Tema I
Notas de Aula1
Antes de tudo, deve ser dito que o termo antijurídico, bastante empregado como
sinônimo de ilícito, não é de fato muito preciso. Isto porque ser antijurídico significa que
não é jurídico, ou seja, que é irrelevante ao ordenamento jurídico – e de forma alguma o
crime é juridicamente irrelevante. Por isso, emprega-se, doravante, os termos ilícito e
ilicitude, ao invés de antijurídico ou antijuridicidade.
Nem tudo que não é proibido pelo direito penal é permitido pelo ordenamento
jurídico. Tudo que o direito, como um todo, não proíbe, é permitido. A fonte da ilicitude é o
ordenamento jurídico, e não o direito penal.
Veja: o fato de uma conduta ser penalmente irrelevante não a torna lícita. Por
exemplo, o estacionamento de veículo em local proibido não é penalmente relevante, mas é
ilícito, assim como a fuga de um preso, que é ilícito administrativo grave, mesmo que não
seja fato típico.
É bastante importante consolidar este entendimento de que a ilicitude não diz
respeito à seara penal, somente, mas sim ao ordenamento como um todo, para entender
corretamente as causas que excluem-na, em seu fundamento. Quando uma conduta é ilícita,
significa que o ordenamento jurídico a proibiu; mas quando esta conduta é de tamanho
gravame social que precisa de ainda maior supressão, o ordenamento conclama o direito
penal para que este assevere a restrição, tipificando a conduta e cominando pena. Daí se vê
a subsidiariedade do direito penal: apenas aquelas condutas ilícitas mais graves são dadas
aos seus cuidados, e não todas – não sendo preciso, por exemplo, que seja reforçado, com a
gravosidade do direito penal, o estacionamento irregular.
No mesmo sentido, o direito penal, que é chamado a agravar ainda mais a repressão
a certas condutas, não pode ir de encontro ao que este ordenamento entende como ilícito;
não pode uma conduta considerada lícita pelo ordenamento ser considerada ilícita
penalmente. E por isso se fundamentam as causas de exclusão da ilicitude das condutas
típicas.
Há que se consignar, entretanto, que há algumas poucas situações em que o direito
penal é, sim, a fonte da ilicitude, e não o ordenamento jurídico. Por exemplo, a omissão de
socorro genérica, de quem não é garantidor: em função do ordenamento jurídico, não
prestar socorro não é conduta ilícita. É mero descumprimento de um dever moral, que não
teria qualquer repercussão jurídica. Neste caso, se não fosse o direito penal constituir a
ilicitude, não haveria qualquer conduta reprimível juridicamente – e justamente por isso
Zaffaroni chama o traço penal, nestas situações, de direito penal constitutivo, sendo que o
papel de direito constitutivo é naturalmente exercido pelo direito civil, e não pelo penal,
1
Aula proferida pelo professor Ricardo Martins, em 4/9/2008.
que vem como sancionador fragmentário. O dever que era unicamente moral se torna
jurídico através da previsão penal2.
1.1. Ilicitude
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Zaffaroni ainda prevê a tentativa como outro exemplo de direito penal constitutivo, pois do contrário não
seria, em regra, juridicamente relevante.
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A teoria da tipicidade conglobante, de Zaffaroni, vai ainda além: entende que, se o ordenamento tolera a
conduta, ou, ainda mais além, a fomenta, não pode a conduta ser sequer considerada típica. É por isso que os
seus autores consideram o exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal causas de
atipicidade de uma conduta, e não de exclusão da ilicitude. De forma semelhante, a teoria da imputação
objetiva, de Roxin, exclui a tipicidade quando a conduta que, aparentemente típica, é praticada de forma a
objetivamente diminuir risco que seria maior na ausência desta conduta – estando, portanto, afeita ao
ordenamento, que premia a diminuição de um risco. O tema será mais bem abordado adiante.
Os elementos de cada tipo penal permissivo é que serão alvo deste estudo, a fim de
se identificar, nas situações que seriam típicas, as exceções legalmente previstas. O meio de
interpretação de tipos penais permissivos, como são pro reo, é extensivo, ao contrário dos
tipos penais incriminadores. Portanto, podem inclusive se valer de analogia, desde que in
bonam partem.
Veja que há tipos permissivos também na parte especial do Código Penal, mas são
atrelados a tipos penais incriminadores específicos, enquanto estas acima apontadas são
gerais. Como exemplo, os artigos 128 e 142 do CP:
E há ainda causas gerais de exclusão da ilicitude que sequer estão na lei: são as
chamadas causas supralegais. A doutrina admite pacificamente, hoje, o consentimento do
ofendido como uma destas causas, o qual será abordada adiante.
2. Legítima defesa
A legítima defesa conta com dois fundamentos, duas funções. A primeira, e mais
óbvia, é a função de defesa do direito. A legítima defesa é uma forma de o Estado devolver
ao indivíduo aquilo que havia tomado para si como monopólio: a liberdade de defesa do
direito próprio.
Ao tomar o monopólio da defesa dos direitos, o Estado pretende impedir a
autotutela. Casos há, porém, em que o exercício da autotutela é a única maneira de se
resguardar um direito, porque aquele que deveria atuar não está presente. É neste momento
em que se autoriza a legitima defesa.
O verbo “tolerar” é muito bem aplicado quanto à atuação do Estado nestes casos:
ele, detentor do exercício da defesa do direito, tolera que o cidadão o faça quando ele
próprio não puder fazê-lo: a proteção do bem jurídico injustamente agredido é permitida a
quem quer que seja, se o Estado não puder atuar.
Este é o fundamento mais óbvio, qual seja, permitir a defesa própria se não pôde, o
Estado, fazê-lo. Há, entretanto, outra função, menos óbvia, mas igualmente importante: é a
afirmação do direito. O Estado, quando não pode defender o direito, não abre mão de que
este seja defendido, e ao deferir ao cidadão o direito de se defender, está, de fato,
reafirmando a toda a sociedade qual é a ordem jurídica vigente. Está dizendo, com a
tolerância à legítima defesa, que a agressão injusta não será aceita, pois qualquer um poderá
reprimi-la, tal é a importância que o direito assume.
Roxin enxerga neste segundo fundamento também uma forma de prevenção: é a
demonstração, para todos, de que o direito será protegido, a qualquer custo (não se entenda
como irrazoavelmente, pois se verá que a proporcionalidade aqui também se aplica). Sendo
assim, é bom que não se agrida o bem jurídico, pois mesmo se o Estado não estiver
presente, a agressão não será tolerada.
Com base nestes fundamentos, uma série de questões são solucionadas. Como
exemplo, a situação jurídica dos duelistas (a briga provocada, a luta, o desafio, e a
conseqüente busca de lesões corporais recíprocas): podem os duelistas alegar que agiram
em legítima defesa?
Veja: o fundamento da legítima defesa é a proteção, qualquer que seja o aspecto que
se considere. Sendo assim, a finalidade dos duelistas não se enquadra na legítima defesa: a
agressão que se perpetra, de um ou de outro contendor, é injusta, mas não é inevitável. E
sendo assim, não há legítima defesa, há lesões recíprocas. A legítima defesa não pode
servir de pretexto a uma agressão.
Por conta do segundo fundamento da legitima defesa, pode-se asseverar com certeza
que mesmo se a fuga for uma opção segura, ela não se torna obrigatória. Entenda: se fosse
imposto ao agredido que fugisse, se possível o fazer com segurança, ainda assim se estaria
protegendo o direito, mas não restaria reafirmado este direito perante a sociedade, e muito
menos perante o agressor. Ao invés de desestimular o avilte, estar-se-ia praticamente
encorajando as agressões, pois se a fuga é obrigatória, o agressor saberá que a defesa ativa
será vedada à vítima.
O fato de que a fuga era possível, e portanto o assalto ao direito era evitável, não
torna a defesa ativa ilegítima, justamente porque só esta vai atender ao segundo
fundamento: o de reafirmar aquele direito em face do agressor. Veja que a fuga não é
desencorajada; o que não se pode conceber é a obrigatoriedade da fuga à vítima, pois isto
seria praticamente um incentivo ao agressor. E esta mensagem de reafirmação do direito
deve poder ser passada ao agressor, como implemento da função preventiva da legítima
defesa.
Neste ponto se torna relevante tratar da agressão por inimputável. Se o agressor for
um inimputável, incapaz de discernir os efeitos das mais corriqueiras situações da vida
comum, a fuga da vítima será obrigatória?
Note que, neste caso, o segundo fundamento da legítima defesa não será
implementado de modo algum, quer haja fuga, quer haja reação da vítima. Isto porque a
falta de discernimento do agressor lhe retira qualquer condição de entender a mensagem de
reafirmação do direito que a defesa ativa possa apresentar. Neste caso, se a fuga, pela
vítima, for uma opção segura para esta, se torna obrigatória: a doutrina entende que a
repulsa deve se dar unicamente na medida do necessário para a proteção do bem jurídico –
ou seja, apenas a primeira função da legítima defesa terá relevância, pois a segunda função
simplesmente não pode ser implementada, vez que o agressor jamais entenderá a
mensagem proveniente de uma reação.
É claro que, sendo impossível a fuga ou a reação branda, a vítima poderá repelir a
agressão do inimputável como quer que seja necessário e razoável, pois a defesa do seu
direito não pode ser-lhe negada4.
Outra questão diz respeito à ponderação de bens em contraposição na agressão e na
defesa: exige-se ponderação entre os bens em confronto, ou seja, pode-se sacrificar
qualquer bem em defesa de um bem agredido?
No estado de necessidade, o alvo do dano causado pela defesa pode ser umas pessoa
inocente, e por esta peculiaridade, é certo que a ponderação entre bem sacrificado e
protegido é rigorosamente necessária. No estado de necessidade, é fato que, no Brasil,
jamais se poderá admitir que um bem maior seja sacrificado na proteção de um bem
menor5. Todavia, na legítima defesa, a proporcionalidade não é necessária: a ação dirige-se
4
Nélson Hungria tem posição isolada, entendendo que a fuga não é exigível, mesmo diante do inimputável,
mas defende que a excludente da ilicitude da reação contra o incapaz é o estado de necessidade, e não
legítima defesa.
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Mesmo por isso, seria até questionável a aplicação extensiva do artigo 24 do CP, já transcrito, pois o tipo
permissivo faz com que se torne admissível a agressão a um bem de terceiro inocente – o que, por sua
a repelir agressão injusta, e o alvo é o agressor injusto, e não terceiro inocente, como no
estado de necessidade. Sendo assim, não se pode limitar a reação atentatória contra a vida
do agressor, que está aviltando o patrimônio da vítima, se agir contra a vida dele é a única
saída para defender o direito em xeque. A vítima pode matar o agressor para defender seu
patrimônio, se outro meio mais brando não se apresentar para defendê-lo. Sendo possível
meio mais brando, com a mesma eficácia, e com o mesmo potencial implementador das
duas funções da legítima defesa, este é exigido; mas não havendo, a agressão a bem maior
pela vítima é legítima6.
Ocorre que, mesmo não se exigindo a ponderação dos bens em atrito, a grave
desproporção não pode ser admitida. Vejamos um exemplo usual na doutrina: um
fazendeiro, paraplégico, só dispõe de uma escopeta para defender-se e a seu patrimônio;
este fazendeiro se vê diante de uma invasão por crianças que estão subtraindo os frutos de
sua mangueira, e tenta, por diversos meios brandos, afastar o ataque ao seu patrimônio:
grita, atira para o alto, para o chão, mas nada surte efeito. Como se disse, não havendo
outro meio, a ponderação não é exigida, e, sendo assim, poderia o fazendeiro atirar nas
crianças, para salvaguardar seu patrimônio?
Como dito, não será admissível a gritante desproporção. Não há necessidade de
proporcionalidade, mas não se admite a aberrante desproporcionalidade. Neste caso, o
fazendeiro deverá resignar-se, e amargar a perda dos frutos.
Diferente seria se as crianças estivessem ateando fogo ao paiol, ou à plantação:
nestes casos, não haveria gritante desproporção – a vida das crianças, mesmo suplantando o
patrimônio, em tese, não é oponível contra o titular de direito patrimonial tão severamente
agredido.
Os doutrinadores chamam esta gritante desproporção de excesso na causa. Como se
verá adiante, o excesso no golpe usado, ou o excesso no meio, imoderado, de repelir a
agressão, são causas que tornam a vítima imputável, mas não se confundem com este
excesso na própria causa da defesa: é excessiva, aqui, a motivação da agressão, a causa do
dano infligido ao agressor.
Veja um outro caso curioso: se um indivíduo tenta roubar de uma farmácia um
remédio de que depende para sobreviver, está claro seu estado de necessidade. Se o
farmacêutico assaltado nega-se a entregar, sua vida está em risco, e sua reação seria (mas
não é) amparada por legítima defesa. Ocorre que, neste caso, há que se atentar para detalhe
de suma importância: o farmacêutico que reage está repelindo agressão que o direito
legitimou ao assaltante, posto que este está em estado de necessidade; destarte, se a
agressão não é injusta (pois foi justificada pela necessidade), não há legitima defesa: há
também estado de necessidade. E é por isso que se admite, então, o estado de necessidade
recíproco.
gravosidade, não seria passível de interpretação extensiva. Esta crítica é feita por Cezar Roberto Bittencourt.
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Cabe aqui uma crítica ao estado de necessidade, que melhor seria classificado como excludente da
culpabilidade. Veja: se é tolerado o estado de necessidade como legitimador de ataque a terceiro, e é permitido
a este terceiro defender-se contra a agressão, o direito penal está, de fato, colocando os dois em confronto, e
aguardando para premiar o vencedor com a excludente. O que a doutrina diz é que há um conflito de
interesses legítimos – o que há, deveras –, mas mesmo assim o que há é que premia-se o indivíduo mais forte.
Fosse o estado de necessidade uma excludente de culpabilidade, é claro que seria mais justa a situação, mas
esta crítica é absolutamente minoritária.
Grande parte da doutrina entende que deve ser estendido a este instituto a iminência,
tal como é prevista no artigo 25 do CP para a legítima defesa. Assim, o perigo iminente
seria também ensejador de ações em estado de necessidade.
Ocorre que, data maxima venia, não há como se abraçar este entendimento, pela só
razão de que o perigo iminente simplesmente não existe. Veja: a agressão pode ser atual, ou
seja, estar sendo praticada, ou iminente, em vias de ser cometida. O perigo, todavia, é
sempre atual: se há qualquer indício de risco, se há qualquer traço indicativo de que há
perigo de algum dano, é porque já há o perigo. Do contrário, não há perigo algum, pela
própria natureza do perigo, que é risco que já se vê em iminência, e se já há risco, é porque
o perigo é atual. Crer no perigo iminente é exercício de previsão do futuro, sem qualquer
base lógica, pois se esta previsão for calcada em qualquer indício, o perigo não é futuro, e
sim atual.
Por isso, é claro que o legislador não redigiu este texto sem técnica, não desta vez.
Não há lacuna ao deixar de fazer constar a expressão “ou iminente”, para o perigo; há
silêncio eloqüente, calcado em raciocínio lógico, e estender o conceito da agressão iminente
para o perigo, por ser norma pro reo, é atecnia imperdoável – mas, incrivelmente, a
doutrina majoritária o faz.
Voltando ao estudo dos elementos da legítima defesa, esta iminência da agressão é
medida pelo iter criminis: Roxin diz que a agressão é iminente quando se encontra, o
agente, no momento final da preparação, antes de iniciar a execução. Se, ao contrário, o
perpetrador já passou deste ponto, iniciando a execução, a agressão se torna atual.
Aqui é importante se traçar os limites da iminência em outra perspectiva: a da
ameaça. Zaffaroni expõe que a iminência não guarda apenas relação puramente temporal
com a conduta do agressor. Ao contrário, diz este autor, haverá agressão iminente sempre
que o agressor demonstrar vontade inequívoca de agir, determinação expressa na violação
do direito da vítima. Se a ameaça é clara, e é percebida a seriedade do intento do autor, há
iminência da agressão, mesmo que esta só venha a ser efetivamente praticada após várias
horas. O ameaçado que se vê nesta posição poderá repelir a agressão desde já, do modo que
lhe for possível.
Um exemplo, do qual se vale Rogério Greco, é o da rebelião na cadeia, em que os
comandantes declaram que a cada hora será morto um refém. Um dos reféns, marcado para
morrer dali a quatro horas, pode desde já atacar seus algozes, que a agressão será iminente.
Ocorre que há quem defenda que a iminência guarde necessariamente relação de
proximidade temporal. Rogério Greco é um autor que assim pensa, e ao narrar o exemplo
acima, defende que se trata não de legítima defesa, mas sim de inexigibilidade de conduta
diversa – excluindo apenas a culpabilidade. Não há, porém, que se acatar o ponto de vista
de Greco, pois pode gerar uma perplexidade inominável: o líder da rebelião, atacado pelo
refém, poderá se defender, e estará em legítima defesa, pois se a agressão do refém é injusta
(vez que só teve excluída a culpabilidade, e não a ilicitude), a defesa é legítima.
“Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente,
ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde
como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º
do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente
pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.”
“Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
(...)
§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena.
Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da
pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.”
Em que pese esta ser a corrente amplamente majoritária, Juarez Tavares e Zaffaroni
entendem se tratar, de fato, de estado de necessidade, e não de legítima defesa. A lógica
destes autores é a seguinte: a pessoa efetivamente afetada é o terceiro inocente, e não o
agressor. Somente por isso, pelo resultado efetivamente provocado, não se enquadraria na
legítima defesa, pois não atingiu o causador do perigo.
Há ainda que se mencionar que não há como existir legítima defesa real de ato
praticado em legítima defesa real: o paradoxo é intransponível, pois se um agente está em
legítima defesa real, significa que a agressão que está repelindo é injusta, e se fosse esta
agressão feita em legítima defesa também real, não seria injusta, pois que excluída sua
ilicitude – e assim por diante, renovando-se este ciclo. De outro lado, pode haver legítima
defesa real de um ataque praticado em legitima defesa putativa, pois quem se defende de
um ataque nesta situação de erro ainda assim está se defendendo de agressão injusta,
mesmo que o erro ainda elida a pena do que atacava pela putatividade.
Por fim, há que se tratar da legítima defesa sucessiva: consiste na repulsa ao excesso
de defesa. Veja: se a vítima age em legítima defesa, mas passa a se exceder no meio ou na
moderação, aquele que originalmente era agressor estará agora em posição de vítima do
excesso, e a sua defesa será legítima, porque o excesso é uma agressão injusta.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
b) Se o motorista revidasse, ele estaria em legítima defesa real de um ato que fora
praticado em legítima defesa putativa. Não haveria crime.
c) Neste caso, o excesso estaria calcado em erro, e seria, este excesso, também
calcado em legítima defesa, agora putativa.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Júlio estava em legítima defesa real, e, por isso, toda agressão de Marcelo foi
injusta, impossibilitando-o de alegar qualquer espécie de legítima defesa a seu favor. Não
tem qualquer razão, portanto, vez que ele, com a agressão inicial ao patrimônio, e depois à
integridade de Júlio, provocou qualquer ataque contra si praticado.
O TJ/RJ assim decidiu na apelação criminal 2002.050.00348:
“FURTO. TENTATIVA. LESAO CORPORAL GRAVE. PROVA DA AUTORIA.
PROVA DA MATERIALIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. REVISAO.
FURTO TENTATO - LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE - PROVA
CONVINCENTE DA AUTORIA E CULPABILIDADE LEGITIMA DEFESA
PUTATIVA INOCORRÊNCIA - CORRETO JUÍZO DE CENSURA PRETENSÃO
DE CONDENAÇÃO NO CRIME DE LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA -
FATO NÃO DESCRITO NA DENÚNCIA IMPOSSIBILIDADE - VERBETE 453
DA SUMULA DO STF DOSIMETRIA PENAL EQUIVOCADA, QUE SE
ACERTA. A prova colhida em juízo, sob o crivo do contraditório, não deixa dúvida
de que o acusado tentou subtrair para si o carregador de celular que estava no carro
da vítima, não conseguindo o seu intento em razão de ter sido visto saindo do
veículo, quando então foi por ela mesmo abordado e deixou cair no chão o objeto
furtado, como também revela-se inquestionável a covarde e desnecessária agressão
que proporcionou as sérias lesões corporais na vitima, afigurando-se
despropositada a tese de legítima defesa putativa, pois a vitima nada mais fez do
que.procurar proteger seu patrimônio, desfalcado criminosamente pelo réu que, por
isso mesmo, não tinha o direito de agredi-Ia violentamente. A pretensão do
assistente de ver o acusado condenado no crime de lesão corporal qualificado pela
lesão permanente não encontra respaldo na lei nem na prova, vez que a perícia
oficial concluiu negativamente ao responder o sétimo quesito (se resultou
incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade incurável ou
deformidade permanente), em perfeita compatibilidade com as fotografias
acostadas às fis. 238/239, bem diferentes daquelas que foram juntas às fls. 38/42,
indicativo de que as lesões não são indeléveis nem irrecuperáveis pela atuação do
tempo ou de um profissional da medicina. De outra banda, não poderia a sentença
acolher a nova definição jurídica aventada nas razões finais do Ministério Público
sem o indispensável aditamento a denúncia, pois estaria a inagistrada violando o
princípio da correlação que deve existir entre a imputação e a sentença. Tampouco
poderia o apelante alcançar seu objetivo através do recurso, em vista do disposto
no verbete 453 da Súmula do Supremo Tribunal Federal "Não se aplicam à 2
Instância o art. 384 e parágrafo único do CPP, que possibilitam dar nova definição
jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida
explícita ou implicitamente na denúncia ou na queixa." A dosimetria penal reclama
pequeno ajuste, pois a elevação da pena base no crime de furto não está
devidamente motivada, ainda mais que a primariedade e os bons antecedentes
foram reconhecidos, sendo o dolo no atuar o normal do tipo. Tampouco a redução
pela tentativa na fração mínima afigura-se correta, pois a abordagem no réu
aconteceu tão logo saiu ele do carro da vítima na posse do carregador do celular
subtraído. Em conseqüência, fixa-se a pena base do crime patrimonial em 1 ano de
reclusão, que se diminui de metade pela tentativa, perfazendo 6 meses de reclusão,
acomodando-se a pecuniária em 5 DM na diária mínima. O mesmo ocorre na pena
imposta pelo cometimento do crime de lesão corporal grave, elevada do dobro,
pois a gravidade e localização das lesões são circunstâncias já consideradas no tipo
incriminador, resultando dai a cominação mais severa do que na lesão simples. Por
isso, considerando a elevada censurabilidade da conduta do réu e as conseqüências
do crime, pois a vitima foi submetida a cirurgia e ficou internada vários dias, fixo a
pena base cru 1 ano o 6 meses de reclusão, não devendo ter incidência a agravante
prevista no art. 61, II, "b", porque presente também a atenuante inominada do art.
