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º SEMESTRE
INTRODUÇÃO
- É um dos cinco livros – integrantes daquela que é a sistematização germânica dos direitos 1 –
constituído pelo conjunto das normas jurídicas reguladoras das relações jurídicas de crédito, ou
também chamadas relações jurídicas creditórias!
É Direito Privado, o que significa que se baseia, além doutros princípios gerais do direito civil, na
igualdade de partes e na liberdade. No Direito Civil, em todos seus ramos, a regra é: tudo o que
não é proibído, é permitido
- Aqui o direito das obrigações possui como finalidade essencial a elaboração sistemática, feita com
espírito científico, de todas as soluções facultadas pelas normas disciplinadoras das relações de
crédito.
*Já se sabe o conceito e importância de relações jurídicas! Mas e quando as relações jurídicas
creditórias? Qual sua definição, estrutura, elementos?
Ora as RJ creditórias, são todas aquelas em que ao direito subjetivo atribuído a parte ativa,
corresponde, por outro lado, um dever de prestar2, especificadamente imposto a parte passiva.
*Ter em atenção: Noções preliminares relativamente a relação jurídica!
1
Sistematização que dividia em cinco livros, estes em títulos, os títulos em capítulos, os capítulos em secções e as
secções em subsecções! Apesar de que na parte geral (livro 1) o título 2 ainda divide-se em subtítulos. São
respetivamente: Livro I – PARTE GERAL / Livro II – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / Livro III – DIREITO DAS COISAS / Livro IV
– DIREITO DA FAMÍLIA / Livro V – DIREITO DAS SUCESSÕES
2
Dever este que como se verá, em nenhuma hipótese, pode ser tomado por equivalente aos chamados deveres
jurídicos!
1
A maior parte das relações humanas que o Direito das Obrigações regula, tem carácter económico
– são relações patrimoniais, que versam valores económicos, mas trata-se apenas de uma
característica tendencial. Há prestações que visam a satisfação de interesses meramente ideais e
podem dar lugar a prestações obrigacionais na mesma.
- Ora o “dever de prestar” corresponde a parte mais característica, individualizadora assim por dizer,
das relações obrigacionais (jurídico creditórias). É principalmente por conta dele que esta relação se
distingue das demais (relações nos direitos reais, das sucessões, na família etc). E daí, que se
tomarmos esta parte mais característica da relação, no seu todo, possamos afirmar que o objeto
fundamental do direito das obrigações traduz-se nos deveres de prestação!
A matéria das obrigações constitui objeto do livro II de nosso código civil, que se estende desde o
artigo 397º até ao 1250º.
As obrigações ainda constituem uma vasta parte das matérias disciplinadas por outros de direito,
como o direito comercial, passando pelos negócios bancários e pelos títulos de crédito.
De entre as espécies reguladas nos títulos II do livro II do código civil como fontes especiais de
obrigações, figuram-se além doutras de menor relevo, a compra e venda, a doação, o contrato de
sociedade, a locação (que compreende o arrendamento /e o aluguer) o mandato, o depósito, o
comodato, a empreitada, fazendo-se referência ainda ao contrato de trabalho (regulamentado em
legislação especial)
2
Do exposto resulta:
- Vastidão de matérias reguladas pelo direito das obrigações – quer no código civil – quer fora dele!
- Extraordinária frequência com que em nossas vidas, no quotidiano, recorremos a algumas das
espécies contratuais típicas (veja-se compra e venda! Contrato de trabalho! Um seguro! Uma
locação! Empreitada!)
Tudo isto basta para demonstrar o quão grande é a relevância no plano prático, das relações
creditórias!
D) Funções da Obrigação
As obrigações têm a função do trânsito dos bens de uma esfera para outra! (Daí dizer-se
que regula a parte dinâmica do direito civil patrimonial)
O Direito das Obrigações é um motor de operabilidade dos bens, que permite a sua
circulação ampla entre as várias esferas jurídicas.
No direito das obrigações também há aproveitamento dos bens: Existem direitos pessoais
de gozo, que são direitos creditícios, que permitem ao seu titular aproveitamento das utilidades da
coisa em questão! É exemplo a locação, em que temos uma relação obrigacional, disposta no
artigo 1022.º do Código Civil, e onde encontramos a obrigação do locador de proporcionar o gozo
da coisa ao locatário. O locatário fica habilitado a aproveitar da coisa locada, em vista do qual ele
celebrou o contrato de locação. Já nos contratos de compra e venda, não há gozo da coisa – o
comprador tem direito à coisa e ponto final. Ele pode usar, com toda a amplitude possível, os
3
poderes que lhe assistem enquanto titular da coisa, não havendo a intenção de proporcionar
utilidade de coisa alheia.
Direito das Obrigações, através dos institutos como a responsabilidade civil, disponibiliza meios
de tutela gerais para outras posições jurídicas, que não são tipicamente obrigacionais.
Uma outra função do Direito das Obrigações é a correção de repartições patrimoniais
injustas. A tutela é feita através de mecanismos obrigacionais (responsabilidade civil). Por
exemplo, temos enriquecimento sem causa quando alguém enriquece injustamente à custa de
outro, como é o caso se A entregar 50€ a B, pensando que lhos deve; revertemos esta situação
através da obrigação de restituição (artigos 473.º e seguintes do Código Civil).
A área dos serviços é também integrante do Direito das Obrigações, sendo exemplos o
mandato, o depósito, a empreitada, que versam sobre a atividade e não sobre os bens (ao contrário
da compra e venda ou da doação, em que estão em causa direitos sobre bens). O Direito das
Obrigações regula as estruturas intersubjetivas de colaboração entre as pessoas.
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*HISTÓRIA DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
O Direito Romano contrapunha: actiones in persona (ações relativas a atividades de pessoas, como
a condenação da pessoa à prática de um ato) e actiones in rem (ações relativas a coisas, como
quando o proprietário necessitava de defender a sua propriedade). Das actiones in rem surgiram os
direitos reais, e das actiones in persona surgiram as obrigações. Aqui nasce o Direito das
Obrigações, do reconhecimento de que havia possibilidade de tutela jurisdicional através de uma
ação de condenação à prática de determinado ato.
O Direito das Obrigações foi sendo desenvolvido e enriquecido durante o período medieval, mas só
na Idade Moderna, a partir do século XV, é que começamos a ver evolução.
E só nos últimos dois séculos vimos um Direito Civil codificado. Até 1826, os alemães não tinham
um Código Civil. Em França, o primeiro Código Civil surgiu em 1804, com Napoleão. Em ambos
os países, o Direito Civil era entendido em torno da autoridade, havia sedimentação cultural do
que havia para trás na História, e relacionava-se sempre com a razão. Havia sido criado um corpo
jurídico no qual todos se reviam, com base costumeira e/ou tradicional. Esta autoridade do Direito
Civil, que temos hoje nos sistemas codificados, tinha alguns inconvenientes: como a complexidade
das sociedades modernas, com a industrialização, as exigências do Direito aumentaram, e foi
necessário repensá-lo. O Direito de base tradicional, com que todos conviviam, deixou de satisfazer
as necessidades destas sociedades. Assim, dois movimentos propuseram-se a cumprir esta tarefa:
um movimento com origem francesa e um movimento com origem alemã.
Nos primórdios da Idade Contemporânea, surge a Pandectística Alemã, Escola de pensamento que
procurou atualizar o Direito da época, à luz do Direito Romano clássico. Esta Escola foi composta
por juristas que ainda hoje mencionamos frequentemente: SAVIGNY, VIN SCHAIN, HANT,
YERING.
O que perdurou para o Direito português foi, fundamentalmente, a elaboração germânica do Direito
Civil. O nosso Direito das Obrigações é construído a partir do pilar germânico e a partir do pilar
italiano, o que dá a resposta à proximidade que encontramos entre os mesmos, a nível de preceit
EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
O Direito das Obrigações foi como a generalidade do Direito Civil, um Direito de raiz costumeira.
O movimento de Codificação é recente, sendo os Códigos, tal como os entendemos hoje, uma
técnica legislativa que tem pouco mais de dois séculos, se aceitarmos que o começo da Codificação
se deu com o Código Civil Napoleónico. Os Códigos são caracterizados por 3 S’s: são sintéticos,
(s)científicos e sistemáticos.
Na primeira metade do século XX, a doutrina germânica foi ocupando os autores portugueses, que
passaram a interpretar o Código de Seabra à luz do pensamento dos alemães. Havia um vísivel
desajustamento da doutrina civilística com fonte francófona quando em comparação com os
quadros da ciência jurídica alemã. Com a imposição da ciência jurídica germânica, é feito o Código
Civil de 1966.
Uma figura importante para o Direito das Obrigações em Portugal foi VAZ SERRA, Professor em
Coimbra e encarregado de elaborar os projetos do Livro II. Esses trabalhos preparatórios são o
equivalente português da Pandectística Alemã, são a grande fonte de sentido material do Direito das
Obrigações codificado em Portugal e são a grande fonte do mesmo ramo de Direito. Foram também
importantes nesta matéria LOBO XAVIER e GALVÃO TELLES, que trabalharam a matéria dos
contratos em especial. ANTUNES VARELA, na altura Ministro da Justiça, foi o responsável por
duas revisões ao apresentado anteriormente.
O Direito das Obrigações aparece-nos como o objeto do Livro II de V. Dos cinco livros, quatro
correspondem à quadripartição germânica – porque advêm da influência da Pandectística, que a
propôs, o Direito Civil alemão aparecendo-nos também assim organizado. A quadripartição não é
inteiramente lógica, sendo que o que distingue o Direito das Obrigações dos Direitos Reais é um
critério estrutural, por termos direitos relativos (obrigações) e direitos absolutos (direitos reais).
No que respeita ao Direito da Família e ao Direito das Sucessões, a distinção é através de outro
critério, que reside na forma de organização das normas. Não estão em causa prestações, mas sim
uma aglutinação em função da família e da sucessão por morte. Em ambos os Livros e em ambos
os ramos, encontramos obrigações e direitos reais. Isto poderia ser considerado como uma
ilogicidade, mas não o é, porque atendemos ao Direito enquanto fenómeno cultural e, por isso, não
podemos basear-nos apenas na aplicação de um critério absolutamente lógico e coerente na
organização da matéria jurídica, por razões de praticidade, de sentido, que fazem com que certas
matérias obrigacionais ou reais sejam reguladas nos Livros IV e V.
Agora, o interessante é a Parte Geral, o Livro I do Código Civil. A Parte Geral pretendeu uma
organização sintética, sistemática e científica das matérias, oferecendo ao jurista orientações gerais
aplicáveis às quatro partes especiais, e resultou do esforço da Pandectística Alemã, que procurou
ficar as matérias que são imprescindíveis ao Direito Civil.
A Parte Geral engloba um conjunto de ensinamentos importantes para o Direito das Obrigações: a
teoria geral do contrato, a teoria das declarações negociais recetícias (que têm um destinatário e
são eficazes quando ao mesmo chegam, sergundo disposto no artigo 224.º), entre outras. A Parte
Geral do Código Civil português é, em boa medida, uma Parte Geral vocacionada para o
Direito das Obrigações. Muitas das matérias nesta parte enquadradas são matérias de Direito das
Obrigações, não sendo assim tão geral como se poderia pensar.
De acordo com CARNEIRO DA FRADA, houve um erro do legislador que, quando pretendeu
uma Parte Geral, fez com que a mesma fosse fundamentalmente relacionada com obrigações.
Existem matérias de Direito Civil geral que não estão na Parte Geral do Código (por exemplo, a
responsabilidade civil, o enriquecimento sem causa, a gestão de negócios são institutos gerais do
Direito Civil).
A conclusão é que a Parte Geral, tendo matérias do Direito das Obrigações e excluindo algumas
matérias do Direito Civil geral, não é uma solução feliz. O Código Civil italiano de 1982, por
exemplo, não tem uma Parte Geral, bem como diplomas posteriores, o que prova a falta de
consenso que a mesma agrega. MENEZES CORDEIRO e OLIVEIRA ASCENSÃO consideram
que a Parte Geral não é verdadeiramente geral, visto tratar-se de um conjunto de disposições de
Direito das Obrigações, na sua maioria.
Devemos atender ao seguinte sobre a relação obrigacional enquanto relação jurídica. A nossa
Parte Geral assenta na técnica da relação jurídica. Na obrigação, temos a ligação entre dois polos,
o do devedor (adstrito para com o credor à realização de determinada prestação) e o do credor.
Não existe relação obrigacional se não tivermos os dois polos: não há credor sem devedor e não há
devedor sem credor. O que pode acontecer é que, por vezes, o credor não esteja determinado, mas
há a obrigatoriedade de ser determinável (a Lei protege estas situações). A relação incide sobre
uma prestação, porque o vínculo que une esses dois polos da relação tem como objeto a prestação.
Conclui-se: a obrigação é uma relação jurídica.
− Uma impossibilidade objetiva, tendo a ver com o objeto (por exemplo, uma casa que
arde num incêndio), a consequência sendo a nulidade.
− Uma impossibilidade subjetiva, tendo a ver com a pessoa (por exemplo, um médico
que fica com Alzheimer não pode cumprir a obrigação de operar alguém), a
consequência sendo a substituição do devedor por outra pessoa.
A obrigação tem de ser determinável, podendo não estar estabelecido o seu fim, mas tendo de
ser possível determiná-lo. Aplica-se subsidiariamente o critério da equidade, balançando- se os
interesses de ambas as partes.
Agora, quando estamos a falar de direitos reais, não são relações jurídicas como as entendemos
anteriormente – para o legislador da Parte Geral, tudo são relações jurídicas. Parece que todo o
material jurídico, apresentado nesta parte, diria respeito a relações jurídicos, e segundo essa ideia,
as relações jurídicas verificar-se-iam também nos direitos reais. Todavia, isto é um erro, é um
excesso pretender que o titular de uma coisa esteja em relação com quaisquer pessoas a respeito da
coisa de que é titular. No direito de propriedade há apenas uma conexão, um direito dos sujeitos
sobre uma coisa, como dispõe o artigo 1305.º do Código Civil. Nos direitos reais, não se relacionam
pessoas.
Também nos direitos de personalidade verificamos isto. Não somos colocados em relação com os
demais, por exemplo, quando falamos do direito ao nome ou direito à fama. Estes direitos são
absolutos e devem ser respeitados pelos demais, porém, o respeito de um direito não estabelece, por
si, uma relação entre o titular do direito e aquele que está obrigado a respeitá-la.
A obrigação passiva universal é um dever genérico de respeito, não é uma verdadeira obrigação
como juridicamente a definimos, não estabelece uma relação. A relação só existe quando
determinado sujeito viola um determinado direito absoluto, porque há uma lesão que dá ao titular
do direito ou bem lesionado o direito a uma indemnização.
OLIVEIRA ASCENSÃO critica a relação jurídica, enquanto instrumento para regulamentar todo o
Direito Civil, dizendo que existem situações relativas, como os direitos de personalidade ou os
direitos reais, em que não existe relação jurídica. Este erro faz com que devessemos repensar a
organização das nossas matérias.
O Código Civil, no que respeita à fonte do Direito das Obrigações, está bem construído, mas do
ponto de vista da sistematização, tem erros, relacionados com o acima exposto sobre a Parte Geral.
O facto desta assentar na técnica de relação jurídica é desadequado, inaceitável para a expressão do
material jurídico que o Código agrega.
CONCEITO E ESTRUTURA DA OBRIGAÇÃO
A. CONCEITO
O termo “Obrigação” é utilizado tanto na linguagem corrente como na própria literatura jurídica em
diversos sentidos3!
O que sucede é que a maior parte das obrigações, surge por conta de conceções, sentimentos éticos
ou morais (obrigação de respeitar a vida, propriedade, bom nome de outrem etc). Mas juridicamente
assim não pode ser!
Nos diversos sentidos que podem ser compreendidos, misturam-se figuras que por mais que
parecidas, não se confundem umas com as outras, mormente na sua expressão vinculativa, e que
por assim ser, cumpre a ciência jurídica distinguir!
Não se trata de uma simples advertência, conselho ou exortação! Trata-se de uma verdadeira ordem,
de uma injunção, que é em regra, acompanhada da cominação 5 de algum ou de alguns meios
coercitivos próprios, que poderão ser sempre mais ou menos fortes, consoante o grau de
exigibilidade social da conduta prescrita6!
3
Inquilino é obrigado a pagar a renda! Eu tenho a obrigação de cumprir o serviço militar! O mandatário é obrigado é
aceitar a revogação do mandato! Temos a obrigação de pagar os impostos lançados pelo estado!
4
Ficam sempre de fora da categoria destes, os deveres morais, sociais ou religiosos (respeito pelos mais velhos, defesa
dos fracos, auxílio dos pobres, amar ao próximo como amamos a nós mesmos etc). Estes podem muito bem ter
relevância para o direito, em certas circunstâncias, no entanto não são sancionados pela ordem jurídica como deveres
jurídicos.
5
Ato ou efeito de cominar; ameaça de pena ou castigo / determinação ou aplicação de pena ou sanção por infração ou
incumprimento
6
Que foi oficialmente ordenado.
Este dever jurídico, tutelado pelo direito, pode ser ditado no interesse de uma só pessoa, de uma
generalidade de pessoas (pessoa coletiva por exemplo), no interesse de toda a sociedade ou mesmo
no interesse do estado.
Sempre que a ordem jurídica confere, as pessoas em cujo o interesse o dever é instituído, o poder de
disporem dos meios coercitivos que as protegem, corresponderá ao dever um direito subjetivo!
1”
Todo sentido lógico! Noção de direitos
subjetivos: Poder de exigir ou
pretender de outrem um determinado
comportamento positivo ou negativo Exigir Ou pretender!
/ou de só de per si ….
O exigir na noção, deriva precisamente do poder que é concedido ao titular do direito subjetivo, de
ser juiz da vantagem do funcionamento, em cada caso concreto, da tutela jurídica do dever jurídico!7
Também o dever jurídico, correspondente aos direitos subjetivos, não se mistura com o lado passivo
das obrigações que é sempre, um dever de prestar!
7
Noutros termos! O titular ativo da RJ não é um mero vigilante interessado no comportamento prescrito!
Como se vê, o dever jurídico é algo muito mais amplo, muito mais abrangente do que o dever de
prestar!
A.2) Estado de sujeição8
Figura diferente do dever jurídico! Esta já equivale ao contrapolo dos chamados direitos
potestativos!
Poder que um senhor A proprietário de um prédio encravado tem, de constituir uma servidão de
passagem, ou então o poder que tem o Sr B de revogar livremente seu mandato ou mesmo o poder
que possui a Senhorita C de se divorciar.
Tanto o Sr A como o Sr B como a senhorita C, exercem seu direito sem carecer de qualquer
aprovação, consentimento, parecer ou algo similar de suas respetivas contrapartes! 9
Em ambos estes casos o que acontece é que não há dever de prestar da outra parte. Há um estado
de sujeição!
A contraparte do Sr A do Sr B e da senhorita C, sujeitam-se inelutavelmente aos efeitos resultantes
do exercício do direito potestativo (constituição/modificação/extinção de direitos), quer queiram
eles, quer não!
No dever de prestar, o sujeito tem de desenvolver uma atividade/comportamento (seja ela negativa
ou positiva). Na sujeição, o indivíduo não tem de fazer nada, está automaticamente disposto a que se
produzam consequências, por vontade alheia, na sua esfera jurídica.
NOTA: Por vezes o titular do direito potestativo poderá atuar mediante recurso forçoso a
autoridades públicas (tribunais como seja)
A parte passiva da relação jurídica não tem de fazer nada de modo a cooperar na realização do
direito, mas também, nada poderá fazer para a impedi-la!
8
Muitos tem sido os autores que, a fim de distinguir os direitos potestativos das meras faculdades, acrescentam-lhe
dois elementos caracterizadores: 1) direito potestativo é inerente a uma relação jurídica pré-constituída entre sujeitos
determinados – é uma construção “a priori” do direito (veja-se o caso do divórcio, da servidão de passagem) 2) direitos
potestativos se esgotam com o ato de seu exercício!
9
Há quem diga (BOTTICHER) que é precisamente esta desnecessidade de consentimento a tónica dos direitos
potestativos.
Situação de necessidade inelutável em que se encontra a contraparte do titular de um
direito potestativo, de ter de suportar em sua esfera jurídica a produção de determinados
efeitos – constituição, modificação, extinção – provenientes do exercício daquele direito.
A.3) Ónus Jurídico
Figura um tanto mais distinta dos deveres jurídicos e dos estados de sujeição!
- A nenhum estado de sujeição, dado que se exige do interessado, a prática de um determinado ato
(que ele é totalmente livre para executar ou não)
-A nenhum dever jurídico10, quer, pois, o sentido da lei não passa por impor a realização do ato sob a
cominação de uma sanção, quer porque o registo funciona no interesse de quem o requer.
O sujeito é livre para atuar ou não! Mas apenas conseguirá obter/manter a vantagem ou evitar a
desvantagem se atuar. Detalhe que observância do ónus, em regra está subordinada a um
determinado prazo
10
Supondo aqui que nao seja aplicável o caso do registo predial obrigatório (arts 14 e ss do código do registo predial)
A.4) Poderes funcionais
Figura também distinta dos deveres de prestar, e de todas as anteriores situações (deveres jurídicos,
ónus estado de sujeição) são os chamados direitos-deveres ou poderes funcionais.
NOTA: Não raras vezes estes são confundidos com a figura dos direitos subjetivos!11
Os poderes funcionais são direitos conferidos aos seus titulares para que possam efetivamente
cumprir com a função a que estão adstritos (poder paternal /tutela), só sendo legitimamente
exercidos dentro dos limites desta função.
São direitos que possibilitam o seu titular a agir, e cumprir com as obrigações que possui para com
uma outra pessoa.
Exemplos clássicos aqui são os institutos do poder paternal e da tutela! Também os deveres
recíprocos dos cônjuges.
11
Assemelham-se muito com aqueles, consequentemente, com os direitos de crédito, na medida em que conferem ao
seu titular o poder de exigir um certo comportamento de outrem. Mas distinguem-se daqueles, no exato ponto em que
os seus titulares não os exercem com liberdade! Precisam exerce-los sempre em obediência a função social a que se
encontram adstritos.
A.5 Direitos Potestativos
Visam produzir a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica na esfera jurídica
de outra pessoa (como é exemplo o direito a constituir uma servidão de passagem a favor do
titular de determinado prédio, em que o sujeito, por um livre ato de vontade, pode constituir a
servidão, não precisa do concurso de vontade de mais ninguém).
Os direitos potestativos são poderes jurídicos (tal como o é todo o direito subjetivo)!
-Como tal, são exercidos com liberdade pelo seu titular (havendo diferenças entre os vários direitos
subjetivos)
Os potestativos, não exigem para a sua atuação o concurso/colaboração de quem quer que seja, estão
exclusivamente na pendência do titular!
Os direitos de crédito, ainda que estejam livremente a disposição do titular para serem exercidos ou
não, dependem da pessoa do devedor! Direitos de crédito conferem o poder de exigir a outrem
uma conduta.
Os direitos potestativos podem ser autónomos (se surgem por si) ou integrados (se surgem no seio
de uma situação jurídica mais vasta
A.5 Obrigação em Sentido Técnico – Conceito a ser Utilizado – Operacional
Ora visto as diversas outras figuras, que podem misturar-se sempre que adentramos no universo das
obrigações, agora é preciso compreender o significado jurídico ou técnico do termo obrigação,
que nos será mais relevante!
“O vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para
com outra à realização de uma Prestação
NOTA: Em Direito, as definições podem ser perigosas, nem sempre expressando a realidade, sendo
meros instrumentos para determinada regulamentação, função daquilo que se pretende (Definições
Relativas – a algo?)
*Uma das críticas ao artigo 397.º é que este não contempla o mecanismo de responsabilidade do
devedor! Limita-se a caracterizar a obrigação como um vínculo entre duas pessoas, não referindo em
momento algum a tutela.
Noutros termos, entender-se-á por obrigação, a relação jurídica12 em virtude da qual uma (ou mais)
pessoa (s) pode exigir de outra (ou outras) a realização de uma prestação.
Uma relação jurídica… Mas que tipo? Uma relação jurídica creditória/obrigacional!
12
São exemplos de relações deste tipo, as relações constituídas entre um comprador (dever de pagar) e um vendedor
(direito de exigir a entrega), senhorio e arrendatário, vítima do atropelamento e o condutor eventualmente
responsável pelo acidente.
De realçar que quando falamos em obrigação no sentido técnico, isto vai abranger as relações na sua globalidade e
não apenas, como sucede muitas vezes na linguagem comum, a parte passiva! Compreende, portanto, o dever de
prestar, mas também, o poder de exigir da parte ativa!
Relações em que ao direito subjetivo de um (ou mais indivíduos) – direito de crédito – contrapõe na
parte passiva, um dever jurídico de prestar!
NOTA: Quando se quer distinguir entre os dois lados desta mesma relação – ativo e passivo – que
são de facto duas faces da mesma moeda, da mesma realidade, chama-se crédito (ou direito de
crédito) ao lado ativo e débito (ou dívida) ao lado passivo!
O dever de prestar, nas obrigações, recai apenas sobre determinadas pessoas. É um dever jurídico
específico, que pesa sobre o património delas. Diferente do “dever geral de abstenção” nos direitos
reais.
- Tal como ele recai apenas sobre pessoas determinadas, o próprio dever jurídico é imposto no
interesse de uma determinada pessoa!
-O objeto do dever de prestar traduz-se na PRESTAÇÃO
Consiste na maioria esmagadora das vezes, uma ação, mas podendo também assumir a forma de
omissão! Isto é, pode ser uma conduta positiva ou negativa, “facere” ou “non facere”. Até por isto,
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É diferente quanto aos deveres jurídicos correspondentes da maioria dos DS: Os direitos reais, direitos de
personalidade etc. O dever jurídico correspondente ao lado passivo dos direitos reais, trata-se de um dever geral de
abstenção! É uma omissão generalizadamente imposta, a quem quer que não seja o titular do direito, consistindo,
portanto, num dever genérico, que não pesa especificadamente sobre o património de nenhuma das pessoas.
em termos práticos, com a finalidade de conceitualização de prestação, deva-se considera-la não
como uma ação, e sim, como uma conduta adotada pelo obrigado, um comportamento.
Dentro do conceito de obrigações, obviamente caberá realizar a distinção entre R.J SIMPLES ou
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A expressão toma aqui um significado muito mais amplo do que na terminologia comum, onde o credor é apenas
aquele que possui o direito de exigir de outrem a entrega de uma certa soma de dinheiro!
COMPLEXAS.
Já foi estudo em teoria geral do direito civil – relações jurídicas simples e complexas!
O credor, que tem o direito de crédito, é titular de uma posição jurídica complexa, que se deixa
desdobrar num conjunto de posições mais simples, ativas e passivas. Os créditos (e
também os débitos) não surgem, normalmente, isolados, mas sim integrados e acompanhados
por outras posições jurídicas, que se integram num conjunto de relações complexas em si
mesmas. Esta é a outra vertente da complexidade da relação obrigacional.
NOTA: Deve-se mencionar ainda sobre a complexidade das obrigações, que tanto o crédito (direito)
como o débito (dever de prestar) são realidades complexas! sendo a obrigação, portanto,
complexa tanto do lado ativo (crédito) como do lado passivo (débito), numa relação de simetria!
Por exemplo: um credor que tem direito a que lhe prestem aulas de português, tem o poder de
interpelar o devedor no sentido de realizar a prestação, prestar-lhe as aulas.
Outro exemplo seria um credor que exige a prestação de 1 quilo de maçãs; o credor tem também o
poder de recusar prestações inadequadas quando, por exemplo, meio quilo das maçãs esteja podre.
Também está inserido no direito de crédito, e no âmbito deste mesmo exemplo, a possibilidade do
credor escolher as maçãs que vai levar, se isso tiver sido convencionado. Se nada foi dito, cabe ao
devedor a escolha da maçã
1ªs SITUAÇÕES
Veja-se relativamente a responsabilidade civil! Aqui neste caso, surgiria uma obrigação (relação
jurídica obrigacional) una ou simples!
Isto porque por um lado, teríamos o dever que indivíduo que lesa o direito do outro, tem de pagar
uma indemnização pelos danos causados, e por outro, o direito subjetivo da pessoa de exigir o
pagamento daquela. (dever de prestar /direito de exigir)
Ao lado do dever de entregar a coisa (que recai sobre o vendedor) e do correlativo direito de exigir a
entrega da coisa (que recai sobre o comprador), há ainda:
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Isso praticamente sempre, na generalidade das compras e vendas, variando apenas o grau de complexidade! Este
grau poderá ser sempre maior, quando a aqueles dois direitos e seus respetivos deveres, acrescerem-se outros direitos
e deveres (direito a entrega de documentos, compensação das despesas feitas com a realização do ato,
reparação/substituição da coisa, indemnização de prejuízo causado por conta de mora do devedor ou do comprador
etc)
exigir o seu pagamento!
Estes dois direitos e seus correspondentes deveres, são comuns a generalidade dos contratos de
compra e venda!
Algo idêntico ao que pode suceder com a relação jurídica nascida da compra e venda, pode
verificar-se na maioria das outras espécies contratuais! Em muitos contratos bilaterais, ou mesmo
nos plurilaterais, como a locação, sociedade, contrato de trabalho, empreitada ou o mandato
remunerado podem suceder coisas parecidas!
Na vida real, a relação obrigacional é complexa porque se mistura com múltiplas realidades, e
apresenta-se dinâmica e mutável, sem perder a sua identidade, sempre orientada até à sua extinção,
pela satisfação do interesse do credor. (plano da complexidade da relação da vida (#não o plano da
complexidade da RJ obrigacional
Obrigações não autónomas
d.1 Um grandioso contingente das obrigações (As provenientes dos contratos e negócios jurídicos
unilaterais) nascem, sem que hajam entre as partes quaisquer vínculos prévios!
d.2 Por outro lado, em muitas outras como as obrigações, surgidas da prática de um facto ilícito,
pressupõe já um vínculo jurídico preexistente! Mas um vínculo com caráter genérico! Tal como o
que liga o titular dos direitos reais e dos direitos de personalidade a todas as outras pessoas.
Tanto no primeiro caso, quando se trata de obrigações que não assentam num vínculo jurídico
preexistente (por exemplo as nascidas dum contrato, não precedido de contrato-promessa) como no
segundo, quando fala-se de obrigações que pressupõe em sua constituição, um simples vínculo de
caráter genérico – tal como o vínculo que recai sobre a pessoa que danifica coisa alheia, ou que
usurpou o nome de outrem) a doutrina tem adotado o nome de obrigações autónomas!
*A doutrina nunca duvidou que estas estivessem sujeitas às disposições legais, que nos vários
códigos civis, fixam a disciplina geral das obrigações! Livro II do código civil!
*Mas e quanto as chamadas obrigações não autónomas? – Ou seja, as obrigações que pressupõe a
existência de um vínculo jurídico especial – não genérico - entre as partes?
Nestas, a doutrina já discute algumas vezes se devem estar submetidas ao mesmo regime.
Por exemplo: Sempre que a lei obrigar Um dono A, de um prédio que ameaça ruir abaixo,
provocando danos previsíveis para o prédio de seu vizinho, Sr B, a tomar, a requerimento de B, a
providencias necessárias para o eliminar do perigo. (1350º)
Quando a lei obriga determinadas pessoas a prestar alimentos, a outras que estão a elas ligados por
um vínculo de caráter familiar!
Quando a lei obriga um herdeiro a cumprir, com forças da herança, os legados feitos pelo testador
Quando a lei confere o direito de prémio ao achador de animais ou outras coisas perdidas, contra o
dono delas
NOTA: As obrigações nestes casos, carecem de autonomia, e isto porque pressupõe a existência
(prévia) entre as partes, de um vínculo especial de outra natureza (uma relação de posse, parentesco,
de sucessão hereditária, de ocupação da coisa
Deve-se estender o conceito de obrigação, de forma a abranger também esta figura especial, que se
pode considerar mista ou híbrida.
Os direitos pessoais de gozo são direitos especiais de crédito, que proporcionam ao seu
beneficiário o gozo (uso ou fruição) de uma coisa corpórea, o que os torna especialmente
próximos – não equivalentes - dos direitos reais.
− O direito do locatário, como dispõe o artigo 1022.º, contrato pelo qual uma das
partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante
retribuição. A locação de imóvel diz-se arrendamento e a retribuição renda, e na
locação de móvel tanto a locação como a retribuição denominam-se aluguer.
− O direito do parceiro pensador, como dispõe o artigo 1121.º, contrato pelo qual o
parceiro pensador recebe, do parceiro proprietário, um ou mais animais, para que os
crie, pense e vigie, para repartir os lucros.
− O direito comodatário, como dispõe o artigo 1129.º, contrato pelo qual o comodante
entrega de forma gratuita uma coisa ao comodatário para que se sirva dela.
− O direito depositário, como dispõe o artigo 1185.º, contrato pelo qual o depositante
entrega uma coisa ao depositário para que este a guarde e, caso esteja autorizado a tal
(artigo 1189.º), a use.
Os direitos pessoais de Gozo – como direitos de crédito que são - assentam numa relação: Entre o
titular pessoal do gozo e o titular do direito real que permite o gozo.
São relativos, dependem desta relação! Ora, isto permite deslocá-los dos direitos reais, para a
fronteira dos direitos de crédito!
(Por exemplo: a posição jurídica de locatário é sempre uma posição relativa pessoal, porque
depende da posição jurídica do locador, depende da relação com este outro)
Se são direitos de crédito, torna-se imperativo que se lhes aplique o respetivo regime
(=do direito das obrigações)
Contudo, não são quaisquer direitos de crédito, pois além do direito à prestação, o credor fica com
um direito sobre a coisa (são direitos pessoais de gozo, porque assentam num vínculo pessoal e
conferem o gozo de uma coisa).
São direitos de crédito especiais, conferem um direito (de gozo sobre uma coisa), mas assentam
num vínculo pessoal/relacional, por isso não são direitos reais!
Assim, aplica-se sim o regime geral das obrigações, mas om algumas exceções (que acabam por os
aproximar dos direitos reais):
Os direitos pessoais de gozo não podem ser adquiridos por usucapião, só existindo na medida em
que o contrato seja válido, estando dependente(s) da regularidade da relação.
NOTA: O ponto em que o afastamento entre direitos pessoais de gozo e direitos reais é mais
notório, é em relação ao princípio da tipicidade, que vigora para os reais mas não para os direitos
pessoais de gozo, pois estes tratam-se de direitos obrigacionais que conferem ao sujeito um poder
sobre algo, podendo ser mesmo atípicos!
POR EXEMPLO: Uma empresa que está a construir uma barragem, confere um direito de
habitação, em casas próximas da barragem, no âmbito de um contrato de trabalho, fazendo com que
existam direitos pessoais de gozo no contrato de trabalho em causa.
MENEZES CORDEIRO entende que os direitos pessoais de gozo são obrigações sem prestação
principal, sendo esta substituída pelo direito de gozo, sobrando apenas prestações secundárias e
deveres acessórios.
As obrigações naturais
O conceito de obrigação também deverá ser extensível ao ponto de englobar as obrigações naturais!
(Art. 402º CC)
As obrigações naturais, estão consagradas no artigo 402.º do Código Civil – “A obrigação diz- se
natural quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é
judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça”.
Primeiramente é preciso referir que tudo aquilo que é entregue, no âmbito de uma obrigação
natural, não pode ser repetido/restituído (artigo 403.º), o que faz sentido, já que uma obrigação
natural nem se quer é judicialmente exigível (Em casos destes, os devedores cumprem por vontade
própria)
Por exemplo: Um patrão continua a pagar uma quantia a um ex-trabalhador, apenas pelo facto deste
ter trabalhado toda a vida para si!
Aquilo que é entregue, não pode ser reavido, porque visa saldar uma dívida existente (dever
moral/social), mas que não era exigível.
