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APONTAMENTOS TEÓRICOS
Turma 1
1.º SEMESTRE
2020/2021
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
2020/2021
Os seguintes apontamentos foram anotados e compilados pelos estudantes Ana Rita Silva, Andreia
Freitas, Bruna Silva, Lucas Oliveira e Maria Inês Costa, com base nas aulas teóricas lecionadas pelo
Professor Doutor Luís Miguel Pestana de Vasconcelos.
Sendo um auxiliar ao estudo autónomo de cada estudante, este documento não dispensa a presença
nas aulas e a leitura da bibliografia disponibilizada na página da unidade curricular.
Qualquer dúvida poderá ser esclarecida com a Comissão de Curso.
Bom estudo!
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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
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I. INTRODUÇÃO À DISCIPLINA
O QUE É O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES?
O Direito das Obrigações pode ser encarado, desde logo, numa dupla aceção.
Em primeiro lugar, o Direito das Obrigações é um ramo do Direito Objetivo, que regula as
relações de crédito, ou seja, é o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações jurídicas nas
quais a um direito subjetivo atribuído a um sujeito corresponde um dever de prestar, a que fica
adstrito o outro sujeito. Neste sentido, pode dizer-se que o Direito das Obrigações é uma parte do
Direito Privado que regula ou que trata das relações obrigacionais de crédito. E por relação de
crédito deve entender-se toda a relação jurídica em que uma pessoa (o credor) está legitimada a
exigir de outra (o devedor) uma prestação. Portanto, da relação de crédito fazem parte, de uma forma
incindível um direito do credor e um dever do devedor.
Em segundo lugar, trata-se de uma área específica do Direito inserida no Código Civil (é
uma das partes mais extensas do Código Civil) e visa regular as relações de crédito. As obrigações
são uma disciplina jurídica que visa expor de uma forma sistemática e científica os diversos
elementos que decorrem das normas que regulam as relações de crédito. Isto leva a uma construção
científica que visa a melhor arrumação. É também um ramo no Direito Subjetivo neste sentido,
uma vez que é uma disciplina jurídica que tem por objetivo dispor de modo sistemático as normas
jurídicas reguladoras das relações jurídicas obrigacionais. E quando se entrevê o Direito das
Obrigações nesta segunda perspetiva, o que temos é toda uma tarefa de índole doutrinária que busca
incessantemente a melhor arrumação conceitual do fenómeno obrigacional.
Segundo Antunes Varela, o cerne de noção de direito das obrigações reside na existência de
uma relação de crédito, sendo que são relações de crédito aquelas em que, ao direito subjetivo
atribuído a um sujeito – o credor –, corresponde um dever de prestar especificamente imposto a
outro sujeito – o devedor. Assim, no âmbito das relações de crédito, o credor está legitimado a
exigir do devedor uma dada prestação. É este dever de prestar que permite a destrinça entre a relação
creditória de outros vínculos jurídicos, correspondendo à adstrição do devedor a adoção/abstenção
de uma ação ou comportamento.
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satisfação das necessidades. Pode dizer-se que é no direito das obrigações que se regula e desenvolve
o importantíssimo fenómeno da colaboração económica entre os homens. A cooperação
económica entre os homens, assente na livre iniciativa, pode revestir diversas modalidades:
a) circulação de bens (alienação/oneração de coisas móveis, imóveis ou imateriais);
b) colaboração entres os homens e as empresas na organização social (contratos de trabalho,
de prestação de serviços, de empreitada);
c) prevenção de riscos individuais (contratos de seguro);
d) reparação patrimonial dos danos sofridos (responsabilidade civil)
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menos sujeito que os outros ramos do direito (como o direito da família ou os direitos reais) a
alterações decorrentes de fatores políticos, morais, sociais e religiosos. Antunes Varela destaca a
perfeição com que os jurisconsultos romanos clássicos desenvolveram o Direito das Obrigações,
tendo em conta o pragmatismo que sempre marcou aquela civilização.
As principais alterações ao Direito das Obrigações decorreram da I Guerra Mundial,
destacando-se: os institutos dos negócios usurários, o alargamento da responsabilidade civil fundada
no risco, o princípio da boa fé no momento pré-negocial e no cumprimento da obrigação, a figura
das obrigações naturais, o enriquecimento sem causa, a tutela da confiança, o direito do consumo,
as cláusulas contratuais gerais, etc.
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CONCEITO DE OBRIGAÇÃO
Por obrigação pode entender-se muitas coisas. Por um lado, e desde logo, deveres que
transcendem a própria cidadela jurídica, por exemplo, o católico dirá que tem a obrigação de
participar no culto da sua religião, o homem de boas maneiras dirá que tem por obrigação ser
polido ou cortês para com os outros. É óbvio que não serão estes os sentidos de obrigação que nos
interessam agora.
É por isso de ter em conta o que nos diz o artigo 397º do Código Civil: “Obrigação é o
vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de
uma prestação”. A obrigação consiste numa relação jurídica entre pessoas determinadas, ou pelo
menos uma delas determinada, tutelada pelo Direito através da atribuição ao sujeito ativo do direito
de crédito (direito a uma prestação) e ao sujeito passivo do dever jurídico (dever de realizar a
prestação). Consiste no vínculo jurídico que abrange tanto o crédito (lado ativo) com o débito (lado
passivo) e tem por objeto uma conduta específica, a prestação (ex: realizar um serviço, entregar uma
coisa, não fazer algo, etc).
Para Antunes Varela, a obrigação é a relação jurídica por virtude da qual uma (ou mais)
pessoa pode exigir de outra (ou outras) a realização de uma prestação.
A relação obrigacional desenrola-se, portanto, em torno de dois polos indissociáveis: o direito
subjetivo de uma das partes de exigir o cumprimento da prestação, associado ao dever jurídico de
prestar, imposto à contraparte.
A obrigação em si é o vínculo, a ligação. Devemos ter em conta o seguinte: o termo obrigação
muitas vezes não é compreendido apenas como o vínculo no seu sentido mais amplo, na medida em
que, por vezes, é usada num sentido mais restrito para designar tão só a parte passiva – o dever de
realizar essa prestação. Estamos a usar obrigação de forma mais limitada, dizendo apenas respeito
em realizar o ato em que consiste a prestação.
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A obrigação sendo um dever jurídico distingue-se de um conjunto de outras figuras que não
são deveres jurídicos, mas são figuras próximas. Um dever jurídico é sempre a necessidade de adotar
um determinado comportamento e quem não o faz tem sanções decorrentes do ordenamento
jurídico.
O dever jurídico é a necessidade imposta pelo direito (objetivo) a uma pessoa de observar
determinado comportamento. É uma ordem, um comando, uma injunção dirigida à inteligência e
vontade dos indivíduos. À imposição feita pelo direito está geralmente associada uma qualquer
sanção em caso de incumprimento. Pode ser estabelecido no interesse da coletividade, de uma
generalidade de pessoas ou no interesse de pessoas determinadas. Relacionados com os deveres
jurídicos estão os direitos subjetivos – poder conferido pela ordem jurídica a certa pessoa de exigir
determinado comportamento de outrem, como meio de satisfação de um interesse próprio ou alheio.
O dever jurídico é uma categoria mais abrangente do que os deveres de prestação, associados
às obrigações.
No dever jurídico podemos distinguir:
o Deveres de caráter público: impostos pelo Estado com vista à necessidade de adotar
um comportamento do qual decorre uma sanção de carácter público
o Deveres de caráter privado:
o Específicos: existem no âmbito de uma relação especial entre pessoas
determinadas (como nas obrigações, pretendendo-se um comportamento
específico do devedor);
o Absolutos: são oponíveis erga omnes, isto é, a uma pluralidade indefinida de
sujeitos. Sobre os sujeitos passivos recai uma obrigação passiva universal que
consiste num dever geral de respeito (ex: direitos de personalidade) ou de
abstenção (direitos reais). Corresponde a um dever de não perturbar o
exercício do direito absoluto do seu titular.
Nem todos os deveres jurídicos são obrigações em sentido técnico. Nem só por via da
atribuição de poderes jurídicos se tutelam interesses. Estes podem ser objetivamente protegidos
pelas normas jurídicas ou podem mesmo ser passíveis de um modo de proteção indireto ou reflexo:
todos têm a obrigação de se vacinar, no caso de uma lei de vacinação obrigatória. O interesse de
cada um (de todos) encontra desta forma um meio de proteção. Mas o que sucede é que não há,
nestes casos, a atribuição de direitos subjetivos aos titulares dos interesses protegidos.
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III. Ónus
Tão pouco se reconduz a obrigação em sentido técnico a certas obrigações que as pessoas, em
dadas condições, têm “vantagens” em cumprir. Se, por exemplo, compro um prédio, tenho todo o
interesse em fazer o registo dele, em meu nome, na respetiva Conservatória do Registo Predial. E
isto porque o registo, nestas condições, tem um efeito produtivo do meu direito.
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negativa geral e universal, há um dever generalizado ou comum. Nas obrigações em sentido técnico,
pelo contrário, o direito do credor vale, por regra, só em face de determinada ou determinadas
pessoas – perante o devedor ou devedores- e traduz-se, por isso mesmo, não em um direito absoluto,
mas num direito relativo.
Mas positivamente: a obrigação em sentido técnico é mais do que o dever jurídico específico
impendente sobre certas pessoas. Ela é, como de resto ficou já bem patente, o próprio vínculo
jurídico que liga dois modos de estar na relação jurídica: o dever de prestar, que onera uma das
partes, o poder de exigir a prestação que é dado a outra. Por outras palavras, a obrigação em sentido
técnico abrange o crédito ou direito de crédito (lado ativo da relação obrigacional) e o débito ou
dívida (lado passivo da mesma relação).
A obrigação em sentido técnico é, assim, um nexo ou vínculo jurídico entre pessoas
determinadas – o credor e o devedor – e por via do qual este último fica obrigado perante aquele a
um determinado comportamento ou conduta (de sinal positivo ou negativo); ou, dito ao invés, por
via do qual o primeiro pode exigir ao segundo aquele comportamento ou conduta (a prestação).
OBRIGAÇÕES AUTÓNOMAS E OBRIGAÇÕES NÃO AUTÓNOMAS
Podemos distinguir as obrigações autónomas das obrigações não autónomas.
As obrigações autónomas surgem entre sujeitos que não estavam ligados por uma relação
prévia, ou seja, são relações que se estabelecem entre pessoas entre as quais não existia um vínculo
anterior, por exemplo: A celebra um contrato com B. A obrigação que surge entre estes sujeitos é
autónoma, na medida em que não havia uma relação subjacente.
Se A compra a B um cavalo ou um quadro, a obrigação de B entregar um ou outro objeto não
tem atrás de si qualquer relação entre ambos os contraentes que não seja o próprio contrato de
compra e venda em si. Como se A, por anúncio público, se comprometer a fazer determinada
prestação a quem se encontrar em uma dada situação, a obrigação que daí resulta advém do próprio
anúncio (negócio unilateral) e de mais nenhuma causa ou fonte. Se A negligentemente viola o direito
de propriedade de B, a obrigação de indemnizar que sobre ele virá a impender não pressupõe
também qualquer vínculo especial que já ligue A e B – mas sim, no caso, a existência tão somente
daquele vínculo de carácter genérico que existe da parte de todas as pessoas para com os titulares
dos direitos absolutos, sejam eles reais ou de personalidade.
Nas obrigações não autónomas existe já uma relação prévia entras a partes e as obrigações
nascem no seio dessa obrigação prévia entre as partes. São relações que ligam pessoas já unidas por
uma relação anterior. Esta relação pode ter natureza:
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em termo geral são transmissíveis, o crédito ao alimento não é transmissível. Também não se pode
renunciar. Um crédito tem um objeto específico que não pode ser alterado sem acordo das partes.
Isto não acontece com o crédito ao alimento, porque alterando-se, por exemplo, as circunstâncias
económicas é possível alterar-se o conteúdo dessa obrigação, o efeito do artigo 2012º do Código
Civil. É possível que as obrigações autónomas tenham regimes específicos que decorrem da lei ou
o próprio intérprete deverá ter em conta na interpretação do regime das obrigações o seu carácter
funcional.
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compreende-se que a relação constituída apenas as vincule a elas (eficácia inter partes). Admitir a
relatividade das obrigações é admitir que o credor apenas pode exigir o cumprimento da prestação
do devedor e não de terceiro e, por sua vez, o devedor tem de cumprir perante o credor não sendo o
cumprimento perante terceiro exoneratório, exceto em casos previstos na lei.
Os direitos de crédito nem conferem um direito de soberania sobre a pessoa do devedor nem,
até, um direito de soberania sobre o objeto da prestação. Se os direitos de crédito conferissem um
direito de soberania sobre a própria pessoa do devedor, isto acabaria por violar o princípio da
liberdade e da igualdade entre as pessoas – e por isso mesmo é que o credor não recebe da ordem
jurídica a legitimação de atuar diretamente sobre o seu devedor, obriga-lo, pelo uso da força física,
ao cumprimento da prestação. Neste sentido, ter-se-á de afirmar que o credor não tem qualquer
direito “sobre” a coisa devida, mas simplesmente um direito à coisa em dívida.
Os direitos absolutos podem fazer-se valer contra todos os que com ele interfiram (eficácia
erga omnes). Os direitos reais resultam do exercício, para o seu titular, de uma posição isolada, ao
passo que para o lado passivo supõem uma espécie de “relação universal”. Nos direitos reais, o
titular pode obter a restituição da coisa de qualquer terceiro ou exigir o seu respeito de qualquer
terceiro.
Os dois elementos centrais que caracterizam o direito real são a preferência e a sequela.
O “direito de preferência” quer dizer que o direito real envolve o sacrifício de todas as
situações jurídicas posteriormente constituídas sobre a mesma coisa sem o concurso da
vontade do respetivo titular, ponto é que a conciliação entre o direito real e essa situação não
possa ter lugar.
De acordo com o princípio da prevalência/preferência, vale a regra da prevalência do 1º
direito real constituído. Os direitos reais prevalecem sobre os direitos de crédito,
independentemente de terem sido constituídos antes ou depois destes. Prevalece sobre toda a
situação jurídica constituída posteriormente sobre a coisa sem que para tal tenha concorrido a
vontade do seu titular, se as duas situações não forem conciliáveis, a primeira constituída. Na
prática, significa que prevalece o direito real primeiramente constituído sobre situação
incompatíveis posteriormente criadas.
Por exemplo, se A é credor hipotecário, ele tem o direito de ser pago pelo recurso à coisa
hipotecada com prioridade sobre os créditos garantidos por hipotecas sobre a mesma coisa
constituídas em momento posterior. Do mesmo passo, se A vende a mesma coisa sucessivamente a
B e a C, o direito de propriedade primeiramente constituído (um direito real de gozo) antepõe-se ao
que se constitui posteriormente. Poder-se-á mesmo dizer, neste caso, que não há sequer uma
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prioridade ou preferência entre direitos, mas simplesmente a natural relevância de um direito sobre
um não direito, uma vez que houve uma aquisição a non domínio.
Ex: A vende a B um imóvel, depois vende a C em data posterior, esta segunda venda é nula e
prevalece o primeiro direito (imóvel pertence a B). A maioria da doutrina defende que nestes casos
não chega a haver conflito de direitos pois há um direito e um não direito.
Ex: A empresta o seu automóvel a B. Se mais tarde o quiser vender prevalece o direito real
de A sobre o direito de crédito de B. A é o dono do automóvel, assim sendo, pode retirar
propriedades (utilidades da coisa) do mesmo. Por outro lado, B precisa da atuação de A para poder
utilizar o automóvel. B não pode retirar qualquer propriedade ao automóvel (não o pode danificar,
vender – obrigação passiva universal).
Contudo no que diz respeito à locação isto não acontece. Se A arrendar a B um imóvel e depois
o vender a C, o contrato de arrendamento não cessa.
A entrega a B um imóvel como garantia do seu crédito. Mais tarde hipoteca esse mesmo
imóvel a D. Prevalece a hipoteca primeiramente constituída (art.713º do Código Civil).
Colocam-se duas exceções ao princípio da prevalência dos direitos reais:
o Efeito do registo de bens móveis e imóveis: quando estejam em causa bens sujeitos
a registo, prevalece o direito real primeiramente registado (artigo 6º/1 do Código
do Registo Predial), e não o primeiro a ser constituído.
o Garantias reais das obrigações: estas prevalecem sobre as restantes
independentemente da data da sua constituição. É o caso dos privilégios
(arts.733º e 734º Código Civil). Podem ser imobiliários ou mobiliários, gerais (um
bem) ou especiais (vários bens).
Há exceções relevantes a esta regra da prevalência dos direitos reais, como é o caso dos
privilégios creditórios imobiliários especiais. De acordo com o artigo 751º do Código Civil, os
privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real
sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que
estas garantias sejam anteriores. O direito real mesmo que constituído posteriormente prevalece
sobre qualquer outro direito real previamente constituído (casos pouco comuns, têm de estar
previstos na lei e são maioritariamente atribuídos aos credores tributários).
Ex: um trabalhador tem um privilégio imobiliário especial sobre o imóvel onde trabalha. Se
não lhe pagarem o salário, o seu crédito tem preferência face a outros credores. Se esse imóvel
estiver hipotecado, uma vez que o privilégio se tinha constituído anteriormente, prevaleceria sobre
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todos os outros direitos reais. Acontece que mesmo que o privilégio seja constituído anteriormente,
ele excecionalmente prevalece.
Um privilégio imobiliário constitui a faculdade atribuída a um credor em atenção à causa do
crédito de, sem estarem sujeitos a registo, estes credores serem satisfeitos com preferência sob os
outros credores relativamente aquele bem sob o qual incide o privilégio creditório. Podem incidir
sobre bens imóveis, sobre bens móveis, podem ser especiais (incidem só sobre um determinado
bem) e gerais (incidem sobre todos os bens móveis ou imóveis de um determinado sujeito).
Os privilégios em sentido amplo são garantias dos créditos e são atribuídos por lei. Não
decorrem da vontade das partes, decorrem da lei e existem em atenção à causa do crédito.
Sendo um crédito tributário estes créditos em regra beneficiam de privilégios. Há créditos que
beneficiam de privilégios imobiliários especiais que têm um regime de proteção que lhes atribui
características excecionais- IMT.
Interessam-nos os privilégios imobiliários especiais. Em princípio, só existem privilégios
imobiliários especiais. O regime dos privilégios imobiliários especiais tem um carácter excecional
relativamente aos outros direitos reais de garantia. São direitos reais de garantia de fonte legal
que prevalecem sobre direitos reais de garantia anteriormente constituídos. Isto só acontece com os
privilégios imobiliários especiais.
Os privilégios imobiliários especiais são instrumentos que a lei utiliza para reforçar
determinados créditos, em regra, créditos fiscais. São garantias reais.
Contudo, os privilégios imobiliários especiais têm características excecionais: incidem sobre
um imóvel.
Esta característica da preferência existe também e é uma qualidade de uma categoria
obrigacional que se aproxima muito dos direitos reais: os direitos pessoais de gozo – arrendamento,
comodato. Nesses casos, o direito primeiramente constituído prevalece sobre o direito anteriormente
constituído. Os direitos pessoais de gozo gozam desta característica que em princípio seria exclusiva
dos reais em si. Isto decorre do artigo 407º do Código Civil.
A outra característica dos direitos reais é a chamada sequela ou sequência. Traduz-se na
faculdade conferida do titular do direito de crédito de fazer valer o seu direito sobre a coisa, onde
quer que esta se encontre.
Por direito de sequela entende-se o poder que o titular de um direito real possui de fazer valer
este direito sobre a coisa onde quer que ela se encontre, ainda que esteja no domínio material ou
jurídico de outrem. Isto quer dizer, em suma, que o proprietário pode reivindicar a “sua” coisa de
um terceiro, dependentemente, de ter de impugnar a alienação ou alienações ilegítimas que
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eventualmente tivessem sido feitas; como, também, que um credor hipotecário pode executar a coisa
dada para garantia do seu crédito, mesmo que ela esteja na propriedade de outra pessoa que não a
que originariamente constituiu a hipoteca em seu favor.
O direito real onera um bem e sendo o bem transmitido ou sendo o direito sobre o bem
transmitido ou sendo o bem entregue a outro sujeito é possível fazê-lo valer contra o terceiro. O
direito real segue a coisa sempre que estivermos face um direito real de garantia. A sequela significa
que o direito segue o bem. Pode-se, pois, reivindicar o bem. Esse direito também existe aos direitos
reais de garantia, como a hipoteca. Ex: A quer contrair um empréstimo junto do banco e para isso
hipoteca um imóvel seu. Ele não está impedido de revender o imóvel, mesmo estando hipotecado.
Simplesmente ele vende o bem onerado. A hipoteca segue a venda. Sabe que está a adquirir um bem
hipotecado.
Ex: Se B vende um imóvel alvo de hipoteca a favor de C a D, e D, por sua vez, vende o imóvel
a E, C pode exercer a sua hipoteca sobre E, visto que a hipoteca segue o bem. O que significa que,
em caso de incumprimento da obrigação garantida, o credor titular da hipoteca (direito real) poderá
fazê-la valer, executar a coisa, mesmo sendo esta propriedade, não do seu devedor, mas do
adquirente.
Direitos reais de aquisição: o contrato-promessa pode ter eficácia real e a obrigação de
preferência pode ter também eficácia real. No contrato promessa um sujeito obriga-se face a outro
a celebrar um contrato futuro, por exemplo, a vender um imóvel. Se incumprir o outro adquire um
conjunto de direitos. Isso é a chamada promessa com eficácia puramente obrigacional.
É possível dotar o contrato promessa de eficácia real. O direito à aquisição do bem é oponível
a terceiros. Se o vendedor incumprindo o dever de vender o bem ao promitente comprador violar e
promessa e vender a um terceiro o terceiro adquire o bem, mas dotado de eficácia real o comprador
pode opor o seu direito a terceiro. Pode levar à celebração com ele do contrato definido sob aquele
bem que já esta na propriedade e o comprador pode adquirir o bem mesmo que ele tinha sido
alienado ao terceiro. Direito de adquirir o bem e de o opor a terceiros.
Os direitos reais conferem um poder direto (por atingirem a coisa) e imediato (por
prescindirem de intermediários) sobre uma coisa, enquanto que, os de crédito constituem um
direito a uma prestação que, eventualmente, pode consistir na entrega de uma coisa.
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do devedor através da realização da prestação para que o credor tenha acesso à coisa/satisfaça o seu
interesse (quando tem por obrigação a prestação da coisa).
Quanto ao conteúdo, as obrigações consistem num direito à realização de uma determinada
prestação. Os direitos reais são direitos sobre uma coisa. Não são direitos a um comportamento. São
direitos que incidem sobre uma coisa.
Nos direitos de crédito vigora o princípio da atipicidade (numerus apertus), enquanto que,
nos reais vigora o princípio da tipicidade (numerus clausus).
Os direitos reais conferem ao seu titular um direito imediato e direto sobre uma coisa.
Relativamente a estes funciona a imediação. Não carecem da mediação de outra pessoa para retirar
utilidade da coisa. Ex: contrato de compra e venda.
Ligada com a qualidade ou efeito erga omnes dos direitos reais está uma outra característica
e que é a sua subordinação a tipos, padrões ou modelos legalmente previstos. Isto é, só há os
direitos reais que a lei deixa existir como tais e aos quais assinala um regime. Precisamente porque
os direitos reais valem em relação a todos compreende-se que seja o legislador a dizer em que termos
se pode admitir uma obrigação de contornos tão amplos que abrange indiscricionariamente todas as
pessoas e para além da ciência que elas tenham sobre a situação de facto ou os dizeres da lei. Certo
que as pessoas podem fazer incidir sobre as coisas limitações ou encargos destinados a satisfazer
utilidades que entendam convenientes.
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reais. Isto não quer dizer que para a transmissão dos direitos reais não vigore o princípio da
liberdade contratual: podem ser transmitidos por um contrato de compra e venda, por um contrato
de doação, etc. O que não se pode criar é um direito real com conteúdo distinto daquele que está
previsto na lei, por razões de segurança jurídica e por razões de publicitação do direito real.
Note-se que temos ainda uma categoria, os direitos pessoais de gozo que são aqueles direitos
de crédito que proporcionam ao seu beneficiário o gozo (uso/fruição) de uma coisa corpórea, o que
os torna particularmente próximos de um direito real.
Nos termos do artigo 407º do Código Civil, “quando, por contratos sucessivos, se
constituírem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre a mesma coisa, direitos pessoais de gozo
incompatíveis entre si, prevalece o direito mais antigo em data, sem prejuízo das regras próprias do
registo”.
Os direitos pessoais de gozo assentam na relação entre o titular pessoal de gozo e o titular do
direito real que permite o gozo. Assim sendo, eles não são verdadeiramente absolutos, mas relativos,
porque relacionais.
Os direitos pessoais de gozo, como por exemplo, o direito de locatário e o direito do
depositário decorrem de uma relação contratual, embora haja alguma doutrina que, atualmente tem
carácter minoritário, que entendia que estaríamos aqui face a um direito real. A restante doutrina,
defende que estamos perante um direito de crédito. O Dr. Henrique Mesquita entende que aqui
estamos entre um direito real e um direito de crédito. A melhor solução é que defende que estamos
face a um direito de crédito com algumas especificidades. Exemplo: no direito do locatário são
concedidas as ações de defesa da posse face a terceiros e isto é característico de quem tem um direito
real. Há uma prevalência de acordo com a data da constituição. Se um sujeito arrendar duas vezes
prevalece o primeiro contrato de arrendamento constituído. Há aqui uma limitada intervenção do
devedor para que o credor possa gozar da coisa. Num contrato de arrendamento o inquilino pode
gozar a coisa sem ter uma colaboração limitada do locador. Isto é efetivamente assim sendo embora
que esta possibilidade de gozo imediata da coisa decorre de duas características do próprio contrato:
o locador entrega a coisa ao locatário e obriga-se a proporcionar-lhe o gozo da coisa. Isto resulta
numa característica negativa: ele não pode impedir que o locatário use a coisa. Pode ter um carácter
positivo- se se parte o vidro da sala o locador é obrigado a arranjar o vídeo da sala. Para que o
locatário possa gozar da coisa é preciso uma atuação positiva do locador.
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OUTRAS DIFERENÇAS
Os direitos reais só podem incidir sobre coisas certas e determinadas, enquanto que as
obrigações podem ter como objeto a prestação de coisas indeterminadas. Veja-se o caso das
obrigações genéricas ou das obrigações alternativas.
Uma obrigação, um direito de crédito (parte ativa), só é oponível ao devedor, pelo que o
devedor pode incumprir. A questão aqui é a seguinte, será possível em certos casos considerar que
este crédito é oponível a terceiros? Vamos tratar dois grupos de hipótese:
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Aqui temos a atuação de um terceiro que induz o devedor a incumprir o contrato com
aquele credor e eventualmente celebra com ele um contrato incompatível. Suponhamos que A
celebra com B um contrato promessa pelo qual se obrigada a vender-lhe um imóvel. C, sabendo
disto, acaba por celebrar com o promitente vendedor um contrato de compra e venda do imóvel. Isto
significa que o vendedor não poderá cumprir o contrato prometido com o promitente comprador.
No que concerne a esta matéria, temos duas posições doutrinais, uma divergência doutrinal
entre Galvão Teles e Menezes Cordeiro. O artigo 483º, respeitante à responsabilidade civil
extracontratual no âmbito da ilicitude, refere-se à violação de um direito de outrem. Este direito
de outrem é interpretado como se se tratasse de um direito absoluto, não estando aqui incluída a
violação de um direito de crédito.
Menezes Cordeiro entende que deviam estar incluídos os direitos de crédito e, estando
incluídos, em certas circunstâncias seria possível responsabilizar o terceiro que faz este ataque ao
crédito, ao abrigo deste artigo. Contudo, a generalidade da doutrina segue uma via diversa, mas
que parte do pressuposto que este artigo não é aplicável aos direitos de crédito mas apenas aos
direitos absolutos. Houve aqui uma primeira posição que sustentou que o terceiro podia
efetivamente responder, mas em circunstâncias limitadas, isto é, se o terceiro soubesse da
existência do vínculo contratual e se tivesse agido com fraude, agindo para prejudicar a outra
parte.
Por sua vez, Antunes Varela entendia que não havia eficácia externa das obrigações, sendo
que, quanto muito, podia aplicar-se a figura do abuso de direito do artigo 334.º para responsabilizar
o terceiro.
Por sua vez, Vaz Serra defendia que não tínhamos eficácia externa das obrigações, mas que
seria possível responsabilizar o terceiro ao abrigo do artigo 334º ao alargar o âmbito deste artigo
para incluir o abuso de uma faculdade primária (a faculdade de contratar). Exigia também que
o sujeito tivesse conhecimento do vínculo anterior e, tendo conhecimento, tivesse atuado com
fraude.
Ainda, Ribeiro de Faria diz que não podemos defender em termos genéricos a eficácia externa
das obrigações, isto porque se formos analisar o nosso direito positivo ele não dá abertura à eficácia
externa das obrigações. Desde logo, o artigo 406.º/2 diz que o contrato produz efeitos entre as
partes, salvo nos casos previstos na lei. Temos depois os direitos reais de aquisição decorrentes
quer do contrato promessa quer da obrigação de preferência, que são direitos efetivamente oponíveis
a terceiros, mas são qualificados como direitos reais e não como direitos de credito.
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Ribeiro de Faria diz ainda que é possível responsabilizar terceiros, mas no âmbito do artigo
334º, incluindo aqui também não só o abuso de direito como também o abuso de faculdades
primárias. Nesse sentido, seria necessário haver uma intenção de prejudicar por parte do terceiro,
ou que o terceiro tivesse consciência clara do prejuízo que causava ao credor. Adianta também que
esta questão pode também ser resolvida no quadro de outros institutos que permitem que o credor
demande o terceiro – o caso da concorrência desleal.
Esta doutrina que encaixa a potencial responsabilização do terceiro no âmbito do artigo
483º é uma doutrina minoritária. Inclusive, Menezes Leitão não adere a este tese, aderindo à
posição genérica. A posição hoje em dia vai no sentido de que o terceiro só pode ser
responsabilizado no âmbito do artigo 334º. A doutrina só diverge quanto aos requisitos
necessários para responsabilizar o terceiro nesse plano.
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Numa empreitada, o objetivo é satisfazer o interesse do credor através da obra. Aquilo que se
perspetiva é a satisfação do interesse do credor. Mas o que é o interesse? É algo que é tratado em
várias áreas do direito, vem do latim inter est, que significa aquilo que está entre duas pessoas.
Este baseia-se em três elementos: temos um credor com um carência ou necessidade; há atos que
podem satisfazer essa carência ou necessidade; e o credor tem vontade de satisfazer essa
necessidade. Imaginemos que alguém quer uma cadeira especial para gaming, temos aqui uma
necessidade que a própria pessoa define (não é uma necessidade básica) e existem de facto vários
bens, neste caso corpóreos, que permitem satisfazer essa necessidade, assim como, o credor quer
de facto satisfazer essa necessidade que ele próprio definiu. É a pessoa que define o seu interesse.
Este pode ser puramente patrimonial, mas também puramente espiritual (ir ao cinema, ir ao
teatro etc.). Assim, o interesse é aquilo que visa a obrigação, mas não faz parte da sua estrutura.
A sua estrutura está aparelhada para satisfazer o interesse do credor, sendo este interesse que marca
o regime da obrigação.
Existem prestações em que a sua finalidade é patente e em que o interesse do credor não fica
satisfeito se essa finalidade não for atingida. Trata-se de casos em que a finalidade faz parte do
próprio contrato, cuja não prossecução determina a ofensa ou a violação da base negocial em que
se assentou. Por exemplo, a entrega da casa num contrato de arrendamento, aqui deve-se satisfazer
o objetivo do fim da habitação; ou uma arma que deve estar em condições de fazer fogo. Nestes
casos, a falta de aptidão para estes fins conduz ao direito de resolução do próprio contrato pelo
credor. No entanto, nós aqui falamos de casos em que estas finalidades são constituintes do
contrato em si, coisa muito diferente é a motivação, que levou à realização deste.
Imaginemos um contrato bilateral em que o interesse do credor não está satisfeito, porque o
devedor recusa-se a receber aquele preço (no âmbito da exceção do não cumprimento), aqui as partes
podem também resolver o contrato. Mas a lei também prevê outros instrumentos, por exemplo: A
é mãe de B, e B deve 1000€ a C, então A paga esta dívida a C. Aqui A não tem obrigação de nada,
mas o interesse de C foi satisfeito na mesma. É aqui que distinguimos obrigações fungíveis e
obrigações não fungíveis. As primeiras podem ser realizadas por terceiro sem prejuízo do interesse
do credor, enquanto as segundas já não podem, sob pena de não serem realizadas de forma correta,
havendo um prejuízo do interesse do credor. É o caso de um cirurgião especializado para uma
operação, que é uma prestação muito diferente de termos entrega de dinheiro, é indiferente este ser
entregue pelo A ou B, o mesmo se passa com a entrega de uma mercadoria.
Em suma, tendo em conta em que a obrigação nunca é um fim em si mesmo, mas sim um
meio para satisfazer o interesse, daqui decorre que se tivermos um contrato bilateral, a insatisfação
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Por último, temos aqui uma nota dada pelo professor Pestana Vasconcelos:
A obrigação tem um lado ativo (crédito) que é muito relevante no património do credor.
Imaginemos o património de um particular: ele tem o seu imóvel, poderá ter direitos de autor, ou
até uma empresa etc., mas o que configura grande parte do património são os créditos, por exemplo
uma remuneração ao fim do mês. Agora imaginemos uma empresa e o seu património, em que essa
empresa revende mercadorias, aqui também há créditos recorrentes da venda das mercadorias. Ou
seja, grande parte do nosso património consiste em créditos pecuniários. Assim sendo, há o
direito de disposição de bens do seu património, logo é possível transmitir créditos por via da
cessão de crédito. Suponhamos que uma empresa venda uma mercadoria e há um prazo para
pagamento (o crédito comercial), mas essa empresa que vendeu precisa de financiamento, então
transmite o crédito por via da cessão a outra entidade. É o caso dos bancos que alienam ativos, mas
acima de tudo eles alienam carteiras de crédito que são créditos que decorrem de contratos de mútuo
com hipoteca, ou seja, os bancos têm créditos para com os clientes, transmitindo-os de modo a haver
liquidez. Há aqui a possibilidade de o sujeito utilizar os créditos para diferentes fins, mobilizando-
os, o que ocorre muito no mundo empresarial. Imaginemos o sujeito que precisa de recorrer a bens
do ativo e para isso transmite créditos de garantia, aqui se depois o sujeito não cumprir irá se cobrar
a prestar.
O que importa ter em mente é que as obrigações não são realidades estáticas, sobretudo no
que toca ao credor, pois o seu interesse não é apenas satisfeito com a simples exigência do crédito.
O credor tem um ativo que pode ser utilizado. Se o sujeito cumprir uma obrigação, por exemplo, os
bens do ativo são atingidos, nomeadamente os créditos da pessoa, é o que acontece quando é
penhorado o salário de um sujeito, que no fundo é um crédito.
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prédio, seja de um quadro) que existe realmente no património do respetivo titular. O titular de um
direito real não está dependente, no que toca à consistência do seu direito, do comportamento de
outrem.
Como é óbvio, já não se passam assim as coisas em relação aos direitos de crédito. Aqui,
o titular do direito está dependente do comportamento do devedor: tem, por isso mesmo, um poder
meramente ideal; espera que uma dada pessoa se comporte de certa maneira. Só que esta expectativa
tem um valor económico, nomeadamente porque a sua realização se encontra assegurada por um
património ou mesmo, algumas vezes, por garantias especiais. O crédito é, assim, e por isto mesmo,
uma parte do património do credor e que, em princípio, pode entrar no giro económico: o credor
pode ceder o seu crédito; o credor pode garantir com o seu crédito uma obrigação que venha
a contrair. O crédito pode ser objeto de responsabilidade patrimonial, no sentido de que os credores
do credor, ou, como Larenz lhes chama, os credores terceiros, podem fazer-se pagar pelos seus
créditos sobre o devedor através do crédito ou créditos de que este último seja titular. Os créditos
podem, desta forma, ser “realizados” como tais. Pode dizer-se até que muitos créditos retiram o seu
significado económico da sua particular aptidão para circularem: tenha- se em vista a letra
comercial, o cheque, as ações ou obrigações estaduais.
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O devedor, como dito, é a pessoa sobre quem incide o dever de realizar o interesse do
credor, a prestação. É um dever jurídico.
Cada uma destas partes não tem de ser só uma pessoa, podem ser plurais em ambas as partes.
É necessário que ambos estejam determinados. A lei admite, no artigo 511º, que o credor não
esteja ainda determinado no momento da constituição da obrigação, desde que ele seja
determinável, isto é, desde que haja critérios que permitam determinar quem seja o credor.
Esses critérios podem decorrer de um facto futuro e incerto, o que acontece, por exemplo,
numa promessa pública (artigo 459º): A oferece um prémio a quem realizar o melhor trabalho
científico sobre a matéria X ou A concede uma recompensa a quem encontrar o seu cão – o credor
ainda não está determinado, mas é determinável. É possível que a determinação do credor fique a
dever-se a uma relação de outra natureza. Se tivermos um bilhete para entrar num espetáculo ou
um bilhete de autocarro o credor será o dono do título, se transmitirmos o título o credor passa a ser
esse sujeito. Circula o título em si e quem for o titular é aquele que poderá exercer a prestação. É
uma forma indireta de se determinar quem é o credor. É difícil concetualizar que haja uma obrigação
sem um credor imediatamente determinado, por isso é que a doutrina prefere dizer que o que existe
é um estado de vinculação de bens – os bens estão vinculados àquela atividade.
O devedor, por sua vez, tem sempre de ser determinado.
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O credor e o devedor são, em conclusão, pessoas determinadas. O que pode suceder é que
haja só um credor e um devedor ou que haja vários credores ou vários devedores ou uma
multiplicidade de uns e outros simultaneamente. Se o automóvel, ao qual partiram os travões,
pertence a dois proprietários, pelos danos causados a B respondem ambos aqueles (artigo 507º) –
pluralidade passiva; no mais, se alguém danifica um objeto que tem dois donos, a obrigação de
indemnizar é-o relativamente a dois credores – pluralidade ativa. Por fim, se A e B emprestam
dinheiro a C e D, temos, como é óbvio, pluralidade ativa e passiva ao mesmo tempo.
Atentemos agora no seguinte. Se o tal proprietário deve a fruta que vendeu, pode distinguir-
se aqui o comportamento em si, que leva à satisfação do interesse do comprador e que se traduz,
afinal, na entrega da própria fruta, e esta fruta, nela mesma, por outro lado. Desta distinção resulta
a consideração por um duplo prisma do comportamento “total” do devedor: entrega da fruta (objeto
imediato); a própria fruta (objeto mediato). Dois objetos, portanto, para a obrigação.
Esta classificação assume um particular relevo naqueles casos que podem contar com
prestações de coisas. Para a prestação de factos os contornos de contraposição ou distinção nesses
termos esbatem-se (tudo é comportamento) e, por isso mesmo, não se tem feito muita força na
classificação quando são simplesmente as atuações do devedor que estão em causa.
Sublinha-se o objeto da prestação é o objeto imediato da obrigação, é o comportamento
em si. Nas prestações de coisa, para além da atividade, há também a própria coisa (obriga-se a
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entregar x), nestes casos, para além da prestação, temos também o objeto mediato, que consiste no
bem em si.
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Suponhamos que na dívida contraída por B, referida, não se tinha cuidado de marcar um prazo
dentro do qual B a teria de pagar. Neste caso, os efeitos jurídicos estão dependentes da exigência
que o credor faça do cumprimento da obrigação “pura” e, quando assim é, o devedor só fica
constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir
(artigo 805º/1). Isto é: se a obrigação não tem prazo, o retardamento do devedor em cumprir e os
efeitos gravosos que a lei faz ligar a este atraso (artigo 804º) estão dependentes de um ato de aviso,
de exigência, do credor. E é precisamente a este ato que se chama interpelação. A interpelação pode
ser feita à revelia dos tribunais ou pode sê-lo por via judicial – e, num caso destes, ou porque se
avisa simplesmente o devedor de que deve cumprir ou porque o credor propõe contra ele a ação de
dívida e a própria citação funciona com interpelação (artigo 563º do Código de Processo Penal)
ou porque é desde logo proposta a ação executiva e a respetiva citação desempenha esta função
(artigo 726º do Código de Processo Penal).
