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Introdução

Neste trabalho vamos falar sobre negócios jurídicos uma relação voluntaria com
efeitos práticos com a intenção de alcançar com a tutela de direito, determinado do
ordenamento jurídico.

Negócio jurídico é uma subcategoria de modalidade relação jurídica, por sua


vez, consiste em um vínculo entre dois ou mais sujeitos de direito, segundo formas que
são previstas pelo ordenamento jurídico e geram direitos e ou obrigações para ambas as
partes.

O estudo do negócio jurídico é um dos pontos nodais do Direito Civil, já que


unifica a essência da relação entre indivíduos em um sistema jurídico. Mas, antes de
estudá-lo especificamente, é preciso contextualizá-lo no mundo dos factos.

O presente estudo se propõe a realizar um estudo acerca do negócio jurídico.


Primeiramente, será abordado o surgimento do negócio jurídico como categoria
científica e legislativa, visando demonstrar a consolidação desse instituto central do
Direito Civil como instrumento da autonomia privada. Posteriormente, serão
evidenciadas as principais críticas tecidas pela doutrina que suscitam um
questionamento acerca da importância e utilidade do instituto.

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1. Evolução histórica e sistemas da integração dos negócios
jurídicos

A vontade hipotética na integração do negócio jurídico, como qualquer outra


instituição jurídica e social, não representa uma solução abstrata e de iluminação
espontânea. Trata-se de mecanismo encravado em determinada realidade histórica
concreta, devendo-se, do curso desses acontecimentos, compreender as suas estrutura e
função.

O agir humano de eficácia jurídica constituiu-se historicamente, tendo sido o seu


apogeu teórico geral recente, nos séculos XIX e XX, a partir da teoria do negócio
jurídico. Embora não reconhecida a ação humana como figura autônoma de valor
abstrato próprio, já em Roma, através do mecanismo das actos, determinadas ações
humanas típicas eram valoradas com eficácia jurídica.

No avanço do canonismo e do direito comum medieval, a ideia de eficácia


jurídica pôde desenvolver-se como noção importante. Mas foi na experiência
pandectista que essa noção ganhou nome, substância e se tornou um verdadeiro sistema
jurídico abstrato particular.

A percepção de que o negócio jurídico não estaria apto a dar conta de diversos
problemas acabou por conduzir a uma relativização da teoria, seja por meio da extensão
da sua abrangência típica, seja através da expansão, ao menos, dos seus efeitos.

Enquanto alguns passaram a advogar que a teoria do negócio jurídico devesse


abarcar outras modalidades de fatos jurídicos não antes qualificáveis como tal, outros
passaram a sustentar, no mínimo, uma ampliação das suas consequências a essas novas
figuras. Para tanto, a batalha vem sendo travada em torno da percepção dos mecanismos
de existência, validade e eficácia das ações humanas com valor jurídico.

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1.1.Definição De Conceito

Segundo Manuel de Andrade podemos definir negócios jurídicos como um facto


voluntario licito, cujo núcleo essencial é constituído por uma ou varias declarações de
vontade, tendo em vista a produção de certos efeitos táticos ou empíricos,
predominantemente de natureza patrimonial (económica), com animo de que tais efeitos
sejam tutelados pelo direito isto é obtenham a sanção da ordem jurídica e a que a lei
atribui efeitos jurídicos correspondentes determinados em conformidades com a
intenção do declarante ou declarantes (autores ou sujeitos de negocio jurídico).

Os negócios jurídicos são actos jurídicos constituídos por uma ou mais


declaração de vontade, dirigidas á realização de certos efeitos práticos, com intenção de
os alcançar sob tutela do direito, determinado o ordenamento jurídico a produção dos
efeitos jurídicos conforme a intenção manifestada pelo declarante ou declarantes.

Segundo Hatoum e Bellinetti (2017, p. 244): os negócios jurídicos processuais se


apresentam como espécies de atos jurídicos processuais em sentido amplo, tendo em
vista que a vontade é elemento nuclear do suporte fático, e, assim como os demais
fenômenos processuais, podem ter seu conceito extraído daquele desenvolvido no
campo da Teoria Geral do Direito, aqui considerados como negócios jurídicos materiais.

Os negócios jurídicos processuais, neste aspecto, podem ser definidos como fato
jurídico voluntário em cujo suporte fático se configura ao sujeito o poder de escolher a
categoria jurídica ou estabelecer certas situações processuais, observados os limites
previstos no próprio ordenamento jurídico.

Uma análise sumária desta noção permitirá estabelecer, desde já, os caracteres
estruturais e funcionais do negócio jurídicos. Estamos perante um facto jurídico. Trata-
se do mais importante, bem como do mais frequente, na vida real, dos factos jurídicos
do direito Civil. É um facto jurídico voluntario, o que significa dizer que pressupõe uma
atuação da vontade como elemento jurídico relevante. Analisa-se, pois numa ou mais
declaração de vontades.

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Para além disso trata-se de um facto lícito, ou seja, conforme com o
ordenamento jurídico e os efeitos que produz não revestem o caracter de sanção para o
autor ou autores do negócio. Os seus efeitos não merecem uma reprovação por parte da
ordem jurídica. O negócio ilícito não vale como negocio, não existe pois os seus efeitos
decorrem ex lege e não ex. votuntane.

O seu núcleo essencial analisa-se numa ou mais declarações de vontade. A


declaração negocial é o comportamento que exteriormente observado aparece como
manifestação de certos efeitos práticos sob a sanção do ordenamento jurídico. O que é
verdadeiramente constitutivo do negócio é o comportamento declarativo.

A declaração terá que ser com base no poder de autodeterminação do individuo e


não e não fundada no poder de supremacia de um sujeito em relação a outro (por ex. a
ordem de um superior hierárquico).

É ainda necessário que as partes actuem com ânimo de que os efeitos das suas
declarações negocias sejam tutelados pelos direitos, ou seja, obtenham a sanção da
ordem jurídica. Referimos adiante este aspeto.

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1.2.Desenvolvimento

O negócio jurídico encaixa-se no conjunto dos atos lícitos, ao lado do acto


jurídico stricto sensu. A semelhança entre ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico é
que ambos resultam da vontade humana.