O regime geral das obrigações naturais está disposto no artigo 404.º, havendo equiparação em
tudo que não diga respeito à exigibilidade judicial da prestação, quanto ao resto tudo se aplica.
Tratando-se de obrigações naturais, a coação moral tem importância, porque tem de se tratar de um
cumprimento livre!
Assim, e porque não se podem exigir, não se aplicam a estas obrigações cláusulas penais, preceitos
que estabelecam a responsabilidade civil pelo incumprimento ou ainda disposições sobre o tempo, o
lugar e o modo do cumprimento. Quanto à forma da extinção, pode-se aplicar às obrigações
naturais o mesmo que é aplicável a obrigações civis.
Estrutura da obrigação
Perguntar-se-ia? Qual a estrutura das relações jurídicas creditórias? Quais elementos a constituem?
Importa aqui detalhar quais os elementos constitutivos da relação jurídica obrigacional, como se
podem definir e ainda como se relacionam logicamente entre si. Assim sendo, são eles:
-Sujeitos – Credor / Devedor – titulares ativo e passivo da relação jurídica, ou, simultaneamente
ativo e passivo da relação, como sucede num contrato bilateral
-Vínculo jurídico
Art. 397º Código Civil – “A obrigação é o vínculo jurídico mediante o qual o devedor fica adstrito
para com o credor à realização de uma prestação.”
A noção técnica de obrigação, dada no artigo 397.º é uma noção também estrutural/não meramente
conceitual;
NOTA: Uma das críticas ao artigo 397.º é que este não contempla o elemento da GARANTIA! -
limita-se a caracterizar a obrigação, como um vínculo entre duas pessoas, não referindo em momento
algum a tutela.
Esta noção, apesar de bem construída e, sobretudo, útil, é muito abstrata, de escassa compreensão!
Isto porque existem prestações das mais diversas, e a obrigação, na linguagem comum, tem
sentidos
dos mais diversificados
B.1.1 Primeiro Elemento – Os sujeitos – CREDOR E DEVEDOR
O primeiro elemento da relação jurídica obrigacional, até pelo papel fulcral que desempenha dentro
dela, é constituído pelos sujeitos: Do lado ativo – O CREDOR – e do lado passivo – DEVEDOR
-As mais das vezes, apenas existem em cada relação jurídica obrigacional, um credor e um devedor,
dizendo assim que a obrigação é singular!
-Mas a verdade é que podem existir R.J chamadas plurais, isto quer do lado ativo – muitos credores
– quer do lado passivo – muitos devedores – quer de ambos os lados – Muitos credores e muitos
devedores
CREDOR16
*São os titulares dos direitos subjetivos de crédito! (que conferem o direito a uma prestação! Não se
trata de uma mera expectativa de cumprimento. É um legítimo direito, que só se realiza na medida
em que o devedor colabore para tal – há, portanto, mediação! O credor precisa do devedor para a
realização do seu direito! Será, em regra, a pessoa deste, a encarregada de satisfazer seu interesse)
Nos direitos reais já não sucede assim! Nos Direitos Reais, o proprietário não
depende de alguém para que seja satisfeito o seu interesse, para que se assegure o seu
direito.
*Titulares do interesse (que poderá ser patrimonial /moral /espiritual) legalmente protegido, que o
dever de prestar visa satisfazer!
16
Credor (“Creditor”) Porque acreditou no devedor – na sua lealdade e capacidade de pagamento – ou então porque,
como diz LARENZ, crê na pessoa do obrigado, no seu desejo de cumprir, por um lado, e em sua capacidade para tal,
noutro lado. Noções que não funcionariam tão bem assim, nas obrigações nascidas de factos ilícitos extracontratuais
E o que envolve a noção de titular de um interesse protegido? Três aspetos:
E ainda mais – O credor não somente é titular do interesse tutelado, como também é amo/senhor da
tutela de seu interesse17! Ou seja: Esta tutela depende de sua vontade, seu funcionamento
subordina-se a sua iniciativa!
O credor pode dispor, pelas mais variadas formas, dos mecanismos coercitivos predispostos pela
ordem jurídica para reger a relação!
NOTAS: A pessoa do CREDOR está determinada. Mas poderá não o ser no momento em que a
obrigação se constitui (Art. 511), tal como sucede nas promessas públicas (459º ss), nos contratos
para pessoa a nomear (Art. 452º e ss) etc
DEVEDOR
Esta figura, equivale ao sujeito passivo da relação jurídica obrigacional! É sobre o devedor que
recairá o dever (específico) de efetuar a prestação!
É o devedor que se encontra adstrito ao cumprimento da obrigação para com a figura do credor!
17
Diferente de ser titular de um interesse reflexamente protegido! Não é um interesse de ordem geral (como dos
comerciantes nacionais, dos industriais de um certo ramo, dos consumidores, dos habitantes de certa zona afetada por
epidemias etc) que a lei protege muitas das vezes mediante providencias pautais, aduaneiras ou sanitárias adequadas,
mas sem conferir aos titulares – dos interesses – o poder de dispor das medidas adotadas!
18
Atenção: Subordinação jurídica e não uma subordinação pessoal /social /política
E em caso de incumprimento?
Será também sobre a pessoa do devedor que recairão as sanções fixadas na lei!
Direitos de Crédito – Efeitos “Inter partes”. A obrigação somente vincula determinadas pessoas – as
que sejam parte no negócio!20 – daí seu caráter relativo.
19
Numa fase mais primitiva do direito romano, em virtude do laço de subordinação pessoal que se criava (por meio do
nexum, e posteriormente, da sponsio ou da stipulatio) entre o credor e o ob-ligatus, as sanções aplicáveis iam da
privação de liberdade (prisão como meio compulsivo de pagamento até redução a escravatura) até a morte. Depois,
com a Famosa “LEX POETELIA PAPIRIA” de (305 A.C) – completada no fim do período da república, com a criação da
bonorun venditio – A Sanção principal passou a ser a execução, não da pessoa, mas dos bens pertencentes a ela = seu
património. E isto mantém-se até os dias de hoje!
20
Esta é a regra do artigo 406º n2! Princípio da relatividade - Mas há exceções como se verá!
Persistência da Obrigação não obstante a alteração de sujeitos21
A existência dos dois sujeitos, é de facto essencial à obrigação, como uma relação intersubjetiva!22
No entanto, a permanência dos mesmos sujeitos – dos sujeitos originários – não é face ao direito
moderno23, condição essencial a persistência da obrigação.
A obrigação tem todas as condições de persistir, com todos os seus atributos essenciais (garantias,
juros, contagem do prazo prescricional etc) apesar de ser alterado um dos sujeitos da relação ou de
mudarem ambos eles!
E o que se diz quanto aos sujeitos originários, é igualmente válido, para todos aqueles que lhes
sucederem na titularidade da obrigação!
Exemplos práticos:
21
Modificação do sujeitos – Modificação de um direito subjetiva!
22
Embora se admita que no momento em que a obrigação se constitui, o credor não esteja não esteja determinado, a
lei no artigo 511º, exige que este seja no mínimo determinável, sob pena de nulidade do negócio do qual a obrigação
resultaria.
23
No direito romano não era assim! O caráter essencialmente pessoal do vínculo que prendia o “obligatus” ao credor
tornava completamente inconcebível a ideia da sua transmissão para outra pessoa, bem como da criação de um crédito
para terceiro.
24
Dar como empréstimo.
Com a intenção de frisar esta ideia, muitos são os autores, e junto deles a própria lei, fala
explicitamente em transmissão das obrigações! – Quer a propósito cessão de créditos, quer da sub-
rogação quer da assunção de dívida (Art. 577º e ss ) Ou seja:
- Na linguagem da doutrina e até da própria lei, tudo se passa como se fosse a mesma obrigação, não
obstante a natureza espiritual do vínculo, que materialmente se desloca do património de um para o
de outra pessoa!25
O objeto das obrigações, das relações jurídico-creditórias, consiste na prestação devida ao credor!
*Prestação = deveres de prestar – Não se confundem em nada com o dever geral de abstenção!
Típico dos direitos de personalidade e dos direitos reais!
NOTA: Tendo as obrigações, principalmente em vista, prestações de coisas28, muitos são os autores
25
Contrariamente a figura da novação (Arts 857º e ss), que implica a constituição de uma nova obrigação em
substituição da antiga!
26
Entregar uma coisa, realizar uma obra, dar uma consulta, patrocinar alguém numa causa, transportar alguns móveis,
transmitir um crédito, dar um certo número de lições etc
27
Obrigação de não abrir estabelecimentos de determinado ramo de comércio na mesma rua ou localidade, obrigação
de não usar a coisa recebida em depósito etc
28
Apesar da distinção ser bem menos nítida no âmbito das prestações de facto!
que costumam a distinguir entre:
-Um objeto Mediato da obrigação – Que se traduz na própria coisa, em si mesma considerada – Isto
é, o objeto da prestação!29
Por exemplo:
Se A vende um prédio a B, e em virtude da venda, fica obrigado a entrega-lo, duas coisas são
completamente distintas:
Modalidades de Prestações
29
Há vários objetos, como sejam coisas no sentido jurídico, um conjunto de coisas, coisas incorpóreas etc
A prestação debitória pode revestir as mais diversas modalidades, pelo que é da maior importância
conhecer ao menos as mais importantes
Distinguem-se conforme o seu objeto se esgote num FACTO (serviços/atividades) ou então se refira
a uma COISA31!
Foi durante um longo período de tempo que as prestações de coisas preponderaram nas relações
da vida económica (quer nas economias mais primitivas de fundo agrário quer até depois da 1ª
revolução industrial).
Principalmente após a segunda grande guerra, e com boom tecnológico processado, que aos poucos a
fisionomia das sociedades contemporâneas foi se alterando, e gradativamente foi se acentuando a
importância das prestações de serviços que as grandes empresas oferecem, muitas vezes em massa, a
um núcleo crescente de utentes!32
31
Coisa que no caso vai constituir objeto mediato / e a prestação, o objeto imediato!
32
Serviços de combate aéreo aos incêndios, distribuição aérea de pesticidas nas plantações, prestação em massa dos
serviços domésticos de lavagem e limpeza do vestuário e dos edifícios, serviços de investigação policial particular,
contratação de jogadores de futebol etc.
33
São prestações de facto típicas, por exemplo, as prestações do mandatário num contrato de mandato, as do
trabalhador num contrato de trabalho etc. Assumirão ainda especial configuração as prestações de facto positivas
resultantes dos contratos promessa (“pactas de contrahendo”), e os pactos de preferência
34
Por exemplo, não praticar determinados atos, não abrir estabelecimentos de determinado ramo de comércio, no se
abastecer de outro fornecedor, não fornecer produtos aos concorrentes do comprador, não fabricar algum produto em
concorrência com alguma empresa, não usar (no caso do contrato de depósito), não prestar serviço durante um
determinado período em determinada empresa
*Noutros casos, o devedor fica apenas obrigado a consentir /tolerar35 (“PATI”) que outrem –
CREDOR – pratique alguns atos a que, de contrário, não teria direito.
NOTA: Segundo CARNEIRO DA FRADA, a diferença entre estas prestações de “pati” e uma
servidão predial de passagem, é que o segundo é um direito real, a obrigação de pati é um
compromisso pessoal, não há uma relação jurídica real mas sim obrigacional, a pessoa obriga-se, não
onera o seu terreno, como acontece no caso da servidão de passagem!
Detalhe ainda que, nas prestações de facto, o facto em si prestado, poderá sempre ser material ou
jurídico! (Distinção elementar, por exemplo, no âmbito do contrato de mandato! “uma das partes se
obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outra! – Entre estes atos, avultam-se os
negócios jurídicos!)
Exps:
- Material – Reparar uma viatura, pintar uma casa (Como temos no caso do contrato de empreitada!)
- Jurídica – Emitir uma declaração de vontade, assumir certa dívida
No entanto, poderá por vezes suceder – embora sejam relativamente poucas - que o facto devido se
reporte a factos de um terceiro!
Assim, por exemplo: A é dono de um posto de abastecimento. Promete que os futuros (e eventuais)
adquirentes do posto manterão o direito de exclusivo concedido à companhia fornecedora!
B, casado, obriga-se a vender um prédio a C, prometendo que a mulher lhe dará o consentimento
necessário a validade da venda.
35
O sr. A obriga-se a permitir que o Sr B pesque em sua lagoa ou que cace em sua propriedade. Ou então, o Sr. C,
permite que os alunos de um colégio utilizem o logradouro de seu prédio como um campo de jogos, durante um
determinado número de meses ou anos.
inclusivamente no âmbito do código de 1867, à sombra do princípio da liberdade contratual!
Ainda no direito romano, quer as prestações tivessem por objeto uma coisa certa/determinada, quer
recaíssem sobre uma coisa indeterminada, o contrato de alienação/transferência da coisa, não
envolvia a translação do domínio, do direito de domínio sobre a coisa! Em consequência do contrato
de alienação, nascia uma obrigação, “de dare” destinada a transferir o domínio sobre a coisa para o
adquirente.
NOTA: No direito vigente português – Art. 408º CC, tal como na legislação anterior – Art. 715º do
código de Seabra), a constituição ou transferência de direitos reais sobre determinada coisa dá-se –
opera-se em regra – por mero efeito do contrato/mero acordo das partes.
Ou seja?
Atualmente, em contraste com o direito romano, a prestação da coisa – e já que a
transferência/constituição do direito real dá-se por mera celebração do contrato – corresponde
a uma mera obrigação de entrega da coisa, tendo por finalidade a transmissão da posse (visto que a
transferência do domínio ou constituição doutro direito real já se obteve – com uma “eficácia
espiritual” da mera celebração do contrato!
Exemplos típicos de prestações de coisas – “de dare” – Entrega da coisa feita pelo mutuante ao
mutuário para a conclusão ou aperfeiçoamento do contrato de mútuo (Art. 1144º), a prestação de
coisa realizada pelo mandatário ao mandante, em cumprimento do mandato, no mandato sem
representação (1181º) a entrega da coisa ao legatário, feito pelo sucessor onerado nos casos previstos
no Art. 2251º nº 2.
Prestações de entrega, nas relações obrigacionais que visem facultar ao credor, não a aquisição do
direito de domínio, mas sim, a mera fruição ou uso da coisa ou a guarda e conservação dela! (A
entrega do bem pelo comodante ao comodatário por exemplo, Entrega da quantia pelo depositante
etc) – 1031º al. a)
E por último, bem semelhante às últimas, ligadas a elas, mas com independência, temos
também as PRESTAÇÕES DE COISA CORRESPONDENTES À OBRIGAÇÃO DE
RESTITUIR36
Por exemplo: A entrega ao comodante Art. 1135º al. h), ao locador (Artigo 1038º al. i) ao
depositante (Art. 1187º al. c) ou ao mandante (artigo 1161º al. e)), uma vez findo o contrato!
Portanto, tem-se concluído que a prestação de coisa pode constituir – face ao direito vigente – 3
modalidades fundamentais:
- Obrigação de dar (Prestações “de dare”) – Sempre que a prestação visar constituir ou transferir um
direito real definitivo sobre uma coisa
-Obrigação de entregar – Prestação visa apenas transferir a posse ou a detenção dela, para permitir
seu uso, guarda ou fruição (Art. 1031º do CC por exemplo)
No entanto, esta regra admite exceções! As prestações de coisas podem ainda, segundo nosso
ordenamento jurídico – artigo 399º do CC - referir-se a coisas futuras
Por exemplo: Um lavrador vende a outrem sua produção de vinho, de sua próxima colheita/ Ou
ainda a produção do seu laranjal no ano posterior ao da celebração da convenção.
O artigo 211º confere uma definição daquilo que sejam consideradas “coisas futuras”, definição legal
que é bastante ampla, abrangendo as coisas que carecem de existência – no sentido naturalístico – e
as coisas que por mais que existam, o disponente ainda não tem direito ao tempo da declaração
negocial (mas que conta vir ter em momento posterior).
Exemplo: Temos a entrega de uma coisa, o pagamento do preço em uma só prestação etc
Não sucede tal como nas prestações instantâneas, nos casos das obrigações fundamentais/típicas dos
contratos de arrendamento, do depósito, do contrato de trabalho, dos contratos de prestação de
serviços – fornecimentos de água, gás, eletricidade etc!
Nestas relações, o que acontece é que as prestações se protelam no tempo, tendo a duração
temporal da relação jurídica creditória, uma influência decisiva na conformação global da
prestação (na definição de seu objeto entre outros aspetos)39 – Por isto são designadas prestações
duradouras
Dentro destas, muitos são os autores que realizam uma subdivisão entre:
38
Ao lado delas, ainda se consideram as chamadas prestações intermitentes/ou desgarradas, que também se
prolongam no tempo, mas sem a periodicidade e homogeneidade próprias das prestações reiteradas. É o caso das
prestações que recaem sobre o mandatário judicial!
39
Não é suficiente que a relação se protele no tempo, para que existe uma relação duradoura.
São todas aquelas prestações cujo cumprimento se prolonga ininterruptamente no tempo - quotidie
et singulis momentis debetur – todos os dias e todos os minutos!
São todas aquelas prestações que se renovam, em prestações singulares sucessivas, em regra, ao fim
de períodos consecutivos. (semanais/mensais)
Exemplos: As prestações dos consumidores dos serviços de água, energia, gás, internet, do devedor
de renda perpétua ou vitalícia etc
Portanto, do exposto, dentro das relações jurídicas obrigacionais duradouras – tal como a
locação, o arrendamento, mandato, depósito, contrato de trabalho entre outras, vão surgir a
cada passo:
-Obrigações de prestação instantânea (como por exemplo, o pagar da renda vencida, a indemnização
por despesas feitas pelo comodatário ou depositário ou pelo patrão ao trabalhador acidentado)
-Obrigações de prestação continuada / ou periódicas
NOTA: No caso das obrigações duradouras, a prestação depende do factor tempo, o qual tem uma
influência decisiva na fixação do seu objeto!
Nas prestações fracionadas/repartidas, o factor tempo não influi na determinação do seu objeto! Ele
está desde o início determinado. O factor tempo apenas relaciona-se com o modo de execução da
prestação
- Relativamente a Resolução
40
A duração temporal da relação jurídica creditória, não influência decisivamente na conformação global da prestação!
Influencia sim, no modo de execução!
Nas obrigações duradouras, em que tenhamos prestações de execução continuada ou periódica, a
resolução do contrato, ainda que goze de eficácia retroativa 41, não vai abranger, em regra, as
prestações já efetuadas! (Art. 434º nº 2/ 277º). A resolução neste caso abrangerá apenas as prestações
futuras e ainda vai operar relativamente duração futura da prestação em curso!42
Esquematicamente:
P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8
- Relativamente ao Cumprimento
41
Esta eficácia retroativa vai se manifestar aqui de forma mais suavizada! Por exemplo: Num contrato de
arrendamento, através da eliminação de direitos (como o de preferência na venda do prédio arrendado) de que o
arrendatário gozaria, se não fosse a extinção resolutiva (cuja eficácia retroage até o momento da verificação da causa
de resolução)
42
As prestações de execução continuada/ ou então as prestações periódicas, estão idealmente ligadas a frações de
tempo! Uma empresa que presta serviços de abastecimento de água por exemplo. Se o contrato foi resolvido a meio
de março, O sr A já tinha pagado o mês, no início. Então sucede que o resto que houvesse de prestar durante este mês,
resolve-se.
regra, o vencimento imediato das restantes43 (Artgs. 781º e 934º), exatamente porque a formação ou
a constituição destas não está dependente do decurso do tempo! (O tempo influencia no modo de
execução)
-Nas obrigações duradouras, atenta a estreita conexão das prestações com o decurso do tempo, não
acontecerá a mesma coisa!
A falta de pagamento da renda do mês de janeiro poderá dar ao senhorio o direito à indemnização
especial prescrita no artigo (1041º nº1), mas não lhe confere o direito de exigir imediatamente o
pagamento das rendas correspondentes aos meses futuros!
NOTA: Em todos os casos, nestas classificações de prestações quanto ao tempo de duração, não
deverá se confundir os atos de preparação da prestação com o cumprimento!44
3. Prestações Fungíveis/ Prestações Infungíveis
3.1 Fungíveis
43
Nos casos em que a obrigação que emerge do contrato é liquidada (=paga) ao longo de várias prestações – por
exemplo, no contrato de crédito à habitação - a Lei (art. 781.º do Código Civil) determina que o não pagamento de uma
prestação, importa o vencimento (exigibilidade e coercibilidade imediata) de todas as prestações que faltam até ao
final da execução do contrato.
Ora, isso significa que o credor poderá, a partir desse momento, intentar uma ação judicial para a cobrança coerciva da
totalidade do montante mutuado acrescido de juros de mora, de acordo com o contrato.
44
Na doutrina, é uma distinção muito colocada no âmbito da empreitada
As prestações dizem-se fungíveis, quando podem ser realizadas por pessoa diferente da do
devedor, sem qualquer prejuízo aos interesses – la está, juridicamente titulado - do credor!
São exemplos: Lavar um terreno, pagar uma determinada quantia, pintar uma casa, caiar um muro
etc
São prestações que precisam necessariamente ser efetuadas pela figura do devedor!
Este não pode ser substituído no cumprimento por um terceiro – sem que os interesses do credor
saiam prejudicados!
Aqui, tratam-se de obrigações em que ao credor, interessa mais do que simplesmente o simples
prestar do devedor! Interessa, sobretudo, aspetos técnicos do devedor, como sua habilidade, saber,
destreza, força, bom nome, outras muitas mais qualidades pessoais que possa ter!
Exemplos aqui: Tenho um quadro muito especial, e contrato um pintor conhecido. Precisa ser ele a
o fazer. É de total e exclusivo interesse do credor que o seja, ficando este interesse afetado caso
contrário!
* Esta disposição faz ressalva, apenas para os casos em que expressamente se tenha acordado que
a prestação deva ser feita pelo devedor (chamada não fungibilidade convencional) ou então, para
os casos em que a substituição vá prejudicar o credor (não fungibilidade fundada em natureza de
prestação)
Paralela a esta classificação, inserida no âmbito do direito das obrigações, temos já nos parâmetros
dos direitos reais a noção de coisas fungíveis/infungíveis – Artigo 207º - Coisas que podem ser
determinadas pelo seu género, qualidade, quantidade! (é uma noção um tanto diferente e que não
pode ser misturada com a anterior, sem prejuízo da sua boa correlação)
NOTA: Em regra, quando se trate de prestação de coisa, a prestação será fungível, quer a coisa em
si seja ou não fungível. Em ambos os casos o interesse do credor não será lesado com a substituição
do devedor.
A questão da fungibilidade das prestações, atinge seu maior relevo prático no âmbito das
prestações de facto! Encontram nesta o seu principal campo de aplicação!
Em todas estas espécies contratuais (onde há prestações de facto) pode – com grandes chances –
ocorrer que não seja indiferente para o interesse do credor, que as prestações do mandatário, do
depositário, do trabalhador, do empreiteiro, do médico/advogado etc, sejam efetuadas por uma outra
pessoa!
Tendo a prestação por objeto um facto fungível, poderá o credor requerer, no processo de execução,
que o facto seja prestado por outrem as custas do devedor! (Art. 828º)
Sendo de facto não fungível, o credor apenas poderá exigir o cumprimento do devedor (Art. 817º) e,
na hipótese de este não cumprir, terá de contentar-se com a indemnização do prejuízo sofrido,
resultante do não cumprimento (indemnização por equivalente).
Como opera-se a ligação entre os sujeitos da R.J creditória – neste caso, o devedor - e a prestação?
45
Ver o artigo 1230º do código civil relativo a empreitada. O contrato de empreitada extingue-se por morte ou
incapacidade do empreiteiro, no caso de terem sido tomadas em consideração pelo credor as qualidades pessoais.
Como sabemos que é a prestação a satisfazer o interesse do credor?
Como é que sabemos que a coisa, direito ou facto, aptos a satisfazer o interesse do credor, são postos
ao serviço do titular do crédito?
Este vínculo, constituído pelo enlace dos poderes conferidos ao credor com os correlativos deveres
impostos ao titular passivo da relação, forma o cerne, o núcleo central da obrigação!
NOTA: Atenta a possibilidade de alteração dos sujeitos da relação – o que frequentemente ocorre – e
ponderadas as transformações que passo a passo vão sofrendo as próprias prestações, o vínculo
jurídico, corresponde verdadeiramente no único elemento irredutível/inalterável das relações
jurídicas creditórias
Muitos autores e também o código civil Português, voltam a bater na mesma tecla, quando
vieram a definir a obrigação como – Artigo 397º CC – O vínculo jurídico por virtude do qual uma
pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação!
*A própria etimologia da palavra47 – Obrigar (de obligare) aponta para o vínculo que prende um ao
outro!
IMPORTA: Vínculo jurídico nas relações obrigacionais – Vínculo de caráter relativo/específico!
Dever de prestar/direito de crédito
Vínculo Jurídico – Análise descritiva dos principais poderes e deveres que advém da
obrigação, para cada um dos lados
46
Já os romanos tinham conhecimento da essencialidade deste elemento! Nas “institutiones” do imperador justiniano
definiram obrigação como sendo um vínculo….
47
Estudo gramatical da origem e história das palavras, de onde surgiram e como evoluíram ao longo dos anos.
- No poder que tem o credor de exigir a prestação
O credor tem um direito a prestação 48 a qual poderá ser exigida, apenas por ele, ao seu/ou seus
devedores (Ou seja, tem seu interesse juridicamente tutelado!)
E mais que isto! O credor é o amo/o senhor desta tutela! O ordenamento jurídico confere as medidas
de proteção, e fica a total e exclusiva e disposição do credor/da sua vontade, a entrada em cena
daqueles, seu funcionamento – como por exemplo o mecanismo da execução!
Mas e se o devedor…
48
E não um direito sobre a prestação! Para acentuar que a obrigação tem caráter pessoal – exige o concurso da
vontade do devedor (ainda que esta vontade encontre-se sujeita as medidas coercitivas) diferentemente dos direitos
reais que, pela sua natureza erga omnes, não dependem da aceitação, ou concurso de vontades.
49
Que poderá ser extra-judicialmente (mediante interpelação ao devedor) ou por via judicial (socorrendo-se da
citação para ação de cumprimento ou de execução / ou por meio de notificação judicial avulsa: Art. 805º do código civil
e Arts. 228º, 234º, 811º e 261º do código de processo civil)
-O credor vai poder reter a prestação, e retê-la:
- Devedor não poderá exigir nesta altura a restituição, não goza de “Condictio Indebiti” 51 – Esta é a
regra!
Visto não ser lícito – em regra52 – fazer justiça pelas próprias mãos (justiça privada) o credor será
forçado a recorrer aos mecanismos dispostos – jurídicos ou extra-jurídicos.
51
O condictio indebiti é uma ação na lei civil (romana) pela qual um autor pode recuperar o que pagou ao réu por
engano; esse pagamento equivocado é conhecido como solutio indebiti.
52
O ordenamento jurídico condena por via de regra – apesar de admitir exceções raras – o recurso ao sistema de justiça
privada – Art. 1º do código de processo civil
53
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama
ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa
interessada na causa.
54
Numa fase mais primitiva do direito romano, em virtude do laço de subordinação pessoal que se criava (por meio do
nexum, e posteriormente, da sponsio ou da stipulatio) entre o credor e o ob-ligatus, as sanções aplicáveis em caso de
incumprimento iam da privação de liberdade (prisão como meio compulsivo de pagamento até redução a escravatura)
até a morte! Depois, com a Famosa “LEX POETELIA PAPIRIA” de (326 A.C) – completada no fim do período da república,
após a criação da bonorun venditio – A Sanção principal passou a ser a execução, não da pessoa, mas dos bens
avulsa (Arts. 256º e ss do código de proc civil
Em regra, o credor terá de recorrer à execução forçada, que vai agredir não a pessoa do devedor,
mas sim, o património deste! A execução terá por objetivo proporcionar ao credor a realização do
interesse que a prestação visava facultar-lhe, ou então, uma satisfação tao próxima quanto possível!
E se o credor tem direito a agredir o património, isto acontece porque os bens do devedor
respondem pelo cumprimento das obrigações – Garantindo-a.
A lei somente vai permitir a execução do património do devedor se o credor estiver já munido de um
TÍTULO EXECUTIVO (Um documento que constitua um mínimo de prova sobre os pontos
referidos – considerado suficiente para servir de base a ação executiva)
-Não possuindo um deste, ao que parece o credor terá de começar por propor uma ação
declarativa55 – destinada a averiguar a existência e falta de cumprimento da obrigação e a obter uma
sentença de condenação – do devedor – que é a ordem de cumprimento dada em concreto pelo
estado – representado por seus órgãos judiciários – ao devedor.
pertencentes a ela = seu património. Foi um diploma contra o exercício da “manus injecto” sobre a pessoa do devedor!
– Manus Injecto Era um meio de fiscalização contra um devedor que não havia cumprido seu compromisso. Esse
procedimento, previsto na Lei das Doze Tabelas (450 a.C.), permitiu ao credor, após 30 dias sem ter sido pago, ir até
seu devedor a fim de forçá-lo a comparecer perante um pretor (Procedimento é marcado pelo formalismo ritual: o
credor teve que colocar a mão em seu devedor, pronunciar uma fórmula com as palavras certas (sob pena de nulidade
do procedimento), então ele poderia acorrentar o devedor e levá-lo à força para uma prisão de sua casa onde o
manteve prisioneiro por 60 dias. Se ao final desses 60 dias, o devedor ainda não tinha encontrado uma maneira de
executar seu compromisso, o credor exibiu-o em 3 mercados e depois vendeu-o como um escravo além do Tibre para
receber suas dívidas pagas, ou colocá-lo à morte. E isto mantém-se até os dias de hoje! Art 601º de nosso código civil -
Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, sem prejuízo dos
regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.
55
Esta possibilidade – e necessidade num certo sentido – de obter uma ação que, certificando a falta de cumprimento,
apenas condene o devedor a cumprir, reservando-se a execução para um segundo e eventual procedimento judicial,
constitui um progresso do direito moderno.
Por outro lado, se o credor tiver o título executivo, é a partir dele que se instaura a execução forçada,
a qual poderá revestir diversas formas, consoante a natureza da prestação devida e ainda com outras
circunstâncias:
Tratando-se de prestações de coisas certas, o tribunal vai procura apreende-la, utilizando força, se
necessário, para entregar ao credor.
Se estivermos diante de uma prestação de facto fungível – podem ser realizadas por pessoa
diferente da do devedor, sem prejuízo aos interesses do credor – então, o tribunal poderá, a
requerimento do próprio credor, mandá-la realizar por outrem às custas do devedor! (Como dita o
Art. 828º do código civil e ainda o 933º e ss do código de processo civil)
POR OUTRO LADO: Se estivermos diante de prestações que envolvam uma determinada
quantia de dinheiro ou ainda, um facto não fungível, se não encontrar-se a soma devida no
património do devedor, ou se mesmo houver a necessidade de pagar a realização da prestação
de facto fungível por terceiro, a execução terá necessariamente de seguir por outro
caminho!56
Vai ser preciso sacrificar os bens do devedor que forem necessários para, com o produto – dinheiro
de sua alienação, pagar-se:
56
O mesmo acontecerá ainda no caso da prestação ter objeto a entrega de coisa certa e esta haver sido apreendida
judicialmente
A execução vai atravessar nestes casos, três diferentes momentos: PENHORA dos bens do devedor,
VENDA JUDICIAL (dos bens penhorados) e o PAGAMENTO AOS CREDORES!
-PENHORA: Traduz-se na apreensão – por parte do tribunal – dos bens considerados necessários
para cobrir, através de seu valor, a indemnização devida, retirando esses bens da disponibilidade do
devedor e afetando-os aos fins próprios da execução. Em regra, esta apreensão possui eficácia
absoluta (Art. 819º CC) – visto que a penhora é um direito real de garantia.
-VENDA JUDICIAL: É através da venda judicial que o estado – representado pelos tribunais –
prescinde da vontade do proprietário para alienar os bens penhorados e, a custa da alienação forçada,
obter o dinheiro necessário aos fins da execução.
-PAGAMENTO DE CREDORES: O dinheiro obtido pela venda judicial, será distribuído aos
credores, até ao limite do montante de seus créditos, tendo sempre em atenção as regras de
preferência que a lei civil estabeleça entre eles!57
NOTA: Em qualquer que seja o momento do processo, quer o executado – devedor – quer algum
terceiro, pode extinguir a execução, pagando a dívida exequenda e as custas da ação (como ditam o
Art. 916 do código de processo civil)
Apesar, e como já visto, da não licitude da justiça privada como regra – tal como era no antigo
direito romano – para efeitos de garantia das obrigações, não é nem um pouco correto dizer-se que
o credor é apenas livre de optar:
E ainda que a aquela mesma parte caiba, numa primeira fase da R.J creditória, não um poder de
57
Como os bens do Credor respondem de forma igualitária perante todos os credores, independentemente da data, do
montante da constituição do crédito ou da natureza da dívida, diz-se que o património é a garantia comum dos
credores. A não existir causas legítimas de preferência, o Artigo 604º refere que os credores tem direito a ser pagos de
forma proporcional pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para a integral satisfação dos débitos.
exigir a prestação, mas uma simples expetativa do cumprimento!
Mas não deixam de refletir-se noutros aspetos, à margem desta faculdade, que demonstram o poder
que tem o credor relativamente a prestação!
A mora transfere para o devedor o risco do perecimento ou deterioração da coisa, mesmo que não
tenha culpa (Art. 807) – Como um sinal de que a coisa está onde, segundo o direito, não deveria
estar (807º n2)
O devedor constituído em mora passa a responder por todos os danos que o não cumprimento da
obrigação possa acarretar para o credor!
A lei recusa ao devedor constituído em mora – Art. 438 – o direito de obter a resolução ou
modificação do contrato
-Obrigações com objeto pecuniário (Prestação de uma certa quantia de dinheiro) passam a vencer
juros, a contar do dia da constituição em mora, ainda que anteriormente os não vencesse (Art. 806)
Em suma – Dir-se-á que o credor tem o poder de exigir a prestação! Ou que tem o direito à
prestação!
58
O incumprimento contratual ocorre sempre que o devedor não realiza a prestação a que está adstrito.
Incumprimento definitivo, mora e cumprimento defeituoso:
Em sentido amplo, o incumprimento contratual ou não cumprimento abrange:
- O incumprimento definitivo;
- A mora do devedor, que consiste no atraso da realização da prestação, sendo esta ainda possível;
- O cumprimento defeituoso ou imperfeito, que ocorre quando há uma violação do direito de crédito que não integra a
hipótese de mora nem de incumprimento definitivo, nomeadamente quando o devedor realiza a prestação a que está
adstrito com irregularidades ou deficiências.
*NOTA: Dado o caráter essencial da GARANTIA para a exequibilidade prática da obrigação,
a lei faculta aos credores meios de a conservar, reagindo contra determinados atos que possam
diminuir o património ou mesmo impedir o aumento de seu valor! – Institutos da sub-rogação,
impugnação pauliana, Arresto, declaração de nulidade Artigos 605º e ss.
De forma similar, costuma a falar-se muitas vezes, nos direitos subjetivos, de um poder de
pretender!
Poder de PRETENDER59 este, que caracteriza muito o direito do credor a prestação no âmbito das
obrigações naturais!
-Existe igualmente a “soluti retentio” mas falta a ação creditória, ou seja, o direito de exigir
judicialmente o cumprimento (Artigo 402º).
*Em casos de obrigações que já nascem naturais, ou em obrigações que prescrevem, o seu
cumprimento não poderá ser exigido, perde a exigibilidade – Ação creditória – tutela jurídica.
O dever de prestar traduz-se no contrapolo da relação jurídica obrigacional! Se por um lado temos a
parte ativa, Credor – direito à prestação, por outro lado temos a parte passiva, Devedor – Dever de
prestar.