Pensemos agora que o devedor, interpelado, faz de imediato o pagamento. Mesmo aqui,
e logo aqui, se manifesta a juridicidade do vínculo obrigacional e enquanto propiciadora da proteção
ao credor. É que, feito o pagamento, ao devedor não é mais deixada a via da repetição da prestação
ou sequer fica aberta a hipótese de se aplicar neste caso o regime que a lei reserva para as
liberalidades. O devedor, aqui, não goza mais do benefício da “condictio indebiti” – o credor
retém, reterá, a prestação a título de cumprimento.
Mas se o devedor se recusa ao cumprimento voluntário, então é que vem à tona, com toda a
impressividade, a qualidade da juridicidade do vínculo. Neste caso, o que sucede é que o credor vai
ter de lançar mão da via executiva – hoje já não mais dirigida contra a pessoa do devedor, mas
visante antes o património dele.
O princípio da execução patrimonial encontra-se expresso no Código Civil da seguinte sorte:
“Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente
o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste Código e
nas leis do processo” (artigo 817º).
Na verdade, se o devedor não cumpre voluntariamente, fica aberto um conflito.
Em suma, o credor terá, num caso desses, de lançar mão do processo executivo porque, afora
o caso da ação direta, a que se refere o artigo 336º do Código Civil, não é hoje mais permitida a
realização do direito por atuação própria ou privada.
Mas repare-se agora no seguinte: para que o credor possa lançar mão da via executiva tem ele
que estar legitimado para isso, isto é, munido de um título executivo. Munido de uma letra, livrança
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ou cheque. Ou, então, de uma sentença de condenação do devedor – a qual podemos definir como
o ato pelo qual o juiz decide certa causam impondo a uma das partes uma prestação.
Dispondo de um título executivo, está o credor apto então para levar por diante a agressão
legítima contra o património do devedor: ou procurando o pagamento de uma dada quantia
(execução para o pagamento de quantia certa) ou a obtenção de uma dada coisa (entrega de coisa
certa) ou a consecução da simples prestação de um facto.
Se se visa a obtenção de uma dada quantia, isso pode suceder ou porque a prestação é “ab
origine” de dinheiro ou porque o inadimplemento foi de um facto não fungível ou porque a coisa
em dívida é insuscetível de execução específica (artigo 827º) ou ainda porque há que realizar
dinheiro para pagar ao substituto do devedor (artigo 828º).
Em casos destes, como é óbvio, tem de se encetar e desenvolver um procedimento idóneo à
realização por via judicial do dinheiro necessário ao “cumprimento” coercitivo. Para isso haverá
que apreender bens do devedor, isto é, penhorá-los (artigo 821º do Código de Processo Civil),
vendê-los de seguida (venda judicial) e pagar, por fim, aos credores.
A lei consagra outro tipo de mecanismos que visam impulsionar o credor a cumprir,
nomeadamente a sanção pecuniária compulsória (ver, neste sentido, o artigo 829º-A).
Também é possível do incumprimento decorrer um dever de indemnizar o atraso do
cumprimento ou então nos casos em que haja incumprimento definitivo.
O credor pode sempre exigir a realização da prestação e se o devedor não a realizar isso
traduz-se num ato ilícito. O credor pode defender-se recorrendo a um conjunto de
instrumentos: exceção de não cumprimento do contrato (artigo 428º), incumprimento
definitivo (artigo 808º), resolução do contrato (artigo 801º/2).
O devedor, por seu lado, tem a necessidade de realização dessa prestação, sob pena de recair
um conjunto de consequências sancionatórias que visam reparar a posição patrimonial do credor em
caso de incumprimento ou não patrimonial ou então ser forçado a ver os seus bens apreendidos para
a satisfação do interesse do credor.
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Nas prestações de facto negativas distinguimos entre aquelas que são uma pura omissão e as
obrigações de pati (obrigações de tolerância).
As prestações de facto são prestações do devedor. Mas é possível também que a prestação seja
de terceiro. Neste caso, a realização da prestação não se faz pelo devedor, mas por terceiro, terceiro
esse que está alheio ao negócio. Nas prestações de facto de terceiro, o terceiro nunca está vinculado,
o grau de vinculação do devedor é que é diferente, e por isso distinguimos aqui três tipos de
prestações de facto de terceiro: podemos estar face a obrigações de meio (o devedor vincula-se a
desenvolver os seus melhores esforços para que o terceiro pratique um determinado ato, não se
responsabilizando pelo ato do terceiro), obrigações de resultado (o devedor vincula-se a que o
terceiro pratique esse ato, respondendo no caso de o terceiro não querer praticar o ato) e obrigações
de garantia (o devedor responde sempre, quer o terceiro não possa praticar o ato, quer o terceiro
não queria praticar o ato).
Por sua vez, as prestações de coisa têm por objeto uma coisa: a entrega de uma coisa, a
restituição de uma coisa ou, então, a prestação de dar (o devedor ao entregar a coisa transmite a
propriedade sobre ela). As prestações podem ter por objeto coisas presentes (coisas que têm
existência e autonomia) ou coisas futuras (coisas que não têm existência de todo ou coisas que até
têm existência mas não têm caráter autónomo).
A lei admite que o sujeito possa negociar coisas futuras nos termos do artigo 399º. Esta
negociação de uma coisa futura a que o sujeito não tem ainda direito por vezes torna-se difícil de
distinguir da venda de coisa alheia, já que em ambos os casos o sujeito vende uma coisa que não
tem. A diferença é que, enquanto que na venda de coisa futura o credor têm consciência do caráter
futuro da coisa e a venda é perspetivada no sentido de a coisa vir posteriormente a integrar o seu
património, na venda de coisa alheia o sujeito não tem qualquer direito sobre aquela coisa, mas
apresenta-se face à outra parte como se o tivesse.
A venda de coisa futura está prevista no artigo 880º e comporta duas modalidades. A
primeira modalidade denomina-se de emptio rei, e consagra que o vendedor fica obrigado a assumir
as diligências necessárias para que o credor venha a adquirir o bem vendido, sendo que, no caso de
surgir alguma impossibilidade de realização da prestação por parte do devedor, o credor não assume
o risco, ficando desvinculado da sua contraprestação. A segunda modalidade denomina-se de emptio
spei, e nesta modalidade o credor assume a alea/risco, ou seja, o negócio celebrado nestes termos
tem vantagens para o devedor que consegue transferir o risco para o credor.
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que tenha sido acordado prazo, é sempre possível fazê-lo cessar por denúncia. Um segundo aspeto
a salientar é que, ao contrário das obrigações com prestações instantâneas que não exigem uma
especial relação de confiança entre as partes, as prestações duradouras exigem uma relação de
confiança acrescida entre as partes. Nestes casos há um fundamento específico de resolução do
contrato, a justa causa de resolução do contrato, que sucede quando uma das partes pratica um ato
que leva à quebra de confiança entre elas no sentido de uma futura correta realização das prestações
decorrentes da relação contratual. Essa perda de confiança é um facto constitutivo de um direito de
resolução do contrato, direito de resolução esse com base em justa causa.
Esta distinção tem um grande relevo em termos de regime. Desde logo, se o sujeito numa
prestação fungível não a realizar, então ainda é possível recorrermos aqui a um mecanismo da
execução em que a prestação seja realizada por outrem, sendo o custo dessa prestação imputado ao
devedor. Se a prestação for infungível não está aberta a via da execução, podendo apenas o credor
recorrer à via indemnizatória pelo não cumprimento da prestação. Nestas prestações temos ainda o
mecanismo de coagir o devedor a cumprir (artigo 829º-A do Código Civil).
Temos depois um outro elemento que tem a ver com a impossibilidade de realização da
prestação. Sendo a prestação não fungível impossível de realizar verifica-se uma extinção da
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obrigação. Se a prestação for fungível e o devedor não a puder realizar, ele ainda assim é obrigado
a indicar outro que realize essa prestação, sob pena de responder e de se entrar no regime do
incumprimento tout court.
PATRIMONIALIDADE DA PRESTAÇÃO
Já vimos que uma a obrigação para que se constitua validamente tem de obedecer a certos
requisitos – a possibilidade, licitude e determinabilidade, em que temos aqui o artigo 280º. No
entanto, existe um requisito cuja obrigatoriedade é muito discutido pela doutrina, é a
patrimonialidade da obrigação. Trata-se de uma discussão de grande importância na medida que
contribui para a definição da estrutura da obrigação.
A prestação tem de ter um caráter patrimonial? Ela tem de ser pecuniariamente
avaliável? Há autores que dizem que se ela não o for, não pode ser objeto de obrigação, mas
também há autores que dizem que ela não tem de ter valor pecuniário, mas o interesse por trás da
obrigação tem de ser pecuniariamente avaliável.
Imaginemos que A está a trabalhar em casa e tem um vizinho que toca piano durante o dia e
por isso vê-se perturbado, aqui o A pode acordar com o vizinho para este não tocar durante um certo
período de tempo. Aqui o dever do vizinho de não tocar piano é verdadeiramente uma obrigação?
Ora isto não tem valor pecuniário, não temos uma prestação que possa ser assim avaliada. Mas
aqui há um interesse patrimonial- o interesse do credor é patrimonial pois visa permitir-lhe
trabalhar. E se estivesse em causa um interesse puramente ideal? Por exemplo, A apenas faz um
acordo com vizinho para este não tocar piano, porque simplesmente quer ter sossego. O credor pode
estar em casa sem trabalhar, mas A quer estar sossegado em casa. Aqui apenas temos um interesse
ideal associado à obrigação. Isto pode ser considerado uma obrigação?
O professor Pestana de Vasconcelos não aprofundou muito esta questão, na medida em que
foi um debate doutrinário que se deu antes do nosso atual Código, pelo que hoje esta matéria já
está resolvida pela lei.
Resumindo esta discussão, no início dos anos 50, vigorava como conceito de obrigação em
sentido técnico, a ideia de que tinha de se tratar de um “vínculo jurídico autónomo de caráter
patrimonial” Neste mesmo sentido, pronunciou-se o Guilherme Moreira ao afirmar que a
prestação deveria de per si ser avaliável pecuniariamente, pelo que o interesse do credor até poderia
nem ser patrimonial, mas a prestação teria mesmo de o ser. Quanto a isto pronunciou-se ainda
Galvão Teles ao afirmar que “a prestação vale sempre dinheiro, embora o interesse do credor seja
desprovido de conteúdo económico, podendo tratar-se de um deleite intelectual ou sentimento
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estético”. O nosso Código de Seabra, inclusive seguiu este entendimento, com o seu artigo 671/2º
que não admitia, como objeto da prestação, os “atos que não se podem reduzir a um valor exigível”.
Mas havia também o outro lado da doutrina, que vem deslocar este requisito da
patrimonialidade para o próprio interesse do credor. Deste modo, à luz da primeira posição da
doutrina, a prestação de não tocar piano não teria uma proteção do direito; já para esta segunda,
tudo iria depender do interesse do credor que a prestação negativa satisfizesse. Deste modo, será
juridicamente relevante saber se este interesse do credor é ou não suscetível de avaliação
pecuniária (por exemplo, propiciar a realização de um trabalho com valor económico), sendo
irrelevante se estivesse em causa a mera tranquilidade pessoal.
O certo é que a doutrina foi desenvolvendo, sobretudo, após as alterações legislativas de
1929 até ao Código Civil de 1966. Quanto a isto, assumem particular relevo a tese de Manuel
Andrade e a de Pereira Coelho.
Manuel de Andrade inclinou-se para posição tradicional, mas estabeleceu certas correções.
Este autor vai pela ideia de que a prestação debitória deve em si mesma comportar uma avaliação
pecuniária. Acontece que tudo isto tem restrições, em que aqui este autor veio destacar alguns
defeitos desta visão. Por um lado, destaca-se que esta assenta no preconceito de que há uma
correspondência entre a natureza da prestação e a natureza dos danos. Por outro lado, esta visão
faz intervir para aqui o meio ou a via de execução específica- p. ex., se temos a fotografia do
antepassado é apenas velharia e a prestação dela em si, é sem valor, ela pode, porém, ser apreendida
como tal, para ser entregue ao credor. Por fim, quando temos uma estipulação de cláusula penal,
para conferir à prestação um valor patrimonial (que ela intrinsecamente não possui), neste caso,
poder-se-á também contar com prestações sem valor pecuniário algum. Aos olhos de Manuel
Andrade, não sufragando a indemnização por danos morais, então apenas poderá existir quando
temos uma prestação patrimonial ou danos de natureza patrimonial, de modo a contar a juridicidade
da obrigação.
Já a visão de Pereira Coelho vai mais longe que Manuel de Andrade. Tal como este ultimo,
este autor veio pôr em causa a lógica da doutrina tradicional, que não concebia a existência de
danos patrimoniais que resultassem do inadimplemento de prestações sem valor. Tal como Manuel
Andrade, este autor fez esta crítica, mas ele foi ainda mais longe: este entende (de iure constituto)
que os danos morais são indemnizáveis, provenham eles de uma ilicitude contratual ou
extracontratual. Ao admitir esta possibilidade, este autor vem defender em pleno a independência
da prestação da ideia da patrimonialidade. A ideia deste autor quanto à possibilidade de
indemnização de danos morais assenta no facto de que a sua base temos aquela premissa que
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consiste na ideia de haver uma desconexão entre a natureza dos danos e a natureza prestação.
Neste sentido, ao defender esta separação entre a patrimonialidade e a prestação, Pereira Coelho
vem antes falar da necessidade de a prestação corresponder a um interesse do credor digno de
proteção pelo Direito.
Em suma, em termos práticos, aquele exemplo da obrigação de não tocar piano, segundo
Manuel Andrade, se estivesse em causa a simples tranquilidade do credor, não seria válida esta
obrigação; mas para Pereira Coelho isto já não será resolvido assim, pois há prestações de natureza
ideal que são suscetíveis de produzir danos patrimoniais, do mesmo modo que também admite-se a
indemnização por danos morais, de um modo geral.
Toda a discussão que vimos é, como dito, anterior ao nosso Código Civil, em que agora este
veio tomar uma posição quanto a esta questão. Temos aqui o artigo 398/2º que nos vem dizer
expressamente que a prestação não precisa de ter um valor pecuniário, mas deve corresponder a
um interesse do credor que seja digno de proteção legal.
Neste sentido, tanto constitui uma prestação juridicamente relevante aquela que, satisfazendo
um interesse ideal, é em si mesma avaliável em dinheiro, como aquela que nem satisfaz um interesse
patrimonial do credor, nem é ela própria mensurável em termos pecuniários. Neste ultimo caso, a
única coisa que se exige é “que não esteja em causa um simples capricho do credor ou atos de caráter
puramente religiosos ou morais, mas antes que se tratem de matérias que, segundo as conceções
sociais, estão subtraídas ao direito”, nas palavras de Ribeiro de Faria.
O DIREITO À PRESTAÇÃO
Em todo o caso, sempre relembremos aqui que o primeiro elemento do vínculo enunciado é
um direito à prestação. Isto quer dizer que o credor tem um interesse (o interesse em receber a
coisa, o interesse em ver no património o dinheiro devido) que é tutelado pela concessão de um
poder e não pela via reflexa ou indireta do direito objetivo.
A ilicitude, no domínio contratual, traduz-se precisamente em não cumprir nos termos
acordados. E logo, por isso, e sem mais, vem ao de cima efeitos jurídicos do desrespeito ao crédito
– ao poder de exigir a prestação. Senão, atente-se que todo o atraso culposo na entrega de um objeto,
propriedade do credor, faz correr o prejuízo da perda dele por conta do devedor (artigo 807º); que,
se a obrigação é pecuniária, num caso desses, principia de vencer juros, se os não vencia (artigo
806º); ou que o mesmo retardamento, que cause danos ao credor, obriga o devedor a indemniza-los
(artigo 804º nº1).
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E ainda não é tudo. Certo como é que, num contrato bilateral, não é negado ao credor, no
caso de mora do devedor, a possibilidade de retardar, por seu turno, a contraprestação (artigo 428º);
ou mesmo, em certas circunstâncias, de resolver o próprio contrato (artigo 808º). Direito de
resolução que cabe ainda ao credor se, em vez de mora do devedor, o que há é a impossibilidade da
prestação por causa deste último (artigo 801º nº2).
Pois bem: todos estes aspetos, o da execução de há pouco, e estes, que rodeiam de forma
mais próxima o incumprimento, são manifestações de superfície ou de exterior de um autêntico
direito à prestação. Dizemos assim porque, onde eles faltem, não há mais nem crédito nem
obrigação em sentido jurídico.
O DEVER DE PRESTAR
Ao direito do credor à prestação corresponde o dever de prestar por parte do devedor. Trata-
se de um dever jurídico, o que quer dizer que há neste caso um comportamento “devido” para
satisfação de um interesse alheio – precisamente o interesse do credor.
E, por isso mesmo, que o inadimplemento desse dever exponha o devedor a todos os efeitos
que dissemos mesmo há pouco: à execução do seu património, à obrigação de indemnizar o credor
pela simples mora, a ter de suportar, em certos casos, a própria resolução do contrato. Em suma, o
que está aqui em causa é um dever para com outrem e não um dever para consigo próprio, ao
modo do dever do registo de um imóvel ou do dever de contestar uma ação.
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Através do conceito de relação obrigacional complexa podemos ver que na obrigação não
temos apenas um simples crédito e um dever de prestar, mas ainda outros deveres que se inserem
no seu âmbito. Neste sentido, podemos fazer uma distinção entre os deveres principais da
prestação e os deveres secundários.
Quanto aos deveres principais, o Doutor Almeida Costa chama-os de “alma da relação”.
Quando pensamos em contratos como fonte de obrigações mais relevante, neste aspeto, este tipos
contratuais são definidos na lei com base nas prestações. Por exemplo a compra e venda é assim
chamada uma vez que tem como núcleo o dever de pagar e o dever de entregar a coisa (874º). O
mesmo se passa na empreitada, a locação etc. Aqui temos os deveres principais cuja configuração
permitem qualificar o contrato. São estes deveres que dão tipicidade à própria obrigação.
Quanto aos deveres secundários (de acordo com a terminologia usada pelo professor Pestana)
estes podem ser: acessórios da prestação principal e de prestação autónoma.
Imaginemos que estamos perante a venda de uma máquina muito complexa, de difícil
manuseamento, cujo funcionamento pressupõe, por isso, indiciações muito precisas e detalhadas;
ou vende-se um cão ou um cavalo de raça cujo valor de mercado, por isso mesmo, pressupõe a
prova dessa mesma qualidade; ou temos a venda de um automóvel em que se tem de entregar o
livrete e o título de registo.
Destes exemplos, podemos concluir que a prestação principal nunca fica corretamente
concretizada se não for acompanhada por estes deveres. Estes devem acompanhar os deveres
principais de prestação e codeterminam o conteúdo da própria a obrigação. “Sempre que, sem o
seu cumprimento, a prestação principal não pode fazer-se de forma correta e total,
nomeadamente quando o simples ato de entrega não chega para prodigalizar a completa fruição ou
a possibilidade de utilização acabada do objeto da prestação”, nas palavras de Ribeiro de Faria,
estaremos perante deveres acessórios da prestação principal (ou deveres laterais da prestação).
Aqui a sua medida e extensão dependerá sempre do caso concreto.
Quando não são realizados não está cumprida de forma completa a prestação principal. Neste
sentido, estes deveres estão incluídos no sinalagma (o vínculo que se estabelece entre as obrigações
nos contratos bilaterais) pelo que, em consequência, qualquer um dos contraentes pode recusar o
cumprimento da sua parte, enquanto a outra parte não cumprir estes deveres acessórios (exceção de
não cumprimento- 428º), como também poderá resolver o contrato (432º). Assim, em caso de
incumprimento, o credor pode recorrer à exceção do não cumprimento, por exemplo, não pagar o
preço enquanto o devedor não der o livrete. Aqui os meios de defesa do sinalagma continuam a
valer.
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Por sua vez, os deveres de prestação autónoma podem ser complementares ou substitutivos
da prestação principal. Os primeiros visam, na possibilidade de haver mora, proteger o interesse
do credor e afastar danos decorrentes da não realização da prestação no período que devia ter sido
feita, aqui o credor vai ter direito a uma prestação complementar à prestação principal, neste caso,
poderão ser os juros de mora. No segundos, estes deveres de prestação autónoma são substitutivos
da prestação principal, mas isto quando acontece uma mutação dentro da relação obrigacional
complexa, em que podemos ter alterações. Por exemplo: A tem de entregar a B um automóvel, mas
por culpa do devedor o automóvel arde- aqui temos a não realização da prestação por facto
imputável ao devedor, mas a relação obrigacional não se extingue, pois o dever principal é
substituído pelo dever de pagar a indemnização pelos danos que resultam da impossibilidade de
não se ter entregue o carro. Temos uma prestação substitutiva.
Além destes dois tipos de deveres secundários, há ainda um outro conjunto de deveres, que
não são prefixáveis, decorrendo da boa fé. Nos exemplos de Ribeiro de Faria, imaginemos que
temos um pintor que se compromete a ir pintar a minha casa, este aqui não só está obrigado a
executar a prestação de forma correta, como também não deve danificar os móveis da casa; ou A
arrenda a B um andar, mas este andar ameaça ruína, A ameaça B desse perigo.
Aqui temos deveres têm a sua fonte no artigo 762/2º em que qualquer uma das partes tem o
dever de se comportar de acordo com os ditames da boa fé, em sentido objetivo. Tanto o credor
como o devedor se devem comportar em obediência a este princípio. Estes deveres, ao contrário dos
anteriores, não tendem eles a realizar a prestação principal, mas somente outros interesses da
contraparte envolvidos no interesse contratual, não implicando por isso mesmo a violação do
contrato, ou seja, o seu incumprimento ou a mora do mesmo, mas simplesmente uma violação
contratual positiva. Daí que não possam, em regra, ser judicialmente exigidos, mas a sua violação
dá lugar a uma indemnização por perdas e danos.
Estes deveres têm a sua matriz no princípio da boa fé e têm sido agrupados no sentido de se
abrangerem os diferentes deveres de lealdade e de consideração, de aviso e de consideração, de
cuidado ou de vigilância e de guarda. São os chamado deveres laterais da boa fé.
Para estes deveres nascerem tem de existir já uma relação contratual, mas isto não quer dizer
que é necessário haver a celebração de um contrato para eles se imporem às partes. Não. Estes
deveres existem já na fase pré-contratual por foça do artigo 227º, em que nos preliminares da
constituição do contratos, as partes têm de se comportar de acordo com a boa fé. Aqui o que está
em jogo é um conjunto e deveres que visam a completa realização do interesse da obrigação. Estes
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deveres, quer na fase pré contratual ou contratual, podem ser divididos em três tipos de deveres,
segundo uma distinção de Menezes cordeiro.
Deveres de proteção – qualquer uma das partes deve adotar um comportamento que
permita evitar que a outra parte venha a sofrer danos. Imaginemos que A transporta uma
mercadoria de B e bate no seu carro, aqui este dever de proteção foi incumprido.
Deveres de lealdade – aqui tudo depende das relações de confiança que se vão
desenvolvendo com os sujeitos ao longo do tempo. Por exemplo, quando há uma rutura
injustificada do contrato, sem aviso prévio, tal pode implicar uma indemnização. Aqui o
princípio da autonomia privada e da liberdade contratual vigoram, mas também temos
de atender ao tempo em que as relações decorrem e se há ou não uma confiança justificada
que torne expectável o comportamento daquela parte. Não é ilícito um sujeito negociar com
A e B ao mesmo tempo, mas este deve pelo menos comunicar nestas circunstancias
específicas em que haja uma legítima confiança entre as partes.
Deveres de informação – pode haver um conjunto de informações necessárias para o
correto desenvolvimento da relação contratual. Por exemplo, A sabe que naquelas
condições a mercadoria vai sair danificada, por isso deve comunicar a B; ou se alguém não
informar que o automóvel é a gasolina ou a gasóleo, aqui não são cumpridos os deveres de
informação. Nestas questões, não está em causa a licitude. O professor Pestana de
Vasconcelos chegou a referir quanto a este aspeto um caso nos anos 90 em que foram
privatizadas um conjunto de sociedades financeiras e o Estado colocou as empresas no
mercado e vendeu as ações das mesma a um indivíduo, mas só depois de terem sido
compradas, descobriu-se que o este individuo tinha também assumido um conjunto de
garantias que não apareceram no balanço, as cartas de conforto. Estas vieram então a ser
executadas, ou seja, elas foram a ele exigidas, pelo que houve um prejuízo enorme. O que
este indivíduo fez foi requerer uma indeminização por violação do dever de informação,
pois aquela vínculo assumido não foi comunicado.
Todos estes deveres estão também na relação pré-contratual, em que nesta fase ainda não
há uma relação obrigacional que tenha deveres principais de prestação. Estes deveres não só são
independentes do dever de prestação, como também podem existir sem este último, por isso se fala
em deveres prés e pós contratuais. Por exemplo, temos um sujeito a entrar numa loja para ver os
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diversos produtos, mas um funcionário acaba por deixar cair um caixote no sujeito e magoa-se, aqui
não houve um dever de proteção numa fase pré-contratual, mexendo com interesses patrimoniais.
Qual então o conteúdo destes deveres? Eles decorrem da boa fé, pelo que o seu conteúdo
vai ser bastante variável conforme sejam as relações de confiança que se estabeleçam entre as partes
e o comportamento que cada uma delas considere como adequado a esperar da contraparte, deste
modo, a ligação de amizade ou de parentesco entre os contraentes, ou a duração da relação
obrigacional poderão influir na determinação do seu conteúdo. Aqui poder-se-á dizer que “o
conteúdo determina-se de acordo com as possibilidades de risco, sendo ele tanto mais extenso
quanto mais uma parte entra na zona de interesses da outra ou quanto mais uma delas abre a sua
esfera de interesses a outra.”
Aqui veio-se a questionar se estes deveres laterais da boa fé se estendem apenas à outra parte
na relação contratual ou pré-contratual, ou também podem envolver terceiros especialmente
ligados a uma das partes? Temos o A vai com B, sua filha, a uma loja para adquirir alguns bens
e enquanto está com ela uma prateleira cai em cima B. Neste exemplo, quem esta ligado à relação
pré-contratual é o A e a pessoa coletiva em causa. Aqui também existem deveres proteções em
relação à filha de A?
Tem se entendido que estes deveres também se podem estender a estranhos e terceiros ao
contrato, quanto a isto os alemães veem falar em contratos com eficácia em relação a terceiros.
Nas palavras de Mota Pinto, falamos daqueles terceiros que estão numa situação que é semelhante
à da parte. Esta questão foi sobretudo suscitada relativamente aos contrato de locação, em que
atendendo à própria relação de longa duração, seriam muito prováveis o surgimento de acidentes
que poderiam acontecer não só ao locatário, mas também aos seus familiares e amigos. Temos o A
que arrenda um apartamento a B e A vai ocupar com a família o apartamento, mas o chão do prédio
foi deficientemente lavado e uma criança cai. Aqui há também deveres laterais de proteção que se
estendem a terceiros.
Importa ainda ter em conta que na fase pré-contratual, embora ainda não haja um vinculo,
há na mesma uma relação obrigacional que tem uma base legal (o artigo 227º) e que é incorporada
por aqueles deveres laterais. Mas, naquele exemplo da loja, uma vez que ainda estamos na fase pré-
contratual, poderemos aplicar as regras da responsabilidade obrigacional? Ou como ainda não
houve celebração de nenhum negócio jurídico teremos de aplicar as regras da responsabilidade
aquiliana?
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Quanto a isto destaca-se que na qualificação da responsabilidade pré-contratual não tem sido
pacífica pela doutrina. É certo que a responsabilidade obrigacional é mais favorável ao credor.
Desde logo, há a presunção de culpa do devedor, bem como, devedor responde pelos atos dos
auxiliares, como se fossem deles próprio (800º).
Almeida Costa vem qualificar esta responsabilidade como uma responsabilidade delitual,
enquanto a doutrina maioritária inclina-se para o entendimento correspondente ao de Ribeiro de
Faria, em que teríamos a responsabilidade obrigacional. Mas este autor defende aqui um
pensamento intermédio, em que se reconhece que nestas situações não há o incumprimento de
nenhuma obrigação previamente constituída, do mesmo modo que também não foi violado nenhum
direito absoluto, pelo que, no fundo, a responsabilidade pré-contratual não se reconduz de forma
absoluta a nenhuma das duas modalidades. Aqui o professor Carneiro de Frada e Menezes Leitão
vêm por isso falar de uma “terceira via de responsabilidade”, não devendo ser defendida a
aplicação total do regime da responsabilidade obrigacional ou da responsabilidade delitual. O
professor Pestana destaca também que esta responsabilidade tem um caráter misto pois há uma
responsabilidade obrigacional, na medida em que estamos numa fase-pré-contratual, mas em que
se comporta regras diferentes da extracontratual. No caso da filha se ter magoado por lhe ter caído
a prateleira dentro da loja, tendo em conta o regime da responsabilidade obrigacional, com esta
presunção e com a responsabilidade pelos atos dos funcionários, aqui seria a pessoa coletiva
responder. Não temos uma responsabilidade obrigacional pura, ela tem regras especificas, mas para
o que nos interessa aqui são aquelas duas regras.
Destaca-se que muitos destes casos poderiam ser resolvidos pela responsabilidade do
comitente, ou seja, mesmo que esta figura não existisse, haveria na mesma outro meio de defesa. os
alemães criaram esta figura uma vez que estes não têm um regime objetivo da responsabilidade
extracontratual. A verdade é que a responsabilidade do comitente acaba por ter um regime mais
favorável.
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Processo Civil). Isto não quer dizer, como, de resto o pusemos em relevo também já, que não tenham
sido dados pela lei ao credor outros meios de tutela do seu direito e que nada tem a ver com a ação
creditória, tais sejam, a exceção do contrato não cumprido ou o próprio direito de resolução.
Mas voltemos à ação creditória. É esta uma entidade complexa que integra uma ação de
condenação e uma ação executiva. De resto, ela compreende também, ponto é que assim se
satisfaça o interesse do credor, a mera possibilidade de se fazer averiguar a existência de um crédito
(ação de simples apreciação) ou, até, o próprio recurso a alguns procedimentos cautelares, como o
arresto (artigo 391º do Código de Processo Civil).
A garantia consiste fundamentalmente na responsabilidade do património do devedor
pelo cumprimento da obrigação a que ele se encontra vinculado. Património que é, de todo o
modo, uma garantia de todos os credores do devedor – e isso porque, a menos que haja credores
preferenciais, todos os credores do devedor têm o direito de se fazerem pagar por ele, ainda que na
proporção dos respetivos créditos (artigo 604.º/1).
Todavia, tem-se dito, por um lado, que a ação creditória não é um elemento essencial da
relação obrigacional já que bem se concebe uma obrigação sem o poder de agressão do credor e,
por outro, que, sendo ela de localização ou assento processual, é, por isso mesmo, diferenciada da
relação substantiva, do direito substantivo, em suma.
Mas é duvidoso que se possa afirmar isto. Nem fica, na verdade, demonstrando, assim, que o
conceito de obrigação, enquanto dever jurídico, prescinda da ação creditória, e certo como é que o
direito de retenção, por si só, se pode explicar hoje sem ser pela ideia de obrigação civil (artigo
403º/1), nem é líquido, por outro lado, e seja qual for a ideia que se faça do processo (relação jurídica
ou estádio ou situação jurídica) que a possibilidade adjetiva não seja precisamente a emanação do
poder substantivo “que integra a relação obrigacional”.
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Suponhamos agora que alguém promete, por anúncio público, um prémio a quem lhe devolver
o cão que se perdeu. Cá temos uma outra situação em que tem lugar o nascimento de uma obrigação,
mas já não por acordo de vontades (contrato), mas simplesmente por um ato de vontade unilateral.
No caso, por meio de uma promessa pública – que há ainda um negócio jurídico, mas um negócio
jurídico unilateral (artigo 459º). Atente-se num acidente de viação em que o condutor que o provoca
não observou o sinal de paragem do sinaleiro, por uma distração. Um facto ilícito, que transcende,
pois, toda a ideia negocial, está, neste último caso, na base da obrigação de indemnizar os danos que
dele resultam.
As obrigações têm uma diversa e plúrima procedência. A ligação das obrigações à respetiva
fonte se reveste de uma importância basilar para a determinação do próprio conteúdo delas. É que,
por virtude da atipicidade da relação creditória, a obrigação tem um conteúdo variável consoante a
fonte onde procede.
Quais são as fontes das obrigações? Os contratos, a responsabilidade civil, o
enriquecimento sem causa, a gestão de negócios e os negócios jurídicos unilaterais, de forma
muito limitada. Temos outras fontes das obrigações que decorrem da existência prévia de relações
entre as partes, como as relações reais, responsabilidade pré-contratual.
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Existe um conjunto de disposições no Código Civil, que vão do artigo 405º ao artigo 456º,
e que, como que constituindo uma teoria geral do contrato, contém regras ou princípios aplicáveis
a todos os contratos.
O primeiro desses artigos é o artigo 405º. E nele se dispõe, textualmente, que “dentro dos
limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar
contratos diferentes dos previstos nesse Código ou incluir neles as cláusulas que lhes
aprouver” – é o princípio da liberdade contratual.
A LIBERDADE DE CONTRATAR
A regra a este propósito vem-nos, desde logo, do artigo 405º. E, consoante imediatamente
resulta dos seus termos, obtém nele expressa consagração o princípio da liberdade contratual, e,
mais propriamente, o princípio da livre fixação do conteúdo dos contratos.
As partes são, assim, livres de determinar o conteúdo do contrato. Elas podem, por isso,
mesmo modificar na sua estrutura fundamental um tipo contratual previsto na lei ou compor o seu
próprio contrato. E esta liberdade de tipicidade negocial existe precisamente porque no contrato
obrigacional estão em princípios apenas em jogo os interesses das partes contraentes.
Mas, antes, deixe-se afirmar que, se as partes podem dizer e decidir sobre as obrigações a
que se sujeitam, elas podem decidir também sobre se querem afinal assumir quaisquer obrigações.
Dizendo de outra forma: antes de decidirem sobre os termos concretos dos contratos em que se
envolvem, as partes têm o poder de decidir se se querem neles envolver. Numa palavra: às
pessoas é deixada a suma e última decisão sobre o contratar em si.
As pessoas têm, assim, também a liberdade de concluir os próprios contratos. O proprietário
de um quadro fica, desde logo, livre de vendê-lo, e vendê-lo pela proposta mais favorável ou
primeiramente recebida, ou não. Como lhe fica aberto o caminho da retratação, se a proposta não
tiver chegado ao poder do destinatário.
E a ordem jurídica faz do princípio da liberdade de contratação um princípio tão caro que
não hesita em dizer que, se a declaração de vontade for extorquida pelo uso da força física, o contrato
não produzirá algum efeito (artigo 246º) ou que, em todo o caso, será anulável se a vontade negocial
tiver na sua base uma coação moral (artigo 256º).
E esta dupla liberdade (liberdade de contratar em si e liberdade de conformação social)
o que resultam são efeitos importantes para a consecução de uma justiça apreciável no tráfego
negocial: ou porque as partes delimitam as suas próprias obrigações ou porque, em suma, se coíbem
gradualmente nas exigências recíprocas em que acabam por ficar. Como se põe em relevo por vezes,
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através da harmonização dos interesses das partes por via do mecanismo do contrato são
conseguidos resultados equitativos e justos, ponto é que ambas as partes disponham do mesmo
poder ou de um poder comparável. Por isso mesmo que o legislador, repete-se, se tenha fortemente
empenhado na consagração destes princípios.
Se as partes são livres de contratar, e livres até de acordarem nas cláusulas contratuais que
entenderem, elas devem ficar inexoravelmente vinculadas aos termos negociais assumidos. Temos,
dessa sorte, o reverso da liberdade contratual: ou seja, o princípio da responsabilidade contratual.
Por isso mesmo é que se diz, na nossa lei, que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só
pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos
na lei” (artigo 406º/1).
É possível às partes celebrarem contratos atípicos, que não estão regulados no Código
Civil, nem na legislação avulsa. É possível também as partes recorrerem a contratos típicos, a
contratos que estão previstos no Código. Regimes supletivos: não precisam de acordar quanto a
isso, porque está previsto na lei, porque são contratos típicos. Podem celebrar contratos atípicos,
misturando contratos típicos, misturar um contrato de compra e venda com um contrato de
empreitada e compor um regime que tem elementos de ambos os contratos (contrato misto).
Os contratos completamente atípicos são contratos que não têm um regime previsto na lei.
Um contrato de franchising não é um contrato típico, não se trata da mistura de elementos dos outros
contratos, trata-se de um contrato diferente, que tem um regime específico que é ditado pelas partes.
Acontece que há um conjunto de limitações, algumas de carácter jurídico, outras de carácter prático,
que limitam a liberdade contratual. A liberdade contratual enquanto princípio tem um contra
polo: as partes podem celebrar contratos como entenderem, mas uma vez celebrado o contrato têm
de o cumprir nos exatos termos fixados- regra do cumprimento pontual. Só em circunstâncias
excecionais (artigo 437º) é que se pode alterar o contrato sem ser por acordo das partes.
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não podem, em princípio, vender a filhos ou a netos (artigo 877º/1). A cessão e a venda de direitos
litigiosos não pode ser feita a juízes ou outros magistrados de justiça (artigo 579º e artigo 876º).
Atente-se, por fim, aos múltiplos casos de indisponibilidade relativa: nula é a disposição em
favor do médico que tratar o testador (artigo 2194º) e, bem assim, a do maior acompanhado a favor
de acompanhante ou administrador legal de bens, ainda que estejam aprovadas as respetivas contas.
Mas pode dar-se ainda uma ou outra situação de restrição ou limitação. Deixar que as
pessoas livremente contratem ou não, mas, celebrado o contrato, impor renovação dele ou,
então, a aceitação da transmissão da posição contratual da contraparte.
Como, por outro lado, que, tendo havido divórcio ou ocorrida a morte de um dos cônjuges,
fique aberta a porta para a transmissão da posição de arrendatário a um deles (artigo 1110º, 2, 3,4)
ou ao sobrevivo (artigo 1111º) – e tudo isto sem a necessidade do consentimento do senhorio.
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Mas, mesmo quando as partes escolhem um contrato típico, podem elas afastar a aplicação de
regras legalmente previstas, por exemplo: a lei prevê (artigo 914º) que o comprador tem direito de
exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a
substituição dela. Pois bem: as partes poderão clausular que haverá sempre lugar, e só, à
substituição.
Mas positivamente: a liberdade dos contraentes de conformar o conteúdo dos contratos tem si
contida a evidente vantagem de estes, mediante regras adequadas, se poderem adaptar a
situações não previstas pela lei sejam elas advindas de mudanças técnicas ou de específicas e novas
condições do mercado ou de outras circunstâncias quaisquer.
Não se pode ignorar que este princípio da autonomia privada, que se manifesta na
conformação do contrato aquando da constituição dele, se continua a repercutir no conteúdo
subsequente da relação obrigacional: e assim é que está aberto o passo para as partes substituírem
o objeto inicial da prestação por um outro.
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De resto, neste quadro de coisas, se insere o dispasto quanto à venda a prestações, em que se
fixam imperativamente os termos da resolução e da perda do benefício do prazo (artigo 934º) e a
própria cláusula penal pelo incumprimento do comprador (artigo 935º/1).
Disposições imperativas que refletem ainda os dois interesses referidos vemo-las também na
proibição do anatocismo (artigo 560º) ou na sujeição a escritura pública, em certos casos, dos
contratos (artigos 220º, 875º e 947º) ou na fixação da responsabilidade de um contraente
proveniente do dolo (artigo 898º, 908º e 912º) ou, de todo o modo, na delimitação dos direitos do
credor pelo incumprimento contratual.
Sucede ainda que, por vezes, a economia ou o próprio direito de necessidade que impõe aos
contraentes limitações profundas na delimitação do conteúdo dos contratos.
O outro princípio que tem para aqui importância é o da boa fé. Trata-se de um princípio
que domina todo o cumprimento da obrigação e o exercício do direito correspondente (artigo
762º/2) e que, visando obter a leal colaboração dos contraentes, não pode, por isso mesmo, ser
afastado por estes. Por isso que ele seja mesmo um meio de que a lei se serve para pôr nas mãos do
juiz o poder de criar direito. É que, se boa fé pode ser usada para a delimitação do conteúdo das
obrigações, é forçoso admitir que ela o possa ainda ser para as criar ou excluir.
Outros exemplos de limitações:
1. Relativamente aos direitos reais, há uma liberdade das partes transmitem a propriedade por
venda, doação, troca. Há liberdade contratual nessa medida. Não podem, por força do princípio da
tipicidade dos direitos reais, é alterar o conteúdo do direito real tal como ele está previsto na lei.
