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AULA 01.

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E PRINCIPIOLOGIA DOS DIREITOS


REAIS

Bibliografia: Novo curso de direito civil, volume 5: Direitos Reais / Pablo Stolze
Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. – 10. ed. – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.

CAPÍTULO I. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE DIREITOS REAIS

1. Direitos Reais: Denominação e Conceito

Inicialmente, importa registrarmos que as expressões Direitos Reais e


Direito das Coisas podem ser utilizadas como sinônimas. Na doutrina, há
quem prefira uma ou outra, não obstante ambas se prestam a designar a mesma
coisa.

Pois bem, Direitos Reais, ou Direito das Coisas, como ramificações do


Direito Civil, consistem em um conjunto de princípios e normas regentes
da relação jurídica referente às coisas suscetíveis de apropriação pelo
homem, segundo uma finalidade social.

Por outro giro, em sentido mais estrito, quando mencionarmos a expressão


“direitos reais” (com “d” minúsculo), estaremos nos referindo dos direitos
subjetivos vinculados à relação real, elencados no artigo 1.225 do Código Civil.

2. Objeto dos Direitos Reais

Os Direitos Reais têm por objeto o estudo das coisas, entendidas como os
bens que podem ser objeto de apropriação.

É bom destacar que o conceito de “coisa” e de “bem” não se confundem,


vejamos o que diz Paulo Lobo sobre o tema:

Coisas, em direito, têm significado estrito. O termo


frequentemente se confunde com bens, tanto na legislação
quanto na doutrina jurídica. Contudo, os bens jurídicos têm
dimensão mais ampla e imprecisa, porque abrangem todas
as situações que são valiosas e merecedoras de proteção
pelo direito, incluindo os que não têm natureza patrimonial
e econômica. Os direitos da personalidade, por exemplo,
são bens jurídicos, mas não são coisas; são bens não
coisificáveis. A prestação, como dever da relação
obrigacional voltado ao comportamento da pessoa, não é
coisa, mas sim bem jurídico.1

Assim, é preciso deixar claro que, no campo dos Direitos Reais, o que se
estuda é realmente a “coisa”, entendida como o bem suscetível de apropriação.

A possibilidade jurídica de apropriação é, portanto, o elemento


distintivo essencial para que um determinado “bem” seja considerado uma
“coisa” e, consequentemente, possa ser objeto da disciplina dos direitos
reais.

Observe-se que, por isso, podemos falar de um processo de “coisificação”


para que determinados direitos ou bens possam ser objeto de uma relação
jurídica real.

1. Responda. O que é coisificação de bens ou direitos? (10 linhas)

3. Compreensão dos Direitos Reais no Diálogo das fontes do Direito

A compreensão dos Direitos Reais se dá, naturalmente, no âmbito do


estudo do Direito Privado, como tronco que lhe dá sustentação.

Clóvis Beviláqua adverte que o “Direito das Coisas completa-se, por um


lado, com a Teoria dos Bens exposta na Parte Geral, Livro II, e, por outro lado,
com a Teoria das Obrigações e das Sucessões, às quais serve de base, porém
com as quais se acha em posição de interdependência”.2

1
LÔBO, Paulo. Direito Civil: coisas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 16.
2
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. 4. ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1933. p. 8.
Trata-se de uma advertência de grande significado, porquanto dá ciência
ao estudioso e ao intérprete de que o estudo estanque dos Direitos Reais não
permitirá a exata compreensão do alcance das suas normas.

Ademais, não nos esqueçamos de que toda e qualquer investigação


científica contemporânea dos Direitos Reais deverá ser feita em uma perspectiva
constitucional, tendo em vista os superiores princípios que regem as relações
privadas, como o da dignidade da pessoa humana e da função social.

