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AULA 6

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

“A atividade econômica realiza-se através da disposição de coisas e do


aproveitamento de serviços. Para satisfazer seus interesses, o homem não
pode limitar-se à utilização direta de bens. Precisa, também, que outros
pratiquem atos que lhe sejam úteis, aos quais contraprestam por diversas
maneiras. [...] Neste caso, exerce ação sobre seus semelhantes. Na
dominação de coisas, seu direito se diz real; na utilização de outros homens,
chama-se pessoal. A distinção corresponde, assim, a um imperativo da vida
econômica. O Direito das Obrigações disciplina, precisamente, as relações
travadas entre pessoas para a satisfação de interesses. Tem, assim, natureza
pessoal.” (Gomes, Orlando. Obrigações. 17. Ed. P. 6)

 Conceito:

 Conceito clássico: “vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir
de outra prestação economicamente apreciável” (Caio Mario)

 Paradigma contemporâneo: o vínculo obrigacional deixa de ser um vínculo de


sujeição para ser um vínculo de cooperação, informado pelos valores
constitucionais e pela incidência da boa-fé objetiva.

Dever de cumprir

DEVEDOR Prestação CREDOR

Direito de exigir

Boa-fé
objetiva

 Evolução histórica

 Na Grécia antiga, não havia, propriamente, uma definição de “obrigação”,


embora já houvesse uma certa noção dessa figura jurídica.

 Aristóteles dividiu as relações obrigacionais em dois tipos, a saber, as


voluntárias (decorrentes de um acordo entre as partes) e as involuntárias
(resultantes de um fato do qual nasce uma obrigação)

 No Direito Romano também não se conhecia a expressão obrigação, mas o


seu equivalente histórico teria sido a figura do nexum (espécie de empréstimo),
que conferia ao credor o poder de exigir do devedor o cumprimento de
determinada prestação, sob pena de responder com seu próprio corpo,
podendo ser reduzido, inclusive, à condição de escravo, o que se realizava
por meio da actio per manus iniectionem.1

1 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 2: obrigações. 15. ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2014.

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 Nessa fase, os romanos não conseguiam distinguir entre o corpo e o patrimônio
do devedor, mostrando o caráter penal dessa execução. Dessa forma, aquele
que se obrigava mediante um nexum unia-se ao credor por um estreito vínculo
pessoal e, em caso de “quebra” da palavra dada, responderia por
infidelidade

 Do ponto de vista formal, o grande diferencial do conceito moderno de


obrigação para seus antecedentes históricos está no seu conteúdo
econômico, deslocando-se a sua garantia da pessoa do devedor para o seu
patrimônio. Tal modificação valoriza a dignidade humana ao mesmo tempo
em que retira a importância central da obrigação do indivíduo no polo
passivo, o que possibilitou, inclusive, a transmissibilidade das obrigações, não
admitida entre os romanos.

 Esses antecedentes transformaram-se, principalmente, através da lex Poetelia


de 441 ab urbe condita, que proibiu a morte e o acorrentamento do devedor;
permitiu ao executado que se livrasse dessa condição de addictio, jurando
que tinha bens suficientes para satisfazer a dívida (bonam copiam iurare); e
extinguiu o nexum, passando o demandado a responder pelas suas
obrigações com o patrimônio que tivesse e não mais com o próprio corpo
(pecuniae creditae bona debitoris, non corpus obnoxium esset).2

 Na era moderna, o Código de Napoleão, de 1804, consagrou, em seu art.


2.093, dentre outras disposições, que os bens do devedor são a garantia
comum de seus credores, regra fundamental não somente para aquele direito
positivado, mas para toda a construção teórica moderna do Direito das
Obrigações, inclusive o brasileiro.

 Fontes das Obrigações: Quando se indaga a fonte de uma obrigação, procura-se


conhecer o fato jurídico ao qual a lei atribui o efeito de suscitá-la.

 Lei: a lei é a fonte primárias de todas as obrigações, em abstrato (fonte


imediata).

 Fatos constitutivos das obrigações (fontes mediatas):

o atos jurídicos negociais: o contrato, o testamento, as declarações


unilaterais de vontade;

o atos jurídicos não negociais: ato jurídico stricto sensu, os fatos materiais
como a situação fática de vizinhança etc;

o atos ilícitos: no que se incluem o abuso de direito e o enriquecimento


ilícito;

o boa-fé objetiva: a partir de sua função integrativa, a boa-fé


estabelece deveres anexos, que não derivam da vontade das partes,
mas de intervenção heterônoma, que impõe a observância de
deveres de informação, lealdade, respeito, probidade, garantia etc.

2 GOMES, Magno Federici. Evolução procedimental do Processo Civil Romano. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 68, set
2009. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6474>. Acesso em
maio 2018.