O dever jurídico de prestar, traduz-se pela necessidade imposta – pelo direito – ao devedor de
realizar a prestação, sob a cominação das sanções aplicáveis à inadimplência!
*Como já visto, o dever jurídico de prestar é um dever específico que não se confunde com diversas
outras figuras!
-Entrega da coisa vendida pelo vendedor/Entrega do preço pelo comprador (879º alº b; c)
E podem existir ainda, ao lado destes deveres principais, primários ou típicos, outros a que, por
contraste, podemos chamar deveres secundários/ acidentais – e que alguns autores designam
deveres “acessórios da prestação principal” de prestação.
Estes, são deveres instrumentais, que servem uma cabal satisfação de interesses do credor, e que
estão relacionados com os deveres primários. Interiormente a eles, estão:
-Deveres acessórios das prestações principais (destinados no fundo a preparar o seu cumprimento ou
então assegurar a perfeita execução)
60
Já que a relação obrigacional nasce direta ou originariamente deste facto!
Se as obrigações na relação não estiverem a ser cumpridas corretamente, podemos dizer que, ao
dever de prestação inicialmente previsto, podem suceder deveres substitutivos, por exemplo os
deveres indemnizatórios (pelo incumprimento da obrigação a que o devedor está adstrito, o dever
indemnizatório substituindo o dever de prestação por haver um incumprimento definitivo, não sendo
mais possível cumprir essa obrigação, havendo uma frustração definitiva dos interesses do credor; ou
pelo retardamento do cumprimento, que não faz extinguir o direito à prestação por parte do credor,
mas faz com que este possa obter uma indemnização pelo prejuízo da mora, como dispõe o artigo
804.º do Código Civil). Estes deveres secundários, que existem como forma de tutela da posição do
credor, nem sempre surgem na relação, podendo surgir ao lado ou substituindo os deveres de
prestação, quando o façam.
Também são deveres de prestação aqueles que decorram da ineficácia originária ou subsequente da
relação. (Por exemplo, num contrato de compra e venda inválido ou resolvido, existem deveres
restitutórios, como dita o artigo 289.º.) é preciso liquidar os preços de uma relação que se frustrou
dos seus objetivos, tornando-se ineficaz.
Ex: Quando se compra um presente, entregar o presente é o dever de prestar primário (este
representa um vínculo obrigacional autónomo). Embrulhar a coisa, é o dever acessório!
Estes, apesar de representarem também um vínculo obrigacional, não deixando de ser exigíveis,
constituem vínculos não autónomos!
Estes, não interessando diretamente à prestação principal, nem dando origem a qualquer ação
autónoma de cumprimento, são, todavia, essenciais ao correto processamento da relação
obrigacional em que a prestação se integra.
A relação obrigacional apenas poderá funcionar devidamente se as partes se comportarem de forma
razoável, uma para com a outra!
Os deveres acessórios de conduta decorrem das regras da boa-fé (artigo 762.º/2)! Existem três
tipologias:
-Os deveres de informação (relacionados com a capacidade de auto- informação da outra parte,
podendo o credor exigir a prestação de determinadas informações quando as mesmas sejam
necessárias para evitar riscos, por exemplo),
-Os deveres de lealdade (exige que as partes ajam com seriedade na relação, para que a obrigação
se cumpra, e evitando condutas que afetem a utilidade da mesma)
-E os deveres de proteção (as partes devem adotar todas as condutas adequadas para prevenir danos
pessoas ou patrimoniais na esfera da outra parte).
EXEMPLOS:
O locatário, por exemplo, tem como dever principal/típico, o pagamento da renda – Art. 1038º al. a)
Mas além desta, e outras mais, tem o dever acessório de conduta, de avisar imediatamente o locador,
sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, ou quando saiba que algum perigo a ameaça ou
mesmo quando terceiros estejam a arrogar direitos em relação a ela (desde que estes aspetos sejam
desconhecidos pelo locador)
Aqui, não estamos nem diante de deveres primários nem de secundários. São deveres acessórios de
conduta, que interessam ao regular/correto processamento da relação jurídica locatícia, nos exatos
termos em que ela deve desenvolver-se entre contraentes que agem honestamente e de boa-fé nas
suas relações recíprocas.
OUTRO EXEMPLO:
Situação do depositário que é privado da detenção da coisa por causa não imputável!
A lei neste caso impõe ao depositário o dever acessório de conduta de avisar imediatamente o
depositante do ocorrido (Art. 1188º nº1) e concede a faculdade de recorrer aos meios possessórios
adequados (1188º nº2)
*Este dever não é, um dever de prestação cujo cumprimento possa o depositante exigir através de
ação judicial prevista no Art. 817º. É um dever acessório de conduta cuja violação pelo depositário
poderá desencadear obrigação de indemnizar os danos dela resultantes.
E AINDA:
Na própria situação da compra e venda, existem múltiplos deveres acessórios de conduta que
poderão recair sobre os contraentes!
Se a venda for sobre animais, que não sejam imediatamente entregues, o vendedor terá ainda o dever
de cuidar deles, com toda diligência e cuidado, enquanto permaneçam em seu poder, preservando
sua saúde e acautelando sua vida.
Se a venda for de géneros alimentícios, caberá ao devedor tomar todas as medidas de higiene,
limpeza e segurança necessárias, para que estes não se estraguem ou percam suas qualidades!
Tratando-se de imóveis, o vendedor estará obrigado a entregar todos os documentos que interessem à
transmissão do prédio e a prestar todas as informações necessárias sobre a aquisição do transmitente!
NOTA: Dum modo geral, pode-se dizer sobre os deveres acessórios de conduta, que nas relações
obrigacionais bilaterais (de onde eles mais avultam), cada um dos contraentes deverá tomar todas as
medidas necessárias – ou razoavelmente exigíveis – pra que a obrigação a seu cargo satisfaça o
interesse do credor na prestação.
A relação obrigacional pode apresentar-se como desprovida de deveres de prestar, enquanto objeto
de vínculos, podendo, todavia, existir essa relação confinada a meros deveres acessórios de conduta!
Ex: culpa in contrahendo (falha na celebração dum contrato) – As partes estabelecem entre si uma
negociação com vista à formação de contrato e, mesmo nesse período (formação contratual), em que
as partes ainda não estão adstritas ao contrato, têm de ser observados os ditames da boa-fé, sob pena
de responsabilidade pelos danos causados, como dispõe o artigo 227.º/1.
Esta relação inicial, que pode ou não desembocar na celebração do contrato, é particular, pois seu
conteúdo consiste em meros deveres de conduta!
No caso de se decidir pelo contrato, aí sim se dará lugar a uma relação contratual com legítimos
deveres de prestação, mas que antes começou por estar apenas cingida a deveres de conduta.
III. A garantia
O ordenamento jurídico não se limita a impor um dever de prestar ao obrigado e atribuir ao credor
um correlativo direito a prestação.
Muito mais do que isto, procura também assegurar a realização coativa da prestação! Sem
prejuízo do direito que possui o credor de resolver o contrato ou de recusar legitimamente o
cumprimento da obrigação que recaia sobre ele próprio, até que o devedor se decida a cumprir.
E como para este efeito o ordenamento jurídico não admite – em regra – o recurso a auto-defesa
(Artigo 1º do Código de Processo Civil), abre-se ao credor eventualmente lesado o recurso à ação em
tribunais.
O elemento que mais imprime juridicidade ao vínculo estabelecido entre credor e devedor, é
precisamente a AÇÃO CREDITÓRIA!
NOTAR:
Mas a normal relação de correspondência poderá, em certos casos, vir a falhar por conta de dois
aspetos:
-Há várias formas de extinção do direito do credor – não somente o cumprimento do dever de
prestar! Como sejam a prescrição, confusão, a novação, a compensação, a dação em cumprimento, a
remissão, o cumprimento por terceiro, desaparecimento do interesse do credor, impossibilidade
fortuita da prestação etc
-Poderá o devedor ficar desonerado do seu dever de prestar ou mesmo cumprir este dever sem que
seja exercitado o direito do credor à prestação.
Relações jurídico-obrigacionais e outras classes de relações jurídicas
As obrigações não estão apenas no direito das obrigações (Livro II CC) Encontram-se noutros,
como é o caso do Direito da Família. Aqui, existem vínculos mediante os quais alguém deve
desenvolver determinada atividade em prol de outros, como é o exemplo dos cônjuges; são
obrigações institucionalizadas!
NOTA: As obrigações contidas no livro II, Direito das Obrigações, diferenciam-se de todas as
demais, desde logo, pois são pensadas enquanto tais, independentemente dos contextos particulares
em que estas surgem.
É uma distinção com muita relevância! Estas duas categorias apesar de possuírem suas
particularidades, contem muitos pontos de contato fundamentais! Juntas elas formam aquele que é
chamado o DIREITO CIVIL PATRIMONIAL, sendo que este divide-se em duas partes:
Uma primeira, regulada pelo direito das obrigações – pelas relações jurídicas creditórias – a
chamada dinâmica patrimonial! Tramitação legal até que já tenha adquirido a coisa, o direito)
No Direito das Obrigações, lidamos com (um)a relação social, dinâmica! As obrigações são, em
regra, em sem prejuízo de poderem ser de longa duração – efémeras! Existem para ser cumpridas,
momento no qual se extinguem.
Lidamos no âmbito dos direitos reais, portanto, com (um)a relação estática. Os direitos reais de
gozo e de garantia são estáticos, não existem para que se altere nada (não existe para ser cumprido,
como um direito de crédito)!
* ainda que existam direitos reais de aquisição, que possam tender ao contrário do disposto, mas
mesmo estes são subordinados à necessidade de garantir o gozo, assegurando ao sujeito o domínio
de coisas (através do Direito das Obrigações, por vezes, também se assegura este domínio).
Os direitos reais tendem à perpetuidade (pelo menos, os direitos reais de gozo, que não se
extinguem pelo uso, pelo aproveitamento das utilidades da coisa, têm perdurabilidade, a
propriedade é um direito real sem qualquer limite temporal – prescrição aquisitva)
São espaços de autonomia garantidos. Um direito real não nos coloca numa relação com outros –
só acessoriamente necessitamos da relação aqui. A lógica da relação jurídico-obrigacional, não
funciona para os direitos reais, porque esta primeira prende-se com uma relação humana, e nos
direitos reais a relação humana não existe de facto – é uma relação entre um sujeito e uma coisa.
A parte da comparação que mais interessa, é a das relações jurídico-reais, visto ser esta categoria
que, considerando seu lado estrutural, diretamente se contrapõe as relações jurídico-creditórias.
*Importa apenas dizer que, na doutrina, os termos exatos da distinção entre estas duas
categorias está longe de ser encontrado, aceite por todos os autores! Há muitas opiniões!
-Mas desconsiderando por um momento a doutrina e observando objetivamente a lei, quais
podem ser os termos da distinção?
Se um Sr. A adquire o direito de propriedade (direito subjetivo de domínio – “erga omnes”) de uma
coisa imóvel, seu novo direito impor-se-á:
-A todos os titulares de algum direito pessoal de gozo sobre a coisa (comodatários, arrendatários)
-A quemquer que se apodere da coisa, a danifique, a use em seu proveito ou conteste o direito do
titular.
Tudo isto conclui-se, mormente do artigo 1305º do CC, segundo qual o proprietário goza de modo
pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem!
Imaginemos que o mesmo Sr. A, fosse apenas credor. Tivesse direito a um crédito – Prestação. Este
seu crédito, pelo menos em regra, valerá somente como pretensão contra o devedor, destinada a
obter deste a concessão do uso, fruição ou a detenção da coisa, ou se assim quisermos, o domínio da
coisa!
II) Diferenças de menor relevo?
-Os direitos reais versam sobre coisas determinadas e certas! Já as obrigações podem incidir
sobre coisas indeterminadas, tal como sucede nas obrigações genéricas, pecuniárias e facultativas.
-Direitos reais não poderiam mesmo, segundo alguns autores, abranger mais do que uma
coisa (segundo o princípio da especialidade)
-Instituto da usucapião, aquisição de direitos reais. Não tem nenhuma aplicação no âmbito
das obrigações.
I) Fonte comum – Atualmente, ambos podem nascer por mero efeito do contrato
(acordo das partes)
Fonte comum o contrato, que no ordenamento jurídico português cria tanto efeitos obrigacionais
como efeitos reais. Contrariamente a outras ordens jurídicas, em Portugal não é necessário um ato
posterior de transmissão do domínio da coisa para que se alcance o efeito real. Assim dispõe, como
regra, o artigo 408.º/1.
II) Violação – Tanto no caso dos direitos reais, como no dos direitos de crédito, de uma
eventual violação dá-se lugar a criação de um vínculo entre o titular do direito
violado e o autor da lesão. Embora nos primeiros, se dê lugar a responsabilidade
civil extracontratual, e nos segundos, à responsabilidade civil contratual (ambas
tipologias do instituto responsabilidade civil)
Existem ainda casos de certos direitos reais têm como propósito proteger direitos de crédito: são os
direitos reais de garantia (consignação de rendimentos – artigo 656.º; penhor – artigo 666.º;
hipoteca – artigo 686.º; privilégios creditórios – artigo 733.º; direito de retenção – artigo 754.º).
Por outro lado, podem – como em regra ocorre - que os direitos de crédito servam de base à
constituição de direitos reais!
Há obrigações cuja adstrição advém da titularidade da coisa: obrigações reais e ónus reais. Na
obrigação real, a pessoa do obrigado é definida pela titularidade da coisa à data da constituição da
obrigação. Assim, são obrigações impostas ao titular de certa coisa, pelo simples facto de o ser.
(São exemplos a obrigação de reparar partes comuns da propriedade horizontal; a obrigação de
arrancar arvores plantadas em desrespeito das distâncias impostas pelas relações de vizinhança,
etc.)
Por seu turno, os ónus reais são obrigações, em regra de prestação periódica/reiterada, inerentes a
certa coisa, que a acompanham na sua transmissão.
A diferença dos ónus reais face às obrigações reais está em que neste segundo caso, o titular da
coisa só está vinculado às obrigações que tenham surgido depois da constituição do seu direito, ao
passo que nos ónus reais o titular da coisa fica obrigado mesmo em relação às prestações anteriores
à constituição do seu direito, mas apenas responderá pelo valor da coisa onerada
A. Obrigações vs Direitos de Família – Relações Jurídico-Familiares
A este mesmo propósito, chama-se-lhe, direitos “Institucionais”! Precisamente pelo fato das
normas que compõe o direito da família, não serem criadas/concebidas propriamente pelo
direito/ordenamento jurídico, “ex nihilo” (=do nada), mas sim, segregadas da instituição familiar.
Reside precisamente nisto, a distinção entre os deveres de prestar abrangidos pelas obrigações e os
deveres de caráter patrimonial (surgidos no seio das relações jurídico familiares (dívidas dos
cônjuges entre si, dívidas dos cônjuges relativamente a terceiros, deveres de administrar os bens dos
filhos, obrigação de alimentar)
Porém, já não é tao bem assim relativamente aos direitos/deveres de caráter pessoal! (relações
pessoais entre os cônjuges, poder paternal, tutela).
61
Para viver em sociedade o homem precisa de instituições! E estas podem ser definidas como “um conjunto de fatores
na realidade que, como estruturas de organizações sociais, possuem regras de conduta ou de comportamento e que
têm deste modo o seu aspeto normativo e normador (norma = regra), garantindo assim a segurança nas relações entre
os homens, ao mesmo tempo que permitem a cada homem encontrar-se e definir-se num contexto ou universo
significativo”.
É nas instituições (familiares, educativas, económicas, culturais, desportivas, políticas, etc.) com as suas regras próprias,
que o homem aprende viver regradamente em sociedade com os outros.
Muitas vezes, as regras de convivência nem são sentidas como tais porque na consciência das pessoas já estão
completamente interiorizadas. A primeira instituição em que o homem está inserido e começa a ser socializado é a
família, em que é exposto ao ambiente social em que começa a sua aprendizagem do mundo. E, obviamente, também
as regras ou normas jurídicas são parte da realidade social dos homens
62
Não é a toa que o livro 4 do código civil, seja um dos que mais tenha sido alvo, e que seja o mais suscetível de
alterações legislativas!
Estes não podem ser objeto de qualquer relação jurídico obrigacional, fora do círculo das pessoas
ligadas pelo vínculo familiar! Não pertencem ao comércio jurídico!
E ainda:
-Os direitos pessoais familiares, apenas podem ser exercidos dentro dos limites de uma
determinada função! Não são exercidos com liberdade, tal como um próprio direito subjetivo, e tal
como ocorre nos direitos subjetivos de crédito!
-Os deveres pessoais familiares, ao contrário dos deveres de prestar, próprios das obrigações, não são
impostos único e exclusivamente no interesse da outra parte! Contrariamente, estes são verdadeiros
deveres morais que se impõe também, se não principalmente, no interesse da própria pessoa
vinculada, e ainda no interesse superior da comunidade familiar como um todo!
*Outra grande e notável diferença, é que o direito da família, é um ramo muito permeável as diversas
modificações estruturais a nível político, económico, social e principalmente, religioso! Estas
diversidades nacionais já não possuem tanta influencia assim – ou quase nada – no domínio das
obrigações!
*Ainda uma consequência prática interessante, resultante da diversidade de natureza entre as duas
categorias!
Advém do facto da violação dos deveres pessoais familiares não determinar uma simples obrigação
de indemnizar a contraparte – pelo menos não apenas patrimonialmente! Como os interesses lesados
são bem mais amplos, são diferentes os efeitos que a lei vai extrair da infração!
Nascem na sucessão “mortis causa” relações obrigacionais (legados ou encargos que oneram o
herdeiro ou o legatário, obrigações do cabeça de casal ou do testamenteiro; obrigações do fiduciário
etc) cujo regime terá, na falta de disposição especial, de ser procurado no livro das obrigações.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS OBRIGAÇÕES
Patrimonial Suscetibilidade de ser avaliado em dinheiro /não patrimonial – não poderá ser
avaliado de forma pecuniária.
É um facto que a maior parte das relações obrigacionais, tem conteúdo patrimonial, deixando-se
avaliar do ponto de vista económico. Porém, nem sempre é necessariamente desta forma.
Quando se fala do carácter patrimonial do Direito das Obrigações, talvez deva-se dizer que se trata
apenas de uma característica tendencial ou genérica, pois não há uma necessidade da obrigação
ser avaliável em dinheiro.
O artigo 398.º refere expressamente, que a prestação não tem de ter valor pecuniário, o que
importa é que a prestação corresponda necessariamente a um interesse do credor, digno de
proteção legal.
Assim, a prestação não necessita de enriquecer o património do credor ou de evitar o seu
empobrecimento! Tem é de corresponder a um interesse real do credor, que seja suscetível de
proteção jurídica (interesse juridicamente protegido)
Nos direitos reais, existe uma afetação direta e imediata – porque atingem a coisa e porque
prescindem de intermediários – da coisa ao seu titular, que todos devem respeitar. O titular do
direito real pode satisfazer o seu interesse autonomamente.
Já nos direitos de crédito, temos como característica a mediação. Ainda que dirigidos a
coisas (prestações de coisa), o credor só pode satisfazer o seu interesse, mediante colaboração do
devedor (com a prestação – objeto imediato), ou seja, por intermediário deste.
É por conta disto, pelo facto de a satisfação do interesse do credor depender da realização da
prestação pelo devedor que a obrigação é, por natureza, violável, porque depende da colaboração
da outra parte.
MENEZES CORDEIRO faz algumas críticas à mediação dos direitos de crédito.
- Que podem não ser determinadas, mas que são determináveis! No caso da promessa pública por
exemplo (A outra parte que vai receber o benefício não está determinada, mas poderá vir a ser!)
Se estas partes se adstringiram uma à outra, no uso da sua autonomia privada, compreende-
se que a relação constituída apenas se vincule a elas!
O que não significa que a relatividade das relações jurídicas obrigacionais seja incompatível
com a existência de credores e devedores plurais! O que de facto importa, é que seja sempre
estabelecida entre pessoas determinadas ou determináveis.
Relembremos que os direitos relativos operam apenas inter partes, produzindo – por via de
regra - efeitos apenas entre as partes vinculadas, e os direitos de crédito são a maior categoria
deste tipo de direitos.
Se por um lado, os direitos de crédito pressupõem uma relação (Credor(s) devedore (s) ), os
direitos reais resultam do exercício, para o seu titular, de uma posição isolada (ou de uma relação
sui generis pessoa / coisa) , ao passo que para o lado passivo supõem uma espécie de “relação
universal”.
Nos direitos reais, o titular pode obter a restituição da coisa de qualquer terceiro (artigo
1311.º1/1) ou exigir o respeito de qualquer terceiro. O titular de um direito de crédito apenas
poderá ver a prestação ser feita pelo seu devedor, sem prejuízo do Artigo 767º nº 1 e nº2
Nos direitos de crédito, só o devedor pode entrar em incumprimento (dando origem à
responsabilidade civil contratual – 798º), nos direitos reais, qualquer pessoa pode atingir a coisa,
sujeitando-se, por essa via, à responsabilidade extracontratual (483º)
Num conflito entre o direito real de uma pessoa e o direito de crédito de outra,
prevalece o direito real – o titular do direito real pode opôr o seu direito a qualquer pessoa,
mesmo que o direito real tenha sido constituído posteriormente ao direito de crédito.
Num conflito entre direitos reais, prevalece o primeiro direito real constituído.
No Direito da Responsabilidade, temos uma divisão importante, que nos dita que existem
dois grandes pólos de responsabilidade:
− O pólo delitual, quando decorra da prática de delitos, que normalmente visa a
proteção de bens ou direitos absolutos, não visando a responsabilidade
obrigacional mas as
A que problema pretende dar resposta a Teoria da Eficácia Externa das Obrigações? Um
terceiro, alheio ao programa obrigacional, tem o dever genérico de não perturbar o crédito? Pode o
credor exigir uma indemnização de um terceiro por ter tornado impossível o cumprimento da
obrigação, ou por ter instigado o devedor a não cumprir? Na Europa, existe uma posição bastante
cautelosa em relação ao reconhecimento da eficácia externa das obrigações. A instigação por parte
de um terceiro para que alguém opte pelo incumprimento contratual não é juridicamente
censurável na maioria dos casos, porque afetaria brutalmente o direito da concorrência.
GALVÃO TELLES, MENEZES CORDEIRO, SANTOS JÚNIOR têm uma posição mais
permissiva quanto ao instituto de eficácia externa das obrigações.
Estes autores baseiam-se no artigo 483.º do Código Civil, para responsabilidade civil
extracontratual, defendendo que a letra do artigo 483.º não limita a proibição de violação de
direitos aos direitos absolutos. A violação dos direitos relativos cabe também neste artigo,
portanto. Mesmo para estes autores, que enquadram a situação no 483.º e têm uma posição mais
permissiva da eficácia externa das obrigações, é exigido o dolo, não se bastando a culpa.
MENEZES CORDEIRO diz que não há ilicitude no mero ato de instigar ao não
cumprimento. É necessário que o terceiro tivesse vontade de violar a situação considerada ou, pelo
menos, o dever jurídico de cuidado face ao credor do crédito. (Nota: Ainda se discute muito a
diferença entre ilicitude e culpa, especialmente na responsabilidade objetiva. Aqui não é exceção.)
Os adeptos da teoria da eficácia externa da obrigação dizem que o terceiro que interfira no
cumprimento de determinada obrigação pode ser responsabilizado ao abrigo do artigo 483.º. (No
exemplo que vimos anteriormente, da cantora e do taxista, o taxista seria responsabilizado por
negligência, ao violar o direito de crédito, sendo os terceiros, a empresa e os espectadores,
tutelados, porque houve uma violação ilícita do seu direito.)
Para estes autores, o artigo 483.º foi pensado especificamente para a violação de direitos absolutos.
Para os autores que negam que a eficácia externa das obrigações resulte deste artigo, na sua
maioria, resolvem esta problemática com recurso ao abuso de direito – artigo 334.º. RIBEIRO DE
FARIA fala da reprovação da consciência ética imperante.
CARNEIRO DA FRADA discorda com este entendimento, porque ignora a história da Lei,
e atribui à letra da Lei uma amplitude que esta nunca teve no pensamento dos autores, bem como
dá ao Direito Delitual uma aplitude tal que torna impraticável o sistema de responsabilidade,
tendo em conta as consequências aqui demonstradas. Se alargamos a responsabilidade a todos
aqueles que, ainda que de forma remota, venham a interferir em relação obrigacional alheia, temos
espirais de responsabilidades que não acabam. Há razões de praticabilidade que justificam que
o certo é que o artigo 483.º não abrange a tutela do crédito. A tutela do crédito é feita através
do artigo 798.º, para o artigo 483.º interessam apenas posições erga omnes, que podem ser opostas
a quem quer que seja.
CARNEIRO DA FRADA entende que o que está em causa é o imperativo ético-jurídico de
censurar a criação malévola de um prejuízo a terceiro. A solução mais correta consta do parágrafo
826.º do BGB, que diz: “Uma pessoa que, em oposição aos bons costumes, infligir
intencionalmente danos a outra pessoa, está obrigada a indemnizá-la pelos danos causados.”
Desta solução do BGB não só resulta a questão da intencionalidade (o dolo), mas ainda a
questão da ofensa à moral prevalecente na sociedade à data da prática do facto.
Problema: este parágrafo não tem equivalência na jurisdição portuguesa. De acordo com
CARNEIRO DA FRADA, não se trata de utilizar aqui o 483.º, porque esse está pensado para a
violação de direitos absolutos. Defende ainda que não se pode aplicar diretamente o 334.º, porque
não está em causa o exercício de um direito, mas sim de uma liberdade genérica de agir. Portanto,
entende o autor que se aplicará ao caso o artigo 334.º por analogia, densificado pelos tais
requisitos da intencionalidade e da ofensa à moral prevalecente.
No Direito da Família e no Direito das Sucessões encontramos obrigações, mas não se tratam
de obrigações autónomas – isto porque estão funcionalizadas, institucionalizadas.
Ao Direito das Obrigações, interessam as obrigações autónomas, que são aquelas que não
estão dependentes das relações estabelecidas anteriormente. No entanto, a autonomia não é uma
característica necessária das obrigações, que podem ser autonómas como não autónomas.
PRINCÍPIOS DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
- Que podem não ser determinadas, mas que são determináveis! No caso da promessa pública por
exemplo (A outra parte que vai receber o benefício não está determinada, mas poderá vir a ser!)
Se estas partes se adstringiram uma à outra, no uso da sua autonomia privada, compreende-se que
a relação constituída apenas se vincule a elas!
O que não significa que a relatividade das relações jurídicas obrigacionais seja incompatível com a
existência de credores e devedores plurais! O que de facto importa, é que seja sempre estabelecida
entre pessoas determinadas ou determináveis.
Relembremos que os direitos relativos operam apenas inter partes, produzindo – por via de regra -
efeitos apenas entre as partes vinculadas, e os direitos de crédito são a maior categoria deste tipo
de direitos.
Contrariamente, os direitos absolutos, que são direitos reais e direitos de personalidade, operam
erga omnes, isto é, podem fazer-se valer contra todos os que com estes interfiram, havendo uma
obrigação universal de respeito, uma obrigação passiva universal.
Apesar da previsão da relatividade das obrigações no Art. 397º e 406. 406.º/2, são previstas exceções,
nos termos da Lei, em que os direitos de crédito se absolutizam, produzindo efeitos em relação a
terceiros.
É o caso da promessa ou pacto de preferência com eficácia real (artigos 413.º e 421.º), da obrigação
de indemnizar terceiro por alimentos não pagos devido a morte ou lesão corporal do lesado (artigo
495.º/3), do commodum de representação (artigos 794.º e 803.º), da sub-rogação do credor ao
devedor em que credor exerce contra terceiros um direito patrimonial do devedor, quando isso se
manifeste essencial para a satisfação do seu crédito (artigo 606.º), da ação pauliana em que o credor
pode impugnar os atos do devedor que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do seu
crédito (artigo 610.º/1) ou exigência de restituição de bens a terceiros (artigo 616.º/1), da ação direta
pela qual o credor age contra terceiro que obstaculize ao cumprimento pelo devedor da prestação
(artigo 336.º/1), ou ainda dos contratos a favor de terceiros (artigo 443.º/1).]
No Direito da Responsabilidade, temos uma divisão importante, que nos dita que existem
dois grandes pólos de responsabilidade:
− O pólo delitual, quando decorra da prática de delitos, que normalmente visa a
proteção de bens ou direitos absolutos, não visando a responsabilidade
obrigacional mas as
A que problema pretende dar resposta a Teoria da Eficácia Externa das Obrigações? Um
terceiro, alheio ao programa obrigacional, tem o dever genérico de não perturbar o crédito? Pode o
credor exigir uma indemnização de um terceiro por ter tornado impossível o cumprimento da
obrigação, ou por ter instigado o devedor a não cumprir? Na Europa, existe uma posição bastante
cautelosa em relação ao reconhecimento da eficácia externa das obrigações. A instigação por parte
de um terceiro para que alguém opte pelo incumprimento contratual não é juridicamente
censurável na maioria dos casos, porque afetaria brutalmente o direito da concorrência.
GALVÃO TELLES, MENEZES CORDEIRO, SANTOS JÚNIOR têm uma posição mais
permissiva quanto ao instituto de eficácia externa das obrigações.
Estes autores baseiam-se no artigo 483.º do Código Civil, para responsabilidade civil
extracontratual, defendendo que a letra do artigo 483.º não limita a proibição de violação de
direitos aos direitos absolutos. A violação dos direitos relativos cabe também neste artigo,
portanto. Mesmo para estes autores, que enquadram a situação no 483.º e têm uma posição mais
permissiva da eficácia externa das obrigações, é exigido o dolo, não se bastando a culpa.
MENEZES CORDEIRO diz que não há ilicitude no mero ato de instigar ao não
cumprimento. É necessário que o terceiro tivesse vontade de violar a situação considerada ou, pelo
menos, o dever jurídico de cuidado face ao credor do crédito. (Nota: Ainda se discute muito a
diferença entre ilicitude e culpa, especialmente na responsabilidade objetiva. Aqui não é exceção.)
Os adeptos da teoria da eficácia externa da obrigação dizem que o terceiro que interfira no
cumprimento de determinada obrigação pode ser responsabilizado ao abrigo do artigo 483.º. (No
exemplo que vimos anteriormente, da cantora e do taxista, o taxista seria responsabilizado por
negligência, ao violar o direito de crédito, sendo os terceiros, a empresa e os espectadores,
tutelados, porque houve uma violação ilícita do seu direito.)
Para estes autores, o artigo 483.º foi pensado especificamente para a violação de direitos absolutos.
Para os autores que negam que a eficácia externa das obrigações resulte deste artigo, na sua
maioria, resolvem esta problemática com recurso ao abuso de direito – artigo 334.º. RIBEIRO DE
FARIA fala da reprovação da consciência ética imperante.
CARNEIRO DA FRADA discorda com este entendimento, porque ignora a história da Lei,
e atribui à letra da Lei uma amplitude que esta nunca teve no pensamento dos autores, bem como
dá ao Direito Delitual uma aplitude tal que torna impraticável o sistema de responsabilidade,
tendo em conta as consequências aqui demonstradas. Se alargamos a responsabilidade a todos
aqueles que, ainda que de forma remota, venham a interferir em relação obrigacional alheia, temos
espirais de responsabilidades que não acabam. Há razões de praticabilidade que justificam que
o certo é que o artigo 483.º não abrange a tutela do crédito. A tutela do crédito é feita através
do artigo 798.º, para o artigo 483.º interessam apenas posições erga omnes, que podem ser opostas
a quem quer que seja.
CARNEIRO DA FRADA entende que o que está em causa é o imperativo ético-jurídico de
censurar a criação malévola de um prejuízo a terceiro. A solução mais correta consta do parágrafo
826.º do BGB, que diz: “Uma pessoa que, em oposição aos bons costumes, infligir
intencionalmente danos a outra pessoa, está obrigada a indemnizá-la pelos danos causados.”
Desta solução do BGB não só resulta a questão da intencionalidade (o dolo), mas ainda a
questão da ofensa à moral prevalecente na sociedade à data da prática do facto.
Problema: este parágrafo não tem equivalência na jurisdição portuguesa. De acordo com
CARNEIRO DA FRADA, não se trata de utilizar aqui o 483.º, porque esse está pensado para a
violação de direitos absolutos. Defende ainda que não se pode aplicar diretamente o 334.º, porque
não está em causa o exercício de um direito, mas sim de uma liberdade genérica de agir. Portanto,
entende o autor que se aplicará ao caso o artigo 334.º por analogia, densificado pelos tais
requisitos da intencionalidade e da ofensa à moral prevalecente.
É no Direito das Obrigações que o princípio da autonomia privada tem a sua maior
amplitude. Nos Direitos Reais, vale o princípio da tipicidade, ou seja, os direitos reais só se
podem constituir nos termos do disposto no artigo 1306.º do Código Civil, não havendo liberdade
de conformação do conteúdo do direito. As relações familiares também estão sujeitas ao princípio
da tipicidade, família é aquilo que o legislador entendeu ser família; no Direito das Sucessões, as
relações estão tipificadas na Lei também.
À partida, a constituição de obrigações e a conformação do seu conteúdo é livre, está na
disponibilidade dos sujeitos. As partes podem, por contrarto, conformar as relações obrigacionais
que quiserem, dentro dos limites da Lei.
O artigo 405.º, do princípio da liberdade contratual, tem duas vertentes: a liberdade de
celebrar ou não celebrar contratos e a liberdade de atribuir a esses contratos o conteúdo que se
quiser (as partes podem celevrar os contratos previstos pela Lei, podem misturar vários elementos
de vários contratos previstos pela Lei, gerando contratos mistos, e podem celebrar contratos para
além das possibilidades que a Lei estabelece). Existe, portanto, liberdade de constituição de
relações obrigacionais, princípio contrastante com o princípio da tipicidade aplicado aos direitos
reais.
A liberdade no Direito das Obrigações é uma liberdade de constituição das relações
obrigacionais por contrato; quanto aos negócios jurídicos unilaterais, vigora o princípio da
tipicidade (artigo 457.º), os negócios unilateriais só podendo ser fontes de obrigações nos casos
previstos na Lei. Esta restrição é uma forma de proteger um obrigado mediante um negócio
unilateral a que se vincula, se nada recebe em troca.
O princípio da liberdade contratual tem restrições. Desde logo, a obrigação legal de
contratar, em determinados serviços. É uma restrição, mas não significa isso que perde a
autonomia. A autonomia é colocada ao serviço de atividades que, para uma das partes, não está no
seu âmbito. O Direito das Obrigações é chamado para estabelecer disciplina em âmbitos que não
são autónomos. Ou seja, há hipóteses em que existe uma obrigação legal de contratar, o que
representa uma restrição à liberdade privada (por exemplo, a STCP não pode impedir uma pessoa
de frequentar os seus autocarros a priori).
A autonomia privada é garantida ao sujeito, o sujeito exerce ou não as possibilidades pela
ordem jurídica conferidas, não podendo antecipadamente renunciar à tutela que a ordem jurídica
lhe confere, expressando isto a importância que a ordem jurídica dá à autonomia privada. No
artigo 809.º, é-nos dito que o credor não pode renunciar antecipadamente ao direito a pedir a uma
indemnização no caso de incumprimento do devedor, também não pode renunciar
antecipadamente o poder de resolução no caso de incumprimento do devedor, e não pode ainda
renunciar antecipadamente à possibilidade de agredir o património do devedor para a satisfação do
seu interesse em espécie ou em equivalente. No âmbito dos direitos de personalidade, a situação
é semelhante – não é possível a renúncia antecipada dos direitos, como dita o artigo 81.º.
