Você está na página 1de 7

Aula 1: Conceitos Fundamentais do Direito I: sanção, ato ilícito.

Sanção: As características das sanções jurídicas segundo Santiago Nino.

1. Sanção jurídica é uma forma de coerção potencial do Estado, que não depende de violência efetiva:

Cumprimento espontâneo de pena; pagamento de multa contratual ou da multa penal antes do uso da força são
situações de coerção potencial com vistas a uma sanção já prevista.

• Depósito de segurança que pode ser usado como punição em caso de descumprimento de obrigação; a entrega de
um documento a uma autoridade. São situações de coerção potencial com vistas à sanção potencial ou possível.

2. Sanção é privação de um bem:

• Mesmo quem cumpre espontaneamente ou acha a punição boa para se redimir não muda o potencial cumprimento à
força e nem altera o fato de a sanção ser sentida como um mal (privação de um bem) para a maioria.

3. Sanção é aplicada por autoridade competente.

• Mesmo sanções descentralizadas como a prevista por contratos (aplicada pelos contratantes) ou o “desforço
pessoal” em legítima defesa da posse (aplicada pelo proprietário) estão substituindo a autoridade competente e a
coerção será papel do Estado em caso de necessidade, em última análise.

4. Sanção depende de uma conduta (evitável) que possa ser denominada "conduta ilícita".

• Medidas como internação do doente mental, segregação de raça ou etnia, internação em quarentena por prevenção
de epidemia não são sanções porque não supõem ações ou condutas que possam ser evitadas. São fatos que geram
atos coercitivos distintos que, por definição, não são sanções por não se vincularem a um ato ilícito.

5. Há sanções penais e civis. Em geral elas são distintas:

• Quanto ao objetivo (punir vs. indenizar)

• Quanto ao sujeito ou destinatário da reparação (o Estado vs. o cidadão ou vítima)

• Quanto à competência para requerer a sanção (geralmente o MP vs o cidadão ou vítima)

6. Sanção é consequência lógica do ato ilícito. Quem vem primeiro: a hipótese ou a consequência?

• tese A: (Kelsen) todo ato ilícito tem sanção. Quando não há sanção imediata, é preciso encontrar a sanção em outra
norma; o conceito de sanção define o conceito de ato ilícito (logicamente) (conceito de mala proibida)

• tese B: (Prof.). O legislador pode dizer que algo é ilícito e não prever sanção.

• Problema: nesse caso, como dizer que primeiro vem a sanção (logicamente) depois o ilícito?

• Resposta: vide item 4. Se o conceito de sanção depende de uma “conduta evitável” (do contrário haveria um ato
coercitivo distinto de sanção) pode ser defendido que é necessário um ato ilícito antes para que seja definida
(logicamente) a sanção. Assim o conceito de ilícito define o conceito de sanção e não o contrário. Por isso pode haver
ato ilícito sem sanção.

• Problema: Kelsen diz que, se o ato ilícito vier definido antes da sanção é uma “recaída” na tese do "mal em si"
(mala in se) e não do "mal proibido". Contaminação de direito natural (Kelsen).

• Resposta: O delito (ato ilícito) pode ser o conceito primordial, pode não prever sanção e ter definição pela lei,
afastando a tese da recaída no direito natural. Se o jurista for jusnaturalista, tanto o ilícito como a sanção estarão além
da lei positivada.

7. Sanção é consequência fática do ilícito. Basta ocorrer o ilícito para a sanção existir de fato?

• Ato ilícito é antecedente óbvio para a ocorrência da sanção, no mundo real. Não se pode aplicar sanções antes dos
delitos.

• Porém não é tão óbvio na seguinte situação importante: alguns atos coercitivos não são sanções porque na realidade
não há delito ainda (pois depende da condenação final pelo juiz). Ex: a prisão preventiva, a entrega cautelar de
passaporte e outras; prisão em “flagrante delito” podem ser convertidas em sanções após condenação. Mas são iguais!
Por isso, esse item é discutível.
• (objeção de S. Nino): Há inúmeros outros requisitos antecedentes para que a sanção ocorra. Ações dos
investigadores, das partes, dos advogados, promotores, juízes etc. Melhor dizer que, para a sanção ocorrer, é
necessário mas não suficiente que ocorra de fato o ato ilícito.

