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Apostila Esquematizada

Direitos Reais
Direito Civil IV - 2020.1
ATENÇÃO: a presente apostila NÃO Cristiano Chaves de Farias e Nelson
substitui a leitura de doutrina e do Rosenvald: “(...) o direito das coisas regula
material complementar e o o poder do homem sobre certos bens
acompanhamento das aulas.
suscetíveis de valor e os modos de sua
O conteúdo aqui abordado não utilização econômica. Certamente, ao
exaure a matéria e NÃO vincula o longo de nossa abordagem, saltará claro
conteúdo da prova. que tal poder de atuação sobre bens
encontrará seus contornos modernamente
“A Esperança é o único bem real da
definidos pelo princípio da função social”.
vida”. (Olavo Bilac)
(p. 32)

Simplificando: direito real regulamenta a


relação entre pessoa e coisa, qual seja: o
TITULAR DO DIREITO (ex.: proprietário,
usufrutuário, titular de direito real de
habitação, credor hipotecário, etc) e uma
coisa passível de apropriação.

O titular do direito possui poderes sobre


Introito o bem; possui uma relação sobre a coisa.

Conceito de Direitos Reais: conjunto de Simplificando: Direito Real nada mais é do


normas que visam regular as diferentes que o vínculo jurídico que liga uma pessoa
relações jurídicas existentes entre as a um bem (COISA). O objeto do Direito
coisas suscetíveis de apropriação pelo Real é a COISA!
homem.
Dependendo do tipo de titular teremos
Flávio Tartuce: “as relações jurídicas direitos diferentes sobre a coisa e
estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas limitações. Por exemplo, o
determinadas ou determináveis, tendo proprietário tem enorme poder em relação
como fundamento principal o conceito de ao objeto – coisa. Por outro lado, o
propriedade, seja ela plena ou restrita. (...) usufrutuário também possui direitos em
Relação de domínio exercida pela pessoa relação ao objeto, mas esses direitos são
(sujeito ativo) sobre a coisa.” (TARTUCE, mais restritos do que seria se ele fosse o
Flávio. Direito Civil - Vol. 4 - Direitos das proprietário, ou seja, ele poderá usar e
Coisas, 10ª edição. Forense, 12/2017). fruir do bem, mas não poderá dispor
(alienar, por exemplo) do mesmo.
Clóvis Beviláqua: “o complexo das normas
reguladoras das relações jurídicas Ou seja, quando falamos em
referentes às coisas suscetíveis de PROPRIEDADE, é importante
apropriação pelo homem”. (in Curso de observarmos as faculdades dispostas no
Direito Civil – Reais; Cristiano Chaves de artigo 1.228 do Código Civil de 2002:
Farias e Nelson Rosenvald – p. 31)
DICA:
I. USAR
GRUD
II. GOZAR
III. DISPOR
IV. REAVER
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Art. 1.228 CC/02. O Entretanto, o objeto do estudo da presente
proprietário tem a faculdade
disciplina incluirá não só os direitos reais
de usar, gozar e dispor da
coisa, e o direito de reavê-la estabelecidos pelo Código Civil, mas outros
do poder de quem quer que direitos como, por exemplo, a posse e os
injustamente a possua ou direitos de vizinhança (inclusive é uma
detenha.
delícia de matéria!).

Diferentemente do caso da POSSE, em que


Por outro lado, doutrina como a de Orlando
a relação estabelecida entre o titular e a
Gomes, ao diferenciar ‘bem’ de ‘coisa’
coisa gera direitos distintos e mais
acaba concluindo que a utilização da
restritos do que na propriedade. Por
terminologia Direito das Coisas também
exemplo: a faculdade de uso de
seria restrita, pois remete a noção de
determinado bem, inexistindo o poder de
economicidade e materialidade.
dispor do mesmo, se o possuidor também
não for seu dono.
Tecnicamente ‘bem’ constitui gênero, do
qual são espécies:
NOMENCLATURA - Atenção: alguns
autores como Flávio Tartuce afirmam que
a) Bens corpóreos/ materiais/
tecnicamente o mais correto é utilizarmos
tangíveis: denominados ‘coisas’
a terminologia ‘DIREITO DAS COISAS’,
(carro, casa, caneta, roupa etc).
visto que os direitos reais são os
‘taxativamente’ dispostos no artigo 1.225
b) Bens incorpóreos/imateriais/
do Código Civil de 2002 (visão tradicional),
intangíveis: honra, liberdade,
quais sejam:
propriedade sobre conhecimento
(softwares, know how, artes etc).
Art. 1.225. São direitos reais:
I - a propriedade;
Desta forma, essa doutrina entende que a
II - a superfície;
terminologia ‘Direitos Reais’ é ainda mais
III - as servidões;
abrangente que ‘Direito das Coisas’.
IV - o usufruto;
V - o uso;
Seguindo tal entendimento podemos citar
VI - a habitação;
a obra de Cristiano Chaves de Farias e
VII - o direito do promitente
Nelson Rosenvald.
comprador do imóvel;
VIII - o penhor;
Na prática, em prol do princípio da
IX - a hipoteca;
operabilidade (vamos simplificar as coisas
X - a anticrese.
galera!), as expressões ‘Direito das Coisas’
XI - a concessão de uso especial
e ‘Direitos Reais’ são utilizadas como
para fins de moradia; (Incluído
sinônimas. Mas CUIDADO! Tal afirmação
pela Lei nº 11.481, de 2007)
não permite que se insira todos os
XII - a concessão de direito real
institutos estudados nesta disciplina como
de uso; e
Direitos Reais, conforme veremos no
XIII - a laje. (Redação dada pela
decorrer do estudo.
Lei nº 13.465, de 2017)

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TEORIA PERSONALISTA Esquematizando a Teoria Personalista:

OU TEORIA REALISTA?!
Mas, afinal, o direito real é a relação entre SUJEITO
sujeito e coisa; ou entre pessoas?!

Duas correntes buscam responder tal


questionamento:

1ª Corrente - Teoria Personalista:

Esta corrente NÃO admite a existência de


relação jurídica entre um homem e uma
coisa – premissa kantiana. COISA
Assim, é imprescindível que a relação
jurídica possua um sujeito ativo, que é o Relação
titular do direito real, e um sujeito passivo:
a coletividade / universalidade.
TEORIA PERSONALISTA
Se equipara, com menos intensidade, à
relação existente nos direitos pessoais
(obrigacionais), salvo em razão da
ausência de delimitação dos sujeitos
passivos.

Nesse sentido, Antunes Varela (Das


Obrigações em Geral, p.166) ensina que os
direitos reais seriam direitos mais fortes; e
os direitos pessoais (obrigacionais), mais
fracos, visto que a relação existente, nesse COLETIVIDADE
último caso, é apenas entre credor e as
pessoas adstritas à prestação.

Segundo o professor Luciano Figueiredo: Os direitos reais implicam no regramento


da relação entre o titular do direito, a
“Nessa ótica, direito real seria a coletividade e a coisa.
relação jurídica que impõe a todos
um dever geral de abstenção,
respeito à propriedade alheia. A 2ª Corrente - Teoria Realista, Clássica ou
teoria em comento é de Marcel Impersonalista:
Planiol, mas foi amplamente
divulgada por Michas, demogue, Os direitos reais regulamentam a relação
Ripert, Ferrara, Ortolan e jurídica entre pessoa e coisa, de forma
Windsheid” p. 24 direta e imediata. É desnecessária a
presença do sujeito passivo.
Crítica: Orlando Gomes – tal teoria levaria
a extinção dos direitos reais, pois todos os Admite apenas a vinculação da coisa com
direitos seriam pessoais. o sujeito, sem intermédio de outrem.

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Tal corrente é defendida por Gaudemet,
Saleilles, Teixeira de Freitas e Orlando Características
Gomes.
1. Absolutismo
Visto que a legislação adota tratamento
diverso entre os direitos reais e os direitos Há verdadeira situação de dominação do
pessoais, a doutrina contemporânea tende titular dos direitos reais sobre seu objeto
a caminhar com a tese clássica (coisa).
(REALISTA), adequando-a à realidade.
Poder de Agir oponível erga omnes
Crítica: os críticos desta corrente afirmam (universalidade).
que todo o direito se constitui entre
humanos. Se foi criado o ordenamento
jurídico, é porque existem os seres
humanos, os quais precisam manter
relações. Logo, não posso ver os direitos
reais somente como o vínculo entre
pessoas e coisas.

! Meu direito só se legitima com olhar da


sociedade! Inclusive hoje temos a função
social que reforça ainda mais essa ideia da
Teoria Personalista, limitando o exercício
As normas relativas aos direitos reais
da propriedade em prol da coletividade.
limitam o poder de agir de terceiros,
proibindo uma interferência na atuação do
Esquematizando a Teoria Realista:
titular sobre o seu objeto.

Assim, é possível se afirmar que os direitos


reais são excludentes, pois TODOS se
Relação encontram vinculados a não perturbar o
seu exercício.
TEORIA REALISTA
Este é um forte ponto de distinção entre os
direitos reais e os direitos pessoais.
Quando estamos diante de um direito
pessoal em decorrência de um contrato,
por exemplo, há uma relação entre
contratante e contratado. Há a limitação
da obrigação entre as partes. Aqui, em
direitos reais, a vinculação é erga omnes:
todos devem respeitar!

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Como consequência de tal característica, Reforçamos, assim, que o absolutismo não
há a incidência do princípio da quer dizer que a utilização do bem é
publicidade, especialmente aos bens ilimitada, absoluta. O que se afirma, aqui,
imóveis, eis que os direitos reais só podem é a necessidade de absoluto respeito ao
ser alegados contra todos os que possuem direito real por todo o mundo.
o conhecimento de sua existência (ao
menos em tese). O sujeito passivo (titular do dever de
respeitar / de não fazer), aqui, é
Citamos como exemplo a situação indeterminado. Ou seja: todos devemos
existente entorno das transações respeitar o direito real do coleguinha ao
imobiliárias, conforme disposto no artigo lado. O sujeito passivo só se torna
1.227 do Código Civil / 2002: identificado quando este deixa de respeitar
tal dever, o que o torna inadimplente com
Art. 1.227 CC/02. Os direitos reais suas obrigações de não fazer.
sobre imóveis constituídos, ou
transmitidos por atos entre vivos, só 2. Sequela
se adquirem com o registro no
Cartório de Registro de Imóveis dos Tendo em vista que os direitos reais
referidos títulos (arts. 1.245 a ADEREM (‘COLAM’) na coisa, ao titular é
1.247), salvo os casos expressos dada a possibilidade de ‘perseguir’ (no
neste Código. sentido de buscar / obter) a mesma em
poder de terceiros, onde quer que se
PUBLICIDADE* REGISTRO encontre.
*Imóveis
Art. 1.228 CC/02. O proprietário
tem a faculdade de usar, gozar e
EFICÁCIA ERGA OMNES (boa-fé de
terceiros) dispor da coisa, e o direito de
reavê-la do poder de quem quer
Entretanto, faz-se importante observar, que injustamente a possua ou
desde já, a necessidade de se funcionalizar detenha.
os direitos reais em prol da pessoa
humana. Em outras palavras, há de se Exemplificaremos para facilitar a
respeitar a FUNÇÃO SOCIAL da ‘coisa’, compreensão:
havendo, inclusive, situações viáveis de
‘perda’ da propriedade quando o sujeito Fase 1:
(proprietário) deixa de utilizá-la conforme
critérios sociais. Waldicreuza é proprietária de alguns
bens imóveis (ou seja, ela possui uma
Nesse sentido, transcrevemos relação jurídica com os bens, e essa
ensinamento de Cristiano Chaves e Nelson relação jurídica é um direito real –
Rosenvald: propriedade). Com o intuito de obter um
empréstimo bancário no valor de
“(...) o absolutismo dos direitos R$ 400.000,00, deixa como garantia real
reais não decorre do poder um de seus imóveis (veremos adiante),
ilimitado de seus titulares sobre localizado na Praia do Sono, em
os bens que se submetem a sua Trindade. Estamos diante de uma
autoridade. Há muito, a ciência hipoteca -> direito real de garantia.
do direito relativizou a
sacralidade da propriedade. Por outro lado, o Banco Nunkabank, ao
Como qualquer outro direito proceder o empréstimo do mencionado
fundamental, o ordenamento valor, torna-se CREDOR de
jurídico a submete a uma Waldicreuza, possuindo o aludido
ponderação de valores (...)”(p. 33) imóvel como garantia do cumprimento
da obrigação.

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Insta reforçar que houve o devido CUIDADO: como grande parte dos temas
registro de tal garantia real no ofício jurídicos, a regra da sequela em relação à
imobiliário – princípio da publicidade. hipoteca também tem exceção. Vejamos o
Nesse momento, criou-se uma relação disposto no Enunciado 308, da Súmula do
jurídica entre Nunkabank e a casa, e STJ:
essa relação jurídica é o direito real de
garantia, denominado de hipoteca. “A HIPOTECA FIRMADA ENTRE A
CONSTRUTORA E O AGENTE
Fase 2: FINANCEIRO, ANTERIOR OU
POSTERIOR À CELEBRAÇÃO DA
Em que pese a aludida hipoteca, e PROMESSA DE COMPRA E VENDA,
observando que Waldicreuza ainda não NÃO TEM EFICÁCIA PERANTE OS
cumpriu com sua obrigação junto ao ADQUIRENTES DO IMÓVEL.”
Banco Nunkabank, houve a venda da
casa para Pablito. Tal se dá em razão dos novos paradigmas
que envolvem a propriedade, preservando,
Fase 3: especialmente, a boa-fé de terceiro que
está envolvido no pagamento do imóvel
Tendo em vista o atual cenário, e em hipotecado. Iremos aprofundar no tema
decorrência da sequela advinda dos em momento oportuno (propriedade
direitos reais, pode o Banco Nunkabank fiduciária e direito real de aquisição -
retirar o imóvel do poder de Pablito, compromisso de compra e venda).
caso Wal deixe de pagar o empréstimo,
mediante declaração de ineficácia da Além disso, é importante reforçar, a título
compra e venda, tendo em vista a de conhecimento, que a característica da
afetação da coisa (o Banco é titular de sequela não é exclusiva dos direitos reais.
um direito real sobre coisa alheia /
direito real de garantia – houve a Existem alguns direitos obrigacionais que,
aderência da hipoteca à coisa). ao serem registrados no Registro Geral de
Imóveis (RGI), adquirem eficácia real, mas
Veja que não se está afirmando que a NÃO SÃO CONSIDERADOS DIREITOS
venda não poderia ser realizada, até REAIS em razão da característica
mesmo porque eventual cláusula ‘taxatividade’ dos direitos reais.
proibitiva neste sentido é nula! Pode
sim Wal vender o imóvel. O que não 3. Preferência
pode é deixar de pagar a dívida. Se isso
acontecer, como o imóvel possui um Ocorre predominantemente nos direitos
ônus real, ou seja, está hipotecado, reais de garantia.
Pablito perderá em relação ao banco. É
o famoso: ‘comprou porque quis, pois Consiste no privilégio do titular do direito
sabia da hipoteca! Agora chora…’ Mais real “em obter o pagamento de um débito
ou menos pois há possibilidade de pedir com o valor do bem aplicado
indenização à Wal, mas, em tese é isso exclusivamente à sua satisfação”.
mesmo. (Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald, p. 39)
ATENÇÃO: NÃO é necessária a
propositura de ação pauliana ou
revocatória para recuperar a coisa em
poder de terceiro, visto que há a
INEFICÁCIA de qualquer transação
posterior em razão do seu direito de
sequela, se existir o inadimplemento.

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Exemplificando: Nesse sentido, artigo 1.422, parágrafo
único do CC/02:
Waldicreuza, devedora contumaz,
possui inúmeras dívidas no comércio; Art. 1.422 CC/02. O credor
entretanto, apenas um bem imóvel hipotecário e o pignoratício têm o
encontra-se hipotecado. Nesse caso, esse direito de excutir a coisa hipotecada
imóvel servirá, preferencialmente, a ou empenhada, e preferir, no
garantia do credor hipotecário. Simples pagamento, a outros credores,
assim. observada, quanto à hipoteca, a
Se Wal também for fiadora, o seu único prioridade no registro.
imóvel poderá ser penhorado para o
pagamento da dívida; entretanto, se o Parágrafo único. Excetuam-se da
credor ajuizar ação requerendo a regra estabelecida neste artigo as
aludida penhora, deverá dívidas que, em virtude de outras
obrigatoriamente intimar o credor leis, devam ser pagas
hipotecário para se manifestar nos precipuamente a quaisquer outros
autos. Havendo a venda do imóvel, o créditos.
credor hipotecário, ou seja, o credor com
garantia real, terá direito de receber Esclarece-se, ainda, que a preferência
primeiro o valor integral para satisfazer recai sobre um bem específico. Ou seja, não
seu crédito! O que sobrar irá para os há preferência na universalidade de bens
demais credores! do devedor, mas sim sobre um bem
previamente afetado pelo direito real de
Atenção: garantia.

A preferência nos demonstra, conforme Por fim, devemos observar o disposto no


artigo 1.419 do CC/02, que na eventual artigo 1.476 do CC/02:
hipótese de concorrência entre direitos
reais e créditos quirografários (créditos Art. 1.476 CC/02. O dono do
comuns, como é o caso da fiança imóvel hipotecado pode
supramencionada), prevalecerá aqueles, constituir outra hipoteca sobre
salvo legislação especial que disponha em ele, mediante novo título, em
sentido contrário. favor do mesmo ou de outro
credor.
Art. 1.419 CC/02. Nas dívidas
garantidas por penhor, anticrese Diante da possibilidade da coexistência de
ou hipoteca, o bem dado em várias hipotecas sobre o mesmo imóvel, o
garantia fica sujeito, por vínculo direito de preferência deverá observar a
real, ao cumprimento da ordem de registro das garantias, do mais
obrigação. antigo ao mais recente.

Entretanto, faz-se importante consignar


Primeiro no
que atualmente, em prol da dignidade da
tempo, melhor no
pessoa humana e do interesse público, há direito...
legislações que estabelecem privilégios
específicos para determinadas classes,
afastando, consequentemente, a
prioridade ora analisada. Assim, podemos
citar como exemplo de privilégio a
satisfação de créditos acidentários e
trabalhistas.

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4. Taxatividade veículos, na repartição competente
para o licenciamento, fazendo-se a
Tendo em vista o absolutismo já estudado, anotação no certificado de registro.
não pode qualquer direito real ser
reconhecido juridicamente sem que haja § 2º Com a constituição da
prévia previsão legal. propriedade fiduciária, dá-se o
desdobramento da posse, tornando-
Assim, a doutrina clássica (e até o se o devedor possuidor direto da
presente momento predominante) leciona coisa.
que os direitos reais são taxativos,
numerus clausus, localizados no rol do § 3º A propriedade superveniente,
artigo 1.225 CC/02, o qual encontra-se adquirida pelo devedor, torna eficaz,
supratranscrito, e em leis especiais. desde o arquivamento, a
transferência da propriedade
A taxatividade nos demonstra que fora do fiduciária.
catálogo legal encontra-se excluída a
possibilidade de se ter uma autonomia
privada e, consequentemente, de se cogitar
a existência de direitos reais.
Elementos
Entretanto, isso não significa a
impossibilidade de criação de novos Objetos
direitos reais, já que os legisladores podem
tanto inovar incluindo quanto excluindo Relação
Sujeitos
certos institutos de tal rol. Jurídica
Podemos citar como exemplo a supressão,
pelo Código Civil de 2002, da possibilidade
Direitos
de constituição de novas enfiteuses a Reais
partir de 11 de janeiro de 2003, mantendo
as já constituídas até a sua extinção.
1. Sujeitos: de um lado, aquele que
Como exemplos de direitos reais não detém a titularidade formal do
expressos no artigo 1.225 do Código Civil direito (por exemplo, usufrutuário,
citamos a propriedade fiduciária (artigo credor hipotecário, proprietário
1.361 CC/02). Na verdade a propriedade etc) – sujeito ativo; e, de outro, a
fiduciária constitui um desdobramento da comunidade – sujeito passivo.
propriedade, o qual será estudado em
tópico a parte. - Sujeito ativo: pode exercer o
direito de sequela e será sempre
Vejamos: possuidor (ainda que,
dependendo do desdobramento
Art. 1.361 CC/02. Considera-se da relação, seja possuidor
fiduciária a propriedade resolúvel indireto).
de coisa móvel infungível que o
devedor, com escopo de garantia,
transfere ao credor.

§ 1º Constitui-se a propriedade
fiduciária com o registro do contrato,
celebrado por instrumento público
ou particular, que lhe serve de
título, no Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do
devedor, ou, em se tratando de
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- Sujeito passivo: sobre quem
recai o dever de respeito ao Analisaremos o quadro comparativo a
exercício do direito pelo sujeito seguir, o qual contém as maiores e mais
ativo. Conforme já visto importantes diferenças entre os direitos
anteriormente, diz-se que na reais e os direitos obrigacionais.
relação de direito real há sujeição
passiva universal. O sujeito
passivo é indeterminado, já que
todos devem respeitar os direitos
reais do sujeito ativo.

2. Objeto: o ‘bem’ (coisa) sobre o qual


o titular exerce a intervenção.
DIFERENÇAS Direitos Direitos
O objeto pode ser corpóreo, móveis ou Reais Obrigacionais
imóveis, ou incorpóreos. Essa última Apropriação Cooperação entre
característica não é unânime de bens pessoas
(incorpóreos). Quanto a Erga omnes Inter partes
eficácia: (absoluta) (relativa)
Mas verifiquem: uma obra intelectual, um Quanto ao A coisa A prestação
crédito, um software de computador etc, objeto:
também podem ser objetos de direitos Quanto ao Ação direta Necessita da
reais. Esses bens incorpóreos são passíveis exercício: e imediata colaboração do
de negociação. sobre o bem. devedor para a
Não existe satisfação da
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça intervenção obrigação.
editou o Enunciado n.º 228 de sua Súmula, de terceiros. Mediatividade.
o qual versa que: Rol taxativo, Rol
‘mas sem exemplificativo –
“É inadmissível o interdito rigidez art. 425 CC/02
proibitório para a proteção do absoluta’
direito autoral”. (tipicidade
legal) –
Esse enunciado cai em provas com uma art. 1.225
deplorável frequência! Você verificará o CC/02
que é esse estranho interdito proibitório Prerrogativ Mera execução
quando estivermos estudando posse! a da sequela patrimonial
Ocasionam Ocasionam,
preferência quando muito,
Diferença entre (bem
específico)
privilégios

Direitos Reais e Princípio da


publicidade
Princípio
autonomia
da

Direitos privada
(liberdade)
Obrigacionais Perpétuo
(direitos
Transitórios
(obrigação nasce
reais para ser
Outra discussão acadêmica é relativa a
perpetuados cumprida)
diferença entre os Direitos Reais e os
no seio da
Direitos Obrigacionais/Pessoais.
mesma
família)
DIREITOS REAIS -> Verbo TER
DIREITOS OBRIGACIONAIS -> Verbo
AGIR

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Em que pese tais diferenciações, os Insta esclarecer, desde já,
manuais costumam aproximar tais ramos, que o STJ vem entendendo
visto que ambos possuem um viés que dívidas relacionadas à
patrimonial; ademais, os direitos água, luz e esgoto não se
obrigacionais não podem ser vistos única e enquadram na presente
exclusivamente mediante a relação entre categoria, sendo, em
sujeito ativo (credor) e sujeito passivo verdade, dívidas pessoais do
(devedor), podendo muitas das vezes o usuário do serviço – vide
crédito alcançar terceiros, observando STJ, AgRg no AREsp
sempre as funções sociais e econômicas dos 265.966/SP.
direitos.
-> Atenção, Ementa sobre o
Entretanto, é importante reforçar que o tema enviada pelo SIA para
Código Civil atual adotou a teoria dualista Leitura Complementar <-
ou binária, diferenciando expressamente
direitos reais e obrigacionais.

Além da diferenciação entre Direitos Reais


e Direitos Obrigacionais, há conceitos
híbridos (ou intermediários), que estão Importante, ou melhor,
localizados em um ponto intermediário ou IMPORTANTÍSSIMO: O STJ publicou, no
no ‘limbo jurídico’: ano de 2018, a ‘Jurisprudência em Teses’
n.º 30, a qual possui como tese 9 a seguinte:
I. Posse – trata-se de direito de “A obrigação de recuperar a degradação
natureza especial, não se ambiental é do titular da propriedade do
enquadrando nem como direito imóvel, mesmo que não tenha contribuído
para a deflagração do dano, tendo em
real, nem como direito
obrigacional / pessoal, em que conta sua natureza propter rem”.
pese doutrina minoritária (ao
menos até o presente III. Abuso de direito no exercício
momento), encabeçada por de propriedade ou ato
Maria Helena Diniz, afirmar emulativo –
que posse seria sim um direito Arts. 187 e 1.228, parágrafo 2º,
do CC/02, “trata-se de um
real, visto que figura como
desdobramento da instituto híbrido uma vez que
propriedade. o exercício de um direito real
Aprofundaremos em tópico repercute no direito das
próprio. obrigações, gerando o dever de
indenizar” (Tartuce, p. 605)

II. Obrigações propter rem (ou Em que pese essa breve conceituação, os
próprias da coisa; ou temas serão estudados de forma
obrigações ambulatórias) – aprofundada no decorrer da apostila.
encontram-se em uma zona
entre os direitos reais e os
direitos obrigacionais, pois
perseguem a coisa onde quer
que ela esteja.
Por ex.: IPTU, Condomínio,
ITR, art. 1.345 CC/02.

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CLASSIFICAÇÃO Titular -> privado de alguns poderes


dominiais, mas continua sendo
Antes de iniciarmos o estudo das proprietário (propriedade limitada).
classificações dos direitos reais é
imprescindível termos em mente ao menos GRAVAME = transferência temporária de
uma breve compreensão da propriedade uma das faculdades do domínio.
para que possamos estudar os demais
tipos de direitos reais. Entretanto, interessante é o ensinamento
de Tartuce sobre a diferenciação ora
Assim, é possível afirmarmos que a mencionada:
propriedade é o único direito real
originário. Para muitos doutrinadores, a
expressão propriedade é
Para que possamos evoluir no estudo das sinônima de domínio,
características dos direitos reais, devemos entendimento este que é o
fazer um parêntese para diferenciarmos majoritário a ser adotado na
PROPRIEDADE de DOMÍNIO, os quais prática. (…)
possuem conceitos autônomos e Os conceitos diferenciadores, de
complementares. ontem e de hoje, não convencem
este autor. Como se pode notar,
PROPRIEDADE DOMÍNIO existem discrepâncias entre os
Situação de poder critérios de distinção, o que torna
do titular sobre a a matéria confusa. Por certo é
coisa (faculdade de que os conceitos de propriedade e
uso, gozo e de domínio são muito próximos,
disposição). não se justificando,
metodologicamente, as
Poder de soberania diferenciações expostas. E, como
Relação do titular exercitado sobre a o Código Civil de 2002 adota o
da coisa ‘com a coisa. princípio da operabilidade, em
coletividade’. um primeiro sentido de
Há o facilitação do Direito Privado,
desmembramento não há razões para a distinção.
dos direitos do Quanto aos princípios, acredito
titular, e é que aqueles que regem o domínio
justamente tal são os mesmos da propriedade,
desdobramento caso da função social. Assim, o
que origina um domínio também é relativo. Por
novo direito real. fim, quanto aos exemplos
expostos por Cristiano Chaves e
Em que pese essa diferenciação didática, Nelson Rosenvald, parecem
atualmente a maioria da doutrina utiliza envolver por igual a propriedade,
os termos propriedade e domínio como particularmente a propriedade
sinônimos. aparente, que ainda será
estudada. (TARTUCE – P. 145).
Quando temos o desdobramento
temporário do domínio há a origem da
propriedade LIMITADA, a qual
obrigatoriamente concorre com os direitos
reais em coisa alheia.

Assim, a propriedade poderá ser plena ou


limitada dependendo do domínio que se
tem sobre a coisa.
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Os direitos reais limitados, ou seja, os que A obrigação propter rem é aquela imposta
incidem em coisa alheia, são divididos em ao titular de um direito real pelo simples
três grupos: fato de assumir tal condição, ou seja, em
razão de ser proprietário de um bem.
a) Direitos reais de gozo e fruição:
usufruto, servidão, uso e habitação Assim, quando uma pessoa adquire a
propriedade de determinado bem imóvel,
Dicas: torna-se obrigado a arcar com eventuais
dívidas relativas ao IPTU e condomínio,
USUH por exemplo, querendo ou não assumir tal
encargo.
USO -> USUFRUTO
SERVIDÃO -> HABITAÇÃO Por isso é tão importante ter cautela
quando da aquisição.
b) Direitos reais de garantia: penhor,
hipoteca, anticrese Devemos observar o ensinamento de
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves:
Dica:
“Sua particularidade consiste na
PAH inerência ao objeto da posição do
titular ativo ou passivo da
c) Direitos reais à aquisição: relação. O obrigado é o titular do
promessa de compra e venda direito real, havendo a
possibilidade de sucessão no
Dica: débito fora das hipóteses normais
de transmissão das obrigações”.
Meio de se adquirir: comprar e (p. 56)
vender...

Entretanto, temos também os direitos


reais em coisa própria (propriedade
superficiária e propriedade fiduciária), os Obrigações com natureza propter rem
quais se diferenciam da propriedade por vinculam os atuais e os futuros titulares
não serem perpétuos, o que permite da coisa.
falarmos em propriedade resolúvel, ou Não interessa quem deixou de pagar,
seja, que poderá ser resolvida se ocorrer mas sim quem possui a propriedade da
um evento futuro e incerto (condição). Em ‘coisa’ / bem.
momento posterior aprofundaremos esse
tema. Fugindo um pouco da relação existente
entre titular e bem imóvel, podemos citar
OBRIGAÇÃO como exemplo as obrigações que incidem
sobre a titularidade de veículos (bem
PROPTER REM móvel): multas de trânsito e IPVA.
Ressalva-se, entretanto, em relação às
multas de trânsito, o disposto no CTB
Como brevemente exposto, as obrigações (alteração trazida pela Lei 13.495/17), o
propter rem estão inseridas entre os qual permite a indicação do real autor do
direitos reais e os direitos obrigacionais, já ilícito e responsável legal pelo
que são figuras híbridas (pegam um pouco adimplemento da obrigação.
do direito real e um pouco do direito
obrigacional).

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AGRAVO DE INSTRUMENTO de março de 1998, bem como a
Nº 1.305.403 - SP (2010/0079230- cópia da autorização para
4) RELATOR : MINISTRO LUIZ transferência do veículo, com
FUX AGRAVANTE : firma reconhecida em 17 de maio
MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ de 1999." (fl. e-STJ 49) 3. Ainda
PROCURADOR : SIMONE DE que não realizada a transferência
ANDRADE PLIGHER E OUTRO de propriedade do automóvel
(S) AGRAVADO : ANTÔNIO autuado junto ao DETRAN, não
CARLOS SOARES ADVOGADO obsta que a prova da alienação se
: ANDRÉA EVELI SOARES faça por outros meios.
MAGNANI DECISÃO Precedentes: REsp
PROCESSUAL CIVIL. 804.458/ES(DJe de 31.08.2009),
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REsp 961.969/RS (DJe de
DE INSTRUMENTO. ART. 544 01.09.2008) e REsp 599.620/RS
DO CPC. TRANSFERÊNCIA DE (DJ de 17.05.2004). 4. Agravo de
PROPRIEDADE DE VEÍCULO. instrumento desprovido. Trata-
PROVA. ART. 134 DO CTB. se de agravo de instrumento
SÚMULA 7/STJ. 1. O Recurso interposto pelo MUNICÍPIO DE
Especial não é servil ao exame de JUNDIAÍ, com fulcro no art. 544
questões que demandam o do Código de Processo Civil, no
revolvimento do contexto fático- intuito de ver reformada a
probatório dos autos, em face decisão que inadmitiu seu
doóbice contido na Súmula recurso especial, sob os seguintes
07/STJ. 2. In casu, a conclusão do fundamentos: (a) "os argumentos
Tribunal de origem acerca da expendidos não são suficientes
suficiência da prova produzida para infirmar a conclusão do v.
pelo recorrido, bem como a aresto combatido que contém
certeza da propriedade do veículo fundamentação adequada para
transferido, resultou do exame de lhe dar respaldo"; (b) "tampouco
todo o conjunto probatório restou evidenciado qualquer
carreado nos presentes autos. maltrato a normas legais ou
Consectariamente, infirmar divergência jurisprudencial, não
referida conclusão implicaria sendo atendida qualquer das
sindicar matéria fática, hipóteses das alíneas 'a', 'b' e 'c'
interditada ao E. STJ em face do do permissivo constitucional" (fl.
enunciado sumular n.º 07 desta e-STJ 82). Noticiam os autos que
Corte. Vejamos o aresto recorrido ANTONIO CARLOS SOARES
(fls. 83/85):"Consta dos autos que ajuizou ação declaratória de
o condutor foi autuado em 13 de inexistência de débito contra o
maio de 1999 quando realizava ente municipal, porquanto foi
transporte remunerado irregular autuado por infração
de passageiros. Nos termos da administrativa cometida por
Lei municipal 5.035/1997, a terceiro, que realizava
infração acarreta a pronta transporte clandestino de
apreensão do veículo e o passageiros. O juízo de primeiro
pagamento de multa no valor de grau julgou procedente o pedido.
R$ _TTREP_37(mil e quinhentos O recurso voluntário e a remessa
reais). O autor, em razão de necessária foram desprovidas à
constar nos registros do unanimidade dos componentes
DETRAN como proprietário do da Sétima Câmara de Direito
veículo, foi autuado e notificado Público do Tribunal de Justiça do
para o pagamento da multa. Estado de São Paulo, em acórdão
Todavia, trouxe aos autos cópia assim ementado:
do contrato particular de compra
e venda de veículo datado de 20
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"TRÂNSITO. MULTAS. agravo, o agravante impugna os
ALIENAÇÃO DO VEÍCULO. fundamentos da decisão
RESPONSABILIDADE. 1. Ação agravada. Relatados, decido.
ordinária ajuizada em face da Preenchidos os requisitos de
Prefeitura Municipal de Jundiaí, admissibilidade do agravo de
na qual se questiona a cobrança instrumento, passa-se à análise
de multa de trânsito Alegação de do recurso especial. A
que a infração foi cometida por controvérsia posta sob análise
terceiro, em data posterior à refere-se à possibilidade de se
alienação do veiculo 2. As responsabilizar o original
obrigações decorrentes da proprietário de veículo que gerou
imposição de multa de trânsito multas de trânsito com base nos
têm natureza 'propter rem', vale arts. 134 e 231, VIII, do CTB,
dizer, o devedor é assim uma vez não comprovada ao
caracterizado por ser titular do órgão competente a transferência
direito real. Na forma como da propriedade a terceiro
estatui o art. 257,§ 3º, do Código adquirente. Os dispositivo legais
de Trânsito Brasileiro: 'Ao apontados como violados são os
condutor caberá a arts. 134 e 231, VIII, do Código de
responsabilidade pelas infrações Trânsito Brasileiro, in
decorrentes de atos praticados na verbis:"Art. 134. No caso de
direção do veículo'. transferência de propriedade, o
Inadmissibilidade de cobrança de proprietário antigo deverá
multas em face do antigo encaminhar ao órgão executivo
proprietário. Precedentes do de trânsito do Estado dentro de
Superior Tribunal de Justiça um prazo de trinta dias, cópia
Recurso e remessa necessárias autenticada do comprovante de
desprovidos." Os embargos de transferência de propriedade,
declaração opostos foram devidamente assinado e datado,
rejeitados. Nas razões do apelo sob pena de ter que se
excepcional, fundado nas alíneas responsabilizar solidariamente
a e c do permissivo pelas penalidades impostas e
constitucional, o recorrente suas reincidências até a data da
apontou, além de divergência comunicação." "Art. 231.
jurisprudencial, violação dos Transitar com o veículo:(...) VIII -
arts. 134 e 231, VIII, do Código de efetuando transporte
Trânsito Brasileiro. Defendeu, remunerado de pessoas ou bens,
em síntese, que: "no presente quando não for licenciado para
caso, diante da prova colhida, esse fim, salvo casos de força
pairam dúvidas sobre a data de maior ou com permissão da
transferência do veículo ao autoridade competente: Infração
terceiro, fato corroborado pela - média; Penalidade - multa;
não comunicação da alienação Medida administrativa -
aos órgãos de trânsito, cabendo, retenção do veículo;(...)"Ocorre
desta forma, a responsabilização que, quanto à quaestio iuris, o
do proprietário que poderá Tribunal de origem concluiu
ingressar com ação própria para acerca da suficiência da prova
reaver o montante em relação ao produzida pelo recorrido, bem
suposto comprador"(fl. e-STJ 70). como a certeza da propriedade do
Foram apresentadas veículo transferido, com base no
contrarrazões ao recurso especial exame de todo o conjunto
e contraminuta ao presente probatório carreado nos
agravo de instrumento, presentes autos.
respectivamente, às fls. e-STJ
72/81 e 87/97. Na minuta de
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Consectariamente, infirmar O que o faz devedor é a
referida conclusão implicaria circunstância de ser titular do
sindicar matéria fática, direito real, e tanto isso é
interditada ao Superior Tribunal verdade, que ele se libera da
de Justiça em face do óbice obrigação se renunciar a esse
contido no enunciado da Súmula direito' (Sílvio Rodrigues, in
7 desta Corte Superior, in Direito Civil, vol 2/105, 12a. ed.
verbis:"A pretensão de simples Saraiva). Tendo em mente esta
reexame de provas não enseja espécie de obrigação, necessário
recurso especial."Por oportuno, ponderar que a partir da
confira-se o seguinte excerto do tradição, meio pelo qual se
voto condutor do acórdão transfere o domínio da coisa
recorrido (fls. e-STJ móvel (art. 520, inciso II e 620 do
49/52):"Consta dos autos que o Código Civil), passa o novo
condutor foi autuado em 13 de proprietário à ostentar a
maio de 1999 quando realizava responsabilidade pelo
transporte remunerado irregular pagamento de infrações à
de passageiros. Nos termos da legislação de trânsito. Em
Lei municipal 5.035/1997, a atenção a esta espécie de vínculo
infração acarreta a pronta obrigacional; vale dizer,
apreensão do veículo e o obrigação 'propter rem', o
pagamento de multa no valor de Superior Tribunal de Justiça tem
R$ _TTREP_174(mil e afirmado em iterativa
quinhentos reais). O autor, em jurisprudência que 'aplicada a
razão de constar nos registros do penalidade por infração de
DETRAN como proprietário do trânsito, caso ocorra
veículo, foi autuado e notificado posteriormente à venda do
para o pagamento da multa. automóvel, o novo proprietário
Todavia, trouxe aos autos cópia deverá responder por todas as
do contrato particular de compra obrigações que se vinculam à
e venda de veículo datado de 20 coisa, dentre elas encontram-se
de março de 1998, bem como a as multas de trânsito, categoria
cópia da autorização para de obrigação denominada de
transferência do veículo, com 'propter rem', pois acompanha o
firma reconhecida em 17 de maio bem ainda que venha a ser
de 1999. 3. A questão desenhada transferida a sua titularidade'
nos autos é saber se o contrato de REsp 687021/RS, Rei Ministro
compra e venda é instrumento Francisco Falcão, primeira
hábil para transferência da turma, julgado cm 19 05 2005, DJ
responsabilidade pelo 0107 2005 p 414 e REsp 920
pagamento de muitas ou se 276/RS, Rei Ministro Castro
depende da apresentação da Mcira, segunda turma, julgado
referida autorização para em 14 08 2007, DJ 27 08 2007 p
transferência, com firma 213 e REsp 856086/RS, Rei
reconhecida. As multas de Ministro Humberto Martins,
trânsito tem natureza de segunda turma, julgado em 05 10
obrigação 'propter rem', vale 2006, DJ 18 10 2006 p 234 Neste
dizer, é 'aquela em que o devedor, mesmo diapasão, oportuno
por ser titular de um direito ressaltar que o condutor é o
sobre uma coisa, fica sujeito a responsável pelo pagamento de
uma determinada prestação que, quantias oriundas de infração à
por conseguinte, não derivou da legislação de trânsito, na forma
manifestação expressa ou tácita como estatui o art. 257, § 3º do
de sua vontade. Código de Trânsito Brasileiro:
'Ao condutor caberá a
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responsabilidade pelas infrações Frise-se que o registro perante o
decorrentes de atos praticados na órgão de trânsito é necessário
direção do veículo'. 4. Logo, sob para fins de controle e
qualquer aspecto que se analise a fiscalização, mas não pode ser
demanda, seja sob a ótica do considerado ato que atribui a
Direito Civil ou Código de propriedade, prevalecendo,
Trânsito Brasileiro, necessário apenas, a presunção juris
considerar a correição da r. tantum, ou seja, o registro no
sentença. "No mesmo sentido, o Detran vale até prova em
juízo monocrático consignou às contrário. Oportuno consignar,
fls. e-STJ 29/30, que: "Não se ainda, que a forma e o conteúdo
discute o mérito da autuação, do contrato de fls. 08 não foram
mas sim quem é o responsável impugnados pelo réu. No caso
pelo pagamento da multa. Sabe- vertente, há prova inequívoca de
se que o condutor do veículo foi ter ocorrido a alienação do
surpreendido, em 13 de maio de veículo antes de sua apreensão e
1999, quando realizava da lavratura da autuação,
transporte irregular, à margem conforme sobredito. Assim, o
da Lei Municipal 5.035/97, que autor não pode ser
veda o transporte coletivo de responsabilizado por débito do
passageiros não autorizado ou veículo quando já não era seu
permitido pelo Poder Público, proprietário, sendo cediço que
estabelecendo a pronta compete ao comprador
apreensão do veículo e providenciar a expedição do novo
condicionando sua liberação ao certificado do veículo (art. 123, §
pagamento de multa no valor de 1º, da Lei 9.503/97).(...) Assim,
R$ 1.500,00. O art. 2º do aludido restando inequívoco que a
diploma considera infrator a propriedade foi transferida antes
pessoa física ou jurídica da autuação, deve a autoridade
proprietária do veículo (fls. 35). A cancelar a multa imposta ao
partir de então, por constar dos proprietário antigo." Ad
registros do Detran ser o autor o argumentandum tantum, ainda
proprietário do veículo, ele foi que não realizada a transferência
autuado e notificado a pagar a de propriedade do automóvel
multa (fls. 10). Veio aos autos autuado junto ao DETRAN, nada
cópia do contrato particular de obsta que a prova da alienação se
compra e venda do veículo datado faça por outros meios, como se
de 20 de março de 1999 (fls. 08). deu no caso dos autos. É nesse
Já a cópia da autorização para sentido os seguintes precedentes
transferência recebeu a firma desta Corte de Justiça, senão
reconhecida da assinatura do vejamos: "ADMINISTRATIVO.
vendedor em 17 de maio de 1999 INFRAÇÃO DE TRÂNSITO.
(fls. 09), fato, contudo, que não ALIENAÇÃO DE VEÍCULO.
exclui a tradição como forma de TRADIÇÃO. AUSÊNCIA DE
aquisição do domínio. Conclui-se REGISTRO DE
que a propriedade do veículo foi TRANSFERÊNCIA JUNTO AO
transferida antes da autuação, DETRAN. 1. Ainda que
pela tradição quando da inexistente a comunicação de
assinatura do contrato, mesmo venda do veículo por parte do
com o posterior reconhecimento alienante, restando - de modo
da firma, pois, repise-se, é com a incontroverso - comprovada a
tradição que se transfere o impossibilidade de imputar ao
domínio da coisa móvel (artigos antigo proprietário as infrações
520, II, e 620 do Código Civil). cometidas, a responsabilização
solidária prevista no art. 134 do
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CTB deve ser mitigada. decisão. 2. O fato de não ter sido
Precedentes. 2. Recurso especial realizada a transferência de
a que se nega provimento."(REsp propriedade do automóvel
804.458/ES, Primeira Turma, autuado junto ao DETRAN não
Rel. Min. Teori Albino Zavascki, obsta que a prova da alienação se
DJe de faça por outros meios.
31.08.2009)"ADMINISTRATIVO Precedentes do STJ.(...) 14.
INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. Recurso especial provido." (REsp
ALIENAÇÃO DE VEÍCULO. 599.620/RS, Primeira Turma,
TRADIÇÃO. AUSÊNCIA DE Rel. Min. Luiz Fux, DJ de
REGISTRO DE 17.05.2004) Ex positis, NEGO
TRANSFERÊNCIA JUNTO AO PROVIMENTO ao agravo de
DETRAN. 1. 'O fato de não ter instrumento. Publique-se.
sido realizada a transferência de Intimações necessárias. Brasília
propriedade do automóvel (DF), 06 de setembro de 2010.
autuado junto ao DETRAN não MINISTRO LUIZ FUX Relator
obsta que a prova da alienação se (STJ - Ag: 1305403, Relator:
faça por outros meios' (REsp Ministro LUIZ FUX, Data de
599620/RS, 1ª T., Min. Luiz Fux, Publicação: DJ 17/09/2010)
DJ de 17.05.2004). 2. Recurso
especial a que se nega Além disso, é importante observar que em
provimento."(REsp 961.969/RS, razão da função social da propriedade, bem
Primeira Turma, Rel. Min. Teori como da boa-fé objetiva, quando
Albino Zavascki, DJe de estivermos diante de uma relação oriunda
01.09.2008)"PROCESSUAL de promessa de compra e venda de bem
CIVIL. ADMINISTRATIVO. imóvel, com efetivo exercício da moradia
OFENSA AOS ARTS. 480 e 481 pelo promitente comprador (houve a
DO CPC. INFRAÇÃO DE imissão na posse), restará afastada a regra
TRÂNSITO. PENALIDADE. da obrigação propter rem, devendo este ser
PRÉVIA NOTIFICAÇÃO. responsável pelas dívidas condominiais
AMPLA DEFESA E mesmo sem o devido registro da escritura
CONTRADITÓRIO. de compra e venda (e, consequentemente,
APLICAÇÃO ANALÓGICA DA sem a transmissão da propriedade).
SÚMULA 127/STJ. O CÓDIGO
DE TRÂNSITO IMPÔS MAIS Art. 1.227 CC/02: os direitos
DE UMA NOTIFICAÇÃO PARA reais sobre imóveis constituídos,
CONSOLIDAR A MULTA. ou transmitidos por atos entre
AFIRMAÇÃO DAS GARANTIAS vivos, só se adquirem com o
PÉTREAS CONSTITUCIONAIS registro no Cartório de Registro
NO PROCEDIMENTO de Imóveis dos referidos títulos,
ADMINISTRATIVO. salvo os casos expressos neste
PROCESSUAL CIVIL. Código.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO
CPC. INOCORRÊNCIA. 1. Art. 1.245, parágrafo primeiro,
Inexiste ofensa ao art. 535 do CC/02: enquanto não se registrar
CPC, quando o Tribunal de o título translativo, o alienante
origem, embora sucintamente, continua a ser havido como dono
pronuncia-se de forma clara e do imóvel.
suficiente sobre a questão posta
nos autos. Ademais, o magistrado
não está obrigado a rebater, um a
um, os argumentos trazidos pela
parte, desde que os fundamentos
utilizados tenham sido
suficientes para embasar a
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Nesse sentido vem decidindo o STJ, o qual Ex.2: Waldicreuza doa para Joeberson
admite a legitimidade passiva do um pedaço de terra, o qual fica obrigado,
promitente comprador nas ações de em razão da doação, a destinar,
cobrança de cotas condominiais: anualmente, 15% do total da safra
produzida no terreno, para Maytê.
"Se a ocupação a esse
título da unidade Além do aludido exemplo, também há ônus
imobiliária é conhecida reais quando observamos a hipoteca, o
pelo condomínio, mesmo penhor e a anticrese, os quais, como já
que a promessa de compra visto, enquadram-se na categoria de
e venda não tenha sido direitos reais de garantia, onerando o bem.
registrada no ofício
imobiliário" (REsp. A maior diferença entre a obrigação
657.506/SP, j. 7.12.2006). propter rem e a obrigação de ônus real é o
fato de que esta está limitada ao valor da
Por fim, especificamente em relação a coisa.
renúncia ao direito real, é importante
termos em mente que a mesma não Fácil de observar: enquanto o valor da
extingue a obrigação em si, podendo obrigação propter rem pode acabar
simplesmente liberar o renunciante. ultrapassando o valor da coisa, como
ocorre, por exemplo, se houver o acúmulo
Entretanto, a renúncia liberatória terá, de anos de IPTU não pagos, ou até mesmo
assim, efeitos apenas para o futuro, na incidência de IPTU progressivo, na
mantendo os débitos passados que foram obrigação de ônus reais observamos a
incorporados ao patrimônio do até então impossibilidade de oneração de um bem
proprietário. acima do seu principal.