Tudo isto mostra que a ordem jurídica se preocupa com uma autonomia privada que se
expresse na realidade, em condições de ser efetivamente exercida, e de modo atual, pelo sujeito. A
renúncia antecipada a proteção de direitos de crédito não é, portanto, permitida.
A autonomia privada nem sempre tem condições fácticas de exercício em algumas
áreas. Uma das exceções do seu exercício é a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, nesta
contratação a ordem jurídica indo mais além e não permitindo cláusulas que, noutras
circunstâncias, seriam permitidas. A ordem jurídica desinteressa-se pelo conteúdo do acordo, regra
geral, mas além das CCG, temos, por exemplo, a exceção do negócio usurário, no artigo 282.º. A
ordem jurídica não reage à simples desproporção do contrato, mas basta que o mesmo seja
desiquilibrado para que seja anulável por usura, através da combinação entre elementos objetivos e
subjetivos. ). Esta é uma cláusula geral de grande amplitude, que permite tutelar as situações mais
gritantes de injustiça do conteúdo do contrato, porque essa faz, pelo menos, presumir que houve
alguma deficiência da vontade, e que alguém se aproveitou da situação de dependência, de
ligeireza, que de outra forma, de acordo com padrões de normalidade, não levaria as pessoas a
negociar.
A questão aqui é saber se o negócio profundamente injusto e desiquilibrado tem ou não
validade na ordem jurídica portuguesa, porque, se virmos a autonomia formal, como
possibilidade abstrata de autodeterminação, estes negócios são válidos, mas se defendermos um
conceito material da autonomia privada, devemos então respeitar a autonomia privada quando
se encontre dentro dos limites daquilo que é uma justiça mínima – aqui, falamos de um princípio
da justiça contratual. (É exemplo o abuso de direito. Para mostrar que a autonomia privada é, no
Direito, entendida em sentido ético-jurídico, entende-se que a mesma é livre, mas não significa
isso que o sentido das suas ações seja totalmente indiferente para o Direito, porque é exigido um
mínimo de
compatibilidade entre a forma de exercício da autonomia privada e os valores de Direito. O
indivíduo que incorre em abuso de direito age ao abrigo de uma permissão normativa específica,
mas o seu exercício pode ser ilegítimo, na medida em que a sua autodeterminação ofenda valores
da ordem jurídica, sob os quais não tem autoridade e sob os quais a sua liberdade é eticamente
comprometida.)
Em suma, não está desconectada da capacidade de cada um de nós autodeterminar aquilo
que é justo e aquilo que é bom. A autonomia privada, como valor do Direito, é-o no seu sentido
material, conforme os valores do ordenamento.
Princípio da boa-fé
A boa-fé é um conceito indeterminado, que permite uma certa osmose entre o sistema de
normas rígidas e todo o ambiente cultural da sociedade. Tem uma carga valorativa: ao exigirmos
condutas segundo a boa-fé, estamos a recusar comportamentos que só formalmente se adequam à
finalidade do Direito; a norma é apenas um instrumento da realização do Direito, a boa-fé é o que
permite que a ordem jurídica encontre a justiça.
A boa-fé tem extrema relevância no Direito Civil português, particulamente nas relações
jurídicas. Não é uma fonte de obrigações, mas um comando do modo como as partes se
relacionam e se comportam nesse relacionamento, o seu objetivo sendo a justiça material das
relações jurídicas, estando em causa o modus faciendi do credor e do devedor, que pode estar
relacionado com várias manifestações desse comportamento: por vezes, trata-se do modo de
prestar, outras vezes, trata-se da desproporção. (Neste último caso, o Tribunal tem o papel de
sancionar comportamentos contrários à boa-fé, através de indemnizações ou da determinação de
inexigibilidade, por exemplo.)
A boa-fé desenvolveu-se ao longo dos séculos, não sendo entendida, no Direito Romano,
como uma noção do direito subjetivo; mais tarde, na Idade Moderna, a expressão germânica
atribui- lhe o significado de “fidelidade e fé”, consistindo na lealdade das relações entre pessoas,
sendo um vetor que transcende as particularidades culturais, no espaço ou no tempo. Ela existe até
como justificação de mandamentos elementares, como o de que o contrato deve ser cumprido,
como dispõe o artigo 406.º, ainda que o artigo não a refira.
O nosso Código Civil atribui-lhe duas aceções:
Pode haver o não cumprimento das disposições de boa-fé, sendo dessa conduta desleal e
egoísta que surgem vários conflitos obrigacionais. Não se impõe a nenhuma das partes a
prossecução dos interesses da outra parte, cada uma seguindo os seus, no entanto é imposto que se
tenham em conta, minimamente, não se podendo prejudicar a utilidade dos mesmos.
O elenco dos deveres emanados da boa-fé é infindável, e existem várias formas de
organização dos mesmos. De acordo com MENEZES CORDEIRO, existem três categorias:
os deveres de
informação, os deveres de lealdade e os deveres de proteção. CARNEIRO DA FRAD discorda,
agrupando as funções de proteção com características do comportamento, preferindo um critério
que divide os deveres emanados da boa-fé em duas categorias: os que servem o fim da relação
obrigacional, e os que estão ao serviço da realização do interesse da contraparte.
A ideia de boa-fé desenvolve várias dimensões regulativas, sendo uma das mais importantes
a disposta no artigo 334.º do Código Civil – o instituto do abuso de direito (por ofensa dos
dítames da boa-fé). (Devemos considerar o abuso de direito um instituto? Alguns autores
consideram que não, visto que temos aqui uma figura fragmentada, não podendo falar de uma
unidade, e sendo a unidade um pressuposto para que exista o instituto. No abuso de direito, temos
preocupações de justiça material, de equilíbrio de posições e uma tutela de confiança.)
O princípio do abuso de direito como manifestação da dimensão regulativa da boa-fé tem
carácter geral, aplicando-se a todos os domínios do Direito Privado. Temos uma disfunção entre
aquilo que está formalmente permitido pela ordem jurídica ao sujeito, e aquilo que corresponde à
sua vontade mais profunda. A liberdade é permitida, mas não é indiferente para o Direito
como a mesma é exercida.
O abuso do direito expandiu-se amplamente, primeiramente através da discussão teórica, que
contrapunha:
− As teorias internas, que defendem que quem está a exercer o seu direito não tem
direito, pelo que o abuso seria, no limite, dispensável quando há uma falta de direito,
quando ele nem sequer existe.
− As teorias externas, que dizem que o sujeito pode ser proprietário (por exemplo), no
entanto existem condicionantes à propriedade, que efetivamente limitam o seu direito
(de propriedade). Durante grande parte da história do Direito Civil, encontrar norma
onde sustentar estas limitações não foi fácil, não existindo nada escrito; havia algo
externo a limitar o direito, porém não se sabia como fundamentar esse limite externo.
No entanto, hoje esta dificuldade desvanece, dando lugar a uma ordem jurídica
sujeita a camadas de abstração, a valores intrínsecos do ordenamento. A partir
destes valores, surgiu o artigo 334.º do Código Civil, que diz que os limites ao
uso do direito são o fim económico-social do Direito, a boa-fé e os bons
costumes.
− Para os positivistas, que defendem um sistema de normas apenas, a
justificação atribuída pelas teorias externas não seria possível, só as teorias
internas servindo. Remetemos, aqui, para a teoria tridimensional do
Direito, de
MIGUEL REALE, segundo a qual o Direito assenta em três pilares: o facto, a
norma e o valor. Esta teoria aplica-se ao abuso do direito, na medida em que
aquilo que determina que certo direito não pode ser exercido em função de
determinadas circunstâncias são os factos.
Numa situação de abuso de direito, o direito é exercido de uma forma que a ordem jurídica
condena, aplicando-se, nas situações limites, que são os atos emulativos, em que um sujeito atua
com a intenção de prejudicar o outro. Os atos emulativos são atos que a a ordem jurídica
dificilmente tolera. A consequência é a ilegitimidade do exercício do direito, que se pode dar sob
muitas formas: preclusão do exercício do direito, total ou parcial, entre outras, dependendo do tipo
de direito e exercício em causa. Viola gritantemente as exigências éticojurídicas do
comportamento, bem como os bons costumes. Contudo, é a última ratio, tendo aplicação
subsidiária.
As modalidades de abuso do direito são:
Tutela da confiança
Alguns autores consideram que a tutela da confiança é outra vertente da boa-fé, um dos seus
dois objetivos (sendo o outro objetivo a justiça material/substancial). No entanto, para outros
parece entender-se que a tutela da confiança é frequentemente confundida com a tutela do abuso
de direito ou da boa-fé, apesar de se tratarem de figuras distintas. Na boa-fé, está em causa a
correção do comportamento das partes, censurando-se condutas desleais. Já na tutela da confiança,
está em causa a proteção de situações em que, embora não haja um comportamento
incorreto, desleal ou desonesto de uma das partes, o mesmo comportamento gerou
expectativas cuja violação causou danos. A boa-fé protege a confiança, mas não se confundem
as duas.
De acordo com CARNEIRO DA FRADA, não é possível construir o direito com base na
confiança. A confiança de uns contrapõe-se à confiança de outros, surgindo conflitos, pelo que a
boa-fé não é o critério ordinário e decisivo da resolução dos mesmos. Os critérios são materiais e
prescindem da representação material dos sujeitos. Cada um tens as suas convicções, e o direito
não pode cair na subjetividade individual.
No entanto, e apesar da confiança, enquanto tal, não ser o critério ordinário de resolução de
conflitos, não significa que não possa ter consequências especificas enquanto confiança. Há
previsão de consequências especificas para proteger a confiança (são exemplos os artigos 81.º,
245.º/2, 291.º, 899.º ou 909.º).
Quando assim é, não há dificuldade – havendo previsão, aplica-se. O problema é quando não
existem cláusulas específicas. Podemos proteger através de cláusulas gerais? Uma das
cláusulas propostas é a cláusula do abuso de direito (334.º). em que o sujeito ganha a confiança de
outrem e depois a frusta. Quando é que o abuso de direito pode existir por frustração da confiança?
Aqui, interessa-nos a interpretação dos limites impostos pela boa-fé.
Os requisitos para que haja a possibilidade de proteção da confiança são:
Falamos da realidade que está na origem, no fundo, o facto constitutivo das obrigações. A
obrigação adquire conteúdo que varia de acordo com a fonte que a origina.
No Direito Romano, conhecíamos duas grandes fontes de obrigações: os contratos, dos
quais nasciam obrigações por vontade das partes, sendo estes a base do Direito Privado; e os
delitos, estando em causa factos ilícitos danosos, praticados com dolo ou intenção, havendo
responsabilidade delitual (remissão para a atual responsabilidade civil), dando origem a obrigações
não decorrentes da vontade, mas sim da própria Lei, pela necessidade de proteção das posições
dos sujeitos contra situações danosas. No Direito Justinianeu, acrescentaram-se dois outros pólos:
os quase-contratos, que consistiam em situações em que a vontade do sujeito parecia relevante,
mas a obrigação não requeria propriamente um contrato, sendo factos lícitos e voluntários que, não
sendo contratos pela falta de um elemento essencial dos mesmos (por exemplo, o acordo entre as
partes ou a intenção de vinculação), criavam obrigações para o autor ou para terceiro (é exemplo a
gestão de negócios); e os quase-delitos, situações de dano em que havia mera negligência, sem
dolo (descuido ou imprudência desculpável).
Até aos primeiros movimentos codificadores do século XIX, foi comum proceder-se a uma
sistematização quadripartida das fontes das obrigações. Mais tarde, acrescentou-se uma nova
categoria: a Lei. Nesta eram incluídas as espécies que, por não caberem em nenhuma outra
categoria, afirmavam ser causa a “vontade do legislador” (por exemplo, a obrigação de alimentar,
a obrigação de conceder comparticipação ao vizinho do muro ou da parede divisória, entre outros).
Sempre que a Lei determinasse a formação de uma obrigação, a mesma formava-se.
No século XIX, a classificação tradicional foi abandonada, fruto de críticas quanto à falta de
rigor científico. À figura dos quase-contratos apontava-se a falta de consistência da noção que,
enquanto classificação abrangente de uma série heterogénea de situações que pouco tinham em
comum, não conseguiu nunca construir um conceito unitário nem encontrar um acordo quanto à
lista existente de quase-contratos. ANTUNES VARELA salienta que a criação desta figura sempre
esteve relacionada com a relutância dos autores em aceitar que as obrigações pudessem nascer por
imperativo legal, solidariedade social ou por cooperação humana, até. Esteve sempre em causa o
dogma da vontade, que estabelece que uma obrigação teria origem na força criadora da vontade
das partes. Os quase-contratos vinham precisamente vencer a dificuldade de que alguém possa ser
obrigado sem o seu consentimento. A distinção entre delitos e quase-delitos tinha, no campo da
responsabilidade civil extracontratual, reduzido interesse, visto que o regime é comum à prática de
factos ilícitos culposos ou negligentes. Revela-se mais importante a distinção entre
responsabilidade proveniente da prática de factos ilícitos e a responsabilidade baseada no risco. E,
ainda, a Lei é sempre, mediata ou imediatamente, fonte e causa das obrigações, pelo que não
poderia constar desta sistematização.
− Os negócios jurídicos unilaterais, onde temos autonomia privada, mas não tão
ampla quanto nos contratos.
− A gestão de negócios, que se dá quando alguém assume a direção de um negócio
alheio sem para tal estar autorizado, presente nos artigos 464.º e seguintes. (Por
exemplo, uma pessoa que cuida do animal de estimação do vizinho que está
hospitalizado – não há contrato, mas há obrigações, como reembolsar as despesas.)
São obrigações que surgem de uma conduta voluntária não contratual, podendo ser
consideradas como quase-contratos.
− O enriquecimento sem causa, que é uma figura híbrida que podemos considerar
como um quase-contrato (artigo 473.º/1).
− A responsabilidade civil, onde temos tipicamente a heteronomia (artigos 483.º e
499.º).
O nosso Código Civil segue um critério pragmático e formal de enumeração tipológica das
fontes, seguindo o que a História do Direito foi considerando como fontes. (No entanto, admite-se
que poderia ter usado critérios mais racionais, limitando-se a apresentá-las de seguida por uma
questão pragmática.)
O Código Civil não adianta se o elenco de fontes é taxativo ou exemplificativo, limita-se a
regular como conjunto de fontes, realidades aptas a fazer surgir obrigações, sem preocupações
ordenadas. Contudo, fora desta sistematização, sobram as obrigações não autónomas, nascidas
por força de vínculos sucessórios, familiares e reais (casos dispersos de responsabilidade por
factos lícitos – artigos 1348.º/2 e 1349.º/3), e a responsabilidade pré-contratual.
Assim, as fontes que vamos analisar não esgotam todas as fontes possíveis. A nossa ordem
social é uma ordem de liberdade e as obrigações têm de estar de acordo com isto, não se
vedando a constituição de obrigações por outros factos para além dos previstos na Lei. Há
que ter alguma cautela nesta consideração, pois há discussões jurídicas em torno da aptidão de
determinadas situações para gerar obrigações, como é o caso da boa-fé (CARNEIRO DA FRADA
entende que não é uma fonte, pois esta determina o modo de as cumprir, mas não gera, só por si,
deveres de prestar), da confiança e das relações contratuais de facto. Estas não constituem
obrigações, mas modos de comportamentos em obrigações já existentes. Não são deveres de
prestar, mas de conduta. Tirando estes casos, temos um elenco de fontes estável.
OS CONTRATOS
Os contratos são, desde sempre, a fonte mais relevante de obrigações, mas também são
fontes de direitos reais, familiares e sucessórios.
O contrato é o ato jurídico vinculativo composto por duas ou mais declarações de vontade de
sentido tendencialmente oposto, mas que convergem num mútuo acordo, visando produzir efeitos
jurídicos coincidentes com o teor das vontades declaradas. Assim, o seu elemento essencial é o
consenso (artigo 232.º), acordo das partes, havendo um ato de autodeterminação, que é uma
manifestação de excelência de autonomia privada, sendo muito importante, pois as partes
atribuem- se a elas próprias, efeitos jurídicos que as vinculam. Temos autonomia privada a
manifestar-se na liberdade de celebração e liberdade de modelação dos contratos.
Para que haja contrato, é necessário que a aceitação cubra todos os pontos da proposta,
que deve abranger todos os elementos essenciais da negociação, de modo a não ser considerada
um simples convite a contratar. Se o destinatário da proposta não a aceitar integralmente,
considera-se recusada, havendo uma nova proposta até que o acordo se alcance (artigo 233.º). Para
que haja contrato, é essencial que as partes queiram um acordo juridicamente vinculativo e não um
acordo de mera obsequiosidade ou um acordo de cavalheiros.
Qual é o fundamento da vinculatividade do contrato?
O contrato, se não pode deixar de ser valorizado pela sua ligação à liberdade e sentido ético
do sujeito, que pode como ser racional produzir consequências jurídicas próprias pelo exercício da
sua vontade, tem sofrido algumas crises.
Há uma certa corrosão deste ideário do contrato: por um lado, a expressão tem sido usado
em vários sentidos, inclusive no contexto político; por outro lado, proliferam hoje muitas
obrigações de contratar, pelo que não se sabe onde está a autonomia privada e a liberdade
contratual nestes casos, pondo em causa a ideia de quem decide, como e quando se compromete.
Encontra-se, em muitos setores, a liberdade contratual diminuída, embora existindo, sendo
restringida (exemplo das cláusulas contratuais gerais). Além disso, há uma forte intervenção
legislativa no domínio dos
contratos, que não dependem da autonomia privada e que servem para proteger a parte mais fraca
(exemplo das leis de garantia dos consumidores). O dirigismo económico tem também
implicações no domínio contratual, de reorganização da economia e redistribuição da riqueza que
são normas de ordem pública de proteção, mas também de intervenção na economia (exemplo das
leis que incentivam a fixação de empresas em determinadas zonas). O juiz também pode
conformar o contrato (exemplos como a moderação de uma cláusula penal excessiva, ou a
modificação do conteúdo do contrato após a alteração superveniente das circunstâncias, etc.).
Apesar destas tendências e configurações atuais, os contratos continuam a florescer, pelo
que se tem dito que as expansões dos contratos para estes planos só revelam a enorme
fecundidade da figura dos contratos, que ultrapassa as suas barreiras naturais, para ocupar um
espaço que nenhum outro instituto jurídico alguma vez conseguiu preencher.
Na nossa tradição continental, o contrato implica um consenso, mas na tradição anglo-
saxónica, ao consenso pouco relevo se dá, falando-se antes de promessa (é o que vincula o
contrato). Há promessas recíprocas nas relações obrigacionais, pelo que os contratos obrigacionais
são consensos em torno de promessas. No entanto, é certo que os contratos também podem ser
reais, familiares e sucessórios, que têm efeitos que não são promessas. Não obstante, é um sistema
similar que dá a mesma resposta aos problemas fundamentais. Os americanos têm dificuldade em
distinguir promessas vinculativas de não-vinculativas.
Há imensas promessas feitas na vida social do quotidiano que não merecem a tutela do
Direito. Em Portugal, a generalidade da doutrina interroga-se apenas da existência ou não de
contrato. Se houve, há efetivamente possibilidade de levar a questão ao Tribunal, exigindo-se o
cumprimento, já se não houver, nem se pensa porque é que não há contrato. Assim, não se dá
relevância às promessas não-vinculativas. Para os americanos, a promessa é vinculativa mediante
a verificação de certos elementos, nomeadamente, a correspetividade da prestação (têm uma
consideration), pois dá seriedade à promessa. Têm acoplada uma contraprestação, um sacrifício
que justifica que elas sejam levadas a Tribunal se não forem acatadas (por exemplo, se tiver sido
dado um sinal, há justificação). Nas promessas simples, pelas quais não há que prestar nada em
troca, suscitam-se dúvidas se serão vinculativas ou não. (Vejamos o exemplo do caso do padrinho
que promete ao afilhado que lhe compra um carro se passar no exame de condução, e este passa.)
Entre nós, exigimos então o consenso: que as partes se comprometam reciprocamente e
que haja uma vontade de produção de efeitos jurídicos.
Os contratos pautam-se por um princípio da relatividade contratual (artigo 406.º/2), em
que não podemos ser confrontados com obrigações que não assumimos, pelo que os efeitos
jurídicos dos contratos só vinculam as partes que os determinaram, embora haja exceções. O
contrato institui uma espécie de lex privata entre as partes. Da mesma forma que só por acordo é
possível constituir ou modificar o contrato, também só se pode extinguir o contrato por acordo, a
não ser quando a Lei o dispense em certas situações. Surge, também, a este propósito, o princípio
da legalidade do contrato. Nos termos dos artigos 443.º e seguintes, a Lei admite que o contrato
tenha efeitos em relação a outras pessoas (por exemplo, no seguro de vida, o terceiro que não foi
parte do seguro pode reagir contra a seguradora). Contudo, a regra é a relatividade.
O artigo 408.º refere que os contratos podem ter eficácia real, podendo produzir efeitos
reais por si só, sem necessidade de um ato ulterior, mas isso só opera em relação aos contratos
sobre coisas determinadas. (Por exemplo, se vendo um livro a A, há um efeito real sem
necessidade de um ato, mas se A vende a B cinco ovelhas do seu rebanho, é preciso saber quais
são as ovelhas, é preciso individualizá-las, pois só existem direitos reais sobre coisas
determinadas.) O contrato de compra e venda tem eficácia real, que é a transferência da
propriedade da esfera do vendedor para a do comprador. Há um efeito real suscetível de ser
produzido por mero acordo das partes, basta o consenso. Há outros ordenamentos nos quais só se
gera a obrigação de entregar a coisa e não o direito sobre ela (atribui-se à outra parte o poder
fáctico de a exigir, sendo preciso um ato material), fazendo-se através da inscrição do registo, que
é facto constitutivo do direito. Entre nós, o registo só tem efeito declarativo, pelo que só
declara aquilo que já está constituído. (Só há um caso em que o registo é constitutivo, que é no
caso da hipoteca.) [O artigo 409.º dita que, no caso de não cumprimento do comprador (artigo
886.º), a propriedade transferida não volta à esfera do alienante, por isso há interesse na cláusula
de reserva de propriedade, que pode ser feita através de condição suspensiva (o vendedor transfere
a propriedade quando for pago) ou resolutiva (o vendedor transfere a propriedade, mas o contrato
resolve-se se o preço não for pago).]
− O princípio da pontualidade, que nos diz que os contratos têm de ser cumpridos
ponto por ponto nos seus exatos termos. Disto decorrem duas consequências: o
devedor não pode cumprir com coisas diversa daquela que se obrigou, sem
consentimento do devedor (ação em cumprimento – artigo 837.º) e a proibição da
condenação in id quod facere potest, isto é, a exclusão da condenação naquilo que
pode fazer (por exemplo, não se reduz o cumprimento da prestação àquilo que o
devedor pode fazer). O devedor não pode invocar a sua situação económica para
obter um benefício de cumprimento, o devedor tem de realizar a prestação
integralmente e não por partes. Se o devedor se oferecer para cumprir apenas parte, o
credor pode recusar, incorrendo o devedor em mora quanto à prestação em falta. Se o
credor aceitar parte, o devedor fica em mora quanto ao restante, exceto se houver o
alargamento do prazo de cumprimento. Se o credor exigir apenas parte, o devedor
pode cumprir por inteiro. Nos termos do artigo 763.º, o cumprimento parcial
apenas é possível quando a Lei, os usos ou as partes assim o entendam.
− O princípio da estabilidade do cumprimento dos contratos, que tem duas
consequências: a irrevogabilidade do vínculo contratual (as partes não podem
desvincular-se unilateralmente do contrato, exceto nos casos previstos na Lei, diz o
artigo 406.º) e a imodificabilidade ou intangibilidade do conteúdo contratual (as
partes
não podem modificar unilateralmente o conteúdo do contrato, exceto por consenso das
partes ou nos casos que a Lei admita, dito no mesmo artigo).
O contrato-promessa
− A doação. Esta é livre, pelo que não parece ser possível a celebração de um contrato-
promessa de doação. O regime jurídico português das doações permite a liberdade
atual daquele que dispõe do bem, a espontaneidade. Se nos termos do artigo 942.º,
ninguém pode doar aquilo que só futuramente vai receber ou integrar a sua esfera
jurídica, mesmo que haja vontade do sujeito de doar, por maioria de razão, também
não se pode vincular a realizar uma doação no futuro. Além disso, se o doador só
responde pelos vícios da coisa se agir com dolo (956.º), não faz sentido admitir-se
um contrato-promessa que atribuiria uma responsabilidade em caso de
incumprimento.
− Os contratos reais de constituição em que se exige a entrega da coisa (são
exemplos o comodato, o mútuo, a parceria pecuária, o depósito). Na opinião de
CARNEIRO DA FRADA, não devem admitir-se estes contratos-promessa. Temos a
entrega da coisa como requisito para a perfeição do contrato. De acordo com o que é
razoável, o sujeito não se quer vincular juridicamente ao empréstimo. A vinculação
só surge com a entrega, porque surgem efeitos para ambas as partes. (Por exemplo, A
empresta uma bicicleta a B, e a vinculação só se exige com a entrega da bicicleta. A
entrega é uma manifestação da juridicidade do acordo, porque sem ela, a vontade
manifestada não é
certo que se dirija à produção de efeitos jurídicos. No caso do mútuo, imagine-se que
A diz que empresta a B dinheiro para comprar a casa, empresta-se com uma
determinada liberalidade. Assim, enquanto o dinheiro não for entregue, a parte pode
recuar na sua vontade de emprestar o dinheiro, porque não há ainda uma vontade de
produzir efeitos jurídicos. Como é que podemos aceitar que alguém fique vinculado a
um contrato de depósito sem lhe ser entregue a coisa? E do lado do depositante? Se é
ele o sujeito cujo interesse foi combinar o depósito, enquanto não entregar a coisa,
pode desistir.)
− O mandato. O interesse proeminente neste contrato é o do mandante, então não faz
sentido vincular o mandante a celebrar um contrato de mandato, pelo que não parece
ser de admitir a celebração de um contrato-promessa.
Falemos do caso dos contratos-promessa com eficácia real. As partes podem atribuir
eficácia real ao contrato-promessa (artigo 413.º), estando em causa um contrato-promessa que visa
a transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.
Qual a vantagem? B promete vender a C um apartamento seu. Entretanto promete vender o
mesmo apartamento a D. Quando a promessa tenha eficácia meramente obrigacional, a validade
do direito adquirido por D não será afetada, tendo o contraente que ficar prejudicado, mas ainda
assim tem direito a ser indemnizado. Neste caso, e porque estamos mediante promessas
incompatíveis, nem C nem D podem opor o seu direito contra o outro, porque ambas as promessas
são válidas. Prevaleceria, provavelmente, o direito daquele que primeiro recorresse à execução
específica ou conseguisse o cumprimento de B. O outro teria sempre o direito a ser indemnizado.
Mas se o contrato-promessa entre B e D tivesse eficácia real, o caso seria já diferente: aqui, o
direito de D prevaleceria sobre o de C, ainda que constituído posteriormente. Assim, a eficácia real
constitui um alargamento dos efeitos do contrato em relação a terceiros, passando a promessa a
valer erga omnes.
Mas, para que a um contrato-promessa relativo à transmissão ou constituição de bens
imóveis ou móveis sujeitos a registo se atribua eficácia real, o artigo 413.º impõe a
verificação de três requisitos cumulativos:
− As partes têm que declarar expressamente, no contrato-promessa, a sua intenção de
lhe atribuírem eficácia real (413.º/1).
− Quanto à forma, o contrato-promessa tem de ser celebrado por escritura pública ou
documento particular autenticado, exceto se o contrato-prometido não exigir
essa forma, caso em que basta documento particular com reconhecimento das
assinaturas de quem se vincula (413.º/2), tendo de se observar a mesma forma.
− O contrato-promessa tem de incidir sobre bens objeto de registo (aqui o registo é
constitutivo, é uma condição de eficácia real da promessa), sendo estes normalmente
imóveis. (É possível de ser aplicado nos bens móveis, mas em relação a estes a Lei
não é tão exigente quanto à escritura pública ou documento particular autenticado. Se
assim é, faria sentido atribuir eficácia real a esta promessa e submetê-la a um
formalismo tão pesado? Não faz sentido, por isso a Lei aligeira a forma.)
Reunidos estes requisitos, e se a promessa não for revogada, declarada nula ou anulada ou
não caducar, o contrato-promessa com eficácia real prevalecerá sobre todos os direitos
pessoais ou reais que posteriormente se constituam em relação ao bem imóvel ou móvel
sujeito a registo, tudo se passando, em relação a terceiros, como se o contrato prometido tivesse
sido celebrado na data do registo do contrato-promessa com eficácia real. A falta de qualquer um
dos requisitos implica que o contrato-promessa, ainda que válido, tenha eficácia meramente
obrigacional, sendo inoponível a terceiros e não podendo perturbar os direitos que estes
adquiriram sobre o bem, com uma exceção, que diz respeito ao registo da ação de execução
específica. Aqui, a sentença favorável (declaração da ação procedente), desde que registada, é
oponível a terceiros, prevalecendo aquele contrato-promessa sobre todos os contratos de
transmissão de bens posteriores a esse registo.
Vejamos o sinal (artigos 441.º e 442.º) – consiste na coisa (dinheiro ou outra coisa
fungível) que um dos contraentes entrega ao outro, no momento da celebração do contrato
ou em momento posterior, como prova da seriedade do seu propósito negocial e garantia do
seu cumprimento (sinal confirmatório), ou como antecipação da indemnização devida ao
outro contraente, na hipótese de o autor do sinal se arrepender do negócio e voltar atrás
(sinal
penitencial), podendo a coisa entregue coincidir (no todo ou em parte) ou não com o objeto de
prestação devida pelo contrato.
O sinal não tem de estar presente sempre do mesmo modo e com a mesma intensidade, tendo
uma multiplicidade de funções: a função confirmatória da vontade de produção de efeitos
jurídicos, quando mostra a sua vontade de cumprir e que a sua vinculação não é de trato social ou
de mera obsequiosidade; a função coercitiva/compulsória, porque pode funcionar como coação
ao cumprimento; e a função penitencial (de preço do arrependimento), uma função liberatória em
que o sujeito liberta-se do vínculo pagando o sinal. O sujeito compromete-se, mas tem a liberdade
de sair do contrato com o mínimo de consequências, no caso de se arrepender (a consequência será
pagar o sinal, indemnizando assim a pessoa cujas expetativas são frustradas).
Estamos perante o sinal quando as partes atribuam essa natureza a uma antecipação do
cumprimento por uma das partes (artigo 440.º). Contudo, a antecipação do cumprimento não se
confunde com o sinal, pelo que esta só pode ter caráter de sinal se as partes lho atribuírem .
Pelo contrário, quanto aos contrato-promessa de compra e venda sinalizados, coloca-se a questão
de saber o que a quantia entregue significa. Estará o promitente-comprador a antecipar o
cumprimento da sua prestação? Nestes casos, o artigo 441.º estabelece que se presume que tem
caráter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, por
isso, aqui a regra é inversa. Há uma imputação numa situação de cumprimento, as partes podem
reaver aquilo que foi entregue a título de garantia.
O sinal é um meio de tutela, mas às vezes revela-se um meio insuficiente. Na medida em
que houve uma valorização dos imóveis e aparecendo compradores mais fortes, o legislador veio
regular que, no sinal, confrontado com o facto de não ser uma tutela adequada, os indivíduos que
tinham constituído o sinal tinham adquirido o bem pela entrega da coisa. Por isso, no artigo
442.º/2, a Lei permite que quando haja entrega da coisa e expectativas relevantes, o
adquirente possa obter o valor do sinal ou da coisa ou o direito a transmitir a coisa. Tem de
se deduzir o preço convencionado e o mecanismo do sinal deixa de operar. Se o promitente
vendedor tiver de pagar ao promitente comprador, morre o incentivo a aceitar negócios mais
benéficos.
O pacto de preferência
obrigacional. (O artigo 422.º acrescenta até que o preferente não pode exercer o seu direito nas
alienações que resultem de processos de “execução, falência, insolvência ou casos análogos”,
porque, apesar de não parecer haver impedimento em que houvesse um direito de preferência pelo
valor de arremate ou adjudicação dos bens, a mera existência do direito poderia afastar
interessados na aquisição dos bens, para prejuízo do credor, que os veria desvalorizar.)
Porém, há casos em que se admite que a preferência com eficácia real (erga omnes).
Referências reais resultam de determinações legais (Lei quer atribui-lhes um estatuto forte) ou por
convenções das partes, mas para tal, têm de estar preenchidos os requisitos que decorrem do
artigo 421.º/1, combinado com o artigo 413.º: as partes acordarem expressamente dar eficácia
real ao pacto; tratar-se de um bem imóvel ou móvel sujeito a registo; dar-se publicidade à eficácia
real por via do registo; constar de escritura pública ou documento particular autenticado, salvo se a
lei não exigir essa forma para o contrato sobre o qual recai a preferência, caso em que bastará
documento particular com reconhecimento da assinatura do obrigado.
Adquirindo eficácia real, o pacto de preferência passa a produzir efeitos em relação a
terceiros, podendo-lhes ser oponível (torna-se num verdadeiro direito real de aquisição). Em
caso de violação, o titular do direito pode substituir-se ao terceiro na propriedade da coisa e assim
a sua preferência será atendível nos processos de execução, falência e insolvência, onde serão
tratados como direitos legais de preferência. Apesar de poder ser oponível a terceiro, o
beneficiário da preferência pode continuar a ter direito à indemnização contra o obrigado à
preferência. ANTUNES VARELA defende que, havendo direitos legais de preferência
anteriores aos que resultem dos direitos de preferência da eficácia real, aqueles prevalecem
e, igualmente, prevalecem sobre os direitos de preferência os direitos reais de gozo ou de
garantia anteriormente registados sobre a coisa (caso da hipoteca).
De acordo com CARNEIRO DA FRADA, a teoria da oferta contratual considera que não
há nenhuma oferta, pelo que a teoria não vale. O direito a adquirir para si a coisa depende de uma
condição que é a decisão e contratar por parte do obrigado à preferência e por outro lado, a
vontade de ele próprio se vincular.
A teoria do facto negativo diz que preferência seria uma prestação de facto negativo (não
poderia vender sem dar a preferência). Assim, se desse a preferência e depois não vendesse, no
fundo ainda estaria a agir licitamente. Aqui está o problema, pois isto significaria que se decidisse
não vender não estaria a violar a preferência e conseguir-se-ia violar a confiança do titular do
direito de preferência. (A verdade é que não pode, pois viola a preferência. Isto é claro em relação
às preferências reais, como é o caso do artigo 1410.º/2).
É, pois, um contrato com prestação de facto positiva, havendo um verdadeiro direito
potestativo para o preferente em caso de violação do pacto com eficácia real (o titular do direito
pode, mediante declaração unilateral integrada por sentença judicial substituir-se ao adquirente).
A comunicação não está sujeita, por Lei expressa, a nenhuma forma (pode até ser oral).
Contudo, sendo uma comunicação relativa a um contrato definitivo para que a lei exija
documento autêntico ou particular, exige-se a forma escrita (por aplicação do 410.º/2): a
comunicação, a ser aceite pelo preferente, gera um dever de contratar a que se aplicam as
regras do contrato-promessa. Além disso, uma comunicação verbal, em regra, coloca
grande dúvidas de prova, recomendando-se aos obrigados à preferência o recurso à forma
escrita, por uma questão de prudência e segurança. O próprio obrigado terá também
interesse em recorrer a um meio seguro, que lhe permita provar o cumprimento da sua
obrigação de preferência (por exemplo, cartas registadas). A comunicação deve ser feita
quando exista uma proposta contratual eficaz e enquanto tal eficácia se mantiver ou, pelo
menos, na presença de um projeto de contrato firme e sério. A não se verificarem tais
requisitos, pode acontecer uma de duas coisas: o preferente prefere, convicto de que se
não o fizer o terceiro ficará com o negócio, estando enganado pois o terceiro não
celebraria tal contrato; ou o preferente rejeita, deixando o negócio para o terceiro que,
afinal, não o quer. A Lei fixa um prazo curto para que o terceiro se pronuncie (8 dias:
426.º/2), para se assegurar de que a proposta ou o projeto mantêm a sua atualidade, mas
este é um prazo supletivo, pois as partes podem convencionar outro, sob pena de
caducidade do seu direito. Para tal, pressupõe-se que a comunicação foi bem feita (ou
seja, se A anuncia a intenção de vender uma joia, mas não diz o preço ou não diz as
condições de pagamento, temos uma comunicação insuficiente, por isso o direito do
titular da preferência não caduca – só caduca se a comunicação não for bem feita e/ou se
a decisão não for tomada dentro do prazo).