66 do CP, decorrente da relevante função de conciliador desenvolvida pelo réu no
1º Juizado Cível, gratuitamente, em benefício das pessoas carentes de recursos e da
própria justiça. O valor da pena pecuniária deve ser reduzido ao mínimo legal, por
Questão 3
Reposta à Questão 3
Tema II
Notas de Aula8
1. Estado de necessidade
“Exclusão de ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá
pelo excesso doloso ou culposo.”
Esta natureza legal não é afastada pela teoria da tipicidade conglobante, que explica
a real natureza do exercício regular do direito e do estrito cumprimento do dever legal
como causas de atipicidade. O estado de necessidade e a legítima defesa são, formal e
materialmente, situações excludentes da ilicitude, causas justificantes da conduta.
Como visto, no estudo da legítima defesa, a fuga só é exigível quando o agressor for
inimputável, dada a segunda função desta excludente da ilicitude, e que a desproporção
entre os bens é tolerável (desde que não excessiva). No estado de necessidade, porém, o
fundamento é completamente diferente: os bens jurídicos que estão em perigo não são,
quaisquer deles, postos abaixo por conduta própria do agente, o que significa que todos os
bens jurídicos merecem igual proteção. Não há agressor ou agredido: estão os envolvidos
na mesma situação, em tese, o que gera outro modo de interpretar o instituto.
Surge, então, a necessidade de que a agressão ao bem jurídico alheio seja inevitável,
pois se não há agressor ou agredido a repelir, é estado de exceção máxima a permissão do
ordenamento para aviltar bem jurídico de terceiro inocente.
Aqui se faz relevante o conceito de commodus discessus: no estado de necessidade,
só é permitido o ataque ao bem jurídico alheio se não houver outra saída; se este for apenas
o caminho mais cômodo – e esta é a tradução do termo –, não há exclusão da ilicitude.
Havendo outra forma de salvaguardar o bem jurídico, que não a violação do bem alheio,
esta é imponível, tamanha é a relevância da inevitabilidade neste instituto, o que não se
repete na legítima defesa, em regra, dada a não obrigatoriedade da fuga, por exemplo.
Mesmo por isso é que surge a discussão se a reação à agressão do inimputável seria
mesmo legítima defesa, ou seria estado de necessidade. Veja: se o agressor não está agindo
injustamente, pela simples razão de não haver qualquer discernimento na justiça de seus
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Aula proferida pela professora Cláudia Barros, em 5/9/2008.
atos, a atitude de repelir ativamente tal agressão, quando não for possível a fuga – quando
for inevitável –, pode fazer com que o ato assuma feições de estado de necessidade, ao
invés de legítima defesa, e assim defende Nélson Hungria. A doutrina majoritaríssima,
porém, entende que se trata mesmo de legítima defesa, com o requisito especial e
excepcional da inevitabilidade da reação violenta.
Antes de tudo, deve-se atentar que as teorias são excludentes, são opções de cada
ordenamento, que deverá adotar uma ou outra para configurar o instituto. Na Alemanha,
adota-se a teoria diferenciadora; no Brasil, a unitária.
A teoria diferenciadora prevê o estado de necessidade com duas naturezas diversas;
ora como excludente da ilicitude, quando é chamado justificante; ora como excludente da
culpabilidade, caso em que é chamado exculpante. A unitária, como o nome indica, só
atribui uma natureza, sempre, ao estado de necessidade: a de excludente da ilicitude.
Na teoria diferenciadora, as situações em que se exclui a ilicitude ou a culpabilidade
devem ser identificadas de acordo com parâmetros estabelecidos para tanto. Por isso,
entende-se que o estado de necessidade será justificante quando o bem protegido for de
valor maior que o sacrificado; e será estado de necessidade exculpante quando o bem
jurídico protegido for de valor igual ou menor que o sacrificado. Por exemplo, se o bem
que se intenta proteger for a vida, e para isso se sacrifica patrimônio, a conduta resta
plenamente justificada; se o bem protegido for a vida, e o sacrifício for da vida alheia, nesta
teoria, o estado de necessidade é exculpante, pois são iguais os valores protegido e
sacrificado. O estado de necessidade é exculpante porque exclui a exigibilidade de conduta
diversa.
A teoria unitária, por seu turno, não divide as naturezas jurídicas desta excludente: é
sempre justificante. Mas é importantíssimo consignar que o conceito de justificante desta
teoria não é idêntico ao da teoria diferenciadora: aqui, não há vigência do mesmo parâmetro
estático que lá se opera, porque, por exemplo, se os bens em conflito forem de igual valor,
ainda assim será justificante – sendo que na teoria diferenciadora seria exculpante. De fato,
na teoria unitária, não há aplicação estática destes parâmetros de valor; o que se exige é a
ponderação dos valores na casuística, a razoabilidade. Estará em estado de necessidade o
agente se não for razoável exigir atuação diferente, ou seja, se as circunstâncias
demonstrarem que não era possível exigir que a pessoa sacrificasse o bem que ela protegeu.
O que ocorre, então, na teoria unitária, é que a análise da exigibilidade de conduta
diversa, elemento da culpabilidade, é antecipada para a verificação da ilicitude. Mas veja
que esta antecipação só se dá no estado de necessidade, mantendo-se os demais casos de
exigibilidade de conduta diversa na análise da culpabilidade. Em síntese: o estudo da
exigibilidade de conduta diversa, no estado de necessidade, se antecipa para a análise da
ilicitude.
No Brasil, como dito, adota-se a teoria unitária, não havendo qualquer caso em que
se aplique o estado de necessidade exculpante, nem mesmo como causa supralegal de
exclusão da culpabilidade: simplesmente este conceito aqui não se amolda, porque se há
estado de necessidade, não há ilicitude; se a conduta diversa não é exigível, a conduta resta
justificada.
deva ser lido este artigo 24 do CP, por interpretação extensiva, como perigo atual ou
iminente. É claro que não deve prosperar esta leitura, por não haver sentido na expressão
perigo iminente: na legítima defesa, é necessário que haja a previsão da iminência, pois o
dano, a agressão, sim, pode ser atual ou iminente.
Outro aspecto que deve ser considerado é a confrontação entre pessoas que agem
uma em estado de necessidade e outra em legítima defesa: este confronto é, em verdade,
impossível, porque se alguém atua em estado de necessidade, sua agressão ao bem alheio é
justa, e sendo assim, a conduta da vítima em repelir tal agressão não se amolda à legítima
defesa, que demanda agressão injusta.
Nada impede, porém, que haja estado de necessidade recíproco: ambos os agentes,
estando em perigo atual, podem, os dois, disputar a salvação própria em detrimento do
outro, estando ambos amparados pelo estado de necessidade. Exemplo clássico é o do
naufrágio, em que dois sobreviventes disputam tábua de salvação que só comporta um:
ambos estão em estado de necessidade, e aquele que vencer o combate terá sua conduta
justificada.
“Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias,
supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de
pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
(...)”
Casos Concretos
Questão 1
CREUSA está passeando pela rua quando um cachorro pitbull morde sua perna.
Ela, em desespero, saca uma pistola que possui e efetua disparos no cão, que morre.
a) Está CREUSA amparada por alguma causa de exclusão da ilicitude?
b) E se o cão estivesse sendo atiçado por CLEIA, sua inimiga, haveria exclusão da
ilicitude?
Resposta à Questão 1
a) Sim, está amparada pelo estado de necessidade, vez que agrediu o patrimônio, o
bem semovente, pela necessidade de salvar sua integridade física, sendo o
ataque o meio necessário, razoável e, aparentemente, inevitável de salvar-se.
b) Neste caso, o cão seria instrumento da agressão que foi, de fato, perpetrada por
Cléia, e sendo assim, o ataque de Creusa estaria repelindo agressão injusta de
ser humano, motivo que configuraria legítima defesa.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Não se pode confundir estado de necessidade com estado de precisão: este consiste
na carência, penúria, pobreza, e não no perigo atual que enseje incidir em conduta
normalmente típica sem que seja ilícita. O estado de necessidade só pode ser reconhecido
se o sacrifício do bem em questão for inevitável. Fosse caso de iminente colapso famélico,
e o agente que furtasse alimento absolutamente não tivesse outra opção para saciar-se,
estaria nesta excludente, mas não é o que se passou, in casu. Por isso, não há que se
reconhecer a excludente neste caso concreto.
Assim se posicionou o TJ/RJ na apelação criminal 2003.050.00564:
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema III
A Exclusão da Ilicitude (Causas de Justificação) III. O estrito cumprimento do dever legal e o exercício
regular do direito. 1) O estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito: generalidades:a)
Conceitos e fundamentos legais;b) Os elementos estruturais. 2) Os ofendículos ou ofensáculos. 3) O excesso
nas causas de justificação: excessos doloso e culposo. Controvérsias.
Notas de Aula9
O artigo 23, III, do CP, trata expressamente destes institutos como causas de
exclusão da ilicitude:
“Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos
já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de
provas:
I - (Vetado).
II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se
supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que
mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize
A nova lei de drogas, a Lei 11.434/06, também trata da infiltração, no artigo 53, I:
“Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos
nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial
e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos
órgãos especializados pertinentes;
II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores
químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no
território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número
de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal
cabível.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será
concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos
agentes do delito ou de colaboradores.”
“Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim
de cometer crimes:
Pena - reclusão, de um a três anos.
Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.”
Entretanto, de outro lado, seria formalmente típica a sua conduta quando, no curso
da infiltração, praticasse outros delitos, o que se faz necessário pela própria dinâmica de
uma infiltração (ou seu disfarce seria descoberto, caso negasse participar dos crimes).
Imagine-se, então, que o agente seja forçado a matar alguém quando do curso da
infiltração, sob risco de, se não o fizer, revelar seu disfarce e sofrer a consequência, que
provavelmente será sua morte: terá cometido crime?
O agente que assim agiu não pode alegar estado de necessidade, porque, apesar do
perigo em que se encontra, como já se viu, esta excludente demanda que o perigo causado
não tenha sido criado pelo próprio agente, e a infiltração, fonte do perigo, foi por ele
praticada. O agente infiltrado também não estará amparado pelo estrito cumprimento do
dever legal, pois seu dever normativo, nesta situação, e no curso de toda a infiltração, não é
o de cometer qualquer crime, e sim o de investigar, somente. Mas veja: como não poderia o
agente agir de outra forma, pois seria morto, estará apoiado na inexigibilidade de conduta
diversa, tendo a culpabilidade excluída. Mesmo não tendo amparo em qualquer excludente
de ilicitude – tendo praticado fato típico e ilícito –, o agente infiltrado, nesta situação, não
age em conduta reprovável, sendo excluída sua culpabilidade.
A confusão sobre estas excludentes, em especial o estrito cumprimento do dever
legal, se faz notar especialmente nas ações policiais. É muito comum crer que o policial, em
diligência, tem o dever de matar bandidos, o que é absurdo. Quando um policial mata o
bandido em tiroteio, não o faz em estrito cumprimento do dever legal, e sim em legítima
defesa de sua vida, que está na mira dos tiros do meliante.
Mesmo por isso, se o policial mata dolosamente o meliante sem que este ofereça
resistência ativa, ou seja, sem que atente contra a vida do próprio policial – o bandido em
fuga –, não há que se falar em excludente alguma: o policial comete o crime de homicídio,
pura e simplesmente. Havendo resistência do bandido, é necessário que o policial se
defenda, e sempre sem excesso; sem ataque do bandido, o policial não está autorizado a
atacar violentamente ninguém.
Note que, na fuga do meliante, o policial poderá atuar de forma a impedi-lo, ou seja,
poderá até mesmo chegar a disparar a arma, alvejando as pernas do perseguido, ou as rodas
do seu veículo, se for o caso – caso em que estará, sim, em estrito cumprimento do dever
legal. Mas veja que estará agindo moderadamente para proteger a segurança social, e não
para matar o bandido, sendo-lhe, em tese, possível assim atuar (em que pese o STJ
demonstrar adotar tese de que o policial nunca pode atirar para conter fuga, mas apenas
para defender-se).
O exercício regular do direito, como dito, tem natureza formal, legislativa, de
excludente da ilicitude. Para a tipicidade conglobante, porém, a natureza jurídica será
variante, podendo ser excludente da ilicitude ou da tipicidade.
Isto porque há duas formas de se atuar em exercício regular do direito: ou o agente
realiza atividade fomentada pelo ordenamento, ou realiza atividade tolerada pelo
ordenamento. A prática de esporte violento, por exemplo, é atividade fomentada, assim
como a intervenção cirúrgica para fins terapêuticos necessários. De outro lado, é atividade
meramente tolerada a cirurgia estética, desnecessária à proteção da saúde.
Para a lei, quer se trate de atividade fomentada, quer de atividade tolerada, o
exercício regular do direito sempre excluirá a ilicitude. Para a tipicidade conglobante,
todavia, se a atividade for daquelas considerada fomentadas pelo ordenamento, não serão
antinormativas, e conseqüentemente serão atípicas; se a atividade for meramente tolerada,
ou seja, não houver qualquer norma que a fomente, será típica, pois que é antinormativa,
mas não será ilícita, pois que justificada.
Como exemplo, a conduta do boxeador ao ferir o adversário em conformidade com
as regras do esporte (normatividade do esporte, portanto), é atípica, assim como a do
médico que segue o protocolo da cirurgia necessária à cura – não há lesão corporal por
atipicidade, nos dois casos. Já a conduta do médico que realiza cirurgia estética é típica,
porque não há fomento normativo da sua prática, mas não é ilícita, porque é conduta
tolerada, excluída sua ilicitude pelo exercício regular do direito.
2. Consentimento do ofendido
- O bem jurídico violado deve ser disponível, pois do contrário a própria vítima não
tem ingerência sobre seu bem, não podendo consentir em seu ataque;
- O consentimento deve ser emitido por pessoa capaz para tanto, e o direito penal,
em interpretação sistemática do CP, reconhece como capaz a pessoa maior de
quatorze anos, não alienada ou débil mental, ou não incapacitada de manifestar
vontade (como a pessoa sedada), como demonstra o artigo 224 do CP:
- O consentimento deve ser válido, ou seja, não pode a vontade ser viciada por
fraude ou coação;
3. Ofendículos, ou ofensáculos
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
a) A princípio, Caio atuou em legítima defesa, porque a sua provocação não foi uma
agressão, e assim a atitude de Juca foi a própria agressão injusta.
b) Não. O que o impediria seria a sua agressão, porque então a conduta de Juca
seria, esta sim amparada pela legítima defesa. Quem deu azo ao acontecimento não
pode alegar legítima defesa, a não ser pelo eventual excesso.
c) Se Juca estivesse em legítima defesa, é claro que a atuação de Caio seria reação a
uma agressão justa, e não seria amparada, então, pela legítima defesa.
d) O excesso não pode ser identificado nem refutado na hipótese, pois a agressão
repelida, bem como os meios de agressão usados por Juca poderiam ensejar até mais
do que foi feito por Caio, ou ser efetivamente excessiva a sua atuação. O excesso
fortuito é possível.
terceiro inocente, em caso em que era inexigível do autor da reação agir de forma
diversa.
f) A responsabilidade cível pelo dano causado a terceiro não fica afastada, pois é
dano sofrido que merece reparação, se a vítima não deu causa, a teor do artigo 65 do
CPP – caso em que terá direito regressivo contra Juca. Uma segunda corrente
entende que Caio não deverá responder por nada, vez que o ato não foi ilícito.
g) Neste caso, a conduta seria típica da mesma forma, porque a lesão causada foi de
natureza grave – deformidade permanente ao rosto –, e por isso o consentimento do
ofendido não tem relevância como excludente. Os requisitos são cinco: bem jurídico
disponível; vítima capaz; consentimento válido; consentimento contemporâneo; e
consentimento específico.
A natureza jurídica é flutuante: é causa de atipicidade, se o dissenso é
elementar do crime; e é causa supralegal de exclusão da ilicitude, se preenche os
cinco requisitos mencionados. Para Zaffaroni, sempre exclui a tipicidade material.
Questão 3
RIBAMAR, delegado de polícia, foi condenado por infração ao art. 121, §3º, c/c
art. 20, 1ª e 2ª partes e art. 23, III, e parágrafo único, todos do Código Penal, porque, no
dia em que ocorreu uma fuga de presos na 6ª DP, estava em trabalho de captura de
fugitivos, quando se deparou com GENIVAL caminhando em via pública em atitudes
suspeitas e, então, pensando ser este um dos fugitivos, procurou detê-lo, pedindo para que
parasse. Porém, quando RIBAMAR se identificou como policial, GENIVAL empreendeu
fuga, momento em que o agente atirou para cima e, não obtendo êxito, efetuou um disparo
na perna daquele, mais precisamente na face posterior da coxa direita, causando-lhe,
cerca de cinco dias após, sua morte em razão de gangrena gasosa causada pelo ferimento,
como pericialmente determinado. Indaga-se: agiu corretamente o magistrado?
Resposta à Questão 3
seria lesão corporal seguida de morte, respondendo pelo excesso na atuação, sem considera-
se a descriminante putativa – denotando adesão do STJ à tese de que não é permitido jamais
ao policial atirar para conter a fuga, mas apenas para se defender (posição bastante
criticável). Veja:
“RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE.
DESCLASSIFICAÇÃO. HOMICÍDIO CULPOSO. ESTRITO CUMPRIMENTO
DO DEVER LEGAL. ARTIGO 284 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
NORMA DE EXCEÇÃO. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO.
1. O artigo 284 do Código de Processo Penal é norma de exceção, enquanto
permissiva de emprego de força contra preso, que não admite, por força de sua
natureza, interpretação extensiva, somente se permitindo, à luz do direito vigente,
o emprego de força, no caso de resistência à prisão ou de tentativa de fuga do
preso, hipótese esta que em nada se identifica com aqueloutra de quem, sem haver
sido alcançado pela autoridade ou seu agente, põe-se a fugir.
2. Não há falar em estrito cumprimento do dever legal, precisamente porque a lei
proíbe à autoridade, aos seus agentes e a quem quer que seja desfechar tiros de
revólver ou pistola contra pessoas em fuga, mais ainda contra quem, devida ou
indevidamente, sequer havia sido preso efetivamente.
3. O resultado morte, transcendendo embora o animus laedendi do agente, era
plenamente previsível, pela natureza da arma, pelo local do corpo da vítima
alvejado e pelas circunstâncias do fato, havendo o recorrido, em boa verdade,
tangenciado o dolo eventual.
(...)”
Tema IV
Notas de Aula10
1. A culpabilidade
10
Aula proferida pelo professor Cristiano Soares Rodrigues, em 8/9/2008.
A primeira teoria formulada com a culpabilidade sendo elemento do crime foi a tese
psicológica da culpabilidade. Esta teoria definiu a culpabilidade como a responsabilidade
do autor pelo ato ilícito praticado, sendo o vínculo psicológico entre o autor e o resultado
causado. Vigente no causalismo, este conceito apresentava a culpabilidade como um
elemento estritamente psicológico, ligando a atuação do autor com um determinado
resultado. O crime, para o causalismo, era visto de forma muito objetiva, muito material,
sendo caracterizado tão-somente por aquilo que se causa com uma determinada conduta
natural.
Veja que esta postura causalista, extremamente simplista, acerca do que é conduta e
resultado, é ótica que não cogita de nenhuma valoração sobre aquilo que é causado no
mundo natural. E neste contexto bastante objetivado de crime, a culpabilidade assumia o
único aspecto de subjetividade admitido na estrutura. O aspecto objetivo, material, do
crime, nesta época, é o fato típico e a ilicitude, e a culpabilidade é o único lado subjetivo da
moeda, servindo como o único vínculo psicológico entre o autor e os fatos por si
praticados, objetivamente delimitados.
Em síntese, na teoria psicológica da culpabilidade, esta é vista como a parte
subjetiva do fato punível, enquanto a tipicidade e a ilicitude formam a parte objetiva,
material, do injusto.
Quando os autores desta teoria definem que o vínculo entre a pessoa e o injusto por
ela praticado é feito pela culpabilidade (nesta visão bem crua deste elemento), concluem
também que ela se divide em dois elementos, dois aspectos: o juízo de culpabilidade será
formado pela imputabilidade e pela presença de dolo ou culpa.
A imputabilidade se demonstra a capacidade de compreender o mundo, e, com esta
ciência, poder se autodeterminar na condução de seus atos. Define-se, então, como a
capacidade de culpabilidade, caracterizada como plena capacidade de entender os fatos e
de se autodeterminar de acordo com este entendimento. Diga-se, este conceito, aqui
surgido, ainda é o mesmo até hoje, mesmo com o abandono do causalismo.
Ao trabalhar este conceito, o causalismo demonstrava perceber, já, a necessidade da
vinculação pessoal de quem causa alguma coisa ao resultado causado, para merecer a
reprovação pelo resultado danoso. Por isso, agregaram o segundo aspecto mencionado: a
análise do dolo e da culpa.
Dolo e culpa, então, surgem como a relação psicológica do autor com o resultado
causado. Perceberam que resultado pode ter sido desejado, havendo dolo, ou não desejado,
mas causado por falta de cuidado – quando há então a culpa. De uma ou de outra forma,
reputavam necessário um ou outro elemento, somado à imputabilidade, para que se
desenhasse a culpabilidade do autor do injusto.
É importante perceber que a teoria psicológica da culpabilidade nunca a interpretou
como um elemento autônomo da estrutura do crime, e sim como uma medida da vinculação
do crime, já cometido pelo preenchimento da tipicidade e da ilicitude, ao agente autor de tal
fato. Bastava, para ser reprovável o crime, a existência do injusto, e a imputabilidade,
dolosa ou culposa, de seu cometimento ao autor.
Note que se aproxima bastante, esta concepção, da culpabilidade enquanto
princípio, que exige a vinculação subjetiva para a responsabilização penal, como se disse. É
daqui que surge a responsabilidade penal subjetiva.
inexigibilidade de conduta diversa da injusta, elemento que não foi previsto pela teoria
psicológica da culpabilidade.
Veja que pode haver caso em que o agente causa o resultado danoso, com dolo, sem
amparar-se em excludente de ilicitude, mas mesmo assim sua conduta não seja reprovável.
Bom exemplo é a coação moral irresistível que força agente a matar alguém: há a conduta
da causação da morte, e há o dolo em matar – ou seja, há o vínculo psicológico da estrutura
causalista –, mas não é reprovável esta conduta porque não se podia exigir que o agente
praticasse outra.
A falta de previsão destas situações concretas, que podem afastar o juízo de
reprovação mesmo quando o vínculo psicológico está presente, é uma das mais gritantes
falhas desta teoria. Percebe-se que o juízo de reprovação não deve ficar vinculado apenas
aos aspectos psicológicos, pois há hipóteses em que, mesmo o dolo estando perfeito, a
culpabilidade deve ser afastada em face da análise das circunstâncias concretas da prática
do ato.
Com estas críticas, teve impulso nova teoria sobre a culpabilidade, a chamada
teoria psicológico-normativa da culpabilidade.
