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Direito Processual Penal 2022/2023

Regente: Paulo Sousa Mendes


Assistente: Joana Reis Barata

Aula teórica – 12.09.2022

Bibliografia
Código de Processo Penal – Coletânea AAFDL
Novos Elementos de Estudo – Direito Processual Penal
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de – Comentário do Código de Processo Penal à luz da
Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª ed., Lisboa:
Universidade Católica Editora, 2011
MENDES, Paulo de Sousa – Lições de Direito Processual Penal, Coimbra: Almedina (9.ª reimp.,
2022)
ANTUNES, Maria João – Direito Processual Penal, Coimbra: Almedina (1.ª reimp. da 2.ª ed.,
2020)
DIAS, Jorge Figueiredo – Direito Processual Penal, Coimbra: Coimbra Editora (1.ª reimp., 2004)
Bibliografia específica  Dropbox

NOTA: Para fazer melhoria, o Regente aconselha a realização de um trabalho escrito sobre um
tema específico (seguindo o template facultado na Dropbox)  será enviado um Power Point
com uma lista de temas sugeridos

Programa
INTRODUÇÃO
1. Os modelos de processo penal: acusatório, inquisitório e misto. Sistemas históricos.
Direito comparado  comparação entre os dois modelos (common law e civil law)
2. A relevância constitucional do processo penal. A articulação entre as garantias penais
substantivas e as garantias processuais.
3. O Direito Penal e o Direito Processual Penal.
3.1. A relação de complementaridade funcional entre o Direito Penal e o Direito
Processual Penal. O princípio da reserva de juiz (art. 27.º, n.º 2, artigo 29.º, n.º 1,
e artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
3.2. Pressupostos substantivos e pressupostos processuais da responsabilidade
criminal. As condições de procedibilidade.
3.3. A natureza processual dos crimes: crimes públicos, semipúblicos e particulares.
4. Apresentação do Código de Processo Penal de 1987.
4.1. A estrutura essencialmente acusatória do processo penal.
4.2. Análise do Acórdão do Tribunal Constitucional (Plenário) n.º 7/87, de 9 de janeiro
de 1987 (fiscalização preventiva da constitucionalidade do CPP)  fiscalização
preventiva do Código de 1987
5. Alterações ao CPP (Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, Lei n.º 105/2003, de 10 de
dezembro, Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, Lei n.º 48/2007, de 29 de

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Direito Processual Penal 2022/2023

agosto, Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto, Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, Lei n.º
27/2015, de 14 de abril e Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, entre outras).

I. A TRAMITAÇÃO DO PROCESSO PENAL1


1. Nota histórica.
2. As formas de processo.
3. O carácter subsidiário da forma de processo comum.
4. A gravidade dos crimes e as formas de processo.
5. A natureza processual dos crimes e as formas de processo.
6. As fases do processo comum.
6.1. As diligências pré- ou extra-processuais.
6.1.1. A prevenção criminal.
6.1.2. As averiguações preliminares.
6.2. A aquisição da notícia do crime.
6.3. O auto de notícia.
6.4. As medidas cautelares e de polícia.
6.5. O inquérito.
6.5.1. A decisão de abertura do inquérito.
6.5.2. O ato de abertura do inquérito.
6.5.3. O âmbito e a finalidade do inquérito.
6.5.4. A direção do inquérito.
6.5.5. A publicidade e o segredo de justiça.
6.5.6. Os prazos do inquérito
6.5.7. As nulidades do inquérito.
6.5.8. A conclusão do inquérito: o despacho de arquivamento e o despacho de
acusação.
6.5.9. O âmbito do princípio de oportunidade: o arquivamento em caso de
dispensa de pena, a suspensão provisória do processo e o envio para a
forma de processo sumaríssimo.
6.5.10. O envio do processo para mediação.
6.6. A instrução.
6.6.1. O requerimento para abertura da instrução.
6.6.2. Da instrução em geral.
6.6.3. O encerramento da instrução: o despacho de pronúncia e o despacho de
não pronúncia.
6.6.4. A crise da instrução.
6.7. O julgamento.
6.7.1. Os atos preliminares.
6.7.2. A audiência de julgamento.
6.7.3. A sentença.
7. O processo sumário.
8. O processo abreviado.
9. O processo sumaríssimo.

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Parte dinâmica (dada nas aulas teóricas)

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Direito Processual Penal 2022/2023

II. OS SUJEITOS PROCESSUAIS2


1. A teoria dos sujeitos processuais: intervenientes no processo penal e sujeitos
processuais.
2. O Tribunal.
2.1. Organização, estatuto jurídico e competência.
2.2. A competência funcional, a competência material e a competência territorial.
2.3. O tribunal de júri, o tribunal coletivo e o tribunal singular. A distribuição da
competência material. As reservas de competência material.
2.4. A competência por conexão.
2.5. A declaração de incompetência.
2.6. Impedimentos e suspeições.
3. O Ministério Público.
3.1. O estatuto do Ministério Público e dos seus agentes.
3.2. A posição institucional do Ministério Público e dos seus agentes.
3.3. As atribuições do Ministério Público no processo.
3.4. A intervenção dos órgãos de polícia criminal.
4. O Arguido e o seu Defensor.
4.1. As garantias do suspeito.
4.2. A constituição de Arguido.
4.3. Os direitos e os deveres do Arguido.
4.4. A pessoa coletiva como Arguida
4.5. O Defensor.
5. O Assistente.
5.1. Os poderes do Assistente.
5.2. A constituição como Assistente.
5.3. O regime específico dos crimes particulares.
6. As Partes Civis.
6.1. O lesado.
6.2. O pedido de indemnização civil no processo penal.
6.3. O princípio de adesão.

III. O OBJETO DO PROCESSO


1. O problema da identidade do objeto do processo. O objeto do processo e a estrutura
acusatória. Os princípios da identidade, da indivisibilidade e da consumpção.
1.1. O critério da identidade do objeto do processo.
1.2. Os momentos processuais da fixação do objeto do processo.
1.3. Os critérios legais e doutrinários de fixação do objeto do processo.
1.4. A alteração de factos e a alteração da qualificação jurídica.
1.5. A alteração não substancial de factos e a alteração substancial de factos.
2. O regime da alteração substancial de factos.
2.1. Os factos novos autonomizáveis.

2
Parte estática (dada nas aulas práticas e desenvolvida nas aulas teóricas)

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Direito Processual Penal 2022/2023

2.2. Os factos novos não autonomizáveis.

IV. AS MEDIDAS DE COAÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL


1. Objetivos e condições constitucionais e legais de aplicação destas medidas. As
restrições constitucionais em sede de princípio da liberdade e da presunção de
inocência.
2. As medidas de coação.
2.1. Os critérios de aplicação: condições gerais, pressupostos gerais, requisitos
específicos e critérios de escolha.
2.2. O termo de identidade e residência.
2.3. A caução de justiça.
2.4. A obrigação de apresentação periódica.
2.5. A suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos.
2.6. A proibição de permanência, de ausência e de contactos.
2.7. A obrigação de permanência da habitação.
2.8. A prisão preventiva.
3. As medidas de garantia patrimonial.
4. As especificidades derivadas da pessoa coletiva como Arguida
5. O regime da revogação, alteração e extinção das medidas de coação.
6. Os modos de impugnação das diversas medidas.
6.1. O recurso.
6.2. O habeas corpus.
6.3. O regime da indemnização.

V. A PROVA
1. As definições de prova.
1.1. O papel da prova no processo penal.
1.2. Prova, meios de prova e meios de obtenção da prova.
2. O regime dos meios de prova.
2.1. Os meios de prova típicos.
2.2. Meios de prova atípicos.
2.3. A pessoa coletiva e a prova
2.4. A livre apreciação e os meios de prova de valor reforçado.

VI. AS PROIBIÇÕES DE PROVA


1. Conceitos gerais.
2. As proibições de produção de prova.
2.1. Os temas de prova proibidos.
2.2. Os meios de prova proibidos.
2.3. Os métodos de prova proibidos.
2.3.1. Os métodos contrários aos direitos de liberdade.
2.3.2. Os procedimentos violadores das formalidades.
3. As proibições de valoração de prova.
3.1. As proibições de produção cuja violação prejudica a utilização das provas.

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Direito Processual Penal 2022/2023

3.2. As proibições de produção cuja violação não tem consequências.


3.3. As proibições de valoração de prova independentes.
4. A invalidade do ato processual.
4.1. O sistema das nulidades e irregularidades processuais.
4.2. As nulidades extra-sistemáticas e o seu regime sui generis.
4.3. As violações reconduzíveis ao sistema das nulidades e irregularidades processuais.
5. O efeito-à-distância das proibições de prova.
6. As garantias de defesa contra o ato inválido.
7. As consequências penais da violação das proibições de prova.

VII. OS PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL


1. Noções gerais. Os princípios como comandos de otimização. A necessidade de
ponderação de princípios opostos.
2. A divisão dos princípios de processo penal: princípios do início do procedimento, da
prossecução do procedimento, da prova e relativos à forma do procedimento.
3. Os princípios do início do procedimento.
3.1. Princípio da oficialidade vs. princípio da acusação privada.
3.2. Princípio da acusação vs. princípio da investigação.
3.3. Princípio da legalidade vs. princípio da oportunidade.
4. Os princípios da prossecução do procedimento.
4.1. Princípio da audiência vs. segredo de justiça.
4.2. Princípio da celeridade e concentração vs. garantias de defesa.
4.3. Princípio do julgamento justo e equitativo.
5. Os princípios da prova.
5.1. Princípio da verdade material vs. princípio dispositivo.
5.2. Princípio da livre apreciação vs. princípio da prova legal.
5.3. Princípio in dubio pro reo vs. distribuição do ónus da prova
6. Os princípios relativos à forma do procedimento.
6.1. Princípio da oralidade.
6.2. Princípio da publicidade.

Aula teórica – 16.09.2022

Tramitação do Processo Penal Português numa visão panorâmica


Participantes processuais

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Direito Processual Penal 2022/2023

Sujeitos processuais (podem intervir no processo em todas as fases e condicionando o


desenvolvimento do processo através dos seus atos tendo intervenções decisivas para a
configuração do processo como um todo):
- Para Beling existem, pelo menos, três entes sem os quais não pode haver processo que é o
Tribunal/Juiz; o autor e o suspeito (artigo 1.º, n.º 1, alínea e) do CPP)/arguido (quando é
constituído formalmente);
Para o Professor Figueiredo Dias, a visão de Beling é muito vaga relativamente ao
ordenamento português pois existem mais intervenientes igualmente importantes:
- Defensor do arguido (tem uma participação autónoma de acordo com a sua competência
técnica);
- Ofendido (quando se constitui formalmente como assistente);
- Vítima (foi criado um artigo no CPP pois o legislador português entendeu que resultava de
uma necessidade de transposição da Diretiva Europeia sobre a vítima e há muita disputa
Doutrinária sobre a distinção entre a vítima e assistente).

Meros intervenientes (não participam todos com a mesma relevância):


- Partes civis (intervêm numa situação estritamente civil e podem coincidir, ou não, com algum
dos sujeitos processuais);
- Intervenientes do próprio processo penal (como, por exemplo, peritos, testemunhas,
consultores, órgãos de polícia criminal (OPC))

NOTA: Em Portugal o Réu é o arguido ou suspeito (quando ainda não foi constituído
formalmente como arguido) pois devido ao Princípio da presunção da inocência, que só é
revertida através de uma decisão final transitada em julgado, a pessoa presume-se inocente
até ao fim devendo ter sempre a mesma designação e se, por exemplo, numa decisão da 1.ª
instância fosse designado como Réu estaríamos a dar a imagem de que estava mais próximo
de uma condenação do que na fase anterior quando o Princípio em questão presume a
inocência sempre até que o processo se reverta numa condenação.

Tramitação do Processo Penal


Forma comum

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Direito Processual Penal 2022/2023

Fases do processo comum


 Notícia crime (adquirida a notícia do crime, porque entre nós vigora o Princípio da
legalidade e oficiosidade, em regra, deve dar lugar à abertura de um inquérito 
artigo 241.º e 242.º do CPP);
 Inquérito (serve para descobrir se houve crime e quem o cometeu)  titularidade do
MP (artigo 262.º, n.º 2 do CPP) com a assistência dos OPC (autonomia técnica e tática
e têm as suas tutelas não recebendo ordens do MP);
 Acusação (se houver indícios suficientes de autoria e materialidade no inquérito);
 Julgamento (dependendo da gravidade do crime):
o Juiz singular (1 Juiz  Sentença);
o Tribunal Coletivo (3 Juízes  Acórdão);
o Tribunal de Júri (3 Juízes que constituem o Tribunal Coletivo, 4 jurados efetivos
e 4 suplentes – DL 387-A/87, de 29 de dezembro  Acórdão).

OU
 Notícia crime (adquirida a notícia do crime, porque entre nós vigora o Princípio da
legalidade e oficiosidade, em regra, deve dar lugar à abertura de um inquérito 
artigo 241.º e 242.º do CPP);
 Inquérito (serve para descobrir se houve crime e quem o cometeu)  titularidade do
MP (artigo 262.º, n.º 2 do CPP) com a assistência dos OPC (têm autonomia técnica e
tática e detêm as suas tutelas não recebendo ordens do MP);
 Possibilidade de instrução (fase facultativa – requerida pelo arguido ou pelo
assistente)  titularidade do Juiz de Instrução (o Juiz de Instrução também pode
intervir na fase de inquérito como Juiz das garantias);
 Despacho de pronúncia para julgamento (se houver indícios suficientes de autoria e
materialidade na instrução);
 Julgamento (dependendo da gravidade do crime):
o Juiz singular (1 Juiz  Sentença);
o Tribunal Coletivo (3 Juízes  Acórdão);
o Tribunal de Júri (3 Juízes que constituem o Tribunal Coletivo, 4 jurados efetivos
e 4 suplentes – DL 387-A/87, de 29 de dezembro  Acórdão).

Aula teórica – 19.09.2022

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Direito Processual Penal 2022/2023

Tramitação do Processo Penal (continuação)


Forma comum (continuação)
Aquisição da notícia crime
 Pode advir dos OPC (quando são os OPC a tomar conhecimento da ocorrência, antes
de haver processo, ou seja, ainda antes de haver inquérito já têm de fazer diligências –
artigo 248.º e seguintes do CP (medidas cautelares e de polícia)) ou;
 Por denúncia ou queixa ao MP (existem três categorias de crimes no CP (públicos,
semipúblicos e particulares que têm a ver apenas com a natureza processual dos
crimes)).