Futuramente vocês entenderão melhor Recomendamos a leitura do artigo


esse ponto… Por favor, sem desespero!… “Contribuição ao estudo das obrigações
propter rem e institutos correlatos”, de
autoria de Tom Alexandre Brandão, o
OBRIGAÇÃO DE qual fora enviado pelo SIA.

ÔNUS REAIS Obrigada e sejam muito bem-


As obrigações de ônus reais muitas das vindos ao mundo dos DIREITOS
vezes são tidas como sinônimos de REAIS! Bom divertimento!
obrigações propter rem; entretanto, em
que pese semelhantes, são institutos
diversos.

Obrigação de ônus real acaba por limitar o


uso e o gozo (fruição) da propriedade,
constituindo verdadeiro gravame.

Como exemplo citamos a renda constituída


sobre imóvel, havendo um direito
temporário que grava determinado bem,
obrigando o proprietário a realizar o
adimplemento de prestações periódicas.

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"Toda a sensação de perda vem b) animus: constitui a intenção do
da falsa sensação de posse." possuidor de exercer o direito como
Luiz Gasparetto se proprietário fosse – sentir-se o
dono da coisa, mesmo não sendo.
POSSE Ou seja, somente se cogita em
posse se houver o animus
Poder físico (poder de fato) sobre a possidendi.
coisa.
P=C+A
“(...) a posse constitui um direito, com
natureza jurídica especial.” (TARTUCE, Por outro lado, caso alguém atue
32) materialmente sobre a coisa, havendo o
corpus, mas sem a existência do animus,
Para que possamos definir posse é teremos a DETENÇÃO, e não a posse:
imprescindível a compreensão das duas
maiores e mais importantes teorias que D=C–A
tratam do assunto.
Segundo esta teoria, são exemplos de
Com vocês, de um lado, a Teoria detentores: locatário, comodatária,
usufrutuário etc, os quais não possuem
Subjetiva (clássica) de Savigny; e qualquer intenção de se tornarem
proprietários dos respectivos bens, por
de outro, a Teoria questões óbvias!

Objetiva, de Ihering. Divirtam-se! Conclusão: os sujeitos mencionados não


gozam de proteção direta, inviabilizando a
utilização de ações possessórias -> NÃO
TEORIA SUBJETIVA – SAVIGNY
PODEM SER AUTORES DE
DETERMINADAS AÇÕES, AS QUAIS
Em 1803, Savigny, com um brilhantismo VEREMOS EM BREVE.
peculiar de um jovem de 24 anos, elaborou
sua monografia denominada “Das Recht A crítica em relação a tal doutrina repousa
des Besitzes” – O Tratado da Posse, no fato do excesso de autonomia privada
afirmando que a posse seria o poder que relativa à vontade, bem como a dificuldade
alguém tem de dispor materialmente da em demonstrar sua existência.
coisa, demonstrando verdadeira intenção
de tê-la para si, além de defendê-la contra Entretanto, foi justamente a partir de tal
a intervenção de quem quer que fosse. teoria que a posse começou a receber tutela
jurídica, observando a necessidade de
Verificamos, então, a presença de dois proteção à pessoa, manutenção da paz
elementos constitutivos: social e estabilização das relações
jurídicas.
a) corpus: traduz o controle material
da pessoa sobre a coisa, podendo Posse = Fato na origem; direito nas
dela se servir, dispor e apoderar. consequências – natureza jurídica eclética.
Não basta apenas o contato
corporal, mas deve haver,
também, a disponibilidade física
no sentido do indivíduo poder agir
imediatamente sobre a coisa “e
dela afastar toda a ação de
estranhos” (Nelson Rosenvald e
Cristiano Chaves, p. 63)

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Com o início da proteção da posse houve a
possibilidade do possuidor invocar os Posse = poder de fato.
interditos possessórios1 toda vez que o Propriedade = poder de direito.
estado de fato for violado, estando
totalmente desconectado e sem qualquer Sendo a posse situação fática de poder
dependência da comprovação da existência sobre a coisa, não nos importa a condição
de propriedade. jurídica de quem a exerce (proprietário ou
não proprietário), já que a posse recai
Na prática tal observação se revela sobre o bem, e não sobre o direito.
importantíssima, pois muitas das vezes
‘operadores’ do direito se valem de ações
possessórias com o nítido fito de proteger a
propriedade, conduta totalmente atécnica
e desprovida de embasamento jurídico, o
que pode inclusive levar um indeferimento
de plano da petição inicial.

EM AÇÃO POSSESSÓRIA SE DISCUTE


A POSSE, E NÃO A PROPRIEDADE2!

Deixaremos desde já consignado que esta


teoria NÃO foi adotada pelo Código Civil
de 2002, tendo espaço somente para fins Propriedade sem posse equivale a um baú
da usucapião, como demonstraremos em de tesouros sem a chave, pois a
tópico específico. ISSO É propriedade sem posse restará paralisada.
IMPORTANTÍSSIMO!
Em outras palavras, segundo a Teoria
TEORIA OBJETIVA (ou Objetiva de Ihering, o respeito à posse se
SIMPLIFICADA) – IHERING deve em razão da mesma corresponder à
exteriorização e complemento necessário à
Segundo Ihering, a posse constitui mero proteção da propriedade.
exercício da propriedade.
Consequentemente, seguindo tal
A título de conhecimento é interessante entendimento, os interditos possessórios
transcrevermos as palavras de Cristiano servem como proteção da propriedade, e
Chaves e Nelson Rosenvald sobre as não da posse em si mesma, mesmo que em
conclusões de Ihering: uma primeira análise culminem em
socorrer a posse (e, indesejavelmente, a
“O célebre romanista admite a figura do não proprietário).
anterioridade histórica da posse
em relação a propriedade, para Quanto aos elementos constitutivos, a
justificar a inferioridade daquela Teoria Objetiva estabelece a necessidade
em relação a esta. Na prática, da presença apenas do corpus.
traz para o direito o
determinismo darwiniano que P=C
expressa a evolução biológica
pela necessária precedência na Ou seja, há possibilidade de se reconhecer
natureza dos seres inferiores aos a posse por sua destinação econômica,
superiores.” (p. 64) independentemente de qualquer critério

1 Manutenção da posse; reintegração da posse; petitória possui como fundamento a propriedade,


interdito proibitório (ou legítima defesa da posse) enquanto as ações possessórias – ação de
2 Em que pese o assunto ser trabalhado em reintegração de posse, ação de manutenção de
Processo Civil, deixamos claro que a ação posse e interdito proibitório – tratam única e
exclusivamente da posse.
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subjetivo (manifestação volitiva do Ao contrário do que ocorre na Teoria
possuidor de ser dono), sendo suficiente Subjetiva (clássica), quando a Teoria
apenas que ele se comporte, perante a Objetiva dispensa a presença do animus
coisa, como se comportaria se proprietário domini acaba por estender a condição de
fosse – não estamos diante de uma relação possuidor àqueles que seriam, naquela,
subjetiva, mas sim de uma circunstância meros detentores, como é o caso de
objetiva em razão da conduta visível locatários, arrendatários etc. Como
diante da coisa. consequência, há proteção possessória
direta e imediata para tais sujeitos (art.
Não temos um QUERER, mas sim um 554 e seguintes do Código de Processo
AGIR. Civil).

Além disso, ao contrário do entendimento Suponhamos que Pedrosa alugue para


de Savigny, o corpus não corresponderia a Waldicreuza uma fazenda na região
possibilidade física de dispor da coisa, mas norte, apesar desta morar na região sul.
apenas a visibilidade da propriedade em Meses após o início do aluguel
seus elementos caracterizadores. Waldicreuza é cientificada de que a
fazenda fora invadida (violação que
“(...) nem a presença física, nem o juridicamente é denominada de
contato material, nem a esbulho).
presença, nem a custódia, são
elementos decisivos, portanto em Imediatamente Waldicreuza procura
cada caso teremos que indagar Pedrosa, o qual está viajando pelo
como se comportaria o mundo, impossibilitando qualquer
proprietário perante a coisa. A contato.
determinação do corpus é uma
questão de pura experiência e de Questiona-se: há alguma medida que
senso comum.” (C. Chaves e N. pode ser adotada por Waldicreuza?!
Rosenvald, p. 65)
Resposta: se adotarmos a Teoria
Exemplo: Subjetiva, Waldicreuza, por não ser
proprietária, não pode ajuizar ação
Waldicreuza mora em um bem imóvel reivindicatória (petitória); e, por outro
residencial. Há, assim, o exercício de um lado, também não é possuidora, o que
ato de apreensão, visto que a mesma impossibilita o ajuizamento de ação
confere à coisa o destino econômico possessória (por ser esbulho caberia
determinado. reintegração de posse). Waldicreuza
Por outro lado, em um loteamento seria apenas detentora e não
específico, Waldicreuza se beneficia de possuidora: não se pode pedir de volta o
um determinado lote, o qual encontra-se que não se tem!
sem qualquer ato de apreensão, ou seja,
Waldicreuza não realiza o Por outro lado, adotando-se a Teoria
aproveitamento direto no mesmo. Objetiva, a qual foi adotada por nosso
Entretanto, visto que o aludido terreno ordenamento jurídico, Waldicreuza
também cumpre seu destino econômico, seria possuidora, podendo manejar a
qual seja, reserva imobiliária à que se ação de reintegração de posse (ação
destina, podemos cogitar na existência possessória). Como não é proprietária,
de posse, a qual deve ser respeitada por não pode se valer de ação
terceiros. reivindicatória.

Verifica-se que em momento algum eu Importante também registrarmos, desde


mencionei que Wal é dona dos imóveis… já, que a teoria objetiva consagra a
Apenas que ela age como se dona fosse. coexistência de posses direta e indireta
(posses paralelas).

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A maior crítica existente em relação a tal Para facilitar a diferença de tais teorias,
teoria é o fato de que Ihering subordina a transcreveremos o ensinamento de
posse à propriedade, afastando sua Tartuce:
autonomia e reduzindo a posse a um
direito ínfimo. “Destaque-se o estudo que o
doutrinador faz da doutrina de
Resumindo, segundo a Teoria Objetiva, Perozzi, utilizando a feliz
para se falar em posse basta que a pessoa simbologia do sujeito que anda
disponha fisicamente da coisa, ou que ao com um chapéu por uma rua.
menos possa exercer esse contato, e que se Vejamos, na leitura feita por este
comporte como o dono comportaria. autor, com adaptações.

O Código Civil de 2002 adotou De acordo com a teoria de


parcialmente a Teoria Objetiva, conforme Savigny, é ele possuidor, pois tem
se afere em seu artigo1.196: a intenção de ser dono do chapéu
e se apresenta com o bem. A par
Art. 1.196 CC/02. Considera-se da teoria de Ihering, há posse
possuidor todo aquele que tem de porque a pessoa se apresenta com
fato o exercício, pleno ou não, de o chapéu, tendo o domínio fático
algum dos poderes inerentes à da coisa. Por fim, pela visão de
propriedade. Perozzi e Gil há posse diante do
reconhecimento e da aceitação da
Nem todo possuidor é proprietário. coletividade de que essa pessoa é
possuidora, além da destinação
Finalizando os estudos das teorias da que é dada ao chapéu.
posse, insta ressaltar que atualmente há (TARTUCE 34)
uma tímida mas forte corrente doutrinária
que defende a necessidade de se criar uma Com a teoria social da posse não se está
teoria mais moderna, a qual visa, acima de afirmando que a propriedade não possui
tudo, analisar a função social da posse – valor, mas só faz sentido falar em proteção
Teoria Social da Posse. da propriedade se o proprietário der
destinação social para a mesma. Os
Fortalecendo tal doutrina, a qual possui adeptos desta corrente afirmam que o
como integrantes, por exemplo, Flávio Direito serve à coletividade, e se o
Tartuce e Marco Aurélio Bezerra de Melo, indivíduo não possuir como parâmetro a
há o projeto 699/2011 em trâmite no coletividade para agir, não merece
Congresso Nacional com o fito de alterar o proteção.
teor do artigo 1.196 do Código Civil, o qual
poderá conter a seguinte redação: Quem tem a melhor posse, tem o melhor
direito.
“Art. 1.196. Considera-se
possuidor todo aquele que tem Finalizando tal estudo é importante
poder fático de ingerência mencionarmos o disposto no enunciado
socioeconômica, absoluto ou elaborado na V Jornada de Direito Civil,
relativo, direto ou indireto, sobre de 2011, com a seguinte redação:
determinado bem da vida, que se
manifesta através do exercício ou “A posse constitui direito
possibilidade de exercício autônomo em relação à
inerente à propriedade ou outro propriedade e deve expressar o
direito real suscetível de posse”. aproveitamento dos bens para o
alcance de interesses
existenciais, econômicos e sociais
merecedores de tutela”
(Enunciado n. 492).
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Independentemente da alteração ou não Art. 1.228, § 4º CC/02 - O
do artigo supramencionado, certo é que a proprietário também pode ser
função social da posse encontra-se privado da coisa se o imóvel
implícita em nossa legislação, reivindicado consistir em extensa
especialmente ao observarmos a área, na posse ininterrupta e de
valorização da posse-trabalho disposta nos boa-fé, por mais de cinco anos, de
artigos 1.238, parágrafo único; 1.242, considerável número de pessoas,
parágrafo único, e 1.228, §§ 4.º e 5.º e estas nela houverem realizado,
(desapropriação judicial privada por posse em conjunto ou separadamente,
trabalho), todos do atual Código Civil. obras e serviços considerados
pelo juiz de interesse social e
Art. 1.238 CC/02. Aquele que, por econômico relevante.
quinze anos, sem interrupção,
nem oposição, possuir como seu § 5º - No caso do parágrafo
um imóvel, adquire-lhe a antecedente, o juiz fixará a justa
propriedade, independentemente indenização devida ao
de título e boa-fé; podendo proprietário; pago o preço, valerá
requerer ao juiz que assim o a sentença como título para o
declare por sentença, a qual registro do imóvel em nome dos
servirá de título para o registro possuidores.
no Cartório de Registro de
Imóveis. -----------------------------
Facilitando...
Parágrafo único. O prazo
estabelecido neste artigo reduzir- Teoria Subjetiva Teoria Objetiva
se-á a dez anos se o possuidor
houver estabelecido no imóvel a Posse: poder físico Posse: O corpus
sua moradia habitual, ou nele imediato sobre a coisa configura-se
realizado obras ou serviços de por quem tem a sempre que alguém
caráter produtivo. vontade de ser dono e age como se fosse
se defende contra dono da coisa, ou
Art. 1.242 CC/02. Adquire agressões. seja, quando
também a propriedade do imóvel exterioriza o
aquele que, contínua e domínio, ainda que
incontestadamente, com justo sabidamente não
título e boa-fé, o possuir por dez seja dono.
anos. Corpus + Animus Apenas o corpus
Corpus – controle Destinação
Parágrafo único. Será de cinco
físico imediato. econômica da coisa.
anos o prazo previsto neste artigo
Existe o corpus:
se o imóvel houver sido
segurar uma caneta,
adquirido, onerosamente, com
sentar em uma
base no registro constante do
poltrona, pegar um
respectivo cartório, cancelada
celular, ter ao seu
posteriormente, desde que os
alcance imediato
possuidores nele tiverem
inúmeros livros
estabelecido a sua moradia, ou
localizados no cômodo
realizado investimentos de
onde se encontra
interesse social e econômico.
naquele momento.
Não existe o corpus:
quem está em um
shopping passeando e
tem uma caneta, uma
poltrona, um celular e
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livros em seu Nessa três hipóteses temos o exercício de
escritório, não teria o um poder de fato, mas em nome alheio.
corpus.
Detentor: exercício, em nome alheio, de
um dos poderes inerentes à
Posse versus Detenção propriedade.

A forma primordial para se averiguar se


Ao operador do Direito é VEDADO tratar
alguém é detentor ou possuidor de
posse e detenção como termos sinônimos.
determinada coisa é a análise se a posse é
exercida de forma direta (em nome
Observemos o disposto nos artigos 1.198, e
próprio) ou em nome de outrem.
1.208, ambos do Código Civil de 2002:

Art. 1.198 CC/02. Considera-se Exemplos mais tradicionais de


detenção:
detentor aquele que, achando-se
Waldicreuza é caseira em uma mansão
em relação de dependência localizada no interior de Fernando de
para com outro, conserva a posse Noronha, sendo responsável,
em nome deste e em juntamente com seu marido, por cuidar
cumprimento de ordens da horta, dos animais e da residência
principal, onde dormem diariamente.
ou instruções suas. Ambos são detentores e não possuidores
dos bens mencionados. (Relação de
Parágrafo único. Aquele que
trabalho ou de emprego, em que o
começou a comportar-se do modo
empregador entrega bem de sua
como prescreve este artigo, em
propriedade ao trabalhador, diante de
relação ao bem e à outra pessoa,
uma relação de confiança decorrente do
presume-se detentor, até que
contrato).
prove o contrário.
Waldicreuza e Eleoberto resolvem
Art. 1.208 CC/02. Não induzem
comemorar o aniversário de casamento
posse os atos de mera permissão
em um luxuoso hotel. Ao chegar no local,
ou tolerância / assim como não
entregam o veículo para o manobrista
autorizam a sua aquisição os atos
(contrato de depósito). Neste caso, o
violentos, ou clandestinos, senão
hotel é possuidor do carro, face o
depois de cessar a violência ou a
contrato atípico com elementos do
clandestinidade.
depósito. Por outro lado, o manobrista é
detentor, já que o veículo fora entregue
Vamos por partes, já que a legislação trata
em nome do hotel, com quem possui
de três tipos diferentes de detentores.
relação de subordinação.
Também denominado fâmulo de posse,
Eleoberto resolve vender seu veículo.
gestor da posse, detentor dependente ou
Face a dificuldade em encontrar
servidor da posse, esse tipo de detentor
compradores, decide entregá-lo em uma
tem o bem exclusivamente em decorrência
revendedora. Nesse caso, segundo
de uma situação de dependência
julgamentos do TJSP (TJSP, Apelação
econômica ou um vínculo de subordinação.
0957508-2/00), há mera detenção da loja
de revendas, com simples custódia do
Também é detentor aquele que está
bem móvel.
utilizando o bem por mera tolerância ou
Waldicreuza convida uns parentes para
permissão do proprietário ou do possuidor.
passar algumas semanas em sua casa
em frente à praia de Ipanema – RJ. Wal,
Face ao ato de mera custódia não se pode
a qualquer momento, poderá colocar
cogitar a existência de posse nessas
ordem na casa, determinando horário de
situações.
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entrada e saída, por exemplo, já que Conforme trecho da ementa do
seus parentes não são possuidores, mas acórdão, “na hipótese, o veículo
meros detentores e lhe devem foi deixado na concessionária
obediência -> permissão. pela proprietária somente para a
realização de reparos, sem que
Como consequência da ausência de posse, isso conferisse à recorrente sua
ao detentor é vedada a utilização de posse. A concessionária teve
quaisquer das ações possessórias, bem somente a detenção do bem, que
como usucapir. Entretanto, lhe é possível ficou sob sua custódia por
a defesa da posse alheia por meio da determinação e liberalidade da
autotutela disposta no artigo 1.210, proprietária, em uma espécie de
parágrafo 1º, do Código Civil de 2002: vínculo de subordinação. O
direito de retenção, sob a
Art. 1.210, § 1º CC/02 - O justificativa de realização de
possuidor turbado, ou esbulhado, benfeitoria no bem, não pode ser
poderá manter-se ou restituir-se invocado por aquele que possui
por sua própria força, contanto tão somente a detenção do bem”
que o faça logo; os atos de defesa, (STJ, REsp 1.628.385/ES, 3.ª
ou de desforço, não podem ir além Turma, Rel. Min. Ricardo Villas
do indispensável à manutenção, Bôas Cueva, j. 22.08.2017, DJe
ou restituição da posse. 29.08.2017). (TARTUCE 41)

Nesse sentido, segue enunciado da V FACILITANDO...


Jornada de Direito Civil:
Com o intuito de facilitar a identificação da
“O detentor (art. 1.198 do Código detenção, faremos uso do disposto no
Civil) pode, no interesse do artigo 1.253 do Código Civil de Portugal:
possuidor, exercer a autodefesa
do bem sob seu poder” São havidos como detentores ou
(Enunciado n. 493). possuidores precários:
a) os que exercem o poder de
Também vale transcrever o ensinamento facto sem intenção de agir
de Tartuce quanto a limitação de atuação como beneficiários do direito;
do detentor: b) os que simplesmente se
aproveitam da tolerância do
Voltando-se a ilustração concreta titular do direito;
do Superior Tribunal de Justiça, c) os representantes ou
entendeu a Corte, em aresto de mandatários do possuidor e,
2017, que a concessionária de de um modo geral, todos os
veículos incumbida de fazer o que possuem.
reparo de um automóvel é mera
detentora e não possuidora do Ainda sobre a detenção, na IV Jornada de
bem. Sendo assim, não é o caso de Direito Civil de 2006, foi aprovado o
se reconhecer o direito de Enunciado n. 301 do CJF/STJ,
retenção da coisa, diante da falta determinando a inversão do caráter da
do pagamento de serviços que posse (ou transmutação da posse) ao
foram por ela prestados, nos prescrever que
termos do que consta do art.
1.219 do Código Civil. “É possível a conversão da
detenção em posse, desde que
rompida a subordinação, na
hipótese de exercício em nome
próprio dos atos possessórios”.

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Assim, desaparecendo o vínculo de Também se faz oportuno frisar que aquele
dependência e de subordinação que ostentava a condição de possuidor
previamente existente, como é o caso do direto poderá se tornar detentor, na
contrato de trabalho, por exemplo, não condição de servidor da posse.
haverá mais mera detenção, mas sim
posse, podendo o novo possuidor desfrutar É o exemplo do comodatário que começa a
de todos os efeitos materiais e processuais receber pagamentos periódicos do
decorrentes do novo título, inclusive os proprietário com o intuito de conservação
instrumentos de defesa. do imóvel, havendo nítidas instruções
quanto às devidas manutenções. Nesse
O fundamento legal para tal conversão caso, o possuidor indireto (mesmo que sem
(chamada de TRASMUTAÇÃO) é o tal intenção), rompe o vínculo negocial
parágrafo único do artigo 1.198 CC/02, originário (comodato), transformando a
supratranscrito, cumulado com o artigo posse em detenção. Atenção: sei que ainda
1.204 CC/02: não explicamos posse indireta e posse
direta (desdobramento da posse – posses
Art. 1.204 CC/02. Adquire-se a paralelas), mas marque esta página para
posse desde o momento em que se ler novamente no final deste capítulo que
torna possível o exercício, em tudo fará mais sentido!)
nome próprio, de qualquer dos
poderes inerentes à propriedade. Também não há posse decorrente de atos
de mera permissão ou tolerância, conforme
Nesse sentido: disposto no artigo 1.208, primeira parte,
do Código Civil de 2002, o qual já fora
“Ação possessória. Indeferimento transcrito.
da petição inicial sob o
fundamento de existência de As situações de permissão ou tolerância
mera detenção. Possibilidade de são facilmente verificadas quando estamos
conversão da detenção em posse, diante de relações de parentesco,
com o rompimento da vizinhança, hospedagem ou mera
subordinação relativa àquela caridade, ocasião em que uma pessoa
possibilidade da modificação do exerce ato de mera detenção sobre
caráter originário da posse. Fatos determinado bem.
afirmados com a inicial que
merecem ser melhor examinados Quem nunca ouviu a frase: “Enquanto
sob o crivo do contraditório. estiver sob o meu teto tem que me
Impossibilidade, entretanto, de obedecer!”.
concessão de liminar. Recurso
provido para ser anulada a Há, nesses casos, situação de dependência
decisão, a fim de se propiciar o perante o real possuidor. E, observe: não é
processamento, sem liminar, da dependência econômica!
ação” (TJSP, Apelação 7170778-
3, Acórdão 3468220, Piratininga, Desta forma, quando Waldicreuza convida
17.ª Câmara de Direito Privado, seu vizinho Leanderson para assistir um
Rel. Des. Paulo Pastore Filho, j. jogo em sua casa, este nunca será
28.01.2009, DJESP 09.03.2009). possuidor da poltrona que ocupa, sendo
mero detentor da mesma.
Atenção: o servidor (ou servo) da posse tem
o dever de conservar a coisa, mas poderá Da mesma forma, quando Waldicreuza
(deverá) requerer a restituição de todas as convida seus pais para passarem uma
despesas necessárias à tal ato. temporada em sua casa, estes serão meros
detentores, e não possuidores dos
aposentos.

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Permissão Tolerância Entretanto, seguindo a doutrina de
Comportamento Conduta Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald,
positivo e prévio. negativa; julgamos necessárias tais distinções.
Autorização. consentimento Inclusive, ressalta-se que o fâmulo da
tácito do uso. Não posse não possui interesse no bem,
oposição. obedecendo às ordens do real possuidor
(que pode ou não ser o proprietário); por
Eis transcrição dos exemplos de Cristiano outro lado, quando há relação de
Chaves e Nelson Rosenvald: permissão ou tolerância, a detenção é
interessada, pois o detentor extrai proveito
“quando A permite verbalmente próprio da coisa, satisfazendo seus
que seu vizinho B utilize a sua interesses econômicos.
vaga de garagem, no prédio em
que ambos residem, poderá a
qualquer tempo revogar o
consentimento, sem que o
usuário B a tal possa opor-se.”
(Exemplo de permissão – p. 135)
Por fim, ainda seguindo os ensinamentos
“se B guarda o seu veículo na de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald,
vaga de garagem de seu vizinho temos a denominada DETENÇÃO
A sem qualquer permissão AUTÔNOMA.
prévia, é possível caracterizar os
atos materiais de utilização da Estabelece a parte final do artigo 1.208
coisa como de mera tolerância, CC/02:
tendo em vista que o usuário B
tem a perfeita noção de que a Art. 1.208 CC/02. (…) assim como
passividade de A decorre de sua não autorizam a sua aquisição os
condescendência, sendo que essa atos violentos, ou clandestinos,
atitude de benevolência é senão depois de cessar a violência
fundamental para que continue ou a clandestinidade.
utilizando a vaga de garagem”
(Exemplo de tolerância – p. 135) Constata-se, assim, que os doutrinadores
que seguem a teoria que aceita a detenção
“Se A permanece no imóvel de autônoma (Critiano Chaves e Nelson
propriedade de B por longos Rosenvald, por exemplo), interpretam tal
anos, em virtude do abandono do artigo de forma a esclarecer que enquanto
titular, não será possível a B a violência ou a clandestinidade não
alegar que tolerou a presença de cessarem, não há o que se falar em posse,
A. Nessa hipótese, B foi desidioso mas mera detenção.
e inerte, e A agiu como possuidor,
sendo factível a usucapião sobre Ao contrário dos demais tipos de detenção,
o imóvel” (p. 135) aqui não há nenhum caráter de
subordinação ou ordem de terceiros, nem
Interessante que muitas doutrinas como a consentimento ou benevolência. Pelo
de Flávio Tartuce não se preocupam com o contrário, a conduta do sujeito vai contra
aprofundamento das questões relativas à os interesses do legítimo possuidor. O
permissão e tolerância, havendo, poder de fato é em nome próprio, ao
inclusive, o tratamento do fâmulo da posse contrário dos demais tipos de detenção,
como sinônimo de detentor, conduta pela mas viola os direitos do possuidor, vai
qual não concordamos, pois realmente são contra sua vontade, é um ato ilícito!
institutos diversos – ou seja, o fâmulo da
posse é apenas um dos tipos de detenção
(no total, são 3 + 1 (detenção autônoma!).

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Mas cuidado, isso não quer dizer que a A explicação é simples: tendo em vista o
violência e a clandestinidade sempre poder exercido sobre a coisa, a posse é
inviabilizarão a posse. Observe que a parte situação de fato, e os efeitos deste exercício
final do artigo é expressa ao afirmar: lhe conferem caráter de direito (proteção
‘senão depois de cessar a violência e a ao possuidor).
clandestinidade’.
Aprofundando um pouco mais tal teoria,
Isso quer dizer que enquanto houver ato de Rosenvald e Cristiano Chaves ainda
violência ou ato clandestino (por exemplo, realizam a seguinte divisão:
uma família que entra e sai do imóvel na
calada da noite, sem que ninguém a) Posse como direito real ->
perceba), não há posse. Entretanto, a proprietário possuidor;
partir do momento que a mesma família b) Posse como direito obrigacional ->
passar a abrir janelas, acender luzes, possuidor não proprietário onde a
entrar pela porta da frente etc, estaremos posse possui como fundamento um
diante de uma posse (neste caso, posse negócio jurídico (ex: aluguel); e
injusta, conforme veremos adiante!). c) Posse como situação de fato -> ex:
ocupação.
Ou seja, mesmo no caso de detenção Adeptos: Savigny; Conselheiro Lafayette;
autônoma é possível ocorrer a Spencer Vampré; Nelson Rosenvald e
transmutação da posse -> conversão da Cristiano Chaves de Faria.
detenção em pose!
Quanto a posse como direito real, em que
pese até a presente data não nos filiarmos
Natureza Jurídica da a tal corrente, temos que admitir que nos
Posse últimos anos ela ganhou grande força e até
que possui forte embasamento jurídico (a
posse é erga omnes; em todos os direitos
A natureza jurídica da posse é outro tema reais há a posse de forma intrínseca etc).
que demanda muita atenção face os Quem sabe em breve não mudaremos de
profundos debates doutrinários existentes. posicionamento?!

Podemos dividir as teorias da posse em Teoria da Posse como DIREITO


três categorias: SUBJETIVO

Teoria da Posse como ESTADO DE A terceira teoria, adotando um


FATO posicionamento diverso da primeira,
trabalha a posse como direito subjetivo,
Os adeptos de tal corrente afirmam que a visto ser um direito juridicamente
posse constitui apenas uma situação de protegido.
fato. É como nascer; como constituir união
estável. Do nada acontece… O simples fato da posse estar atrelada a
uma situação fática não desconfiguraria
Adeptos: Clóvis Beviláqua; Pontes de seu caráter de direito subjetivo,
Miranda; Sílvio Rodrigues; César Fiuza. enquadrando, inclusive, na categoria de
DIREITO REAL.

Adeptos: Ihering; Orlando Gomes; Caio


Teoria ECLÉTICA
Mário Pereira da Silva; Maria Helena
Diniz; Tito Fulgêncio.
Esta segunda corrente afirma que a posse
seria tanto um estado de fato quanto um
direito.

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Seguindo a doutrina de Tartuce, traremos
Classificações da Posse alguns outros exemplos:

A posse pode ser classificada de inúmeras O depositário tem a posse direta e o


maneiras, sendo certo que para a integral depositante a posse indireta.
compreensão de tal instituto torna-se O usufrutuário tem a posse direta e o
fundamental a análise das mais nu-proprietário (proprietário sem o
importantes modalidades. direito de uso e gozo) a posse indireta.
O comodatário tem a posse direta e o
I. Classificação quanto à relação comodante, a indireta.
pessoa-coisa ou quanto ao
DESDOBRAMENTO Tratando do desdobramento da posse em
posse direta e posse indireta temos a
Primeiramente devemos observar a redação do artigo 1.197 do Código Civil /02,
relação existente entre o sujeito ativo e, como complementação, o Enunciado 76
(HOMEM) e a coisa específica. do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil:
Nesse aspecto classificamos a posse como: Artigo 1. 197 CC/02 - A posse
direta, de pessoa que tem a coisa
a) Posse DIRETA ou IMEDIATA: é em seu poder, temporariamente,
aquela exercida por quem efetivamente em virtude de direito pessoal, ou
possui a coisa materialmente, havendo real, não anula a indireta, de
poder físico sobre a coisa (ao menos em quem aquela foi havida, podendo
tese). o possuidor direto defender a sua
posse contra o indireto.
! O possuidor que tem o poder de uso,
independentemente dos demais, Enunciado n. 76 do CJF/STJ, da
exerce a posse DIRETA. ! I Jornada de Direito Civil - O
possuidor direto tem direito de
Atenção: doutrina de Elpídio DONIZETTI defender a sua posse contra o
reforça a necessidade de se observar que a indireto, e este contra aquele
posse direta não exige, necessariamente, o (art. 1.197, in fine, do novo
uso de forma direta, bastando ao menos tal Código Civil).
possibilidade.
Há, assim, a possibilidade tanto do
Exemplo: Waldicreuza aluga um veículo possuidor direito quanto do possuidor
para viajar durante o final de semana. indireto invocarem, um contra o outro, a
Waldicreuza tem a posse DIRETA do proteção possessória (interditos
mesmo, inclusive enquanto o carro possessórios). Tal direito também é
estiver no estacionamento do hotel. conferido em relação a terceiros.

b) Posse INDIRETA ou MEDIATA: é Exemplo: Imagine que Waldicreuza


aquela exercida por intermédio de outrem, resolve viajar durante as férias,
havendo mero exercício de direito que, em deixando o imóvel em que reside (de
regra, decorre da propriedade. aluguel) fechado temporariamente –
possuidora direta. Ao retornar, se
Exemplo: proprietário de uma casa surpreende com a presença do
aluga a mesma para Waldicreuza. proprietário (locador / possuidor
Quando ele realiza o aluguel, transfere indireto).
a posse direta para aquela, Neste caso, tendo em vista o esbulho
permanecendo, entretanto, com a posse sofrido, caberá ação de reintegração de
indireta. posse, onde Waldicreuza será a autora e
o locador/proprietário o réu, sob o
argumento de que o contrato de locação

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encontrava-se vigente e válido e deveria POSSE DIRETA E POSSE INDIRETA
ser respeitado! Posse direta (PD)
PD = Corpus (no mínimo o poder de
Outro exemplo bem interessante: usar)
Posse indireta (PI)
Suponhamos que Waldicreuza não PI = corpus – poder de uso
esteja pagando o aluguel da forma
acordada (aluguel de imóvel urbano). II. Classificação quanto a presença de
Após várias negociações, locador e vícios
locatária resolvem pela desocupação
voluntária do imóvel no prazo de dois Em razão do disposto no artigo 1.200
meses. Em que pese o esgotamento do CC/02 (É justa a posse que não for
prazo, Waldicreuza não desocupa o violenta, clandestina ou precária), é
imóvel, permanecendo com a posse possível realizarmos a seguinte
direta. classificação:
Por meio de uma leitura apressada e
sem as cautelas devidas, poderíamos a) Posse Justa
acreditar que a ação cabível seria a de
reintegração de posse, a qual atuaria A posse justa não apresenta os vícios da
como autor o proprietário/locador. violência, da clandestinidade ou da
Entretanto, tal conclusão está precariedade.
equivocada! O correto seria ação de
despejo (arts. 5º e 9º, inciso I, ambos da Posse justa é aquela que não é injusta!
Lei 8.245/91). (JURA?!!!)

Nesse sentido, seguem julgados: Doutrinadores mais modernos como


Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald
“Despejo. O acordo para desfazimento entendem que tal artigo não é taxativo,
da locação estará revelado num distrato, mencionando apenas alguns dos vícios que
numa rescisão amigável, num a posse pode ter.
documento qualquer que comprove ter a
locação terminado mediante concessões b) Posse Injusta
recíprocas ou não, mas, sempre, por
vontade de ambos os contratantes. No Por outro lado, pasmem! Posse injusta é
entanto, em havendo o descumprimento aquela que apresenta os vícios da
da avença, o locador poderá ajuizar ação violência, da clandestinidade e da
de despejo, fincando seu pleito no inciso precariedade! Ou então, conforme
I, do art. 9.º do Estatuto Inquilinário. doutrina mais contemporânea, aquela
Recurso improvido” (TJSP, Apelação posse ilegítima.
Cível 772.237-0/1, São Paulo, 35.ª
Câmara de Direito Privado, Rel. 1. Posse violenta – constitui a posse
Mendes Gomes, 27.06.2005, v.u.). obtida por meio de força física ou
Por fim, mais um exemplo: Wal é violência moral (vis), inclusive por
locatária de uma casa residencial, mas meio de ameaça. O roubo é um
está deixando de pagar o aluguel. A exemplo comumente utilizado pela
locadora, Sra. Ananda, se dirige até a doutrina.
localidade e realiza, por conta própria, o
corte da energia elétrica. Neste caso, em
que pese o inadimplemento, Wal está
sofrendo uma turbação na sua posse,
cabendo, assim, ação possessória
denominada manutenção da posse.