A principal diferença entre os institutos está nos efeitos: os efeitos do ato


jurídico stricto sensu são ex. lege (resultam da lei), ao passo que os efeitos do negócio
jurídico são ex. voluntate (resultam da vontade).

Pode-se também afirmar que, no ato jurídico stricto sensu, há liberdade de


iniciativa, enquanto no negócio jurídico há liberdade de iniciativa e de regulamentação.
Como exemplos de ato jurídico stricto sensu, temos a fixação do domicílio voluntário, o
reconhecimento voluntário de paternidade e a aceitação e renúncia à herança. Por outro
lado, os contratos (mesmo os típicos), o testamento e a promessa de recompensa são
exemplos de negócio jurídico.

O negócio jurídico, pode-se dizer, é uma categoria um tanto quanto recente se


comparada com os demais institutos tradicionais da civilística, os quais encontram
origem no Direito Romano. Estes, no entanto, não conheceram a figura do negócio
jurídico como uma categoria geral e abstrata como se tem hoje (NOGUEIRA: 2011, p.
110).

O instrumento romano típico para acordos privados era o contrato, tido por instituto
autônomo. Sua criação é obra do pandectismo alemão do fim do século XVIII e início
do XIX, fruto do grande esforço abstrativo e sistematizador típico do movimento das
pandectas do Historicismo encabeçado por Friedrich Carl von Savigny (AMARAL:
2003. p. 387).

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Embora a teoria seja, de fato, baseada em dados extraídos dos textos romanos,
deve-se a essa Escola a concepção do negócio jurídico como uma figura autônoma de
contornos perfeitamente definidos (ABREU FILHO: 1997, p. 24).

O fato é que o negócio jurídico sempre existiu enquanto prática comercial e


obrigacional do dia-dia das pessoas. O trabalho do pandectismo foi o de tornar o
negócio jurídico uma categoria científica própria que englobaria diversas figuras afins.

A afinidade dessas figuras estaria no modelo subjetivo e objetivo dos elementos


constitutivos da relação obrigacional criada pelo negócio. Nesse sentido, a referida
categoria propiciaria um estudo dogmático de institutos semelhantes pelo fato de serem
instrumentos voluntários fontes de obrigações. É o que acontece, por exemplo, com o
contrato, o testamento e os atos unilateral.

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1. 2.1.Relação entre a vontade e os efeitos jurídicos do negócio

Não poderia falar sobre o negócio jurídico sem antes abordar a contextualização
no sistema processual brasileiro, a começar pela diferenciação entre fatos jurídicos, atos
jurídicos, atos-fatos jurídicos e negócios jurídicos, bem como do enquadramento dos
atos processuais. Cabe também trazer o conceito, fundamentação, pressupostos e
classificação geral.

Para melhor compreensão do tema, convém elencar as normas gerais de


interpretação já previstas no Código Civil de 2002, bem como fazer referência ao
interesse público e coletivo em relação ao negócio jurídico.

Esta vontade se deve dirigir à produção de tais efeitos jurídicos? A


questão que se coloca é a de saber se ela tem de se dirigir aos efeitos jurídicos
do acto em si mesmo, ou meramente aos efeitos de ordem prática – ordem
económica e social.
 Teoria dos efeitos jurídicos: para esta doutrina os efeitos jurídicos
produzidos, tais como a lei os determina, são perfeitas e completamente
correspondentes ao conteúdo da vontade das partes. Os próprios efeitos
derivados de normas supletivas resultariam da tácita vontade das partes.
Haveria uma vontade das partes dirigida à produção de determinados e precisos
efeitos.

Já nos termos em que se definiu o negócio jurídico ficou patente que a declaração
negocial para alem de ter vista a produção de determinados efeitos deve ainda ser
formulada com ânimo de que tais efeitos sejam tutelados pelo direito.

Existem, a este propósito três teorias principais que são designadas de: Teoria dos
efeitos jurídicos; (Rechtsfolgentheorie); Teoria dos efeitos práticos (Grundfgentheorie);
e, Teoria dos efeitos práticos-jurídicos.

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 Teoria dos efeitos jurídicos

Para esta doutrina os efeitos jurídicos produzidos, tais como a lei os determina, são
exata, perfeita e completamente (claramente) correspondentes ao conteúdo das vontades
das partes. Os próprios efeitos derivados de normas supletivas resultariam da tácita
vontade das partes.

Haveria uma vontade das partes dirigida à produção de determinados e precisos


efeitos jurídicos ou seja, seria necessário que o declarante tivesse consciência, pelo
menos aproximada, da eficácia jurídica do negócios e tivesse vontade negocial nesse
sentido.

Este ponto de vista não fornece um critério ou um diagnóstico correto para


determinação da relação entre a vontade dos autores do negócio jurídico e os efeitos
jurídicos e os efeitos jurídicos respetivos.

Alias, a ser exaustivamente aplicada esta doutrina só os juristas completamente


informados sobre o ordenamento jurídico podiam celebrar negócios. Só os contraentes
juridicamente cultos podem ter uma clara consciência dos efeitos jurídicos do negócio.
Ora, o que sucede é que as partes dos vários negócios não tem uma representação
exacta, fiel e completa de todos os efeitos que o ordenamento jurídico atribui às suas
declarações de vontade.

Teoria dos efeitos jurídicos: para esta doutrina os efeitos jurídicos produzidos, tais
como a lei os determina, são perfeitas e completamente Correspondentes ao conteúdo
da vontade das partes. Os próprios efeitos derivados de normas supletivas resultariam
da tácita vontade das partes.
Haveria uma vontade das partes dirigida à produção de determinados e precisos
efeitos jurídico esta vontade se deve dirigir à produção de tais efeitos jurídicos?
A questão que se coloca é a de saber se ela tem de se dirigir aos efeitos jurídicos do
acto em si mesmo, ou meramente aos efeitos de ordem prática – ordem
económica e social.
A questão que se coloca é a de saber se ela tem de se dirigir aos efeitos jurídicos
do acto em si mesmo, ou meramente aos efeitos de ordem prática – ordem
económica e social. Teoria dos efeitos jurídicos: para esta doutrina os efeitos
jurídicos

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produzidos, tais como a lei os determina, são perfeitas e completamente
Correspondentes ao conteúdo da vontade das partes.