Inquérito
 Em sistemas como o português em que vigora o Princípio da legalidade e da
oficiosidade em que o MP não tem opção, perante a notícia de um crime, salvo se a
natureza processual for pública ou semipública vem o artigo 262.º, n.º 2 do CPP frisar
que “ressalvadas as exceções previstas neste Código, a notícia de um crime dá sempre
lugar à abertura de inquérito” sendo as exceções a natureza processual do crime;
 O inquérito serve para investigar se houve crime e o papel do MP deve ser imparcial e
se as provas não forem recolhidas dentro dos prazos e feitas com as diligencias
necessárias o MP deve arquivar (o arquivamento no nosso sistema só depende do MP
não tendo de ir a Juiz);
 Se o MP juntar indícios suficientes, antes de acusar deve preferir outras soluções
(diversão processual universal) como, por exemplo, a suspensão provisória do
processo (artigo 281.º do CPP) que consiste numa espécie de arquivamento; um
arquivamento em caso de dispensa de pena (artigo 280.º do CPP); também pode
enviar para outras formas de processo, designadamente, processo sumaríssimo (artigo
392.º do CPP – forma especial de tramitação do inquérito porque nenhum processo
começa nesta forma sendo, de certa forma, uma alternativa ao inquérito) e a
mediação
penal,
embora
existe na
Lei,

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Direito Processual Penal 2022/2023

atualmente não é praticada. Resumindo, se o MP tiver indícios poderia acusar, mas


antes disso tem de verificar se não existe outra alternativa sendo o despacho de
acusação a última das hipóteses pois um processo-crime tem custos para a sociedade
e para a pessoa e indo para arquivamento, entre nós não é definitivo, porque podem
surgir outras provas podendo existir a reabertura do inquérito.

Fim do inquérito
 Se o crime for particular, o MP não pode acusar pois o crime particular é um crime
com um regime diferente, designadamente, a queixa;
 O RAI do assistente (ofendido/que se constituiu como sujeito processual), em caso de
arquivamento ou de acusação, ocorre quando o assistente não concorda com a
decisão de arquivamento requerendo ao Juiz a abertura da Instrução pois o MP não é
uma entidade judicial, mas sim uma entidade judiciária ou quando o assistente não
concorde com alguns factos da acusação requerendo, também, ao Juiz a abertura da
Instrução;
 O RAI do arguido só pode ocorrer, em princípio, quando exista acusação pois, à
partida, será quando tem interesse nisso.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Instrução
 Existindo RAI do assistente ou do arguido, dá-se a abertura da Instrução que irá
terminar com um Despacho do Juiz de Instrução que pode ser de pronúncia (artigo
308.º e seguintes do CPP); de não pronúncia (artigo 308.º e seguintes do CPP);
arquivamento em caso de dispensa de pena (artigo 280.º, n.º 2 do CPP) ou pode ser
uma suspensão provisória do processo (artigo 281.º do CPP).

Julgamento
 É uma fase do processo comum que, por sua vez, se subdivide em três subfases:
 Atos preliminares (artigo 311.º e seguintes do CPP);
 Audiência de discussão e julgamento (artigo 321.º e seguintes do CPP);
 Sentença (artigo 365.º e seguintes do CPP) que distingue dois momentos:
questão da culpabilidade do artigo 368.º do CPP e a questão da determinação
da Sentença, ou seja, o Juiz decide separadamente a questão da culpabilidade
e só depois é que vai determinar a sanção e ter acesso a informações como a
reincidência para evitar que existam pré-juízos.

Recursos
 Recursos ordinários (de decisão ainda não transitada em julgado) que abrangem quer
a matéria de facto, quer a matéria de direito e, regra geral, é a recorribilidade das
decisões judiciais (artigo 399.º do CPP) e a exceção é a irrecorribilidade prevista no
artigo 400.º do CPP;
 Recursos extraordinários (de decisão transitada em julgado):
 Recurso de fixação de jurisprudência;
 Recurso de revisão da decisão.

Aula teórica – 23.09.2022

Comparação de modelos de processo penal


Tradicionalmente, dizemos que existem dois modelos processuais que é o modelo
acusatório (a principal caraterística é que há uma separação de funções entre quem investiga e
quem julga não podendo ser a mesma entidade para garantir que existe independência do
julgador) e o modelo inquisitório (uma única entidade faz tudo). Depois, historicamente, fala-
se ainda de um terceiro modelo que é o misto reformado também chamado Napoleónico
porque tem uma parte inquisitória e uma parte acusatória, sendo a parte da investigação
tendencialmente escrita, secreta e dirigida por determinada entidade não havendo
interrogatório e a parte do julgamento é contraditória, pública, oral, etc.
Esta leitura tem interpretações diferentes consoante seja vista pelo lado europeu ou
pelo outro lado do Atlântico. Na nossa visão, temos um sistema misto reformado que se
carateriza por ser um sistema de estrutura basicamente acusatória, mas o Juiz tem poderes
especiais integrado pelo Princípio da investigação, assim, o nosso Juiz tem poderes autónomos
de investigação não estando limitado na sua função às provas que são trazidas pelos sujeitos
processuais devendo ativamente buscar a verdade sendo, por isso, um Juiz proativo que

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Direito Processual Penal 2022/2023

obedece ao Princípio de investigação. Os sistemas anglo-americanos, sobretudo nos EUA,


existe têm um sistema acusatório puro e que eles designam por “adversarial” sendo, para nós,
um processo antagonísticos com partes e com Juiz sem poderes autónomos de investigação,
portanto, mesmo que haja entre os sistemas, sobretudo depois da II Guerra Mundial, ainda
existem diferenças.
No caso O. J. Simpson está em causa a área penal e a área civil e começou por ser um
caso de duplo homicídio em que o Estado da Califórnia dirigiu duas acusações criminais por
homicídio (ex-mulher e respetivo companheiro) contra o O. J. Simpson num Tribunal de Los
Angeles existindo provas materiais e circunstanciais, mas foi absolvido das duas acusações por
terem sido encontradas luvas no local em que as mortes aconteceram e no quintal de casa
dele manchadas com sangue das vítimas e na audiência pediram que calçasse as luvas e estas
não lhe serviam e essa prova teve um efeito arrasador porque as decisões nos Júris norte-
americanos em matéria penal têm uma medida da prova muito exigente e o Júri tem de ficar
minimamente convencido e, neste caso, os membros do Júri ficaram convencidos de que foi
ele, mas o princípio da prova, para além de qualquer dúvida razoável, impõe votar na sua
absolvição não se podendo decidir pela culpabilidade do agente pois a medida da prova é um
elemento decisivo da forma como funciona o processo norte-americano. Tendo sido absolvido
é imediatamente colocado em liberdade e as famílias das vítimas interpõem uma ação de
indemnização baseada nos mesmo factos por danos morais e, nesse caso, é condenado pois a
medida da prova é diferente pois bastava uma prova preponderante.
Os americanos, à luz da teoria do custo-benefício que é feita segundo os critérios da
teoria da utilidade esperada (as diferentes medidas da prova são critérios jurídicos que servem
para minimizar o custo esperado de erro judicial), consideram que no Direito Penal o erro
judiciário é muito mais grave do que numa ação de indemnização pois, enquanto no processo
civil ambas as partes enfrentam normalmente a possibilidade de uma perda financeira e o erro
contra qualquer uma delas pode ser considerado como igualmente lesivo, ou seja, o ponto
crítico do menor custo esperado para cada uma das partes corresponde à probabilidade de
50% de o Tribunal vir a proferir uma decisão errada, já no processo penal o que está em causa
é a liberdade ou pena de uma pessoa valendo a máxima de que mais vale um culpado solto do
que um inocente preso. A prova para além da dúvida razoável reflete uma avaliação em que
uma condenação injusta é considerada nove a dez vezes pior do que uma absolvição injusta.
Em países da Europa continental não funciona assim, por exemplo, no Processo Civil as
formas legais da prova são geralmente muito mais assertivas relativamente à convicção que o
julgador tem de aferir acerca dos factos provados. Em Portugal, o CC determina, no artigo
341.º, que «[a]s provas têm por função a demonstração da realidade dos factos». Por sua vez,
o CPC, no artigo 607.º, n.º 4, estabelece que “«...] o juiz declara quais os factos que julga
provados e quais os que julga não provados [...]». Em muitas disposições a lei portuguesa
esclarece, ademais, que as diligências probatórias se destinam à descoberta da verdade (artigo
176.º, n.º 5; 417.º, n.º 1; 436.º, n.º 1; 459.º, n.º 1 e 2; 476.º, n.º 2; 487.º, n.º 2; 516.º, n.º 4;
542.º, n.º 2; 601.º, n.º 1 e 604.º, n.º 8 do CPC), incumbindo ao próprio Tribunal realizar ou
ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade,
quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (artigo 411.º do CPC). O artigo 340.º, n.º 1, do
CPP dispõe que o Tribunal tem poderes para ordenar, oficiosamente (Princípio da investigação)
ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova necessários à descoberta da

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Direito Processual Penal 2022/2023

verdade (todas estas fórmulas legais omitem qualquer referência ao grau de probabilidade
necessário para a tomada de decisão).
Na Europa Continental os países da Escandinávia aproximaram-se muito do modelo
americano e o CPP italiano é também o mais próximo do modelo adversarial. O CPP brasileiro
tem mais estrutura europeia do que americana, embora a ligação do CPP brasileiro
contemporâneo seja muito forte ao CPP italiano.
Para o Regente ainda faz sentido continuar a falar-se em dois modelos e no cerne da
distinção entre os dois está o facto de o Juiz ter ou não ter poderes autónomos de
investigação, além da iniciativa dos sujeitos processuais, e a diferença entre esses modelos é
tão forte que até no Processo Civil existem traços do modelo inquisitório.

Aula teórica – 26.09.2022

Jurisprudência do TEDH
 Falamos na grande Europa que tem atualmente 46 Estados-membros e não da
pequena Europa que é a UE (a Federação Russa foi expulsa devido à invasão à
Ucrânia);
 O Conselho da Europa foi fundada em 1949, pouco depois do final da II Guerra
Mundial, adotando uma série de instrumentos dos quais o mais é emblemático é a
Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950) e os guardiães da CEDH, em
primeira linha, são os Estados-membros e os seus órgãos de aplicação do Direito e, em
última análise, é o TEDH que está sediado em Estrasburgo;
 O TEDH tem características únicas porque é um Tribunal internacional regional que
decide sobre casos concretos mediante uma queixa apresentada por parte de
qualquer pessoa singular, organização não governamental ou grupo de particulares
que se considere vítima de violação de direitos humanos (artigo 34.º da CEDH) e não
verifica as invalidades processuais de direito interno (o TEDH não é uma instância de
recurso – o processo tem de estar transitado em julgado na ordem jurídica interna o
que não quer dizer que a decisão do TEDH não tenha impacto na ordem jurídica
interna e no caso concreto), assim, o TEDH apenas verifica se o processo foi no seu
todo conforme aos princípios convencionais (Fair Trial) seguindo uma orientação
particularista (do caso em concreto), pragmática (vê o processo como um todo) e
informal (faz muitas avaliações de tipo material sobre a justiça do caso), ao contrário
dos tribunais nacionais sejam eles de case law ou de civil law. Apesar destas
características singulares, as decisões do TEDH obrigam os Estados-membros tendo
uma autêntica função decisória (artigo 46.º, n.º 1 da CEDH);

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Direito Processual Penal 2022/2023

 Como as ações são contra Estados, as decisões condenatórias são condenações de


Estados-membros, assim, o TEDH inicialmente pretendia que o Estado desse uma
satisfação equitativa à parte lesada e, com o passar do tempo, uma obrigação de
restitutio in integrum o que significa que o TEDH pode obrigar à reabertura de um
processo transitado em julgado na ordem jurídica interna para que sejam tomadas
medidas para garantir o respeito pelos princípios convencionais. O TEDH tem ainda a
função nomofilácica, ou seja, o TEDH é o guardião da interpretação e da aplicação da
CEDH (entidade com competência para dizer que certas normas convencionais devem
ser interpretadas de determinada maneira e uniformemente nos 46 Estados-
membros), assim, o TEDH cumpre dois papéis – o decisório e o nomofilácico;
 O Conselho da Europa tem um Conselho de Ministros que vigia que os Estados-
membros cumprem as decisões do TEDH;
 Os casos concretos podem chegar ao TEDH por várias razões e, muitas vezes, é uma
decisão que o queixoso considera que em concreto foi uma decisão injusta e aponta os
seus motivos, outras vezes o problema pode estar logo num defeito estrutural do
ordenamento jurídico interno sendo mais grave porque está logo nas fontes e o TEDH,
quando se tratam de situações consideradas de defeito estrutural, emite as chamadas
decisões ou Acórdãos piloto que dizem aos Estados-membros como é que devem
cumprir as decisões do TEDH e em que medida é que devem alterar a sua legislação;
 De todas estas funções e poderes o TEDH procura a harmonização das garantias da
aplicação do Direito e a jurisprudência do TEDH contribui para a edificação de um
menor denominador comum garantístico na Europa (garantias mínimas) para que em
todos os 46 Estados-membros se possa dizer que vivemos num contexto que respeita
Princípios fundamentais;
 Se o TEDH decide que, no caso concreto, houve uma violação de um Princípio
convencional é muito difícil dizer-se o contrário, mas também é possível que o TEDH
deixe passar situações que consideramos de violação dos Direitos e Princípios
convencionais e aí é muito importante olharmos para os votos discordantes pois o
voto vencido de hoje pode ser a jurisprudência de amanhã;
 Por outro lado, a jurisprudência do TEDH não interessa só ao Conselho da Europa
interessando em muitas latitudes pois a generalidade dos países olha para a
jurisprudência do TEDH dada a vocação universalizante dos direitos humanos.

O princípio do processo equitativo da CEDH (artigo 6.º – Fair Trial)


 É um tema bastante vasto porque nem a CEDH nem o TEDH dão definições e a
definição do processo equitativo não é concetual, meramente indutiva e aberta a
novas constelações de problemas jurídicos;
 O artigo 6.º, n.º 1 da CEDH reconhece a qualquer pessoa o direito a ser ouvida num
processo equitativo (fair hearing) aplicando-se ao processo administrativo, civil e
penal, mas o TEDH evita uma enumeração dos requisitos do processo equitativo não
prevendo em que é que consiste esta audição equitativa olhando para cada caso como
único, apreciando o conjunto dos procedimentos. As exigências do processo equitativo
são menores nos processos administrativo (exceto no sancionatório) e civil do que no
processo penal;

13
Direito Processual Penal 2022/2023

 O n.º 2 do artigo 6.º da CEDH trata da presunção da inocência que também é vista
como uma expressão do pocesso equitativo;
 No n.º 3 do artigo 6.º da CEDH temos uma série de requisitos concretos de processo
equitativo, mas não são exaustivos sendo apenas uma enunciação exemplificativa;
 Assim, o n.º 1 é uma ideia geral; o n.º 2 consagra a presunção da inocência, mas não
esgota a ideia geral e o n.º 3 elenca, nas suas diversas alíneas, um feixe de Direitos de
defesa, mas menos ainda do que no n.º 2 esgota a ideia de processo equitativo. Na
prática significa que se o TEDH concluir que foi violada alguma das alíneas do artigo
6.º, n.º 3 da CEDH basta para dizer que o processo não foi equitativo no seu todo, mas
pode concluir que nenhuma dessas alíneas foi violada e ainda assim o processo não foi
equitativo por causa do n.º 2 e, em última análise, por causa do n.º 1.

