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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO FAVENI

APOSTILA
CONTRATOS E PARCERIAS
ADMINISTRATIVAS

ESPIRITO SANTO

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INTRODUÇÃO

http://www.jusbrasil.com.br/topicos/26413134/contrato-administrativo

O contrato administrativo pode ser definido como um vínculo obrigacional em


que uma das partes é a Administração Pública. É um caso peculiar de vinculação
obrigacional (sendo, por isso, adjetivado), figurando a Administração em um dos polos
da relação.
A Administração Pública pode estar sujeita a uma vinculação obrigacional em
relação a uma pessoa, um particular, surgindo aqui à questão do interesse público x
interesse particular. Nesse ponto, torna-se relevante saber se a Administração, que
tutela o interesse de toda a coletividade, pode estar sujeita, por uma relação
obrigacional, a um particular. Assim, em que medida o interesse de todos pode estar
submetido ao interesse de um particular com quem a Administração contratou?
O estudo do contrato administrativo nos leva a pontos centrais e mais
controvertidos do Direito Administrativo. Tais pontos são os limites da submissão do
interesse público ao privado, de um lado, e os limites da subordinação dos interesses
privados aos públicos, de outro. Ademais, discute-se o quanto o direito administrativo
é um direito de derrogação de um direito comum. O direito administrativo, de certa
forma, revisita os institutos do direito comum e os altera, parcialmente derrogando-os
por regras de direito especial administrativo. Exemplo: A desapropriação nada mais é
do que uma compra e venda sem a manifestação de vontade de uma das partes, no
caso, o que figuraria como vendedor. E essa é uma diferença muito relevante da
compra e venda do Direito Civil, o que acaba por descaracterizá-la.
Podemos perceber que o tema do contrato administrativo acaba por trazer à
tona a questão do limite entre Direito Administrativo e Direito Civil. O contrato
administrativo é uma espécie contratual que não se submete aos cânones do direito
civil obrigacional, mas sim aos da Lei 8666/931. Aplicam-se, porém, os princípios e
conceitos da Teoria Geral dos Contratos.
Outra questão que emerge é com relação aos limites da sujeição do interesse
privado ao público, e vice-versa. De um lado, não se deve sacrificar em absoluto o
interesse privado para atender ao interesse público. O direito protege os interesses
privados. Por outro lado, não é possível sacrificar a satisfação do interesse da
coletividade apenas por conta de um interesse particular.
Outro aspecto importante diz respeito à convergência de interesses do Poder
Público e do particular, que, embora sejam antagônicos em sua gênese, acabam por
convergir a um resultado comum em determinadas situações. O particular age visando
atingir suas pretensões lucrativas, enquanto a Administração tem o dever de buscar
atingir interesses públicos. Exemplo: a desapropriação é um caso de sobreposição de
interesses. Já o contrato de empreitada é um caso claro de convergência de
interesses
Uma quarta questão que surge é a seguinte: o que define o caráter especial do
contrato administrativo? Basta ser um contrato em que a Administração Pública figure
como parte? E, ainda, o que é a Administração Pública para fins de caracterização do
contrato como contrato administrativo? Seriam equiparáveis, por exemplo, o Ministério
da Defesa (órgão da Administração Direta), uma agência reguladora (autarquia) e a
Petrobrás (empresa estatal de economia mista)?
Quando o Ministério da Defesa compra caças, ele firma um contrato com o
fornecedor, mas, mesmo o Ministério da Defesa sendo um ente que integra a
Administração Pública, esse contrato não estará submetido à lei 8.666/93. O contrato
não poderá ser rescindido unilateralmente pelo Brasil, por exemplo. A contratação
para compra de bases para exploração de petróleo numa plataforma também não
segue o disposto na Lei 8666/93, apesar da Petrobrás, como empresa estatal, fazer
parte da Administração Pública.

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Lei que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e institui normas para licitações e contratos
da Administração Pública.
Dessa forma, não basta que o ente contratante integre a estrutura da
Administração Pública. Para a caracterização de um contrato como administrativo, o
ente que contrata deve fazer parte da estrutura da Administração Pública, mas
também é importante observar o objeto do contrato.
Inúmeros contratos firmados pelo Poder Público não se submetem ao regime
da Lei 8666/93, ou seja, não se submetem ao regime administrativo. O que ocorre é
uma relativização do art. 2º, par. único da Lei 8.666/932.
Por fim, é necessário verificar o tema do controle da atividade contratual da
Administração, que é importante tanto no nascimento do contrato (processo de
licitações públicas), quanto ao longo da execução, seja para impedir alterações que
desnaturem as premissas estabelecidas na licitação, seja para verificar se o contrato
atingiu os seus objetivos.
Sintetizando: o contrato Administrativo é uma norma contratual que obriga
a Administração Pública, nos seus termos. É peculiar pela incidência de normas
legais que determinam procedimentos e prerrogativas próprios para sua gênese,
formação, execução e extinção. Ou seja, obriga as partes, mas possui procedimentos
e prerrogativas específicas. Essa concepção ampla nos permite entender que o
contrato administrativo é um contrato que não se caracteriza como sendo regido pelo
regime jurídico único da Lei 8666/93. Embora exista um regime jurídico do direito
administrativo previsto na Lei 8.666/93, que disciplina a grande maioria dos contratos
administrativos, existem outros contratos que são submetidos a regras legais
específicas, sem serem os contratos de direito comum. Ou seja, o regime da Lei
8666/93 admite exceções. Por isso, alguns contratos, sem serem de direito comum,
são um pouco diferentes dos contratos de regime administrativo, como os contratos
celebrados pela Petrobrás, por exemplo.

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“Art. 2o (...) Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos
ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de
vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. ”
CONTROVÉRSIA SOBRE A EXISTÊNCIA DO CONTRATO
ADMINISTRATIVO

http://pt-br.mundopublico.wikia.com/wiki/Controle_Judicial

A doutrina da inexistência

Embora, na prática, o conceito de contrato administrativo seja muito usado, sua


existência como categoria jurídica não é pacífica na doutrina. Esse debate doutrinário
nos remete ao séc. XIX, no momento do nascimento definitivo do Direito
Administrativo como ramo jurídico. Autores alemães enxergaram no contrato
administrativo um instituto contraditório, considerando não haver sentido a construção
de tal categoria no ramo específico do Direito Administrativo. Entretanto, no direito
francês, espanhol e português, prevaleceu o contrário. Mas atualmente ainda temos
autores que consideram o termo contrato administrativo contraditório, pelo fato do
substantivo “contrato” ser substancialmente contraditório ao adjetivo “administrativo”.
De acordo com a Teoria Geral dos Contratos, são elementos de um contrato:

1. Partes livres e capazes;


2. Que as partes possam dispor livremente sobre a sua vontade (autonomia da
vontade);
3. Objeto lícito, admitido pelo direito;
4. Vinculação das partes ao pactuado (pacta sunt servanda).
Analisando tais elementos de um contrato de Direito Privado, os autores do final
do séc. XIX, afirmaram que a presença de nenhum deles é possível em um contrato
em que a Administração Pública seja parte. Tais autores têm uma visão muito
marcada pela relação de poder envolvendo o soberano e os seus súditos, o que é
compreensível se ponderarmos que o Direito Administrativo nasce em um momento
de enfraquecimento do ideário absolutista.

1. Partes

(i) Primeiro, ao analisarem as partes, tais autores colocam que o


administrador não é livre para pactuar, porque tem todos os seus atos
delimitados pela lei, que lhe outorga as atividades.
(ii) Em segundo lugar, para que ele pactue, ele possui todo um regime legal
que disciplina o que e como ele pode contratar.
(iii) Em terceiro lugar, a “vontade” da Administração tem caráter impositivo,
e o veículo para a sua manifestação é sempre um ato administrativo, que
é unilateral. Para a Administração, não há necessidade de negociar, já
que não se depende do consentimento (mandato de autoridade).
(iv) Em quarto lugar, as partes não seriam iguais, pois o pressuposto da
relação entre Administração e particular é o pressuposto da
desigualdade, decorrente da autoridade da primeira. Não haveria a
igualdade típica da relação contratual da teoria geral. Se não há
igualdade e partes livres para pactuar, já haveria aqui uma contradição
com a ideia de contrato.

2. Autonomia da vontade

A Administração não teria autonomia, já que não haveria como se falar em


vontade de um administrador que exerce uma função pública. O administrador
realiza atos visando concretizar a vontade da lei, e a concretização da vontade da
lei jamais poderia ser possível através de um instrumento bilateral negocial. A
materialização da vontade da lei deve se dar por meio de atos. A Administração jamais
poderia abdicar da sua autoridade, sendo a mera vinculação a uma norma contratual
considerada uma capitis diminutio. O administrador deve sempre se subordinar à
norma legal, não fazendo sentido dela abdicar para se vincular a uma norma
contratual, cuja característica é subordinar A em relação a B, e vice-versa. Eles não
se vinculam a uma norma impessoal com efeitos gerais. Trata-se da impossibilidade
de a Administração Pública, representante do todo legal, subordinar-se a uma norma
particular, uma parte desse todo legal. Portanto, não faria sentido adjetivar um
contrato como administrativo, pois se o for, não será contrato, e se for contrato, não
será administrativo.

3. Objeto

Como para a Administração só interessaria firmar um contrato se fosse para atingir


uma função pública, que é coisa fora do comércio, o objeto de tal contrato seria ilícito,
um caso de res extracommercium. A prestação de uma função pública não seria um
objeto lícito e negociável, pois seria algo de interesse de todos, não podendo ser
passível de se subordinar aos interesses comuns de alguns particulares.

4. Pacta sunt servanda

É inadmissível que a Administração se veja obrigada ao que contratou quando o


interesse público, aferido no caso concreto, restar prejudicado, o que a obrigaria a
despactuar ou alterar o pactuado com determinado particular. O interesse público, do
qual a Administração Pública é representante, não pode ficar subordinado ao que foi
pactuado com o particular. Então, a Administração não deve se submeter ao pacta
sunt servanda, e se não há esse pacto, não há contrato, de acordo com a Teoria Geral
dos Contratos. Poderia ser até considerado como uma declaração de boas intenções,
mas nunca um contrato.
Concluindo, para tais autores o instituto dos contratos administrativos não
existe. O que ocorre é um negócio jurídico de caráter não-contratual entre a
Administração e o particular que com ela pactua.
No Brasil, destacou-se como adepto dessa linha crítica dos contratos
administrativas o jurista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (década de 40). Ele
considerava que o instituto chamado de contrato administrativo era, na verdade, um
ato jurídico bilateral. Hoje, temos como importante representante dessa linha o
administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, que considera que a figura do
contrato administrativo é peculiar e impropriamente chamada de contrato, pois a
parcela relevante do instituto não tem natureza contratual por ser marcadamente
unilateral.
Entretanto, essa linha crítica não prosperou. Uma outra linha doutrinária,
basicamente francesa, acabou por criar um raciocínio que embasa a existência do
contrato administrativo equacionando a dialética entre os interesses públicos e
privados, conforme analisaremos abaixo.

A doutrina da existência

Como já foi pontuado, a linha doutrinária que construiu o raciocínio que


embasou a existência dos contratos administrativos é basicamente francesa, tendo
como expoente Duguit.
De acordo com a teoria desenvolvida por Leon Duguit, os contratos
administrativos seriam instrumentos dupla face, híbridos. Esta característica híbrida
se deveria ao fato de o contrato administrativo possuir dois núcleos. O primeiro seria
o núcleo contratual, negocial propriamente dito, no qual há a abertura para as partes
negociarem, com a pactuação de obrigações recíprocas e submissão ao pactuado. É
o âmago econômico do contrato, vinculante e imutável. Já o segundo seria o núcleo
regulamentar, sendo este marcado pela unilateralidade, já que a Administração tem o
dever de zelar pelos interesses da coletividade.
A partir do momento em que a Administração pactua com o particular o
conteúdo econômico do contrato, ela passa a estar vinculada a esse contrato, e o
particular passa a contar com um direito subjetivo (de receber conforme o combinado,
por exemplo). Isso não impede que a Administração determine unilateralmente
mudanças (exemplo: mudar o prazo de entrega). Porém, como existe um núcleo
contratual, o administrador terá que repor os custos ou os prejuízos que as mudanças
impostas unilateralmente vierem a causar para o particular.
De acordo com a visão trazida por Duguit, podemos entender que o contrato
administrativo é uma espécie do gênero “contrato”, que se diferencia, se
peculiariza por uma série de características jurídicas que advêm do fato de que uma
das partes é a Administração Pública e o objeto do contrato se caracteriza por ser
uma função pública. O objeto é marcado por cláusulas exorbitantes, que conferem à
Administração Pública uma posição superior, uma relação de verticalidade. Contudo,
o contrato não deixa de ser contrato na medida em que claramente existe um núcleo
de pactuação recíproca exigível, que confere ao particular um direito subjetivo de
exigência do núcleo econômico acordado. Essa natureza peculiar, que Duguit chama
de híbrida, claramente, faz com que o contrato tenha características próprias na
gênese, na formação, na execução e na extinção, que serão estudadas. Haverá traços
distintivos e característicos.
Para concluir, devemos ressaltar que essa formulação do contrato
administrativo, pertencente ao século passado, que configurou o regime jurídico do
contrato administrativo, de certa forma acabou por se aproximar do contrato do direito
civil quando este passou a se submeter, também, a regras derrogatórias da liberdade
do pacto. Exemplo: o contrato de consumo, que passou a conter limitações à liberdade
de contratar. O próprio Código Civil prevê a função social do contrato como limite à
liberdade de contratar. O que era impeditivo da existência de um contrato
administrativo é claramente admitido no próprio âmbito dos contratos do direito civil.
Aquela crítica mais radical, que sustentava a inexistência dos contratos
administrativos, não teria como se sustentar nos dias de hoje, uma vez que a atual
teoria geral dos contratos do direito civil tem relativizado os seus próprios elementos
clássicos.
Sintetizando: o direito civil assiste a uma publicização do contrato privado,
e o direito administrativo assiste a uma privatização do contrato administrativo.
AFIRMAÇÃO DA NOÇÃO DE CONTRATO
ADMINISTRATIVO

https://preuss.ucsd.edu/current-students/

A crítica à noção de Contratos Administrativos é embasada em dois pilares:

1. Concepção radicalmente civilista e autonomista do contrato, que defende


a impossibilidade de aplicação de regras de ordem pública no âmbito
contratual, considerado como eminentemente privado. É um liberalismo
contratual radical. Mesmo no âmbito do Direito Civil, essa ideia se encontra
superada, sendo que são facilmente aceitas cláusulas de ordem pública
derrogatórias do direito comum, como as que limitam o princípio do pacta sunt
servanda.

2. Concepção fortemente autoritária da Administração Pública, no sentido de


que a Administração se caracteriza precipuamente pelo exercício da
autoridade. De acordo com essa concepção, havendo qualquer manifestação
da Administração, o poder manifestado é suficiente para afastar qualquer
incidência de Direito Privado. Aqui, considera-se que nenhuma relação entre
Administração e particular pode ser horizontal, havendo sempre inafastáveis
prerrogativas da primeira. Pela relação estabelecida ser sempre uma relação
vertical, o contrato seria uma “contraditio in adjeto”, pois, não sendo possível
uma relação horizontal, não seria possível o contrato.