• (objeção do Prof.): A recente discussão da execução da pena após a condenação em segunda instância reflete
exatamente esse tópico da sanção ser aplicada antes da condenação final. (vide ADCs 43, 44 e 54, julgadas em
novembro de 2019). Ainda que, de fato, poucas sentenças condenatórias sejam de fato alteradas em terceira instância
(STJ) ou quarta instância (STF), como sustentar teoricamente que uma pessoa passa a cumprir a sanção de fato pelo
crime cometido se, depois de dois ou quatro anos, caso seja absolvido, aquele cumprimento de pena nunca foi
possível porque nunca houve delito?

8. Sanção se dirige ao autor da conduta ilícita?

• Não necessariamente, como veremos na noção de responsabilidade. Caso do pai respondendo pelo filho ou o seguro
respondendo pelo agente do dano etc. Há casos de responsabilidade coletiva (solidária ou subsidiária) em que quem
responde é pessoa distinta de quem deu causa ao dano ou ilícito.

Conclusões da leitura. A sanção jurídica é:

• Ato coercitivo com força física potencial ou efetiva

•Sentida como um mal ainda por quem a julgue um bem ou cumpra espontaneamente

• Aplicada por autoridade competente ou quem possa fazer uso da força em seu lugar, excepcionalmente (em regime
de urgência ou legítima defesa).

• Corretiva (pena) ou patrimonial (execução civil)

• Resposta a uma ação ou conduta evitável, por isso atos coercitivos não vinculados a ações evitáveis e proibidas não
podem ser sanções, mas atos coercitivos genéricos. Ex: A aluvião, álveo abandonado e a desapropriação; a
quarentena em pandemia; a internação de pessoa incapaz de agir.

• Sempre conceitualmente vinculada a um ato ilícito. Não há sanções sem ilícitos. Há ilícitos sem sanções definidos
por lei (mal proibido), porém a maioria dos ilícitos tem sanção.

• Dirigida ao autor do ilícito ou a terceiros definidos por lei.

Tipos de Sanção

I- Pena (punição): sanção criminal, em geral quem pede é o M.P.1, envolve restrição de direitos, liberdade e multas;
tem função preventiva e retributiva ou corretiva. No caso da pena de multa, ela parece uma “indenização”, mas
beneficia um fundo público que não tem nada a ver com a vítima do crime.

III – Existem outras espécies de sanção conforme o ramo do direito. Sanções do direito internacional (embargo
econômico, retirada de corpo diplomático de outro país; retaliação bélica etc.; Sanções do direito processual:
litigância de má-fé; Sanções do direito administrativo: multas de trânsito, multa ambiental, suspensão de licença de
funcionamento de estabelecimento comercial; extinção de pessoa jurídica por ato ilícito; cassação de alvará; multa
tributária por atraso de pagamento etc.

• Existe sanção “premial”? Seria o caso de ampliar o conceito de sanção. Seriam os descontos, incentivos fiscais,
prêmios etc. previstos em lei. Se for considerado sanção, é preciso alterar o conceito inicial e refletir sobre os
requisitos, como o de ser sentida pela comunidade como um mal (juízo de valor negativo), ou se ligar à definição de
ato ilícito e dever jurídico. Propõe-se a questão: se o prêmio é uma sanção, pode a conduta oposta a ela ser
considerada um dever-jurídico?

Ato ilícito: Como vimos, a ideia de ilícito é, para muitos (juspositivismo), definida pela sanção, que define o ato
ilícito como um mal proibido (juízo de valor relativo) e não um mal em si (jusnaturalismo = juízo de valor absoluto).