Caso Jalloh vs. Germany


Em 29 de outubro de 1993, Abu Bakah Jalloh, cidadão expatriado serra-leonês, estava
sob a vigilância de quatro polícias à paisana, na via pública, que o viram retirar cápsulas da
boca para entregar a clientes, em troca de dinheiro. Suspeitando que continham substâncias
ilícitas, os polícias procederam à detenção em flagrante delito de Jalloh, que, nessa ocasião,
engoliu uma das cápsulas. Submetido a revista pessoal, nenhuma droga foi encontrada em seu
poder.
O procurador do MP titular do inquérito preliminar ordenou que fossem ministrados
eméticos ao arguido, na presença de um médico, a fim de provocar a regurgitação da cápsula.
Jalloh foi transportado a um hospital, mas recusou-se a tomar a medicação disponibilizada
pelo médico que seria necessária para lhe induzir o vómito.
Jalloh foi imobilizado pelos agentes de polícia e o médico ministrou-lhe uma solução
salina contendo xarope de Ipecacuanha, através de sonda nasogástrica. Além disso, o médico
injetou-lhe por via intravenosa um outro emético derivado da morfina. Em consequência,
Jalloh regurgitou uma cápsula de plástico contendo 0,2182 gramas de cocaína.
Na sequência, Jalloh foi examinado e considerado apto para retornar ao
estabelecimento prisional. Quando foi posteriormente visitado na sua cela pelos instrutores,
Jalloh declarou que se encontrava demasiado combalido para prestar declarações.
Posteriormente, Jalloh alegou que, durante os 3 dias posteriores à ingestão dos eméticos, só
tinha sido capaz de ingerir uma sopa e que o seu nariz sangrara por várias vezes durante 2
semanas.
Passados 2 meses e meio da ministração dos eméticos, Jalloh reclamou sentir dores
contínuas na zona superior do estômago, tendo sido transportado para uma clínica, onde lhe
foi diagnosticada uma irritação na zona inferior do esófago, causada pelo refluxo do ácido
gástrico.
Durante a tramitação do processo penal, a defesa de Jalloh opôs-se sempre à utilização
das provas obtidas através da ministração forçada de eméticos, alegando que o procedimento
adotado durante a investigação tinha sido ilícito.
A defesa disse ainda que as funções corporais do arguido tinham sido manipuladas,
com a aplicação de medida desproporcional e, portanto, não autorizada pelo §81a do StPO
alemão. A defesa destacou também que a prova poderia ter sido obtida de outro modo, já que
acabaria sendo expelida do corpo naturalmente.

14
Direito Processual Penal 2022/2023

Sustentou que o uso da força pelos polícias e pelo médico para lhe retirar a cápsula do
organismo constituía uma ofensa à integridade física praticada por funcionário, (Kö
rperverletzung im Amt), nos termos do §340 StGB.
Em 23 de março de 1994, o Tribunal de primeira instância condenou Jalloh por tráfico
de drogas na pena de 1 ano de prisão efetiva. Além disso, decretou a perda de 100 marcos
alemães que tinham sido apreendidos ao arguido, no momento da detenção.
O arguido recorreu da decisão para o Tribunal da Relação, em 17 de maio de 1995, que
confirmou a sentença condenatória, mas reduziu a pena para 6 meses, suspendendo a sua
execução.
O Tribunal considerou que as provas obtidas por ordem do procurador do MP eram
admissíveis no processo. Salientou que a expulsão natural da cápsula poderia acabar sendo
demorada, o que poderia prejudicar as investigações. Considerou ainda que, nos termos do
§81a do StPO, a ministração das substâncias, mesmo contra a vontade do arguido, era uma
medida legalmente admissível.
O §81a StPO dispõe que «O exame físico do arguido pode ser ordenado com a
finalidade de estabelecer factos de relevância para o processo. Para este fim, podem ser
retiradas amostras de sangue e são admissíveis outras intrusões corporais realizadas por um
médico, a menos que haja risco para a saúde do arguido».
Jalloh recorreu para o Tribunal Constitucional, mas este não admitiu o recurso
transitando em julgado e Jalloh apresentou queixa no TEDH alegando que, ao contrário dos
casos já decididos pelo TEDH, em que tinha havido autorização para obtenção de amostras de
sangue para exames de ADN, no seu caso a polícia utilizara substâncias químicas que
provocaram uma reação involuntária do seu organismo, como forma de obtenção de prova
para o processo-crime dizendo ainda que a prova obtida não tinha existência independente da
sua vontade, mas que fora obrigado a contribuir para a sua própria condenação.
O Governo alemão argumentou que provocar uma reação orgânica de expulsão
através da ministração de substância medicinal deveria ser considerado como mera reação do
corpo humano, impossível de ser controlada pela mente do sujeito, o que, por conseguinte,
não afetava a vontade do agente. O Governo alemão sustentou ainda que a recusa do arguido
em submeter-se ao uso da medicação não poderia ser considerada legítima, pois isso iria
colocar em risco várias outras medidas de investigação que desconsideram a vontade do
suspeito de esconder provas, tais como a recolha coativa de amostras de sangue ou mesmo a
realização de buscas domiciliárias.
Num acórdão muito disputado, o TEDH deu razão a Jalloh, considerando ter havido
violação do artigo 3.º da CEDH (por 10 votos contra 7). Ademais, o TEDH considerou (por 11
votos contra 6) ter havido violação do artigo 6.º, n.º 1 da CEDH. O TEDH indicou, pela primeira
vez, os critérios gerais que contam para a decisão da questão da violação do nemo tenetur,
enquanto elemento integrante do processo equitativo «Para determinar se o direito à não
autoincriminação do queixoso foi violado, o Tribunal, por sua vez, terá de considerar os
seguintes fatores: a natureza e o grau de coerção empregado para obter a prova, a
importância do interesse público na investigação e punição da infração em apreço, a existência
de garantias

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Direito Processual Penal 2022/2023

relevantes no processo e a utilização prevista dos meios de prova obtidos dessa forma». No
caso concreto, o TEDH considerou que (tradução nossa): «[...] a medida impugnada visava um
traficante de rua que vendia drogas à sua pequena escala e que foi, afinal, condenado numa
pena suspensa de seis meses de prisão. Nas circunstâncias do caso, o interesse público em
assegurar a condenação do queixoso não podia justificar o recurso a tão grave interferência na
sua integridade física e mental».

Caso Bogumil vs. Portugal


O caso Bogumil apresenta semelhanças em relação ao caso Jalloh, já que ambos
incidem sobre a remoção de uma embalagem de estupefacientes do estômago do arguido,
mas, por outro lado, as diferenças também são consideráveis.
Em 12 de novembro de 2002, Adam Bogumil, de nacionalidade polaca, desembarcou
no Aeroporto de Lisboa, proveniente do Rio de Janeiro, sendo abordado por agentes
aduaneiros. Foi revistado e foram-lhe apreendidos 360 gramas de cocaína, em embalagens
dissimuladas nos sapatos. Bogumil viria a confessar às autoridades que havia ingerido outro
“panfleto” de droga.
Levado a um hospital para exame radiológico, com o seu consentimento verbal. O
exame revelou que a embalagem não progredia no seu aparelho digestivo, apesar dos esforços
de expulsão por meios naturais e farmacológicos. Depois foi conduzido ao serviço de
gastroenterologia doutro hospital, onde foi submetido a uma endoscopia digestiva, com o seu
consentimento escrito, verificando-se então que a embalagem não tinha transposto o piloro.
Recomendada a intervenção cirúrgica, diante do risco para a vida do arguido, já passadas mais
de 72 horas. O arguido forneceu consentimento meramente verbal para a intervenção
cirúrgica, considerada de urgência pelos médicos.
Em 15 de novembro, Bogumil foi operado, sendo-lhe extraída a embalagem cujo
conteúdo, após exame laboratorial, se confirmou ser cocaína, recolhendo o paciente nesse
mesmo dia a um hospital-prisão.
Em 28 de abril em 2003, Bogumil, preso preventivamente, enviou uma carta à
Embaixada da Polónia em Lisboa, queixando-se da intervenção cirúrgica e do frágil estado de
saúde, assim como reclamando das insuficiências de assistência jurídica.
O arguido foi sempre assistido por defensores nomeados oficiosamente. O advogado
substituto no julgamento só teve possibilidade de consultar o processo entre as 10h e as 15h
do dia do julgamento (18.10.2003), mas não pediu o adiamento.
Bogumil foi condenado pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes. O
Tribunal aplicou-lhe uma pena de prisão de 4 anos e 10 meses, além da pena acessória de
expulsão e interdição de reentrada em território português.
A condenação foi confirmada pelo Tribunal de recurso e o arguido cumpriu pena até
05.12.2005.
Bogumil apresentou queixa contra o Estado português junto do TEDH, alegando que
não tivera qualquer assistência jurídica de janeiro a setembro de 2003, dado o persistente
desinteresse do seu defensor oficioso e os problemas de tradução.
O queixoso, sem nomear quaisquer disposições da CEDH em particular, protestou
também contra a ofensa grave à sua saúde por causa da intervenção cirúrgica a que fora
sujeito.

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Direito Processual Penal 2022/2023

O Governo negou a insuficiência de assistência jurídica e acrescentou que o arguido


dera o seu consentimento verbal para a intervenção cirúrgica, que, aliás, não visara a colheita
de provas, mas salvar a sua vida.
O TEDH considerou que a intervenção cirúrgica não constituía um tratamento
desumano ou degradante, nos termos do artigo 3.º da CEDH. O TEDH aceitou a finalidade
terapêutica, além de que a apreensão não fora indispensável para a prova do crime, a qual
decorria já de outros elementos probatórios. O TEDH reconheceu a violação do disposto no
artigo 6.º, n.º 1 e 3, alínea c) da CEDH, na parte referente ao direito à assistência gratuita por
um defensor oficioso sendo a decisão tomada por unanimidade.
Em nenhum caso o TEDH considera que tenha existido violado do privilégio contra a
autoincriminação (nemo tenetur – ninguém pode ser obrigado a autoincriminar-se).

Nemo tenetur
O artigo 6.º da CEDH não menciona o privilégio contra a autoincriminação (nemo
tenetur), mas este pertence ao cerne do processo equitativo consagrado no referido preceito.
Em especial, o privilégio contra a autoincriminação relaciona-se com a presunção de inocência
que integra a garantia do processo equitativo, nos termos do artigo 6.º, n.º 2 da CEDH.
O privilégio contra a autoincriminação faz recair sobre a acusação o ónus de provar a
sua tese sem recurso a elementos de prova obtidos através de métodos coercivos ou
opressivos e com desrespeito pela vontade.
O privilégio contra a autoincriminação não é um princípio absoluto, mas admite
ponderações no confronto com outros interesses tutelados, desde que se preserve um núcleo
essencial daquele privilégio.
A proibição de constrangimentos e enganos para obrigar o arguido a declarar contra si
mesmo constitui o núcleo essencial do privilégio contra a autoincriminação.
O privilégio contra a autoincriminação não proíbe a autoincriminação, já que ninguém
está impedido de confessar ou apresentar provas contra si mesmo, desde que o faça
livremente.
O privilégio contra a autoincriminação engloba não só o direito ao silêncio, mas
também o direito de não facultar meios de prova.
Em princípio, o arguido não pode obstar à recolha de elementos de prova que possam
extraídos através de coação física, contanto que existam independentemente da sua vontade.

 A natureza e o grau de coerção;


 A importância do interesse público;
 A existência de garantias relevantes no processo.

O nemo tenetur é um Pricípio universalmente aceite e o Regente compara com a V


Emenda à Constituição Norte-Americana onde está também consagrado o “privillege agaisnt
self incrimination” pois a maior parte das garantias do Processo Penal Português são
universais.

17
Direito Processual Penal 2022/2023

Será que estamos em transição para um modelo universal de direito jurisprudencial


(case law), doravante confinados à validação, distinção, revisão e revogação de
precedentes?
A pergunta não tem uma única resposta, pois esta dependerá muito dos pressupostos de
metodologia jurídica admitidos por cada um de nós como razões válidas para decidir os casos
concretos. Mas um pensamento jurídico lógico-dedutivo e conceptual, ensimesmado nos
instrumentos de direito legislado internos, está definitivamente posto de parte. A
jurisprudência do TEDH obriga a ciência jurídica a transcender a zona de conforto dos
ordenamentos jurídicos nacionais e potencia o desenvolvimento de uma ciência jurídica
universalizável. A jurisprudência do TEDH obriga a ciência jurídica a transcender a zona de
conforto dos ordenamentos jurídicos nacionais e potencia o desenvolvimento de uma ciência
jurídica universalizável.

Aula teórica – 30.09.2022

Apresentação do CPP
O CPP foi aprovado pelo DL n.º 78/87, de 17 de fevereiro, substituindo o CPP de 1929
(CPP da ditadura) e a massa de diplomas que o foram complementando, designadamente o DL
n.º 35.007, de 13 de outubro de 1945 (autoria do Professor Cavaleiro Ferreira).

CPP de 1929
Caraterizava-se por toda a instrução ser da competência de um Juiz, cabendo ao MP
apenas promover as diligências concretas de instrução (artigo 159.º), atualmente o MP só tem
de promover as medidas altamente lesivas da esfera os Direitos, liberdades e garantias das
pessoas.

DL n.º 35.007
Introduziu profundas alterações na instrução separando-a em duas:
 Uma fase de instrução preparatória da competência do MP, com vista à descoberta
dos indícios da existência de um crime e do seu agente;
 Uma fase de instrução contraditória da competência de um Juiz, obrigatória nos
processos de querela (mais graves), devendo o MP requerer a instrução contraditória
no mesmo ato em que deduzia a acusação, ou seja, o processo não seguia se não
existisse um controlo por parte do Juiz nesta fase.
Na altura esta reforma trouxe bastante polémica existindo grandes Advogados que a
criticaram precisamente por causa do estatuto do MP pois, segundo estes, esta separação em
duas partes, atribuindo a primeira ao MP, traduzia-se numa administrativação da instrução
preparatória, ou seja, como o MP não era Magistratura sendo parte do poder executivo com
uma tutela do Ministério da Justiça estávamos a entregar a condução da ação penal ao
Governo e, portanto, estávamos a retirar a garantia judiciária da condução da instrução por
um Juiz que esse sim era um Magistrado independente considerando que a reforma não era
um avanço, mas sim um retrocesso.

18
Direito Processual Penal 2022/2023

Para o Regente, esta reforma traduz uma visão autoritária do Processo Penal pois esta
separação da instrução em duas fases aproxima-se muito da separação do Código de 1987
entre uma fase de inquérito da titularidade do MP e uma fase de instrução facultativa da
titularidade de um Juiz de instrução.

O pós-25 de abril
Logo no programa do Movimento das Forças Armadas (MFA) fazia parte a reforma do
CPP pois a matéria Penal e Processual Penal é altamente política criminal do Estado de Direito
democrático e liberal e saiu o DL n.º 605/75, de 3 de novembro, que criou, pela primeira vez, o
inquérito policial para crimes puníveis com pena correcional (crimes menos graves). O artigo
32.º, n.º 4 da CRP de 1976 dispõe que toda a instrução é da competência de um Juiz e
questiona-se a que instrução se refere (se a de 1929, das duas instruções do CPP reformado
em 1945 ou numa instrução abstrata em que significa investigação e inquirição) e se esta
redação quer dizer que queremos voltar ao sistema do CPP de 1929 em que toda a instrução
era da competência de um Juiz o que significa que o MP não pode ser titular de uma fase de
investigação ou há aqui a possibilidade de outras interpretações. O DL n.º 377/77, de 6 de
setembro substitui o inquérito policial pelo inquérito preliminar, pelo menos, o legislador não
queria ter um inquérito no Processo Penal que fosse da competência da política. Mas houve
quem defendesse como, por exemplo, o Professor Germano Marques da Silva, a
inconstitucionalidade não só do inquérito policial, mas também do próprio inquérito
preliminar que lhe sucedeu.