Então, de acordo com as concepções acima explanadas, haveria apenas uma


forma de relação entre o particular e a Administração: a sujeição via autoridade,
ampla, abstrata e geral, não sendo possível que particular e Administração
estabelecessem contratos entre si. A Administração estaria sempre em uma posição
supraordenada aos particulares, em uma relação de poder e sujeição.
Entretanto, isso não é de todo verdadeiro. É possível que o particular se
submeta a Administração pelo simples fato de pertencer a uma comunidade política.
Uma pessoa que caminha na rua está, de alguma forma, se submetendo à autoridade
estatal. A pessoa deve, por exemplo, se submeter à autoridade policial. Nesse caso,
a pessoa está sujeita a autoridade estatal independente de qualquer relação
particular.
Também podemos ressaltar casos de uma relação jurídico-subjetiva entre o
particular e a Administração, na qual uma das partes se manifesta no sentido de atingir
certo resultado, e que pode gerar uma situação de sujeição que não se caracteriza
por ser geral e abstrata. É o caso de alguém que realiza algum concurso público. Esta
pessoa também se submete à autoridade da Administração, sendo que esta é quem
vai corrigir o concurso, por exemplo. Mas esta sujeição se caracteriza pelo travamento
de uma relação jurídica subjetiva (estatutária), não sendo uma sujeição geral e
abstrata.
A questão a ser levantada aqui é que a construção da ideia de contrato
administrativo não exclui a sujeição do contrato privado a alguma incidência de
desigualdade, mas não necessariamente se estabelece numa relação absolutamente
vertical entre autoridade e sujeito.
Não se pode, de forma alguma, entender o contrato administrativo como
privado, mas, por outro lado, é importante entender que o contratante (particular)
manifestou a vontade de se submeter àquele contrato, que contém cláusulas
exorbitantes derrogatórias do direito comum. Elas podem estar explícitas (expressas
no contrato) ou implícitas (fazendo parte de um regime legal dos contratos
administrativos que contempla essa possibilidade).
Assim, o contrato administrativo contém, em si, uma permanente dualidade:
Ao mesmo tempo em que tem uma (i) proteção típica dos contratos, ou seja,
um âmago de pactuação que deve ser respeitado pelo particular e pela Administração,
também tem uma (ii) parcela de dispositivos que desequilibram as prerrogativas
e colocam as partes em diferentes patamares, em favor da Administração, que
trava o contrato com vistas a alcançar uma finalidade pública, o que pode justificar,
em concreto, alterações, sujeições e até mesmo a extinção do vínculo contratual
quando isso se fizer necessário para o atendimento do interesse público.

Consolidação do contrato administrativo nos ordenamentos jurídicos estatais

A consolidação da ideia de contrato administrativo está muito ligada a uma mudança


conceitual que ocorre no início do século passado em torno da ideia que demarca a
própria existência do Direito Administrativo. Nessa passagem o instrumento contratual
se afirmar como um conceito nuclear do Direito Administrativo.
A passagem ocorre na França, com uma mudança de eixo no que define o
Direito Administrativo e a Administração. Até então, a esfera da Administração era a
esfera da autoridade, representando o poder de imposição da autoridade estatal sobre
os particulares.
Nas primeiras décadas do séc. XX, afirma-se outra linha de entendimento, que
trabalhava com a ideia de prestação. A Administração existe para servir aos interesses
da coletividade como um todo e individualmente, sendo que as prerrogativas da
Administração existem na medida em que servem para atender aos interesses
coletivos. É a “escola do serviço público”, capitaneada por Léon Duguit.
O novo entendimento firmado pela “escola do serviço público” revelou-se muito
importante para a consolidação da ideia de contratos administrativos. Esse novo
entendimento acabou por demonstrar que a existência da Administração Pública e de
regras especiais que a regem se justifica não por causa da autoridade, mas por causa
da necessidade de serem criadas condições especiais para a Administração poder
prestar aos cidadãos o que eles necessitam. Ou seja, o que justifica o poder
exercido pela Administração não é a autoridade, mas a sua função de atender
aos interesses coletivos. E para que a Administração consiga atender os interesses
coletivos, é necessário que ela tenha em mãos instrumentos que tornem isso possível.
Então, se é necessário o provimento de um serviço público que a Administração não
possa prestar unilateralmente e que demanda o concurso de particulares, será
necessária a contribuição do particular para que ela preste o serviço. O instrumento
contratual passa a ser possível e, mais ainda, necessário para que o Estado consiga
atender às necessidades da sociedade.
Por causa desse entendimento, os primeiros contratos administrativos aceitos
na França são os de concessão de serviço público, entendendo-se como serviço
público todas as atividades que o Estado deveria prover tendo em vista o interesse
público. Exemplo: rede de esgoto, serviço de água potável. Nesse ponto, o conceito
de contrato administrativo se consolida.
Os contratos administrativos são marcados por um regime dual. De um lado,
possui características próprias da teoria geral dos contratos, o que poderíamos
chamar de parcela privada do contrato administrativo:

1) Existência de um acordo de vontades, ainda que seja travado por um


procedimento de direito público, a licitação. A Administração diz o que
e como pretende pactuar e o indivíduo manifesta o interesse de
contratar, demonstrando a sua expectativa econômica;

2) Criação de um vínculo jurídico entre Administração e particular. O


particular não é obrigado a contratar, mas uma vez acordadas as
vontades, o contrato obriga ao particular (quanto à prestação) e à
Administração (quanto ao conteúdo econômico). Essa proteção é tão
importante que tem, inclusive, assento constitucional no direito
brasileiro (art. 37, XXI/CF3);

3) Estabelecimento de obrigações recíprocas. Fixa-se um vínculo jurídico


de obrigações de parte a parte: uma das partes se obriga a prestar algo
(particular), enquanto a outra se obriga a pagá-la (Administração).

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Art. 37, XXI, CF - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações
serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Por outro lado, possui características que advém do regime jurídico especial do
contrato administrativo, o que poderíamos chamar de parcela pública ou
administrativa do contrato:

1) Autonomia relativa da vontade. Na medida em que a Administração é


condicionada pela finalidade pública a qual está vinculada e pelo fato
de que é necessária a observância do processo licitatório, que limita a
margem de manifestação autônoma de vontade da Administração, seja
para dotar de moralidade e rigor a contratação, seja para assegurar
condições isonômicas de concorrência aos futuros contratantes;

2) Alterabilidade unilateral de seus termos. O contrato administrativo tem


por pressuposto a sua modificação, a sua alteração por ato unilateral da
Administração Pública enquanto parte contratante. Isso significa que há
a possibilidade de modificação do contrato sem necessidade de que o
particular concorde com essa modificação. Ao mesmo tempo em que
essa característica constitui o regime administrativo, por outro lado o
regime do contrato administrativo impõe uma redução, uma limitação à
alterabilidade consensual. Assim, em um contrato entre particulares, em
regra, não se tem a modificação unilateral dos termos, mas é possível
realizar, bilateralmente, qualquer tipo de repactuação. Já em um
contrato administrativo não existe a possibilidade ilimitada de alteração
bilateral, por conta de uma garantia contra a adulteração do que foi
originalmente contratado (em nome da isonomia e do respeito ao
processo licitatório);

3) Prerrogativas para extinguir unilateralmente o contrato. Quando o


contrato não servir mais ao interesse público, há a possibilidade de
extinção antecipada por ato da Administração. Isso não apenas nas
circunstâncias em que o particular tiver dado causa à extinção (extinção
sancionatória), mas também quando razões supervenientes tenham
tornado o contrato contrário ao interesse público;
4) Regime de proteção especial à parte privada. É um contraponto às
prerrogativas da Administração, pois, embora o particular contratado
possa ficar vulnerável por conta dessas prerrogativas, há uma proteção
reforçada ao interesse patrimonial. O regime jurídico dos contratos
administrativos protege amplamente os interesses econômicos do
particular, não só em face da autoridade da Administração (parcela
resguardada na relação negocial), como também traz uma proteção
exorbitante, de modo que o ente público assume os riscos decorrentes
do advento de fatores imprevisíveis que afetem a perspectiva
econômica do particular contratado. Pode-se dizer até que um contrato
administrativo típico é um seguro automático do particular contra as
vicissitudes da contratação, com a Administração assumindo o risco
pela ocorrência de fatores inesperados e imprevisíveis que afetem o
parcial ou total cumprimento da obrigação. Esse regime de proteção
especial à parte privada decorre tanto da Constituição e da lei de
contrato administrativos como também de uma lógica econômica: ao
assumir os riscos, a Administração faz com que o particular não
aumente o preço por conta do custo de assunção desses riscos. Se
nada ocorrer, a Administração gastou menos, e se ocorrer o evento, a
Administração divide por toda coletividade o custo gerado pelo sinistro.

O contrato administrativo se caracteriza por uma parcela chamada de


“cláusulas de serviço”, marcadas pelo poder exorbitante da Administração, e por outra
parcela que pode ser denominada de “cláusulas econômicas”, marcadas pela
proteção ao particular. Dessa forma, o contrato administrativo terá a característica de
conter, implícita ou explicitamente, cláusulas que contemplam prerrogativas e
garantias que não são encontradas no contrato privado.

O contrato administrativo no Direito Positivo

Doutrinariamente aceita a ideia de contrato administrativo, o direito positivo


passou a contemplá-la. No direito brasileiro temos a Lei 8666/93, que rege os institutos
das licitações públicas e dos contratos administrativos. A definição de contrato
administrativo se encontra no art. 2º, § único, desta lei. De acordo com este
dispositivo, considera-se contrato “todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades
da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a
formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a
denominação utilizada”. Da leitura do dispositivo, podemos entender que a definição
do que é contrato engloba vários elementos:

a) “Todo e qualquer ajuste”: qualquer ajuste é abarcado pela lei, qualquer


relação bilateral de ordem negocial;

b) “Entre órgãos ou entidades da Administração Pública”: a intenção é


englobar todas as entidades de Administração, mesmo aquelas de
direito privado que exploram atividade econômica;

c) “Acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de


obrigações recíprocas”: deve haver acordo de vontades (o que exclui a
desapropriação, por exemplo) e obrigações recíprocas, ou seja, deve
haver um caráter contraprestacional, sinalagmático entre as obrigações.

http://www.st-anthony-cyo.cc/Forms.htm

Atualmente, estamos vivendo o fenômeno da “contratualidade


administrativa”: cada vez mais a Administração recorre a contratos, entendidos
como acordos bilaterais que vinculam as partes e contemplam obrigações recíprocas,
para o exercício das mais variadas funções. E esse fenômeno nos coloca diante de
duas questões:

a) Qual o tipo de contrato que a Administração pode celebrar com os


particulares? No exercício de qual função ela pode recorrer ao
instrumento contratual?

b) Até que limite a Administração pode ficar obrigada por esse contrato?

Quando a existência do contrato administrativo começou a ser defendida pela


escola do serviço público, o primeiro contrato a ser amplamente estudado foi o
contrato de concessão de serviço público. No início, a concessão consistia
unicamente na outorga de privilégio a nobres por ato unilateral do soberano. Era ato
unilateral incondicionado, que concedia o privilégio e poderia ser resgatado a qualquer
tempo. Com o passar do tempo, a concessão foi se transfigurando e assumiu um
caráter contratual, seja para garantir a permanência da concessão, mesmo com a
alteração da vontade do soberano, seja para alterar a obrigação.
Atualmente, os contratos de concessão possuem um conteúdo bastante
complexo. Não são apenas estipuladas as garantias e as obrigações do
concessionário, como também as obrigações desse particular em relação aos
tomadores de serviço, em relação aos concorrentes, etc. Isso gera uma maior
complexidade das normas do regime contratual, que traz mais obrigações, que vão
além do mero respeito ao tempo de concessão.
Nesse ponto, nos deparamos com duas questões: qual a limitação de objetos
daquilo que pode ser concedido? O que a Administração pode delegar para o
particular, ou seja, qual o âmbito de incidência? Em segundo lugar, em que grau ela
se vincula apenas à norma contratual e não apenas à norma que regula os contratos
administrativos?
A Administração pública está submetida a fazer apenas o que a lei autoriza.
Porém, isso só serve quando a lei é clara e precisa e, geralmente, a lei é lacunosa,
não específica, o que dificulta saber até onde vão os direitos e faculdades do Estado,
o que acaba por dificultar a ação do administrador.
Quando a lei endereça um comando, sem especificar como esse comando
deve ser atendido, surge para o Estado a obrigação de se organizar para atendê-lo.
Contudo, o Estado e a Administração Pública são ficções jurídicas. Para poder atuar,
o Estado deve contar com pessoas que podem concretizar a vontade da lei: ou ele se
socorre de pessoas físicas permanentemente vinculadas, os funcionários públicos, ou
ele se socorre de particulares organizados em empresas. Sem uma ou outra forma, é
impossível para o Estado atender às necessidades coletivas.
Quando a lei proíbe a contratação de particulares para uma dada atividade, o
contrato é nulo e não gera maiores problemas. Da mesma maneira, se o contrato é
prévia e expressamente autorizado pela lei, também não haverá problemas, e o
contrato será plenamente admitido. O problema existirá quando a lei é aberta e prevê
obrigações do Estado sem explicitamente vedar ou autorizar que essa finalidade seja
viabilizada com o concurso de um particular para tanto contratado. Aqui surge uma
incerteza quanto à legalidade do contrato administrativo em razão da não previsão em
lei do serviço como objeto de contrato administrativo. Um exemplo: seria possível
conceder ao particular o serviço de manutenção de um presídio?
Esse fenômeno é tanto mais presente quanto mais se assiste ao concurso de
particulares para a atuação na concretização de interesses públicos. Isso se revela
não só para particulares que o fazem por uma perspectiva econômica, como também
para o recurso, pela Administração, a instrumentos contratuais.
Em todos os campos da atuação administrativa, o advento da contratualidade
é presente. As quatro funções administrativas clássicas são o poder de polícia, o
fomento, a intervenção na economia e o serviço público. A regulação é colocada por
alguns autores. Em todas essas funções da Administração se manifesta a
contratualidade.
Nos serviços públicos, cada vez mais a Administração usa o instrumento
contratual para ter o concurso de particulares viabilizando o fornecimento do serviço
público.
No tocante ao poder de polícia, avultam os termos de ajuste de conduta, que
nada mais são do que a estipulação contratual de obrigações para o cumprimento de
condutas fiscalizadas pelo poder de polícia e, eventualmente, de alguma forma de
reparação dos danos. Não se submetem à lei 8666/93, mas manifesta a atuação
contratual.
Na intervenção na economia, o instrumento clássico era estrutural (criação
por lei de uma empresa estatal), mas cada vez mais se assiste a formação de vínculos
contratuais para a atuação direta do Estado na economia, como, por exemplo, na
formação de consórcios privados, joint ventures, parcerias institucionais com
sociedades privadas, todas envolvendo empresas estatais.
Na atividade de fomento, o mesmo se verifica, por exemplo, na lei de
inovação, que cria ou procura fomentar a atividade científica, prevendo mecanismos
altamente sofisticados de contratualização entre a universidade pública e a empresa
interessada na pesquisa. Por fim, mesmo no campo da regulação, é um instrumento
dominante.
Mesmo entre entes jurídico-políticos da Administração, a contratualidade está
presente (Exemplo: convênios, contratos de programa e parcerias públicas).

REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

O regime jurídico da Lei 8666/93 é bastante amplo e busca reger quase todas as
contratações em que a Administração seja parte. Mas também existem contratos em
que a Administração figura como parte que se aproximam mais dos contratos de
Direito Privado.
Por pretender ser único e aplicável a toda contratação em que a Administração
apareça como parte, o regime da Lei 8666/93 gera dois problemas:
Primeiro, pela lei já conter as regras aplicáveis às contratações das quais a
Administração faça parte, passa-se a falsa impressão de que nos contratos
administrativos não existe margem para a estipulação de normas no contrato. De
acordo com a Teoria Geral do Direito, de Hans Kelsen, o conjunto normativo se
organiza em uma estrutura hierárquica harmônica de norma:

1) Norma fundamental
2) Norma constitucional
3) Norma legal
4) Norma contratual
Como podemos perceber, nessa estrutura, a norma legal prevalece em relação à
norma contratual. No Direito Civil, pela norma legal ser muito aberta, há espaço para
a normatividade contratual. Já no Direito Administrativo, pela lei derrogar, em abstrato,
a vontade das partes, há a tendência de se considerar que não há espaço para a
normatividade contratual, pois, se as partes acordarem algo que não seja abarcado
pela lei, o acordado será derrogado. Por isso, fala-se no âmbito dos contratos
administrativos de uma “clausulabilidade obrigatória”. A ideia é que, já que o contrato
administrativo já possui uma lei que o regule, não é necessário esmiuçar cláusula por
cláusula ou, até, estabelecer cláusulas muito específicas. Para que estabelecer
sanções contratuais, por exemplo, se isso já está previsto pela Lei 8666/93?
Entretanto, apesar da Lei 8666/93 conferir prerrogativas à Administração, não
significa que elas não possam ser disciplinadas mais detalhadamente no contrato
administrativo. A consequência do estabelecimento de uma lei para reger os contratos
administrativos é delimitar o âmbito de normatividade contratual, não cercear
absolutamente o campo da normatividade contratual. Mesmo assim, acabam por
prevalecer na prática administrativa contratos meramente remissivos, que apenas
fazem menção a algum artigo da Lei 8666/93, ou os transcrevem literalmente. O que
não se leva em conta na prática é que a lei pode até conter diretrizes genéricas, mas
não detalha nada. O fato de a lei atribuir certas prerrogativas à Administração não
significa que esses termos não possam ser tratados em âmbito contratual.
Segundo, o regime único apresenta uma única solução para uma série muito
distinta de espécies contratuais em que a Administração é parte. Em outros
ordenamentos, as leis de contratos administrativos, além de disciplinarem o núcleo
duro, também preveem alguns tipos de contratos administrativos em espécie, com
regras específicas para contratos específicos. Já no regime jurídico brasileiro, a Lei
8666/93 rege todos os contratos administrativos. E rege tais contratos a partir do
contrato mais comum, que é o contrato de obras públicas, o que, por certo, acarreta
distorções na prática contratual.
O art. 2º, parágrafo único, da Lei 8.666/934, afirma que a lei aplica-se a qualquer
ajuste formulado entre órgãos ou entidades da Administração e particulares, qualquer
que seja a denominação que tal ajuste receba. Da leitura do artigo citado, se infere
que, se houver acordo de obrigações recíprocas envolvendo a Administração, será
aplicado um monobloco de regras genéricas, o que certamente levará a muitas
distorções.
A partir dessa dificuldade, a doutrina começou a se deparar com alguns ajustes
que não se moldam com a figura do contrato administrativo disciplinada pela Lei
8.666/93. E alguns desses contratos acabaram por criar leis específicas, derrogatórias
da Lei 8.666/93. Exemplos:

 Lei dos contratos de concessão de serviço público (Lei 8987/95);


 Lei de contratos de gestão firmados com as organizações sociais (Lei
9.637/98);
 Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/04).

Nos casos exemplificados acima, o próprio legislador considerou que existiam


contratos que, apesar de terem como parte a Administração, exigiam um regime
diferente do regime geral da lei 8.666/93. E também existem outros contratos que não
se submetem ao regime geral, não por vontade do legislador, mas sim por construção
doutrinária (Odete Medauar e Eros Grau). Exemplos:

 Contratos de natureza estatutária (constituição de sociedades; Lei das


SA ou do Código Civil).
 Contratos de comunhão ou de natureza convenial. Tais contratos não
estipulam obrigações contraprestacionais, no sentido de que uma das
partes presta uma obrigação contraposta à obrigação da outra parte. São
contratos regidos pelo princípio da cooperação, podendo ser chamados

4
Art. 2º (...) Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou
entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo
e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.
de contratos de colaboração ou de escopo. Exemplo: convênio para a
recuperação de um prédio histórico, envolvendo soma de esforços, sem
prestação e contraprestação.
 Contratos de permissão, que se caracterizam pelo uso de bens públicos
de forma privativa por um particular. Em tais contratos falta o elemento
da contraprestação. Não tem natureza de contrato administrativo, haja
vista faltar o elemento da relação obrigacional recíproca.

Portanto, embora da leitura do parágrafo único do art. 2º da Lei 8666/93 possa se


inferir que sobre todos os contratos celebrados pela Administração incide o regime
legal dos contratos administrativos, existem contratos fora do regime, seja por ser tal
contrato disciplinado em lei específica, seja por conta de construções doutrinárias.

Análise da Lei 8666/93

http://www.tce.se.gov.br/sitev2/conteudo.ler.php?id=1919

O art. 545, caput, da Lei 8666/93 dispõe que os contratos administrativos tratados
naquele corpo normativo “regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito

5
Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de
direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de
direito privado.
§ 1o Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em
cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da
licitação e da proposta a que se vinculam.
público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos
e as disposições de direito privado”. Na redação de tal artigo, o legislador utilizou as
expressões “contratos administrativos” e “de que trata essa lei”. Confrontando o art.
54 com o art. 2º da mesma lei, embora se possa interpretar no sentido de que os dois
artigos se completam por redundância, podemos entender que o art. 54 se volta para
o sentido de que é possível haver contratos administrativos que não se submetam à
lei 8.666/93.
A partir dessa conclusão, podemos, primeiramente, observar que a existência
de contratos administrativos que não se submetem à Lei 8666/93, atualmente, ocorre
de forma natural, pela presença de leis específicas que regem contratos
administrativos específicos.
Em segundo lugar, o art. 54 acaba por finalizar a discussão do contrato
administrativo como espécie do gênero “contrato”, já que em sua redação o legislador
reconhece que é possível aplicar os princípios da teoria geral dos contratos e as
disposições de direito privado.
Um terceiro ponto a ser ressaltado é que o art. 54 consolida a existência de
uma normatividade no contrato, que não se resume a simples remissões à lei geral. É
firmada a ideia de que o contrato administrativo é fonte de normatividade infralegal,
que cria lei entre as partes. Apesar de dever estar moldado ao regime da Lei 8.666/93
e também às disposições do regime público, pode trazer regras específicas
disciplinadoras do regime contratual.
Uma quarta questão que deve ser objeto de análise diz respeito à previsão, no
art. 54, de aplicação supletiva de princípios da teoria geral dos contratos e as
disposições de direito privado. Como já foi apontado acima, essa disposição coloca o
contrato administrativo como gênero da espécie “contratos”. Então, o contrato
administrativo por ser espécie do gênero “contrato”, deve, naquilo que não for
expressamente afastado, seguir as regras e princípios da teoria geral dos contratos.
Os contratos administrativos seguem um regime especial, que os particulariza
dentro do regime da teoria geral dos contratos. Deste regime especial, vamos
destacar as seguintes características:

§ 2o Os contratos decorrentes de dispensa ou de inexigibilidade de licitação devem atender aos termos do ato que
os autorizou e da respectiva proposta.
a) Autonomia relativa da vontade

Dentro desse regime especial que rege os contratos administrativos e que os


diferencia do regime geral dos contratos do Direito Privado, a autonomia da vontade
não é absoluta. No Direito Privado, particulares podem, em tese, contratar tudo, desde
que o objeto seja lícito. As dimensões do que, como, quando e com quem contratar
são praticamente absolutas em um contrato entre partes privadas, regido pelo Direito
Privado.
Entretanto, essas dimensões são relativizadas quando uma das partes do
contrato é a Administração Pública.
Em primeiro lugar, vamos analisar as limitações impostas à vontade no que diz
respeito ao o que contratar e ao como contratar:

 Limitação finalística: a Administração só pode contratar objetos que


sejam condizentes a uma finalidade de interesse público. Ainda que
todas as formalidades e exigências de contratação sejam cumpridas, o
contrato pode estar sujeito à anulação quando o objeto não for
compatível com o interesse público;
 Limitação orçamentária: a Administração deve ter recursos reservados
previamente na dotação orçamentária6, para fazer frente às obrigações
contratuais. Deve haver uma autorização legal que estipule a
possibilidade de contrair obrigações de pagamento em relação ao
objeto;
 Limitação fiscal: estão na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC
101/2000) ou na Lei de Orçamento (Lei 4320/64), que disciplinam as
obrigações financeiras da Administração. Exemplo: o art. 42 da Lei de
Responsabilidade Fiscal7;

6
É o limite de crédito consignado na lei de orçamento ou crédito adicional, para atender determinadas despesas
de uma unidade orçamentária, sendo está um segmento da administração direta ou indireta a que o orçamento da
União consigna dotações orçamentárias especificas para a realização de seus programas de trabalho e sobre os
quais exerce o poder de disposição.
7
“Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu
mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha
parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
 Limitação procedimental: dizem respeito a todas as normas de
procedimento (além das previstas na Lei 8.666/93) que a Administração
Pública deve realizar com vistas a uma contratação administrativa.
Exemplo: audiência pública ou normas sobre publicidade.

Em relação ao quem contratar, existem limitações subjetivas impostas à


Administração. Tais limitações são praticamente uma decorrência da limitação
procedimental exposta acima. A Administração não tem uma autonomia plena para
escolher com quem vai contratar. Em regra, a Administração só pode contratar após
um processo licitatório. Do processo licitatório surge uma vinculação da Administração
a quem contratar, porque ela só pode contratar aquele que resultar vencedor no
processo licitatório, sob pena de nulidade do contrato (art. 50 da lei 8.666/938). É uma
limitação subjetiva porque não pode ser escolhida qualquer pessoa e porque, uma vez
concretizado o processo licitatório, se houver contratação 9 , deverá ser contratado
aquele que ganhou o processo licitatório.
Todavia, podem existir situações em que a Administração pode contratar
independentemente de licitação. São os casos de dispensa e de inexigibilidade 10 de
licitação. Mas, mesmo nesses casos, pode ocorrer situações em que perdura uma
limitação subjetiva.
Há situações em que a Administração tem uma discricionariedade na escolha
do contratado, em qualquer das duas hipóteses (dispensa e inexigibilidade), como no
caso de contratação para atender a uma situação de emergência ou de um serviço
específico de um profissional de notória capacidade.
Por fim, também existe uma limitação da autonomia da vontade quanto às
regras que irão compor o contrato, na medida em que a lei dita normas que deverão
estar presentes. É uma limitação quanto à determinação do plexo de cláusulas

Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas


compromissadas a pagar até o final do exercício. ”
8
“Art. 50. A Administração não poderá celebrar o contrato com preterição da ordem de classificação das
propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatório, sob pena de nulidade. ”
9
Ainda que o vencedor da licitação possua direito subjetivo à contratação, isso não implica necessariamente que
a Administração esteja obrigada a contratar aquele objeto. Se o fizer, deverá contratar aquele que venceu a
licitação, mas nada impede que por meio de um juízo de conveniência e oportunidade o órgão público desista de
adquirir o referido objeto.
10
As hipóteses de dispensa e inexigibilidade se encontram previstas, respectivamente, nos artigos 24 e 25 da Lei
8.666/93.
contratuais, o que faz com que alguns autores neguem a autonomia da vontade.
Contudo, a autonomia da vontade existe em contratos que tenham a Administração
como parte, mas é relativizada.

b) Mutabilidade (cambialidade) do objeto

http://www.monolitospost.com/2015/06/28/aceitar-o-fenomeno-da-mutabilidade-e-ser-feliz-assim-
mesmo-e-o-que-temos-para-hoje/

Apesar de se aproximar da prerrogativa de alteração unilateral do contrato pela


Administração, não podemos confundir as duas figuras. A prerrogativa de alteração
unilateral pode se referir a mudanças do objeto, mas é bem mais ampla do que isso,
podendo alterar prazos de entrega, por exemplo.
No contrato administrativo a mutabilidade do objeto diz respeito à
possibilidade do objeto do contrato poder ser modificado unilateralmente pela
Administração.

Questão importante: O que é o objeto do contrato administrativo?