Não podem ser criados outros direitos reais sem ser os que estão previstos na lei. Este princípio
significa que não é possível criar direitos reais para alem dos que estão previstos na lei e também
não é possível modelar o seu conteúdo, isso não significa que os direitos reais só possam ser
constituídos extintos através de tipos contratuais contidos na lei- podem ser transmitidos também
no âmbito de contratos mistos ou contratos atípicos.
2. Normas imperativas. Havendo normas imperativas, as partes do contrato não as podem
afastar. Se o fizerem, o contrato é inválido.
3. Negócios usurários (artigo 232º): são anuláveis.
4. Necessidade de se proteger a parte mais fraca – o legislador procura equilibrar as partes
da balança. Formalmente, as partes são iguais, mas por exemplo no sentido de força económica as
partes não são iguais. Quando a lei identifica a parte mais fraca introduz um conjunto de limitações
à fixação do conteúdo do com trato:
a. Direito do Trabalho: normas que protegem o trabalhador
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Importa fazer uma breve referência a um sistema diverso, é o sistema alemão “dos dois
negócios”, em que para haver a transmissão da propriedade tem de haver um negócio inicial (com
efeitos meramente obrigacionais) e depois ainda se faz outro acordo real subsequente, um segundo
contrato, (o negócio real), em que esse é acompanhado pela tradição (no caso de coisas móveis), é
este último negócio que gera a transmissão do direito real, devendo ser sujeito a registo. Neste
sistema, há então uma separação entre os dois contratos, daí que se diga que o segundo negócio é
abstrato, pois ele é imune ao primeiro, ou seja, se o negócio obrigacional (o primeiro) cair, o
segundo (o real) mantém-se. Porquê que isto acontece? Porque se visa dar uma maior estabilidade
quanto à aquisição de direitos reais, que não são atingidos pelo eventual vício do negócio
obrigacional. No nosso sistema isto já não aconteceria desta forma, uma vez que se temos um
contrato de compra e venda que é nulo, ora como o transmissão do direito real é apenas um mero
efeito do contrato então, estando o negócio inquinado, a propriedade não se transmitiu e há o
direito a reivindicá-la. Do mesmo modo, se o negocio é anulável já temos os efeitos do artigo 289º
o que significa que há um efeito ex nunc a propriedade é adquirida, havendo aquelas limitações.
Deste modo, tal como já dissemos, a transferência ou a constituição de direitos reais dá-se
como mero efeito de um contrato. Mas note-se que isto apenas sucede quando estejam em causa
coisas determinadas. Se estiver em causa uma coisa futura ou indeterminada, o direito só se
transfere quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com o conhecimento de ambas
as partes (408/2º). Por sua vez, também há aqui um regime próprio para as obrigações genéricas, no
559º, o mesmo sucedendo quanto ao contrato de empreitada. Se se tratar de frutos naturais ou de
partes componentes ou integrantes, a transferência só se opera no momento da colheita ou da
separação (408/2º).
No sistema alemão nada disto acontece porque o negócio está completamente estabilizado,
temos dois negócios distintos. Mas e se a propriedade for transmitida, mas o outro contraente, devido
aos vícios do negócio obrigacional, fica sem o dever de pagar o preço? Aqui não se mexe com a
propriedade já transmitida, mas quanto ao dever de pagar temos o instituto do enriquecimento sem
causa, que no ordenamento jurídico alemão tem um regime muito mais relevante do que tem para
nós devido a este sistema. No nosso sistema, não precisamos de recorrer ao enriquecimento sem
causa nestas casos, na medida em que temos os efeitos retroativos da invalidade do negócio, que
vai mexer quer com os efeitos reais quer com os efeitos obrigacionais.
Se tivermos um contrato de compra e venda sobre coisa certa e determinada, em que há a
transmissão do direito real aquando da celebração do contrato, é possível às partes evitar que isso
aconteça, em que para isto temo uma cláusula de reserva de propriedade, no 409º. Ou seja,
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naqueles contratos em que há efeitos reais quanto à aquisição, pode haver cláusulas em que a
transmissão só se transmite quando houver um certo evento futuro que seja previsto pelas partes no
contrato. É uma norma que vem logo a seguir à regra geral, que é a transmissão imediata.
CONCEITO DE CONTRATO
Os contratos têm, assim, entre nós, e a orientação já vinha, de resto, do Código Civil anterior
(artigo 715º), efeitos reais. Dispõe, de facto, o artigo 408º: “A constituição ou transferência de
direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato”.
Por meio de um simples acordo de vontades, e sem mais, verifica-se que a propriedade sobre
o objeto X que era de A passa a ser de B. Isto é, por mero ato de vontade e sem qualquer manifestação
exterior que se prenda com a condição aparente da coisa, esta muda de titular ou de dono.
Isto é, hoje em dia, entre nós, e como começamos por referir, a constituição ou
transferência dos direitos reais verifica-se por mero efeito do contrato. Mas anote-se: desde que
estejam em causa coisas determinadas. É que se a transferência respeitar a coisa futura ou
indeterminada, o direito só se transfere quando a coisa for adquirida pelo alienante ou
determinada com conhecimento de ambas as partes (artigo 408º/2). Por sua vez, as obrigações
genéricas têm disposições específicas (artigo 559º), o mesmo sucedendo, de resto, quanto ao
contrato de empreitada. E se se trata de frutos naturais ou de partes componentes ou
integrantes, a transferência só se opera no momento da colheita ou da separação (artigo
408º/2).
O contrato de compra e venda sobre coisa certa e determinada provoca a transmissão de
propriedade sobre a coisa. Essa transmissão de propriedade pode ser imediata (coisa presente, certa
e determinada), mas pode ser diferida (verificar-se só no futuro – por exemplo, venda de coisas
futuras, o contrato produz os seus efeitos, mas não logo os seus efeitos translativos quando a coisa
for adquirida pelo alienante; artigo 408º/2 - ou quando se tratarem de frutos naturais, partes
componentes ou integrantes). O contrato em si tem efeito real, mas produz de forma diferida, mais
à frente, mas o que produz o direito real é o contrato em si.
O nosso sistema de transmissão de direitos reais é um sistema puro de título (basta o
contrato para a transmissão do direito), não é necessário um molde para transmitir o direito
real. Por exemplo, quando o contrato de CV tenha por objeto uma coisa móvel, não é necessário
que a coisa seja entregue para se transmitir a propriedade sobre a coisa, a propriedade sobre coisa
certa e determinada transmite-se logo com o contrato, o que há é uma transmissão de coisa que
pertence já ao vendedor.
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contraídas pelo vendedor ao comprador fica apenas aberta a porta para a obtenção de uma
indemnização. Tenha-se em conta, todavia, que, para o nosso direito e no tocante a imóveis, há que
considerar as regras do registo, quanto à oponibilidade a terceiros.
Pensemos agora, ainda na base do exemplo apresentado, que, não tendo ainda B feito a entrega
do objeto vendido (mas já depois do contrato celebrado), esse objeto perece por um facto natural. E
aqui está como, também por força da diferente função cometida ao contrato de compra e venda, os
efeitos no direito alemão e no nosso se contrapõem. É que, no direito alemão, sendo o objeto ainda
propriedade do vendedor, será sobre este que impenderá o prejuízo. Já não é assim no nosso direito.
Por força do contrato, A passou de ser logo o proprietário da coisa (artigo 408º) e por conta dele
passa de correr, em princípio, o risco do perecimento dela (artigo 796º/1).
Vejamos, por fim, outro aspeto. Que o contrato de compra e venda estava ferido de
nulidade. Pois bem: entre nós (e salvo o preceituado no artigo 291º), a nulidade tem efeito
retroativo, “devendo ser restituído tudo o que houver sido prestado, ou, se a restituição em espécie
não for possível, o valor correspondente” (artigo 289º). Quer dizer, a declaração de nulidade destrói,
com efeitos para o passado, a transferência do domínio e todos os efeitos obrigacionais do contrato.
Mas já no direito alemão se passam diferentemente as coisas. Neste último direito, temos dois
contratos que se sucedem, sendo o segundo deles (o contrato real) um contrato abstrato e, por
isso mesmo, que independe, na respetiva validade, das vicissitudes que atinjam o contrato
obrigacional. Isto quer dizer que a nulidade do contrato de compra e venda deixa intocado o contrato
de transferência do domínio. As coisas acabarão por se resolver, não por via de uma simples
restituição, mas pelo jogo de duas pretensões (do comprador e do vendedor) dirigidas a nova
transmissão, de sinal contrário à que fora efetuada. Mas o que é certo é que se baseia todo este
procedimento no preceituado para o enriquecimento indevido.
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A lei consagra, de forma muito ampla, o regime da venda com reserva de propriedade, pelo
que a transmissão da propriedade pode estar sujeita a qualquer evento. Na prática, e em regra, o
evento a que está sujeita a transmissão da propriedade sobre a coisa é o pagamento do preço.
Esta é uma cláusula muito comum que se insere nos contratos de compra e venda a
prestações, em que o vendedor entrega a coisa, concede à outra parte um prazo para pagar, e a
propriedade da coisa só se transmite com o pagamento da última prestação do preço. No caso do
não cumprimento do contrato, sendo a venda a prestações, é possível a resolução do contrato,
protegendo-se o vendedor.
O professor Pestana de Vasconcelos trata esta matéria em Direito das Obrigações, bem como
em Direito Comercial, porque normalmente é um comerciante que recorre a esta cláusula. Assim
sendo, esta cláusula tem muito relevo em relação à proteção do comerciante, uma vez que é
comum na venda comercial um sujeito vender e conceder um crédito comercial (o vendedor concede
um prazo para a outra parte pagar o preço).
Note-se que, naqueles casos em que seja transferida a propriedade sobre uma coisa e feita a
sua entrega, se não for pago o preço não é possível resolver o contrato. Diz-nos o artigo 886º que
“transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não
pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço”,
restando-lhe apenas a interposição de uma ação declarativa no caso de não possuir título executivo,
recorrendo depois a uma ação executiva.
O que o sujeito pretende aqui é recuperar a coisa (e não obter uma indemnização). Ele não
o pode fazer se não inserir uma cláusula de reserva de propriedade. É devido a esta especificidade
da compra e venda que a cláusula de reserva de propriedade assume tamanha importância (o
disposto no artigo 886º não se aplica se se inserir uma cláusula de reserva de propriedade).
Muitas vezes o que sucede é que o contrato de venda com reserva de propriedade é
também celebrado a prestações. É dado ao outro sujeito a possibilidade de pagar o preço de modo
fracionado. A lei, no entanto, como modo de proteger o adquirente, estabelece um regime protetor
para o comprador numa venda com reserva de propriedade a prestações. Diz-nos o artigo 934º que
“vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a
falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à
resolução do contrato”.
Ou seja, feita a venda, a coisa é entregue, estabelecendo-se reserva de propriedade, pelo que
o adquirente não pode vender a coisa. Contudo, tratando-se de comércio, ele quer vender. Imagine-
se que A vende a B com reserva de propriedade e dá-se a entrega da coisa sem que B tenha ainda
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pago o preço. B põe a mercadoria no seu estabelecimento e aparece um terceiro (C) que adquire a
mercadoria. Uma vez que o vendedor não é proprietário, trata-se de uma venda de bens alheios
e o terceiro não adquire nada. O artigo 1301º vem consagrar uma norma de proteção de terceiro
para estes casos. Este artigo diz-nos que se A, dono do bem, lhe for exigir a entrega do bem, o
terceiro, C, pode se recusar a restituir o bem enquanto A não lhe pagar aquilo que C pagou a B pelo
bem.
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funcional). Quanto ao caráter genético, se uma das obrigações for impossível a outra cai também,
pois elas estão ligadas.
No cumprimento e desenvolvimento da prestação, esta também se projeta através de dois
níveis: exceção de não cumprimento (artigo 428º) e condição resolutiva tácita (artigo 432º). Mas,
antes disto, importa sublinhar que nestes contratos perfeitos, tendo em conta a relação complexa,
não há só deveres principais, mas também os secundários e os laterais da boa fé. Este sinalagma faz
com que os deveres secundários também se incluam no seu seio, é o tal caso da venda do carro sem
livrete. Mas isto já não se verifica quanto aos deveres laterais da boa fé, pois se estes forem atingidos,
a própria base de confiança é atingida, pelo que não se torna possível recorrer a figura de exceção
do não cumprimento, mas sim o resolução do contrato. Aqui temos o artigo 755º, nas suas alíneas
c) e e), em que já temos o direito de retenção.
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no caso dos contratos de seguro, em que o segurador não sabe se um dia terá que prestar, ou o caso
do jogo; ou quanto à extensão da prestação, é o caso dos contratos de renda vitalícia em que um
sujeito se obriga a pagar a renda a um sujeito durante o seu período de vida, sendo que aí esse tempo
poderá variar.
Estes contratos onerosos podem também ser contratos parciais, em que o sujeito realiza a
outra parte uma prestação, para que ela a utilize e depois participe nos lucros resultantes da
prestação. É o caso parceria pecuária, em que alguem se obriga a cuidar dos animais e depois
partilha o lucro a quem forneceu os seus instrumentos.
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própria lei. Assim é que, por exemplo, nos contratos de execução continuada, tem por regra uma
das partes de cumprir antecipadamente. E positivamente: numa venda a prestações, o vendedor tem
também de cumprir primeiro.
Mas ponha-se desde já bem claro que nem pelo facto da bilateralidade das obrigações
fica uma das partes inibida de proceder judicialmente contra a outra. E, se esta se defender
com a reciprocidade das prestações, nem por isso o juiz deve absolvê-la, antes a deve condenar ao
cumprimento da prestação, só que nos próprios termos do regime dos contratos bilaterais. Certo que
será sobre o autor que impenderá o ónus de provar que a limitação não tem lugar no caos porque o
réu está obrigado a um cumprimento antecipado, ou porque de todo em todo ela não existe, porque
ele (autor), por exemplo, já cumpriu a sua prestação.
Mas de tudo isso o que resulta é que, no desencontro temporal de ambas as prestações, pode
ver-se um desvio ao princípio do sinalagma genético – pelo menos em uma certa medida.
Suponhamos agora que uma das partes cumpre, sim, mas cumpre defeituosamente. A
questão que neste caso se porá é a de saber se, nestas conduções, a outra parte pode socorrer-se da
“exceptio”.
Um setor significativo da doutrina alemã pronuncia-se pela afirmativa. Mas também diz
que a invocação deste meio de defesa deixa de poder ter lugar quando a recusa da contraprestação,
atentas as circunstâncias do caso, especialmente por via da insignificância do defeito da prestação,
colide com o princípio da boa fé. Parece-nos ser essa a boa solução. Mas o que já não será lícito é
dizer-se aqui que o simples facto da aceitação da prestação defeituosa preclude a viabilidade da
invocação do meio de defesa. Quando muito, poder-se-á entender para aí existente uma presunção
de cumprimento, que terá de ser afastada pelo devedor da contraprestação. Isto é, sobre o credor
impenderá o ónus da prova de que, nesse cumprimento, intervêm circunstâncias excecionais que lhe
alteram o significado e os efeitos.
O artigo 429º estabelece, por sua vez, um traço do regime dos contratos bilaterais de
alto significado. O aspeto diz respeito a um contrato bilateral em que haja o desencontro
temporal das prestações. Em suma, dispõe este artigo que, se um dos contraentes está obrigado
a cumprir em primeiro lugar, ele pode recusar-se a fazê-lo enquanto o outro não cumprir ou
der garantias de cumprimento se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das
circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo. Estas circunstâncias encontram-se
estabelecidas no artigo 780º.
O problema que se põe é o de saber se a recusa do cumprimento antecipado o pode ser apenas
nos casos taxativos do artigo 780º ou, se pelo contrário, ela pode ter lugar sempre que se verifique
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o “pioramento” da situação económica da outra parte, a ponto de correr perigo a efetivação do direito
à contraprestação, há quem defenda, entre nós, uma solução chegada à letra dos textos legais e quem,
pelo contrário, lhes dê um sentido mais amplo, de forma abarcar outros casos.
A história da lei vigente parece, todavia, casar-se melhor com a primeira alternativa. De
facto, se é certo que nos trabalhos preparatórios do Código se optou pela solução mais protetiva dos
interesses do obrigado ao cumprimento antecipado – a condição que se exigia era apenas a de que
“a situação patrimonial de outra parte pusesse em perigo evidente a efetivação do direito à
contraprestação, o que se passou, porém, a nível da redação definitiva do preceito (do referido artigo
429º), foi totalmente diferente, como já se viu.
E nesta redação final pode muito bem enxergar-se, por isso, a solução que a própria letra da
lei sugere – ou seja, o afastamento da via por que primeiramente se tinha enveredado e que ia, de
resto, na senda do direito alemão.
Merece ainda uma referência especial, a propósito da exceção de não cumprimento do
contrato, o disposto no artigo subsequente ao que vimos de referir. Regula ele (o artigo 430º) o
caso de um contrato bilateral em que uma das prestações conexionadas se extingue, entretanto, por
prescrição. Adivinha-se já a questão que se suscita. Saber se o nexo causal existente entre as
prestações é tão forte que paralisa o efeito prescricional, e permite por isso ao credor da dívida
prescrita invocar com êxito a “exceptio”, ou se, ao invés, a prescrição produz, também aqui, todos
os seus efeitos e o contraente que deixou prescrever o seu direito não tem, assim, outra alternativa
que cumprir sem mais.
Diga-se que o ponto é controvertido e que não falta quem alegue que uma solução positiva
põe em xeque as finalidades de certeza e de segurança que o instituto da prescrição visa
prosseguir.
O nosso direito não se deixou, todavia, impressionar por estas razões, e bem. É que é
desculpável ao “exceptiens” não ter feito interromper a prescrição quando o prazo de tempo decurso
é de molde a fazê-lo acreditar que ao outro contraente não interessa mais o cumprimento.
É claro que, no caso da prescrição presuntiva (de que fala o artigo 430º), já se compreende
outro regime. As prescrições presuntivas fundam-se numa presunção de pagamento – e, se o
pagamento se presume, cai o fundamento, todo ele, para o exercício da “exceptio”.
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Para as formas de não cumprimento das obrigações prevê o Código Civil um “arsenal de
reações”, ajustadas ao tipo de não cumprimento e ao papel desempenhado nele por cada um dos
contraentes, que espelham bem ainda o sistema ou processo contratual no seu conjunto.
E assim é que, se, num contrato bilateral, uma das prestações se torna impossível por
facto não imputável ao devedor (a coisa que se vendeu perece num incêndio), tem lugar a
extinção da obrigação (artigo 790º) e a perda do direito à contraprestação (artigo 795º nº1).
Já não assim se a impossibilidade da prestação resulta de facto culposo do devedor (o
livro vendido esqueceu-se dele este no café) – pois que, neste caso, o credor pede uma indemnização
que o compense pelo não cumprimento (indemnização pelo interesse contratual positivo) ou prefere
“resolver” o contrato e exigir a situação em que estaria se não tivesse contratado (indemnização pelo
interesse negativo) – artigo 801º/1 e 2. E se o devedor apenas cumpre uma parte da prestação, ou
pode advir a validade do contrato, mas com a redução da contraprestação na parte correspondente,
ou ter lugar a resolução do próprio contrato, com a desvinculação consequente de ambos os
contraentes. Positivamente que já regras legais que ditam aqui as soluções adequadas a cada um
caso (artigos 793º e 802º). Mas, de quanto sumariamente se disse, o que já resulta, e foi tudo quanto
se pretendeu, é a demonstração cabal do ajustamento das soluções legais ao mecanismo da
reciprocidade de obrigações que é própria dos contratos bilaterais. Por outras palavras: nada
disto seria assim não fora o sinalagma funcional.
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Dentro dos contratos onerosos temos os contratos comutativos em que as vantagens para
ambas as partes podem ser logo apreciadas no momento da celebração do contrato, e os contratos
aleatórios que estão sujeitos a uma alea, a um risco – isso sucede quer à realização da própria
prestação, quer ao montante da própria prestação (contrato de seguro). Podemos ter ainda contratos
parciários em que um sujeito realiza uma prestação para que o outro a utilize, participando
posteriormente nos lucros resultantes da utilização dessa prestação (parceria pecuária – A entrega
animais a B para que este os crie e com a venda dos animais o valor é repartido).
CONTRATO-PROMESSA
É o contrato pelo qual uma ou ambas as partes se obrigam a realizar determinado contrato,
dentro de certo prazo e sob certas condições. Trata-se de uma modalidade muito corrente no nosso
ordenamento jurídico que a lei civil regula de forma genérica nos artigos 410º e seguintes do
Código Civil.
As partes recorrem este contrato por muitas razões, desde logo, se elas chegam imediatamente
a um acordo quanto ao contrato futuro e querem vincular-se a ele, naqueles termos: A promete
vender a B o imóvel por 100.000 euros e B promete comprar aquele imóvel; ou porque as partes
não têm disponibilidade financeira imediata, mas já celebram o seu acordo; ou porque os bens ainda
não existem, mas vão existir no futuro, é a chamada “venda na planta” em que o imóvel ainda não
foi construído, mas ambas as partes querem logo acordar a venda do imóvel quando o prédio estiver
concluído e se constituir a propriedade horizontal. Aqui as vantagens associam-se ao facto de a
promessa por norma ser acompanhada por um sinal, sinal esse que permite muitas vezes financiar
a própria obra. Do mesmo modo, esta modalidade contratual também constitui uma forma de
incentivo ao comércio jurídico, com economia de meios. Imaginemos que A pretende vender um
prédio e celebra com C o contrato-promessa de venda, diligenciando este, então a venda definitiva
com um qualquer pretendente, com o qual poderá vir até a celebrar outro contrato-promessa. Aqui
a escritura definitiva será, todavia, celebrado entre A e o terceiro, diretamente. Afinal, aqui o que C
prometeu foi é a prestação de terceiro de (A), para o que se encontra, de resto, especialmente
garantido.
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vender e o caso o outro o quiser comprar (artigo 414º e seguintes). Por exemplo, a preferência de
que o inquilino é titular para a venda do andar, aqui o senhorio só se quiser vender naqueles termos
é que tem de ir ter com o inquilino, e o inquilino pode querer ou não comprar.
II. A venda a retro, em que aqui o comprador não promete celebrar uma outra venda como
o vendedor, ele fica antes sujeito a que este, mediante uma simples notificação, resolva o contrato
(sem necessidade, portanto, de qualquer nova declaração contratual por parte do comprador), artigo
927º e seguintes. Ou seja, já existe um contrato (a compra e venda) que pode, no entanto, vir a ser
“resolvida” pelo vendedor. Aqui A vende a B uma coisa, mas reserva-se a poder obter essa coisa.
III. O pacto de opção, em que aqui há um direito potestativo em que ao ser exercida a opção
o contrato é logo celebrado. Por exemplo, no futebol, os pactos de opção significam que um clube,
verificando certas circunstâncias, pode comunicar a outra parte que vai exercer o seu direito de
opção, pelo que o contrato celebrou-se. Aqui uma das partes emite uma declaração que corresponde
ao contrato que pretende celebrar. Na promessa nada disto acontece, porque não há qualquer direito
potestativo, mas sim há uma obrigação de celebrar em certas circunstâncias, aqui vamos ter um
acordo posterior ao acordo da promessa. Aqui temos um comerciante que dá a A um artigo seu, mas
este deve devolver-lhe a coisa se não quiser ficar com ele.
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Regime do contrato-promessa
Quanto aos seus requisitos formais e materiais, temos o artigo 410/1º que nos diz que ao
contrato-promessa são aplicáveis as disposições relativas ao contrato prometido, excetuando as
disposições relativas à forma e àquelas que, pela sua razão de ser, não se devem considerar
extensivas ao contrato-promessa. Temos, então, aqui presente o princípio da equiparação, segundo
o qual aplica-se ao contrato-promessa o regime do contrato prometido, a não ser naquelas duas
exceções. Neste sentido, destaca-se que para um contrato-promessa ser válido não basta este
respeitar o requisitos gerais da validade (a capacidade das partes, o objeto, etc.), ele tem ainda de
respeitar o regime específico do contrato-prometido.
Quanto àquelas duas exceções, a primeira é relativa à forma do contrato-promessa. Por
exemplo, o contrato definitivo de venda de imóveis em regra é celebrado por escritura pública, mas
o contrato promessa não precisa disto, não está sujeito a esta forma, mas sim ao que dispõe o 410/2º
e 3º. Temos então que, nos termos deste artigo no número 2, o contrato promessa que diga respeito
a um contrato para o qual a lei exige forma, é necessário que ele seja celebrado por documento
particular assinado por ambas as partes, conforme seja unilateral ou bilateral. (vamos ver esta
questão da forma mais à frente).
Já na segunda ordem de exceções em que temos “as disposições que pela sua razão de ser não
podem ser aplicadas ao contrato-promessa”, quanto a estas, temos o exemplo da compra e venda,
em que não poderemos aplicar ao contrato promessa as disposições que dizem respeito à
transmissão da propriedade ou da transmissão do risco, estas normas pela sua razão de ser, não
podem se sujeitar à promessa, uma vez que um contrato-promessa não transmite a propriedade,
nem qualquer outro direito real (pelo menos nos casos em que apenas há eficácia meramente
obrigacional). Do mesmo modo, também nada obsta que um sujeito possa vender um bem que não
tem, pois ele até ao momento da venda pode passar a ter, ou quando temos a necessidade de
consentimento do cônjuge para a transmissão. Nestas situações, temos disposições que não se
aplicam ao contrato-promessa.
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Daí que disto resulte a possibilidade de aplicar aos contratos-promessa as disposições que
tutelam, p. ex., à venda de bens onerados ou de coisa alheia ou defeituosa (em que todas estas são
redutíveis a uma dimensão obrigacional), mas já se exclui desta possibilidade as disposições em
que esteja em causa o efeito translativo de um direito real- ou para se impedir a resolução (caso
do 886º) ou para fazer mudar o ónus do risco (artigo 796º).
Forma do contrato-promessa
Já vimos aqui o artigo 410/2º em ques, se a lei exigir para o contrato prometido documento
particular ou autêntico, ele só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula, ou
ambas, conforme seja um contrato bilateral. No número3 deste artigo estabelece-se que se estiver
em causa a celebração de um contrato oneroso de constituição, ou de transmissão de um direito
real sobre edifício, ou fração autónoma, já construído ou ainda por construir, então o contrato-
promessa deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes, bem como, a
certificação pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da respetiva licença de utilização ou
construção.
Com isto destaca-se que o contraente que promete transmitir ou constituir o direito real só
pode invocar a omissão destes requisitos, quando a mesma tenha sido culposamente causada pela
outra parte, ou seja, temos aqui uma norma que tutela o promitente comprador da aquisição de
imóveis clandestinos. Daí que o STJ tenha estabelecido que a nulidade destes contratos-promessa,
derivada de vícios de forma, não pode ser invocada por terceiros (Assento 15/94 de 28 de junho de
1994), bem como também não pode ser oficiosamente reconhecida pelo tribunal (Assento 3/95 de
1 de fevereiro de 1995), mas isto é outra questão.
Expostas estas exigências de forma, podemos aqui questionar: e se, tratando-se de um
contrato bilateral, apenas uma das partes assina, ele valerá como um contrato unilateral ou
será nulo por vício de forma?
Esta questão tem especial interesse quando estamos perante um contrato bilateral em que
apenas uma das partes assina, nomeadamente o promitente-vendedor, em que aqui se questiona se
poderá haver a manutenção do negócio, como uma promessa-unilateral. Aqui, pode-se aproveitar
a assinatura de uma das partes para a fazer valer entre os contraentes? Ou antes este é totalmente
nulo, mas poderá ser convertido em negócio válido?
Quanto a esta questão, temos o Assento do STJ de 1989, este diz-nos que tratando-se de um
contrato bilateral, quando apenas um dos contraentes assina, esse contrato-promessa, sendo nulo
por vício de forma, no entanto, considera-se válido, como um contrato-promessa unilateral. Ora
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este Assento causa imensas dúvidas na doutrina relativamente à sua interpretação. Aqui o cerne das
dúvidas reside em saber qual o instituto que acaba por permitir esta manutenção do contrato-
promessa agora sob forma de promessa unilateral? Houve uma redução do contrato à sua parte
válida? Ou houve antes uma conversão do contrato-promessa bilateral nulo em promessa
unilateral?
Ora a definição do mecanismo operante é muito importante, atendendo às diferenças de
regime que implicam em termos de ónus probandi. “A redução está prevista no artigo 292º em que
se considera que contrato não briga de todo com o dispositivo que foi violado, daí que possa ser
reduzido à sua parte válida. Já na conversão (artigo 293º) que está em causa é antes arrancar-se de
um negócio totalmente nulo, que se converte, que se integra, que se reconstrói, de forma a poder
aproveitar o que fica de uma figura contratualmente inválida para partir daí para outra modalidade
de contrato,” nas palavras de Ribeiro de Faria.
Em suma, estes institutos partem de raciocínios muito distintos, em que no primeiro temos
uma presunção de que o negócio é sempre divisível, daí que possa vir a ser reduzido à sua parte
válida, desde que esta redução não se venha mexer com a vontade conjetural das partes. Já a
conversão possui uma visão completamente diferente, em que na essência desta posição está a ideia
de que, tendo em conta “a essencialidade da formalização de uma das declarações de vontade” esta
nunca pode ser excluída do contrato, sob pena de estar a ir contra o princípio da boa fé. Foi de acordo
com esta visão que se pronunciou Galvão Telles, que diz com clareza que “um contrato-promessa
unilateral jamais poderá conceber-se como parte de um contrato bilateral. Este é por si um negócio
completo, acabado e com uma natureza e conteúdo distintos deste outro. O que se pretende
justamente saber é se o contrato-promessa sinalagmático, como tal inteiramente nulo por não
revestir a forma adequada, pode transformar-se em contrato promessa unilateral válido. Ou seja,
isto não é um problema de redução, mas sim um problema de conversão do negócio”.
Deste modo, vão decorrer consequências muito diferentes consoante optemos pela redução ou
pela conversão. Para quem defende a redução, aqui estaria em causa apenas uma nulidade parcial,
pelo que cabe à parte interessada na invalidade do negócio provar que este negócio nunca teria
sido realizado sem a parte viciada, ou seja, aqui o ónus da prova então cabe na parte interessada na
invalidade. Mas para quem defende a tese da conversão, segundo a qual, há aqui uma conversão
em que o contrato é totalmente inválido, mas pode converter-se num negócio sucedâneo quando
verificados os requisitos do 293º, então aqui cabe à parte interessada no aproveitamento do
negócio, alegar e provar que as partes queriam ter um negócio sucedâneo. Aqui há uma diferença
prática, pois o ónus da prova é alterado.
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O Assento veio nos dizer expressamente que o contrato é nulo por vício de forma, pelo que
uma parte da doutrina tem dito que foi consagrado verdadeiramente uma conversão. Este assento
aproximou-se bastante da visão de Antunes Varela que também foi apoiada por Galvão Telles.
Quanto a isto Ribeiro de Faria refere várias críticas a este Assento, nomeadamente no que toca à
sua imprecisão e a uma certa “discrepância entre os considerandos e a conclusão”. A verdade é que
a doutrina não tem sido pacífica quanto a esta questão, mas é certo que tem prevalecido quanto a
isto a tese da redução, que na visão de Menezes Leitão parece ser a opção preferível, na medida
em que nestas situações “deve-se adotar a solução que dê mais abertura à possibilidade de
manutenção do negócio” pelo que isto só é possível pelo instituto da redução, em que o ónus cabe
a quem não quer a validação do negócio, pois este é que tem de a provar.
Do mesmo modo, também Ribeiro de Faria se pronunciou de acordo com o instituto da
redução, em que este autor invoca o espírito do artigo 292º, onde poderia entrar o princípio da boa
fé. Neste sentido, “atendendo aos grandes contributos que foram dados para esta controvérsia, o
assento poderá ser utilizado no sentido de acolhermos a figura da redução, o que tem é de
conformar ou sujeitar ao afastamento (ou pelo menos à contraprova) da presunção contrária”. Por
outras palavras, esta figura teria agora de depender da alegação e da prova de uma vontade
conjetural dos contraentes no sentido da validade parcial. Tudo isto filtrado pelo princípio da boa
fé.
Para o professor Pestana de Vasconcelos, também não está aqui um caso de conversão, mas
sim de redução. Aqui o interesse subjacente com o sentido do acordo foi proteger aquele que se
vincula, que por norma até é o promitente vendedor (não tende a ser o comprador). Há então uma
finalidade de tutela de uma das partes que é mais facilmente alcançável com a regra da redução. Ou
seja, o professor Pestana de Vasconcelos considera que, em princípio, tendo em conta a teleologia
da proteção, aqui teríamos em princípio um redução, uma vez que este assegura melhor a posição
da contraparte. É certo que um contrato-promessa unilateral é completamente diferente de um
contrato-promessa bilateral, daí que muitos autores falem em conversão, de modo a tutelar a
essência do contrato. Mas quando temos esta conversão é a parte interessada na manutenção do
negócio que tem de mostrar que as partes estariam interessadas no negócio sucedâneo. O regime de
redução não tem nada disto, apenas se retira a parte inválida quando tal não prejudicar a vontade
conjetural das partes. Assim, que aquele que não está interessado na manutenção do contrato teria
de mostrar que este não teria sido celebrado sem a parte inquinada, ou seja, tem de demonstrar que
nunca teria celebrado o contrato-promessa se o outra parte também não se vinculasse.
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Ora, tendo em conta também o que diz o Assento do STJ o objetivo é proteger a parte mais
fraca, em que muitas vezes o promitente-comprador está na posição de consumidor, pelo que
atendendo à teleologia deste acórdão do STJ, a redução é a mais adequada para proteger aquela
parte.
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e aqui o promitente-comprador teria de entregar o imóvel (pois não houve a transferência da sua
propriedade). Deste modo, começou-se a questionar se esta nulidade deve ser suscetível de ser
invocada por terceiros, atendendo à posição frágil em que deixa o promitente-comprador?
Aqui Calvão da Silva falava, nestes casos, de uma nulidade atípica com certas
características distintas do regime geral: ela aqui não seria invocável por um terceiros, nem poderia
ser invocada oficiosamente pelo tribunal. Além disso, seria ainda suscetível de convalidação. Este
autor dizia que temos uma norma de tutela da parte mais fraca, em que o que se visa é proteger
o promitente- comprador, que está na posição de consumidor.
Esta visão foi adotada pelo STJ que a consagrou em dois assentos uniformizadores, o Assento
de 28/06/94 e o Assento de 1/02/95, em que ambos vieram afirmar, respetivamente que a nulidade
não pode ser invocada por terceiro, bem como, não pode ser oficiosamente conhecida pelo
tribunal.
Temos então o que diz o número 3 do 410º, em que esta nulidade só poder ser invocada pelo
promitente-comprador, ou pelo promitente-vendedor, mas apenas quando os vícios de forma sejam
imputáveis à contraparte, por exemplo, porque não apareceu para assinar, ou não tratou das licenças.
Caso não fosse assim, teríamos um autêntico abuso de direito por uma das partes, em que se
fosse o promitente adquirente a faltar com a forma, naturalmente que não fará sentido ser ele a
invocar a nulidade.
Em suma, nós estamos na mesma perante uma nulidade, mas ela é atípica, porque não é
invocável por terceiro, nem pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, mas porquê? Porque a
lei, ao adotar aqueles requisitos e ao tentar equilibrar os interesses, pretende é tutelar a posição do
consumidor, que ficaria numa posição mais frágil se o banco hipotecário pudesse arguir a nulidade
ou o tribunal pudesse declará-la oficiosamente. Neste sentido, poderá haver uma convalidação da
nulidade, o que só acontece na anulabilidade.
Incumprimento do contrato-promessa
Quanto a este regime, é muito importante termos em atenção duas grandes distinções:
contrato-promessa com eficácia obrigacional e o contrato-promessa com eficácia real, bem
como, contrato-promessa sinalizado ou contrato-promessa não sinalizado. Estas duas
modalidades da promessa (os seus efeitos e a constituição de sinal) são determinantes para os casos
de incumprimento.
Importa primeiro falar dos contratos-promessa com eficácia meramente obrigacional e os
contratos-promessa com eficácia real. Se estivermos perante um contrato-promessa com efeitos
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obrigacionais, tal significa que, no caso da sua violação, a via que se abre ao contraente defraudado
é apenas a de pedir ao violador uma indemnização de perdas e de danos. Isto é o regime regra, em
que aqui o facto de haver sinal (ou não) vai determinar o conteúdo da indemnização.
Mas a lei também permite com o artigo 413º que se celebram contratos-promessa com
eficácia real. Nesta hipótese, o contrato-promessa deve constar de escritura pública ou de
documento particular autenticado, embora quando a lei não exija essa forma para o contrato
prometido, é bastante o documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se
vincula ou de ambas, consoante se trate de um contrato-promessa bilateral ou unilateral, devendo
ser realizada declaração expressa e ainda o efeito real ser devidamente registado. Neste caso, a
violação não se impõe ao outro contraente – que pode usar da via da execução específica para
suprimento da vontade do contraente inadimplente e, por isso mesmo, para requerer a entrega do
imóvel vendido a terceiro (que passa assim a ser considerado como comprador de uma coisa alheia
e outorgante de um contrato nulo).
Por sua vez, já sabemos o que é o sinal, em que um contrato-promessa sinalizada consiste na
existência de uma convenção através da qual o promitente-comprador entrega uma coisa ao
promitente-vendedor (que pode ter carater fungível ou infungível), aquando da celebração do
contrato ou em momento posterior. Podemos ter um sinal confirmatório ou um sinal penitencial,
mas a nossa lei estabelece o mesmo regime para ambos. Entre nós o sinal do contrato-promessa,
tende a possuir um caráter penitencial e tende a ser uma quantia pecuniária
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o, ou seja, se fosse o A a incumprir, ele é que perderia o sinal. Mas na hipótese contrária, aqui o
promitente que constituiu o sinal vai ter direito à sua restituição em dobro. Ainda nesta última
hipótese, caso tenha havido a tradição da coisa, ele pode optar pelo cálculo da indemnização
atendendo ao aumento do valor da coisa, nos termos do artigo 442/2º. Aqui vamos ter uma
indemnização alternativa que é vai ser calculada em termos diferentes, porquê que isto acontece?
Vejamos o exemplo seguinte:
A obriga-se face a B a vender um terreno daí a dois anos fixando um preço de 100.000 euros
e o B dá um sinal de 5000 euros. Acontece que antes da celebração do contrato definitivo, o terreno
deixa de valer 100 mil euros para valer 200 mil euros, aqui o promitente-vendedor poderia deduzir
se compensará pagar o sinal em dobro e ter uma mais valia de 100 mil euros que vai ganhar. Por
outras palavras, nesta situação, poder-se-ia frustrar o interesse de B, dando-lhe aquela indemnização
do sinal em dobro, mas depois ganhar muito mais com a venda a terceiro pelo preço de 200.000
euros. Ora para evitar estas situações, aqui a lei prevê que, tendo havido sinal e tradição da coisa,
havendo, por isso, a consubstanciação de uma posição forte assente na confiança, aqui a lei permite
ao sujeito que constituiu o sinal pedir uma indemnização calculada nos seguintes termos:
Primeiro, temos de determinar qual o valor objetivo do bem no momento do incumprimento,
a este valor vamos subtrair o preço que foi convencionado e, por último, a esta subtração vamos
somar o valor do sinal que foi constituído. Aqui visa-se tutelar o promitente adquirente, mas isto
é uma opção alternativa, ele pode sempre querer antes o dobro do sinal. Aqui destaca-se que os
sinais têm por norma valores baixos, mas também podem ser tão elevados ao ponto de quase
alcançar o preço da venda, tendo em conta que pode haver o reforço deste sinal ao longo do tempo,
daí que o seu dobro pode ser bastante satisfatório.
Destaca-se, ainda, que, na falta de convenção em contrário, não há lugar a qualquer outra
indemnização, nos casos de restituição do sinal em dobro ou de perda do sinal, ou de cálculo do
aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento (artigo 442/4º). Não esquecer
ainda o que 442/3º vem também prever a alternativa da execução específica.
Quanto a esta hipótese de restituição do sinal em dobro ou daquela sanção de montante
diferencial dos valores da coisa prometida a vender no caso da tradição da coisa, aqui a doutrina
questiona se basta a simples mora por parte de um dos promitentes para acionar estes
mecanismos?