• Essa definição, todavia, parece limitada, pois muitas normas definem atos jurídicos ilícitos que não possuem
sanções, ou ao menos não imediatamente no texto legal. Nos exemplos abaixo, onde estariam as sanções?

Atos coercitivos que não são sanções: Como vimos, se considerarmos a opinião de Kelsen, toda SANÇÃO define um
ATO ILÍCITO. Nesse caso, será preciso notar que há outras formas de coerção do estado que não são respostas a um
ato ilícito (ação ou omissão / vontade capaz), por isso essas formas de coerção não podem ser sanções. Como vimos,
esse é um argumento para dizer o oposto da tese de Kelsen. Se só sabemos se um ato coercitivo é sanção se ela
estiver ligada a um ato ilícito, parece que é o ato ilícito que define a sanção. Uma prova disso seria a prisão
preventiva convertida em sanção após a condenação. Antes, não podia ser sanção porque não havia sido reconhecido
o ato ilícito por sentença. A diferença era definida pela existência ou não do ato ilícito, portanto. O mais importante é
compreender que, na maioria das vezes, um ato ilícito tem sanção. E na totalidade das vezes a sanção depende de um
ilícito. São por isso conceitos interligados. Seguem alguns exemplos de medidas coercitivas em que não há ato ilícito
ou, se há, ele ainda precisa ser declarado por um juiz para que a medida coercitiva se torne conceitualmente uma
sanção:

a) Prisão em flagrante, preventiva ou temporária: esse ato coercitivo não pode ser sanção, pois só haveria
confirmação do ato ilícito na decisão judicial final. Esse tipo de prisão ocorre antes ou durante o processo penal,
sendo a prisão definitiva a resposta correta ao ilícito, portanto, nesse caso, até o “trânsito em julgado” (fim do
processo), ou seja, até a extinção do último recurso, seríamos conceitualmente obrigados a dizer que a prisão ainda
não é sanção (apesar de poder depois ser descontada da pena definitiva). Se o réu for absolvido, sua soltura significa
que o que houve antes foi uma prisão cautelar, processual, para garantir eventual pena futura.

b) Internação compulsória em caso de epidemia: Como vimos, não há qualquer sentido em dizer que uma pessoa que
contrair doença praticou um ato ilícito, que supõe conduta evitável. Portanto a internação compulsória ou o uso da
força para conter pessoas sob suspeita de contaminação é um ato coercitivo, mas não pode ser considerada uma
sanção porque não há como dizer que uma pessoa se contaminou por ação ou omissão evitável.

c) Medidas de segurança: resposta do direito penal contra pessoas deficientes mentais ou contra pessoas interditadas
que causam os danos previstos pelo código penal como “atos ilícitos”. A rigor, não seria sanção porque não haveria
ato ou omissão consciente. Haveria um “fato jurídico” ou um “ato-fato”, de acordo com a doutrina civil.

d) Medidas socioeducativas do E.C.A. Se o menor não pratica “ato ilícito” por falta de capacidade, logo as medidas
socioeducativas seriam medidas protetivas, educativas, ainda que envolvam internação compulsória. Sendo assim,
todas as medidas do exemplo indicado não poderiam ser sanções (há discussão na doutrina se seriam sanções
especiais do direito do adolescente, ou sanções administrativas, algo excepcional à regra por considerar o menor de
18 anos um ser em formação, portanto potencialmente “responsável”).

e) Restrições de direitos com base em ideologias nacionalistas, raciais, religiosas ou de gênero: não há ato de nascer
palestino ou judeu, homem ou mulher, estrangeiro, homossexual.

Resumo

Para ter sanção precisa ocorrer um ato ilícito. Sanção é consequência lógica do ato ilícito.

Alguns atos coercitivos não são sanções porque na realidade não há delito ainda (pois depende da condenação final
pelo juiz).

Aula 2: Conceitos Fundamentais do Direito II: dever jurídico e


responsabilidade

Dever Jurídico: Do texto de Nino, lemos que é a conduta obrigatória, oposta a conduta ilícita e que evita a sanção
punitiva, se houver. Ex: Ilícito: matar; dever jurídico: não matar.