A jurisprudência e os Tribunais de Contas têm dificuldade em definir e, muitas vezes,


fazem confusão em torno do tema.
Deve haver também uma diferenciação entre objeto, resultado obtido pelo
contrato, e os escopos do objeto, e as atividades necessárias para alcançar e realizar
o objeto. Normalmente quanto mais complexo for o objeto do contrato administrativo,
maior o número de escopos que ele envolve. Exemplo: coleta de lixo: envolve coleta,
tratamento, destinação final do lixo, etc. Essa diferenciação é importante porque é
possível acrescentar escopos ao objeto, mesmo que ele seja preservado e mantido
em sua configuração inicial. Por outro lado, pode ocorrer supressão de escopos, ainda
que o objeto se mantenha.
A Lei 8.666/93 afirma que o objeto deve ser precisamente definido antes
mesmo da divulgação da licitação. Trata-se de exigência do art. 7º, §2º, I e do art. 14,
caput; e de vários dispositivos que se referem à obrigação da Administração de
especificar e detalhar o objeto do contrato. Nesse ponto, surge a questão da relação
entre objeto e o projeto com que se relaciona. Quanto mais complexo for o objeto,
mais ele dependerá da existência de um projeto para defini-lo. Alguns contratos são
simples e precisam apenas de especificações gerais para contratar; outros exigem
algo a mais para definir o objeto.
O projeto pode, porém, demandar ajustes técnicos ao longo do contrato, o que
nos leva a entender que o projeto que dá base à definição do objeto não é,
necessariamente, imutável, admitindo alterações unilaterais da Administração quando
aquela mudança servir para atingir os objetivos. Ele poderá sofrer alterações quando
isso se mostrar necessário para assegurar o atendimento dos objetivos buscados com
aquela contratação. Entretanto, essa possibilidade de alteração do objeto tem
limitações, sendo três delas fundamentais:

1. As alterações não podem ser de ordem tal que acabem por desnaturar
o objeto contratado. Exemplo: um hospital não pode ter o projeto alterado
para um presídio. Seja pela vinculação à licitação ou pelo direito do
particular de que se honre o contrato pactuado, o objeto não pode ser
mudado a ponto de descaracterizar o que foi originalmente licitado;

2. As alterações não podem violar a necessária vinculação ao


procedimento licitatório. Ou seja, ainda que a alteração seja feita e o
objeto não seja desnaturado, deve-se observar se a alteração não fere
alguma norma ou alguma exigência do processo licitatório. Exemplo: exigir
uma dada metodologia complexa na licitação, que limitou os licitantes
capacitados para executá-la. Depois da licitação, altera-se a metodologia
para torná-la mais simples, de forma que a exigência feita no edital, de
experiência com uma metodologia complexa, tornou-se abusiva a posteriori;

3. As alterações não podem suprimir ou acrescentar escopos ao objeto


acima de certos limites. É uma limitação dada pela lei.

a) Autonomia relativa da vontade


b) Mutabilidade (cambialidade) do objeto
c) Cláusulas exorbitantes

Como já foi ressaltado, o objeto do contrato administrativo não pode estar


desconectado do objetivo maior da Administração, que é o atendimento do interesse
público. Portanto, o contrato é um instrumento para a consecução do interesse
coletivo, sendo essa noção fundamental para a caracterização das cláusulas
exorbitantes. Tais cláusulas conferem um status superior à Administração em relação
ao particular com quem ela está contratando.
Cláusulas exorbitantes são cláusulas que, por força de lei, podem estar
presentes em um contrato administrativo, mas que dificilmente seriam aceitas em um
contrato entre particulares, sob pena de invalidade. Tais cláusulas estabelecem um
parâmetro para a alterabilidade dos contratos administrativos, conferindo
prerrogativas à Administração, em uma relação de assimetria. De acordo com o art.
58 da Lei 8666/93, as cláusulas exorbitantes estão presentes em qualquer contrato
administrativo, independente do conteúdo desse contrato. Mas apesar do fato de, por
força de lei, as cláusulas exorbitantes incidirem sobre qualquer contrato
administrativo, independente do pactuado, o contrato também pode dispor sobre
essas cláusulas.
As cláusulas exorbitantes encontram-se divididas em cinco blocos (incisos I a
V do art. 58 da Lei 8666/93), que serão analisados abaixo:
1. Prerrogativa de alteração unilateral do contrato (art. 58, I): a
Administração pode modificar, unilateralmente, os contratos
administrativos, para melhor adequação às finalidades de interesse público,
respeitados os direitos do contratado. De acordo com tal prerrogativa, a
Administração pode alterar tanto o objeto como o modo de execução do
contrato (modificar prazo de entrega, modificar o local de entrega, o modo
de execução). Para a aplicação de tal prerrogativa, devem ser observados
dois parâmetros (limitações): adequação às finalidades de interesse público
e respeito aos direitos do contratado (direito ao equilíbrio econômico e
financeiro: núcleo de intangibilidade – direito patrimonial).

2. Prerrogativa de rescisão unilateral do contrato (art. 58, II): esta


prerrogativa estabelece uma desigualdade mais ampla entre as partes. E
esta desigualdade se dá pelo fato do regime dos contratos administrativos
ser bastante restritivo em relação aos particulares, mas bastante aberto em
relação à Administração, que tem a liberdade de acabar com o vínculo
contratual. Como tal prerrogativa encontra-se prevista em lei, a
Administração poderá rescindir o contrato sem necessidade de recorrer ao
Judiciário, com a única limitação dada pelo devido processo legal. Confere-
se à Administração uma autoexecutoriedade da decisão de desfazer o
vínculo antecipadamente. Já o particular deverá sempre recorrer ao
Judiciário para rescindir o contrato.
O inciso II do art. 58 remete ao inciso I do art. 79 que, por sua vez, ao dispor
sobre rescisão unilateral do contrato pela Administração, nos remete aos
incisos I a XII e XVII do art.78. De acordo com as hipóteses elencadas nos
incisos mencionados do art. 78, podemos observar que a rescisão unilateral
é cabível tanto em casos em que o particular der causa (incisos I a XI) como
em casos que, ainda que o particular não tenha dado causa, por razões de
interesse público (incisos XII e XVII). Lembrando que deve sempre ser
respeitado o direito de defesa e que deve sempre ser demonstrada a
inconveniência do contrato em face do interesse público (exigência de
motivação).
3. Prerrogativa de fiscalizar a execução do contrato (art. 58, III): é
importante ressaltar, primeiramente, que a prerrogativa de fiscalizar não
transfere para o fiscalizador as responsabilidades do executor. Como essa
prerrogativa é apenas mencionada na lei, seus limites e sua graduação
devem ser expressos no contrato.

4. Prerrogativa de aplicar sanções motivadas (art. 58, IV): em caso de


inexecução total ou parcial do ajuste. De maneira alguma essa prerrogativa
pode ser confundida com o Poder de Polícia. A prerrogativa de aplicar
sanções motivadas está diretamente relacionada à sujeição do particular ao
regime dos contratos administrativos (sujeição parcial). Essa prerrogativa
deve ser exercida pela Administração durante a execução do contrato ou
logo após o recebimento do resultado do serviço quando se observar o
defeito ou vício. Não cabe essa prerrogativa quando o vínculo contratual
tiver cessado há muito tempo, o que caracterizaria um caso de sujeição
geral, resquício do Poder de Polícia da Administração. Tal atitude é rejeitada
pelo Judiciário.

5. Prerrogativa de, nos casos de serviços essenciais, ocupar


provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados
ao objeto do contrato (art. 58, V): ocorre na hipótese da necessidade de
acautelar apuração administrativa de faltas cometidas pelo contratado, bem
como na hipótese de rescisão do contrato administrativo. É uma hipótese
de intervenção da Administração na atividade do particular contratado,
conferindo uma prerrogativa próxima daquela do instituto da ocupação. Não
é aplicável a todo o contrato administrativo, mas apenas para os casos de
contratos que envolvam serviços essenciais (utilizada em casos raros,
principalmente, em casos que envolvam serviço de coleta de lixo).
A ocupação prevista por essa prerrogativa tem duas características
principais: o fato de ser uma ocupação cautelar, apenas para permitir a
apuração de faltas contratuais, e com a continuidade do serviço essencial
prestado, sendo o objetivo principal não interromper o serviço até a
finalização da apuração administrativa e a eventual substituição do
particular. A Administração deverá atuar como se fosse a empresa e
deverá indenizar o particular pela utilização dos bens e indivíduos
ocupados provisoriamente (obviamente, sem margem de lucro).

d) Regime protetivo do equilíbrio econômico e financeiro

É um elemento que estabelece um contraponto à vulnerabilidade do particular no


regime dos contratos administrativos. Pelo regime dos contratos administrativos o
particular se sujeita a uma série de prerrogativas e a uma instabilidade do conteúdo e
do próprio vínculo obrigacional. Entretanto, há uma proteção do núcleo negocial
(econômico) do contrato celebrado entre o particular e a Administração. Essa proteção
dada ao núcleo econômico do contrato se traduz na realização da expectativa do
particular de que fosse auferir proveitos econômicos com o contrato.
O art. 37, XXI, da Constituição Federal determina que o equilíbrio econômico
financeiro é um princípio elevado a nível constitucional. Exigência de preservação da
posição econômica e financeira pactuada no momento da contratação (proposta do
particular e licitação). O particular se vincula à proposta, e a Administração se
obriga a preservar as condições nucleares da mesma.
A intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro ocorre tanto em relação às
prerrogativas de alteração unilateral do contrato pela Administração, como também
em relação a alterações que impactem o contrato, mas que não decorram de decisão
da Administração. São casos de fatores imprevisíveis, externos ao contrato, que
alterem suas condições de execução. Está assegurado ao particular a incolumidade
do vínculo. Se as condições de execução se alteraram, deve-se buscar novamente o
equilíbrio econômico-financeiro.
Neste ponto, cabe ressaltar que, apesar de se falar em equilíbrio econômico-
financeiro como se fosse algo indivisível, devemos diferenciar o equilíbrio econômico
do equilíbrio financeiro.
 Equilíbrio econômico diz respeito à equivalência do valor econômico
entre o custo efetivo da prestação e o proveito econômico obtido pelo
particular ao fim da relação contratual (não é muito afetado pelo fator
tempo).
 Equilíbrio financeiro diz como a condição de recebimento da
contraprestação pecuniária ao longo do tempo. Diz respeito ao atendimento
das necessidades da outra parte ao longo do tempo da execução do
contrato.
Exemplo: Numa situação hipotética de inflação zero, o contrato de um
Professor com a Faculdade em que ele dá aula dispõe que ele dará aula durante o
ano todo e receberá o salário referente a todos os meses em uma única parcela, em
dezembro. Nesse caso, o equilíbrio econômico está observado. Entretanto, o
equilíbrio financeiro não, já que o Professor com certeza contraiu uma grande
quantidade de dívidas durante o ano e não teve como pagá-las por conta do
recebimento em uma parcela única.

CONTEÚDO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

A Lei 8666/93 prescreve qual deve ser o conteúdo básico dos contratos
administrativos. Seja qual for o contrato administrativo, em sua essência é um
contrato, devendo possuir o conteúdo típico do gênero “contratos” somados a
especificidades do regime administrativo (art. 54, caput, parágrafos 1° e 2° da lei
8666/93). Reforça-se a ideia de que o regime legal dos contratos administrativos não
é exaustivo no que tange à normatividade, o que faz com que o contrato administrativo
contenha as normas que serão aplicáveis aos contratantes. Tanto é assim que o art.
54 afirma que o contrato tem que ter claramente as obrigações de cada um na relação.
O art. 55 da Lei 8666/93 contém o rol de cláusulas necessárias que devem
constar em todos os contratos administrativos:

1. Objeto e seus elementos característicos (art. 55, I): Objeto é o


resultado que se deseja, sendo os elementos o que especifica o objeto;
2. Regime de execução ou a forma de fornecimento pela qual o particular
deverá dar cabo de suas obrigações (art. 55, II);
3. Preço, condições de pagamento e reajuste do preço (art. 55, III): a
Lei 8666 foi editada em 1993, em uma época de instabilidade econômica
com altos índices de inflação. Então, a preocupação com as formas de
reajustamento do preço é grande. Mas, com o advento do Plano Real,
os dispositivos sobre reajustamento presentes na Lei perderam grande
parte de seu valor prático;
4. Prazos de execução, de conclusão, de entrega, de execução, de
observação e de recebimento definitivo, conforme o caso (art. 55, IV);
5. Crédito pelo qual correrá a despesa (art. 55, V): a existência de dotação
orçamentária é uma condição vinculante do contrato;
6. Garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando
exigidas (art. 55, VI): é uma faculdade da Administração exigi-las, não
sendo cláusula obrigatória. No geral, tais garantias aplicam-se
exclusivamente aos particulares, sendo que estes devem oferecer as
garantias 11 . Entretanto, em alguns contratos específicos, há a
possibilidade da oferta de garantias pelo Poder Público. Exemplo:
Contrato de PPP´s;
7. Direitos e responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e
os valores das multas (art. 55, VII): permite uma melhor distribuição de
riscos do contrato entre a Administração e o particular com quem ela
contrata, sendo a cláusula mais relevante do regime contratual
administrativo. Essa cláusula mitiga a ideia de que a Administração deva
assumir integralmente todos os riscos decorrentes da imprevisão,
podendo o contrato estipular a divisão de responsabilidade entre as
partes;
8. Hipóteses de rescisão (art. 55, VIII): o art. 78 dispõe sobre os motivos
de rescisão contratual;
9. O reconhecimento dos direitos da administração em caso de
rescisão administrativa prevista no art. 7712 (art. 55, V);
10. As condições de importação, a data e a taxa de câmbio para
conversão, quando for o caso (art. 55, X);

11
A garantia contratual (Art. 56) não se confunde com a garantia eventualmente prestada como condição de
habilitação em processos licitatórios (Art. 31, III), tampouco com a garantia técnica do serviço ou do bem.
12
“Art. 77. A inexecução total ou parcial do contrato enseja a sua rescisão, com as consequências contratuais
e as previstas em lei ou regulamento. ”
11. Vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a
inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor (art. 55, XI): o
contrato deve estar vinculado ao que originou a relação obrigacional;
12. Legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos
casos omissos (art. 55, XII): podemos extrair, da leitura desse inciso,
que a Lei 8666/93 não é a única aplicável ao regime dos contratos
administrativos;
13. Obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do
contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas,
todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na
licitação (art. 55, XIII): a licitação estabelece os requisitos essenciais
para a contratação de empresa idônea e tecnicamente capaz para a
execução do contrato;
14. Exigência que o contrato preveja o foro da administração como foro
obrigatório para a solução de conflitos quanto ao contrato (art. 55, § 2 o):
a questão que aqui surge é sobre a possibilidade de os contratos
administrativos conterem cláusulas arbitrais. Nos contratos de
concessão e de PPP’s essa questão já está superada, pois a lei que
regula tais contratos prevê essa hipótese e isso já ocorre na prática. Nas
outras espécies de contratos há uma resistência de se aceitar a cláusula
arbitral pelo disposto no art. 55, § 2o. Mas o STJ vem mantendo o
entendimento de que, apesar de não ser possível que a Administração
se submeta à arbitragem em casos que envolvam a proteção de
interesses públicos, é perfeitamente possível que isso ocorra em relação
a interesses patrimoniais, que são disponíveis, se assim estiver
estipulado no contrato.