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Ex.: Integrantes de um grupo ‘X’ clandestinamente, na ausência do
invadem violentamente uma possuidor, se, ao apresentar-se
propriedade rural que cumpre sua este, encontra resistência da parte
função social, utilizando armas, foices e do espoliador.
impedindo qualquer defesa por parte do
possuidor que lá se encontrava. É desde o momento da resistência
Enquanto durar a violência, não há o que, para o legislador, começa a
que se falar em posse, mas mera posse violenta”.3
detenção autônoma. Entretanto, assim
que a violência cessar, inicia-se a posse É psicológica ou moral a violência
injusta pela violência. na posse que se estabelece
mediante a intimidação, as
Há certa divergência doutrinária quanto a ameaças de um mal considerável,
possibilidade da violência ser empregada que levam a pessoa a abandonar o
somente em relação à coisa, e não ao seu bem. Incluem-se, neste meio, as
possuidor legítimo ou proprietário. manobras chantagistas, como
ameaça de morte, de difamação, de
Tartuce entende que a violência pode ser acusação sobre fatos atentatórios à
empregada tanto em relação à coisa, moral ou à família, de modo a levar
quanto em relação à pessoa. o possuidor à execração pública ou
ao repúdio da sociedade.”
Entretanto, corrente majoritária afirma RIZZARDO, Arnaldo. Direito das
que a posse só será violenta se for Coisas, 8ª edição. Forense,
adquirida mediante violência contra o 09/2016. 38-39.
possuidor ou contra quem exercia a posse
em nome dele (detentor). Entendemos,
com a data vênia, que a violência pode ser Atenção!!!!!!!
exercida contra quem quer que se encontre Segundo o doutrinador Serpa Lopes e
nas proximidades do bem, inclusive, se for Antonio Joaquim Ribas, a posse será
o caso, contra vizinhos que queiram violenta inclusive quando alguém se
auxiliar sua manutenção. introduz em uma propriedade na
ausência do possuidor, não tendo
Nesse sentido, segue ensinamento de encontrado ninguém. A violência é
Arnaldo Rizzardo: concretizada quando o possuidor é
impedido de nela reentrar, conforme
“A violência, para se caracterizar, vimos na citação acima.
exige a realização de atos de força
ou coação, tanto no aspecto físico, Além disso, a posse será efetivada quando
como psicológico ou moral. cessar a reação de defesa (eventual adoção
do desforço imediato do artigo 1.210,
A força física envolve a ocupação parágrafo 1º do CC/02, mencionado em
por meios que impeçam a reação breve), ou seja, enquanto a ‘porradaria
da pessoa, em que predominam a comer solta’, ainda não há a posse injusta
força, a agressão ou o poder das pela violência. -> detenção autônoma.
armas. A posse com violência
física, segundo já enfatizava
Antonio Joaquim Ribas, “é aquela
que se adquire usando da força 2. Posse clandestina – obtida às
para tomar a coisa móvel ao escondidas, de maneira oculta, na
anterior possuidor, ou para expeli- calada da noite, sem publicidade…
lo do seu prédio que possui, ou Assemelha-se ao furto.
para impedir a sua entrada neste.
Indiferente é que a ocupação do
prédio tenha começado

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É a posse realizada totalmente à revelia de Nessas duas hipóteses (posse violenta e
quem possui direitos sobre o bem, mas isso posse clandestina), a posse está viciada na
não quer dizer que outras pessoas não origem, ou seja, o bem foi adquirido de
possam constatar sua existência. A forma violenta ou clandestina, mas os atos
ocultação é em relação à pessoa que tem de clandestinidade e violência não mais
interesse em recuperar a coisa possuída, existem quando se iniciou a posse!
podendo estar ‘escancarada’ em relação
aos demais. 3. Posse precária – obtida em razão
do abuso de confiança ou do
Entretanto, atenção: mesmo que os demais direito. Assemelha-se ao
percebam a existência da posse, é estelionato ou à apropriação
importante restar demonstrado que o indébita.
arrebatador agiu sorrateiramente, com o
intuito de camuflar o ato de subtração. É A posse precária “nasce” justa, e torna-se
aquele ato em que o vizinho fofoqueiro injusta quando há a negativa de
percebe que tem alguma coisa errada, restituição! Ok?!
verifica que alguém está entrando no
imóvel todos os dias após X horário, mas Locatário de um bem móvel que, ao final
fica na dele… do contrato, deixa de devolver o mesmo
– término da relação jurídica de direito
Integrantes de um grupo ‘X’ invadem, à real ou obrigacional que originou a
noite e sem a utilização de qualquer posse.
violência, propriedade rural que cumpre
sua função social. Não houve, em Ex: A filha da Waldicreuza, Creuzinha,
momento algum, emprego de violência pegou um livro emprestado na
ou ameaça. biblioteca da escola (comodato). Ao
Alteração da marcação em gados. término do prazo previamente
Alteração de divisas. estipulado, simplesmente deixa de
devolver.
Cuidado: posse pressupõe publicidade! Waldicreuza é possuidora direta de um
Assim, não se fala em posse clandestina imóvel em razão de contrato escrito de
propriamente dita, mas sim na aquisição comodato por prazo determinado (4
da posse de forma clandestina. Ou seja, há anos). Ao término do prazo, Waldicreuza
a posse a partir do momento em que a recusa-se a devolver o bem ao
ocupação se torna pública e ostensiva, proprietário Leanderson (possuidor
ocasião em que a vítima passa a ter ciência indireto). Nesse caso, a posse que antes
da violação de seu direito – cessada a era justa tornou-se injusta pela
clandestinidade – detenção autônoma. precariedade.
Cuidado! NÃO HÁ posse precária na
Entrou em ‘off’ mas agora se comporta situação em que aquele que inicialmente
como o dono comportaria. Lembram-se era detentor resolve permanecer no bem
da Teoria Objetiva?! após a extinção da relação de
subordinação. Nesse caso a posse
realmente será injusta, podendo ocorrer
em razão da clandestinidade ou da
violência, mas não pela precariedade, já
que esta necessita de prévia posse justa, a
qual é transmutada em injusta em
decorrência do abuso de confiança e a
recusa na restituição.

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ATENÇÃO: os vícios são isolados e NÃO Essa posse poderia voltar a ser justa?! Ou
cumulativos, ou seja, basta a presença de seja, é possível se falar em interversão do
ao menos um dos vícios para configurar a caráter da posse?!
posse injusta.
Se estivermos diante de um ato bilateral, é
Precisamos esclarecer, ainda, que mesmo inegável a possibilidade de se ter uma
sendo injusta, a posse continua sendo interversão da posse injusta em justa. Mas
posse, e pode ser defendida pelas ações e diante de ato unilateral, ou seja, um
possessórias! Mas, por questões óbvias que locatário que simplesmente para de pagar
tal defesa não será em relação a quem se o aluguel e não devolve as chaves, poderá
tirou a coisa, mas em face de terceiros. em algum momento se tornar possuidor
justo e com animus domini, ou seja, com
Dessa forma, podemos afirmar que a posse intenção de ser dono, e poder até mesmo
só é viciada em relação a uma determinada adquirir a propriedade daquele imóvel por
pessoa (efeito Inter partes). meio da usucapião?

Ademais, parte da doutrina ensina que o Doutrina tradicional nega veementemente


artigo 1.208 CC/02 estabelece que a posse tal possibilidade, afirmando que não há
injusta por violência ou por qualquer possibilidade de alterar o caráter
clandestinidade pode ser convalidada. da posse de forma unilateral.
Nesse caso, foge daquela regra de que só se
tornará posse após a cessação dos atos de Entretanto, a doutrina mais moderna têm
violência e de clandestinidade. admitido tal alteração com fundamento na
função social da posse. Ora, se o possuidor
Vejamos: esbulhado manter-se inerte, sem praticar
qualquer ato no sentido de obter de volta a
Art. 1.208 CC/02. Não induzem posse que ilegitimamente fora lhe retirado,
posse os atos de mera permissão não cabe ao Direito protege-lo ad eternum.
ou tolerância assim como não
autorizam a sua aquisição os atos Ok… Mas, afinal, quando podemos falar
violentos, ou clandestinos, senão em convalidação da posse injusta em tais
depois de cessar a violência ou a casos?!
clandestinidade.
Com base no artigo 558 do Código de
Observe que para tal corrente o artigo Processo Civil de 2015, a doutrina
acaba afastando a regra geral de que a majoritária ensina que com um ano e um
posse mantém o mesmo caráter com que dia, a contar do ato de violência ou de
foi adquirida (princípio da continuidade do clandestinidade, a posse deixa de ser
caráter da posse). injusta, tornando-se justa.

Art. 1.203 CC/02. Salvo prova em Observemos o que dispõe o aludido artigo:
contrário, entende-se manter a
posse o mesmo caráter com que Art. 558 CPC/15 - Regem o
foi adquirida. procedimento de manutenção e
de reintegração de posse as
Estamos diante de um fenômeno normas da Seção II deste
denominado de INTERVERSÃO DA Capítulo quando a ação for
POSSE. proposta dentro de ano e dia da
turbação ou do esbulho afirmado
Esse é um dos temas mais difíceis e mais na petição inicial.
polêmicos.
Nesse sentido é o ensinamento de Maria
Imagine uma posse injusta em razão da Helena Diniz.
precariedade, ou seja: era justa e se tornou
injusta em razão do abuso de confiança.
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Por outro lado, Flávio Tartuce segue a Por fim, ainda entendimento majoritário,
corrente até então minoritária (Marco insta esclarecer que a possibilidade de
Aurélio e Venosa), a qual estabelece a convalidação não ocorre quando a posse é
necessidade de se analisar a cessação no , já que representa um abuso
caso concreto, sempre observando a de confiança – não faz sentido se cogitar na
finalidade social da posse. possibilidade de usucapir, por exemplo,
algo que fora emprestado (viola inclusive a
Como justificativa para tal boa-fé).
posicionamento Tartuce esclarece:
Ok, pensando friamente até achamos
A princípio, imagine-se o caso de realmente injusto… Mas, como já
invasão de um imóvel em que os mencionamos acima, tudo depende do caso
ocupantes dão uma destinação à concreto e da função social…
área mais bem qualificada do que
os antigos possuidores, entrando Por outro lado, entendendo como possível
em cena a ideia de melhor posse, a cessação da precariedade, temos o
a partir de sua função social. Enunciado 237 da III Jornada de Direito
Nesse sentido, pensamos, a Civil do CJF/STJ:
alteração no caráter da posse
pode ocorrer antes de um ano e É cabível a modificação do título
um dia. Por outra via, imagine-se da posse – interversio
a hipótese em que a obtenção da possessionis – na hipótese em
posse de um veículo se deu por que o até então possuidor direto
meio de um homicídio. Essa demonstrar ato exterior
posse injusta, na opinião deste inequívoco de oposição ao antigo
autor, nunca poderá ser curada. possuidor indireto, tendo por
(TARTUCE, Flávio. Direito Civil efeito a caracterização do animus
- Vol. 4 - Direitos das Coisas, 10ª domini”.
edição. Forense, 12/2017.
VitalBook file.)
Constata-se, assim, que para Tartuce o
que importa não é o requisito temporal,
mas sim a função social da posse.
Realmente é o entendimento mais
plausível.
Assim, a partir do momento em que um
possuidor injusto em razão da
Temos total ciência da dificuldade em
precariedade demonstrar o nítido
assimilar o tema, uma vez que a
interesse de se tornar dono do bem –
classificação da posse é um dos mais
animus domini – falaremos em interversão
complexos de Direitos Reais.
do caráter da posse, iniciando, inclusive, a
Entretanto, sugiro que estude todas as
possibilidade de se cogitar na usucapião.
classificações, e depois volte neste ponto
para que facilite a compreensão.
Por fim, ainda em relação à posse injusta,
é importante observar que há hipóteses em
Além disso, enviamos no SAI alguns
que, em um primeiro momento,
artigos para leitura complementar, o
poderíamos concluir pela existência de
que certamente irá facilitar o estudo da
esbulho, mas, na verdade, o mesmo não
matéria.
existe, o que afasta a possibilidade de
propositura de ação possessória (ou
melhor, diminui a probabilidade do êxito
em uma ação possessória).

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Observem o seguinte exemplo: Entretanto, como já mencionamos, boa
parte da doutrina advoga que tal rol é
Waldicreuza é proprietária de uma casa meramente exemplificativo.
em um local extremamente ermo, a qual
encontra-se abandonada há certo Entretanto, o que é unânime é: se não há
tempo. Lucrécia, ao verificar as vício a posse é justa. Se a posse é justa não
características de abandono (janelas cabe interdito possessório, podendo no
quebradas, porta entreaberta, máximo discutir-se a propriedade.
escuridão permanente etc), entra no
imóvel e lá começa a residir. Redobrar a atenção
Há doutrinadores que consideram que a
Inicialmente poderia se pensar em ‘posse’ injusta em razão da violência ou
esbulho; entretanto, verifica-se que não da clandestinidade na verdade não
houve nenhum ato de violência, constitui posse, mas mera DETENÇÃO
clandestinidade ou precariedade, visto (já visto).
que o imóvel estava abandonado.
Além disso, tais doutrinadores afirmam
Assim, será inadmissível que que a posse nasce injusta e morre
Waldicreuza utilize de ação possessória injusta, em razão da regra de que a
contra Lucrécia sob a alegação de posse posse preserva o caráter pelo qual fora
injusta; entretanto, visto que adquirida. Nesse sentido: Cristiano
Waldicreuza é proprietária do aludido Chaves de Farias e Nelson Rosenvald
bem, poderá utilizar-se de ação (p. 149).
reivindicatória, com fundamento na
titularidade do bem. III. Classificação quanto a boa-fé

Aplica-se, aqui, o artigo 1.228 CC/02 -> Antes de mais nada, realizando uma
Lucrécia não possui causa capaz de retrospectiva à parte geral e ao direito
justificar o seu ingresso em imóvel obrigacional, é importante observarmos
alheio. que o Código Civil inegavelmente adotou o
princípio da ETICIDADE (ética!),
Mas, adiantamos, isso não quer dizer estimando as práticas guiadas pela boa-fé
que Waldicreuza sairá vencedora na (objetiva).
ação, já que, conforme artigo 1.275,
inciso III, CC/02, perde-se a Enunciado n. 363 do CJF/STJ, da
propriedade pelo abandono, atendendo IV Jornada de Direito Civil: “Os
certos requisitos (art. 1.276 CC/02). O princípios da probidade e da
juiz analisará o caso concreto, inclusive confiança são de ordem pública,
quanto a eventual incidência da estando a parte lesada somente
usucapião. obrigada a demonstrar a
existência da violação”.
Sabemos que a uma primeira análise tal
diferenciação é de extrema complexidade. Especificamente em matéria de Direitos
Mas o ponto focal é identificar se há a Reais encontramos a boa-fé explícita no
presença de um dos três modos viciosos artigo 1.201 do Código Civil:
citados para existir a posse injusta e a
possibilidade de eventual êxito em Art. 1.201 CC/02 - É de boa-fé a
demanda possessória – este pelo menos é o posse, se o possuidor ignora o
entendimento de Cristiano Chaves e vício, ou o obstáculo que impede
Nelson Rosenvald no sentido de que o a aquisição da coisa.
artigo 1.200 CC/02 possui um rol taxativo.

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Parágrafo único. O possuidor IV Jornada de Direito Civil,
com justo título tem por si a Enunciado n. 303 do CJF/STJ:
presunção de boa-fé, salvo prova “Considera-se justo título para
em contrário, ou quando a lei presunção relativa da boa-fé do
expressamente não admite esta possuidor o justo motivo que lhe
presunção. autoriza a aquisição derivada da
posse, esteja ou não
Interpretemos: materializado em instrumento
público ou particular.
Primeiro: a ignorância do vício define o Compreensão na perspectiva da
possuidor como de boa-fé. A mera dúvida função social da posse”.
em relação a existência do vício já afasta a
boa-fé. Além disso, o erro em relação a Temos então a primeira boa-fé objetiva do
existência do vício deve ser desculpável. Direito das Coisas - a fundada em justo
título!
Mas, que vícios seriam esses?! Justamente
os da violência, da clandestinidade ou os Exemplo de justo título é o compromisso
da precariedade. de compra e venda, esteja ele registrado
ou não na matrícula do imóvel.
Em outras palavras, o vício pode até estar
presente, mas é DESCONHECIDO - Doutrina mais moderna considera justo
DESCONHECIMENTO SEM CULPA. título inclusive aquele pedaço de papel
escrito a mão os dados da aquisição do
Assim, no caso da posse, a ausência de bem, a depender dos sujeitos envolvidos.
consciência significa a boa-fé subjetiva.
A boa-fé pode ser transformada em má-fé,
Segundo: como resultado lógico da conforme artigo 1.202 CC/02:
primeira conclusão, podemos afirmar que
se o possuidor sabe da existência de vício Art. 1.202 CC/02. A posse de boa-
(tenha sido por ele praticado ou não), ele fé só perde este caráter no caso e
estará de má-fé. desde o momento em que as
circunstâncias façam presumir
Terceiro: também falamos em boa-fé que o possuidor não ignora que
quando existir justo título que a possui indevidamente.
fundamente, mediante presunção
RELATIVA (ou seja, que enseja prova em Além disso, conforme se verifica pela
contrário!) – art. 1.201, parágrafo único leitura do Enunciado 303, o documento
CC/02). público ou particular não é indispensável
para que haja a comprovação da boa-fé e a
IV Jornada de Direito Civil,
caracterização do justo título, sendo a
Enunciado n. 302 do CJF/STJ:
“Pode ser considerado justo título função social da posse fator decisivo para
tal caracterização.
para a posse de boa-fé o ato
jurídico capaz de transmitir a
Observa-se que o possuidor de boa-fé tem
posse ad usucapionem,
direito à indenização pelas benfeitorias
observado o disposto no art. 113
úteis e necessárias eventualmente
do CC”.
realizadas na coisa, havendo, inclusive, a
possibilidade de retenção. Por outro lado, o
possuidor de má-fé terá direito apenas à
indenização, mas não à retenção, pelas
benfeitorias necessárias (princípio da
vedação do enriquecimento ilícito).

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Nesse sentido é o ensinamento dos artigos ocorrência; nemo sibi causam
1.219 e 1.220 do Código Civil, os quais possessionis mutare potest.
serão trabalhados quando estudarmos os Também é possível que alguém
efeitos da posse. possua de má-fé, embora não
tenha posse violenta, clandestina
A posse pode, assim, ser classificada em: ou precária” (Direitos reais...,
2004, p. 55).
a) Posse de boa-fé
Quem te disse que seria fácil?!
Encontra-se presente quando o possuidor
ignora os vícios ou os obstáculos que lhe Pois é! Mas vamos tentar facilitar…
impedem a aquisição da coisa ou do direito,
ou, então, quando existir justo título que
Posse injusta, mas de boa-fé:
justifique sua posse.

b) Posse de má-fé Aquisição de bem roubado, sem que o


adquirente saiba que a coisa foi retirada
de outrem violentamente.
Ocorre quando o possuidor tem ciência da
existência do vício, mas mesmo assim
exerce o domínio fático sobre a coisa. Seria, inclusive, crime de receptação se
houvesse o conhecimento do ilícito
(artigo 180 do Código Penal).
No caso de posse de má-fé o sujeito ativo
Posse justa, mas de má-fé:
(possuidor) não possui um justo título.

“Locatário que pretende adquirir o bem


De qualquer forma, como já mencionado
por usucapião, na vigência do contrato”
anteriormente, não se esqueça que, ainda
que de má-fé, o possuidor não perde o (TARTUCE 53)
direito de se socorrer de uma das ações
possessórias competentes para proteger a Na prática a distinção de posse de boa-fé e
sua posse de um ataque de terceiro! de má-fé é extremamente útil em razão
das consequências advindas para a
percepção de frutos (art. 1.214 CC/02),
indenização pela evicção (art. 1457 CC/02)
e/ou direito de retenção por benfeitorias
A classificação da posse quanto a (art. 1.219 CC/02), temas que serão
presença de vícios (justa ou injusta), tratados adiante, em EFEITOS DA
NÃO se confunde com a classificação POSSE.
quanto a boa-fé.
IV. Classificação quanto a presença de
Sem ‘mi-mi-mi’, transcreveremos o título
ensinamento de Orlando Gomes:
a) Posse com título
“Não há coincidência necessária
entre a posse justa e a posse de Existe uma causa representativa da
boa-fé. À primeira vista, toda transmissão da posse, como ocorre, por
posse justa deveria ser de boa-fé exemplo, diante da existência de um
e toda posse de boa-fé deveria ser contrato de locação ou de comodato.
justa. Mas a transmissão dos
vícios de aquisição permite que b) Posse sem título
um possuidor de boa-fé tenha
posse injusta, se a adquiriu de Pasme!
quem a obteve pela violência,
pela clandestinidade ou pela Não existe uma causa representativa da
precariedade, ignorante da transmissão da posse!

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Exemplo: alguém localiza um tesouro sem Waldicreuza, por meio de contrato verbal
ter essa intenção! de comodato, empresta seu apartamento
para seu primo Lureval, o qual ali
permanece por aproximadamente 6 anos.

Certo dia Waldicreuza pede o apartamento


de volta, ocasião em que, para sua
surpresa, Lureval se nega a ‘devolver’.

Imediatamente Waldicreuza contrata um


Não há uma vontade juridicamente advogado para lhe auxiliar, ocasião em que
relevante para que exista o ato jurídico. é expedida notificação para que Lureval
desocupe o imóvel no prazo de 30 dias.
Essa classificação se faz importante
quando tratamos de outros dois conceitos: Ultrapassado tal prazo, a posse se tornou
injusta (precária). Temos, então, uma
- ius possidendi: direito à posse decorrente posse velha (mais de seis anos), e uma
da propriedade (direito real) – posse com possível ação de força nova (menos de ano
título; e e dia – artigo 558 do CPC/15).

- ius possessionis: direito decorrente VI. Classificação quanto aos efeitos


exclusivamente da posse em si – posse sem
título (existe por si só). a) Posse ad interdicta

V. Classificação quanto ao tempo Sendo a regra geral, é aquela posse que


pode ser defendida pelas ações
a) Posse nova possessórias diretas.

É a que conta com menos de um ano e dia, Essa posse não conduz à usucapião.
ou seja, até um ano.
Exemplo: locador e locatário podem
b) Posse velha defender a posse de uma turbação
praticada por terceiro.
É a que conta com um ano e um dia, ou
mais.

Remetemos o aluno às ponderações das


páginas 21 e 22 da presente apostila,
especialmente em relação ao disposto no
artigo 558 do Código de Processo Civil.
b) Posse ad usucapionem

Exceção à regra, constitui na posse que se


prolonga por determinado tempo,
admitindo-se a aquisição da propriedade
pela usucapião, desde que atendidos os
Entretanto, importante reforçar que a
requisitos legalmente estabelecidos.
posse nova e posse velha NÃO SE
CONFUNDEM com ação de força nova e
ação de força velha, já que, em ! Posse usucapível !
determinados casos podemos ter uma
posse velha e ação de força nova. Quer
ver?!

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Nos aprofundaremos neste assunto em
oportunidade futura, mas desde já
deixamos consignado que a posse ad
usucapionem deve ser mansa, pacífica,
duradoura por determinado lapso
temporal, ininterrupta e com intenção de
dono (sim, aplicamos aqui a Teoria
Subjetiva de Savigny!).

FIM. #SQN

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Reforça-se que o exercício da posse por um
Composse compossuidor não pode excluir o direito do
outro.
Como regra geral a posse é exclusiva, não
podendo duas pessoas exercerem, ao Assim, Waldicreuza, casada, reside com
mesmo tempo, posses diferentes de uma seu marido Joelson. Durante uma briga
mesma coisa. não pode Waldinha impedir que Joelson
entre na casa.
Entretanto, há duas ressalvas:

- a primeira ocorre quando há o Há, inclusive, possibilidade de um deles


desdobramento da posse em direta e fazer uso das ações possessórias ou
indireta, como já vimos, o qual não fere a praticar a legítima defesa da posse (artigo
ideia de exclusividade da posse, pois 1.210, parágrafo 1º CC/02), no caso de
continua sendo uma única. atentado praticado por terceiro.

- a segunda ocorre quando a posse é Vejamos alguns casos de composse e


exercida por mais de um sujeito, no caso de reintegração de posse:
coisa indivisa, de cuja propriedade mais de
uma pessoa tem poderes. “Ação de reintegração de posse.
Autorização do cônjuge. 1. Não
E é justamente nesta segunda ressalva desfeita a sociedade conjugal a
que temos a composse, a qual ocorre comunhão dos bens acarreta a
quando duas ou mais pessoas exercem, ao composse, impondo-se a
mesmo tempo, poderes possessórios sobre incidência do art. 10, § 2.º, do
a mesma coisa indivisa (não é sinônimo de CPC para o ajuizamento da ação
indivisível!). de reintegração de posse. 2.
Recurso especial não conhecido”
(STJ, REsp 222.568/BA, Rel.
Min. Carlos Alberto Menezes
Direito, 3.ª Turma, j. 15.05.2000,
DJ 26.06.2000, p. 162).

“Reintegração de posse.
Concubina. Composse. É de
reconhecer-se a tutela
possessória à concubina que
permaneceu ocupando o
apartamento após a morte do
A composse pode ser decorrente de companheiro de longos anos e
contrato ou de herança (herdeiros antes de que postula, em ação própria, a
partilhar os bens). meação do bem adquirido na
constância da sociedade de fato,
Em qualquer caso os compossuidores têm mediante o esforço comum.
o direito de usar livremente a coisa, Recurso especial conhecido e
conforme seu destino, e exercer sobre ela provido” (STJ, REsp 10.521/PR,
seus direitos. Rel. Min. Barros Monteiro, 4.ª
Turma, j. 26.10.1992, DJ
Art. 1.199 CC/02 - Se duas ou 04.04.1994, p. 6.684).
mais pessoas possuírem coisa
indivisa, poderá cada uma
exercer sobre ela atos
possessórios, contanto que não
excluam os dos outros
compossuidores.
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“Princípio saisine. Reintegração. bens da herança,
Composse. Cinge-se a questão em independentemente da prática
saber se o compossuidor que de qualquer outro ato, visto que a
recebe a posse em razão do transmissão da posse dá-se ope
princípio saisine tem direito à legis, motivo pelo qual lhe assiste
proteção possessória contra outro o direito à proteção possessória
compossuidor. Inicialmente, contra eventuais atos de
esclareceu o Min. Relator que, turbação ou esbulho. Isso posto, a
entre os modos de aquisição de Turma deu provimento ao
posse, encontra-se o ex lege, visto recurso para julgar procedente a
que, não obstante a ação de reintegração de posse, a
caracterização da posse como fim de restituir aos autores da
poder fático sobre a coisa, o ação a composse da área recebida
ordenamento jurídico reconhece, por herança. Precedente citado:
também, a obtenção desse direito REsp 136.922-TO, DJ
pela ocorrência de fato jurídico – 16.03.1998” (STJ, REsp
a morte do autor da herança –, 537.363/RS, Rel. Min. Vasco
em virtude do princípio da Della Giustina (Desembargador
saisine, que confere a convocado do TJRS), j.
transmissão da posse, ainda que 20.04.2010).
indireta, aos herdeiros
independentemente de qualquer Ainda, a composse pode ser dividida em:
outra circunstância. Desse modo,
pelo mencionado princípio, a) Composse pro indiviso ou
verifica-se a transmissão da indivisível
posse (seja ela direta ou indireta)
aos autores e aos réus da
Os compossuidores têm a fração ideal da
demanda, caracterizando, assim,
coisa, visto que é impossível determinar,
a titularidade do direito
no plano fático e corpóreo, qual a parte de
possessório a ambas as partes.
cada um. Trata-se da mesma posse, da
No caso, há composse do bem em
mesma coisa (por inteiro!).
litígio, motivo pelo qual a posse
de qualquer um deles pode ser
defendida todas as vezes em que b) Composse pro diviso ou divisível
for molestada por estranhos à
relação possessória ou, ainda, Cada compossuidor sabe exatamente qual
contra ataques advindos de a sua parte, havendo uma fração real da
outros compossuidores. In casu, a posse.
posse transmitida é a civil (art.
1.572 do CC/1916), e não a posse Ex: dois irmãos têm a composse da
natural (art. 485 do CC/1916). Fazenda do Armaria, a qual encontra-se
Existindo composse sobre o bem dividida ao meio por uma cerca. Na
litigioso em razão do droit de metade A, um irmão planta alface; na
saisine é direito do compossuidor metade B, o outro irmão cria gado.
esbulhado o manejo de ação de
reintegração de posse, uma vez Nesse caso, alguns Tribunais como o TJSP
que a proteção à posse molestada vêm decidindo que cada um somente
não exige o efetivo exercício do poderá defender a posse de acordo com sua
poder fático – requisito exigido fração real.
pelo tribunal de origem. O
exercício fático da posse não
encontra amparo no
ordenamento jurídico, pois é
indubitável que o herdeiro tem
posse (mesmo que indireta) dos
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E, atenção: Cristiano Chaves e Nelson
Rosenvald afirmam que, neste caso, não a) Direito aos frutos
há mais composse, e sim posse pro diviso.

Efeitos da posse
Na verdade o tema ‘efeitos da posse’ não é
unânime (como tantas outras questões
jurídicas), havendo, inclusive,
doutrinadores como Tapia que atribui
nada mais nada menos que 72 efeitos à
posse! Já pensou se adotássemos tal
doutrinador?!!! Viram como tudo na vida Como já fora estudado em Direito Civil –
pode piorar?! parte geral, os frutos são bens acessórios,
os quais saem do principal (se destacam,
sem diminuir sua quantidade / qualidade
– são renováveis, ao contrário dos
Entretanto, apesar da importância produtos). São as utilidades econômicas
temática, devemos simplificar sua que a coisa periodicamente produz.
compreensão.
Como regra geral, os frutos pertencem ao
Reforça-se que a posse possui alguns proprietário do bem.
efeitos. E ponto…
Em relação à origem, os frutos podem ser
Estudaremos os mais es. subdivididos em:

A importância de tal estudo se dá em i. Frutos naturais: decorrem da


decorrência de conflitos existentes entre essência da coisa principal, como é o caso
homens, os quais devem ser tutelados pelo por exemplo, das frutas, do leite etc.
direito.
ii. Frutos industriais: são os
A pergunta é: estou com a posse da originados de uma atividade humana,
bicicleta há 2 anos, já arrumei o câmbio 3 como é o caso, por exemplo, de um material
vezes e o freio umas 10 vezes… Pintei e que fora produzido em uma fábrica.
coloquei descanso… Agora estão pedindo
para eu devolver. Terei direito a alguma iii. Frutos civis ou rendimentos:
indenização?!!! originam de uma relação jurídica ou
econômica, de natureza privada. Ex: valor
É exatamente agora que entram os efeitos auferido em razão de um aluguel; juros de
da pose. capital etc.

- EFEITOS MATERIAIS DA POSSE Quanto ao estado em que se encontram,


temos a seguinte classificação:
Os efeitos materiais da posse estão
relacionados aos frutos; às benfeitorias; às i. Frutos pendentes: ainda não
responsabilidades pelo perecimento e à foram colhidos; encontram-se
usucapião. ligados à coisa principal e são
considerados bens imóveis.
Estudaremos agora cada um desses
efeitos, salvo usucapião que é estudada ii. Frutos percebidos: são os já
quando da aquisição da propriedade. colhidos e separados.

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iii. Frutos estantes: foram Cessada a boa-fé, cessa pela mesma razão
colhidos mas encontram-se a fructuum perceptio, devendo ser
armazenados. Ex: maçãs restituídos os frutos então pendentes (bem
colhidas que foram como os que forem eventualmente colhidos
depositadas em um galpão. por antecipação), deduzindo eventuais
despesas com a manutenção e o custeio.
iv. Frutos percipiendos: deveriam
ter sido colhidos mas não Transcrevemos o brilhante exemplo de
foram. Tartuce:

v. Frutos consumidos: foram A título de concreção, um locatário


colhidos e não mais existem. está em um imóvel urbano e, no
Ex: fruta que fora colhida e fundo deste, há uma mangueira.
vendida para outrem. Enquanto vigente o contrato, o
locatário, possuidor de boa-fé
Enquanto durar a boa-fé do possuidor, amparado pelo justo título, terá
assiste a este a faculdade de perceber os direito às mangas colhidas, ou
frutos da coisa possuída. seja, percebidas. Se o contrato for
extinto quando as mangas ainda
Este é o ensinamento do artigo 1.214 do estiverem verdes (frutos
Código Civil de 2002: pendentes), não poderão ser
colhidas, pois são do locador
Art. 1.214 CC/02. O possuidor de proprietário. Se colhidas ainda
boa-fé tem direito, enquanto ela verdes, devem ser devolvidas ao
durar, aos frutos percebidos. último, sem prejuízo de eventuais
perdas e danos que couberem por
Parágrafo único. Os frutos este mau colhimento. (TARTUCE
pendentes ao tempo em que 57).
cessar a boa-fé devem ser
restituídos, depois de deduzidas O artigo 1.215 do CC/02 estabelece a regra
as despesas da produção e para se identificar o momento em que os
custeio; devem ser também frutos naturais e os industriais reputam-
restituídos os frutos colhidos com se colhidos e percebidos:
antecipação.
Art. 1.215 CC/02. Os frutos
Temos, em verdade, uma exceção ao naturais e industriais reputam-
princípio segundo o qual pertencem ao se colhidos e percebidos, logo que
proprietário os frutos da coisa sua. são separados; os civis reputam-
se percebidos dia por dia.
Assim, a aquisição dos frutos pelo
possuidor de boa-fé depende de duas Entretanto, em relação ao possuidor de
condições: má-fé, aplica-se a regra do artigo 1.216
CC/02:
i. A efetiva separação dos frutos;
Art. 1.216 CC/02. O possuidor de
ii. Que a percepção tenha má-fé responde por todos os
ocorrido antes de cessar a boa- frutos colhidos e percebidos, bem
fé, ou seja, até a citação em como pelos que, por culpa sua,
demanda possessória ou deixou de perceber, desde o
petitória. momento em que se constituiu de
má-fé; tem direito às despesas da
produção e custeio.

A interpretação é intuitiva!

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b) Benfeitorias
POSSUIDOR DE BOA-FÉ
As benfeitorias, ao contrário dos frutos e
dos produtos, são acessórios introduzidos Especificamente à posse, o artigo 1.219
em um bem móvel ou imóvel, denominado CC/02 estabelece:
de bem principal.
Art. 1.219 CC/02. O possuidor de
Visa, acima de tudo, a sua conservação ou boa-fé tem direito à indenização
a melhoria de sua utilidade. das benfeitorias necessárias e
úteis, bem como, quanto às
Para não termos palavras ao vento, voluptuárias, se não lhe forem
relembraremos a classificação pagas, a levantá-las, quando o
estabelecida pelo artigo 96 do CC/02: puder sem detrimento da coisa, e
poderá exercer o direito de
Art. 96 CC/02. As benfeitorias retenção pelo valor das
podem ser voluptuárias, úteis ou benfeitorias necessárias e úteis.
necessárias.
Assim, ao possuidor de boa-fé é conferido o
§ 1º São voluptuárias as de mero direito de ser indenizado pelas
deleite ou recreio, que não benfeitorias necessárias realizadas no
aumentam o uso habitual do bem, além das úteis, havendo, inclusive, o
bem, ainda que o tornem mais direito de reter a coisa até que haja a
agradável ou sejam de elevado efetiva indenização.
valor.
Nesse sentido, ensina Caio Mário da Silva:
§ 2º São úteis as que aumentam
ou facilitam o uso do bem. “Se forem necessárias, isto é,
despesas ou obras realizadas na
§ 3º São necessárias as que têm coisa, com o fito de conservá-la,
por fim conservar o bem ou evitar evitando o seu perecimento ou
que se deteriore. danificação, cabe-lhe o direito de
reaver o seu valor. Se forem
Importante frisar que o conceito de úteis, como tais consideradas as
benfeitoria útil, necessária e voluptuária que aumentam o cômodo da
varia de acordo com o bem principal, a coisa, cabe indenização ao
destinação e a sua localização. possuidor de boa-fé.
Quanto às voluptuárias, de mero
Ou seja, uma piscina pode ser uma aformoseamento, ao possuidor de
benfeitoria voluptuária em uma boa-fé será lícito levantá-las (ius
residência, mas pode ser considerada uma tollendi), desde que não advenha
benfeitoria necessária se considerarmos dano à coisa.” (Silva, PEREIRA,
uma escola de natação. Caio Mário d., MONTEIRO
FILHO, Carlos Edison Rêgo.
Instituições de Direito Civil - Vol.
IV - Direitos Reais, 26ª edição.
Forense, 01/2018. VitalBook file).

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Segue interessante julgado do Superior
Tribunal de Justiça, o qual, inclusive, c) Benfeitorias voluptuárias: não
equipara as regras da benfeitoria à são indenizáveis, mas podem ser
hipótese de acessões (construções, por levantadas pelo locatário quando do
exemplo): término da locação, desde que sua
retirada não afete a estrutura do bem.
“A teor do artigo 1.219 do Código
Civil, o possuidor de boa-fé tem Sobre o assunto, segue Súmula do STF,
direito de retenção pelo valor das Enunciado 335: “Nos contratos de
benfeitorias necessárias e úteis e, locação, é válida a cláusula de renúncia
por semelhança, das acessões, sob à indenização das benfeitorias e ao
pena de enriquecimento ilícito, direito de retenção”.
salvo se houver estipulação em
contrário. No caso em apreço, há - Com fim didático fica o
previsão contratual de que a questionamento: e se o contrato de
comodatária abre mão do direito locação for considerado contrato de
de ressarcimento ou retenção pela adesão, e houver a renúncia ao direito
acessão e benfeitorias, não tendo de ser indenizado, tal cláusula será
as instâncias de cognição plena válida?! Remetemos o estudante à aula
vislumbrado nenhum vício na de Direito Contratual – Contratos em
vontade apto a afastar as espécie., entretanto, fica a dica:
cláusulas contratuais insertas na
avença. A atribuição de encargo ao V Jornada de Direito Civil aprovou o
comodatário, consistente na Enunciado n. 433 do CJF/STJ, a saber:
construção de casa de alvenaria, a “Art. 424. A cláusula de renúncia
fim de evitar a ‘favelização’ do antecipada ao direito de indenização e
local, não desnatura o contrato de retenção por benfeitorias necessárias é
comodato modal” (STJ, REsp nula em contrato de locação de imóvel
1.316.895/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. urbano feito nos moldes do contrato de
Nancy Andrighi, Rel. p/ acórdão adesão”.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.
11.06.2013, Dje 28.06.2013). POSSUIDOR DE MÁ-FÉ

CUIDADO: quando a posse tiver como Sendo o possuidor de má-fé,


fundamento um contrato de LOCAÇÃO a hipótese é de incidência do
de imóvel urbano, a regra é um pouco disposto no artigo 1.220 do
diferente, pois há legislação própria Código Civil:
regulamentando a situação.
Art. 1.220 CC/02. Ao possuidor
A Lei 8.245/91, em seus artigos 35 e 36, de má-fé serão ressarcidas
estabelece, salvo disposição expressa em somente as benfeitorias
sentido contrário, que as: necessárias; não lhe assiste o
direito de retenção pela
a) Benfeitorias necessárias: importância destas, nem o de
mesmo que não autorizadas pelo levantar as voluptuárias.
locador, são indenizáveis e permitem o
direito de retenção; Primeiramente se verifica que o possuidor
de má-fé não tem nenhum direito de
b) Benfeitorias úteis: desde que retenção (quanto as úteis e necessárias) ou
autorizadas pelo locador, são de levantamento (quanto as voluptuárias).
indenizáveis e permitem o direito de
retenção; Em relação à indenização, esta será viável
se estivermos diante de uma benfeitoria
necessária, E SÓ…

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A justificativa para tal direito de Sendo a posse de boa-fé, o possuidor não
indenização é lógica: sendo necessária a irá responder, perante o reivindicante,
benfeitoria realizada, o destino foi a pela perda ou deterioração da coisa, desde
conservação da coisa, evitando sua perda que não tenha agido para que tal fato
ou deterioração. Assim, mesmo que de má- ocorresse.
fé, ao menos em relação a realização de tal
benfeitoria o possuidor agiu de ‘boa-fé’. Estamos diante da responsabilidade
Aliás, observe-se: se o bem estivesse em subjetiva -> precisa comprovar a culpa!
poder do legítimo possuidor, este também
deveria ter realizado as aludidas Assim, no caso de perda (ou deterioração)
benfeitorias. do bem, caberá a comprovação de sua
culpa em sentido amplo, englobando,
Não faria sentido empobrecer o possuidor assim, tanto a culpa propriamente dita
de má-fé para enriquecer o legítimo (negligência, imprudência ou imperícia),
possuidor. quanto o dolo (intenção de prejudicar).