Os próprios efeitos derivados de normas supletivas resultariam da tácita


vontade das partes. Haveria uma vontade das partes dirigida à produção de
determinados e precisos efeitos jurídico

 Teoria dos efeitos práticos

Considera esta doutrina, mais recente, que a teoria dos efeitos jurídicos não é
realista está longe da realidade. Afirma que bastaria que as partes manifestassem uma
vontade de efeitos práticos, materiais ou impérios, normalmente económicos sem
caracter ilícitos. A estes efeitos práticos ou empíricos manifestados, faria a lei
corresponder os efeitos jurídicos com concordantes. Neste caso os efeitos jurídicos são
considerados simplesmente instrumentais.

Esta teoria dos efeitos práticos falha também, tornando-se, por sua vez, inaceitável.
Tal como ela define o negócio jurídico este não se distingue dos compromissos ou
convenções celebrados sob o império de norma de outra ordem (cortesia, moral, praxes
socias, etc.).

 Teoria doa efeitos práticos-jurídicos

É o ponto de vista mais correcto, isto é, aquele que melhor traduz a realidade do
negócio jurídico e o sentido da declaração negocial.

Assume uma posição intermedia, como a sua própria designação indica. Por um
lado, esta teoria, exige nos declarante a vontade de efeito jurídico mas, por outo lado,
prescinde reconduzir a esta vontade todos os efeitos jurídicos que o negócio produz
segundo a lei.

A direção da vontade a efeitos jurídicos (constituição, modificação ou intinção de


efeitos jurídico) permite distinguir as chamadas vontade negocial, isto é, a vontade
própria dos negócios jurídicos, da vontade extra-negocial. Assim, por falta de intenção
(vontade) de efeitos jurídicos distinguem-se os negócios jurídicos dos chamados

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negócios de pura obsequiosidade e dos simples acordos agréments ou gentlements
agréments

Os negócios de pura obsequiosidade são promessas ou combinação da vida social as


quais é estranho com o intuito de criar, modificar ou extinguir um vínculo jurídico (por
ex. o convite para um passeio, para um jantar para uma caçada ou compromisso de
acordar um amigo a certa hora).

Os acordos, agréments ou gentelmenths agréments são convecções ou combinações


que incidem sobre a matéria que é normalmente objecto de negócios jurídicos mas que,
excecionalmente estão desprovida de intenção de efeitos jurídicos. As partes, nas
circunstâncias, não entenderam vincular-se juridicamente ou excluíram a produção de
efeitos jurídicos.

1. 2. 2.Elementos e classificações do negócio jurídico

Há inúmeras formas de classificar o negócio jurídico. No entanto, em razão do


objetivo deste trabalho e da maneira abundante com que já foram tratadas pela doutrina,
as classificações clássicas (inter vivos x mortis causa, unilateral x bilateral) .

O negócio jurídico, como categoria dogmática, era desconhecido do código de


Seabra, que lhe preferia a de acto jurídico, colhida na terminologia do code. O conceito
de negócio jurídico foi apenas recebido no princípio do seculo passado, com a
pandectística, e, o conhecido tardio da sua figura no sistema jurídico português explica-
se pela larga influência que desde o seculo XIX a doutrina francesa exerceu nos juristas
portugueses.

Há inúmeras formas de classificar o negócio jurídico. No entanto, em razão do


objectivo deste trabalho e da maneira abundante com que já foram tratadas pela
doutrina, as classificações clássicas (inter vivos x mortis causa, unilateral x bilateral)
não serão analisadas no presente trabalho, mas apenas algumas das classificações mais
contemporâneas.

Em primeiro lugar, o negócio pode ser fiduciário ou indirecto. No negócio


fiduciário, as partes se utilizam de um tipo contratual de efeitos mais amplos do que o
tipo usualmente adotado para o atingimento de determinado fim. O exemplo típico é a

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alienação fiduciária em garantia (a propriedade é transferida com escopo de mera
garantia). A cessão fiduciária de crédito, prevista no art. 66-B da Lei nº 4.728/65,
também é um exemplo (a cessão de crédito tem escopo de garantia).

Os elementos dos negócios jurídicos podem ser essenciais, naturais ou


acidentais. Em virtude de sua abrangência, o estudo dos elementos acidentais não será
aprofundado neste trabalho. Os elementos essenciais dividem-se em elementos de
existência e elementos de validade. Os elementos de existência do negócio jurídico são:
sujeito, objecto materialmente existente, vontade e, para alguns, idoneidade do objecto.

Em primeiro lugar, deve haver um sujeito. A ausência de sujeito torna o negócio


jurídico inexistente. Assim, uma conta-corrente fantasma é um negócio inexistente por
ausência de sujeito. Além disso, o objeto deve ser materialmente existente. O próprio
ordenamento jurídico apresenta algumas exceções: art. 460 (contrato aleatório) e art.
483 (compra e venda de coisa futura) do código civil.

É clássica a tradicional classificação tripartida dos elementos dos negócios


jurídicos. Trata-se da tripartição que os agrupa em elementos essenciais (essentialia
negotii), elementos naturais (naturalia negotii) e elementos acidentais (acidentalia
negotti).

1. 2.3.Elementos essências

Existe uma grande diversidade de opinião entre os autores que distinguem


muitas vezes entre elementos, pressuposto, requisitos, dos negócios. Pode-se falar de
elementos essências do negócio em três sentidos diversos. Num primeiro sentido podem
distinguir-se os elementos essências dos negócios jurídicos em geral; num segundo
sentido, os elementos essências de cada particular tipo legal de negócios jurídicos num
terceiro sentido distingue entre os elementos ou cláusulas essências sobre os pontos de
vista das partes.

Os elementos essenciais gerais de validade são: agente capaz; objecto lícito,


possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104

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do Código Civil); ausência de defeitos do negócio jurídico (erro, dolo, coação, estado de
perigo, lesão e fraude contra credores); ausência dos casos de nulidade do negócio
(artigos 166 e 167 do Código Civil) e legitimação.