Para esta teoria, o juízo de reprovação passa ainda pelo aspecto psicológico, porque
esta teoria ainda é ligada à estrutura causalista, que vê dolo e culpa como aspectos da
reprovação pelo que se causou. Mas esta tese agrega ao conceito de reprovação aspectos
objetivos, que como visto, estavam ausentes na teoria psicológica da culpabilidade.
Por isso, começam a enxergar dolo e culpa como elementos que podem ser apurados
na culpabilidade, mas não necessariamente como vínculo psicológico puro entre conduta e
resultado. Podem ser elementos para reprovar a conduta, mais gravemente, quando há dolo,
ou menos severamente, quando há apenas falta de cuidado, culpa.
A principal nota desta teoria, porém, é mesmo a agregação de elementos objetivos à
culpabilidade, a qual passa a ter analisados elementos psicológicos e elementos normativos
– e daí vem seu nome.
Em suma, para esta teoria, o juízo de culpabilidade passa pela análise da
imputabilidade (conceito que perdura até hoje); do dolo e da culpa, mas como elementos
independentes na reprovação, e não os únicos; e agrega o aspecto objetivo, normativo, para
se reprovar alguém, qual seja, a exigibilidade de conduta diversa no caso concreto.
A adução deste elemento objetivo é de fato o maior avanço, pois é certo que em
casos como o do exemplo dado, em que o agente age moralmente coagido de forma
irresistível, não há como se reprovar sua conduta, mesmo que psicologicamente presente o
dolo. Se não é possível exigir conduta diferente da praticada, não há como se reprovar o
fato.
O conceito deste elemento, da exigibilidade de conduta diversa como requisito da
culpabilidade, pode ser atribuído a Frank, em 1907, que foi o primeiro a entender que as
situações concretas, sendo diferentes entre si, não podem receber tratamento genérico pelo
prisma da culpabilidade: se a situação não é normal, não é igual às demais, a conduta não
pode ser igualmente reprovada. Por isso, seu estudo se baseou na proposição da teoria da
normalidade das circunstâncias concretas, ou seja, se situação concreta é idêntica às
normais, a conduta exigida na normalidade também se impõe; se a circunstância é
diferente, é anormal, não se pode exigir a mesma conduta que é imposta na normalidade. E
assim surgiu a fórmula da inexigibilidade de conduta diversa.
Resumindo: com base no conceito de normalidade das circunstâncias concretas,
Frank previu a inexigibilidade de conduta diversa como causa de exculpação para se afastar
o juízo de reprovação da culpabilidade.
Ao separar dolo e culpa como elementos independentes na culpabilidade, esta teoria
deu ainda outro passo. Percebeu que para se reprovar a finalidade da conduta, ou a falta de
cuidado, é necessário que o agente tenha também a exata noção de que está agindo errado,
que está contrariando o que o direito lhe comanda. Assim, poder entender o mundo (ser
imputável), poder agir de forma diferente da injusta (exigibilidade de conduta diversa), ter
finalidade dirigida ao resultado, ou faltar com o cuidado necessário a impedir que ocorra
(dolo ou culpa), são todos elementos que devem estar presentes para que haja
culpabilidade. Mas além deles, é necessário também que o agente saiba que tal resultado é
contrário ao ordenamento, porque se o agente realmente acredita que o resultado que
causou não é ilícito, ele não pode ser reprovado. E aí surgiu outro elemento no juízo de
reprovação, especificamente aderido ao juízo sobre a finalidade da conduta, ao dolo: o
conhecimento da ilicitude.
Fica claro, então, que nesta teoria psicológico-normativa, o dolo é aquele que os
romanos chamavam de dolus malus, “dolo mau”, dolo valorativo, atribuído a quem sabe
que faz algo proibido. A consciência da ilicitude, neste momento, adere ao dolo da
culpabilidade como requisito imperativo, portanto (não tendo relação com a culpa, que não
tem aderida a si este conhecimento, pois para incidir em quebra do dever de cuidado não se
cogita da ilicitude da falta de cuidado).
Em suma, ao analisar o dolo como elemento de reprovação, esta teoria exige que
junto a este dolo esteja presente a consciência da ilicitude do resultado, trabalhando assim
com o antigo conceito de dolus malus, ou seja, dolo valorativo, que pressupõe o efetivo
conhecimento do autor do caráter proibido daquilo que faz. Não sabendo da proibição de
sua conduta pelo direito penal, não poderia ser reprovado.
É de se perceber que esta culpabilidade da teoria psicológico-normativa é a que
mais elementos continha em sua estrutura, desde os primórdios da teoria do delito. Para esta
teoria, surgia na culpabilidade a análise da imputabilidade, do dolo (com conhecimento da
ilicitude) e da culpa, e da exigibilidade de conduta diversa. Mas esta teoria sofreu
lapidação, depuração pelos estudiosos, que culminou na formulação da teoria normativa
pura da culpabilidade.
Neste diapasão, se a finalidade está ínsita à conduta, o dolo não pode ser analisado
em momento diverso desta: a análise do dolo obrigatoriamente deve ser realizada em
conjunto com a análise da conduta do agente. E a conduta é analisada dentro do tipo penal,
e não na culpabilidade. Por isso, se o dolo é elemento da conduta, deve ser atraída a sua
análise para junto desta, sendo retirada da culpabilidade: se o dolo, a finalidade, é analisada
na conduta, não pode ser analisada na culpabilidade.
E esta foi simplesmente a maior alteração promovida na teoria do delito, ou melhor,
no direito penal, em todos os tempos. Ao perceber que a conduta humana se delimita de
acordo com a finalidade, a intenção, o dolo do autor, Welzel percebe que o dolo está
atrelado à conduta, sendo que, se a conduta está prevista no tipo, o dolo passa a fazer parte
do próprio tipo penal, como caracterizador da conduta e do crime, deixando de ser um
elemento analisado na culpabilidade, no juízo de reprovação. O dolo não identifica a
reprovabilidade: identifica qual foi a conduta praticada.
Com isso, a culpabilidade perdeu o elemento realmente psicológico, passando a ser
composta apenas pelos elementos normativos, e por isso a teoria finalista da culpabilidade é
chamada teoria normativa pura da culpabilidade.
Assim, são mantidos na culpabilidade todos os elementos dantes presentes, com
apenas duas alterações; o dolo deixa de ser presente, e o conhecimento da ilicitude, que era
exigido efetivamente do agente, agora passa a ser apenas potencial, ou seja, basta que seja
possível que o agente saiba do caráter proibido da conduta para que seja reprovável (se
efetivamente sabe da ilicitude, sua reprovabilidade é maior do que se não sabe mais podia
saber).
Destarte, a teoria pura, finalista, que é hoje adotada, traz na culpabilidade a
imputabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude, e a exigibilidade de conduta diversa.
Ao transferir o dolo de dentro da culpabilidade para dentro da tipicidade, o finalismo
passou a adotar esta teoria normativa pura da culpabilidade, que deixou de possuir o
elemento psicológico (dolo), passando a ser formada apenas pelos três elementos
normativos mencionados.
É importante consignar que a culpa, stricto sensu, também passou a ser analisada na
conduta, ou seja, não restou sua análise na culpabilidade. Porém, não se trata de elemento
subjetivo da conduta: o juízo que é feito na verificação da quebra de cuidado é juízo de
previsibilidade, valoração que é absolutamente objetiva, calcada em eventos empíricos. A
justificativa para Welzel trazer a análise da culpa para a conduta é porque até na conduta
culposa há dolo, há intenção: toda conduta humana tem finalidade, e a finalidade da
conduta culposa é uma tal, sendo o resultado proveniente uma conseqüência nefasta não
prevista da busca da finalidade querida pelo agente. Um exemplo clareia a situação: ao
limpar a arma de fogo, esta conduta tem finalidade, ou seja, há dolo de limpar a arma, que
não é uma conduta típica. Todavia, se esta conduta, por falta de cuidado, acabar matando
alguém com um disparo acidental, mas que era totalmente previsível11 – pois toda arma de
fogo pode disparar –, o agente responderá pelo resultado acontecido. Mesmo a intenção
11
A previsibilidade é cada dia mais encarada como critério objetivo, como indica o próprio princípio da
confiança: se é esperado de todos que ajam de determinada forma, a valoração objetiva da conduta, diante
daquela que é considerada standard, é que indica se há ou não quebra do dever de cuidado. Passada a análise
objetiva da quebra de cuidado, que se dá na conduta, análise que é comparativa com a conduta esperada do
homem médio, pode até ser excluída a culpabilidade na análise da culpabilidade como elemento estrutural,
quando se verifica que, naquele caso concreto, a conduta standard era excepcionalmente inexigível.
sendo atípica, a conduta desidiosa gerou resultado típico, se a norma prevê a modalidade
culposa à situação previsível.
O dolo que foi destacado para a conduta é valorativamente neutro, sendo o chamado
dolo natural. É a finalidade física, sem valoração da conduta, sem cogitar do porquê de tal
conduta. O motivo da conduta será avaliado em outro momento, mas não na análise da
finalidade da conduta: o dolo natural é estrito, é somente a identificação, na conduta, da
intenção em fazer o que está descrito no tipo penal.
Veja que, como dito, o conhecimento da ilicitude que restou na análise da
culpabilidade era analisado em conjunto com o dolo valorativo de então. Todavia, ao restar
solo na culpabilidade, passou a bastar a potencialidade da ciência da ilicitude para haver
reprovabilidade, porque ali se faz a valoração da reprovabilidade da conduta, e sem o dolo
valorativo, o conhecimento seria meramente objetivo, descartado o desleixo daquele que,
podendo saber que estava agindo errado, não se interessou por informar-se. Se no juízo
profano, comum, leigo, não se podia cogitar que aquele injusto era uma conduta ilícita, não
será reprovável; se há qualquer indício de que poderia ser conhecida a ilicitude do fato, já
há reprovabilidade.
Em síntese: ao se alterar a estrutura da culpabilidade, e deixar a consciência da
ilicitude, separada do dolo, como elemento da culpabilidade, percebe-se que o juízo de
reprovação pode ocorrer em duas hipóteses: conhecimento real da ilicitude; e potencial
para conhecer tal ilicitude, ou seja, ser possível na esfera comum, profana, usual, saber, se
informar, sobre o caráter ilícito daquilo que se faz. É claro que a medida da culpabilidade
daquele que tinha apenas o potencial conhecimento da ilicitude é menor do que o daquele
que efetivamente sabia de tal ilicitude.
Casos Concretos
Questão 1
Tendo em vista a evolução das teorias do delito a partir do séc. XIX e o tratamento
dispensado à doutrina da culpabilidade e seus elementos estruturais, esclareça:
a) em que consistem as concepções bipartidas e tripartidas do delito;
b) quais foram as principais teorias sobre a culpabilidade formuladas a partir da
adoção do conceito estratificado de delito;
Resposta à Questão 1
Questão 2
DANIELLE é uma pobre mãe solteira de 22 anos, soropositiva, com três filhos
pequenos para sustentar, sendo o menor deles - CLEISSON, um bebê de 07 meses -
soropositivo também. Certo dia, DANIELLE entrou na loja SOM LEGAL com uma bolsa
grande, na qual colocou alguns CDs que visava furtar, sem saber, todavia, que estava
sendo observada pelos seguranças do estabelecimento, pelos quais foi detida, ao tentar
sair com os CDs. Houve o oferecimento de denúncia e a condenação de DANIELLE pela
prática do crime previsto no artigo 155, § 2º, n/f do artigo 14, II, todos do Código Penal.
Em razões de apelação, a defesa sustentou a inexigibilidade de conduta diversa, em razão
da doença da ré e de seu bebê, já que ambos necessitam de cuidados médicos que seriam
viabilizados exatamente com os recursos materiais obtidos com a venda dos objetos que
tentara furtar. Assiste razão à defesa? Por quê?
Resposta à Questão 2
Não. A conduta diversa era exigível. Poderia, a ré, ter-se valido de outros meios,
lícitos, na obtenção de seu sustento, sem ser o furto a única e última saída para que seu
sustento fosse obtido. Todavia, a tese defensiva deveria ter apelado à atipicidade material,
pois decerto o fato seria atípico por insignificância penal da lesão, sendo aplicável a tese da
bagatela.
Tema V
A Culpabilidade II. 1) Noções gerais: culpabilidade como requisito fundamental do crime. 2) O conceito
complexo de culpabilidade:a) Evolução dogmática, definição e objeto;b) Os elementos estruturais: a
imputabilidade, a consciência da ilicitude, a dupla posição do dolo e da culpa. As formas de culpabilidade,
os elementos especiais da culpabilidade, as causas de exculpação; c) Críticas. 3) A culpabilidade
Notas de Aula12
Na lógica desta corrente, então, fica claro que o legislador pretendeu que a ilicitude,
por exemplo, é necessária para que haja crime, mas a culpabilidade só é necessária para que
haja pena.
Ocorre que olvidou-se, esta corrente, de um detalhe de grande importância: o
legislador brasileiro é altamente impreciso no uso da terminologia. Há claros exemplos no
próprio CP que esclarecem esta atecnia do legislador. A primeira que pode ser apontada está
no artigo 20, § 1º, que trata do erro de tipo permissivo:
“Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias,
supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de
pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
(...)”
Veja que no erro de tipo invencível está afastado o dolo e a culpa, e o fato é atípico;
no evitável, afasta-se o dolo, mas pune-se a título de culpa. Ocorre que ao se tratar de
causas que afastam dolo ou culpa, o instituto trata da própria tipicidade, elemento
inconteste do crime. Mas ao invés de dizer que não há crime, veja que o legislador diz, no §
1º, que está o agente isento de pena, o que demonstra clara imprecisão no uso do termo,
pois se fosse levada a redação do texto à literalidade, como defende Damásio, afastamento
do dolo seria também um mero pressuposto de aplicação da pena, e a própria tipicidade
deixaria de ser elemento do crime.
O que esta corrente defende é que neste § 4º o legislador determinou que mesmo se
o autor do crime que produziu a coisa receptada for isento de pena, ainda se configura a
receptação, significando, em última análise, que um inimputável pode cometer crime, em
sentido estrito. Nesta linha de raciocínio, se a inimputabilidade não é suficiente para excluir
o crime, como faz entender este dispositivo, é porque o próprio elemento que esta integra –
a culpabilidade – não é suficiente para excluir o crime, mas tão-somente a pena.
É de se atentar que a receptação é um crime que só existe pela impossibilidade de
punição da participação posterior ao cometimento do crime, porque, em fundamento, é isto
que é a receptação: participação posterior no crime do agente imediato. A fim de não
permitir esta conduta, foi necessária a criação de tipo penal específico, deste crime
acessório ao primeiro, que d’outrarte seria post factum impunível.
E veja que a participação, no Brasil, vige sob a égide da teoria da acessoriedade
limitada, ou seja, a participação já é punível se o fato principal seja típico e ilícito, sendo
irrelevante a culpabilidade do agente principal para a responsabilização do partícipe, pois
que a culpabilidade é um juízo pessoal de reprovabilidade. Em resumo, para que haja
participação punível, basta que o fato principal seja típico e ilícito. E é por isso que na
receptação se configura o crime mesmo que o agente do crime original seja inimputável,
por ser uma participação, em fundamento.
Por isso, este argumento não tem sustentação. Em suma, ao alegar que no crime de
receptação o agente pode responder por receptar produto de crime cometido por
inimputável, está utilizando um modelo de culpabilidade causalista (psicológico-normativa)
“Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias,
supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de
pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
(...)”
Mas veja o seguinte: quando o agente, em legítima defesa putativa, atira, por
exemplo, naquele que supunha agressor, o que se dá, na verdade, é o dolo de matar, dolo
natural de realizar a conduta descrita no tipo – e, lembre-se, não há valoração neste dolo,
sendo irrelevante neste ponto da análise o motivo do tiro. Ocorre que a lei, então, determina
que se puna a título de culpa uma conduta que, em verdade, foi dolosa. Como sanar esta
aparente discrepância?
O finalismo não apresenta solução, de fato. Para o finalismo clássico, a situação
jamais permitiria punição por culpa, e sim uma excludente da ilicitude, se reconhecida a
invencibilidade, ou a diminuição da pena, se o agente podia ter vencido o erro – mas jamais
transformar a conduta que é dolosa em culposa.
O direito penal alemão entende que, na verdade, o que se passa é o seguinte: há, na
análise da tipicidade, a verificação inconteste do dolo natural, apenas, e, sendo assim, no
exemplo dado, a conduta foi dolosa. Adiante, porém, quando da análise da culpabilidade, o
dolo será novamente aferido, e por não saber que o que estava praticando era ilícito – vez
que achava que praticava-o em legítima defesa, e portanto justificado –, o agente teve dolo
de praticar conduta lícita. Ora, somente assim se poderá, se verificando que o
conhecimento da ilicitude lhe era possível, e por isso o erro era vencível, entender que o
crime que foi dolosamente praticado, na conduta, teve culpabilidade culposa: o dolo
analisado na culpabilidade foi de realizar conduta lícita, mas por descuido do agente em
verificar a real licitude do seu ato (perscrutando melhor a ação daquele que julgava estar na
iminência de agredi-lo, mas que de fato não estava), acabou realizando, culposamente,
conduta ilícita – devendo responder por esta culpa.
Esta é a teoria complexa da culpabilidade, que faz uma segunda análise do dolo, no
escrutínio da culpabilidade, e por isso se entende, nesta tese, que o dolo tem uma dupla
função: a de identificar a conduta finalisticamente dirigida do autor, o dolo natural em
realizar conduta formalmente típica; e a de fundamentar a culpabilidade do autor, dolo
este que deve ser sempre correspondente à afirmativa de que o agente teve intenção em
realizar conduta típica e ilícita, ou seja, dolo de realizar conduta injusta.
E, se neste segundo momento, o dolo for afastado, mas o cuidado em verificar as
condições corretas do evento estiver ausente, a conduta será culposa, pela chamada culpa
imprópria13, pelo erro vencível quanto à licitude de sua conduta, quanto à descriminante
putativa.
Em síntese: a teoria complexa da culpabilidade, de Wessels, entende que o dolo
possui uma dupla função: primeiramente, no fato típico, funciona como caracterizador da
conduta; posteriormente, na culpabilidade, tem a função de fundamentar a reprovação a
título de dolo ou a título de culpa, explicando, por exemplo, o instituto do erro de tipo
permissivo, constante do artigo 20, § 1º, do nosso CP, e o próprio conceito de culpa
imprópria (ocorrido na legítima defesa putativa).
O Estado, detentor do jus puniendi, tem este direito de punir, mas também tem
deveres a cumprir, e as obrigações do Estado, quando não são por ele adimplidas, importam
em que arque com as conseqüências. A idéia desta teoria, então, é que o Estado assuma a
parte que, de fato, é sua responsabilidade pela criminalidade.
Veja: quando o Estado é omisso quanto a suas obrigações, e não dá ao cidadão os
direitos que constitucionalmente deve dar, é imperativo que divida e assuma parcela de
culpabilidade com o criminoso. Com base neste “rateio da culpabilidade”, deveria diminuir
a reprovabilidade do indivíduo, ou até mesmo excluí-la.
13
Veja que os autores entendem que a culpa imprópria seria exceção, em que se admite a tentativa de crime
culposo; ocorre que, como se pôde perceber, não se trata mesmo de um crime culposo, mas sim de um crime
doloso que será tratado como culposo. Por isso, não é de fato uma exceção, pois no crime culposo,
propriamente dito, não cabe mesmo a tentativa.
Assim, se um agente que jamais teve amparo estatal, desde seu nascimento até o
cometimento de um furto, por exemplo, por absoluta falta de acesso a tudo aquilo que
constitucionalmente deveria ter-lhe sido entregue pelo Estado, há que se imputar ao próprio
Estado parcela da responsabilidade por aquele furto. Esta teoria tem potencial aplicação
especialmente nos crimes que estejam relacionados à miserabilidade do indivíduo que oos
comete.
Em síntese, segundo esta teoria, o Estado deverá assumir uma parcela de culpa ao
omitir os seus deveres, e não dar condições iguais ao cidadão, que lhe possibilitem uma
vida digna. Por isso, deve assumir uma parcela de culpa pela criminalidade, reduzindo a
pena, ou até mesmo absolvendo o acusado.
Casos Concretos
Questão 1
CARLOS nasceu e foi criado no Morro da Cruz, numa localidade comandada pelo
tráfico ilícito de entorpecentes. Durante sua infância, devido ao exemplo daqueles que
considerava como os líderes que traziam o bem à comunidade - os traficantes - tinha a
idéia de trabalhar junto a eles. Crescendo, descobriu que na verdade aquelas pessoas
estavam à margem da sociedade e não praticavam condutas lícitas. No entanto, aos
dezoito anos, já era pai de gêmeos, cuja mãe, de quinze anos, não trabalhava. Em virtude
da falta de oportunidade de empregos, já que só estudara até a segunda série porque sua
mãe não conseguia matrícula na escola próxima à comunidade, foi atraído por uma
proposta de ser "olheiro" do tráfico, e para isso só precisava ficar sentado num banco o
dia todo, armado com uma pistola, e avisar se a polícia se aproximasse. Entendia que não
estava fazendo mal a ninguém e, além de tudo, recebia R$ 50,00 por dia. Um dia, foi
surpreendido por policiais militares à paisana e preso em flagrante pela prática do crime
previsto no art. 37 da Lei 11.343/06. Analise a culpabilidade de CARLOS, de acordo com a
análise do livre arbítrio e do determinismo e conclua se há ou não culpabilidade diante da
exigibilidade de conduta diversa.
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
aplicável esta teoria, pois não são por demais claros os elementos que a
compelem.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema VI
Notas de Aula14
1. Introdução
14
Aula proferida pela professora Cláudia Barros, em 9/9/2008.
2. Imputabilidade
1.1. Menoridade
Mas este critério etário, então, não poderia jamais ser alterado? Sobre o tema,
surgem duas correntes em disputa: a primeira defende que o mecanismo hábil para alterar a
menoridade penal seria uma emenda constitucional, simplesmente, pois seria dada ao poder
constituinte derivado esta habilidade – sendo mesmo, em verdade, matéria que poderia ser
até considerada meramente formalmente constitucional. Esta corrente é majoritária.
A segunda corrente, por outro lado, entende que a menoridade consignada na CRFB
é um direito fundamental do indivíduo, pois nada impede que estejam estes direitos em
outros dispositivos da CRFB, alheios ao artigo 5º. Sendo assim, seria cláusula pétrea, na
forma do artigo 60, § 4º, IV, da CRFB, e sua alteração somente seria possível por meio da
promulgação de uma nova Constituição, por meio do poder constituinte originário.
Veja que o parágrafo único deste artigo estabelece uma gradação na reprovabilidade
da conduta: no caput, a incapacidade de culpabilidade é absoluta, e por isso não há crime;
no parágrafo único, não há absoluta incapacidade; há capacidade de entendimento e de
determinação, mas é reduzida em razão da doença. Como é presente, mas reduzida, o que
se passa é uma redução da culpabilidade, diminuição da reprovabilidade, e não
inimputabilidade. Por isso, há crime, mas a pena é reduzida.