Imaginemos que o promitente-vendedor para a celebração do contrato definitivo não aparece
no cartório, temos um atraso culposo, ele está em mora. Quando o sujeito está em atraso e a
prestação é possível e o atraso é culposo. Isto não se confunde com o incumprimento definitivo. Em
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Há ainda outra posição, sustentada pelo doutor Calvão da Silva, e com a qual o professor
Pestana de Vasconcelos concorda, em que este diz que aquela última parte da norma é
contraditória com a primeira parte da norma, pelo que aqui faz-se uma interpretação ab-rogante;
há um claro conflito, pelo que se vai recorrer ao regime geral em que se transforma a mora em
incumprimento definitivo. Aqui há um relevo prático enorme, pois se o credor resolver o contrato
sem o poder fazer, tal é ilícito, podendo ter de indemnizar o devedor. Aqui a transformação da
mora em incumprimento definitivo do artigo 808º está muito consolidada na jurisprudência. Mas
porquê que a norma é contraditória? Por norma, o nosso legislador tem bastante cuidado, mas o
nosso regime do contrato-promessa foi sendo muito alterado, sendo que uma das alterações,
decorrida durante os anos 80, foi muito criticada. Assim, o legislador foi alterando este regime dos
anos 80 por camadas e esta última parte acabou por ser contraditória com a primeira parte. Aqui há
apenas uma pequena deficiência que decorrer da alteração sucessiva de matérias muito complexas.
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Este direito de retenção foi muito criticado e ainda hoje continua a ser, uma vez que põe em
causa a posição do outro credor hipotecário. Aqui Ribeiro de Faria defende bastante o direito de
retenção por tutelar a parte mais fraca que está na posição de consumidor. Mas a doutrina discutiu
bastante isto quando estamos perante a insolvência do promitente-vendedor.
Quanto a isto, para parte da doutrina, o direito de retenção iria cair e haveria a prevalência
do credor hipotecário, pelo que o credor comum do dobro do sinal ele iria apenas ser satisfeito
com o valor que sobrar do resto das dívidas, mas assim, este aqui arrisca-se a, não só sair do imóvel,
como também perder a possibilidade de receber o seu sinal. Basicamente, com isto seria o credor
hipotecário que teria mais garantia. Na opinião do professor Pestana de Vasconcelos, há aqui uma
lacuna no artigo 756º que deveria ser integrado com o artigo 755.º/f), pois na insolvência temos
uma situação económico-jurídica em que carece-se cada vez de mais garantia, logo, não se poderia
tirar o direito de retenção quando mais se precisa de dele. O STJ também segue esta posição – ou
seja, temos uma interpretação restritiva do artigo 755.º/f), uma vez que estamos perante uma
norma de proteção do consumidor que está numa situação mais débil, logo, só o consumidor deve
ser protegido, ou seja, o promitente-comprador só quando estiver nesta posição de consumidor é
que poderá ser tutelado. Nos outros casos, em que não está nesta posição, não se aplica este artigo.
Questionou-se então o que seria o “consumidor”, e aqui aplicamos o regime geral do que é
tido como consumidor. O livro do Ribeiro de Faria aborda esta solução, em que se protege o
promitente- adquirente quando se encontra de facto na posição de consumidor. Assim, se temos uma
garantia para casos de insolvência, não faz qualquer sentido cair essa garantia só porque há um outro
credor hipotecário.
Ao declarar-se a insolvência podem ser penhorados certos bens que depois vão depois ser
vendidos em venda pública, devendo então os credores satisfazer os seus créditos. Mas aqui nem
todos são satisfeitos da mesma forma. Primeiro, temos os credor da massa e só depois temos os
credores de garantia real: há esta ordem de prioridades em que vai sobrando dinheiro, sendo isso
que fica para os credores comuns. Aqui os bens da massa tendem a ser pouquíssimos, pelo que se
vai dividir e uns não ficam tao satisfeitos.
Mas há ainda outra via, que é a chamada a execução específica (prevista no artigo 830º),
que foi prevista de forma inovadora para este Código: se um promitente não cumprir o contrato-
promessa, o outro promitente poderá recorrer a tribunal peticionando uma sentença que depois faça
posteriormente cumprir. Temos aqui uma ação de execução específica em que se supre a posição
da parte que não quer cumprir e depois tem-se um contrato. Ou seja, aqui o tribunal vai emitir uma
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sentença cujos efeitos vão substituir a declaração negocial faltosa, podendo assim ser celebrado o
contrato-prometido.
Há casos em que não é possível recorrer à execução especifica. Estes casos têm a ver com
natureza da obrigação assumida. Ora, se estivermos perante uma prestação infungível, não se pode
recorrer incorrer à execução específica do contrato-promessa, pois esta carece de ser tratada pelo
devedor. Do mesmo modo, temos também os contrato reais quanto à constituição como o mútuo,
o comodato, ou o depósito, em que o tribunal não pode obrigar a entrega da coisa. Quanto a isto
destaca-se que o professor Pestana de Vasconcelos tem uma opinião diferente, uma vez que não
considera que isto seja incompatível, ou seja, considera que através da ação execução específica
se pode permitir estes casos, mas esta não é uma posição dominante na doutrina. Para este autor,
uma coisa é recusar o cumprimento do contrato promessa outra coisa é recusar o cumprimento do
contrato definitivo.
Temos depois aqueles casos em que para haver a celebração do contrato definitivo é preciso
o consentimento de terceiro: por exemplo, os cônjuges podem precisar de autorização para alienar
bens que sejam seus. Nestes casos, se o promitente vendedor se recusar a vender, o tribunal não
poderá fazer nada.
Por ultimo, temos os casos em que o promitente alienante vende o bem a terceiro. Aqui,
temos um contrato promessa com A, mas depois vende-se com um preço maior a B. Nestes casos,
o tribunal também não poderá fazer nada, não há execução específica porque o bem já está vendido.
Quanto a isto, importa ver o artigo 830/3º, no que concerne aos casos de promessa de
transmissão de um direito real, Nestes casos, nunca é possível afastar a execução específica; esta
via está, por isso, sempre aberta. Mesmo que tenha sido constituído sinal, nunca se pode afastar a
via da execução específica, mesmo que tenham estipulado convenção em contrário. Naturalmente
que ninguém é obrigado a recorrer a isto, o promitente pode apenas querer a via indemnizatória.
É igualmente de destacar regime do 830/4º, em que A promete vender a B um imóvel. Aqui
o promitente-vendedor enquanto não vende imóvel, ele pode hipotecá-lo, mas depois imaginemos
que ele recusa-se a vender o imóvel. Poderá aqui haver uma execução específica, mas o artigo
830/3º permite ainda que haja um pedido cumulativo de condenação ao promitente alienante na
entrega do preço, de modo a expurgar a hipoteca – artigo 721º do Código Civil. Isto acontece porque,
estando o bem a transmitir hipotecado, uma vez que o direito segue a coisa (a sequela), o promitente-
comprador irá adquirir o bem onerado, por via da execução específica. Nestes casos, a lei permite
que o promitente-comprador possa pedir a condenação do promitente-vendedor, à entrega do
montante necessário à expurgação da hipoteca.
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discussão doutrinária sobre o artigo 442/3º que aqui nem sequer se coloca) e, além disso,
indemnização é definida nos termos gerais da responsabilidade.
Há ainda a possibilidade de recurso à execução específica, em que regime é praticamente o
mesmo. Também aqui vamos ter as regras do 830/4º em que o bem pode estar onerado. Quanto ao
830/5º, sempre que se queira invocar a exceção de não cumprimento do contrato para a ação
proceder, tem de se depositar o preço no prazo fixado pelo tribunal.
Falta-nos agora ver o regime de incumprimento dos contratos-promessa com eficácia real.
Tal como vimos, no caso dos contratos-promessa com eficácia obrigacional, aqui também regime
variar com a constituição (ou não) de sinal.
Ora, para termos um contrato-promessa com eficácia real, antes demais, temos de preencher
os requisitos do artigo 413º. Em primeiro lugar, temos de ter a declaração expressa das partes no
contrato; este tem de constar de escritura pública, ou apenas a assinatura de ambas as partes, bem
como é necessário a inscrição no registo, dando a sua publicidade, de modo a que o terceiro também
possa saber da existência deste contrato-promessa.
Assim, cumpridos estes requisitos, temos um direito real de aquisição que resulta do
contrato-promessa, sendo oponível a terceiros e prevalecendo sobre os direitos reais
posteriormente registados. Estes direitos têm um caráter potestativo tendo em conta a celebração
do contrato definitivo. Neste sentido, se estivermos perante o incumprimento do contrato-promessa,
aqui promitente-comprador goza já de um direito real que é erga omnes, ao contrário do que
acontecia com a promessa obrigacional, em que o promitente apenas poderia se contentar com
indemnização.
Imaginemos que é celebrado um contrato-promessa com eficácia real, mas depois o
promitente-vendedor aliena o bem para um terceiro. Ora, o promitente-comprador já tem um direito
real de aquisição. Assim, Antunes Varela que diz que o recurso a execução especifica (artigo 830.º)
é ainda possível nestes casos, mas esta já teria um efeito retroativo ao momento de inscrição do
registo. Deste modo, a posterior alienação do bem àquele terceiro passa a ser retroativamente uma
venda de bens alheios, sendo por isso nula desde o início. Assim, o promitente-comprador poderá
invocar a nulidade da transmissão e exigir a entrega da coisa.
Já o Dr. Henrique Mesquita, professor de Coimbra, tem outra tese que trata deste assunto da
promessa com eficácia real. Segundo este professor, como aqui os temos direitos reais de
aquisição, aqui a venda a um terceiro (que vem violar este direito que resulta do contrato-promessa)
é ineficaz face ao seu titular do direito, (artigo 892.º) ou seja, nem é necessário o pedido de
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declaração da nulidade da venda que veio violar o direito de aquisição, pelo que assim, a execução
específica teria de ser oposta a ambos os sujeitos, quer ao promitente-vendedor que incumpriu quer
ao terceiro.
Em suma, na perspetiva de AntunesVarela esta execução especifica é feita quanto ao
promitente- vendedor, devendo a ação depois se dirigir ao terceiro, ou seja, em termos de
legitimidade passiva ambos acabavam por ficar opostos à execução específica, uma vez que o
contrato vai ser declarado nulo. Já o Dr. Mesquita entendia que, não era necessário que a ação fosse
interposta contra o aquele terceiro, sendo a segunda venda ineficaz, a ação de execução específica
só tem de ser interposta contra o promitente-alienante.
Tudo isto que dissemos aplica-se quanto temos um contrato-promessa real, que não é
sinalizado. Mas se for sinalizado, aqui o regime é praticamente o mesmo que já vimos: a restituição
do sinal em dobro (artigo 442.º/2); indemnização pelo aumento do valor da coisa, no caso de haver
tradição da coisa; o recurso à execução específica (artigo 830.º), conforme já o vimos.
PACTO DE PREFERÊNCIA
Noção
É o artigo 414º do Código Civil que define, desde logo, o que é um “pacto de preferência”.
Diz-se, neste artigo, que “o pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume
a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa”.
O núcleo do Direito de preferência é a obrigação de dar preferência: se oobrigado à preferência
decidir celebrar um determinado negócio ele terá que dar preferência ao titular do direito de
preferência, ou seja, terá de lhe comunicar o projeto de negócio que ele tem com terceiro e conceder
a possibilidade que decorre do próprio direito de preferência de o titular do direito de preferência
exercer o direito de preferência, comunicar-lhe aqueles termos daquele negócio que já tinha
alinhavado com terceiro para que este seja celebrado com o titular do direito de preferência.
Positivamente que os exemplos de um dever de preferência se podem dar uns atrás dos
outros. Pensemos que A, precisando de realizar dinheiro, só está disposto, todavia a vender uma
propriedade sua mediante o compromisso do comprador de que, no caso de vir mais tarde, por sua
vez, a aliená-la, lhe dará preferência na venda, em igualdade de circunstâncias. Ou pensemos ainda
que alguém vende a outrem determinado prédio, mediante a convenção de que, se este último vier
futuramente a arrendá-lo lhe dará preferência no contrato de locação.
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A preferência pode ter por objeto bens que não estejam sujeitos a registo e cuja celebração do
contrato definitivo não exija uma forma específica. Por exemplo, a preferência de alienação de
uma joia: A celebra com um contrato com o seu irmão, nos termos dos quais se ele quiser alienar
uma joia da família terá de dar preferência ao seu irmão. O obrigado à preferência tem um projeto
de venda ao terceiro e comunica-o ao irmão e o irmão comunica que exerce o direito de preferência.
Mais à frente o obrigado à preferência não quer alienar. O entendimento da doutrina é que já o
contrato de compra e venda já foi celebrado, porque é possível considerar a comunicação
como uma verdadeira proposta e o exercício do direito de preferência como uma aceitação.
Neste caso específico, já há um contrato definitivo- o bem não é um bem sujeito a registo e não há
forma exigida. Já temos aqui uma verdadeira alienação e não é possível incumprir aqui o direito de
preferência a partir do momento em que o outro exerce de forma potestativa o seu direito de
preferência.
Suponha-se que se trata de dois direitos de preferência: o direito de preferência do inquilino à
aquisição do imóvel (preferência legal) e o direito de preferência à aquisição da joia da família
(preferência convencional). Em ambos os casos, há um projeto de alienação a terceiro e há a
comunicação da preferência à outra parte que exerceu o direito de preferência. No primeiro caso, a
alienação não se faz pura e simplesmente por documento escrito, não basta que haja comunicação e
aceitação, é preciso que a alienação do imóvel esteja sujeita a forma. Agora, para a alienação da joia
não há forma, é possível entender que o contrato já se celebrou, porque a comunicação para
preferência valerá como proposta e o exercício do direito de preferência valerá como aceitação. O
contrato definitivo não está sujeito a forma. É possível velar o exercício do direito de preferência
neste caso específico a uma aceitação. No caso da preferência legal decorrente do contrato de
arrendamento, a situação depois do exercício do direito de preferência é semelhante ao contrato-
promessa, então podia-se aplicar diretamente ou por analogia a execução específica.
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Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias,
sob pena de caducidade (artigo 416.º/2). O que pode suceder é que o obrigado à preferência lhe
tenha fixado um prazo mais longo, ou ele estar vinculado a um prazo mais curto, para o exercício
desse direito (artigo 416.º/2 e artigo 1028º do Código de Processo Civil).
Na hipótese do titular do direito de preferência dar uma resposta afirmativa, será o
contrato celebrado no prazo de vinte dias, ou serão simplesmente adjudicados os bens ao
preferente no caso de o obrigado à preferência se recusar a receber o preço (entretanto
depositado) na data designada para o efeito (hipótese de notificação por via judicial – artigo 1028º
do Código de Processo Civil). Se a notificação tiver sido feita extrajudicialmente, contar-se-á para
a celebração do contrato, com o princípio estabelecido pelo artigo 777º.
Importante para aqui é o sentido que se atribui à notificação ao preferente. Será uma
proposta contratual ou um mero convite a contratar?
Por exemplo: O inquilino tem direito de preferência quando habita o imóvel há mais de 3
anos. Suponha-se que o senhorio se dirige a ele e pergunta se ele quer comprar o imóvel. Isto é um
convite a contratar, não vale como comunicação ao preferente. Mas, agora suponha-se que lhe
envia uma carta a perguntar se quer adquirir o imóvel por 100 000 euros. Isto é uma proposta
contratual. Não é ainda uma comunicação para preferência, porque esta implica que que haja um
projeto de alienação de terceiro e que isso seja comunicado.
Se se considerar o ato de conhecimento como uma autêntica proposta, precisamente porque
dele constam “ex vi legis” as cláusulas do respetivo contrato, o que sucede é que o obrigado à
preferência não pode mais retratar-se impunemente. Isto é, não poderá vir atrás com a sua
vontade de alienação. Ou seja, se a forma exigida para o contrato estiver desde logo contida na
comunicação do preferente, o contrato aperfeiçoa-se desde logo com a aceitação.
No caso contrário (mero convite a contratar), o que sucede é que pode qualquer das
partes fixar à outra um prazo para a celebração do contrato. E daqui, de duas, uma. Ou é o
preferente que não pretende depois celebrar o contrato e responde nos termos do artigo 227º (“culpa
in contrahendo”), perdendo o direito à preferência; ou é obrigado à preferência que recusa a
celebração, e, neste caso, é ele que responde, nos mesmos termos, perante o preferente.
Positivamente que, quer a responsabilidade “ex contractu” (1º caso) quer a responsabilidade “in
contrahendo” (2º caso), andam na dependência dos pressupostos respetivos.
Depois da comunicação e da aceitação, a situação aproxima-se do contrato-promessa
bilateral, porque a partir deste momento ambos estão vinculados no futuro a celebrarem um
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determinado contrato cujos termos estão já fixados no contrato de venda a terceiro a que o titular do
direito de preferência aderiu.
A renúncia ao direito de preferência pode ser realizada especificadamente por comunicação:
renúncia especial ao direito de preferência. Admite-se uma renúncia especial do direito de
preferência ainda antes de ser comunicada? Esta renúncia geral é possível se estivermos face a
preferências convencionais, mas se for uma preferência legal não. Nestes casos, a renúncia tem de
ser realizada face a a cada comunicação da preferência.
A posição jurídica do titular do direito de preferência face à comunicação é um direito
potestativo: a partir do momento em que ele exerce o direito de preferência passa a configurar uma
obrigação de ambas as partes da celebração do contrato definitivo.
Dissemos que, no caso do direito de preferência com eficácia real, perante a violação da
preferência, o preferente podia haver para si a coisa alienada, mediante o depósito da
prestação que lhe é exigida. Isto faz-se por meio do exercício da chamada “ação de preferência”.
Esta ação de preferência vai permitir ao titular do direito de preferência ocupar o lugar que o terceiro
ocupou no contrato celebrado com o obrigado à preferência, decorrente da violação do direito à
preferência. A tem uma obrigação de preferência face a B não a cumpre e aliena o imóvel a C. B
pode exercer uma ação de preferência que permite substituir o C no contrato. O contrato passa
retroativamente a ser celebrado com ele. Ação de preferência que lhe permite substitui-se naquele
contrato: artigo 1410.º.
Esta ação tem de ser intentada dentro do prazo de seis meses a contar da data em que o
preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação (artigo 1410º). Isto é, mediante
o exercício do direito de preferência, o preferente chama a si a coisa alienada pelas condições em
que a alienação foi efetuada a um terceiro.
E daqui, desde logo, a grande diferença para o contrato-promessa com igual eficácia. É que,
neste último caso, a contraprestação a efetuar pelo promissário é-o em termos e condições
constantes do próprio contrato-promessa. E não nos termos e condições do negócio efetuado pelo
promitente em relação ao terceiro. Exemplifiquemos: se A (obrigado à preferência) vende o prédio
a C por 1000, B (preferente) pode havê-lo, pagando os mesmos 1000. Mas se A (promitente) vende
o andar a C por 500, B (promissário), invocando o contrato-promessa celebrado, terá de pagar os
800 constantes desse contrato.
Interposta a ação, é necessário que o preferente faça o depósito do preço fixado no contrato
no prazo de 15 dias. Exemplo: A vende B um imóvel, por 150.000 euros, violando o direito de
preferência de que C é titular. C, tomando conhecimento da venda e dos seus elementos essenciais,
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pretende interpor uma ação de preferência de modo a substituir B no contrato celebrado, tendo seis
meses para o fazer. Proposta a ação, C dispõe de 15 dias para depositar os 150.000 euros que B
havia pago a A.
O mérito desta solução é duvidoso, e há autores que a criticam e dela discordam (é o caso de
Almeida Costa, que defende o pagamento de mera caução). No entanto, é a solução legalmente
determinada.
Outra questão que se levanta e que é alvo de divergência doutrinal é a da legitimidade passiva
da ação da preferência. Ou seja, contra quem deve ser interposta a ação de preferência?
A posição de Antunes Varela é a de que se trata de um caso de litisconsórcio
necessário passivo, devendo a ação ser interposta quer contra o adquirente, quer
contra o obrigado à preferência. Há um conjunto de razões que fundamentam esta
tese:
o Em primeiro lugar, porque do ponto de vista material a relação
controvertida envolve os três sujeitos – o preferente, o obrigado à
preferência e o terceiro adquirente. O exercício do direito de preferência é
potestativo, que tem obrigatoriamente de ser exercido contra o terceiro
adquirente dado que o titular do direito se vai sub-rogar no seu lugar; mas
também contra o obrigado à preferência, pois foi ele que violou o direito do
preferente e é contra ele que se vai pedir uma indemnização pelos danos
causados.
o Outro argumento que sustenta esta posição é o de que deve haver uma
unidade dos julgados. Se a ação de preferência apenas puder ser interposta
contra o terceiro adquirente, e pretendendo-se pedir uma indemnização por
danos causados, tem de se interpor uma segunda ação, desta feita contra o
obrigado à preferência. Assim, embora a questão seja a mesma, as ações são
distintas, e corre-se o risco de haver uma diferença de julgamentos.
o Por fim, há a questão das custas judiciais, que na perspetiva do Dr. Antunes
Varela devem recair apenas sobre o sujeito que violou o direito de
preferência, logo ação tem de ser interposta também contra ele.
Porém, a posição maioritária (Almeida Costa e maioria da doutrina, com algum
apoio jurisprudencial) é no sentido de bastar a ação contra o adquirente
(eventualmente demandando-se o obrigado à preferência, mas só se se pretender
exercer o direito à indemnização por violação da preferência).
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Na ótica de Henrique Mesquita, podemos entender que toda esta mecânica se traduz num
conjunto de relações creditórias articuladas.
Em suma, e tomando por base o exemplo de uma preferência relativa à venda de determinada
coisa:
A é o obrigado à preferência. Se pretender vender a coisa a terceiro, tem o dever de
comunicação.
B é o preferente, e tem o direito a que A lhe faça a comunicação para preferência.
Após a comunicação por parte de A, B adquire o direito de exercer a preferência.
Se B exercer o direito de preferência:
o A adquire um dever de alienação da coisa
o B adquire um crédito sobre a coisa
Chegando aqui, temos uma situação semelhante à do contrato promessa.
Se for exercido o crédito da alienação e tiver sido realizada a alienação e nos termos
devidos, podemos ter um contrato definitivo.
No caso de ser violada a preferência – ou por não ser cumprido dever de comunicação
ou por alienação a terceiro:
o se se tratar de preferência convencional obrigacional, há apenas lugar a
indemnização;
o nos casos em que a preferência for legal ou com eficácia legal, há aquisição,
por parte do preferente, do direito potestativo de se sub-rogar ao terceiro no
contrato, sendo esse direito exercido por via judicial (ação de preferência).
Levantam-se dúvidas no caso das alienações com simulação de preço. Vamos supor que
estamos face a uma preferência de aquisição e que o preço no negócio celebrado em violação do
direito de preferência é simulado, não corresponde ao real. Este preço simulado pode ser inferior ou
superior ao valor simulado. Se o preço simulado for superior ao preço dissimulado (o que pode
acontecer para afastar o exercício do direito de preferência) pode invocar a simulação nos termos
do artigo 242º e neste caso vale o preço do negócio dissimulado e o titular do direito de preferência
pode exercer o direito de preferência pelo preço do negócio dissimulado.
Temos a possibilidade de o preço simulado ser inferior ao preço dissimulado. Declaram 75
mil euros, mas o valor do negócio é de 100 mil euros. Isto acontece muitas vezes por razões fiscais.
O preferente pode exercer o seu direito pelo valor declarado. O valor dissimulado é de 100 euros.
Pode o titular exercer o seu direito de preferência face aos 75 mil euros ou tem de exercer face aos
100 mil euros? Em primeiro lugar, a simulação não pode ser aposta pelos simuladores a terceiros
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de boa fé. Em princípio, o simulador não podia opor a este terceiro, que é um terceiro de boa fé,
que não tem conhecimento da situação ao tempo que constituíram os direitos, ele podia preferir pelo
preço mais baixo, mas isto podia levar a um enriquecimento do titular do direito de preferência face
ao obrigado. Ainda assim, a doutrina (Mota Pinto e Ribeiro Faria) faz uma interpretação restritiva
do 243.º no sentido de que este artigo visa impedir prejuízos para o terceiro de boa fé, mas não visa
permitir locupletamento, uma vantagem injustificada. Seria possível opor a simulação por parte dos
simuladores ao titular do direito de preferência.
Suponhamos que A vende a C, um prédio no valor de 2500 euros por 5000 euros; ou, ao invés,
que vende por 2500 euros um prédio no valor de 5000. Por que preço deve C exercitar o seu direito
de preferência?
Positivamente que a primeira hipótese não suscitará engulhos de maior. A simulação acarreta
a nulidade do negócio simulado (artigo 240º nº2) e, uma vez invocada a nulidade (artigo 286º),
valerá o negócio dissimulado (artigo 241º). Neste caso, C preferirá pelo valor real, ou seja, pagando
2500 euros.
De igual liquidez não comparticipa já a segunda hipótese. E, se bem se reparar, tudo anda na
interpretação a que se sujeite o artigo 243º. Diz-se aí: “a nulidade proveniente da simulação não
pode ser arguida pelo simulador contra terceiros de boa fé”. Ora, argumenta-se: permitir por isso
mesmo que, perante o exercício do direito de preferência por parte de C com base no valor declarado,
A venha invocar a simulação, estar-se-á, nesse caso, precisamente a contrariar o artigo. Tanto mais
que este se encontra formulado em termos genéricos. Sem restrições. Mas, a ser assim, a preferência
exercitar-se-ia, então, pelo valor declarado e C “locupletar-se-ia” com a diferença que vai deste
valor para o valor real do prédio (ou seja, 2500 euros).
Por isso mesmo que se tenha tentado restringir o âmbito de aplicação da disposição citada. E
dizendo assim: se o simulador não pode invocar a simulação, se por via dessa invocação se
“prejudicam” terceiros de boa fé, já pode invocá-la, todavia se dessa invocação o que resulta
simplesmente é o “não lucro” desses terceiros. Por outras palavras: o artigo 243º impede os
“prejuízos”, mas não possibilita ou não permite os “lucros” ou “locupletamentos”.
E o dilema está posto. Pela nossa banda, e não obstante o teor dos argumentos aduzíveis num
e noutro sentido, e que têm sido de emolde a dividir os nossos melhores civilistas (de um lado
Andrade, Mota Pinto, Almeida Costa e Menezes Cordeiro, do outro lado, Vaz Serra, Antunes Varela
e Menezes Leitão), inclinamo-nos pela tese restritiva dos dizeres laterais do artigo. É que, além
do mais, os argumentos de Vaz Serra têm resposta. No fundo, o que está em jogo para este autor são
os prejuízos causados ao preferente por “contar” com preço declarado. Como ele diz: “a declaração
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aparente pode ter criado em terceiros a convicção de que é sincera e, fundados nessa convicção,
podem eles ter orientado a sua vida: por conseguinte, se lhes fosse oponível a nulidade do negócio,
seriam afinal prejudicados na sua expectativa ou confiança, não parecendo razoável que os
simuladores, tendo criado essa confiança, pudessem iludi-la”.
Mas, então, o que está aqui em causa é um dano resultante não da relação da prestação,
mas da relação de prestação ou de confiança. Só que, para esse dano, há o remédio dado pela
aplicação das regras da boa fé.
No fundo, do que se trata é de um caso “paralelo” àquele em que o contraente invoca o erro
relevante e sobre o qual impende depois a obrigação de indemnizar o dano de confiança (artigo
227º). Além de que, ao fim e ao cabo, sempre ficarão de fora aquelas situações em que não houve
quaisquer despesas do preferente, fundadas na confiança sobre o preço declarado. E, para elas, pelo
menos, não se vê como justificar o locupletamento.
Vejamos agora outro ponto. Reconduz-se ele à venda da coisa sujeita a preferência
juntamente com outra ou outras, por um preço global (artigo 417º) e à venda a terceiro
mediante uma prestação acessória que o titular do direito à preferência não possa satisfazer
(artigo 418º). No fundo, são dois aspetos inteiramente diferenciados, e aos quais a lei dá solução
direta.
Exemplo de venda da coisa sujeita a preferência juntamente com outra ou outras por
um preço global: suponha-se que um sujeito tem convencionalmente um direito de preferência que
incide sobre dois livros antigos e esses livros fazem parte de uma coleção de livros antigos e que o
obrigado à preferência quer alienar os bens pelo valor global. O valor de preferência pelos dois
livros é o valor que proporcionalmente lhe é atribuído. É possível que a alienação da biblioteca sem
ser em conjunto sofra um prejuízo. Se assim for pode-se exigir que se faça não só em relação aos
dois livros, mas à biblioteca por inteiro, nos termos do artigo 417º, porque não é possível separar
aqueles livros da biblioteca sem que se sofre um prejuízo associado.
Assim é que, pelo que toca ao primeiro deles, diz o legislador que o direito de preferência
pode ser exercido em relação à coisa sujeita à preferência “pelo preço que proporcionalmente
lhe for atribuído”, mas “sendo lícito ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as
restantes, se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável”. Por outro lado, e ainda sobre
este mesmo ponto, é a lei expressa em dizer que esta solução “é aplicável ao caso de o direito de
preferência ter eficácia real e a coisa ter sido vendida a terceiro juntamente com outra ou
outras” (artigo 417.º/2). No caso da preferência real, o terceiro pode exigir que o exercício do
direito de preferência englobe a totalidade dos bens e não só aqueles dois livros que ele quer adquirir.
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Os dizeres, em si, dos textos legislativos transcritos não suscitam dúvidas de monta. As
dúvidas podem aparecer, sim, quando se pergunta se eles se aplicam a casos em que se fez destrinça
de preços, mas em que aparece clara a existência das mesmas razões que levaram à definição pelo
legislador do regime visto. Por outro lado, não se descortina todo o alcance do número 2 do artigo
417º, se não se fizer o comprador o titular do direito que, à face do nº1 do mesmo artigo, cabe ao
obrigado à preferência.
Encurtando razões, não somos insensíveis (a hipótese é: desrespeito a um direito de
preferência com eficácia real, mediante venda da coisa sujeita a preferência, conjuntamente com
outras e com individualização de preços) a que o “comprador” mesmo aí, não possa usar da
faculdade dada pelo número 1 do artigo 417º para o caso de fixação global do preço, ponto é
que ele não tivesse realizado o negócio de compra nessas condições, se soubesse da efetivação
útil do exercício do direito de preferência sobre uma das coisas compradas (aplicação, no fundo,
do princípio decorrente do artigo 292º do Código Civil). Isto é, num caso desses, o direito de
preferência teria de ser exercido sobre o conjunto de bens vendidos. Ao outro ponto está, de resto,
já respondido. É que, uma vez que a coisa sujeita à preferência já foi vendida, a quem deve competir
o exercício da exigência de que a preferência se faça pela globalidade das coisas transacionadas é
precisamente ao “comprador” e não ao “inicialmente” obrigado à preferência. Nesse sentido fala de
um argumento histórico e a razão de ser do próprio preceito; e sem que se possa dizer, por outro
lado, que ao sentido pretendido falta sequer substrato literal que baste.
O outro caso, referido atrás, era o de “o obrigado receber de terceiro a promessa de uma
prestação acessória que o titular do direito de preferência não possa satisfazer”. Analisemos
as várias hipóteses possíveis. Temos de distinguir três hipóteses:
1. Foi estabelecida unicamente para afastar a preferência. Criou-se uma prestação
acessória artificialmente para não ser exercida pelo titular do direito de preferência. Visa
unicamente afastar a possibilidade de exercer o direito de preferência.
2. A prestação acessória é avaliável pecuniariamente. O preferente pode entregar a quantia
correspondente à avaliação pecuniária dessa prestação acessória. Numa condição destas,
ela será despida de todo o relevo, e, mesmo que avaliável em dinheiro, não é o preferente,
pois, obrigado a satisfazê-la.
3. A prestação acessória não é avaliável pecuniariamente, nem foi consagrada única e
exclusivamente para afastar o exercício do direito de preferência. Neste caso, é excluída
a preferência, salvo se fosse lícito pensar que, mesmo sem a prestação, a venda não
deixaria de ter lugar (artigo 418º).
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Larenz reconduz a primeira conceção, e por isso o direito potestativo em que ela se traduz,
ao direito de realizar um contrato de compra e venda, através de uma declaração de vontade
unilateral constitutiva, com aquele conteúdo que resulta do contrato concluído entre o
obrigado à preferência e um terceiro. Por outro lado, e por via disto mesmo (isto é, da existência
de um direito potestativo), antes do exercício de direito de preferência não existe ainda nenhuma
relação contratual de compra, mas uma mera vinculação do obrigado à preferência, que resulta da
existência do direito potestativo de que é titular o preferente.
A conceção da compra duplamente condicionada reconduz-se ao facto de a compra
(melhor: o negócio sobre a qual se convenciona a preferência) andar na dependência de que o
obrigado à preferência queria vender (ou tenha vendido) e o preferente queira exercitar o
direito de preferência.
Entre nós, Manuel Henrique Mesquita, no seu estudo sobre obrigações reais e ónus reais, veio
pôr em evidência o carácter complexo da relação que se estabelece entre as partes, na qual se
integrarão direitos de crédito/obrigações e direitos potestativos/estados de sujeição que se orientam
para o fim de proporcionar ao preferente “uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial,
de certo direito, logo que se verifiquem os pressupostos que condicionaram o exercício da prelação.
A variação da posição jurídica de ambas as partes dependerá, tanto da forma como são
cumpridos os deveres que recaem sobre o obrigado à preferência, como do exercício dos diversos
direitos que cabem ao preferente. Assim, decidindo o obrigado à preferência celebrar com terceiro
um negócio a que a preferência respeita, sobre ele recairá a obrigação de um direito (creditório) a
essa notificação. Feita a notificação, o obrigado à preferência fica num estado de sujeição,
atendendo a que se reconhece ao preferente um direito potestativo de declarar que pretende
exercer a preferência. Feita essa declaração, o obrigado à preferência fica obrigado a celebrar com
o preferente o negócio projetado a que a preferência respeita, obrigação que também nasce para o
preferente. Constitui-se, assim, “uma relação creditória equiparável, pelo seu conteúdo e efeitos, a
um contrato-promessa bilateral”.
Ressalva-se a hipótese de a declaração do obrigado à preferência consubstanciada na
notificação para preferência e a declaração do preferente traduzida no exercício da preferência
revestirem a forma exigida para o contrato a que a preferência respeita, caso em que se dá por
concluído o contrato definitivo.
Haverá ainda que destacar a situação em que existe a celebração com terceiro de um negócio
a que a preferência respeitava, sem que tenha sido dada, nos termos estudados, ao preferente
a possibilidade de, em igualdade de circunstâncias, o preferente celebrar aquele negócio.
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Tratando-se de uma preferência legal ou de uma preferência convencional a que, nos termos do
artigo 421º, se tenha atribuído eficácia erga omnes, ao preferente é reconhecido “o direito
potestativo de, por via judicial – através de uma ação de preferência se substituir subrogar” ao
terceiro “no contrato por este celebrado com o obrigado à prelação”.
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Só podemos dizer que há contrato a favor de terceiro se há um contrato por via do qual uma
das partes (o promitente) assume perante outra que tenha na promessa um interesse digno de
proteção legal (o promissário) a obrigação de efetuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao
negócio (terceiro beneficiário), o qual adquire direito à prestação desde logo e independentemente
de aceitação (artigo 443.º/1 e 444.º/1).
São múltiplas as situações da vida a que se pode prover com a figura contratual em causa. Por
exemplo: uma doação em que o doador estabelece um dado encargo, em detrimento do donatário,
destinado a beneficiar um terceiro; um seguro que alguém faz em proveito da mulher ou dos filhos;
alguém, obrigado a fazer o transporte da coisa devida para o domicílio do credor, contratar uma
empresa a realização desse serviço, enviando depois a guia de remessa ao próprio credor.
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Temos depois os contratos em que a prestação tem de ser feita a terceiro. As partes celebram
um contrato de compra e venda, mas acordam que o pagamento do preço não será feito ao credor,
mas terá de ser feito ao terceiro. Não temos um contrato a favor de terceiro porque o terceiro não
adquire o direito à prestação. Uma coisa diferente são aqueles casos em que o cumprimento também
pode ser feito a terceiro. A celebra um contrato com uma empresa com sede na Madeira de compra
e venda e em princípio o preço teria de ser pago no domicílio no credor, mas em vez de ser feito no
domicílio do credor, pode ser feito a terceiro. Não é atribuído um direito ao terceiro.
Regulamentação do instituto
O contrato a favor de terceiro encontra-se, hoje em dia, expressamente reconhecido na nossa
lei e em termos que lhe dão uma ampla significação prática.
Desde logo, por força do artigo 443.º/2, por meio do contrato a favor de terceiro têm as partes
“ainda” a possibilidade de remitir dívidas ou de ceder créditos, e, bem assim, de constituir,
modificar, transmitir ou extinguir direitos reais. Por tudo isso é que se pode bem dizer que a
atribuição patrimonial ao terceiro pode ter um significado muito diversificado, ponto é que ela
satisfaça um interesse do promitente digno de proteção legal (que pode reconduzir-se a uma
dimensão económica ou simplesmente espiritual). Tanto se pode solver uma dívida do promissário
(mas devendo ter-se, todavia, em conta que, de acordo com o artigo 444.º/3, a promessa, enquanto
“causa solvendi”, não passa de um promessa de cumprimento), como constituir-se um crédito a
favor do promissário (mútuo a levar a cabo pelo promitente) como proceder-se a uma liberalidade
por intermédio do promitente.
Por outro lado, como resulta de resto diretamente do texto legal que vem de ser citado, pode
A, por medo de um contrato a favor de terceiro, transmitir a C o seu crédito sobre B, como pode
mesmo A, pela mesma via, fazer extinguir a dívida de C para com B, ou, ainda, constituir a favor
de C um direito real sobre um prédio de B ou extinguir um direito real que onerava um prédio de C
em benefício de B.
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A posição do terceiro
De acordo com o artigo 444.º/1, “o terceiro a favor de quem foi convencionada a promessa
adquire o direito à prestação, independentemente da aceitação”. Ou seja, o terceiro, mesmo
independentemente de qualquer assentimento da sua parte, adquire o direito à vantagem em que o
contrato a seu favor se traduz.
O terceiro adquire imediatamente o seu direito, mas esta aquisição não é, contudo,
necessariamente definitiva uma vez que às partes deve ser deixada a faculdade de extinguir o
direito do terceiro sem o seu acordo.
Ressalvou-se desta aquisição imediata o caso de a promessa se destinar a produzir efeitos
depois da morte do promissário: nestas circunstâncias, a lei presume que só depois da morte deste é
que o terceiro adquire o direito à prestação (artigo 451º). Por exemplo, se A celebra um contrato de
seguro de vida a favor de C, C só adquire o direito após a morte de A. Em termos gerais, o terceiro
adquire o direito por força da celebração do contrato.
A manifestação da vontade do terceiro beneficiário tem relevância. Por um lado, o terceiro
pode “aderir” à promessa, manifestando a sua adesão através de uma comunicação que realiza
perante o promitente e o promissário (artigo 447.º/3). E isso tem importantes efeitos. E não apenas
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no sentido de que a promessa passa, a partir daí, a ser irrevogável (artigo 448.º/1). É que, para além
disso, só a contar da adesão do terceiro faz sentido falar-se em mora do credor ou em incumprimento
de deveres secundários da prestação.
Se o contrato a favor de terceiro se traduzir no pagamento de uma dívida do promissário, nos
termos da nossa lei (artigo 443.º/3) existe apenas uma simples promessa de liberação, pelo que só
ao promissário fica o direito de exigir o cumprimento da prestação. Tudo isto porque, num caso
destes, há menos intenção de melhorar ou favorecer a posição do credor que defender o promissário
da pretensão de pagamento do seu credor.
Positivamente que o contrato a favor de terceiro traz para o promitente, além do dever de
prestação, a assunção de todos os deveres de conduta, como, por exemplo, não fornecer fruta podre
ao terceiro, não lhe entregar gado doente, não lhe reparar defeituosamente o telhado.
Mas se o terceiro pode aderir à promessa, ele também a pode rejeitar. Neste caso, de
acordo com o artigo 447.º/2, esta deve ser feita face ao promitente, que deve comunicar o facto ao
promissário. Assim, dado que o direito já tinha entrado no património do terceiro “ex ope legis”, o
efeito dela operará, é óbvio, de forma retroativa – o que dará à rejeição o carácter de um ato
renunciativo (impugnável por via da ação pauliana, artigo 610º) e não, por isso mesmo, de simples
omissão do exercício de um direito. Quer dizer, não haverá, neste caso, espaço algum para a ação
de subrogação (artigo 606º).