Responsável: Do texto de Nino, lemos que e uma qualidade de quem é objeto ou o alvo da sanção. Não se confunde
com o sujeito de dever! Nem sempre quem é objeto da sanção é o sujeito do dever (aquele que pode evitar o ilícito).
Portanto, podemos dizer que a sanção sempre se dirige a quem praticou o ilícito, certo? Errado! Nem sempre. O
sujeito do dever é um (o único que pode evitar o ilícito) e o responsável pode ser ele mesmo ou outra pessoa,
conforme o caso. Portanto sujeito do dever (agente do ilícito) e responsável são conceitos distintos.

A responsabilidade pode ser:

• Direta (individual): a sanção recai sobre quem praticou o ato (o responsável e o sujeito do dever).

• Indireta (pode ser “coletiva”): a sanção recai sobre quem não praticou o ato ilícito (o responsável não é o sujeito do
dever). Exemplos da doutrina: Pais responsáveis pelos filhos menores1; empresa pelo sócio; fiador pelo locatário.
• Subjetiva (por culpa/dolo): a sanção só ocorre apenas se importante investigar a culpa, ou o elemento
subjetivo/psicológico do autor do ato ilícito. O responsável só recebe a sanção se houver investigação da intenção ou
descuido, dolo ou culpa do sujeito do dever que praticou o ilícito.

• Objetiva (por resultado): a sanção ocorre independentemente de investigação da culpa, ou do elemento


subjetivo/psicológico do autor na realização do ato ilícito. O responsável recebe a sanção mesmo que o autor do ato
ilícito (que pode ser ele mesmo) provar que não teve culpa na ação ou omissão praticada. Ou seja, muitas vezes e
impossível até mesmo poder provar que o sujeito do dever tomou todas as precauções. E indiferente.

A responsabilidade subjetiva e direta é regra do direito penal, do direito administrativo e do direito civil. A
responsabilidade objetiva e indireta é exceção, apesar de sua aplicação ser crescente.

-O fundamento da responsabilidade civil (a regra) está no artigo do código civil brasileiro: “Art. 927. Aquele que, por
ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

-O fundamento da responsabilidade civil objetiva (exceção) está no parágrafo único do mesmo artigo, só nos casos
especificados em lei: “Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem.”

-Outras leis que dão fundamento a responsabilidade civil objetiva: “Exemplo: Código de Defesa do Consumidor: Art.
12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da
existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto,
fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. (...) Art. 14. O fornecedor de
serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos.”

- O estado, também como exceção, tem responsabilidade objetiva, como se lê de dois artigos do código civil e da
constituição:

Exemplo: Código Civil Brasileiro: Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo
contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. (Confere com Santiago Nino).

Exemplo: Constituição Brasileira: Art. 37, § 6o - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

- Como se entende do artigo 37 da constituição de 1988, as empresas privadas concessionarias de serviço público,
como planos de saúde, empreiteiras, concessionárias de rodovias, de comunicações, água, transportes etc. também
são abrangidas pela responsabilidade objetiva (ainda uma exceção).

Aula 3: Conceitos Fundamentais do Direito III: direitos objetivo e


subjetivo, direitos real e pessoal, direitos típico e atípico.

Esquema geral: em regra, como vimos, a sanção define o ato ilícito (ou vice-versa), que define o dever jurídico. E se
há dever jurídico, ele geralmente corresponde a um direito de outra pessoa. Esquema: S – I – Dev – Dir

• Direito subjetivo e direito objetivo: Os nossos direitos se encontram em uma relação entre a previsão geral e a
subjetivação em alguém real e singular, “com nome e endereço”. Importa lembrar que, para os jusnaturalistas, o
direito objetivo é derivado do direito subjetivo, que é o verdadeiro direito, primordial e “natural” (T. Hobbes, J.
Locke, J. Rousseau etc.). Já para os juspositivistas ou pós-positivistas, teses predominantemente defendidas
atualmente, o direito subjetivo é derivado do direito objetivo, que é manifestação do Estado (H.Kelsen, A.Ross,
H.Hart, N.Bobbio – (jus)positivismo metodológico).