Plano de existência: manifestação de vontade, finalidade negocial e idoneidade


do objeto; Plano de validade: art. 104 – agente capaz, objeto lícito, possível,
determinado ou determinável, forma prescrita e não defesa em lei; • Plano de eficácia:
pode ser imediata ou aguardar a realização de um dos elementos acidentais: condição.

1. 2.4.Elementos Naturais

Elementos naturais de negócios são os efeitos que os negócios jurídicos em


princípio produzem, se não forem afastados por estipulação das partes. São os efeitos
das normais legais supletivas. São exemplo de normas supletivas e, consequentemente,
de efeitos correspondentes a elementos naturais dos respetivos tipos de negócios
jurídico, os artigos 964.º (pagamento de dividas), 885.º (tempo e lugar do pagamento do
preço), 1.030.º (encargos da coisa locada), entre tanto outros.

A “linguagem natural” é linguagem jurídica, pois os efeitos jurídicos são


associados à utilização dessa “linguagem natural”. As palavras usadas pelo legislador e
os conceitos construídos pela doutrina não exigem do sujeito de Direito, na sua
actividade jurígena, qualquer esforço de adequação. Ao invés, são as palavras da lei e os
conceitos doutrinais que, na sua generalidade ou clareza conceptual, aspiram a designar/
abranger os factos, infinitamente variáveis e multifacetados da vida social, das relações
ente os homens. O Direito “funciona”, pois, com factos.

Sem necessidade de qualquer cosmética. São factos com significado, mas não
precisam de ser maquilhados para que os efeitos jurídicos se produzam. Basta que o
significado desses factos se identifique com os efeitos jurídicos estabelecidos na lei.

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O resultado da interpretação do comportamento consistente em António entrar
numa peixaria e dizer, apontando para um peixe-espada, “Aquele maroto hoje vai para a
minha panela” (1.ª etapa) é “António pretende comprar o peixe-espada, pagando por ele
o valor indicado” (2.ª etapa).

O intérprete não conclui, como resultado da interpretação do comportamento,


que se trata de uma aceitação de uma oferta ao público, que se formou um contrato de
compra e venda de uma coisa fungível, que o contrato foi celebrado entre António e a
sociedade comercial por quotas que é titular do estabelecimento comercial designado
“O meu peixinho”, etc. Tudo isto são conclusões resultantes da integração do
comportamento no seio do ordenamento jurídico (3.ª etapa).

Não são, porém, interpretação da declaração negocial. A interpretação da


declaração negocial consiste apenas na determinação do sentido com que o
comportamento do declarante vale no ordenamento jurídico. A tarefa do intérprete-
aplicador não termina – como aliás se escreveu supra com o apuramento do sentido do
comportamento declarativo. No entanto, importa distinguir os momentos
metodológicos. Designadamente em razão da aplicação de regras distintas a cada um
dos referidos momentos.

Contraponto da ausência de fórmulas necessárias para a manifestação do


declarante é a possibilidade de este usar significantes que (também) albergam
significados técnico-jurídicos, sem que se esteja a referir a esses sentidos técnicos (e
normalmente não estará – porque os desconhece), e sem que o intérprete possa concluir
que o sentido juridicamente relevante é o sentido jurídico técnico. A preferência,
enquanto modelo de interpretação, por um declaratário normal colocado na posição do
real declaratório revela a postergação de sentidos técnicos, que apenas os iniciados no
Direito conheceriam .

Na regulamentação dos negócios obrigacionais abundam as normais de caráter


supletivo (jus dispositivum), enquanto nos negócios reais e familiares (pessoais)
verifica-se predomínio de normais de caracter imperativos (jus imperativum).

Os factos naturais geram efeitos na sociedade e por isso são relevantes para o
âmbito jurídico. Os fatos jurídicos, por sua vez, podem ser definidos por Ascensão
(2010) quando ele diz que se caracterizam pela situação geradora de mudanças e efeitos
com consequências jurídicas. Nesse sentido qualquer fato que produza efeitos jurídicos

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pode ser categorizado como fato jurídico já que, com a produção de resultados dentro
do âmbito jurídico se torna indispensável a sua regulamentação.

Analisando de que forma sugiram os fatos jurídicos, Mello (2019, p. 148),


entende que:O direito romano não conheceu, em plano doutrinário, a teoria do fato
jurídico. Aliás, nem de fato jurídico, especificamente, cuidaram os jurisconsultos
romanos, por isso que não há uma expressão latina própria para mencionar a espécie.

Em seu pluralismo empírico, os romanos usavam expressões diversas, como


actus, actum, causa, gestum, negotium, factum, entre outras com sentido mais
específico, como contractum, pactum, stipulatio, para se referirem às circunstâncias que
influíam nas situações jurídicas.

Parece ter sido Savigny quem primeiro empregou a expressão fato jurídico
(juristiche Tatsache), definindo-o: “Chamo fatos jurídicos os acontecimentos em virtude
dos quais as relações de direito nascem e terminam”. Sobre o fato jurídico Gonçalves
(2020, p.346) diz que: O direito também tem o seu ciclo vital: nasce, desenvolve-se e
extingue-se. Essas fases ou momentos decorrem de fatos, denominados fatos jurídicos,
exatamente por produzirem efeitos jurídicos. Nem todo acontecimento constitui fato
jurídico. Alguns são simplesmente fatos, irrelevantes para o direito.

Somente o acontecimento da vida relevante para o direito, mesmo que seja fato
ilícito, pode ser considerado fato jurídico. Assim, os fatos jurídicos fazem parte do ciclo
do direito, especialmente no âmbito civil, tendo relevância destacada pela legislação
civil brasileira, por ela disciplinada. Com a mesma acepção, diz Pereira (2002, p. 291)
que:

A chuva que cai é um fato, que ocorre e continua a ocorrer, dentro da normal
indiferença da vida jurídica, o que não quer dizer que, algumas vezes, este mesmo fato
não repercuta no campo do direito, para estabelecer ou alterar situações jurídicas.
Outros se passam no domínio das ações humanas, também indiferentes ao direito: o
indivíduo veste-se, alimenta-se, sai de casa, e a vida jurídica se mostra alheia a estas
ações, a não ser quando a locomoção, a alimentação, o vestuário provoquem a atenção
do ordenamento legal.