De atentar, todavia, que o terceiro nunca é um contraente. O terceiro é titular de um direito
decorrente do contrato, mas não é parte na posição que se estabelece entre o promitente e o
promissário. Os contraentes são apenas, e para todos os efeitos estritamente contratuais,
promissário e promitente. Por isso mesmo é que um contrato a favor de terceiro que seja dominado
pelo “animus domandi” não está sujeito às regras (formalidades) próprias das doações.
O terceiro não pode exercitar os direitos que dizem respeito ao contrato que subjaz à sua
pretensão, como será o caso do direito de resolução. Então, quem é que pode resolver o contrato?
Quem é que pode fazer cessar o contrato por incumprimento? A generalidade da doutrina defende
que, em princípio, estando no âmbito da liberdade contratual, tudo depende do que está fixado no
contrato. Quando nada estiver celebrado no contrato, o direito de resolução é um direito integrado
na posição contratual, que não se transmite a terceiro. Sendo assim, em princípio, só o promitente
pode resolver o contrato. Contudo, o promitente precisará muitas vezes da atuação do terceiro para
poder resolver o contrato, uma vez que é preciso transformar a mora em incumprimento definitivo
e isso é uma faculdade concedida ao terceiro. Para além disso, note-se que, apesar da resolução do
contrato ser um direito integrado no âmbito da posição contratual, a verdade é que se este direito for
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exercido vai atingir a posição de terceiro. Assim sendo, o que sucede é que o promitente só pode
resolver o contrato com o consentimento do terceiro. Sendo o terceiro o titular do crédito, a partir
do momento em que ele o adquire, o promitente e o promissário por acordo não podem alterar a
posição do terceiro. Não podem introduzir alterações quer na prestação em si quer nos termos do
cumprimento da prestação. O terceiro, uma vez que é credor, pode, por acordo com o promitente,
alterar o conteúdo do crédito, quer seja o seu conteúdo ou os termos do cumprimento da prestação.
De acordo com Vaz Serra, a via da resolução não pode pôr em jogo o direito do terceiro que
se tenha tornado definitivo como, na sequência desta posição, só confere ao promissário essa
faculdade se a promessa é ainda revogável (o que não quer dizer que a revogação venha a ocorrer
de facto, situação que, a não ter lugar, fará impender sobre o promissário o encargo de entregar ao
terceiro, até ao limite do recuperado, o valor da prestação devida).
Ressalve-se também que o promitente antes de haver a aceitação do terceiro pode revogar
ainda a promessa, mas não o pode fazer a partir do momento em que o terceiro aceita, porque a
posição do terceiro consolida-se, portanto não tem o direito de revogar a promessa a partir desse
momento.
A mora do terceiro pode significar a oneração com o risco (ela terá todos os efeitos normais
da mora do credor, inclusivamente os de provocar a concentração de uma obrigação genérica) como
em se legitimar o terceiro a uma indemnização de perdas de danos se o não cumprimento do
promitente ocorre por facto que lhe é imputável. A dificuldade toda andará mesmo, aqui, em
conciliar (precisamente neste último caso) os direitos do promissário sobre a relação
contratual e os direitos do terceiro enquanto titular de um direito, dela derivado, não
cumprido.
Em suma, todos os meios de defesa decorrentes da relação contratual do contrato a favor de
terceiro, como é o caso da resolução do contrato, não podem ser exercidos pelo terceiro. No âmbito
da relação obrigacional complexa que decorre do contrato a favor de terceiro (por exemplo, uma
compra e venda) se houver uma impossibilidade definitiva de realização da prestação por parte
imputável ao promitente, isso significa que o crédito deixa de ter por objeto e a entrega de um
automóvel e passa a ter por objeto a indemnização. Esse direito á indemnização cabe a terceiro,
porque há uma alteração do objeto do crédito e o crédito é de terceiro por isso repercute-se na sua
esfera juridica. Depois do terceiro aderir naqueles casos em que ele deva colaborar com a outra parte
para a realização a prestação, a sua não colaboração acaba por ter todos os efeitos da mora do credor.
Temos depois um conjunto de outros poderes que estão ligados ao próprio direito de crédito. Em
regra, face à mora torna-se necessário recorrer à interpelação cominatória para transformar a mora
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em incumprimento definitivo – esse direito inserido na relação creditória cabe ao terceiro e não cabe
à parte contratual. O direito é inerente ao próprio crédito em si e o credor aqui é o terceiro.
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nós. Isto é, se o mútuo é ferido de nulidade, se o é o contrato de renda vitalícia, se a dívida que se
que se pretende pagar é inexistente ou se o donatário se revelou ingrato, o promissário pode exigir
a prestação efetuada pelo terceiro. Ainda, de outra forma: se a relação de cobertura é válida, mas a
relação de valuta é nula ou anulável o promissário pode valer-se da verificação de um
enriquecimento sem causa.
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objeto. E, se a prestação se tornar impossível por facto do promitente, podem estas pessoas exigir a
adequada indemnização, que afetarão, depois aos fins convencionados.
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Mas não basta a comunicação de nomeação; a declaração de nomeação tem de vir sempre
acompanhada ou de uma procuração anterior outorgada por aquele que é nomeado,
procuração essa que nos termos do artigo 262.º/2 tem de respeitar a forma do contrato para pessoa
a nomear, ou então tem que ser acompanhada de uma ratificação do terceiro, que nos termos
dos artigos 453º e 454º deve constar de um documento escrito, a não ser que o contrato para pessoa
a nomear exija uma forma mais solene (isto é, um documento com força probatória superior). Por
exemplo, se se tratar de um contrato de compra e venda de bem imóvel celebrado por escritura
pública, nesse caso a procuração e a ratificação vão ter de ser realizadas por escritura pública.
Sendo este sujeito nomeado nos devidos termos legais, ele passa a ocupar, salvo convenção
ao contrário, a posição que o nomeante tinha no contrato, com efeitos retroativos. Ou seja, e
como nos diz o artigo 455.º/1, “sendo a declaração de nomeação feita nos termos do artigo 453º, a
pessoa nomeada adquire os direitos e assume as obrigações provenientes do contrato a partir da
celebração dele”.
Como já vimos, este contrato não é verdadeiramente um contrato, mas sim uma cláusula
inserida em contratos de tipos diferentes. Ora, certos contratos não admitem esta cláusula. Diz-
nos o artigo 452.º/2 que “a reserva de nomeação não é possível nos casos em que não é admitida a
representação ou é indispensável a determinação dos contraentes”, ou seja, esta reserva de
nomeação não é admissível nos contratos em que é indispensável, ab initio, ser fixada a posição de
ambas a partes: são estes os contratos celebrados intuiti personae (contrato de doação, contrato de
trabalho) e os contratos de natureza familiar ou sucessória (contrato de casamento).
O que é que acontece se entre o período em que o contrato foi celebrado e o período em que
se realiza a nomeação, as partes iniciais constituem direitos sobre um determinado bem?
Imaginemos que A celebra com B um contrato para pessoa a nomear que tem por objeto um
imóvel e que, antes de se proceder à nomeação, o nomeante constitui uma hipoteca sobre o mesmo
imóvel a favor de C. Aqui o nomeado adquire o direito com ou sem esta garantia? Note-se que a
cláusula para pessoa a nomear foi registada, portanto, o que vai prevalecer vai ser a posição
do nomeado relativamente à posição do beneficiário da hipoteca. Neste caso, aquele ato será
ineficaz relativamente ao nomeado.
A situação é diferente se estivermos face a um caso em que o bem não esteja sujeito a registo.
Imaginemos que A celebra com B um contrato de compra e venda de uma joia, mas antes da
nomeação, o nomeante resolve constituir um penhor a favor de C. Neste caso, o nomeado adquire
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o bem penhorado, isto porque não há qualquer proteção concedida por registo. Prevalecem,
assim, os direitos do beneficiário da garantia, uma vez que este não tinha possibilidade de saber que
aquele bem era objeto de um contrato para pessoa a nomear – neste caso aplica-se diretamente o
regime dos direitos reais (regra da prioridade de constituição de direitos reais).
Há aqui uma discussão quanto à natureza jurídica do contrato para pessoa a nomear,
mas o professor Pestana de Vasconcelos não considera isto muito relevante. Tudo se passa numa
alteração do contrato original em termos definidos e numa relação prévia que se estabelece entre o
nomeante e o nomeado.
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3. Ausência de autorização.
Tal como o requisito indica, o dominus não concedeu qualquer autorização para o gestor
intervir em negócio alheio, ou até pode eventualmente ter dado esta autorização, mas esta, no
momento da gestão já tinha caducado ou verificou-se ser nula.
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Aqui esta gestão de negócio trata-se de um facto constitutivo gerador de uma relação
obrigacional. Temos aqui uma relação obrigacional complexa, em que temos os deveres do gestor
no 445º.
Além disso, o gestor está obrigado a avisar o dono do negócio de que assumiu a gestão.
Imaginemos que aquela vizinho já saiu do estado de inconsciência, aqui o gestor tem de se avisar
que assumiu a gestão, caso contrário, ele será responsável pelo prejuízo que causou a outra parte,
e não só, passamos também a ter uma gestão ilegítima com aquelas consequências que acabamos
de dizer, em que cessam as obrigações do dono do negócio face ao gestor.
Mas a partir do momento em que o gestor avisa sobre a sua gestão, das duas uma: ou o dono
do negócio não gostou e quer este cesse a sua gestão; ou pode haver possibilidade de acordo entre
as partes, em que o dono do negócio vai estabelecer os termos em que a gestão venha a ser feita,
podendo ser através de um contrato de outra natureza. Aqui a gestão de negócios cessa, sendo
normalmente substituída por outro cotrato, que tende a ser o de mandato. Também poderá
haver a possibilidade de o dominus ter concordado com a gestão, conforme ela foi feita, e esta passa
a ter base contratual.
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O dono do negócio tem de prestar contas quando tiver conhecimento da gestão ou quando
esta cesse. Aqui ao longo do exercício da gestão, o gestor pode ter retirado certos ganhos, como
também formado despesas. Assim, há o dever de o gestor entregar tudo que tenha sido recebido por
terceiros, do mesmo modo que se se tem de entregar o saldo das contas, quanto aos juros legais, a
partir do momento em que a entrega seja exigível, quando estiver em causa uma dívida ou um
crédito. A gestão de negócio pode ter gerado despesas por parte do gestor, pelo que aqui não se vai
entregar tudo o que se recebeu, mas sim o saldo das respetivas contas, atendendo àquilo que teve
de gastar.
O gestor do negócio tem o dever de começar e de não interromper essa mesma gestão, a não
ser que tenha justa causa para o efeito. Caso ele interrompa de forma injustificada, ele responde
perante o dono do negócio, por indemnização. Por exemplo, interrompe a plantação de kiwis. Claro
que se o gestor ficar doente isto não se aplica. Nesta gestão de negócios, há uma relação obrigacional
complexa de onde decorrem vários deveres.
Aqui releva o assunto da culpa, sendo que podemos aferi-la por duas vias: culpa em
abstrato, em que se recorre a critérios abstratos, como o do “bom pai de família” e do “bom gestor”,
em que temos uma conduta-padrão através da qual verificamos se a conduta foi ou não
correspondente a um bom operador de certa área, como um bom médico de clinica geral, ou um
bem engenheiro civil. Ou seja, há uma ideia abstrata do que é uma boa conduta para certa situação
e a partir dessa ideia vamos aferir a situação concreta, é o caso do “bom pater famílias”. Também
temos a verificação da culpa em concreto, em que caraterizarmos a sua atuação em concreto e
averiguamos se esta foi inferior ou não àquela conduta que poderia ter desempenhado, atendendo
às suas aptidões e talentos.
Aqui o critério da responsabilidade é o da culpa em abstrato, em que o modelo previsto no
Código Civil, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, é o modelo da culpa em abstrato,
que toma por medida a ação de um “bom pai de família face às circunstâncias do caso concreto”.
Mas há também há quem entenda que se deve usar apenas a culpa em concreto, pois aqui considera-
se que a culpa em abstrato iria ser muito exigente para o gestor, na medida em que aqui estamos
perante uma atuação altruísta. Mas há também quem entende que não faz sentido que alguém faça
uma gestão de negócios quando não tem nenhuma capacidade ou aptidão para continuar a gestão,
pelo que aqui temos a culpa em abstrato. Não é um assunto muito fácil de defender, pois aqui estão
em causa razões altruísticas, do mesmo modo que também é verdade que não se deve interferir em
negócio alheio quando não se tem capacidade para isso. Ora, no caso do sujeito que está na berma
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da estrada e o condutor o vê ferido, aqui quem o salva pode não ser um bom condutor e com as
bruscas travagens acaba por o magoar ainda mais. Mas isto é uma situação muito diferente daquele
indíviduo que vem gerir as plantações do negócio. Aqui o perceber o que é a culpa em abstrato é
uma coisa muito importante, sendo que o professor Pestana de Vasconcelos destaca que há muitas
más aplicações deste conceito. Ribeiro de Faria inclina-se para a culpa em concreto.
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Não se confunde a gestão de negócios com o contrato de gestão. Este último é muito
importante, mas a principal diferença é que assenta num contrato, em que até temos a importância
do contrato de mandato para estes casos. O o mandato é até o regime regra para os contratos de
prestação de serviços, tendo em conta sua grande extensão.
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o enriquecimento tem lugar por via de um contrato, de um ato jurídico não negocial ou de um puro
ato material. Isto é, se a prestação do devedor se torna impossível por facto que não lhe é imputável,
é ele obrigado a restituir ao credor a contraprestação, se a tiver entretanto recebido e, como diz a lei,
“nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa” (artigo 795.º/1). Por outro lado, se se
pagou uma dívida inexistente no momento da prestação, “o que assim for prestado pode ser
repetido” (artigo 476.º/1); por fim, se alguém gere a coisa de outrem na convicção de que se trata
de coisa própria, “sem prejuízo de outras regras aplicáveis”, o dono do negócio, que não aprovou a
gestão, restitui nos termos do enriquecimento sem causa (artigo 472.º/1).
Em suma, nos casos exemplificados de contrato, de ato jurídico não negocial ou de simples
ato material, do que se tratou sempre foi de uma “atribuição patrimonial”, isto é, de “uma
vantagem patrimonial obtida por uma das partes procedente de um ato praticado pela outra”
e em todos eles, por isso mesmo, a restituição traduz-se na devolução ao património do empobrecido
de bens dele indevidamente saídos. O devedor devolve a contraprestação do credor; o falso credor
restitui a prestação efetuada; o dono do negócio procede ao retorno do benefício trazido pelo gestor
putativo.
Mas agora repare-se: se o enriquecimento pode resultar, assim, de uma atribuição
patrimonial, ele pode advir também de um ato de terceiro e até de um ato do próprio
enriquecido. E será precisamente isto que faz insatisfatório o conceito de “atribuição patrimonial”
para explicação do ato do enriquecimento e do respetivo regime e que exige, nomeadamente, que
se tenha de ver no ato de restituição, muitas vezes, um fluxo patrimonial que deixa intocado aquele
outro que determinou o próprio enriquecimento.
Que o enriquecimento pode resultar de um ato de terceiro não há dúvidas. É enriquecido
o cedente pelo cumprimento por parte do devedor de boa fé (artigo 583º); como é enriquecido o
devedor cuja dúvida um terceiro indesculpavelmente solve (artigo 478º). E que o próprio se pode
enriquecer por ato seu isso advém dos mais variados exemplos: alguém fuma os cigarros de outrem,
bebe-lhe os vinhos ou instala-se em sua casa ou serve-se do seu nome ou da imagem para fazer
propaganda aos próprios produtos. Por isso, repete-se, que o conceito de atribuição patrimonial não
abarque todas estas situações e que a doutrina tivesse de ver nas “deslocações patrimoniais” a base
explicativa ou razão de todo o enriquecimento sem causa. Isto é, não há apenas enriquecimento
sem causa, e isso mesmo vimo-lo, se se verifica um fluxo patrimonial de uma parte para a
outra. Enriquecimento sem causa há-o, e mostramo-lo também, sempre que por qualquer ato
se verifica o acréscimo de um património de alguém a expensas ou à custa de outrem. Em
suma, quando há ou tem lugar uma deslocação patrimonial.
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Mas precisamente porque o enriquecimento sem causa se pode verificar por via de um
fluxo patrimonial de origem num terceiro, ou até por ato do próprio enriquecido, é que a
restituição de que fala a lei não significa necessariamente um “refluxo” de valores ao ponto de
partida. Na verdade, o devedor de boa fé que paga ao cedente, e que, com o cumprimento,
determinou o enriquecimento deste, solveu definitivamente a sua dívida. E as consequências
indesejáveis do seu ato, por isso mesmo, não são reparadas pelo retorno do valor da prestação ao
seu poder, com o concomitante “renascimento” da dívida (em relação ao cessionário), mas sim pela
deslocação do valor dessa prestação do património do cedente para o do cessionário.
Por outro lado, e para dar mais um exemplo, se alguém paga a dívida de outrem na convicção
de que é obrigado a isso, os efeitos do enriquecimento verificado no devedor não são afastados, de
igual forma, pelo retorno ou regresso dos valores, que produziram esse enriquecimento, ao ponto de
partida. Em suma, por via de um “refluxo” patrimonial do credor no sentido do terceiro. Pelo
contrário, os interesses serão compostos ou satisfeitos pela restituição do enriquecido ao
empobrecido. Só que o enriquecido é, neste caso, e como já dissemos, o devedor liberado (artigo
478º).
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no caso anterior, um direito de repetição; na hipótese restante, à qual, de resto, fizemos referência
atrás, a restituição é feita pelo devedor liberado (enriquecido) ao “solvens” putativo.
No caso do artigo 476º, temos o cumprimento de uma obrigação que não existe. A obrigação
pode ter deixado de ser uma obrigação civil e pode ter passado a ser uma obrigação natural. É preciso
que a obrigação não exista. Nos casos em que cumpra ele tem o direito de ser restituído. O Dr.
Antunes Varela inclui os casos em que o sujeito pensa que a obrigação existe, assim como nos
casos em que o sujeito cumpre à cautela (até sabe que não existe, mas cumpre à cautela). Menezes
Cordeiro discorda e diz que o sujeito tem de estar convencido que existe.
No número 2 do mesmo artigo, temos o cumprimento de uma obrigação face a terceiro e não
ao credor. Não extingue a obrigação e, portanto, haverá direito à restituição.
Temos depois o caso do número 3: a obrigação existe, o devedor é aquele e o credor é aquele.
Só que há um prazo criado a favor do devedor, pelo que este não tem de cumprir enquanto o prazo
não tiver decorrido. O devedor por erro cumpre sem ter decorrido o prazo. Não tem direito à
restituição da prestação. Gera-se um enriquecimento do credor, mas é traduzido na vantagem de ter
recebido a prestação antecipadamente.
É de ter em conta, de igual forma, o artigo 477º: sucede que um sujeito cumpre uma dívida
alheia na convicção errada que está obrigado a cumprir. A dívida existe, mas a dívida é alheia, mas
ele não é o devedor. O que acontece é que se aquele que compra a prestação que cabe a outro
devedor por erro, ele terá, nos termos do artigo 477º, direito à restituição da prestação, mas é
necessário que a tenha realizado por erro que seja desculpável. Se não for desculpável ou se o credor
se tiver privado de garantias do título, se tiver deixado de prescrever a obrigação ou o que seja, nesse
caso não terá direito à restituição da prestação, mas terá direito a ficar sub-rogado nos direitos do
credor. A obrigação foi extinta, mas aquele sujeito que cumpriu uma obrigação alheia, o direito de
crédito transfere-se e passa ele a ser credor do devedor.
Ainda, o artigo 478º: são os casos que a obrigação existe, o credor é aquele, o devedor sabe
que a obrigação é alheia, mas está na convicção errónea que está obrigado a cumpri-la. Ele cumpre
uma obrigação alheia na convicção que ele tem a obrigação de a cumprir. O que pode exigir é exigir
do devedor a restituição do montante em que ele se enriqueceu. A exceção é quando o credor sabe
que o credor está em erro- aqui tem o direito de repetição.
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O segundo grupo de casos enunciados no artigo 473º número 2 é representado por aquelas
situações em que se extinguiu a razão causal da prestação efetuada. Num contrato bilateral, se
o devedor não pode mais cumprir, porque a prestação dele se tornou impossível por facto que lhe
não é imputável, terá ele que restituir a contraprestação que eventualmente já tinha recebido do
credor (artigo 795º nº1); num contrato de arrendamento, em que as rendas tenham sido pagas
antecipadamente, verificada a cessação do arrendamento antes do prazo, terá o locador que restituir
as rendas pagas a mais; ou se, por exemplo, a companhia de seguros pagou ao segurado o valor do
objeto furtado e este vem depois a aparecer, impenderá sobre o segurado a obrigação de restituição
desse valor.
O terceiro é o último grupo de casos em que o preceito referido abrange respeita à não
verificação do efeito pretendido com a prestação. É o exemplo clássico. Se alguém entrega a
determinada empresa, periodicamente, um dado montante para uma excursão que não vem, porém,
a ter lugar, ele tem direito a obter a restituição dos quantitativos pagos. Mas agora repare-se: a
proteção concedida em todos estes casos de frustração de escopo ou de finalidade só existe enquanto
se estiver no âmbito da boa fé ou se essa frustração não resultou afinal de ato do próprio
empobrecido. O eventual excursionista não terá qualquer direito a uma restituição se ele já sabia
que a excursão a esse lugar era impossível (ou por causas físicas ou de ordem legal) ou se, por
qualquer modo, impediu a realização (artigo 475º). A finalidade ou escopo visado é o que resulta
do próprio conteúdo do negócio.
Há, por fim, um outro grupo de casos, em que a restituição tem muito a ver com a
segurança jurídica e a boa fé. Vejamos alguns deles. É assim no que já mais que uma vez referido
pagamento por parte do devedor (de boa fé) ao cedente (artigo 583º). Mas também o é na hipótese
do artigo 617.º/1/ parte final. Exemplifiquemo-la. A vende a B um prédio, venda que vem a ser
impugnada pelos credores de A (artigo 610º). Positivamente: B (empobrecido) terá o direito de
exigir de A aquilo com que este se enriqueceu. A boa fé o exige. Exemplificação abundante neste
âmbito é a dada ainda pelo regime cambiário, e, em regra geral, pelos chamados negócios
abstratos. Suponhamos que C compra a D mercadorias, que paga com uma letra. Letra que D
endossa a E, em pagamento de um prédio que este lhe vende. Na data do vencimento, E apresenta-
a a pagamento a C. Tudo bem se D lhe tivesse já entregue as mercadorias que lhe vendera ou lhas
tivesse entregue nas condições devidas. É que senão, não podendo C defender-se contra um
portador mediato da letra com exceções derivadas relação fundamental, e tendo ele, por isso
mesmo, que a pagar a única via que lhe fica aberta é o pedido de restituição pelo locupletamento
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de que D beneficiou. Pelo locupletamento, em suma, de que D beneficiou porque comprou o prédio
com o valor das mercadorias que devia ter entregue a C.
Situação ainda é paralela a estas é que é dada pela exceção ao princípio fundamental da
aquisição derivada (nemo plus iuris) em função ou por causa da regra preferencial de
atribuição do domínio ao adquirente que primeiro tiver efetuado o registo. Só que, sendo assim,
o adquirente preterido fica desapossado da coisa e do preço que deu por ela. Empobrecido numa
palavra. E o proprietário que duplicou a venda vê-se enriquecido com dois preços. Será ainda aqui
o caminho aberto pelo artigo 473º nº1 que permite a justa composição dos interesses em jogo. E sê-
lo-á, sem dúvidas, se a dupla venda teve lugar sem culpas de ninguém e não é possível, por isso
mesmo, lançar mão do remédio dado pelos princípios da responsabilidade civil. O que pode suceder
se uma das vendas foi efetuada por um procurador.
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euros, embora o enriquecimento real seja pelo efetivo valor do bem 100. É preciso verificar se este
enriquecimento se antem na esfera do sujeito. A nem sequer fuma, por isso ofereceu ao seu amigo
Z. esse enriquecimento não se consolidou na sua esfera. O enriquecimento em sentido patrimonial
neste caso é 0, mas o real é pelo valor da caixa de charutos.
Fazendo agora apelo aos exemplos postos atrás aplicando-lhe os critérios que vimos de
apontar, fácil é estabelecer destrinças na qualificação dos enriquecimentos neles sugeridos.
Enquanto nós dizemos que os charutos ou a casa de praia têm um dado valor corrente, objetivo, o
preço do mercado, nós temos aí em vista precisamente o enriquecimento real. Mas, quando nós
referimos que, não fora os charutos de B, e A não teria fumado nenhuns (e “mutatis mutandis” para
o caso do arrendamento), ou quando, ainda acentuando o elemento “subjetivo”, diferenciamos os
destinos que E e F deram ao produto da venda, o que temos em mente é já trazer ao de cima o
enriquecimento patrimonial: que, como dissemos, se não mede já por um valor objetivo e isolado,
mas pela diferença entre a situação real (atual) e a situação hipotética (aquela em que se estaria) do
enriquecido.
Isto quer dizer, em suma, que, na determinação do enriquecimento patrimonial, releva o
conhecimento das despesas que o enriquecido estaria disposto a fazer ou dos encargos que
antevia realizar, não se tivesse verificado a deslocação patrimonial, e, bem assim, da aplicação
que ele deu realmente ao benefício patrimonial auferido.
2. À custa de outrem
Mas não basta que tenha havido um enriquecimento de outrem para que alguém tenha o direito
à restituição. Os dizeres do artigo 473.º/1 são, de resto, elucidativos a este propósito. Ele fala em
“enriquecer à custa de outrem”. Isto é, assinala-se nesta disposição um nexo entre a vantagem
auferida por um e o sacrifício sofrido ou suportado pelo outro; frisa-se que o benefício obtido
pelo enriquecido deve “resultar” do prejuízo ou desvantagem do empobrecido; sublinha-se,
em suma, uma “marca de intersubjetividade”, que “o dano deve estar num determinado nexo
com o enriquecimento”. E assim sucede, na verdade, a maior parte das vezes. Repare-se: o
pagamento do credor aparente, com o benefício deste, pelo devedor não notificado da cedência, faz-
se com o prejuízo correspondente do cessionário (artigo 583º); o consumo de bens alheios por
alguém, com a economia de despesas correspondentes, faz-se à custa do titular desses bens e
determinando que este faça precisamente o dispêndio que esse outro poupou; à apropriação pelo
agente transformador do bem móvel corresponde a perda desse mesmo bem pelo seu anterior
proprietário (artigo 1336º). Isto é, numa palavra, em todos estes casos há uma correspetividade,
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uma interconexão, entre o valor que determina o enriquecimento e o valor que causa ou provoca o
empobrecimento.
Mas pode não ser assim. Não se verifica, na verdade, nenhum empobrecimento do
proprietário de uma casa, na qual se instala abusivamente alguém, se aquele a manteria em todo o
caso devoluta. Como se passam de igual as coisas se alguém publica a obra de um autor que não
estava de modo algum disposto a fazê-lo – e de cuja publicação aufere proventos. E, como
imediatamente se dá conta, a questão que se coloca é esta: não há um empobrecimento, mas há um
enriquecimento. Mas haverá um enriquecimento que se possa considerar criado à custa de
outrem? A resposta será afirmativa. E é pela afirmativa porque a tanto autoriza pensar a
“doutrina do conteúdo da afetação ou da destinação”, doutrina que resolve a contento a
problemática da imediação dos eventos “enriquecimento – empobrecimento” e que granjeou a
adesão de uma larga faixa da doutrina alemã e da nossa mesmo. Segundo esta doutrina, sempre que
nós estejamos face a um direito absoluto estamos face a uma esfera protegida, qualquer utilidade
que seja retirada deste bem cabe ao titular do direito, não cabe ao terceiro e, portanto, nessa medida
temos aqui um empobrecimento.
De acordo com esta orientação, pode dizer-se que o enriquecimento é obtido à custa do
empobrecido, isto é, a vantagem resultante da intromissão de um direito de outrem, é um
enriquecimento à custa de outrem, se foi lesado o direito exclusivo deste à utilização e fruição
desse direito. Por isso que se possa dizer, num caso destes, que o enriquecimento se não faz à
custa de um património, mas em detrimento de uma esfera jurídica absolutamente protegida.
Ponto é, para terminar a caracterização desta teoria, que, e daí o seu nome, o direito lesado, de
acordo com o seu conteúdo de afetação ou destinação queira reservar ao seu titular toda a utilidade
económica que propicia. O que sucede sempre em direitos sobre as coisas e em direitos sobre bens
materiais, e só excecionalmente nos direitos de personalidade.
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ao que parece, num caso e noutro. E isto porque não basta, para se poder lançar mão da ação de
enriquecimento, que tenha havido uma vantagem ou um benefício à custa de outrem.
A doutrina alemã e também a nossa mostraram, para aqui, a necessidade de um outro
requisito, consubstanciando na unidade do processo do enriquecimento. Não basta, diz-se, que
haja um benefício ou uma vantagem à custa de outrem para haver enriquecimento relevante. E não
basta isso, porque é necessário ainda, para haver um enriquecimento nessas condições, que se
verifique um nexo de causalidade direta entre o benefício e a desvantagem (diminuição
patrimonial ou lesão de um direito). O que, segundo Larenz, só tem lugar, ou por via da
própria prestação, ou nos restantes casos, através de um mesmo e único procedimento. Por
isso é que, no exemplo de Larenz (condicionado pela natureza obrigacional dos negócios
translativos no âmbito do direito alemão), se alguém compra, como mandatário sem representação,
um determinado objeto, que depois transmite ao mandante, vindo a compra e venda posteriormente
a ser anulada, o proprietário da coisa ter-se-á de contentar com uma ação dirigida contra o
mandatário, mas nunca, e a qualquer título, contra o mandante.
O enriquecimento sem causa, numa palavra, só opera se tiver lugar uma deslocação
patrimonial direta. E, no exemplo apresentado, a deslocação patrimonial operada não obedeceu a
estas condições. Como se pode dizer também, “o ato gerador do empobrecimento de um não
coincidiu com o ato criador do enriquecimento do outro”. Por isto mesmo, porque, no fim de contas,
a “imediação” apenas permite que (no âmbito da exceção por uma prestação efetuada) o que faz a
prestação se dirija exclusivamente àquele a quem a fez (no caso de inexistência de causa jurídica
para ela ou da sua posterior extinção), é que, nos outros dois exemplos de há pouco, a pretensão de
enriquecimento também não colhe. A condição ou requisito da imediação nem existe em relação ao
empreiteiro nem em relação ao proprietário dos bens utilizados na gestão.
Mas é claro, e a doutrina alemã não se esquece de acentuar isso mesmo que é absolutamente
indispensável, nesse âmbito, apurar muito bem quem é que faz a prestação (quem é o “prestante”)
e quem é, em função da relação jurídica no fim de contas existente, o beneficiário da prestação. É
que a exceção da ausência de imediação do movimento patrimonial não pode ser chamada a terreiro
em todos aqueles casos (segundo a doutrina dominante alemã, e que vale também para nós) em que
o devedor (A) faz a prestação ao seu credor (B) através de um terceiro (D), logo de forma indireta,
mas em termos de prestação do terceiro em relação àquele que a recebe (B) valer como sua prestação
(de A).
Deixam-se de subsumir a este quadro esquemático ou abstrato as hipóteses de contrato
a favor de terceiro e da delegação. No caso do contrato a favor de terceiro, a prestação do
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promitente tem na base a relação de provisão, o que faz com que ela, juridicamente seja uma
atribuição patrimonial (indireta) do promissário. Isto quer dizer, em suma, que, se a relação de valuta
(como se sabe, a relação entre o promissário e o terceiro) vier a ser declarada nula ou anulada, o
terceiro terá de restituir ao promissário o que recebeu do promitente, sob pena de enriquecimento à
custa dele (promissário). e da mesma forma no caso da delegação. É que também aqui a prestação
não é feita à custa do delegado, mas sim do delegante, e, por isso mesmo, que a causa dela tenha de
se procurar na relação entre este e o terceiro. O que vale dizer, em suma, que pode ocorrer um
enriquecimento (relevante) do terceiro à custa do delegante, não obstante um ato intermédio do
delegado (atribuição patrimonial indireta); e, consequentemente, surgir um dever de restituição para
quem não recebeu de forma direta a prestação.
O mesmo teor da solução tem ainda de vigorar para algumas situações em que o
enriquecimento se verifica por um ato do empobrecido, sim, mas em relação a um terceiro e
não diretamente em relação ao enriquecido. Ponto é que se verifique nestes casos uma analogia
com os anteriores. Tanto tem lugar, nomeadamente, se o “accipiens” (terceiro) é credor de outrem
e a prestação efetuada teve por efeito a extinção da dívida deste último em relação àquele. Basta que
a prestação do “solvens” não tenha “causa” capaz a legitimá-la, para se poder falar, ainda aqui, de
um enriquecimento e da obrigação de restituição. E é isso que sucede na hipótese do artigo 478º.
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cartular, e pagando o aceitante a letra a um portador mediato, viabiliza que ele (no âmbito das
relações imediatas) seja reembolsado daquilo com que o sacador se locupletou.
Suponha-se que temos um contrato de compra e venda em que há obrigações para ambas
as partes pagar o preço entregar a cosia. Todavia, pode dar-se a coisa ter aparecido sem ser por
facto imputável ao devedor não se transmitiu a propriedade a cosia ardeu e n pode ser entregue.
Acontece que se o preço não foi pago há uma perda da causa e o prelo não tem de ser pago. Tendo
o preço sido ago a causa do apagamento do preço cessou. Nesta medida, há um dever de restituir o
preço de acordo com as regras do enriquecimento sem causa. havendo uma cessação subsequente
da causa da obrigação, cai a outra obrigação.
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possuidor o valor dos danos, calculando segundo as regras do enriquecimento sem causa”. A
doutrina alemã insere neste âmbito os casos de acessão e de achado.
Só que, de tudo isto, o que já resulta à evidência é que em todas estas situações haverá um
enriquecimento indevido, não mercê de uma prestação a descoberto juridicamente, mas por outra
via. Mas então a pergunta: o que é que dá, a estes casos últimos, a caracterização específica que
obriga à restituição?
Repare-se. Nem todo o enriquecimento que não provém de uma prestação é por si
injustificado: pode dizer-se que um comerciante que alarga o seu círculo de clientes, e que
acrescenta as vendas, em regra fá-lo à custa dos concorrentes; e nem por isso se dirá que houve aqui
um enriquecimento sem causa. E, se o traçado de uma estrada nova vem determinar que haja quem
enriqueça com ela e quem com ela empobreça, nem por isso se vai obrigar a um fluxo patrimonial
que reponha o estado anterior.
Por outro lado, não se pode dizer que o cunho específico destas formas de enriquecimento,
agora em análise, e que têm expressão na ingerência ou intromissão em direito alheio e nos
casos de união ou confusão patrimonial, resulta sempre da ilicitude dos atos respetivos. Isto
porque o enriquecimento pode advir aqui precisamente de um facto natural (se as ovelhas de A
comem o pasto que é propriedade de B, sem culpa daquele, houve um enriquecimento indevido,
mas não existiu um facto ilícito). Por isso mesmo que aquilo que leva a designar estes casos como
formas de enriquecimento indevido é simplesmente o de neles (ou por via deles) ter lugar a
perturbação da correta ou adequada ordenação jurídica dos bens.
Isto é, se, segundo a adequada ou correta ordenação dos bens, a vantagem ou benefício
patrimonial auferido (o enriquecimento) deve pertencer a outrem, o enriquecimento não tem
“causa”, é indevido, e deve ser restituído. Não têm, assim, causa, são um enriquecimento indevido,
a vantagem advinda dos charutos de outrem que se consomem, os lucros ganhos com a patente
industrial que se usurpa os benefícios de iluminação das janelas mandadas rasgar no prédio pelo
possuidor de boa fé (artigo 1273º, número 2).
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restituição. O princípio está, de resto, consagrado no nosso direito positivo de forma expressa: “Não
há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio
de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao
enriquecimento” (artigo 474º).
Pode dizer.se que a lei nega o enriquecimento quando precisamente lhe atribui uma
causa legitimadora ou justificativa. Passa-se isso assim quando se adquire, por exemplo, uma
coisa por usucapião ou quando se fazem do possuir de boa fé os frutos por ele percebidos
(artigo 1270º). Atribuir outros efeitos ao enriquecimento, isto tem lugar porque a lei estabelece um
regime jurídico específico ou diferenciado para resolver a situação resultante da deslocação
patrimonial operada. Vejam-se, por exemplo, os casos de levantamento das benfeitorias úteis feitas
pelo possuir de boa ou má fé, que possa ser executado sem prejuízo da coisa em que foram realizadas
(artigo 1273º), ou da resolução por alteração das circunstâncias que presidiram à contratação
(artigo 437º).
Se estivermos perante um usucapião não há obrigação de restituir ao abrigo do
enriquecimento sem causa, porque a lei atribui a esse enriquecimento uma causa justificativa. Temos
depois um outro conjunto de casos em que a lei atribui outros efeitos ao enriquecimento. Um dos
regimes é o caso das benfeitorias. Se as benfeitorias forem benfeitorias necessárias e não é possível
proceder ao seu levantamento temos o dever de indemnizar, se forem úteis e não se conseguir
proceder ao seu levantamento a lei remete para o enriquecimento sem causa. O que há é a
necessidade de se repor a situação tal como ela estava antes da celebração do negócio. Sendo um
contrato de compra e venda o que sucede é que por força do 289º processa-se uma obrigação de
restituição de cada uma das prestações.
Mas onde a disposição citada sobremaneira releva é pelo que toca à sua primeira parte e onde
se foca precisamente o afastamento da restituição pelas regras do enriquecimento se o
empobrecido puder ser reparado de outro modo. Pois bem: o “empobrecido” pode ser
restituído desde logo por outro modo se ocorre a nulidade ou a anulabilidade do negócio
celebrado. Neste caso, e por força da lei (artigo 289º), não só se tem de contar com o efeito
retroativo da declaração de nulidade ou anulação, como, por via disso, vai ter lugar a
restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, em todo o caso, do respetivo valor. E repare-
se: “tudo” o que tiver sido prestado. A natureza retroativa da providência em causa pretende
repor as coisas no “statu quo ante”, e desprendendo-se, portanto, os efeitos propiciados com
a prestação e ainda da destinação dada a esta mesma. Patente, por isso mesmo, a diferença para
o regime do enriquecimento sem causa: neste a restituição é constituída pelo que foi prestado,
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mas medida pelo que, à data da restituição (efeito ex nunc), se encontra a mais no património do
enriquecido.
A subsidiariedade das regras do enriquecimento indevido faz com que elas cedam
ainda em confronto com a disciplina da resolução ou da gestão de negócios. A resolução opera
retroativamente (artigo 434º) e tem os efeitos da nulidade ou anulabilidade (artigo 433º); pelo que,
em princípio, operada a resolução, haverá que restituir o recebido em função do contrato
celebrado (artigo 801.º/2). A restituição integral, enquanto efeito da resolução, avulta, de resto,
quando se tem em vista a obrigação de restituir “apenas” nos termos mitigados do enriquecimento
sem causa no caso de impossibilidade da prestação por facto não imputável ao devedor (artigo
795.º/1).
Quanto à gestão de negócios, verifica-se a mesma subsidiariedade das regras do
enriquecimento indevido. Se há gestão de negócios, o equilíbrio económico e a satisfação dos
interesses do dono do negócio é feita pelas disposições específicas desta figura jurídica,
nomeadamente pelos artigos 466º a 468º; se não há, então é que vêm as regras do
enriquecimento, de resto previstas pela própria lei para o caso da gestão “putativa” (artigo
472º). Havendo gestão de negócios e havendo enriquecimento a reposição da situação vai-se fazer
sempre ao abrigo das regras da gestão de negócios, embora nas regras da gestão de negócios possa
haver uma remissão para as regras do enriquecimento sem causa.
Mas onde o problema assume, a este propósito, foros de mais importância ainda é quando se
antolha o concurso do enriquecimento sem causa com a responsabilidade civil. Positivamente
que pode haver enriquecimento sem causa sem a concorrência da responsabilidade civil e o invés
também é verdadeiro. Se alguém deixa cair um objeto sobre outrem, danifica, mas não enriquece;
se alguém vê publicado o seu manuscrito, sem autorização, quando não tencionava fazê-lo,
recebendo de facto benefícios porque lhe aumentaram nomeadamente as vendas de outras obras
suas, então aí pode ter havido enriquecimento da casa editora, mas o que não houve foi dano para
ninguém. Isto é, pode haver enriquecimento e não ter lugar responsabilidade civil porque a
“intromissão” no direito alheio não causou danos, foi praticada por um terceiro ou não houve culpa
do enriquecido.