CPP de 1987
Colocou-se a questão, em abstrato, em sede da fiscalização preventiva da
constitucionalidade sobre se o CPP de 1987 seria, ou não, contrario ao artigo 32.º, n.º 4 da
CRP, na medida em que atribuiu o domínio da fase de inquérito, na forma de processo comum,
ao MP, parecendo reavivar os vínculos com o sistema do DL n.º 35.007.
Antigamente, os cargos superiores no MP eram controlados pelo regime,
designadamente pelo Ministério da Justiça porque o MP não era uma Magistratura e, após o
25 de abril, mitigou-se a capacidade de interferência por parte o Governo politico de tal forma
que a revisão do estatuto do MP eliminou os poderes interventivos e diretivos do Ministério da
Justiça que ainda persistiam mantendo-se apenas o poder de emitir instruções em ações cíveis
em que o Estado é defendido pelo MP, portanto, não há tutela do Governo nem do Ministro
da Justiça sobre o MP que não pode dar quaisquer indicações sobre processos concretos e
investigações que estejam a decorrer, salvo as ações cíveis em que o Estado é defendido pelo
MP.

Acórdão do TC (Plenário) n.º 7/87


Na avaliação preventiva e abstrata do CPP de 1987 o PR colocou quatro questões:
 É conforme a CRP a atribuição do domínio do inquérito ao MP;
 Mesmo que aceitemos o inquérito da competência do MP não seria, ao menos,
obrigatório que a instrução se fizesse em vez de ser meramente facultativa (artigo
286.º, n.º 2);

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Direito Processual Penal 2022/2023

 Podemos ter OPC com competência para realizar diligências e investigações durante o
inquérito não tendo de ser o titular do inquérito a realizar as próprias diligências
(artigo 270.º, n.º 1);
 Podemos admitir que o MP decida a suspensão provisória do processo que se tornaria
definitiva no máximo ao fim de 2 anos sem intervenção de um Juiz.

O Presidente da República alegou o seguinte «[A]s diligências processuais que a lei inclui
sob a designação de ‘inquérito’ são, materialmente, instrutórias – portanto, da competência
de um juiz (artigo 32.º, n.º 4 CRP)», ou seja, a Lei chama inquérito, mas o cabe dentro do
inquérito é materialmente uma atividade instrutória e se a CRP diz que toda a instrução é
da competência de um Juiz, logo, estas diligencias são provavelmente contrárias à CRP.
O Professor Figueiredo Dias escreveu um artigo sobre os sujeitos processuais penais em
que defendeu que a questão do artigo 32.º, n.º 4 da CRP não pode ser visto isoladamente
tendo de ver o artigo e a CRP no seu conjunto para perceber que razões é que estão por detrás
do motivo da CRP exigir que toda a instrução seja da competência de um Juiz, pois não se trata
de saber se o domínio do inquérito pelo MP contraria o preceito constitucional, mas sim se vai
contra a estrutura do sistema de garantias que a CRP concede aos cidadãos em matéria de
processo. O Professor Figueiredo Dias defende que é para salvaguardar a liberdade e a
segurança dos cidadãos no decurso do processo, designadamente no inquérito e para garantir
que a obtenção da prova durante as investigações se faça com respeito pelos direitos
fundamentais dos cidadãos. Para se garantir a intervenção do Juiz, o MP tem de promover a
intervenção do Juiz para que este autorize, portanto, o MP pode dirigir o inquérito, mas nas
medidas mais invasivas da esfera dos Direitos, liberdades e garantias do cidadão tem de
promover a intervenção do Juiz e isso está garantido na arquitetura do CPP.
Assim, o TC entendeu não ser inconstitucional a direção do inquérito pelo MP pois no
artigo 224.º da CRP (atual artigo 219.º, n.º 1 da CRP) cabe ao MP exercer a ação penal e, para
o Professor Figueiredo Dias, só pode significar dirigir a investigação; apesar de a direção do
inquérito estar cometida ao MP, os atos que contendem com a esfera de Direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos são da competência exclusiva do Juiz de Instrução, na própria fase de
inquérito e o arguido pode sempre requerer a abertura da instrução quando houver acusação,
garantindo assim um controlo jurisdicional dessa decisão do MP.
O TC também não considerou inconstitucional o carácter facultativo da instrução (pois
não ofende Direitos do arguido, na medida em que podia sempre requer a abertura da
instrução só não podendo fazê-lo se houvesse arquivamento), nem a delegação de
competências do MP nos OPC (porque não implica propriamente uma perda de controlo no
inquérito pelo MP, mas apenas aproveitar a formação específica que esses órgãos têm para a
investigação), mas considerou inconstitucional que a suspensão provisória do processo fosse
apenas decidida pelo MP que não estava previsto no CPP de 1987 que tivesse a intervenção de
um Juiz podendo ser decidida somente pelo MP com o arguido e o seu defensor ouvido o
assistente (atualmente, o artigo 281.º do CPP já prevê que o MP determine com a
concordância do Juiz de instrução sendo imposto pelo TC que passasse a ser uma medida
jurisdicional3 porque considerou que estas medidas materialmente são autênticas penas só
3
O CP distingue entre garantia judiciária (abrange MP, Juiz de instrução e Juiz de julgamento), judicial
(abrange só os Juízes) e jurisdicional (é uma competência própria dos Juízes porque só eles é que podem
exercer o Direito)

20
Direito Processual Penal 2022/2023

que a contrapartida do cumprimento destas injunções e regras de conduta é a possibilidade de


arquivamento do processo em fase de inquérito e de instrução, mas como na prática são
penas é necessária a intervenção do Juiz).
Apesar do Acórdão ter tido a maioria, existiram votos dissidentes como, por exemplo,
o Conselheiro Vital Moreira acusou o legislador do CPP de 1987 de regressar à pré-
constitucionalidade nesta matéria através de uma habilidade grosseira, que seria uma
autêntica “burla de etiquetas”.
O Professor Figueiredo Dias lembrava que o sistema processual penal na CRP é de
matriz acusatória (a entidade que acusa tem de ser distinta da entidade que julga) e esta
matriz acusatória significa que há uma separação de funções entre quem investiga e acusa, de
um lado, e quem julga, do outro. Do ponto de vista da estrutura acusatória do processo, é
necessário atribuir o inquérito à competência de uma entidade totalmente autónoma.
Segundo o Professor Figueiredo Dias o CPP de 1987 defende o arguido das intrusões abusivas
na esfera dos seus direitos, liberdades e garantias e, de mais a mais, o sistema do CPP de 1987
respeita a estrutura acusatória e é, por isso, conforme à CRP.
Desta discussão, o CPP passou e, atualmente, não há grandes pronúncias da Doutrina
sobre a estrutura do CPP não respeitar a CRP, embora existam propostas de reforma e
existiram revisões muito importantes:
 A revisão de 1998;
 A revisão de 2007;
 As alterações de 2010;
 As alterações de 2013.

Aula teórica – 03.10.2022

Prevenção, averiguações preliminares e informação de segurança


Prevenção
O Professor Figueiredo Dias afirmava que o CPP de 1987 foi pensado de maneira a não
permitir a existência de fases pré ou extra processuais, aliás “[f]ases que – bem o mostra a
experiência recente com o inquérito dito ‘policial’ ou ‘preliminar’ –, sob a alegação de
constituírem coisa ‘privada’ relativamente ao processo, ou representam um gasto inútil de
tempo e de esforços, ou se tornam particularmente vulneráveis a abusos resultantes de
simples ‘mudanças’ (ou ‘burlas’) de etiquetas”.
A evolução recente do Direito Penal e do Direito Processual Penal ditou o
aparecimento de diferentes modalidades de ‘investigações policiais’, ‘investigações
preliminares’, ‘pré-inquéritos’, ‘investigações proativas’ e até ‘Processos Administrativos’. Até
ao final do Século XX quando se falava em prevenção criminal e em investigações policias
estávamos a falar de uma atividade própria do Direito Administrativo porque as questões de
segurança pública e prevenção criminal tradicionalmente eram uma função do Direito
Administrativo e não do Direito Penal. Em Portugal temos várias polícias e as polícias com o
seu estatuto têm competências de polícia administrativa e de polícia criminal ou judiciária e
antigamente as áreas eram ainda mais separadas pois a prevenção era uma atividade
administrativa e a repressão criminal era uma atividade judiciária.

21
Direito Processual Penal 2022/2023

A partir dos anos 80 do Século XX, fala-se numa viragem preventiva


internacionalmente, com origem anglo-saxónica tornando mais difícil a separação entre os
poderes administrativos e o Direito Penal e a distinção entre o que é uma atividade de defesa
de segurança pública e uma atividade de repressão dos factos punidos:
 Lei de Organização da Investigação Criminal (Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto) atribui
aos OPC competência para desenvolverem ações de prevenção e investigação (artigo
3.º, n.º 4, alínea b));
 Decreto-Lei n.º 81/95 – No âmbito do combate ao tráfico de droga são admitidas
ações de prevenção a realizar pela Polícia Judiciária (PJ), Guarda Nacional Republicana
(GNR), Polícia de Segurança Pública (PSP), o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)
e Direção-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
 Regime Jurídico das Ações Encobertas para Fins de Prevenção e Investigação Criminal
(Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto);
 Lei n.º 58/2020 – No domínio do combate ao branqueamento de capitais, as
autoridades de supervisão e fiscalização do setor financeiro (BdP; CMVM; Autoridades
de Seguros de Portugal; etc.) têm poderes para efetuar auditorias e inspeções nas
entidades supervisionadas (atividades de prevenção), devendo informar o DCIAP e a
UIF dos factos que indiciem a prática de crimes de branqueamento;
Assim, a matéria da prevenção e investigação andam ligadas e, de certa maneira, refletem
o ditado “mais vale prevenir do que remediar”. Esta viragem para a prevenção levanta
problemas que também têm a ver com os Direitos fundamentais e o TEDH já tratou de muitos
casos que têm a ver com este tema e existe um caso contra Portugal que vem em todos os
manuais estrangeiros e portugueses e é o primeiro caso do TEDH sobre o “agente infiltrado”
(caso Teixeira de Castro vs. Portugal)4 e o Estado português foi condenado pelo TEDH por ter
usado agentes encobertos para a provocação ao crime estando em causa o artigo 6.º, n.º 1 da
CEDH (processo equitativo) devido a uma condenação por tráfico de droga fundada,
essencialmente, por declarações de dois agentes policiais portugueses e uma ação criminosa
provocada por eles. Este caso é especialmente relevante porque foi condenado desde a 1.ª
instância atá ao STJ e o seu Advogado apresentou a queixa no TEDH tendo o Estado português
sido condenado; obrigando-o à reparação da situação; ao cancelamento do registo criminal e
ordenou que alterasse a Lei da droga no limite das atuações de provocações.
À luz do TEDH não pode dar-se agentes provocadores para a prevenção e investigação
criminal porque é um método desleal contra pessoas que são possíveis inocentes em que toda
a prova é obtida em resultado da provocação como se estivesse a supor que há cidadãos de
primeira e cidadãos de segunda em que uns são traficantes e outros não pois, não existindo
elementos que indiciem objetivamente os factos, não é legítimo o Estado atuar como se fosse
um instigador ou autor imediato do crime daí a prova obtida desta forma ser proibida não
podendo ser utilizada no processo (artigo 32.º, n.º 8 da CRP e 126.º, n.º 1 do CPP). Neste caso
estaríamos no domínio de uma atuação que ainda não é de investigação, mas sim no domínio
de uma atuação de investigação proativa.

4
Dois agentes policiais disfarçados de toxicodependentes andavam atrás de Teixeira de Castro já há
algum tempo. Um dia foram a casa dele à noite e disseram que pretendiam comprar haxixe e, após a
insistência dos polícias disfarçados, foi a casa de um amigo buscar e no momento em que lhes ia
fornecer foi detido em flagrante delito e só ele é que foi acusado e condenado.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Atualmente, com a Lei n.º 101/2001, o relatório do agente infiltrado (AI) é obrigatório nos
termos do artigo 3.º, n.º 6 e o regime legal distingue o relatório do auto e discute-se se o
relatório do AI deve ser junto aos autos ou não por não ser prova, existindo Doutrina que
defende que, embora não seja prova, pode ser importante para efeitos de contraditório em
que a defesa saiba que houve uma gente infiltrado naquele caso. Em Portugal, pode ser um
particular a exercer o papel de agente infiltrado, ao contrário do Brasil que não permite que os
particulares participem em ações desta natureza. Também se discute se o agente infiltrado
deve ser chamado, ou não, a prestar depoimento em julgamento (mesmo que com proteção
de identidade) porque a Lei dá ao Juiz a competência para decidir se é, ou não, indispensável
as declarações do infiltrado.
O Professor Germano Marques da Silva sempre defendeu que as ações encobertas
facilmente se transformam em pré-averiguações policiais sem direção efetiva do MP sendo
muito crítico deste tipo de ações. O Regente não é tão crítico, defendendo que certos
fenómenos criminais só podem ser prevenidos ou reprimidos através deste tipo de atuação.

Averiguações preliminares
Há outras espécies de pré-averiguações em domínios que já seriam, em princípio, de
pura investigação criminal:
 DL n.º 486/99, de 13 de novembro – Nos crimes contra o mercado de valores
mobiliários (e.g., abuso de informação privilegiada e manipulação do mercado), a
CMVM tem competência para a realização de averiguações preliminares, cujas
conclusões e elementos relevantes, caso se traduzam na notícia de um crime, devem
ser remetidas à autoridade judiciária competente, nos termos dos artigos 383.º e 386.º
do CdVM  crimes mobiliários. Por norma, a competência para investigar é do MP e a
CRP não prevê que uma autoridade administrativa investigue crimes (artigo 219.º, n.º
1 da CRP) sendo isto possível pois a atividade de supervisão permite muitas vezes a
deteção de ilícitos, que tanto podem ser contraordenações como crimes. Em especial,
as averiguações preliminares visam “apurar a possível existência da notícia de um
crime” (artigo 383.º, n.º 2 CdVM  apurar a possibilidade da possibilidade de um
crime, ou seja, a CMVM vai apurar a primeira possibilidade da segunda possibilidade
sendo uma ginástica do legislador para vencer a resistência de que a CMVM não pode
fazer investigação criminal), mas não constituem um inquérito em processo-crime.
Assim, temos de distinguir materialmente as duas investigações: quando se investiga a
possível existência de um crime o MP pode estar a ouvir pessoas e se dessa inquirição
resultarem indícios de um crime o MP para a inquirição e constitui a pessoa como
arguido, enquanto a CMVM não pode ouvir pessoas suspeitas da prática de um crime
só podendo analisar os elementos documentais recolhidos na sua atividade de
supervisão e verificar se contêm indícios da existência de um crime contra o mercado
de valores mobiliários daí existirem muitos Autores que defendem que as
averiguações preliminares constituem um mero filtro técnico especializado. No final, o
MP receberá as conclusões e documentos das averiguações preliminares, evitando-se
assim que sejam remetidos para investigação criminal elementos inconsistentes e
obstando-se a que o cidadão seja desnecessariamente objeto de um processo-crime à
partida votado ao insucesso por razões técnicas pois se alguém que seja participante

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Direito Processual Penal 2022/2023

na negociação estiver a ser investigado pela prática de um crime e se se souber a sua


reputação fica completamente danificada. Os problemas críticos desta atuação da
CMVM é que esta tem poderes que as polícias criminais e o MP não têm pois podem
fazer pedidos de informação e de colaboração que as entidades supervisionadas têm
de cumprir sob cominação de responsabilidade (artigo 385.º, n.º 1, alínea a) do CdVM)
e este é o problema da transmissão de informações das autoridades administrativas
para as autoridades de investigação criminal. O nosso modelo não reconhece
expressamente o princípio nemo tenetur se ipsum accusare, pelo que carece de uma
interpretação conforme à CRP e a Lei Portuguesa também não garante que sejam
passados ao MP todos os autos das averiguações preliminares e não apenas uma
espécie de seleção até porque o MP não tem controlo sob a CMVM. Esta matéria tem
sido muito tratada na jurisprudência portuguesa, nomeadamente, o Acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa referente ao Processo n.º 7327/07.9TDLSB, de
25/02/2015, relator Nuno Coelho.