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1. 2.5.Elementos acidentais

Elementos acidentais são cláusulas que as partes podem livremente incluir nos
seus contratos. São as cláusulas ou estipulações que, não sendo indispensáveis para
caracterizar o tipo abstrato de negócio (compra e venda, doação, etc.), ou para
individualizar a sua identidade concreta, se tornam necessárias para que tenham lugar os
efeitos jurídicos a que elas tendem. Trata-se de cláusulas acessórias dos negócios
jurídicos, decorrentes do princípio da liberdade negocial que poderiam não existir sem
que o negócio estivesse deificados em abstrato e em concreto.

É o caso, por exemplo, das designadas cláusulas acessórias típicas (a condição e o


termo) prevista no artigo 270.º e seguintes.

1. 2.6.Clasificação dos negócios jurídicos

São muitas e diferenciadas as classificações dos negócios jurídicos formuladas


pela doutrina de e de que o próprio legislador por enumeras vezes se socorre.
Referenciaremos aqui as mais relevantes e as de maior alcance genérico, sem que,
contudo, tenhamos a preocupação de esgotar esta matéria.

Devemos ter sempre presente, que as classificações dos negócios jurídicos não
constituem compartimentos estanques, o que significa dizer que nada impedi que nada
impedi que um mesmo tipo de negócio, tomado sob perspectiva diferente, se integre em
mais do que uma classificação.

A doutrina ainda classifica os negócios jurídicos processuais quanto ao seu


objeto (objecto litigioso do processo ou o próprio processo); quanto às manifestações de
vontade dos envolvidos (unilaterais, bilaterais e plurilaterais); quanto à sua forma
(expressos ou tácitos), entre outros.

Os negócios jurídicos processuais podem ser separados entre aqueles que dizem
respeito ao objeto litigioso do processo ou ao próprio processo. Didier Jr. (2016, p. 381)
traz o que vem a ser esta classificação: há negócios processuais relativos ao objeto
litigioso do processo, como o reconhecimento da procedência do pedido, e há negócios
processuais que têm por objeto o próprio processo, em sua estrutura, como o acordo
para suspensão convencional do procedimento.

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O negócio que tem por objecto o próprio processo pode servir par a redefinição
das situações jurídicas processuais (ônus, direitos, deveres processuais) ou para a
reestruturação do procedimento. (Didier JR., 2016, p. 385)

Expostos os conceitos fundamentais da teoria geral dos fatos jurídicos, se faz


importante relembrar as diversas classificações do negócio jurídico, o que pode ser
perfeitamente aplicável aos negócios jurídicos processuais. Refere Tartuce (2015, p.
93), que pelo que consta no Art. 185 do Código Civil, as classificações a seguir servem
tanto para os negócios quanto para os atos jurídicos em sentido estrito.

No que se refere ao objeto, lembra Didier Júnior (2015, p. 387) que pode haver
negócios processuais sobre o objeto litigioso do processo, a exemplo do reconhecimento
da procedência do pedido, e também pode haver negócio processual que verse sobre o
próprio processo, em sua estrutura, como o acordo para suspensão convencional do
procedimento. O negócio que tem por escopo o próprio processo pode servir para a
redefinição das próprias situações jurídicas processuais – ônus, deveres, direitos
processuais – ou para a modificação do próprio procedimento.

Quanto às manifestações de vontade dos envolvidos, os negócios jurídicos


podem ser unilaterais, bilaterais e plurilaterais. Os negócios processuais podem ser
unilaterais – aqueles realizados pela manifestação de apenas uma vontade, como a
desistência do processo e também podem ser bilaterais – aqueles se perfazem pela
manifestação de duas vontades, como a eleição negocial do foro, conforme Talamini
(2015), nesses termos refere o Art. 200 do CPC/15: “ Os atos das partes consistentes em
declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição,
modificação ou extinção de direitos processuais”.

Os negócios jurídicos bilaterais normalmente são divididos em contratos,


quando as vontades são antagônicas, e em acordos ou convenções, quando as vontades
convergem para um interesse comum, conforme afirma Didier Júnior (2015, p. 387).
Existe também a possibilidade de realização de negócios plurilaterais, formados pela
vontade de mais de dois sujeitos: é o que acontece, por exemplo, com os negócios
processuais celebrados com a participação do juiz (como o calendário processual).

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1. 2.7.Importância Pratica

O Negocio jurídico é o mais importante (e o mias frequente na vida real) dos


factos jurídicos do direito Civil pois é o modo de composição espontânea de interesses.
É o instrumento principal de realização do princípio da autonomia da vontade ou
vontade privada. É o meio de auto-governo pelos particulares da sua esfera jurídica
própria pois constitui a via de auto ordenação das relações jurídicas de cada sujeito de
direito.

É de notar ainda que o conceito de negócios jurídico interessa a todas as partes


do direito privado em geral. Há lugar a negócios jurídicos não só no campo das
obrigações, dos direitos reais ou das sucessões, como ate nos direitos de família.

Também razões de ordem dogmática são determinantes para a atenção dedicada


ao negócio jurídico. Na verdade, sendo o negócio jurídico o acto em que a vontade
humana tem o seu campo de acção mais relevante, justifica-se que a lei se preocupe em
estabelecer um cuidado regime jurídico orientado no sentido de se assegurar numa
correta formulação e manifestação da vontade que preside ao negócio jurídico. Neste
contexto e, porque o negócio jurídico se apresenta como um acto jurídico de estrutura
complexa exige, assim, naturalmente, da lei e da doutrina, um tratamento muito
apurado.

1. 2.8.A declaração negocial como elemento do negócio jurídico

A declaração negocial é um comportamento humano portador de um sentido e


destinado, pelo seu autor, a produzir efeitos jurídico-privados de acordo com esse
sentido. A interpretação é o apuramento do sentido negocial dos comportamentos
jurídico outras palavras, o método de interpretação é o caminho a percorrer entre o
dito comportamento e o significado negocial.