Fixemo-nos, porém, na hipótese do concurso desta figuras jurídicas. É neste âmbito, como é
óbvio, que se põe a questão do princípio da subsidiariedade. E a este propósito, de duas, uma. Ou o
valor do enriquecimento sobreleva o dano ou este excede o valor daquele. Se o dano é maior
que o enriquecimento a regra da subsidiariedade encontra plena aplicação. O interesse do
lesado, simultaneamente empobrecido, fica de todo satisfeito com o pedido de indemnização dos
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danos causados. Mas se se dá o contrário? Neste caso, tem-se entendido que o princípio da
subsidiariedade não preclude que o empobrecido exija a restituição do excesso em relação ao
valor da indemnização, a título ou com base em enriquecimento indevido.
Havendo um dano cujo enriquecimento seja superior ao dano coloca-se a questão de saber se
havendo responsabilidade civil se afasta completamente a obrigação de restituir ao abrigo do
enriquecimento sem causa? Não. Para os excessos é admitido o enriquecimento sem causa.
Tem-se levantado ainda nesta domínio a dúvida de saber se, sendo o dano maior que o
enriquecimento, o juiz pode descer a indemnização, com base no artigo 494º, a um montante
inferior àquele enriquecimento. Em suma: o dano é de 40, o enriquecimento é de 30, mas porque o
lesado agiu com culpa diminuta, a indemnização baixaria para 25. Tem-se dito que não. Por
exemplo Pereira Coelho é expresso em afirmar que “a indemnização deverá assim fixar-se entre o
limite mínimo do enriquecimento do responsável e o limite máximo dos danos sofridos pelo lesado”.
O juiz pode fixar em caso de mera culpa 494º uma indemnização abaixo do dano, mas essa
indemnização pode mesmo ultrapassar o limite do enriquecimento. Nestas circunstâncias o limite
do 494º havendo enriquecimento tem de ser o próprio enriquecimento- não se pode fixar uma
indemnização abaixo do enriquecimento ou que ultrapasse o limiar do enriquecimento.
Atente-se, todavia, que a regra da subsidiariedade do enriquecimento vigora em todos os
casos em que o empobrecido se possa indemnizar ou restituir por outra via – e, portanto,
mesmo naqueles em que a lei expressamente aponte a restituição a título de enriquecimento
indevido como forma de composição dos interesses em jogo.
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Temos aqui o dano em sentido real, que consiste no valor de mercado daquele bem. Sempre
que o limite do dano em sentido real for superior ao dano em sentido patrimonial a restituição
devia fazer-se por este se este fosse inferior. Se nós seguimos esta posição efetivamente o que
estamos a fazer é permitir uma utilização abusiva dos bens de outrem, porque se o sujeito consegue
obter um bem superior ele estaria a beneficiar com a intromissão um bem alheio. O professor
Antunes Varela diz que tem de restituir tudo. Se ele conseguiu obter 300 apesar do valor de
mercado ser 250 tem de restituir tudo. Se essa diferença de valor disser respeito a uma capacidade
negocial especifica daquele sujeito entoa a restituição deve ter em conta única e simplesmente os
250 e os restantes 50 pertencem ao sujeito que se intrometeu.
Temos depois uma última posição, defendida por Menezes Cordeiro: em certos casos
específicos pode dar-se o caso de haver um empobrecimento em sentido real que ainda assim seja
inferior ao dano em sentido patrimonial. A retira do terreno de B junto ao rio areia. Essa areia que
é depois reposta pelo rio pouco tempo depois. A areia tem valor patrimonial de 200 euros. O sujeito
para colocar o camião para retirar a areia causou danos no valor de 250. Neste caso, para cálculo
do limite do dano devemos recorrer ao valor mais alto- dano em sentido patrimonial para fixar o
limite do dano.
A, admirador de B, envia-lhe uma caixa de chocolates. Por engano, a caixa de chocolates vai
ter a C. C nem gosta de chocolates, então oferece-os a D. Ele está de boa fé e acha que os chocolates
são para ele. O enriquecimento é atual e naquela altura o sujeito já não se enriqueceu. Nesse caso
quem fica obrigado a restituir em lugar de C é D. Mas D também está de boa fé na medida do seu
enriquecimento. O enriquecimento de D será de 50, mas é o D que terá de restituir. O que é que
acontece se estiverem de má fé? Nesse caso pura e simplesmente ambos respondem.
Voltando aos entendimentos doutrinais:
Posto isto, vejamos qual o sentido que tem sido dado aos dois pressupostos referidos, enquanto
limites ou fatores determinantes da obrigação de restituir. Há quem pense, a este propósito, assim.
Por um lado, que o critério em função do qual se avalia o “contributo do empobrecido” é o do
dano, e, dentro dele, do “dano patrimonial”. Por outro lado, que o enriquecimento deve ser
também calculado patrimonialmente. É, no fundo, a doutrina tradicional a este propósito, que
joga com a regra do “duplo limite” para o cálculo da restituição a efetuar. Isto é, segundo ela, a
obrigação de restituir mede-se pela “menor diferença patrimonial” de entre as duas diferenças
patrimoniais representadas pelo “dano” e pelo “enriquecimento” (exemplo: se o
enriquecimento é de 50 e o dano de 40, a obrigação de restituir será de 40 – pois só 40 é que foram
enriquecimento à custa do empobrecido).
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Esta doutrina tradicional foi, porém, corrigida. É que ela levaria ao seguinte: a restituição
de nada, no caso, das intromissões em direitos alheios, ponto é que o titular do direito, por exemplo,
de propriedade, não lhe desse nem tencionasse dar qualquer uso. Por isso que a doutrina do conteúdo
da destinação dos bens forçasse a porta para a conceção noutros termos da teoria do duplo limite.
Assim: a restituição oscila entre o limite do enriquecimento em sentido “patrimonial” e do
dano em sentido “real”, não podendo exceder um ou outro. Exemplo: se a diferença entre a
situação patrimonial real do enriquecido atual e aquela que ele teria, não fora a deslocação
patrimonial operada, é de 100 (enriquecimento em sentido patrimonial) e o valor objetivo do bem
deslocado (dano em sentido real) é de 30, a restituição será por este último montante. Pois que só
este último valor “pertencia” ao empobrecido em face do conteúdo ou tero da destinação do seu
direito.
Abona-se este ponto de vista com o incentivo que ele significa para a “livre iniciativa e
atividade dos indivíduos” e contrapõe-se ao inconveniente da via que ele abre para uma sorte de
“expropriação” dos bens alheios o remédio da indemnização de danos não patrimoniais que a
intromissão nesses bens não raro suscita ou determinada.
Desvios em relação a este entendimento há-os nas posições de Antunes Varela e de Rui de
Alarcão, autores que nós equiparamos neste ponto, porque pensamos poder reconduzi-los à mesma
linha ou igual fio de pensamento. Em ambos os autores referidos se dá ao enriquecimento um sentido
“patrimonial”. E aqui não tem lugar diferença em relação a Pereira Coelho. É esse sentido
patrimonial do enriquecimento que os leva, de resto, a dizer que pode haver diferença entre o
valor objetivo da deslocação patrimonial verificada e o “enriquecimento efetivo”, logo no
momento em que aquela tem lugar (se os charutos consumidos valem 100, o “enriquecido” só
estava disposto a adquiri-los por 50); ou que permite que tragam à superfície aquela outra ideia,
também fulcral aqui, de que pode haver discrepância entre o enriquecimento no momento da
deslocação dos bens e aquele outro momento em que o enriquecimento é computado ou medido
(o enriquecimento é “atual” – artigo 480º): por via das coisas ou bens apropriados, o
“enriquecimento” fez despesas perdulárias, sem contrapartida, que de outro modo não faria; não
tivesse ele recebido por engano os charutos que fumou, seu pai ter-lhe-ia dado outros de igual valor.
Não será, pois, aqui, repetimos, que a disparidade destes autores, a este propósito, para com
Pereira Coelho, tem lugar. A disparidade só avulta quando se tem em vista a definição, para eles,
do outro ponto ou limite da obrigação de restituir. Então Antunes Varela é expresso a este
propósito: o limite dado pelo empobrecimento não se cifra no “dano real” (“de contrário, tudo se
passaria como se ao intrometido fosse lícito expropriar os bens alheios… por sua mera força e
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iniciativa”), mas reconduz-se a “tudo aquilo que foi obtido à custa do titular da coisa, mediante o
uso, a fruição ou o consumo indevido dela”. Isto é, se nos benefícios obtidos ou nas vantagens
havidas, tiver havido o concurso de específicas qualidades do enriquecido ou de particulares fatores
que têm a ver com ele e não com o empobrecido, há que fazer uma destrinça entre a medida em que
o enriquecimento resultou da deslocação patrimonial (ou da intromissão) e dessas particulares
qualidades ou fatores.
Menezes Cordeiro traz para aqui uma posição singular. Segundo ele, o enriquecimento tem
de ser sempre apreciado “em concreto” e debaixo de uma perspetiva “objetiva”. Em
“concreto”, porque se tem em vista “a efetiva vantagem registada na esfera do beneficiário”
traduzida na diferença entre o património do enriquecido antes e depois do sucedido;
“objetiva”, porque essa diferença respeita a situações patrimoniais “reais” do enriquecido e
não àquela que compara a situação patrimonial do enriquecido depois do enriquecimento e a
que se verificaria “hipoteticamente” se não fosse a ocorrência (exemplo: o valor do poço aberto
é de 800; da sua construção resultou uma diminuição do valor do terreno, onde foi escavado, em
200; o dono do terreno ia mandar construir o poço por 1000. Repare-se: enriquecimento em
“abstrato”, ou seja, valor da deslocação carecida de causa, 800. Enriquecimento em “concreto”
objetivo: 600; enriquecimento em concreto “subjetivo”: 1000). Para o mesmo autor, o dano terá de
ser computado ora em abstrato (as garrafas consumidas têm o valor de 1000), ora em concreto, mas,
neste caso, sempre o dano objetivo (se a garrafeira ficou diminuída no valor de 800, mas o dono
dela nem intentava vender as garrafas, nem consumi-las, nem substitui-las, o dano em concreto
objetivo é de 800 e o subjetivo é nulo),
A partir daqui, constrói Menezes Cordeiro a sua teoria do triplo limite – e que consiste, em
suma, em o limite constituído pelo dano ser dado pelo dano em concreto ou em abstrato
consoante o que for maior. É que, segundo este autor, se o dano em concreto calhar de ser maior
que o dano em abstrato, a restituição, a medir-se por este último (Pereira Coelho), levaria a que “o
empobrecido mantivesse um dano real e o enriquecido um enriquecimento também efetivo, sempre
obtido à custa daquele”.
Positivamente que a doutrina do duplo limite na sua feição originária está
definitivamente julgada e condenada. Como, por outro lado, é assente que o enriquecimento
tem de ser apreciado em concreto. Além de que aquilo que o direito cura é o reflexo da deslocação
no património do enriquecido, é a própria lei a dizer que este deve restituir “aquilo com que
injustamente se locupletou” (artigo 473.º/1) e não a própria deslocação. Quanto a considerar-se o
enriquecimento objetivo ou o subjetivo, a preferência deve ir por esta última via. A argumentação
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de Menezes Cordeiro, em contrário, não convence. Nem está aqui em foco um problema de
causalidade nem é decisiva a argumentação da dificuldade de prova. E que, neste ponto, o texto
legal seja no sentido do computo do enriquecimento objetivo, isto de forma nenhuma.
“Indevidamente recebido” (artigo 473.º/2) tanto pode ser a diferença entre duas situações reais
como a diferença entre uma situação real e uma situação hipotética. A força decisiva terá de vir,
pois de outro lado.
Já a ideia da tríplice limite tem poder suasório. Não basta, de facto, fazer a destrinça entre
o grau de concorrência da deslocação em si e das qualidades do enriquecido em relação ao
enriquecimento. Há que calcular um limite, em todo o caso, para o enriquecimento em função do
empobrecimento. E este ou é dado pelo dano em abstrato ou pelo dano patrimonial. Ou pelos dois.
Acrescente-se ao que vem de dizer-se que, tratando-se uma intervenção em bens alheios feita
de má fé pelo interventor parece dever propender-se para o entendimento de que o enriquecido deve
restituir a totalidade do montante do enriquecimento e não apenas o valor de exploração dos bens.
Tal resultado derivará da aplicação da disciplina prevista para a posse de má fé (artigo 1217º) e não
do regime jurídico sagrado para o enriquecimento sem causa.
Não pode finalizar-se a referência à obrigação de restituição sem dar uma palavra ao
entendimento de Menezes Leitão sobre a matéria e que diverge de qualquer uma das conceções
anteriormente apresentadas. Na verdade, em consonância com a sua rejeição de uma conceção
unitária do enriquecimento sem causa, o autor entende que a definição do objeto da obrigação de
restituição pressupõe a “análise das diferentes razões que determinam o carácter injustificado do
enriquecimento”. O mesmo autor considera que, de acordo com o artigo 479.º, número 1, há
que “determinar primeiramente, consoante a categoria de enriquecimento sem causa, o que
se obteve à custa de outrem, para depois se averiguar se o enriquecimento ainda subsiste no
momento do conhecimento da sua ausência de causa. Entende que se deve operar uma
“diferenciação do que é obtido à custa do empobrecido” consoante se trate de um enriquecimento
por prestação, um enriquecimento por intervenção ou enriquecimento por despesas.
Assim, tratando-se de um enriquecimento por prestação, distingue três hipóteses:
i) consistindo numa prestação de coisa “o obtido à custa de outrem” deve ser o próprio objeto
prestado;
ii) configurando uma situação de pagamento de dívida alheia, o obtido à custa de outrem
traduzir-se-á na “libertação do devedor, correspondendo, portanto, ao seu aumento patrimonial”;
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iii) finalmente, sendo uma prestação de facto, dada a insusceptibilidade de restituição “in
natura”, a obrigação de restituir respeitará ao “valor correspondente determinado através do seu
preço comum de mercado”.
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A responsabilidade civil extracontratual pode ter na base uma explicação diferenciada, que
leva, nessa medida, à contraposição de umas tantas situações. Na verdade, pode-se responsabilizar,
a esse título, porque alguém não só causou danos, mas também agiu “culposamente”. Pode-se
responsabilizar, também aí, pelo simples facto de se ter criado um perigo, e, de alguma sorte, colhido
um benefício com o dano. É neste domínio que se inserem os casos de responsabilidade pelo risco-
em que se vai ao ponto de responsabilizar pelos atos de outrem e do próprio lesado. É aqui que se
incluem ainda todas as situações de responsabilidade pela licitude, que, se não é prevista de uma
forma genérica na nossa lei, é-o, porém em disposições dispersas relevantes.
Temos, assim, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, a responsabilidade
por factos ilícitos, pelo risco, e pela prática de factos lícitos. Pode haver casos em que passamos
de uma responsabilidade civil extracontratual para uma responsabilidade civil contratual, no sentido
amplo e obrigacional.
Exemplo 1: A causa um dano a B, verificando-se todos os pressupostos da responsabilidade
civil extracontratual por factos ilícitos. Nasce assim uma obrigação – a de indemnizar. Há uma
relação obrigacional entre o lesante o lesado porque já se constituiu a obrigação, sendo que, se o
devedor não pagar a indemnização, estará a incumpri-la.
Exemplo 2: A obriga-se contratualmente a transportar B. Todavia, atuando A com culpa, o
seu automóvel despista-se e B sofre um traumatismo craniano. Temos responsabilidade contratual,
por incumprimento do contrato, mas simultaneamente há responsabilidade extracontratual por
factos ilícitos visto que A atinge um direito absoluto de B, que é a sua integridade física.
Estes casos são relativamente comuns. Aquilo que temos é um concurso entre as regras das
duas modalidades de responsabilidade civil. A mesma situação de facto leva ao preenchimento
dos requisitos de ambas as modalidades. A obrigação de indemnizar é só uma, não há duas.
Porém, as regras aplicáveis são diferentes conforme o tipo de responsabilidade em causa, desde logo
no que diz respeito à culpa (há uma presunção de culpa na responsabilidade contratual). Também
no âmbito da responsabilidade contratual, há regras específicas no que é atinente aos auxiliares, que
genericamente não existem na responsabilidade extracontratual.
Como é que se resolve esta situação? A lei não resolve estas questões, porém temos duas teses
desenvolvias pela doutrina:
Sistema de cúmulo, que tem dois modelos:
Tese de ação híbrida: em que se recorre às normas de um e de outro regime. O
lesado pode escolher, dentro dos regimes, as normas de qualquer modalidade
(contratual ou extracontratual) que lhe seja mais favorável.
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Tese da escolha do lesado: o lesado opta por um sistema ou por outro. Cabe ao
próprio lesado escolher o regime inteiro, escolhe o regime em bloco, não pode
escolher normas a cada um dos regimes.
Sistema não cúmulo – tese da consumpção: não se aplicam ambos os regimes, só se
aplica um visto que o regime da responsabilidade contratual consome o regime da
responsabilidade extracontratual. Este é um aspeto importante, porque há inúmeros
casos em que, no âmbito do incumprimento de um contrato, pode verificar-se que
estejam preenchidos também os pressupostos da responsabilidade civil
extracontratual. Segundo a tese da consumpção, há um concurso aparente de normas.
As regras da responsabilidade obrigacional consumiriam as regras da responsabilidade
extracontratual. Havendo responsabilidade obrigacional aplica-se integralmente o
regime da responsabilidade obrigacional. É defendida pelo professor Almeida Costa.
Uma nota muito importante a que vale a pena atender é o facto de que, apesar de a lei
estabelecer regimes diferentes para as duas modalidades da responsabilidade civil, ela estabelece
um tratamento unitário no que toca à obrigação de indemnizar – artigos 562º e seguintes do Código
Civil.
O mesmo facto pode gerar responsabilidade civil e responsabilidade penal. não é
comum. A destrói o carro de B- crime de dano (responsabilidade penal) e responsabilidade civil. A
agride B ofensa à integridade física e também responsabilidade penal e civil porque há danos que
foram criados. Aplica-se aqui o princípio da adesão, a responsabilidade civil tem de ser acionada no
âmbito do processo penal.
A responsabilidade civil extracontratual pode ter na base uma explicação diferenciada,
que leva, nessa medida, à contraposição de umas tantas situações. Na verdade, pode-se
responsabilizar, a esse título, porque alguém não só causou danos, mas também agiu
“culposamente”. Pode-se responsabilizar, também aí, pelo simples facto de ter criado um perigo, e,
de alguma sorte, colhido um benefício com o dano. É neste domínio, na verdade, que se inserem os
casos de responsabilidade pelo risco – em que se vai ao ponto de responsabilizar pelos atos de
outrem e do próprio lesado. É aqui que se incluem ainda todas as situações de responsabilidade pela
licitude, que, se não é prevista de uma forma genérica na nossa lei, é-o porém em disposições
dispersas relevantes.
Temos, assim, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual: a responsabilidade por
factos ilícitos, pelo risco, e pela prática de factos lícitos.
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RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Vamo-nos centrar agora na responsabilidade extracontratual. Esta responsabilidade
comporta três modalidades:
1. Responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos;
2. Responsabilidade civil extracontratual pelo risco;
3. Responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos.
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Por tudo isto é que se pode dizer que esta qualificação da conduta do agente se reveste somente
do alcance de pôr de lado como factos geradores de responsabilidade civil todos os factos incontroláveis
pela vontade, tais sejam os factos fortuitos ou casos de força maior (explosão, ciclone, faísca) ou aqueles,
ainda incontroláveis, que se prendem com estados de inconsciência ou com emprego de coação.
Mas facto voluntário não significa apenas ação. Pode-se agir voluntariamente por omissão,
isto é, quando nos termos dali (artigo 486º), havia o dever de praticar o ato omitido, o qual, segura ou
muito provavelmente, evitaria o resultado danoso.
2. A ILICITUDE.
O facto voluntário precisa, todavia, para fundamentar a responsabilidade civil, de ser “ilícito”.
O juízo de ilicitude resulta, hoje, do artigo 483º, e ele sobrevém quando se viola o direito de outrem
ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
O nosso legislador de 1966 abandonou, assim, o caminho trilhado pelo legislador de 1867, que
marrava a ilicitude à ofensa de um direito subjetivo, e pôs de banda, por outro lado, o critério de jogar
com a ideia de valoração negativa do dano (o dano “injusto”).
E fez bem, quer num caso quer noutro. Nomeadamente porque, quando ao segundo critério, a
ilicitude nunca é um juízo sobre o dano (efeito) mas sobre o facto (sua causa). E já agora anote-se
que, ao afastar estas duas vias de solução, e ao adotar aquela outra a que vamos fazer referência mais
detalhada a seguir, o legislador nem quis sacrificar de todo a certeza nem, por outro lado, circunscrever,
em demasia, os comportamentos que devem cair debaixo da valoração negativa da ordem jurídica.
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tutela não se fazia por via de uma obrigação de indemnizar, mas de outra forma, onde pontificavam os
institutos especiais, muito deles de natureza familiar. No entanto, seguindo uma tendência manifestada
noutros ordenamentos jurídicos, também em Portugal, na sequência da reforma de 2008 (introduzida
pela lei nº61/2008, de 31 de outubro), e muito particularmente atendendo à nova redação do nº1 do
artigo 1792º, se vem aceitando, doutrinal e jurisprudencialmente, a afirmação da derrocada da tradicional
“fragilidade da garantia” dos direitos pessoais familiares pessoais e o funcionamento, de modo mais
amplo, da responsabilidade civil no âmbito familiar, abrangendo aí situação de violação de direitos
familiares pessoais.
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querido pelo legislador, e no sentido de que se não tratará de determinar simplesmente uma vontade
empírica, mas sim o verdadeiro e rigoroso âmbito do “ratio legis”. Mas repare-se que, se é certo que,
nesta hipótese, estará aberta ao lesado a via da indemnização (embora a norma, em toda a sua
dimensão, e, portanto, na pública, exija outro tipo de sanções cumulativas), não é menos verdade
que, ainda nela, está vedada ao lesado a disponibilidade livre da tutela dos seus interesses – pelo que não
se poderá falar, também aqui, de quaisquer “direitos subjetivos”.
Contudo o que existe, a este propósito, é uma larga diferença entre o nosso direito e o direito
alemão. É que, enquanto neste último, o legislador protege expressamente uns tantos bens jurídicos
(vida, corpo, liberdade, honra), que equipara de plano, nos efeitos de qualquer conduta que os moleste,
à violação de outros direitos subjetivos, entre nós o que sucede é que a proteção desses bens, a menos
que se considerem os direitos a bens pessoais direitos subjetivos, só se fará, e apenas nessa medida, por
via de uma norma de proteção. Referindo-se a essa tipificação específica do direito alemão, tal como foi
apontada, diz Larenz (que não vai pela elevação dos direitos de personalidade a autênticos direitos
subjetivos) que estes bens são assim retirados do circuito daqueles que só contam com uma norma de
proteção para serem tutelados, para ganharem praticamente o estatuto de objetos de um direito de
personalidade. Na verdade, acrescenta, estes vens (a vida, a liberdade, o corpo) não são, em si mesmo,
“direitos”, mas “bens” que ao homem são dados sem qualquer dependência da ordem jurídica.
Mas o que sucede, por outro lado, é que, se há violação de uma norma que tenha por “fim”
precípuo, senão único, obviar a um perigo abstrato dos outros, bastará a simples violação dessa
norma (desde que culposa) para constituir o violador em responsabilidade para com aquele a
quem, por isso mesmo, tiverem sido causados (adequadamente) danos. Se se ordena que os
proprietários das casas procedam ao degelo dos passeios fronteiros às mesmas, porque, de contrário,
haverá o perigo de queda dos transeuntes, a culpabilidade para responsabilizar pelos danos ligar-se-á
apenas à simples omissão de pôr o sal ou a areia, embora a queda e os danos advenientes se tenham de
ligar causalmente à omissão.
Tormentosa questão tem sido, de resto, nos nossos dias, a destrinça que se terá intentado fazer
entre um “direito penal secundário” (direito penal administrativo), um direito penal de justiça e um
direito penal das contraordenações. Este último reconduz-se a um plano normativo onde se inserem as
condutas que, embora proibidas, se manifestam como axiologicamente neutras. O mesmo já não sucede
quanto ao chamado direito penal administrativo, que é direito penal e que abarca condutas ético-sociais-
socialmente relevantes. A destrinça entre este e o direito penal clássico ter-se-á que fazer, pois, no âmbito
axiológico ou valorativo e precisamente em razão da função desempenhada pelo homem “no contexto
material do Estado de Direito”. Surgindo embora sempre como concreto e socializado, o homem realiza
a sua personalidade na dupla esfera da sua atuação pessoal e da sua atuação comunitária, sem que uma
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se sobreponha à outra no seu relevo ou na sua validade originária: à proteção daquela se dirige o direito
penal clássico (e, só neste sentido, “primário”), à proteção desta o direito penal administrativo.
É claro que esta doutrina do “direito penal secundário” o que põe é questões várias de índole
dogmática à compreensão seguida para o direito penal clássico (logo em torno do conceito de autoria,
ao nível da tipicidade, no âmbito da responsabilização das pessoas coletivas, na extensão da punibilidade
da negligência).
Mas revertamos, depois desta ligeira (e eventualmente dispensável incursão), ao fim estrito das
nossas coisas, para dizer, e o exemplo de cima, de resto, o inculca, que não são apenas as leis “penais”
que protegem interesses alheios e que suscitam, pois, a aplicação da segunda parte do artigo 483º. Esta
segunda parte poderá ser posta em ação não apenas pela prática de um crime (direito penal de justiça)
como de um delito (direito penal administrativo), na terminologia de Figueiredo Dias ou de meras
contraordenações.
Mas positivamente: se a mesma ação pode provocar a intervenção de várias causas de
responsabilização, nem por isso se pode deixar de ver aí senão um único direito à indemnização.
Pormenorizando agora um pouco mais o alcance do conceito de ilicitude recortado pela nossa
lei (artigo 483º) a partir das normas de proteção, pode-se dizer que nem o património como tal é
protegido sem ser por via da proibição legal da ação danosa (é a burla, é o abuso da confiança) nem, por
outro lado, e como é óbvio, que seja viável chegar à proteção de interesses privados por via de todas as
normas que proíbem (incriminando) condutas humanas. Basta que se tenha proibido estas a pensar
exclusivamente no interesse público (tenha-se em vista os crimes contra a segurança do Estado) para
que assim não seja. Mas mais: mesmo que subjacente à norma esteja a consideração de interesses
individuais, é preciso indagar se as ações praticadas ou as omissões havidas estão entre as condutas
que a lei de proteção proíbe ou ordena. Ou dito de outra sorte: se os danos produzidos se verificam ou
afetam os bens jurídicos que caem debaixo da proteção da norma, ou se as pessoas lesadas se situam nos
círculos das pessoas que são protegidas.
A este propósito é deveras elucidativa a múltipla exemplificação que Antunes Varela insere. Só
que, tratando-se como se trata, e lá se diz, de fixar o “fim da norma”, nem sempre aparece nítida, por via
disso, a distinção entre a função que com a ilicitude se prossegue e aquela que se visa com o próprio
princípio da causalidade. A atestar isso mesmo está o facto de que o exemplo que Antunes Varela cira,
do cliente do banco que, por não vender as ações em oportunidade favorável devido à falta de informação
oportuna dos serviços desse banco, adoece do sistema nervoso (caso em que não haverá ilicitude em
relação à doença contraída porque, no caso dado, a saúde foge à tutela da norma), seja apresentado por
Brox para circunscrever a relação causal entre o facto e certos danos. Como este último afirma, em
alguns casos não se justifica, não obstante a existência da causalidade adequada, “por via da qual são
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excluídas como causas apenas como condições completamente extraordinárias ou anómalas, imputar a
causa dos danos que ele entende, em suma, é que são de imputar ao autor apenas aqueles danos causados
que estejam dentro do âmbito de proteção do preceito causador de responsabilidade.
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civil, porque essas normas são normas de proteção, visam evidentemente interesses públicos, mas visam
de forma direta também a tutela de interesses particulares, a tutela de bens integrados no património de
um dado sujeito.
O que sucede se um sujeito sofrer danos no seu património sem que esteja ao coberto da ilicitude
como ela está prevista na lei, isto é, sem que se tenha violado um direito absoluto e que haja uma norma
penal que vise a tutela direta de interesses particulares? Esses danos são os danos patrimoniais puros
e não estão tutelados pelo nosso direito, para não se alargar em demasia o âmbito do ilícito. Ou estão
preenchidos estes dois elementos ou são danos patrimoniais puros que não são indemnizáveis. Há danos
que atingem o património e não são indemnizáveis: danos patrimoniais puros.
Para melhor compreender este tópico, analisemos a situação conhecida por “Cable Cases”, que
é a tipicamente usada para explicar esta matéria dos danos patrimoniais puros: Havia uma fábrica que
era servida por um sistema elétrico. A, um sujeito, trabalhador de uma empresa de construção e que
estava a fazer fundações para um prédio, cortou acidentalmente os cabos que levavam energia à
fábrica, gerando grande prejuízo para a mesma. A principal questão que se levanta é se este prejuízo
é indemnizável e em que medida. Do prisma do nosso sistema, temos de enquadrar a figura no âmbito
da ilicitude legalmente prevista. Não há nenhuma dúvida de que a fábrica sofreu um grande prejuízo
patrimonial. Analisemos as várias relações do caso:
1. Poderia a fábrica demandar a empresa de energia elétrica por incumprimento do contrato de
fornecimento de energia? É evidente que há incumprimento das obrigações decorrentes do contrato, mas
a responsabilidade contratual depende de culpa. É também evidente que o incumprimento não é culposo,
logo a empresa não responde ao abrigo da responsabilidade contratual.
2. Teria a empresa elétrica direito a ser indemnizada (supondo que os cabos lhe pertenciam)?
Considera-se que foi praticado um ato ilícito relativamente à empresa dona dos cabos, uma vez que
foram danificados. A empresa tem sobre os cabos um direito absoluto – o direito de propriedade, que
foi atingido. Há uma ilicitude, logo há o direito a que seja paga a reparação dos cabos. A empresa terá,
assim, direito a uma indemnização pela destruição dos cabos e por aquilo que deixou de ganhar em
consequência da mesma.
3. A única dúvida que resta é acerca dos direitos da fábrica. Suponha-se que estavam em
produção peças que ficaram estragadas. Relativamente a essas peças, está preenchido o requisito da
ilicitude, pois a fábrica tem sobre elas um direito de propriedade, que é um direito absoluto e que foi
atingido. Quanto a isto não há também dúvidas; porém, o problema maior foi que a fábrica deixou de
produzir, deixou de poder satisfazer encomendas e sofreu outros prejuízos diretamente decorrentes do
corte dos cabos. No que é atinente a este aspeto, não há nenhum direito absoluto atingido, apesar de
haver lesões ao património. São danos patrimoniais puros.
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Em suma, não é atingida nenhuma das figuras utilizadas pela lei para delimitar a ilicitude, que
no nosso sistema não abrange todo o tipo de dano. Há da nossa parte uma grande precisão no que
toca ao âmbito da ilicitude, o que faz sentido visto ser necessária alguma previsibilidade em termos
de responsabilidade civil. No entanto, em termos de resultado, não é uma solução brilhante, pois há
grandes danos patrimoniais sem que haja direito a indemnização. Para contornar isso e resolver a
questão, foi sustentada a existência de um “direito à empresa”, que implica o exercício da atividade
normal por essa mesma empresa. Não é unívoco, mas é uma forma de resolver a questão.
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Não será, pois, neste plano que se pode contestar o requisito da ilicitude nem é nele tão-pouco
que se deve descortinar a sua principal função. Esta traduz-se antes, ou fundamentalmente, em ser por
via da ilicitude que se pode sobretudo (senão só) determinar o responsável no ato omissivo ou naqueles
casos (ilícitos) em que o resultado acabe por ter como causa próxima um ato de alguém sem culpa, um
evento natural ou até um ato do próprio lesado.
Mas, volta a acentuar-se, e queremos terminar assim este ponto, que a ilicitude de uma ação
ou de uma omissão existe independentemente de haver culpa ou não. Uma vez que a culpa se refere
no seu conteúdo à ilicitude, se liga a esta, isso exclui que a ilicitude, por seu turno, tenha a ver ou seja
condicionada pela culpa.
O abuso do direito.
Segundo o artigo 334º, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda
manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou
económico desse direito”.
O abuso do direito não está previso na lei como uma modalidade específica da ilicitude.
Está previsto em termos genéricos no artigo 334º do Código Civil, que consagra uma consagração
objetiva de abuso de direito, sem que seja necessária a consciência por parte do sujeito que está a
exercer abusivamente aquele direito. Nos termos dessa cláusula geral, temos aqui uma atuação que
manifestamente viola a boa fé ou os bons costumes ou a finalidade económico-social do direito. O abuso
de direito foi consagrado entre nós com uma amplitude muito grande.
Segundo a conceção objetiva do abuso de direito, não será suficiente todo e qualquer prejuízo
para outrem. Será sempre de exigir aqui, como de resto, frisava Manuel de Andrade, que o direito
seja exercido em termos abertamente ofensivos da justiça. Na aferição do exercício do direito, há o
recurso aos valores ético-sociais espalhados pela comunidade (e isso enquanto a lei manda atender à
boa-fé e aos bons costumes) e, bem assim, ao quadro de princípios que informam o sistema jurídico
constituído (e, neste plano, na medida em que o titular do direito deve obediência à finalidade social e
económica do direito em si). Por isso que o estado de espírito do agente (intenção, natureza dos
motivos) seja de considerar nesta própria valoração ético-legal. Pode dizer-se, contudo, que a
indemnização de perdas e danos será o efeito comum ou normal do exercício abusivo de um direito.
Para Andrade, a combinação dos elementos subjetivos e objetivos aparecia, se bem
pensarmos, de uma forma mais patente: haveria, para este autor, abuso de direito, sempre que o
comportamento do titular dele, por fatores objetivos “ou subjetivos”, ou duma e doutra natureza, se
revelasse como gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na
comunidade. E, quanto ao valor dogmático da figura em apreço, era bem claro: se as consequências que
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advêm para o titular do direito abusivamente exercitado são as mesmas que se produziriam se o direito
de todo em todo lhe faltasse, a noção de abuso do direito não passa de um mero expediente interpretativo.
Seja o que for, o que nos parece é que o efeito do abuso de direito não deve ser fixado de
maneira igual para todas as situações. Por isso mesmo que esse efeito possa ser um simples dever de
indemnizar (e, claro, se há a culpa reclamada pelos princípios gerais da responsabilidade civil) ou a
possibilidade de se exigir mesmo a restituição das coisas ao “statu quo ante” – se não puder dizer
que o titular do direito tira uma utilidade legítima do abuso. Ou nem uma coisa nem outra, ou pelo menos
não só, e uma vez que as potencialidades abertas pela figura para repor a justiça no relacionamento
intersubjetivo são enormes. Alguns exemplos:
1. Condicionamento pela existência de abuso de direito da relevância do chamado efeito externo
das obrigações (e isto pela razão de que a responsabilidade fundada no abuso do direito nem
arranca da violação de um direito absoluto nem da violação de uma norma de proteção).
2. Impedimento a que alguém, que tenha obstado ao exercício tempestivo de um direito da outra
parte, venha inovar depois a prescrição ou a caducidade.
3. Delimitação da afetação dos lucros de uma sociedade a reservas livres.
4. Restrição ao exercício do direito de voto social.
5. Condicionamento da amortização de quota pelo último balanço que não reproduza a situação
exata do património social, ou mesmo pelo seu valor nominal, em obediência a cláusula
estatutária nesse sentido.
6. Obstáculo a que se invoque a nulidade por falta de forma. A solução aqui parece dever meter-se
nas calhas representadas pela ideia de que a disposição legal relativa à forma “não se destine, no
caso, a um fim de segurança ou certeza jurídica inconciliável com a eficácia da declaração não
formalizada (o que se dará, por exemplo, com o contrato de compra e venda de bens imobiliários,
mas já não, por exemplo, se a lei exigir fiança por escrito e o fiador a prestar verbalmente). É
claro que, de qualquer modo, sempre ficará neste caso aberta a porta, na maioria das hipóteses,
para um pedido de indemnização com base na infração de um dever de conduta.
Na nossa jurisprudência encontram-se ainda, para além das situações que se deixam subsumir aos grupos
que vêm de ser apontados nos números antecedentes, hipóteses isoladas, consubstanciadoras, porém, da
filosofia da figura do abuso do direito. Neste âmbito se deixará enquadrar com facilidade a impugnação
de uma perfilhação ou a propositura de uma ação de estabelecimento de paternidade em que os respetivos
autores, mesmo que titular de um interesse na procedência da ação, tenham agido manifestamente, no
exercício dela, contra a boa fé ou o fim social do direito que lhes cabe.
Quais são as consequências do abuso de direito?
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Depois temos um conjunto de outros casos previstos na lei como factos ilícitos
especialmente consagrados nos artigos 484º a 486º. O Código Civil, além de estabelecer no artigo
483º critérios gerais para a delimitação do que seja um ato ilícito, prevê alguns casos específicos
de ilicitude, tais sejam a ofensa do crédito ou do bom nome (artigo 484º), os conselhos,
recomendações e informações (artigo 485º) e as omissões (artigo 486º).
No que concerne às omissões, ou seja, pelo que toca à conduta omissiva, é expresso o
artigo 486º em dizer que a omissão só dá origem a um dever da reparação “quando havia,
por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido”. Quando é que
estamos face a uma omissão relevante em termos de ilicitude? Quando havia por força da lei ou
negócio jurídico de praticar ato omitido. Se este não foi praticado, se essa omissão culposa gerar
danos, o sujeito é obrigado a indemnizar.
Segundo Larenz, não existe um dever geral de defender outrem de danos possíveis.
Um tão largo dever, diz, não seria, em regra, praticamente de cumprir; seria ilimitado. Se noto que
o meu vizinho de mesa come ou bebe mais do que o que pode suportar, não é um dever adverti-
lo; ele veria nisso uma intromissão intolerável. Um dever de afastar o perigo existe, porém,
quando alguém legal ou contratualmente, é obrigado a cuidar e a vigiar outrem. Além disso,
a jurisprudência alemã desenvolveu o princípio de que aquele que no tráfego cria ou mantém uma
fonte de perigo é obrigado a tomar as medidas necessárias para afastar esse perigo. Nasceu
floresceu, assim, a doutrina dos “deveres de segurança no tráfego” ou “deveres de prevenção
do perigo delituais”, que mereceu acolhimento por parte da nossa doutrina e jurisprudência.
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fortuito ou por facto de outra pessoa, e o dono dessa casa não os libertar, apesar de saber que aí se
encontram encerrados. Vaz Serra entende, por seu turno, que, se há inexistência de motivo sério
para não agir (e se há também a representação do perigo existente e que se irá consumar) e ocorre
dano grave, deve ser imposta ao que se abstém de atuar uma indemnização equitativa.
Eduardo Correia, e é, como bem se sabe, fundamental a resposta que o Direito Penal dê
para aqui, opina no sentido de que a omissão só pode julgar-se como punível quando o dever de
ação (senão expresso) seja pelos menos reflexo de qualquer norma do ordenamento jurídico, não
bastando, por isso, para a tutela penal, quaisquer exigências de convívio social. E será, ao fim e
ao cabo, por uma doutrina deste tipo que se poderá, ainda hoje, balizar o limite máximo da
incriminação por omissão. E tudo isto porque, se bem se reparar, o que o Código Penal de 1982
fez foi, em última análise, reproduzir a esse propósito, no essencial, o Código Civil.
Por exemplo: abertura de valas –havendo uma vala, se o sujeito não for avisado pode cair.
O individuo que abre a vala tem de remover o perigo e quando tal não seja possível deve avisar
da existência do perigo. Outro exemplo, suponhamos que um sujeito está a lavar o chão de uma
superfície onde circulam pessoas- uma pessoa se não souber pode cair, logo o sujeito tem de avisar
que a superfície está molhada.
Quanto à ofensa do crédito ou do bom nome, este artigo (artigo 484.º) diz expressamente
que “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de
qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados”. A lei não faz, assim,
diferença sobre a veracidade ou não do facto.
Pessoa Jorge entende, porém, que só existe responsabilidade se o facto imputado não
for verdadeiro. Antunes Varela e Menezes Cordeiro vão, ao invés, pela não aceitação da
“exceptio veritatis”. No mesmo sentido se pronuncia também Almeida Costa, ressalvando, no
entanto que sempre que esteja em causa a proteção de interesses legítimos parece de admitir
a “exceptio vertatis”. A lei alemã, essa afirma o princípio de que a difusão de factos prejudiciais
só envolve a responsabilidade de quem leva a cabo se, para alem dos factos serem inverídicos,
houver culpa no desconhecimento da “inverdade” deles.