Proposta
Aplicação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, em função do artigo 32.º, n.º 1
da CRP, seja no âmbito do processo de supervisão preventiva, do processo sancionatório de
mera ordenação regulatória ou das averiguações preliminares, não obstante os deveres de
informação e de colaboração de quaisquer pessoas sujeitas aos poderes de supervisão do
regulador. Sempre que o regulador solicitar, por escrito, documentos e outras informações a
intermediários financeiros ou quaisquer outras pessoas, singulares ou coletivas, o pedido deve
ser instruído com os seguintes elementos:
 A base jurídica, a qualidade em que o destinatário é solicitado a transmitir informações
e o objetivo do pedido;
 A indicação de que o incumprimento do pedido constitui desobediência;
 A indicação de que a informação e a documentação assim obtidas podem ser utilizadas
como meio de prova em eventual processo contraordenacional ou penal.
Tradição dos autos das averiguações preliminares para o MP, caso concluam pela notícia do
crime, além de se “remete[r] os elementos relevantes à autoridade judiciária competente”
(artigo 386.º do CdVM) e possibilidade de controlo externo pelo MP das decisões de
arquivamento de averiguações preliminares, em obediência aos princípios da separação de
poderes e da legalidade. Adoção pelo regulador de sistemas de controlo interno (compliance
systems) de boas práticas processuais, com vista a maximizar o respeito das garantias
processuais e a minimizar o risco de declaração de nulidade dos atos processuais e de
proibição de valoração de meios de prova em fase de controlo judicial a posteriori.

Informação de segurança
Este é outro tema bastante polémico e a intelligence & security ocupa-se de ameaças,
não faz investigação criminal e a questão é saber como é que podemos fazer circular esta
informação:
 Branqueamento de capitais – provavelmente á área mais regulada dentro da
prevenção criminal (temos, por exemplo, as recomendações de soft law do GAFI que
têm formas de prevenção fortíssimas) e a prevenção do branqueamento de capitais

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Direito Processual Penal 2022/2023

implica uma atitude proactiva por parte das autoridades administrativas e pressupõe o
concurso das entidades reguladas na conceção e implementação das medidas
adequadas, no entanto, a prevenção do branqueamento faz-se num plano que está
muito aquém dos indícios da prática do próprio crime porque a prevenção é feita
através de deveres preventivos que se baseiam em tipologias (agentes, cliente e
operações) que estão nas Diretivas e nas recomendações do GAFI e as entidades
obrigadas (financeiras e não financeiras) têm treinos específicos para identificar os
agentes, clientes e operações. O artigo 43.º da Lei n.º 99-A/2021, de 31/12) cuja
epígrafe é “Comunicação de operações suspeitas” determina que «[a]s entidades
obrigadas, por sua própria iniciativa, informam de imediato o Departamento Central
de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e a Unidade
de Informação Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes
para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou
valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o
financiamento do terrorismo», assim, nos termos da Lei portuguesa, comunica-se à
UIF (uma unidade de intelligence) e o facto de se fazer esta comunicação levanta
problemas quanto à natureza da própria comunicação e, portanto, questiona-se qual é
função do UIF e em que medida é que o tratamento de informação vital para a
prevenção de ameaças à segurança interna ou externa é uma atividade de polícia
criminal.
Concluindo, estas atividades de prevenção têm de fazer parte da nossa realidade, mas há
pontos que têm de ser esclarecidos e trabalhados.

Aula teórica – 07.10.2022

Inquérito
No CPP de 1987 a ideia era que não houvesse nada antes do inquérito e, atualmente,
na fase de processo comum o inquérito é uma fase de investigação obrigatória. O inquérito,
em Portugal, é da titularidade do MP, já no Direito Comparado não é sempre assim.

Abertura
A aquisição da notícia de um crime por parte dos OPC determina a obrigação de a
comunicar ao MP no mais curto prazo, não podendo exceder 10 dias (artigo 248.º, n.º 1 do
CPP). Por sua vez, a notícia do crime acarreta para o MP a obrigação de, ressalvadas as devidas
exceções, abrir o inquérito (artigo 262º, n.º 2 do CPP)  obrigatoriedade de ação penal que
tem como oposto o princípio da oportunidade. As exceções previstas no CPP são,
fundamentalmente, os crimes semipúblicos e particulares em que não basta a notícia do crime
sendo precisa a queixa e as formas especiais de processo (sumário e abreviado, não se
incluindo o sumaríssimo porque, na verdade, nenhum processo começa nesta forma).
O artigo 262.º, n.º 2 do CPP contém uma consagração do princípio da legalidade. O
conceito de legalidade utlizado consiste na ideia de que a atividade do MP se desenvolve sob o
signo da estrita vinculação à Lei, não obedecendo a razões políticas, económicas ou outras, por
exemplo, não se pode dizer que não foi instaurado um processo porque está em causa um alto

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Direito Processual Penal 2022/2023

titular político a menos que a Lei estabeleça limites à investigação nesses casos. O fundamento
do princípio é a igualdade na aplicação do Direito.
Quanto ao princípio da oportunidade refere que não cabe ao MP fazer considerações
de oportunidade sobre abrir ou não inquérito. O princípio da oportunidade é definido à custa
do seu contrário, que é o princípio da legalidade. O princípio da oportunidade, entre nós, não
tem definição legal, até porque, num sistema norteado pelo princípio da legalidade, a
oportunidade só pode surgir com carácter excecional e esta oportunidade consiste na
atribuição de discricionariedade ao MP para a promoção da ação penal (prosecutorial
discretion).
Existem temas que ainda se discutem e, em 2007, foi muito discutido se sempre que o
MP recebe uma denúncia tem de instaurar um processo porque existia o receio de que o MP, à
luz do CPP de 1987, se não instaurasse um processo perante uma denuncia se tornasse
responsável pela prática do crime de denegação de justiça e, por isso, na reforma de 2007
tornou-se bastante claro que a denúncia e notícia da infração não é a mesma coisa podendo
existir denúncias que não tenham notícia da infração tendo de se distinguir as duas, portanto,
o MP perante qualquer denúncia tem de ver se ela constitui, ou não, a notícia de uma infração
e a seguir é que decide se abre um inquérito, ou não, conforme artigo 58.º, n.º 1, alíneas a) e
d), e 246.º, n.º 6, alínea a) do CPP (esta última norma foi introduzida em 2007 e esclareceu que
a denúncia anónima pode constituir a abertura de um inquérito)

Despacho
O início do Despacho foi sempre muito discutido entre nós e um inquérito não pode
começar sem despacho do MP pois este é o titular do processo, designadamente do ato de
inquérito, é necessário um ato formal do MP o que não quer dizer que não existam diligências
cautelares e de polícias anteriores ao Despacho, no entanto, o Despacho é o primeiro ato do
procedimento e sem ele o processo é nulo nos termos do artigo 119.º, alínea b) do CPP (este
artigo trata de nulidades insanáveis), por falta de promoção do MP, que é quem tem
legitimidade para promover o processo penal, nos termos do artigo 48.º do CPP. Discute-se
muito a este propósito se a nulidade é insanável ou se é dependente de arguição nos termos
do artigo 120.º do CPP, ou seja, se esse Despacho pode surgir posteriormente. Antes de 2007,
podíamos considerar o ato de abertura do inquérito por parte do MP como um ato tácito e o
Professor Germano Marques da Silva sempre defendeu que nunca poderia existir um ato
tácito. Feita a comunicação pelos OPC da notícia de um crime (artigo 248.º, n.º 1 do CPP), se o
magistrado do MP competente não avocasse o inquérito seria considerada delegada a
competência para a prática dos atos de inquérito pois o MP pode delegar em concreto ou em
geral os atos de inquérito nos OPC de acordo com o seu estatuto próprio e com a Lei, logo, se
o MP não chamasse o inquérito para si considerava-se delegada a competência só que não
nenhum artigo no CPP que preveja atos tácitos e, portanto, esse entendimento não parece ser
de admitir estando o Regente de acordo com o Professor Germano Marques da Silva, assim, a
não promoção do processo pelo MP constitui uma nulidade insanável, que pode ser
oficiosamente declarada em qualquer fase do processo (artigo 119.º, alínea b) do CPP) e o
mesmo acontece na falta de inquérito no caso dos crimes semipúblicos ou particulares (artigo
119.º, alínea d) do CPP).

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Direito Processual Penal 2022/2023

Portaria n.º 1223-A/91, de 30/12


Define as regras aplicáveis à identificação dos processos-crime e a necessidade de
atribuição de um Número Único Identificador de Processo Crime (NUIPC). Antes de chegar o
Despacho do MP pode acontecer que seja necessário abrir um expediente em que inclui logo
diligencias que foram necessárias por terem natureza cautelar ou de polícia e a forma de não
se perder o rasto é dar logo esse NUIPC que se mantém sempre no processo. O sistema
estabelecido permite a individualização de cada processo, desde a notícia do crime ao arquivo,
de forma unívoca, quer para quem nele tenha intervenção quer para terceiros. Segundo o
artigo 13.º, o NUIPC é atribuído pelo serviço notador que proceder ao primeiro registo do
processo, no momento deste, e mantém-se em todos os registos subsequentes.

Âmbito e finalidade do inquérito


O âmbito e a finalidade do inquérito vêm expressos na lei (artigo 262.º, n.º 1 do CPP) e
trata-se de investigar a existência de um crime (materialidade), descobrir quem foram os seus
agentes (autoria) e recolher as provas (indícios), em ordem à decisão sobre a acusação.

Diligências
O inquérito é a fase em que o processo comum adquire o máximo dramatismo porque
pode envolver um conjunto de diligencias muito amplo e, muitas vezes, são restritivas dos
Direitos fundamentais dos suspeitos e arguidos como, por exemplo, a perseguição dos
próprios agentes do crime, até para efeito de aplicação de medidas de coação inclusive a mais
grave de todas que é a prisão preventiva. Implica também a descoberta e conservação das
provas. Estas provas podem não ser apenas relativas ao facto punível, mas também relativas à
personalidade do agente, nos termos da perícia de personalidade que consta do artigo 160.º
do CPP. Ainda para mais o inquérito é uma fase inquisitiva porque pode decorrer em segredo
de justiça externo (público) e interno (pode alguém estar a ser investigado e não souber).
Em 2007 o CPP mudou o regime porque o princípio regra era que o inquérito era
secreto passando a ser público (artigo 86.º, n.º 1 do CPP) sem segredo de justiça.
O CPP permite que o segredo de justiça seja decretado no inquérito ou pelo Juiz de
instrução ou pedido pelo MP confirmado pelo Juiz de instrução por decisão irrecorrível ou até
pelo arguido, mas mesmo que seja decretado o segredo de justiça não impede, em certos
casos, o acesso aos autos pelo arguido (artigo 86.º, n.º 2, 3, 4 e 5 e 89.º do CPP).
Segundo o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (Relatório, 2009), na
maioria da criminalidade, a publicidade constitui um mecanismo de transparência, que facilita
o controlo do desenrolar da investigação e a própria participação do assistente, que assim se
pode transformar num verdadeiro coadjutor do MP no desfecho do inquérito, embora o MP
nem sempre aproveite esta possibilidade, ou seja, a publicidade do inquérito pode não só não
prejudicar a investigação como às vezes até ajudar na investigação.

Prazos
O processo, em fase de inquérito tem prazos que estão no artigo 276.º do CPP e, em
regra, são de 6 meses, mas em situações excecionais podem ir de 8 a 18 meses (artigo 276.º,
n.º 2 e 3 do CPP), mas na prática, Portugal já foi várias vezes condenados pelo TEDH por ter
processuais penais com duração excessiva, portanto, a fase de inquérito pode durar tanto

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Direito Processual Penal 2022/2023

quanto a prescrição do procedimento criminal, portanto, o legislador em 2007 teve de arranjar


incentivos para que o MP acelerasse, ou seja, o legislador previu o incidente de aceleração
processual para o caso de terem sido excedidos os prazos (artigos 108.º e 276.º, n.º 8, CPP):
 Se não cumprir o prazo tem de explicar ao imediato superior hierárquico a violação de
qualquer prazo, indicando razões do atraso e período necessário para concluir o
inquérito (artigo 276.º, n.º 4 do CPP);
 O superior hierárquico fica com a possibilidade de avocar o processo, ou seja, retirá-lo
do Procurador e ficar para si próprio ou redistribuir a outro Procurador (artigo 276.º,
n.º 5 do CPP) e fim do segredo de justiça;
 O sistema que o legislador entendeu que teria mais efeitos foi o consagrado no artigo
89.º, n.º 6 do CPP, que surgiu em 2007, em que findos os prazos no artigo 276.º do
CPP, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de
processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução
determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado
por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez,
quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artigo
1.º, e por um prazo objetivamente indispensável à conclusão da investigação. Assim,
findos os prazos se não houver decisão acaba o segredo de justiça, a menos que o MP
se oponha e o Juiz conceda mais três meses, se findos os três meses não houver
decisão, em certos casos de criminalidade graves, o MP pode pedir mais tempo e o STJ
interveio nesta matéria fixando Jurisprudência e decidiu pela sua orientação, ou seja,
pode ser o que for necessário no caso concreto mesmo que exceda os três meses, no
entanto, para o Regente, este Acórdão de fixação de Jurisprudência já não está em
vigor porque depois do Acórdão a Lei alterou os prazos e a partir do momento em que
os prazos passaram a ser mais compridos já não devemos interpretar no sentido da
fixação de Jurisprudência do Acórdão e o Regente sempre preferiu a interpretação de
que o segundo prazo nunca pode exceder outros três meses. Antes deste alargamento,
o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (Monitorização da Reforma de
2007) salientara que a conexão entre o tempo de segredo de justiça e os anteriores
prazos máximos do inquérito criara constrangimentos à investigação dos processos de
criminalidade grave e complexa, permitindo que a mesma se tornasse pública num
tempo demasiado curto, inviabilizando o seu sucesso.

Prazos ordenadores
Não advém qualquer efeito para a validade do processo da circunstância de o MP não
dar por encerrado o inquérito nos correspondentes prazos, ou seja, a ultrapassagem dos
prazos não constitui sequer uma irregularidade. Na verdade, costuma dizer-se que tais prazos
são meramente ordenadores.