Veda-se, assim, o enriquecimento ilícito do Citamos como exemplo o locatário que


legítimo possuidor. possui animais de estimação e, sem a
cautela devida, deixa que os mesmos
Finalizando tais efeitos, é importante comam as portas do bem. Em que pese a
observar o disposto no artigo 1.222 CC/02: boa-fé, houve culpa na deterioração do
imóvel.
Art. 1.222 CC/02. O
reivindicante, obrigado a Art. 1.218 CC/02. O possuidor de
indenizar as benfeitorias ao má-fé responde pela perda, ou
possuidor de má-fé, tem o direito deterioração da coisa, ainda que
de optar entre o seu valor atual e acidentais, salvo se provar que de
o seu custo; ao possuidor de boa- igual modo se teriam dado,
fé indenizará pelo valor atual. estando ela na posse do
reivindicante.
Ou seja, se houver direito de indenização
ao possuidor de boa-fé, esta deverá ser Já o possuidor de má-fé, por questões
paga considerando o valor atual da óbvias, responderá pela perda ou
benfeitoria realizada. Entretanto, sendo deterioração, mesmo que a mesma tenha
de má-fé, o valor será ou o atual ou o de ocorrido de forma acidental, salvo se
custo (época da realização da benfeitoria comprovar que a coisa também se perderia
necessária - obra), o que melhor atender se estivesse com o ´reivindicante´.
aos interesses do ‘reivindicante’.
Exemplificaremos:
c) Responsabilidades
- Waldicreuza, comodatária de um
O Código Civil também trata da veículo (possuidora de boa-fé), é
responsabilidade civil (dever de indenizar) roubada durante o trajeto do trabalho,
ao possuidor pela perda ou deterioração da ocasião em que o assaltante levou o
coisa que vem a ser retomada (demanda automóvel. Uma vez que inexistiu dolo
petitória ou possessória). ou culpa por parte de sua conduta,
Waldicreuza NÃO responderá pela
Art. 1.217 CC/02. O possuidor de perda do carro.
boa-fé não responde pela perda
ou deterioração da coisa, a que
não der causa.

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- O mesmo ladrão que roubou Assim, a legislação civil estabelece que,
Waldicreuza, chegando em sua ainda existindo as benfeitorias (no caso
residência localizada em cidade vizinha os pneus e os faróis), haverá a
de onde ocorrera o ilícito, dirigindo o compensação dos valores: R$ 3.000,00
carro (possuidor de má-fé), fora (débito) – R$ 2.000,00 (crédito) =
surpreendido com uma forte chuva de R$ 1.000,00 (valor devido ao
granizo, a qual deteriorou reivindicante, a ser pago pelo ladrão).
integralmente o veículo. Neste caso,
considerando que o carro não estaria Entretanto, se os vândalos também
com o legítimo possuidor em tal tivessem quebrado os faróis e levado os
localidade, o ladrão é responsável pela pneus, não haveria qualquer
deterioração do carro, mesmo sendo compensação ou indenização, já que, ao
hipótese de caso fortuito. tempo da devolução, as benfeitorias não
mais existiram.
A má-fé induz a culpa, justificando a
responsabilidade -> responsabilidade d) Direito à usucapião
objetiva.
O último efeito material da posse se refere
Art. 1.221 CC/02. As benfeitorias à usucapião.
compensam-se com os danos, e só
obrigam ao ressarcimento se ao A usucapião, também denominada como
tempo da evicção ainda prescrição aquisitiva, é um modo especial
existirem. de adquirir o domínio (aqui utilizado como
sinônimo de propriedade). Serve,
Observem, ainda utilizando como especialmente, para suprir outros modos
exemplo o caso do ladrão que roubou o de adquirir (como é o caso, por exemplo, de
carro que estava com a Waldicreuza sucessão ou tradição).
(comodatária)… Suponhamos que dias
após o roubo o mesmo tenha trocado Em relação à propriedade imóvel, há,
todos os pneus do veículo, tendo em vista entre outras, as seguintes modalidades de
que estavam totalmente carecas. Além usucapião:
disso, trocou os faróis que estavam
quebrados, totalizando um gasto de i. Usucapião ordinária – art.
R$ 2.000,00. Waldicreuza era 1.242 CC/02
extremamente relaxada. Após um ii. Usucapião extraordinária –
tempo com o veículo, vândalos quebram art. 1.238 CC/02
os vidros do mesmo e arrancam-lhe uma iii. Usucapião especial rural – art.
das portas – prejuízo de R$ 3.000,00. 1.239 CC/02
iv. Usucapião especial urbana –
Muito bem. Diante deste cenário, art. 1.240 CC/02
sabemos, inicialmente, que o ladrão, v. Usucapião indígena – Lei
mesmo que de má-fé, teria direito à 6.001/73
indenização pelas benfeitorias vi. Usucapião coletiva – Lei
necessárias (troca dos pneus e dos faróis 10.257/01 – Estatuto da
– R$ 2.000,00). Por outro lado, seria Cidade
responsável pela deterioração das vii. ‘Usucapião familiar’
portas e dos vidros (art. 1.218 CC/02) –
R$ 3.000,00. Já em relação ao bem móvel, existem as
seguintes modalidades:
i. Usucapião ordinária – art.
1.260 CC/02
ii. Usucapião extraordinária –
art. 1.261 CC/02

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Nos aprofundaremos no tema em momento A turbação existe quando já houve efetiva
oportuno, que não é agora! prática de ato que ameaça à posse, como,
por exemplo, integrantes de determinado
- EFEITOS PROCESSUAIS DA POSSE grupo que começam a levar animais para
pastar na fazenda, apesar de não adentrá-
Os interditos possessórios la de forma definitiva. É o ‘vai não vai’.

Os interditos possessórios constituem Outro exemplo de turbação é quando o


ações possessórias diretas, sendo vizinho corta a cerca e deixa os animais
instrumentos processuais disponibilizados entrarem; fica passeando pelo gramado
aos possuidores que desejam manter-se na etc. Você continua com a posse do bem,
posse, que a mesma lhe seja restituída ou mas sua utilização está sendo
então protegida. efetivamente atrapalhada.

As regras encontram-se dispostas a partir Doutrina e jurisprudência entendem que a


do artigo 554 do CPC/15. turbação resta demonstrada quando o
locador realiza atos de corte de água ou luz
Como mencionado superficialmente em para forçar o adimplemento dos aluguéis.
momento pretérito, a prática nos
demonstra a existência de três ações Vejam: a posse se mantém, mas há
correspondentes. verdadeira perturbação!
INTERDITOS POSSESSÓRIOS

MANUTENÇÃO DE POSSE.
INTERDITO LOCAÇÃO. INADIMPLEMENTO DO
PROIBITÓRIO ALUGUEL E ENCARGOS. CORTE DE
MANUTENÇÃO DE ENERGIA E ÁGUA PELA
POSSE LOCADORA. TURBAÇÃO DE POSSE
REINTEGRAÇÃO DE CARACTERIZADA. CONFIRMAÇÃO
POSSE DA LIMINAR. 1) Estando a inicial
instruída com prova da posse, da
turbação e que ocorria esta a menos de
ano e dia, lícita a concessão de liminar
– No caso de ameaça à posse (risco de de manutenção, independentemente de
atentado à posse) = caberá ação de justificação prévia. Constitui-se
interdito proibitório – visa à proteção turbação de posse o ato do locador que,
– No caso de turbação (atentados como forma de obrigar o locatário a
fracionados à posse) = caberá ação de pagar os alugueres e encargos em
manutenção de posse – visa à atraso, procede ao corte das ligações de
manutenção água e luz do imóvel locado; 2) Agravo
– No caso de esbulho (atentado provido.
consolidado à posse) = caberá ação de AGR 21898 AP – Câmara Única
reintegração de posse – visa à devolução
(tabela extraída do livro do autor Finalmente, há o esbulho quando o
Flávio Tartuce, p. 70) atentado fora finalmente realizado e os
integrantes adentraram efetivamente na
A ameaça ocorre quando não há a prática fazenda, a qual, a título de exemplo,
de um ato propriamente dito, mas sim cumpre sua função social.
meros indícios. Ocorre, por exemplo, Art. 1.210 CC/02. O possuidor
quando próximo a uma fazenda tem direito a ser mantido na
integrantes de determinado grupo se posse em caso de turbação,
instalam, sem, contudo, realizarem restituído no de esbulho, e
qualquer ato de invasão. segurado de violência iminente,
se tiver justo receio de ser
molestado.

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§ 1º O possuidor turbado, ou As questões mais específicas relativas a
esbulhado, poderá manter-se ou tais tipos de ações são estudas na
restituir-se por sua própria força, disciplina de Direito Processual Civil;
contanto que o faça logo; os atos entretanto, abordaremos alguns pontos de
de defesa, ou de desforço, não suma relevância.
podem ir além do indispensável à
manutenção, ou restituição da Inicialmente é importantíssimo
posse. reforçarmos a necessidade de identificar se
a ação será de força nova ou de força velha,
§ 2º Não obsta à manutenção ou de acordo com o tempo do esbulho ou
reintegração na posse a alegação turbação da posse.
de propriedade, ou de outro
direito sobre a coisa. Se a turbação ou o esbulho tiver menos de
um ano e um dia, será considerado(a)
Art. 560 CPC/15. O possuidor novo(a) e caberá ação de força nova,
tem direito a ser mantido na seguindo o procedimento especial e
posse em caso de turbação e permitindo liminar (arts. 560 a 566 do
reintegrado em caso de esbulho. CPC/15).

Atenção: Tendo ultrapassado tal prazo (ou seja, de


É entendimento jurisprudencial que na um ano e um dia em diante), serão
hipótese de invasão parcial do terreno a considerados velhos, e caberá ação de força
ação cabível é a de reintegração de velha, seguindo o procedimento comum e
posse, e não de manutenção. não cabendo liminar.

De ante mão já damos uma notícia boa Art. 558 CPC/15. Regem o
(FINALMENTE!): as diferenças práticas procedimento de manutenção e
entre as três ações pouco nos interessam, de reintegração de posse as
uma vez que vigora em matéria normas da Seção II deste
possessória o princípio da fungibilidade, Capítulo quando a ação for
ou seja, caso a ação correta seja a proposta dentro de ano e dia da
manutenção de posse, e o advogado turbação ou do esbulho afirmado
pleiteou a reintegração, o juiz não irá na petição inicial.
extinguir o feito e receberá como
manutenção. Parágrafo único. Passado o prazo
referido no caput, será comum o
Nesse sentido: procedimento, não perdendo,
contudo, o caráter possessório.
Art. 554, CPC/15 - A propositura
de uma ação possessória em vez Entretanto, há uma exceção em que caberá
de outra não obstará a que o juiz liminar na ação de força velha: demandas
conheça do pedido e outorgue a possessórias coletivas, desde que se
proteção legal correspondente realize, de forma prévia, audiência de
àquela cujos pressupostos mediação ou de conciliação, conforme
estejam provados. artigo 565 do CPC/15).

Além de eventual erro por inobservância Art. 565 CPC/15. No litígio


da técnica processual, há também a coletivo pela posse de imóvel,
possibilidade de, no decorrer da demanda, quando o esbulho ou a turbação
o que era mera ameaça se torne efetivo afirmado na petição inicial
esbulho, o que justifica a fungibilidade e a houver ocorrido há mais de ano e
possibilidade de transmudação da ação dia, o juiz, antes de apreciar o
após sua propositura. pedido de concessão da medida
liminar, deverá designar

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audiência de mediação, a Em se tratando das perdas e danos, temos
realizar-se em até 30 (trinta) os danos emergentes (o que o indivíduo
dias, que observará o disposto efetivamente perdeu) e os lucros cessantes
nos §§ 2o e 4o. (o que deixou de ganhar em razão da
conduta). Entretanto, doutrina também
§ 1º Concedida a liminar, se essa aceita a inclusão de eventual indenização
não for executada no prazo de 1 por dano moral suportado em razão do
(um) ano, a contar da data de atentado à posse.
distribuição, caberá ao juiz
designar audiência de mediação,
nos termos dos §§ 2o a 4o deste
artigo.

§ 2º O Ministério Público será


intimado para comparecer à
audiência, e a Defensoria Pública
será intimada sempre que
houver parte beneficiária de Interessante ressaltar que quanto a
gratuidade da justiça. indenização pelo dano material cabe
inclusive o pedido de aluguel-pena quando,
§ 3º O juiz poderá comparecer à após a notificação do comodatário pelo
área objeto do litígio quando sua comodante para devolver o bem, o mesmo
presença se fizer necessária à se mantém omisso, nos termos do artigo
efetivação da tutela jurisdicional. 582 CC/02:

§ 4º Os órgãos responsáveis pela Art. 582 CC/02. O comodatário é


política agrária e pela política obrigado a conservar, como se
urbana da União, de Estado ou sua própria fora, a coisa
do Distrito Federal e de emprestada, não podendo usá-la
Município onde se situe a área senão de acordo com o contrato
objeto do litígio poderão ser ou a natureza dela, sob pena de
intimados para a audiência, a fim responder por perdas e danos.
de se manifestarem sobre seu
interesse no processo e sobre a O comodatário constituído em
existência de possibilidade de mora, além de por ela responder,
solução para o conflito pagará, até restituí-la, o aluguel
possessório. da coisa que for arbitrado pelo
comodante.
§ 5º Aplica-se o disposto neste
artigo ao litígio sobre Nesse sentido, segue julgado:
propriedade de imóvel.
“Ação de reintegração de posse
cumulada com perdas e danos.
Prosseguindo, o artigo 555 CPC/15
Comodato verbal. Imóveis de
permite ao autor a cumulação, ao pedido
propriedade da autora.
possessório, dos seguintes pedidos:
Notificação da ré, sem
desocupação do imóvel. Esbulho
i. Condenação em perdas e
caracterizado. Pedidos de
danos;
arbitramento de aluguel e de
ii. Indenização dos frutos;
pagamento de débitos fiscais
incidentes sobre o imóvel.
Possibilidade. Sentença
reformada. Recurso provido”
(TJSP, Apelação Cível 1000430-
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44.2014.8.26.0001, São Paulo, Em razão da natureza dúplice de tais ações
37.ª Câmara de Direito Privado, possessórias, cabe pedido contraposto em
Rel. Des. Pedro Kodama, j. favor do réu no sentido de que ele tenha
09.12.2014, DJESP 19.12.2014). sua posse protegida – art. 556 CPC/15.

Já o dano moral se dá, por exemplo, Art. 556 CPC/15. É lícito ao réu,
quando o proprietário-locador, abusando na contestação, alegando que foi o
de seu direito, troca as fechaduras do ofendido em sua posse, demandar
imóvel, retirando do locatário (possuidor a proteção possessória e a
direto – posse justa), sua posse: indenização pelos prejuízos
resultantes da turbação ou do
“O arrombamento do imóvel e esbulho cometido pelo autor.
substituição de fechaduras por
conta própria caracteriza abuso Também há a expressa vedação de
de direito (art. 187, Código Civil) propositura, seja pelo réu, seja pelo autor,
e gera o dever de indenizar danos de demanda em que o objeto seja o
materiais e morais dele reconhecimento do domínio do bem, salvo
decorrentes. Danos morais perante terceiros:
configurados. Indenização
devida. Demonstrados os danos Art. 557 CPC/15. Na pendência
materiais correspondentes à de ação possessória é vedado,
perda de bens móveis (insumos) tanto ao autor quanto ao réu,
que se encontravam no propor ação de reconhecimento
estabelecimento do locatário, do domínio, exceto se a pretensão
bem como a ocorrência de lucros for deduzida em face de terceira
cessantes, é devida a indenização pessoa.
correspondente. Deferido o
pedido de reembolso do valor de Outro ponto importante é que o Código de
serviços prestados pela locatária Processo Civil, observando norma
aos clientes do locador, em previamente disposta pelo Código Civil,
observância às circunstâncias do faz nítida distinção entre direito
caso concreto” (TJRS, Apelação possessório e direito petitório, informando
Cível 0067563- que argumentações sobre domínios não
16.2014.8.21.7000, 16.ª Câmara impedem o reconhecimento da ação
Cível, 26.11.2014). possessória, e, se for o caso, sua
procedência:
Outro ponto interessante é a possibilidade Art. 557, Parágrafo único
de fixação de multa (astreintes), a qual CPC/15. Não obsta à
visa garantir maior efetividade à tutela manutenção ou à reintegração de
judicialmente concedida. posse a alegação de propriedade
ou de outro direito sobre a coisa.
O fundamento de tal medida encontra-se
no artigo 555, parágrafo único, e seus Art. 1.210, § 2º CC/02. Não obsta
incisos, do Código de Processo Civil: à manutenção ou reintegração na
posse a alegação de propriedade,
Art. 555, Parágrafo único ou de outro direito sobre a coisa.
CPC/15. Pode o autor requerer,
ainda, imposição de medida
necessária e adequada para:
I - evitar nova turbação ou
esbulho;
II - cumprir-se a tutela provisória
ou final.

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Enunciado n. 79 do CJF/STJ, da 1. Discussão voltada a definir o
I Jornada de Direito Civil: “a conceito de “melhor posse”, à luz
exceptio proprietatis, como do Código Civil de 2002.
defesa oponível às ações 2. Questão a ser dirimida
possessórias típicas, foi abolida mediante investigação voltada à
pelo Código Civil de 2002, que comprovação, pelo autor da
estabeleceu a absoluta separação demanda, do disposto no art. 927,
entre os juízos possessório e do Código de Processo Civil e dos
petitório”. requisitos alusivos: I – ao efetivo
exercício de sua posse; II – a
Sobre o tema, transcrevemos Tartuce: turbação ou esbulho praticado
pelo réu; III – a data da turbação
Em outras palavras, a ação ou do esbulho; IV – a continuação
possessória é a via adequada da posse, embora turbada, na
para a discussão da posse, ação de manutenção; V – a perda
enquanto a ação petitória é o da posse, na ação de
caminho processual correto para reintegração. Ultrapassada a
a discussão da propriedade e do primeira exigência para
domínio, não sendo possível procedência da ação de
embaralhar as duas vias. reintegração de posse, qual seja,
(TARTUCE 79) a demonstração, pelo autor, de
sua posse e o esbulho cometido
pela parte demandada,
remanesce a análise dos demais
elementos do art. 927, do CPC,
revelando-se correta e em
harmonia com o princípio da
segurança jurídica a orientação
Recomendamos a leitura da ementa que adotada pelas instâncias
segue, a qual elucida de forma brilhante ordinárias no sentido de, diante
questões inerentes à posse: de documentos com força
equivalente, optar por aquele
Não provando o autor melhor mais antigo, desde que
posse, mantém-se o réu na posse corroborado pelo efetivo exercício
da relação material (possessória)
RECURSO ESPECIAL – AÇÃO com a coisa, objeto do bem da
DE REINTEGRAÇÃO DE vida.
POSSE – ANTERIORIDADE NA 3. Não há que se falar na
AQUISIÇÃO DOS DIREITOS utilização de parâmetros
POSSESSÓRIOS, estabelecidos no artigo 507, e seu
PRECEDÊNCIA NO USO E parágrafo único, do Código Civil
OCUPAÇÃO DO BEM, anterior, não repetido no
PROVIDÊNCIAS estatuto atual, nem tampouco
CONSISTENTES NA LIMPEZA ignorar a força do comando
E MANUTENÇÃO DA COISA constitucional da função social do
POSSUÍDA – CONSTITUIÇÃO uso da terra (propriedade/posse),
DE DIREITO POSSESSÓRIO – em virtude do que se espera
RECONHECIMENTO DA sejam aos imóveis dada a
IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO destinação que mais legitima a
PELAS INSTÂNCIAS sua ocupação.
ORDINÁRIAS.

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É preciso que o Poder Judiciário, Quer dizer, alia-se a outros
quando no exercício da função elementos, tais como a
jurisdicional – na construção da antiguidade e a qualidade do
norma jurídica concreta – se título, não podendo ser analisada
valha de critérios seguros, dissociada de tais critérios,
objetivos e, fundamentalmente, estabelecidos pelo legislador de
agregadores dos diversos 2002, a teor do art. 1.201,
requisitos deduzidos na lei, no parágrafo único, do Código Civil,
afã de bem avaliar a providência conferindo-se, inclusive, ao
acerca da eventual manutenção portador do justo título a
ou reintegração do sujeito na presunção de boa-fé.
posse da terra. É importante deixar assente que
Dessa forma, a teor do art. 927, a própria função social da posse,
inciso I, do CPC, ao autor da ação como valor e critério jurídico-
possessória cumpre provar sua normativo, não tem caráter
posse. E esta, sem dúvida, pode absoluto, sob pena deste
ser comprovada com base no Tribunal, caso coteje de modo
justo título, conforme ainda preponderante apenas um dos
determina o parágrafo único, do fatores ou requisitos integrados
art. 1.201, do Código Civil. no instituto jurídico, gerar
É preciso compreender justo insegurança jurídica no trato de
título segundo os princípios da tema por demais relevante, em
socialidade, da eticidade e da que o legislador ordinário e o
operabilidade, diretrizes próprio constituinte não
estabelecidas pelo Novo Código pretenderam regrar com
Civil. Assim, perfilhando-se cláusulas amplamente abertas.
entendimento da doutrina 4. É preciso considerar o critério
contemporânea, justo título não da função social da posse,
pode ser considerado, complementado a outros
preponderamente, sinônimo de parâmetros, como a antiguidade
instrumento, mas de causa hábil e a qualidade do título, a
para constituição da posse. Na existência real da relação
concepção acerca da “melhor material com a coisa, sua
posse”, a análise do parâmetro intensidade, tendo como norte
alusivo a função social do uso da hermenêutico a definição do art.
terra há de ser conjugado a 1.201, parágrafo único, do Código
outros critérios hermenêuticos, Civil.
tendo como norte o justo título, a 5. No caso em foco, o exame do
teor do parágrafo único, do art. vetor alusivo à função social da
1.201, do Código Civil, sem posse, como critério jurídico-
olvidar as balizas traçadas pela normativo único, não teria
alusão às circunstâncias isoladamente influência
referidas no art.1.202 do Código suficiente para alterar o
Civil. resultado do processo, a ponto de
A função social da posse deve beneficiar qualquer litigante,
complementar o exame da porquanto, os elementos
“melhor posse” para fins de existentes e, sobretudo, a
utilização dos interditos equivalência de forças dos
possessórios. documentos apresentados,
tornam dispensáveis
considerações segmentadas, não
conjunturais, em relação àquele
elemento.

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Merece ser mantida incólume a
conclusão das instâncias Autotutela ou
ordinárias, que valoraram
adequadamente os requisitos do Desforço
art. 927 do CPC e concluíram por
negar ao recorrente a melhor incontinenti ou
posse, com base nos argumentos
da antiguidade do título e da Legítima defesa da
efetiva relação material com a
coisa possuída. posse
6. Além disso, observando-se a
ordem de alienação do imóvel Antes de propor a ação judicial cabível
objeto do presente litígio, (interditos possessórios), ao possuidor é
verifica-se, em princípio, a conferido o direito de repelir o atentado à
correção na cadeia de posse (defesa direta), mantendo-se na
transferência dominial do bem, posse ou reintegrando-se pela própria
até a aquisição da posse pela ora força.
recorrida. Sem dúvida, essas
circunstâncias, vistas em A legítima defesa da posse se divide em
conjunto, relevam o inexorável dois mecanismos:
reconhecimento do melhor título
da recorrida, aliada à sua a) Defesa em sentido estrito: evitar o
antiguidade, porquanto adquiriu incômodo da posse; aplicável quando
os direitos possessórios objeto de ocorre a turbação.
discussão, em 06/09/1997, antes,
portanto, do ora recorrente. b) Desforço imediato: serve para
Finalmente, certo é que os recuperar a posse, ou seja, é aplicável
documentos acostados pela quando efetivamente houve o esbulho.
recorrida mereceram, aos olhos
das instâncias ordinárias, Entretanto, para que a defesa seja justa, é
melhor fé a consubstanciar a indispensável se respeitar alguns
existência de justo título e, por requisitos, sem os quais a autodefesa se
conseguinte, reputar como não transforma em comportamento
cumpridos os requisitos do art. antijurídico:
927, do Código de Processo Civil
por parte do demandante. i. Imediatismo: a repulsa à
7. Recurso especial improvido. violência deve ser sem
(STJ, REsp 1.148.631/DF, 4ª retardamento, inexistindo
Turma, relator: Min. Luis Felipe fluição de tempo após seu
Salomão, relator p/ acórdão: Min. início, e não permitindo que
Marco Buzzi, data do o invasor (ou turbador)
julgamento: 15/8/2013, data da consolide sua posição. Não
publicação: 4/4/2014.) existe um critério temporal
preestabelecido; entretanto,
Finalizando o assunto, é importante a doutrina ensina que a
reforçar que existem outros instrumentos análise da temporariedade
processuais capazes de proteger a posse, há de ser razoável.
como a ação de nunciação de obra nova.
Entretanto, julgamos que tal tema deve
ser trabalhado na disciplina Direito
Processual Civil.

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ii. Proporcionalidade: a reação
deve ser proporcional à Devemos reforçar que a autodefesa da pose
agressão, respeitando o é cabível em qualquer caso de inquietação
limite indispensável à (mesmo que já consumada), ou, ainda,
repeli-la. Admitir para a recuperação da posse (desde que a
entendimento em contrário perda não tenha se consumado).
seria permitir a existência
de violência reversa. Desta forma, não há possibilidade de
exercício de autotutela quando a posse
Observe que seguimos aqui o mesmo injusta for decorrente de precariedade,
parâmetro da legítima defesa do direito podendo o possuidor esbulhado se valer
penal. de ação possessória, ocasião em que o
magistrado avaliará o título da posse.

Vamos analisar alguns exemplos:

Leanderson arranca o celular de


Waldicreuza, saindo correndo na
sequência, sem lhe dar nenhuma
oportunidade de reação. Durante a fuga,
Leanderson tropeça e cai, ocasião em
que Waldicreuza corre e retoma o
celular.
Não há dúvidas de que Waldicreuza
agiu em legítima defesa (desforço
ATENÇÃO!
imediato), resistindo sua posse logo.
Alguns doutrinadores como Hedemann Leanderson arranca o celular de
afirmam que o possuidor indireto não pode Waldicreuza, saindo correndo na
exercer a autodefesa, visto que lhe falta o sequência, sem lhe dar nenhuma
poder sobre a coisa (poder de fato) (e sua oportunidade de reação. Entretanto,
utilização imediata). inconformada, Waldicreuza começa a
seguir o Leanderson, sem que ele
Por outro lado, lembrem-se que doutrina perceba. Após algum tempo finalmente
majoritária advoga no sentido de que Waldicreuza consegue obter o celular de
sequer é necessária a posse para o volta.
exercício da autodefesa, admitindo-se que
o guardião da coisa (fâmulo da posse / Também estamos diante de uma defesa
detentor) exerça a autodefesa em nome e a tempestiva.
benefício do efetivo possuidor. Ainda considerando o furto do celular de
Art. 1.210 CC/02. O possuidor Waldicreuza, imaginemos que a mesma
tem direito a ser mantido na não tenha realizado nenhuma
posse em caso de turbação, perseguição. Entretanto, dias após
restituído no de esbulho, e ambos se esbarram na rua, ocasião em
segurado de violência iminente, que Waldicreuza reage, batendo em
se tiver justo receio de ser Leanderson com a intenção de reaver o
molestado. celular.
§1º O possuidor turbado, ou
esbulhado, poderá manter-se ou Nessa hipótese, embora a posse de
restituir-se por sua própria força, Leanderson ser injusta, este poderia
contanto que o faça logo; os atos reclamar os danos que a violência
de defesa, ou de desforço, não eventualmente lhe causasse.
podem ir além do indispensável à
manutenção, ou restituição da
posse.
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Legítima defesa da posse não
gera dever de indenizar

REPARAÇÃO DE DANO –
DERRUBADA DE CERCA –
DESFORÇO PESSOAL –
LEGÍTIMA DEFESA
ADMITIDA – USO MODERADO
DOS MEIOS –
DESNECESSIDADE DE
INDENIZAÇÃO. Não resulta
dever reparatório por aquele que,
agindo por desforço pessoal e
imediato, sem ultrapassar os
meios indispensáveis à
manutenção, ou restituição da
posse, desfaz de cerca que atenta
contra sua posse, pois que esta
ação encontra respaldo no art.
502, que se faz sancionado pelo
art. 160, I, ambos do Código Civil
de 1916. (TAMG, Apelação Cível
2.0000.00.416673-8/000(1), 6ª
Câmara Cível, relator: Des.
Dídimo Inocêncio de Paula)

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Podemos elencar, de forma
FORMAS DE exemplificativa, as seguintes formas de
aquisição da posse:
AQUISIÇÃO E
a) Apreensão da coisa;
TRANSMISSÃO DA b) Exercício de direito;
c) Fato de disposição da coisa;
POSSE d) Qualquer outro modo geral de
aquisição de direito.
Para que possamos analisar a aquisição da
posse, torna-se imprescindível termos em Aquisição originária e aquisição derivada
mente os artigos 1.204 e 1.196, ambos do
Código Civil de 2002: A aquisição da posse pode se dar de modo
originário ou derivado.
Art. 1.196 CC/02. Considera-se
possuidor todo aquele que tem de Doutrina clássica diferenciava a posse
fato o exercício, pleno ou não, de originária da posse derivada considerando
algum dos poderes inerentes à única e exclusivamente se o bem já teve ou
propriedade. não possuidor anterior.

Art. 1.204 CC/02. Adquire-se a Imaginemos um terreno sem nenhuma


posse desde o momento em que se construção… Waldicreuza resolve subir
torna possível o exercício, em algumas paredes e colocar teto – leia-se:
nome próprio, de qualquer dos casa. A casa construída por Wal, neste
poderes inerentes à propriedade. caso, é uma posse originária.

Portanto, será possuidor o titular de Agora, se Wal simplesmente entra em uma


ingerência socioeconômica sobre casa abandonada, essa posse é derivada,
determinado bem da vida. pois houve anterior possuidor.

Apenas para fins didáticos (acrescer Tal diferenciação encontra-se


conhecimento!), importante observar ultrapassada, sendo certo que atualmente
que o Código Civil atual preferiu não a posse é classificada como ordinária ou
catalogar todas as hipóteses que foram derivada conforme a existência ou não de
trazidas pelo Código Civil de 1916, em prévio vínculo que a justifique.
seu artigo 493, o qual estabelecia que:
a) Posse originária
Art. 493. Adquire-se a posse:
I - pela apreensão da coisa, ou pelo exercício Nesse caso, inexiste relação entre a posse
anterior e a posse nova.
do direito;
II - pelo fato de se dispor da coisa, ou do
Ocorre ou quando a coisa não tinha dono
direito; (coisas de ninguém (res nullius), ou foi
III - por qualquer dos modos de aquisição em abandonada (res derelicta)), ou quando
geral. houve o esbulho.
Parágrafo único. É aplicável à aquisição da
posse o disposto neste Código, arts. 81 a 85. Quando a coisa não tem dono, a aquisição
originária da posse constitui elemento do
Temos, atualmente, um conceito aberto, o domínio, o qual é adquirido pela ocupação
qual deve ser preenchido caso a caso. -> o sujeito se apodera da coisa, adquire a
posse e, ainda, se torna proprietário do
bem móvel.
Exemplo: caça e pesca.

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Já na hipótese de esbulho, o sujeito toma A posse adquirida de forma derivada
posse que até então era exercida por mantém todos os vícios que tinha
outrem. É o caso, por exemplo, do ladrão e anteriormente, mesmo que o novo
do invasor que invadem bens imóveis. possuidor esteja de boa-fé.
Como já vimos, nesses casos a posse é
injusta, seja em decorrência da violência, Waldicreuza adquire um celular de
da clandestinidade, ou até mesmo da Leon, o qual fora roubado de Lucrécia.
precariedade. Ressalta-se que Waldicreuza não tinha
conhecimento do roubo, o que nos
Em todas essas hipóteses estamos diante permite concluir que sua posse é de boa-
da aquisição originária da posse. fé. Entretanto, face o modo de aquisição
derivado, a posse de Waldicreuza
continuará sendo injusta (pela
violência).

Já vimos o assunto em momento anterior,


mas é importante reforçarmos o disposto
no artigo 1.203 CC:
A principal consequência desse modo de
aquisição é o fato de que a posse assim Art. 1.203 CC/02. Salvo prova em
adquirida não traz os vícios anteriores. contrário, entende-se manter a
posse o mesmo caráter com que
Por exemplo: foi adquirida.

Waldicreuza encontra no lixo um Também há a aquisição da posse de modo


aparelho celular, o qual, na verdade, derivado em razão de sucessão
fora abandonado por um ladrão que há hereditária, a qual transmite-se aos
pouco tempo teria furtado – não me sucessores (sejam eles herdeiros ou
interessa o motivo do abandono, ok?! legatários), com os mesmos caracteres.
A posse do ladrão era injusta em razão
do vício da clandestinidade. Entretanto, Art. 1.206 CC/02. A posse
quando Waldicreuza ocupa o bem, será transmite-se aos herdeiros ou
justa e legítima, vez que a aquisição se legatários do possuidor com os
deu de modo originário. mesmos caracteres.

Se houver uma demanda judicial com Quem pode adquirir a posse?!


base na posse (possessória), sequer o
proprietário que fora esbulhado vencerá Art. 1.205 CC/02. A posse pode ser
Waldicreuza. Entretanto, em um juízo adquirida:
petitório, restando demonstrado o
domínio (por meio de nota fiscal, por I - pela própria pessoa que a
exemplo), o proprietário poderá reaver a pretende ou por seu representante;
coisa, anulando-se a ocupação.
II - por terceiro sem mandato,
b) Posse derivada dependendo de ratificação.

Há posse derivada quando a mesma é Constata-se que a posse pode ser


transmitida de um possuidor, o qual adquirida pela própria pessoa que a
‘perde’ (ao menos em tese – desdobramento pretende (seja diretamente, seja por meio
da posse) a posse a outro, que a adquire. de mandato - representante), ou por
terceiro sem mandato, desde que aquele
A transferência pode ser real, simbólica ou em nome de quem foi adquirida ratifique o
ficta. Nesse ponto, remetemos o aluno para ato (a ratificação possui efeito retroativo à
as páginas 60 e seguintes. data do recebimento do bem pelo terceiro
sem mandato).
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Na hipótese de terceiro sem mandato, A intenção de tal artigo é garantir a
estaremos diante da figura do gestor de continuidade da posse. No caso do sucessor
negócios. universal, não se inicia uma nova posse,
mas continua a posse anterior -
Assim, o representante (legal ou SUCESSÃO.
convencional) não será possuidor, mas
mero detentor. Como exemplo de sucessor universal
temos a herança, e o casamento.
Waldicreuza adquire produtos pela
internet, mas, por questões de trabalho, Entretanto, no caso de aquisição a título
autoriza expressamente que sua singular, ao possuidor cabe a escolha se
genitora receba os mesmos quando do inicia nova posse, ou se continua a antiga
ato de entrega. Nesse caso, a genitora de - UNIÃO.
Waldicreuza será mera detentora dos
produtos, sendo Waldicreuza sua Mas, observe, as características da posse
possuidora, e podendo, desde o momento não são alteradas.
da entrega, valer-se de ações
possessórias. Como esclarece Orlando Gomes,

Ademais, entes despersonalizados, tais “o que distingue a sucessão da


como espólio, massa falida, condomínio e união é o modo de transmissão da
coletividades de possuidores também posse, sendo a título universal,
podem ser possuidores. há sucessão; sendo o título
singular, há união. Não importa
Eis enunciado 236, do CJF: que a sucessão seja inter vivos ou
mortis causa. Na sucessão mortis
“Considera-se possuidor, para causa a título singular, a acessão
todos os efeitos legais, também a se objetiva pela forma da união.
coletividade desprovida de A sucessão de posses é
personalidade jurídica”. imperativa; a união, facultativa
enquanto ao singular é facultado
unir sua posse à precedente.
Aquisição a título universal e a título Sendo, nesta última hipótese,
singular uma faculdade, o possuidor atual
só usará se lhe convier,
A aquisição ocorrerá a título universal limitando-se à sua posse quando
quando a transferência é de uma do seu interesse” (Direitos
universalidade de bens, como ocorre, por reais..., 2004, p. 70).
exemplo, com uma biblioteca, herança ou
parte dela. Facilitando: tanto o sucessor universal
quanto o singular poderão defender a
Já a aquisição da posse a título singular posse em continuidade à posse anterior.
ocorre quando a coisa é individualizada,
como um carro ou um cachorro. Sobre a matéria, V Jornada de Direito
Civil, do ano de 2011:
Tal distinção mostra-se importante ao se
analisar o artigo 1.207 CC/02: “A faculdade conferida ao
sucessor singular de somar ou
Art. 1.207 CC/02. O sucessor não o tempo da posse de seu
universal continua de direito a antecessor não significa que, ao
posse do seu antecessor; e ao optar por nova contagem, estará
sucessor singular é facultado livre do vício objetivo que
unir sua posse à do antecessor, maculava a posse anterior”
para os efeitos legais. (Enunciado n. 494).

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Segundo Silvio Rodrigues: No jargão imobiliário é comum a utilização
do termo ‘de porteira fechada’. A compra e
“recebendo o herdeiro o todo ou venda desse modo permite a conclusão de
parte-alíquota do patrimônio do que todos os bens móveis que estiverem
de cujus, é a posse que o mesmo dentro do imóvel serão objetos do negócio.
desfrutava, e não outra, que o
sucessor a título universal passa Por outro lado, de houver a venda de um
a desfrutar. De modo que, se a apartamento em que reside Waldicreuza,
posse daquele era viciada ou de proprietária, a presunção se atua e se
má-fé, a posse do sucessor é considera transmitida a posse dos móveis,
viciada e de má-fé”. até que a vendedora (Waldicreuza) a
reclame, alegando que não fora objeto do
Já a sucessão a título singular, geralmente contrato.
ocorrida entre vivos (negociações, por
exemplo), faculta ao possuidor a escolha de
continuar com a posse do antecessor, ou
iniciar nova posse. Se utilizar a faculdade
legal, ou seja, se unir sua posse ao do
antecessor, a posse permanecerá eivada Como forma mais tradicional de
dos mesmos vícios da do antecessor. transmissão da posse, e seguindo o
Entretanto, se optar por desligar sua posse entendimento do professor Washington de
da do antecessor, não haverá mais os Barros Monteiro (Curso..., 2003, v. 3, p.
vícios, iniciando nova posse e, 200-201), há os seguintes tipos de tradição:
consequentemente, novo prazo para a
usucapião. i. Tradição Real: ocorre com a efetiva
entrega da coisa. Ex: entrega de uma
O assunto será aprofundado quando máquina de lavar; de um carro ou de um
tratarmos da usucapião. celular.

Extensão da aquisição da posse das coisas ii. Tradição Simbólica: há, em


imóveis verdade, um ato representativo da
transferência da coisa. Exemplo: entrega
Quando se adquire a posse de um bem das chaves de um apartamento. Por
imóvel, presume-se a aquisição de todas as questões óbvias (impossibilidade
coisas móveis que nele se encontrarem. material), não existe qualquer
possibilidade de arrancar o apartamento
Entretanto, tal regra é relativa, do solo e entregar para o adquirente.
permitindo prova em contrário.
Temos, aqui, a denominada traditio longa
Art. 1.209 CC/02. A posse do manu ( ‘tradição longe da mão’), em que o
imóvel faz presumir, até prova bem a ser entregue é colocado à disposição
contrária, a das coisas móveis da outra parte.
que nele estiverem.
iii. Tradição ficta: ocorre por
presunção, como é o caso da traditio brevi
manu (‘tradição perto da mão’), onde o
possuidor possuía bem alheio (posse
direta), e passa a possuir bem próprio.

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Calma que tudo fará sentido:
FORMAS DE
Waldicreuza era locatária do imóvel
residencial de Lucrécia. Certo dia, PERDA DA POSSE
durante uma conversa, Waldicreuza
pergunta se Lucrécia não venderia o Art. 1.223 CC/02. Perde-se a
imóvel para ela, recebendo como posse quando cessa, embora
resposta a afirmação positiva. A contra a vontade do possuidor, o
negociação é realizada e a compra poder sobre o bem, ao qual se
efetivada. Após o registro, Waldicreuza, refere o art. 1.196.
que era possuidora direta, passa a ser
possuidora plena, sem a necessidade de Seguindo a teoria de Ihering, ocorre a
realização efetiva da tradição. perda da posse quando o possuidor deixa
de agir como o proprietário agiria.
Ou seja, ela não precisa desocupar o
imóvel para que Lucrécia lhe entregue Cessando os atributos relativos à
as chaves. Ela já estava no imóvel e lá propriedade, cessada está a posse, a qual
continuará, havendo alteração só no restará extinta.
mundo jurídico, e não no mundo dos
fatos. Quem olha nada percebe. O artigo 520 do CC/1916 trazia
expressamente os casos em que havia a
Também é exemplo de tradição ficta o perda da posse, sendo certo que
denominado constituto possessório utilizaremos tal rol como exemplo
(cláusula constituti) – nome feio mas de (numerus apertus):
fácil compreensão. Ocorre quando o
possuidor possuía bem próprio e passa a - Pelo abandono da coisa (derrelicção),
possuir bem alheio. fazendo surgir a coisa abandonada (res
derelicta).
Waldicreuza, agora proprietária do
imóvel, resolve vendê-lo para O abandono há de ser voluntário. O
Romualdo, o qual realiza o pagamento e possuidor simplesmente não quer mais
registra a propriedade em seu nome. possuir.
Entretanto, solicita ao mesmo que
permita permanecer no imóvel por um No caso concreto há de se diferenciar a
mês, tempo necessário para coisa abandonada da coisa perdida.
providenciar toda a mudança. Nesse
caso, inexistindo o pagamento por parte O exemplo clássico é o lixo. A coisa
de Waldicreuza, estaremos diante de abandonada está no lixo; a coisa perdida,
comodato. Waldicreuza, que até então não.
era possuidora plena (por ser
proprietária), torna-se possuidora Na prática não é tão fácil vislumbrar, mas
direta, havendo o desdobramento da também podemos utilizar como exemplo
posse (posses paralelas). Estamos quando alguém presencia o ato de
diante do constituto possessório. abandono.

Outro exemplo comum de constituto Seguindo o ensinamento de Ihering, ‘dono


possessório é a doação com cláusula de da obra que joga a areia na calçada não a
usufruto. está abandonando, mas se lá ele lança
peças de roupa, o abandono se configura.
Isso porquanto é ato típico do dono de obra
deixar a areia na rua, mas não é ato de
dono de roupa deixá-la naquele lugar’.