Afinal, “as exigências da nova realidade”, preleciona LUIZ EDSON


FACHIN,

(...) fizeram com que fossem inseridas no texto


constitucional disposições que pertenciam,
tradicionalmente, ao Direito Privado, adequando categorias
antigas à renovação da estrutura da sociedade: assim, a
propriedade, antes absoluta, passou a ter uma função
social; a família, antes hierarquizada, matrimonial, passou
a ter direção diárquica, origem plural e houve o fim da
discriminação entre os filhos; e as relações contratuais
passaram a sofrer intervenções para proteção de
determinadas categorias

2. Responda. No que consiste o fenômeno da constitucionalização do Direito


Privado? (20 linhas)

4. Natureza da relação jurídica real e a distinção entre “direitos reais” e


“direitos pessoais”

Real é a relação jurídica que vincula uma pessoa a uma coisa,


submetendo-a em todos (propriedade) ou em alguns de seus aspectos (usufruto,
servidão, superfície etc.). Para o seu exercício, portanto, prescinde-se de outro
sujeito.

No que tange a distinção entre “direitos reais” e “direitos pessoais”,


podemos apontar o seguinte:
1. Os direitos reais têm como conteúdo relações jurídicas estabelecidas
entre pessoas e coisas, relações essas que podem ser diretas, sem
qualquer intermediação por outra pessoa, como ocorre nas formas
originárias de aquisição da propriedade, caso da usucapião. Portanto, o
objeto da relação jurídica é a coisa em si. Nos direitos pessoais de cunho
patrimonial, o conteúdo é a existência de relações jurídicas
estabelecidas entre duas ou mais pessoas, sendo o conteúdo
imediato a prestação. Nos direitos reais há apenas um sujeito ativo
determinado, sendo sujeito passivo toda a coletividade (sujeito passivo
universal). Nos direitos pessoais, há, em regra, um sujeito ativo (credor)
e um sujeito passivo (devedor);
2. Os direitos reais sofrem a incidência fundamental do princípio da
publicidade, diante da importância da tradição e do registro; os direitos
pessoais patrimoniais são influenciados pelo princípio da autonomia
privada, de onde surgem os contratos e as obrigações;
3. Os direitos reais têm eficácia erga omnes, contra todos (princípio do
absolutismo). Por outra via, costuma-se afirmar que os direitos pessoais
patrimoniais, caso dos contratos, têm efeitos inter partes, o que é
consagração da antiga regra res inter alios e do princípio da relatividade
dos contratos;
4. Enquanto nos direitos reais, o rol é taxativo3 (art. 1.225 do CC), de
acordo com o entendimento ainda majoritário de aplicação do princípio da
tipicidade; nos direitos pessoais patrimoniais, o rol é exemplificativo, o
que pode ser retirado do art. 425 do CC, pela licitude de criação de
contratos atípicos.
5. Os direitos reais geram direito de sequela, respondendo a coisa, onde
quer que ela esteja. Os direitos pessoais geram a responsabilidade
patrimonial dos bens do devedor pelo inadimplemento da obrigação (art.
391 do CC);
6. Os direitos reais têm caráter permanente; enquanto os direitos
pessoais de cunho patrimonial um suposto caráter transitório.

3
Todavia, parte da doutrina contemporânea, entende que o rol dos direitos reais é
exemplificativo e não mais taxativo (Tartuce, 2020, pg 1.303)
3. Conceitue as seguintes características dos direitos reais: (i) legalidade ou
tipicidade; (ii) taxatividade; (iii) publicidade; (iv) eficácia erga omnes; (v)
inerência ou aderência; (vi) sequela.

5. Obrigação propter rem: conceito e distinções

Pela sua singular natureza híbrida (tanto real, quanto obrigacional) merece
nosso especial cuidado a obrigação propter rem, também chamada de
obrigação in rem, ob rem, reais ou mistas.

Trata-se de obrigações decorrentes de um direito real sobre


determinada coisa, aderindo a esta e, por isso, acompanhando-a nas
modificações do seu titular.

Ao contrário das relações jurídicas obrigacionais em geral, que se referem


pessoalmente ao indivíduo que as contraiu, as obrigações propter rem
transmitem-se automaticamente para o novo titular da coisa a que se
relacionam.