Positivamente que se não desconhece que pode prejudicar-se mais propalando factos
verdadeiros que usando mentiras ou falsidades. Mas, dada a omissão no dispositivo legal de
uma referência à culpa do agente (nós entendíamos que a difusão de factos verídicos só devia levar
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Ou seja: Ribeiro Faria, assim como o professor, defendem que do ponto de vista da
delimitação da ilicitude, quando estejamos face ao facto verdadeiro, só uma atuação dolosa
devia estar aqui incluída. A lei não limita com base no elemento da culpa o âmbito da ilicitude.
Isso significa que poderíamos estar a responsabilizar um sujeito que negligentemente divulgou
um facto que é verdadeiro, mas atinge o crédito ao bom nome de uma pessoa, o que seria alargar
muito o âmbito da ilicitude. Apenas quando há atuação dolosa é que deveria haver lugar à
responsabilidade e não quando a atuação é negligente.
A justificação da ilicitude.
Nem todo o ato típico é um ato ilícito. O ato danoso não é antijurídico, desde logo,
quando praticado no exercício de um direito, pois, se o agente tem direito de o praticar, não
atua contra a ordem jurídica. Larenz diz, a este propósito, que não há antijuridicidade quando
o ato é justificado por um direito subjetivo público ou privado (poder de autoridade, penhor).
O nosso Código Civil (artigo 225º/2) refere expressamente que, se os direitos em colisão
forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior. Por isto
mesmo é que não atua ilicitamente o caçador que penetra na propriedade alheia, munida de licença
para caçar, ou o proprietário que priva o dono do terreno inferior ao seu do uso da água que este
vinha, por tolerância daquele, a fazer. Mas repare-se que não atua ainda ilicitamente quem, no
caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legitimas da autoridade,
satisfaz o dever ou a ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrifica.
Este aspeto, que assume uma importância decisiva no plano da linha funcional hierárquica, deve
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consentir, todavia, a limitação de que o dever de obediência cessa quando conduz à prática de
um crime. Por isto mesmo é que também não atua ilicitamente o oficial de justiça que, munido
do adequado mandado judicial, prende alguma pessoa. O dever público de prender sobreleva ou
sobrepõe-se aqui ao dever de não manter preso, deter ou de alguma forma privar alguém da sua
liberdade (artigo 158º do Código Penal).
Mas, por tudo quanto se bem de dizer, aparece já bem claro que o juízo de tipicidade
formulado sobre um dado comportamento humano, na base e à luz do artigo 483º (violação
de um direito subjetivo de outrem ou de normas de proteção), só será um juízo de ilicitude (final)
quando não concorrerem, no caso, causa justificativas do facto típico – e entre as quais,
enquanto causas justificativas de índole geral, se contam, desde logo, o exercício de um direito
“superior” ou a satisfação de um dever de “valor igual ou superior ao do dever sacrificado”.
De resto, basta atentar no artigo 36.º/1 do Código Penal: “Não é ilícito o facto de quem,
em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas de
autoridade, satisfazer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que
sacrificar”. Contudo, ao lado destas causas justificativas de ordem geral, a ilicitude pode ainda
ser afastada por causas especiais justificativas do facto, que resultam menos da aplicação dos
princípios que vimos de referir que da consideração de interesses típicos concorrentes em certas
condutas humanas lesivas de interesses alheios.
Ação direta.
Está prevista no artigo 336º. O fundamento que subjaz a esta figura jurídica reconduz-se,
no entendimento de uma parte significativa da doutrina de Além-Reno, à formulação, com carácter
genérico, de soluções concretamente estabelecidas para certos casos particulares pelo próprio
legislador: entre estes, o direito de proteção que ao proprietário é concedido (por via de atuação
própria e sem recurso, portanto, aos tribunais) de se restituir à posse dos objetos furtados logo a
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seguir ao furto; o direito, ainda nas mesmas condições de exercício, que fica na titularidade do
proprietário ou do possuidor, quando os objetos furtados são depostos em propriedade alheia, sob
indemnização, como é óbvio, dos danos porventura causados com a apreensão de “motu proprio”;
por fum, o direito que usufrui o apicultor de perseguir o enxame, que fuja das suas coleias para
terreno alheio. Todos estes preceitos estariam na base do 229 do BGB, segundo o qual é
legítimo o uso dos próprios meios de atuação sempre que a realização do direito próprio não
seja possível fazer-se pelo recurso à força organizada do Estado, ou só o sejam em
circunstâncias substancialmente mais desvantajosas.
São estes os princípios que encontramos também no nosso direito positivo, embora
possamos afirmar que o nosso legislador não só foi mais rigoroso na delimitação concetual da
figura como, por isso mesmo, lhe concedeu uma soma de requisitos ou pressupostos maiores.
Importa dizer, todavia, e desde logo, que o princípio da autodefesa que o artigo 336º
consagra se reveste de um cunho de exceção. A regra da administração da justiça é que ela seja
efetivada por via dos mecanismos predispostos a esse fim pelo Estado (o artigo 1º do Código de
Processo Civil proíbe a autodefesa: “A ninguém é lícito o recurso à forma com o fim de realizar
ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei”). Daí que o
artigo 336º seja expresso em afirmar que a licitude do recurso à força, com o objetivo de
realizar ou assegurar o próprio direito, só se verifica se a ação direta for indispensável para
isso, por ser impossível recorrer em tempo útil aos meios coercitivos normais.
Da análise do artigo 336º resultam claramente quatro pressupostos para que se possa
falar de ação direta. Por um lado, e desde logo, tem de estar em causa, como se vem de resto
de dizer, a realização ou proteção de um direito próprio (mas apenas de um direito privado);
por outro lado, é imprescindível, para a existência da figura, a “necessidade” da atuação
substitutiva do particular e daqui já se depreenderá que não poderá haver ação direta se o
direito que se pretendia assegurar não for suscetível de dar lugar à coação ou realização
judiciais; e precisa ainda a adequação da conduta do agente ao prejuízo, e no sentido de que o
agente não deve exceder, como diz a lei, o que for necessária para o evitar; por fim, a ação
direta não é licita “quando sacrifica interesses superiores aos que o agente visa realizar ou
assegurar” (artigo 336º/3).
É a lei ainda que se refere aos atos em que se pode traduzir a ação direta. Ela poderá,
assim, consistir na “apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa” ou reconduzir-se,
por outro lado, “à eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou
outro ato análogo” (por exemplo: se alguém faz menção de me impedir a recuperação do chapéu
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que me acaba de cair ao rio, poderei usar da força para o desviar desses intentos). Há quem entenda
mesmo que a detenção do obrigado é possível (e este tem sido até o caminho trilhado pelo direito
alemão). Pela nossa parte, entendemos que, não obstante os dizeres da nossa lei (e até por força
dos princípios constitucionalmente estabelecidos), a detenção do obrigado não parece que deva
admitir-se fora dos casos em que, nos termos da lei penal, é possível a detenção pelos particulares.
No que toca aos efeitos da conduta levada a cabo a coberto da figuração conceitual em
causa, não só sucede que ela passa de fruir do cunho de licitude, como, por outro lado, que não
tem lugar a indemnização pelos danos que, com ela, venham a ser causados (é claro que, em nosso
entendimento, a dispensa de indemnização o é apenas em relação aos danos no património do que
dá causa ao uso da ação direta). No caso de ação direta putativa (quando há um erro nos
pressupostos da ação direta), se o agente não tiver procedido com culpa, tão-pouco é ainda
exigível qualquer indemnização (artigo 338º).
Pode dar-se a circunstância do agente estar em erro em relação aos pressupostos da ação
direta (acha que se verificam, mas não estão preenchidos). É um caso de ação direta putativa –
leva à obrigação de indemnizar, porque não se verifica a ação direta, salvo quando se possa
considerar que esse erro é desculpável – 338º.
Legítima defesa.
Dispõe o artigo 337º que “se considera justificado o ato destinado a afastar qualquer
agressão atual e contrária à lie contra a pessoa ou o património do agente ou de terceiro, desde que
não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo ato não seja
manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.
Deste artigo se retiram, desde logo, os requisitos desta figura jurídica: é preciso que a
conduta seja a resposta a uma agressão que, por sua vez, tem de participar dos requisitos da
atualidade e da ilicitude. Por isso mesmo é que não é possível a legítima defesa contra a legítima
defesa – neste caso falta a ilicitude de agressão. Quanto ao critério para se aferir da qualidade
de atualidade, ele tê-lo-á que ser em função da teleologia do instituto, e por essa razão é que
aparece como satisfatório dizer-se que o ataque há-de considerar-se perdurante enquanto seja
de temer uma repetição do ato do ataque, por exemplo um tiro.
Sobretudo no Direito Penal, e não apenas lá, discute-se se a defesa contra a agressão de
um não imputável integra a figura jurídica da legítima defesa ou, pelo contrário, a do estado de
necessidade (o fulcro da questão reside, como é óbvio, no relevo a dar à inimputabilidade do
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agente). A melhor solução parece ser, porém, a de fazer intervir para aqui a legítima defesa
(neste sentido, também Cavaleiro de Ferreira), e pela razão suficiente de que, não se cobrindo os
dois institutos na tutela que prodigalizam, não deve tratar-se neste caso (porque as razões aparentes
o não deixam) de forma menos protetiva e defendente.
O estado de necessidade.
O conceito desta figura jurídica é-nos dado pelo artigo 339º. Deste artigo resulta, desde
logo, que o conceito anda ligado:
A prática de um ato em estado de necessidade acarreta consigo a licitude dele. E daí que
não seja, desde logo, possível usar-se mais contra esse ato a legítima defesa. Mas o que sucede é
que não há aqui, como, por exemplo, na legítima defesa, uma qualquer agressão, havendo,
contudo, um sacrifício de interesse em benefício de alguém. Daqui que se imponha nuns casos,
e se admita noutros, a indemnização dos danos causados. É isso, de resto, que faz a nossa lei,
a que dispõe, ao contrário de outros entendimentos possíveis, que o dever de indemnização recai
todo sobre o autor do dano se o perigo for provocado por sua culpa exclusiva, já que, em
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qualquer outro caso, o tribunal pode fixar uma indemnização equitativa e condenar nela
não só o agente como aqueles que tiraram proveito do ato ou contribuíram para o estado de
necessidade (artigo 339º/2).
Se esta solução o é em termos de trazer para as coisas a necessária justiça, e isso, como é
óbvio, dado o poder de individualização posto ao alcance do julgador, nem é ela, porém a única
nem sequer a geralmente seguida. É que, para muitos autores, o dever de indemnizar recai sobre
o agente, pois é ele que causa o dano. Conquanto este o faça para defesa dos interessados de
outrem, dizem, sempre é certo que é ele quem pratica o ato causador do dano.
Larenz entende que resulta que o dever de indemnização tem de caber àquele cujo
interesse mais forte é preferido, e, portanto, ao beneficiário pela intervenção autorizada. O
caso real de que Larenz parte para a sua conclusão, de resto deveras ilustrativo do jogo de
interesses que se podem mover aqui é o seguinte: o vestuário de A, que está sentado ao fogão,
toma-se das chamas. O seu vizinho de lugar, B, tira do cabide o casaco de peles de C e apaga com
ele o fogo. O casaco é danificado. Diz Larenz, antes de ser levado à conclusão que se referiu, que
a teoria absolutamente dominante considera aqui o agente, portanto B, responsável. Mas segundo
ele mal. É que é o beneficiário da lesão que, em seu entender, deve responder por ela.
A nossa lei se não exclui esta solução, vai ao ponto de permitir ao juiz uma amplitude
de individualização na atribuição do dever de indemnização, suscetível de fazer encontrar
sempre a justiça do caso. Os dizeres da lei são, na verdade, passíveis de uma interpretação
alternativa (ora no sentido de responsabilizar o agente, ora de responsabilizá-lo a ele e ao
beneficiário, ora de responsabilizar simplesmente o beneficiário) e não necessariamente
cumulativa.
O consentimento do lesado.
Está previsto no artigo 340º, que dispõe que “o ato lesivo dos direitos de outrem é lítico,
desde que este tenha consentido na lesão. O consentimento do lesado não exclui, porém, a ilicitude
do ato, quando este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes. Tem-se por
consentida a lesão quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo a sua vontade
presumível”.
Este dispositivo legal citado faz a consagração da ideia de que, se a responsabilidade civil
se destina a tutelar interesses privados, deve ser lícito, em princípio, ao interessado renunciar
a essa tutela, afastando, assim, a antijuridicidade do ato com que terceiro lese os seus
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interesses. É este o motivo por que o consentimento do lesado exclui a ilicitude. E daqui deriva,
desde logo, que tal eficácia só é admissível quando os direitos em causa sejam disponíveis,
isto é, quando se possa renunciar à tutela efetuada por eles. A irrenunciabilidade pode derivar
tanto de uma proibição legal como dos bons costumes.
Por isso mesmo é que Larenz, a este propósito, diz que é de justificar a intervenção médica
tecnicamente exata quando falta consentimento do paciente, caso ela seja absolutamente
necessária. Como acrescenta que as disposições da gestão de negócios podem ser aqui
verdadeiramente aplicadas.
De tudo quanto se vem dizer, não sobrevem a irresponsabilização do médico que pratica
a eutanásia, mesmo que o doente tenha nela consentido (está em causa um direito, o direito à vida,
que é de si indisponível). Problemas têm sido levantados neste domínio também relativamente
aos riscos que acompanham certas práticas desportivas (embora se tenha entendido que há,
nestes casos, um consentimento tácito recíproco dos praticantes ou contendores). Diferente de
toda esta questão, embora lhe seja próxima, é a daquelas situações de consentimento coativamente
prestado (caso, por exemplo, de uma servidão de passagem legal).
3. A CULPA.
A culpa assenta sobre a conduta do agente – uma coisa é o agente que pratica o ato,
outra coisa é o ato em si.
Ora, posto isto, o sujeito não responderá se no momento em que o facto ocorreu ele se
encontrava incapacitado de responder ou de querer (artigo 448º). Claro que se o sujeito se colocar
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propositadamente num estado de incapacidade, ele responderá pelos atos ilícitos por si praticados
(imaginemos que A se embriaga e destrói o carro de B).
No entanto, a lei permite que o próprio menor inimputável possa responder no âmbito
de uma responsabilidade por factos ilícitos atenuada (é o que decorre do artigo 489º); deste
modo, é possível afirmar essa responsabilidade relativamente ao vigilante e, quando o inimputável
tenha meios para responder (por exemplo, criança que recebe uma herança), ele pode responder.
Quando assim for, e quando seja o inimputável a responder (o que vai sempre depender do caso
concreto), ele fica sub-rogado ao vigilante, ou seja, esse crédito passa a valer face ao vigilante
(isto é, a obrigação de indemnizar que recai sobre o menor, uma vez realizada pelo vigilante, vai
passar a valer face ao vigilante, pelo que o vigilante terá um crédito que o menor terá de mais tarde
satisfazer). A lei consagra aqui, no entanto, um limite: a indemnização deve ser calculada por
forma a que o inimputável não possa ficar privado dos alimentos necessários ou possa ficar
sem os meios indispensáveis para o seu dever de alimentos.
Posto isto, temos que a modalidade de culpa pode ter uma importância muito grande
num conjunto de casos. Se um sujeito atuar com mera culpa, a indemnização pode ser fixada,
atendendo à posição económica do agente, abaixo do valor dos danos provocados (artigo 494º).
Havendo uma obrigação solidária de indemnizar (no caso das relações internas), o direito de
regresso mede-se em função da respetiva culpa. Por outro lado, a culpa do lesado pode levar à
redução ou mesmo exclusão da indemnização (artigo 570º). Mas para a determinação destes
aspetos é preciso atender sempre à posição do lesado e do lesante.
No que toca à graduação da culpa no âmbito da negligência, temos que a culpa pode ser
leve, grave ou levíssima. A culpa leve é a culpa padrão. A culpa é levíssima, nos casos
estabelecidos na lei, quando se exija àquele sujeito um grau de diligência maior do que aquele que
seria exigível de um bom pai de família. A culpa grave, chamada de negligência grosseira, implica
que um sujeito tenha tido uma falta de cuidado que a generalidade das pessoas teria tido – em
certos casos, a lei só impõe o dever de indemnizar nos casos de negligência grosseira ou nos casos
de dolo –, pelo que estamos a falar de um incumprimento ou de um ato particularmente chocante
em termos de ato ou de esforço necessários (são casos-limite). Sublinhe-se que tudo isto só pode
ser determinado face ao caso concreto.
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Dolo.
No que diz respeito ao dolo, em primeiro lugar, temos de ter sempre o elemento
intelectual do dolo – o sujeito tem de conhecer a ilicitude do ato (note-se que se a inconsciência
da ilicitude for censurável, ele atua com dolo). Preenchido este elemento, podemos dividir o dolo
em três tipos:
Dolo direto. O sujeito representa o resultado como possível e quer esse resultado.
Suponhamos que A quer destruir o carro de B e pega-lhe fogo.
Dolo necessário. O agente prefigura aquele resultado como efeito inevitável da sua
conduta, apesar de esse não ser o resultado que ele visa em primeira linha, mas o agente
sabe que esse resultado vai ser produzido como efeito lateral da sua conduta. Imaginemos
que A quer destruir uma embaixada, colocando lá uma bomba. Visto que no momento em
que ele lá coloca a bomba se encontram pessoas na embaixada, estas acabam por morrer.
Dolo eventual. O agente prefigura o resultado como possível, só que simplesmente ele
não confia que esse resultado não se venha a verificar. Suponhamos que A coloca uma
bomba num banco, não tendo a certeza de que o segurança do banco se encontra dentro
do estabelecimento ou não, pelo que o agente fica indiferente quanto à produção do
resultado.
O dolo eventual é diferente da negligência consciente. Na negligência consciente o sujeito
prefigura o resultado da ação como possível, mas ele confia que esse resultado não se irá
produzir. Se retomarmos o exemplo do banco, neste caso, o agente acha que o segurança
não vai lá estar no momento da explosão. Casos diferentes são os de negligência
inconsciente, em que o sujeito nem sequer prefigura o resultado como possível, devido à
falta de diligência - a diligência é integrada por dois elementos: a falta do esforço exigível
e falta de competência técnica.
Negligência.
No que diz respeito à negligência, o nosso Código Civil consagra o princípio da culpa
em abstrato, pelo que nós temos aqui de recorrer ao critério do artigo 487º, que nos diz que “a
culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em
face das circunstâncias de cada caso”.
Note-se que poderíamos utilizar também o critério do bom operador. Em primeiro lugar,
para sabermos o que é um operador temos de o introduzir numa determinada área de atividade, ou
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seja, temos de definir o âmbito da atividade que estamos a tratar e, seguidamente, definir quem é
um bom operador na área de atividade que o sujeito em questão desempenha – um bom operador
mede-se atendendo ao esforço exigível nessa atividade e atendendo à própria competência técnica
exigida (não basta que um sujeito tenha atuado com esforço e cuidado; é necessário que tenha
também a competência técnica para desempenhar determinada atividade).
Posto isto, temos que não basta situar a conduta em abstrato, sendo preciso inseri-la
face as circunstâncias do caso concreto. Suponhamos que há um acidente de viação que causa
inúmeros feridos, imediatamente transportados para o hospital. Chegados ao hospital, havia
apenas um médico disponível para operar todos os feridos, operando durante quase 48 horas
seguidas. Obviamente que aqui o juízo de exigência é muito menos acentuado do que um médico
que está a operar há 1 ou 2 horas. Portanto, temos de comparar uma conduta definida em
abstrato face à conduta que se verificou em concreto.
Sabemos que, nos termos gerais, cabe ao lesado mostrar os factos constitutivos do seu
direito, sendo que a quem cabe demonstrar a culpa é ao lesado. No entanto, a lei cria um
conjunto de situações de presunção da culpa, sendo que, nestes casos, será o lesante que terá de
mostrar que na situação em apreço agiu sem culpa (artigos 491º a 493º).
Em rigor, nesta norma, nós não temos somente uma presunção de culpa, mas duas. Em
primeiro lugar, temos uma presunção de ilicitude (o incumprimento do dever de vigilância). Em
segundo lugar, temos uma presunção de culpa (o incumprimento culposo do dever de vigilância).
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criança que rematou a bola e que parte o vidro do vizinho, em princípio, quem responderia aqui seriam
os seus vigilantes. Todavia, se passasse o tal ciclone, uma forma de afastar a responsabilidade dos pais
como vigilantes seria a relevância negativa da causa virtual. Claro está que a causa virtual configura
um caso excecional de afastamento da responsabilidade relevando apenas naqueles casos em que
a lei prevê, pois, as normas excecionais não são suscetíveis de aplicação analógica.
Por último, o artigo 493º diz respeito aos danos causados por coisas, animais e atividades
perigosas, sendo que temos aqui duas presunções: uma prevista no número 1 do preceito, e a outra
prevista no número 2 do preceito.
Quanto ao número 1, a norma diz-nos que aquele que tenha em seu poder uma coisa móvel ou
um animal com a obrigação de o vigiar, responde pelos danos que esses tenham causado a
terceiros, pelo que há uma presunção de culpa.
Normalmente, isto é relevante quando se trate de coisas móveis especialmente perigosas, que
acarretam um risco especial para terceiros (por exemplo, depósitos de combustível, máquinas industriais,
venenos, etc.). No entanto, é possível afastar a responsabilidade caso se prove que não houve culpa e
que, mesmo que se tivesse utilizado a diligência exigível, se teriam produzido aqueles danos.
No caso daqueles que estiverem obrigados a vigiar animais, os mesmos respondem pelos danos
causados pelo animal. No entanto, o obrigado à vigilância não tem necessariamente de ser o dono,
podendo ser, por exemplo, uma pessoa especificamente contratada para o efeito, que responderá também
pelos danos causados pelo animal. Mas não é por existir uma presunção de culpa sobre quem está a
vigiar o animal que se exclui a responsabilidade objetiva que recai sobre o dono do animal – pode haver
uma concorrência da culpa e do risco com base em dano. Ou seja, a responsabilidade do dono do
animal não é necessariamente afastada pelo facto de haver culpa de terceiro.
Quanto ao número 2, este preceito consagra uma presunção de culpa quando os danos
decorrem de atividades perigosas que o sejam ou pela sua própria natureza (por exemplo,
manipulação de explosivos, utilização de produtos corrosivos, etc.) ou pelos meios utilizados (por
exemplo, transporte de combustíveis, etc.), sendo que a determinação daquilo que seja uma atividade
perigosa ou daquilo que sejam meios perigosos tem de ser concretizada face ao caso concreto; quando
isso aconteça, podemos qualificá-los como atividade ou meios perigosos e gerar uma presunção de culpa.
Neste caso, não funciona a relevância negativa da causa virtual, pelo que para afastar esta
presunção de culpa o lesante terá de demonstrar que usou de todas as providências exigidas pelas
circunstâncias com vista a afastar e a prevenir os danos.
Discutiu-se nos anos 70 se a condução automóvel consistia numa atividade perigosa para efeitos
desta presunção de culpa. A questão foi decidida por um assento do Supremo Tribunal de Justiça,
que veio decidir que não se aplica esta presunção de culpa (o acórdão tem vários votos de vencido e foi
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amplamente criticado na altura). O raciocínio subjacente a esta tomada de posição por parte do STJ
assentava no facto de, em grande parte, a responsabilidade automóvel já estar abrangida pela
responsabilidade pelo risco do artigo 503º, que é mais favorável.
Sousa Ribeiro veio depois dizer que a responsabilidade pelo risco, embora seja mais extensa,
tinha um caráter menos intenso, porque existiam limitações à indemnização. Hoje em dia, esse aspeto
não é muito relevante, porque os limites indemnizatórios foram muito ampliados. Em grande parte, a
questão está esbatida, porque a amplitude da indemnização da responsabilidade pelo risco foi muito
ampliada.
4. DANO.
O dano é toda a perda causada em bens jurídicos, legalmente tutelados, de caráter patrimonial e
não patrimonial. Dizendo as coisas de outra forma, o dano é o prejuízo que alguém sofre nos seus bens
jurídicos por força de um comportamento ou acontecimento. É outro dos pressupostos da
responsabilidade civil à luz do 483º. Daí o interesse em ver um pouco mais de perto este conceito.
Modalidades de danos.
Dano real e dano patrimonial.
A primeira grande distinção que a doutrina costuma fazer a este propósito consiste na
contraposição entre “dano real” e o “dano patrimonial”. O dano real é o prejuízo que é diretamente
causado, in natura, nos próprios bens que são atingidos, tenham eles caráter patrimonial ou caráter
pessoal. Imaginemos que um carro bate noutro carro e causa amolgadelas, danos no motor e vidros
partidos, estes danos do acidente são danos reais. Ou seja, é a destruição, a subtração ou a deterioração
de uma coisa, material ou incorpórea.
Neste sentido, ao lado desta perspetiva ou conceito de dano, temos o conceito de dano
patrimonial que é o efeito ou o reflexo deste dano “natural” no património do lesado. Temos, uma
dedução entre a situação patrimonial em que o lesado está devido ao dano real e a situação patrimonial
que estaria se não houvesse dano real. Perante a destruição, a subtração ou a deterioração, o património
do lesado apresentará uma diferença para menos, e é a esta diferença que designamos de dano
patrimonial, pois esta redução é um dano em si. Desta forma, recortado o conceito de dano patrimonial,
ele abarca não só a diminuição do património já existente (dano emergente), como o seu não aumento
(lucro cessante).
No caso do embate dos carros, em que temos o automóvel de A que embate contra o carro de B,
causando assim várias amolgadelas e danificações, aqui o dano real são essas mesmas destruições (os
vidros partidos, as amolgadelas etc.), mas o dano patrimonial, ou seja a projeção destes danos na esfera
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do património do lesado (traduzindo uma diferença entre a situação real em que ele se encontra e a
situação hipotética em que ele se encontraria se não tivesse havido o acidente) vai consistir nas despesas
do conserto do carro, bem como as despesas resultantes por não conseguir andar de carro e, por isso,
ter de andar de transportes públicos (danos emergentes), bem como, temos ainda, p. ex. a hipótese de
o dono do carro querer celebrar um negócio com o carro e acabou por não o conseguir fazer (lucros
cessantes). Este beneficio que deixou de ser auferido pelo lesado, tem de ter uma causalidade com o
ilícito, em que aqui temos de verificar um juízo de causalidade entre a vantagem perdida e o facto
ilícito.
Os conceitos de dano real e dano patrimonial (de cálculo) não representam entidades
essencialmente opostas (não se trata aqui de uma oposição essencial), mas somente de perspetivas
diversas do dano do fenómeno do dano. Qualquer delas, porém, de importância, dado que pode ter de
escolher-se uma ou outra, consoante o propósito em mente. Se, p. ex., se diz que o dano foi causado
pelo facto ilícito, isto é, se se tem em vista o dano enquanto pressuposto da responsabilidade civil, o
que está em foco é o dano real. Como é este dano que se tem presente, quando se fala em indemnização
por “reconstituição natural”. Porém, se se considera a indemnização enquanto perspetiva de diferença,
já é o conceito de dano patrimonial que intervém. Assim, por via da reconstituição natural é o dano
real que se indemniza, mas pela indemnização por equivalente pode apenas ser indemnizado o dano
patrimonial.
Em suma, nós não temos danos diferentes! Temos perspetivas diferentes sobre o mesmo
dano. O dano real permite-nos verificar como seria feita restauração natural, já o dano patrimonial
interessa para efeitos de restituição por equivalente em que temos o cálculo e avaliação do dano em
termos patrimoniais. Mas esta restauração natural não é incompatível com a indemnização em dinheiro,
em que ao contrário do que a lei parece dizer, elas não são excludentes.
Quando se considera o dano real (enquanto diminuição patrimonial), na sua expressão
pecuniária, temos o chamado “dano de cálculo”. Mas pode pretender-se, ou que essa soma corresponda
ao valor objetivo do bem prejudicado ou lesado, ou, diferentemente, ao valor que esse bem
representava para o lesado. Tal é a distinção entre a “a avaliação abstrata” e a “avaliação concreta”
do dano de cálculo. A primeira é uma avaliação objetiva, enquanto esta é uma avaliação subjetiva, em
que se trata de apurar a diferença no património do lesado. Ou seja, temos de distinguir a avaliação em
abstrato do dano, que se determina em termos de mercado, em que vemos o valor de mercado que o bem
teria, mas na avaliação em concreto, temos de ver o valor que aquele bem tem para o concreto lesado
Há ainda questão de saber se o sujeito que danifique uma coisa usada, como vai fazer a
reparação?
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A este propósito, alguns autores preconizam que o responsável é obrigado a substituir o velho pelo
novo, indemnizado o credor a diferença de valor; outros não consideram equitativo esse critério,
sustentando que o responsável pode, se quiser, substituir o velho pelo novo, mas sem o direito de exigir
a diferença de valor. Para Ribeiro de Faria, “se o responsável é obrigado à indemnização do lesado
pelo dano que lhe causa, e pelo critério, pois, do valor que no e para o seu património tem a coisa
destruída, isso significa que este deve ser colocado na situação de obter uma coisa com um valor de
uso idêntico; donde resulta que o responsável é obrigado, em princípio, somente a dar-lhe o preço de
uma coisa usada nas condições da destruída e da deteriorada. Se, nestas condições, a aquisição não é
possível, ter-se-á de ir para o preço de uma nova, deixando à boa fé ou à equidade o dizer se sobre o
credor deve impender um encargo correspondente ao aumento de valor recebido”.
Exemplificando, em termos de restauração natural, vai se atribuir um bem com valor idêntico, p.
ex. se eu estrago um Fiat convém dar também esse Fiat. Mas nem sempre isto é possível, em que a
restauração natural não é possível. Mas com a atribuição de uma bem novo que vem substituir um bem
usado, esta diferença de valor entre um e outro tem de ser restituído por parte do lesado? Para o professor,
aqui temos uma questão que tem de ser apurada em concreto tendo em conta a boa fé e juízos de
valoração.
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ou seja, o seu interesse contratual negativo. No caso do gado, A vende a B vaquinhas doentes e elas
infetam as restantes vaquinhas de B, aqui temos já o dano da venda de coisa defeituosa, bem como os
efeitos danosos que atingiram as outras vacas.
Esta última distinção tem uma importância muito grande para efeitos da violação contratual
positiva. Poder-se-á dizer que ainda há um dano indireto, se, o credor é prejudicado na relação do
trabalho porque alguém lhe atropela um empregado.
O nosso Código Civil aceita danos não patrimoniais com uma grande extensão e permite que
indemnização seja fixada de forma interpretativa atendendo-se aos critérios do artigo 494º em que se
vai atender as circunstâncias económicas do lesado e do lesante. Aqui também temos de ter em conta
gravidade desses danos, que deve ser feita da firma mais objetiva possível.
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propriamente dita pode ainda descortinar-se na medida em que na fixação da soma o juiz tem que olhar
também à situação económica do lesado. Duvidoso é que esta situação, desde logo pelo local onde se
encontra inserta, se aplique à responsabilidade contratual.
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sofrem pessoalmente pelo impacto que a perda da vida provoca nestas pessoas. Há então
indemnizações diferentes que se referem a danos diferentes
Razões de índole legal e da própria história da disposição apontam para esta segunda opção. O
cônjuge e o unido de facto, os filhos ou os pais podem, pois, pedir uma indemnização pelos danos morais
que olhes advieram pela morte do seu ente querido, incluindo-se esta como uma das grandezas (ao lado,
eventualmente, de outros factos igualmente suscetíveis de causar ou um vexame) a tomar em conta na
fixação da indemnização que diretamente lhes é devida.
No artigo 496/4º aqui temos indemnizações de carater diferente, em que aqui não temos o dano
da morte em si: A é atropelado e sofre danos físicos, é operado e estas operações não correm bem, ele
experimenta então um sofrimento muito elevado antes da morte. Estes danos têm um caráter diferente
que não confunde com o caráter do dano da morte, pois uma coisa é a morte instantânea outra é o
sofrimento que se dá até ao momento morte. Aqui não podemos confundir com outros danos, por
exemplo, se se fica paraplégico ou com uma depressão ou traumas devido ao acidente . Aqui o professor
acusa que nem sempre estes tipos de danos foram tidos em conta, em que chegou haver indemnizações
demasiado baixas para estes danos, uma vez que estes também nem sempre foram assim tão conhecidos
na sua extensão, pelo que à medida que se foi melhorando os conhecimento de psicologia é que se foi
percebendo o verdadeiro impacto destes danos na pessoa. Nestes danos prévios à própria morte, com as
operações e o sofrimento que se inflige, também não podemos esquecer o sofrimento psicológico que
surge pela própria consciência de uma morte próxima. Para o professor isto deve ser tido em conta,
pois é um dano autónomo, mas que carece de ser delimitado.
Uma outra questão tem a ver com o sofrimento que os membros do agregado familiar sentem
pela próxima morte do ente querido, por exemplo imaginemos um pai e a morte do filho. Há aqui uma
ideia de dano de ricochete em que podemos ter danos que se refletem nos pais ou nos entes próprios do
lesado, mas que também não são indiferentes ao lesado (p. ex. uma mãe que vê o filho paraplégico).
Aqui temos danos não patrimoniais com naturezas diferentes, em que o juiz pode ter muitas dificuldades
na fixação do valor, dando uma indemnização mais elevada, mas aqui o que interessa é que ela seja o
mais exata possível.
Não pode, no entanto, deixar de se afirmar que, hoje, independentemente da aceitação da
compensação dos danos sofridos pelas pessoas enunciadas no artigo 496/2º e 3º, em consequência da
morte daquele que lhes era próximo, se continua a discutir a titularidade do direito à compensação
pelo dano da perda da vida (o dano da morte daquele que faleceu). A problemática emerge por força da
morte acarretar a cessação da personalidade jurídica do falecido e, consequentemente, a extinção do
seu principal atributo (a capacidade jurídica). Note-se que a questão se colocará só quanto ao dano da
perda da própria vida, não se colocando nem quanto aos danos intercalares (aqueles que a vítima
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sofreu entre o momento da lesão e o da morte, se esta não for instantânea) sofridos por quem morreu,
nem pelos danos que a morte dessa pessoa causa a terceiros (nomeadamente as pessoas enunciadas no
artigo 496/2º e 3º). Estes nascem (uns e outros) na esfera jurídica dos lesados: respetivamente naquele
que faleceu e no destas pessoas.
Quanto a isto encontram-se algumas respostas desencontradas na doutrina. Alguns autores
defendem que o direito à compensação nasce direta e originariamente na esfera jurídica das pessoas
previstas nos números 2 e 3 do artigo 496º. Outros afirmam que o direito é adquirido de ciuis, sendo
depois objeto de transmissão.
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tem um acidente, donde-lhe advieram ferimentos. F foi internado e, na casa de saúde, roubaram-lhe o
dinheiro. Isso aborreceu-o de tal sorte que teve de ser internado numa clínica psiquiátrica. Aqui, um
doente mental deu-lhe uma pancada na cabeça, que o vitimizou.
A pergunta que naturalmente se terá que fazer é esta: todos estes danos, sobrevindos a F, podem
dizer-se causados pelo taxista? Por outras palavras, será que em toda a sucessão cronológica dos factos,
e no seu simples encadeamento temporal, podemos ver um princípio de causalidade juridicamente
relevante?
Para responder a estas questões tivemos, em primeiro lugar, a“teoria da equivalência das
condições”. Segundo este teoria, também designada de “teoria da conditio sine qua non”, há que
distinguir, no complexo de circunstâncias que presidem ou condicionam a verificação de um dado
resultado, as circunstâncias que são indiferentes para a produção de um evento e as circunstâncias
cuja falta determinaria a não produção deste. Qualquer destas últimas circunstâncias é, segundo esta
teoria, causa do dano ou do efeito dado. É que, equivalendo-se todas elas na produção de um resultado,
isso significa que todas elas desempenharam um papel determinante para ele. E se, por isso mesmo,
nenhuma delas pode ser retirada ao processo causal sem perda do efeito ou resultado, é porque cada uma
delas é causa deste.
Acontece que esta teoria vem atribuir à responsabilidade do lesante um âmbito tão extenso ou
desmarcado. No exemplo de há pouco, isso significaria fazer responsabilizar o taxista pela morte, por
força da lesão sofrida na clínica psiquiátrica. Deste modo, oss adeptos desta teoria, neste sentido,
tentaram diminuir ou afastar os resultados desmesurados a que o jogo desta teoria conduz, usando a
ideia da culpa. Resumidamente, dizia-se que o lesante não seria responsável por todos os danos
causados, mas apenas por aqueles que podia ter previsto. Mas esta ideia também não teve qualquer
êxito.
Por tudo isto é que se intentou circunscrever o âmbito da relevância desta teoria da equivalência
das condições. Além das teses que o procuraram fazer por intermédio da culpa, e a que vimos de aludir
muito ligeiramente, aparecem ou podem contar-se outras que procuram ou pretendem o mesmo efeito,
e que por isso mesmo, se podem designar por teses ou teorias seletivas. Estão, entre estas, a teoria da
última condição (de inspiração anglo-saxónica) e a teoria da condição mais eficiente. Pois bem:
também não colhe dizer dizer-se que a causa de um resultado é a condição mais próxima ou a mais
eficaz. Porque das duas uma, ou nos movemos no mero plano naturalístico, e aí, a cegueira ao mundo
dos valores ou a tudo o que seja valoração, não traz ou não oferece nada que possa apontar para uma
cronologia significativamente diferenciada de factos ou para uma relatividade de eficácia de condições
em um condicionalismo dado, ou, então, entramos em linha de conta com um critério valorativo, mas,
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nesse caso, não podemos evitar a insegurança de um subjetivismo ou do ponto de vista particular do
observador.
Por tudo isto é que, falhando todos estes critérios, serão os juristas que têm de definir a sua
própria noção de causa. A causa, para estes será a condição que, como tal, seja considerada pelo
mundo do direito.
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normalidade, e não apenas por força de circunstâncias especialmente particulares, de todo improváveis
e estranhas ao regular curso das coisas. Por outras palavras, facto é adequado para produzir o dano,
quando dentro da normalidade das coisas e das experiências de vida, esse facto mostra-se apto para
causar um dano, em que aqui temos um regular curso das coisas.
Mas segundo uma formulação negativa de Enneccerus-Lehmann, a inadequação de uma dada
causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só
ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias. Por exemplo, temos o A que tem um
espingarda de pressão de ar e aponta para B, aqui não haveria forma de lhe causar a morte, mas B tem
problemas de coração e com este susto morre.
Rapidamente chegamos à conclusão que a formulação negativa é muito mais ampla que a
primeira, facilitando aquela formulação negativa muito mais a possibilidade de imputar o
resultado final ao lesante. Por isso mesmo é que se tem considerado como causa adequada em relação
à morte de uma pessoa o ferimento por via da qual o lesado foi internado num hospital, onde apanhou
uma gripe que redundou na infeção pulmonar que o vitimou. .
Deste modo, as duas formulações da teoria da causalidade adequada, atrás referidas, podem ter
âmbitos de aplicação diferenciados. Assim é que, por exemplo, um lesante por via de um facto lícito
deve merecer um tratamento mais benevolente que o autor de um facto ilícito. Isto coaduna-se, de resto,
com o caráter “também” sancionatório do direito civil, no 494º. E daí que se possa razoavelmente
pensar em adotar um critério de determinação do nexo causal ora mais restritivo ou mais extensivo
consoante os casos.
Em suma, qual daquelas formulações aplicamos? A formulação negativa aplica-se na
responsabilidade civil por factos ilícitos, enquanto a responsabilidade por atos lícitos e pelo risco assenta
na formulação positiva.
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não afasta o juízo de acusação, pois o facto de ele ter previso ou não é relevante. As previsibilidades
dos danos quanto ao autor não condicionam o nexo.
Em terceiro lugar, o simples juízo de adequação em abstrato não legitima a imputação
objetiva de um dano que em concreto se não insere no quadro dos riscos envolvidos pelo juízo de
adequação. O simples juízo de valoração abstrato não legitima na definição do dano os riscos
específicos que podem estar em causa. Por exemplo, A deu uma pancada a B, adequada em abstrato para
lhe causar a morte. Mas B, em mercê das suas condições físicas, não morre, mas é levado para o hospital
e ao sair de lá morre atropelado.