15
A identificação das condições psicológicas do agente são determinadas por perícia, pois são análises
extremamente técnicas.
16
A embriaguez voluntária, que em regra não afasta a imputabilidade, poderá fazê-lo excepcionalmente,
exatamente quando realizada em dependência patológica.
“Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito,
proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da
omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que
este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no
caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento
para tratamento médico adequado.”
“(...)
§ 2° Se o homicídio é cometido:
(...)
II - por motivo fútil;
(...)
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
(...)”
1.4. Embriaguez
A embriaguez recebe tratamentos diversos pelo direito penal. Como visto no tópico
anterior, a embriaguez patológica deve ser tratada como doença mental, e sofrer a aplicação
do artigo 26 do CP. Os outros tipos de embriaguez, todavia, receberão tratamentos
diferentes pelo direito. O artigo 28, II, do CP dispõe que:
“Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:
(...)
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos
análogos.
§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de
caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento.
§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,
proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da
omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-
se de acordo com esse entendimento.”
“Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem
ou qualificam o crime:
(...)
II - ter o agente cometido o crime:
(...)
l) em estado de embriaguez preordenada.”
fazê-lo (e mesmo se outro pudesse, não tem como julgar, dada a letargia). Esta
possibilidade, de tomar o volante alcoolizado, jamais poderia ter passado pela sua mente
quando do início da ingestão do álcool. Por isso, se atropelar e matar alguém a caminho do
hospital, a verificação de sua conduta na causa, pela actio libera in causa, fará ver que,
naquele momento, não havia dolo ou culpa, e que por isso não pode haver tipicidade em sua
conduta – o fato é atípico.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
JAMIL, após ingerir duas cervejas, entrou em seu carro e seguiu pela Estrada
Caetano Monteiro. Dirigindo com sua carteira de habilitação vencida e alcoolizado,
acabou por atropelar e matar ROSELI, que estava em cima da calçada, aguardando uma
oportunidade para atravessar a estrada. JAMIL foi condenado à pena de 3 anos e 4 meses
de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade por igual período, em
virtude da prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor, com as causas de
aumento previstas no art. 302, parágrafo único, I e II da Lei 9.503/97. Ao fixar a pena
referida, o Magistrado reconheceu a circunstância da embriaguez preordenada. Agiu
corretamente? Justifique.
Resposta à Questão 2
Veja que o regramento jurídico da época fez com que a pena fosse reduzida porque
não se aplica a circunstância da embriaguez preordenada, mas manteve as demais
agravantes, quais sejam, a embriaguez comum, o atingimento na calçada e a habilitação
vencida.
Hoje, contudo, a situação seria diferente, não quanto à retirada da preordenada, que
é claro que deve ser retirada, mas sim quanto às agravantes. A Lei 11.705/08, a famigerada
Lei Seca, alterou bastante a situação da direção sob efeito de álcool, retirando a agravante
genérica da embriaguez, por exemplo.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema VII
Notas de Aula18
A coação moral irresistível faz com que o agente não possa agir de forma diversa, e
assim não pode sua atuação ser reprovada. Embora exista conduta voluntária e consciente,
esta vontade não foi livremente formada, sendo viciada em seu real intuito.
Mas é importante perceber que nem toda coação moral afasta a culpabilidade. A
coação moral precisa ser realmente irresistível, ou seja, é necessário que o agente não tenha
podido, diante do que se espera do homem médio, agir de forma diferente, pois se, mesmo
exigindo algum sacrifício, fosse razoável que este sacrifício fosse feito, a conduta diversa
era exigível, e há reprovabilidade.
Se a coação, então, fosse (minimamente, que seja) resistível, a reprovabilidade não
será afastada, mas será atenuada a pena, de acordo com o artigo 65 , III, “c”, do CP:
exigível do subordinado que não a cumpra, pois se o fizer, responderá pelo fato, assim
como o emitente da ordem.
É caso análogo à coação moral irresistível: se o agente imediato poderia julgar a
ilegalidade da ordem (assim como o coagido poderia agir de outra forma), a conduta
diversa da injusta é exigível, e por isso não se exclui a culpabilidade (podendo reduzi-la se
a ilegalidade for perceptível, mas de forma tênue, na forma do artigo 65, III, “c”, do CP,
supra); se, ao contrário, não é plausível identificar a ilegalidade da ordem, é inexigível que
a descumpra, e somente o autor da ordem, autor mediato do fato, será culpável.
Sendo o agente subordinado um policial militar, só será exigível que descumpra a
ordem se esta, mais do que manifestamente ilegal, for criminosa. Se o oficial superior emite
ordem que aparente ilicitude, é-lhe normativamente exigível que a cumpra, inclusive sob
pena de insubordinação e punição disciplinar. Sendo assim, se a cumpre, não poderá ser
culpável pelo resultado injusto que possa vier dali, resultando culpabilidade apenas ao seu
superior, pois era inexigível que a descumprisse, vez que, mesmo ilícita, não era
manifestamente criminosa.
O artigo 128, II, do CP, traz uma hipótese que a doutrina majoritária identifica como
excludente de culpabilidade, havendo corrente minoritária que entende que se trata de causa
especial de exclusão da ilicitude. Veja:
Há causas que a lei não prevê expressamente, mas que identificam situações em que
a conduta do agente não poderia ter sido outra senão a injusta, e por isso sua culpabilidade é
excluída. O rol destas causas pode sofrer inclusões que a prática indique, mas há algumas
que são apontadas como certas. Vejamos quais sejam.
Um exemplo que parte da doutrina entende se tratar de causa que torna inexigível
conduta diversa é a legítima defesa de agressão futura. Como se sabe, a legítima defesa
pressupõe ao menos a iminência da agressão e, por isso, estaria desnaturada a defesa
quando a agressão está prevista para um momento futuro. Todavia, se a ameaça de agressão
futura for deveras séria, percebendo-se inequivocamente que a agressão vai de fato ser
praticada adiante, não é exigível do ameaçado que nada faça, e a defesa contra esta
agressão futura será exculpável.
Vale dizer, porém, que parte significativa da doutrina entende que esta legítima
defesa é ainda a mesma excludente de ilicitude. Isto porque o critério da iminência na
agressão não é um critério temporalmente estático, mesmo porque seria impossível
estratificar um conceito objetivo de iminência temporal. Por isso, o que se exige, nesta
situação, para configurar legítima defesa de ato futuro como excludente de ilicitude, é a
inequívoca intenção do ameaçador em consumar a agressão ao tempo futuro. Se for
absolutamente inequívoca esta intenção, a defesa é justificada.
Mas veja que a legítima defesa só pode ser válida quando o Estado, detentor do
monopólio da defesa, não se puder fazer presente. Se para evitar a agressão futura o agente
poderia ter socorrido-se do Estado, a sua defesa não será nem justificante, nem causa
supralegal de inexigibilidade de conduta diversa.
A regra é que somente o médico realize qualquer abortamento, uma vez que é um
procedimento cirúrgico, mesmo que não invasivo, e somente ao médico é permitido realizar
intervenções cirúrgicas.
Isto é necessário porque o procedimento deve ser controlado pelo Estado, não
podendo ser dado a qualquer um a realização de procedimento tão periclitante. Inclusive, é
crime de exercício ilegal da profissão, a prática deste procedimento por quem não é médico.
Outrossim, pode acontecer a seguinte situação: a gestante, residente de local
altamente isolado, como comunidades silvícolas, não tem sequer perspectivas de recorrer a
médico para realizar este procedimento. Se neste caso a mulher procurar qualquer pessoa
que tenha conhecimentos para tanto, como um curandeiro indígena, a sua conduta será
(assim como a pessoa que realizou o aborto), de forma excepcionalíssima, tolerada, e será
exculpável por ser considerada inexigível conduta diversa. E veja que se trata de causa
supralegal, pois não há previsão para realização de aborto por não médico em caso
excepcional.
Como já se pôde abordar, há quem entenda que poderia haver estado de necessidade
exculpante em nosso ordenamento, que, como visto, adota a teoria unitária do estado de
necessidade, sendo todas as modalidades subsumidas à lei causas de justificação da
conduta.
Quando houvesse caso que se amoldasse ao conceito de estado de necessidade
exculpante – qual seja, o sacrifício de bem jurídico de maior ou igual valor ao preservado –,
seria então uma causa supralegal de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de
conduta diversa.
Mas como se pôde ver no estudo do estado de necessidade, esta tese não merece
acolhida, sendo mencionada apenas por existir doutrina pátria isolada, mas de peso, a
defendê-la – leia-se Cezar Roberto Bittencourt.
Pode a autora de aborto econômico ser imputada pela realização de tal conduta?
O aborto econômico, ou social, se trata da conduta abortiva realizada por quem não
tem a menor condição de criar um filho, por absoluta situação de miserabilidade. A regra na
doutrina e na jurisprudência é que não seja desnaturado o crime: a gestante poderia ter
gerado o filho e dado-o à adoção quando nascido.
Todavia, há que se suscitar que diante da pobreza extrema, mas realmente violenta,
aquela em que não há sequer condições de subsistência mínima, poder-se-ia cogitar de uma
causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa. Veja que não há adesão significativa
na jurisprudência a tal tese, mas é uma tese propositiva plausível19.
Quanto ao abortamento do feto anencefálico, a doutrina é mais tendente a entender
que se trata de hipótese claramente açambarcada na inexigibilidade de conduta diversa. Isto
porque é bem claro que carregar a gestação de feto destinado à morte pós-parto é
circunstância de extremo sofrimento mental, capaz de tornar inexigível da gestante conduta
outra que não a de abortar a gestação. Seria, então, causa supralegal de inexigibilidade de
conduta diversa, em analogia à gravidez resultante de estupro. Esta questão, porém, não
está ainda pacificada, mas está em vias de sê-lo, pois é hoje objeto de julgamento no STF a
ADPF 54, em que se pretende que seja dada interpretação conforme justamente ao artigo
128, II, do CP, a fim de ali se entender incluída esta hipótese.
Casos Concretos
Questão 1
19
Seria aqui também o caso de se aplicar a teoria da co-culpabilidade, pois se esta gestante tivesse adimplidos
minimamente os seus direitos constitucionais de dignidade, poderia não se encontrar nesta prática injusta.
denunciada não evidencia um comportamento de quem age ameaçado, senão uma atuação
audaciosa típica do criminoso contumaz que atua com tranqüilidade e, acima de tudo,
planejamento. Você, juiz, como decidiria?
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema VIII
Excludentes de Culpabilidade III. O Erro sobre a Ilicitude do Fato (primeira parte). 1) Noções gerais:a) A
teoria finalista e a evolução dogmática. Definição do instituto. Diferença para o erro de direito e as
conseqüências na teoria do delito;b) O conhecimento da ilicitude e sua evolução doutrinária. Modificação
para a potencial consciência do injusto (juízo normativo);c) A ausência do conhecimento da ilicitude e a
ignorância da lei: diferenças. Consciência da ilicitude e erro sobre a ilicitude do fato;d) Distinção entre o
erro sobre a ilicitude do fato e o erro de tipo: conseqüências jurídico-penais. 2) Formas de erro sobre a
ilicitude:a) Erro sobre a ilicitude evitável (inescusável) e inevitável (escusável): conseqüências jurídico-
penais;b) Divisão do erro sobre a ilicitude escusável: erro sobre a ilicitude direto, erro de mandamento e
erro sobre a ilicitude indireto (diferenças).
Notas de Aula20
20
Aula proferida pela professora Cláudia Barros, em 10/9/2008.
“Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias,
supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de
pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Erro determinado por terceiro
§ 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.
Erro sobre a pessoa
§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena.
Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da
pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.”
Veja que a afirmativa legislativa de que “o erro sobre elemento constitutivo do tipo
exclui o dolo” conta com uma impropriedade técnica significativa. Isto porque, na
realidade, a conduta deve açambarcar tanto a ciência quanto a vontade de praticar todos os
elementos – é necessário saber aquilo que se pratica e querer praticar –, mas quando a
pessoa pratica aquilo sem o saber (mata alguém sem saber que está matando alguém, por
exemplo), estará em erro de tipo, errando sobre um elemento do tipo, mas o dolo não é
excluído: o dolo nunca existiu. Se, no exemplo, a pessoa mata alguém mas não sabe que é
alguém (crê que mata um animal, por exemplo), o seu dolo nunca foi de “matar alguém”, e
sim de “matar animal”. Se nunca teve o dolo de matar alguém, não há como este ser
excluído – ele nunca esteve presente. Assim, a expressão mais técnica seria: o erro de tipo
evidencia a inexistência de dolo.
O erro de tipo pode ser evitável. Poderia, a pessoa que erra, ter vencido o erro, ter se
esmerado mais em perceber a exata realidade das coisas. Este erro vencível, como expõe a
parte seguinte do caput do artigo 20, evidencia que não havia dolo, mas faz o agente
responder como se houvesse culpa.
O erro de tipo deve ser analisado logo de início, dado que sua presença é verificada
logo na tipicidade, da qual a conduta é componente. Ao contrário, o erro de proibição, que
será logo abordado, incide na culpabilidade, terceiro momento da análise estrutural do
delito21.
21
À época causalista do delito, falava-se em erro de fato e erro de direito. Veja que não se pode traçar um
paralelo respectivo entre erro de tipo e erro de proibição, porque o dolo causalista era tremendamente
Pelo ensejo, vejamos o erro de proibição, que é o erro responsável por afastar a
potencial consciência da ilicitude.
Quando o agente realiza uma conduta, sabendo que o faz, e querendo praticá-la, não
há erro de tipo. Mas se ao praticar tal conduta o agente entendia que esta era justa, ou seja,
não sabia da proibição sobre tal conduta, estará em erro de proibição.
O erro de proibição afasta o potencial conhecimento da ilicitude. Vejamos o artigo
sede do instituto, 21 do CP:
diferente do finalista: para os causalistas, ter dolo era saber e querer praticar a conduta contrária à lei, ou seja,
já englobava o conhecimento efetivo da ilicitude.
Consiste no erro que incide sobre a própria ilicitude do fato: o agente sabe que sua
conduta é típica, e deseja praticá-la, mas acredita que o ordenamento traz alguma
autorização especial para que o faça – autorização que não existe, em verdade.
A conseqüência do erro de proibição depende da sua escusabilidade: se o erro for
bastante plausível, ou seja, se é provável que qualquer pessoa, naquela circunstância,
entenderia que estava agindo conforme o ordenamento, e não contrariamente a ele, este erro
é tido por invencível, e a culpabilidade resta afastada por não haver sequer o potencial
conhecimento da ilicitude.
Se, de outro lado, poderia o agente procurar saber que o ordenamento veda sua
conduta, é claro que há o potencial conhecimento da ilicitude, e por isso a culpabilidade
não é excluída. Todavia, este erro de proibição vencível enseja redução da reprovabilidade
do agente, e sua pena será redutível.
Este erro, também chamado erro de permissão, consiste no erro quanto aos limites
ou quanto à existência de uma causa de justificação. Veja: este erro ocorre se o agente
pratica a conduta típica porque acreditava que estava presente a causa de justificação,
enquanto esta não existia, ou se pratica a conduta realmente amparado por uma excludente
da ilicitude, mas exacerba quanto aos limites que esta causa lhe permite agir.
Veja: se o agente que mata outrem entende que está amparado por uma excludente
de ilicitude que não existe naquele ordenamento, está neste erro. Suponha, então, que no
Brasil não existisse a legítima defesa: o agente que mata crendo possível fazê-lo para
defender-se erra quanto à proibição da conduta repelente da suposta agressão: esta morte
ser-lhe-á imputada, se fosse vencível o erro sobre a descriminante; se fosse invencível,
estará isento de pena, não havendo crime.
Mas este erro pode dar-se quanto a uma excludente de ilicitude que exista, sendo
erro sobre o alcance de tal excludente. Suponha que o agente repele a agressão em legítima
defesa, e esta causa é prevista no ordenamento, como no Brasil o é. Entretanto, o agente crê
que o instituto permite que mate o agressor, mesmo que ele já tenha sido dominado e tenha
parado a agressão, e, amparado neste erro, mata-o: está em erro de proibição indireto, pois
erra quanto à proibição de exacerbar a legítima defesa.
O estudo por meio de exemplos ilustrativos, neste tema, é de grande valia, a fim de
melhor identificar erros de tipo e de proibição. Por isso, vejamos alguns:
a) Agente revela segredo profissional julgando haver justa causa para fazê-lo,
quando, na verdade, não havia tal justa causa.
Ao revelar o segredo profissional sem justa causa, o agente estaria incurso no artigo
154 do CP:
“Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão
de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a
outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.”
Trata-se de erro de tipo, pela seguinte razão: o agente, ao praticar a conduta, estava
errando quanto a um dos elementos necessários do tipo, qual seja, o elemento normativo:
entendia que havia justa causa, e portanto não estaria realizando, com plena ciência e
vontade, uma conduta típica. O que este agente queria era praticar a conduta “revelar
segredo com justa causa”, e não “revelar segredo sem justa causa”, ou seja, não havia dolo
22
Aqui, é necessário que a configuração de garantidor esteja bem expressa. O médico, por exemplo, é tido
comumente por garantidor a qualquer momento, o que não é verdade: só é garantidor enquanto está no seu
local de trabalho, e por aqueles que está obrigado (sendo assim considerado quando é contratado para tanto,
em relação ao seu contratante particular). Da mesma forma, o policial: só é garantidor quando em serviço.
em “revelar sem justa causa”. E como visto, o erro de tipo é aquele que revela a
inexistência do dolo.
Veja que, se o agente quisesse praticar a conduta “revelar segredo sem justa causa”
porque acreditava que, no caso, era permitida tal revelação, estaria em erro de proibição.
Há quem entenda, minoritariamente, que o erro quanto à justa causa é de proibição,
e não de tipo, porque o que está ocorrendo é a interpretação de que aquela conduta, que se
sabe típica e se quer praticar, não é ilícita, errando o agente quanto à vedação da prática no
caso concreto.
Ocorre que, como é cediço, a prostituição não é crime. Assim, o agente estava, de
fato, constrangendo alguém a não fazer o que a lei permite, só que seu dolo era de
“constranger alguém a não fazer o que a lei proíbe”, e não “constranger alguém a não fazer
o que a lei permite”. Está, portanto, em erro de tipo, pois não praticou, com ciência e
vontade, a conduta descrita no tipo: praticou a conduta com vontade, mas sem ciência do
elemento “ilegalidade” da conduta constrangida.
c) Agente faz colheita de planta, sem saber que a mesma se destina ao fabrico de
entorpecente.
Esta situação revela claro erro de tipo. Veja o artigo 33, § 1º, II, da Lei 11.343/06:
“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
(...)
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-
prima para a preparação de drogas;
(...)”
A pessoa não sabia que estava colhendo planta destinada a fabrico de entorpecentes,
e o dolo só se define pelo que se sabe e se quer. Seu dolo não era de “colher planta
destinada à preparação de drogas”, e sim de “colher planta”. Por isso, está revelada a
inexistência do dolo natural descrito no tipo, havendo erro de tipo.
Se este agente, ao contrário, soubesse que a planta era destinada ao fabrico de
drogas, mas acreditasse que o proibido era somente o fabrico, e não a colheita, aí sim seria
erro de proibição: seu dolo era de “colher planta destinada ao fabrico de drogas”, apenas
errando quanto à licitude desta conduta (e, diga-se, é erro evitável, reduzindo a
reprovabilidade, mas não a elidindo).
Novamente, trata-se de claro erro de tipo: o agente pratica sua conduta crendo que a
situação de fato não é aquela que realmente está ocorrendo, ou seja, crê que rechaça prática
ilegal, enquanto esta prática é legal. Seu dolo é de “opor-se à prática de ato ilegal”, e não
“opor-se à prática de ato legal” da autoridade. Veja:
A conduta típica do crime de resistência seria saber que o ato é legal, e querer opor-
se ao ato legal. Se o agente crê que o ato é ilegal, e opõe-se contra ato ilegal, sua conduta
não preenche o dolo exigido para tipificar-se – está em erro de tipo.
Caso este agente soubesse que o ato era legal, e a ele se opusesse por crer que
alguma situação o autorizaria, mas não havia esta autorização, estaria, aí sim, em erro de
proibição.
e) Agente que pertence a família que tradicionalmente vive da caça exerce esta
atividade sem a devida autorização, e, ao ser abordado por agente de polícia
ambiental e questionado sobre a licença, declara que “não precisa de licença,
pois sua família vive da caça há mais de quatro séculos, naquela área, distante
e isolada de centros urbanos”.
Veja que esta conduta é erro de proibição, pois o agente, ao caçar, sabe que o faz, e
sabe que a lei exige licença, mas crê que as suas condições pessoais o autorizam a praticar
esta conduta típica, “caçar sem licença”. Sendo assim, o seu dolo de “caçar sem licença”
está presente: ele sabe que caça sem licença, e quer caçar sem licença, mas acredita que o
ordenamento permite que ele o faça.
Trata-se, inclusive, de erro de proibição direto: o agente realiza um fato crendo que
o direito o permite, especialmente. Este erro aparentemente é invencível: se a prática
sempre lhe foi autorizada, não seria razoável exigir, deste agente em particular, que
soubesse que também a ele licença era imponível – seu erro exclui sua culpabilidade,
porque ele não tinha como saber que era lhe era proibida a caça sem licença.
f) Agente retira algas do fundo de uma lagoa sob proteção ambiental, sendo preso
em flagrante delito por pescar em local proibido. Alega desconhecer que
estivesse “pescando”.
Esta situação é bem simples: o agente não sabe que transporta droga, nem quer
transportar droga. Realiza a conduta típica sem ciência nem vontade de preencher os
elementos do tipo. Está, portanto, em claríssimo erro de tipo.
i) Agente, humilde habitante de área rural, ao ser agredido por outra pessoa,
reage à injusta agressão, e, julgando poder atingir as últimas conseqüências,
mata o agressor, que já estava dominado.
A agente sabia que deixava de agir em relação a sua garantida, e queria deixar de
agir em relação a ela, estando claramente preenchidos os elementos do tipo comissivo por
omissão. Todavia, a agente só agiu assim porque entendia que a lei, naquele caso, não
exigia que agisse, ou seja, acreditava que a lei não proibia sua inação. Por isso, trata-se de
erro de proibição mandamental.
Veja que a agente não erra quanto à sua condição de garantidora: sabe que o é.
Contudo, entende que, naquele momento, pela presença de outra garantidora, a lei a exime
de agir, não impõe que aja. Por isso, erra quanto ao mandamento que a lei emana, sem errar
quanto às elementares da conduta omissiva: se omite com ciência e vontade de omitir-se,
crendo que a lei permita que não aja. Sabe que a criança é sua garantida, e omite-se
achando que a lei não exige sua atuação.
k) Babá leva criança sob seus cuidados à praia, para ter aula de ginástica, e não
vê quando esta criança, que trajava maiô vermelho, troca de maiô com uma
amiga, que trajava amarelo. Em dado momento, a babá vê uma criança de
amarelo se afogando, mas não a socorre, embora pudesse. Posteriormente,
verifica que era a sua garantida que se afogara, e sofrera graves lesões.