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Essa análise se faz importante pois apenas
as coisas abandonadas podem ser objeto de - Pela posse de outrem, ainda contra a
ocupação, que constitui um meio de vontade do possuidor, se este não foi
propriedade de bens móveis. manutenido, ou reintegrado à posse em
tempo competente (pelo esbulho).
- Pela tradição
O esbulho constitui a tomada do bem
Consiste na entrega da coisa, que pode ser contra a vontade do possuidor, mediante
real, simbólica ou ficta, como já estudado. violência, clandestinidade ou
precariedade.
A causa da entrega não nos importa.
O artigo 1.223 CC/02 trata das hipóteses
- Pela perda ou destruição da coisa de esbulho por violência e por
possuída (desaparecimento do mundo). precariedade.

- Se a coisa for colocada fora do comércio, Já o artigo 1.224 CC/02 se refere ao


tratada como bem inalienável esbulho pela clandestinidade.

Consideram-se fora do comércio os bens Art. 1.223 CC/02. Perde-se a posse


naturalmente indisponíveis (insuscetíveis de quando cessa, embora contra a
apropriação pelo homem, como o ar vontade do possuidor, o poder
atmosférico, a água do mar), os legalmente sobre o bem, ao qual se refere o art.
indisponíveis (bens de uso comum, de uso
1.196.
especial e de incapazes, os direitos da
personalidade e os órgãos do corpo humano) e
os indisponíveis pela vontade humana Art. 1.224 CC/02. Só se considera
(deixados em testamento ou doados, com perdida a posse para quem não
cláusula de inalienabilidade). presenciou o esbulho, quando,
tendo notícia dele, se abstém de
São, assim, insuscetíveis de apropriação pelo retornar a coisa, ou, tentando
homem os bens que se acham em abundância recuperá-la, é violentamente
no universo e escapam de seu poder físico, como repelido.
a luz, o ar atmosférico, o mar alto etc.

Bens legalmente inalienáveis são os que, por DICAS FINAIS – POSSE


lei, não podem ser transferidos a outrem, não
se incluindo nesse conceito os que se tornaram Palavras chaves para a posse:
inalienáveis pela vontade do testador ou do
- Poder de Fato
doador. A inalienabilidade decorrente de ato
jurídico não tem força de subtrair o bem - Poderes dominiais sobre a coisa (usar ;
gravado da prescrição aquisitiva, não o gozar ; reivindicar);
colocando fora do comércio. - Utilidade econômica
Doutrina não entra em consenso sobre a
Decidiu, com efeito, o Superior Tribunal de possibilidade ou não de posse de bens
Justiça que, “com o usucapião simplesmente incorpóreos (e direitos da
extingue-se o domínio do proprietário anterior, personalidade). Cristiano Chaves de
bem como os direitos reais que tiver ele
Faria advoga no sentido da viabilidade
constituído e sem embargo de quaisquer
limitações a seu dispor”. de tal posse, alegando a evolução do
direito, inclusive na era digital. Nesse
Se assim não fosse, decidiu a mesma Corte em sentido, ele estabelece os seguintes
outra oportunidade, a inalienabilidade por ato critérios:
voluntário “poderia ensejar a burla da lei se o - Água corrente, ar, solo e estrelas são
proprietário instituísse o gravame sobre o bens materiais, mas não podem ser
imóvel possuído por terceiro, apenas para objeto de posse.
afastar a possível pretensão aquisitiva deste” - Eletricidade, energia e propriedade
GONÇALVES, Carlos Roberto – Direito das
intelectual são bens incorpóreos, mas
Coisas – Direito Civil Brasileiro - Volume V –
9. ed., São Paulo: Saraiva, 2014. P. 510 podem ser objetos de posse.
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Posse originária não enseja o
Nesse sentido, segue exemplo de desdobramento da posse. Ou seja,
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald: Waldicreuza invadiu um imóvel
“quando o fornecedor promove o corte de abandonado. Consequentemente, ela
eletricidade ou telefonia, o bem que se possui a posse plena do imóvel, não
vai consumir já se considera na órbita podendo se falar em posse
do poder fático do consumidor e a direta/indireta.
ameaça de lhe ser suprimido o Em ação possessória ganha quem tem a
fornecimento já gera a proteção melhor posse!
possessória”. (p. 117)

Entretanto, Flávio Tartuce já é adepto


à corrente dos que não aceitam a posse
de bens incorpóreos, utilizando como
argumento o Enunciado 228, da Súmula
do STJ: “É inadmissível o interdito
proibitório para a proteção do direito
autoral”. Em suma, no tocante aos
direitos de autor, a medida preventiva
possessória não é cabível, eis que não
seria possível a posse sobre bens
imateriais ou direitos da personalidade,
como ocorre com os direitos em questão.

Todavia, cabem as ações de obrigação


de fazer, de não fazer ou de entrega de
coisa certa, com a viabilidade de tutela
específica para o seu cumprimento
consagrada na lei processual.”
(TARTUCE 70)
O desdobramento da posse advém de
uma relação jurídica de direito real ou
obrigacional. Entretanto, tais relações
concedem o direito à posse, e não a posse
propriamente dita, a qual é obtida de
forma progressiva, ou seja, primeiro
firma-se o contrato de comodato;
posteriormente o comodatário ingressa
no imóvel, obtendo a posse direta.
A posse direta sempre será una;
entretanto, há possibilidade de
tripartição da posse. Ou seja,
inexistindo vedação para a sublocação,
por exemplo, poderá o locatário sublocar
o imóvel para terceiro, ocasião em que
serão possuidores indiretos: locatário e
proprietário; e possuidor direto:
sublocador.
Nesse caso específico, poderá primeiro
locatário propor ação de despejo, mesmo
não sendo o proprietário, desde que
prove a existência da relação
obrigacional que lhe conferiu a posse
indireta do bem.

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O Código Civil de 2002 perdeu a
oportunidade de definir a propriedade,
trazendo apenas seus atributos, conforme
se verifica por meio de breve leitura do
artigo 1.228 CC/02:

Art. 1.228 CC/02. O proprietário


tem a faculdade de usar, gozar e
dispor da coisa, e o direito de
reavê-la do poder de quem quer
que injustamente a possua ou
detenha.

Diante dos referidos elementos, Maria


Helena Diniz reduz a propriedade aos
mesmos, expondo-os da seguinte forma:

O direito de usar da coisa é o de


‘E assim a propriedade formal é essa coisa tirar dela todos os serviços que
extraordinária, muito maior do que a pode prestar, dentro das
posse. restrições legais, sem que haja
Diferentemente dos tigres e logos, que modificação em sua substância.
arreganham os dentes para proteger os O direito de gozar da coisa
seus territórios, o homem, fisicamente um exterioriza-se na percepção dos
animal mais fraco, usou a sua mente para seus frutos e na utilização de
criar um ambiente legal – a propriedade – seus produtos. É, portanto, o
para proteger o seu território’. (Hernando direito de explorá-la
de Soto) economicamente.
O direito de dispor da coisa é o
poder de aliená-la a título
oneroso ou gratuito, abrangendo
PROPRIEDADE o poder de consumi-la e o de
gravá-la de ônus reais ou de
submetê-la ao serviço de outrem.
Conceito e noções O direito de reivindicar a coisa é
o poder que tem o proprietário de
introdutórias mover ação para obter o bem de
quem injusta ou ilegitimamente
o possua ou o detenha, em razão
Como já vimos, a propriedade é de do seu direito de sequela.
manifestação obrigatória em nosso
ordenamento jurídico, sendo o único Estamos diante do famoso GRUD.
direito real primário. É o mais importante
dos direitos reais! Ainda em relação à conceituação,
mencionamos o entendimento clássico de
Assim, quando falamos, por exemplo, em Clóvis Beviláqua, o qual estabelecia que a
direitos na coisa alheia, há nítida propriedade é o poder assegurado pelo
preexistência da propriedade, mesmo que grupo social à utilização de bens da vida
de forma fragmentada (ou seja, algum física e moral.
proprietário determinou a possibilidade de
outrem ter algum tipo de vínculo jurídico Em outros termos, ele admitia a
com um objeto seu). propriedade tanto de bens corpóreos
quanto de bens incorpóreos (imateriais).

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Entretanto, esse tema nunca foi pacífico Não é apenas o homem do direito
na doutrina. Tartuce relata que Silmara ou do business man que a
Juny de Abreu Chinellato sempre advogou percebe. Os menos cultivados, os
no sentido de que propriedade somente espíritos mais rudes, e até
recai sobre bens corpóreos: crianças têm dela a noção inata,
defendem a relação jurídica
“A natureza jurídica híbrida, dominial, resistem ao
com predominância de direitos desapossamento, combatem o
da personalidade, do direito de ladrão. Todos ‘sentem’ o
autor como direito especial, suis fenômeno propriedade”
generis, terá como consequência (PEREIRA, Caio Mário da Silva.
não serem aplicáveis regras da Instituições..., 2004, v. IV, p. 89).
propriedade quando a ele se
referirem, nas múltiplas Não nos revela equivocada a conclusão de
considerações das relações que a propriedade constitui o direito de
jurídicas” (CHINELLATO, alguém usar, gozar, dispor e reivindicar a
Silmara Juny de Abreu. Direito coisa, sendo este último direito exercido
de autor…, 2008, p. 99). contra quem injustamente a detenha ou
possua. Há, assim, uma submissão da
Seguindo o mesmo entendimento, Álvaro coisa a uma pessoa.
Villaça Azevedo define que o objeto da
propriedade (e do Direito das Coisas em Em verdade, tecnicamente é importante
geral), observar que só há de se falar
efetivamente em proprietário quando a
‘são bens corpóreos com valor pessoa possui a titulação formal
econômico, (res quae tangi reconhecida pelo direito para a aquisição
possunt – coisas que podem ser da coisa (é justamente tal titulação formal
tocadas com a ponta dos dedos), que serve como prova da propriedade,
sobre as quais pode ser exercido o quando exige-se, em relação ao bem
poder do titular)’ (AZEVEDO, imóvel, por exemplo, a apresentação do
Álvaro Villaça. Curso…, 2014, p. registro – RGI). Aprofundaremos esse
4) ponto adiante.

Utilizando uma visão mais A propriedade pertence, em caráter


contemporânea, Caio Mário da Silva exclusivo, à determinada pessoa, sendo
Pereira ensina que inexiste um conceito certo que o bem está à sua disposição.
fechado de propriedade: Entretanto, desde já ressaltamos que os
atributos da propriedade (GRUD) não são
“Direito real por excelência, mais ilimitados, ou seja, há certas
direito subjetivo padrão, ou restrições e limitações oriundas da lei e,
‘direito fundamental’ (Pugliatti, muitas das vezes, do próprio costume local
Natoli, Plainol, Ripert e – interesses extrapatrimoniais.
Boulanger), a propriedade mais
se sente do que se define, à luz Propriedade = direito que alguém possui
dos critérios informativos da em relação a um determinado bem,
civilização romano-cristã. A ideia podendo usar, gozar, dispor ou
de ‘meu e teu’, a noção do reivindicar a coisa de quem quer que
assenhoreamento de bens esteja com ela (de forma injusta), mas
corpóreos e incorpóreos desde que haja respeito à sua função
independe do grau de social.
cumprimento ou do
desenvolvimento intelectual. Art. 5º, XXII CRFB/88 - é
garantido o direito de
propriedade;

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XXIII - a propriedade atenderá a No ‘mundo de Alice’, o direito à uma vida
sua função social; digna, observando a ideia do patrimônio
mínimo, se inicia com a propriedade de
A propriedade, assim, não pode se uma casa própria, o que justifica tamanha
sobrepor a outros direitos, especialmente proteção à propriedade.
em prol dos interesses coletivos e sociais.

Concluindo: o exercício ao direito de Faculdades relativas


propriedade não é irrestrito, devendo
observar e respeitar suas finalidades à propriedade
econômicas e sociais (bem-estar social),
havendo inclusive respeito à flora, fauna e Como amplamente estudado desde o início
ao meio ambiente como um todo. do curso, existem quatro faculdades
inerentes à propriedade:
Quanto a função social da propriedade,
Leon Duguit esclarece que:

A propriedade deixou de ser o


direito subjetivo do indivíduo e
tende a se tornar a função social
do detentor da riqueza mobiliária
e imobiliária; a propriedade
implica para todo detentor de O E S I
uma riqueza a obrigação de
empregá-la para o crescimento Z I A S
da riqueza social e para a
interdependência social. Só o
A V R P
proprietário pode executar uma R I O
certa tarefa social. Só ele pode
aumentar a riqueza geral N R
utilizando a sua própria; a
propriedade não é, de modo ou D
algum, um direito intangível e
sagrado, mas um direito em
I
contínua mudança que se deve
modelar sobre as necessidades
F C
sociais às quais deve responder. R A
(DUGUIT, Leon apud GOMES,
Orlando. Direitos Reais. 19. ed. U R
atual. Rio de Janeiro: Forense, p.
126) I
Tornando as coisas um pouco mais R
românticas : é por meio da propriedade
que as pessoas se sentem mais realizadas, a) GOZAR (ou fruir) – ius fruendi
seja adquirindo um carro, uma bicicleta,
um celular, um animal de estimação, ou Consiste na possibilidade de retirar frutos
uma casa. Assim, a propriedade pode ser da coisa (sejam eles civis, industriais ou
considera um meio para se garantir a naturais, como já trabalhamos outrora), e
dignidade da pessoa humana. tirar proveito dos produtos. É o
aproveitamento econômico da coisa.

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Exemplo: O autor de ação reivindicatória deve
também demonstrar que o bem está na
Waldicreuza é proprietária de um posse injusta do réu (e, aqui, não nos
apartamento, o qual é alugado para referimos à injustiça estudada na posse
Lucrécia por R$ 2.000,00 / mês. O valor (violenta, clandestina ou precária), mas
aferido mensalmente é o fruto civil – uma injustiça em relação à ausência de
rendimentos. justo título, sem causa jurídica que a
- Waldicreuza está usando o bem. justifique).

b) REIVINDICAR – ius vindicandi Quanto ao prazo para a propositura da


ação reivindicatória, há duas correntes:
Por meio de ação petitória (OBSERVE
AQUI QUE NÃO HÁ O QUE SE FALAR I. Há sujeição ao prazo
EM AÇÃO POSSESSÓRIA!), pode o prescricional – 10 anos (artigo
proprietário reivindicar a coisa contra 205 CC/02), a contar do início
quem injustamente a possua ou detenha. da violação do direito subjetivo
de propriedade, como regra.
A mais comum das ações petitórias é a II. Imprescritibilidade da ação
reivindicatória – principal ação real reivindicatória – este é o
fundada no domínio, que possui como entendimento majoritário de
fundamento o direito de sequela nossos Tribunais, inclusive do
disciplinado no artigo 1.228 CC/02. STJ. Nesse sentido, seguem
ementas:
Aqui, em breve síntese, se discute a
propriedade visando a retomada/conquista “Agravo em agravo de
da coisa (o requerimento da obtenção da instrumento – Ação
posse possui como fundamento a reivindicatória –
propriedade), quando terceira pessoa, de Imprescritibilidade – Prescrição
forma injustificada, a detenha ou possua, aquisitiva não ocorrente –
dizendo-se dona – o efeito de tal ação é Verbete 83 da Súmula do STJ.
fazer com que o possuidor ou detentor Pacífica a jurisprudência do STJ
restitua/entregue o bem com todos os seus no mesmo sentido do acórdão
acessórios, ao proprietário. recorrido, incide o óbice do
Verbete n. 283 da Súmula desta
Não sendo possível a restituição, deverá o Corte. Agravo improvido” (STJ,
possuidor ou detentor de má-fé indenizar o AgRg no Ag 569.220/RJ, 4.ª
proprietário, sem prejuízo de perdas e Turma, Rel. Min. Cesar Asfor
danos. Rocha, j. 08.06.2004, DJ
04.10.2004, p. 315).
Diferentemente do que ocorre nas ações “Ação reivindicatória –
possessórias, nas ações petitórias é Prescrição – Súmula 283 do
imprescindível a comprovação do domínio, Supremo Tribunal Federal –
juntando no processo a prova da Precedentes da Corte. 1. Sem
propriedade, com seu respectivo registro discrepância a jurisprudência da
(bem imóvel), além de descrever o imóvel Corte sobre a imprescritibilidade
com suas confrontações. da ação reivindicatória. 2. Não
avançando o especial sobre o
fundamento de mérito, aplica-se
a Súmula 283 do Supremo
Tribunal Federal. 3. Recurso
especial não conhecido” (STJ,
REsp 216.117/RN, 3.ª Turma,
Rel. Min. Carlos Alberto Menezes
Direito, j. 03.12.1999, DJ
28.02.2000, p. 78).
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“Processual civil – Ação Outro ponto de suma importância em
reivindicatória – Matéria de relação à ação reivindicatória é que aqui
prova – Prescrição aquisitiva. I – não há previsão legal de liminar para a
Segundo a jurisprudência e a devolução do bem, como ocorre no caso de
doutrina, a ação reivindicatória é ação possessória de força nova (tema já
imprescritível, admitindo-se, estudado).
porém, que o possuidor, quando
presentes os pressupostos da Entretanto, doutrina majoritária advoga
usucapião, alegue este contra o no sentido da possibilidade de se deferir
proprietário para elidir o pedido” tutela provisória de urgência antecipada
(STJ, REsp 49.203/SP, 3.ª ou tutela provisória de evidência (tutelas
Turma, Rel. Min. Waldemar provisórias), desde que haja o
Zveiter, j. 08.11.1994, DJ preenchimento dos requisitos legais para
08.05.1995, p. 12.388). sua concessão – artigo 300 e seguintes, do
Código de Processo Civil:
Assim, não há sujeição da ação
reivindicatória à prescrição ou decadência, “Agravo de instrumento. Ação
uma vez que o domínio é perpétuo e há sua reivindicatória. Tutela de
extinção apenas nos casos estabelecidos urgência. Presença dos
pela lei. pressupostos. A concessão de
tutela de urgência exige a
Transcreveremos os ensinamentos de presença da probabilidade do
Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade direito e o perigo de dano ou o
Nery sobre as características da ação risco ao resultado útil do processo
reivindicatória, as quais foram mantidas (art. 300, do NCPC).
no CPC/15: Na espécie, dos elementos
trazidos aos autos, num juízo
a) Natureza jurídica: trata-se de perfunctório da questão, se
ação real, sendo fundamento do observa o perigo de dano da
pedido a propriedade e o direito de parte, no sentido de ter
sequela a ela inerente. reformada a decisão que
b) Finalidade: visa à restituição da indeferiu pedido seu de tutela de
coisa. É a ação cabível ao urgência. Reformada a
proprietário que tinha a posse e interlocutória que indeferiu a
injustamente a perdeu, ou então tutela de urgência de natureza
àquele que não possui a coisa e cautelar, em razão da presença
quer imitir na posse. Procura ele dos pressupostos elencados no
efetivar o seu direito de artigo 300, caput, do CPC/15.
propriedade, mediante a devolução Deferido o pedido liminar de
da coisa. suspensão da obra realizada no
c) Requisitos: prova da imóvel objeto da discussão. Dado
propriedade e da posse molestada. provimento ao agravo de
O réu pode alegar, em defesa, a instrumento, por decisão
exceptio proprietatis (exceção de monocrática” (TJRS, Agravo de
domínio), o que não pode ocorrer Instrumento 0445827-
nas ações possessórias, como visto 03.2016.8.21.7000, Santa Maria,
no capítulo anterior. 18.ª Câmara Cível, Rel.ª Des.ª
d) (…) Marlene Marlei de Souza, j.
e) Remissões: art. 1.228 do CC 28.08.2017, DJERS 01.09.2017).
(NERY JR. Nelson; NERY, Rosa
Maria de Andrade. Comentários...
2015, p. 1377).

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“Agravo de instrumento. Ação Logo, mostra-se aconselhável que
reivindicatória. Tutela de eventual desocupação pela
urgência. Requisitos presentes. A agravante/requerida se dê apenas
ação reivindicatória possui no momento oportuno, após a fase
fundamento no direito de instrutória” (TJRS, Agravo de
sequela, disciplinado pelo art. Instrumento 0210517-
1.228 do Código Civil, sendo 80.2017.8.21.7000, Lajeado, 19.ª
proposta pelo proprietário Câmara Cível, Rel. Des. Eduardo
destituído posse, em face do não João Lima Costa, j. 31.08.2017,
proprietário que a detém de DJERS 11.09.2017).
forma injusta. A tutela de
urgência será concedida quando Por fim, ainda trabalhando a ação
houver elementos que reivindicatória, verifica-se que o artigo
evidenciem a probabilidade do 1.228 CC/02 estabelece que ao proprietário
direito e o perigo de dano ou risco é garantido o direito de reivindicar a coisa
ao resultado útil ao processo, contra quem quer que injustamente a
presentes tais requisitos o possua ou detenha.
deferimento da liminar é medida
que se impõe” (TJMG, Agravo de Nesse ponto, verifica-se a possibilidade do
Instrumento 1.0193.16.002599- proprietário propor ação reivindicatória
8/001, Rel. Des. Sérgio André da em face do detentor (o qual figurará o polo
Fonseca Xavier, j. 29.08.2017, passivo da demanda).
DJEMG 31.08.2017).

Interessante julgado do Tribunal Gaúcho Mas, questiona-se: quando tal situação


sobre a viabilidade, inclusive, da tutela de poderá ocorrer, já que é muito difícil
evidência em sede de ação reivindicatória: visualizar as formas de defesa por alguém
que sequer tem a posse?!
“a tutela de evidência, conforme
art. 311, do novo CPC, (Lei nº Ora, simples: imagine que o invasor de
13.105/15), será concedida, uma fazenda contrate um caseiro, o qual,
independentemente de em razão da obediência hierárquica, é
demonstração de perigo de dano ou responsável por cuidar do local. Nesse
de risco ao resultado útil do caso, o caseiro é detentor e não possuidor,
processo. Seu deferimento, conforme já estudamos anteriormente. Já
todavia, exige a presença de uma o invasor é um possuidor injusto.
das hipóteses previstas no art. 311
do CPC/2015 no caso em concreto, Entretanto, lembrem-se que
não é caso de deferimento de plano quando trabalhamos as
da medida de desocupação do bem, ações possessórias
pois há dúvida quanto à situação reforçamos que não deveria
fática exposta pela parte ser proposta em face do
agravada. A prova dos autos se detentor, visto que o mesmo
mostra contraditória e não não é possuidor. Na eventual
permite, in initio litis, ter a exata hipótese de demanda nesse
extensão da relação havida entre sentido, deverá o detentor, em fase de
as partes sobre o imóvel contestação, alegar ser parte ilegítima,
controvertido. ocasião em que o juiz facultará ao autor a
substituição do réu (antigamente
tínhamos a denominada nomeação à
autoria, instituto que não está mais
presente em nosso atual CPC).

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Mas, e em relação às ações Este também era o entendimento de vários
reivindicatórias?! Há real viabilidade do outros doutrinadores renomados, inclusive
detentor figurar no polo passivo da ação?! Fredie Didier Jr.

Segundo Alexandre Câmara, o termo Entretanto, utilizando um diálogo das


‘detentor’ inserido no final do artigo 1.228 fontes, Flávio Tartuce já lecionava, desde
CC/02 seria inconstitucional por violar o a vigência do Código de Processo Civil
devido processo legal (entendimento anterior, que a redação do artigo 1.228
explanado na vigência do CPC de 1973): CC/02 deve ser interpretada no sentido de
viabilizar que o proprietário reivindique o
Imagine-se o que aconteceria bem contra quem quer que embarace o seu
quando se ajuizasse demanda direito. Não há a conclusão, assim, de que
reivindicatória em face do haverá a formação de um processo apenas
detentor de um bem. Julgado em face ao detentor.
procedente a demanda, e tendo
início a execução do comando Assim, após a vigência do CPC/15, os
contido na sentença, o possuidor entendimentos hão de ser adaptados,
do bem (em cujo nome o sendo certo que a conclusão que nos parece
demandado o detém) certamente mais razoável é no sentido de que a ação
ajuizaria embargos de terceiro, pode ser proposta contra o detentor do bem
sob a alegação de que não pode ou contra o detentor e o possuidor, sendo
ter seu patrimônio alcançado viáveis os caminhos processuais para a
pela execução de uma sentença inclusão do possuidor no polo passivo, no
proferida em processo de que não primeiro caso – chamamento ao processo –
foi parte, sendo certo que art. 339 CPC.
eventual coisa julgada que ali
tenha sido produzida não o * DA AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE*
alcança, uma vez que, conforme
estabelecido no art. 472 do CPC, Alguns doutrinadores não diferenciam a
a coisa julgada só se produz para ação de imissão de posse (ou imissão na
as partes entre as quais a posse) da ação reivindicatória. Entretanto,
sentença é dada, não respeitando nossa intenção de garantir um
beneficiando nem prejudicando aprendizado mais técnico, vamos
terceiros. estabelecer a devida distinção em relação
Além disso, ao se admitir que a aos institutos.
demanda ajuizada em face do
detentor é capaz de fazer com que Ressaltamos que o devido aprofundamento
o possuidor perca a posse da ocorrerá na disciplina Direito Processual
coisa, estar-se-á fazendo com que Civil.
este seja privado de um bem sem
o devido processo legal, o que Primeiro de tudo: não se deixe enganar
contraria, frontalmente, a pela nomenclatura! Em que pese o termo
garantia estabelecida no art. 5.º, ‘posse’, estamos diante de uma ação
LIV, da Constituição da petitória!
República. Vê-se, assim, que de
nada adiantaria demandar em Ou seja, aqui discutimos a propriedade, e
face do detentor, pois o processo não a posse.
assim instaurado não produziria
qualquer resultado útil, o que A ação de imissão de posse estava
contraria as mais nobres regulada no Código de Processo Civil de
garantias constitucionais do 1939. O CPC de 1973 não tratava do
processo” (CÂMARA, Alexandre assunto, sendo certo que o atual CPC
Freitas. Lições..., 2004, v. I, p. também não menciona tal instituto.
196).

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Assim, a conclusão doutrinária é no Talvez seja mais adequado
sentido de que o fundamento principal da denominar a demanda como ação
ação de imissão de posse é o artigo 1.228 reivindicatória, o que melhor
CC/02, ou seja, a propriedade, e não a condiz com a sua natureza
posse. jurídica. (TARTUCE 96)

A grande diferença da ação de imissão de Em que pese o entendimento de Nelson


posse da ação reivindicatória é que, Rosenvald e Cristiano Chaves, não
naquela, em que pese ser fundada no título estamos diante de fungibilidade, mas de
de propriedade, o interessado nunca teve a dúvidas a respeito da utilização do termo
posse. ‘ação de imissão de posse’, até mesmo
porque, como vimos, tal ‘ação’ não fora
Exemplo clássico é daquele proprietário mencionada no atual Código de Processo
que arrematou um bem em um leilão, e Civil.
deseja adentrar no imóvel.
Entretanto, essa conclusão não é pacífica.
Nesse sentido: Pelo contrário, há corrente doutrinária que
segue o ensinamento de Cristiano Chaves
“Possessória. Imissão na posse. e Nelson Rosenvald, os quais afirmam que:
Imóvel adquirido pelos apelados
de instituição financeira, “O novo proprietário invocará o
mediante instrumento particular jus possidendi, pois pedirá a
de promessa de venda e compra, posse com fundamento na
arrematado em leilão judicial. propriedade que lhe foi
Ocupação do imóvel por terceiro, transmitida. Na hipótese
que não possui nenhum vínculo concebida, seria inadequado o
com os proprietários ou ajuizamento de uma ação
antecessor. Alegação de conexão reivindicatória. Com efeito, o
descaracterizada por ausência de art. 1.228 do Código Civil
requisitos. Ilegalidade do leilão concede-a apenas ao proprietário
não demonstrada. Litigância de que pretende reaver a posse
má-fé reconhecida. Dedução de perdida contra qualquer
pretensão, ou defesa exercida em possuidor que a obteve de forma
recurso com má-fé. Inteligência injusta, e não haver a coisa pela
das disposições dos artigos 18, § primeira vez em face de quem a
2.º, c/c o 17, III e VII, todos do transmitiu. Forte em Carlos
Código de Processo Civil. Roberto Gonçalves, “o objetivo da
Sentença de procedência imissão é consolidar a
mantida. Recurso improvido” propriedade, em sentido amplo.
(TJSP, Apelação Cível com Enquanto a reivindicação tem
Revisão 147.094-4/5, Santos, 4.ª por fim reaver a propriedade.”
Câmara de Direito Privado, Rel. (Cristiano Chaves de Faria e
Des. Fábio Quadros, 07.12.2006, Nelson Rosenvald, p. 259)
v.u., Voto 4.050).
De qualquer modo, na prática, julgamos
Quanto a nomenclatura, é interessante ser indiferente nomear a ação como
transcrevermos uma ponderação realizada ‘imissão de posse’ ou como reivindicatória,
por Tartuce: única e exclusivamente em razão da
De toda sorte, como a ação é inexistência de posse anterior, sendo certo
petitória, fundada na que tal escolha não gerará nenhum
propriedade, fica em dúvida a prejuízo, já que ambas possuem o mesmo
utilização, na prática, do termo procedimento – comum, inclusive.
ação de imissão de posse.

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Talvez a maior diferença entre ambas as
ações seja em relação ao polo ativo, visto
que os doutrinadores supramencionados
entendem que a legitimidade ativa é mais
ampla do que para na ação reivindicatória. Alguém pode comprar um celular única e
exclusivamente para jogar. Por mais que
Ou seja, na hipótese de contrato de tenha inúmeras funções (e, especialmente
compromisso de compra e venda, poderia o a função de fazer ligações (ou deveria
promitente comprador, ser!)), ninguém tem nada com isso!
independentemente de prévio registro do
contrato ou do pagamento do preço, Aqui há de se observar as normas e
ingressar com a ação de imissão de posse limitações estabelecidas por nosso
caso o contrato possua cláusula que ordenamento jurídico.
determine que o promitente comprador
iria imitir imediatamente na posse. A Constituição Federal e o Código Civil,
por exemplo, estabelecem limitações ao
uso da propriedade quando regulamentam
o direito de vizinhança.

Mas, atenção! A fungibilidade das ações


possessórias NÃO se aplica em relação
às ações petitórias.
Há, também, o Estatuto da Cidade (Lei
Ou seja: se o autor propôs uma ação 10.257/01), as políticas urbanas (lei de
possessória (reintegração de posse, por Zoneamento Urbano) e as limitações
exemplo), ao invés de propor ação advindas do Direito Administrativo que
petitória (reivindicatória, por exemplo), estabelecem as hipóteses de
o juiz NÃO irá aplicar a fungibilidade, desapropriação nos casos previstos em lei.
concedendo prazo para emendar a
inicial sob pena de extinção do feito! d) DISPOR – ius disponendi

Por fim, é importante ter muito cuidado Por atos Inter vivos ou mortis causa, pode
com o caso em que, após adquirir a o proprietário livrar-se da coisa, ofertar,
propriedade, o novo proprietário não oferecer, conceder, doar, despojar-se,
consegue imitir-se na posse em desfazer-se, vender…
decorrência da presença de um terceiro
sem qualquer elo de subordinação ou de Como exemplo de disposição por ato Inter
relação jurídica com o alienante, ocasião vivos, temos o contrato de compra e venda
em que a ação cabível é a e doação.
reivindicatória, a qual é proposta contra
quem injustamente possua ou detenha o Em relação ao ato mortis causa, há o
bem. testamento.

c) USAR – ius utendi

O proprietário pode utilizar a coisa como


bem entender – dirigirá um carro, mas
também poderá guardar seus pertences
nele e até mesmo utilizá-lo para dormir.

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* Imagem extraída do livro de Flávio


Tartuce
b) Propriedade Limitada ou Restrita
Os quatro atributos da propriedade
encontram-se aderidos (presos) à mesma.
Já a propriedade limitada é aquela que
Caso o sujeito tenha todos os atributos, ocorre quando há algum ônus sobre a
terá a propriedade plena. propriedade, como por exemplo, uma
hipoteca, servidão ou usufruto.
Caso o sujeito distribua tais atributos para
Na hipótese de propriedade resolúvel, ou
pessoas distintas, terá a propriedade
seja, que depende de alguma condição ou
restrita ou limitada.
termo (art. 1.359 e 1360), também temos
uma propriedade limitada.

Classificação da Exemplo de propriedade resolúvel:


alienação fiduciária em garantia –
propriedade Lucrécia oferece um crédito
R$ 50.000,00 à Waldicreuza, mas, em
de

A propriedade possui as seguintes troca, solicita um bem em garantia.


Waldicreuza, assim, transmite um direito
classificações:
real de propriedade à Lucrécia,
a) Propriedade Plena ou Alodial transferindo seu imóvel localizado na
cidade de Resende à credora (mediante
Como acabamos de ver, se o proprietário contrato, com o devido registro no Registro
Imobiliário competente). Neste ‘exato
tem consigo as faculdades de gozar, dispor,
usar e reivindicar a coisa, terá a momento’ Lucrécia se torna proprietária
propriedade plena. do imóvel; entretanto: proprietária
resolúvel, pois essa propriedade pode
Todos esses atributos estão em suas mãos, ‘morrer’, desde que ocorra um evento
futuro e incerto, ou seja, desde que
de forma unitária, sem que terceiros
Waldicreuza efetue o pagamento da
tenham qualquer direito sobre a coisa.
dívida.

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Nesse caso é importante ressaltar que o Nesses casos, um ou alguns dos atributos
devedor continua na posse do imóvel, ou da propriedade passa para a mão de
seja, Waldcreuza continua residindo no outrem, constituindo-se em direito real
imóvel (pose direta), o que permite dizer sobre coisa alheia.
que houve um desdobramento da posse.
Na hipótese de propriedade limitada, o
Art. 1.361 CC/02. Considera-se direito de propriedade se compõe em duas
fiduciária a propriedade partes:
resolúvel de coisa móvel
infungível que o devedor, com I. Nua-propriedade: corresponde ao
escopo de garantia, transfere ao fato de ser proprietário e ter o bem em seu
credor. nome. Geralmente é aquela despida dos
atributos de uso e de fruição - usufruto.
§ 1º Constitui-se a propriedade Quem a detém é denominado de nu-
fiduciária com o registro do proprietário, senhorio direto ou
contrato, celebrado por proprietário direto.
instrumento público ou
particular, que lhe serve de Exemplo: os pais adquirem um imóvel,
título, no Registro de Títulos e registram no nome dos filhos e gravam em
Documentos do domicílio do usufruto vitalício para eles, ou seja: os
devedor, ou, em se tratando de filhos serão proprietários; entretanto, os
veículos, na repartição pais poderão usar e fruir do bem até seus
competente para o licenciamento, falecimentos ou renúncia ao usufruto.
fazendo-se a anotação no Nesse exemplo, os pais são possuidores
certificado de registro. diretos do imóvel, e os filhos, indiretos,
sendo também nu-proprietários.
§ 2º Com a constituição da
propriedade fiduciária, dá-se o Os filhos podem: dispor e reaver o bem ->
desdobramento da posse, nu-proprietários.
tornando-se o devedor possuidor Os pais podem: usar e gozar do bem. ->
direto da coisa. usufrutuários.

Art. 1.359 CC/02. Resolvida a II. Domínio útil: corresponde aos


propriedade pelo implemento da atributos de gozar, usar e dispor da coisa.
condição ou pelo advento do Dependendo de qual atributo possuir, a
termo, entendem-se também pessoa será denominada de superficiária,
resolvidos os direitos reais usufrutuária, usuária, habitante,
concedidos na sua pendência, e o promitente compradora etc.
proprietário, em cujo favor se
opera a resolução, pode Assim, atenção: Waldicreuza pode ser
reivindicar a coisa do poder de proprietária de um bem específico,
quem a possua ou detenha. havendo o devido registro, e, ao mesmo
tempo, Luanderson ter o direito de usar,
Art. 1.360 CC/02. Se a gozar e até mesmo dispor do bem em razão
propriedade se resolver por outra de um negócio jurídico.
causa superveniente, o
possuidor, que a tiver adquirido Se o domínio útil e a nua-propriedade
por título anterior à sua pertencerem à mesma pessoa, há
resolução, será considerado propriedade plena. Sendo de pessoas
proprietário perfeito, restando à diversas, há propriedade limitada.
pessoa, em cujo benefício houve a
resolução, ação contra aquele
cuja propriedade se resolveu
para haver a própria coisa ou o
seu valor.
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Reforçando a importância do tema, a V
Noções gerais e Jornada de Direito Civil estabeleceu a
seguinte tese:
função social da
Na aplicação do princípio da
propriedade função social da propriedade
imobiliária rural, deve ser
Do artigo 1.228 ao artigo 1.232, todos do observada a cláusula aberta do §
Código Civil, há a estipulação de regras 1.º do art. 1.228 do Código Civil,
gerais relativas à propriedade, havendo que, em consonância com o
especialmente questões específicas disposto no art. 5.º, inciso XXIII,
referentes às rescrições ao direito de da Constituição de 1988, permite
propriedade em razão da função social. melhor objetivar a
funcionalização mediante
Como já vimos umas 500x, o caput do critérios de valoração centrados
artigo 1.228 trata dos atributos da na primazia do trabalho”
propriedade. (Enunciado n. 507).

Já o parágrafo 1º do artigo 1.228 CC/02 é A Constituição Federal, em seu artigo 186,


um dos mais importantes relativos ao estabelece que:
tema, posto que consagra expressamente a
função social da propriedade. Art. 186 CRFB/88. A função
social é cumprida quando a
O exercício dos poderes da propriedade há propriedade rural atende,
de ser útil tanto ao proprietário quanto à simultaneamente, segundo
coletividade. critérios e graus de exigência
estabelecidos em lei, aos
Art. 1.228 CC/02 § 1º. O direito de seguintes requisitos:
propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas I - aproveitamento racional e
finalidades econômicas e sociais e adequado;
de modo que sejam preservados,
de conformidade com o II - utilização adequada dos
estabelecido em lei especial, a recursos naturais disponíveis e
flora, a fauna, as belezas preservação do meio ambiente;
naturais, o equilíbrio ecológico e
o patrimônio histórico e artístico, III - observância das disposições
bem como evitada a poluição do que regulam as relações de
ar e das águas. trabalho;

A função social da propriedade há de ser IV - exploração que favoreça o


aplicada tanto em relação aos bens bem-estar dos proprietários e dos
imóveis, quanto aos bens móveis. trabalhadores.

Observe-se que há duas correntes


relativas à função social da propriedade:
individualista e solidarista.

Seguindo a corrente solidarista,


entendemos que tanto a propriedade rural
quanto a urbana devem seguir parâmetros
para o cumprimento de sua função social.

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É importante tecer a diferenciação entre Justificando as razões supraexpostas, o


função social e aproveitamento econômico. STJ possui entendimento no sentido de
que o novo proprietário é obrigado a
Há situações em que pode estar ocorrendo realizar a recuperação ambiental do
total aproveitamento econômico; imóvel, mesmo que não tenha causado o
entretanto, lesão à função social (da dano:
propriedade ou da posse, inclusive).
“Ação civil pública. Danos
Por exemplo: quando um proprietário de ambientais. Responsabilidade do
solo urbano, para maximização dos fins adquirente. Terras rurais.
econômicos, deixa de observar as Recomposição. Matas. Recurso
exigências estabelecidas pela ordenação especial. Incidência da Súmulas
da cidade. 7/STJ e 283/STF. I – Tendo o
Tribunal a quo, para afastar a
Ou necessidade de regulamentação
da Lei 7.803/1989, utilizado como
Quando o proprietário de terreno rural não alicerce a superveniência das
realiza o correto reaproveitamento Leis n. 7.857/1989 e n.
racional e adequado da terra quando da 9.985/2000, bem assim o contido
plantação de determinado legume. no art. 225 da Constituição
Federal, e não tendo o recorrente
Ou enfrentado tais fundamentos,
tem-se impositiva a aplicação da
Quando um criador de gados não promove Súmula 283/STF. II – Para
o bem estar de seus empregados. analisar a tese do recorrente no
sentido de que a área tida como
Comprova-se, por meio de tais exemplos, degradada era em verdade
que a produtividade ou os fins econômicos coberta por culturas agrícolas,
não estão sempre atrelados à função social seria necessário o reexame do
da propriedade ou da posse. conjunto probatório que serviu de
supedâneo para que o Tribunal a
Interessante ponto de destaque é que o quo erigisse convicção de que foi
Código Civil de 2002 aprofundou ainda desmatada área ciliar. III – O
mais o tema ao estabelecer a necessidade adquirente do imóvel tem
de respeito à função socioambiental. Ou responsabilidade sobre o
seja, além da preocupação com o meio desmatamento, mesmo que o
ambiente (fauna, flora, equilíbrio dano ambiental tenha sido
ecológico, belezas naturais, ar, águas etc), provocado pelo antigo
também se preocupa com o ambiente proprietário. Precedentes: REsp
cultural (patrimônio cultural e artístico). n.º 745.363/PR, Rel. Min. Luiz
Fux, DJ de 18.10.2007, REsp n.º
O proprietário de uma fazenda tem que 926.750/MG, Rel. Min. Castro
tomar cuidado para não queimar a mata e Meira, DJ de 04.10.2007 e REsp
o sítio arqueológico que porventura n.º 195.274/PR, Rel. Min. João
pertença à tal área. Otávio de Noronha, DJ de
20.06.2005. IV – Agravo
As preocupações legislativas são mais do regimental improvido” (STJ,
que justificáveis, ainda mais considerando AgRg no REsp 471.864/SP, 1.ª
a enorme degradação que o Planeta Terra Turma, Rel. Min. Francisco
vem suportando, especialmente com o Falcão, j. 18.11.2008, DJe
aquecimento global. É responsabilidade da 01.12.2008).
geração presente e futura mudar tal
cenário.

