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ATO ADMINISTRATIVO - GESTÃO PúBLICA E GESTÃO PRI-


V ADA - CONTRATO DE ARRENDAMENTO - BENS p(rBLI-
COS - MERCADO MUNICIPAL
- Em matéria de contratos o princ'/,pto geral é que a
Administração, quando pactua, não age como poder público,
praticando ato de império, mas como pessoa de direito privado.
- Regulado o contrato de arrendamento, celebrado pela
Municipalidade, pelas normas de direito comum, sôbre êle inci-
de a lei do inquilinato.

PARECER

1. É lição assente e de há muito con- con la explotación de los ferrocariles en


sagrada pelo Direito Administrativo nuestro país (op. e loco cits., nota n.o 19).
que os atos administrativos (ou atos de Exemplificando, observa, a seguir, o
gestão, em contraposição aos atos polí- eminente professor da Universidade de
ticos, governamentais ou de império) Buenos Aires:
dividem-se em dois grandes grupos, a Entre los actos de gestión privada
saber: a) atos de gestão pública; b) atos puede comprenderse la venta, "la loca-
de gestão privada. ción" o disposición de los bienes que
Os atos de gestão pública são os atos constituyen el patrimonio disponible deI
administrativos propriamente ditos, isto Estado, los contratos privados que la
é, atos praticados pela Administração Administración pública realiza para pro-
pública, na execução de serviços públi- visión o abastecimiento, para la cons-
cos, e regidos pela disciplina especial trucción y conservación de obras partt-
do Direito Administrativo. culares (no públicas) del Estado, etc.
Os atos de gestão privada, ao contrá- (op. e loco cits.).
rio, são os que a Administração pratica, Entre nós, outro não é o entender de
não com o caráter de pessoa de direito Matos Vasconcelos:
público, mas como pessoa de direito "Atos de gestão privada são os atos
privado, realizando atos da vida civil. praticados pela Administração, não nes-
Eis, a propósito, o ensinamento de sa qualidade ou na qualidade de pessoa
Bielsa: ligada ao direito público, porém como
Atos de gestión privada son los que pessoa de direito privado em virtude
la Administración pública realiza, pero de que tais a tos e suas conseqüências
"non como tal", sino como persona de jurídicas são submetidos aos principios
derecho privado, estando, en su virtud, da lei civil como acontece com os parti-
80metidos los atos y la Administración culares na gestão de seu patrimônio".
pública a las normas positivas dei dere-
cho privado (civil o comercial, minero, "Na atividade privada, essencialmen-
etc., en su caso) (Rafael Bielsa, Dere- te patrimonial, esclarece Ranelleti, o Es-
cho Administrativo, 2. 8 ed., tomo I, tado coloca-se na situação dos parti-
pág. 80). culares; seus atos são de economia pri-
E, em nota, acrescenta: vada e sua atividade, por isso mesmo,
En la actividad privada, esencial- é individual e não social (apud Bielsa,
mente patrimonial, el Estado se coloca pág. 52).
en la situación de los particulares.. SUB Outros exemplos poderiam ser dados,
actos son de economia privada y su tais como a venda, a locação dos bens
actividad es, por eso mismo, no social do domínio do Estado, os contratos pri-
sino individual. Tal ocurre, por ejemplo, vados que a Administração pública rea-
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liza para provisão e abastecimento à "Quando o Estado contrata, ou o faça