Direção
A direção do inquérito cabe exclusivamente ao MP, assim, o MP é dominus do
inquérito (artigo 48.º e 263.º, n.º 1 do CPP). Por razões de eficácia, o MP tem de contar na sua
ação com a colaboração dos OPC (artigo 263.º, n.º 2 do CPP), mas há atos que só o MP é que
pode praticar (artigo 267.º do CPP) e atos que podem ser delegados pelo MP nos OPC (artigo

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Direito Processual Penal 2022/2023

270.º, n.º 1 do CPP) e a delegação genérica por despacho de natureza genérica que indique os
tipos de crime ou os limites das penas (artigo 270.º, n.º 4 do CPP), mas também pode ser para
um ato específico de um processo concreto ou para uma atividade investigatória de um
processo concreto nos termos do n.º 2 do artigo 270.º do CPP  Diretiva n.º 1/2002 –
Ministério Público – PGR (delegação genérica na Polícia Judiciária e nos OPC) e esta delegação
genérica não dispensa o Despacho de abertura do inquérito do MP.
A relação entre o MP e os OPC não é uma relação de superioridade hierárquica pois o
MP não dá ordens (salvo os referidos no artigo 270.º, n.º 2 do CPP), apenas dirige o inquérito e
os OPC atuam sob a orientação e dependência funcional MP (artigos 53.º, n.º 2, alínea b) e
263.º, n.º 2 do CPP), mas têm autonomia técnica e tática e decidem o método, quando e como
da realização das diligencias solicitadas pelo MP.

Garantias
O inquérito interfere com a esfera dos Direitos, liberdades e garantias fundamentais e,
certos atos do inquérito, só podem ser autorizados pelo Juiz (artigo 268.º e 269.º do CPP  a
Lei fala em ordenar (fase de instrução) ou autorizar (fase de inquérito)) como, por exemplo,
medidas de coação (artigo 194.º, n.º 1 do CPP).

Nulidade de insuficiência
A nulidade de insuficiência do inquérito está prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d)
do CPP). É nulidade relativa (120.º, n.º 3, alíneas c) e d) do CPP) que deve ser arguida até ao
encerramento do debate instrutório ou, não havendo instrução, até 5 dias após a notificação
do despacho que tiver encerrado o inquérito.

Aula teórica – 10.10.2022

Encerramento do inquérito
Conclusão do inquérito
 Despacho de arquivamento (artigo 277.º do CPP);
 Despacho de acusação (artigo 283.º (crimes públicos e semipúblicos e 285.º, n.º 4
(crimes particulares) do CPP).
Entre o arquivamento e a acusação há imensas possibilidades e o CPP prevê uma série de
medidas de diversão5 processual:
 Arquivamento em caso de dispensa de pena (artigo 280.º do CPP);
 Suspensão provisória do processo (artigo 281.º do CPP);
 Envio para processo sumaríssimo (artigo 392.º do CPP)  no CPP vem tratado como
uma forma de processo especial, mas nenhum processo começa na forma sumaríssima
e, portanto, do ponto de vista sistemático, faz sentido dizer-se que é uma forma de
encerramento do inquérito sendo necessário haver acordo entre o arguido , o MP e o
Juiz e, por isso, é uma forma de justiça consensualizada;
5
Diverge da tramitação normal que seria um despacho de acusação para que o processo fosse
submetido para a fase subsequente e, neste caso, existe uma diversão no sentido em que o processo
diverge da tramitação normal

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Direito Processual Penal 2022/2023

 Mediação penal (Lei n.º 21/2007, de 12 de junho)  é uma ideia que vem da justiça
restaurativa e a que está por detrás da mediação penal é procurar estabelecer o
encontro entre o ofensor e a vítima de maneira a sanar a ferida aberta por causa da
prática do ilícita e esta forma de justiça restaurativa procura fazê-lo de fora dos
Tribunais de maneira a que haja um ambiente extra judicial para esse confronto e isso
começou recentemente com experiencias que foram feitas sem base legal em países
como a Nova Zelândia, Austrália e Canadá e, por terem dado resultado, foram
transportadas para outros países e começaram a ser feitas em Portugal sem base legal
pela Procuradoria Geral Distrital do Porto e, depois, foi publicada a Lei referente à
mediação penal que, estando em vigor, tem tido pouca expressão prática porque
precisa de recursos humanos; recursos materiais; etc.

Despacho de acusação
Quando o MP, titular do inquérito, está em condições de acusar não pode acusar
devendo dar preferência às medidas de diversão processual e, a partir da reforma de 2007,
estas medidas são mandatórias pois verificados os requisitos para aplicação de uma das
medidas o MP deve promover as medidas de diversão sendo o despacho de acusação a última
hipótese.
Quando o MP tiver recolhido indícios suficientes de que foi cometido crime e tiver
identificado os seus agentes, tem de deduzir acusação (artigo 283.º, n.º 1 do CPP), mas não
bastam os indícios suficientes quanto à existência de crime e à intervenção do arguido na sua
prática.
O artigo 283.º, n.º 2 do CPP tem a definição legal de indícios suficientes (é mais do que
fortes porque, se fosse menos, no momento em que se aplicava uma medida de coação tinha
logo de se ajustar e não é o caso) dispondo que se consideram «suficientes os indícios sempre
que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles,
em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança» e esta definição é difícil de
interpretar por ter duas componentes e sempre foram muito discutidas na Doutrina: 1.
Significa que o MP pode acusar com dúvidas sobre a autoria e a materialidade e a resposta
deve ser NÃO pois o MP deve estra convencido categoricamente tal como estaria o Juiz no
momento do julgamento, se fosse o caso, de que o arguido em questão será condenado com
base na prova recolhida, ou seja, o MP tem de ter um grau de convicção igual ao que teria o
Juiz se tivesse de julgar o caso e 2. Ao referir-se a possibilidade razoável no artigo parece
contraditório ao primeiro ponto, mas a expressão “possibilidade razoável” significa que não
basta estar convencido sendo necessário ter provas sólidas. Assim, para acusar exige-se ao MP
um grau de convicção equivalente/semelhante ao do Juiz no momento da sentença, embora
com base no material probatório recolhido na fase do inquérito, que nunca é tão completo
quanto o disponível no momento do julgamento. Obtido este grau de convicção, o MP deve
acusar, exceto nos crimes particulares que têm um regime especial pois nestes, em princípio, o
MP não pode atuar.

Natureza dos crimes


 Nos crimes públicos, uma vez terminado o inquérito, se o MP recolheu “indícios
suficientes” e não puder recorrer a nenhuma das medidas de diversão, deve acusar;

30
Direito Processual Penal 2022/2023

 Nos crimes semipúblicos, a única diferença é que o impulso processual estava


inicialmente dependente da apresentação da queixa, enquanto condição de
procedibilidade, mas nesta fase isso já não interessa, a menos que o queixoso desista
da queixa (artigo 116.º, n.º 2 do CP e 51.º do CPP), ou seja, a diferença é que o MP não
pode instaurar inquérito antes de receber a queixa ou a participação;
 Nos crimes particulares, também é necessária a queixa e, juntamente com esta, a
declaração da vítima de que se pretende constituir como assistente (artigo 246.º, n.º 4
do CPP), tendo de se constituir efetivamente como tal antes do fim do inquérito para
que não haja arquivamento, mais exatamente no prazo de 10 dias a contar daquela
declaração (artigo 68.º, n.º 2 do CPP). Assim, existem quatro condições de
admissibilidade: 1. Queixa; 2. Declaração da vítima que se pretende constituir como
assistente; 3. Prazo para se constituir como tal – 10 dias e 4. Acusação particular
(acusação principal dos crimes particulares). No fim do inquérito de um crime
particular, o MP (de notar que, apesar de ser um crime particular, é o MP quem realiza
e dirige o inquérito) notifica o assistente para que ele, querendo, deduza acusação
particular em 10 dias. Nos crimes particulares quer se reúnam, ou não, indícios
suficientes da prática de um crime o MP só pode fazer uma coisa que é notificar o
assistente. O MP pode arquivar um inquérito de um crime particular se a vítima não se
constituir como assistente no prazo dos 10 dias pois, nesse caso, não tem de ser
notificada a vítima e aí pode arquivar porque falta um requisito de admissibilidade.
Se houver acusação particular, nos termos do artigo 285.º, n.º 4 do CPP «O Ministério
Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos
mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial
daqueles» (artigo 1.º, alínea f) do CPP  alteração substancial), portanto, o MP pode, mas não
tem de o fazer pois o MP não tem nenhuma obrigação de acompanhar a acusação do
particular, até pode ter uma posição contrária.
Em todos os processos, estes continuam e nas fases subsequentes o MP, que só está
comprometido com a descoberta da verdade, pode inclusivamente estar contra a versão da
acusação particular. De resto, o MP pode, em qualquer processo, sentir que tem de tomar a
posição ou defesa do arguido e até na fase dos recursos, o MP pode recorrer no exclusivo
interesse do arguido (artigo 53.º, n.º 2, alínea d) e 401.º, n.º 1, alínea a) do CPP).

Despacho de arquivamento
O MP pode decidir-se, na falta de indícios suficientes, pelo arquivamento do inquérito
(artigo 277.º do CPP):
 Arquivamento assertivo (artigo 277.º, n.º 1 do CPP) – se recolheu prova bastante de se
não ter verificado o crime ou de o arguido o não ter praticado a qualquer título;
 Arquivamento dubitativo (artigo 277.º, n.º 2 do CPP) – falta de indícios suficientes da
verificação de crime ou de quem foram os seus agentes funcionando o Princípio in
dúbio pro reo.

Intervenção hierárquica
Face ao arquivamento há a possibilidade de intervenção hierárquica (artigo 278.º, n.º 1
do CPP) pois o MP é uma magistratura hierarquizada (artigo 219.º, n.º 4 e 5 da CRP e artigo 2.º,

31
Direito Processual Penal 2022/2023

n.º 2; 12.º, n.º 2, alínea b) e f) e n.º 3 do Estatuto do MP – Lei n.º 47/86, 15 de outubro). Com a
revisão do Código de 2007, o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir
assistente passaram a poder requerer a intervenção hierárquica, como já era defendido por
alguma doutrina passando a ter um prazo de 40 dias que inclui os 20 dias a contar da
notificação do arquivamento do MP em que o assistente poderia ter requerido a abertura de
instrução (artigo 287.º, n.º 1, alínea b) do CPP) e os 20 dias do artigo 278.º, n.º 1 do CPP.
Reabertura do inquérito
Se não existir intervenção hierárquica, o processo fica arquivado, mas a Lei prevê que o
inquérito possa ser reaberto nos termos do artigo 279.º do CPP, ou seja, quando houver novos
elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo MP para o arquivamento,
sob pena de violação do princípio ne bis in idem.

CPP 1929
Na anterior Lei, o regime da falta de acusação do MP no fim da instrução preparatória
era dualista. Na vigência do CPP de 1929, mas com as alterações trazidas pelo DL n.º 35.007,
de 13.10.1945, o MP, incluída a sua hierarquia (artigo 23.º, 27.º, 28.º e 29.º do DL), passou a
ser a entidade competente – ocupando agora o lugar do Juiz, contra o que sucedia
originariamente no CPP de 1929 – para, independentemente de decisão judicial (artigo 29.º do
DL), ordenar o arquivamento simples ou então despachar no sentido de o processo ficar a
aguardar melhor prova.
No caso de o arquivamento ser ulterior à instrução contraditória, o juiz continuava a
ser a entidade competente para proferir a decisão de arquivamento (artigo 44.º do DL), que
então faria caso julgado material, obstando à reabertura do processo-crime com a mesma
prova contra qualquer arguido.
Segundo a Doutrina então dominante, a decisão de arquivamento proferida pelo MP
tinha eficácia de caso julgado (material), apesar de usualmente se dizer que só às decisões
jurisdicionais (i.e., proferidas por um juiz) é que se pode atribuir essa força.
Tal doutrina questionava “se o valor [preclusivo do processo penal] que o Código [de
1929] atribuía à decisão de arquivamento não se continua[ria] a justificar pelas mesmas razões
– pelos mesmos fundamentos normativos, não obstante a substituição da entidade que é
chamada a proferi-la [no CPP29: o Juiz; no Decreto-Lei 35 007: o MP]” (Eduardo Correia e
Castanheira Neves).
A não atribuição ao arquivamento ordenado pelo MP de um efeito preclusivo da ação
penal significaria “que o arguido veria sempre suspensa sobre a sua vida a possibilidade de
uma acusação com base na [...] reapreciação da prova anterior, na requalificação dos factos
que anteriormente se haviam considerado como não cons8tuindo crime, ou de uma
reabertura da instrução preparatória pelos mesmos factos” (Eduardo Correia e Castanheira
Neves).
Ora, os valores da liberdade e da segurança do arguido deveriam merecer idêntica
garantia tanto em face do arquivamento decidido pelo juiz, como em face do arquivamento
decidido pelo MP (Eduardo Correia e Castanheira Neves).
Para esta Doutrina, a decisão de arquivamento do MP, pondo fim à instrução
preparatória, deveria ter um efeito absolutamente preclusivo do processo penal, quando MP

32
Direito Processual Penal 2022/2023

concluía que não se teria verificado o crime ou, pelo menos, que o arguido não o teria
praticado a qualquer título .
A consistência do caso julgado seria diferente, no caso de o MP despachar no sentido
de o processo ficar a aguardar melhor prova. Agora a decisão seria relativamente preclusiva da
ação penal, pois apenas impediria que o processo viesse a prosseguir com a mesma prova
contra qualquer arguido (como sucedia com a decisão análoga do juiz, nos termos do § único
do artigo 148.º do CPP de 1929).

CPP 1987
Atualmente, o conceito de arquivamento (artigo 277.º do CPP) inclui também os casos
em que, no Direito anterior, o processo ficava a aguardar a produção de melhor prova
(arquivamento dubitativo – artigo 277.º, n.º 2 do CPP). Aliás, perante o artigo 279.º, n.º 1 do
CPP, pode dizer-se que todo o arquivamento passa agora a ser um arquivamento à espera de
melhor prova, pois, com base numa mera interpretação declarativa deste preceito, o inquérito
só pode (leia-se: pode sempre) ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que
invalidem os fundamentos invocados pelo MP no despacho de arquivamento.
Quer isto dizer que, mesmo naqueles casos em que o MP tenha porventura concluído
que não houve crime ou que não foi o arguido a praticá-lo (artigo 277.º, n.º 1 do CPP:
arquivamento assertivo), o inquérito poderia, à primeira vista, ser reaberto com novos
elementos de prova.

Que é feito então, na lei vigente, do interesse em assegurar a paz jurídica ao arguido?
No cenário legal vigente, tornou-se difícil de defender a antiga doutrina que via no
arquivamento assertivo (negador da responsabilidade do arguido – mutatis mutandis, atual
artigo 277.º, n.º 1 do CPP) um arquivamento definitivo (obviamente, se não tiver sido
requerida a abertura da instrução pelo assistente, nem revogado o despacho de arquivamento
pelo superior hierárquico).
Não se pode vedar a possibilidade ao arguido de requerer diligências idóneas a pôr
cobro à indefinição da sua situação.
Tais diligências não podem ser coisa diversa de um requerimento para abertura da
instrução, com vista à obtenção de um despacho de não pronúncia, o qual, sendo um ato
jurisdicional, deve ter a força de caso julgado (artigo 308.º, n.º 1, parte final do CPP), embora
nunca surja no atual CPP qualquer alusão ao caso julgado penal (contrariamente, ao que
sucedia no 148.º e seguintes do CPP de 1929).
Contudo, o CPP não reconhece ao arguido qualquer meio de reação contra o despacho
de arquivamento do MP.