Neste caso, a garantidora não erra quanto a sua obrigação mandamental em agir:
sabe que, como garantidora, tem esta obrigação. Todavia, erra quanto a uma circunstância
de fato que é elementar do crime omissivo: a própria presença da garantida. Por isso, não
sabia que era garantidora daquela criança, porque acreditava ser outra criança, dada a troca
de roupas. Estará, portanto, em erro de tipo, pois a condição de garantidora é uma
elementar dos crimes comissivos por omissão, e se a agente erra quanto a esta condição,
erra quanto a uma elementar do tipo – erro de tipo.
Casos Concretos
Questão 1
Cite três distinções básicas entre o erro de tipo e o erro de proibição. A questão da
obediência hierárquica na hipótese do autor justificante se limita no campo do direito
público ou inclui a relação de natureza doméstica ou religiosa?
Resposta à Questão 1
O erro de tipo afasta o dolo, pois o agente não tem consciência de todas as
elementares do tipo, e não pode querer algo que não sabe (tecnicamente, revela a
inexistência do dolo, e não o afasta); quando vencível, o fato é punido a título de culpa;
quando invencível, exclui a própria tipicidade, por falta de dolo.
No erro de proibição, por sua vez, o agente não tem consciência da ilicitude, e por
isso afasta a culpabilidade; se for vencível, mantém-se a imputação, mas reduzida a pena;
se invencível, exclui-se a culpabilidade, e não há crime.
Quanto à obediência hierárquica, esta não pode ser argüida em relações privadas,
atendo-se à seara pública, pois só ali as relações são regidas pela estrita legalidade.
Questão 2
Resposta à Questão 2
O que se reconhece, majoritariamente, é que quando o agente erra neste crime ele
estará errando quanto a um elemento do tipo, geralmente a justa causa, o que seria, então,
erro de tipo, e não erro de proibição.
Considerando que o agente, entretanto, pratique a conduta sabendo que é típica, sem
justa casa, mas creia que possa praticá-la, por algum motivo, seriamente fundado, diverso
de achar que está em justa causa, será erro de proibição.
Tema IX
Excludentes de Culpabilidade IV. O Erro sobre a Ilicitude do Fato (segunda parte). 1) O erro sobre a
ilicitude indireto. As descriminantes putativas:a) Conceito e importância do tema;b) A nova nomenclatura:
erro de permissão. Diferença frente ao erro de tipo permissivo. 2) Exame da teoria extremada e a teoria
limitada da culpabilidade. Análise da teoria dos elementos negativos do tipo. Posição adotada pelo artigo 21
do Código Penal Brasileiro. 3) A doutrina alemã: o conceito de erro sui generis (teoria do erro orientada às
conseqüências do erro).4) O erro sobre a ilicitude evitável e o inescusável:a) Erro de vigência, erro de
eficácia, erro de subsunção e erro de punibilidade: controvérsias quanto à escusabilidade desses erros. 5) O
erro sobre a ilicitude no crime culposo e no crime omissivo. Exame dos exemplos.
Notas de Aula23
23
Aula proferida pela professora Cláudia Barros, em 10/9/2008.
O erro de tipo escusável faz com que o agente deixe de responder por crime, pois
revela inexistência de dolo ou culpa, deixando de haver crime. Se evitável, inescusável, não
há dolo, mas acarreta a responsabilidade a título de culpa.
O erro de proibição, por sua vez, se escusável, inevitável, isenta de pena (exclui
culpabilidade, e por isso também exclui o crime); se inescusável, não exclui a
culpabilidade, mas reduz o grau de reprovabilidade, reduzindo a pena.
O erro na descriminante putativa, por sua vez, é uma circunstância tremendamente
peculiar. Tem lugar a análise amiúde do artigo 20, § 1º, do CP, pelo que se o repete:
“(...)
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias,
supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de
pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
(...)”
Brasil adotou, como é cediço, a teoria da ratio cognoscendi, havendo tipicidade apenas
como indiciária da ilicitude, e não dependente da ilicitude, como indica a ratio essendi, não
havendo sentido em se adotar a teoria limitada da culpabilidade.
Veja que esta adoção não faz sentido porque para a teoria da ratio essendi, se não
for ilícito, não é típico, mas para a ratio cognoscendi, por nós adotada, pode haver
tipicidade sem que haja ilicitude. Para a teoria da ratio essendi, se a ausência dos elementos
justificantes faz parte do tipo, para haver o dolo, é preciso que se saiba e se queira praticar a
conduta típica em todos os seus elementos, mas também é preciso que se saiba e se queira
praticar esta conduta sem que haja os elementos de nenhuma das justificantes. Se o agente,
neste caso, pensa que estão presentes os elementos da justificação, mesmo estando eles
ausentes, o erro é na tipicidade, no tipo total de injusto – é erro de tipo. Mas este raciocínio
não se opera na ratio cognoscendi: ali, se o agente erra quanto a elementos justificantes,
ainda assim a tipicidade se faz presente. Não há tipo total de injusto, e haveria tipicidade na
conduta justificada. O agente, na nossa sistemática, quando repele a agressão, age com dolo
de matar, e ciente da ilicitude desta conduta: realiza a conduta com dolo, havendo
tipicidade, mas não havendo ilicitude, pois a justificante da legítima defesa a retira. Se a
justificante é putativa, este erro não exclui o dolo: o dolo de matar ainda está perfeito,
apenas podendo ou não ser excluída a ilicitude (se vencível ou não), mas nunca a tipicidade
– e portanto não poderia ser erro de tipo.
A situação é bastante complexa, tanto que o próprio legislador acabou por se
confundir. Por isso é que é tão absurdo se falar em resposta por culpa, quando o erro é
vencível, se não se trata de culpa jamais, em nossa sistemática: o dolo natural não deixou de
estar presente, em nenhum momento. A culpa imprópria é uma construção desastrada.
Por conta disso, surge uma terceira teoria, para a qual este erro é sui generis. Trata-
se de teoria alemã, teoria do erro orientada às conseqüências do erro. Para esta teoria, não
se trata de erro de tipo ou de proibição: o erro sui generis consiste em uma modalidade
diversa das demais, justamente pelo tratamento que recebe, incompatível com os demais. O
tratamento é dado em relação às conseqüências do erro, e não em relação ao elemento sobre
o qual ele incide.
indiciário, mas um fato não pode ser típico sem ser ilícito, jamais: esta é a teoria da ratio essendi, teoria dos
elementos negativos do tipo, em que a tipicidade depende da inexistência necessária de causas que excluem a
ilicitude, pois sem ilicitude não há tipicidade (é o tipo total de injusto).
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Está incorreta. Nada indica que a ré estivesse em erro de tipo penal permissivo, e
sim em erro de proibição: a ré sabia da guarda dada à avó, e sabia que a quem é dada a
guarda incumbe ter o domínio da criança: os fatos eram por ela conhecidos, e ao preencher
os elementos do artigo 249 do CP, o fez sabendo de cada um deles, e querendo-os, mas
crendo que a norma a si não se aplicaria, por ser mãe. E é erro de proibição direto: está
errando sobre a ilicitude da sua conduta (de forma vencível, diga-se).
Se fosse acatada a tese defensiva, tratar-se-ia de erro de tipo permissivo; como todo
erro de tipo, se invencível, exclui o dolo, e isenta de pena; sendo vencível, responde pela
conduta como se culposa fosse, e como este crime do 249 do CP não é punível a título de
culpa, não há crime.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Em síntese, a defesa pretende isenção de pena por exclusão do dolo, vez que se há
reconhecimento de erro de tipo, no caso de erro na descriminante putativa – pois este é o
resultado da aplicação da teoria limitada da culpabilidade –, este será o tratamento dado à
conduta. o MP, ao contrário, diz que há o dolo, e por isso não pode haver erro de tipo, sendo
este um erro sui generis que recebe tratamento especial do ordenamento, respondendo pela
conseqüência do erro – se foi culposo, responde por culpa.
Tema X
Crime Consumado e Crime Tentado I. 1) As fases do iter criminis: cogitação, decisão, atos preparatórios,
início de execução, consumação. 2) Atos preparatórios e atos executórios: distinção. Teorias subjetiva e
objetiva. Posição do Código Penal Brasileiro. 3) Consumação: definição. A importância do resultado para a
consumação do crime. Diferença para o exaurimento.
Notas de Aula26
1. Iter criminis
Em seu conceito mais plano, iter criminis é o processo subjetivo e objetivo pelo
qual perpassam as etapas de realização do crime doloso, sendo que algumas etapas são
obrigatoriamente presentes, e outras facultativas, eventuais.
Cogitação
Exaurimento
Preparação
26
Aula proferida pelo professor Cristiano Soares, em 11/9/2008.
Execução
1.1. Cogitação
Cogitar é imaginar, desejar. Esta primeira fase do iter criminis é puramente mental,
psicológica, em que o agente planeja mentalmente a prática do crime. Por óbvio, por ser
etapa passada exclusivamente na mente do agente, esta fase é absolutamente impunível, em
face do princípio da lesividade: para que haja crime, é preciso que bem alheio tenha sido
ofendido, ou ao menos ameaçado – o que não acontece, aqui.
Mas repare que a cogitação é uma etapa necessária do crime doloso: todo crime
doloso obrigatoriamente foi cogitado na mente do agente. A premeditação, ao contrário do
que se pode pensar, não é uma particularidade de um ou outro crime. Todo crime doloso
precisa, pela própria natureza do dolo, ter sido cogitado em algum momento, quer seja por
uma fração de segundo, quer por um mês. E veja que é claro que a premeditação não é
agravante para crime nenhum, como se vê em filmes; é etapa natural, ínsita ao dolo.
1.2. Preparação
“Quadrilha ou bando
Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim
de cometer crimes:
Pena - reclusão, de um a três anos.
Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.”
Perceba que nestes casos as condutas seriam preparatórias de outros crimes, mas a
partir do momento que são autonomamente tipificadas, o que se pune não é mais a
preparação do crime, e sim o crime autônomo. Por isso é que não seriam, criteriosamente,
exceções: quando se pune a formação de quadrilha, não se pune a “preparação para roubo
em concurso de pessoas”, por exemplo; se pune a “execução da formação de quadrilha” –
mesmo que em essência fossem atos preparatórios de outro crime.
Vale consignar que a cogitação não só não é punível, como jamais é eleita como
uma conduta típica autônoma, ao menos em nosso ordenamento.
1.3. Execução
Esta teoria entende que a execução se inicia quando o agente formaliza o crime.
Formalizar o crime significa realizar a conduta prevista no tipo formal, ou seja, o início da
execução se dá quando o agente inicia a concreta prática, a realização do verbo núcleo do
tipo penal.
No homicídio, por exemplo, seria início de execução a primeira conduta destinada a
matar a vítima. Veja que este critério é tremendamente restritivo; exigindo que o ato de
matar seja efetivamente iniciado, a situação será muito próxima da consumação até poder
ser considerada execução. Isso sem mencionar que é de difícil definição o que seja um ato
que revele a conduta matar: é o disparo da arma de fogo? É o desferir de um golpe de faca,
mesmo se passar no ar? Veja que é complexo definir este momento, o qual só seria
realmente preciso na consumação do fato.
Imagine, por exemplo, que seja intentada uma conduta que se demonstre tentativa
branca, incruenta: segundo este critério, seria impunível, porque o agente não começou
efetivamente a matar a vítima, pois sequer tangenciou sua integridade física. Por isso, este
critério não tem tanta adesão doutrinária.
Sintetizando: este critério se tornou minoritário por ser demasiadamente restritivo, e
exigir espera longa demais para que se configure a execução, para que haja a tentativa.
1.4. Consumação
Cada crime se consuma a sua própria maneira, a depender da sua natureza, do bem
jurídico que afeta, etc. A definição de consumação, portanto, deve ser bastante restrita, a
fim de não excluir, com excessivos detalhes, nenhuma hipótese.
É por isso que se chama estes crimes formais de crimes de consumação antecipada.
Veja: o crime deste artigo é seqüestrar alguém, com a especial finalidade de agir, mas esta
finalidade não precisa ser alcançada naturalisticamente para que o tipo se preencha
formalmente; se preencheu na prática da conduta formalizada de seqüestrar. Veja que este
crime estaria transformado em um crime material se o legislador redigisse da seguinte
forma: “seqüestrar pessoa e obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem”. Aí, o
resultado seria exigido para consumar-se.
E há ainda caso em que o tipo penal sequer prevê qualquer resultado naturalístico
como possível desenrolar da conduta: são os crimes que por isso são chamados de mera
conduta, e, da mesma forma, se consumam quando a conduta traçada no tipo é preenchida.
Nestes crimes, a completa prática da conduta prevista os consuma, pois sequer é possível
que haja resultado naturalístico, vez que a norma não o prevê. Assim é, por exemplo, o
crime de desobediência, do artigo 330 do CP. Veja:
“Omissão de socorro
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal,
à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo
ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade
pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”
É claro que não há como tentar se omitir, pois qualquer conduta que indique esta
omissão consuma este crime, não havendo como se fracionar.
Mas não é porque a maior parte dos delitos de mera conduta hoje tipificados são
unissubsistentes que se pode dizer que, em tese, tecnicamente, todo crime de mera conduta
não admite tentativa. Ilustra bem esta assertiva o crime de violação de domicílio:
“Violação de domicílio
Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a
vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas
dependências:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
(...)”
A maior parte da doutrina, diga-se, diz que este crime não admite tentativa, mas,
data venia, a conduta “entrar” pode ser fracionável, na casuística. É bem plausível que, por
exemplo, o agente esteja saltando o muro de uma casa, e seja impedido de finalizar sua
conduta “entrar” por alguma força externa. Se isto ocorre, o agente não entrou no
domicílio, e por isso a doutrina entende que não há tentativa: o agente não “começou a
entrar”, porque não é possível que isto ocorra – ou entra de vez ou não entra –, mas pode-se
dizer, com base no critério objetivo-individual, que o agente começou “o entrar”, sendo
impedido de continuar – havendo claramente a tentativa, portanto.
Neste exemplo, se a mera conduta for “permanecer”, não será possível a tentativa,
pois a conduta é unissubsistente, e não simplesmente por ser tipo penal de mera conduta.
Mas repita-se, porém: a maior parte da doutrina entende que não há tentativa em crimes de
mera conduta.
Adiante, será feito estudo detalhado do tema tentativa.
1.5. Exaurimento
Esta fase é impropriamente colocada, por alguns autores, como uma fase inserta no
iter criminis. A maioria da doutrina, porém, trata corretamente o exaurimento como fase
alheia ao iter criminis, porque é certo que este não faz parte do crime. Veja: o exaurimento
é o esgotamento do crime, ou seja, não há mais nada que possa vir daquele fato criminoso
já consumado.
O exaurimento, de fato, só tem relevância – para não dizer que só existe –, em uma
espécie de crime: no crime formal. Veja: o crime formal se consuma quando se completa a
prática da conduta, mas há um resultado naturalístico que poderá ou não ocorrer. E este
resultado será, quando ocorrido, exatamente o exaurimento deste crime.
No crime material, não há que se falar em exaurimento se o resultado já é o próprio
fato que ultima a conseqüência do delito, ou seja, se o resultado é o que faz este crime
consumado, a própria consumação exaure o crime, não restando nada mais que possa
ocorrer posterior, a título de exaurimento. O resultado é o exaurimento dicionário do crime
material, mas está inserto na consumação.
Já o crime de mera conduta, sequer tem qualquer conseqüência por vir: se exaure na
própria conduta, pois dali nenhum resultado será derivado. Seu exaurimento também
coincide com a consumação.
O exaurimento, portanto, só é relevante nos crimes formais, pois nestes se separa da
consumação. Nos crimes materiais e de mera conduta, embora ocorra, será irrelevante, pois
coincide com a consumação.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
mais se pouco iluminados. Imprudente que foi, de nada importa seu ato quanto a
Fábio, pois não iniciara a execução: estava em fins de preparação. E, diga-se,
quiçá, que poderia ser mesmo conduta atípica, a depender das características do
local (se for muito ermo, por exemplo, sendo imprevisível a passagem de
alguém).
b) Então, aí sim, seria homicídio doloso, e qualificado, pois o erro quanto à pessoa
induz a que responda como se houvesse acertado aquele que alvejava. Há ato
executório, e consumação em erro quanto à pessoa, na forma do artigo 20, § 3º,
do CP.
c) Se no golpe preparatório tivesse acertado Fábio sem ser seu intento, a situação
seria a mesma de quando acertou Rodolfo: seria culposo, pois que se tratava de
ato preparatório, mas imprudente – e quiçá atípico, se o local é tremendamente
ermo.
Questão 2
MARIA, quando voltava para casa, foi abordada por FLÁVIO nas proximidades de
um terreno baldio. FLÁVIO simulou o porte de uma arma de fogo e pediu para MARIA
tirar a blusa. MARIA, assustada, se jogou de uma ribanceira e se feriu levemente.
MARCOS e VINÍCIUS, que passavam pelo local, socorreram MARIA e depois perseguiram
FLÁVIO, conduzindo este para a delegacia. O Ministério Público ofereceu denúncia por
tentativa de estupro. Realizada a instrução probatória e comprovados os fatos, como você
decidiria?
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XI
Crime Consumado e Crime Tentado II. 1) Tentativa: definição, natureza jurídica, espécies. 2) Punibilidade
da tentativa. 3) Crimes que não admitem a tentativa.
Notas de Aula27
1. Tentativa
27
Aula proferida pelo professor Cristiano Soares, em 11/9/2008.
está incompleto, pois o agente inicia a execução mas não obtém a consumação, por motivos
alheios à sua vontade.
Não há um crime autônomo de tentativa, pois o elemento subjetivo, na tentativa,
está perfeito, havendo apenas uma falha objetiva na execução da conduta. O crime é o fato
típico estabelecido em outro dispositivo, que, estando nesta condição de incompleto, se
considera tentado. De fato, a tentativa é um defeito na execução da conduta, sendo que o
dolo do agente está perfeito: é o dolo de consumar, e não o dolo de tentar, que não existe.
Portanto, na tentativa, o agente responde pelo mesmo crime e pela mesma pena
abstrata prevista para o crime consumado, a qual será diminuída de um a dois terços, em
face da menor lesividade que o fato apresenta, devido à ausência de consumação.
A natureza jurídica da tentativa, no que tange a suas conseqüências, é de causa de
diminuição de pena, levada em conta na terceira fase da dosimetria. Mas há outra natureza
jurídica, referente à estrutura da teoria do crime, que traz a tentativa como uma norma de
adequação típica indireta, ou seja, ela atribui a um fato que não se amolda ao fato típico a
natureza de crime. Veja: se ao atirar para matar alguém o agente não acerta, não estará
preenchendo o tipo penal do homicídio; se não houvesse a norma do artigo 14, II, o fato
seria atípico, pois sua conduta não se adequaria ao tipo do artigo 121 do CP. Somente com a
norma de extensão a conduta tentada se torna adequada ao tipo penal.
Assim, pode se dizer que a tentativa é uma norma de adequação típica, sendo norma
de natureza incriminadora, pois aplica-se a esta conduta um tipo penal que só seria,
tecnicamente, atinente a um crime consumado, para depois se reduzir a pena.
A primeira hipótese, unânime, é a dos crimes culposos: estes crimes não admitem
tentativa porque neles não há vontade, elemento característico do dolo direto, exigido no
próprio inciso II do artigo 14 do CP. Simplesmente, não se pode tentar aquilo que não se
quer, e a tentativa exige que o agente atue com vontade, caracterizando dolo direto.
Ocorre que há uma exceção, se interpretado amplamente este conceito de exceção: a
culpa imprópria. Nesta situação, o agente erra quanto a uma excludente de ilicitude, erra
quanto a um elemento do tipo permissivo – erro de tipo permissivo –, e, se seu erro é
evitável, será punido o crime culposo. Se o agente pratica violência por estar em legítima
defesa putativa, por exemplo, e este erro é evitável, será excluído o dolo, mas será punido a
título de culpa. Esta culpa, contudo, é imprópria, porque na verdade o que se dá é dolo
punido como culpa. Sendo assim, este crime doloso impropriamente chamado de culposo
será possível ser tentado: se ao agredir em legítima defesa putativa o agente podia ter
perscrutado melhor a sua conduta, ou seja, se era evitável, responderá mesmo se não acerta
o seu suposto agressor, pela tentativa do crime impropriamente culposo.
Veja que, a rigor, não é exceção: o crime continua sendo doloso, punido
impropriamente a título de culpa. Em síntese: a culpa imprópria permite a punição de forma
tentada da modalidade culposa do crime; entretanto, em sentido estrito, não se trata de
exceção à impossibilidade de tentativa na culpa, pois em face do erro de tipo permissivo
evitável (artigo 20, § 1º, do CP, já visto), estará se punindo uma tentativa de crime doloso
tratado como culposo, de acordo com a teoria limitada da culpabilidade.
Os crimes desta natureza não admitem tentativa pela simples circunstância de que o
crime conseqüente é culposo: não há dolo no resultado produzido, mas apenas culpa,
impossibilitando, assim, a tentativa, por ausência de vontade quanto a este resultado que vai
além do dolo do agente.
A doutrina majoritária entende que há exceções. O crime de aborto qualificado pelo
resultado morte da gestante poderá assim se configurar. Veja:
“Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um
terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a
gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer
dessas causas, lhe sobrevém a morte.”
Estes crimes omissivos próprios, que são de mera conduta, não admitem tentativa
por serem unissubsistentes, sem possível fracionamento da execução. Repita-se, não é só
por ser de mera conduta que inadmite tentativa, e sim por sua unissubsistência, pois crimes
de mera conduta há que podem ser tentados, como se viu na análise da violação de
domicílio.
Exemplo mais claro é o de omissão de socorro, do artigo 135 do CP:
“Omissão de socorro
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal,
à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo
ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade
pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”
Se a conduta da omissão própria não pode ser fracionada, não há força alheia que
possa impedir que a execução se consume.
Com o mesmo fundamento, vale apenas consignar que os crimes unissubsistentes e
os crimes de mera conduta não fracionáveis não são passiveis de tentativa. E em razão de o
tipo penal prever quase que todos os crimes de mera conduta como unissubsistentes, a
doutrina, por vezes, entende que todo crime de mera conduta não é passível de tentativa –
impropriedade que já se enfrentou.
Veja que há crimes formais unissubsistentes, e que por isso também não admitem a
forma tentada. Já os crimes materiais unissubsistentes podem, sim, ser tentados: se o
resultado da conduta que foi praticada, mesmo sem ser esta fracionável, não ocorre, o crime
não está consumado, pois no crime material demanda-se o resultado para tanto.