população, para construção e conserva- para acudir à gestão e liquidação do seu
~ão de obras particulares do Estado, etc. patrimônio, ou a fim de prover a servi-
(op. cit., pág. 53). ços públicos, as figuras jurídicas deri-
vantes das suas estipulações ou promes-
O nosso Código de Contabilidade, dis-
sas são verdadeiras convenções de direi-
pensada a concorrência prevê, por parte
to privado" (Giorgio Giorgi, La :lottri-
da administração, o arrendamento ou
-compra de prédios destinados aos servi-
na delle perBone giuridiche, vol. lI,
pág. 359) (Parecer, na Revista Forense,
~os públicos (art. 51, letra d) (José Ma-
vol. V, pág. 180).
tos de Vasconcelos, Direito Administra-
tivo, vol. I, pág. 101). E, em outro ensejo, repete que "o Es-
2. Em matéria de contratos o prin- tado quando contrata, está sujeito às
-cípio geral é o de que a Administração, normas do direito civil, se lei especial
quando pactua, não age como poder não houver, que reja a matéria no caso
público, praticando ato de império, mas, (Amaro Cavalcânti, op. cit., pág. 531 j
sim, como pessoa jurídica de direito pri- Mendonça, ObrigaçõeB, 2.a ed., vol. 2.0,
vado. pág. 569j Ribas, Dir. Ad., pág. 52j Uru-
guay, Dir. Administr., 00. de 1862,
É êsse, de há muito, o ensinamento
capo XV, pág. 86; Rui Barbosa, Culpa
-dos doutores:
Civ. da Administr. Públ., pa8Bim.) "
"A Administração pública municipal, (Laudo arbitral, na Revista Forense,
ilstadual ou federal" - já dizia Lafaye- vol. XXIX, pág. 84).
te - "nos contratos que celebra com
particulares, companhias ou indivíduos, 3. Entre nós, o Regulamento Geral
para qualquer gênero de serviço, toma de Contabilidade Pública, aprovado pelo
a posição de particular e fica sujeita Decreto n. o 15.783, de 8 de novembro
às disposições do Direito Civil, como um de 1922, é até expresso em declarar -
.simples particular" (Parecer, na Revis- art. 766 - que "os contratos adminis-
ta Forense, vol. V, pág. 174). trativos regulam-se peloB meBmOB prin-
cípiOB gerais que regem OB contratoB de
Barradas, igualmente, acentuava: direito comum, no que concerne ao acôr-
"Quando a Administração pública do das vontades e ao objeto, observadas,
-contrata, não funciona como poder pú- porém, quanto à sua estipulação, apro-
blico, não exerce ato do império j obra vação e execução, as normas prescritas
-como pessoa jurídica, e põe-se em con- no presente capítulo".
tato com a atividade livre dos parti- 4. Mesmo, porém, que se admita -
<culares, no mesmo pé de igualdade. e muitos, realmente, admitem - a exis-
O contrato é debatido, rejeitado ou acei- tência de contratos típicos de Direito
to, livremente, pelos contraentes, e gera Administrativo, são acordes os autores
direitos e obrigações tanto para a Ad- em reconhecer que freqüentes são os con-
ministração como para o administrado tratos firmados pela Administração dis-
(Barthelemy, Dir. Adm., págs. 46-48). ciplinados pelas normas do Direito Pri-
vado.
Assim o contrato entre a Administra-
ção e o particular obedece e é sujeito às Existe una tendencia muy difundida
.normas do direito civil j é a lei a que - informa Fritz Fleiner - a compren-
~s contraentes voluntàriamente se sub- der bajo el nombre de "contratoB admi-
meteram" (Parecer, na Revista Foren- nistrativoB" todoB lOB contratoB (de
Be, vol. V, pág. 182). Derecho público y de Derecho Privado),
que concluye la Administración pública.
E outra não era a autorizada lição Grosch, "Der Staat als Konh·ahent"
de Rui Barbosa: (Jahrbolf R., 5.267). Hausmeister, "De"
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Abschluss verpflichtender Vertriige direito privado, contratos de direito pú-


durch Gemeinden" (Pr.VBI., 34.872). blico, cumpre, para distinguí-Ios, exa-
Fromm, PrVBI., 3"5, 46, En Francia minar o ajuste em si.
tales contratos son estimados en favor
Dois são os critérios diferencia dores,
de la Administración pública, como con-
segundo a lição dos mestres: a) o crité-
tratos de Derecho público (respecto de
rio do serviço público, e b) o critério
los cuales han de juzgar los Tribu-
fonnal, ou seja, a do regime sob o qual
nales contencioso-administrativos). Jeze,
age a Administração (Bielsa, Dej·echo
"Principes", pág. 40. Hatschek, "Ein-
Administrativo, 4. a ed., tomo I, n. o 100,
leitung i. d. "oflen ti. Recht", 79 y f.
pág. 297).
Per o desde el final de la guerra mundial
la jurisprudencia del Conseil d'Etat y 7. À luz do primeiro critério, não
dei Tribunal de Conflictos ha reconocido vemos como classificar como serviço
cada vez en mayor grado la licitud de público o contrato que nos foi presente.
contratos de suministros y otros, de
carácter privado, etc. (Hauriou, "Précis Se não, vejamos.
de Droit administrati!", 11. págs. 914 y s. No caso da consulta trata-se de arren-
(lnstituciones de De1·echo Administrati- damento, feito pela Prefeitura, e me-
vo, trad. da 8. a ed. alemã, ed. Labor, diante determinado preço, de um edifí-
1933, pág. 168, nota n.o 87). cio de sua propriedade, denominado
5. Investigando o problema, a saber "Mercado Municipal", para o fim de
se os contratos de arrendamento de serem, pela arrendatária, sublocados os
dependências do domínio público são respectivos compartimentos, para a ven-
de direito civil ou de direito adminis- da de produtos.
trativo, presta Louis Jacquignon, em
moderníssimo trabalho, a mesma infor- 8. Outrora instalavam-se os merca-
mação que a de Fleiner, acima trans- dos na via pública e nas praças públi-
crita. cas, por meio de barracas, sem caráter
€'stável. Eram, por isso, considerados
E, após esclarecer que, em França, bens de uso comum, indisponíveis, por
a princípio certas instâncias inferiores conseguinte.
entendiam ser tais contratos de direito
administrativo, observa: Hoje em dia, porém, o mesmo não
acontece. Os mercados são situados em
li/ais la Cour de Cassation, le Conseil edifícios já destinados a êsse fim, seja
d'Etat et le Tribunal des Conflits ne pelo poder público, seja por particulares.
furent pas a?lssi impératifs. La juris- As "feiras" desempenham, hoje, o papel
prudence distinguait selon que le pre- reservado, antigamente, aos mercados e
neur des lieux loués avait ou non une e 2stes foram substituídos pelos grandes
activité constitlltive d'un service publico "magazins", de iniciativa privada.
La tendance des juridictions supérieures
était favorable à la reconnaissance du A existência de mercados impunha-:;e,
caractere civil du contrato La ligne de como uma necessidade geral, na época
partage entre contrat civil et contrat em que difíceis eram os meios de tran'l-
administratif existait cependant. Pour porte e raras as vias de c Jmur.icação.
que ce dernier caractej·e fut reconnu, Não hoje, em que tais dificuldades já
il fallait que l'activité du co-contractant não mais existem e em que a distri-
de l'administration fut constitllfive d'un buição dos produtos de consum') é feita
service public (Le Regime des Biens des fácil e ràpidamente.
Entreprises Nationales, Paris, 1956, 9. Não desempenham 0'\ mercados
tomo I, n.O 288, pág. 352). - tal como o de que é ob,:eto a consul-
6. Face à possibilidade de celebrar ta - nenhum serviço público. No Esta-
a Administração, a par de contratos de do capitalista não exerce o l,oder pú-
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blico, através dos mercados, qualquer accipiunt. E o nosso Código Civil. em