Nem todos efeitos jurídicos produzidos por uma declaração negocial são
autónomos, isto é, correspondem ao sentido apurado por interpretação da declaração
(por exemplo, os produzidos por aplicação de regras supletivas ou de normas
imperativas). Nessa medida, a declaração negocial comporta-se como um facto ou
como um acto jurídico, dando origem a efeitos jurídicos (mais ou menos)
heterónomos. A menos que o contexto claramente o revele, do apuramento desses
efeitos jurídicos heterónomos não se cuida aqui.

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O tema da interpretação da declaração negocial perfila-se perante a declaração
enquanto significante dos efeitos negociais a produzir de acordo com o sentido desse
significante; não perante a declaração-facto integrante da previsão de normas
jurídicas despoletadoras de efeitos jurídicos de acordo com o sentido dessas normas
jurídicas.

O código Civil regula a declaração negocial nos artigos 217.º e seguintes. Não
bastante, não apresenta qualquer definição a seu respeito. Trata-se de um verdadeiro
elemento essencial do negócio jurídico, uma realidade componente ou constitutiva da
estrutura do negócio. A declaração negocial é, portanto, um elemento verdadeiramente
integrante do negócio jurídico, conduzido a sua falta à inexistência material do negócio.

1.2.9.Interpretação jurídica

A interpretação de uma declaração negocial é uma interpretação jurídica.


Assim, o intérprete busca, conforme se disse, o sentido negocial do comportamento. Isto
é, não se trata de apurar o sentido do significante (o comportamento do declarante) à luz
do código “língua portuguesa” ou do código “comportamento social”, ou mas, sim, à luz
do código Direito civil.

O comportamento é significante de um sentido jurídico com as dificuldades,


tratadas adiante de a generalidade dos declarantes apenas perfunctoriamente conhecer o
código Direito e de o código Direito se socorrer, grosso modo, dos mesmos
significantes usados pelo código “língua portuguesa” (o que exige, portanto, uma “dupla
interpretação”: atribuir ao comportamento o significado perante a língua portuguesa e,
depois ou concomitantemente.

2.Conceito de declaração negocial

Podemos, na estira de Manuel de andrade definir a declaração de vontade


negocial como todo o comportamento de uma pessoa (em regra, palavras escritas ou
faladas ou sinais) que, segundo os usos da vida, convicção dos interessados ou ate por
vezes segundo disposição legal, aparece como destinado (ou em todo o cas o de realizar
certos efeitos práticos (em regra económico), com animo de que sejam juridicamente
tutelados e vinculantes.

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Dá-se assim conceito objetivista de decração negocial fazendo-se concitar a sua
nota essencial, não num elemento interior uma vontade real, efetiva, psicológica --, mas
no elemento exterior, o comportamento declarativo.

Na verdade a ideia de declaração, como elemento estrutural do negócio jurídico


é aqui dela se produz num comportamento apto a exteorizar a vontade.

A declaração negocial implica sempre, por tanto, num acto exterior adequado a
dar a conhecer uma certa intensão ou conteúdo do pensamento do autor.

O código civil é extremamente cauteloso e não toma partido, diretamente, como


é natural, numa questão dogmática; mais é manifestado o intuito do legislador de se não
comprometer, sequer ao nível terminológico, com as conspeções voluntarísticas, pois
não emprega a expressão “declaração de vontade”, usando antes a expressão mais
neutral “declaração negocial”.

A declaração negocial vale com o sentido que um declaratório normal, colocado


na posição do real declaratório, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se
este não puder razoavelmente contar com ele.

2.1.2. O sentido da declaração negocial

O sentido negocial ou jurídico de uma declaração negocial é a prefiguração dos


efeitos jurídicos pretendidos produzir com o comportamento declarativo vertida pelo
autor do comportamento no referido comportamento. O sentido não é os efeitos
jurídicos. Os efeitos decorrem do ordenamento jurídico.

O sentido é a representação dos efeitos jurídicos que, com a declaração, o seu


autor pretende ver produzidos. É possível que os efeitos pretendidos não possam
produzir-se (por exemplo porque não se contêm no âmbito de liberdade concedida aos
sujeitos jurídicos).

No entanto, a (eventual) produção de efeitos jurídicos por uma declaração


negocial exige, como pressuposto, o apuramento do sentido da declaração negocial: se
houver efeitos jurídicos, esses corresponderão, pelo menos em certa medida aos efeitos
prefigurados na declaração negocial (entre muitos possíveis, os artigos 223.º, n.º 1,
398.º, n.º 1, 577.º, etc.). Ou seja, ao sentido da declaração negocial. Sem prejuízo de a
declaração negocial ser um acto de autonomia privada, ao dizer-se que o sentido do

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comportamento negocial é a prefiguração dos efeitos jurídicos pretendidos produzir pelo
autor do comportamento, não se está a afirmar que o método de interpretação é
necessariamente subjectivista.

O comportamento negocial valerá, em cada ordenamento jurídico, com um certo


sentido, aquele que resultar do método de interpretação consagrado; e esse sentido é
imputado ao comportamento e, por essa via, ao seu autor. Ainda que o autor não haja
querido efectivamente aquele sentido (por exemplo, porque houve erro na declaração).
É nessa medida que se afirma que o sentido (correspondente à prefiguração dos efeitos
jurídicos) é imputado ao autor do comportamento.

2. 1. 2. O âmbito do sentido negocial

Consistir o sentido da declaração negocial na indicação de efeitos jurídicos não é


sinónimo de o declarante possuir formação jurídica nem de o declarante ter de indicar
todos os efeitos jurídicos que se produzirão em razão daquela declaração negocial. A
declaração tem apenas que conter a indicação (não necessariamente em termos técnicos)
dos efeitos que o declarante pretende ver produzidos (sem prejuízo da existência de
lacunas).

Não de todos os efeitos que se venham a produzir, ainda que resultantes de


normas supletivas (a aplicação de normas supletivas supõe, precisamente, que o
declarante não exerceu, nesse ponto, a sua liberdade de estipulação). Por outras
palavras, a liberdade de estipulação é uma permissão que o declarante exerce ao proferir
uma declaração negocial. Não uma obrigação ou um ónus.

A tentativa de tudo reconduzir ao negócio jurídico (e, portanto, necessariamente,


de tudo incluir no sentido da declaração negocial) e, no negócio jurídico (rectius, na
eficácia por este despoletada), de tudo reconduzir à vontade, filia-se em visões
improcedentes do Direito e do negócio jurídico

O sentido do comportamento negocial tem a extensão que concretamente tiver.