Em síntese: crimes unissubsistentes formais ou de mera conduta não admitem
tentativa, mas unissubsistentes materiais a admitem, e crimes omissivos próprios, de mera
conduta, não admitem tentativa por serem unissubsistentes.
Classicamente, estes crimes são tidos por não passíveis de tentativa porque exigem a
reiteração da conduta para se consumar. Assim, se há uma só prática da conduta, o crime
não se consuma, mas não é tentado, sendo fato atípico; se reitera, há a habitualidade, e o
crime está consumado. Se tenta reiterar mas não consegue, ainda assim é atípico, pois não
se configurou a habitualidade. Assim se dá, por exemplo, no crime do artigo 282 do CP:
Ocorre que há doutrina moderna, capitaneada por Roxin e Zaffaroni, que entende
que os crimes habituais não precisam, necessariamente, da reiteração da conduta para serem
consumados. Entendem que a habitualidade não é um elemento objetivo, verificado na
prática concreta da conduta, mas sim na mente do sujeito ativo: a habitualidade é uma
tendência, um elemento subjetivo especial.
Sendo assim, interpretando que a habitualidade seja um elemento que se afere na
mente do agente – tornando o crime habitual em um delito de tendência –, poder-se-ia
pensar em tentativa de crime habitual.
Veja: o agente que se apresenta como médico, sem o ser, e instala consultório,
abrindo as portas para o atendimento público, está com a clara tendência em exercer
ilegalmente a medicina. Para a doutrina majoritária, este fato seria atípico até o agente
atender, ao menos, o seu terceiro paciente, configurando objetivamente a habitualidade;
mas para a doutrina moderna, ainda minoritária, a habitualidade estará configurada na
forma que o agente se comportou, ou seja, revelando intento subjetivo em proceder nas
conduta do exercício ilegal da medicina, mesmo antes de conseguir atender seu primeiro
paciente. Se algo o impedir de realizar o atendimento, estará tentado este crime habitual.
Esta vedação legal tem por fundamento a baixa lesividade das contravenções, que,
mesmo consumadas, causam danos bastante leves aos bens jurídicos, pelo que a tentativa
seria de ínfimo potencial ofensivo.
São crimes que o verbo núcleo do tipo é, por si só, uma tentativa, e por isso não é
lógico que haja tentativa de tentativa, nos próprios termos: “tentar tentar” é ato meramente
preparatório.
Não se confunda com o atentado violento ao pudor, cujo núcleo é “constranger”, e
por isso plenamente passível de tentativa.
Assim como nos crimes culposos, o dolo eventual não implica em vontade,
implicando apenas em assunção de risco. Sendo assim, a tentativa, para grande parte da
doutrina, seria impossível.
Contudo, o STJ tem precedentes de que há admissibilidade desta forma tentada. A
respeito, veja a ementa do RHC 6797:
Casos Concretos
Questão 1
Preso com 1 kg de cocaína, para se livrar do flagrante, CAIO oferece aos policiais
a importância de cinco mil reais. Os policiais fingiram aceitar a oferta, tendo CAIO
convocado sua companheira ao local, ordenando que a mesma fosse em casa pegar o
dinheiro e o entregasse aos policiais. Quando o dinheiro foi entregue aos policiais, estes
também prenderam a esposa de CAIO. Responda:
a) O crime de corrupção ativa é de natureza formal ou material?
b) Admite-se a forma tentada?
c) Poderia a esposa de CAIO também responder pelo crime?
d) Qual a natureza jurídica da tentativa?
e) Como diferenciar os atos preparatórios dos executórios?
f) O crime qualificado pelo resultado admite a forma tentada? E o crime
preterdoloso?
g) Que crimes não admitem tentativa?
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
c) Se for tido por material, sim, pois será este crime tentado, mas impunível; se for
tido por formal, há o crime consumado, mas impunível.
Tema XII
Notas de Aula28
1. Desistência voluntária
28
Aula proferida pelo professor Cristiano Soares, em 12/9/2008.
diferença de que não a completa, nesta tentativa, por força alheia a sua vontade, enquanto
na desistência a não completitude se dá por vontade própria.
O aspecto da voluntariedade nesta desistência é, de fato, o que merece maior
atenção. Veja que não se pode confundir voluntariedade com motivação da desistência: ser
voluntário é ter partido pelo arbítrio do agente, quer haja motivação íntima ou externa, ou
mesmo sem motivação aparente alguma. A voluntariedade da desistência não se confunde
com falta de motivação, pois pode haver conduta voluntária com motivo pessoal ou
externo. O importante será que ele tenha escolhido desistir, mesmo se foi levado a desistir
por um motivo externo qualquer.
O perigo em se confundir desistência voluntária com tentativa inacabada é pensar
que o motivo externo que compeliu à desistência tenha impedido a consumação: é muito
diferente deixar de praticar o restante da execução por força própria, mesmo que motivado
por situação externa, do que ser impedido de continuar na execução por esta força externa,
quando não foi o arbítrio do agente que tolheu suas ações.
A desistência voluntária guarda um intento do legislador em compelir o agente a
deixar de consumar o crime. Ao criar este benefício ao agente, o legislador dá a ele a
possibilidade de não responder pelo que pretendia consumar, nem a título de tentativa, e
sim pelo crime residual que porventura seus atos tenham revelado até aquele momento, e se
não houve crime residual, não responder por nada. Mesmo por isso, esta chance que o
legislador dá ao agente é chamada de ponte de ouro: o legislador estende esta ponte ao
agente em execução, para que ele, desistindo de sua conduta, volte à legalidade, sem
conseqüências mais graves do que aquelas que já tenham resultado de seus atos até então –
resultados que, se não há, não há crime algum.
Em suma, na desistência voluntária, o agente recebe a oportunidade de voltar à
legalidade, fazendo com que o agente não responda pelo fato, mas apenas por aquilo que já
tiver feito.
É claro que se o agente não escolhe desistir, pois o fator externo, mais do que
motivá-lo, tem poder de coação sobre sua vontade, não se aplica o instituto. Por exemplo,
se o agente deixa de terminar a subtração de um veículo porque ouve a sirene da polícia,
este fator o impediu de continuar, e não o motivou a desistir voluntariamente – sendo
tentativa inacabada, portanto.
Para diferenciar a desistência voluntária da tentativa, aplica-se a famosa fórmula de
Frank, que diz que quando o agente “quer prosseguir, mas não pode”, trata-se da tentativa;
quando “pode prosseguir, mas não quer”, trata-se da desistência voluntária.
Atrelado à desistência voluntária está o arrependimento eficaz. Vejamo-lo.
2. Arrependimento eficaz
Veja que se a vítima morre, mesmo o agente tendo envidado os mais extremos
esforços para impedir a consumação, o crime originalmente intentado será consumado: o
arrependimento não foi eficaz, não sendo aplicável o instituto. Todavia, aplica-se a este
mero arrependimento (ineficaz) uma redução de pena, consignada no artigo 65, III, “b” do
CP:
3. Arrependimento posterior
“Arrependimento posterior
Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado
o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato
voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.”
Caminhando o iter criminis, este evento terá lugar após a consumação do fato.
Como se consumou, não há aplicabilidade do arrependimento eficaz, mas este
arrependimento posterior ainda será cabível.
O arrependimento posterior só pode ocorrer entre a consumação e o recebimento da
denúncia ou da queixa. Após o início do processo, não mais será cabível sua aplicação.
Além desse requisito, o arrependimento posterior só é aplicável em crimes sem
violência ou grave ameaça à pessoa, e desde que o dano causado tenha sido reparado, ou a
coisa restituída, integral ou parcialmente (neste caso, com a aceitação da vítima). Significa,
então, que três são os grandes requisitos cumulativos deste instituto: ser procedido até o
recebimento da denúncia ou queixa; ser o crime sem violência ou grave ameaça à pessoa; e
tenha havido a reparação do dano ou a restituição da coisa.
Se a reparação ou devolução da coisa for parcial, deve ser razoável, e só é relevante
se a vítima a aceita. A reparação ou devolução integral dispensa aceitação da vítima para
que a benesse do arrependimento seja aplicada. E, em um ou outro caso, pode haver
complemento na esfera cível, independente da esfera penal.
É claro que, nos casos de arrependimento posterior, o agente já consumou o fato, e
por isso não há que ser tão beneficiado quanto na desistência voluntária ou no
arrependimento eficaz. Por isso, como conseqüência, e por natureza jurídica, o
arrependimento posterior é uma causa de diminuição de pena, apenas, como visto no artigo,
a ser aplicada na terceira fase da dosimetria.
Curiosamente, esta redução de pena, de um a dois terços, é idêntica à da tentativa.
Esta equivalência não é mera coincidência. O legislador percebeu que, havendo o
arrependimento posterior, a situação fática se assemelhará bastante àquela que teria
ocorrido em caso de tentativa do mesmo delito. Veja: se o agente tenta furtar uma quantia
da vítima, a situação teria terminado os atos executórios, sem alcançar a consumação – a
pena do furto seria diminuída da minorante correspondente à tentativa; se o agente consuma
o furto daquela quantia, e posteriormente se arrepende, devolvendo-a integralmente, os
fatos se apresentarão da mesma forma: a vítima terá seu bem da vida, e o agente estará a
merecer a diminuição como se tentado fosse, pois voltou a status que tinha antes de
consumar o delito.
É por isso que não há este instituto em crimes com violência ou grave ameaça, pois
a situação fática nunca volta ao status quo ante nestes crimes: mesmo devolvendo o bem e
reparando o dano, a violência e a ameaça não têm como ser desfeitas.
O critério para a gradação da diminuição da tentativa é jurisprudencial: quanto mais
próximo da consumação, menor a diminuição, partindo sempre do valor maior para
diminuir (sendo que a adoção de diminuição menor deve ser motivada). O mesmo
raciocínio se transporta para o arrependimento posterior: quanto mais evidente a intenção
em sanar seus fatos ignóbeis, maior a diminuição da pena.
No arrependimento posterior, para que os demais participantes do crime mereçam a
atenuação, devem ter ativamente colaborado para a reparação do dano ou restituição da
coisa, pois não haverá comunicação do arrependimento do autor, pura e simplesmente. No
arrependimento posterior, apenas os participantes que tenham, eles próprios, demonstrado
arrepender-se, operado voluntariamente na reparação, merecerão a diminuição da pena.
Caberia arrependimento posterior no crime de roubo? A resposta depende da
ausência da violência e grave ameaça na consumação do roubo: há, como se pode ver na
parte final do artigo 157 do CP, roubo praticado quando o agente reduz a vítima à
impossibilidade de qualquer resistência, o que se dá sem qualquer violência real ou grave
ameaça:
“Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave
ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à
impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
(...)”
O crime de estelionato, praticado por meio de cheque sem fundos, não tem sua
persecução obstada pelo pagamento do cheque após o recebimento da denúncia, segundo
consta do teor da súmula 554 do STF:
“Súmula 554, STF: O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após
o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.”
4. Crime impossível
“Crime impossível
Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por
absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.”
Este instituto tem uma característica bem clara, que se demonstra no próprio nome:
o crime é impossível porque simplesmente não há hipótese em que seja possível se
consumar.
Pode acontecer por duas razões: ou porque o meio escolhido pelo agente para
perpetrar o delito é absolutamente ineficaz para produzir o resultado querido, ou porque o
objeto visado é absolutamente impróprio para sofrer aquele resultado. Por isso, a tentativa
praticada é inidônea para a aquisição do resultado.
No crime impossível, os elementos subjetivos estão perfeitos: o dolo está
absolutamente bem delineado. Ocorre que há algum defeito no âmbito objetivo, na
realização concreta do fato, quer porque o meio é inútil, quer porque o objeto alvejado é
5. Delito putativo
Quando o agente crê que está praticando um crime, mas aquele fato, em verdade,
não é crime algum, não é um fato típico, diz-se em delito putativo. Veja: na cabeça do
agente, ele está praticando algo que é crime, mas a sua conduta não é típica, e por isso, por
ser indiferente penal, não tem absolutamente nenhuma conseqüência jurídico-penal para o
agente.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
instituto – e a chegada dos terceiros não teria impedido a execução, mas sim apenas
motivado a desistência.
a) Seria, neste caso, crime falho, tentativa perfeita, porém sem atingir o resultado.
Questão 2
CAIO, com o dolo de matar e em conluio com MÉVIO, que lhe emprestara a arma,
desfere um disparo de arma de fogo em TÍCIO. Contudo, quando nada lhe impedia de
prosseguir em sua empreitada homicida, CAIO desiste de prosseguir e presta socorro a
TÍCIO, evitando o resultado fatal. MÉVIO, ao saber do fato, mostrou-se contrariado, pois
desejava a morte de TÍCIO. Qual a situação jurídico-penal de CAIO e MÉVIO? .
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
a) O fato é atípico, pois a desistência ainda foi voluntária, mesmo que propugnada
por motivação externa, e não há crime residual evidente.
b) Sim, ambos responderiam por furto qualificado, José como autor, Pedro como
partícipe.
c) Configurar-se-ia arrependimento posterior, e ambos por ele seriam alcançados,
dado que é uma circunstância objetiva, comunicável. Poder-se-ia, até mesmo,
falar em furto de uso, mas não há elementos para tanto, no problema.
Tema XIII
Notas de Aula29
1. Concurso de pessoas
“Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade.
§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de
um sexto a um terço.
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á
aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido
previsível o resultado mais grave.”
29
Aula proferida pelo professor Cristiano Soares, em 12/9/2008.
A teoria monista apregoa que todos aqueles que colaboram para a realização de um
crime responderão pelo mesmo fato típico, ou seja, não há mais de uma adequação típica
para cada um dos concorrentes: todos incorrem na mesma tipificação. Aquele que dispara
arma de fogo matando alguém responde por homicídio, e aquele que lhe emprestou a arma
para tanto também responde pelo homicídio.
A expressão “na medida de sua culpabilidade”, de que se valeu o legislador,
significa que cada um dos concorrentes terá a sua reprovabilidade pessoal aferida
separadamente, sendo dosada sua responsabilidade e pena de acordo com suas
particularidades pessoais – mas sem que se tipifique sua conduta em outro crime. Aquele
que atirou em alguém terá medida sua culpabilidade diferentemente daquele que lhe
emprestou a arma, mas ambos cometeram homicídio.
2. Autoria
Tomando campo como o critério mais adotado, e realmente mais acurado, vem da
doutrina alemã o critério do domínio final do fato. Este critério, de Welzel, foi aprimorado
por Jakobs e Roxin, e é adotado de forma quase unânime no Brasil. Aqui, autor é todo
aquele que detém o controle da situação, o domínio sobre os fatos, podendo modificar ou
impedir a produção do resultado. Welzel sintetiza o critério dizendo que “autor é aquele que
detém as rédeas da situação”.
Destarte, é absolutamente irrelevante se o agente pratica ou não o verbo nuclear do
tipo penal. É relevante, somente, o domínio sobre os fatos, a possibilidade, nas mãos do
agente, de modificar ou impedir o curso dos fatos, até seu final. O autor possuirá as rédeas
da situação, controlando o final dos fatos, independentemente de realizar ou não o verbo.
O partícipe, segundo este critério, logicamente, é aquele que contribui para o crime,
sem ter este domínio dos fatos. Por isso é que se diz que sua conduta é acessória, e por isso
as teorias da acessoriedade, que serão abordadas adiante.
Welzel sofreu algumas críticas em sua proposição, porque a co-autoria – que nada
mais é do que ser autor em conjunto com outro autor – não tem diferença em relação à
autoria, em si, e há casos em que a co-autoria não terá real domínio sobre os fatos. A
divisão de tarefas, por vezes, implica em que nenhum dos co-autores tenha o domínio final
do fato em suas mãos.
Suprindo as lacunas, a dogmática alemã trouxe a próxima proposição, a que se
chamou de critério do domínio funcional do fato. Este critério, na verdade, não é um
terceiro critério, e sim um desdobramento do domínio final do fato, específico para delitos
em que há divisão de tarefas essenciais. Vejamo-lo.
Este critério veio suplementar as falhas do critério do domínio final do fato. Nos
delitos em que há divisão de tarefas, cada um dos indivíduos cumpre uma função na prática
do crime. Por isso, entende-se que se todas as funções são essenciais ao cometimento do
crime, todos os agentes têm em suas mãos o domínio final do fato: se a função é essencial,
sem ela o fato não aconteceria, e por isso não pode ser tida por acessória.
Assim, quem domina sua função, e tem função essencial no delito, domina,
indiretamente, o final do fato. Veja que, assim, se complementa o critério do domínio final
do fato, sem elidi-lo, sanando as possíveis perplexidades diante de um crime que envolva
divisão de tarefas.
Em síntese, para resolver as críticas a respeito das hipóteses de co-autoria por
divisão de tarefas, surgiu esta teoria do domínio funcional do fato, desdobramento do
domínio final do fato, e que afirma que aquele que possui uma função essencial para a
realização do fato, ao dominar esta função, acaba também dominando o final dos fatos ele
mesmo, já que sem sua função o fato deixaria de ocorrer como ocorreu.
A primeira hipótese é a autoria direta: autor direto é aquele que está diretamente
ligado à realização do crime, possuindo domínio final do fato. Repare que é bastante
comum se confundir este conceito, quando se aplica a teoria do domínio final do fato, pois
é corriqueiro que se aplique este conceito e se fuja, sem querer, da aplicação do critério do
domínio final do fato, caindo inadvertidamente no critério restritivo.
Veja: é comum se dizer que autor direto é aquele que, “tendo o domínio final do
fato, executa o verbo”. Ora, nesta frase se apresenta uma confusão enorme entre os
critérios, pois ou se adota o critério restritivo, falando-se em executar o verbo, ou se adota o
domínio final do fato, para o qual é irrelevante a execução do verbo.
É por isso que há duas hipóteses bem claras de autoria direta, se for adotado o
critério do domínio final do fato (como deve ser): o autor direto executor, que é quem
pratica o verbo detendo o domínio final do fato; e o autor direto intelectual, que é quem
possui o domínio final do fato, organiza, planeja, elabora o crime, mas não executa ele
próprio o verbo nuclear, utilizando-se de outro agente (o autor executor, que também possui
o domínio do fato), para realizar a conduta típica nuclear. Como exemplo, o mandante que
contrata o matador de aluguel: ambos são co-autores diretos, o primeiro sendo o autor
intelectual, e o segundo o autor direto executor – os dois tendo o domínio final do fato.
- Erro determinado por terceiro: Aquele que atua em erro a respeito do que faz não
possui qualquer domínio sobre os fatos, não respondendo pelo crime, que será
imputado apenas àquele que determinou o erro, autor mediato.
A obediência hierárquica, diga-se, é um erro determinado por terceiro, pois o
agente só praticou a conduta por crer que a ordem recebida era legal (vez que, fosse
manifestamente ilegal, seria exigível que descumprisse a ordem). Incide, pois, o
artigo 20, § 2º, do CP:
“Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
(...)
Erro determinado por terceiro
§ 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.
(...)”
Há certos aspectos desta espécie de autoria que precisam de atenção especial, por
apresentarem grave problemática. Um deles é o dos crimes de mão própria: para maioria da
doutrina, estes crimes não admitem autoria mediata, pois sua estrutura exige que o agente
pratique o fato pessoalmente, “com as próprias mãos”. Por exemplo, o falso testemunho,
em que somente o agente poderia prestar a falsa declaração em juízo.
Ocorre que esta tese está bem atrelada ao critério restritivo da autoria, pois se for
observada esta conduta do ponto de vista da teoria do domínio final do fato, fica bem claro
que pode um terceiro dominar a conduta do agente que pratica pela mão própria o verbo do
crime, e, portanto, somente este terceiro terá o domínio final do fato. Esta situação fica bem
fácil de ser enxergada num falso testemunho praticado propugnado por coação moral
irresistível, por exemplo. Contudo, ainda é majoritário que o crime de mão própria não
admite autoria mediata, por resquício de adoção do critério restritivo da autoria.
Os crimes próprios, por sua vez, são plenamente concebíveis em autoria mediata.
2.4.3. Co-autoria
Pode haver caso em que se conciliem os dois conceitos em uma mesma situação
fática. É possível que haja a própria co-autoria mediata quando dois agentes, em acordo de
vontades, dominam o fato, levando um terceiro, sem qualquer domínio do fato, a praticar a
conduta verbal do núcleo do crime.
Ocorre quando dois agentes realizam simultaneamente determinado fato, sem que
haja qualquer vínculo entre eles, ou seja, um desconhece a existência do outro. Neste caso,
cada um responderá apenas por aquilo que tiver feito.
Em hipótese de autoria colateral, quando não for possível se identificar qual dos
agentes produziu o resultado, ambos deverão responder pela forma tentada.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) Tício e Caio são co-autores do roubo, ambos detendo domínio funcional do fato,
pois cada um, com sua função fracionada, detinha o domínio final do fato.
Mévio, todavia, poderia ser co-autor, se evidente sua parcela fundamental na
formação do plano criminoso – quando então teria domínio funcional do fato,
também; ou partícipe, se sua conduta de vigia não fosse fundamental para a
possibilidade da execução do delito.
b) Neste caso, seria tido sempre como co-autor, vez que sua conduta fracionária é
claramente necessária à execução do delito, além da própria inserção no crime
de quadrilha ou bando.
d) Teoria monista, em que todos são capitulados no mesmo tipo penal (com raras
exceções em crimes específicos, como o aborto e a corrupção ativa e passiva).
Questão 2
Resposta à Questão 2
Caio e Tício respondem por homicídio tentado, qualificado por emboscada. Não
havendo como se identificar quem efetuou o disparo fatal, não há como se imputar a
consumação nenhum deles, havendo o que se chama de autoria colateral.
Mévio, garantidor, responde por homicídio doloso por omissão, mas poderia ser
tentado, vez que só sabia da conduta de Caio, e esta veio a ser tentada.
Sílvio, não garantidor, responde apenas por omissão de socorro com resultado
morte.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XIV
Concurso de Pessoas II. 1) A participação: definição. A punibilidade da participação e o seu caráter doloso.
Princípios reitores. Tentativa de participação. 2) Desistência voluntária e arrependimento eficaz. A
cumplicidade necessária e a desnecessária (teorias e controvérsias). Diferença entre cumplicidade
necessária e co-autoria.
Notas de Aula31
1. Participação
“Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade.
§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um
sexto a um terço.
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á
aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido
previsível o resultado mais grave.”
31
Aula proferida pelo professor Ricardo Martins, em 15/9/2008.
1.1. Requisitos
Partícipe é aquele que, sem realizar a ação típica, bem como sem deter o domínio
final ou funcional do fato (autor ou co-autor), concorre de forma relevante para a
consecução do delito.
O fundamento do referido diploma nada mais é senão o de punir alguém por ter
colaborado para fato contrário ao ordenamento jurídico.