CONTRATOS TIPICAMENTE ADMINISTRATIVOS E CONTRATOS PRIVADOS CELEBRADOS PELA

ADMINISTRAÇÃO

A teoria do contrato administrativo, ou mesmo a ideia de que a Administração celebra


contratos, é um tema bastante propício para entendermos o significado do Direito
Administrativo. Hoje, pode parecer trivial o fato de que o Estado, por meio de seus
órgãos, celebre contratos. Entretanto, no passado, essa questão era polêmica.
No começo do séc. XX, diversos autores do direito administrativo sustentavam
que a Administração não poderia celebrar contratos, pois não caberia aos órgãos
públicos, revestidos da soberania estatal, se posicionarem em pé de igualdade com
outra parte privada para celebrar um livre acordo de vontades. No entanto, no dia-a-
dia, no fornecimento de bens para o funcionamento da máquina estatal, por exemplo,
era incontestável que a Administração celebrava acordos que não poderiam receber
outro nome que não contrato.

http://www.soniarabello.com.br/tag/casos-jurisprudencia/

Para explicar essa situação, primeiramente buscaram-se argumentos para


sustentar que, em algumas relações jurídicas, o Estado agia como particular, já
que a doutrina dominante não aceitava a ideia hoje já consolidada dos contratos
administrativos, por achar que tal ideia ia de encontro com a noção de soberania.
Entretanto, durante a década de 20 do século passado, o Conselho de Estado
Francês13 começou, jurisprudencialmente, a produzir direito. Na matéria de contratos,

13
Sistema dual de jurisdição: Por conta da Revolução Francesa, havia na França um preconceito quanto ao Poder
Judiciário tradicional já que, durante o Antigo Regime, os cargos do Judiciário eram ocupados pela nobreza em
defesa de seus próprios privilégios. Então, Napoleão estabeleceu um governo centrado no Executivo para conter
o poder dos chamados “Parlamentos Judiciários”. Dessa forma, não se queria dar espaço para o Judiciário julgar
os atos do Executivo. A ideia estabelecida é que caberia ao Executivo julgar o próprio Executivo. Assim, foi
estabelecido um sistema dual de jurisdição, onde duas estruturas diferentes possuem poder jurisdicional: a
jurisdição judiciária e a jurisdição administrativa, estão situadas entre os órgãos do Poder Executivo, onde o órgão
maior é o Conselho de Estado Francês.
aquilo que normalmente eram contratos de fornecimento, para suprimento das
necessidades cotidianas da Administração, tipicamente assumia a rubrica de assunto
de direito privado. No entanto, a partir do momento que o Estado passa a realizar
atividades mais complexas, começa a recorrer cada vez mais a uma colaboração
privada no desempenho de funções públicas, levando à caracterização da concessão
de serviço público e outras figuras análogas. Tudo o que envolve concessão não cabe
conceitualmente na ideia de que sejam negócios privados, como uma compra e
venda. Está implícito que é algo inerente ao Estado e que foi concedido a um particular
provisoriamente. Nesses contratos, porém, a preponderância do Estado era clara,
sendo justificada pela garantia do “interesse público”.
Então, foi-se percebendo que para os contratos administrativos aplica-se um
regime jurídico singular, que não se confunde com o regime contratual privado. Nos
contratos administrativos, o Estado era titular de prerrogativas inexistentes nas
relações contratuais privadas e que estabelecem uma assimetria em relação ao
particular contratado. É obra do Conselho de Estado Francês o entendimento de que
o contrato de concessão de serviço público deveria ser regido por um regime diferente
do regime privado.
O Conselho de Estado Francês percebeu que o Estado, enquanto parte
contratante, guardava poderes de ação unilateral que a outra parte não tinha, poderes
esses que não eram encontráveis no Direito Privado. Também, naquela época
predominava uma visão liberal dos contratos, que era entendido como uma figura que
envolvia partes em igualdade de condições que exerciam livremente a sua vontade,
de modo que nenhuma poderia exercer superioridade sobre a outra. No entanto, nos
contratos de concessão, o Estado possuía poderes de modificação unilateral do
contrato que não poderiam ser abandonados, pois eram necessárias para o
desempenho de suas funções.
Essa percepção, de que o Estado possuía poderes exorbitantes em um
contrato em que figurava como parte, levou à construção de uma figura típica: as
“cláusulas exorbitantes”. As cláusulas exorbitantes deram origem à teoria francesa
do contrato administrativo.
De acordo com tal teoria, pressupõem-se poderes unilaterais para o Estado
enquanto parte contratante. Logo essa teoria se expandiu para outros países, embora
autores ingleses e norte-americanos repudiem essa ideia, por acreditarem que só
existe a common law, aplicável também ao Estado. Os alemães, por outro lado,
seguem uma linha diferente: admitem que em algumas relações haja esses poderes,
mas aí seriam atos unilaterais (concessão é ato unilateral, e apenas as consequências
financeiras fazem às vezes de contrato), enquanto os outros contratos seriam
privados.
Essa discussão entre contratos administrativos e contratos de direito privado
tem, na origem, a distinção das jurisdições na França. Seria mais um critério para
separar um critério de competência do que para separar diferenças materiais.

Brasil

O Brasil, ao longo do séc. XIX, foi muito influenciado pelo direito francês, a ponto de
existir dualidade de jurisdições e um Conselho de Estado no Império. A Proclamação
da República, por outro lado, conduziu o país segundo o modelo americano, inclusive
no tocante às jurisdições. Entretanto, continuamos muito influenciados pela produção
intelectual francesa, ainda que não pelo modelo institucional francês. Isso significa
que os julgados e a doutrina da época citavam frequentemente a doutrina e a
jurisprudência francesas, inclusive com menções ao contrato administrativo. Ressalte-
se que o direito positivo da época não dava base legal para a existência do contrato
administrativo.
A legislação sobre o tema dos contratos administrativos seguiu sendo bem
frágil. Até 1986, o tema dos contratos administrativos era regido por decretos da
década de 20. Só em 1986, um decreto-lei (Decreto-Lei 2300/86) veio reger o tema
dos contratos administrativos, e só em 1993 foi promulgada a Lei de Licitações e
Contratos Administrativos (Lei Federal 8.666/93).
Em sua formulação original, a Lei 8666/93 não deveria ser tomada como a Lei
de Contratos Administrativos. Por ser uma lei da União, deveria ser uma lei de normas
gerais sobre contratos administrativos, uma vez que a União não tem competência
constitucional para detalhar todos os aspectos do contrato. Só poderia trazer regras
gerais para contratação. A própria Lei 8666/93 afirma, logo no art. 1º14, que a lei dispõe
sobre normas de licitação e contratos administrativos, de forma geral.
Mas os intérpretes tomam a lei como se ela estabelecesse todas as regras para
o contrato administrativo15. O comportamento comum em relação à lei a toma como o
regime único dos contratos administrativos. Tudo milita para que as pessoas digam
que é um regime único. Discutindo sobre o tema, o STF decidiu que a lei é de normas
gerais e se aplica aos Estados e Municípios, que não reagiram para fazer prevalecer
sua autonomia federativa.
A Lei 8666/93 é muito preocupada com a moral. Mas é uma moral burocrática,
uma moral que engessa, se voltando muito para os meios e pouco para a finalidade.
A lei detalha e engessa excessivamente o procedimento, como se apenas as regras
pudessem fazer um controle efetivo. Assim, a lei tentou ser a mais abrangente e
rigorosa possível. Um exemplo é o disposto no art. 2º, parágrafo único, que estabelece
uma noção ampla de contrato para a incidência da lei.
Por essa noção ampla, os autores consideram que qualquer contrato que tenha
como parte a Administração se submete a essa lei. E, se submetendo a essa lei,
qualquer contrato que tenha como parte a Administração internaliza o regime de
cláusulas exorbitantes (alteração unilateral do contrato, rescisão unilateral, aplicação
unilateral de sanções, etc.). Na medida em que a lei afirma que contrato é “todo e
qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares”,
como entender que existam contratos que não sigam essa regra tipicamente
publicista?
Parece que a lei, no art. 62, §3º, em seus dois incisos 16 , quis criar uma
alternativa a esse regime. A lei exemplifica alguns contratos, no inc. I, cujo conteúdo
é regido predominantemente por normas de direito privado. Porém, afirmar que as
normas gerais e as cláusulas exorbitantes aplicam-se “no que couber” cria muitas

14
“Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras,
serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios.”
15
É aquilo que o Professor Floriano, em seu texto sobre “A Nova Contratualidade Administrativa”, sustenta ser a
“maldição de um regime único”.
16
“Art. 62 (...)
§ 3o Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber:
I - Aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos
demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado;
II - Aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público. ”
dúvidas. Numa leitura radical do inc. I, não se aplicaria o regime público. Porém, o
sentido que se aceita majoritariamente é que pouco sobra de privado em tais contratos
quando é a Administração que os celebra.
Nesse ponto, devemos perguntar: qual a efetiva distinção entre o regime de
direito público e o regime de direito privado?
Essa distinção se resume ao aspecto de autoexecutoriedade daquilo que é
público, ou seja, o Estado, enquanto parte em qualquer relação jurídica, decide e
executa sua decisão com sua força própria. Os particulares entre si ou em relação ao
Estado não gozam desse poder em suas relações jurídicas, apesar de haver
exceções, como a legítima defesa ou o desforço próprio. Em geral, os particulares
devem provocar o Judiciário, pleiteando uma tutela específica para fazer valer sua
vontade.
A situação fica ainda mais irrelevante quando quem celebra os contratos são
entidades privadas da Administração Pública, como as empresas públicas e as
sociedades de economia mista, que desempenham atividades econômicas e
competem em condições de igualdade no mercado (art. 173, CF). No desempenho
dessa atividade econômica, como empresa pública ou sociedade de economia mista,
o Estado age no “mundo dos privados”, devendo seguir as mesmas regras da livre
concorrência, não podendo concorrer numa situação de privilégio. Portanto, deverá
seguir regras privadas, mas ainda não existe uma lei específica para esses casos,
como determinado tanto pelo art. 173, §1º, como pela lei 8.666/93. Enquanto não
existe, aplica-se a última, no que couber (art. 119, Lei 8666/93), ou as leis específicas
existentes para cada entidade, como o regulamento que a Petrobrás editou para si.
Em suma, não há uma solução sobre a questão da distinção entre contratos
privados e contratos administrativos. O limite do regime jurídico não é pronto. Uma
resposta correta é que a solução não está no rótulo “direito público” ou “direito
privado”, mas no regime jurídico de cada caso, que decorre, por sua vez, das leis
específicas, e não da lei 8.666/93 como lei geral que vale para tudo.

EXECUÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO

O regime brasileiro de contrato administrativo se caracteriza pelo fato de não


haver na Lei 8.666/93 um conjunto de normas especificamente aplicáveis a cada tipo
de contrato, como ocorre em outros países. A Lei é aplicável aos mais diversos tipos
de contratos nos quais a Administração figure como parte.
No art. 6o da Lei 8666/93 (que traz algumas definições que devem ser
consideradas na interpretação do diploma), os incisos VII e VIII trazem formas de
execução dos contratos administrativos, com vários pontos de perplexidade.
O primeiro ponto que causa estranheza é a hipótese de execução direta
prevista no inc. VII. Execução direta seria aquela feita pela Administração pelos seus
próprios meios, o que entra de certa forma em conflito com a ideia de contratação.
Podemos identificar duas formas de execução direta:
a) aquela executada com recursos materiais e pessoais da própria
administração. Exemplo: Setor de Engenharia do Exército realizando obras
emergenciais;
b) aquela que envolve alguma forma de contratação, quando a Administração
se vale de algum convênio ou acordo de cooperação. Exemplo: convênio com o
município onde a obra será realizada.

Não há, portanto, na execução direta, a ideia de contratação administrativa.


Outro ponto controvertido é o trazido pelo inc. VIII do art. 6º, que trata da
execução indireta, em que a Administração contrata a execução de um determinado
objeto com um particular. Há quatro modalidades previstas nesse inciso. Esse rol
enuncia o fato de que o regime do contrato administrativo é moldado com base no
instituto da empreitada para execução de obras públicas, trazendo uma série de
problemas com relação a contratos que não são de execução de obras públicas.
1) Empreitada por preço unitário (art. 6º, VIII, “b” da Lei 8666/93): Regime de
execução de obra ou serviço. A parte se obriga a realizar alguma atividade,
remunerada pela quantificação individual daquilo que será entregue. Ainda que o
objeto seja um todo, o preço final será mensurado de acordo com as quantidades
unitárias. Exemplo: contratar para o fornecimento de leite e pagar a quantia
equivalente ao que for de fato fornecido.

Do ponto de vista financeiro, o que é certo e fixo é o preço unitário, sendo


incerta a quantidade a ser contratada. Esta só será certa ao fim da obra, quando se
faz todas as aferições do quanto de concreto foi utilizado na construção de um prédio,
por exemplo. Há, portanto, certa indeterminação, que será tanto maior quanto mais
impreciso ou precário for o projeto ao tempo da licitação. É o regime de execução
prevalecente nos contratos administrativos, pois ainda que haja indeterminação do
preço final, a Administração tem um controle muito maior sobre o particular contratado.
Cada parcela do pagamento é sujeita a uma aferição do quanto foi realizado.

Não raras vezes, o preço pago pela Administração ao cabo daquele projeto não
coincide com aquilo que era previsto após a conclusão do procedimento licitatório. O
preço estabelecido para o cimento, por exemplo, não pode mudar, mas, de acordo
com a execução dos trabalhos, pode ser que sobrevenha uma mudança na
quantidade do material utilizado. Os órgãos de controle buscam combater o chamado
jogo de planilhas, em que o particular, propositalmente, na elaboração de sua
proposta, oferta valores baixos para insumos pouco utilizados e valores altos para
insumos bastante utilizados, justamente para que o preço final seja maior que o
previsto 17 . Neste regime de execução, o particular não assume o risco das
variações da quantidade de material ou pessoal necessário ao longo da obra,
mesmo que decorrentes de defeitos do projeto, salvo nos casos de fraude.

2) Empreitada por preço global (art. 6º, VIII, “a” da Lei 8666/93): Típica
obrigação em que o contrato dar-se-á completado quando todo o projeto for
executado, sendo a remuneração única e total, envolvendo toda a obra. O particular
se obriga a executar aquele objeto e acorda receber um preço fixo e determinado por
aquele objeto, independentemente de uma variação da quantidade de itens
necessários para a execução do contrato. O preço é certo e total, podendo ser pago
em parcelas, não havendo a necessidade de que o particular receba somente uma
única parcela ao fim da obra.

17
Exemplo ilustrativo: a Administração estima o quantitativo de 100 barras de aço e 100 sacos de cimento para
uma determinada obra, prevendo valores unitários de “x” e “y”, respectivamente. O particular, em sua proposta,
sabendo que na prática os sacos de cimento serão mais utilizados que as barras de aço, oferta os preços de “0,4x”
e “1,2y” para esses insumos. Assim, embora tenha sido o detentor da melhor proposta global, há a chance de que
o preço final da obra tenha sido superior ao que outros licitantes aufeririam. Do cenário ilustrativo exposto fica
evidenciada a importância da elaboração de um projeto básico preciso pela Administração.
A exigibilidade de cada parcela não está sujeita a uma aferição do quanto foi
executado no período anterior. O pagamento fica sujeito à verificação da ocorrência
de um evento certo e determinado. Quando pensamos na reforma de uma sala, por
exemplo, o pagamento não fica atrelado à quantidade de tinta usada, mas se a sala
recebeu a nova pintura.

Ainda assim, há uma doutrina dentro dos órgãos fiscalizadores que afirma que
a Administração não fica dispensada de verificar o quanto de material foi utilizado, o
que seria uma contradição em termos. Poder-se-ia verificar se a empreiteira cumpriu
com o combinado de dar duas demãos de tinta, mas não fiscalizar o quanto de tinta
foi utilizado. O executor assume os riscos e as falhas de eventual falha na elaboração
do projeto. Surge a necessidade de que o projeto seja mais determinado, detalhado e
estudado. O particular, no preço global, não assume os riscos decorrentes da
ampliação ou alteração do projeto. Exemplo: A Administração contrata um particular
para fazer uma estrada que liga Mogi das Cruzes a Sorocaba. Se for necessário se
valer de mais cimento, concreto, tinta do que fora antes planejado, o risco é do
contratado. Porém, se a Administração se valer da prerrogativa da mudança do objeto,
como requerer que a estrada se estenda até Presidente Prudente, esta deverá pagar,
o particular não assume os custos dessa variação.

