre teologia po/alm
sociedadecivil -- no sentido gramsciano-- no período do Império. Em medíeua/, São Paulo, Companhia das Letras, 1998
fmPerü/, preferi a utilização do termo espaço público para caracterizar um espaço que úl.aJ"... se os Saquaremas conseguem estar no gouertzo do Estado e no governo da Casa, é
convergiria e dependeria, em larga medida, desse Estado, e, dessamaneira, diferem- t' porgweelesrümbém rodaram a Coroa em iürrldo, a quem incumbe organizar a Casa e
dar-se-ia da sociedade civil gramsciana ou da esfera pública habermasiana, ambas típi- conter como aliados aqueles homens livres cuja aspiração é tornarem-se proprietários
cas do mundo moderno, capitalista e burguês, cujas instituições gozariam de ampla em condições monopolistas. À Coroa incumbe ainda tornar cada um dos Luziampare-
autonomia em relação ao Estado em sentido restrito, ou sociedade política Conferir cido com todos os Saquaremas"(limar Rohloff de Mattos, O temPOsagwarema,op.
Ros ateia imporia!. A fw7mçao da {&ntidade nacional no Brasit {lo kgandoReinado, cit., p. 180, grifos no original)
Rio de Janeiro, Tapbooks, 1996, especialmenteas páginas 110 1. É evidente que a 14. "Governar a Casa era sobretudo governar a família;..e nesta se incluíam os próprios
discussão não deve ser encaminhada em termos semânticos, mas sim escravos(...). Governar a escravariaconsistia em não apenasfiscalizar o trabalho da
tos. Assim, por exemplo, nas primeiras décadas do Império, as instituições da socieda- massade escravos,ou em escolher com acerto os feitores e saber evitar-lhes as exage
de civil -- a imprensa, as associações e outras organizações -- colocaram-se, muitas rações,mas sobretudo em crie!.gs condições para que as relaçõesde poder inscritas na
vezes,em confronto aberto com o Estado, representadona figura do governo.Já nas ordem escravbta fossem vivenciadas e interiorizadas. por cada um dos agentes,
duas primeiras décadasdo Segundo Reinado, houve uma clara hierarquização entre dominadorese dominados. Governar a Casaera exercer, em toda a sua latitude, o
essasinstituições e o Estado. Hierarquização essaque independia, em alto grau, de mongpóllg.da violência no âmbito daquilo que a historiografia de fundo liberal
quem fossegoverno. Nesse último caso, a dominação hegemónica estavaconsolidada; convencionou
denominar
dep$14gWvacjQ:
(idem,p. 119-20).
15. A expressão rea/-co/zcrefo é deselegante e pode parecer fora do lugar em uma narrativa
no primeiro, vivia-se uma situaçãode conflito aberto.
histórica. Entretanto, ela é capital para o assunto em questão. Toda a minha argumen-
5.. A formação da classesenhorial e a construção do Estadoimperial, como elementos
tação segueno sentido de salientar que a r$q! dê4ç.bj$tÓriça.4ac4assesenhorial é de
constitutivos de um único processo histórico, foram magistralmente descritas por
11gqT1la!!)strata, isto é, não é dectável nos fatos brutos e imediatos da análise.A
limar Rohloff de Mattos em páginasclássicasda historiografia brasileira, que busco
classe,nessesentido, é antesuma rF!!Sêgggçi4.quç.llqê.qe4jdade palpgye+(ou, como
seguir doravante. Conferir O /empa saqzfae/nza,SãoPaulo, Hucitec, 1987.
bem salientou Thompson, uma "çgi$;O. No caso da classesenhorial, sua formação e
6. Para o papel dos comerciantes de grosso trato ver Jogo Fragoso, Os come/zsdeg'osga existênciasãohistóricas,situadasno tempo e no espaçodo Império do Brasil no perío-
aventura: acKmutaçãomercantil e bieraxquia na p'aça mercantil do Rio de ]aKein do aproximado de 1830 a 1890, e não apenasuma possibilidade inscrita nas relações
(:Z790-í830y, Rio de Janeiro, arquivo Nacional, 1992, e também Jogo Fragosoe
de produção, como no caso da categoria genérica da classe dos senhores de escravos,
Maneio Florentino, O zzxraâmocomo projlefo,Rio de Janeiro, Diadorim, 1993. por exemplo. A classecomo uma realidade histórica "aconteceu", ainda seguindo
RI CAR DO SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

Thompson) quando ela adquiriu essadimensão abstrata,no momento em que, oa. lg. Conferir limar Rohloff de Mantos, op. cít., p' 251 e ss., e Afonso de E. Taunay,
ntermédio de uma camadade intelectuais, direta ou indiretamente conectadaa ela HigórÜ do caáZno Brasfl, ll volumes, Rio de Janeiro, Departamento Nacional do
expressou um prometouniversalista, que se pretendia para toda a sociedade e que. Café,1939, vol. lll.