Na vigência da teoria restritiva, o autor era tido como aquele que praticava o núcleo
verbal do tipo, sendo chamados de partícipes todos os demais. Com isso, as formas de
participação eram quatro: induzimento, determinação, instigação e auxílio.
Com o advento da teoria do domínio final do fato, a determinação deixou de
integrar uma forma de participação para ser promovida a modalidade de co-autoria, qual
seja, a intelectual.
Assim, as formas de participação são três: induzimento e instigação, participações
morais; e o auxílio, participação material.
Há diferença entre as duas formas de participação moral: induzir nada mais é senão
criar a idéia na mente do agente, ao passo que instigar é reforçar, incentivar a idéia já
existente.
A participação material, o auxílio, é aquela chamada pelo leigo de cumplicidade.
Veja um exemplo: uma pessoa empresta a outra chave mestra, capaz de abrir qualquer
porta, a fim de que seja cometido furto. Será considerado partícipe, auxiliar material, desde
que tenha havido a utilização da chave no crime, dada a exigência da relevância causal.
Assim, partícipe material seria aquele que se intromete em processo físico na prática do
crime cometido por outrem.
Toda participação deve incidir sobre autores e fatos determinados. Se um agente
incita outros agentes indeterminados, responderá, talvez, pelo artigo 286 do CP, incitação
ao crime. No entanto, se este incitador soubesse que alguns dos incitados possuem um
sentimento revoltoso acerca do tema, ou seja, que há sério potencial de que estes venham a
cometer o crime incitado, poderá responder também pela participação nos crimes cometidos
por aqueles, em que pese o limite da responsabilidade penal, que de forma alguma poderá
ser objetiva.
Toda participação é acessória, ou seja, vigeria, aqui o princípio da gravitação
jurídica; logo, o participe está aderindo à conduta de um autor. No entanto, em sede de
participação não é aplicado este brocardo, pois sabemos que foi adotada a teoria da
acessoriedade limitada. Vejamos.
Para esta teoria, a simples ocorrência da tipicidade já seria suficiente para que se
possibilite a punição ao partícipe. Assim, mesmo se a conduta praticada pelo agente fosse
atípica, aquele que de qualquer modo concorreu, responderia.
Mas sabe-se que o fato é único, não se podendo diferenciar um fato para o autor e
outro para o partícipe, ante a aplicação e adesão à teoria monista. No entanto, segundo Nilo
Batista, na análise da tipicidade e ilicitude, o julgador se volta para o fato, ao passo que na
culpabilidade se volta para o agente e suas peculiaridades, sendo um juízo pessoal de
reprovabilidade. Logo, haveria espaço para o pluralismo, em que pese a adesão à tese
monista.
Para se punir o partícipe ou co-autor, o fato deveria ser típico, ilícito e culpável.
Assim, daria azo à impunidade ao traficante que utiliza inimputável para traficar droga.
Nesse sentido, as circunstancias pessoais do agente, mesmo sem serem elementares
do tipo, poderiam se comunicar com o partícipe, em que pese poder se tratar de autoria
mediata.
É a teoria adotada pelo ordenamento jurídico pátrio. Para esta, somente se comunica
o injusto (fato típico e ilícito), posto se tratar a culpabilidade de juízo pessoal de
reprovabilidade.
Importa ressaltar que, com base neste argumento, Damásio reforçaria sua tese da
teoria bipartida do crime, sendo crime, para ele, tão-somente o fato típico e ilícito.
4. Cumplicidade necessária
A doutrina majoritária não admite co-autoria em crimes de mão própria, posto ser
inadmissível a divisão de tarefas, salvo se forem analisados tais crimes sob o foco da teoria
vigente, qual seja, a do domínio funcional ou final do fato, e não sob o enfoque da
restritiva.
Ocorre que a doutrina majoritária adota o conceito restritivo, sendo autor somente
aquele que realiza o tipo; logo, não caberia a autoria mediata.
O cúmplice necessário é aquele que não preenche os requisitos da co-autoria em
crimes de mão-própria, mas a contribuição dada é tão importante, que possui o domínio
funcional do fato, sendo partícipe em alto grau: sem tal participação, o crime não seria
desta forma praticado. Estamos, então, diante de um paradoxo: veja que pela tese do
domínio funcional do fato tal conduta não seria participação, mas sim co-autoria funcional;
não obstante, a tese majoritária ainda tem o enfoque da tese restritiva para crimes de mão-
própria, vedando a co-autoria nos mesmos. Por isso, acabou criando este aberrante instituto
em análise, qual seja, cumplicidade necessária.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Tema XV
Concurso de Pessoas III. 1) Concurso de pessoas nos crimes omissivos: possibilidade de co-autoria e
participação nos crimes omissivos próprios e impróprios. Controvérsias na doutrina e na jurisprudência. 2)
Concurso de pessoas nos crimes culposos: possibilidade de co-autoria e participação. Teorias e
controvérsias. 3) Concurso de pessoas nos crimes próprios e nos crimes de mão própria: possibilidade de co-
autoria e participação.
Notas de Aula32
Imagine-se que o autor desiste ou se arrepende de forma eficaz: mesma sorte terá o
partícipe, posto se tratar de conduta acessória, neste caso sendo aplicado o princípio da
gravitação jurídica.
Vale, portanto, a transcrição dos dispositivos acerca do tema, artigos 15 e 16 do CP:
“Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado
o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato
voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.”
32
Aula proferida pelo professor Ricardo Martins, em 15/9/2008.
Nos crimes omissivos, o tipo traz uma ordem, ao passo que no tipo comissivo é
trazida uma proibição. Por esta razão, os tipos omissivos são chamados de mandamentais 33
por descrever uma ação exigida.
Partamos de um exemplo: os pais, querendo matar o filho, resolvem abandoná-lo,
vindo a causar-lhe a morte por fome. Sua conduta incide claramente no homicídio doloso
omissivo por comissão, visto que ambos são garantidores que abandonaram seu dever de
agir, mas surge uma dúvida: agiram em co-autoria, ou cometeram cada um o homicídio?
Juarez Cirino entende não ser possível, mas a doutrina majoritária entende pela
possibilidade, desde que seja participação comissiva em crime omissivo, posto ser vedado a
participação omissiva.
Somente será partícipe se não tiver o dever, sob pena de se tornar autor, quando
então passa-se à discussão da co-autoria em crime omissivo. Um exemplo: um sujeito
paraplégico convence seus amigos, estando todos em um barco, a não salvar pessoa que
está se afogando (desde que o barco não tenha rádio, pois do contrário o paraplégico teria
dever próprio de agir na suas possibilidades, ou seja, chamar o socorro).
Nestes crimes, se for analisado sob o prisma da teoria restritiva, não seria possível a
co-autoria, nem autoria mediata, mas sim a participação. Como exemplo deste
entendimento, os tribunais superiores têm entendido que os advogados poderão ser tidos
como participes em crimes de falso testemunho.
Deve ser salientado que há possibilidade de divisão de tarefas nestes crimes, sendo
possível a co-autoria. Já a autoria mediata é mais controvertida: nestes crimes, somente
quem pode ser autor imediato também poderá ser mediato. Como exemplo, o funcionário
público pode induzir em erro um particular para que se aproprie de verba pública, sendo
autor mediato, mas o contrário não procede: se o particular usa o funcionário público para
dar desfalque na administração, este particular não responderá pelo crime próprio, mas sim
pelo correspondente crime impróprio, qual seja, furto ou apropriação indébita.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Nos crimes de omissão não se pode admitir a co-autoria, em regra, porque cada
agente que incide em omissão comete crime próprio: cada um que deixa de agir quando
deveria incide em conduta própria, e não na participação da conduta do outro, e por isso
não está presente a divisão de tarefas, pressuposto da co-autoria. Esta é a posição de Nilo
Batista. Quanto à participação, prepondera a tese de que é cabível, desde que o partícipe
não tenha, ele próprio, o dever de agir, induzindo ou instigando a que não seja cumprido
por quem tenha.
Todavia, a questão é bastante controvertida, havendo quem defenda, como Rogério
Greco, que pode haver co-autoria, quando há comunhão entre os que detêm o dever em não
agir. Quanto à participação, as teses se coadunam, entendendo-a cabível.
Questão 2
Nos tipos culposos, quando a atividade é dividida por várias pessoas, o princípio
da confiança limita o dever objetivo de cuidado? Resposta com objetiva fundamentação.
Resposta à Questão 2
O princípio da confiança é aquele em que faz com que o indivíduo que se comporta
adequadamente venha a esperar que os demais assim também o farão: o direito não pode
fazer com que se espere o pior dos demais. Ainda que se gere um risco, há, sim, a limitação
do dever jurídico de cuidado, pois se deve confiar nos demais indivíduos, salvo se estes se
comportar de forma a não merecer confiança.
Tema XVI
Concurso de pessoas IV. 1) A participação de menor importância: exame do artigo 29, §1º do Código Penal
Brasileiro. 2) Os desvios subjetivos entre os participantes: análise do artigo 29, §2º do Código Penal. 3) O
artigo 30 do Código Penal e suas controvérsias. 4) O artigo 31 do Código Penal como limitador da
responsabilidade penal.
Notas de Aula34
“Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade.
§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de
um sexto a um terço.
(...)”
O artigo 29 diz que o fato é um só para todos: a teoria monista é a que se aplica no
concurso de pessoas. Na aplicação da pena, porém, cada um dos concorrentes tem suas
peculiaridades, e o princípio da individualização da pena impõe que se analise a
reprovabilidade da conduta de cada um em separado – daí a expressão “na medida de sua
culpabilidade”. O artigo 30 do CP tem íntima ligação com esta medida de culpabilidade,
pois estabelece que não se comunicam as circunstâncias que só dizem respeito a um dos
agentes, circunstâncias subjetivas (a não ser que façam parte do próprio crime, sendo
elementares, quando então serão comunicáveis).
Mas, fora estas considerações, o § 1º deste artigo 29 estabelece uma causa de
diminuição de pena quando a participação do agente for considerada de menor importância.
A natureza jurídica desta previsão é justamente esta: causa de diminuição de pena,
incidindo na terceira fase da mensuração da pena.
34
Aula proferida pelo professor Ricardo Martins, em 17/9/2008.
Esta análise se faz melhor de uma forma indutiva, partindo de exemplos. Imagine
que para cometer o crime, o autor precise de cem mil reais emprestados: este bem é
claramente difícil de se conseguir. Imagine, de outro lado, que precise de apenas cinco
reais: a ajuda será muito mais facilmente encontrada. A primeira participação, de difícil
obtenção, jamais poderá ser tida por participação de menor importância; a segunda, sim.
Outro exemplo: o autor precisa de alguém que consiga abrir um cofre de segredo
bastante difícil. Outro autor precisa apenas de alguém que empurre uma porta pesada. Da
mesma forma, a primeira ajuda nunca será de menor importância, enquanto a segunda
poderá ser.
Assim se resume: se a contribuição do partícipe é de fácil obtenção, poderá ser
considerada de somenos importância. Se é de difícil obtenção, não será de menor
importância. E, diga-se, se a participação for de tão difícil obtenção que tangencie a quase
infungibilidade, poderá configurar mesmo a co-autoria.
Reforçando os exemplos: conseguir alguém para vigiar uma porta dos fundos para
um furto é fácil, mas conseguir alguém para arrombar a porta do cofre é difícil, e por isso,
respectivamente, serão condutas de menor e maior importância, dada a respectiva
abundância e escassez da contribuição.
Mas veja que não basta esta abundância do bem para que o partícipe mereça o
benefício. Se o bem for escasso, a análise pode parar por aí, mas se for abundante, nem
sempre merecerá o partícipe a benesse: há um segundo critério a ser observado,
denominado critério da eficiência causal. Vejamo-lo.
Além do grau de dificuldade para obter a contribuição para o crime, que deve ser
baixo, é importante que esta contribuição não seja realmente importante para o deslinde da
execução. Veja: o bem pode ser abundante, mas ser de tal relevância que a benesse do § 1º
do artigo 29 do CP não possa ser conferida ao agente, por não ser sua participação de
menor importância.
De início, nota-se diferença marcante deste dispositivo para o § 1º, que trata da
participação de menor importância: aqui, o legislador empregou o termo “concorrentes”,
significando que este dispositivo açambarca autor, co-autores e partícipes.
Este dispositivo trata do desvio subjetivo entre os concorrentes: os agentes que, até
certo ponto, cooperavam pelo mesmo intento, agora se vêem em ânimos diferentes, ou seja,
um deles mantém-se na consecução do crime mais brando, enquanto o segundo passa a
buscar um crime mais severo, sem que o primeiro compartilhe de sua intenção – ou seja,
sem que este primeiro saiba e coadune-se na busca pelo delito mais grave.
Veja que o liame subjetivo fica rompido, neste caso: o agente que busca o crime
mais leve não coaduna-se ao segundo, que passa a buscar o crime mais grave.
Novamente, os exemplos assumem função primacial. Imagine a situação em que
três meliantes adentram a casa de uma família, sendo que dois deles tomam mãe e filha por
reféns, e o terceiro sai com o pai em busca de dinheiro. Enquanto este terceiro e o pai
buscam dinheiro em caixas-eletrônicos, os dois que ficaram com a incumbência de manter
as reféns as estupraram e mataram. Aquele que saiu com o pai da família para buscar o
dinheiro responderá pelo estupro e homicídio?
Veja que o liame subjetivo que existia entre este agente que saiu e os dois que
ficaram era fundado apenas na extorsão: apenas quanto a esta havia a sua adesão prévia ao
concurso. Por isso, não se pode entender que este que saiu tenha tacitamente resolvido por
aceitar este resultado estupro e morte, vez que sua busca era exclusivamente por delito
patrimonial, não podendo sequer prevê-los – não ser-lhe-ão imputados estes crimes mais
graves.
Imagine-se agora o seguinte caso: dois agentes combinam roubo, valendo-se de
grave ameaça com arma de fogo. Um deles, inadvertidamente, atira e mata a vítima. O
segundo, que não atirou nem queria a morte da vítima, poderá estar incurso também no
latrocínio?
- Se o fato não estiver incluído, ainda que tacitamente, na comum resolução dos
agentes. Como exemplo, o furto de uma casa, em que, tacitamente, se resolvem os
co-autores a transmutar a conduta para roubo se houver alguém presente: estava
tacitamente incluída na resolução a possibilidade de que o furto se transformasse em
roubo. Neste caso, o excesso de um dos agentes, ao ameaçar vítima presente, se
impõe aos demais concorrentes, por ser tacitamente admitido por estes na formação
do liame subjetivo.
Se sequer houver esta resolução tácita pela conduta excessiva, o excesso será
imputado apenas àquele que o cometer, e não aos demais concorrentes, configurado
perfeitamente o desvio subjetivo pessoal. Como exemplo, se num furto de casa
vazia se percebe que há alguém, e o concorrente que entrou na casa decide estuprar
a mulher que lá estava, esta conduta excessiva não poderá ser imputada ao agente
que ficara de guarda na porta, pois não é conduta que fora tacitamente aceita por
este quando do ajuste criminoso, quando da formação do liame.
- Se o crime mais severo não ocorre na mesma ação conjunta dos agentes. Veja que
se o fato em que se coadunaram os concorrentes não fizer parte da mesma cadeia de
eventos para a qual se uniram, destacando-se lógica e temporalmente da ação
conjunta, não há como se imputar ao concorrente remissivo a responsabilidade pelo
regra, se o desvio for qualitativo, não se insere o remissivo no crime mais grave, incidindo
no § 2º; se for quantitativo, provavelmente responderá pelo crime, pois era desvio possível,
aceito tacitamente pelo remissivo.
Judiciais Agravantes
(artigo 59,
CP)
Circunstâncias Genéricas Atenuantes
(parte geral)
Legais
Causas de aumento ou diminuição da pena
Especiais (parte
especial)
Qualificadoras
36
Na verdade, a expressão “circunstância elementar” é contraditória em termos, pois ou se está no elemento
do tipo, sendo elementar, ou se está nas cercanias, sendo circunstância. A expressão é imprópria, portanto.
“Homicídio simples
Art 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
(...)”
“Casos de impunibilidade
Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição
expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser
tentado.”
Casos Concretos
Questão 1
MARCELO foi condenado como incurso no art. 157, §2º, I e II do CP. Restou
provado que MARCELO ia à casa de ADRIANO, executor do crime - em relação a quem o
feito foi desmembrado - para combinar o roubo, valendo-se da condição de funcionário da
mercearia lesada para fornecer todas as informações relativas a questões de segurança,
horários etc., o que garantiu o sucesso da empreitada criminosa. MARCELO também
pediu um revólver emprestado a ALFREDO (sendo que este foi, ao final, absolvido), e
ficou com parte do produto do crime, tendo sido encontrados, em sua residência, os
tíquetes-refeição roubados. Em grau de apelação, MARCELO pede o reconhecimento da
acessoriedade de sua conduta, com a conseqüente redução da pena. O seu recurso deve ser
provido? Justifique.
Resposta à Questão 1
A conduta de Marcelo trata-se de conduta que pode ser considerada “bem escasso”,
e por isso, de plano, deve ser reconhecida como de alta relevância para o crime, tanto em
relação ao fornecimento das informações quanto da arma. A informação, então, é tão
relevante que provavelmente o crime sequer seria cometido sem ela, não sendo apenas
escassa como causalmente determinante.
Sendo assim, de forma alguma sua conduta pode ser considerada de somenos
importância, estando alheia à previsão minorante do artigo 29, § 1º, do CP. A bem da
verdade, sua conduta é de relevância tal, que poderia mesmo ser considerado co-autor do
delito, e não partícipe, dada a relevância de sua conduta, que poderia, de fato, ser entendida
como uma das que tinha domínio final do fato.
O TJ/RJ, na apelação criminal 2003.050.01587, reconheceu-lhe,
condescendentemente, a participação, e não co-autoria, mas sem aplicar o § 1º do artigo 29:
Questão 2
Resposta à Questão 2
A morte da vítima, decerto, é decorrência que tacitamente fora admitida por todos, e
é um desvio perfeitamente possível da execução de roubo a mão armada. Por isso, todos
estão incursos em latrocínio.
A participação de somenos importância ocorre quando o agente tem papel que
poderia ser desempenhado por qualquer pessoa, sua conduta sendo tida por acessível,
abundante; e quando tem pouca relevância causal para o sucesso da empreitada. Já a mera
participação é a que ocorre quando estão presentes a escassez da conduta e a maior
relevância para a consecução do crime, mas sem alcançar o domínio do fato, pois aí seria
co-autoria.
A co-autoria funcional é a que ocorre quando o delito tem divisão de tarefas, sendo
que cada um dos concorrentes desempenha papel tal que, sozinho, pode ser entendido como
detentor do domínio final do fato. É, em verdade, um desdobramento desta teoria do
domínio final do fato, chamado de domínio funcional do fato.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tícia e Mévio são incursos no roubo, sem ter qualquer responsabilidade pela morte
da vítima: não houve aceitação tácita daquele desenrolar do roubo, tampouco era um desvio
admissível, previsível, pois que não decorreu de nenhuma atividade inerente ao roubo
(diverso do que seria se a morte viesse de reação da vítima). Mas veja que, mesmo este
homicídio não sendo um desvio admissível em concreto, dada a especial motivação em que
foi cometido, a análise em tese de qualquer roubo com emprego de arma de fogo torna
previsível, em abstrato, a morte de uma vítima, e por isso mereceriam, estes agentes, a
majorante prevista no artigo 29, § 2º, do CP.
De fato, não há latrocínio: há simples roubo, para eles. Já para Lúcio, a conduta é de
roubo em concurso material com homicídio, pois os desígnios são deveras autônomos,
especialmente o de matar, que é exclusivamente passado em sua esfera particular, dado a
sentimento íntimo, absolutamente desvinculado da conduta de roubo.
Em que pesem estas considerações, poderá haver quem entenda que a conduta de
Lúcio se trate de latrocínio, por entender que há certa vinculação entre o roubo doloso e a
morte dolosa. Diga-se, porém, que é entendimento bastante atécnico.
Tema XVII
Notas de Aula37
“Concurso material
Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de
liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de
reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
37
Aula proferida pelo professor Ricardo Martins, em 17/9/2008.
§ 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa
de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a
substituição de que trata o art. 44 deste Código.
§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá
simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.”
“Concurso formal
Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se
iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até
metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é
dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o
disposto no artigo anterior.
Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art.
69 deste Código.”
“Crime continuado
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou
a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade,
os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou
a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do
art. 70 e do art. 75 deste Código.”
O ordenamento adota hoje dois sistemas para solucionar questões de concurso real
de crimes. O primeiro é o do cúmulo material, consistente no mero somatório das penas
cominadas aos crimes cometidos em concurso. Este sistema é adotado no concurso
material e no concurso formal imperfeito.
O segundo sistema é o da exasperação, que consiste não no somatório das penas,
mas sim na escolha de uma das penas cominadas, com a incidência de uma causa de
aumento, das previstas nos artigos 70 e 71. Este sistema é aplicado na continuidade delitiva
e no concurso formal perfeito.
Antigamente, havia outros dois sistemas, que não mais são adotados: o da absorção,
que consistia na simples opção pela pena mais grave, sendo as demais penas menores por
esta absorvidas (criando quase que um fomento aos menores delitos, quando se pratica um
mais gravemente punido); e o do cúmulo jurídico, que pregava que a pena aplicada deve ser
menor do que a soma de todas as penas cominadas para os crimes concorrentes, mas deve
ser também maior do que a maior das penas previstas. Por sua impropriedade, vê-se por
quê estes critérios foram abandonados.
A necessidade de se diferenciar, como hoje se diferencia, entre o cúmulo material e
a exasperação encontra fundamento na proporcionalidade, pois fatos há em que a
reprovabilidade da conduta no concurso de crimes é flagrantemente menor do que em
situações outras de concurso, e por isso o cúmulo material, então, se demonstraria
irrazoável.
Veja um exemplo: imagine-se que o agente atropela culposamente quatro pessoas,
em um só erro de direção; imagine-se, agora, que um agente atropela quatro pessoas, mas
É bem simples: as penas dos crimes cometidos em concurso material são somadas,
em cúmulo material.
Assim que fixar todas as penas, individualizando crime a crime, o juiz observará a
parte final do artigo 69 do CP, que determina que a reclusão será cumprida primeiro.
Suponha-se, então, que haja o cometimento de cinco crimes, três punidos com reclusão,
somando dez anos, e dois com detenção, somando cinco anos, totalizando quinze anos o
cúmulo de todas as penas. Como ficará o regime de cumprimento desta pena, se crimes de
detenção não podem ter o cumprimento da pena iniciado em regime fechado, como diz o
artigo 33 do CP?
“Reclusão e detenção
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou
aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de
transferência a regime fechado.
§ 1º - Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima
ou média;
b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento
adequado.
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma
progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e
ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em
regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não
exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos,
poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
Veja que a parte final do caput do artigo 33 determina que poderia haver a regressão
para regime fechado em crimes de detenção, mas o STF, em recente entendimento,
estabeleceu que não é possível esta regressão por se tratar de impropriedade, não cabendo
regredir para situação em que não se esteve jamais (pois detenção tem início em regime
semi-aberto).