3) Empreitada integral ou “turn-key” (art. 6º, VIII, “e” da Lei 8666/93): É uma
variação da empreitada global, na qual um particular recebe a incumbência de
entregar o objeto em condições plenas de funcionamento, atendendo não apenas as
condições definidas para o objeto do projeto original, mas também as mínimas
obrigações de desempenho, funcional e operacional, como resultado do objeto
entregue. Fixa um preço global, um cronograma, e o particular assume a obrigação
de entregar o objeto apto em pleno funcionamento no dia seguinte ao do término do
prazo.

O particular assume mais riscos quanto ao projeto, pois há uma maior


margem no que tange ao modo de execução por parte do particular. O projeto deve
ser detalhado no que diz respeito ao que a Administração deseja, mas o modo como
isso será feito fica a cargo do contrato. Isso não significa que a Administração se
desonere da obrigação de fiscalizar a execução do contrato. O que há é menor
margem de interferência da Administração. Tal tipo contratual é muito mais usual nos
contratos particulares, como nos contratos EPC. Há uma cultura marcada pela
empreitada por preço unitária que faz com que, nas raras vezes em que há empreitada
integral, a Administração tente fiscalizar como se por preço unitário fosse. Há maior
liberdade para organizar a execução. É o regime adequado para obras e serviços
maiores e complexos.
4) Regime de Tarefa (art. 6º, VIII, “d” da Lei 8666/93): Pouco utilizado nos dias
atuais, salvo em pequenos municípios. Um dos fatores que leva a seu esquecimento
é a tendência que a Justiça do Trabalho tem adotado no sentido de considerar tal
regime uma forma de burlar a legislação trabalhista, por se tratar de uma relação de
emprego. É um contrato que ocorre quando se ajusta mão de obra para pequenos
trabalhos por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais. Todo o risco e
toda a responsabilidade é assumida pela Administração, que é quem determina o que
deve ser feito e quem paga por isso.
Embora a lei preveja esses quatro regimes, eles nem sempre são adequados
a todas as formas de contratação. A Lei 8.666/93 prevê o sistema de registro de
preços, afirmando que deveria ser o regime preferencial das compras feitas pela
Administração (art. 15, II e §§).
Pelo sistema de registro de preços, a Administração, mediante licitação,
constitui em “Ata de Registro de Preços” um cadastro de produtos e fornecedores
visando contratações sucessivas de bens e serviços. Desse rol de preços registrados,
resulta que o particular se compromete a fornecer aquele produto, por prazo certo e
limite de quantidades, por aquele preço obtido na licitação. Não há, porém, uma
obrigação, por parte da Administração, de adquirir os bens. A Administração pode não
adquirir nada daquele particular, simplesmente por não ter sido necessário adquirir o
produto. Por outro lado, se for necessário, ela gerará uma ordem de serviço ao
particular, nascendo, aí sim, uma relação contratual, que obriga o particular a fornecer
aquele produto pelo preço registrado. É importante ressaltar que referida Ata tem
validade de um ano, sendo polêmica a possibilidade de sua prorrogação, bem como
a de sua extensão a outros órgãos que não aquele ao qual o particular se vinculou (é
a chamada “adesão a Ata de Registro de Preços”).
Outro regime é o chamado regime de Administração contratada, extinto em
1993. O particular é contratado para que ele providencie a aquisição e a instalação de
equipamentos, recebendo um porcentual do valor das compras realizadas. O
particular faz a pesquisa de preços e procede à compra, após a devida aprovação
pelo Poder Público. É comparável a um contrato de agência, do direito empresarial.
Essa modalidade deixou de existir, pois o Presidente da República, na época,
entendeu que onerava demasiadamente a Administração pública.
Surgidos recentemente na doutrina, temos também os contratos de
desempenho, em que o particular é contratado a realizar serviços, ficando obrigado a
manter um nível mínimo de qualidade e desempenho. Por exemplo, temos uma
empresa que é contratada pela CPTM para fazer a manutenção dos trens,
assegurando que pelo menos 80% da frota estejam aptas para circular. O particular é
contratado para realizar serviços, mantendo um determinado nível estabelecido no
edital.

http://www.mcfoa.org/index.asp?SEC=F433979A-92DD-40B7-ABF8-B6A25B276475&Type=B_LIST

Há outras duas grandes famílias no que tange à execução dos contratos


administrativos. Contratos de delegação e contratos de cooperação.
Na primeira categoria, a dos contratos de delegação, o Poder Público delega
a execução, a prestação de um serviço que lhe era inerente, a um particular, conforme
determinadas condições e transferindo-lhe os riscos dessa execução. O delegatário
passa, então, a prestar diretamente serviços à sociedade. Como características
principais, podemos encontrar uma maior exigência de investimento por parte do
delegatário, o que pressupõe um maior prazo de vigência desse contrato (como forma
de compensar os investimentos), uma maior parcela de riscos transferida ao particular
e um regime um tanto especial da posse dos bens envolvidos na prestação
(permissões de uso, por exemplo). O particular tem a posse da obra, mas não da
rodovia. Também há um regime diferente quanto à remuneração, que pode tanto ser
paga pelo Poder Público quanto por tarifas cobradas do particular.
Por fim, há o regime de cooperação, em que a Administração soma esforços
com um particular, que, em geral, não possui interesses lucrativos, para viabilizar um
empreendimento público. Não há sinalagma, existindo inclusive uma discussão na
doutrina se os contratos de cooperação poderiam mesmo ser classificados como
“contratos”.
Cada um dos contratos tem regimes diferentes de execução, principalmente no
tocante à distribuição de riscos, principal elemento diferenciador.

FORMAÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO


A formação do vínculo contratual antecede a própria formalização 18 do
contrato. Formação é gênero, do qual formalização é espécie. As atividades pré-
contratuais são de suma importância, vinculando a Administração e tendo
projeção durante todo o período de execução do contrato. A formação do vínculo
contratual é complexa, contendo várias fases e envolvendo diversos agentes.
A formação começa com a autorização por parte da autoridade competente
para a realização da contratação, sendo que, já neste momento, a autoridade deverá
indicar a rubrica orçamentária pela qual o contrato ocorrerá. Também é a autoridade
competente que figura na última etapa pré-contratual, visto que é só a ela cabe a
homologação do processo licitatório e/ou ratificação da contratação.
Outro aspecto é o de que se a contratação envolver um projeto básico, a futura
execução deverá segui-lo, salvo se ocorrerem alterações em seu decorrer. O projeto
também irá conformar a atuação de outros licitantes, que poderão, inclusive, solicitar
esclarecimentos, os quais, uma vez respondidos, também gerarão efeitos no contrato.

18
“A formalização refere-se ao modo como os contratos se exteriorizam, se expressam. ” (Medauar, pág. 225)
Como já foi estudado em aulas anteriores, um dos elementos que caracterizam
o contrato administrativo é a autonomia relativa da vontade. A lei delimita a autonomia,
prevendo condições para a decisão do que, do como, do quando e, principalmente,
do com quem contratar. A regra geral é de que o contrato administrativo seja
precedido de licitação. Há exceções, nas hipóteses de contratação direta. A questão
que importa é que, seja na licitação, seja na contratação direta, o contrato
administrativo é precedido de formalidades que geram consequências para o curso
da execução do contrato.
Mas existe uma única hipótese que, pelas circunstâncias excepcionais, se
admite uma certa informalidade nesse processo de formação do vínculo, saneável
posteriormente. É o caso específico da contratação emergencial, situação na qual
se admite uma contratação desprovida das exigências formais, uma vez que a
necessidade de se obter o cometimento seja tão urgente que não só dispensa
licitação, mas admite também a dispensa de cautelas procedimentais próprias da
contratação direta. São situações raras, que devem ser muito fiscalizadas, em que se
admite até mesmo o início da execução do contrato antes da formalização.
Etapas da formação do vínculo contratual
Há três momentos: fase interna da licitação, fase externa da licitação e
procedimentos de formalização contratual.
1. Fase interna da licitação: desde o momento em que é proferido o despacho
da autoridade até o momento em que se publica o edital 19 convocando os
interessados a apresentar propostas a fim de contratar com a Administração. É o
período anterior ao anúncio público da licitação.
Nessa fase, temos manifestações que produzem efeitos ao longo do contrato e
que irão compor o vínculo contratual.
É aqui que:

19
“O edital é a lei interna da licitação, não podendo ser descumprido pela Administração e nem pelos licitantes
(art. 41, caput). A divulgação do edital efetua-se pela publicação de aviso com o resumo do mesmo, nos seguintes
veículos: Diário Oficial da União, nas licitações de órgãos ou entidades federais ou de obras financiadas total ou
parcialmente com recursos federais; Diário Oficial do Estado ou do Distrito Federal, quando se tratar,
respectivamente, de licitação feita por órgão ou entidade estadual ou municipal, ou do Distrito Federal; em jornal
de grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de grande circulação no Município ou na região
onde será executado o objeto do futuro contrato. Outros meios de divulgação poderão ser utilizados (art. 21,
caput e incisos). ” (Odete Medauar, pág. 197)
(i) Será definido o projeto básico, que deverá ser aprovado pela autoridade
competente;
(ii) Será elaborada planilha de custos unitários e global;
(iii) Que ocorrerá a indicação precisa de recursos orçamentários para o
pagamento das obrigações no exercício financeiro em curso e;
(iv) O exame e aprovação da minuta do edital pela assessoria jurídica da
Administração.
O art. 54, § 1°, da Lei 8.666/93 estabelece que o contrato é aos termos que
regeram a contratação. É de extrema importância também a previsão trazida pelo
artigo 41 da Lei 8.666/93, pelo qual “a Administração não pode descumprir as normas
e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada”.
2. Fase externa da licitação: Inicia-se com a publicação do edital, momento a
partir do qual interessados poderão analisar as peculiaridades do objeto, elaborar
questionamentos e interpor impugnações administrativas contra o instrumento
convocatório, como, por exemplo, nos casos em que há direcionamento da
contratação e restrição da concorrência. Também é etapa elementar da chamada
“fase externa da licitação” a realização da sessão pública, que iniciará os
procedimentos referentes à habilitação, apresentação das propostas, classificação,
julgamento e ulteriores homologação e adjudicação do objeto (para tanto, vide artigos
43 e seguintes da Lei 8.666/93).
Nessa fase há um grande impacto a partir da proposta vencedora da licitação.
A Constituição estabelece a obrigatoriedade da licitação, o que coloca a proposta
vencedora como um eixo vinculante de tudo o que se dará na execução contratual.
Há eventos pré-contratuais que também vinculam, e terão lugar no final da fase
externa (ultimado o processo licitatório, com homologação e adjudicação). É o caso,
por exemplo, da modalidade de garantia oferecida pelo vencedor, uma vez que a
Administração tem a faculdade de exigir garantias do particular para a contratação
(vide artigo 56, Lei 8.666/93). Em processos mais complexos, na fase externa haverá
outras definições mais importantes, como a constituição de sociedade para execução.
Ainda não há contrato nem termo formalizado, mas já há atos vinculantes.
3. Procedimentos de formalização contratual propriamente ditos.
Mesmo nas hipóteses em que não tenhamos licitação (contratações diretas por
dispensa ou inexigibilidade), isso não autoriza dizer que os eventos pré-contratuais
não tenham importância. Tanto que a própria lei, no art. 26, parágrafo único e no art.
55, inc. XI, fixa, define e exige que o processo de dispensa ou inexigibilidade seja
formal e constitua parte integrante do contrato administrativo.
Detalhe hermenêutico: de acordo com o art. 40, inc. III, § 2o, da Lei 8.666/93, a
minuta do contrato a ser firmado entre a Administração e o licitante vencedor é um
dos anexos do edital. E, de acordo com o disposto no art. 55, inc. XI, é cláusula
necessária a todo contrato a vinculação ao edital. Não há problema nenhum se não
houver uma cláusula contratual com aparente contradição entre as disposições do
edital e da minuta de contrato. O problema ocorre quando há conflito entre o conteúdo
de cada um desses documentos, o que pode propiciar uma dificuldade em relação à
execução do contrato (desde que, é claro, a contradição não seja de tal gravidade que
impeça a execução do contrato e o torne distinto do que se licitou). A solução é uma
inversão de precedência hermenêutica: a parte principal prevalece sobre o que
consta como anexo. Então prevalece a cláusula contratual em relação ao edital e à
minuta anexa.
Uma questão importante da relação de formação do vínculo contratual que se
protrai no tempo e gera consequências para o futuro é o caráter vinculante ou os
efeitos que geram para o contrato as exigências que foram feitas ao tempo da
licitação. O art. 55, inc. XIII, da Lei 8.666/93, coloca como cláusula obrigatória do
contrato a exigência de que o contratado mantenha permanentemente as condições
de habilitação e qualificação ao longo da execução do contrato (profissionalismo,
exigências técnicas, capital social mínimo etc.). As qualificações exigidas devem ser
respeitadas na contratação e devem ser justificáveis à luz do objeto do contrato, visto
que a Constituição, em seu art. 37, inc. XXI, dispõe que a Administração só pode exigir
qualificações imprescindíveis à boa execução do contrato.
Da exigência de que o contratado mantenha permanentemente as condições
de habilitação e qualificação ao longo da execução do contrato, poderia se inferir o
caráter intuitu personae absoluto do contrato administrativo. Entretanto, a exigência
de qualificação não importa dizer que a condição subjetiva do particular fique
congelada até o termo do contrato20. Ao contrário, significa que aquela garantia de

20
“Diz-se que o contrato administrativo é pactuado intuitu personae para indicar um fenômeno jurídico
específico. Significa que o preenchimento de certos requisitos ou exigências foi fundamental para a Administração
escolher um certo particular para contratar. Porém, esses requisitos têm de ser objetivamente definidos, como
qualificação, que a Administração julgou imprescindível, permaneça. Assim, para
homenagear esse preceito, pode ser necessária uma troca subjetiva na parte
contratual.
Pensar numa pessoalidade rígida na execução do contrato é contra a dinâmica
da vida econômica e da vida empresarial e, também, contra o princípio da
impessoalidade que deve reger todos os atos da Administração. Embora a condição
subjetiva do executante seja imprescindível, o que leva a requisitos de qualificação,
nem todos os contratos administrativos têm um caráter personalíssimo. A
possibilidade de substituição da pessoa executante não será admitida se tivermos um
contrato celebrado, por exemplo, na hipótese de inexigibilidade motivada por
característica pessoal do licitante. Um exemplo seria a contratação sem licitação de
Oscar Niemeyer para projetar um prédio. Não pode haver a substituição por outro
arquiteto, pois surge o caráter personalíssimo.
Concluindo: a exigência de manutenção, durante todo o contrato, das
condições de habilitação e qualificação não é suficiente para tornar o contrato
personalíssimo.