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 Elementos constitutivos (estruturais)

 Elemento subjetivo: pode ser constituído de pessoas físicas ou jurídicas,


determinadas, ou, ao menos, determináveis (obrigações ambulatórias).

o Credor: sujeito ativo da relação obrigacional, é o titular do direito de


crédito

o Devedor: sujeito passivo da relação jurídica obrigacional, é a parte a


quem incumbe o dever de efetuar a prestação.

 Elemento objetivo: prestação, que consiste numa conduta humana (positiva


ou negativa), que terá sempre conteúdo econômico/patrimonial.

 Elemento abstrato: vínculo jurídico que une o credor ao devedor, garantindo


coercibilidade à relação obrigacional.

o A obrigação só poderá ser compreendida, em todos os seus aspectos,


se a considerarmos como uma verdadeira relação pessoal —
originada de um fato jurídico (fonte) —, por meio da qual fica o
devedor obrigado (vinculado) a cumprir uma prestação patrimonial
de interesse do credor.

o O fato jurídico, fonte da obrigação, por sua vez, não deverá integrar
este elemento ideal, uma vez que, por imperativo de precedência
lógica, é anterior à relação jurídica obrigacional.

2. PRINCÍPIOS INFORMADORES

 Socialidade

 Superação do paradigma liberal de que o bem comum é composto da soma


do bem individual.

 Absorção do sentido de função social: o ordenamento jurídico concede a


alguém um direito subjetivo para que satisfaça um interesse próprio, mas com
a condição de que a satisfação individual não lese as expectativas coletivas
que lhe rodeiam.3

 Relação de complementaridade entre direito e função.

 A sociedade como meio de desenvolvimento para as ações humanas

 A socialidade nas relações obrigacionais se verifica por meio da cooperação


dos indivíduos para a satisfação dos interesses patrimoniais recíprocos, sem
comprometimento dos direitos de personalidade e da dignidade de credor e
devedor.4

 Eticidade

 O direito é uma técnica a serviço de uma ética.

 Utilização de cláusulas gerais, conferindo mobilidade ao sistema jurídico.

3 Farias e Rosenvald, 2017, p.130.


4 Ibid., p. 132.

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 Um sistema relativamente aberto não se pretende como ordem de referência
absoluta, “tem janelas para a mobilidade da vida, pontes que o ligam a outros
corpos normativos – mesmo os extrajurídicos – e avenidas, bem trilhadas, que
o vinculam, dialeticamente, aos princípios e regras constitucionais”.5

 O perfil das cláusulas gerais: As cláusulas gerais são o meio legislativamente


hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de
princípios valorativos, ainda inexpressos legislativamente, de standards,
arquétipos de comportamento, deveres de conduta não previstos
legislativamente, diretivas econômicas, sociais e políticas, normas, enfim,
constantes de universos metajurídicos.

 A cláusula geral enquanto técnica legislativa: contrapõe-se à técnica da


casuística. As repostas aos problemas da realidade são progressivamente
construídas pela jurisprudência.

 A linguagem e as funções das cláusulas gerais

o Generalidade: as cláusulas gerais não são nem genéricas nem


ambíguas, mas guardam vagueza semântica (vagueza ≠
obscuridade), que ganha relevo nas zonas de penumbra (borderline).

o Distinção para os princípios: segundo a autora, as cláusulas gerais não


são princípios, embora na maior parte dos casos, contenham
princípios.

 Ao contrário dos princípios, as cláusulas são sempre expressas;

 As cláusulas gerais sempre remetem a outras fontes;

 Princípios expressos = relação de continente e conteúdo.

 Distinção para conceitos jurídicos indeterminados: os conceitos


indeterminados não permitem criação do direito, mas apenas interpretação
e subsunção.

 Estrutura e função das cláusulas gerais

o Estrutura: as cláusulas gerais constituem normas (parcialmente) em


branco. O juiz deve formular, a cada caso, a estatuição, buscando em
outras normas do sistema ou em valores e padrões extrassistemáticos
os elementos (não necessariamente jurídicos) que possam preencher
e especificar a moldura vagamente desenhada na cláusula geral.

o Funções: permitir a criação de normas jurídicas com alcance geral


pelo juiz (abertura); permitir a mobilidade externa do sistema
(mudanças de valoração); oportunizar, ao juiz, a fundamentação da
sua decisão de forma relacionada com os casos precedentes; permitir
a mobilidade interna (integração intrassistemática).

 Exemplos no CC:

5 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

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o Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

o Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao


exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

o Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites


da função social do contrato.

o Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão


do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé.

 Operabilidade

 Segundo Jhering, é da essência do Direito a sua realizabilidade: o Direito é feito


para ser executado; Direito que não se executa é como chama que não
aquece, luz que não ilumina, O Direito é feito para ser realizado; é para ser
operado. Porque, no fundo, o que é que nós somos – nós advogados? Somos
operadores do direito: operamos o Código e as leis, para fazer uma petição
inicial, e levamos o resultado de nossa operação ao juiz, que verifica a
legitimidade, a certeza, a procedência ou não da nossa operação – o juiz
também é um operador do Direito; e a sentença é uma renovação da
operação do advogado, segundo o critério de quem julga. Então, é
indispensável que a norma tenha operabilidade, a fim de evitar uma série de
equívocos e de dificuldades, que hoje entravam a vida do Código Civil.6

 O ordenamento deve alcançar a pessoa como titular direta da norma.

 Impõe soluções viáveis, operáveis e sem grandes dificuldades na aplicação


do direito. A regra tem que ser aplicada de modo simples.

 Boa-fé objetiva

 A boa-fé subjetiva refere-se a estado de consciência e opõe-se à má-fé; a


boa-fé objetiva é um arquétipo de conduta.

 As funções da boa-fé objetiva:

 Função Hermenêutico-integrativa: busca da supressão das lacunas da relação


negocial, de forma a preservar as justas expectativas das partes contratantes,
sempre tendo como foco as finalidades econômicas e sociais do negócio.

 Função Extensiva de deveres jurídicos: deveres de cooperação e proteção


de interesses recíprocos para atender justa expectativa das partes, e para que
seja alcançado o fim desejado, ainda que tal comportamento não tenha sido
explicitado como obrigação negocial.

 Função Restritiva de Direitos Subjetivos: restrição de comportamentos abusivos


(tu quoque, venire contra factum proprium), proteção da confiança.

6 Reale, Miguel. Visão geral do projeto de código civil. Disponível em: <
http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm>. Acesso em mai. 2018.

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o DIREITO DO PETRÓLEO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO AJUIZADA POR
PARTICULARES PARA A COBRANÇA DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA
PELA EXTRAÇÃO DE PETRÓLEO EM SUAS PROPRIEDADES. INEXISTÊNCIA
DE CONTRATO CELEBRADO ENTRE A PETROBRÁS E O PROPRIETÁRIO DA
TERRA. EFETIVA EXPLORAÇÃO RECONHECIDA. ÔNUS DA PROVA.
IRRELEVÂNCIA. ARTS. 43, 51 e 52 da Lei n. 9.478/97. INAPLICABILIDADE.
1. A discussão sobre o ônus da prova acerca da existência de relação
jurídica contratual é absolutamente irrelevante para o desate da
controvérsia, porquanto a causa de pedir e o pedido da demanda
centram-se na possibilidade de retribuição financeira aos autores em
razão de exploração de fato de atividade petrolífera na propriedade
privada, uma vez que, quanto às propriedades “Santa Bárbara”,
“Bomsucesso” e “Canabrava”, é incontroverso a inexistência de
contrato escrito. [...]
6. A relação jurídica estabelecida entre a concessionária exploradora
e o particular é pré-definida no próprio contrato de concessão
assinado entre aquela e o poder concedente (União/ANP), assim
também no edital de licitação para a exploração da atividade, nos
termos do que dispõe o art. 28 do Decreto n. 2.705/98.
[...]
8. Ademais, é incontroverso que a PETROBRAS S/A explora a
propriedade privada dos autores para a extração de petróleo,
restringindo suas alegações à ausência de contrato escrito entre a
estatal e os proprietários. Assim, tal como entendeu o acórdão
recorrido, se a ausência de pactuação escrita fosse razão suficiente
para a estatal deixar de pagar a retribuição financeira aos
particulares, também deveria ser justificativa mais que razoável para
que ela nem mesmo chegasse a explorar a área.
9. Recurso especial não conhecido.

(Resp 1159941/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,


julgado em 05/02/2013, Dje 17/04/2013)

 A boa-fé e a responsabilidade pré-negocial: ruptura injustificada e quebra da


confiança legítima na fase das tratativas
 Leading cases: o caso dos plantadores de tomates, a venda do posto de
gasolina.

 A boa-fé como fundamento à responsabilidade pré-negocial no direito


brasileiro

o Tratativas: os deveres da boa-fé incidirão, ou não, conforme o caso


(constituição de relação obrigacional)

o Oferta: vincula, mas não obriga (o ofertante não é devedor), exceto


nos contratos de massa e a previsão decorre da própria lei. A boa-fé
poderá completar o conteúdo contratual.

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Tópicos geradores: Qual o prazo para exigir uma pessoa a cumprir sua obrigação?

Metas de compreensão: Estabelecer as espécies de obrigações.

LEITURA COMPLEMENTAR:

FIUZA, César; MARQUES, Emanuel Adilson. Constitucionalização do direito das obrigações.


Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 8 – jul./dez. 2006.

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