função que lhe sejam peculiar, ou qual- seu art. 85, recomenda, mesmo, que "nas
quer contrôle na distribuição dos bens declarações de vontade se atenderá mais
de consumo, em benefício da co',ctivi- à sua intenção que ao sentido literal da
dade. Nos mercados os arrendatários linguagem" .
dos alojamentos vendem e compram,
No caso vertente, aliás, o "Têrmo Adi-
como quaisquer outros comerciantes, vi-
sando lucro, visando o seu interêsse tivo" celebrado entre a Municipalidade
e não o interêsse da comunidade. e a arrendatária não deixa a menor dü-
E o contrôle estatal, quando se exerce, vida quanto à natureza locatícia d"
não atinge em especial os mercados, ajuste. Através dêle assumiu a arrenda-
mas o comércio em geral. É o que ocor- tária - dita concessionária - até mes-
re, entre nós, com os tabelamentos im- mo a obrigação de celebrar com os
postos pela COF AP. ocupantes contratos de locação, vale
dizer, de sublocação. E só subloca quem
Não possui o contrato em exame, por
é locatário.
outro lado, quaisquer características de
concessão de serviço público, tais como 13. Por tudo o que ficou dito con-
tarüas, fiscalização, regulamentação, etc. clui-se que o contrato em causa rege-se,
10. Tudo isso mostra que, arrendan- não pelas normas do direito administra-
do um prédio como o fêz a municipali- tivo, mas pelas do direito privado.
dade na hipótese de que nos ocupamos 14. A circunstância de ser o edifício,
- para nêle ser instalado um mercado, objeto do arrendamento, um bem público
nada mais fêz do que, simplesmente, não modifica tal conclusão.
dispor de um bem patrimonial, com 15. Divide o nosso Código Civil -
o fito exclusivo de auferir renda. art. 66 - os bens públicos em três cate-
Ora, assim sendo, está-se em face da- gorias distintas: a) os de uso comum
quela situação, a que se relere Bielsa, do povo, tais como os mares, rios, estra-
já acima citada e aqui repetida: das, ruas e praças; b) os de uso espe-
cial, tais como os edifícios ou terrenos
En la atividad privada, essencialmen- aplicados a serviço ou estabelecimento
te "patrimonial", el Estado se coloca federal, estadual ou municipal; e c) os
en la situación de los particulares; dominicais, isto é, os que constituem
sus actos son de economia privada y su o patrimônio da União, dos Estados ou
actividad es, por eso mesmo, no social dos Municípios, como objeto de direito
sÍtw "indi-vidual". pessoal ou real de cada uma dessas
entidades.
Frente ao segundo critério - o cri-
tério formal - a outra conclusão não Tal classificação assemelha-se à ado-
se chegará, igualmente, pois não há, que tada, no direito alemão, por Fritz FIei.
o saibamos, qualquer legislação específi- ner, que divide os bens públicos em:
ca de direito administrativo regulando a) bens de uso comum; b) bens do pa-
as relações entre a Prefeitura do Dis- trimônio administrativo; e c) bens do
trito Federal e os usuários dos mer- patrimônio fiscal.
cados. E o contrato, in casu, nenhum
regime especial estabelece. Pela sua própria natureza, os bens
compreendidos nos dois primeiros gru-
12. O fato de ser o contrato designa- pos - os de uso comum do povo e os
do como de "concessão" é de todo irrele- de uso especial ou do patrimônio admi-
vante, pois não é o nomen iv-ris que nistrativo - são destinados ao gôzo
influi na sua disciplina, mas, sim, a sua in natura, seja por parte do povo, seja
configuração econômica jurídica, pois por parte do Estado. São, por isso mes-
Contractu non ex nomine sed ex re legem mo, indisponíveis.
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16. Os bens dominicais, ou do patri- 19. Aliás, a própria legislação espe-