É o caso, por exemplo, da obrigação do condômino de contribuir para a


conservação da coisa comum (art. 1.315 do CC). Até mesmo no âmbito tributário,
a categoria é utilizada para enquadramento de determinados impostos que se
vinculam à coisa, independentemente de quem seja o seu titular, como já decidiu
o Superior Tribunal de justiça:

(...) Os impostos incidentes sobre o patrimônio (Imposto


sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR e Imposto sobre
a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU)
decorrem de relação jurídica tributária instaurada com a
ocorrência de fato imponível encartado, exclusivamente,
na titularidade de direito real, razão pela qual
consubstanciam obrigações propter rem, impondo-se sua
assunção a todos aqueles que sucederem ao titular do
imóvel. (...)
(REsp 1.073.846/SP, rel. Min. LUIZ FUX, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 25- 11-2009, DJe 18-12-2009)

Por outro giro, o mesmo STJ tem entendimento no sentido de que as


obrigações decorrentes dos contratos para fornecimento de água e energia
elétrica não têm natureza propter rem:

(...) O entendimento firmado neste Superior Tribunal é no


sentido de que o débito, tanto de água como de energia
elétrica, é de natureza pessoal, não se caracterizando
como obrigação de natureza propter rem.

(AgRg no REsp 1.258.866/SP, rel. Min. ARNALDO


ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16-10-
2012, DJe 22-10-2012)

Nessa linha, diferentemente do que se dá com a obrigação condominial –


tipicamente propter rem -, caso o locatário, em nome de quem fora firmado o
contrato para fornecimento de energia, devolva a casa locada com faturas “em
aberto”, não poderá a Concessionária de energia elétrica demandar o
proprietário do imóvel, mas sim o próprio contratante, beneficiário do
fornecimento, uma vez que a obrigação, por não ser própria da coisa, não se
vincula ao bem.

Por fim, não se confunde a obrigação propter rem com a obrigação com
eficácia real.

Nesta, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, há a


possibilidade de oponibilidade a terceiros, quando houver anotação preventiva
no registro imobiliário, como, por exemplo, nos casos de locação e compromisso
de venda, a teor do art. 8º da Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato):

Art. 8.º Se o imóvel for alienado durante a locação, o


adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de
noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for
por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de
vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à
matrícula do imóvel.
§ 1.º Idêntico direito terá o promissário comprador e o
promissário cessionário, em caráter irrevogável, com
imissão na posse do imóvel e título registrado junto à
matrícula do mesmo.

§ 2.º A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa


dias contados do registro da venda ou do compromisso,
presumindo-se, após esse prazo, a concordância na
manutenção da locação.

Trata-se, em outras palavras, tão somente, de uma obrigação típica, que


passa a ter oponibilidade contra todos em virtude da averbação feita no Registro.

De todo o exposto, portanto, podemos concluir que a obrigação propter rem


é aquela que se vincula a uma coisa, acompanhando-a, independentemente de
quem seja o seu titular; ao passo que a obrigação com eficácia real é uma
prestação típica que passa a ter eficácia erga omnes, em virtude de uma
anotação preventiva no Registro.

Nenhuma delas, portanto, é, tecnicamente, um direito real, embora tenham


características semelhantes, sendo a primeira uma figura intermediária, e a
segunda apenas uma relação jurídica obrigacional com oponibilidade erga
omnes (ou seja, não há mudança de natureza, mas, sim, apenas uma ampliação
da exigibilidade subjetiva).

4. Conceitue e exemplifique obrigação propter rem.

6. Classificação dos direitos reais

Tendo em mente que os direitos reais são marcados pela característica da


tipicidade, uma vez que devem estar previamente delineados e regulados por lei,
merece menção, neste capítulo introdutório, o art. 1.225 do Código Civil, que
dispõe:

Art. 1.225. São direitos reais:

I – a propriedade;
II – a superfície;

III – as servidões;

IV – o usufruto;

V – o uso;

VI – a habitação;

VII – o direito do promitente comprador do imóvel;

VIII – o penhor;

IX – a hipoteca;

X – a anticrese.

XI – a concessão de uso especial para fins de moradia;

XII – a concessão de direito real de uso;

XIII – a laje.

Com relação a classificação de tais direitos, esquematicamente, temos o


seguinte:

• Direitos Reais sobre coisa própria: Propriedade;


• Direitos Reais sobre coisa alheia: todos os demais;
o Estes subdividem-se em:
o Direitos reais de gozo ou fruição: superfície, servidão, usufruto,
uso, habitação, concessão de uso especial para moradia,
concessão de direito real de uso, laje;
o Direitos reais de garantia: penhor, anticrese e hipoteca;
o Direito à coisa: promessa de compra e venda.

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