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Por sinal, há recentes decisões que Prosseguindo à análise dos artigos:
entendem que a obrigação de recuperação
ambiental é propter rem (ou ambulatória), Art. 1.228, § 2º CC/02. São
seguindo a coisa onde quer que ela esteja! defesos os atos que não trazem ao
proprietário qualquer
Eis o disposto no artigo 2º, parágrafo 2º, do comodidade, ou utilidade, e
Código Florestal – Lei 12.651/12: sejam animados pela intenção de
prejudicar outrem.
as obrigações previstas nesta Lei
têm natureza real e são O exercício da propriedade não pode ser
transmitidas ao sucessor, de abusivo.
qualquer natureza, no caso de
transferência de domínio ou A vedação há de ser interpretada tanto no
posse do imóvel rural sentido do ato abusivo não gerar nenhuma
vantagem/utilidade ao proprietário,
Finalizando essa breve exposição, e quanto na hipótese de gerar as mesmas,
deixando claro que o tema enseja maior mas prejudicar outrem.
aprofundamento face sua importância
didática e prática, eis o disposto no Imagine o proprietário que todas as noites
Informativo n. 417 do STJ: realiza grandes festas em seu
apartamento, causando excesso de
“Meio ambiente. Limites. Parque barulho. Há utilidade ao proprietário;
nacional. A recorrida alega que, entretanto, há mais ainda prejuízo em
afastada a possibilidade de relação aos terceiros / vizinhos.
extração das árvores mortas,
caídas e secas, seu direito de “Condomínio – Multa – Barulho
propriedade estaria malferido. excessivo – Reincidência na
Contudo, tal entendimento prática da infração – Direito de
encontra resistência no art. propriedade que não pode dar
1.228, § 1.º, do CC/2002. A lugar a abuso – Hipótese em que
preservação da flora, da fauna, a liberdade de conduta individual
das belezas naturais e do deve sofrer limitação de forma a
equilíbrio ecológico, na espécie, preservar a tranquilidade e
não depende da criação de harmonia da coletividade” (2.º
parque nacional. A proteção ao TACivSP – RT 834/290).
ecossistema é essencialmente
pautada pela relevância da área Ademais, é dispensável a comprovação de
pública ou privada a ser dolo ou culpa, sendo certo que a
protegida. Se assim não fosse, a responsabilidade civil no caso de abuso de
defesa do meio ambiente somente direito de propriedade é objetiva:
ocorreria em áreas públicas.
A formalização de qualquer das Enunciado n. 37 do CJF/STJ,
modalidades de unidade de aprovado na I Jornada de Direito
conservação de proteção integral Civil: “a responsabilidade civil
invalida as licenças ambientais decorrente do abuso do direito
anteriormente concedidas. independe de culpa, e
Ademais, no caso, a pretendida fundamenta-se somente no
extração é danosa ao ecossistema critério objetivo-finalístico”.
do parque, o que impede a
concessão de novas licenças”
(STJ, REsp 1.122.909/SC, Rel.
Min. Humberto Martins, j.
24.11.2009).

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Seguindo nas restrições ao exercício da
propriedade:

Art. 1.228, § 3º CC/02. O


proprietário pode ser privado da
coisa, nos casos de
desapropriação, por necessidade
ou utilidade pública ou interesse
social, bem como no de
requisição, em caso de perigo
Seguindo a teoria clássica e segundo o
público iminente.
disposto no artigo 1.229 CC/02, a
propriedade vai do ‘céu ao inferno’ –
Estamos diante da desapropriação por
extensão vertical da propriedade:
necessidade ou utilidade pública, da
desapropriação por interesse social e do
Art. 1.229 CC/02. A propriedade
ato de requisição em caso de perigo público
do solo abrange a do espaço aéreo
iminente.
e subsolo correspondentes, em
altura e profundidade úteis ao
Esse parágrafo é o ‘estranho no ninho’,
seu exercício, não podendo o
visto que o tema desapropriação é
proprietário opor-se a atividades
comumente visto como aderente ao Direito
que sejam realizadas, por
Administrativo.
terceiros, a uma altura ou
profundidade tais, que não tenha
O Decreto-lei 3.365/41 trata de
ele interesse legítimo em impedi-
modalidades expropriatórias, o qual fora
las.
inclusive atualizado há menos de três anos
pela Lei 13.465/17.
Mas isso não quer dizer que o proprietário
poderá criar uma barreira ‘infinita’, com o
As desapropriações são reconhecidas como
nítido intuito de impedir o acesso de
cláusulas pétreas, em razão do disposto no
outrem. Na verdade, ele deve suportar
artigo 5º, inciso XXIV, da CRFB/88:
ingerências externas, como é o caso de
passagens de água e de cabos que possam
Art. 5º, XXIV CRFB/88 - a lei
beneficiar terceiros. Estudaremos tais
estabelecerá o procedimento para
pontos quando da análise dos direitos de
desapropriação por necessidade
vizinhança.
ou utilidade pública, ou por
interesse social, mediante justa e
Duvidam?! Então olhem o julgado do STJ:
prévia indenização em dinheiro,
Informativo n. 557, STJ:
ressalvados os casos previstos
“no caso em que o subsolo de
nesta Constituição;
imóvel tenha sido invadido por
tirantes (pinos de concreto)
Já a requisição fora tratada no artigo 5º,
provenientes de obra de
inciso XXV, CRFB/88:
sustentação do imóvel vizinho, o
proprietário do imóvel invadido
Art. 5º, XXV CRFB/88 - no caso
não terá legítimo interesse para
de iminente perigo público, a
requerer, com base no art. 1.229
autoridade competente poderá
do CC, a remoção dos tirantes
usar de propriedade particular,
nem indenização por perdas e
assegurada ao proprietário
danos, desde que fique
indenização ulterior, se houver
constatado que a invasão não
dano;
acarretou prejuízos comprovados
a ele, tampouco impossibilitou o
Entretanto, como tais assuntos interessam
perfeito uso, gozo e fruição do seu
ao Direito Administrativo, não nos
imóvel”.
aprofundaremos.
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Observe que só falaremos de direito à Outra limitação ao exercício da
indenização, ou obrigação de retirar propriedade está disposta no artigo 1.230
determinado ‘instrumento’/material CC/02:
quando houver efetivo prejuízo ao
proprietário, ou quando a instalação, de Art. 1.230 CC/02. A propriedade
alguma forma, interferir o exercício de um do solo não abrange as jazidas,
dos atributos da propriedade. minas e demais recursos
minerais, os potenciais de
Nesse sentido entendemos que a energia hidráulica, os
instalação de tubulações subterrâneas em monumentos arqueológicos e
terreno alheio pode sim causar danos, caso outros bens referidos por leis
o proprietário tenha interesse em realizar especiais.
edificações com a necessidade de grandes
fundações, ocasião em que pode se socorrer Parágrafo único. O proprietário
do poder judiciário para impedir tais do solo tem o direito de explorar
instalações, ou para obrigar que os os recursos minerais de emprego
responsáveis as removam. imediato na construção civil,
desde que não submetidos a
Ainda sobre o tema, é interessante o transformação industrial,
estabelecido pelos artigos 1.286 e 1.287, obedecido o disposto em lei
ambos do CC/02: especial.

Art. 1.286 CC/02. Mediante A justificativa de tal norma está disposta


recebimento de indenização que no artigo 176 CRFB/88:
atenda, também, à
desvalorização da área Art. 176 CRBF/88. As jazidas, em
remanescente, o proprietário é lavra ou não, e demais recursos
obrigado a tolerar a passagem, minerais e os potenciais de
através de seu imóvel, de cabos, energia hidráulica constituem
tubulações e outros condutos propriedade distinta da do solo,
subterrâneos de serviços de para efeito de exploração ou
utilidade pública, em proveito de aproveitamento, e pertencem à
proprietários vizinhos, quando União, garantida ao
de outro modo for impossível ou concessionário a propriedade do
excessivamente onerosa. produto da lavra.

Parágrafo único. O proprietário Ponto interessante sobre o tema é que na


prejudicado pode exigir que a eventual necessidade de realizar
instalação seja feita de modo pesquisas na área (mediante alvará de
menos gravoso ao prédio pesquisa mineral), deverá o proprietário
onerado, bem como, depois, seja ser indenizado, conforme Decreto-lei
removida, à sua custa, para outro 227/1967 (Código de Mineração).
local do imóvel.
Sobre o conteúdo do parágrafo único do
Art. 1.287 CC/02. Se as artigo 1.230 CC/02: pode o proprietário do
instalações oferecerem grave terreno vender areia dele extraída.
risco, será facultado ao Entretanto, não se esqueçam que essa
proprietário do prédio onerado extração não pode causar danos
exigir a realização de obras de ambientais ou ecológicos.
segurança.

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Finalmente, o artigo 1.232 CC/02: Cada objeto guarda com seu titular um
vínculo único, só dele. Inclusive, quando
Art. 1.232 CC/02. Os frutos e estamos diante de um condomínio, cada
mais produtos da coisa sujeito possui propriedade distinta da dos
pertencem, ainda quando demais, mesmo sendo um único objeto -
separados, ao seu proprietário, bem.
salvo se, por preceito jurídico
especial, couberem a outrem. Calma que eu explico…

Em regra, ao proprietário é conferido o Cada condômino tem sua própria fração


direito aos acessórios da coisa (frutos e ideal de propriedade, o que permite
produtos) – o acessório segue o principal – afirmar que se um deles desejar vender
gravitação jurídica. sua propriedade, deverá oferecer primeiro
aos demais condôminos, sendo totalmente
Entretanto, como estudamos nos efeitos da dispensável a autorização.
posse, tal regra comporta exceções, sendo
possível, inclusive, que as partes Ora, se estivéssemos diante de uma única
envolvidas no negócio afastem a regra propriedade tal venda seria impossível –
geral. não posso comprar o que já é meu!

Aqui há várias propriedades e um só


Características da objeto.

propriedade Exceção: casamento mediante regime de


comunhão universal. Não há propriedades
I. Direito Absoluto distintas, mas uma única propriedade.
Temos dois titulares e um vínculo só. A
A regra geral é que a propriedade é um comunhão excepciona o caráter exclusivo
direito absoluto, ou seja, possui caráter da propriedade.
erga omnes e deve ser respeitada por
todos. Entretanto, conforme já Inclusive, para vender o bem o marido
analisamos, esse absolutivo deve ser precisa da autorização da esposa, ou o
relativizado em pontuais circunstâncias, marido precisa autorização do marido, ou
como é o caso da função social e a esposa precisa de autorização da esposa
socioambiental. etc.

Também há flexibilização se o direito à Art. 499 CC/02. É lícita a compra


propriedade estiver diante de um direito e venda entre cônjuges, com
fundamental estabelecido pela relação a bens excluídos da
Constituição Federal. comunhão.

II. Direito exclusivo Art. 1.647. Ressalvado o disposto


no art. 1.648 , nenhum dos
Outorga uxória ou

Em regra, determinada coisa não pode cônjuges pode, sem autorização


pertencer a mais de uma pessoa ao mesmo do outro, exceto no regime da
tempo, salvo nas hipóteses de comunhão. separação absoluta:
marital

É muito comum as pessoas acharem que o I - alienar ou gravar de ônus real


condomínio é uma exceção ao caráter de os bens imóveis;
exclusividade, mas tal afirmação é
incorreta, já que cada proprietário é dono II - pleitear, como autor ou réu,
de uma fração do bem determinado. acerca desses bens ou direitos;

III - prestar fiança ou aval;

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IV - fazer doação, não sendo VI. Direito fundamental
remuneratória, de bens comuns,
ou dos que possam integrar Por fim, a propriedade é um direito
futura meação. fundamental, na forma do artigo 5º, incisos
XXII e XXIII CRFB/88:
Essa presunção é relativa, conforme
disposto no artigo 1.231 CC/02: Art. 5º, XXII CRFB/88 - é
garantido o direito de
Art. 1.231 CC/02. A propriedade propriedade;
presume-se plena e exclusiva, até
prova em contrário. XXIII - a propriedade atenderá a
sua função social;
III. Direito Perpétuo
Isso quer dizer que a proteção do direito de
Mesmo nas hipóteses em que inexiste o propriedade é aplicada de forma imediata
exercício, o direito de propriedade nas relações entre particulares (eficácia
permanece enquanto não houver causa horizontal dos direitos fundamentais).
modificativa ou extintiva.

Tartuce compara a propriedade, nesse Aquisição da


ponto, a um motor em pleno
funcionamento, o qual não cessa suas propriedade imóvel
atividades, a não ser que surja um novo
fato que interrompa tal funcionamento. A situação é a seguinte: a aquisição da
propriedade de bem imóvel, ou seja, de
O não uso da propriedade não gera sua bens fincados ao solo ou os que a lei assim
extinção, salvo nas hipóteses de usucapião, determina, pode ocorrer de um dos
conforme estudaremos em breve! seguintes modos:

IV. Direito elástico a) Registro do título translativo;


b) Sucessão hereditária;
Essa característica foi trazida por Orlando c) Casamento em comunhão
Gomes, e estabelece que a propriedade universal (não é unânime tal
pode ser distendida ou contraída em inclusão);
relação ao seu exercício, conforme adicione d) Usucapião;
ou retire seus atributos (GRUD). e) Acessão (formação de ilhas,
aluvião, avulsão, abandono de
Em outras palavras, é possível retirar um álveo e construções ou plantações).
dos atributos da propriedade e transferi-lo
para outrem sem que isso descaracterize o Art. 79 CC/02. São bens imóveis
direito real de propriedade. o solo e tudo quanto se lhe
incorporar natural ou
V. Direito complexo artificialmente.

Em razão de tudo o que vem sendo Art. 80 CC/02. Consideram-se


estudado já dá para constatar que a imóveis para os efeitos legais:
propriedade é o direito mais complexo dos
direitos reais, especialmente se I - os direitos reais sobre imóveis
considerarmos seus quatro atributos e as ações que os asseguram;
(GRUD).
II - o direito à sucessão aberta.

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Art. 81 CC/02. Não perdem o Em questões práticas temos consequências
caráter de imóveis: tributárias. Se a propriedade foi adquirida
de modo originário (usucapião, por
I - as edificações que, separadas exemplo), o novo proprietário não será
do solo, mas conservando a sua responsável por eventuais tributos que
unidade, forem removidas para recaiam sobre o imóvel (STF, Recurso
outro local; Extraordinário 94.586-6/RS, j.
II - os materiais provisoriamente 30.08.1984).
separados de um prédio, para
nele se reempregarem. A mesma conclusão não é possível se
tivemos diante de uma propriedade
A aquisição causa mortis da derivada (compra e venda, por exemplo),
propriedade é estudada em Direito das sendo o novo proprietário o responsável
Sucessões. pelos tributos.
A aquisição em razão do casamento é
analisada em Direito das Famílias. Outra consequência interessante é
relativa a hipoteca. Se por exemplo um
- Modo derivado de aquisição da imóvel é adquirido pela usucapião (modo
propriedade: o registro do título originário), e este bem estava hipotecado
translativo constitui modo de aquisição (direito real de garantia), esta garantia
derivado da propriedade: surge em será extinta!
decorrência de uma transferência de
domínio de seu titular anterior ao novo. Entretanto, se for adquirida a propriedade
em razão de uma compra e venda, ou até
- Modo originário de aquisição da mesmo de uma doação, o gravame da
propriedade: a usucapião e a acessão são hipoteca será mantido.
formas de aquisição originárias da
propriedade imóvel, visto a inexistência de Forma derivada
transferência do domínio, ou seja, não
houve prévio negócio jurídico para  Registro do título translativo
fundamentar tal aquisição. Não há,
efetivamente, a transferência da Certamente quando vocês estudaram
propriedade. direito contratual verificaram que o
contrato não possui efeito real, ou seja, o
simples fato do contrato existir não
transfere a propriedade nem nenhum
direito real sobre coisa alheia (artigo 1.225
CC/02). Cria-se, apenas, uma relação
obrigacional entre as partes.

Ou seja, após a efetivação de uma compra


*Extraído do livro do prof. Tartuce – p.178 e venda ou uma doação, é imprescindível
que algum ato seja realizado para que haja
Assim como ocorre na posse, a grande a efetiva transferência da propriedade.
importância de se entender se a
propriedade é originária ou derivada é em Também já estudamos que a tradição é
razão das características. A propriedade indispensável para que haja a
derivada faz com que as características transferência da posse entre pessoas vivas
anteriores sejam preservadas; por outro – analisamos a tradição quando
lado, na modalidade originária a estudamos a posse (tradição real, tradição
propriedade ‘começa do zero’, é ‘resetada’. ficta e tradição simbólica).

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No século XIX, Lafayette
pontuou que a transferência de
propriedades imóveis não tinha
uma manifestação visível, tendo
sugerido a transcrição do título
translativo no Registro Público
como modo de aquisição do
domínio, viabilizando a
publicidade do ato. (PEREIRA,
Lafayette Rodrigues. Direito das
coisas, p. 117-120).

Essa sugestão foi adotada por Beviláqua


no Código Civil de 1916, e se mantém até
os dias atuais (Código de 2002).

Por mais que seja indispensável tal https://www.instagram.com/p/BtONUnM


registro do título translativo, Lafayette e ARDt/?utm_source=ig_web_copy_link
Beviláqua afirmam que tal transcrição no
Registro Público possui natureza de Consequentemente, o vendedor continua
tradição solene da propriedade imóvel. sendo o dono do bem até que o comprador
efetue o devido registro (artigo 1.245,
Art. 1.245 CC/02. Transfere-se parágrafo 1º CC/02); por outro lado, o
entre vivos a propriedade comprador continua sendo dono até que
mediante o registro do título haja a decretação da invalidade do
translativo no Registro de registro, por meio de ação judicial,
Imóveis. promovendo seu cancelamento (artigo
1.245, parágrafo 2º CC/02). É o que ocorre,
§ 1º Enquanto não se registrar o por exemplo, com contrato com cláusula de
título translativo, o alienante retrovenda.
continua a ser havido como dono
do imóvel. Art. 505 CC/02. O vendedor de
coisa imóvel pode reservar-se o
§ 2º Enquanto não se promover, direito de recobrá-la no prazo
por meio de ação própria, a máximo de decadência de três
decretação de invalidade do anos, restituindo o preço recebido
RETROVENDA

registro, e o respectivo e reembolsando as despesas do


cancelamento, o adquirente comprador, inclusive as que,
continua a ser havido como dono durante o período de resgate, se
do imóvel. efetuaram com a sua autorização
escrita, ou para a realização de
Reforçando o que já mencionamos, o artigo benfeitorias necessárias.
1.245 CC/02 estabelece que a propriedade
do bem imóvel é transferida por meio do Art. 506. Se o comprador se
registro do título translativo (documento recusar a receber as quantias a
de transferência – contrato de compra e que faz jus, o vendedor, para
venda3, escritura pública ou contrato de exercer o direito de resgate, as
compromisso de compra e venda) no depositará judicialmente.
Registro de Imóveis, constituindo, assim,
modo derivado de aquisição de domínio.

3 Art. 481 CC. Pelo contrato de compra e venda, um dos

contratantes se obriga a transferir o domínio de certa


coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
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Parágrafo único. Verificada a Nesse sentido:


insuficiência do depósito judicial,
não será o vendedor restituído no “Aquele que registrar primeiro o
domínio da coisa, até e enquanto título aquisitivo terá a
não for integralmente pago o titularidade do domínio do
comprador. imóvel; assim sendo, o título do
segundo adquirente não terá
Art. 507. O direito de retrato, que eficácia, gerando tão somente a
é cessível e transmissível a possibilidade de ação de perdas e
herdeiros e legatários, poderá ser danos contra o alienante, uma
exercido contra o terceiro vez que mover uma
adquirente. reivindicatória seria bastante
temerário, pois apenas sairia
Art. 508. Se a duas ou mais vencedor se conseguisse
pessoas couber o direito de comprovar a falsidade do título e
retrato sobre o mesmo imóvel, e do registro do primeiro
só uma o exercer, poderá o adquirente, e, enquanto não
comprador intimar as outras houver pronunciamento judicial
para nele acordarem, declarando a invalidade do
prevalecendo o pacto em favor de assento do título do primeiro
quem haja efetuado o depósito, adquirente e seu respectivo
contanto que seja integral. cancelamento (CC, art. 1.245, §
2.º), ele será o único proprietário
Sobre a força translativa e a possibilidade do imóvel, e o registro feito pelo
de se registrar o compromisso de compra e segundo adquirente será
venda, segue entendimento da I Jornada absolutamente ineficaz” (DINIZ,
de Direito Civil: Maria Helena. Código Civil...,
2005, p. 999).

Havendo erros no registro, poderá o


interessado solicitar sua retificação ou até
mesmo sua anulação. Neste último caso,
Enunciado n. 87 do CJF/STJ: após o devido cancelamento o proprietário
“Considera-se também título poderá reivindicar o bem, não podendo ser
translativo, para fins do art. oposto nem a boa-fé nem o título do
1.245 do novo Código Civil, a terceiro adquirente.
promessa de compra e venda
devidamente quitada (arts. 1.417 Art. 1.247 CC/02. Se o teor do
e 1.418 do CC e § 6.º do art. 26 da registro não exprimir a verdade,
Lei 6.766/1979)”. poderá o interessado reclamar
que se retifique ou anule.
Art. 1.246 CC/02. O registro é
eficaz desde o momento em que Parágrafo único. Cancelado o
se apresentar o título ao oficial do registro, poderá o proprietário
registro, e este o prenotar no reivindicar o imóvel,
protocolo. independentemente da boa-fé ou
do título do terceiro adquirente.
O registro possui como data de início da
eficácia o momento em que o título for Elaboramos um ‘guia’ com o intuito de
entregue no Cartório de Registro de facilitar um pouco o processo de registro.
Imóveis, com a elaboração do protocolo.
Estamos diante do princípio da prioridade.

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Simplificando o registro do título escritura pública se o contrato for de
translativo – bem imóvel urbano alienação fiduciária, conforme
verificaremos em momento apropriado.
 Dois cartórios serão envolvidos
no processo de registro:  Para a lavratura da Escritura
a) Cartório de Notas (as partes Pública o interessado deverá
podem escolher qualquer apresentar, como regra, os seguintes
Cartório de Notas que desejar. documentos:
Não precisar ser o da localidade
do imóvel!) - Identidade e CPF dos compradores e
b) Cartório de Registro de Imóveis dos vendedores (cuidado com questões
relativas à união estável e ao casamento
 Antes de adquirir qualquer – se houver, apresentar inclusive o
imóvel é importantíssimo que o pacto antenupcial!)
interessado realize profunda pesquisa - Comprovante de residência e certidão
sobre a situação do mesmo, verificando de casamento (se houver)
se existe alguma restrição (hipoteca, - Comprovante do Distribuidor Cível e
penhor, anticrese, penhora), e até de Família (estadual – Fórum);
mesmo a situação relativa às obrigações Distribuidor Cível (Execução Fiscal
propter rem – não se esqueçam que Municipal e Estadual – Prefeitura e
essas obrigações são ambulatórias, ou Fórum); Justiça do Trabalho (Federal –
seja, seguem a coisa online); Distribuidor de Ações
independentemente da vontade do Executivas (Cível, Criminal e Fiscal –
adquirente – IPTU, condomínios, Fórum), todos da cidade de residência
multas (inclusive ambientais) etc. do vendedor e da cidade de localização
 Sugerimos que solicite ao do imóvel (nos últimos 20 anos!)
proprietário a apresentação da Certidão - Cópia da matrícula do imóvel no estado
de Ônus Reais do cartório onde estiver em que se encontra até a data
registrado o imóvel, bem como certidões - Cópia e certidão negativa de débitos
de quitação de IPTU, condomínio (se for referentes ao IPTU do imóvel
o caso), taxa de incêndio e a Certidão
Vintenária (a qual atesta a situação do 2. Antes de lavrar a escritura será
imóvel nos últimos vinte anos!). necessário efetuar o pagamento do
 Existem alguns estados que Imposto de Transmissão de Bens
disponibilizam acervo virtual, Imóveis (ITBI – imposto municipal); se
possibilitando a obtenção de certidões e foi adquirido por herança, o imposto
cópia das matrículas de imóveis de será o Imposto de Transmissão Causa
forma online, basta fazer uma busca! Mortis e Doação (ITCD ou ITCMD –
imposto estadual).
Vamos aos passos:
3. Arrecadado o imposto
1. Realizar a lavratura da (pagamento), você deverá realizar o
Escritura Pública em um Tabelionato de traslado da escritura (cópia
confiança. Essa Escritura Pública autenticada), e obtenção da guia de
possui fé perante toda a sociedade, pagamento do Cartório de Registro de
dando publicidade ao ato de compra e Imóveis de onde o bem estiver
venda. registrado.
 Entretanto, o artigo 108 do
CC/02 estabelece que a Escritura
Pública é dispensada caso o valor do
imóvel seja inferior a 30 vezes o salário
mínimo vigente, o que permitirá
considerável economia! Também não é
necessário que o instrumento seja

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4. Após mais um pagamento, o IV - por abandono de álveo;
comprador possui 30 dias para efetuar o
registro da mesma (no Cartório de V - por plantações ou
Registro de Imóveis), juntando todos os construções.
documentos exigidos pelo Cartório, o
que permitirá a alteração e a averbação Iniciaremos! Boa sorte…
do nome do novo proprietário na
matrícula do imóvel. I. Formação de ilhas

5. O Cartório de Registro de Ilha = faixa de terra cercada de água por


Imóveis entregará ao comprador uma todos os lados.
matrícula atualizada do imóvel.
Segundo Maria Helena Diniz:
FORMA ORIGINÁRIA
Ilha é um acúmulo paulatino de
 Acessão areia, cascalho e materiais
levados pela correnteza, ou de
A aquisição de propriedade imóvel por rebaixamento de águas, deixando
meio de acessão (modo de aquisição a descoberto e a seco uma parte
originário) ocorre quando há a anexação de do fundo ou do leito (Curso...,
um bem acessório, novo, a um bem 2007, v. 4, p. 138).
principal (já existente!) – Acessão =
acréscimo. Art. 1.249 CC/02. As ilhas que se
formarem em correntes comuns
A acessão, ao contrário da benfeitoria, é ou particulares pertencem aos
uma forma de aumentar o volume da coisa proprietários ribeirinhos
principal. fronteiros, observadas as regras
seguintes:
Sabe quando os sogros deixam a filha e o I - as que se formarem no meio do
genro construir no terreno?! Pois é, isso é rio consideram-se acréscimos
uma das formas de acessão! sobrevindos aos terrenos
ribeirinhos fronteiros de ambas
A incorporação pode ser de forma natural as margens, na proporção de suas
ou artificial. testadas, até a linha que dividir o
álveo em duas partes iguais;
Dentre as acessões temos: II - as que se formarem entre a
referida linha e uma das
a) Formação de ilhas (natural) margens consideram-se
b) Aluvião (acessão natural) acréscimos aos terrenos
c) Avulsão (acessão natural) ribeirinhos fronteiros desse
d) Abandono de álveo – ou álveo mesmo lado;
abandonado (acessão natural) III - as que se formarem pelo
e) Plantações e construções desdobramento de um novo braço
(acessão artificial) do rio continuam a pertencer aos
proprietários dos terrenos à
Art. 1.248 CC/02. A acessão pode custa dos quais se constituíram.
dar-se:
Em que pese entendimento em sentido
I - por formação de ilhas; diverso, para o Direito Civil interessa
apenas o estudo das ilhas formadas em
II - por aluvião; rios não navegáveis ou particulares, por
pertencerem ao domínio particular
III - por avulsão; (Código de Águas – Decreto-lei 24.643/34).

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O entendimento contrário (especialmente Hipótese A – artigo 1.249, inciso I CC/02:


advindo de doutrinadores
administrativistas – Maria Silvia Zanella As ilhas que se formarem no meio
Di Pietro), é no sentido de que após a do rio consideram-se acréscimos
Constituição Federal de 1988, e o artigo 1º, sobrevindos aos terrenos
inciso I, da Lei 9.433/97, não existem mais ribeirinhos fronteiros de ambas
águas particulares. Ou as águas as margens, na proporção de suas
pertencem à União (art. 20, III, CRFB/88), testadas, até a linha que dividir o
ou aos estados (art. 26, I, CRFB/88). álveo em duas partes iguais.

Consequentemente, para tais Para definirmos a proporção da testada


doutrinadores (inclusive Elpídio devemos traçar, a partir do ponto marginal
Donizetti), não existiriam mais ilhas limítrofe entre cada terreno, uma linha
particulares. perpendicular à linha que divide o álveo ao
meio.
Para eles, o mundo perfeito seria o que a
cada nova ilha formada o estado ou a
União ‘fincasse sua bandeira’, procedendo
seu domínio.

Como isso é impossível, salvo em hipóteses


em que há a formação de ilhas SOCORRO! NÃO ENTENDI NADA!
verdadeiramente extensas, como é o caso
de Manaus e da Ilha do Papagaio, em Seguinte: trace uma linha a contar da
Tocantis, tais estudiosos interpretam o fronteira de um terreno ao outro (dos que
artigo 1.249 CC/02 como uma forma de se estão efetivamente interligados – terra
conceder aos particulares a posse direta com terra!), até chegar do outro lado do rio.
das novas ilhas, com os poderes de usar, Após, divida o rio ao meio, na
fruir e dispor das mesmas. perpendicular. Assim, você conseguirá
verificar qual parte da ilha pertence a
Entretanto, não lhes é estendido o poder quem.
de reivindicar, o qual cabe unicamente ao
proprietário – União ou estado. Sendo apenas dois vizinhos, um em cada
margem do rio, fica fácil:
Com a data vênia aos nobres
doutrinadores, seguimos a doutrina
majoritária entre os civilistas, a qual
advoga no sentido de que ainda permanece
a classificação dos rios navegáveis
(públicos) e não navegáveis (privados),
mantendo a importância do artigo 1.249
CC/02, no tocante à forma de aquisição
originária da propriedade.

Que fique desde já registrado:

Álveo = leito das águas = superfície que


as águas cobrem sem transbordar para
o solo natural.
*Extraída da obra de Maria Helena Diniz

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Entretanto, se forem mais vizinhos, os Hipótese C – artigo 1.249, inciso III CC/02:
traços são um pouco mais complexos.
As que se formarem pelo
Olhem o desenho extraído da obra de desdobramento de um novo braço
Elpídio Donizetti: do rio continuam a pertencer aos
proprietários dos terrenos à
custa dos quais se constituíram.

Por fim, caso a ilha seja formada em um


novo curso de água que se abre (novo braço
do rio), pertencerá ao proprietário que
margeia o novo desdobramento.

*Extraída da obra de Elpídio Donizetti

Hipótese B – artigo 1.249, inciso II CC/02:

As ilhas que se formarem entre a


referida linha e uma das
margens consideram-se
acréscimos aos terrenos
ribeirinhos fronteiros desse
mesmo lado. *Extraída da obra de Maria Helena Diniz

Se a ilha se formar do lado esquerdo do Aluvião


meridiano (da linha), será de propriedade
de ‘X’; entretanto, se se formar do lado Art. 1.250 CC/02. Os acréscimos
direito, será de propriedade de ‘Y’, formados, sucessiva e
conforme desenho: imperceptivelmente, por
depósitos e aterros naturais ao
longo das margens das correntes,
ou pelo desvio das águas destas,
pertencem aos donos dos
terrenos marginais, sem
indenização.

Parágrafo único. O terreno


aluvial, que se formar em frente
de prédios de proprietários
diferentes, dividir-se-á entre
eles, na proporção da testada de
cada um sobre a antiga margem.

Primeiro de tudo é perceber que o


acréscimo de terras é paulatino, ou seja,
*Extraída da obra de Maria Helena Diniz
demorado, lento… Além disso, esse
acréscimo se dá ao longo das margens da
corrente (rio), ou então pelo desvio de
águas.

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Esses desvios pertencem aos donos dos
terrenos marginais, seguindo a regra de Entretanto, tal hipótese é absurda, já que
que o acessório segue o principal. não há possibilidade de definir
efetivamente de onde houve o
O movimento das águas traz terra para a descolamento dos sedimentos, já que a
margem. aluvião própria é a soma de terra de forma
imperceptível, lenta.

II. Avulsão

Art. 1.251 CC/02. Quando, por


força natural violenta, uma
porção de terra se destacar de
um prédio e se juntar a outro, o
dono deste adquirirá a
propriedade do acréscimo, se
indenizar o dono do
primeiro ou, sem indenização,
se, em um ano, ninguém houver
reclamado.

Parágrafo único. Recusando-se


Aluvião própria – a terra vem – art. ao pagamento de indenização,
1.250, caput, CC/02 o dono do prédio a que se juntou
a porção de terra deverá
*Extraída da obra de Maria Helena Diniz
aquiescer a que se remova a
Aluvião imprópria – a água vai – art. parte acrescida.
1.250, parte final, CC/02
Diferentemente da aluvião, na avulsão há
abrupta junção de pedaço de terra, ou seja,
de forma rápita e perceptível um pedaço de
terra se desgruda de um terreno e se junta
à outro, em decorrência de força natural e
violenta.

Na moral, entendemos que é um dos casos


mais bizarros estabelecidos pelo código, no
tocante à indenização!

*Extraída da obra de Maria Helena Diniz

Aqui, o rio vai embora e parte de terra fica


descoberta.

Nos casos de aluvião não há dever de


indenizar. Esse ponto é importante, pois já
chegaram a discutir eventual dever de
indenizar suposto proprietário das terras
de onde os sedimentos foram removidos
pelas águas.

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No nosso sentir, quem deve arcar com os


custos da remossão da terra é o antigo
proprietário, e não o novo!

Por mais que se cogite em enriquecimento


ilício, é importante observarmos que
muitas das vezes o proprietário do prédio
para onde a terra se fixou não tem
qualquer interesse nela! Em geral, trata-
se de entulho, lama…

Por outro lado, se a terra se soltou em


decorrência de ação ou omissão do
proprietário inicial, causando prejuízo ao
novo proprietário, este poderá pleitear
indenização em face daquele, já que não
estaremos diante de avulsão, a qual,
Vejamos, o proprietário A ganhou mais reforça-se, deve ser decorrente de força
terra, enquanto B perdeu sua faixa de natural.
terra ribeirinha.
III. Abandono de álveo
Conforme diposto no artigo 1.251 CC/02,
poderá o proprietário B pleitear Mais uma vez, álveo é a superfície que as
indenização, dentro do prazo decadencial águas cobrem sem transbordar para o solo
de um ano, em face do proprietário A. natural – é o leito do rio.

Entretanto, se o proprietário B pedir Assim, o álveo abandonado é o rio (ou


indenização, e A se recusar a pagar, este corrente de água) que seca. O rio que some!
deverá concordar que aquele remova a
parte acrescida… Art. 1.252 CC/02. O álveo
abandonado de corrente pertence
Existem autores como Tartuce que aos proprietários ribeirinhos das
informam que no caso de negativa de duas margens, sem que tenham
indenização, caberá ao proprietário que indenização os donos dos
fora prejudicado pleiteiar judicialmente terrenos por onde as águas
uma obrigação de fazer, inclusive com abrirem novo curso, entendendo-
medidas de tutela espefícica (como por se que os prédios marginais se
exemplo, multa!). estendem até o meio do álveo.

Entretanto, não nos parece esta a correta Sendo o álveo abandonado, a propriedade
interpretação do artigo, já que ‘aquiescer’ será dos proprietários ribeirinhos das duas
significa anuir, concordar. Assim, diz o margens, sem qualquer indenização aos
artigo que o proprietário beneficiado deve donos dos terrenos por onde as águas
simplesmente concordar com o fato de que abrirem novo curso.
o outro remova a terra acescida.
O raciocínio é idêntico à formação de ilhas:
traçamos um meridiano no rio, verificando
a distância das margens. Deixaremos isso
para nossos colegas engenheiros!

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Em que pese inicialmente bens móveis
(sementes, tijolos, madeiras, vidros etc),
tornaram-se bens imóveis por acessão
física artificial:

Art. 79 CC/02. São bens imóveis


o solo e tudo quanto se lhe
incorporar natural ou
artificialmente.

Como a presunção disposta no artigo 1.253


CC/02 é relativa, e dependendo de como a
construção ou a plantação fora realizada
(de boa-fé ou de má-fé) teremos efeitos
diferentes. Em verdade, buscou o
*Extraída da obra de Maria Helena Diniz legislador evitar o enriquecimento sem
causa.

Vejamos:
*Extraída da obra de Elpídio Donizetti
Art. 1.254 CC/02. Aquele que
semeia, planta ou edifica em
IV. Plantações e construções
terreno próprio com sementes,
plantas ou materiais alheios,
adquire a propriedade destes;
No tocante às plantações e construções,
mas fica obrigado a pagar-lhes
temos vários bens móveis que são
o valor, além de responder por
‘grudados’ aos imóveis: sementes, mudas,
perdas e danos, se agiu de má-
materiais de construção. É, em verdade,
fé.
acessão artificial.
Em razão do princípio da gravitação – o
Art. 1.253 CC/02. Toda
acessório segue o principal, quem
construção ou plantação
emprega nas plantações ou construções,
existente em um terreno
em terreno próprio, bens alheiros
presume-se feita pelo
(mudas, tijolos etc), acaba por adquirir a
proprietário e à sua custa, até
propriedade destes, devendo,
que se prove o contrário.
entretanto, indenizar seu dono pelo seu
valor, e, se tiver agido de má-fé, também
A regra geral é a disposta no artigo 1.253
por perdas e danos.
CC/02, onde há uma presunção relativa de
que as construções e plantações realizadas
em um terreno foram realizadas à custa do
proprietário do aludido bem imóvel.

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Imagine-se o seguinte Se agiu de boa-fé na
exemplo: alguém está construção, como no caso de
guardando, por ato de algo que visava a proteger o
amizade, cimento de um imóvel de uma destruição,
parente em sua fazenda. Certo terá direito à indenização.”
dia, essa pessoa utiliza o (TARTUCE 189)
cimento e constrói um galpão Art. 1.255, Parágrafo único
na propriedade. No caso em CC/02. Se a construção ou a
questão, o fazendeiro terá a plantação exceder
propriedade do que foi consideravelmente o valor do
construído, mas por óbvio terá terreno, aquele que, de boa-fé,
que pagar ao amigo o cimento, plantou ou edificou, adquirirá
sem prejuízo de outros danos, a propriedade do solo,
pois claramente agiu de má-fé. mediante pagamento da
O fazendeiro sabia indenização fixada
perfeitamente que o cimento judicialmente, se não houver
não era seu, havendo acordo.
desrespeito à boa-fé subjetiva Se eventualmente a plantação ou a
(art. 1.201 do CC), surgindo construção em terreno alheio
daí a responsabilidade civil, ultrapassar, de forma considerável, o
pois a má-fé induz à culpa. valor do terreno, a pessoa que plantou
(TARTUCE 188) ou construiu de boa-fé adquirirá a
propriedade do solo, desde que haja
Art. 1.255 CC/02. Aquele que indenização do proprietário, em valor
semeia, planta ou edifica em ajustado entre as partes; inexistindo
terreno alheio perde, em acordo, o valor deverá ser fixado pelo
proveito do proprietário, as juiz.
sementes, plantas e
construções; se procedeu de Neste caso temos a ACESSÃO
boa-fé, terá direito a INVERTIDA, pois não foi o
indenização. proprietário do terreno que adquiriu a
acessão, mas houve, sim, a perda do
Entretanto, quem planta ou constrói em imóvel para o construtor, preservando a
terreno alheio, com sementes, mudas ou função social da propriedade.
materiais próprios, perde estes em
proveito do proprietário do solo, tendo Entretanto, se tanto o proprietário do
direito, entretanto, à indenização do solo quanto o proprietário das mudas,
valor respectivo, desde que tenha agido sementes e materiais estiverem de má-
de boa-fé. fé, o proprietário do solo adquirirá tais
bens, devendo indenizar quem plantou
“Pense-se o caso em que ou construiu pelo valor das acessões:
alguém está ocupando a casa
de um parente que está Art. 1.256 CC/02. Se de ambas
viajando para o exterior por as partes houve má-fé,
um ano. Aproveitando a adquirirá o proprietário as
ausência do familiar, essa sementes, plantas e
pessoa constrói, com material construções, devendo ressarcir
próprio, uma piscina no fundo o valor das acessões.
da casa.
O ocupante não terá qualquer
direito, pois agiu de má-fé, eis
que sabia que a propriedade
não seria sua.

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Parágrafo único. Presume-se A hipótese é do plantador ou do
má-fé no proprietário, quando construtor que, de boa-fé, aplica no solo
o trabalho de construção, ou alheio sementes, mudas ou materiais
lavoura, se fez em sua igualmente alheios.
presença e sem impugnação
sua. Ou seja, é um terceiro em relação às
sementes, mudas e matérias; e também
“Imagine-se a situação em que em relação ao solo.
o proprietário de um imóvel
deixa que alguém construa O parágrafo único estabelece que na
uma piscina com os seus hipótese em que a indenização não
materiais, nos fundos da casa, puder ser paga pelo plantador ou pelo
pensando o último que por isso construtor, o proprietário das sementes,
poderá adquirir o domínio do plantas ou materiais poderá cobrar do
bem principal. No caso proprietário do terreno.
descrito, há uma má-fé
recíproca ou bilateral, pois A título de ilustração, recente
ambos pretendem o aresto do Tribunal da
enriquecimento sem causa. A Cidadania aplicou tal direito
conclusão é que o proprietário de cobrança contra o
da casa ficará com a piscina, proprietário do terreno, a
mas deverá indenizar o outro hipótese envolvendo empresa
pelos valores gastos com a sua de engenharia que realizou
construção.” (TARTUCE 189) construção em terreno da
Mitra Diocesana de Brasília.
Estamos, inclusive, perante o dolo Como o Instituto Bíblico local
recíproco disposto no artigo 150 CC/02 – – que a havia contratado – não
há uma espécie de compensação de realizou os pagamentos
dolos. devidos, foi reconhecido o
direito de reaver os valores
Conforme parágrafo único, presume a gastos na obra em relação à
má-fé daquele proprietário do solo que Mitra Diocesana, de forma
verifica o trabalho de plantação ou de precisa e correta (STJ, REsp
construção e não toma nenhuma 963.199/DF, 4.ª Turma, Rel.
providência para a interrupção do ato. Min. Raul Araújo, j.
Essa presunção é relativa, pois pode 11.10.2016, DJe 07.11.2016).
ocorrer algum tipo de coação de quem O aresto parece correto
plantou. tecnicamente, representando
interessante exemplo de
Art. 1.257 CC/02. O disposto incidência do art. 1.257 do
no artigo antecedente aplica- Código Civil. (TARTUCE 190)
se ao caso de não pertencerem
as sementes, plantas ou
materiais a quem de boa-fé os
empregou em solo alheio.

Parágrafo único. O
proprietário das sementes,
plantas ou materiais poderá
cobrar do proprietário do solo a
indenização devida, quando
não puder havê-la do
plantador ou construtor.