2. A resposta do preferente, que pode consistir nas seguintes atitudes da sua parte: o
exercício da preferência, o que significa a aceitação do contrato, com o conteúdo
indicado pelo obrigado (aceitação da comunicação, com alterações/modificações,
envolve de pleno direito a renúncia, por parte do preferente, ao seu direito; qualquer
outra solução já implicaria um acordo fora do direito de preferência em causa; além
disso, vale a primeira parte do artigo 233.º); a renúncia à preferência, declarando que
não está interessado (por exemplo, diz que não quer comprar por aquele preço; a
renúncia antecipada não é válida, como dita o artigo 809.º/1, apenas perante uma
situação concreta de preferência é possível ao preferente renunciar, já com todos os
elementos de comunicação em ordem; assim, tal renúncia só é eficaz quando referida
uma transação concreta, quando ao preferente tiver sido dado conhecimento do projeto
de venda e das cláusulas do contrato, e quando o preferente seja inequívoco e claro; a
abdicação pode ser feita através de simples renúncia verbal); nada faz e o seu direito
extingue-se por caducidade (o prazo para a caducidade previsto no artigo 416.º/2 só
começa a correr
perante uma comunicação completa e legitimamente feita e endereçada). Em caso de
caducidade ou renúncia, o obrigado cumpriu a obrigação e pode contratar com
qualquer terceiro, mas respeitando as condições oferecidas ao preferente. Se vier a
ser celebrado um contrato com terceiro em termos mais vantajosos para o adquirente do
que os oferecidos ao titular da preferência, o direito deste manter-se-á em relação ao
contrato efetivamente celebrado. Havendo aceitação da comunicação de preferência,
perfila-se o contrato definitivo, isto é, o contrato visualizado pelo pacto de
preferência (ou pela preferência legal) e que, por opção do beneficiário, se vem mesmo
a concluir na esfera deste. Temos agora três subhipóteses:
− Estão reunidos, pela comunicação/aceitação, os requisitos formais do contrato
definitivo, altura em que o mesmo se deve ter por concluído de imediato.
− Não estão reunidos os requisitos formais do contrato definitivo, mas por haver
forma escrita considera-se perfeito um contrato-promessa relativo ao definitivo,
cabendo a ambas as partes seguir o seu trâmite.
− Falta todo o circunstancialismo acima descrito, e então, por via da boa fé negocial
e dos competentes deveres acessórios, caberá às partes formalizar o definitivo,
sob pena, por parte do obrigado, de violar a preferência e, do preferente, de violar
os deveres acessórios ao mesmo ligado.
Havendo contrato-promessa, a sua execução específica não oferece dúvidas, se for
necessária. Se o titular do direito de preferência disser então que quer exercer o seu
direito, temos três possibilidades:
− Se o contrato não tiver forma especial, na comunicação há uma proposta, pelo
que, a partir do momento em que o titular exerce o seu direito de preferência,
aceita, e forma-se o contrato. (Por exemplo, quer-se comprar joias por mil euros
e o titular diz que exercerá o seu direito de preferência, representando-se uma
aceitação.)
− Se o contrato exigir uma forma especial, mas a comunicação para preferir não
revestir a forma exigida. Se for requerida escritura pública ou documento
particular autenticado, as simples comunicações escritas da preferência
acompanhada da resposta não preenchem as condições de forma. Nestes casos, a
partir do momento em que o titular do direito de preferência a exerce, temos a
formação de um contrato-promessa: da proposta e aceitação nasce uma
obrigação de contratar, que é uma vinculação emergente do direito de
preferência, ou seja,
fica vinculado ao contrato prometido, devendo realizá-lo com a necessária
forma. O artigo 830.º que prevê a execução específica à obrigação de contratar
emergente do contrato-promessa, pode alargar-se a outras situações da obrigação
de contratar, como é o caso de contratos com pacto de preferência. Pode haver
lugar à culpa in contrahendo.
− Se o contrato tiver forma especial e a comunicação obedecer à forma prescrita, e
incluindo todas as cláusulas da convenção, serve de proposta contratual que,
sendo aceite, dará automaticamente lugar à celebração do contrato. Contudo,
defende GALVÃO TELES que, nestas situações, estamos perante um
contrato-promessa bilateral.
O artigo 417.º/1 diz que o direito de preferência pode ser exercido apenas em relação à
coisa singular, ou terá de ser exercido em relação a todas as coisas vendidas? Pode,
acidentalmente, acontecer que o obrigado pretenda alienar, por um preço global, uma ou mais
coisas conjuntamente com a que é objeto de preferência. Nestes casos, o preferente mantém o seu
direito a preferir a coisa singular, pelo preço que lhe for proporcionalmente atribuído. (Por
exemplo, num caso de alienação de prédios por parte de uma seguradora no concelho do Porto, a
Câmara Municipal do Porto tinha direito de preferência sobre alguns deles, e pôde exercer a
preferência apenas em relação aos quais tem o direito de preferência.) No entanto, se a separação
da coisa trouxer prejuízo considerável (se o valor da soma for substancialmente superior ao valor
que esse conjunto teria sem essas mesas coisas) ao obrigado à preferência, ele pode exigir que o
preferente adquira a totalidade das coisas, se não quiser perder o seu direito. Note-se que pode, no
pacto de preferência, o titular do direito precaver-se, clausulando uma proibição de alienação da
coisa juntamente com outras. (O regime da venda de coisa conjuntamente com outras é
bastante desfavorável para o obrigado à preferência, pois perde a capacidade de negociar em
conjunto e retrai, inevitavelmente, os potenciais adquirentes, desejáveis de evitar todo o possível
litígio subsequente, que é péssima para os negócios. Cabe, todavia, sublinhar que ao celebrar um
pacto de preferência, o obrigado assume o encargo de manter a coisa isolada, para permitir o
exercício da preferência. De outro modo, o pacto de pouco ou nada valeria. E quando existam
preferências legais, foi o legislador que optou pela primazia dos interesses do preferente, em
relação aos do obrigado e de terceiros. Impõe-se aqui sempre uma sindicância, no sentido de se
verificar se os valores prosseguidos pela lei estão a ser concretizados no terreno ou se há abuso do
direito de preferir.)
De acordo com o disposto no artigo 418.º, pode acontecer que o obrigado à preferência
receba de terceiro, que pretenda adquirir o objeto do direito de preferência, a promessa de
uma
prestação acessória (por exemplo, serviço pessoal), que o titular da preferência não possa
satisfazer. (Imagine-se que A pretende vender um terreno que é objeto de direito de preferência de
B. O terceiro interessado na aquisição do terreno pode, acessoriamente, dizer que presta um
serviço de consultoria profissional a A. Será que se mantém a preferência? Na economia do
contrato, não terá a prestação acessória relevo. Temos três hipóteses: se o objetivo da prestação
acessória for afastar a preferência, ela tem-se por inexistente; se a prestação puder ser avaliada em
dinheiro, o preferente pode acrescentar o valor dela ao preço convencionado (o sujeito não pode
fazer aquilo que o terceiro se ofereceu a fazer por não ter conhecimentos técnicos naquela área,
mas pode pagar uma quantia, por isso a preferência não se extingue); se a prestação oferecida não
for avaliável em dinheiro, a preferência extingue-se, devendo o preferente ser indemnizado, a não
ser que se presuma que a venda seria efetuada mesmo sem a prestação estipulada ou que a
prestação foi convencionada precisamente para excluir a preferência.)
O artigo 419.º regula a situação da pluralidade de titulares. Quando o pacto de preferência
se estabeleça entre um obrigado e mais do que um titular, temos duas opções:
− O direito é exercido por todos os titulares (regra geral). Manda o 419.º/1 que o
direito seja exercido pelos titulares em conjunto, mas se em relação a um dos
titulares o direito se extinguir ou o titular não quiser preferir, então o seu direito
acresce ao direito dos restantes. Estas são as preferências conjuntas.
− O direito é exercido exclusivamente por um de entre vários titulares. Estas são as
preferências disjuntas. Manda o 419.º/2 que, nos casos em que o pacto não tenha
estabelecido um critério de prioridade (preferências sucessivas, nas quais o direito é
submetido ao primeiro, passando ao segundo se ele não quiser exerce-lo e assim
sucessivamente), se abra uma licitação entre todos os titulares, revertendo o
excesso para o obrigado à preferência. (Por exemplo, há vários arrendatários de
um prédio e o dono pretende alienar o prédio no seu conjunto, os arrendatários têm
direito de preferência. Os vários inquilinos querem preferir, então haverá lugar a um
leilão entre eles. Quem vencer tem direito a haver para si o prédio que é vendido e
reverte o excesso do resultado do leilão para o alienante.)
Quando é que temos só um direito de preferência com vários titulares ou vários
direitos de preferência? Depende de poderem ou não exercer a sua posição individualmente. Em
termos de comunicação, deve ser feita sempre a todos os preferentes, só depois se abrindo o
processo de escolha entre eles. Da mesma forma, não pode um preferente exercer validamente o
seu direito se não mostrar que todos os outros foram avisados e que não quiseram ou puderam
preferir.
Na tramitação do direito e da obrigação de preferência, como dita o artigo 420.º, o
legislador estabeleceu o carácter intuitu personae da preferência, seguindo uma regra diferente da
do contrato-promessa. Neste, os direitos e obrigações, em princípio, transmitem-se, porque há uma
vinculação definitiva (só não se transmitem os direitos e obrigações pessoais). Nesta disposição,
estabelece-se a regra contrária: considera-se que o direito de preferência é pessoal, por isso,
em princípio, não será transmissível. Isto vale para as preferências convencionais, porque não
há obrigação de estabelecer preferência e ela é estabelecida, então, à partida, a razão de ser disso
será pessoal. (Em princípio, será de presumir que, por exemplo, falecendo o titular da preferência,
o obrigado já não teria interesse em atribuir preferência a um filho herdeiro. Não vale para as
preferências legais, pois a razão de ser para a Lei as estabelecer justifica a transmissão das
mesmas.)
Partindo do princípio de que a comunicação foi bem feita e que a preferência foi exercida,
não havendo exigência de forma, considera-se o contrato celebrado.
Se houver exigência de forma, tem de se celebrar o contrato prometido, o que pode não vir a
acontecer. Pode também acontecer que o obrigado à preferência nem sequer comunique ao titular
do direito e celebre o contrato com terceiro. Estamos, assim, perante situações de violação da
preferência.
Alguns autores afirmam que do direito de preferência decorre apenas a obrigação de não
contratar com terceiro caso o titular do direito de preferência pretenda contratar, mas a
maioria da doutrina diz que é uma obrigação positiva – obriga o sujeito a contratar com o
titular da preferência, caso este o queira. A obrigação decorrente do exercício da preferência
não é a de não contratar com terceiro, é sim uma obrigação de conteúdo positivo de contratar com
quem exerce o direito de preferência. Assim, o sujeito está vinculado a cumprir, mas pode não
cumprir e alienar a um terceiro.
Se o pacto de preferência tiver eficácia meramente obrigacional, o direito real prevalece,
mas o obrigado à preferência tem de indemnizar, dado que é responsável pelos danos
provenientes do desrespeito do direito de preferência (artigo 798.º). Para que seja possível opor a
preferência ao terceiro, é necessário que ela seja dotada de eficácia real.
Não é exigível que o terceiro tenha conhecimento do direito de preferência convencional,
por isso nada obsta a que ele se apresente para contratar. Além disso, não terá de indemnizar o
titular do direito de preferência se as suas expectativas ficarem frustradas, pois a relatividade das
obrigações assim o determina.
O artigo 421.º determina que, nas preferências que não são meramente convencionais, ao
titular do direito de preferência abre-se a possibilidade uma ação de preferência (1410.º), ou
seja, o direito de preferência prevalecerá sobre o contrato já realizado. Essa possibilidade também
está aberta aos titulares de preferências convencionais, se a elas for atribuída eficácia real
(421.º/2). A ação de preferência permite ao titular do direito substituir-se, com efeitos retroativos,
ao adquirente no contrato realizado, tudo se passando como se o contrato tivesse sido celebrado ab
initio entre o obrigado e o preferente. Contudo, não é obrigatório o recurso à ação de
preferência, mas há um prazo (máximo de 6 meses, depois deste tempo a ação caduca) para
recorrer a este meio de tutela, por uma questão de certeza e segurança jurídicas. (O artigo 1410.º
está inserido numa secção relativa à copropriedade. Os coproprietários têm um direito de
preferência em relação às cotas. Foi a propósito da copropriedade que a lei regulou a ação de
preferência, contudo esta última é aplicável a direito de preferência com eficácia real, mesmo que
não tenham nada a ver com situações de copropriedade. Daí que seja feita a remissão para a ação
de preferência.)
A ação de preferência visa a substituição e não a indemnização. Se não houver direito de
substituição, a ação improcede, mesmo tendo eficácia real. Se o bem é destruído, o direito real
desaparece, porque é sempre o direito sobre uma coisa.
Tem sido colocada a questão de saber contra quem deve o titular do direito de
preferência intentar a ação de preferência? Quando tenha havido alienação a terceiro, esse
terceiro tem de ser citado para a ação, mas a dúvida coloca-se quanto ao obrigado à preferência:
deve este ser, também, chamado à ação? Uma coisa é clara: se se quiser cumular com a ação de
preferência uma ação de indemnização pelos danos causados, o obrigado à preferência tem sempre
de ser chamado à ação. Contudo, quando o preferente não queira indemnização, a doutrina não é
unânime. Vários autores como ANTUNES VARELA e RIBEIRO DE FARIA, entendem que
deve, ainda assim, ser o obrigado à preferência chamado à ação, num litisconsórcio necessário
passivo entre alienante e adquirente. Esta seria a solução mais adequada por três ordens de razão: a
primeira reporta ao elemento literal da disposição do 1410.º que, no anteprojeto do Código Civil,
referia a necessidade de se citar “os réus” no plural e não no singular; depois, chamar o
adquirente e o alienante à ação evita a discrepância entre decisões judiciais (imagine-se que o
preferente intenta uma ação de preferência contra ao adquirente que é procedente e depois intenta
uma ação de indemnização contra o alienante que é improcedente); finalmente, colocar-se-ia uma
questão de justiça na distribuição das custas processuais, visto não parecer correto ser o
adquirente a suportar todas as custas do processo, quando o obrigado à preferência é que deu causa
à ação. Apesar destes argumentos, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido não ser
necessário chamar o
obrigado a preferir à ação de preferência, considerando que bastava que a ação fosse intentada
contra o terceiro. Isto não invalida que possa haver uma ação contra o obrigado à preferência, se
o titular do direito assim o quiser (mas terá de intentar especificamente contra ele, podendo até
cumular contra os dois na mesma ação).
O pacto de opção
Os pactos de opção são contratos mediante os quais uma das partes tem um direito
potestativo de, mediante uma declaração unilateral de vontade, fazer surgir um novo contrato
anteriormente combinado com o declaratário.
É próximo da preferência, mas distingue-se desta pelo facto de o contrato ser incerto e
eventual, enquanto que no pacto de opção não, pois há um contrato que está na exclusiva
dependência de um dos sujeitos. Enquanto que o titular do direito de preferência fica investido
na posição de preferido num negócio que o obrigado venha a combinar com um terceiro, num
pacto de opção ele pode forçar o contrato com o obrigado ao pacto de opção – desde que se
verifique a situação, o titular do direito de opção pode fazer surgir um contrato com o obrigado. É
um contrato optativo, pois o sujeito ainda não sabe se quer celebrar um contrato, mas pode
assegurar o direito de o celebrar, combinando que, caso o venha a querer, faz surgir esse contrato
unilateralmente. Uma das partes emite uma declaração negocial, tendo a outra o direito potestativo
de concluir ou não o contrato.
Estes podem formar-se autonomamente ou podem ser inseridos como cláusulas noutros
contratos (sendo neste caso, cláusulas que frequentemente se integram em contratos de trabalho
desportivo e em valores mobiliários e, geralmente, há uma cláusula de remuneração dessas
opções). Não está regulado especificamente no Código Civil, mas acontece ao abrigo da
liberdade contratual. Sendo um regime livre ao abrigo da autonomia privada, o legislador tenta
achar-lhe um regime, muito de acordo com o regime das preferências. Estes pactos só são lícitos
na medida em
que os contratos a respeito dos quais se estabelece a opção sejam lícitos.
Em princípio, tem forma livre. Contudo, se o contrato em relação ao qual se exerce a opção
é formal, é necessário cumprir a forma, pelo que a opção terá de revestir uma forma mínima
compatível com a forma do contrato.
Em regra, têm eficácia meramente obrigacional, mas não está excluída a hipótese de lhes
ser atribuída eficácia real. Pode haver necessidade de indemnizar (artigo 798.º).
Contrato a favor de terceiro
O contrato a favor de terceiro está previsto nos artigos 443.º e seguintes, e constitui uma
exceção à relatividade dos contratos, consistindo numa convenção pela qual alguém (o
promitente) atribui por conta e à ordem de outrem (o promissário) uma vantagem a um
terceiro (o beneficiário) estranho à relação contratual. Assim, temos um terceiro que retira um
benefício de um contrato de que não é parte, adquire um direito próprio a uma prestação. Estes
contratos atribuem mais ao terceiro do que uma vantagem reflexa.
É uma figura de caráter geral e não tem uma causa económico-social determinada, podendo
adaptar-se a muitas necessidades económico-sociais. Podemos ter um contrato-promessa a favor
de terceiro (por exemplo, A promete a B vender um terreno a C), bem como um pacto de
preferência a favor de terceiro (por exemplo, A comprometesse para com B a dar preferência a C).
Um exemplo típico deste tipo de contrato é o seguro de vida: a seguradora, no caso de morte do
segurado, deverá fazer uma atribuição patrimonial aos beneficiários do seguro de vida.
À primeira vista poderíamos dizer que temos uma figura triangular (três sujeitos têm
posições jurídicas afetadas por este tipo de contrato), mas os contraentes são apenas dois.
Contudo, o terceiro beneficia de um contrato alheio e é titular de um direito de crédito que pode
autonomamente exigir do promitente, ou seja, está legitimado a exigir do devedor a realização do
benefício. Muitas vezes beneficiamos de contratos que são celebrados por outras pessoas, mas não
se tem nenhuma pretensão autónoma desse contrato, não se tratando de um contrato a favor de
terceiro (o disposto no artigo 444.º/3 é um falso contrato a favor de terceiro). Para o podermos
considerar assim, tem de haver uma modificação na esfera jurídica do terceiro, atribuindo um
direito subjetivo/próprio por mera força do contrato.
A vantagem atribuída pelo promissário a terceiro pode consistir numa prestação (artigo
443.º/1), mas pode reportar-se, também, à liberação de uma dívida de terceiro ou à
constituição, modificação, transferência ou extinção de direitos reais, nos termos do 443.º/2.
Assim, a vantagem pode ter natureza obrigacional ou real. Para que este contrato se constitua
validamente, é necessário que o promissário tenha na relação um “interesse digno de proteção
legal”, ou seja, um interesse sério e atendível à luz da ordem jurídica em atribuir o direito ao
terceiro beneficiário.
O contrato a favor de terceiro distingue-se de algumas figuras afins, como: a
representação, que pode consubstanciar-se na celebração de um contrato no interesse de outrem,
não diretamente interveniente na relação, contudo, o representado é o verdadeiro contraente (não
podemos dizer que se trata de um terceiro, sendo o representante um mero instrumento da
realização
da sua vontade; o representante não assume direitos para si mesmo, mas para o representado;
assim, através da representação não se visa satisfazer o interesse de alguém alheio ao contrato); o
mandato sem representação, em que o mandatário vai agir no interesse e por conta do mandante,
sendo o mandatário a assumir os direitos e obrigações do contrato que celebrar (o mandante tem
direito a que o mandatário lhe transfira os direitos decorrentes do contrato que este celebrou, só
depois de celebrado o contrato é que fica obrigado a transferir para o mandante os direitos e
obrigações inerentes; por exemplo, B compra a A uma casa no interesse e por conta de C, e o
direito de C de ver transferida a propriedade para a sua esfera jurídica deriva do contrato de
mandato que celebrou com B e não do contrato de CV entre A e B, pelo que não podemos
considerar este último contrato um contrato a favor de terceiro); o contrato com eficácia de
proteção para terceiro, que não atribui direitos a terceiros, mas atribui-lhes uma certa proteção
pelo contrato que é celebrado por outrem no interesse deste (por exemplo, o pai contrata com o
cirurgião por causa de uma intervenção no seu filho, pois o filho não pode exercer autonomamente
o seu direito; neste contrato, apesar dos deveres de prestar só se estabelecerem entre as partes, isto
é, o pai e o cirurgião, há deveres de cuidado que se desprendem desta relação contratual e que se
alargam ao beneficiário da prestação, o cirurgião tem deveres de cuidado perante o filho; o
devedor está adstrito a determinados deveres de prestar com a contraparte, mas há deveres de
cuidado que beneficiam um terceiro, há a tutela de deveres de boa fé que expressam o caráter
complexo da relação obrigacional, e assim os deveres acessórios de conduta podem beneficiar esse
terceiro; já no contrato a favor de terceiro, este tem uma posição jurídica autónoma que pode
exercer contra o promitente e tem um interesse que é prosseguido por essa posição jurídica
autónoma, um direito de crédito verdadeiro que pode exigir).
Há dois tipos de relações a considerar no contrato a favor de terceiro:
O contrato para pessoa a nomear consiste na convenção pela qual um dos contraentes, no
momento da sua celebração, se reserva o direito de nomear um terceiro que se substitua a si,
ou seja, que adquira a posição emergente desse mesmo contrato (adquira direitos e assume
obrigações dai provenientes) com efeitos retroativos.
No momento de celebração do contrato, é indeterminada a identidade do sujeito que virá
a adquirir (tudo se passa como se o contrato tivesse sido celebrado com esse terceiro ab initio).
No Direito Romano, era uma matéria complicada, mas ao longo do tempo foi desempenhando uma
função importante no comércio, ganhando relevância especialmente na área do Direito Comercial.
O seu regime está previsto entre os artigos 452.º e 456.º.
(Por exemplo, B quer comprar um prédio para C, mas não sabe se ele o quererá adquirir nem
tem meio de o contactar em tempo útil. Sucede que B estará interessado em adquirir o prédio se C
não estiver, pelo que celebra o contrato de compra e venda com o alienante acrescentando uma
cláusula para pessoa a nomear: se C desejar o prédio, B será substituído no contrato; se C não
estiver interessado, tudo se mantém intocado. Desta forma, evita-se uma dupla transmissão ou uma
dupla tributação fiscal, o que é perfeitamente legítimo.)
Temos uma relação triangular – os contraentes e um terceiro:
A cláusula de pessoa a nomear é, por si só, perfeitamente lícita, não o sendo quando
seja utilizada com intuito defraudatório. (Por exemplo, como a intenção de fuga ao fisco. O
Banco quer comprar um imóvel, havendo contrato para pessoa a nomear, o Banco vai adquirir
retroativamente a posição do contraente que celebrou o contrato de compra e venda e tudo se passa
como se ab initio o contrato fosse celebrado pelo banco. Assim, só se pagava uma vez o IMT, ao
passo que se houvesse mandato sem representação teria de existir um ato de transmissão do
mandatário para o Banco.)
Este tipo de contrato respeita a eficácia relativa dos contratos, pois produz efeitos
apenas entre os contraentes, só que esses contraentes podem mudar: inicialmente, o contrato
produz efeitos entre as partes outorgantes do contrato e depois da nomeação o terceiro substitui
aquele que o nomeou. Não se pretende sempre que a identidade do eventual nomeado seja
desconhecida, até pode ser conhecida desde que se reserve a possibilidade de vir a surtir efeitos a
uma pessoa a nomear.
Algumas figuras próximas, das quais distinguimos este contrato, são: a representação, mas
nesta não há substituição, os efeitos do contrato produzem-se diretamente na esfera do
representado, e sabe-se quem é o terceiro (no contrato para pessoa a nomear, ele é celebrado em
nome próprio, mas com reserva de nomeação, por isso pode haver substituição da parte contratual
com efeitos retroativos, como vemos no artigo 455.º/1, e não sabemos quem é o terceiro; assim, os
efeitos produzem-se inicialmente em relação ao interveniente no contrato e, só depois, podem vir a
produzir-se na esfera jurídica de uma outra pessoa); o contrato a favor de terceiro, mas aqui nem
o promitente nem o promissário deixam de ser os contraentes e o terceiro não faz parte do
contrato, embora este tenha efeitos na sua esfera jurídica (enquanto que, no contrato para pessoa a
nomear, uma vez efetuada a nomeação, um dos contraentes perde essa qualidade, desaparecendo
da relação contratual, assumindo o terceiro o seu lugar; é perfeitamente possível haver contrato a
favor de terceiro com cláusula para pessoa a nomear); o mandato sem representação, cujos
efeitos são entre os contraentes, depois tem de haver transferência da propriedade para o mandante
(é possível haver mandato sem representação em que o mandatário se reserva o direito de nomear
o mandante; havendo mandato sem representação, tem de se transferir a propriedade, mas havendo
cláusula de pessoa a nomear é bem mais simples – o mandante intervém diretamente no negócio,
não há necessidade da posterior transferência de propriedade; o mandatário não deixa de ser
contraente em face dos terceiros com quem negociou, mesmo depois de transferir para o mandante
os direitos adquiridos em execução do mandato; no contrato para pessoa a nomear, uma vez feita a
nomeação, os efeitos do negócio passam a ser encabeçados retroativamente pelo nomeado); a
gestão de negócio, em que alguém espontaneamente prossegue o interesse de negócio alheio sem
para tal ser autorizado (por exemplo, pessoa compra ração para alimentar o cão do vizinho, já que
este está hospitalizado – atua no interesse e por conta de outrem sem estar autorizado); o
contrato- promessa, em que há apenas uma promessa de contratar, ao passo que no contrato para
pessoa a nomear temos já um contrato definitivo.
No que respeita ao regime do contrato para pessoa a nomear, diz o artigo 452.º/2 que, em
princípio, uma cláusula de pessoa a nomear pode ser aposta a uma variedade de contratos
(comum no Direito Comercial).
Contudo, há contratos em que a reserva de nomeação não é possível: quando a Lei não
admita representação para aquele negócio e quando seja indispensável a determinação dos
contraentes. [Cairão neste âmbito: o casamento (como todos os contratos relativos a relações
familiares); os contratos intuito personae; e os contratos que modifiquem ou extingam relações
jurídicas, onde só as partes podem ser sujeitas.]
Diz o artigo 453.º que, em regra, quando o contraente se reserva perante a contraparte
na faculdade de nomear um terceiro como titular do contrato segue-se uma declaração de
nomeação que deve ser feita por escrito (por razões de segurança jurídica) e comunicada à
contraparte no prazo convencionado ou, nada se dizendo, no prazo supletivo de 5 dias. O
prazo supletivo é bastante curto, uma vez que se pretende a proteção da contraparte face à
incerteza gerada pela cláusula de pessoa a nomear. A declaração de nomeação tem de ser
acompanhada da ratificação do negócio pela pessoa nomeada ou de uma procuração com poderes
para o efeito com data anterior à celebração do negócio, sob pena de ineficácia. Para que o terceiro
fique vinculado é necessário que aceite a nomeação – representa uma vontade de assumir os
efeitos jurídicos do negócio do quail não é parte, tratando-se de uma legitimação que opera através
de procuração prévia ou de ratificação (453.º/2). A declaração de nomeação só por si não surte
efeitos.
De acordo com o artigo 454.º, a ratificação tem de ser feita por escrito ou, se o contrato
foi celebrado com uma forma especial, tem a ratificação de obedecer à forma pela qual o
contrato foi celebrado.
Sendo a nomeação feita nos termos legais, o nomeado adquire retroativamente todos os
direitos e obrigações emergentes do contrato, passando-se tudo como se o nomeado fosse o
contraente originário (455.º/1). Se existirem irregularidades na nomeação (se não for feita nos
termos legalmente previstos), o contrato produzirá efeitos em relação ao contraente originário, ou
seja, consolida-se entre os contraentes originários, a não ser que haja acordo em contrário
(455.º/2). Se o contrato for sujeito a registo, a cláusula de pessoa a nomear também deve ser
registada (456.º). Quando se der a nomeação, há lugar a uma inscrição subsequente no registo,
através de averbamento. É importante que a cláusula seja registada, pois assim a nomeação
de terceiro prevalece sobre qualquer direito constituído sobre a coisa entre a celebração do
contrato e a nomeação. Não sendo a cláusula registada, parece que devem prevalecer os direitos
adquiridos por
terceiro entre o momento da celebração do contrato e o momento da nomeação.
Existem várias teorias sobre a natureza jurídica do contrato para pessoa a nomear.
Alguns autores afirmam que o que temos aqui uma modalidade especial da representação de
uma pessoa anónima, mas não podemos aceitar esta teoria, dado que aquele que contrai o
contrato age em nome próprio.
Outras teorias defendem que se trata de uma modalidade especial de mandato sem
representação ou de contrato a favor de terceiro, mas não é isso que se verifica, como mostram
as diferenças que apontámos entre estas figuras.
ANTUNES VARELA e RIBEIRO DE FARIA (seguindo a doutrina dominante) dizem que
temos um contrato sujeito a uma dupla condição: nomeação e aceitação. Assim, seria uma
condição resolutiva relativamente ao contraente originário (aquele que nomeia), pois a partir
do momento em que nomeia alguém a sua intervenção termina; e condição suspensiva
relativamente à pessoa nomeada, que só fica vinculado a partir do ato de aceitação.
Atualmente, com o tráfego jurídicos de massas, tem-se mostrado relevante a categoria das
relações contratuais de facto, em que se ultrapassa a bilateralidade típica apontada aos contratos.
[Exemplo de um caso germânico que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal Germânico,
que se traduziu na situação de alguém ter colocado o seu automóvel num parque de
estacionamento em Hamburgo, afirmando que, quando lá entrou, entendeu que a exploração do
parque era ilegítima e que não estava disponível para celebrar qualquer contrato e pagar o
respetivo preço, não se considerava vinculado ao pagamento do respetivo preço. No final do
período em que o automóvel lá esteve depositado, efetivamente ao querer retirá-lo, o dono do
parque exigiu esse preço. Um dos pontos sensíveis deste caso era perceber se havia sido celebrado
um contrato ou não... introduz-se assim o tema das relações contratuais de facto.]
Ao lado dos contratos que têm um processo de formação – proposta e aceitação –, que
assentam num consenso das partes efetivamente produzido, devemos também aceitar, porque a
vida prática a tal nos conduz, contratos com um processo de formação diferente, contratos
como realidades meramente fácticas, como manifestações da vida que, por ocorrerem
independentemente da vontade ou não vontade nesse sentido, acabam por chegar à aplicação
do regime dos contratos?
De facto, estas relações, assentes em atuações de facto, não têm na sua base formativa
declarações de vontade formais ou tradicionais. Incluem-se nestas situações os designados
“comportamentos sociais típicos”, em que as relações entre as partes decorrem por via de atos
materiais reveladores da vontade de negociar (por exemplo, a utilização dos transportes
públicos, das máquinas automáticas, dos parques de estacionamento pagos, entre outros). Aqui,
conquanto não haja nenhuma declaração de vontade do utilizador, considera-se estar reunidos os
pressupostos das relações contratuais.
Designa-as ANTUNES VARELA como relações contratuais “abreviadas ou simplificadas”,
permitidas pelo artigo 234.º. Prescinde-se da declaração de aceitação, mas jamais da vontade de
aceitação, demonstrada pelos atos de execução da vontade.
No entanto, a expressão “relações contratuais de facto” remete-nos a HAUPT, um jurista
alemão que, em 1941, procurou introduzir o tipo, apresentando três categorias fundamentais do
mesmo:
1. As relações derivadas do mero contacto social (culpa in contrahendo), ditando
que, em algumas circunstâncias, bastaria o contacto social para que se devesse
considerar a existência de um contrato, dando como exemplo os deveres in
contrahendo. A culpa in contrahendo, na altura, não tinha base legal no Direito
germânico, só em 2002 passando a existir (mais de um século depois do BGB ter sido
introduzido), e era vista como uma espécie de contrato de facto relacionado com a
entrada em negociações. Outras hipóteses aqui seriam as relações de amizade, de
cortesia, de boleia (transporte gratuito, que geraria determinados efeitos não pela
celebração de um contrato mas por ser uma relação contratual de facto).
2. As relações obrigacionais duradouras inválidas. (Imaginemos um contrato de
trabalho nulo – o que fazer quando um contrato de trabalho, que pode ter produzido
efeitos práticos na vida das pessoas durante vários anos, se vê nulo? Ou uma
sociedade, que apesar de inválida, pode funcionar como uma sociedade de facto.)
3. As relações obrigacionais derivadas de comportamentos sociais típicos do
moderno tráfego de massas, HAUPT admitindo que as relações contratuais
baseadas em simples factos, em hipóteses em que estão em causa comportamentos
sociais típicos, muitas vezes automatizados, repetitivos, que um número
indeterminado de pessoas adota ou pratica, e em que não importaria saber se há
vontade ou não, porque o estatuto do contrato aplicar-se-ia a essa realidade de facto.
(Os indivíduos que entram no metro, todas as manhãs, quando vão para o
trabalho – vejamos, há aqui uma
multiplicidade de contratos. Esses seriam derivados, não propriamente da expressão
da vontade das partes, mas de comportamentos sociais, de realidades de facto.)
Porém, admitir as relações contratuais de facto equivale a admitir que tudo possa ser
fonte de obrigações. Para solucionar este problema, HAUPT apresenta a tese das relações
contratuais de facto, nos termos da qual se considerariam certas situações como relações
obrigacionais contratuais, ainda que sem as correspondentes declarações de vontade,
apelando- se apenas aos comportamentos de facto. Assim, as relações contratuais reclamariam o
regime do contrato, ainda que não tivessem por base nenhum contrato.
Por parecer que nenhuma destas realidades seria capaz de ser explicada adequadamente pela
dogmática comum dos contratos, (a tese d)as relações contratuais de facto proporcionariam a estas
três categorias uma explicação jurídica adequada. Temos um dilema – afinal de contas, o Direito
dos Contratos assentaria numa bifurcação: por um lado, teríamos os contratos formados por
declarações negociais, expressões da vontade, e por outro lado, teríamos contratos como
realidades de facto. Ou seja, uma dupla natureza do tema dos contratos – ao lado do conceito
tradicional de “contrato”, tínhamos uma realidade fáctica correspondente à existência de um
contrato, que seria necessário adotar para conseguir compreender determinados fenómenos da vida
contemporânea.
Para explicar esta ideia, REIZER, outro autor alemão, diz que o contrato não deveria ser
considerado assente na vontade dos sujeitos (dogma da vontade), propondo substituir o papel da
vontade por um conceito funcional do contrato, o que importaria um conceito de contrato que
permitisse prosseguir certos fins da vida económica, independentemente de esses terem sido
queridos ou não pelos sujeitos.