Arquivamento e RAI do arguido


Ao invés, o assistente, o ofendido ou o denunciante com a faculdade de se constituir
como assistente dispõe de dois meios alternativos de reação ao despacho de arquivamento do
MP:
 O requerimento de intervenção hierárquica, no prazo máximo de 40 dias após a
notificação do despacho de arquivamento (artigo 278.º, n.º 1 e 287º, n.º 1 do CPP); ou

33
Direito Processual Penal 2022/2023

 O requerimento de abertura de instrução (artigo 287.º, n.º 1, alínea b) do CPP).

O arguido, contrariamente ao assistente, só pode requerer a abertura de instrução em


caso de acusação (artigo 287.º, n.º 1, alínea a) do CPP), ou seja, não dispõe de qualquer meio
de reação ao arquivamento do MP e à situação de insegurança jurídica em que este o deixa
mergulhado.
Sob pena de inconstitucionalidade material do artigo 287.º, n.º 1, alínea a) do CPP, o
arguido deve poder apresentar RAI também perante o arquivamento do inquérito pelo MP (ao
menos no caso de arquivamento assertivo), a fim de tentar obter uma decisão de mérito de
não pronúncia que fará caso julgado material, impedindo a reabertura do inquérito.
Assim, não estando previsto o requerimento do arguido para abertura de instrução,
em caso de arquivamento, pois nos termos do artigo 287.º, n.º 1, alínea a) do CPP parece que
o arguido só pode requerer a abertura de instrução relativamente a factos pelos quais o
Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação
particular, tiverem deduzido acusação, ou seja, da letra retira-se que se existir arquivamento o
arguido não poderá fazer nada ficando num limbo porque pode existir reabertura do inquérito
e o Regente tem defendido que o arguido poderia requerer a abertura de instrução para obter
Despacho de não pronúncia, no entanto, também seria um risco pois o Juiz também
pronunciar-se, mas no regime legal deixa o arquivamento como se fosse uma espada para o
arguido até que passe o prazo de prescrição do procedimento criminal.
O Regente defende que o arguido tem o Direito de arquivamento do RAI porque, por
um lado, o TC no Acórdão n.º 7/87 condicionou a constitucionalidade da direção do inquérito à
possibilidade de controlo judicial – embora facultativo – das decisões tomadas pelo MP no
final do inquérito. Decisões que não são apenas de acusação, mas também de “arquivamento
à espera de melhor prova” contra o arguido; o princípio da plenitude das garantias de defesa
do processo penal, entre as quais se inclui o direito ao recurso em que materialmente se
traduz o RAI (artigo 32.º, n.º 1 da CRP); o arguido tem direito à definição da sua situação
jurídica no mais curto espaço de tempo compatível com as garantias de defesa (artigo 32.º, n.º
2 da CRP) e a tendencial igualdade de armas entre o MP e o arguido, que decorre do processo
de estrutura acusatória (artigo 32.º, n.º 5 da CRP), justo e equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP).
Igualdade que se começa a afirmar, com especial intensidade, precisamente a partir do final do
inquérito e na fase da instrução, no entanto, isto é uma construção totalmente teórica e
desaplicada da realidade.

Aula teórica – 14.10.2022

Instrução
A instrução é uma fase facultativa de controlo judicial da decisão de acusação ou de
arquivamento (artigo 286.º do CPP) e é dirigida por um Juiz de Instrução, assistido pelos OPC
(artigo 288.º, n.º 1 e 55.º, n.º 1 do CPP), exceto quando são atos pessoais que ele realiza que
são a inquirição de testemunhas e interrogatório do arguido.

34
Direito Processual Penal 2022/2023

Início da instrução
A instrução inicia-se com o Requerimento para Abertura da Instrução (RAI):
 Do arguido (artigo 287.º, n.º 1, alínea a) do CPP) havendo acusação, por entender que
não deve ser submetido a julgamento, por razões de facto ou de direito, ou para
restringir o objeto do processo;
 Do assistente (artigo 287.º, n.º 1, alínea b) do CPP) havendo arquivamento ou
acusação, se o procedimento não depender de acusação particular, e o assistente
entender que deve o arguido ser submetido a julgamento, por razões de facto ou de
direito, ou pretender alargar o objeto do processo no caso de alteração substancial
dos factos da acusação (artigo 1.º, alínea f) do CPP)

Situações polémicas referentes ao arguido


Discute-se se o arguido deve poder requerer a abertura da instrução só para discutir a
matéria de direito e o artigo 287.º do CPP não veda a possibilidade de o arguido discutir
apenas razões de direito. A alínea a) do n.º 1 do artigo 287.º do CPP só menciona a
possibilidade de abertura da instrução “relativamente a factos”, mas não é só a questão
probatória que se relaciona com os factos, é também a questão da qualificação jurídica e,
atualmente, nem sequer existe uma separação total das questões de facto e de Direito. Além
disso, se o assistente pode discordar da qualificação jurídica dos factos, então também tem de
existir um instrumento em que o arguido possa discutir questões de Direito.
Também se discute se o arguido pode requerer a abertura da instrução em caso de
arquivamento do inquérito, tendo em vista obter uma decisão de não pronúncia que faça caso
julgado material (artigo 308.º, n.º 1, in fine do CPP) pois o arquivamento do inquérito não lhe
garante a paz jurídica porque não faz caso julgado podendo o inquérito ser reaberto (artigo
279.º, n.º 1 do CPP), no entanto, existe o risco de obter um Despacho de pronúncia em vez de
não pronúncia.

Situações polémicas referentes ao assistente


Nos crimes públicos e semipúblicos:
 O assistente não pode requerer a abertura da instrução só com base em discordâncias
sobre a qualificação jurídica feita pelo MP, pois tem o mecanismo da acusação
subordinada ao seu alcance para esse efeito (artigo 284.º do CPP – o assistente pode
acusar ao lado do MP);
 O RAI do assistente só pode existir relativamente a factos que constituam uma
alteração substancial do objeto do processo, já não quanto a factos novos que
constituam uma alteração não substancial (artigo 284.º do CPP).
Nos crimes particulares não há RAI do assistente, pois a decisão de acusar ou não está nas
suas mãos (artigo 285.º do CPP).

Exemplo

35
Direito Processual Penal 2022/2023

O MP dá como provados factos que consubstanciam um crime de homicídio, no qual,


em seu entender, está verificada a circunstância da premeditação que consta da alínea i) do
n.º 2 do artigo 132.º do CP.
O assistente que quer acrescentar ao objeto do processo a circunstância do ódio
religioso no homicídio qualificado, nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º do CP deve
requerer a abertura da instrução (artigo 287.º, n.º 1, alínea b) do CPP) ou deduzir acusação
subordinada (artigo 284.º do CPP)?

Requisitos do RAI
 Legitimidade do arguido e assistente nos casos previstos (artigo 287.º, n.º 1, alínea a) e
b) do CPP);
 Prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento (artigo 287.º,
n.º 1 do CPP) [sobre a notificação da acusação ou do arquivamento – artigo 283.º, n.º
5 e 6 e 277.º, n.º 3 e 4 do CPP];
 Conteúdo – não obedece a formalidades especiais porém o objeto da instrução tem
que ser delimitado (artigo 287.º, n.º 2 do CPP), pelo que deve conter:
 Razões de facto e de Direito de discordância face à decisão final do inquérito; e
 Tratando-se do RAI do assistente deve conter ainda uma “acusação em sentido
material”, cumprindo os requisitos previstos no artigo 283.º, n.º 3, alínea b) e
c) ex vi artigo 287.º, n.º 2 do CPP.
 Representação judiciária (artigo 64.º e 70.º do CPP).

Rejeição do RAI
O RAI, em princípio, só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do
juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução (artigo 287.º, n.º 3 do CPP).

Convite ao aperfeiçoamento do RAI


O CPP não dispõe quanto ao convite de aperfeiçoamento nenhuma norma tratando-se
de uma lacuna que, porventura, carece de integração sendo possível no CPP através do artigo
4.º do CPP aplicando-se o regime do artigo 590.º, n.º 4 do CPC, mas discute-se se existem, ou
não, normas processuais penais materiais e, nesse caso, deve-se seguir o regime da proibição
de integração de lacunas por analogia.
Se o RAI não delimitar o objeto da instrução a Jurisprudência admite apenas convite ao
arguido, por constituir analogia in malam partem se aplicado ao assistente (conforme Acórdão
de fixação de jurisprudência do STJ n.º 7/2005 e Acórdão do TC n.º 175/2013), ou seja, se o
convite ao aperfeiçoamento fosse dirigido ao assistente poderia ser mau para o arguido, mas
se for dirigido ao arguido poderia fazer-se essa integração.

Atos de instrução
 Os atos que o requerente (arguido ou assistente) pretende que o Juiz de Instrução leve
a cabo, a análise dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e
dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar (finalidade da instrução).
Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas (artigo 287.º, n.º 2 do CPP);
 Os atos concretos que o Juiz entenda necessários sem ser a requerimento (artigo
288.º, n.º 4; 289.º, n.º 1 e 290.º, n.º 1 do CPP);

36
Direito Processual Penal 2022/2023

 Os atos repetidos e os atos novos (artigo 291.º, n.º 1 e 3 CPP).

Debate instrutório
O debate instrutório é obrigatório, oral, contraditório e público (artigo 289.º, n.º 1 do
CPP) e é conduzido pelo Juiz de Instrução e participam o MP, o arguido, o defensor, o
assistente e o seu advogado, mas não as partes civis.
O debate instrutório é semelhante a uma audiência de julgamento, mas tem a
finalidade do artigo 298.º do CPP (apreciar a bondade da decisão do inquérito).
No artigo 302.º e 305.º do CPP temos a tramitação do debate instrutório em que o Juiz
de Instrução:
 Faz uma exposição introdutória sobre os atos de instrução a que tiver procedido e
sobre as questões de prova relevantes para a decisão instrutória que apresentem
carácter controverso (artigo 302.º, n.º 1 do CPP);
 Dá a palavra aos restantes sujeitos processuais para requererem produção de prova
indiciária suplementar que se proponham apresentar ou requerer sobre pontos
concretos controversos (artigo 302.º, n.º 2 do CPP);
 Procede à eventual produção de prova suplementar (artigo 302.º, n.º 3 do CPP);
 Dá a palavra novamente aos sujeitos processuais para formularem as suas conclusões
sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios recolhidos e sobre questões de direito
de que dependa o sentido da decisão instrutória (artigo 302.º, n.º 4 CPP);
 Encerrado o debate, o Juiz de Instrução dita logo a decisão para a ata, salvo em causas
complexas, nas quais a decisão pode ser proferida no prazo de 10 dias (artigo 305.º,
n.º 1 do CPP);
 Do debate é lavrada ata, assinada pelo Juiz e pelo funcionário de justiça (artigo 305.º,
n.º 2 do CPP).

Fim da instrução (decisão instrutória)


A instrução também tem prazos de duração máxima, tal como o inquérito (artigo 306.º
do CPP) e encerrado o debate instrutório, o Juiz profere a decisão instrutória (artigo 307.º do
CPP) que pode ser de:
 Pronúncia (artigo 308.º, n.º 1, primeira parte do CPP) caso tenham sido recolhidos
indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação
ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança;
 Não pronúncia (artigo 308.º, n.º 1, segunda parte do CPP) caso não tenham sido
recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende
a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, ou havendo
procedência de questão processual, prévia ou incidental, que obste ao conhecimento
do mérito da causa;
 Arquivamento em caso de dispensa de pena (artigo 280.º, n.º 2 do CPP) com a
concordância do MP e do arguido, mas não do assistente – Não é o mesmo que a
dispensa de pena que se trata de uma decisão condenatória. É um arquivamento nos
casos em que seria possível e provar-se que existira dispensa de pena caso fosse para
julgamento;

37
Direito Processual Penal 2022/2023

 Suspensão provisória do processo (artigo 307.º, n.º 2 do CPP) com a concordância do


MP do arguido e do assistente.

Arguição de Nulidade da Decisão Instrutória


Quando o Juiz de Instrução lavra um despacho de pronúncia em que inclui factos que
constituem uma alteração substancial do objeto do processo, esse despacho é nulo:
 Esta nulidade é sanável, como consta do artigo 309.º, n.º 2 do CPP, porque tem de ser
“arguida no prazo de oito dias contados da data da notificação da decisão”;
 A arguição é para o Juiz de Instrução;
 O Juiz de Instrução pode deferir ou indeferir a reclamação;
 Se tivermos um despacho de indeferimento da arguição da nulidade, este sim, é um
despacho recorrível (artigo 399.º (regra geral dos recursos) e 310.º, n.º 3 do CPP).

Recurso da Decisão Instrutória


O despacho de pronúncia válido é recorrível quando incidir sobre factos que não
constam da acusação do MP. O artigo 310.º, n.º 1 do CPP é uma regra excecional, que admite
interpretação enunciativa à contrari: fora do caso previsto, o despacho de pronúncia válido é
recorrível. De resto, é a regra geral do artigo 399.º CPP. O despacho de não pronúncia é
recorrível nos termos gerais do artigo 399.º CPP.

NOTA: se o Despacho de pronúncia for nulo é irrecorrível porque a nulidade deve ser arguida e
o Juiz vai decidir se defere ou indefere a arguição de nulidade e se indeferir recorre-se do
indeferimento da nulidade (artigo 399.º e 310.º, n.º 3 do CPP). Se o Despacho de pronúncia for
válido (artigo 310.º, n.º 1 do CPP – norma excecional) só é recorrível se não houver uma dupla
conforme, ou seja, se existirem duas decisões de duas entidades judiciárias no mesmo sentido
não é recorrível.