• Com base nessa última tendência predominante, podemos identificar um núcleo básico da ideia de direito subjetivo
como a situação particular em que uma pessoa (sujeito de direito) se encontra em relação ao direito objetivo,
verificável mediante normas positivas. (Nino, p.230-1).
• Lembramos que o direito objetivo (o que é direito?) ou o que são normas jurídicas fica aberto às conclusões da
primeira parte do curso (leis, conceitos, valores, moralidade, interpretações, jurisprudência, eficácia social etc.).
Consequentemente, nossos direitos subjetivos podem variar conforme a definição do direito objetivo, especialmente
se a questão é difícil, a exemplo do direito subjetivo de Marquinhos à indenização por “bullying”, ou o direito
subjetivo de Marcelina a interromper a gravidez até o terceiro mês de gestação.

Exemplo de direito objetivo: Constituição Federal de 1988.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: Exemplo de direito subjetivo: Notícia.

Proprietários entram na justiça por má qualidade de imóveis – Araraquara – SP

Paredes úmidas, gesso estourado nos banheiros por causa de infiltração, teto e paredes tortas e acabamentos das
janelas mal feitos. Esse é o cenário relatado por muitos donos de apartamentos da MRV Engenharia em 17
processos que estão sendo analisados contra a construtora no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Um casal
de noivos, que não quis se identificar, com medo de retaliações da construtora, ficou surpreso na semana passada ao
entrar em seu imóvel, no prédio do Jardim Imperador, Região Noroeste da cidade, e encontrar as paredes do quarto
e do banheiro umedecidas. “Fiquei superchateada, vamos casar em dezembro. O que mais queria era ter meu
apartamento finalizado e sem problemas”, diz a mulher. O noivo afirma que ainda não vai tomar as medidas legais
contra a construtora. Primeiro, vai tentar um acordo.

No exemplo acima, com base na previsão do direito objetivo, inclusive o direito à propriedade do artigo 5º da
constituição federal brasileira (e outros direitos objetivos dos códigos civil e de processo civil), vemos com clareza o
direito subjetivo dos noivos “João e Joana” de exercer sua propriedade do apartamento conforme contrato com a
MRV. Direito subjetivo por quê? Porque só eles podem exercer esse direito em situação típica na relação com a
MRV.

(1) Direito (objetivo/subjetivo) típico: situação jurídica que corresponde a um dever de outrem; o titular do direito
típico pode exercer todas as faculdades envolvidas no direito com relação a outra pessoa, que é o devedor.

(2) Direito (objetivo/subjetivo) atípico: situação jurídica de quem tem direito, mas algo sai do padrão:

a. Quem tem o direito não é pessoa (consórcio de empresas, espólio, herança jacente, condomínio não figuram
como pessoas jurídicas do código civil);

b. O direito não corresponde a deveres precisos de outrem (exemplo: direitos fundamentais, direitos políticos ou
deveres políticos, direitos difusos do consumidor, do meio ambiente, da concorrência etc.)

c. Quem tem o direito não pode exercer integralmente suas faculdades: incapaz, usufrutuário, proprietário de bem
dado em garantia real, direitos com função social, direitos processuais do M.P. (Tercio Ferraz, p.122-3)

Nos exemplos abaixo de direito objetivo, quais pessoas poderão figurar como titulares de um eventual direito
subjetivo? Qualquer cidadão? E de quem será o dever (objetivo/subjetivo) correspondente ao direito? Do Estado? Do
Exército? Parece que até os deveres se afiguram atípicos, ou precisamos ampliar os conceitos:

Exemplo: Constituição Federal de 1988. Art.5º, inciso XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de
guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

Exemplo: Constituição Federal de 1988. Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.