Não há que ficcionar sentidos, nem exigir que o declarante se pronuncie a respeito de
matérias ou pormenores relativamente aos quais não existe qualquer exigência na lei.

A validade do comportamento, máxime a validade em conformidade com o


sentido pretendido pelo declarante, ou a complementação dos efeitos identificados pelo
declarante são questões diferentes da questão da interpretação do comportamento

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efectivamente verificado. A declaração pode também, naturalmente, por ignorância,
distracção, etc., do declarante, não satisfazer ou não satisfazer inteiramente os seus
interesses. Com efeito, o declarante não é perfeito. A prefiguração dos efeitos jurídicos
que o declarante realiza, tenha ou não, formação jurídica, pode ter ficado incompleta
relativamente ao pretendido (real ou conjecturalmente).

Pela interpretação determina-se o sentido de um comportamento que existiu,


num tempo e num espaço concretos. Não do comportamento que o declarante gostaria
de ter realizado ou que o intérprete-aplicador considera que o declarante deveria ter realizado
por melhor servir os seus interesses.

2. 1. 3. Elementos constitutivos da declaração negocial

Numa declaração negocial podem distinguir-se normalmente dois elementos: a


declaração e a vontade. A declaração propriamente dita (elemento externo) consiste no
comportamento declarativo, trata-se da factualidade externa da declaração negocial (a
sua forma lato sensu).A vontade (elemento interno) consiste no quere, na realidade
volitiva que normalmente existira e coincidira com o sentido objectivo da declaração. O
elemento interno, a vontade real, é o complexo e pode decompor-se analiticamente em
três subelementos.

2.1.4. Interpretação da declaração negocial

A “declaração negocial” é o comportamento humano, simples ou complexo, que


manifesta, directa ou indirectamente, a vontade do sujeito (art. 217.º, n.º 15). É um
comportamento, voluntário, comunicativo e destinado, pelo seu autor, a produzir efeitos
jurídico-privados.

De acordo com o seu sentido jurídico, a declaração negocial possui, pois, uma
dimensão física, material (o comportamento) e uma dimensão imaterial: o significado.
Note-se que o significado incorpora, simultaneamente, as vertentes de manifestação de
vontade e de pretensão de validade ou produção de efeitos jurídicos. A declaração
negocial, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, é a célula do negócio jurídico
(por isso o Código Civil lhe dedica a primeira secção do capítulo sobre o negócio
jurídico).

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A interpretação como actividade de inteligência que visa a apreensão do sentido
de um objecto é uma actividade de conhecimento e destinada a conhecimento, é uma
das formas ou processos de conhecimento1. A interpretação pressupõe um espírito
pensante que comunica algo a um receptor através de um objecto significante.

A interpretação como forma de conhecimento distingue-se da “diagnose causal,


própria da observação e explicação dos fenómenos naturais; distingue do raciocínio
através de conceitos predefinidos ou por operações de cálculo, próprio da matemática;
distingue-se enfim, da explicação especulativa, do mundo e da vida, própria de uma
ciência das últimas causas como a filosofia”.

Segundo Emilio Betti, atendendo à função típica, existem três tipos de


interpretação: a interpretação com função meramente recognitiva, em que o fim é
entender a mensagem; a interpretação em função reprodutiva ou representativa, em que
o entender visa o fim de fazer entender; e a interpretação com função normativa, que é
aquela em que o entender vai preordenado ao fim de agir. A interpretação jurídica
visando determinar um conteúdo que é relevante para o direito, pautando e ordenando
condutas, faz parte da interpretação com função normativa.

A teoria da interpretação do negócio jurídico, situando-se dentro da interpretação


jurídica encontra as suas especificidades e a sua natureza na teoria do negocio jurídico.
É aí que ela deve ser abordada, correspondendo pois a uma hermenêutica jurídica
negocial. Na teoria do negócio jurídico, a interpretação das declarações de vontade
distingue-se de outros temas, como a prova, a qualificação e o problema das
divergências entre a vontade e a declaração. A prova precede a interpretação na medida
em que é preciso que o juiz conclua pela existência ou verificação de certo facto
material para que depois esse facto possa ser interpretado.

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A interpretação visa a determinação do sentido juridicamente relevante de um
negócio, sentido esse que resulta da declaração.

A qualificação como operação de construção jurídica, procura determinar se o


negócio se subsume num tipo negocial, ou se é um negocio atípico, se é inominado ou
nominado, tendo em conta os resultados da interpretação e considerando o sistema
jurídico.

Assim se justifica que a determinação do sentido juridicamente relevante das


actuações privadas se faça a partir da declaração negocial: ao usar a declaração
negocial, as normas têm aplicação tendencial a todos os negócios jurídicos, por mais
díspares que possam ser Há outras possibilidades quanto ao objecto da interpretação: o
Código de Seabra dispunha sobre a interpretação dos contratos (art. 685.º e seguinte); o
Código Civil francês disciplina igualmente a interpretação dos contratos (art. 1156.º e
seguintes), o mesmo fazendo o Código Civil italiano (art. 1362.º e seguintes);

2.1.5.A composição do conteúdo da declaração negocial

Uma vez interpretada a declaração negocial, não cabe ao intérprete, como tarefa
interpretativa final, a tradução da linguagem natural para a linguagem própria da lei.
Como se disse, a lei basta-se com a utilização, pelo declarante, da linguagem natural.
Nessa medida, a aplicação da lei à declaração negocial (devidamente interpretada) faz-
se nos mesmos moldes que a aplicação da lei a qualquer outro facto jurídico
(significativo ou não).

Aliás, a existência de uma declaração negocial com determinado sentido


constitui o ponto de partida para a confecção, pelo intérprete-aplicador da lei, de um
complexo modelo de decisão, do qual a declaração negocial é apenas um dos elementos.
Retome-se o exemplo anterior: concluindo-se que António declarou comprar certo
peixe-espada por 15 euros o quilo, o intérprete-aplicador constat

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Por outras palavras, a tradução da linguagem usada por António para “efeitos
jurídicos” não é mais que a actividade própria da aplicação da lei seja ao
comportamento significativo propriamente dito (associando-lhe os efeitos
correspondentes ao significado deste), seja a outros aspectos igualmente geradores de
efeitos jurídicos mas em que a declaração negocial funciona como mero facto jurídico
(por exemplo, relativamente à aplicação de normas supletivas, de normas limitadoras da
autonomia privada, de normas fiscais).