[Aplicando isto ao caso do parque de estacionamento de Hamburgo, haveria então um
contrato, porque seria razoável assumir a existência do contrato, mesmo face à declaração
ostensiva do sujeito, que não quereria celebrar qualquer espécie de contrato, entendendo não se
encontrar vinculado, nem querendo vincular-se ao preço de pagamento pelo parque de
estacionamento. Seria razoável emitir-se um contrato, porque seria esse o instrumento adequado
para uma troca de bens e serviços como aquela, que tipicamente ocorre numa situação destas.
Teríamos por consequência que o sujeito, independentemente da sua vontade de pagar, iria fazê-lo,
pela existência dessa troca de serviços. CARNEIRO DA FRADA tem dificuldade em aderir a esta
posição, entendendo que há aqui uma petição de princípio. O Professor diz que o que temos de
saber aqui é se há de facto uma troca de serviços porque, ao que parece, se um dos sujeitos não
quis nada disso, há o problema de assumir que existe uma troca de bens ou serviços contra a sua
vontade.]
Como entender então a tese de HAUPT, de acordo com CARNEIRO DA FRADA?
O sistema jurídico, devidamente interpretado, parece ter mecanismos que impedem, tornam
desnecessário, a abertura de uma bifurcação no Direito dos Contratos.
− Antes de mais, vejamos os casos de contacto social (relações de amizade, relações de
cortesia, culpa in contrahendo, etc.). Relativamente a estas hipóteses, não é preciso
adotar a categoria do contrato de facto, porque é a própria ordem jurídica que atribui
efeitos a uma determinada situação fáctica quando as partes entram numa relação de
negociação: é a incidência da boa-fé sobre a mesma, e consequentemente a
necessidade de observar um conjunto de deveres que a boa-fé impõe para estas
circunstâncias. Não é necessário que se admita a existência de um contrato entre as
partes de modo a regular as suas negociações porque, pelo facto de negociarem,
independentemente da sua vontade, as partes estão sujeitas a certas determinações
da ordem jurídica, como é o caso do artigo 227.º. A juridicidade da relação pré-
contratual não carece da categoria do contrato, está assente no Direito objetivo, na
Lei. Nas relações de amizade e de cortesia, não existem propriamente contratos, mas
isso não significa que das mesmas não possam advir determinados deveres de
consideração ou de cuidado como relações sociais que são, aplicando-se a estas,
também, regras de conduta que advêm da boa-fé. (No exemplo do indivíduo que se
compromete a dar boleia a outrem para a Faculdade, diz-se que, de acordo com
aquilo que é a interpretação usual destes comportamentos, não há, de facto, vontade
de assumir qualquer compromisso contratual nesse sentido e, portanto, não é
razoável admitir-se numa situação destas a existência de um contrato de transporte.
Mas isso não significa que não haja aqui uma relação que obrigue as partes a
determinados comportamentos, designadamente o aviso à outra parte se há alguma
alteração de planos que impeça a realização do inicialmente programado, de modo a
evitar prejuízos.) A facilidade que, nestas relações, qualquer uma das partes tem de
as modificar, de desistir daquilo que foi combinado, etc., mostra que não há
juridicidade, porque se houvesse contrato, seria necessário cumprir-se, e nenhuma
das partes poderia andar a mudar unilateralmente a sua disposição nessa matéria.
Portanto, nestes casos de contacto social não precisamos da categoria dos contratos
de facto, porque a boa-fé já é incidente sobre aquela relação, que é de facto, só que
não é contrato.
− No que respeita aos contratos duradouros nulos ou anulados, entendemos que existe
um problema, que é o de o que fazer a toda aquela troca de bens e serviços que se foi
fazendo ao longo da vida da relação em causa? (Pense-se numa sociedade que
desenvolveu a sua atividade durante muitos anos, mas que teria sido inválida ad
initio.) O artigo 289.º do Código Civil, em matéria de efeitos da nulidade e da
anulação, prescreve a restituição de tudo aquilo que tiver sido prestado pelas partes
na relação contratual que se veio a verificar inválida, nula ou anulada. Esta relação
contratual dá lugar a uma relação de liquidação, uma relação de repristinação,
recolocando as partes na posição em que se encontrariam caso não tivesse sido
celebrado aquele contrato inválido. Esta obrigação de restituição das prestações
(em espécie ou em valor respetivo), nestas situações, não é de todo prática, e seria
até uma violência aplicá-la em certas relações contratuais. (Por exemplo, um
contrato de trabalho é declarado nulo, significa que a entidade patronal teria que
restituir o trabalho, teria que ser por equivalente, isto é, o valor do trabalho, quando
se calhar até o enriquecimento derivado da prestação de trabalho pode ter já
desaparecido, e o trabalhador teria de restituir o salário, sendo pecuniário haveria
sempre a possibilidade de o restituir. Numa hipótese destas, poderia haver
compensação de valores, mas não é necessariamente de soma 0, só por coincidência
é que seria de soma 0, se fosse de soma 0, no final ninguém teria de dar nada a
ninguém, portanto, tudo se consertaria de alguma maneira. Mas o valor do trabalho
não é o valor da retribuição paga, e é difícil que assim o seja, supor por exemplo, que
o trabalhador era pago por um salário acima da média do trabalho que ele executava,
à partida o trabalhador teria de restituir mais do que receberia, ao fim de quatro ou
cinco anos de trabalho, faria sentido isso? Ou seja, se numa sociedade de facto que
tivesse funcionado uma série de anos, faria sentido nós restituirmos tudo, destruirmos
tudo o que tivesse sido feito ao abrigo dessa sociedade de facto?) Compreende-se a
dificuldade de operarmos adequadamente o princípio da retroatividade nestas
relações duradouras. Para responder a estas situações, poderia dizer-se que houve um
contrato, que de facto se desenvolveu, e portanto devemos aceitar a existência desta
figura para a salvaguarda de efeitos já produzidos, pelo contrato, ainda que entretanto
tenha sido declarado inválido – o problema é que este pensamento não está em lado
nenhum da Lei portuguesa. A doutrina tem procurado resolver estas situações
através de uma diferente interpretação do artigo 289.º no caso das relações
duradouras. ANTUNES VARELA dá a solução: o artigo 289.º manda restituir tudo
aquilo que foi recebido ao abrigo da relação contratual inválida, no entanto, essa
obrigação de restituir, nas relações duradouras, não existiria, porque
nas relações duradouras os efeitos da nulidade ou da anulação só seriam
sentidos ex nunc (dali para a frente). Tudo o que está antes do momento de
declaração de nulidade ou da anulação, não haveria de ser restituído, não havendo
eficácia retroativa, repita-se, nas relações duradouras. Poderíamos até concordar com
o pensamento de ANTUNES VARELA, no entanto não é isso, de todo, que nos
aparece no artigo 289.º. O artigo não prevê qualquer restrição da retroatividade nos
casos em que a relação é duradoura. Embora percebamos o pensamento do autor,
teríamos de restringuir a retroatividade do artigo 289.º às relações instantâneas,
restrição esta que não tem assento na Lei de momento, não cabe no artigo. Quid
iuris? Temos de justificar a perduração dos efeitos dos contratos inválidos à luz
de outras regras ou de outros princípios. CARNEIRO DA FRADA propõe que
procuremos, sobretudo, mobilizar a doutrina da confiança, que assenta não na
vontade dos sujeitos como vontade produtora de efeitos jurídicos, mas na realidade
simples das expectativas, da convicção que as partes possam ter de que, realmente, o
seu comportamento tem determinados efeitos e determinada cobertura legal. Ou seja,
as partes numa relação duradoura, andaram a agir/a comportarem-se reciprocamente
como se aquele contrato fosse válido, quando no fim de contas, não era, mas a
convicção das partes sempre foi, ao longo dos anos, a de que aquele contrato era
válido. Se a dificuldade é sustentar que o artigo 289.º impede a restituição retroativa
das prestações, nos contratos de relações duradouras, não estando isso lá dito, o que
parece a CARNEIRO DA FRADA é que, em casos deste género, se poderia
contra-argumentar que, independentemente da validade do contrato, as partes
executaram-no na convicção de que esse contrato era válido. Essa convicção foi
sendo reciprocamente alimentada, o contrato foi executado durante muito tempo, e as
partes estavam convencidas da validade do contrato. A contraparte contribuiu para
isso, executando o contrato, pelo que, ao vir invocar uma invalidade, requerendo a
repristinação de tudo o que foi prestado no seio desse contrato, na verdade a
contraparte está a incorrer numa contradição de comportamento relativamente ao que
sempre teve – há um venire contra factum proprium, há um abuso de direito. E
desta forma, ao admitir-se uma preclusão por abuso do direito (o direito à
restituição é parado, precludido), significa que tem como consequência que o
contrato é como que se tivesse produzido efeitos, tornar-se, portanto, a nulidade
inoponível, é significar que aquela ineficácia ao ser inoponível
produz os efeitos correspondentes àqueles que existiriam se realmente o contrato não
tivesse o vício.
− Por fim, no que concerne aos comportamentos sociais típicos, estes
comportamentos, das duas uma: ou correspondem efetivamente a declarações de
vontade, ou então temos de lhes atribuir outros efeitos e outras consequências.
Relativamente às hipóteses de comportamentos mecanizados no tráfego jurídico de
massas, CARNEIRO DA FRADA supõe que a doutrina geral dos contratos permite
dar uma resposta satisfatória – há uma vontade de produção de efeitos jurídicos, há
uma oferta ao público (por parte de determinadas entidades, uma proposta
contratual feita pelas mesmas, exploradora de determinada atividade, por exemplo, a
STCP faz a proposta contratual enquanto entidade exploradora de transportes) e há
um comportamento concludente que expressa uma manifestação de vontade de
aceitação dessa proposta. Nos termos do artigo 234.º, há circunstâncias em que a
declaração de aceitação não precisa de ser levada ao conhecimento do
preponente para que o contrato se tenha celebrado e dado como eficaz. O artigo
234.º fala da dispensa de aceitação em relação aos contratos cuja celebração não
dependa da declaração de vontade, e dessa declaração ser levada ao conhecimento da
contraparte, bastando que o comportamento de acordo com os usos sociais mostre
essa intenção. As condutas mecânicas que pretendemos abordar aqui representam
uma aquiescência por parte da Lei. Atenção! A Lei não prescinde da vontade de
celebrar o contrato, mas a vontade é tipicamente presente nestes casos, é uma
vontade tipicamente presumida – as pessoas celebram aqueles contratos porque de
facto à partida o querem e, o seu comportamento tudo indica que efetivamente o
pretendem. Para celebrarem um contrato não é preciso uma consciência atual dos
efeitos jurídicos, algumas vezes essa consciência existe (a pessoa quando comprou o
passe tem essa noção de que há uma troca de bens e serviços juridicamente
vinculante). A consciência não tem de ser atual, a vontade de produção de efeitos
jurídicos também não tem de ser atual, mas existe e, portanto, no tráfego jurídico de
massas, podemos dizer que é o que tipicamente acontece. As dificuldades centram-se
nas hipóteses em que o sujeito afasta o significado usual que, em termos sociais,
a conduta que adota tem, para dizer que não quer celebrar um contrato (que foi
o que aconteceu no caso do parque de estacionamento em Hamburgo). Quid iuris?
Quem adota um determinado comportamento depois não pode a posteriori
afastar aquilo que decorre da
interpretação usual do comportamento que teve (mas neste caso, o problemático é
que, à partida, o sujeito declarou que não queria celebrar nenhum contrato, que não
sentia vinculado ao pagamento do preço, portanto exclui o significado que
usualmente damos ao comportamento de uma pessoa que coloque o carro no parque
de estacionamento). Admitir, aqui, a existência de um contrato é forçar a base
valorativa do contrato – porque é que o contrato vincula? O contrato vincula porque
é querido que assim o seja, sendo essa a grande razão que justifica a vinculatividade,
respeitando a autonomia privada e protegendo-se, através da ordem jurídica, esse
contrato. Admitir um contrato contra a vontade do sujeito é atingir a base que
justifica o princípio pacta sunt servanda – os contratos devem ser pontualmente
cumpridos porque foi assim determinado pelas partes, porque foi essa a sua
vontade. Sendo fiéis à doutrina do contrato, não podemos aplicá-la nesta situação.
Temos de encontrar caminhos que nos levem à resolução de casos como estes, como
poderia ser a responsabilidade civil, fazendo o sujeito responder pelos prejuízos
causados. (Neste caso, a recusa a contratar, a recusa do pagamento pelo serviço
prestado, pelo parque de estacionamento. Verificando-se que o parque de
estacionamento não funcionava ilegalmente, se o sujeito coloca o automóvel no
mesmo e recusa-se a pagar pelo serviço, impedindo que o proprietário do parque de
estacionamento possa obter rendimento com base naquilo a que tem direito, estamos
então perante uma violação da propriedade ou de um direito real análogo, que dá
lugar a uma indemnização pelo prejuízo causado. Prejuízo que se pode basear na
falta de venda do lugar de estacionamento a outros condutores durante o tempo em
que aquele veículo ali esteve estacionado. Embora não haja aqui um contrato, o
indivíduo é responsável pela tarifa horária que a contraparte deixou de obter
em virtude da sua conduta ilícita. Ele não paga o preço dito pelo contrato, mas o
valor das horas como prejuízo que provocou à contraparte. O problema torna-se
mais complicado se, realmente, o sujeito não tiver nenhum lucro cessante, se
havia lugares vazios não pode o proprietário do parque dizer que, por causa daquela
conduta ilícita, a violação da propriedade, ele deixou de auferir um determinado
rendimento, porque todas as pessoas que quiseram colocaram lá o automóvel
poderiam tê-lo feito nos outros espaços vazios. Nestas hipóteses, em que não é
possível construir um lucro cessante, que o sujeito tenha deixado de obter em virtude
daquela conduta, intervém outro instituo que é o enriquecimento sem causa. O
enriquecimento sem causa é um
instituto que não se deve confundir com os contratos, e que determina que, quando
alguém se encontra indevidamente locupletado à custa de outrem, deve restituir o
montante do seu enriquecimento. Se o sujeito estaciona o automóvel num parque
estacionamento, que está a funcionar regularmente e que tem o direito de explorar
esse mesmo parque, o sujeito está a beneficiar de um determinado serviço que lhe é
proposto mediante certa retribuição. E, ao recusar-se a pagar essa retribuição, ele está
a reter para si uma utilidade sem correspetivo. Portanto, há um enriquecimento sem
causa. Ele não quis celebrar nenhum contrato, mas aproveitou-se de uma utilidade e,
portanto, ele terá de a entregar a quem podia estabelecer os termos de beneficiar
dessa mesma utilidade.)
Conclui-se então que não precisamos de aferir um contrato de facto, porque, ou através da
doutrina da confiança, ou através da responsabilidade civil, ou através do enriquecimento sem
causa, bem como de outros institutos que possam servir no caso, podemos resolver os problemas
que HAUPT propôs distanciar da noção de contrato como a entendíamos, advinda do acordo e da
vontade das partes. Não é necessário que a doutrina rompa com o que é estruturalmente a doutrina
dos contratos, separando os contratos em dependentes da vontade e puramente fácticos.
Quem é que vai determinar quais são os factos dos quais emergem obrigações? Se for
possível a alguém dizer que determinados factos correspondem a contratos e, logo, obrigações,
isso rebenta com aquela preocupação que o elenco de fontes de obrigações tem de não deixar que
as obrigações brotem indiscriminadamente de qualquer circunstância de facto. E é por isso que as
relações contratuais de facto não devem ser admitidas, são perigosas pois podem servir de
pretexto para impor obrigações contratuais a quem efetivamente jamais as quereria
assumir, e essa doutrina deixa de respeitar a base valorativa/fundamento da celebração da
vinculatividade dos contratos que é a vontade das partes.
O contrato é um instrumento de exercício da autonomia privada e, não pode deixar de ser
assim e, não deve ser instrumentalizado para fins que não são esses.
Em suma, relações contratuais de facto não nos interessam – não é que não precisemos de
saber como é que o Direito Civil lida ou pode lidar com estas espécies problemáticas, mas o facto
é que, em si, essa categoria como categoria dogmática não deve ser acolhida. Descreve um
conjunto de questões às quais o civilista tem de estar atento, mas não é de modo a alicerçar uma
doutrina jurídica autónoma e diferente da do direito comum dos contratos.
Pela sua própria natureza, pressupõem uma única manifestação de vontade, que
historicamente foi questionada – se e em que termos é que o negócio jurídico (unilateral) era
suscetível de criar obrigações? A obrigação implica um relacionamento intersubjetivo, entre pelo
menos duas pessoas, então como é que é possível uma obrigação surgir apenas por determinação
de uma pessoa, sem qualquer intervenção de outro sujeito? A relação obrigacional implica uma
conexão entre o devedor e o credor e, portanto, seria natural que, pelo menos, essas duas
pessoas tivessem, de alguma forma, envolvidas na fonte de obrigações.
Existiram reservas quanto à possibilidade de constituir obrigações através de negócios
jurídicos unilaterais. No Direito Romano, existiam situações equiparáveis, e também no Direito
Intermédio, como contraponto ao princípio do contrato, a figura universal, ordinariamente fonte
negocial de obrigações.
(As promessas unilaterais de realização de uma prestação através de um negócio unilateral
eram tidas como, tipicamente, a promessa unilateral de uma recompensa – alguém atribui uma
recompensa a quem consiga, por exemplo, encontrar um objeto perdido. Ou as hipóteses dos
títulos de crédito, em que alguns atos respeitantes aos mesmos são unilaterais, por exemplo, o
endosso de um cheque, sendo estes atos unilaterais que geram imediatamente vinculação dos
sujeitos.)
Na altura do liberalismo, a filosofia do contrato ditava a predominância do contrato, “quem
diz contratual diz justo” – o contrato seria justo porque seria assente na liberdade e na
autodeterminação dos sujeitos. Não há afirmação dessa natureza quando estamos perante negócios
jurídicos unilaterais.
O Código de Napoleão veio considerar insuficiente a vontade de uma pessoa para a obrigar
face a outra com carácter de generalidade. O mesmo fez o BGB em 1896, dizendo que para a
constituição de uma obrigação através de um negócio jurídico era necessário um contrato,
salvas as exceções do parágrafo 307, ainda atual no documento alemão. O Código italiano de 1942
estabeleceu que a promessa unilateral de uma prestação não produz efeitos obrigatórios, fora os
casos previstos pela Lei.
Portanto, recapitulando, existem duas razões para que haja reserva, pelas ordens jurídicas,
em relação à promessa unilateral como forma de constituição de obrigações:
1. Tem de haver aceitação para que faça sentido a irrevogabilidade (da promessa unilateral).
2. Tem de haver encontro entre duas pessoas para que se evitem vinculações
desmesuradas. Refere-se ainda que o argumento dado a favor do princípio do contrato –
segundo o qual ninguém pode ser beneficiado na sua esfera jurídica por mero ato de vontade alheia,
por isso implicar uma intromissão não autorizada na sua esfera jurídica, o que aconteceria se se
admitisse amplamente uma promessa unilateral da prestação como fonte de obrigações, criar-se-
iam créditos na esfera jurídica do destinatário da prestação sem que ele fosse tido ou achado na
constituição desse crédito, e diz-se que isso é comprimir a autonomia privada do sujeito, e assim
se justifica o princípio do contrato, ninguém pode ser beneficiado contra a vontade – é um
argumento exagerado, porque menciona a autonomia privada dos sujeitos como ninguém
podendo ser beneficiado contra a sua vontade na sua esfera jurídica, mesmo tratando-se de um
benefício, o sujeito há de poder afastá-lo
da sua esfera jurídica. CARNEIRO DA FRADA diz que pode ser concedido, na mesma, o
benefício à contraparte, independentemente da aceitação, havendo depois a possibilidade de esta a
rejeitar.
Esta possibilidade de recusar um benefício também é suscetível de ser alcançada permitindo
ao sujeito recusar o crédito constituído, não há aí o dogma do consenso como forma de assegurar
que ninguém possa ser beneficiado contra a sua vontade por um ato jurídico alheio, parece que
este dogma do consenso também não é rigorosamente necessário na medida em que
efetivamente ao sujeito bastava que lhe fosse assegurada a possibilidade de recusar o
benefício (que é o que acontece no contrato a favor de terceiro – o terceiro é beneficiado
automaticamente num contrato que não é celebrado com ele mas em que efetivamente, apesar
disso, a ordem jurídica, não se importa de atribuir esse beneficio imediato a terceiro que adquire o
direito à prestação independentemente da aceitação, mas que não obstante, se permite ao terceiro
recusar o benefício que lhe é atribuído).
Temos aqui um quadro complexo – percebemos que há justificações para termos cautelas na
admissibilidade de promessas unilaterais de prestação como fonte de obrigações, admissibilidade
de que a obrigação possa surgir só porque alguém se comprometeu a determinada prestação; mas
também percebemos que os argumentos são difíceis e, porventura, até de sinal contrário. O dogma
do consenso parece não ser necessário ser invocado para justificar designadamente que alguém
possa recusar um benefício que lhe é atribuído, que uma das partes na relação obrigacional possa
rejeitar o crédito. JOÃO ABRANTES GERALDES diz que na Pandectística alemã não se
entenderam sobre os fundamentos da restrição com que a ordem jurídica deveria encarar a
promessa unilateral.
Centremo-nos nos dados da nossa ordem jurídica – o artigo 457.º diz-nos explicitamente que
a promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na Lei. Ao contrário do
princípio da liberdade contratual, no campo das promessas unilaterais de prestação só surgem
obrigações quando a Lei tenha previsto que determinada situação é suscetível de criar uma
vinculação.
O chamado princípio do contrato, a contrario sensu, retira-se – para que se constituam
obrigações por vontade negocial requer-se, em princípio, um contrato, mas só não é assim quando
a Lei o preveja, podendo celebrar-se um negócio jurídico unilateral de promessa de uma prestação.
As justificações são várias: primeiro, não é razoável impor um benefício a alguém contra a sua
vontade, embora se possa satisfazer este requisito concedendo ao beneficiário a possibilidade
de rejeitar a atribuição patrimonial feita (como no contrato a favor de terceiro); segundo, não é
razoável manter-se alguém irrevogavelmente vinculado à sua palavra com base numa
simples
declaração unilateral de vontade enquanto não houver expectativas do beneficiário dignas de
tutela, o que parece que implicará uma aceitação, porque só através da aceitação se consuma
também, aos olhos do promitente, a representação de que alguém, de facto, assume como firme
essa promessa. É esta a grande razão para justificar a restritividade da promessa unilateral da
prestação. Há aqui a necessidade de tutela das expectativas do destinatário da
promessa, confrontando-as com a liberdade de desvinculação do promitente (não havendo
expectativas do beneficiário), protegendo-se também o próprio promitente contra
precipitações e vinculações irrazoáveis, uma vez que não há contrapartidas, dado o carácter
unilateral da promessa de realização
da prestação.
A tipicidade da promessa unilateral como ato constitutivo de obrigações faz com que
seja a Lei que determina as hipóteses em que a promessa pode constituir obrigações, seguindo-se,
portanto, o princípio da tipicidade, que contrasta com a atipicidade em matéria de contratos.
Aqui, está em causa uma tipicidade de formas de constituição de obrigações por negócio
unilateral, e não uma tipicidade de conteúdo.
(Por exemplo, admite-se que através de uma promessa pública, uma recompensa possa
constituir obrigações – artigo 459.º: “aquele que mediante anúncio público prometer uma
prestação àquele que se encontra em determinada situação ou pratique certo facto positivo ou
negativo, fica vinculado desde logo à promessa”. É uma tipicidade de forma, não de conteúdo.
Não se diz o que se promete, nem a ordem jurídica se mete em relação ao objeto da promessa. Mas
a forma sim. Só pode unilateralmente criar-se uma obrigação através de uma promessa pública
neste caso. Também são exemplo os concursos públicos, no artigo 463.º – pode o sujeito ficar
vinculado, e só é válida quando se fixar no anúncio o prazo para apresentação dos concorrentes.
Em concreto: exemplo de alguém que promete uma viagem findo o período de pandemia a quem
ganhar um concurso de matemática por exemplo, esta vinculação é admissível porque se reveste
da forma de concurso 463º, está previsto o concurso público, mas é tipicidade de forma, quanto ao
conteúdo esta na disponibilidade do autor do concurso. Também através do testamento, que é um
negócio jurídico unilateral, podem ser criadas obrigações, é uma forma de constituição da
promessa.
No tráfego comercial, existem muitas promessas unilaterais de prestação, que ultrapassam as
mencionadas – para exemplificar, pertencentes ao Direito Civil, temos o caso das ordens de
transferências, por exemplo bancárias, no Direito Comercial. Nas livranças, quando alguém
subscreve uma livrança, um título de crédito, nós temos uma promessa unilateral de uma
prestação, é uma prestação pecuniária e uma prestação que tem a particularidade de ser inserida
num documento que tem um regime de circulação específica que é a livrança, é um documento,
uma
obrigação; quando alguém endossa um cheque está a assumir uma vinculação perante quem venha
a ser o beneficiário do cheque que pode exigir o cumprimento. E reparemos que, muitas vezes,
estes atos não têm beneficiário conhecido – por exemplo, quando alguém emite um cheque/faz um
endosso ao portador, quando alguém preenche uma livrança sem indicar aquele a quem se destina
a prestação que lá está incluída, fica realmente vinculado, independentemente de qualquer
aceitação de alguma contraparte. Os avales são garantias que se prestam, também conexas com os
títulos de crédito – também aí nós temos atos unilaterais, mediante os quais o sujeito fica
vinculado.
São formas que o tráfego comercial conhece que têm cobertura jurídica, que não contrariam
o princípio da tipicidade das formas de constituição das obrigações por negócio unilateral previsto
no artigo 457.º.)
Existem duas figuras que, embora reguladas no artigo 458.º, na verdade, não são verdadeiros
negócios unilaterais de constituição de obrigações, segundo o entendimento tradicional:
− A promessa de cumprimento (e não de realização) de uma prestação. Quando
alguém declara “eu cumpro, eu vou cumprir, garanto que cumprirei”, não está a
constituir uma obrigação, é uma declaração de cumprimento de uma obrigação, uma
promessa apenas.
− O reconhecimento da dívida, em que alguém reconhece que deve, também
considerado declaração: “eu reconheço que te devo 50 euros”.
Este tipo de declarações está inserido no regime dos negócios jurídicos unilaterais, mas não
corresponde a uma fonte autónoma de obrigações, porque a obrigação que é reconhecida existir ou
que se promete cumprir já se encontra pré-constituída.
Estas duas figuras não têm a virtualidade de constituir obrigações propriamente – então, qual
é a razão destas decorações e seu regime jurídico? Vejamos o artigo 458.º/1. Se alguém, por
simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem a indicação
da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar relação fundamental, cuja existência se
presume até prova em contrário. Podem existir várias razões que dificultem ao credor a prova do
seu crédito. Com uma declaração destas, a posição do credor é beneficiada.
(Quando alguém emite uma declaração, assina, por exemplo, um papel a dizer “eu
reconheço a minha dívida para contigo num montante de 50 euros”; presume-se que essa dívida
existe realmente e que tem uma causa válida, o que significa que o credor fica dispensado, com
esse papel, de demonstrar os factos constitutivos dessa dívida. Normalmente, quando o credor quer
exigir o cumprimento da dívida, é a ele que cabe a demonstração do seu direito, e às vezes isso
pode ser
complicado, se emprestou ou não, as circunstâncias do empréstimo, por exemplo, se se tratam
afinal de 50 euros que advieram de uma obrigação de indemnizar, um prejuízo que o sujeito
causou a outrem, as circunstâncias do prejuízo, saber se de facto havia verdadeiramente
responsabilidade ou não, se tudo assentou num equívoco, entre outros motivos.)
Este regime insere-se na distinção entre negócios causais, que dependem de uma causa
válida para a produção de efeitos, e negócios abstratos, que produzem efeitos independentemente
da existência de uma causa válida.
Existem ainda negócios presuntivos de causa, e a propósito destes temos o disposto no
artigo 458.º – é aqui que pertencem a promessa de cumprimento e o reconhecimento da dívida.
São negócios que geram (formalmente) obrigações, relativamente às quais se presume que existe
uma causa. Não são negócios abstratos, porque esta presunção é iuris tantum (e, portanto,
aquele que emite, por exemplo, uma declaração de dívida a dizer que deve a outrem 50 euros,
pode demonstrar que efetivamente essa dívida não existe, que foi coagido a assinar aquela
declaração ou que, afinal aquilo que lhe subjaz não é uma relação de responsabilidade porque ele
nada fez de mal que justifique a responsabilidade), cede perante prova do contrário, beneficia o
credor enquanto essa prova do contrato não for feita. Quando há presunção, sendo iuris
tantum, realmente o credor fica dispensado de prova da relação fundamental e não basta uma
contraprova decidida a abalar a certeza do credor para que esse credor deixe de poder exigir a
prestação, é preciso prova em contrário. Mas se a prova em contrário é produzida, o direito do
credor não subsiste. E, por isso, os reconhecimentos de dívida, ou as promessas unilaterais de
prestação, não são abstratas, porque não substituem a relação fundamental, fazem presumi-la, mas
se se demonstrar que ela não existe, que não há causa válida, para aquela atribuição patrimonial
titulada pela declaração do reconhecimento de dívida ou pela promessa unilateral, também não há
qualquer razão para o pagamento ser feito, e se há algum pagamento feito, a consequência é, não
havendo causa válida, um enriquecimento sem causa, havendo obrigação de restituir aquilo que foi
indevidamente recebido, ou aquilo que, a ser mantido, constituiria um locupletamento ilegítimo do
beneficiário.
Vejamos agora que existe efetivamente, nos negócios unilaterais, uma problemática que é
convocada com muita intensidade no Direito Comercial particularmente:
Quando se emite um cheque, o cheque por si só é uma fonte do crédito do beneficiário do
cheque contra o banco sacado, mas se se verificar nas relações imediatas entre o sacador do
cheque
e o beneficiário do cheque que não há razão para o pagamento, toda a atribuição patrimonial que é
feita deve ser restituída, porque subjacente à relação de cheque, há uma outra que a sustenta. Se o
indivíduo passa um cheque para pagar uma dívida, e essa dívida não existe, ou se passa um cheque
para pagar um bem, que vem com defeito, então essa dívida pode ser suscetível de ser anulada, se
o cheque foi pago, esse cheque/essa atribuição patrimonial pode ser revertido/a.
(Vamos supor que o vendedor, que recebeu o cheque, endossa o cheque a outra pessoa, e é
este terceiro que vem exigir do banco sacador do cheque, o pagamento. As exceções derivadas da
relação imediata entre comprador e vendedor, por exemplo, entrega de mercadoria defeituosa, não
são suscetíveis de ser opostas ao terceiro beneficiário, precisamente para facilitar o tráfico
jurídico. Comprador/sacador, vendedor/beneficiário e outra pessoa/terceiro/novo beneficiário. Em
caso de entrega de mercadoria defeituosa, o terceiro beneficiário é a outra pessoa, se o comprador
ficou com um bem defeituoso, e em troca deu o cheque ao vendedor que por sua vez transmitiu-o
a outra pessoa, um terceiro, o comprador não pode opor esta situação ao terceiro nem exigir do
terceiro o cheque.)
Estes títulos de crédito, cheques, livranças, letras, entre outros, destinam-se a circular e a
constituir meios de pagamento, substituição de dinheiro físico, no tráfico comercial, e portanto nas
relações mediatas dos sujeitos com terceiros, não diretamente com os seus parceiros contratuais, as
vicissitudes das relações subjacentes não são suscetíveis de ser invocadas isso é que dá garantia ao
cheque, livrança, letra, é que o seu portador, titular, beneficiário, não está sujeito a que perante ele
sejam invocadas exceções a não ser aquelas que lhe possam ser opostas pela contraparte nas
relações que imediatamente estabeleceu com outrem, portanto, terceiros efetivamente, não podem
prejudicar a sua posição. Isto tem a ver com a nossa matéria porque há um desacoplamento entre a
relação fundamental, e a relação cartular – a relação cartular assenta em negócios jurídicos
unilaterais que são presuntivos de causa nas relações entre o autor do negócio jurídico unilateral,
emitente, e seu beneficiário, mas já não são negócios presuntivos de causa relativamente a
terceiros, porque são negócios abstratos em relação a terceiros.
Diz o Acórdão 5703/10.9YYPRT-A.P1, do Tribunal da Relação do Porto, que: “É terceira,
perante a relação cartular, a portadora de uma livrança que lhe foi transmitida por endosso,
ainda que tenha outorgado no contrato de mútuo, caucionado por essa mesma livrança. (…)
Consequentemente, apresentando-se a exequente como legítima portadora da livrança dada à
execução, não lhe podem ser opostas excepções fundadas pelos oponentes na violação do pacto
de preenchimento por parte do banco.”
Nos termos do regime geral da Lei civil, se o proprietário de um bem dele for ilegitimamente
desapossado, poderá reivindicá-lo de qualquer terceiro a quem o mesmo haja sido, entretanto,
transmitido pelo desapossador, já que a falta de legitimidade deste sempre inquinaria todas as
alienações posteriores a non domino, de acordo com o brocardo nemo plus iuris. Ora, é
exatamente o oposto o regime dos títulos de crédito, onde cada portador do título que legitime a
sua posse de acordo com as respetivas Leis de circulação é havido como titular de um direito
autónomo ou nascido ex novo nas suas mãos, sendo-lhe inoponíveis as excepções procedentes de
posses ou portadores anteriores do mesmo título – artigo 16.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e
Livranças e artigo 21.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque.
Acresce que a emissão de um título de crédito origina o nascimento de uma relação jurídica
específica – a relação cartular. Com efeito, a emissão de um título não representa um simples ato
de documentação de um negócio ou relação jurídica fundamental, que lhe subjaz e o
explica, originando antes uma relação jurídica a se que passará doravante a ter uma vida e regime
próprios. O título de crédito e a conexa relação cartular são criados através de um negócio
jurídico unilateral: de acordo com a doutrina dominante, o ato constitutivo do título de crédito
reveste a natureza de uma declaração unilateral de vontade dirigida pelo emitente a um sujeito
determinável (artigo 511.º do Código Civil), sendo este determinado mediante a posse do
título segundo a
respetiva Lei de circulação.
Promessa pública
Falamos agora de uma das duas grandes hipóteses de negócio unilateral, que o legislador
previu nesta secção do Código Civil – a promessa pública, que encontramos disposta nos artigos
459.º a 461.º.
Depois de termos falado da promessa de cumprimento e do reconhecimento da dívida, doios
negócios unilaterais especiais, falamos da promessa pública, dizendo o Código que o promitente,
neste caso, “fica vinculado desde logo à promessa”, ou seja, na promessa pública, a
vinculatividade não depende da aceitação. No artigo 459.º/2, encontramos a disposição de que o
promitente fica obrigado mesmo em relação àqueles que se encontrem na situação prevista ou
tenham praticado factos sem atender à promessa. (Diz um anúncio: “Alvíssaras a quem encontrar
a cadela que perdi!”. Determinado indivíduo encontrou a cadela, não fazia ideia da promessa, e
portanto, toda a sua conduta não foi motivada na promessa, mas tem direito à promessa,
porque a promessa é
vinculativa desde o momento em que é efetivamente formulada.) Esta é a solução regra, são regras
supletivas que podem ser afastadas.
No que respeita à validade (artigo 460.º), a promessa pode ser emitida sem prazo de
validade, a recompensa a quem encontrar pode ser feita sem prazo de validade, e se tal for,
mantém-se enquanto não for revogada, claro que, pela natureza das coisas, a partir do momento
em que a promessa atinge o seu objetivo, a cadela é encontrada, o fim da promessa realiza-se e ela
caduca.
− Não tendo prazo de validade, a promessa é revogável a qualquer tempo por parte de
quem a fez.
− Tendo prazo de validade, só é revogável se houver justa causa, diz o artigo 461.º/1.