Formalização do vínculo contratual

Concluída a etapa de licitação com a homologação do certame, temos um particular


alçado à condição de adjudicatário. Mas, no que consiste essa condição? Há polêmica
na doutrina acerca da posição jurídica do adjudicatário e de seus direitos. Uma parte
minoritária, da qual faz parte Marçal Justen Filho, entende que o particular tem
o direito a ser contratado. O caráter vinculante do processo licitatório é
suficientemente forte para obrigar que a Administração contrate o vencedor
adjudicatário. Defendem esses doutrinadores que o art. 4o, inc. XXII, da Lei do Pregão
(Lei 10.520/02), traz a prescrição de que o “adjudicatário será convocado para
assinar o contrato no prazo definido em edital”, o que revelaria, sendo a lei do pregão

regra (...) um contrato administrativo intuitu personae no mesmo sentido do Direito Privado infringiria o princípio
da impessoalidade. Para o Estado é indiferente a personalidade psicológica do particular (...) ou seja, o Estado
não se vincula às características subjetivas do licitante vencedor. Está interessado na execução da proposta mais
vantajosa, a ser desenvolvida por um sujeito idôneo. ” (Marçal Justen Filho, pág. 51)
posterior à Lei 8.666/93, o caráter vinculante da contratação do particular alçado à
condição de adjudicatário.
Entretanto, a doutrina majoritária entende que o adjudicatário só tem o direito
de não ser preterido na contratação21 e, também, de ser ouvido em contraditório, em
caso de revogação da licitação. Porém, o adjudicatário não tem o direito subjetivo
de obrigar a Administração a contratá-lo, pois, se lhe fosse dado esse direito,
haveria uma transferência de prerrogativa exclusiva da Administração de juízo de
conveniência e oportunidade do momento da contratação. É o que considera a maioria
da doutrina e da jurisprudência.
A esse entendimento da maioria da doutrina e da jurisprudência se contrapõe
a parcela minoritária, dizendo que a informação do que contratar e quando contratar
(juízo de conveniência e oportunidade) já ocorreu quando chamou publicou o edital
de licitação. Não haveria a opção de não contratar, mas apenas a prerrogativa de
anular ou revogar justificadamente o certame. Prova disso seria o caráter restritivo e
excepcional atribuído à revogação da licitação.
O disposto no art. 64, § 2°, da Lei 8.666/93, chama a atenção ao dispor que se
o adjudicatário declinar, no prazo e nas condições estabelecidas, ou não responder a
convocação, a Administração poderá convocar o segundo colocado pelo preço e
condições do primeiro (e assim por diante). Há necessidade do segundo colocado
expressamente manifestar sua anuência em contratos sob essas condições. Somente
o primeiro colocado na licitação, o adjudicatário, se não responder, estará sujeito a
penalidades. Já os outros não serão punidos por não contratar nos termos do primeiro,
pois a oferta não foi por eles apresentada, pelo que não podem a ela se vincular22.
O prazo para convocação do licitante para que este assine o contrato, que
geralmente é de cinco dias, pode ser prorrogado uma vez, por igual período, mediante
solicitação do adjudicatário, com a apresentação de um motivo justificado (art. 64, §
1o, da Lei 8666/93).

21
A Administração pode desistir do objeto a partir de um juízo de conveniência e oportunidade, mas caso não o
faça, é o adjudicatário (licitante vencedor) o único titular do direito subjetivo à contratação.
22
“Art. 81. A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento
equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação
assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos licitantes convocados nos termos do art. 64, § 2o desta
Lei, que não aceitarem a contratação, nas mesmas condições propostas pelo primeiro adjudicatário, inclusive
quanto ao prazo e preço. ”
Requisitos formais dos contratos administrativos

http://www.munisantiagodechuco.gob.pe/informate/Noticia_detalle/29

Deve-se ressaltar, primeiramente, que o contrato não equivale ao termo do


contrato. Embora o termo deva reproduzir todas as condições da contratação, o
contrato administrativo reflete uma relação jurídica mais ampla. O termo contratual é
apenas a materialização escrita das cláusulas que refletem as condições pactuadas
no contrato.
Excepcionalmente haverá contratos administrativos que não se
consubstanciarão na assinatura do termo contratual. A própria Lei 8.666/93, no art.
60, parágrafo único, admite o contrato não-escrito para pequenas compras e situações
emergenciais. Admite-se, ainda, que no caso de compra de pronto pagamento, que a
formalização do contrato se dê no verso da nota de empenho. Entretanto, em regra,
como primeiro requisito a ser aqui ressaltado, é que o contrato administrativo deverá
ser formalizado em termo formal e escrito, havendo disposição na lei afirmando ser
nulo o contrato verbal com a Administração.
O art. 62, caput, da Lei 8.666/93, estabelece que o termo contratual é
obrigatório em casos de concorrência e tomada de preço, bem como nas
inexigibilidades ou dispensas cujos preços estejam compreendidos nos limites destas
duas modalidades de licitação, ressalvada a hipótese de dispensa por emergência
(caso de contrato feito a posteriori).
Além do requisito da formalidade escrita, o art. 60 da Lei 8.666/93 estabelece
outros requisitos de ordem formal do contrato administrativo, quais sejam, a
numeração em ordem cronológica e a autuação do contrato e de seus elementos
constitutivos em processo específico com ampla publicidade (art. 63 da Lei 8.666/93).
O art. 61 da lei também exige que o preâmbulo do contrato contenha: o nome das
partes; a finalidade do contrato; o ato que autorizou a sua lavratura; o número do
processo de licitação, da despensa ou da inexigibilidade e a sujeição dos contratantes
às normas da Lei e às cláusulas contratuais.
O último ponto a ser mencionado diz respeito à exigência de publicação do
extrato do contrato, na imprensa oficial, como condição indispensável para sua
eficácia, devendo ser providenciada pela Administração até o 5º dia útil do mês
subsequente à assinatura, para ocorrer no prazo de 20 dias daquela data, qualquer
que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 da Lei (art.
61, parágrafo único, da Lei 8666/93). A regra, portanto, é que o extrato do contrato é
condição para que o contrato produza seus efeitos, sendo necessário providenciar a
publicação. O objetivo é evitar que a obrigação seja feita sem a publicidade do extrato.
Na prática, não há efeitos significativos.
O art. 26 da Lei 8666/93 estabelece o prazo para a publicação após a ratificação
no caso de contratos sem licitação. Para esses contratos, o art. 26 estabelece um
outro prazo, dizendo que a Administração deverá encaminhar em 3 dias úteis a
contratação para ratificação da autoridade, e 5 dias úteis, após a ratificação, deverá
encaminhar para a publicação na imprensa oficial.
Concluindo: a publicação do extrato do contrato na imprensa oficial é requisito
formal necessário dos contratos administrativos, até para que haja um controle das
publicações. A lei preconiza que a publicação seja condição de eficácia do contrato,
mas na prática, a natureza do contrato administrativo pode conduzir à produção
indireta de efeitos independentemente da publicação, já que o particular tem a certeza
de que receberá seu pagamento, seja pelo pagamento do preço (eficácia direta), seja
por indenização (eficácia indireta). Em pequenos municípios, sem estrutura de
imprensa oficial, isso é constantemente desrespeitado.

EXECUÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO

Quanto à execução o contrato pode ter três possíveis desfechos. Pode ter uma
execução regular, conforme o que foi pactuado inicialmente. Pode ter uma
execução regular, mas passando por alterações no que foi inicialmente
pactuado no curso da execução e, por fim, uma execução irregular, quando há
falhas de uma das partes, seja do particular contratado, seja da Administração. É
importante ressaltar que não se confunde a execução irregular com a execução
regular com alterações: uma vez alterado o contrato, a execução será feita à luz das
novas condições, enquanto a execução irregular do contrato por parte da
Administração obrigará a repactuação para neutralizar os efeitos daquele
descumprimento contratual da Administração no âmbito do ajuste.

1. Execução regular
A execução regular do contrato se consubstancia na observância por ambas as
partes daquilo que ficou pactuado no contrato como obrigação de cada qual. O
particular deve cumprir com suas obrigações rigorosamente conforme o projeto e deve
cumprir conforme a oferta que ele fez à Administração. Além disso, o particular se
submete também às determinações da Administração feitas no curso da execução do
contrato.
Nesse ponto, a análise de três dispositivos da Lei 8.666/93, o art. 69, o art. 76
e o art. 66, se torna de extrema relevância.
De acordo com o art. 69, deve o contratado reparar, corrigir, remover,
reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato
em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de
materiais empregados. Esse artigo confere uma obrigação muito genérica e dificulta
o estabelecimento de um parâmetro do que pode ser exigido do particular. É aplicado
não apenas quando o particular conclui e entrega um objeto que não é adequado, mas
também acaba se tornando instrumento para que a Administração, fiscalizando o
curso da execução, determine reparos ou correções. Então, tal artigo acaba prevendo
uma obrigação geral do particular, adstrita à obrigação de bem executar o contrato,
que traz para o executante privado uma obrigação de, antes e depois da execução do
projeto, reparar.
O art. 69 não atribuiu à Administração uma discricionariedade absoluta. Na
realidade tal artigo só se aplica nos casos em que o particular não executar ou
executar com vícios o contrato administrativo. A ausência de algumas dessas
justificativas não impede que o administrador peça o adimplemento de parte da obra,
porém nesse caso esse serviço ensejará um pagamento extra. Se o particular realizou
a obra exatamente como combinado e a Administração deseja alterar algum aspecto,
o particular fica obrigado a realizar as mudanças, mas possui o direito de receber um
sobreposto. Por outro lado, caso tenha ocorrido alguma falha, o particular fica
obrigado a reparar o erro ou dano sem que haja sobreposto, por sua conta.
O art. 76 dispõe que a Administração rejeitará no todo ou em parte obra, serviço
ou fornecimento executado em desacordo com o contrato. Este artigo trata do não
recebimento da obra ou serviço, que ocorre na avaliação final da execução do
contrato, e acaba por completar o disposto no art. 69. Este artigo possui um parâmetro
mais concreto de interpretação: “em desacordo com o contrato”.
Questão: e se o que foi feito em desacordo com o projeto atinge os objetivos
ou mesmo implique uma qualidade melhor? Na situação de fazer algo em desacordo
com o contrato, a posição do particular é muito frágil: se ele tomou essa medida sem
formalizar (aditamento contratual), ele deverá arca com os riscos de a Administração
posteriormente exigir que a obra seja refeita para que esta siga as especificações do
contrato.
Se a Administração tem a prerrogativa de rejeitar obra executada em desacordo
com o contrato, ela também deve cumprir com suas obrigações dentro do que foi
estipulado. São obrigações acessórias, como obrigações de fazer, como entregar as
áreas desobstruídas, proceder a uma interdição ou sinalização viária, fazer
desapropriações etc. que, sem os seus cumprimentos, impossibilitam que o particular
cumpra com suas obrigações contratuais. Muitas vezes falhas e atrasos no
cumprimento dessas obrigações levam a alterações posteriores do contrato para
eliminar o desequilíbrio econômico-financeiro resultante.
O art. 66 estipula que o contrato deverá ser executado fielmente pelas partes,
podendo tanto o particular quanto a Administração ser responsabilizados pelas
consequências de sua inexecução total ou parcial. Esse artigo não deixa dúvidas de
que a Administração pode e deve ser responsabilizada pelas consequências da
inexecução da sua parcela da execução do contrato. O particular tem um direito
subjetivo a postular, perante a Administração, não apenas o cumprimento tempestivo
das obrigações, mas também o direito subjetivo a exigir da Administração que ela
assume as consequências decorrentes do atraso de sua parcela de obrigações.

2. Execução regular com alterações


Conforme o disposto no art. 66, mesmo que o contrato passe por uma alteração,
deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas mantidas e
modificadas. Isso deve ocorrer desde que a alteração seja formalmente realizada, por
meio de termo de aditamento contratual, já que o contrato administrativo é
essencialmente formal, sendo impossível alterá-lo verbalmente.
É muito comum que a Administração dialogue com o contratado e proceda a
mudanças e relativizações de disposições contratuais. A alteração feita verbalmente
pode ser convalidada num ato formal posterior, mas fica sujeita à impugnação por
parte dos órgãos de controle. Essa problemática está muito presente no que tange
aos prazos. Por conta disso, não são raras as hipóteses em que a Administração,
tendo incorrido em mora, ao fim do contrato, mude de ideia e deixe de realizar a devida
alteração contratual, cabendo ao particular provar que não deixou de cumprir com o
cronograma, mas fez tudo de acordo com as alterações pedidas pela Administração.
O particular, desde logo, deve exigir a alteração do cronograma formal.

3. Execução irregular (inexecução)

A inexecução pode ocorrer por vícios no objeto, nos materiais, ou por vício/falha
na execução. Pode ocorrer tanto por parte do particular, quanto da Administração. Há
uma divergência na doutrina sobre aquilo que se deve entender por execução parcial
do contrato. Uns entendem que se trata de falha de parte do objeto do contrato, ainda
que tenha sido entregue como um todo. Outros afirmam que, ainda que o particular
cumpra com o objeto do contrato, será parcial quando houve mora por parte do
particular, imposição de sanções, prolongamento na execução, etc.
Primeiramente, iremos analisar as sanções impostas ao particular quando
este foi o causador da inexecução parcial do contrato. Além do dever de reparar,
disposto no art. 69, a inexecução parcial também implica sanções administrativas
impostas ao particular e previstas no art. 87 da mesma Lei:
a) Advertência (inc. I), que é muito incomum;
b) Multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato (inc. II),
que é a mais frequente e que deve ser vista com cautela, uma vez que se
devem evitar cláusulas penais muito abertas;
c) Suspensão temporária do direito de participar de licitação e impedimento de
contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 anos (inc. III);
d) Declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com da Administração
Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que
seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a
penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a
Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção
aplicada com base no inc. III (inc. IV).