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Por fim, há casos em que a construção A construção invade o prédio vizinho em
invade terreno vizinho: proporção igual ou menor que a vigésima
parte (até 5%) do tamanho do terreno do
Art. 1.258 CC/02. Se a vizinho
construção, feita parcialmente
em solo próprio, invade solo a) O valor da construção é superior ao
alheio em proporção não superior valor desta fração de terreno
à vigésima parte deste, adquire o invadido (que não ultrapassa a
construtor de boa-fé a vigésima parte do todo), e o
propriedade da parte do solo construtor procede de boa-fé
invadido, se o valor da construção (artigo 1.258, caput).
exceder o dessa parte, e responde
por indenização que represente, Exemplo: o terreno da vizinha de
também, o valor da área perdida Waldicreuza vale R$ 100.000,00.
e a desvalorização da área
remanescente. Durante uma obra em seu terreno,
Waldicreuza, sem querer, invade
Parágrafo único. Pagando em exatamente 1/20 do terreno (5%), o que
décuplo as perdas e danos equivale, em reais, a R$ 5.000,00.
previstos neste artigo, o
construtor de má-fé adquire a Entretanto, exatamente na parte invadida
propriedade da parte do solo que fora construído um cômodo da residência
invadiu, se em proporção à de Waldicreuza, totalizando R$ 30.000,00.
vigésima parte deste e o valor da
construção exceder Nesta hipótese, verificando a boa-fé de
consideravelmente o dessa parte Waldicreuza, ela adquirirá a propriedade
e não se puder demolir a porção da terra invadida, devendo indenizar sua
invasora sem grave prejuízo para vizinha, ex-proprietária, pela área perdida
a construção. (R$ 5.000,00), e pela desvalorização da
área remanescente (a ser calculada no caso
Art. 1.259 CC/02. Se o construtor concreto).
estiver de boa-fé, e a invasão do
solo alheio exceder a vigésima b) O valor da construção é
parte deste, adquire a consideravelmente superior ao
propriedade da parte do solo valor desta fração de terreno
invadido, e responde por perdas e invadido (que não ultrapassa a
danos que abranjam o valor que vigésima parte do todo – 5%), e o
a invasão acrescer à construção, construtor procede de má-fé
mais o da área perdida e o da (artigo 1.258, parágrafo único).
desvalorização da área
remanescente; se de má-fé, é Exemplo: o terreno da vizinha de
obrigado a demolir o que nele Waldicreuza vale R$ 100.000,00.
construiu, pagando as perdas e
danos apurados, que serão Durante uma obra em seu terreno,
devidos em dobro. Waldicreuza, propositalmente, invade
exatamente 1/20 do terreno, o que
A primeira coisa que deve ser feita é equivale, em reais, a R$ 5.000,00.
apurar a proporção da parte invadida em
relação ao terreno do vizinho (para ser Entretanto, exatamente na parte invadida
invasão, deve ser apenas parcial). fora construída a parte nobre da nova
residência de Waldicreuza: pub com piso
Em que pese a confusão que os legisladores transparente, com cinema 3D e lago de
conseguiram fazer nos artigos 1.258 e carpas, além de chaminé 2x2 e uma área
1.259, vamos tentar simplificar. de lazer para crianças, totalizando
R$ 550.000,00.
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Neste caso, mesmo que Waldicreuza esteja Por outro lado, o terreno de Silvio que valia
de má-fé, adquirirá a propriedade das R$ 50.000,00, passou a valer R$ 15.000,00,
terras invadidas, desde que indenize sua sendo que a metade invadida valia
vizinha proprietária em quantia dez vezes R$25.000,00 (ou seja, o valor total do
superior à soma do valor da área perdida terreno dividido por dois). Houve, assim,
(R$5.000,00) mais a desvalorização da uma desvalorização de R$ 10.000,00.
área remanescente (no caso, suponhamos Assim, Waldicreuza deverá indenizar
que com a exclusão da área que Leanderson da seguinte forma:
Waldicreuza construiu, o terreno total
passe a valer R$ 90.000,00. R$ 50.000,00 (valorização Waldicreuza) +
Consequentemente, houve uma R$ 25.000,00 (metade do terreno perdida)
desvalorização de R$ 5.000,00, pois os + R$ 10.000,00 (desvalorização) =
outros R$ 5.000,00 já era a fração do R$ 85.000,00 (valor da indenização).
terreno construído).
b) O construtor agiu de má-fé
O cálculo será o seguinte:
Art. 1.259, segunda parte – Fica obrigado
(R$ 5.000,00 + R$ 5.000,00) x 10 = a demolir o que construiu e a dar ao
R$ 100.000,00 – valor da indenização. vizinho uma indenização equivalente ao
dobro pelos prejuízos que eventualmente
Entretanto, ressaltamos que esta este tenha sofrido.
indenização será devida apenas se não
puder demolir a construção que estiver na Processualmente cabe a ação demolitória.
parte invasora sem que haja prejuízo à
construção ou à coletividade. O prazo decadencial de ano e dia
para a propositura da ação
A construção invade prédio vizinho em demolitória previsto no art. 576
proporção superior à vigésima parte deste do CC/1916 não tem aplicação
(mais de 5% do tamanho total do terreno) quando a construção
controvertida – uma escada –
a) O construtor agiu de boa-fé. tiver sido edificada
integralmente em terreno alheio.
Art. 1.259, primeira parte - Agindo de boa- De plano, importante esclarecer
fé, o construtor adquirirá a propriedade da que o prazo decadencial para
porção invadida, pagando indenização ao propositura de ação demolitória
proprietário incluindo: previsto no art. 576 do CC/1916
tem incidência apenas nas
i. A quantia correspondente à situações em que a construção
valorização que a construção controvertida é erigida no imóvel
sofrerá pelo acréscimo de contíguo e embaraça, de
terreno qualquer modo, a propriedade
+ vizinha. A construção de uma
ii. O valor do terreno adquirido escada integralmente em terreno
+ alheio não se amolda ao comando
iii. O valor da desvalorização da do art. 576 do CC/1916, visto que
área remanescente não há, nesse caso, construção
em terreno vizinho de forma
Exemplo: suspensa que possa ser
equiparada a uma janela, sacada,
Waldicreuza, ao construir em seu terreno, terraço ou goteira. Ademais,
invadiu, sem querer, metade do terreno de segundo a doutrina, o prazo
seu vizinho Leanderson. A casa de decadencial previsto no art. 576
Waldicreuza, que anteriormente valia tem aplicação limitada às
R$ 200.000,00, passou a valer espécies nele mencionadas.
R$ 250.000,00.
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Desse modo, em outros casos, que Hipótese em que a parte autora
refogem àquelas espécies não demonstrou tenha a
expressamente tratadas, é edificação promovida pelo réu
possível ajuizar utilmente a ação decorrido de má-fé. Inteligência
demolitória ainda que escoado o do art. 1.259 do CC/2002.
prazo de ano e dia da obra lesiva, Descabimento da pretensão
aplicando-se os prazos demolitória. Dever de indenizar
prescricionais gerais. REsp integralmente o terreno,
1.218.605-PR, Rel. Min. Ricardo porquanto inviável a utilização
Villas Bôas Cueva, julgado em da fração remanescente pela
2/12/2014, DJe 9/12/2014. autora. Provimento do apelo no
tópico. Indenização por analogia
Art. 1.302 CC/02. O proprietário à locação. Cabimento. Utilizando
pode, no lapso de ano e dia após a o réu porção expressiva do imóvel
conclusão da obra, exigir que se da autora, sem qualquer
desfaça janela, sacada, terraço ou contraprestação, merece
goteira sobre o seu prédio; procedência o pleito de
escoado o prazo, não poderá, por reparação. Reforma da sentença
sua vez, edificar sem atender ao no ponto. APELAÇÃO DO RÉU
disposto no artigo antecedente, DESPROVIDA. APELAÇÃO DA
nem impedir, ou dificultar, o AUTORA PROVIDA EM
escoamento das águas da goteira, PARTE. (Apelação Cível Nº...
com prejuízo para o prédio 70072640048, Décima Nona
vizinho. Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Mylene
APELAÇÃO CÍVEL. PLEITO Maria Michel, Julgado em
DEMOLITÓRIO, CUMULADO 09/11/2017).
COM INDENIZAÇÃO DE
PERDAS E DANOS.
REPARAÇÃO, OUTROSSIM,
PELO PERÍODO DE
UTILIZAÇÃO DA FRAÇÃO DO
IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE
EXTENSÃO DA RESIDÊNCIA
DO RÉU SOBRE O TERRENO
VIZINHO, DA AUTORA.
RECONVENÇÃO.
INDENIZAÇÃO DA ACESSÃO.
SENTENÇA DE PARCIAL
PROCEDÊNCIA DA DEMANDA
PRINCIPAL E DE
IMPROCEDÊNCIA DA
RECONVENÇÃO. Prescrição
trienal. Descabimento. O pleito
demolitório tem natureza real,
contexto em que deve ser
observado o prazo respectivo, do
art. 177 do CC/1916, de dez anos
entre presentes, ou do art. 205 do
CC/2002, também de dez anos.
Precedentes. Prescrição não
caracterizada. Edificação de boa-
fé e consequências jurídicas.

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 Usucapião de bem imóvel Além disso, muitos doutrinadores clássicos
ao conceituar a usucapião mencionam a
existência de PRESCRIÇÃO
AQUISITIVA. Em que pese a existência de
divergências sobre a utilização de tal
expressão (nesse sentido: CAIO MÁRIO,
PONTES DE MIRANDA, ORLANDO
GOMES e CÉSAR FIUZA), já que o termo
advém de época Romana, deixamos apenas
a ressalva de que sempre que lerem a
expressão ‘prescrição aquisitiva’ se fará
entender ‘usucapião’.

CONCEITO
Popularmente (vulgarmente) conhecida
como ‘Uso Campeão’ e até mesmo como A usucapião constitui o modo de adquirir o
‘Urso Campeão’, a usucapião constitui domínio ou outros direitos reais pelo
modo originário de aquisição da decurso do tempo condicionado à posse
propriedade, seja ela de bem imóvel ou incontestada e ininterrupta.
móvel.
Calma que vamos facilitar.
Neste tópico analisaremos a propriedade
de bem imóvel. A fórmula fática da usucapião é a seguinte:

Antes de mais nada é importante informar Sujeito + coisa em seu poder + tempo (+
que adotamos a forma feminina da palavra eventuais requisitos exigidos pela lei) =
para não confundir os estudantes, já que o usucapião => domínio
Código Civil de 2002, o Estatuto da Cidade
(Lei 10.257/01), e a Lei da Usucapião Já a fórmula jurídica é:
Agrária (Lei 5.969/81), também
realizaram esta opção. Posse ad usucapionem (= posse
incontestada e ininterrupta de coisa
Entretanto, vocês poderão ver em hábil) + tempo (+ demais requisitos que
doutrinas e julgamentos a utilização do a lei exigir) = domínio
vocábulo no masculino – o usucapião.
Aplicamos o princípio da operabilidade, Caio Mário da Silva Pereira conceitua a
não importando se utilizarão o termo no usucapião como sendo
feminino ou no masculino.
“a aquisição da propriedade ou
outro direito real pelo decurso do
tempo estabelecido e com a
observância dos requisitos
instituídos em lei”
(Instituições..., 2004, v. IV, p.
138).

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Observem que a todo o momento Ora, a posse é bacana, mas não é o fim... É
mencionamos que a aquisição pode ser do uma parte de direitos que você pode ter
domínio (propriedade), ou de outro direito em relação a um bem, mas não é o final da
real. Nesse ponto é importante vocês ‘estação’... Você precisa chegar até a
terem muita atenção, pois normalmente propriedade inclusive pelo aspecto
vinculamos a usucapião única e jurídico!
exclusivamente à aquisição da
propriedade de determinado bem (neste *** REQUISITOS ***
tópico, bem imóvel, mas já mencionamos
que também pode ser de bem móvel).
DECURSO DO TEMPO - é indispensável
Entretanto, também há viabilidade de se para a configuração da usucapião.
adquirir outro direito real, como o usufruto
ou a servidão (estudaremos após a A lei determina alguns critérios específicos
conceituação de tais direitos reais). para a ocorrência de tal instituto, entre
eles, prazos de 15, 10, 5 e até 2 anos.
Há, então, a ocorrência de uma ‘mágica Ultrapassado o mesmo, não se pode mais
jurídica’, onde se transformará levantar dúvidas a respeito da ausência ou
vícios do título de posse.

Temos aí um fundamento da usucapião,


qual seja, o tempo acaba consolidando a
situação de quem exterioriza a
propriedade sem tê-la, porém, querendo
adquirir o bem daquele proprietário
Aí surge a dúvida: mas qual a vantagem de desidioso, que não reivindica o que é seu.
se transformar posse em propriedade, se, Atende-se, assim, a função social da
pelo menos sob minha perspectiva, eu propriedade e da posse.
posso ter posse de determinado imóvel pelo
resto da vida?! Tanto é que o Código Civil de 2002
diminuiu os prazos de usucapião
A grande diferença da posse para a anteriormente estabelecidos pelo Código
propriedade é documental, já que, como Civil de 1916. E mais: quando restar
vimos, a posse é uma situação de fato, demonstrado o atendimento integral da
enquanto a propriedade, de direito. Ou função social da propriedade (possuidor ou
seja, a posse é demonstrada por meio do sua família utilizam a área para moradia
agir, enquanto a propriedade, como regra, ou para desenvolvimento da atividade
por meio de documentação. econômica), o prazo será mais reduzido
ainda!
Mas ein?! Se você parar para pensar, a
propriedade até de uma televisão, de um Observe-se que podemos inclusive falar em
celular, de uma bicicleta, de uma propriedade putativa, a qual constitui
geladeira, de uma cama etc, se comprova ‘propriedade aparente’: ao contrário da
por meio de documento, qual seja: NOTA exteriorização da propriedade, que todo o
FISCAL ou contrato de compra e venda! possuidor tem (agir como se dono fosse),
aqui há a intenção de ser dono – teoria
subjetiva de Savigny.
Óbviamente que quando estamos diante
de questões imobiliárias essa análise é
mais simples, já que o nome do
proprietário estará na matrícula (como já
vimos!).

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Elementos Configuradores

Dois elementos devem estar presentes


para se ter a usucapião:
Ou seja, a posse ad usucapionem não
Posse ad usucapionem e lapso temporal
pode ser injusta!
Os demais requisitos demonstrados na
Assim, as posses violentas e clandestinas
fórmula dependerão da modalidade de
(posses injustas) somente se tornam aptas
usucapião.
a configurar posse ad usucapionem após o
decurso do prazo de um ano e dia a contar
Existem doutrinadores que incluem como
de sua aquisição por violência ou
elementos configuradores a sentença
clandestinidade, quando, então, se
judicial (Silvio Rodrigues) e até mesmo o
tornarão posses jurídicas (ou posse justa!).
registro (Beviláqua). Entretanto, se assim
Viram como agora aqueles conceitos
fosse, não estaríamos diante de um modo
introdutórios começaram a fazer mais
específico de aquisição da propriedade,
sentido?!
mas sim daquele já estudado (transcrição
do título translativo no Registro Público).
Seguindo, lembram que trabalhamos a
convalidação da posse precária?! Vimos
Já tenham em mente que a sentença
que a doutrina majoritária afirma que a
prolatada em uma ação de usucapião
posse injusta em razão da precariedade
possui natureza meramente declaratória
nunca se convalida, visto que violou a boa-
de um direito que já foi adquirido. Assim,
fé e a confiança do ‘antigo’ possuidor.
a sentença não constitui o direito de
Consequentemente, a doutrina ainda
propriedade!
majoritária entende que a posse precária
será sempre natural e, consequentemente,
Ora, na sentença o Estado-Juiz apenas
‘nunca’ se configurará em posse ad
reconhecerá que alguém preencheu todos
usucapionem.
os requisitos estabelecidos em lei para a
aquisição do domínio. E essa sentença
Entretanto, doutrina moderna vem
servirá como fundamento para o registro,
advogando no sentido da possibilidade de
o qual é indispensável à publicidade do
se ter a alteração da causa da posse,
fato.
admitindo a usucapião em casos
excepcionais.
a) Posse ad usucapionem
Imagine a hipótese em que um locatário
A posse ad usucapionem é a posse jurídica
paga pontualmente seu aluguel há
de coisa hábil, revelando-se incontestada e
aproximadamente 10 anos. Em razão do
ininterrupta.
desaparecimento do locador/proprietário, o
até então locatário deixa de pagar os
A posse jurídica é a posse reconhecida pelo
aluguéis.
nosso ordenamento jurídico, e que,
consequentemente, possui efeitos
O ‘Mundo de Alice’ espera a existência de
possessórios – é a posse justa; ao contrário
uma consignação em pagamento, mas isso
da posse natural, que é aquela em que,
não ocorre na prática. Após 15 anos sem
embora reúna os elementos conceituais, é
pagar o aluguel haveria a configuração da
relativamente desprovida de efeitos
usucapião (neste caso, extraordinária).
possessórios, em razão de ter sido
adquirida por meio injusto.

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Nesse sentido: Como poderia, em um mesmo
ordenamento, “uma coisa ser
“Nada impede que o caráter uma coisa”, em um momento, e
originário da posse se modifique, ser “outra coisa”, em outro? Em
motivo pelo qual o fato de ter algumas situações, posse é o
havido no início da posse da exercício pleno ou não de algum
autora um vínculo locatício, não é dos poderes da propriedade, mas,
embaraço ao reconhecimento de em outras, posse é o poder físico
que, a partir de um determinado sobre a coisa por quem tem a
momento, essa mesma mudou de intenção de dono? Isso seria
natureza e assumiu a feição de teratológico”. (Elpídio 735-736)
posse em nome próprio, sem
subordinação ao antigo dono e, O posicionamento é brilhante, mas
por isso mesmo, com força ad seguiremos a corrente majoritária, já que
usucapionem” (STJ, REsp para a configuração da usucapião o
154.733/DF, 4.ª Turma, Rel. Min. possuidor deve ‘possuir como seu o imóvel’
Cesar Asfor Rocha, j. 05.12.2000, (art. 1.238 CC/02), havendo a nítida
DJ 19.03.2001, p. 111). intenção de afastar a usucapião de
situações em que a posse é cedida
Além disso, a doutrina majoritária nos temporariamente em negócio jurídico de
ensina que a posse ad usucapionem deve execução continuada – relação
seguir a teoria de Savigny – Teoria obrigacional, ou seja, locação, comodato e
Subjetiva – a qual exige o animus domini, depósito (dever de guarda), ou quando a
ou seja, a intenção de ser dono da coisa: P mesma é transferida por meio da
= C + A. constituição de um direito real sobre coisa
alheia (uso, usufruto etc).
Em que pese tal entendimento, Elpídio
Donizetti o critica duramente: Nessas hipóteses não temos a
denominada propriedade putativa!
“Essa conclusão, falsa, traz
implicações extremamente Art. 1.238 CC/02. Aquele que, por
maléficas, quando enxergada quinze anos, sem interrupção,
como verdadeira. Asseverar que nem oposição, possuir como seu
a posse, na usucapião, segue a um imóvel, adquire-lhe a
teoria de SAVIGNY importa dar propriedade, independentemente
aos elementos que a compõem, de título e boa-fé; podendo
corpus e animus, significação requerer ao juiz que assim o
própria. Seguindo esse declare por sentença, a qual
entendimento, seria necessário, servirá de título para o registro
ao analisar a usucapião, rejeitar no Cartório de Registro de
tudo o que se preceitua no Título Imóveis.
I do Direito das Coisas no Código
Civil, pois ali o corpus e o animus Assim, toda vez que estivermos diante de
têm o conteúdo que JHERING uma situação em que o possuidor não tem
lhes deu, com certas adaptações. a intenção de ser dono do bem, não haverá
Em consequência, por exemplo, posse ad usucapionem.
não valeriam os conceitos de
possuidor e de detentor, nem Além disso, também devemos fazer uma
haveria mais que se falar em ponderação relativa aos servidores da
posse indireta. Ademais, não posse (fâmulo da posse), e aos atos de mera
haveria posse de coisa distante. permissão ou tolerância: como já estudado,
tais ‘sujeitos’ não exercem a posse, mas
sim detenção. Consequentemente, ‘nunca’
poderão ensejar a usucapião.

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Sobre o tema, colacionamos alguns apreendido pelo órgão de
julgados: trânsito.
(TJMG, Apelação Cível
USUCAPIÃO. ANIMUS 1.0460.05.017268-9/001, 13ª
DOMINI. Câmara Cível, relator: Des.
Posse decorrente de contrato de Barros Levenhagen, data do
locação, reconhecido em ação de julgamento: 2/10/2008.)
despejo cuja sentença transitou
em julgado. Ausência de animus ARRENDAMENTO RURAL.
domini. Improcedência da ação DESPEJO. EXCEÇÃO DE
de usucapião. Negaram USUCAPIÃO. ANIMUS
provimento. DOMINI NÃO
(TJRS, Apelação Cível DEMONSTRADO. POSSE A
70036249563, 19ª Câmara Cível, TÍTULO DE
relator: Des. Carlos Rafael dos ARRENDAMENTO.
Santos Júnior, data do ALUGUERES. COBRANÇA.
julgamento: 24/8/2010.) PRESCRIÇÃO.
Se o possuidor, tácita ou
APELAÇÃO – expressamente, reconhece não
REIVINDICATÓRIA – ser proprietário, renuncia ao
REQUISITOS PRESENTES – usucapião, que exige, ainda, boa-
COMODATO – AUSÊNCIA DE fé, isto é, a crença do possuidor de
ANIMUS DOMINI – que a coisa sob sua legitimidade
USUCAPIÃO – NÃO lhe pertence, o chamado animus
CARACTERIZAÇÃO. domini. E não podem ser
1 – Verificada a devida considerados possuidores com
identificação do imóvel, a prova animus domini nem aqueles que
de sua titularidade e a injustiça tenham recebido o imóvel em
na posse de terceiro, tem-se por arrendamento ou locação e nem
preenchidos os requisitos para a aqueles que o receberam em
reivindicação do bem pelo real comodato. Hipótese em que se
proprietário. verifica que, ainda que tenham os
2 – A posse oriunda de contrato demandados deixado de pagar o
de comodato impede a arrendo muitos anos atrás, não
caracterização de animus se pode considerar que tivessem
domini, não podendo o período de o animus domini, essencial para
vigência do contrato ser a caracterização do usucapião.
computado para aferição de A posse foi por eles exercida
usucapião. (TJMG, Apelação simplesmente em razão do
Cível 1.0024.06.267838-8/001, 9ª contrato de arrendamento.
Câmara Cível, relator: Des.
Pedro Bernardes, data do Exceção de usucapião afastada.
julgamento: 15/12/2009.) Despejo e cobrança procedentes.
As prestações de aluguel
CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – anteriores a cinco anos da
AÇÃO DE USUCAPIÃO – propositura da ação (março de
PRESENÇA DE ANIMUS 2000) são colhidas pela
DOMINI – VEÍCULO prescrição, na forma do art. 178,
FURTADO – DEPOSITÁRIO. § 10, IV, do Código Civil de 1916.
– Arcabouço probatório veemente APELAÇÃO PARCIALMENTE
no sentido de configurar ausência PROVIDA. (TJRS, Apelação
de “animus domini” do posseiro Cível no 70010780757, 9ª
em razão de atuar como mero Câmara Cível, relatora: Des.
depositário fiel de veículo Marilene Bonzanini Bernardi,
data do julgamento: 1/6/2005.)
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Antes de finalizarmos este ponto e Consolidada a situação há mais
analisarmos mais detalhadamente a posse de vinte anos sobre área não
ad usucapionem, é importante tecermos indispensável à existência do
algumas considerações sobre a posse de condomínio, é de ser mantido o
bens em condomínio, especialmente status quo. Aplicação do
quando envolvem herdeiros. princípio da boa-fé (supressio).
Recurso conhecido e provido”
Existem inúmeras decisões que afirmam (STJ, REsp 214.680/SP, 4.ª
que havendo tolerância de uso por parte Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de
dos demais condôminos (como é o caso, por Aguiar, j. 10.08.1999, DJ
exemplo, da utilização de uma casa objeto 16.11.1999, p. 214).
de herança por um único herdeiro que lá
reside, com a anuência de todos os I. Posse de coisa hábil
demais), não podemos cogitar na
existência da usucapião. Entretanto, se a Cuidado: como regra, bens públicos não
posse for exclusiva, própria, há viabilidade são passíveis de usucapião!
de usucapir:
Art. 102 CC/02. Os bens públicos
“Usucapião – Condomínio. 1. não estão sujeitos a usucapião.
Pode o condômino usucapir,
desde que exerça posse própria Art. 183, § 3º CRFB/88. Os
sobre o imóvel, posse exclusiva. imóveis públicos não serão
Caso, porém, em que o adquiridos por usucapião.
condomínio exercia a posse em
nome dos demais condôminos. Art. 191, Parágrafo único. Os
Improcedência da ação (Código imóveis públicos não serão
Civil, arts. 487 e 640). 2. Espécie adquiridos por usucapião.
em que não se aplica o art. 1.772,
§ 2.º, do CC. 3. Recurso especial Em que pese tal vedação, há inúmeros
não conhecido” (STJ, REsp estudos que buscam justificar a
10.978/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. possibilidade de se usucapir os bens
Nilson Naves, j. 25.05.1993, DJ públicos dominicais (e terras devolutas),
09.08.1993, p. 15.228). tema que deve ser debatido nos meios
acadêmicos especialmente sob um olhar
Interessantíssimo julgado ocorreu em administrativo.
1999, no STJ, ocasião em que fora
concedida a usucapião, de forma indireta, Apenas como meio introdutório, a
de um corredor que dava acesso a alguns justificativa para tal entendimento é no
apartamentos – existia, no caso, mera sentido de que os bens dominicais são
tolerância por parte dos demais alienáveis e, consequentemente, seriam
condôminos (condomínio edilício). prescritíveis. Ressalta-se que tal corrente
ainda é minoritária, mas já há inúmeros
Tal julgado utilizou a boa-fé objetiva e, de julgados nesse sentido.
forma toda particular, a supressio (perda
de um direito ou de uma posição jurídica A Lei 6.969/81, em seu artigo 2º, permite a
pelo seu não exercício no tempo). usucapião especial rural de terras
devolutas; entretanto, tal artigo é
“Condomínio – Área comum – considerado pela doutrina majoritária
Prescrição – Boa-fé – Área como não recepcionado pela Constituição
destinada a corredor, que perdeu Federal de 1988, em razão do disposto em
sua finalidade com a alteração do seu artigo 191, parágrafo único, CRFB/88,
projeto e veio a ser ocupada com já colacionado.
exclusividade por alguns
condôminos, com a concordância
dos demais.
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Art. 2º Lei 6969/81 - A usucapião Ou seja: se formalmente público,
especial, a que se refere esta Lei, seria possível a usucapião,
abrange as terras particulares e satisfeitos os demais requisitos;
as terras devolutas, em geral, sendo materialmente públicos,
sem prejuízo de outros direitos haveria óbice à usucapião. Esta
conferidos ao posseiro, pelo seria a forma mais adequada de
Estatuto da Terra ou pelas leis tratar a matéria, se lembrarmos
que dispõem sobre processo que, enquanto o bem privado
discriminatório de terras ‘tem’ função social, o bem público
devolutas. ‘é’ função social” (Direitos reais...,
2006, p. 267).
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald são
grandes vozes que advogam pela Interessante tema para ser trabalhado,
viabilidade da usucapião de terras ensejando pesquisas aptas a justificar uma
devolutas, conforme ensinamento mudança de pensamento do nosso poder
transcrito: judiciário, o qual ainda caminha no
sentido da impossibilidade absoluta de
“A nosso viso, a absoluta usucapir bens públicos, indo de encontro à
impossibilidade de usucapião função social de tais bens.
sobre bens públicos é equivocada,
por ofensa ao princípio Por outro lado, como a usucapião é uma
constitucional da função social da forma de aquisição de propriedade em seu
posse e, em última instância, ao modo originário, a doutrina entende que é
próprio princípio da possível usucapir bem gravado com
proporcionalidade. Os bens cláusula de inalienabilidade (bem que não
públicos poderiam ser divididos pode ser vendido), já que não há qualquer
em materialmente e relação jurídica entre o possuidor e o
formalmente públicos. Estes proprietário anterior.
seriam aqueles registrados em
nome da pessoa jurídica de Ainda sobre o objeto hábil, não seria
Direito Público, porém excluídos possível usucapir animais silvestres, face
de qualquer forma de ocupação, a impossibilidade de sua aquisição (ao
seja para moradia ou exercício de menos como regra!).
atividade produtiva. Já os bens
materialmente públicos seriam II. Posse incontestada
aqueles aptos a preencher
critérios de legitimidade e Aqui temos a ‘famosa’ posse mansa e
merecimento, postos dotados de pacífica, ou seja, ninguém mais disputa
alguma função social. Porém, a com o atual possuidor – é a posse exercida
Constituição Federal não sem qualquer manifestação em contrário
atendeu a esta peculiaridade, de quem tenha legítimo interesse
olvidando-se de ponderar o (proprietário do bem).
direito fundamental difuso à
função social com o necessário Se houve a propositura de ação possessória
dimensionamento do bem em face de um possuidor, somente
público, de acordo com a sua afirmaremos que a posse será mansa após
conformação no caso concreto. o trânsito em julgado da sentença que o
manteve ou o reintegrou na posse, não se
envolvendo em outro conflito possessório.

Consequentemente, a posse será


considerada mansa e pacífica a partir de
então, ocasião em que iniciará a contagem
do prazo da usucapião.

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Interessante ponto é que no caso da A sucessão para a soma de posses pode ser
improcedência da ação, não se estará inter vivos ou mortis causa, ou seja, em
afastada a posse incontestada, já que o ato caso de sucessão de empresas, uma pode
deve ser praticado por quem de fato tem somar a posse da outra para usucapir um
interesse no bem ou possui razão na imóvel. Já no caso de sucessão mortis
demanda. causa, o herdeiro pode continuar a posse
do de cujus para fins de usucapião.
III. Posse ininterrupta
Ainda sobre a accessio possessionis, a IV
O possuidor não pode perder a posse nem Jornada de Direito aprovou o enunciado
por um instante. Se a perda ocorrer, o 317:
prazo será zerado e voltará a contar a
partir do momento em que o sujeito tiver “A accessio possessionis, de que
novamente a posse – mansa e pacífica. trata o art. 1.243, primeira parte,
do Código Civil, não encontra
Aqui é interessante retomarmos a análise aplicabilidade relativamente aos
da questão que envolve a sucessão na arts. 1.239 e 1.240 do mesmo
posse. diploma legal, em face da
normatividade do usucapião
Art. 1.207 CC/02. O sucessor constitucional urbano e rural,
universal continua de direito a arts. 183 e 191,
posse do seu antecessor; e ao respectivamente”.
sucessor singular é facultado
unir sua posse à do antecessor, Verifica-se, assim, que a soma de posse
para os efeitos legais. não é aplicável quando estivermos diante
de usucapião especial urbana e rural,
Nas hipóteses dispostas no artigo 1.207 justamente em decorrência do tratamento
CC/02, havendo a continuação da posse específico realizado pela Constituição
(obrigatória quando o sucessor for Federal. Ademais, em relação à usucapião
universal e facultativa se for singular), a especial urbana, a Lei 10.257/01 (Estatuto
posse se manterá ininterrupta, mesmo da Cidade) estabelece regra específica
havendo a substituição do possuidor. para a accessio possessionis.

Assim, devemos mencionar o disposto no Tirando essas exceções e voltando à regra


artigo 1.243 CC/02, o qual reforça a geral (soma de posses), é importante
exceção mencionada: deixar consignado que o ônus da prova
cabe a quem alega a usucapião, conforme
Art. 1.243 CC/02. O possuidor decisão do TJRS:
pode, para o fim de contar o “Apelação cível – Usucapião
tempo exigido pelos artigos ordinário – Ausência de requisito
antecedentes, acrescentar à sua da temporalidade indispensável
posse a dos seus antecessores à prescrição aquisitiva – Soma de
(art. 1.207), contanto que todas posse – Ônus dos autores – Art.
sejam contínuas, pacíficas e, nos 333, I, do CPC. No caso concreto,
casos do art. 1.242, com justo ainda que some-se a posse
título e de boa-fé. anterior à posse exercida pelos
autores no momento da
Temos, assim, a soma de posses (ou propositura da demanda, esta
accessio possessionis). não atinge o lapso temporal
indispensável a usucapião.

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Assim, embora as partes venham – Os prazos de usucapião não
exercendo a posse de boa-fé, correm contra os absolutamente
mansa e pacífica, com animus incapazes, tratados no art. 3.º do
domini, falta-lhes o lapso CC. Como é notório, o Estatuto
temporal indispensável à da Pessoa com Deficiência (Lei
prescrição aquisitiva” (TJRS, 13.146/2015) alterou
Processo 70015858889, Vigésima substancialmente o sistema de
Câmara Cível, Comarca de incapacidades do Código Civil.
Rosário do Sul, Juiz relator Pelo sistema anterior, eram
Glênio José Wasserstein absolutamente incapazes os
Hekman, j. 23.08.2006). menores de 16 anos, os enfermos
e doentes mentais sem
Outro artigo de inegável importância é o discernimento para a prática dos
1.244 CC/02: atos da vida civil e as pessoas que
mesmo por causa transitória não
Art. 1.244 CC/02. Estende-se ao puderem exprimir vontade. A
possuidor o disposto quanto ao partir de janeiro de 2016, quando
devedor acerca das causas que a nova lei entrou em vigor,
obstam, suspendem ou passaram a ser absolutamente
interrompem a prescrição, as incapazes apenas os menores de
quais também se aplicam à dezesseis anos. Em suma, não
usucapião. existem mais maiores que sejam
absolutamente incapazes.
Ou seja, as causas de interrupção, – Os prazos não são contados
suspensão e obstação do prazo contra os ausentes do País em
prescricional dispostas nos artigos 197 ao serviço público da União, dos
202 do CC/02 também se aplicam à Estados ou dos Municípios.
usucapião. Entendemos que a mesma regra
vale para os casos de ausência,
Assim: hipótese de morte presumida da
“– Não correrão os prazos de pessoa natural, tratada entre os
usucapião entre os cônjuges, na arts. 22 a 29 do Código Civil.
constância da sociedade conjugal. – Também não contam contra os
Atente-se ao fato de que a nova que se acharem servindo nas
modalidade de usucapião Forças Armadas, em tempo de
urbana, para os casos de guerra.
abandono do lar conjugal (art. – Pendendo condição suspensiva,
1.240-A do CC), constitui exceção não se adquire um bem por
a essa regra. Entendemos, por usucapião. A título de exemplo,
equiparação entre as entidades se a propriedade do bem estiver
familiares, que a mesma regra sendo discutida em sede de ação
vale para os casos de união reivindicatória, não haverá início
estável, não correndo o prazo de do prazo.
usucapião entre companheiros ou – Não se adquire por usucapião
conviventes. não estando vencido eventual
– Não haverá usucapião entre prazo para a aquisição do direito.
ascendentes e descendentes, – Não haverá contagem para o
durante o poder familiar, em prazo de usucapião pendendo
regra, até quando o menor ação de evicção.
completar dezoito anos.
– Não correrão também os prazos
entre tutelados ou curatelados e
seus tutores ou curadores,
durante a tutela ou curatela.

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– Não se contam os prazos de – Por fim, por qualquer ato
usucapião quando a ação de inequívoco, ainda que
usucapião se originar de fato que extrajudicial, que importe
deva ser apurado no juízo reconhecimento do direito alheio
criminal, não correndo a por parte do possuidor tem o
prescrição antes da respectiva condão de interromper o prazo
sentença definitiva. para a usucapião. (TARTUCE)
– Haverá interrupção do prazo de
usucapião no caso de despacho do IV. Posse de boa-fé e com justo
juiz que, mesmo incompetente, título, em regra
ordenar a citação, se o
interessado a promover no prazo Para a configuração da usucapião
e na forma da lei processual. ordinária (seja de bem móvel ou imóvel), a
Essa ação em que há a citação lei exige a boa-fé e o justo título (arts. 1.242
pode ser justamente aquela em e 1.260 CC/02). Para as demais hipóteses
se discute o domínio da coisa. Em há a dispensabilidade de tais requisitos,
diálogo com o Novo Código de havendo a presunção absoluta de sua
Processo Civil, a citação retroage presença.
à data da propositura da ação.
b) Lapso temporal
Nos termos do art. 240 do
CPC/2015, “A citação válida, O segundo elemento configurador da
ainda quando ordenada por juízo usucapião é o transcurso de um lapso
incompetente, induz temporal previamente prescrito em lei.
litispendência, torna litigiosa a
coisa e constitui em mora o O cálculo do prazo deve seguir a regra
devedor, ressalvado o disposto disposta no artigo 132 do Código Civil, ou
nos arts. 397 e 398 da Lei n.º seja, excluímos o dia do início, e
10.406, de 10 de janeiro de 2002 incluiremos o do fim:
(Código Civil). § 1.º A interrupção
da prescrição, operada pelo Art. 132 CC/02. Salvo disposição
despacho que ordena a citação, legal ou convencional em
ainda que proferido por juízo contrário, computam-se os
incompetente, retroagirá à data prazos, excluído o dia do começo,
de propositura da ação”. e incluído o do vencimento.

– O prazo prescricional para a O ponto focal é determinarmos o dia inicial


usucapião se interrompe pelo de contagem: sempre quando for gerada a
protesto judicial ou até mesmo expectativa do direito de propriedade (ou
por eventual protesto cambial, se propriedade putativa), ou seja, o exato
assim se pode imaginar. momento em que se configura a posse ad
– Interromperá o prazo usucapionem – caráter jurídico e
prescricional para a usucapião a incontestado da posse.
apresentação do título de crédito
em juízo de inventário ou em Nunca se esqueçam que se a posse for
concurso de credores. adquirida mediante violência ou
– Qualquer ato judicial que clandestinidade, somente poderemos falar
constitua em mora o possuidor em posse ad usucapionem (posse jurídica)
interrompe o prazo para a após ano e dia de tal data, ocasião em que
usucapião. o vício estará automaticamente
convalescido.

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Ademais, também deve ser verificado se
naquele momento existe ou não disputa, Parágrafo único. O prazo
pois já vimos que enquanto durar a estabelecido neste artigo reduzir-
violência e a clandestinidade não teremos Usucapião se-á a dez anos se o possuidor
posse, mas sim detenção autônoma. extraordinária houver estabelecido no imóvel a
por posse- sua moradia habitual, ou nele
Ou seja, o prazo começa a contar a partir trabalho realizado obras ou serviços de
do momento que se comprovar que a posse caráter produtivo.
é justa e incontestada (mansa e pacífica),
devendo ser acompanhado passo a passo Uma vez adquirida a propriedade pela
de tal posse para se comprovar que ela usucapião, a sentença apenas a declarará,
permaneceu incontestada e não houve servindo de título para o registro
interrupção. (publicidade).

Sobre o tema, o enunciado da V Jornada de Interessante mencionar que apesar do


Direito Civil estabelece que: nome ‘extraordinária’, não quer dizer que
seja incomum na vida prática (o que de
“O prazo, na ação de usucapião, fato NÃO É!)… Mas o termo
pode ser completado no curso do ‘extraordinário’ remete apenas a
processo, ressalvadas as inexistência de justo título e de boa-fé.
hipóteses de má-fé processual do
autor” (Enunciado n. 497). Prazo – regra geral: 15 anos.
Prazo – redução (moradia ou serviços de
Estudaremos agora cada uma das caráter produtivo): 10 anos
modalidades da usucapião.
Atente-se que o parágrafo único do artigo
MODALIDADES DA USUCAPIÃO 1.238 CC/02 traduz justamente a função
social da posse.
1. Usucapião extraordinária
Outro ponto de destaque é que a moradia
É extraordinária a usucapião que exige deve ser habitual, afastando a hipótese de
somente a posse ad usucapionem e o lapso redução de prazo para imóveis
temporal. esporadicamente frequentados, como é o
caso, por exemplo, da casa na praia.
UEx = Posse ad usucapionem + lapso
temporal EMENTAS – USUCAPIÃO
EXTRAORDINÁRIA
Art. 1.238 CC/02. Aquele que, por
quinze anos, sem interrupção, USUCAPIÃO
Usucapião nem oposição, possuir como seu EXTRAORDINÁRIA –
extraordinária um imóvel, adquire-lhe a REQUISITOS FORMAIS –
regular ou propriedade, POSSE – ATOS DE MERA
comum independentemente de TOLERÂNCIA – ART. 497,
título e boa-fé; podendo CC/1916 – IMPROCEDÊNCIA
requerer ao juiz que assim o DO PEDIDO.
São requisitos formais da
declare por sentença, a qual usucapião extraordinária o lapso
servirá de título para o registro de tempo, que, para o caso sub
no Cartório de Registro de judice, é o vintenário, previsto no
Imóveis. art. 550 do Código Civil de 1916,
a posse e o exercício desta cum
animo domini.