A respeito, o artigo 111 da LEP assim determina:
“Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo
ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita
pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a
detração ou remição.
Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena
ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime.”
Então, assim fica a situação: somar-se-ão as penas, e o regime será fixado de acordo
com a natureza da pena. Será, no exemplo, regime fechado nos primeiros dez anos, e semi-
aberto, no mínimo, nos cinco últimos anos. E, diga-se, o juiz da execução penal tem
liberdade para alterar a situação, quando no curso da execução da pena sobrevier causa que
justifique esta alteração.
Veja que, outrora, fosse hediondo, haveria o já muito discutido problema do regime
integralmente fechado; hoje, a repercussão da hediondez, aqui, se resume à maior restrição
temporal à progressão.
Sobre o artigo 69 do CP, vale comentar que quando os crimes cometidos forem
idênticos, por óbvio, trata-se de concurso material homogêneo; quando forem diferentes, é
concurso material heterogêneo. Os crimes serão, sempre, conexos ou continentes, pois do
contrário sequer poderão estar em curso no mesmo processo.
As previsões sobre a vedação à conversão das penas em restrição de direitos, e sobre
a cumulação das penas restritivas de direitos são bem claras, não demandando análise
aprofundada.
O concurso formal consiste no avilte a vários bens jurídicos com uma só conduta. o
conceito é simples, bem como a sua divisão em concurso formal perfeito e imperfeito: o
próprio artigo 70 do CP faz a diferenciação, trazendo o perfeito na primeira parte, e o
imperfeito na parte final. Veja:
Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art.
69 deste Código.”
Casos Concretos
Questão 1
JOSÉ ingressa numa casa residencial para furtar jóias. Ao adentrar no escritório,
descobre muitas jóias num cofre, cujo segredo já conhecia em razão de ter sido o vendedor
do mesmo. Como sua mala ficara na cozinha, localizada no andar inferior da casa, faz dez
vezes o trajeto entre o escritório - no segundo andar - e a cozinha, e em cada vez carrega
em suas mãos um punhado das jóias, tudo em absoluto silêncio, pois os donos da casa
estavam dormindo. Após longo tempo, fecha a mala e vai embora com todas as jóias.
Responda:
a) Quantas condutas houve, e quantos crimes?
b) Se JOSÉ tivesse se dirigido dez vezes, não à cozinha, mas à sua própria
residência, localizada a poucos metros dali, com todo o cuidado, a resposta seria a
mesma?
c) Se JOSÉ tivesse se aproveitado do fato de a casa se encontrar vazia, no final de
semana, e tivesse praticado em cada dia uma subtração, a resposta seria a mesma?
Resposta à Questão 1
a) É claro que houve uma só conduta, com execução em vários atos. Por isso, há
um só crime.
Questão 2
Resposta à Questão 2
A conduta é única, mas incide apenas no artigo 129, § 3º, e mais nada. Não há
concurso de crimes, e sim a tipificação expressa deste dispositivo.
Questão 3
Resposta à Questão 3
O que regula esta questão é o bem jurídico protegido. Se bem jurídico é um só, o
crime é um só. E como este crime é contra o patrimônio, e este é um só, in casu, por mais
que seja estranho, a morte de várias pessoas não cria concurso de crimes, mas sim a
consumação do artigo 157, § 3º, do CP, com a majoração da pena trazida pelo artigo 59 do
CP. O crime é único.
Tema XVIII
Notas de Aula38
“Erro na execução
Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao
invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde
como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º
do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente
pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.”
38
Aula proferida pelo professor Ricardo Martins, em 18/9/2008.
O artigo 74 do CP, por sua vez, trata da aberratio criminis: trata-se do erro de coisa
a pessoa. Imagine-se que um agente quer quebrar uma janela, mas, ao arremessar a pedra,
acerta pessoa que passava, sem quebrar a janela. O artigo 74 estabelece que responderá
apenas pela lesão culposa. Se, neste exemplo, acerta tanto a pessoa que passava como
também quebra a janela que pretendia, responde pela lesão culposa e pelo dano doloso, em
concurso formal. Simples assim.
É importante perceber que a regra do artigo 74 não pode jamais ser aplicada no erro
de pessoa a coisa, pois criar-se-iam situações absurdas. Imagine que o agente quer acertar
pedrada em uma pessoa, mas, ao arremessar o projétil, erra-a e acerta uma vidraça. Se for
aplicada a regra da aberratio criminis, responderia apenas pelo dano culposo, e como este
crime não admite modalidade culposa, não responderia por nada – sendo clara a sua
imputação pela tentativa de lesão corporal, neste exemplo.
Este tema, na verdade, não trata de concurso de crimes, nem de dosimetria de pena.
É, sim, um tema de tipicidade.
O concurso aparente de normas consiste na situação fática em que existe um só fato,
uma só conduta, uma só ação, desenhada no elemento subjetivo uno, mesmo que a conduta
se fracione em diversos atos. Exemplo em que esta fração fica evidente é a falsificação de
moeda, em que o agente não pode ser imputado por um crime a cada nota falsificada, mas
sim pelo falseio de todas, como um todo.
Por isso, Juarez Cirino diz que são crimes de repetição: a fabricação de drogas, ou
dos itens falsificados, consistem em uma só ação, movida por um só desígnio – mesmo que
inúmeros sejam os atos.
Além deste requisito da unidade de fato, o concurso requer que haja pluralidade de
normas que aparentemente alcançam aquele fato. É claro que se o fato é único, só pode ser
punido uma vez, sob pena de se violar o princípio do ne bis in idem. Por isso, se há
aparentemente uma subsunção daquela conduta única a mais de um tipo penal, é necessário
que haja a incidência de um só dos tipos, para não haver dupla punição, e por isso este tema
se constrói.
E, para solucionar este aparente conflito de normas, para determinar qual delas será
aplicada, aparecem três parâmetros principiológicos: a especialidade, a subsidiariedade e a
consunção. Vejamo-los.
2.1. Especialidade
Consiste no bom e velho conceito de que a norma especial prevalece sobre a geral.
Em direito penal, o tipo especial é aquele que contempla a norma geral, adicionada de um
elemento especializante (um plus).
Veja que se na casuística a norma imputável for uma especial, mas restar
demonstrado que o elemento especializante não estava realmente presente, a conduta
recairá na prevista no tipo considerado geral. Por exemplo, a mãe que tem a morte do filho
imputada a título de infanticídio: esta norma é especial em relação ao homicídio. Se
porventura ficar clara a ausência do estado puerperal, o tipo do infanticídio não se
preencheu, mas a conduta ainda é tipicamente enquadrada no homicídio, tipo geral.
A norma geral protege o bem jurídico da forma mais ampla possível. Dentro desta
gama de proteção, porém, há situações específicas que podem ser menos ou mais graves, e
para separar estas hipóteses das demais, é necessário que haja a norma especial, a adição do
elemento especializante.
O elemento especializante pode aumentar ou diminuir a reprovabilidade. O
infanticídio, por exemplo, nada mais é do que um homicídio acrescido do elemento
especializante redutor da reprovabilidade, qual seja, vitimar filho em estado puerperal.
Inexistindo este elemento, o crime não passa de um homicídio. Por isso, revogada a norma
especial, a norma geral aparece como tipificante da conduta.
Outro exemplo é o tipo penal do artigo 133 do CP, que é o crime geral: o artigo
seguinte, 134, é a norma especial, que acha na vítima e na motivação específicas o
elemento que majora a reprovabilidade:
“Abandono de incapaz
Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou
autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes
do abandono:
Pena - detenção, de seis meses a três anos.
(...)”
“Roubo
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave
ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à
impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
(...)
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
(...)”
Para o roubo, a arma é a especialização; para qualquer outro propósito, é crime geral
do Estatuto.
“Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º,
158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art.
223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e
parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o
limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das
hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal.”
Veja que o artigo 9º da Lei 8.072/90 é norma especial, mas que pertine a todos os
menores de dezoito anos, enquanto o § 1º do próprio artigo 159 é ainda mais especial, pois
mesmo dizendo respeito a todos os menores, só pertine àquele crime39.
Assim, as circunstâncias da parte especial são especialíssimas, por assim dizer, pois
dizem respeito a um só crime, em regra.
2.2. Subsidiariedade
dano, mas se causa este dano não desejado, este ser-lhe-á imputado a título de culpa, se for
mais grave; se for menos grave a forma culposa do dano causado do que o perigo doloso,
prevalece o crime de perigo, pois, como visto, a subsidiariedade tem sempre o crime mais
grave como principal.
Veja um exemplo prático: agente contaminado com o vírus HIV pratica sexo com
mulher, sem querer contaminá-la, e crendo realmente que não a contaminará. Estará, então,
incurso no crime do artigo 130 do CP:
“Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
(...)
§ 6° Se a lesão é culposa:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.
(...)”
A regra geral, então, seria a incursão na lesão corporal, pois o crime de dano,
mesmo culposo, em regra é principal ao de perigo, subsidiário. Todavia, este exemplo deixa
claro que o fato será tipificado no perigo de contágio venéreo, pois a pena deste é superior à
da lesão culposa. Diferente seria se a vítima morresse: o homicídio culposo consumado tem
pena muito mais grave, e por isso é principal, prevalecendo sobre o perigo doloso:
“(...)
§ 3º Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de um a três anos.
(...)”
“Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para
Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de
dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”
Este princípio consiste na consumição, absorção, de um tipo por outro. Veja que não
há, aqui, nenhuma relação entre o bem jurídico, protegido de formas diferentes
(especialidade) ou em gradações diferentes (subsidiariedade). Os bens, na consunção, são
diferentes, havendo a relação de meio e fim entre os tipos, em regra.
Há crimes-fim que dependem necessariamente, ou ao menos normalmente, da
passagem por um crime-meio para se consumarem: há a relação de crimes progressivos.
Sempre que o crime-meio for fase normal ou necessária à consumação do crime-fim, há
relação de consunção, e o crime-fim absorve o crime-meio, ao qual se denominará ante
factum impunível.
A doutrina diverge em certa monta quanto a este requisito, no que tange à
necessidade ou mera normalidade do crime-meio como fase do crime-fim, sendo que uma
minoria defende que somente será ante factum impunível crime que seja fase necessária do
crime-fim, não bastando a normalidade. Exemplo em que um crime é fase necessária do
outro é a falsidade documental e a sonegação fiscal, pois não há sonegação que não seja
realizada por meio de falsidade documental. Outro exemplo é a lesão corporal, necessária à
consecução de qualquer homicídio. Fase que é simplesmente normal, e não necessária, seria
a falsidade documental e o estelionato: pode haver prática de estelionato por outros meios,
mas a falsificação é um meio normalmente utilizado.
O STJ, na súmula 17, apóia a tese da normalidade do meio como habilitante da
absorção, exatamente tratando do estelionato que absorve o falso:
O segundo requisito para a absorção pode também ser apontado nesta súmula: trata-
se da relação de dedicação de um crime ao cometimento do outro. O crime-meio deve
nascer e morrer em função do crime-fim. Um exemplo em que isso não ocorreria seria o de
uma falsificação documental que se presta ao estelionato (e seria absorvível, em regra), mas
o documento falso é guardado pelo agente para novos golpes. Outro exemplo é o de um
agente que porta arma de fogo ilegalmente constantemente, e, em evento não planejado,
mata alguém: este homicídio não absorve o porte de arma (diferente do que seria se o porte
só se fez para cometer o homicídio).
Outro requisito é a necessidade de que o crime-meio seja mais leve que o crime-fim:
se o crime-meio for mais severo do que o crime-fim, não será aquele por este absorvido. Se
for de mesma gravidade, também admite-se a absorção.
O STJ tem mitigado este requisito, exatamente em caso de estelionato praticado por
meio de falso documento público: o STJ simplesmente não faz qualquer diferenciação,
aplicando normalmente a súmula 17, de forma que o estelionato continuará absorvendo o
falso, sem se importar que o crime-meio seja mais brando. Veja:
“Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer
outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
(...)”
O entendimento mais correto, porém, seria o de que o crime punido fosse apenas o
falso público, do artigo 297, considerando-se o estelionato como mero exaurimento,
impunível. Se assim fizesse, a regra continuaria sem ser mitigada, e a situação ainda seria
técnica.
Outro requisito seria o de que crime-meio e crime-fim protejam o mesmo bem
jurídico. Esta regra, porém, não é correta, nem é aplicada, como se vê no próprio caso da
súmula 17, em que o crime contra a fé-pública é absorvido pelo crime contra o patrimônio.
Mas há quem consigne este requisito.
Quando um crime configurar mero exaurimento de outro, haverá, para a maior parte
da doutrina, a absorção, por se tratar de pós-fato impunível. Exemplo clássico é o do agente
que furta um bem, e em seguida o vende, enganando o comprador, dizendo-se dono do
bem: este estelionato posterior, para a maior parte da doutrina, seria exaurimento do crime
de furto, e por isso seria impunível, absorvido pelo furto.
Há quem entenda, porém, que o pós-fato só pode ser impunível, só pode ser
considerado mero exaurimento, se o bem jurídico afetado for o mesmo. Assim, se o furtador
não vende o bem, mas sim o destrói, este fato é exaurimento do furto, mas se vende o bem,
além do patrimônio do furtado, terá violado outro bem jurídico – a fé do adquirente –, e por
isso não seria exaurimento impunível, e sim crime autônomo, em concurso material.
Suponha-se que o agente vai roubar a vítima, mas, no curso da execução do delito,
altera seu dolo, passando a praticar extorsão mediante seqüestro: haverá a progressão
criminosa, em que o crime mais brando será absorvido pelo mais severamente punido.
2.4. Alternatividade
“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
(...)”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
b) Neste caso, haveria somente o crime de furto, pois a violação de domicílio seria
absorvida como crime meio.
c) Concurso formal entre duas lesões corporais, uma culposa, contra a mãe, e uma
dolosa contra Júlia.
d) Somente pelo crime de lesão corporal, pois o erro de pessoa para coisa não é
relevante, neste caso, vez que o crime de dano culposo não é figura típica.
Questão 2
ALFREDO foi denunciado pelo Ministério Público como incurso nas penas do art.
121, § 2º, I e IV, combinado com o art. 14, II (duas vezes) e art. 69, todos do Código Penal,
pelos seguintes fatos: ao tentar atingir seu desafeto, JOÃO, com disparos de arma de fogo,
errou o alvo, alvejando vítima diversa. Em seguida, passou a perseguir JOÃO, disparando
várias vezes contra ele, não conseguindo atingi-lo. Agindo assim, sustentou o parquet, o
agente atentou duplamente contra o mesmo bem jurídico, pois atingiu, por erro, a primeira
vítima e em "tentativa branca", atentou contra a vida da segunda, a quem efetivamente
almejava matar. A defesa alega que ALFREDO deve ser punido por apenas um dos crimes,
sob pena de incorrer o Judiciário em bis in idem, o que é juridicamente inadmissível.
Decida a questão.
Resposta à Questão 2
Deve responder pelos dois crimes. O primeiro, por erro quanto à pessoa em
aberratio ictus, consumado: responde, aqui, como se houvesse atingido o alvo (artigo 73,
usque 20, §3º, CP); e o segundo, por tentativa, vez que a situação fática é absolutamente
distinta. É fato que ao lesionar o bem de terceiro, o fez por imperícia, mas o bem jurídico
foi lesionado, e a tentativa expôs a perigo outro bem, o do desafeto – e por esta dupla
periclitação deve o agente responder, sem haver bis in idem, por haver dupla conduta, e não
uma só apenada duas vezes.
O STJ, no REsp 439.058, assim se posicionou:
Questão 3
Resposta à Questão 3
Mas é de se ressaltar que, para grande parte da doutrina, este terceiro homicídio
apontado, o tentado em dolo eventual, seria de fato um indiferente penal, pois assim como
nos crimes culposos, o dolo eventual não implica em vontade, implicando apenas em
assunção de risco – pelo que seria impossível a tentativa. Fica a ressalva.
Tema XIX
Concurso de Crimes III. 1) Crime continuado:a) Origem do instituto e sua definição;b) Controvérsias sobre
sua natureza jurídica;c) Requisitos: discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a necessidade do
elemento subjetivo;d) Aplicação das penas privativas de liberdade, restritiva de direitos e pecuniária.
Notas de Aula40
1. Continuidade delitiva
Sempre houve severa discussão na doutrina sobre este instituto. O STF, entretanto,
apaziguou os ânimos, ao admitir continuidade delitiva em um crime do tipo “chacina”.
Como já se disse, a continuidade delitiva, assim como a solução dada ao concurso
formal de crimes, são benesses que só existem em prol da razoabilidade. Todavia, no Brasil,
a prevalência de teses liberais extremas acabou por exacerbar a aplicação do instituto do
crime continuado.
Entenda: há um duelo entre duas teorias, a da unidade real e a da ficção jurídica.
Segundo a unidade real, a continuidade é vista como um dado da realidade, e sua menor
reprovabilidade (comparada com um concurso material) vem da própria natureza das
coisas. Exemplo que fundamenta esta tese é o do funcionário de banco que, pretendendo
dar desfalque de um milhão de reais, procede em dez condutas de subtração de cem mil
cada, por ser mais seguro. Para esta corrente, o fato é o furto de um milhão, e não dez furtos
de cem mil – a continuidade é um fato, e não uma ficção. Há o projeto único, apenas
fragmentado em várias ações isoladas, e por haver este propósito único é que há
merecimento de ser reconhecida a benesse da continuidade (pois se fosse considerado
concurso material, a pena seria irrazoável).
Veja que o mote desta teoria é a necessidade de certificação do dolo unitário, dolo
global no elemento subjetivo do delito: é preciso que haja este propósito único na conduta
do agente para que haja a continuidade fática. Juarez Cirino chama este elemento subjetivo
de dolo de continuação. O fracionamento da conduta, estando esta ainda amalgamada pela
unidade do elemento subjetivo, atribui às frações uma unidade real, e por isso é que o nome
40
Aula proferida pelo professor Ricardo Martins, em 18/9/2008.
da corrente condiz exatamente com o que apregoa. Zaffaroni, Welzel, dentre outros,
defendem esta tese, chamada de teoria subjetiva da continuidade delitiva.
A tese que defende que se trata de uma ficção jurídica, chamada de teoria objetiva
pura, assenta na inexistência de qualquer consideração por elementos de índole subjetiva na
estruturação deste instituto, no artigo 71 do CP. Por isso, somente através de uma união
fictícia seria possível a reunião dos fatos em um só. Veja que esta tese não diz que não há
elemento subjetivo de continuidade; apenas diz que é dispensável este elemento.
“Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois
ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou
a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade,
os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou
a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do
art. 70 e do art. 75 deste Código.”
Para que a tese objetiva-subjetiva não apareça como mera negação de aplicabilidade
ao artigo 71, Juarez Cirino explica que a exigência do elemento subjetivo, que fundamenta
esta tese, não precisa vir consignada expressamente. Tanto é que a legítima defesa, por
exemplo, exige o dolo de defender-se, sem que seja expressa esta exigência na lei. A teoria
finalista exigiu este elemento subjetivo, não sendo necessário que a lei o expresse.
Há ainda um julgado do STF que traz uma frase emblemática: enquanto a
continuidade atenua, a habitualidade agrava. Significa, esta frase, que o criminoso
habitual merece é maior reprimenda do Estado, e não a benesse do crime continuado. Veja
que não se trata de crime habitual, e sim do criminoso habitual, contumaz, aquele que faz
do crime um meio de vida. Aquele que pratica a conduta diversas vezes, de forma isolada,
não está em continuidade delitiva, porque não estão preenchidos os elementos objetivos
desta continuidade. Veja a ementa:
Em que pesem estes argumentos, a súmula 605 do STF, que em muito se coadunava
com tal postura, se vê hoje cancelada (ainda informalmente) pelo STF. Veja:
“Súmula 605, STF: Não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida.”
Por isso, só poderia haver continuidade em diversos estupros, diversos furtos, etc,
mas nunca entre furtos e roubos, por exemplo.
A segunda corrente, por seu turno, entende que são crimes de mesma espécie
aqueles praticados de forma similar, e em face de um bem jurídico idêntico, mas não
necessariamente no mesmo tipo penal: basta que haja modus operandi semelhante, e que o
bem jurídico tutelado seja o mesmo. Sendo assim, segundo esta corrente, seria admissível a
continuidade do atentado violento ao pudor e do estupro, da apropriação indébita e do
estelionato, do furto mediante fraude e do estelionato, do roubo e da extorsão, etc, mas
jamais admitiria continuidade entre roubo e estelionato, por exemplo, pois a execução não é
nada similar.
Veja que a posição do STF, pela incidência do mesmo tipo penal, não está mais tão
pacífica quanto dantes, como se pode depreender de também recente julgado no HC
89.827:
“Súmula 711, STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao
crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Não tem razão a defesa. A continuidade delitiva tem expressa, no seu artigo sede,
que é necessária identidade de circunstâncias a fim de se considerar, por ficção, a realização
de uma só conduta estendida. Ao se acatar a tese da defesa, se estaria praticamente criando
crime permanente profissional, o que é uma aberração: o criminoso habitual não merece
reconhecimento da continuidade delitiva, mas, ao contrário, o agravamento de sua
reprovabilidade.
O STJ, no HC 33.891, assim se manifestou:
"HABEAS CORPUS. ARTIGOS 171, CAPUT (5 VEZES) E 171 C/C 14, II, NA
FORMA DO ART. 69, TODOS DO CP. ALEGAÇÃO DE CRIME
CONTINUADO. INOCORRÊNCIA. HABITUALIDADE CRIMINOSA.
Continuidade delitiva. Criminoso que faz do crime profissão não faz jus à
Entretanto, há quem defenda que, pela estrita aplicação da regra objetiva a este
instituto, se ficar demonstrado o preenchimento dos critérios objetivos da continuidade, esta
deve ser reconhecida. Neste sentido, estaria correta a tese defensiva.
Questão 3
TAXIO, matador de aluguel, foi contratado para matar uma família composta de
sete pessoas. Numa madrugada, adentrou a residência e efetuou vários disparos no escuro,
enquanto as pessoas se encontravam dormindo, matando quatro delas e ferindo
gravemente as outras três. Condenado pela prática da chacina, que sempre negou ter
praticado, apelou sustentando a existência de continuidade delitiva. Pergunta-se:
a) É possível o reconhecimento de um crime único continuado, nestas
circunstâncias?
b) Se tivesse a intenção de matar somente três pessoas da família e, ao adentrar na
residência, tivesse resolvido lesionar as outras quatro, poderia haver o
reconhecimento da continuidade delitiva?
Resposta à Questão 3
a) Claro que não. O desígnio foi autônomo em matar cada uma das vítimas. Não
haveria, então, que se falar em continuidade delitiva. Contudo, o STF já
entendeu que é este caso passível da continuidade.