No que tange à obrigação de pagar, o particular pode interromper a execução


do contrato, suspendendo o cumprimento de suas obrigações, caso esse atraso
perdure por mais de 90 dias. Também pode optar, desde logo, pela rescisão do
contrato (art. 78, inc. XV, da Lei 8666/93). O particular só pode interromper suas
obrigações, tendo notificado a Administração, formalizando sua intenção. Esses 90
dias devem ser contados a partir do vencimento da primeira obrigação de pagamento.
O descumprimento de obrigação de fazer por parte da Administração não autoriza que
o particular suspenda a execução do contrato, embora tal descumprimento torne
inviável ou impossível a execução. O particular pode postular a rescisão do contrato
administrativo quando a Administração determina a suspensão do cumprimento de
suas obrigações num prazo superior a 120 dias (art. 78, inc. XIV, da Lei 8666/93). Ou
o particular também pode suspender o cumprimento de suas obrigações ao invés de
rescindir o contrato, até que seja assegurado que essa sucessão de efeitos de
interrupção não será mais observada. A suspensão não é judicial, mas deve ser
formalizada, enquanto a rescisão só pode ser obtida judicialmente.
Com relação à fiscalização da execução do contrato, o art. 67 da Lei
8.666/93 estipula que a execução deverá ser acompanhada e fiscalizada por um
representante da Administração especialmente designado. O art. 67 estipula a
sujeição permanente do particular à fiscalização e obriga, em seu § 1 o, que haja no
local da execução da obra ou do serviço registro de todas as ocorrências relacionadas
à execução do contrato. Também remete, em seu § 2 o, ao fato de que a relação do
fiscal com o executor não dispensa a formalização de instrumento de alteração do
contrato, dispondo que as decisões e providências que ultrapassarem a competência
do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a
adoção das medidas convenientes.
O art. 68 da Lei dispõe que o executante deve manter sempre um preposto no
local da obra ou do serviço, para representá-lo na execução do contrato. O
acompanhante permanente por parte da Administração não retira a responsabilidade
do particular por danos causados por dolo ou culpa dele ou de seus agentes na
execução do contrato (art. 70). A responsabilidade prevista na lei é a responsabilidade
subjetiva do executante, e não se confunde com a responsabilidade objetiva prevista
no art. 37, VI, da Constituição, aplicada especificamente ao delegatário dos serviços
públicos. O executante da obra ou serviço, em regime de empreitada, não tem
responsabilidade objetiva, salvo se for hipótese de atividade de risco (art. 927,
parágrafo único, do Código Civil). Quando cabível, a Administração poderá responder
objetivamente pelos danos ocorridos.
O penúltimo aspecto que será analisado no tocante à execução do contrato
administrativo diz respeito à possibilidade de subempreitada. A Lei admite a
subempreitada, desde que respeitado o edital (art. 72 da Lei 8.666/93). Ela não se
confunde com a aquisição de insumos de terceiros. A subempreitada é a transferência
a terceiros da execução plena de parcela do objeto, não se confundindo com a compra
de insumos. Assim, se num contrato administrativo o particular se responsabilizou por
toda a realização do contrato, isso não significa que ele deve produzir todos os
insumos. Ele poderá adquirir de outros e ainda assim não será subempreitada.
Hipótese diversa ocorre quando ele contrata uma empresa para executar parte do
contrato, comprando ou não insumos para ela. Isso não elide a responsabilidade do
particular pela execução da atividade.
Por fim, no que diz respeito à responsabilidade por encargos trabalhistas,
comerciais, fiscais e previdenciários que possa surgir ao longo da execução do
contrato, esta é toda do particular (art. 71 da Lei 8666/93). O regime do contrato
administrativo não transfere tais obrigações à Administração. O trabalhador, o fisco
ou o produtor de insumos que se achar prejudicado não pode acionar a Administração,
salvo nos encargos previdenciários, em que há responsabilidade solidária (art. 71, §
2o).

ALTERAÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO


No contrato administrativo, embora haja uma relação pautada por obrigações
recíprocas, a característica principal do vínculo é uma estabilidade dinâmica, não
estática. O que temos no contrato administrativo é um liame, um ponto de equilíbrio
que flutua ao sabor das necessidades e das intempéries dos fatos. Flutua porque o
vínculo, embora permaneça como um ponto de equilíbrio nas relações entre o Poder
Público e o privado, poderá mudar ao longo do tempo. Conforme variarem, de um lado
as necessidades que levaram o Estado a firmar o contrato, e de outro as
circunstâncias do mundo da vida que podem, independentemente da vontade das
partes, alterar as condições do contrato, pode ser necessária uma repactuação para
situar o ponto na posição original. Os fatos, então, podem demonstrar que deve haver
uma alteração do contrato, não para torná-lo melhor, mas para permitir que o contrato
atinja as suas finalidades, retornando ao patamar originalmente pactuado.
O contrato administrativo poderá variar por uma conveniência (acordo entre
as partes), pela vontade unilateral da Administração, ou por fatores que
independem da vontade das partes. Apenas não poderá ser alterado por vontade
unilateral do particular.
Podemos inferir isso da leitura dos artigos 58 e 65 da Lei 8666/93, que preveem
alterações por vontade unilateral da Administração (art. 65, I) e alterações de interesse
comum, por acordos bilaterais (art. 65, II). Na hipótese de alteração unilateral por parte
da Administração, teremos uma subdivisão com alterações unilaterais que dependem
de uma decisão (manifestação da vontade da Administração), e outras alterações
unilaterais que decorrem de fatos que fogem do controle administrativo.
A alteração do contrato poderá ocorrer quanto ao objeto, quando este possui
variações que melhor permitem o alcance dos seus objetivos. Quanto às cláusulas
de serviço (que dizem como o objeto deverá ser executado), quanto ao prazo e, por
último, quanto ao preço, seja por comum acordo com o particular ou para manter a
equivalência econômica inicial (equilíbrio econômico-financeiro).
Dessa possibilidade de alteração dos contratos decorre a enorme
complexidade que envolve a sua execução: demonstrar e identificar o quanto de
mudança é possível, o quanto de reposição do equilíbrio econômico é necessário, é
algo que nos coloca diante de uma possibilidade concreta de fraude. Entretanto, a
alteração é algo inevitável no contrato administrativo: numa relação de contrato
administrativo não se pode travar a mesma concepção de álea do contrato privado,
aquela em que as partes capazes e autônomas da vontade distribuem obrigações e
riscos, suportando o azar. No contrato administrativo essa concepção não vale, pois
se a Administração deve suportar tudo, há um prejuízo para o interesse da
coletividade. Criou-se um regime de proteção para o Poder Público. Da mesma
maneira, o particular possui uma proteção contra uma execução desfavorável que
decorra de uma mudança administrativa do contrato.
Para diminuir a possibilidade de fraude e visando evitar que se tenha um convite
à articulação entre particular e administrador para distorcer o originalmente pactuado,
surgem limites e critérios estabelecidos pela lei para a alteração do contrato.

1. Limites implícitos: decorrem da vinculação com o processo licitatório ou


processo administrativo que deu origem ao contrato. São limites da própria essência
do contrato, e se consubstanciam na impossibilidade de se desnaturar o objeto e da
vedação da alteração implicar a mudança da situação econômica e financeira
proposta (art. 58, § 2° da Lei 8666/93). Então, mesmo que o contrato sofra alterações,
o particular não poderá ter um ganho diferente daquele que inicialmente pactuou com
a Administração;

2. Limites explícitos: o art. 58, I da Lei 8666/93, dispõe que o contrato poderá
ser alterado unilateralmente pela Administração para adequar os termos do ajuste às
finalidades do interesse público, respeitados os direitos do contratado.

Quando circunstâncias demonstram que o objeto (o que deve ser entregue) não
é mais o meio adequado para atingir as finalidades, isso pode fazer com que
alterações sejam necessárias para que o objeto melhor atinja seus objetivos
(finalidades). Essa verificação pode decorrer de duas circunstâncias:

i. Fatos supervenientes demonstram que o objeto não é mais eficiente para


atingir os objetivos.
ii. Falha ou equívoco no dimensionamento original do objeto, tendo em vista a sua
finalidade, já no momento da licitação ou do projeto.
Em ambos os casos, ao se adequar o objeto terá que se readequar o parâmetro
de remuneração do particular, seja para acrescentar ônus ao originalmente pactuado,
seja para reduzir ônus, com o correspondente aumento ou a correspondente
diminuição da remuneração.

A alteração unilateral do contrato pela Administração encontra disciplina no art. 65,


I da Lei 8.666/93. Tal dispositivo possui duas alíneas, a e b. Como a lei não pode ser
entendida como contendo palavras inúteis, a diferenciação entre as duas hipóteses
apresentadas nas alíneas representa uma distinção relevante. A doutrina majoritária
classifica as duas alíneas do artigo afirmando que, na alínea a há a previsão de
alterações qualitativas, enquanto na alínea b há a previsão de alterações
quantitativas. Na primeira, altera-se a qualidade do projeto ou das especificações para
que melhor se atinja os objetivos perseguidos pela Administração; na segunda,
haveria uma alteração de quantidades, do valor contratual, em decorrência de
acréscimo ou diminuição de serviços, obras, fornecimentos ao objeto contratual.
Essa dicotomia doutrinária (alterações qualitativas X alterações quantitativas)
tem uma consequência importante: os limites percentuais estabelecidos no §1o do art.
65 (25% para obras, compras e fornecimentos, e 50% para reformas) só seriam
aplicáveis às hipóteses de alteração quantitativa (art. 65, I, b). A razão para isso está
no fato de que a locução “nos limites permitidos por esta lei”23 só está presente na
alínea b, embora nos §§1º e 2º leia-se que as alterações não podem superar esses
limites. Assim, inexistiria limite percentual a priori quando a alteração tenha natureza
qualitativa, ou seja, quando se baseia na hipótese da alínea a.
Outras hipóteses previstas na lei de alteração dos contratos são aquelas que
decorrem de acordos das partes (bilaterais). Estão previstas nas alíneas do art. 65,
II, sendo 4 as hipóteses:
1. Quando conveniente a substituição da garantia de execução (art. 65, II, a):

23
“Art. 65 Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes
casos:
I- Unilateralmente pela Administração:
a) Quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus
objetivos;
b) Quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição
quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei. ”
Quando da contratação a Administração pode exigir garantia de
execução nos termos do art. 56. Exigindo a garantia de execução, a
Administração é obrigada a deixar ao particular a decisão sobre modalidade de
garantia. Como é faculdade que a lei assegura ao particular (art. 56, §1 o), pode
ser alterada;
2. Quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou do
serviço, bem como do modo de fornecimento, em face da verificação técnica
da inaplicabilidade dos termos contratuais originários (art. 65, II, b):
É hipótese em que a Administração contrata uma empreitada por preço
global, verificando-se que não é viável executar o contrato dessa forma. Há de
se fazer uma alteração do contrato, modificando-se o regime de execução. Não
estamos falando em mudança de objeto, mas de cláusulas acessórias, de
serviço. Porém, essa alteração implica numa modificação de muitas cláusulas
no contrato (preço, forma de aferição das parcelas do pagamento, etc.). A lei
vincula essa modificação a um acordo entre as partes, bem como a uma
demonstração da inaplicabilidade dos termos contratados originais. Não será
possível executar o objeto no regime originalmente pactuado

3. Quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de


circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a
antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem
a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de
obra ou serviço (art. 65, II, c):

É mais ampla que a hipótese anterior. É o caso da mudança no prazo de


pagamento de 60 para 30 dias, ou da mudança da medição de uma data para
outra. Isso implica numa modificação da condição de pagamento. Deve estar
vinculada a três condições:
i) Deve ser impositiva à luz de circunstâncias supervenientes, motivadora
da alteração;
ii) A modificação não pode importar em modificação do preço: ao tempo da
lei, isso implicaria numa redução do valor da prestação, pois era uma época
de inflação;
iii) Não se pode mudar a condição de pagamento de modo a pagar o
particular antes que ele faça a sua parte. A regra é a prestação, seguida pela
medição pela Administração e pelo pagamento.

4. Para estabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os


encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa
remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do
equilíbrio econômico financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem
fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis,
retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de
força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica
extraordinária e extracontratual (art. 65, II, d).

É alteração para neutralizar uma circunstância que impactou o contrato, sem o


concurso da vontade das partes. É uma alteração bilateral: o particular precisa
concordar com a modificação e com o quanto que se modifica, não sendo obrigado a
concordar com uma recomposição insuficiente.
É uma alteração reativa, ou seja, restabelece algo que já foi afetado. É diferente
das outras hipóteses, que geram por si uma mudança. Nesse caso, tem-se uma
reação a algo que já afetou o contrato. E o fato que afetou o contrato há de ser
imprevisível, ou seja, não apenas não foi previsto como não poderia ser previsto, ou
era previsível, mas ainda que previsível não poderia ser medido ao tempo da proposta.
Não era possível dimensionar o custo do evento para embuti-lo na proposta.
Neutraliza o risco do particular não apenas em relação ao imprevisível, mas também
em relação ao incomensurável.
Por fim, o fator que impacta o contrato deve se ligar a uma álea extraordinária.
Deve se relacionar a um risco que não pode ser considerado como um risco ordinário
do negócio. Deve ser de uma circunstância que não faça parte do vínculo natural. O
construtor, por exemplo, não pode pedir o equilíbrio porque, por exemplo, houve
alteração no preço de uma commoditie. Esse é um risco inerente à atividade
empresarial.
É importante notar que, para essas hipóteses, não haverá a sujeição aos limites
percentuais já estudados. Na medida em que ocorram circunstâncias supervenientes,
limitar a modificação seria desrespeitar a Constituição (art. 37, XXI), que assegura ao
particular a manutenção das condições efetivas da proposta. Se ele não deu causa
para aquele acontecimento, ele tem um direito constitucional de ver restabelecida as
condições da proposta. Não pode a lei a estabelecer um teto limitador do mandamento
constitucional. Porém, é importante ser rigoroso na análise da alteração para que, do
reequilíbrio, não resulte para o particular uma circunstância mais favorável.
A lei estabelece outras regras que reforçam esse mandamento. O art. 65, §5º,
determina que qualquer tributo ou encargo legal, alterado ou extinto, após a data da
proposta, que tenha repercussão nos preços contratuais, implica a revisão desses
preços, para mais ou para menos. O §6º reitera algo que já constava nos §§ do art.
58, dispondo que, em havendo alteração unilateral do contrato, o contratado tem
direito a que a Administração restabeleça o equilíbrio econômico e financeiro do
contrato.
As alterações que podem ocorrer no contrato podem advir de vários fatores,
sejam eles internos ao contrato (imposições da Administração, por exemplo), sejam
eles resultantes de alterações externas ao contrato (outros órgãos ou entes da
Administração ou circunstâncias fáticas). Essas alterações, portanto, podem se ligar
ao objeto do contrato ou a cláusulas que predizem como o objeto deve ser executado.
Ademais, podem modificar o preço contratual, o que não significa dizer que se alterem
as condições da proposta. Dessa forma, a mudança do preço contratual pode ser a
forma para preservar a condição econômica da proposta. O preço pode mudar para
ficar do jeito que estava.
Por fim, a alteração do contrato pode tocar também o prazo ou os prazos
contratuais, ou seja, ao término global das obrigações ou aos prazos intermediários
de cada etapa de execução. Essa hipótese está prevista no art. 57, §1º. A própria lei
estabelece as circunstâncias em que o prazo ou os prazos do contrato podem ser
alterados, impondo que disso decorra uma recomposição do equilíbrio econômico-
financeiro.
Assim, há contratos em que a alteração do prazo contratual implica uma
mudança reflexa, indireta, no equilíbrio econômico-financeiro (Administração atrasa o
início da liberação de uma área, com a imposição de custos ao particular, por
exemplo), e há outros contratos nos quais a prorrogação do prazo são, em si,
acréscimo de serviços ao objeto contratual, como, por exemplo, nos contratos de
execução continuada (prestação do serviço de vigilância de 1 ano para 2 anos, por
exemplo, tem um acréscimo de 100% ao objeto do contrato) e nos contratos de
fornecimento. Chama a atenção que, nessa específica circunstância, a lei previu uma
hipótese de alteração unilateral, discricionária do contrato, com acréscimo do objeto,
com um limite não de 25%, mas de 500% (a lei permite uma prorrogação dos prazos
de contratos de execução continuada por até 60 meses).
Bibliografia

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Fórum

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Administrativo - n° 09. Ed. Malheiros.

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