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Atos de mera tolerância não – A ocupação do imóvel pelo réu,
induzem posse. (TJMG, Apelação seja por ato de mera tolerância ou
Cível 1.0183.07.122050-7/001, por comodato verbal, somente
15ª Câmara Cível, relator: Des. pode ser considerada como
Mota e Silva, data do julgamento: esbulho após notificação para sua
18/9/2008.) retirada do bem, pelos seus
proprietários.
A posse ad usucapionem não só (TJMG, Apelação Cível
deve ser projetada no tempo e 1.0686.06.187068-5/001, 17ª
delimitada no espaço, como Câmara Cível, relator: Des.
também demonstrado o seu Lucas Pereira, data do
exercício, com animus domini, de julgamento: 19/8/2010.)
forma mansa, pacífica e
ininterrupta e pelo lapso 2. Usucapião ordinária
temporal exigido em lei. A prova
documental e testemunhal A usucapião ordinária exige, além dos
trazida aos autos evidenciou a requisitos da posse ad usucapionem e do
inexistência de posse ad lapso temporal, que a posse seja com justo
usucapionem dos autores, título e de boa-fé.
porquanto residiam em parte do
terreno dos réus em virtude de Art. 1.242 CC/02. Adquire
comodato verbal entre parentes. Usucapião também a propriedade do imóvel
NEGARAM PROVIMENTO. ordinária aquele que, contínua e
UNÂNIME. (TJRS, Apelação regular ou
comum
incontestadamente, com justo
Cível 70029111366, 18ª Câmara
Cível, relator: Des. Cláudio título e boa-fé, o possuir por
Augusto Rosa Lopes Nunes, data dez anos.
do julgamento: 8/7/2010.)
Parágrafo único. Será de cinco
AÇÃO REIVINDICATÓRIA – anos o prazo previsto neste artigo
PROVA DE TÍTULO DE se o imóvel houver sido
Usucapião adquirido, onerosamente, com
DOMÍNIO – EXISTÊNCIA –
ordinária base no registro constante do
USUCAPIÃO – MATÉRIA DE por posse- respectivo cartório, cancelada
DEFESA – POSSIBILIDADE – trabalho
CCB/2002, ARTS. 198 E 1.244 – posteriormente, desde que os
COMODATO – ANIMUS possuidores nele tiverem
DOMINI – AUSÊNCIA. estabelecido a sua moradia, ou
– Os pressupostos indispensáveis realizado investimentos de
ao manejo da ação interesse social e econômico.
reivindicatória são a titularidade
do domínio, a individualização da O parágrafo único é um pouco diferente da
coisa e a posse exercida em regra da redução da usucapião
oposição ao título de domínio. extraordinária, e há críticas doutrinárias
– Admite-se a alegação da neste sentido.
usucapião como matéria de
defesa em uma gama de ações, Se observarmos bem, o parágrafo único,
como na ação reivindicatória, além de outros requisitos específicos, exige
divisória, demarcatória, imissão a existência de aquisição com base em
de posse e até nas ações registro posteriormente cancelado para
possessórias, quando nestas a que haja a redução do prazo (para 5 anos)
exceptio domini é permitida. – caso do compromisso de compra e venda.
– Tratando-se de comodato, não
há que se falar em usucapião, Tal requisito (título registrado e
uma vez que, nesse caso, não há posteriormente cancelado) gera a
o animus domini. denominada usucapião tabular.
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Entretanto, inexistindo esse título Observa-se que a existência do título
registrado (e cancelado), teremos que registrado e cancelado passa a ser
aplicar o caput do artigo 1.242 CC/02, o dispensável. O que importa é a
qual estipula o prazo de 10 anos, idêntico comprovação do registro (regra geral) e o
lapso temporal da usucapião estabelecimento de moradia ou a
extraordinária que atende a função social realização de atividade econômica (com a
(parágrafo único do artigo 1.238 CC/02). boa-fé e o justo título).
Consequentemente, estaremos
equiparando duas situações distintas, já Por fim, segue o disposto no Enunciado n.
que a extraordinária não exige o justo 569, da VI Jornada de Direito Civil:
título e nem a boa-fé – violação do princípio
da igualdade. “no caso do art. 1.242, parágrafo
único, a usucapião, como matéria
Melhor seria se o legislador deixasse de de defesa, prescinde do
exigir a aquisição fundada em registro ajuizamento da ação de
posteriormente cancelado. usucapião, visto que, nessa
hipótese, o usucapiente já é o
Entretanto, com fundamento no artigo titular do imóvel no registro”.
214, parágrafo 5º da Lei de Registros
Públicos (Lei 6.015/73), os doutrinadores De acordo com as suas
dão melhor interpretação a tal parágrafo. justificativas, “a usucapião de
que trata o art. 1.242, parágrafo
Tal dispositivo estabelece que não se único, constitui matéria de
decretará a nulidade de registro se isso defesa a ser alegada no curso da
“atingir terceiro de boa-fé que já tiver ação de anulação do registro do
preenchido as condições de usucapião do título translativo de propriedade,
imóvel”. Essa redação foi incluída em sendo dispensável o posterior
2004. ajuizamento da ação de
usucapião”.
Por ser redação posterior ao Código Civil,
ela deve permanecer sendo óbice ao Prazo – regra geral: 10 anos.
cancelamento do registro, sendo a lei mais Prazo – redução (moradia ou serviços de
velha (parágrafo único do artigo 1.242 caráter produtivo, com existência de
CC/02) revogada tacitamente. justo título e aquisição onerosa): 5 anos

Assim, o parágrafo único deve ser - Justo Título: para a usucapião ordinária,
interpretado da seguinte forma, o justo título pode ser compreendido como
observando a posse-trabalho: qualquer documento hábil (ao menos em
tese) a transferir a propriedade, mesmo
Art. 1.242 CC/02. [...] sem o registro. Pode não realizar a efetiva
Parágrafo único. Será de cinco transferência em razão de algum defeito,
anos o prazo previsto neste mas era hábil para tanto.
artigo, se o imóvel houver sido
adquirido, onerosamente, com Enunciado 86 CJF/STJ: A
base no registro constante do expressão "justo título" contida
respectivo cartório, desde que os nos arts. 1.242 e 1.260 do Código
possuidores nele tivessem Civil abrange todo e qualquer ato
estabelecido a sua moradia, ou jurídico hábil, em tese, a
realizado investimentos de transferir a propriedade,
interesse social e econômico. independentemente de registro.

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Assim, pode ser justo título: compromisso O registro do título somente é
particular de compra e venda indispensável para a hipótese da
(independentemente de registro); contrato usucapião ordinária por posse-trabalho
particular de compra e venda etc. (parágrafo único do artigo 1.242), não
sendo exigido para a incidência do caput.
“Civil e processual – Ação
reivindicatória – Alegação de
usucapião – Instrumento Hipóteses de justo título para fins de
particular de compromisso de usucapião:
compra e venda – Justo título – - alienação inválida, mas com título válido
Súmula 84-STJ – Posse – Soma – (alienação realizada por quem não é
Período necessário à prescrição proprietário (traditio a non domino).
aquisitiva atingido. I. Ainda que - alienação válida, porém ineficaz em
não passível de registro, a decorrência da inobservância de alguma
jurisprudência do STJ reconhece formalidade.
como justo título hábil a
demonstrar a posse o Waldicreuza resolve adquirir uma
instrumento particular de casa em Angrax. Chegando na cidade,
compromisso de compra e venda. conhece Senhor Janu, o qual informa
Aplicação da orientação ser proprietário de grandes lotes em
preconizada na Súmula 84. II. tal região.
Se somadas as posses da
vendedora com a dos adquirentes Após muita conversa, Waldicreuza
e atuais possuidores é atingido fecha o negócio, adquirindo um lote
lapso superior ao necessário à em frente à Praia Ribeira. Lavra-se a
prescrição aquisitiva do imóvel, escritura pública de compra e venda,
improcede a ação reivindicatória com posterior transcrição da mesma
do proprietário ajuizada no Registro de Imóveis, tendo
tardiamente. III. Recurso Waldicreuza realizado o pagamento
especial conhecido e provido” acordado.
(STJ, REsp 171.204/GO, 4.ª
Turma, Rel. Min. Aldir Alguns anos depois, tendo
Passarinho Junior, j. 26.06.2003, Waldicreuza levantado um
DJ 01.03.2004, p. 186). ‘puxadinho’ no terreno, onde reside, e,
continuado com a obra, a mesma
Verifica-se que não há apenas o animus toma conhecimento, por intermédio
domini, mas também a convicção de dono de terceiros, que o Senhor Janu é um
em decorrência do justo título. 171, não sendo proprietário do
aludido terreno, ocasião em que
O título não precisa ser documento escrito Lindolfo aparece reivindicando a
– observe, por exemplo, o que ocorre na terra e provando sua propriedade.
sucessão hereditária.
Nesse caso, a compra e venda é nula em
Entretanto, cuidado! Doutrinadores mais razão da impossibilidade do objeto –
contemporâneos como Stolze afirmam que ninguém pode transferir mais direitos
até mesmo um contrato de gaveta escrito do que possui. Se Sr. Janu não era o
em um papel de pão pode justificar a proprietário, não transferiu a
existência do justo título do artigo 1.242, propriedade.
caput, do Código Civil, já que em muitos
casos tal documento transparece a Entretanto, o título de Waldicreuza era,
convicção de dono de seu ‘portador’. ao menos em tese, hábil para transferir
o domínio, por se tratar de escritura de
compra e venda levada a registro.

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Tendo ultrapassado o prazo de 5 anos, Após pagar integralmente a obrigação,
Waldicreuza pode alegar a existência de Waldicreuza procura Lucrécia para
usucapião ordinária por posse-trabalho. firmarem o contrato definitivo
(escritura pública), tendo sido
Outra situação ocorre quando a venda do cientificada que a promitente-
imóvel com valor superior a 30 vezes o vendedora teria falecido.
salário mínimo foi por instrumento
particular. Aqui, o próprio título se reputa Sem conseguir localizar seus herdeiros,
nulo, por não atender a forma exigida pela Waldicreuza desiste das buscas, guarda
lei (escritura pública). Consequentemente, a documentação e vai morar em Varre e
uma vez que não é hábil a transferir a Sai, tranquilamente, acreditando ser a
propriedade, não configura justo título! Há dona.
controvérsias!
Mais de 15 anos após a assinatura do
Por fim, em relação ao compromisso de contrato, aparece Lindomar, o qual
compra e venda, o STJ já se posicionou no alega ser o proprietário do apartamento
sentido de que constitui justo título mesmo em razão de herança advinda de
sem o registro. O entendimento é no Lucrécia.
sentido de que houve a alienação, faltando
apenas o contrato definitivo. Entretanto, uma vez que Waldicreuza
possuiu o imóvel com justo título, de
Ademais, mesmo sem o registro do boa-fé, incontestada e
compromisso de compra e venda há o ininterruptamente, por mais de 10 anos,
direito de adjudicação compulsória se defenderá da reivindicação de
(Súmula 239 STJ): Lindomar, opondo-lhe a aquisição da
propriedade do imóvel, de modo
Súmula 239 STJ. O direito à originário, pela usucapião ordinária.
adjudicação compulsória não se
condiciona ao registro do - Boa-fé: a posse é de boa-fé quando o
compromisso de compra e venda possuidor ignora eventual existência de
no cartório de imóveis. vícios quando de sua aquisição (violência,
clandestinidade ou precariedade), ou
Apesar disso, é importante que todo o quando inexiste qualquer vício.
preço da venda tenha sido pago ao
vendedor para que o compromisso de Não se deve esquecer que a posse se
compra e venda seja considerado justo transmite com as mesmas características
título, já que até a quitação não pode o com que foi adquirida (artigo 1.203 CC/02),
promitente comprador se considerar dono. o que permite a conclusão de que quem
recebe uma posse injusta, por mais que
Waldicreuza, após comprar o terreno em tenha adquirido de forma permitida,
Angrax, desejava investir em mais bens, continua tendo uma posse injusta.
e compra uma casa na cidade de Varre e
Sai. A intenção de se exigir a boa-fé é evitar que
o invasor do bem imóvel, ou seus
Como não tinha o valor integral, firmou cúmplices, possam adquirir a propriedade
com a proprietária, Lucrécia, um por meio da usucapião ordinária, a qual,
contrato de promessa de compra e como já visto, exige prazos menores – 10
venda, se comprometendo a arcar com o anos contra 15 anos (extraordinária).
pagamento de R$ 200.000,00 em 12
meses. Moniz invade o terreno de Lucrécia,
expulsando-a de lá (posse violenta,
portanto, injusta). Logo, Moniz não pode
alegar usucapião ordinária por inexistir
a boa-fé.

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Se Moniz vender essas terras para GARANTIA DO
terceiro que sabe como houve a FINANCIAMENTO DA OBRA.
aquisição, este terceiro também terá NÃO PREVALÊNCIA DIANTE
uma posse injusta e de má-fé. DA AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
DA PROPRIEDADE.
Todavia, se vender para alguém que não INCIDÊNCIA, ADEMAIS, DA
tem esse conhecimento, a posse SÚMULA Nº 308.
continuará sendo injusta, mas será de 1. O instrumento de promessa de
boa-fé, o que viabilizará a usucapião compra e venda insere-se na
ordinária. categoria de justo título apto a
ensejar a declaração de
Entretanto, não se esqueçam, aqui, da usucapião ordinária. Tal
questão que envolve a convalidação da entendimento agarra-se no valor
posse injusta: após um ano e dia, a posse que o próprio Tribunal – e, de
violenta ou clandestina se torna posse resto, a legislação civil – está
justa (no sentido de posse jurídica); conferindo à promessa de compra
consequentemente, segundo boa parte da e venda. Se a jurisprudência tem
doutrina (seguida por Tartuce), tal conferido ao promitente
possuidor também se transformará em comprador o direito à
possuidor de boa-fé, ainda que soubesse adjudicação compulsória do
dos vícios (já que os mesmos imóvel independentemente de
desaparecerão). registro (Súmula nº 239) e,
quando registrado, o
Entretanto, o vício da precariedade não compromisso de compra e venda
cessa jamais, e o possuidor que o conhece, foi erigido à seleta categoria de
não importa quanto tempo passe, direito real pelo Código Civil de
continuará sendo possuidor de má-fé. 2002 (art. 1.225, inciso VII), nada
mais lógico do que considerá-lo
Lembrem-se que em relação à também como “justo título” apto
convalidação da posse injusta há a ensejar a aquisição da
posicionamentos doutrinários em sentido propriedade por usucapião.
contrário, mas seguimos os ensinamentos 2. A própria lei presume a boa-fé,
de Tartuce e Elpídio Donizetti. em sendo reconhecido o justo
título do possuidor, nos termos do
EMENTAS – USUCAPIÃO ORDINÁRIA que dispõe o art. 1.201, parágrafo
único, do Código Civil de 2002: “O
DIREITO DAS COISAS. possuidor com justo título tem
RECURSO ESPECIAL. por si a presunção de boa-fé,
USUCAPIÃO. IMÓVEL salvo prova em contrário, ou
OBJETO DE PROMESSA DE quando a lei expressamente não
COMPRA E VENDA. admite esta presunção.”
INSTRUMENTO QUE ATENDE 3. Quando a lei se refere a posse
AO REQUISITO DE JUSTO “incontestada”, há nítida
TÍTULO E INDUZ A BOA-FÉ correspondência com as causas
DO ADQUIRENTE. interruptivas da prescrição
EXECUÇÕES HIPOTECÁRIAS aquisitiva, das quais é exemplo
AJUIZADAS PELO CREDOR clássico a citação em ação que
EM FACE DO ANTIGO opõe resistência ao possuidor da
PROPRIETÁRIO. coisa, ato processual que possui
INEXISTÊNCIA DE como efeito imediato a
RESISTÊNCIA À POSSE DO interrupção da prescrição (art.
AUTOR USUCAPIENTE. 219, CPC). Por esse raciocínio, é
HIPOTECA CONSTITUÍDA evidente que os efeitos
PELO VENDEDOR EM interruptivos da citação não

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alcançam a posse de quem nem constituído pelo antigo
era parte no processo. proprietário, antes ou depois do
Assim, parece óbvio que o início da posse ad usucapionem,
ajuizamento de execução seja porque a sentença apenas
hipotecária por credores contra o declara a usucapião com efeitos ex
proprietário do imóvel, por não tunc, seja porque a usucapião é
interromper o prazo prescricional forma originária de aquisição de
da usucapião, não constitui propriedade, não decorrente da
resistência à posse ad antiga e não guardando com ela
usucapionem de quem ora relação de continuidade.
pleiteia a prescrição aquisitiva. 7. Ademais, “a hipoteca firmada
4. A declaração de usucapião é entre a construtora e o agente
forma de aquisição originária da financeiro, anterior ou posterior
propriedade ou de outros direitos à celebração da promessa de
reais, modo que se opõe à compra e venda, não tem eficácia
aquisição derivada, a qual se perante os adquirentes do
opera mediante a sucessão da imóvel” (Súmula n. 308).
propriedade, seja de forma 8. Recurso especial conhecido e
singular, seja de forma universal. provido.
Vale dizer que, na usucapião, a (STJ, REsp 941.464/SC, 4ª
propriedade não é adquirida do Turma, relator: Min. Luis Felipe
anterior proprietário, mas, em Salomão, data do julgamento:
boa verdade, contra ele. A 24/4/2012.)
propriedade é absolutamente
nova e não nasce da antiga. É 3. Usucapião constitucional ou
adquirida a partir da objetiva especial urbana – pro misero
situação de fato consubstanciada
na posse ad usucapionem pelo A usucapião especial urbana, também
interregno temporal exigido por denominada pro misero, adveio
lei. Aliás, é até mesmo inicialmente com a Constituição Federal
desimportante que existisse de 1988, em seu artigo 183:
antigo proprietário.
5. Os direitos reais de garantia Art. 183 CRFB/88. Aquele que
não subsistem se desaparecer o possuir como sua área urbana de
“direito principal” que lhe dá até duzentos e cinquenta metros
suporte, como no caso de quadrados, por cinco anos,
perecimento da propriedade por ininterruptamente e sem
qualquer motivo. oposição, utilizando-a para sua
Com a usucapião, a propriedade moradia ou de sua família,
anterior, gravada pela hipoteca, adquirir-lhe-á o domínio, desde
extingue-se e dá lugar a uma que não seja proprietário de
outra, ab novo, que não decorre outro imóvel urbano ou rural.
da antiga, porquanto não há
transferência de direitos, mas § 1º O título de domínio e a
aquisição originária. Se a própria concessão de uso serão conferidos
propriedade anterior se extingue, ao homem ou à mulher, ou a
dando lugar a uma nova, ambos, independentemente do
originária, tudo o que gravava a estado civil.
antiga propriedade – e lhe era
acessório – também se § 2º Esse direito não será
extinguirá. reconhecido ao mesmo possuidor
6. Assim, com a declaração de mais de uma vez.
aquisição de domínio por
usucapião, deve desaparecer o § 3º Os imóveis públicos não
gravame real hipotecário serão adquiridos por usucapião.
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Posteriormente, o Código Civil estabeleceu Sobre o conceito de área urbana, segue
os mesmos critérios em seu artigo 1.240 Enunciado 85 do CJF/STJ:
CC/02:
Enunciado 85. “Para efeitos do
Art. 1.240 CC/02. Aquele que art. 1.240, caput, do novo Código
possuir, como sua, área urbana Civil, entende-se por ‘área
de até duzentos e cinquenta urbana’ o imóvel edificado ou
metros quadrados, por cinco anos não, inclusive unidades
ininterruptamente e sem autônomas vinculadas a
oposição, utilizando-a para sua condomínios edilícios”.
moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde Na eventual hipótese da área ser superior
que não seja proprietário de a duzentos e cinquenta metros quadrados,
outro imóvel urbano ou rural. a usucapião ocorrerá apenas em relação a
tal metragem (250). A área remanescente
§ 1º O título de domínio e a poderá, por ventura, ser adquirida por
concessão de uso serão conferidos meio da usucapião extraordinária (quando
ao homem ou à mulher, ou a preencher os requisitos).
ambos, independentemente do
estado civil. Nesse ponto temos que consignar que não
há unanimidade, visto que o próprio
§ 2º O direito previsto no Enunciado 313, da VII Jornada de Direito
parágrafo antecedente não será Civil, realizada em 2015, estabelece que:
reconhecido ao mesmo possuidor
mais de uma vez. Enunciado 313. Quando a posse
ocorre sobre área superior aos
Assim, há operadores do direito que limites legais, não é possível a
denominam tal usucapião como usucapião aquisição pela via da usucapião
constitucional. especial, ainda que o pedido
restrinja a dimensão do que se
O primeiro requisito é a posse ad quer usucapir.”
usucapionem, dispensando a exigência de
justo título. Eis justificativa do professor e magistrado
Aldemiro Rezende Dantas Junior, autor do
Aqui, deve existir a posse com animus enunciado:
domini, afastando inclusive posse que
possui como fundamento a existência de “O comportamento do possuidor
um direito real sobre coisa alheia, ou um que, tendo exercido por cinco
negócio jurídico de execução continuada anos os atos possessórios sobre
(contrato de locação, comodato ou área superior à máxima admitida
depósito). nos casos de usucapião especial,
subitamente, decorrido o
Além disso, a posse deve ser incontestada quinquênio, pretendesse
e ininterrupta pelo prazo mínimo de cinco usucapir apenas a área
anos! correspondente a tais limites (50
ha e 250 m2), se caracterizaria
Diferentemente do que ocorre na como verdadeiro e inaceitável
usucapião ordinária e na extraordinária, venire contra factum proprium,
na usucapião especial urbana é surpreendendo de modo
importante que a área do imóvel inesperado o proprietário, que
usucapiendo não ultrapasse duzentos e ainda pensava dispor de mais
cinquenta metros quadrados, e que esteja prazo para, querendo, ajuizar a
localizada em área urbana. ação reivindicatória referente ao
seu imóvel.

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Assim, por exemplo, suponha-se Seguimos este entendimento em razão da
que o usucapiente exerce atos impossibilidade de presunção da má-fé do
possessórios sobre área de 70 possuidor.
hectares, sendo que o
proprietário, em virtude de estar Ademais, o enunciado acaba privilegiando
enfrentando alguns problemas a boa-fé objetiva em detrimento da
familiares, ainda não pôde agir proteção à moradia e da função social da
para recuperar o seu imóvel. posse.

Esse proprietário, no entanto, Por fim, ainda em relação a metragem, se


embora já tenham decorrido a usucapião visar apartamentos em
cinco anos, está tranquilo quanto condomínio edilício, segue-se o Enunciado
ao prazo decorrido, pois acredita 314 CJF/STJ:
que ainda dispõe de prazo
suficiente para o ajuizamento da “Para os efeitos do art. 1.240, não
mencionada ação, eis que a se deve computar, para fins de
usucapião, na hipótese concreta limite de metragem máxima, a
(70 ha), só ocorrerá após 15 anos extensão compreendida pela
de posse ininterrupta e pacífica fração ideal correspondente à
do usucapiente (na pior das área comum”.
hipóteses, em 10 anos, se for a
situação prevista no parágrafo Desta forma, para o cômputo dos 250 m2,
único do art. 1.238). somente será levada em consideração a
Subitamente, no entanto, o área autônoma ou individual, e não a
possuidor ajuíza ação de fração da área comum.
usucapião apenas em relação a
uma área de 50 hectares, Além disso, o prédio deve ter sido utilizado
deixando de requerer a para moradia do usucapiente, ou de sua
propriedade da área excedente. família, durante todo o prazo de cinco
Parece evidente que o primeiro anos.
dos comportamentos do
usucapiente (posse exercida Nesse aspecto, por mais que haja a
sobre 70 hectares) incutiu no continuidade do tempo da posse quando
proprietário a confiança de que tratamos de sucessor hereditário, e haja a
ainda faltavam alguns anos para possibilidade do sucessor entre vivos optar
a concretização da usucapião, e por continuar na posse recebida de seu
por essa razão, o segundo dos antecessor, o requisito da moradia do
comportamentos (renúncia à usucapiente ou de sua família no imóvel
área excedente a 50 hectares) se deve estar presente pelo período mínimo
mostra contraditório em relação de 5 anos.
ao primeiro, e por isso
inaceitável, uma vez que se Assim, para que o sucessor possa pleitear
constitui em venire contra a usucapião especial urbana, ele deve ter
factum proprium, como acima residido no imóvel pelo prazo mínimo de 5
mencionado”. anos, ou então sua família ser a mesma de
seu antecessor (a qual cumpriu tal
Em que pese respeitável o aludido exigência).
entendimento, mantemos a posição de que
poderá haver a usucapião especial (seja
urbana, ora analisada, seja rural, no
próximo tópico) de parte do bem imóvel, e,
em relação a remanescente, eventual
pedido em momento posterior do
reconhecimento da usucapião
extraordinária.
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Vamos ao exemplo para facilitar: A existência de comodato exclui
a aquisição do domínio por
Waldicreuza e Leanderson vivem em usucapião, pois o vínculo
união estável, e possuem uma filha, contratual implica,
Olga. Todos residem em um imóvel ‘de necessariamente, o
posse’, na cidade de Volta Redonda, o reconhecimento do domínio do
qual possui 200 metros quadrados de comodante.
área, e está localizado em zona urbana. Em sede de usucapião especial
A posse é ininterrupta, mansa e pacífica urbana é imprescindível que se
por 3 anos. observe o preenchimento dos
requisitos do art. 1.240 do CC
Waldicreuza também tem outra filha, c/c 183 da CR, quais sejam,
Ondina, a qual reside em Nova York e animus domini, lapso temporal
não possuem qualquer vínculo afetivo. de 05 anos, posse mansa e
pacífica, área urbana de até 250
Waldicreuza morre. Olga sucederá na m2 e ausência de propriedade
posse (sucessão causa mortis – de outro imóvel.
herança), dando continuidade a ela e (TJMG, Apelação Cível
podendo eventualmente requerer a 1.0686.06.175721-3/001(1), 15ª
usucapião especial urbana, pois é Câmara Cível, relator: Des.
membro da família de seu antecessor, Tibúrcio Marques, data do
além de residir no imóvel. julgamento: 16/4/2009.)

Entretanto, se com a morte de AÇÃO DE USUCAPIÃO


Waldicreuza Ondina retornar ao Brasil, ESPECIAL URBANA – IMÓVEL
e expulsar sua irmã Olga e Leanderson FINANCIADO – CAIXA
da residência, por mais que seja ECONÔMICA FEDERAL –
herdeira e, consequentemente, suceda POSSIBILIDADE JURÍDICA
na posse de Waldicreuza, interromperá DO PEDIDO – CARÊNCIA DA
o prazo da usucapião, já que Ondina não AÇÃO AFASTADA.
residia anteriormente no imóvel, e os [...] – A pretensão de usucapião
membros da família que o faziam especial urbana tem previsão no
deixaram de fazê-lo. ordenamento jurídico pátrio e é
juridicamente possível, ainda
Por fim, o usucapiente não pode ser que o imóvel se encontre
proprietário de imóvel (nem rural nem hipotecado perante a Caixa
urbano), durante todo o prazo exigido para Econômica Federal, por ser modo
a usucapião. de aquisição originária da
propriedade. (TJMG, Apelação
Assim, ele não pode, às vésperas do quinto Cível 1.0024.09.655212-0/001,
ano, vender seus imóveis para que, na ação 12ª Câmara Cível, relator: Des.
declaratória, reste afirmado o Alvimar de Ávila, data do
cumprimento de todos os requisitos legais. julgamento: 4/8/2010.)

Entretanto, se a venda ocorreu em 2000, e 4. Usucapião constitucional, agrária


a usucapião especial urbana se efetivou em ou especial rural – pro labore
2006, não há qualquer vedação.
Art. 191 CRFB/88. Aquele que,
USUCAPIÃO ESPECIAL não sendo proprietário de imóvel
URBANA. REQUISITOS. ART. rural ou urbano, possua como
183 DA CONSTITUIÇÃO seu, por cinco anos ininterruptos,
FEDERAL E ART. 1.240 DO sem oposição, área de terra, em
CÓDIGO CIVIL. zona rural, não superior a
cinquenta hectares, tornando-a
produtiva por seu trabalho ou de
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sua família, tendo nela sua
moradia, adquirir-lhe-á a Observe que inexiste qualquer menção
propriedade. relativa ao justo título e à boa-fé, já que há
presunção absoluta de tais elementos em
Parágrafo único. Os imóveis razão da destinação dada ao imóvel,
públicos não serão adquiridos por atendendo sua função social.
usucapião.
Também deve observar que a terra tem
Assim como ocorreu com a usucapião que ter se tornado produtiva e ser
especial urbana, a regra da usucapião utilizada para moradia durante todo o
especial rural também estava estabelecida prazo estabelecido pela legislação civil.
na Constituição Federal de 1988, tendo
sido transcrita em sua literalidade pelo Sobre a questão da continuação na posse,
artigo 1.239 CC/02. remetemos o aluno ao tópico 3.

Art. 1.239 CC/02. Aquele que, Ademais, a Lei 6.969/81 (art. 3º) proíbe a
não sendo proprietário de imóvel ocorrência da usucapião especial rural nas
rural ou urbano, possua como seguintes áreas:
sua, por cinco anos ininterruptos,
sem oposição, área de terra em Art. 3º - A usucapião especial não
zona rural não superior a ocorrerá nas áreas
cinquenta hectares, tornando-a indispensáveis à segurança
produtiva por seu trabalho ou de nacional, nas terras habitadas
sua família, tendo nela sua por silvícolas, nem nas áreas de
moradia, adquirir-lhe-á a interesse ecológico, consideradas
propriedade. como tais as reservas biológicas
ou florestais e os parques
Esta usucapião também está nacionais, estaduais ou
regulamentada pela Lei 6.969/81, municipais, assim declarados
especialmente em questões processuais, as pelo Poder Executivo,
quais são estudadas na disciplina Direito assegurada aos atuais ocupantes
Processual Civil. a preferência para assentamento
em outras regiões, pelo órgão
Para a declaração da aquisição da competente.
propriedade por meio da usucapião
especial rural, há de se preencher os Quanto a possibilidade de usucapir área
seguintes requisitos: inferior à possuída, remetemos o aluno ao
tópico 3, aplicando os mesmos conceitos
a) Área não superior a 50 hectares com as devidas adaptações.
(50 ha), localizada em zona rural.
b) Posse de cinco anos ininterruptos,
sem oposição e com animus
domini.
c) Utilização do imóvel para
subsistência ou trabalho (pro
labore) – agricultura, pecuária,
extrativismo etc. A terra deve se
tornar produtiva.
d) Residir no imóvel durante o
período mínimo de cinco anos
ininterruptos.
e) O requerente não pode ser
proprietário de outro imóvel, seja
ele rural ou urbano, durante todo o
prazo.
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5. Usucapião familiar Nesse sentido, Enunciado 500 da V
Jornada de Direito Civil:
A usucapião familiar foi criada pela
Lei 12.424/11, a qual cuidou do Programa Enunciado 500: A modalidade de
Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), sendo usucapião prevista no art. 1.240-A
produto da conversão em lei da Medida do Código Civil pressupõe a
Provisória 514, de 2010, a qual incluiu no propriedade comum do casal e
Código Civil o artigo 1.240-A: compreende todas as formas de
família ou entidades familiares,
Art. 1.240-A CC/02. Aquele que inclusive homoafetivas.
exercer, por 2 (dois) anos
ininterruptamente e sem oposição, O possuidor não pode ser proprietário de
posse direta, com exclusividade, outro imóvel, e nem já ter usucapido por
sobre imóvel urbano de até 250m² esta modalidade (usucapião familiar).
(duzentos e cinquenta metros
quadrados) cuja propriedade Para termos o abandono do lar, é
divida com ex-cônjuge ou ex- imprescindível a junção de dois elementos:
companheiro que abandonou o lar,
utilizando-o para sua moradia ou a) Um cônjuge ou companheiro não
de sua família, adquirir-lhe-á o mais residir habitualmente com o
domínio integral, desde que não outro – elemento objetivo
seja proprietário de outro imóvel b) O ânimo de abandonar o lar, ou
urbano ou rural. (Incluído pela Lei seja, existir a vontade de não mais
nº 12.424, de 2011) residir com o outro – elemento
subjetivo. Isso por questões óbvias:
§ 1º O direito previsto no caput não se um cônjuge encontra-se privado
será reconhecido ao mesmo de sua liberdade, não há o que se
possuidor mais de uma vez. falar em abandono do lar.

Esta modalidade de usucapião é bastante A maior dificuldade prática é a


peculiar por exigir certos requisitos caracterização do abandono do lar,
específicos. requisito que deverá ser comprovado.

Inicialmente, não basta a posse ad Atenção: o simples fato de ter ‘ido comprar
usucapionem (incontestada e cigarro e nunca mais voltado’ não significa,
ininterrupta), mas é imprescindível que a necessariamente, o abandono do lar, pois
mesma seja direta, ou seja, o possuidor não restará demonstrado, por si só, o
tem que ter o poder de usar a coisa. elemento subjetivo.

O prazo também foge do padrão, sendo o Na verdade, quando a pessoa some e


mais curto estabelecido em nosso retorna anos após, tendo constituído
ordenamento jurídico: 2 anos. família em outro local, é uma forma de
demonstrar o abandono do lar.
Ademais, deve estar localizado em zona
urbana e ter área não superior a 250 mt². Também demonstra-se o abandono do lar
quando aquele que retorna não justifica
Se não bastasse, a propriedade deve ser sua omissão.
conjunta do possuidor e de seu cônjuge ou
companheiro que abandonou o lar. Assim, o ponto mais tormentoso é quando
o cônjuge ou companheiro deixa o lar por
justo motivo.

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Havendo justo motivo, como ocorre por Entretanto, tal enunciado fora revogado
exemplo quando há agressões verbais ou pelo até então em vigor:
físicas, seria justo ao agressor o direito de
usucapir o imóvel comum?! “o requisito do ‘abandono do lar’
Evidentemente que não. deve ser interpretado na ótica do
instituto da usucapião familiar
Assim, entendemos que há de se como abandono voluntário da
demonstrar mais um requisito em razão posse do imóvel somando à
da dignidade da pessoa humana, qual seja, ausência da tutela da família,
a injustiça do abandono. não importando em averiguação
da culpa pelo fim do casamento
Mesmo que presentes o elemento subjetivo ou união estável. Revogado o
e o elemento objetivo, somente se Enunciado 499” (Enunciado 595
configurará o abandono do lar a ensejar a – VII Jornada de Direito Civil)
usucapião familiar se o mesmo for
injustificado. 6. Usucapião especial urbana
coletiva
Nossa sincera sugestão é no sentido de
orientar clientes e amigos para que Conforme artigo 10 da Lei 10.257/01 –
procedam ao menos anualmente Estatuto da Cidade:
notificações ao cônjuge ou companheiro
que permanecer no lar do casal, antes da Art. 10. Os núcleos urbanos
partilha, deixando claro que há impasse informais existentes sem
sobre sua divisão e evitando a ocorrência oposição há mais de cinco anos e
da usucapião familiar. cuja área total dividida pelo
número de possuidores seja
Ainda sobre o tema: inferior a duzentos e cinquenta
metros quadrados por possuidor
“A aquisição da propriedade na são suscetíveis de serem
modalidade de usucapião prevista usucapidos coletivamente, desde
no art. 1.240-A do Código Civil só que os possuidores não sejam
pode ocorrer em virtude de proprietários de outro imóvel
implemento de seus pressupostos urbano ou rural.
anteriormente ao divórcio. (Redação dada pela lei nº 13.465,
O requisito ‘abandono do lar’ deve de 2017)
ser interpretado de maneira
cautelosa, mediante a verificação § 1º O possuidor pode, para o fim
de que o afastamento do lar de contar o prazo exigido por este
conjugal representa artigo, acrescentar sua posse à de
descumprimento simultâneo de seu antecessor, contanto que
outros deveres conjugais, tais ambas sejam contínuas.
como assistência material e dever
de sustento do lar, onerando § 2º A usucapião especial coletiva
desigualmente aquele que se de imóvel urbano será declarada
manteve na residência familiar e pelo juiz, mediante sentença, a
que se responsabiliza qual servirá de título para
unilateralmente pelas despesas registro no cartório de registro de
oriundas da manutenção da imóveis.
família e do próprio imóvel, o que
justifica a perda da propriedade e
a alteração do regime de bens
quanto ao imóvel objeto de
usucapião” (Enunciado n. 499 – V
Jornada de Direito Civil).

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§ 3º Na sentença, o juiz atribuirá Entretanto, sob o prisma social há muitos
igual fração ideal de terreno a questionamentos a serem feitos,
cada possuidor, especialmente se pararmos para refletir
independentemente da dimensão que as áreas ocupadas muitas das vezes
do terreno que cada um ocupe, são áreas de risco, e a manutenção das
salvo hipótese de acordo escrito favelas pode acabar trazendo muito mais
entre os condôminos, prejuízo aos seus moradores do que
estabelecendo frações ideais benefícios advindos por um título (no caso,
diferenciadas. a propriedade).

§ 4º O condomínio especial Em que pese a necessidade de tais debates,


constituído é indivisível, não vamos analisar os requisitos para tal
sendo passível de extinção, salvo configuração:
deliberação favorável tomada
por, no mínimo, dois terços dos a) Posse ad usucapionem.
condôminos, no caso de execução Dispensável a boa-fé.
de urbanização posterior à
constituição do condomínio. Em que pese a usucapião ser coletiva, cada
possuidor deve, individualmente, ter a
§ 5º As deliberações relativas à posse ad usucapionem.
administração do condomínio
especial serão tomadas por Aqui é importante fazer uma ressalva:
maioria de votos dos condôminos antigamente a legislação exigia que o
presentes, obrigando também os imóvel fosse utilizado para a moradia do
demais, discordantes ou usucapiente. Assim, caso o imóvel fosse
ausentes. alugado, nem o locatário (em razão da
inexistência do animus domini), nem o
Este instituto estabelece as normas a locador (visto que não reside no imóvel)
serem observadas a respeito da usucapião poderiam usucapir.
especial urbana coletiva, ou apenas
usucapião coletiva. Entretanto, com a alteração trazida pela
Lei 13.465/17, não há mais essa exigência
Essa modalidade de usucapião é possível de forma expressa.
quando se tratar de imóveis situados em
áreas urbanas. Consequentemente, doutrinadores como
Tartuce, Cristiano Chaves e Nelson
É inegável que a intenção dos legisladores Rosenvald entendem que tanto o locador
foi regularizar a situação das favelas, já quanto eventual possuidor que utiliza o
que, nelas, os moradores encontram, como imóvel com fins comerciais poderão
regra geral, grande dificuldade de usucapir.
legalizar suas residências em decorrência
da ausência de demarcação do imóvel b) Existência de núcleos urbanos
usucapiendo, o que geralmente não é informais
possível em grandes áreas de posse
desordenada. Na verdade, a Lei 13.465/17 alterou a
redação do artigo 10, substituindo o
Na prática, não é possível identificar os critério subjetivo (ocupação por famílias de
terrenos ocupados por cada possuidor. baixa renda), por um critério objetivo
(existência de núcleos urbanos informais).
É inegável que a usucapião especial
urbana coletiva visa atender à função
social da propriedade e da posse.

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O artigo 11 da Lei 13.465 conceitua núcleo d) Aquele que adquire não pode ser
urbano como: proprietário de outro imóvel (rural
ou urbano).
Art. 11. Para fins desta Lei,
consideram-se: Preenchidos todos os requisitos, os
possuidores se tornarão condôminos da
I - núcleo urbano: assentamento área, cabendo a cada um igual fração ideal,
humano, com uso e não importando a área efetivamente
características urbanas, ocupada por cada um.
constituído por unidades
imobiliárias de área inferior à Como regra geral, este condomínio não
fração mínima de parcelamento poderá ser extinto.
prevista na Lei no 5.868, de 12 de
dezembro de 1972, Atenção: questões relativas ao
independentemente da procedimento da usucapião é estudado
propriedade do solo, ainda que em Direito Processual Civil, sendo certo
situado em área qualificada ou que atualmente trata-se de
inscrita como rural; procedimento comum com pequenas
particularidades.
II - núcleo urbano informal:
aquele clandestino, irregular ou Apenas a título de conhecimento sobre a
no qual não foi possível realizar, usucapião extrajudicial, desde a
por qualquer modo, a titulação de entrada em vigor da Lei 11.977/09 já
seus ocupantes, ainda que tínhamos a dispensa de demanda
atendida a legislação vigente à judicial em hipótese específica;
época de sua implantação ou entretanto, com o Código de Processo
regularização; Civil de 2015 fora ampliada esta
possibilidade de usucapião extrajudicial
III - núcleo urbano informal para todas as modalidade até então
consolidado: aquele de difícil estudadas, desde que se observem os
reversão, considerados o tempo procedimentos estabelecidos pelo
da ocupação, a natureza das CPC/15.
edificações, a localização das vias
de circulação e a presença de EMENTAS
equipamentos públicos, entre USUCAPIÃO
outras circunstâncias a serem PROCESSO
avaliadas pelo Município; (…) REsp 1.824.133-RJ, Rel. Min. Paulo de
Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por
c) A área total dividida pelo número unanimidade, julgado em 11/02/2020,
de possuidores deve ser inferior a DJe 14/02/2020
250 metros quadrados por
possuidor. RAMO DO DIREITO

Verifica-se que o critério é o máximo da DIREITO CIVIL E PROCESSUAL


área de casa usucapiente (não pode CIVIL
ultrapassar 250 metros quadrados).
TEMA

Ação de usucapião. Interesse


processual. Exigência de prévio pedido
na via extrajudicial. Descabimento.

DESTAQUE

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O interesse jurídico no ajuizamento modo que não seria possível afastar de
direto de ação de usucapião independe antemão o interesse processual do
de prévio pedido na via extrajudicial. possuidor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia diz respeito ao interesse


processual para ajuizamento direto de
ação de usucapião ante a recente
ampliação das possibilidades de
reconhecimento extrajudicial da
usucapião.

O reconhecimento extrajudicial da
usucapião foi previsto, inicialmente, no
art. 60 da Lei do Programa "Minha
Casa, Minha Vida" (Lei n. 11.977/2009),
com aplicação restrita ao contexto da
regularização fundiária.

Com o advento do CPC/2015, a


usucapião extrajudicial passou a contar
com uma norma geral, não ficando mais
restrita apenas ao contexto de
regularização fundiária. Nos termos do
art. 216-A da Lei n. 6.015/1973 (incluído
pelo art. 1.071 do CPC/2015 e alterado
pela Lei n. 13.465/2017): "Sem prejuízo
da via jurisdicional, é admitido o pedido
de reconhecimento extrajudicial de
usucapião, que será processado
diretamente perante o cartório do
registro de imóveis da comarca em que
estiver situado o imóvel usucapiendo
[...]".

Assim, a existência de interesse jurídico


no ajuizamento direto de ação de
usucapião, independentemente de
prévio pedido na via extrajudicial, ante
a expressa ressalva quanto ao
cabimento direto da via jurisdicional. A
doutrina elucida que "Não é um dever
da parte eleger a via administrativa,
podendo optar pela ação judicial, ainda
que preenchidos os requisitos da
usucapião extrajudicial".

Ademais, como a propriedade é um


direito real, oponível erga omnes o
simples fato de o possuidor pretender se
tornar proprietário já faz presumir a
existência de conflito de interesses entre
este o atual titular da propriedade, de

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