Acresce ainda que não se exige que o nexo causal seja imediato. Basta a causalidade mediata,
isto é, que o ato dê lugar a uma condição posterior que provoque imediatamente o dano, salvo se esta
segunda condição não estiver em relação adequada com o facto que deu lugar à primeira. Isto quer
dizer, entre outras coisas, que o ato de terceiro ou do próprio lesado, causadores imediatos do dano,
podem vir a ser imputáveis ao agente, se se puderem qualificar como um efeito adequado ao facto
(deste) gerador da responsabilidade. Assim, se por exemplo, A causar uma lesão corporal a B, ele virá
a responder pelas consequências de um tratamento médico defeituoso ou mesmo pela morte devida à
anestesia que o acidente tornou necessária. Como dizem Brox/Walker, intervenção provocada do lesado
ou do terceiro não interrompe o nexo causal.
De tudo quanto foi dito, resulta então com uma certa clareza que o nexo causal, enquanto está
em causa a imputação dos danos indemnizáveis, se constitua de muitos elos ou partes componentes.
Pressuposto para a imputação dos danos causados é que entre os elementos intermédios da cadeia se
verifique uma adequação causal. Suponhamos o seguinte encadeamento: ofensas corporais-
internamento numa casa de saúde- aí, gripe- prolongamento do internamento- furto carteira pela
enfermeira- não pagamento (por isso) de uma obrigação pecuniária- pagamento de custas judiciais. Aqui
dizem Brox/Walker: até ao prolongamento da estadia em virtude do contágio pelo vírus da gripe existe
para as ofensas corporais um nexo de causalidade. E isso porque esse contagia não está fora de toda a
probabilidade. Todavia, já é não é típico do facto do internamento o furto da carteira. Por isso é que se
interrompe, neste momento, o nexo causal.
A é atropelado por B, mas no hospital é vitima de um ato de negligencia médica que lhe causa
mais danos sofrendo uma amputação. Aqui vamos ter causalidade mediata e imediata, em que a
primeira ocorre pela atuaçao de um terceiro, em que temos o tratamento deficiente do hospital, em que
temos um facto ilícito e culposo, pelo que não pode haver um juízo de indiferença face ao dano. Temos
um ato de terceiro que provoca um dano depois do ato inicial, que foi o acidente, e a questão é saber
se pode haver um nexo de causalidade entre o primeiro facto e o segundo facto, pois não podemos ser
indiferentes aos danos finais. Deste modo, o lesante vai responder pelo danos finais, mas aqui o hospital
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ou médico não são irresponsáveis, ele também vai responder solidariamente face ao lesado, pelo que
nas relações internas vamos ter de aferir a culpa de um de outro. Aqui temos uma causalidade mediata,
mesmo através da atuação de terceiro, em que aqui se gera um nexo entre o primeiro e o segundo facto,
segundo esta teoria da causalidade adequada.
FORMAS DE INDEMNIZAÇÃO
Reconstituição natural e por equivalente.
Com base no nexo causal determinam-se os danos indemnizáveis. Esses danos têm de ser
reparados. Diz o artigo 562º que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a
situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Por sua vez, o
artigo 566º prescreve que a “indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural
não seja possível ou não repare integralmente os danos”. Temos na mão, desta sorte, os dados
necessários para a resolução das questões que aqui se suscitam.
Desde logo sobressai a ideia de que a reconstituição natural prefere à indemnização por
equivalente. Isto quer dizer que, se A amolgou o carro de B, haverá que proceder ao conserto dele por
conta de A; que, se C ofendeu corporalmente D, terá de prover às despesas com os médicos e com o
internamento, em ordem à cura de D.
Mas, afirmando a lei que se deve reconstituir o estado em que o lesado se encontraria se não
fosse a lesão, isso quer dizer, por outro lado, que, em alguns casos, é particularmente importante atender,
por exemplo, ao crescimento das espécies animais dizimadas ou ao desenvolvimento das plantas
deterioradas ou destruídas.
Naqueles casos em que a reconstituição natural não é possível (se por exemplo, ocorre a
morte da pessoa ou a destruição de um objeto não fungível) ou é ela insuficiente (o conserto de uma
viatura não indemniza o dono da falta dela durante o conserto), manda a lei que se proceda à
indemnização por equivalente. Neste caso, a indemnização calcula-se segundo a “teoria da
diferença”, como diz a mesma lei (nos termos do artigo 566.º/2): “a indemnização em dinheiro tem
como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder
ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos”.
Mas, mandando a lei atender à situação do lesado, prescreve-se, em princípio, uma avaliação
concreta do dano e não uma avaliação abstrata. Isso resulta do próprio sentido da indemnização.
Por isso é que, se A danificou um anel de B, reduzindo-o a metade do seu valor, e se este valor era de
300 à data da lesão e 500 quando o juiz tem de fixar a indemnização, nos termos do critério
legislativamente expresso, e que vimos de referir, a indemnização que terá de pagar será de 250. Ou
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seja, a diferença entre o valor que o anel teria à data da sentença (500) e o valor que a essa data (enquanto
anel reduzido de metade do valor) efetivamente tinha (250).
O que é que isto quer dizer? Quer dizer que a indemnização por equivalente faz-se ou calcula-
se por via de uma diferença. Por outras palavras, a indemnização em dinheiro computa-se pela
comparação entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida
pelo tribunal e a que teria nessa altura se não existissem danos (artigo 566º/2).
Sucede, todavia, que há exceções a esta regra de media a indemnização pelos danos. É que nem
sempre o direito civil é estritamente reparatório. O direito civil, na sua mais recente conceção, deixa-
se penetrar pela ideia de que casos há em que não é justo proceder de acordo com a paridade da
indemnização em relação ao dano. Não o será, desde logo, se as razões ligadas à censura de que o agente
é em concreto passível apontam para uma certa desculpabilização deste – até porque o lesado tenha
revelado também uma dada culpa para a produção ou agravamento dos danos. Não o será ainda, tendo
em atenção o relativismo da situação económica concorrente no agente e na vítima.
Por outro lado, e agora no plano da liberdade volitiva das partes no domínio contratual (e até na
extracontratual), ter-se-á porventura de vir a contar com a disparidade ou independência da
indemnização em relação ao dano, se houver a prefixação da própria reparação.
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que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação
económica dele e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Da aplicação desta disposição à responsabilidade pelo risco pode-se duvidar. Pela
afirmativa, é lícito contar com o artigo 499.º. Em contrário, será possível fazer intervir a natureza
especifica da responsabilidade pelo risco, em que o juízo de censura anda ausente da sua fundamentação.
O que será em todo o caso viável é mandar-se-lhe aplicar o artigo 494.º precisamente “na parte
aplicável”. Isto sucederá apenas, por isso mesmo, no tocante ao relativismo das situações económicas
do agente e do lesado.
Há casos, todavia, em que os danos causados revestem uma natureza continuada. Pode, na
verdade, acontecer que o dano se reconduza à impossibilidade do prejudicado vir algum dia mais a
exercer uma atividade, ou então, à diminuição apreciável das suas capacidades de trabalho. Nestes casos,
como é óbvio, não é fácil calcular, na data da sentença, a quanto monta o dano, ignorando-se, por
exemplo a duração, da vida do prejudicado. Por outro lado, protraindo-se no tempo a razão determinante
da indemnização, ter-se-á de acrescentar, para agudizar ainda mais o aspeto da indeterminação, a
modificação eventual da conjuntura que existia à data da apreciação da lesão.
Por isso é que alguns sistemas jurídicos deixam intervir aqui uma indemnização na forma de
renda. Savatier diz, nomeadamente, que, se em consequência de um acidente ocorrer uma deformidade
para a vítima, o juiz condenará o responsável a uma renda vitalícia cujas prestações a compensarão
anualmente do que a sua deformidade lhe faz perder.
No nosso Código Civil de 1966 não se esqueceu, a este propósito, da necessidade da prestação
de garantias por parte do lesante. Dispõe, na verdade, o artigo 567º que “atendendo a natureza
continuada dos danos, pode o tribunal, a requerimento do lesado, dar à indemnização, no todo ou em
parte, a forma de renda vitalícia ou temporária, determinando as providências necessárias para
garantir o seu pagamento”. E nem se deixa expressamente de determinar nesta mesma disposição que,
quando sofram alteração sensível as circunstâncias em que assentou, quer o estabelecimento da renda,
quer o seu montante ou duração, quer a dispensa ou a imposição de garantias, a qualquer das partes é
permitido exigir a correspondente modificação da sentença ou acordo.
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das cláusulas exclusivas da responsabilidade se fosse concorrente o dolo ou a culpa grave, ou,
estivessem em causa normas de ordem pública. Quanto à responsabilidade objetiva, defendida de
igual forma a validade de tais cláusulas, salvo se, também ainda, outro fosse o sentido da ordem pública.
Antes da apreciação do nosso direito atual a este propósito, deixe-se-nos dizer ainda que, em vez
da total exclusão da responsabilidade, as partes podem estabelecer uma prestação, que o devedor
ficará a dever ao credor no caso de não cumprir a obrigação ou de não a vir a cumprir
devidamente. É o que se chama de “pena convencional” ou “cláusula penal”. A pena convencional tem,
assim, a função de compelir o devedor ao cumprimento, mediante a ameaça de um prejuízo que será em
regra maior que o montante da indemnização calculada segundo as regras gerais.
Na ausência de estipulação em contrário, a pena só deve ser devida quando o não cumprimento
ou o não cumprimento pontual sejam fundados em causa imputável ao devedor, pois não é de presumir
que se tenha querido a pena também para a hipótese de a causa não ser imputável ao devedor. Discute-
se se se deve admitir que a cláusula penal exclua a reparação do dano excedente. Divergem ainda,
por vezes, doutrina e jurisprudência sobre o poder de o juiz reduzir a cláusula penal se ela se
demonstrar desajustada as circunstâncias.
Vejamos agora o nosso direito atual. Pelo que toca à exclusão (de todo) da responsabilidade
contratual, parece não se coadunar com o princípio da exigibilidade dos direitos de crédito, enquanto
direitos civis, a permissão de que as partes possam convencionar a sua total irresponsabilidade. Se é
certo que lhes é aberta, livremente, a via de fixarem um montante indemnizatório que pode ser inferior
ao necessário para a indemnização dos danos, aferida pelas regras gerais, e mesmo consideravelmente
menor, e isso resulta da conjugação dos artigos 405.º e 810.º/1, e se é admissível que as partes se possam
irresponsabilizar pelo próprio dolo dos seus auxiliares, desde que não estejam em causa princípios de
ordem pública (artigo 800º/2), parece porém não ser viável permitir-se-lhes a exclusão total da
responsabilidade contratualmente assumida.
Mas, ao que pensamos, poder-se-á já trilhar um caminho diferente quanto à responsabilidade
civil extracontratual. Ponto é que nem estejam em causa limites legais que apontem num outro sentido
(a exemplo do já citado artigo 800º/2, na sua parte final, ou do artigo 504º/4, que, entre nós, se opõe à
exclusão (ou limitação) da responsabilidade do transportador pelos acidentes que atinjam a pessoa
transportada em veículos de circulação terrestre) ou que se trate de atos dolosos. Questão diferente é a
do alcance prático de tais cláusulas de exclusão.
Pelo que toca à questão da chamada cláusula penal, admite-a expressamente a nossa lei (art.
810º/1). Mas, por um lado, contra a opinião de c, há pouco referidas, e, por outro, contra a do nosso
antigo direito, nem se permite hoje, entre nós, a integração do montante penalmente clausulado pelo
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dano excedente (salvo se essa for a convenção das partes) nem se impede ou veda ao juiz a redução da
cláusula penal, se este a considerar excessiva (arts. 811º e 812º).
Nem sempre o Direito Civil é estritamente reparatório. Há situações em que não é justo proceder
de acordo com a paridade da indemnização em relação ao dano. Uma destas situações é, desde logo,
quando há um certo grau de culpa do lesado, ou quando há uma certa desculpabilização da conduta do
lesante. Estas situações levam à necessidade de nos desviarmos desta teoria. Ou seja, em certos casos, a
indemnização não vai cobrir integralmente o dano. Isto pode acontecer em duas situações.
1. Artigo 494º. Quanto ao grau de culpa do lesado (494º). Se a responsabilidade se fundar em
mera culpa (não pode ser dolo), a indemnização pode (não tem de) ser fixada equitativamente
em montante inferior aos danos. Por isso, atende-se, em primeiro lugar, ao grau de culpabilidade
do agente, às circunstâncias económicas do lesante e do lesado e às demais circunstâncias do
caso. Nestes casos, o tribunal pode fixar uma indemnização que seja inferior ao valor do
dano recorrendo a critérios de equidade. Para isso, há que atender não só à mera culpa, mas
também ao grau de culpabilidade (culpa leve, culpa grave) e às situações económicas do lesado
e do lesante e às outras circunstâncias do caso.
Esta norma não é de aplicação imediata nem necessária, pois a sua aplicação significa que
não se vai reparar a integralidade do dano. Vai-se deixar parte do dano a cargo do lesado. Esta
norma só se pode aplicar se verificados os pressupostos e de forma limitada. Se houver mera
culpa, mas também quando razões ponderosas às situações do caso possam justificar a fixação
de uma indemnização inferior ao dano. Não se pode aplicar aos casos em que há apenas culpa
leve.
Esta norma é uma exceção à regra. A indemnização tem de cobrir a totalidade do dano. Há
situações que justificam excecionalmente que a indemnização seja afixada abaixo dos danos.
Tem de se atender aos outros elementos.
2. Concurso da culpa do lesado (artigo 570º). Resta-nos fazer referência à hipótese do artigo
570º. Antes disso, diga-se, porém, que é orientação quase sem exceção dos sistemas legislativos
modernos fazer depender a indemnização a arbitrar da culpa do lesado. Em certos casos, a
conduta do lesado pode ter contribuído ou para a produção do dano ou para o agravamento do
dano.
Se é orientação dominante esta de fazer depender a indemnização da comparticipação do lesado
na produção dos danos, costuma, todavia, pôr-se para isso algumas condições ou pressupostos.
Por um lado, exige-se que o facto do prejudicado se possa considerar uma causa (concausa)
do dano ou do seu aumento, em concorrência, pois, com o facto causal do lesante. Esta
concausalidade existirá, por exemplo, se A, conduzindo o seu automóvel a uma velocidade
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excessiva dentro de uma povoação, atropela B, que sai atabalhoadamente de sua casa e sem
qualquer atenção pelo sinal acústico efetuado.
Suponha-se que A conduzindo em excesso de velocidade atropela B sendo certo que B atravessa
a rua fora de uma passadeira. Temos aqui responsabilidade, mas temos uma atuação culposa
do lesado, que é concausa do dano. A atropela B, B tem de ser tratado hospitalmente, B não
obedece às prescrições do médico e fica com uma deficiência na perna que não teria ficado se
seguisse as indicações do médico. A atuação deste sujeito é concausa do agravamento do dano.
Diz-se nestes casos que há culpa do lesado, não porque possamos afirmar que esta culpa se
afirma em termos semelhantes aquela que acontece no âmbito da responsabilidade civil
extracontratual. O lesado não infringe um dever, mas ele tem um ónus.
Mas também se exige que o lesado tenha procedido culposamente. Nesta situação, em que
se não transgride qualquer dever jurídico, culpa quer significar simplesmente que o
prejudicado omitiu a diligência com que poderia ter impedido o dano. Deve entender-se,
todavia, que, se o responsável procedeu com dolo, haverá que negar a relevância da simples
culpa do lesado (se A roubou uma coisa pertencente a B, não se poderá pretender a redução da
indemnização só porque B não usou das cautelas exigíveis na guarda dela).
Esta culpa vai-se determinar em circunstâncias semelhantes aquelas que valem para os casos da
fixação da culpa no âmbito da responsabilidade civil extracontratual. O sujeito deve atuar aqui
de forma a não ser concausa do dano ou não levar ao agravamento do dano. Em ambos os casos
houve uma atuação censurável por parte do lesado. Há uma violação da diligência que aquele
sujeito deveria ter face aquilo que um sujeito diligente, cuidadoso deveria ter para impedir o
agravamento do dano. É necessário que a atuação tenha sido concausa do dano (que gerou aquele
dano) e que a atuação tenha sido censurável. Até pode ter sido concausa do dano e não ser
censurável. Estes dois elementos são cumulativos e têm de ser verificados face ao caso concreto.
Verificando-se estes dois elementos, a lei permite que atendendo às culpas e às consequências
dessas culpas, a indemnização possa ser totalmente atribuída, reduzida ou afastada. É preciso
verificar qual o grau da culpa de cada um dos sujeitos e é necessário verificar quais as consequências
dessas culpas para a produção do dano. Aquilo que o professor tem muitas dúvidas é que não se
ponderem todos estes elementos e se atribua logo o efeito da concausalidade e depois verificar se há ou
não culpa do lesado naquelas circunstâncias. É preciso demonstrar que aquilo teve mesmo influencia no
resultado. Os dois critérios são estes, é necessário verificar o grau das culpas e as consequências das
culpas. Articulando todos esses elementos a indemnização pode ser excluída, reduzida ou mantida. Tem
de se demonstrar e depois ver se há culpa ou não do lesado.
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Esta norma exige estes dois requisitos. E ainda assim, mesmo preenchidos, a indemnização pode
ser totalmente concedida. Não é necessariamente pelo facto de haver culpa do lesado que a indemnização
tem de ser excluída.
Note-se, de todo o modo, que naqueles casos em que se puder afirmar o lesado agiu com dolo,
afasta-se a culpa do lesante. A culpa do lesado afasta a presunção de culpa do lesante e nesse caso não
há responsabilidade – artigo 570º/2 (“Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de
culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar”).
Artigo 571º: “Ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes
legais e das pessoas de quem ele se tenha utilizado” – Culpa dos representantes legais e auxiliares.
Artigo 572º: “Àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o
tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada” – Prova da culpa do lesado.
Mas, se é certo que o facto do prejudicado pode concorrer para agravamento do dano e se pode,
por isso mesmo, ser exigido a este, em ordem a evitar esse agravamento, o que for aconselhado pela
diligência ordinária, deve ter-se sempre presente que o prejudicado não pode ser obrigado a tomar
certas medidas só porque uma pessoa medianamente razoável as teria tomado. Vaz Serra
explicita: parece razoável, em princípio, que a vítima de uma lesão corporal importante deve consultar
um médico; mas também que a vítima só seja obrigada a submeter-se a uma operação, pelo menos
quando esta não for perigosa nem muito dolorosa, se existe a certeza ou seguras probabilidades de que
ela produzirá melhoras sensíveis e o responsável adiante o dinheiro preciso para ela. Positivamente: se
se exige que o facto do lesado seja culposo, é necessário que o lesado seja um imputável.
Acrescente-se, por fim, que o dever de indemnização resultante de uma responsabilidade pelo
risco pode ser excluído pelo facto de a vítima ter corrido, ela própria, o risco. Se alguém se expõe
conscientemente a um perigo, sem a isso ser forçado pela participação no tráfico, por um especial dever
jurídico, pela sua profissão ou por um dever moral, não lhe cabe já o fim da proteção da responsabilidade
pelo risco. Mas é claro que, em todo o caso, nesta atuação com assunção de risco, são sempre de tomar
em atenção especiais disposições de lei. Por outro lado, cabe acentuar que esta regra de assunção do
risco só é válida em face de uma responsabilidade objetiva. Senão, há que pôr sempre a questão da
culpabilidade.
Pode dizer-se que as linhas gerais acabadas de definir encontram cabimento no nosso direito
positivo, que, no artigo 570º, prescreve a relevância da conculpabilidade da vítima quanto ao montante
da indemnização a prestar- indemnização que pode mesmo, como aí se diz, vir a ser excluída.
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deixamos dito, há muito que manifestávamos entendimento favorável a quem assim fosse.
Recentemente, foi proferido um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 6/2014, de 9 de
janeiro de 2014 que acolhe esse entendimento, verificados que sejam certos requisitos. Na verdade, à
luz de uma interpretação atualista dos artigos 483º/1 e do artigo 496º/1 do Código Civil, o Supremo
Tribunal de Justiça acolheu, com finalidades de uniformização da jurisprudência, o entendimento de que
esses artigos “devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais,
particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente
grave.
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devedores, e, portanto, não num facto ilícito), que este direito (o direito de regresso) entre os
corresponsáveis (artigo 497.º) se regula também pelo prazo curto de prescrição – e com base no
argumento, certo, de que, a não ser assim, os inconvenientes seriam para aqui os mesmo que teriam lugar
se a ação do lesado só prescrevesse no prazo ordinário.
Pode dizer-se que as mais das ideias que vimos de expor, e que dissemos constituírem princípio
dominante de lei ou doutrina, encontraram eco a nível do direito constituído que hoje nos rege.
O preceito regulador desta matéria é o artigo 498º. E, à sua luz, pode ver-se que o prazo
prescricional aplicável à responsabilidade civil extracontratual é um prazo mais curto: um prazo
de três anos. Mas, e ao contrário do que se tem defendido por vezes (ver atrás), o nosso legislador não
fez relevantes para o início da contagem do prazo ou o desconhecimento da pessoa do lesante ou
da extensão do dano indemnizável. O segundo óbice é removível mediante um pedido genérico e pela
faculdade concedida ao juiz de arbitrar uma indemnização provisória (dentro dos limites dos danos já
provados à data da sentença) ou de fazer operar a liquidação dos danos em execução de sentença (artigo
609º do Código de Processo Civil).
Quanto ao desconhecimento da pessoa do responsável no termo do prazo prescricional, tudo
leva a pensar-se na via aberta pelo artigo 321º, que determina a suspensão do prazo prescricional por
motivo de força maior ou dolo do obrigado. Em qualquer caso, o decurso do prazo prescricional
ordinário faz cessar o direito do lesado (este prazo conta-se, como é óbvio, a partir do facto danoso).
Ou seja, pode não saber-se quem é a pessoa responsável pelo dano. Quando assim é, aquilo que a
doutrina tem feito é aplicar o artigo 321º. Ou seja, se no termo do prazo prescricional ainda não se tiver
conhecimento da pessoa do lesante, há uma suspensão do prazo por razões de força maior ou de dolo da
outra parte. Nos termos do regime geral, estes dois factos fundamentam a suspensão do prazo
prescricional. Nestas circunstâncias não se conhecendo a pessoa do lesante há uma suspensão deste
prazo por aplicação desta norma. Isto não obsta evidentemente a que decorra aqui o prazo geral da
prescrição que é um prazo de 20 anos. Pode dar-se o caso de estarem preenchidos os pressupostos de
responsabilidade criminal, aplica-se o prazo mais longo que decorrer da responsabilidade criminal.
A nossa lei positiva veio ainda estabelecer não só que o direito de regresso prescreve, a partir do
cumprimento, no prazo de três anos – as razões foram ditas em outro lugar- como determinar a sujeição
da pretensão civil ao prazo prescricional criminal se o facto ilícito constitui crime (art. 498º/3). Ponto
é, neste último caso, que a lei criminal consagre um prazo prescricional mais longo.
Nos termos do artigo 498º/4 do Código Civil, aquilo que sucede é que, se já tiver decorrido o
prazo prescricional da responsabilidade civil, mas por algum motivo não tiver decorrido, por exemplo,
o prazo prescricional do enriquecimento sem causa, nos casos de cumulação pode-se intentar o
enriquecimento sem causa. Geralmente, como já vimos, em casos de cumulação, prevalece a
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Por outro lado, a reparação arbitrada em processo penal tem não só uma natureza privada, mas,
mais que isso, é uma autêntica indemnização civil calculada segundo os critérios estabelecidos na lei
civil. Nomeadamente com a entrada em vigor do Código Penal de 1982, a tese que pretendia a natureza
penal dessa reparação perdeu de todo o pé. Com esse Código, e no seu artigo 129º, veio-se estabelecer
expressamente que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
Note-se que, nos termos do artigo 84º do Código de Processo Penal, “A decisão penal, ainda
que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui
eficácia de caso julgado às sentenças civis”.
Uma outra questão é a levantada aqui pela coresponsabilidade civil. A este propósito a lei
processual penal deixou de restringir a legitimidade passiva, para efeitos civis, em processo penal, ao
arguido. O artigo 73.º/1 do Código de Processo Civil prevê que “O pedido de indemnização civil pode
ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir
voluntariamente no processo penal”. No número 2 acrescenta que “A intervenção voluntária impede as
pessoas com responsabilidade meramente civil de praticarem atos que o arguido tiver perdido o direito
de praticar”.
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modo a corresponder ao tipo de conduta humana que a ordem jurídica toma a cada passo como
padrão, neste capítulo fundamental da responsabilidade civil.
A responsabilidade civil baseada na culpa, hostil à ideia fatalista do dano e da correlativa
obrigação de indemnizar, reveste assim um valor pedagógico-educativo que só há interesse em
aproveitar na disciplina da vida social.
A respeito, porém, destas considerações de ordem geral, há muito se reconheceu que, na
prática, a teoria da culpa nem sempre conduz aos melhores resultados. Há largos e importantes
setores da vida em que as necessidades sociais de segurança se têm mesmo de sobrepor às considerações
de justiça alicerçadas sobre o plano das situações individuais. Torna-se necessário, quando assim seja,
temperar o pensamento clássico da culpa com certos ingredientes sociais de carácter objetivo.
Foi no domínio dos acidentes de trabalho que o primeiro chegou a tal conclusão. O recurso
cada vez mais frequente à máquina e aos processos mecânicos de trabalho, ligado à revolução industrial,
e mais tarde à chamada revolução tecnológica, ao mesmo tempo que aliviou o carácter penoso de muitas
atividades, aumentou o número e a gravidade dos riscos de acidente a que os operários estão
sujeitos. Por outro lado, a crescente complexidade da organização das empresas modernas (com a
intervenção conjunta de técnicos, peritos, administradores, chefes de serviços, etc) e a própria diferença
de poder económico entre a entidade patronal e a grande massa dos trabalhadores, tornariam cada vez
mais difícil a estes exigir indemnização pelos danos sofridos com os acidentes, dentro dos moldes
clássicos da responsabilidade civil, por não lhes ser cómodo demandar o empresário nem fácil fazer
prova da sua culpa.
Numa primeira fase de reação contra a injustiça dos resultados práticos da orientação tradicional
(artigo 2398º do Código Civil de 1867), houve a ideia de transferir para o setor dos acidentes do
trabalho, no domínio da responsabilidade extracontratual, o princípio da responsabilidade contratual que
presume a culpa (do devedor) no não cumprimento da obrigação. Como fundamento da absorção desse
princípio, dir-se-ia que a entidade patronal, ao contratar o operário, se compromete a organizar o trabalho
de forma a não haver acidentes, a restituir a pessoa contratada ilesa no fim da sua tarefa, competindo-
lhe assim provar a sua falta de culpa, no caso de ocorrer algum acidente.
Mas o expediente não satisfez ainda, nem as reivindicações dos interessados, apoiados nas suas
organizações profissionais de classe, nem as exigências dos doutrinadores mais atentos aos problemas
da justiça social, visto não ser difícil ao patrão provar a falta de culpa relativamente a muitos
acidentes cujas consequências se considerava injusto que recaíssem sobre as suas vítimas.
Era mais funda a causa do desajustamento entre o princípio clássico da culpa e as soluções para
que os autores tendiam no setor especial do trabalho.
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responsável não seja conhecido ou em que, sendo conhecido, não tenha meios para cobrir a sua
responsabilidade.
Responsável seria sempre, em princípio, o Estado, ao qual assistiria, porém, através do
instituto público destacado para o efeito, o direito de regresso, quando houvesse culpado e este
possuísse meios por onde responder. Porém, sem contestar o peso das razões que explicam o fenómeno
da socialização de certos danos ou legitimam a aplicação da teoria do risco a certas atividades criadoras
de alguns perigos no seu exercício, não pode ignorar-se nem subestimar-se a força dos argumentos que,
em tese geral, militam a favor da responsabilidade subjetiva.
Assim o entendeu o novo Código Civil, proclamando a responsabilidade baseada na culpa como
regime geral e limitando a responsabilidade objetiva (fundada no risco) aos casos de danos causados
pelo comissário, pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas coletivas
públicas, por animais, por veículos e por instalações de energia elétrica ou de gás.
São estes os casos especiais cujo regime importa conhecer. A excecionalidade dos tipos de casos
que vão ser examinados não provém apenas de a responsabilidade do agente prescindir, em certos
termos, da culpa do lesante. Resulta ainda de ela não exigir sequer, como pressuposto necessário, a
ilicitude da conduta. A responsabilidade pode assentar aqui sobre um facto natural (um acontecimento),
um facto de terceiro ou até um facto do próprio lesado. O facto constitutivo de responsabilidade deixa,
pois, de ser necessariamente, neste domínio, um facto ilícito.
Concurso da responsabilidade contratual com a responsabilidade extracontratual ou
delitual. Já a propósito da distinção entre a responsabilidade contratual (ou obrigacional) e a
responsabilidade contratual ou delitual se fez alusão não só à facilidade com que, nas ocorrências da
vida real, se pode transitar de um para outro domínio da responsabilidade, mas também à possibilidade
de o mesmo ato revelar para o agente (ou omitente), simultaneamente, responsabilidade contratual
(violação de obrigação emergente de um contrato ou noutro negócio jurídico) e responsabilidade
extracontratual (violação de qualquer dever geral de abstenção, correspondente a um direito absoluto do
lesado).
Apesar da unificação dos dois regimes estabelecidos no nosso Código e que se reflete na
obrigação de indemnizar a disciplina destes últimos casos pode suscitar dúvidas quanto àquele aspeto
da situação em que o regime traçado no Código é diferente.
O problema tem sido vivamente discutido na doutrina estrangeira, onde se debatem duas teses
opostas: a que reconhece ao lesado a possibilidade de invocar indistintamente a modalidade da
responsabilidade que mais convenha ao efeito que ele pretende alcançar (tese do cúmulo das
responsabilidades) e a tese dos que excluem essa possibilidade de recurso simultâneo a uma e outra das
variantes da responsabilidade (tese do não cúmulo ou da não acumulação).
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indemnizar pelos danos causados a terceiros. Fixado o princípio, foi aplicado e alargado a outras áreas
de atividade.
Nos termos do artigo 499º do Código Civil, a lei manda aplicar à responsabilidade pelo risco as
regras da responsabilidade por factos ilícitos, na parte aplicável e sempre que não haja norma em
contrário – princípio da extensão.
Vejamos agora os casos de responsabilidade pelo risco previstos no nosso Código Civil.
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prestação de serviços, porque, em regra, não existe poder de direção nestes contratos. Um taxista não é
um comissário relativamente ao cliente, porque não tem poderes de lhe dar ordens. O empreiteiro não é
um comissário em relação ao dono da obra. Pelo contrário, o empreiteiro já é um comitente em relação
aos comissários que usa para a obra. Não é estritamente necessário que o comitente tenha escolhido o
comissário, pode não ter escolhido. O essencial é que aceite o comissário. Em certos casos, aquilo que
se aceita é que basta ao comitente ter o poder de dar instruções genéricas – casos em que a atuação do
comissário é marcada por aspetos de carácter técnico em que o comitente não pode intervir, por exemplo,
o poder da clínica em relação ao médico não pode interferir em elementos de carácter técnico, não
obstante, não deixa de ser uma relação de comissão em termos gerais.
Não há comissão na relação entre o dono da obra e o empreiteiro, porque o dono da obra não tem
poder de dar ordens ao empreiteiro. Assim como o cliente não pode dar ordens ao taxista, não havendo
uma comissão. O fator decisivo é a existência de um poder de direção por parte do comitente. Este
aspeto é menos claro em algumas profissões, em que este poder é muito diluído (por exemplo, na relação
entre o médico e a clínica, visto que clínica não pode dizer ao médico como proceder). Entende-se que
neste caso basta que haja o poder de dar instruções genéricas, porque se não fosse assim não seria
possível responsabilizar o comitente (clínica, neste caso) pelos atos do comissário autónomo (médico).
É também necessário que seja o comitente a escolher o comissário? Em princípio não é
absolutamente necessário. Basta que o comitente aceite dirigir o comissário, que até lhe pode ser
imposto. Tem é de aceitar dirigi-lo.
Quais os atos praticados pelo comissário que responsabilizam o comitente? Nem todos os atos
o fazem. Uma coisa é um sujeito indicar um operário para realizar uma obra e esse operário
negligentemente deixar cair um tijolo em cima de um transeunte. Num caso destes, o ato é praticado no
âmbito da comissão. Mas suponhamos agora que temos um empregado bancário, que é comissário do
banco, e que aproveita para furtar a carteira ao cliente. Neste caso, a ligação entre a função e o ato
praticado é puramente ocasional. Qual o critério adotado pela lei? Temos de atender ao artigo 500º nº2
do Código Civil – o comitente responde pelos atos do comissário praticados no quadro abstrato
das suas funções, mesmo que esses atos tenham sido realizados intencionalmente ou mesmo contra
as instruções dadas pelo comissário.
Exemplo 1 – o operário deixa cair propositadamente um balde de cimento em cima do carro de
B, que estava estacionado ao lado do andaime, porque tinha um conflito com esse sujeito. Está no quadro
abstrato das suas funções, logo o comitente responde.
Exemplo 2 – um bancário que burla um cliente do banco usando as ferramentas de que dispõe
enquanto bancário – está no quadro abstrato das suas funções. Há responsabilidade do comitente.
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Exemplo 3 – sujeito que aproveita para furtar o telemóvel ao cliente do banco; ou funcionário do
empreiteiro que agride um sujeito com quem tem conflitos e que por acaso está a passar em frente à
obra. Já não estão no quadro abstrato das suas funções. Há uma ligação puramente ocasional.
Porque é que temos uma responsabilidade objetiva do comitente face aos atos do comissário?
Esta responsabilidade visa tutelar os lesados. Eles deixam de ter um único responsável, que seria o
comissário, e passam a ter dois sujeitos solidariamente obrigados, o que significa que podem fazer valer
os seus direitos sobre dois patrimónios e não sobre só um. Na maior parte das vezes, o comitente tem
mais meios do que o comissário para responder. Nas relações internas, responde só depois o comissário,
o que quer dizer que o risco de o comissário não ter bens suficientes para satisfazer totalmente a
indemnização corre por conta do comitente. A função desempenhada pelo comitente é uma função
de garantia, ele é um garante do pagamento da indemnização. O lesado pode demandar o comitente,
o comissário, ou ambos.
Esta responsabilidade não exclui que o comitente possa ter agido com culpa. Pode ter agido com
culpa na escolha do comissário, pode ter agido com culpa nas instruções que dá ao comissário e pode
ter agido com culpa na vigilância que seja imposta face à atuação do comissário. Nestes casos, não temos
uma responsabilidade pelo risco. Temos uma responsabilidade civil por factos ilícitos. No âmbito
interno, há aqui culpas de ambas as partes em termos de repartição da responsabilidade.
Não se incluem na responsabilidade todos os atos do comissário independentemente da sua
natureza. Recorre-se ao critério do quadro abstrato das funções do comissário: a atuação dele está no
quadro abstrato das suas funções. Previsto no artigo 500º nº2. O ato pode ser praticado intencionalmente
ou contra as instruções dadas pelo comitente, desde que esteja no quadro abstrato das funções.
Responsabilidade do estado pelos atos praticados pelas outras pessoas coletivas públicas –
artigo 501.º.
O Estado e as demais pessoas coletivas públicas respondem face a terceiros pelos atos
praticados pelos seus órgãos, agentes ou representantes, desde que se trate de atos de gestão
privada. Não estão aqui incluídos os atos de gestão pública, que se caracterizam por um poder de
imperium e que têm um regime específico e diferente no âmbito do direito público (que tem um regime
específico diferente desde, no âmbito do direito público).
Órgãos deliberativos: em regra são órgãos internos, como uma assembleia geral de uma sociedade;
mas também pode haver outros órgãos, como um conselho de administração de uma sociedade, etc.
Esses são normalmente órgãos executivos, pelo que representam a pessoa coletiva externamente.
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Uma pessoa coletiva funciona por via dos seus órgãos, que são de onde decorre a vontade da
pessoa coletiva, através da deliberação, e são quem estabelecem a sua relação com terceiros. Outra coisas
são os agentes da pessoa coletiva (trabalhadores, etc.).
A responsabilidade é solidária, o que significa que a indeminização pode ser exigida a ambos
e depois, internamente, uma das partes terá um direito de regresso (normalmente o Estado) em
relação à outra.
1. A “utilização no seu próprio interesse”: em regra, quem utilizará no seu próprio interesse será
o proprietário do animal. Depois temos os casos específicos do comodato do animal e da locação do
animal (por exemplo, sujeito que aluga cavalos para terceiro; ou sujeito que aluga um cão durante
determinado período de tempo para o cão fazer a guarda de uma casa). No primeiro caso (comodato), o
entendimento da doutrina (Dar Vaz Serra e Dr. Antunes Varela) vai no sentido de que só o
comodatário é que responde. Isto porque sendo o empréstimo gratuito, o interesse na utilização é todo
do comodatário, ou seja, só ele é que beneficia do risco criado pelo animal. Situação é diferente é a
locação, porque aqui há dois interesses: um na utilização do animal (locatário, que o está a utilizar), mas
também o do locador, que receberá um aluguer. Portanto, são corresponsáveis, ambos respondem pelo
risco. Exemplo: A tem uma exploração de cavalos e aluga um cavalo a B para ele o utilizar durante dois
dias. Enquanto B passeava o cavalo, este acaba por dar um coice a C. Ambos (A e B) respondem pelo
risco.
2. É necessário também que os danos se incluam nos riscos próprios causados por aquele
animal. Diferentes animais acarretam riscos diferentes. Nós podemos utilizar um gato como uma arma
(atirá-lo contra uma pessoa, por exemplo), mas os danos que ele provocar nestas situações não são os
seus riscos próprios.
O facto de haver responsabilidade pelo risco não afasta, sempre que se verifiquem os
respetivos requisitos, a responsabilidade do vigilante nos termos do artigo 493º (presunção de
culpa). O entendimento correto (Ribeiro Faria): a responsabilidade pelo risco não é afastada
necessariamente por haver uma responsabilidade por factos ilícitos do vigilante: pode haver uma
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concorrência pelo risco do animal do dono do animal e uma responsabilidade por factos ilícitos assente
numa presunção de culpa do vigilante.
Basta que não seja afastada a presunção de culpa. A presunção recai sobre aquele que tem o dever
de vigiar ou sobre aquele que assumiu o dever de vigilância. Muitas vezes haverá uma confluência na
mesma pessoa, e aí será o proprietário a responder, mas noutros casos não.
Imagine-se que B vai passear o cão de C e que nesse passeio o cão morde a D. Haverá aqui
responsabilidade pelo risco pelo proprietário do animal? Sim, mas há também uma presunção de culpa
com base no artigo 493º que recai sobre B, que assumiu o dever de vigilância. Isto significa que a
responsabilidade face a terceiros é solidária. Porém, internamente, temos de ver o risco específico do
animal e a culpa do vigilante, de modo fixarem-se as quotas do direito de regresso. Se estivermos a falar
num caniche, o risco específico do animal é diminuto e pesará mais a culpa do vigilante.
Exemplo: o vigilante não prende o animal de forma correta e o caniche foge e causa um acidente
de viação. O caniche não é perigoso, a culpa é do vigilante. Agora, se falarmos de um dobermann, esse
já é um cão de perigo elevado, logo, a culpa não será totalmente do vigilante.
Temos depois casos em que a culpa é do lesado. Por exemplo, se estivermos a falar do cão, são
as situações em que o lesado provoca o animal. Pelo facto de haver culpa do lesado, nem por isso fica
excluída a responsabilidade pelo risco. Haverá depois é de se determinar qual a culpa do lesado e qual
o risco específico do animal. Evidentemente, a indemnização será fixada em conformidade com o risco
específico do animal e retirando a culpa do lesado. Aqui, não há responsabilidade solidária face a
terceiros, o lesado não tem de pagar uma indeminização - isso não faria sentido porque ele é que sofreu
o dano.
Temos ainda o caso em que a culpa é do terceiro. A culpa de terceiro em si também não afasta a
responsabilidade pelo risco, mas ela implica uma responsabilidade solidária face ao lesado. Nas relações
internas, mais uma vez, haverá de se determinar o peso da culpa do terceiro e do risco específico do
animal na produção do dano.
Por fim, temos aqueles casos de força maior. Por exemplo, uma tempestade ou um relâmpago
que assustam o animal e que levam a que este provoque uma lesão em alguém. Isto enquadra-se na
responsabilidade pelo risco específico daquele animal, não a afasta.
Claro que em todos estes casos, além do risco específico em abstrato do animal, temos de fazer
uma análise em concreto da situação do animal e do animal em si. Mesmo animais da mesma espécie
têm níveis de perigosidade diferentes.
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