No exemplo abaixo de direito objetivo, o titular do direito subjetivo jamais teria direito pleno, típico porque o MP é
sempre representante de outrem.

Exemplo: Constituição Federal de 1988. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover,
privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública,
para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

Explicação: ... nesse caso, o titular do direito subjetivo só poderia ser a sociedade, a comunidade, mas não é
qualquer do povo que pode entrar com o processo, que é de competência privativa do M.P., como representante da
comunidade.

Aliás, se formos rigorosos, apenas os(as) advogados(as) seriam as pessoas que poderiam ter o feixe mais completo de
direitos e exercê-los plenamente, pois podem exercer o direito de ação em juízo em nome próprio. Qualquer pessoa
pode ter capacidade processual de entrar com um processo, mas não a capacidade postulatória em juízo, privativa de
advogados (na maioria dos casos). Portanto, se seguirmos à risca esse conceito de direitos típicos e atípicos, qualquer
direito seria atípico se considerarmos essa fragmentação do direito em múltiplas capacidades de exercício.

No exemplo abaixo de direito objetivo, o titular do direito subjetivo jamais teria direito pleno, típico....

Exemplo: Código Civil de 2002. Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos
frutos.

Explicação: o usufrutuário não é o proprietário, portanto não pode vender o bem. Se o fazendeiro João é proprietário
e faz um negócio dando o usufruto de suas terras, permanece proprietário, mas aliena parte de seus direitos subjetivos
(posse, uso, administração e percepção dos frutos) ao usufrutuário. Tanto o proprietário como o usufrutuário teriam,
nesse exemplo, direitos subjetivos atípicos, ou parciais, ou fracionados. O titular do direito subjetivo típico seria o
proprietário que mantém consigo o direito ao usufruto.

(3) Direito (objetivo/subjetivo) pessoal: situação jurídica atribuída a uma pessoa em relação a outra identificada
pessoalmente numa relação jurídica específica. Exemplos: (A) direito subjetivo de João e dever subjetivo de Maria
num contrato de aluguel. (B) Direito subjetivo de Pedro à indenização por dano causado por Fernanda. Nesses casos,
seja por prática de ato ilícito, seja por força de contrato, identifica-se um dever jurídico subjetivo (de João pagar o
aluguel; de Fernanda pagar a indenização) que corresponde a um direito subjetivo pessoalmente identificado, isto é,
João não deve aluguel a Marcio ou a Augusto, mas à pessoa de Maria; Fernanda não deve a indenização a Marcio ou
a Augusto, mas à pessoa de Pedro. Portanto, o direito objetivo prevê, em abstrato, direitos pessoais que podem se
subjetivar (concretizar) na minha ou na sua pessoa.

(4) Direito (objetivo/subjetivo) real: situação jurídica atribuída a uma pessoa em relação a outras não-identificadas
pessoalmente numa relação jurídica não-específica ou genérica, uma relação jurídica “com todo o mundo”, também
chamados direitos erga omnes (contra todos): São tradicionalmente os direitos sobre as coisas, como a propriedade e
a posse e o exemplo do usufruto acima exposto. (Tercio Ferraz, p.123). Portanto, o direito objetivo prevê, em
abstrato, direitos reais que podem se subjetivar (concretizar) na minha ou na sua pessoa.

No exemplo abaixo de direito objetivo, o direito do titular corresponderia sempre a um dever de todas as pessoas, o
dever de respeitar sua propriedade, sua posse como usufrutuário ou sua hipoteca sobre um bem.

Exemplo: Código Civil de 2002. Art. 1.225. São direitos reais: I - a propriedade; IV - o usufruto; IX - a hipoteca;

Explicação: ... Se Joana tem usufruto de uma fazenda, qualquer pessoa que chegar à cerca de sua propriedade está
proibida de entrar por força de seu direito subjetivo real de propriedade, ou de usufruto ou de hipoteca. Por isso diz-se
que não se trata de um direito pessoal de Joana, mas um direito real.

Você também pode gostar