-momo fiscal, ao contrário, têm por fim cífica referente aos bens da União pre·
fornecer ao Estado meios para obtenção vê, do modo expresso, a locação de seu~
-de renda. São bens disponíveis. Como bens patrimoniais.
«>bserva Ruggiero, têm êles "a função Segundo dispõe o art. 64, § 1.0, do
de fornecer no Estado, sob a forma de Decreto-Iei n.o 9.760, de 5 de setembr()
preço de alienação, de correspondente de 1946 -
·da locação, etc., os meios econômicos "A locação se fará quando houver
necessários para a satisfação das outras conveniência em tornar o imóvel produ-
necessidades públicas" (Instituições de tivo, conservando, porém, a União, sua
Direito Civil, trad. Ari dos Santos, plena propriedade, considerada arren-
vol. II, § 69, pág. 303). damento mediante condições especiais,
17. Enquanto que os bens de uso quando objetivada a exploração de fru-
·comum e os de uso especial constituem, tos ou prestação de serviços".
~m regra, fonte de despesa, os bens 20. Baudry, Lacantinerie e Wahl
patrimoniais são fonte de receita. aludindo expressamente aos mercados,
18. N o caso da consulta, o bem afirmam que: les tribunaux administra-
arrendado não foi destinado ao uso pú- tifs ne 60nt pas compétents sur les
blico nem, como vimos, à realização de actions nées des baux communaux ou
-<}ualquer serviço público. Por destinação domaniaux et des droits de place dans
~ êle um bem patrimonial. les halles et marchés (TraiU Théorique
Como salienta Lentini, sono beni pa- et Pratique de Droit Civil, vol. II, Du
trimoniali disponibili quelli che non sono Contrat de Louage, 2.8 ed., n.o 1.587,
destinati ne aU'uso púbblico, ne all'espli- pág. 103).
tamento di uno speciale servizio pub- 21. Regulando-se, pois, o contrato de
1Jlico. arrendamento objeto da consulta pelas
normas do direito comum, e não pelas
E continua: do direito administrativo, sôbre êle in-
Essi reppresentano per gli enti pub- cide a legislação de emergência refe-
-blici un'utilita indiretta in quanto dan- rente ao inquilinato. O contrato, quando
no a questi un utile economico analogo vencido, ficará prorrogado por tempo
indeterminado (Lei n. O 1.300, de 1950,
-a quella che viene ai privati dai godi-
art. 12), só podendo ser rescindido por
mento dei loro patrimonio. "Essi sono qualquer dos fundamentos constantes do
sogetti ai diritto comune ... " (Arturo art. 15 da referida Lei.
Lentini, Istituzioni di Diritto Amminis- 22. Ainda que à espécie não se apli-
trativo, voI. I, pág. 142). casse a Lei do Inquilinato, mas a lei
Idênticas são, como vimos, as lições civil comum - vale dizer - o Código
de Bielsa (op. cit., pág. 285) é de Civil, nem por isso poderia o locador
J acquignon (op. e loco cits.). E, entre recobrar a posse direta do imóvel, findo
nós, Menegale, reformando ponto de o arrendamento, através da ação de
vista anterior, conclui: reintegração.
"Mais demorado exame da questão, Para lançar fora o alugador a ação
entretanto, força-nos a concluir que os - adequada e específica é a de despejo.
bens patrimoniais do Estado permane- Não pode, em conseqüência, ser substi-
'cem, antes, sujeitos, no geral, às regras tuída por outra.
do direito privado (J. Guimarães Mene- É o nosso parecer, S. M. J.
gale, Direito Administrativo e Ciência Rio de Janeiro, 13 de junho de 1957.
da Administração, 2.& ed., vol. II, pá- - Luís Antônio de Andrade, Advogado
gina 81). no Distrito Federal.

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