assim, projetou-se para além do tempo imediato de existência de seusformuladores e 20. Conferir Nósfa@àz/mpa'àz/,OP.clt., especialmenteo capítulo 3. A utilização e a difu-
protagonistas. são das palmeiras imperiais, durante o século XIX, e mesmo no século XX, como
16. Ao longo do texto, empregaremas expressõesordem senhorial, ordem senhorial e im- símbolos do poder nos logradouros públicos das cidades e nas residências particulares,
perial e ordem senhorial-escravista praticamente como sinânimas. São, antes, expres- em especial nas fazendas do Vale do Paraíba, no rastro da expansão cafeeira, indo da
sões que, de acordo com o ponto tratado, visam a dar conta de diferentes aspectos de Corte em direção a São Paulo, foram salientadas por Roseli Mana Martins D'Elboux
um mesmo fenómeno social complexo, que poderiasFtl.S:hamadode ordem senhorial- em comunicação intitulada '%.spalmeiras imperiais como símbolo de poder e classena
escravistaimperial, não fossea fórmula um tant(Mnhestra. configuraçãodos espaçospúblicos da elite cafeeira: do Rio de Janeiro imperial à São
17. Um contemporâneo, em suasmemórias posteriores;nsirüdefinia a ordem social desse Paulorepublicana", l Seminário de História do Café -- História e Cultura Material.
tempo, composta das "três seguintes classes: a dos brancos e, sobretudo, daqueles que promovido pelo Museu RepublicanoConvenção de Itu e pelo Museu Paulista/USBem /Çll19
por sua posição constituíam o que se chama a boa sociedade; a do povo mais ou menos Itu entre 13 e 16 de novembro de 2006.
miúdo, e finalmente a dos escravos", Francisco de Pauta Ferreiro de Resende,Àfl/zAas 21. Atradição vem, pelo menos,de Joaquim Nabuco com Um esfadislado /mpério, publi-
reco?z&zções,
Rio deJaneiro, 1944, p. 185, citado por limar Rohloff de Mattos, op. cjf. cado pela primeira vez em três volumes, em 1897-99.
P l
22DEo casode Oliveira Vianna, com O ocasodo .rmPérlo,de 1925, e de Nelson Werneck
1.8. ConeetirA velha arte degovernat: am estado sobre t)oiítica e elites a partindo Cotlselbo *i''K' Sodré,com ãa/zona/nza
(ü) Segzzn(ü)
.rm/7ér/o,de 1939.
& Estado (:Z842-1889, tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em História 23. José Murilo de Carvalho se utiliza desseencaminhamento da questão servil, entre
Social do Institulg-de Filosofia e Ciências Sociaisda Universidade Federal do Rio de outrosproblemas,por parte da elite política imperial para argumentarsua tesede que
Janeiro. JeíírepNóedell ein livro recente sobre os conservadores fluminenses, a escra- essaelite seria independente da classedominante dos grandes proprietários de terra.
vidão e a construção da ordem imperial, estabeleceuma distinção entre os fazendeiros Nessaperspectiva, a abolição da escravidão, em diferentes conjunturas, teria sido sem-
da Baixada Litorânea(Itaboraí, Saquarema), mais ligados à produção de açúcar, e os da pre um objetivo dessaelite, contraposto aos interessesda classedominante, que a via
Serra-Acima(em particular Vassouras), já ligados à expansão do café. Haveria, no como um entrave para a realização de seu projeto de nação. Conferira co/zs/rzíçãocü
entanto, íntimas conexõesentre os dois grupos, o que ele demonstra por meio do orzüm e O feafro de sombras,Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1996. Ver também
estudo detalhado de quatro clãs: os.Alvares de Azevedo, que incluíam Rodrigues Tor- ;'Escravidãoe razão nacional", i z Dados, vo1. 31, n. 3u.1.98.$.
res, Paulino Soaremde Souza e os peixeira Leite; os Carneiro Leão, que incluíam 24. A tese de que a população escravaestaria em processo de reprodução natural a partir
Honório Hermeto e Caxias; os Lacerda Werneck, e os peixeira de Macedo/Queirós da décadade 1860 foi proposta pela primeira vez, mas semgrande repercussãona
Mattoso, que incluíamJosé Clemente Pereira e Eusébio de Queiras. Essasquatro famí- historiografiabrasileira,por ilgb:g Taplin, T%eAóg/ ! g o/S/aygr2 in Brdz!/,Nova
lias seriam representativasdo que ele chama de oligarquias fluminenses, e suastrajetó- York, Scribner, 1972, p. 18-21. Toplin chega a essaconclusão ao comparar os dados da /
rias mostram, a partir de origens distintas (açúcar tráfico, comércio interno, serviços à matrícula de escravos e ingênuos de 1873 com os da matrícula de 1884. Procedimento f ©}
Coroa), um rumo comum: propriedade rural e serviço à Coroa, todas seafastando do que realizarei no gpítulo 7.