Se há prazo, o sujeito que quer realizar a conduta que lhe permite a obtenção do
benefício da promessa pode ter planeado a sua vida de forma a beneficiar desse
prazo, e portanto, dentro do mesmo conseguirá obtê-lo devido à irrevogabilidade da
mesma nesse período.
No que respeita ao 461.º/2, que diz que “Em qualquer dos casos, a revogação não é eficaz
se não for feita na forma da promessa ou em forma equivalente (…)”, é necessário que a
revogação seja suscetível de ser levada ao conhecimento do sujeito pela mesma forma da
promessa (de modo a que efetivamente ele não seja, também, frustrado nas suas expectativas,
tendo acreditado na promessa, realmente desenvolveu a sua atividade e, afinal de contas, a
promessa acabou por se revogar de uma forma que não foi possível conhecer). Naturalmente, não
é possível revogar a promessa se a situação prevista já se tiver verificado, ou o facto já tiver
sido praticado.
Pode também acontecer que haja a cooperação de várias pessoas para o resultado da
promessa e, nos termos do artigo 462.º, se assim for há que dividir equitativamente a prestação
atendendo- se à parte que cada uma delas teve nesse resultado. (Se várias pessoas se puseram de
acordo para cercar a cadelinha, que estava um bocado assustada, para a apanhar e entregar ao
respetivo dono, todos colaboraram e, realmente todas têm direito à prestação que terá de ser
dividida equitativamente em função daquilo que cada uma das pessoas participou para a obtenção
do resultado.)
Os concursos públicos
A outra das duas hipóteses que mencionávamos são os concursos públicos, previstos no
artigo 463.º. Em primeiro lugar, convém esclarecer que não se tratam, aqui, dos concursos
públicos de que falamos em Direito Administrativo (em que o autor do concurso é o Estado ou
entidades públicas,
que visam a prossecução de interesses públicos), mas sim de concursos públicos em que há a oferta
da prestação como prémio de um concurso que é aberto a concorrentes, por isso sendo público.
Estes concursos podem ter diversas entidades por autoras de concurso – aquele que faz a
oferta da prestação, que pode ser uma entidade pública (por exemplo, a Câmara Municipal do
Porto) ou uma entidade privada (por exemplo, a TVI) – e esse concurso só é valido se se fixar no
anúncio o prazo para a apresentação dos concorrentes. É uma norma que parece desajustada da
realidade dos concursos, mas quando, em 1966, o legislador regulou isto, os concursos não
estavam assim tão vulgarizados. O problema surge quando alguém promove o concurso, mas sem
indicar as condições, e com isso cria uma certa trapalhada, porque as pessoas acabam por se
entusiasmar com o concurso; não criando essas condições realmente, também se pergunta até que
ponto é que um concurso em que não estejam estabelecidos prazos para a apresentação dos
concorrentes pode vincular o sujeito.
E, segundo a Lei, efetivamente, não é valido o concurso se não houver a apresentação de
um prazo para a apresentação dos concorrentes, porque só se houver a indicação do prazo para
apresentação dos concorrentes é que há uma seriedade mínima da vontade de celebrar um
negócio unilateral nestes termos e, portanto também há uma justificação mínima da
confiança de outras pessoas (potenciais destinatários do concurso), uma confiança legítima
dessas pessoas de como realmente o concurso é um concurso consistente.
Diz o artigo 463.º/2 que a “decisão sobre a admissão dos concorrentes ou a concessão do
prémio a qualquer deles pertence exclusivamente às pessoas designadas no anuncio ou, se não
houver designação, ao promitente” (que é o autor do concurso, podendo naturalmente, também
estabelecer-se um júri, então nesse caso seriam essas as pessoas). Num concurso, verificamos que
a vontade essencial é a do promitente/do autor do concurso, que determina os critérios do
concurso, quem é que vai fazer a seleção, quem é que vai fazer o julgamento (se é o júri, se é ele
próprio), entre outros. As condições do concurso são condições que estão dependentes da
autonomia privada.
Olhando para este regime, verificamos que esse regime é muito parco para captar a
totalidade da realidade negocial atual no trafico negocial dos concursos, porque atualmente
existem múltiplos concursos. [Há milhares de situações de Direito Privado que estão subordinadas
às regras do concurso – concurso para a formação de contratos (no último exemplo dado, o
contrato de trabalho é aquilo que se visa derradeiramente), concursos em que há vinculações que
derivam imediatamente do ato de abertura do concurso para o autor do concurso (o autor do
concurso fica vinculado, nos termos do artigo 463.º, para produzir aquele resultado nos termos em
que o determinou).]
O concurso não tem de terminar com a celebração de um contrato (uma pessoa pode celebrar
um concurso para preenchimento de uma vaga de uma empresa e depois não se apresentarem
candidatos idóneos). O que parece claro é que estes concursos de Direito Privado com vista à
celebração de um contrato com o melhor dos candidatos apresentados criam vinculações que se
não são propriamente vinculações de contratar, são pelo menos vinculações de razoabilidade
ou de proibição de recusa injustificada de contratar.
(Onde é que está este regime dos concursos de Direito Privado, por exemplo, para a
celebração de um contrato de trabalho? Esta figura, que é usual no tráfego jurídico, não está tal e
qual regulada, mas não nenhuma razão para não ser admitida se nós fizermos uma simbiose entre
os preceitos da promessa pública e os preceitos dos concursos públicos. Se integrarmos estes
regimes, nós temos aqui um conjunto de elementos que nos permitem encaixar esta figura, que
ninguém negará, que é a possibilidade de abrir concurso para a celebração de um contrato por uma
empresa, de trabalho, por exemplo.
Ninguém negará essa possibilidade, independentemente de estar expressis verbis regulada na
Lei ou não, sendo que todos aceitam que o autor do concurso fica vinculado aos termos do
concurso e, quanto ao regime, na medida em que este não decorra daquilo que o próprio autor
estabeleceu, temos sempre a possibilidade quanto àquilo que ele não previu de aplicar regras
gerais da promessa e do concurso público, nos termos do Código Civil.
GESTÃO DE NEGÓCIOS
Encontramos a gestão de negócios entre os artigos 464.º e 472.º do Código Civil – ocorre
quando alguém assume a direção de um negócio alheio por interesse e conta do respetivo
dono, sem para tal estar autorizado. Normalmente, a atividade é exercida por benevolência.
Relativamente à natureza da gestão de negócios, a gestão é um título que habilita a
intervenção na esfera jurídica alheia, em nome da solidariedade humana. É esse o cerne da figura.
É um ato lícito, em homenagem ao que tipicamente lhe está subjacente, daí o requisito da
intervenção na esfera jurídica ser feita com o intuito de beneficiar outrem, e de transferir para essa
esfera jurídica de outrem os proveitos de uma conduta própria.
É importante que se distingam as figuras da gestão de negócios das figuras associadas a
situações em que alguém gere negócios ao abrigo de um contrato, aí tendo uma gestão por parte de
alguém habilitado e autorizado a cuidar dos assuntos de outrem. (Por exemplo, uma pessoa sabe
que
o seu vizinho está internado, cuida do seu cão sem que esteja autorizado, ou repara o seu telhado
que, em virtude do mau tempo, foi danificado.) Figuras próximas da gestão de negócios são as
figuras do mandato e do contrato de prestação de serviços – são ambos contratos, enquanto que
na gestão de negócios não existe nenhum [contrato]. O gestor não celebra qualquer contrato com o
dominus, a gestão não é autorizada pelo dominus. Uma vez que a gestão de negócios é destinada
a atribuir um benefício a outrem, é feita no interesse do dono do negócio, corresponde à
caracterização legal da própria, compreende-se que, se tivesse conhecimento da gestão, certamente
que o dominus aceitaria celebrar um contrato com vista ao desenvolvimento da atividade que o
gestor se dispõe a realizar no caso de estar impedido de ele próprio levar a cabo.
Compreende-se, a propósito desta figura, que às vezes se fale de um quase-mandato ou de
um quase-contrato de prestação de serviços, porque se realmente o gestor se procura conformar
com
o interesse do dominus negocie com a sua vontade, é também natural que hipoteticamente, o
No que respeita ao seu regime jurídico, falamos principalmente de dois sujeitos: o dominus
e o gestor.
A relação entre estes designa-se por relação gestória que se inicia com a gestão. Fala-se
num sinalagma gestório porque, de facto, há pretensões do dominus contra o gestor, há direitos
do dominus contra o gestor (por exemplo, entregar-lhe tudo aquilo que a gestão de negócios
permitiu obter), e há também pretensões do gestor contra com o dominus (porque, por exemplo, o
gestor terá direito ao reembolso das despesas ou indemnização dos prejuízos).
Mas podemos ainda ter outros sujeitos: os terceiros. Além dos dois intervenientes
fundamentais, que são os típicos da gestão de negócios, temos também de considerar o que
acontece relativamente aos terceiros, às pessoas que também se veem por alguma forma
envolvidas na gestão de negócios e que são as pessoas com quem o gestor contrata, tratando-se de
gestões de natureza jurídica.
Os deveres do gestor para com o dominus estão dispostos no artigo 465.º, que os elenca:
As pessoas podem ser bem-intencionadas, mas causarem danos, por serem incapazes. A
culpa do gestor, deve ser apreciada em concreto, de acordo com as suas próprias aptidões em
função daquilo que ele é capaz de fazer, ou de acordo com uma bitola geral, porque ele pode ter
feito o melhor que conseguiu, mas ser manifestamente inábil.
A doutrina divide-se. CARNEIRO DA FRADA defende que, atendendo à conduta,
benevolente, à intenção benevolente do gestor, não se lhe pode pedir uma diligência maior do que
aquela de que ele é capaz. Pelo menos esta será a regra. Mas compreende que há circunstâncias
que pode levar para outro sentido: se não for normal, natural, uma intervenção gestória, se for
manifesto que ele tenha condições para levar a cabo adequadamente a gestão, talvez se justifique
que a culpa do gestor nessas hipóteses seja aferida de acordo com a bitola geral daquilo que
medianamente as pessoas são capazes. Há um indulgência/bondade que, apesar de tudo, devemos
manter relativamente àqueles que procedem com a melhor das intenções, mas que não estão
à altura do desafio que cometeram, em virtude da intencionalidade positiva com que o
fizeram em prol de outrem.
Eles relacionam-se com o gestor, e interessa-nos o que contrataram com o gestor. Estamos
a tratar gestões jurídicas e não gestões materiais (estas não afetam terceiros). Diferente é o caso
em que o gestor celebra negócios com terceiros. Para se perceber a posição do terceiro, é preciso
distinguir entre gestão representativa e gestão não representativa.
− Na gestão representativa, o gestor age em nome do dominus, mas como é uma
intervenção não autorizada, não há transmissão de poderes, pelo que os negócios que
o gestor realize nestas condições, não vinculam o dominus enquanto ele não ratificar
(268.º). Havendo representação, o terceiro sabe que estava a contratar com o dono do
negócio e não com o gestor, que este é só o representante. Se o dominus ratifica,
passa a assumir os efeitos do negócio celebrado pelo gestor. Não se deve confundir a
ratificação (ato mediante o qual o representado chama a si os efeitos do negócio)
com a aprovação (visa o reconhecimento ao gestor dos direitos que ele tem em
virtude de uma gestão regular, pelo que se destina apenas a produzir efeitos na
relação gestória estrita, entre gestor e dominus). Pode haver ratificação sem
aprovação, assim como o inverso. Se não ratificar, o terceiro não pode exigir do
dominus o pagamento do preço. E pode exigir do gestor? Parece que não, pois não
é justo que o gestor suporte o pagamento quando não era a sua vontade ser parte
daquele negócio. Assim, caso não ratifique, só o instituto do enriquecimento sem
causa pode ajudar esse terceiro. Se o gestor atuou em nome de outrem, estava claro
desde o princípio que não era ele que assumia a responsabilidade pelo contrato. E se
o gestor escondesse o facto de ser representante sem poderes, ou seja, se se
apresentasse a contratar com terceiro em nome do dominus, induzindo que estava
investido de poderes para tal e levando-os a executar um contrato relativamente
ao qual os efeitos não estavam seguros? Neste caso, seria responsável por culpa in
contrahendo, artigo 227.º, por criação de uma confiança indevida, mas não é
responsável pelas vinculações emergentes desse contrato. (Por exemplo, o gestor, em
representação do dominus, contrata com um terceiro para que este repare o telhado
do dominus, sendo que o custo da empreitada é de 2000 euros. O terceiro compra os
materiais de que necessita, que custaram 1000 euros. O dominus não ratificou o
negócio, por isso não é responsável pelo pagamento do preço da obra. O gestor
celebrou o contrato em nome do dominus, por isso também não pode ser responsável
pelo pagamento. Se o gestor disse abertamente que está em representação do vizinho,
mas que não tem poderes, o terceiro sabe os riscos que corre, então não merece
nenhuma tutela particular. Contudo, se o gestor não disse que não tinha poderes, é
responsável por ter induzido confiança ao terceiro, mas vai indemnizar em virtude da
tutela da confiança. O terceiro só pode exigir do gestor os 1000€ que gastou com os
materiais que comprou, não podendo exigir dele os 2000€, porque ele não estava
vinculado ao contrato.) O próprio terceiro poderia pedir a prova da representação e
inclusivamente revogar o contrato que celebrou com o gestor, apercebendo-se da
falta de poder do dominus enquanto este não ratificar. Nos termos do artigo 260.º, se
uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro pode o terceiro
exigir que o representante faça prova dos seus poderes – é um ónus.
− Na gestão não representativa, o gestor atua em nome próprio, mesmo sendo por
interesse alheio. O contrato surte efeitos entre o gestor e o terceiro (1180.º).
Contudo, o gestor fica obrigado a transferir para o dominus todos os proveitos
decorrentes da gestão de negócios celebrada com terceiro. Em relação a obrigações, é
o gestor que as suporta, mas o dominus tem de o reembolsar. Porém, não pode o
terceiro exigir nada do dominus, pois foi o gestor, em nome próprio, que
assumiu a obrigação. Não haveria enriquecimento contra o dominus, pois embora o
terceiro saiba que o titular do interesse é o dominus, também sabe que só tem direitos
contra o gestor – o risco do contrato é seu e não deve ser transferido para o dominus.
Assim, o terceiro só tem direitos contra o gestor, sem prejuízo que o dominus se
possa substituir ao gestor na exigência das obrigações assumidas por terceiros. Nos
termos do artigo 471.º, se o gestor realizar o negócio em nome próprio, são
extensíveis as disposições aplicadas ao mandato sem representação, que nos dizem
que o mandatário/gestor, se agora em nome próprio, adquire os direitos e assume as
obrigações decorrentes dos atos que celebra. Por outro lado, o dominus pode
substituir-se ao gestor no exercício dos seus direitos contra terceiro, ou seja,
pode chamar a si os efeitos do negócio, através da substituição (1181.º/2). No artigo
472.º, trata-se a gestão de negócio alheio julgado próprio. Aqui só é aplicável o
regime da gestão de negócios se houver aprovação. Se o dono do negócio não
aprovar, são aplicáveis as regras do enriquecimento sem causa e da responsabilidade
civil. Também se pode dar uma gestão de negócio alheio julgado alheio, o que o
Código Civil não prevê diretamente. (É o caso de alguém que extraiu areia de um
prédio confinante com o rio, para a vender, sendo que o sujeito sabia que a areia não
era sua, mas sim do proprietário do prédio – interveio na esfera jurídica alheia para
obter um proveito próprio. O sujeito que era dono do prédio não era comerciante de
areia, pelo que não tinha interesse na areia, e além disso, o prédio ficou nas mesmas
condições que tinha antes da extração da areia, porque o rio, quando enchia, repunha
a areia, mas o que é certo é que neste espaço de tempo houve alguém que enriqueceu.
Não podemos encontrar um dano juridicamente relevante, mas temos um
enriquecimento.) O sujeito tem de restituir aquilo que lucrou à custa da intervenção
na esfera jurídica alheia destinada a retirar utilidades para a própria esfera. Isto
remete-nos para a matéria do enriquecimento sem causa, não se trata de remover um
dano, mas remover um lucro.
Antes de mais, distinção da gestão de negócios do enriquecimento sem causa: nem sempre
as gestões de negócios são levadas em conformidade com o interesse e vontade real ou presumível
do dominus, embora objetivamente a gestão possa (e normalmente, o faça) implicar um benefício
para o dominus. Surge um problema que a ordem jurídica, também nestes casos, tem de resolver:
saber se deixa o dominus ficar com o produto/benefício da ação daquele que agiu em seu
benefício, ou se tem de entregar o enriquecimento derivado disso a esse gestor de negócios. Existe
uma conexão entre o regime da gestão de negócios e o regime do enriquecimento sem causa.
CARNEIRO DA FRADA diz que na gestão de negócios temos uma atividade cooperativa,
de uma pessoa relativamente à outra, há uma benevolência e um tratamento favorável da ordem
jurídica em relação a quem assim procede. Já no enriquecimento sem causa, nós temos um
instituto que tem uma preocupação muito diferente: corrigir deslocações patrimoniais que
implicam ou produzem para outrem um enriquecimento à custa de alguém. Quando alguém
enriquece à custa de outrem, deve restituir o seu enriquecimento, independentemente da forma
como esse enriquecimento opera, pode ser através de gestão de negócios ou de outra razão
qualquer.
Como o próprio nome indica, temos uma situação em que alguém enriquece à custa de
outrem. E por esse enriquecimento não ter justificação face à ordem jurídica, é obrigado a restituir
aquilo com que injustamente se locupletou – é o artigo 473.º do Código Civil que estabelece este
princípio geral.
A diferença em relação à responsabilidade civil é que no enriquecimento sem causa o que
está em jogo é remover um enriquecimento, enquanto que, na responsabilidade civil, trata-se de
alguém ficar obrigado a indemnizar um prejuízo que causou, ou que de alguma forma lhe é
imputável, tornar indemne, eliminar dano que outrem sofreu. No enriquecimento sem causa, está
em jogo a eliminação do enriquecimento que alguém obteve à custa do empobrecimento de
outrem, sem razão para tal.
As situações de enriquecimento sem causa são múltiplas e por isso o Código Civil previu
uma cláusula geral. Mas, historicamente, este pensamento do enriquecimento sem causa foi
construído a partir de um conjunto de situações-modelo (de condictiones), que correspondem a
modalidades legais do enriquecimento sem causa, que a Lei apresenta como expressões do
pensamento geral do enriquecimento sem causa, mas sem deixarmos de ter um sistema que
cobre com carácter de generalidade muitas situações para além dessas, ao abrigo de tal
cláusula geral.
De acordo com o artigo 473.º/2, a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa tem
por modo especial, o que for indevidamente recebido. (Por exemplo, alguém que paga uma
divida inexistente, a receção de uma quantia que não é devida, na verdade.) Mas também tem por
modo de especial, o que for recebido em virtude de uma causa que deixou de existir (o
indivíduo paga uma mercadoria, sem saber que o barco em que ela vinha se tinha afundado; o
pagamento é feito por causa de uma mercadoria, que realmente estava já afundada, que é um
exemplo em que alguém faz uma prestação em virtude de uma causa que deixou de existir), ou
então, em vista de um efeito que não se verificou. A prestação é feita para obter um efeito,
satisfazer um determinado interesse do futuro, e este interesse acaba por não se verificar. (Por
exemplo, eu dou-te esta quantia, porque tu te vais casar e precisas de ter esta quantia. E ele não
casa. Há aqui uma prestação funcionalizada a uma determinada finalidade que acaba por não
acontecer.)
Outro caso: Um empreiteiro que, tendo de realizar uma obra, rouba materiais de outrem. Por
exemplo, um empreiteiro que tendo de fazer cimento, em que se usa areia, rouba areia a um prédio
ribeirinho que tem essa mesma areia, incorpora-a no prédio que está a realizar. Numa situação
destas temos que o dono da obra acaba por beneficiar da areia de um terceiro, que não foi obtida
legitimamente pelo empreiteiro, e podemos dizer que enriquece à custa de outrem.
Quid iuris?
Abordamos a forma como a ordem jurídica trata, de modo especial, alguns casos de
enriquecimento sem causa, nos artigos 476.º a 478.º do Código Civil.
O artigo 476.º é uma disposição fundamental, dizendo respeito à repetição do indevido –
reaver aquilo que foi indevidamente pago. De acordo com o 476.º/1, sem prejuízo do disposto
acerca das obrigações naturais, o que for prestado com a intenção de cumprir uma obrigação
pode ser repetida, se esta não existia no momento da prestação – quem salda uma obrigação
inexistente tem o direito de reaver o que prestou nesse sentido; diferentemente do que acontece
com as obrigações naturais, que são verdadeiras e existentes obrigações que, apesar de não serem
exigíveis, não significa isso que elas não existam e que quem salde uma obrigação natural possa
reaver aquilo que prestou. O 476.º/2 refere-se a prestações feitas a terceiros, mencionando que
pode ser repetida pelo devedor enquanto não se tornar liberatória, nos termos do artigo 770.º – a
prestação pode ser feita a terceiro, nem sempre a prestação é feita ao credor (por exemplo, pode
ser feita a um representante seu, ou a alguém a que o credor possa chamar a si como ato do
cumprimento válido). Diz o 476.º/3 que a prestação feita por erro desculpável antes do
vencimento da obrigação só dá lugar à repetição daquilo com que o credor se enriqueceu, por
efeito do cumprimento antecipado (por exemplo, a obrigação até existe, mas só é exigível em
2020, contudo o indivíduo, no Natal de 2020, salda a obrigação) – não se tratará de reaver aquilo
que foi prestado, mas de fazer com que o sujeito seja ressarcido daquilo com que a outra parte se
enriqueceu, por efeito do cumprimento antecipado. (Por exemplo, se o indivíduo enriqueceu de
alguma maneira porque foram pagos juros antecipadamente, depois deve restituir esses mesmos
juros, mas não o capital da obrigação.)
O artigo 477.º dispõe sobre o cumprimento da obrigação alheia na convicção de que é
própria. Ora, aqui a obrigação existe, o sujeito, todavia, só cumpre porque a julga própria, quando
na verdade a mesma é alheia. Quando uma obrigação existe e um sujeito a salda, convicto de que
ela é própria e de que está obrigado a fazê-lo, temos de ponderar de uma forma mais atenta as
expectativas do credor. Numa obrigação inexistente, o credor não tem expectativas nenhumas,
portanto tem de restituir sempre o que lhe foi entregue, como vimos no artigo 476.º. No entanto,
quando a obrigação existe e um sujeito a cumpre (esta sendo-lhe alheia mas ele acreditando que é
própria), temos de aferir porque é que o credor a recebeu e em que medida é desculpável a conduta
deste, pois terá de restituir aquilo que recebeu ao abrigo do cumprimento de um crédito que existia
– existem, aqui, requisitos especiais. Vejamos o 477.º/2 – nas hipóteses em que não seja possível
repetir, o indivíduo que cumpre a obrigação alheia, na convicção de que é própria, fica no lugar
do credor, podendo exigir do verdadeiro obrigado o cumprimento da obrigação que o primeiro
saldou.
No artigo 478.º, temos uma outra situação de enriquecimento por prestação, que se afigura
menos favorável a quem realiza a prestação – estamos perante o cumprimento de obrigação
alheia na convicção de estar obrigado a cumpri-la, “na convicção errónea de estar obrigado
para com o devedor a cumpri-la”. No artigo 477.º, o que acontecia era que tínhamos uma
obrigação alheia que o sujeito julgava ser própria; neste caso, ele tem plena consciência de que a
dívida é alheia, mas cumpre-a porque está convencido que está obrigado a saldar uma dívida
alheia (por exemplo, a situação do fiador).
Este sujeito não pode exigir reaver aquilo que prestou, apenas tem o direito de exigir do
devedor exonerado aquilo com que este injustamente se locupletou, exceto se o credor conhecia o
erro ao receber a prestação – se o credor conhece o erro, não pode ser beneficiado, pois tem a
obrigação de o esclarecer, mas caso contrário, como a obrigação existe, o sujeito sabe que ela
existe, embora não seja própria, e a sua convicção de estar obrigado a cumpri-la, ainda que
errónea, não lhe dá legitimidade para reaver a prestação. O beneficiado nesta situação é o devedor,
pois vê a sua obrigação cumprida por outrem, que não tinha nada porque o fazer, e nessa medida
enriquece – é o devedor quem tem de restituir aquilo com que se locupletou (em princípio, o
valor do ato de cumprimento) àquele que realizou o cumprimento erroneamente, convencido de
que tinha de o fazer.
Quando existe um regime específico, não há dúvida nenhuma do que se trata, é apenas
interpretar e aplicar – o problema surge quando o regime não é específico, ou seja, quando não há
soluções claras na nossa Lei. Trataremos, portanto, agora, o problema geral do enriquecimento
sem causa – que é saber qual é o objeto exato da obrigação de restituir o enriquecimento, qual
é a sua medida (como é que se mede a obrigação de restituir o enriquecimento sem causa)?
Para haver uma obrigação de restituição, quando há enriquecimento sem causa, temos de
pressupor a existência de um enriquecimento e de um empobrecimento, para além do nexo entre
tal, e ainda da falta de causa para a deslocação patrimonial.
O enriquecimento consiste na aquisição de um valor sobre o bem. De acordo com a teoria
do conteúdo da destinação de direitos, o enriquecimento surge através da aquisição de um
direito, mas às vezes pode ser através da extinção do direito (por exemplo, quando alguém salda
uma dívida alheia, convencido de que ela é própria, nos termos do artigo 477.º, desaparece
património do devedor, uma dívida e, portanto, não é que realmente haja aqui uma aquisição de
um direito por parte do devedor, mas o enriquecimento traduz-se no desaparecimento de uma
dívida, de um elemento do seu passivo patrimonial). Isto para dizer que o enriquecimento é
suscetível de se apresentar de diversas formas, normalmente através do surgimento de direitos
ou da extinção de obrigações, podendo também haver uma modificação de uma obrigação,
tornando-a mais pequena (no caso do cumprimento de dívida alheia ser parcial, a dívida não
desapareceu, mas tornou-se mais pequena e foi reduzida ao montante que resta saldar).
Quanto ao dano, para efeitos de enriquecimento em causa, este não tem de se traduzir
numa diferença no património do sujeito, entre aquilo que ele tem à data atual e entre aquilo
que teria se não tivesse havido a deslocação patrimonial, porque muitas vezes a situação hipotética
com a qual se compara a situação atual do empobrecido pode ser exatamente a mesma. (É o caso
de um indivíduo que é titular de uma marca em que houve uma usurpação da mesma, mas que não
está em condições de a usar para determinado destino de exportação – a posição patrimonial dele
não seria melhor hoje do que aquela que efetivamente é, porque ela não usaria a marca,
independentemente da usurpação.) Portanto, o dano em sede de enriquecimento sem causa pode
traduzir-se numa diminuição patrimonial (se alguém desembolsa 50 euros para pagar uma dívida
inexistente, fica 50 euros mais pobre), mas não tem de ser sempre medido nesses termos e basta,
às vezes, que certas utilidades que pertençam, segundo o conteúdo do direito, a determinado
sujeito, sejam desviadas para outra esfera jurídica, para que, efetivamente, se dê o
empobrecimento. Alguns consideram-no um dano abstrato, outros consideram tratar-se de um
dano real.
O dano no enriquecimento sem causa é um dano que só se pode compreender à luz da tal
teoria do conteúdo da destinação de direitos, que faz com que não seja relevante a diferença
patrimonial, mas com que o que importe seja saber qual é a ordenação substancial dos bens
aprovada pelo Direito (o indivíduo não usava a areia do seu terreno, mas as utilidades
pertenciam- lhe como proprietário que era dessa mesma areia). E são estas as coordenadas básicas
para a obrigação de restituir.
A obrigação de restituir está prevista no artigo 479.º do Código Civil – “(…) compreende
tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição não for possível, o valor
correspondente”. Há aqui a primazia da restituição em espécie, restituindo-se o valor quando
não seja possível a restituição do bem que, concretamente, se fixou na esfera jurídica do
enriquecido.
Mas encontramos, aqui, várias nuances – interessa-nos o enriquecimento em abstrato ou
o enriquecimento em concreto?
(Vamos supor, no caso da areia que foi retirada do rio Dão, que essa areia no mercado na
altura valia 5000 euros, mas o sujeito só a vendeu, por falta de perspicácia, por 2500 euros – o que
é que ele tem de restituir? O valor da areia em si mesma ou o enriquecimento concreto do sujeito?
Nestes casos de intervenção na esfera jurídica alheia o que se diz é que, à partida, aquilo que se
trata é de restituir aquilo com o que o sujeito se encontra realmente enriquecido e, portanto, se ele
só fez um lucro de 2500 euros, também só tem de entregar 2500 euros, ainda que a areia valesse
5000 euros.
E só não será assim se ele estiver de má-fé. Se estiver de má-fé, compreende-se que o valor
da areia tenha de ser reposto integralmente, mesmo que ele tenha conseguido fazer apenas uma
quantia menor com essa areia, como também tem de ser restituído o valor que ele obteve da areia,
ainda que seja superior ao valor do mercado, porque conseguiu negociar muito bem. Se está de
má- fé, todo o enriquecimento tem de ser restituído.
Se está de boa-fé, como, efetivamente, o enriquecimento sem causa visa fundamentalmente
corrigir enriquecimentos, parece que, apesar da areia valer 5000 euros, se estava convencido que a
areia era dele e só a vendeu por 2500 euros, só tem de restituir esse valor.)
Dentro da filosofia geral do enriquecimento sem causa, compreende-se que não se trata de
penalizar alguém, de censurar alguém – no enriquecimento sem causa, não estamos à procura de
culpados, isso é a responsabilidade civil. Antes, procuramos, no enriquecimento sem causa,
corrigir deslocações patrimoniais que são injustas, independentemente da censura ao
comportamento do agente – isso não significa que a censura não possa ser marginalmente
relevante para definirmos a obrigação de restituir, no entanto, não é esse o cerne da nossa
preocupação. Por isso é que se diz que o enriquecimento que deve ser restituído é o
enriquecimento concreto, aquele que concretamente o sujeito obteve e, que só pode ser um
enriquecimento superior no caso de deslocação patrimonial ser um valor abstrato/um valor de
mercado superior na medida em que o sujeito tenha agido de má-fé – se agiu de má-fé, tem de
restituir tudo aquilo com que injustamente se locupletou, por ventura, salvo aquilo que só ele e
mais ninguém poderia atribuir.
Outros aspetos que importam considerar: a ordem jurídica portuguesa dá também relevo
ao momento em que se constitui a obrigação de restituir.
O sujeito pode não ter noção de que o seu enriquecimento é um enriquecimento indevido,
que tem de ser restituído, porque estava a agir de boa-fé, suponhamos. (Por exemplo, o indivíduo
está convencido de que a areia é dele, vende a areia e estoura o dinheiro que fez com a venda da
mesma no casino. Pergunta-se se ele tem de restituir o enriquecimento atual – isto é, aquilo
que lhe resta do que ganhou com a venda da areia, imagine-se que a vendeu por 2500 euros e já
gastou 1000 euros no casino, então o enriquecimento atual é de 1500 euros – ou se ele tem de
restituir o montante do enriquecimento total, como ele se fixou originariamente, na sua
esfera jurídica – isto é, o enriquecimento que se fixa num determinado momento por cujo o
perecimento/destruição ele passa a ser responsável, a partir do momento em que o enriquecimento
se fixa na sua esfera?)
Quando perguntamos se o indivíduo que se locupletou tem de restituir o enriquecimento
atual ou o enriquecimento total, a nossa ordem jurídica considera que, à partida e em regra, deve
haver a restituição do enriquecimento atual, que é o enriquecimento concreto que o enriquecido
tem, à data da dedução da pretensão do enriquecimento. (Demorou-se a intentar a ação de
enriquecimento sem causa, não se sabia que havia a obrigação de restituição do enriquecimento,
delapidou tudo, já não há nada para restituir…)
Esta regra só se entende, no entanto, quando o enriquecido estiver de boa-fé; contrariamente,
se está de má-fé, se tiver o conhecimento da falta de causa do seu próprio enriquecimento,
ele passa a responder pela deterioração/delapidação da coisa, isto é, do seu enriquecimento, no
qual tenha tido culpa.
Lembrando a disposição do artigo 479.º/2, nos termos da qual a obrigação de restituir “não
pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de alguns factos referidos (…)”,
prova-se que a ordem jurídica tende a exigir a restituição do enriquecimento atual. No que toca ao
enriquecido de má-fé, temos o disposto no artigo 480.º.
Não são assim tantas vezes que ouvimos falar no enriquecimento sem causa, em parte
porque é um instituto menos conhecido do que, por exemplo, o instituto da responsabilidade civil.
Uma das causas para que o papel do enriquecimento sem causa na nossa ordem jurídica seja pouco
conhecido é o artigo 474.º – que refere a chamada subsidiariedade da obrigação de restituir por
enriquecimento. “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao
empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou
atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”
Quer isto dizer que o enriquecimento sem causa não pode invocar-se quando a ordem
jurídica tem outras valorações específicas que possam justificar a pretensão do enriquecido.
− Contratos nulos ou anulados. Quando um contrato é nulo ou anulado, as prestações
que tenham sido realizadas deixam de ter um título justificativo, deixam de ter uma
causa válida, porque o contrato é inválido. Numa situação de invalidade do contrato,
não se deve, todavia, chamar o instituto do enriquecimento sem causa, por causa da
sua subsidiariedade, visto que a ordem jurídica portuguesa prevê um regime próprio
aqui: o artigo 289.º, que determina a restituição daquilo que foi entregue em
cumprimento do contrato, seja restituição em espécie ou, na impossibilidade desta, a
restituição de valor correspondente. Essa norma deve ser aplicada sem que seja
necessário e, até face ao 474.º, sem que seja lícito recorrer ao enriquecimento sem
causa, porque há um regime específico. Se a ordem jurídica estabeleceu aquilo como
consequência da invalidade por nulidade ou por anulação, é isso que importa
observar. O enriquecimento sem causa só pode aplicar-se na medida em que não haja
valorações especificas ou contrárias da ordem jurídica a esse propósito. O exemplo
do 289.º é discutível, porque há boas razões para dizer que aquilo que está na base do
289.º é, de facto, o pensamento do enriquecimento sem causa. Verificando-se que a
causa é inválida, as atribuições patrimoniais teriam de ser revertidas. Como é querida
a integração na ordem jurídica do mecanismo restitutório do 289.º, temos uma norma
que não nos habilita a recorrermos diretamente aos princípios do enriquecimento sem
causa. Na Alemanha, não há norma equivalente ao 289.º e, por isso, o
enriquecimento sem causa é constantemente chamado para resolver problemas
relacionados com a invalidade dos contratos. Quando o contrato é inválido, tudo o
que tenha sido prestado é restituído através do enriquecimento sem causa, na
Alemanha; em Portugal, não precisamos de aqui apelar ao enriquecimento sem
causa, porque temos o artigo 289.º do Código Civil.
− Usucapião. A usucapião permite a alguém que não é possuidor adquirir a
propriedade à custa de outrem – gera ou não uma situação de enriquecimento sem
causa? Claro que aqui há razões de certeza e segurança jurídica que obstaculizam a
revisão de sentença e a revisão do processo aquisitivo através da usucapião.
A natureza subsidiaria da obrigação do enriquecimento sem causa não é tão esclarecedora
assim acerca do papel do instituto, nem relega o instituto para uma função marginal, porque saber
ao certo se a Lei faculta ou não ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído,
saber se a Lei nega ou não o direito à restituição, saber se a Lei atribuiu ou não outros efeitos ao
enriquecimento, depende de ponderações muito complexas que obrigam a pensar na ordenação
substancial dos bens aprovada pelo Direito e que obrigam a ter em consideração todo o espírito do
enriquecimento sem causa e, da sua função na ordem jurídica. Portanto, diz CARNEIRO DA
FRADA que este preceito que estabelece a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa
é de bem menor aplicação do que se pensa e de muito problemática aplicação, obrigando o
intérprete aplicador a grandes esforços para saber se, no caso concreto, há ou não lugar a
uma pretensão de enriquecimento sem causa.