O conteúdo da declaração negocial resultará, pois, desta actividade, em que o


comportamento negocial e a sua interpretação são apenas uma parcela – sem prejuízo da
sua capital importância.

2. 1.6 Modalidades da declaração negocial

Para haver um negócio jurídico é preciso, como sabemos, a existência de, pelo
menos, uma declaração de vontade que o integre, o que significa dizer que o primeiro
passo para o negócio jurídico consiste numa declaração de vontade (negocial).

A noção de declaração aponte desde logo, para a circunstância de ser grande a


variedade de situações de situações que o conceito pode abranger. Para declarar a sua
vontade o declarante dispõe em princípio, em princípio, de todos os meios que lhe
servem para se fazer entender.

O mais corrente é a vontade das pessoas manifestar-se através da linguagem,


falada ou escrita. Mas os usos e as convenções sociais dão relevância a muitos outros
comportamentos como meios de declaração. A fundamentação deste entendimento
encontra-se no princípio dão autonomia.

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2. 1.7.Linguagem jurídica

Consistir o sentido da declaração negocial na prefiguração de efeitos jurídicos


não é sinónimo de o declarante precisar de se expressar usando uma linguagem técnica
de carácter jurídico 35 . Este ponto reveste-se de grande importância e, na prática, é
responsável por grande parte das dificuldades específicas da interpretação da declaração
negocial (especialmente por comparação com a interpretação da lei).

O disposto no art. 217.º (bem como, ainda que em menor medida, nos artigos
218.º e 234.º), conjugado com o disposto no art. 219.º, consagra o que se pode designar
por liberdade de manifestação. Ou seja, a possibilidade de cada sujeito exteriorizar a sua
vontade, maxime com o objectivo de fixar o conteúdo de contratos (art. 405.º),
conforme lhe aprouver. Sublinhe-se que não se trata apenas de liberdade de forma, i. e.,
da escolha livre do meio físico de suporte do significado (art. 219.º): o próprio
significado não tem que corresponder, directamente, a um dos significados próprios da
realidade jurídica que se pretende despoletar.

Por exemplo, se António, numa peixaria, pretende adquirir um peixe-espada,


não tem que proferir as palavras “Compro aquele peixe-espada, pelo preço
correspondente a 15 euros por quilo”; pode dizer “Para mim é aquele peixe-espada” ou
“Aquele maroto hoje vai para a minha panela” ou outra expressão semelhante. Ou pode
apenas apontar para o peixe que pretende.

2.1.8. Declaração negocial expressa e declaração negocial tácita

Existem negócios expressos e tácitos, que por sua vez podem ser omissivos ou
omissivos. Quanto a esta temática, Didier Jr. (2016, p. 383) explica: há negócios
expressos, como o foro de eleição, e negócios tácitos, como o consentimento tácito do
cônjuge para a propositura de ação real imobiliária, o consentimento tácito para a

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sucessão processual voluntária a recusa tácita à proposta de Auto composição formulada
pela outra), a renúncia tácita a convenção de arbitragem (art. 337) e a aceitação tácita da
decisão.

Negócios tácitos tanto podem ser celebrados com comportamentos comissivos,


como é o caso da prática de ato incompatível com a vontade de recorrer (aceitação da
decisão), ou omissivos, como a não alegação de convenção de arbitragem. Há, então,
omissões processuais negociais. Nem toda omissão processual é, então, um ato-fato
processual. O silêncio da parte pode, em certas circunstâncias, normalmente tipicamente
previstas, ser uma manifestação de sua vontade.

Por vezes, a lei exige que a declaração negocial seja expressa: por ex. artigo
957.º (responsabilidade do doador pelos ónus ou vícios do direito ou da coisa doada),
artigo 731.º (renuncia à hipoteca).

O critério da distinção entre declaração tacita e declaração expressa consagrada


pela lei (artigo 217.º) é o propósito pela teoria subjectiva: a declaração é expressa
quando feita por palavras, escrito ou quaisquer outros meios directos, frontais, imediatos
de expressão da vontade e é tacita quando do seu conteúdo directo se infere um outro,
isto é, quando se destina a um certo fim, mas implica e torna cognoscível, a latere, um
autorregulamento sobre outro ponto em via obliqua, imediata, lateral quando se deduz
de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.

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Conclusão

Conforme demonstrado ao longo deste trabalho, o estudo do negócio jurídico é


fundamental para a exata compreensão do direito privado. Dez em primeiro luga,
dominar os elementos do negócio jurídico permite ao operador do direito diferenciar os
casos de inexistência, nulidade ou ineficácia do acto. Além disso, conhecer as diversas
classificações dos negócios jurídicos, antes de uma atividade meramente acadêmica, é
fundamental para que se extraiam as devidas consequências do ato praticado.

Por fim, saber interpretar adequadamente os negócios jurídicos é importante para


resolver os casos de divergência entre a vontade declarada e a vontade interna.

Observou-se que existe uma divergência doutrinária no que cerca a capacidade


plena. Alguns doutrinadores entendem não ser possível a celebração de negócios
processuais atípicos por incapazes, mesmo que assistidos ou representados. Outros
depreendem que a assistência ou representação suprem esta incapacidade. Por se tratar
de uma inovação processual, ainda não há aplicação prática do tema para que possa se
chegar a uma conclusão exata. Por enquanto, subsiste tal divergência.

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Referências bibliográficas

Amaral, Francisco. Direito civil, 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar.

Andrade, Manuel A. Domingues de, teoria geral da relação jurídica, vol. e II, Coimbra,
1974.

Didier Júnior, F. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil,
parte geral e processo de conhecimento, v. 1, 17. ed. Salvador: Podivm, 2015.

Redondo, Bruno Garcia. Negócios Jurídicos Processuais Atípicos. Salvador: Juspodivm,


2020.

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