€ J comércio. Conferir rbe narlyõfQrdn


] Brazilün monaxcJ)y, í8Sí-j87Z,
zbe consewaifues, rbe Sigla, a#d s/apela l# rbe
gtanford, Stanford University Press, 2006, especial-
25. Paraos dados sobre população escravaconferir Stanley Stein, Vassowxas.
Um mz/ !c6
pfo has!/eno do caÁ2,1850 1900, Rio deJaneiro, Nova Fronteira, 1990, especialmen-
mente o capítulo 1, Tabelas genealógicas e passam.Este trabalho já estava pronto te a p. 340; RobertConrad,TXeDesírKcífoKof Brazf/ianS/apeW-- í8j0 1888,
quando deparei com a importante obra de Needell, que, em larga medida, tem o MalabarsFlorida, Krieger Publishing Company, 1993, que também trata mais especifi-
mesmo objetivo geral, isto é, explorar asconexões entre a escravidão e a ordem impe- camente da década final da escravidão e do movimento abolicionista (edição brasilei.
rial. Por isso, as menções a seu livro serão apenas episódicas. Deixarei para outra ra, Os zí/limos a7zoscü escaz/af ra mo BxasJ/,2' ed., Rio de Janeiro, Civilização
oportunidade a comparaçãode nossospontos de vista, que, apesardo objetivo geral Brasileira, 1979), e IBGE, .Es&afísf/cózs
#/sfórfcasdo BÜgsi/,OP.c/f. Todos essestrabalhos
comum, são divergentes. estão baseados no estudo de Joaquim Norberto de Souza e Silvo, OP. cif.
r RI CAR DO SALLE S E O VALE ERA O ESCRAVO

26. Para visão mais abrangente a esserespeito, ver Mana melena Machado, O p/algo eo Brasado séculoXIX. Conferir, respectivamente,O dador dos br sí/giros.Clcü(üna,
Pá/zü;o,SãoPauta, Edusp, 1994. Na verdade, asprimeiras análisesque ressaltaramessa escrauãüo e direito ciz/i/ /zo temPO cíeÁ/zfo/zlo Rereira Rebouças, Rio de Janeiro, Civili
conexão originam-se de antes. Ver Emilia Víotti da Costa, Dzz se/zmZaà co/õnü, São zação Brasileira, 2002, e naP/zs cü Casa .rmpeda/: / lsc07zsz{/fos,escxaz/l(Zãoe a Zeíde
Paulo, Difusão Européia do Livro, 1966, e Robert Toplin, "Upheaval, Violence and 1871, Campinas, Editora da Unicamp, 2001.
.l the Abolition of Slavery in Brazil: The Case of São Paulo", i# lÍfsPa/zic Ámedcalz 35. Conferir O temPO sagaarena, OP. cít. Para a questão da rebeldia escrava, conferia.
Hisfodca/ Rez/iem,nov. 1969, e Robert Conrad, OP.cft. Ver ainda nota 63.
entre outros, João José Reis, Rege/ião escxaz,amo Brasa/: a &isfórld do /eua/zfe dos
27. Assim, por exemplo, em Mana Helena Machado, Crime e escxaz/Idãó.Zraba/bo, /z(ta. ma/ês,São Paulo, Brasiliense, 1986; Flávio dos Santos Gomes, .l=iisfóriasde
res/sfé zc/a Mas/az/oz/xaspaw/]sfzzs-- ] 830-] 888, São Paulo, Brasiliense, 1987.
qt ilombolas. Moambos e comum(ides de senmlas no Rio de Janeiro -- século XD<1,
28= A tese da vontade do imperador é retomada por Jeffrey Needell, Tbe Early ofOnsh Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995; e Robert Slenes, 'A Árvore de NsaK(ü trans-
OP.cft., capítulos 6 e 7.
plantada:cultos ko/zgode aflição e identidade escravano Sudestebrasileiro (século
;29..:Rlo C/côro.Um sjsfema bxasi/oiro caga/z(ü /auowxa -- í 820-í920, Rio de Janeiro, Paz XIX)", f# Douglas Cole Libby e Júnia Furtado(orgs.), Zxaba/bo/ime. [zaba/bo escxaz/o
e Terra, 1977, p. 127. .Brasa/ e E Topa, sécwZosXW17 e XZX, São Paulo, Annablume, 2006.
30. Rjo C/aro..., p. 126.
36. .Vwa Ricardo Salles, Nossa/Eia Imperial, oP. cií., p. 158.