2.º SEMESTRE
A RESPONSABILIDADE CIVIL
“Casum sentit dominus”, isto é, quando se produz um efeito nefasto na esfera jurídica de
alguém, é em princípio essa pessoa que suporta essas consequências desvantajosas. Há um risco
inerente à vida que em princípio é suportado por cada um de nós. Para que nós possamos
responsabilizar alguém, nomeadamente ao abrigo da responsabilidade civil, é preciso que exista
um título (de responsabilização). Ou seja, a regra é que não exista responsabilidade.
O título primeiro e principal de responsabilização civil ainda é a culpa, é o da prática de um
ato ilícito e culposo (artigo 483.º/2 do Código Civil). Resulta deste artigo que só há
responsabilidade sem culpa nos casos previstos na Lei. Quando não esteja prevista uma
responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva), temos responsabilidade subjetiva. Cada
vez mais encontramos um alargamento das áreas em que atua a responsabilidade objetiva.
Verificamos também o crescimento dos mecanismos de socialização do risco – cada vez
mais há riscos para os quais o ordenamento jurídico prevê outros mecanismos de resposta,
concorrentes, cumulativos (por exemplo, a Segurança Social, os seguros de responsabilidade
civil).
Tem ainda havido um crescimento tendencial da responsabilidade civil, no sentido do seu
âmbito – como provamos isto?, bem, dizendo que os litígios em que se discute uma pretensão
relativa à responsabilidade civil são os litígios que em maior número, na nossa área civil, ocupam
os Tribunais (além dos contratos). Isto tem várias explicações: 1) a crescente rejeição da fatalidade
(cada vez mais as pessoas procuram um responsável para aquilo que lhes acontece de mal); 2) o
aumento da consciencialização dos direitos; 3) o avanço da ciência e da técnica (as pessoas
comecem melhor os fenómenos e procuram responsabilizar aquele que entendem ser o causador
do dano).
– por exemplo, no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização (que, em rigor, se chama
compensação) não pode passar pela reconstituição da situação hipotética que existiria caso o dano
não se tivesse verificado. Em alguns casos, a responsabilidade civil desempenha uma função
punitiva ou sancionatória (artigo 494.º do Código Civil, por exemplo). Pode ainda desempenhar
uma função preventiva (geral e especial), no sentido de, através do seu funcionamento, incentivar
a que não se pratiquem os factos que a geram.
Além disto, devemos ter em conta que um mesmo ato pode desencadear vários títulos de
imputação, várias espécies de responsabilidade civil.
(Por exemplo, alguém vai ao supermercado e uma estante cai sobre ele; pode desencadear-
se, aqui, responsabilidade contratual – no sentido dos deveres acessórios de conduta – e pode
desencadear-se também a responsabilidade extracontratual, por estar em casa um direito absoluto
– o direito à integridade física ou o direito à vida.)
Isto não significa que a existe mais de uma obrigação de indemnizar – quando existem
vários títulos de imputação, temos de saber qual se aplica em função de outro/s, se devemos
considerar todos, mas independentemente da posição adotada, não haverá o pagamento de mais de
uma indemnização.
Diz o artigo 483.º/1: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de
outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a
indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
O ato pode preencher uma das modalidades de ilicitude que referimos, mas ainda assim não
ser qualificado como ilícito, por haver uma causa de exclusão da ilicitude, como já vimos
anteriormente na Unidade Curricular de Direito Penal. Quais as causas de exclusão de ilicitude
que funcionam no âmbito do Direito Civil?
Existem duas causas gerais: a colisão de direitos e o conflito de deveres. A colisão de
direitos dá-se quando há o exercício regular (não abusivo) de um direito superior àquele que é
violado, o que resulta do artigo 335.º do Código Civil – alguém pratica um ato que geraria, em
princípio, um juízo de ilicitude, mas a mesma pode ser afastada na medida em que o ato praticado
corresponda ao exercício regular de um direito superior ao direito violado. O conflito de deveres
surge quando há o cumprimento de um dever em detrimento de outro, dever este que, para ser
causa justificativa, deve ter valor igual ou superior ao dever sacrificado. Vejamos o artigo 36.º do
Código Penal – alguém pode adotar um comportamento que seria, em princípio, antijurídico,
consubstanciaria uma das modalidades de ilicitude, mas esse juízo será excluído porque a pessoa
cuja responsabilidade se está a equacionar só agiu ilicitamente, incumprindo esse dever, porque
estava a cumprir um outro dever de valor igual ou superior. (Por exemplo, um médico que tem
várias pessoas que carecem de atendimento de cuidados de saúde, e não podendo cuidar de todos,
tratará aquele em situação de mais urgente. A ilicitude face aos doentes que ele exclui é justificada
porque ele está a cumprir um dever de valor igual ou superior.)
Existem ainda causas particulares de justificação do ato e exclusão da ilicitude do mesmo:
falamos da ação direta (artigo 336.º), da legítima defesa (artigo 337.º), do estado de necessidade
(artigo 339.º) e do consentimento do lesado (artigo 340.º).
− A culpa, que é um juízo de reprovação, de censura, de antijuridicidade, que a ordem
jurídica formula. Na culpa, este juízo de reprovação é subjetivo (o da ilicitude é
objetivo, relativo ao ato em si), no sentido em que se dirige ao sujeito, ao agente,
omitente, considerando o seu comportamento, mas não de forma isolada, como
fazíamos na ilicitude. Na culpa, perspetiva-se o agente através do seu
comportamento, que será culposo se nós pudermos afirmar que aquela pessoa podia e
devia ter agido de outra forma. Seria exigível ao agente um outro comportamento?
Para isso, formulamos o juízo de culpa, para o qual é imprescindível que o sujeito
seja imputável.
A imputabilidade é a capacidade de entender e de querer por parte do agente. Abrange uma
capacidade intelectual e uma capacidade volitiva – capacidade de entender, de valorar a própria
conduta, de aferir os resultados e capacidade de querer, de se autodeterminar. De acordo com o
artigo 488.º/1, norma alterada em 2018, não responde pelas consequências do facto danoso quem,
no momento, estivesse incapacitado de compreender o ato, e de acordo com o 488.º/2 também é
presumida a falta de imputabilidade a menores de 7 anos. Aqui há uma presunção ilidível: quer
dizer que esta norma pode ser afastada caso haja prova do contrário, isto é, pode ser provado que
alguém menor de 7 anos é imputável pelo seu comportamento, o que dependerá do caso concreto.
Neste ponto, importa também dizer que, apesar do menor ser inimputável, em princípio tem um
vigilante
– em princípio, o menor não responde pelos seus atos, mas o vigilante pode responder por falha
na vigilância, nesse âmbito vigorando a presunção de culpa do artigo 491.º.
Atenção ao artigo 489.º – quando não seja possível obter uma indemnização, uma reparação
do ato e danos produzidos pelo mesmo, por parte dos vigilantes, o legislador admite que o próprio
inimputável possa responder. Por razões de equidade, o julgador aprecia todos os pormenores do
caso e pondera as circunstâncias, podendo condenar o inimputável a uma reparação ao lesado, no
entanto, atenção que só responderá pela reparação caso se averigue que, sendo ele imputável, ele
responderia. Não podemos colocar o inimputável numa situação mais gravosa do que aquela em
que ele estaria caso fosse imputável. No artigo 489.º/2, o legislador vem ainda prever limites a esta
responsabilização: o inimputável não pode ficar privado dos seus alimentos nem impossibilitado
de cumprir as suas obrigações de alimentos, sendo estes limites inultrapassáveis.
Vejamos as modalidades da culpa: começamos, desde logo, por distinguir o dolo e a
negligência. Em princípio, no Direito Penal, a responsabilidade criminal só intervém quando o
responsável atue com dolo. No Direito Civil, e por força do artigo 483.º, a situação não é bem
assim
– exige-se responsabilidade, independentemente da modalidade, seja dolo ou mera
culpa/negligência.
O dolo pode ser direto (a pessoa responsável atua querendo o resultado contrário ao Direito
– por exemplo, alguém coloca uma bomba na garagem do Xavier com a intenção de destruir a
garagem do Xavier, porque quer matar o cão de Xavier, quer as consequências desvaliosas do ato),
pode ser necessário (a pessoa, embora não querendo o resultado contrário ao Direito, entende-o
como consequência necessária da sua conduta e não deixa de atuar, isto é, a atuação não é dirigida
à prossecução daquele resultado, mas a pessoa responsável sabe que terá aquela consequência,
contrária ao Direito, associada à sua conduta, como um efeito necessário da mesma, não deixando
de atuar apesar de ter conhecimento disso – por exemplo, o agente quer apenas pôr a bomba na
garagem de Xavier para o assustar, e sabe que está lá o cão e que o pode ferir mas, mesmo assim,
não deixa de atuar), e pode ser eventual (a pessoa sabe que há a possibilidade de aquela
consequência surgir como um resultado da sua conduta e ainda assim não se abstém de atuar – o
agente sabe que o cão do Xavier está na garagem às vezes, sabe que o poderá vir a atingir se lá
estiver mas não deixa de atuar).
A negligência ou mera culpa dá-se quando há a violação ou o afastamento de uma
diligência exigível na atuação. A negligência pode ser consciente (quando o agente conhece o
resultado possível desvalioso da sua conduta, mas confia, por leviandade, por precipitação, que o
mesmo não se irá produzir, só por isso é que atua) ou inconsciente (traduz-se no estado de um
sujeito que não conhece sequer o resultado possível desvalioso da sua conduta).
O dolo eventual tem um problema de distinção quanto à negligência consciente. Quer numa,
quer noutra, o sujeito conhece da possibilidade do resultado desvalioso. Mas no dolo eventual há a
dupla negativa: o agente não confia que aquele resultado não se produzirá.
Qual é o padrão de aferição da culpa? Ora, utilizamos o padrão extraído do artigo 487.º/2,
que é conhecido como o critério do bom pai de família, nas circunstâncias de cada caso concreto.
O padrão valorativo para a aferição da diligência exigível é o padrão representado pelo bom pai de
família, quando colocado nas circunstâncias em que o responsável agiu (ou omitiu uma atuação).
Este padrão refere-se a uma pessoa média – esta pessoa média é aferida aqui à luz de uma mediana
ético-axiológica, ético-valorativa, aquilo que, à luz dos valores protegidos pelo Direito, uma
pessoa média faria. Aquilo que poderia ser exigido que a pessoa média fizesse.
Como se faz a prova da culpa? Na responsabilidade obrigacional vigora a presunção de
culpa prevista no artigo 799.º do Código Civil. Já na responsabilidade extracontratual, a culpa tem
de ser provada pelo lesado, como dita o artigo 487.º/1, isto é, tem de ser provada por aquele que
invoca o direito a ser indemnizado por determinados danos. Também a este incumbe a prova de
todos os elementos constitutivos do seu direito (342.º). No entanto, existem exceções,
nomeadamente previstos nos artigos 491.º a 493.º.
De acordo com o artigo 491.º recai sobre os vigilantes de uma pessoa incapaz uma
presunção de culpa. Quanto ao incapaz, esta norma não se aplica apenas a menores, porque
incapacidade natural pode ter várias causas, seja a menoridade ou outra fragilidade ou
vulnerabilidade. O artigo 491.º aplica-se a toda a pessoa que não tenha capacidade natural de
querer e de entender. Quanto ao vigilante, esta presunção de culpa e responsabilidade quanto ao
ato de um incapaz pode resultar da Lei ou de um negócio jurídico. (Por exemplo, uma criança
pode ter como vigilantes os pais, como resulta do artigo 1078.º, ou seja, da Lei, ou uma babysitter,
caso que já resulta de um contrato com os pais da criança). Os vigilantes, geralmente os pais, vão
responder ao abrigo do artigo 483.º, em articulação com o artigo 491.º. É importante ter em conta
que eles respondem por um ato próprio, isto é, a omissão do comportamento de vigilância que
sobre eles impendia. Este dever de vigilância é avaliado casuisticamente, a sua natureza e limites
aferidos com respeito pela liberdade que tem de ser dada pelos vigilantes ao vigiado. A
jurisprudência tem-se manifestado no sentido da ampliação do dever de vigilância, o que quer
dizer que cada vez mais se estende o leque de comportamentos devidos pelos vigilantes.
No artigo 492.º, encontramos a consagração da presunção de culpa do proprietário ou
possuidor de edifício ou de obra quando hajam danos provocados pela ruína do mesmo, seja em
totalidade ou em parte. Haverá lugar à aplicação do artigo 492.º se uma parede ou um muro ruir,
mas não haverá lugar à sua aplicação se, por exemplo, cair um vaso da varanda. Abrange-se o
edifício propriamente dito e os elementos que se liguem de forma fixa ao mesmo. Há aqui uma
responsabilidade presumida, em articulação com o artigo 483.º, que recai em primeira linha sobre
o proprietário ou possuidor em nome próprio; mas esta responsabilidade pode cair também sobre
aquele que se tenha obrigado à conservação do bem ou aquele a quem a conservação compete por
força da Lei (usufrutuário, por exemplo, vejamos o artigo 492.º/2).
Já o artigo 493.º respeita ao dever de vigilância de alguém sobre uma coisa ou animal, pelo
que, quando uma coisa ou animal provoquem danos, há presunção de culpa atribuída a esse titular.
O vigilante responde pelos danos provocados salvo se for provado que nenhuma culpa houve da
sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido se este não tivesse omitido o seu
comportamento, por exemplo.
Existem dois mecanismos de defesa por parte do lesante desta presunção de culpa: 1. o
lesante pode ilidir a presunção de culpa, demonstrando que atuou com a diligência exigível; e 2.
o lesante prova que, mesmo que não se tivesse atuado com culpa, mesmo que se tivesse atuado de
forma diligente, os danos se teriam produzido na mesma, havendo outra causa independente d
culpa para que o dano acontecesse, uma causa virtual (relevância negativa da causa virtual).
Distinguimos a causa real, causa que efetivamente causou o dano produzido, da causa virtual, um
outro encadeamento causal, que pode ser real ou hipotético, que conduziria à produção do mesmo
dano que, no entanto, foi produzido pela causa real. A causa virtual suscita dois problemas:
primeiro, o de saber se podemos fundar a responsabilização do autor da causa virtual – a resposta,
em princípio, é negativa, não respondendo o autor da causa virtual –; o outro problema é que, se a
causa virtual identificada permite excluir a responsabilidade do autor da causa real – entre nós, a
resposta em regra é negativa, ou seja, em princípio não é por isto excluída a responsabilidade do
autor da causa real, havendo, no entanto, exceções (artigos 491.º, 492.º, 493.º e 807.º).
Voltando às exceções do encargo probatório ao lesado, e também no artigo 493.º, mas no /2,
encontramos uma presunção de culpa que se distancia das outras porque, apesar de prever a
mesma, admitindo que esta possa ser afastada, não há cabimento à relevância negativa da causa. O
artigo 493.º/2, normalmente, é utilizado quando falamos da explosão de dispositivos (atividade
pirotécnica), quando estamos perante situações onde se usem substâncias radioativas, quando
estamos perante situações de queimadas, também no âmbito da construção civil, ou em atividades
que impliquem trabalhos no subsolo (abertura de buracos, por exemplo).
Obrigação de indemnizar
Reunidos os pressupostos (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal), nasce a obrigação de
indemnizar. É comum às várias espécies de responsabilidade, embora a analisemos no âmbito da
responsabilidade civil por factos ilícitos.
Esta obrigação é disciplinada nos artigos 552.º e seguintes do Código Civil, e é regulada
autonomamente, no âmbito da modalidade das obrigações. Em regra, a indemnização ocorre
através de reconstituição natural, reconstruindo a situação que existiria caso não tivesse ocorrido
o dano
– esta regra está proclamada no artigo 566.º/1. No entanto, é ainda admitida a reparação por
equivalente, sempre que se verifiquem as seguintes três situações:
− Quando a reconstituição natural não seja possível (por exemplo, no caso do dano de
perda de vida, ou o caso de destruição de um bem infungível).
− Quando a reconstituição natural, apesar de possível, seja insuficiente para reparar
todos os danos.
− Quando a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o devedor (por
exemplo, por vezes o conserto de determinados objetos, embora possível, é muito
oneroso, sobretudo em objetos mais velhos, vejamos o caso em que fica mais caro
consertar um portátil de 2005, mas é possível comprar um portátil novo a melhor
preço).
Como é que se calcula a indemnização por equivalente? À luz da teoria da diferença,
expressa no artigo 566.º/2. O Tribunal fará um juízo atualista, vendo em que situação se encontrão
património do lesado naquele momento e em que situação se encontraria se não tivesse ocorrido a
lesão. Comparar a situação patrimonial real do lesado, na data mais recente que puder ser atendida,
e a situação hipotética que ele teria na mesma data se não fosse verificada a lesão, é a regra – mas
existem exceções em que o cálculo da indemnização não se dá desta forma (desvios à teoria da
diferença):
O primeiro desvio é o artigo 494.º. Esta norma aplica-se apenas se o responsável atuar com
mera culpa, não se aplicando quando o responsável atuar com dolo. Se o agente atuar com dolo, o
montante indemnizatório é dado pela teoria da diferença. Entre nós, não se acolhem aqui os danos
punitivos.
O segundo desvio é o artigo 570.º, que respeita à hipótese da culpa do lesado, ao concurso
da culpa do lesado. Para a produção dos danos ou agravamento dos danos, contribui a culpa do
lesado. Permite-se que se possa, neste caso, manter, reduzir, ou até mesmo excluir a indemnização,
quando a culpa do lesado seja a causa ou concausa da produção do dano. A Lei refere a expressão
“culpa do lesado”, mas podemos não falar de culpa em sentido técnico, mas sim em sentido de
omissão de um ónus, por exemplo. Se o responsável atuar com dolo, tem sido entendido que não
se deve dar relevância à culpa do lesado (embora a letra da Lei não indique nesse sentido). A
dificuldade está em aplicar este artigo à responsabilidade civil pelo risco: existem dúvidas porque,
no artigo 570.º, estamos a falar de culpa do lesado e não do risco que esteja em causa.
O terceiro desvio é dado pelas cláusulas de exclusão ou limitação dos danos ressarcíveis.
Estas cláusulas são especialmente relevantes no domínio contratual (surgindo no âmbito de
incumprimento). No âmbito extracontratual, qualquer cláusula desta espécie poderá ser admitido,
desde que não se ultrapassem os limites gerais que as impedem – relevam aqui o artigo 504.º/4 do
Código Civil (responsabilidade civil por acidentes de aviação, dentro da responsabilidade civil
pelo risco), que nos diz que são nulas as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade;
também encontramos no artigo 800.º norma relativa à responsabilidade contratual, que vem
impedir que haja exclusão de responsabilidade quando estejam em causa princípios de ordem
pública.
Estas cláusulas também não poderão valer quando o lesante atuar com dolo.
Em princípio, o titular do direito à indemnização é o lesado direto, a pessoa titular dos bens,
dos interesses, que o ato lesivo atinge direta e imediatamente. (Por exemplo, António atropela
Bernardo, é Bernardo quem tem direito a indemnização.)
O problema surge quando existem lesados indiretos, pessoas que mediatamente sofrem
danos, em consequência da lesão que atingiu imediatamente outra pessoa – este é o problema dos
danos indiretos, que também se chamam danos reflexos ou por ricochete. O nosso legislador
teve o cuidado de destacar determinados lesados mediatos, reconhecendo-lhes um direito ao
ressarcimento, à reparação, como podemos encontrar no artigo 495.º do Código Civil.
(Por exemplo, o artigo 495.º/3 – o António atropela o Bernardo, mas o Bernardo falece, e o
filho do Bernardo, que recebia pensão de alimentos deste, deixa de a receber. O artigo 495.º/3 vem
dizer-nos que o filho, que recebia esta pensão, é um lesado mediato, indireto. Vimos este artigo
ainda a propósito da eficácia externa das obrigações, há um ataque à pessoa do devedor e o
legislador reconhece eficácia externa que parece excecional.)
Quanto aos danos não patrimoniais indiretos, em caso de lesão fatal, de que decorra a morte
de uma pessoa, acontece que outras pessoas podem ter o direito a uma compensação, que estão
consagradas no artigo 496.º.
O artigo 496.º/2 reporta a casos em que o lesado direto sofre danos graves, mas não morre;
já o artigo 496.º/2 refere-se especificamente a casos em que o lesado direto morre. Vejamos, o
problema dos lesados indiretos aqui dá-se quando, no caso da existência de danos não
patrimoniais, se prevê que as pessoas, lesados indiretos, possam ser compensadas mesmo que não
se pressuponha a morte do lesado direto; isto é, podem estas pessoas obter compensação por
danos desde logo não patrimoniais? (Por exemplo, o Bernardo foi atropelado, não morreu, mas
ficou em estado vegetativo, implicando que a mulher trabalhe em part-time.)
Para a doutrina tradicional, e considerando a história dos artigos 495.º e 496.º, defende que
os danos reflexos, em princípio, não são ressarcíveis, apenas quando sejam previstos na Lei o
devem ser. Os autores clássicos dizem que estas pessoas não devem ser compensados, porque os
danos reflexos ou indiretos só existem nos casos previstos na Lei, e o legislador contemplou
apenas a hipótese de morte, não a situação grave que pressuporia a morte, mas que não a originou.
Atualmente, já foram tomadas decisões que admitem a reparação de danos reflexos ou
indiretos além dos expressamente previstos por Lei. Dada a contradição de julgados, suscitou o
Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2014, de 9 de janeiro, em que o nosso
Supremo Tribunal de Justiça acolhe um entendimento atualista, admitindo a compensação de
danos não patrimoniais reflexos para além dos casos previstos pela Lei, em determinados casos:
aqui, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou de forma atualista os artigos 438.º/1 e 496.º/1,
acolhendo o entendimento de que estes dois artigos devem ser interpretados no sentido de
abrangerem os danos não patrimoniais particularmente graves, sofridos pelo cônjuge, de
vítima sobrevivente atingida de modo particularmente grave. Aqui importa fazer observações:
1. O Supremo Tribunal de Justiça só se referiu ao cônjuge, em obediência do pedido que
estava em causa. Mas deve isto estender-se aos filhos ou ao unido de facto?
2. O legislador exige aqui uma dupla gravidade – o lesado direto tem que ter sido atingido
de modo particularmente grave, e o lesado indireto tem que também ter sofrido danos
patrimoniais particularmente graves.
Num assunto distinto, o artigo 493.º-A, relativo a indemnizações em caso de lesão ou morte
de animal, prevê o ressarcimento de danos indiretos causados a um conjunto de pessoas
individuais
ou entidades que socorram o animal e também ao seu proprietário – ou seja, aqui há a previsão da
indemnização dos danos indiretos.
Atenção! Quando estão em causa casos sobre médicos, é preciso perceber se eles estão ao
serviço num hospital público ou privado, uma vez que isto vi ter consequências ao nível do regime
aplicado. No caso de um hospital público: o primeiro passo passa por caracterizarmos os atos
médicos é questionar se serão atos de gestão pública ou privada. A jurisprudência maioritária tem
entendido que se tratam de atos de gestão pública. Se entendermos que estamos perante atos de
gestão pública, o regime que se aplicará, porque se entende que a responsabilidade que emerge
destes atos reveste a natureza extracontratual, será o da Lei n.º 67/2007. Segundo este regime, o
hospital público responde exclusivamente pelos danos causados pelos médicos com culpa leve. Só
há lugar a responsabilidade solidária do hospital e dos médicos quando estes tenham procedido
com dolo ou negligência grosseira. Caso se entendesse que os atos são de gestão privada, aplicar-
se-ia o artigo 501.º do Código Civil. Há aqui uma remissão para o regime do artigo 500.º. O
hospital responderia objetiva e solidariamente pelos danos praticados pelos médicos, seus
comissários. Se, por sua vez, os médicos estiverem ao serviço num hospital privado, a
responsabilidade civil emergente do ato praticado por um medico tem natureza contratual, sendo a
unidade hospitalar privada responsável pelos atos dos seus auxiliares, nos termos do artigo 800.º.
− Responsabilidade por danos causados por animais (artigo 502.º). É preciso que
alguém utilize o animal no seu próximo interesse (que seja o detentor do animal),
porque quem responde ao abrigo do artigo 502.º é o detentor do animal, e é preciso
que os danos ocorram no círculo de danos correspondentes ao perigo especial que
envolve a sua utilização. Além disto, estão sempre previstos os requisitos do dano e
do nexo causal. Aqui a situação de imputação, em vez de ser constituída pelo ato,
pela culpa e pela ilicitude, é pela utilização do animal para seu interesse, havendo
riscos especiais dos animais.
Em regra, quem utiliza o animal no seu interesse é o dono, detentor do animal, tem o poder o
poder jurídico e de facto sobre o animal. Mas pode haver situações em que outras pessoas utilizem
o animal no seu próprio interesse, mesmo que não sejam donos deste. (Por exemplo, o
usufrutuário,
o locatário, e mesmo o simples possuidor, passarão a ser detentores de um animal para efeitos da
responsabilização pelo mesmo.)
O direito real de gozo máximo é a propriedade. Mas existem direitos reais como o usufruto
que, ao proporcionarem o gozo de uma coisa, se recaírem sobre o animal, levarão a que essa
pessoa seja detentora. Temos que ver quem utiliza o animal no seu interesse, quando estamos
perante estes casos, porque pode não ser o proprietário do mesmo.
Para que haja responsabilização da pessoa que utiliza o animal no seu interesse, os danos
têm que caber na zona de risco conexionada com a utilização do animal – os animais são seres
irracionais, que podem agir de determinada maneira perante um evento. (Por exemplo, os cães
reagem de forma assustada ao barulho de foguetes.)
Atenção!, é preciso que distinguemos este regime do regime previsto no artigo 493.º/1,
combinado com o artigo 483.º O artigo 502.º prevê a responsabilidade pelo risco, que recai sobre o
detentor do animal. Não é assim no artigo 493.º/1 – este diz respeito à responsabilidade do
vigilante do animal, e nesse caso não é responsabilidade objetiva, mas antes responsabilidade por
factos ilícitos, no caso de dano, havendo presunção de culpa que cabe ao vigilante ilidir. Esta
norma é uma manifestação dos deveres de segurança no tráfego jurídico. Em regra, o vigilante é
também o proprietário, e portanto, em regra, a presunção de culpa do artigo 493.º/1 cairá sobre o
proprietário do animal, mas pode cair sobre outras pessoas que sejam detentoras deste ou não
detentores até (por exemplo, o mero depositário do animal não utiliza o animal no seu interesse
mas tem o dever de vigilância do animal).
Aqui, pode haver responsabilidade cumulativa do detentor ao abrigo do artigo 502.º e do
vigilante ao abrigo dos artigos 491.º e 483.º. Há dois títulos de responsabilização, mas o
responsável não pagará duas indemnizações.
Temos, até agora, falado da responsabilidade pelo risco, mas é preciso destacar que pode
existir responsabilidade por factos ilícitos no que respeita aos danos causados por um acidente de
viação. Há aqui a possibilidade de se aplicar uma presunção de culpa.
Neste âmbito, no entanto, não falamos da aplicação da presunção de culpa que melhor
vimos, a que encontramos no artigo 493.º/2, relativo a danos provocados por atividades perigosas,
embora pareça ser a mais óbvia – a divergência entre a aplicação e não aplicação desta presunção
aos acidentes de automóvel chegou ao Supremo Tribunal de Justiça, que através do Assento de 21
de novembro de 1979 declarou pela não aplicação dos artigos 483.º/2 e 493.º/2 à responsabilidade
civil emergente de acidentes de viação de circulação terrestre. O Supremo Tribunal de Justiça,
aqui, aderiu à tese de ANTUNES VARELA que diz que a responsabilidade fundada em acidentes
de viação já está especialmente prevista nos artigos 503.º e seguintes, que já correspondem à
especial perigosidade desta atividade. Exatamente o risco especial criado pela utilização de
veículos de circulação automóvel é que explica a responsabilidade objetiva que encontramos no
artigo 503.º/1. Assim, não faz sentido que a perigosidade que os veículos de circulação terrestre
comportam seja duplamente sancionada (pela responsabilidade pelo risco e pela presunção de
culpa). Alguns autores contrariam o Supremo Tribunal de Justiça, embora a jurisprudência
continue a seguir o disposto pelo mesmo. São normas diferentes, sendo que uma respeita a uma
presunção de culpa na responsabilidade por factos ilícitos e outra respeita à responsabilidade
objetiva. Podem ser cumuláveis, não havendo razão para que não possam conviver, não havendo
sobreposição, porque não estamos a valorar duplamente a mesma perigosidade sem que daí haja
uma utilidade em termos de proteção. Se a responsabilidade pelo risco é mais exigente porque
prescinde de culpa, confere também uma tutela menos intensa, menos forte, dados os limites do
artigo 508.º.
Assim, embora a presunção de culpa do artigo 493.º não se aplique aqui, há outra
presunção de culpa a que devemos atender no âmbito dos acidentes com veículos de
circulação terreste: a presunção de culpa que encontramos no artigo 503.º/3, primeira parte.
Esta presunção de culpa, que recai sobre o comissário quando este conduz o veículo na qualidade
de comissário, no exercício das suas funções.
A questão que se coloca é a de saber se esta presunção só vale nas relações internas
(entre comitente e comissário), ou se também vale nas relações externas (face ao lesado) –
hoje, é pacífico e foi acolhido o entendimento de que esta presunção de culpa vale nas relações
internas e externas.
Isso quer dizer que o lesado pode invocar esta presunção de culpa, de acordo com o
declarado no Assento de 14 de abril de 1983 do Supremo Tribunal de Justiça. O STJ acolheu este
entendimento, argumentando que, em primeiro lugar, estes condutores em nome de outrem são
profissionais, habilitados a afastar esta presunção, mas isso não pode valer em todas as situações;
em segundo lugar, a aplicação desta presunção também às relações externas permite promover o
cuidado, a vigilância por parte daquele que conduz por conta de outrem, isto porque, quando se
conduz por conta de outrem, destacam-se o fenómeno da diminuição do cuidado e o fenómeno do
aumento da fadiga (muitas vezes, porque o comitente quer que o comissário trabalhe determinado
número de horas seguidas), pelo que há todo o interesse em fazer funcionar a presunção de forma
a combater a falta de cuidado; em terceiro lugar, porque, com o funcionamento da presunção de
culpa aqui, com a consequência do artigo 500.º, responsabilizando-se o comitente, há um incentivo
à formação do seguro.
Outra questão que se colocou é a de saber se esta presunção de culpa pode valer no
âmbito da colisão de dois veículos (por exemplo, quando dois veículos colidem e um deles era
conduzido por um comissário). O regime do artigo 506.º varia em função da existência ou não
existência de culpa. Perguntou-se, então, se a culpa a que o artigo 506.º se refere é uma culpa
provada positivamente ou se pode também ser uma culpa presumida, nomeadamente do
comissário. O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no Assento de 26 de janeiro de 1994,
acolhendo o entendimento segundo o qual a presunção do artigo 503.º/3, primeira parte se
aplica também nos casos de colisão de veículos regulada pelo regime do artigo 506.º.
Colisão de veículos
Como dizíamos, o artigo 506.º refere-se a casos em que vários veículos colidem. Muitos dos
acidentes no tráfego rodoviário passam pela colisão de veículos. A previsão deste artigo abrange
tanto a colisão em que ambos os veículos estejam em andamento (choque) como a colisão em que
apenas um dos veículos esteja em andamento (abalroamento).
Podemos ainda diferenciar várias situações, consoante as variações da culpa, sendo que não
podemos esquecer que, havendo culpa, estamos desde logo no âmbito do artigo 483.º, respeitante à
responsabilidade civil por factos ilícitos.
− 1.ª situação: Se só um dos intervenientes do acidente tiver culpa, provada
positivamente ou presumida, é esse interveniente quem responde por todos os
danos, ao abrigo do artigo 483.º. Cumpre lembrar que, se houver um veículo
conduzido por um comissário, há uma presunção de culpa que recai sobre ele (artigo
503.º/3, primeira parte), que se ele não ilidir/afastar, faz com que seja este a
responder por todos os danos, ao abrigo dos artigos 483.º/1 e 503.º/3, o que faz com
que também responda o comitente, ao abrigo do artigo 500.º. A responsabilidade do
comissário,
caso este não consiga afastar a presunção de culpa, não tem os limites do artigo
508.º porque este não responderá pelo risco, mas antes por factos ilícitos.
− 2.ª situação: Se os dois intervenientes no acidente atuam com culpa, provada
positivamente ou havendo presunção de culpa, ambos respondem por factos ilícitos
nos termos do artigo 483.º, e aqui é preciso ter em conta que, nos termos do artigo
570.º, são ambos lesados e lesantes, pelo que há culpa do lesado. Se houver culpa dos
dois intervenientes e não se souber qual é a medida de culpa de cada um deles,
presume-se que é igual para ambos, de acordo com o artigo 506.º/2.
− 3.ª situação: Ninguém tem culpa, logo, só há imputação de responsabilidade a título
de risco. Não havendo culpa, não há a intervenção do regime da responsabilidade por
factos ilícitos. Os condutores respondem ao abrigo do artigo 503.º/1. E então, de
acordo com o artigo 506.º, averigua-se se apenas um dos veículos contribuiu para
todos os danos ou se há uma contribuição dos vários veículos para a produção de
danos, havendo responsabilidade objetiva atribuída ao detentor do veículo. Aqui,
encontramos duas subhipóteses para saber quem responde ao abrigo do artigo
503.º/1:
− Os danos produzidos devem-se apenas a um dos veículos, caso em que a
responsabilidade objetiva do artigo 503.º/1 é imputada apenas ao detentor do
veículo que causou os danos.
− Há uma concausalidade para a produção dos danos, isto é, ambos os veículos
contribuem para a produção dos danos e, por isso, respondem os detentores
dos dois veículos. Como respondem? Nestes casos, aplica-se o artigo 506.º/1:
eles respondem segundo a contribuição causal de cada um dos veículos. Aqui,
procede-se a uma operação tripla:
1. Têm de ser somados os montantes dos danos produzidos.
− Artigo 11.º/1: estipula que o seguro de responsabilidade civil previsto no artigo 4.º
abrange, relativamente aos acidentes ocorridos em território nacional, a obrigação de
indemnizar estabelecida na Lei civil.
− O fundo de garantia automóvel está previsto nos artigos 47.º e seguintes do mesmo
Decreto-Lei e destina-se a efetivar a responsabilidade civil decorrente de acidentes
de viação em duas situações: quando o responsável pelo acidente é conhecido, mas
não beneficia de um seguro válido e eficaz; ou quando o responsável civil é
desconhecido. Ou seja, nestes casos, as ações devem ser formuladas contra o fundo
de garantia automóvel, segundo o artigo 62.º deste diploma. Este fundo visa garantir
que o lesado nunca fique sem reparação. Aqui opera a socialização do risco – todos
contribuímos para este fundo, que tem como fim garantir a indemnização do lesado.
− Artigo 64.º: quando haja um acidente de viação e exista um seguro, as ações
destinadas à efetivação da responsabilidade civil, quer se trate de ações de natureza
civil, quer se trate de ações de natureza penal, devem ser deduzidas obrigatoriamente
só contra a empresa de seguros, quando o pedido indemnizatório caiba dentro dos
limites do artigo 508.º do Código Civil e 12.º do Decreto-Lei; ou contra a empresa de
seguros e contra o responsável civilmente, quando o pedido formulado exceda esses
limites.
Quando há um acidente de viação e há danos provocados, pode haver a apresentação de uma
proposta razoável para a indemnização do dano corporal. Os critérios para fixação dessa
indemnização estão na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio.