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Introdução

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

O Direito das Obrigações serve maioritariamente para regular as relações que se

estabelecem entre pessoas privadas, apesar de se poder aplicar também a entidades

públicas sob certas e determinadas circunstâncias.

No exercício da sua autonomia privada, as pessoas são livres de proceder à

criação de obrigações nas suas esferas jurídicas. É importante, à partida, perceber se o

problema que se coloca tem ou não relevância jurídica, por outras palavras, se os

intervenientes pretendiam um vínculo jurídico ou não. Exemplo: dois amigos combinam

ir tomar um café e um deles decide não aparecer. Não há qualquer dimensão jurídica

nesta questão e não podemos acusar o amigo de faltou de estar a violar uma obrigação

contraída perante o outro. Para resolver este problema inicial deve sempre prevalecer

o nosso bom senso.

Atendendo aos conhecimentos adquiridos na cadeira de Teoria Geral do Direito

Privado acerca da formação do negócio jurídico, vamos novamente proceder à sua

aplicação, mas, desta vez, tendo os efeitos do negócio jurídico como objeto de estudo

e já não o negócio jurídico propriamente dito. Os negócios jurídicos têm vários efeitos,

um deles as obrigações. Por sua vez, as obrigações têm várias fontes, sendo uma delas

os negócios jurídicos.

O centro de estudo da disciplina não são os negócios jurídicos, mas os efeitos

produzidos por esses mesmos negócios. Interessa-nos não a formação do negócio, mas

apenas os seus efeitos, nomeadamente o efeito de criação da obrigação, valendo

apenas como uma das várias fontes possíveis.


NOÇÃO DE OBRIGAÇÃO

Nos termos do Código Civil Português, em especial, do artigo 397º, será noção de

obrigação:

A obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica

adstrita para com outra à realização de uma prestação.

2. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

São vários os princípios que caracterizam o Direito das Obrigações. De acordo com a

regência, são de destacar:

à O Princípio da Relatividade: estatui que as obrigações apenas produzem efeitos

entre o credor e o devedor, podendo ser retirada a relatividade dos artigos 397º,

398º, 405º, 406º e 424º. A importância desta relação que se estabelece é

notória nos artigos 798º e 799º, nomeadamente pelo facto da responsabilidade

obrigacional se caracterizar por uma presunção de culpa.

à O Princípio da Tutela do Devedor: na base, encontramos a ideia de tutela da

parte mais fraca, patente do próprio direito civil – o devedor como parte mais

fraca, logo alvo de maior proteção jurídica. O princípio tem concretizações legais

muito explícitas, como o artigo 406º (deriva de fonte voluntária), o artigo 777º,

o artigo 779º, etc.

à O Princípio da Irrenunciabilidade Antecipada aos Direitos: há uma tendência

natural, no ser humano, em dar-se aquilo que não se tem, pelo que o Direito das

Obrigações postula a impossibilidade em renunciar-se a posições

jurídicas/direitos favoráveis. Tenha-se como exemplo a proibição de doar bens

futuros (artigo 994º).

à O Princípio da Causalidade: a causa assume um papel fundamental, na medida

em que á a fonte de obrigação; assim, não há obrigação sem causa, ou seja,

não se permitem obrigações abstratas, em resultado da necessidade de

verificar a validade dessa mesma obriga ção (por se tratar de um vínculo

abstrato percetível apenas pelo intelecto das pessoas). Trata-se, também, de

uma forma de garantir a justiça, defender ambas as partes e espelhar os valores

fundamentais do sistema (concretizar a boa fé).


10 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

DOGMÁTICA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

1. CONCEITO E ESTRUTURA DAS OBRIGAÇÕES

1.1. AS DOUTRINAS PESSOALISTAS

1.1.1. TEORIA PESSOALISTA DE SAVIGNY

As doutrinas pessoalistas, protagonizadas por Savigny, pressupõe que na obrigação há

uma situação de desigualdade: há uma liberdade alargada com o domínio sobre a pessoa e
uma

liberdade limitada pela adstrição e pela necessidade à prestação.

O direito subjetivo, entendido como um poder de vontade, recai sobre a natureza nãolivre ou
sobre a pessoa estranha – no entanto, note-se que não recai sobre a pessoa em si; mas

sobre um ato que deve ser realizado por essa pessoa, que é a obrigação.

Face a estas suposições de Savigny, surgem críticas:

à Traduziria a escravidão, um poder do credor sobre o devedor e até um direito

real sobre o devedor – ao que Savigny contrapõe que o foco não é a pessoa, mas

um ato do devedor;

à Não explica o poder de agressão que é reconhecido, ao credor, em relação ao

património do devedor e ignora a vontade do devedor – Savigny, aliás, reconhece

que o ato do devedor é voluntário;

à A regência discorda do conceito de direito subjetivo aliado apenas a um poder

de vontade, havendo aliás direitos subjetivos sem vontade;

1.1.2. AS ANÁLISES ECONÓMICAS POSTERIORES

Posteriormente à proposta de Savigny, a obrigação passa a ser entendida – Dernburg e

Savatier – com um teor económico, que se traduz na ação patrimonial (que havia sido rejeitada

por Savigny, segundo críticas). Assim, a obrigação como atuação estaria destinada a satisfazer
o

interesse do credor ou um resultado que com este interesse se relacionasse.

Apesar dos pressupostos em que assentavam estas posições, já se entende hoje que

nem todas as obrigações têm um conteúdo patrimonial e que as obrigações valem por si,

independentemente de qualquer satisfação de interesses que nela se inscrevam.

1.1.3. A TEORIA CLÁSSICA


A teoria clássica assenta na noção generalizadamente aceite: vinculo pelo qual uma

pessoa fica adstrita, em relação a outra, à realização de uma prestação (art. 397º). No entanto,

há que reconhecer que esta noção é insuficiente no que respeita ao conteúdo e estrutura da

obrigação.

1.2. AS DOUTRINAS REALISTAS

As doutrinas realistas surgem como resposta ao problema da transmissibilidade das

obrigações – como transferir, afinal, um vínculo pessoal? Afinal, as teorias pessoalistas não

poderiam explicar a transmissibilidade, na medida em que estariam intimamente ligadas à

pessoa do credor e do devedor.

A primeira tentativa é reportada a Albert Koeppen, que explica que, no crédito, não está

em causa um direito à prestação, mas ainda, o valor monetário que essa prestação tenha para

o credor.

11 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | Prof. António Menezes Cordeiro

Mais tarde, uma nova ideia de obrigação, vem reduzi-la a uma relação de patrimónios.

De acordo com o prof. Gomes da Silva, poderá ser extrema (quando a obrigação não vincula,

diretamente, do devedor e o credor, mas os patrimónios respetivos) ou moderada (o crédito

represente um direito a bens indeterminados do devedor). Na versão extrema, situa-se


Bonelli,

afirmando que o verdadeiro sujeito, nas obrigações, é o património. Já a versão moderada,

indicaria que a obrigação apenas implicaria um direito sobre os bens indeterminados do


devedor.

Puacchioni, já próximo das teorias mistas, vem apelar ao crédito como mera expectativa

à prestação, que teria também um direito real de garantia sobre o património do devedor.

As críticas realizadas às teorias realistas foram sintéticas:

à Desconformidade com o Direito positivo: as leis modernas prescreviam um dever

de prestar e os modos de concretização, não sendo, também, claro que as

normas jurídicas se dirigissem ao património do devedor, já que a pessoa que

não tem património mantém-se hábil a contrair obrigações.

à Perspetiva deficiente, em resultado de uma interpretação histórica menos

adequada, afirmando os críticos que não se havia passado de uma visão pessoal

para uma visão patrimonial, mas de uma visão pessoal para uma adstrição ética

(devedor como destinatário de um dever ser).


1.3. AS DOUTRINAS MISTAS (DÉBITO E RESPONDÊNCIA)

Nas doutrinas mistas residiria a lógica de haftung e schuld, afirmando estas que a

obrigação consiste num conjunto formado pelo débito e pela respondência – aquele que

incumpre o débito deve responder pelo incumprimento. O schuld corresponderia ao débito


(um

dever de prestar) e o haftung corresponderia à garantir, através de pessoa ou coisa, em caso


de

incumprimento. Note-se, no entanto, que entre os conceitos não é estabelecido um nexo de

causalidade; para além disso, não admitem um débito sem respondência, já que não teria

estrutura jurídica, nem a respondência sem um débito.

Distingue-se, assim, nestas conceções, dois vínculos: o débito, o devedor encontra-se

adstrito a uma prestação; a responsabilidade, o credor pode-se ressarcir patrimonialmente em

caso de incumprimento. Estão, estes dois vínculos, intimamente interligados.

No entanto, sabe-se que pode ocorrer, no ordenamento jurídico português, dissociação

entre o débito e a respondência, podendo essa dissociação assumir várias dimensões:

à Objetiva: diferenças existenciais ou essenciais. Tenha-se como exemplo: débito

sem respondência (402º) e respondência sem débito (483º);

à Subjetiva: cada vínculo é encabeçado por sujeitos distintos. Tenha-se como

exemplo: respondência direta por débitos alheios (627º), respondência por

débitos alheios (667º).

à Teleológica: os vínculos prosseguem fins distintos. Tenha-se como exemplo: um

dever de prestar que serve um interesse do credor e uma execução que poderá

dar uma soma em dinheiro ao credor.

à De regimes: suscitam a aplicação de regimes e regras próprias.

1.3.1. A ESSENCIALIDADE DA RESPONDÊNCIA

Nas conceções dualistas, o elemento essencial é a respondência – nela reside a

tentativa de explicação (já que o débito é de fácil explicação). Destacam-se três conceções: a

teoria publicística, a teoria do direito real de garantia e a teoria das fases.

à Teoria publicística: o credor usaria meios próprios para executar a

responsabilidade/garantia (haftung); progressivamente, as sociedades têm

vindo a delegar esta função ao Estado, devendo o credor recorrer ao Estado de

acordo com as normas processuais – o Estado limita-se a executar direitos préexistentes.


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à Teoria do direito real de garantia: com Rocco como precursor e aceite em

Portugal por Galvão Telles e Gomes da Silva, defende que, na obrigação, existe

uma relação principal e uma relação de garantia, com autonomia e

fundamentação própria (requerer a penhora e a venda forçada de bens o credor

para conseguir valores necessários à satisfação do direito de crédito).

à Teoria das fases: Carnelutti aponta ara dois vínculos sucessivos e no

prolongamento um do outro, ou seja, como duas fases, resultante a divisão do

dever do devedor e do poder do credor.

Note-se que estas posições, apesar dos seus pressupostos, veem a sua aplicabilidade

posta em causa quando se avaliam figuras como: as obrigações naturais, a fiança, os direitos

reais de garantia e a separação de patrimónios (págs. 295 a 298). Para além disso, não deixa

de ser verdade que a respondência é um modo de ser de todo o direito, não se inscrevendo,
por

isso, na área específica das obrigações.

1.4. AS (RE)CONSTRUÇÕES DO PESSOALISMO

A teoria clássica apontava para a obrigação como a situação em que uma pessoa está

adstrita, para com outra, à realização de uma prestação e representaria uma noção que,
apesar

de correta, não esclareceria sobre o conteúdo e a estrutura da obrigação. E, nesta sequência,

Henrich Siber, ao pondera o regime, destaca que a obrigação não traduz apenas um direito e
um

dever, mas antes vários direitos a várias atuações, afirmando a obrigação como um organismo.

Nesta sequência, vários autores vêm reconhecer a obrigação como dotada de

complexidade interna, ou seja, constituída por vínculos de vária ordem. Aliás, Felix Herholz
vem

estatuir que a obrigação vai sofrendo modificações ao longo do tempo, o que faz surgir novos

deveres e novos encargos – apresenta a figura como uma relação-quadro constante, apesar
das

modificações que vai sofrendo.

1.4.1. O INTERESSE DO CREDOR

Ora, afirmada a obrigação como uma sequência que se prolonga no tempo e que é

composta, no seu conteúdo, por vários elementos, fez emergir a questão do fundamento que
estaria na base dos vários elementos – é chamado à coação o interesse do credor, que, aliás, é

recorrentemente apelado pela lei (artigos 398º e 443º).

Dada a importância do interesse do credor, torna-se fundamental

esclarecer o conceito de interesse, que, em termos latos, corresponde a

uma relação de necessidade ou de apetência, entre uma pessoa com

necessidades, perante uma realidade capaz de os satisfazer. Neste

seguimento, são distinguíveis três aceções de interesse:

à Interesse subjetivo: relação de apetência que se estabelece

entre uma pessoa, que tem desejos, e o objeto capaz de os

satisfazer.

à Interesse objetivo: relação de adequação que surge entre uma

pessoa, que tem necessidades reais e contestáveis, e a

realidade apta a resolvê-las.

à Interesse técnico: a realidade apta a satisfazer desejos ou

necessidades, que, sendo protegida pelo Direito, dá lugar,

quando desrespeitada, a um dano. Sendo, esta última, a noção

mais relevante para o interesse do credor na obrigação.

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1.5. A NATUREZA COMPLEXA DA OBRIGAÇÃO

As referências que se foram fazendo à obrigação enquanto vínculo complexo, ou seja,

enquanto organismo/estrutura, reportam-se à necessidade de, para o devedor executar

corretamente aquilo a que está adstrito, deverá sempre proceder a atuações diferencias que
se

distinguem da prestação principal.

Note-se, assim, que estas atuações podem ter fontes intrínsecas, decorrendo da

natureza das coisas; podem ter fontes dispositivas, ou seja, que se predem com o contrato ou
a

fonte em questão; podem ter fontes linguísticas, ou seja, no idioma considerado exige uma

perífrase para ser completamente comunicada.

Assim, a obrigação assume-se como um sistema que unifica, em torno de um ponto de

vista unitário, diversas prestações que o servem – aliás, essas prestações tornam-se essencais

para se definir o regime jurídico adequado, bem como para garantir o correto cumprimento da
prestação a que o devedor está adstrito. Distinguem-se, assim, a prestação principal das

prestações secundárias – que, em princípio, são predeterminadas ou predetermináveis.

Acresce-se, a este sistema, os deveres acessórios, que resultam da concretização dos

valores fundamentais do sistema, nomeadamente da boa fé. Assim, a boa fé deve ser
respeitada

nas negociações (227º), na execução dos contratos (762º) e no exercício de posições jurídicas,

sob pena de abuso de direito (334º). Traduzem-se em: deveres de lealdade, deveres de

segurança e deveres de informação. A função destes deveres é prevenir danos, seja no serviço,

seja nos elementos circundantes.

Note-se que, para além do devedor, também o credor tem deveres: poderá,

eventualmente, ter de colaborar para que prestação principal seja possível (aliás, caso não

faculte a execução, entra em mora – 813º e ss.). Está, ainda, adstrito a deveres acessórios, que

têm por base a prevenção do agravamento da posição do devedor e os danos colaterais na sua

pessoa.

1 – INTRODUÇÃO

1.1 – Noções gerais sobre obrigações

1.1.1 - Generalidades

No Direito Civil I estudamos a Parte Geral do Código Civil. Neste semestre entramos na

Parte Especial.

A matéria que trata do Direito das Obrigações está prevista no Livro I da Parte Especial do

Código Civil. Inicia no artigo 233 e segue até o art. 420.

A palavra ‘obrigação’ tem vários significados. Mas essencialmente, o vocábulo exprime

qualquer espécie de vínculo ou submissão da pessoa a uma regra de conduta (pode ser

religiosa, moral, social ou jurídica).

Mas no Direito das Obrigações o sentido é mais estrito, alcançando apenas vínculos

jurídicos (relações jurídicas) de conteúdo patrimonial que se formam entre as pessoas,

quando se tornam credoras e devedoras uma para com a outra, de forma que o credor pode

exigir judicialmente do devedor o cumprimento da obrigação.

O estudo do Direito das Obrigações compreende a Parte Geral e a Parte Especial das

obrigações. Neste semestre estudaremos a Parte Geral, que fixa os princípios a que estão
subordinadas todas as obrigações e onde se estuda o nascimento, as espécies, o

cumprimento, a transmissão e a extinção das obrigações. Em outro momento veremos a

Parte Especial, onde são vistas as obrigações em espécie, como os contratos.

1.1.2 – Importância

O conhecimento desses princípios gerais é de extrema importância, pois eles se aplicam a

todas as espécies de obrigações (note que muitas relações obrigacionais surgem sem estar

especificamente disciplinadas na lei), como os contratos atípicos, que se subordinam aos

princípios gerais mas não estão previstos em lei.

1.1.3 – Distinção entre Direito Obrigacional (Pessoal) e Direito Real.

Direitos reais: definem-se como o poder jurídico, direto e imediato do titular sobre a coisa,

com exclusividade e contra todos. O sujeito passivo do direito real é toda a coletividade que

deve abster-se de violá-lo, sendo de caráter erga omnes.

Direitos obrigacionais (pessoais): Relação jurídica pela qual o sujeito ativo (credor) pode

exigir do sujeito passivo (devedor) determinada prestação. No direito das obrigações

somente se vinculam aqueles que fizeram parte do que contrataram e anuíram para

comprometer-se a prestar ou exigir algo.

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