31. Idem, p. 128.
37. 1beDemograp})yalldEconomics ofBrazilia» Siauety: 1850-1888, tesede doutorado,
32. "0 este paulistatornar-se-ia uma importante arenada iminente batalha.Ali, maisdo Departamento de História da Universidade de Stanford, 1976, p. 317 e passam.
que em qualquer outra região do Brasil, os fazendeiroscontavam com um poderoso 38. Conferir bebe Mattos de Castro, oP. cít. e "Laços de família e direitos no final da
incentivo de mercado para voltar atrás nos incentivos que anteriormente se concediam escravidão", í/z }ifsfória (ü vida privada #o Brasa/, vo1. 2 (org. Luiz Felipe de
aos brasileiros e aos mulatos." Idem, íbMem. Retomarei adiante, em linhas gerais, a Alencastro), São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
argumentação de Dean sobre o estreitamento das oportunidades de alforrias no qua- 39. Os africanos já adaptados ao Brasil e que dominavam o português eram chamados de
dro de escassez
de mão-de-obraque se abriu com a extinção do tráfico internacional. ladinos, em contraposição aos boçais, recém-chegados da Âfrica.
iii}) Conferir Zeafro de sombras: a po/ítzca /mPeriaJ, 2' ed., Rio de Janeiro, Editora da 40. Conferir bebe Mattos de Castra, Dzzscores... e "Laços de família e direitos:
UFRJ, Relume-Dumará, 1996, p. 282. Concordo, em parto como severá no próximo 41. Joaquim Nabuco chamou a atenção para o fato de que a escravidão no Brasil "... manteve-
capítulo, com essainterpretação. seaberta e estendeuseusprivilégios a todos indistintamente: brancos ou pretos, libertos ou
34. Além do trabalho já citado de Mana Helena Machado(Come e escrauicbo,op.cif.), ingênuos, escravosmesmos, estrangeiros ou nacionais, ricos ou pobres: dessa forma, ad-
que relaciona o aumento da rebeldia escravacom o processo abolicionista em geral ao quiriu, ao mesmotempo, uma força de absorçãodobrada e uma elasticidadeincompara-
longo do séculoXIX, conferir Sidney Chalhoub, Usõescüz/íbezlcücü.
Uma blsfórü (úzs velmente maior do que houvera tido se fosseum monopólio da raça, como nos Estadosdo
zí/fi/nuasdécac&zs
c&zescxaz/irão/za corte, São Paulo, Companhia das Letras, 1990, e Sul". Conferir O aóo/joio/zlsmo,5' ed., Petrópo]i$ 1Ãozes,1988 [1883], p. i126.
bebe Mattos de Castra, Dds cores do silêncio sÜ l/im(hs (ü /lber(&zde no S#üsle 42. Como se verá a seguir, tampouco a posição dos estadistas era unânime, havendo os
êsc7áuÍsfzz.Brasa/, sécw/o X/X, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995. Sidney que se aterraram à defesa do sfaZzlsqwo e combateram a reforma, sem, no entanto,
Chalhoub, ao examinar a escravidão urbana na Corte, considera a Lei do Ventre Livre fazerem prevalecer sua posição.
tanto "arrancada" pelos escravosquanto um exemplo de instinto de sobrevivência da 43. Conferir Robert Conrad, Tbe Desrr crio ofBrazl/ün S/auery -- 1850-1888, OP.
classe senhorial. Conferir Visões i=ü /ibe71(&zde
p. 160-1. bebe Mattos de Castra, ao cjt., P. 66.
salientar o impacto do tráfico interno e das novas vivências de cativeiro a partir das 44. Paraasaçõesde liberdade e sua vigência mesmo antesdo predomínio de uma dinâmica
décadas de 1850 e 1860, chega à mesma conclusão. Conferir Das cores do si/ê/zoo, p. crioula na relação entre senhores e escravos, conferir Keila Grinberg, .Líberafa, a /ei ctz
181 e ss. Em Nossa/gia fmPeria/, oP. cíf., estabeleci também a relação da discussão no ambiguidade. As anõesde lida(üde da corte de Apelação do Rio de Janeiro no século
Conselho de Estado e da aprovaçãoda Lei de 28 de setembro de 1871 com o incre- XZXI,Rio de Janeiro, Resume-Dumará, 1994. Para a relação entre a conjuntura aberta
mento das ações dos escravosapós 1850, ainda que de maneira genérica. Mais recen- pela abolição do tráfico internacional e a intensificação das açõesde liberdade, confe-
temente, os trabalhos de Keila Grinberg e Eduardo Spiller Penatambém ligaram o rir Hebe Manos de Castra, Das cores do silo cio s g focados da /ibmc&zdeno SHdes-
debate e a aprovação de leis sobre a escravidão às relações entre senhores e escravos no fe escraulsfa.Bxasi/.Séczl/oXI)Ç Rio deJaneiro, Arquivo Nacional, 1995

Você também pode gostar