Aula teórica – 17.10.2022

Direito ao confronto
Existindo uma acusação ou uma pronúncia passamos para a fase de julgamento que é
composta, essencialmente, por três subfases: 1. Atos preliminares e saneamento do processo,
portanto, uma fase muito inicial em que o que o Juiz vai fazer é apreciar a legalidade da
acusação ou da pronúncia que lhe chegou (esta fase é mais importante quando não existe a
fase de instrução pois essa fase serve precisamente para comprovar judicialmente a decisão e
acusar ou arquivar e quando não há essa fase de instrução, chega-se ao julgamento apenas
com a acusação do MP). Nesta fase são desenvolvidas algumas diligências, designadamente de

38
Direito Processual Penal 2022/2023

marcação de audiência, notificação do arguido para contestar, etc., no fundo, é uma fase
preparatória para ocorrer a subfase seguinte; 2. Audiência de julgamento (é a fase mais
importante) e está sujeita a alguns princípios, designadamente, o princípio do contraditório, o
princípio da concentração e da continuidade da audiência de julgamento (a ideia de que a
audiência deve ser marcada o mais rapidamente possível e as sessões devem ter pouco tempo
entre elas porque a produção e a apreciação de prova é tanto mais eficiente quanto menor for
o tempo que permeia cada uma das audiências que são agendadas) e o princípio da
publicidade da audiência sob pena de nulidade. Na audiência de julgamento temos a produção
de prova que é muito importante no processo penal (a prova rainha do processo penal é a
prova testemunhal e é nesta audiência que se ouvem as testemunhas e outras declarações
como as do arguido, assistente e partes civis) e é aqui que também pode acontecer a confissão
do arguido e, para os efeitos do artigo 344.º do CPP, tem de ocorrer na audiência de
julgamento, ou seja, se o arguido confessar em momento anterior e na audiência de
julgamento não o fizer isso não vale como declaração em termos técnicos e 3. Prolação de
uma decisão que pode ser condenatória ou absolutória (Inquérito  decisão de acusação ou
de arquivamento; Instrução  decisão de pronúncia ou não pronúncia). A Sentença deverá ser
dividida em três partes: 1. Relatório em que temos a identificação do arguido, assistente e
partes civis, qual é que foi o crime imputado ao arguido e a posição assumido pelo arguido no
processo; 2. Fundamentação em que temos a enumeração dos factos que são dados como
provados e não provados e a exposição dos motivos de facto e de Direito que servem de base
à decisão que será tomada 3. Dispositivo que contém, essencialmente, a decisão propriamente
dita e as normas jurídicas que são aplicáveis aquela decisão.
O Direito ao confronto é um Direito que não existe propriamente no nosso
ordenamento jurídico, mas que é possível estabelecer algum paralelismo com algumas normas
que temos. O Direito ao confronto surgiu nos EUA e não tendo uma correspondência exata
com o nosso ordenamento há uma norma que usualmente é imediatamente convocada
quando falamos de Direito ao confronto que consta no artigo 355.º do CPP que dispõe que não
podem servir de fundamentação à decisão quaisquer provas que não tiverem sido produzidas
ou examinadas em audiência (o Juiz não pode utilizar na sua fundamentação não pode utilizar
essas provas), salvo provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição
em audiência sejam permitidas, nos termos do artigo 356.º e 357.º do CPP.
O artigo 356.º do CPP fala acerca da reprodução ou leitura permitida em audiência e
este artigo só se aplica aos casos em que não existem declarações do arguido, ou seja, sempre
que um auto tiver declarações do arguido nunca se pode aplicar o regime deste artigo, mas
sempre e só o do artigo 357.º do CPP. No artigo 356.º, n.º 2 do CPP temos os casos em que a
leitura de declarações do assistente, das partes civis e de testemunhas são permitidas em que
na alínea a) temos as declarações para memória futura (artigo 271.º e 294.º do CPP); na alínea
b) temos o acordo entre os sujeitos processuais em que determinados autos ou declarações
sejam lidas e na alínea c) temos as declarações obtidas mediante rogatórias (dirigida a
autoridades estrangeiras) ou precatórias (dirigida aos Tribunais ou autoridades portuguesas)
legalmente permitidas e o STJ e o TEDH têm vindo a entender que podem ser estas
declarações desde que tenha existido respeito pelo princípio do contraditório.
O artigo 355.º do CPP consagra uma ideia de garantia de defesa estando subjacente a
ideia de que o arguido tem de ter oportunidade de ver as provas a serem produzidas perante o
julgador sob pena deste não as poder valorar, mas a verdade é que o TC, nomeadamente no
Acórdão 1052/96, já entendeu que o artigo 355.º do CPP acaba por ser uma garantia da

39
Direito Processual Penal 2022/2023

própria sentença e esta acaba por ser diferença relevante que existe relativamente ao Direito
ao confronto.
Por outro lado, este princípio da imediação não abrange prova documental ou outros
meios de prova que sejam obtido como, por exemplo, perícias, exames, etc. o que significa que
se houver 1000 documentos juntos ao processo para eu respeitar o princípio da imediação não
tenho de estar a analisar em audiência de julgamentos os 1000 docuemntos, assim, o que o
legislador entendeu é que as garantias de defesa não são postas em causa se eu não analisar
aqueles documentos em audiência de julgamento porque elas já constam no processo e, por
isso, a defesa tem a oportunidade de posteriormente suscitar questões relativas à
admissibilidade ou veracidade daqueles documentos juntos ao processo daí não existir a
necessidade de analisar documento a documento na audiência de julgamentos para efeitos de
se valorar aquela prova na decisão final.
O artigo 6.º da CEDH consagra o princípio do processo equitativo e no n.º 3, alínea d)
vem dispor que o acusado (para nós é arguido) tem o Direito de interrogar ou fazer interrogar
as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de
defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação e, portanto, na CEDH temos
plasmado de forma mais evidente, relativamente ao que temos no nosso ordenamento
jurídico, deste Direito ao confronto que está disperso no nosso Código, mas não há nenhuma
disposição que preveja especicamente este Direito a convocar e interrogar as testemunhas.
O TEDH, nos casos Al-Khawaja e Tahery contra Reino Unido, de 15 de dezembro de
2011, estabeleceu alguns critérios para a utilização de declarações de testemunhas obtidas
anteriormente ao julgamento, tais como:
i. Se é necessário admitir tais declarações em cada caso;
ii. Não serem tais declarações a única ou decisiva prova para a condenação – juízo de
concatenação entre a necessidade de ter aquela prova, mas não se pode
necessitar assim tanto, ou seja, tem de se necessitar mais numa lógica
prorrogativa e não numa lógica de essencialidade ou de fundamentalidade porque
se só for possível fundamentar a condenação naquela prova específica ela não
pode ser admitida;
iii. Se existiam mecanismos de proporcionalidade, incluindo garantias processuais que
assegurassem um julgamento justo e equitativo, como um todo conforme o artigo
6.º, n.º 1 e n.º 3, d), CEDH.
Assim, o TEDH acabou por estabelecer um critério de que a ausência de controlo não
prejudica necessariamente a existência de um processo justo e equitativo se, no caso concreto,
existirem as tais medidas que permitem que essas declarações sejam utilizadas,
designadamente, a credibilidade da declaração da testemunha.
O Direito ao confronto foi positivado na sexta adenda à Constituição Norte Americana
onde se dispõe que em todas as ações penais, o acusado terá o direito a ser confrontado com
as testemunhas apresentadas contra si, portanto, aqui temos a positivação do Direito ao
confronto que é um Direito que, no fundo, encerra em si mesmo um fecho de Direitos (os
Direitos compreendidos neste Direito ao confronto são (i) a produção da prova testemunhal
em audiência pública; (ii) a presenciar a produção da prova testemunhal (salvo justificações
plausíveis); (iii) a produção da prova testemunhal na presença do julgador do mérito da causa
(princípio da imediação – a ideia de quem vai julgar o mérito da causa deve ter um contacto
direito com a prova); (iv) a imposição às testemunhas do juramento de dizer a verdade; (v) a
desvendar a verdadeira identidade das testemunhas; (vi) a inquirição das fontes de prova
testemunhal desfavoráveis, no momento da sua produção (mais ligado ao Direito ao

40
Direito Processual Penal 2022/2023

confronto)) e, portanto, o que se pretende garantir é não só a verossimilhança dos


testemunhos, mas, sobretudo, uma defesa eficaz por parte do arguido.
Quando se fala em Direito ao confronto é, muitas vezes, convocada a Hearsay rule que,
nos termos do Direito norte americano, inclui qualquer declaração que seja proferida fora da
audiência de julgamento e está muito subjacente a ideia de que são declarações proferidas
sem que a pessoa em causa não esteja sob juramento existindo uma relevância diferente
porque,por exemplo, quando se diz que o A disse que o B disse que fez não se está a atestar
que se viu ou ouvi, mas sim o que uma pessoa disse que viu ou ouviu, portanto, não se pode
estar a dar como verdadeiro aquele facto porque não está sob juramento. O que está aqui em
causa é uma proibição genérica de se admitirem declarações que foram produzidas fora do
julgamento como provas, portanto, é uma exclusionary rule que são no fundo situações em
que não se pode valorar aquela prova contendo, porém, diversas exceções que por serem
tantas acabam por ser mais regras.
O caso Crawford v. Washington foi muito importante na análise do Direito ao confronto
porque o Supremo Tribunal alterou a sua orientação quanto à aplicação deste Direito ao
confronto passando a entender que é obrigatório que tenha sempre existido uma cross-
examination para que a prova seja utilizada e, neste caso, havia uma suposta tentativa de
agressão de um tipo (C) à mulher (A) de outro tipo (B) e estava a mulher (A) do tipo com o
terceiro (C) e o marido bateu no suposto agressor invocando legítima defesa porque viu que
ele estava com uma arma. O marido foi ouvido separadamente da mulher e esta diz que não
viu arma nenhuma. Em sede de julgamento a mulher não quis depor e a acusação quis utilizar
as declarações proferidas anteriormente tendo sido aceite, mas na 2.ª instância reverteu-se a
o Supremo Tribunal acabou por entender que, neste caso, aquela prova não podia ser
aproveitada porque não tinha havida o tal confronto. Nos Acórdãos anteriores aceitaram
aquela prova porque até este caso o precedente que vigorava era que o que era exigido era,
além de a testemunha não poder estar presente ou recusar-se, que o depoimento fosse em
princípio credível (presunção de credibilidade) e o que se entendeu neste caso é que isso não
bastava sendo preciso que aquela pessoa, em algum momento, ainda que antes do
julgamento, pudesse ter tido Direito ao confronto, portanto, o acusado não tendo tido em
momento nenhum Direito ao confronto por mais credíveis que aquelas declarações pudessem
ser não poderiam ser utilizadas existindo, neste caso, um reforço muito grande do Direito ao
confronto acabando por se introduzir a questão de saber o que é uma prova com natureza
testemunhal porque só as provas de natureza testemunhal é que estão sujeitas a este Direito
ao confronto.
Mais à frente, no Acórdão Davis v. Washington, introduziram-se alguns critérios para se
saber se é testemunhal, ou não, e o que foi entendido foi que se aquelas declarações tivessem
como propósito a prova de determinado facto seriam testemunhais, se não seriam não
testemunhais como, por exemplo, A presencia uma agressão e liga para a polícia fazendo todo
o relato do sucedido e a pedir ajuda e essas declarações não estão sujeitas ao Direito ao
confronto porque não têm natureza testemunhal porque quando foram proferidas não foi
para servirem de prova, mas sim para pedir ajuda numa situação de emergência.
É muito difícil de transpor conceitos de common law para civil law pois estão pensados
para parâmetros totalmente diferentes e quando falamos no Direito ao confronto os dois
principais princípios que surgem é o da imediação e da oralidade, porém há uma diferença
relevante que é o de na imediação e na oralidade o que está em causa é a relação entre o
órgão julgador e a as provas para que ele forme a sua livre convicção da forma mais livre
possível, ao passo que na tradição anglo-americana o que está predominantemente em causa

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Direito Processual Penal 2022/2023

é a relação entre a defesa (acusado) e a testemunha para poder contrainterrogar. Por outro
lado, o Direito ao confronto no sistema americano serve essencialmente para garantir o Direito
ao contrainterrogatório, mas o contrainterrogatório é um Direito de todos os sujeitos
processuais ao passo que o Direito ao confronto é exclusivamente do acusado. Por outro lado,
o contraditório da tradição europeia continental assemelha-se à promoção do Direito ao
confronto, mas o contraditório é de todos os sujeitos processuais e o contraditório não é
necessariamente contrainterrogatório.
Por sua vez, na tradição jurídica matriz anglo americana a acusação e a defesa podem
dirigir perguntas específicas diretas às testemunhas que indicaram cabendo à outra parte
contrainterrogar (cross-examine) diretamente as testemunhas que não indicaram e na matriz
continental europeia não está excluída a possibilidade de o Juiz intervir na inquirição das
testemunhas, ao abrigo dos seus próprios poderes de investigação, embora também se
pratique a inquirição direta pela acusação e pela defesa e o contraditório, no sentido de
contrainterrogatório (o normal é que seja o Advogado a fazer diretamente as perguntas às
testemunhas podendo o Juiz pedir esclarecimentos no exercício de investigação ou pode ele
próprio fazer as perguntas às testemunhas).
Concluindo, não podemos fazer equiparações funcionais plenas entre os dois modelos de
Direito pois é não fácil e os modelos apresentam diferenças assinaláveis, daí a importação
muitas vezes de conceitos anglo saxónicos para o nosso Direito ser feito com cautela, mas seria
interessante valorizar o Direito ao confronto também entre nós enquanto Direito autónomo
do princípio da imediação e da oralidade enquanto Direito do arguido de confrontar as
testemunhas que contra si são indicadas.

Aula teórica – 21.10.2022

As declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento


Este é um aspeto concreto da audiência de julgamento que influencia a Sentença e o
CPP autonomiza a prova que tem como fonte o arguido (declarações do arguido)
relativamente à prova testemunhal (depoimento das testemunhas) em sentido amplo.

O arguido como fonte de prova


No estatuto do arguido como fonte de prova processual ressaltam duas marcas distintivas:
1. A proteção do arguido contra a autoincriminação, ainda que voluntária (ninguém é
obrigado a autoincriminar-se, ou seja, o arguido pode querer confessar, mas não é
obrigado a isso tal como não é obrigado a ter nenhuma atitude que leve à sua
autoincriminação seja ela através de declarações ou de comportamentos);
2. A responsabilização do Juiz pelo interrogatório do arguido, ou seja, o Juiz deve garantir
a realização do interrogatório do arguido.

Declarações anteriores
As declarações processuais do arguido prestadas antes do julgamento constituem uma
oportunidade de audição e defesa concedida ao arguido antes da acusação, mas nada obsta a
que possam servir de meio de investigação e de informação estratégica dos sujeitos
processuais.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Antes de 2013
Artigo 357.º
Reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido
1. A leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida:
a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual
tiverem sido prestadas; ou
b) Quando, tendo sido feitas perante o juiz, houver contradições ou discrepâncias entre
elas e as feitas em audiência.
2. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 a 9 do artigo anterior.

A reprodução em audiência das anteriores declarações processuais do arguido apenas


era admitida por sua própria solicitação ou quando, tendo sido feitas perante o Juiz, houvesse
“contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência”, conforme era referido no
artigo 357.º, n.º 1 do CPP (antes de 2007: “discrepâncias sensíveis que não possam ser
esclarecidas de outro modo”), ou seja, a pedido do arguido (artigo 357.º, n.º 1, alínea a) do
CPP) a solicitação expressa do arguido quaisquer declarações prestadas pelo arguido
anteriormente podem ser lidas ou reproduzidas e valoradas porque se é o arguido a pedir a
sua valoração não há nenhum Direito que exista a acautelar. Se não fosse a pedido expresso
do arguido a regra vigente era que só podia ser valorada as declarações prestadas pelo arguido
anteriormente se, por um lado, houvesse declarações anteriores prestadas perante Juiz
ficando de fora as declarações prestadas perante o MP e OPC e, por outro lado, quando essas
declarações prestadas perante Juiz resultasse a tal contradição ou discrepância com as
produzidas em audiência e a razão de ser do regime até 2013 tinha a ver com a imparcialidade
e o Direito ao silêncio.

Imparcialidade
A solução legal impunha que as declarações processuais do arguido, em princípio, não
pudessem ser valoradas no julgamento, carecendo de ser renovadas ou produzidas de novo
nesta fase perante o juiz, para que este pudesse formar a sua convicção independentemente
da investigação criminal, com total imparcialidade.

Direito ao silêncio
Este princípio, que se aplica aos depoimentos das testemunhas, às acareações e aos
reconhecimentos, deve igualmente valer para as declarações do arguido, aliás por maioria de
razão, se considerarmos que este goza do Direito ao silêncio e pode não querer produzir
quaisquer declarações na audiência de julgamento.

Lei n.º 20/2013


A Lei n.º 20/2013 alterou significativamente o regime das declarações anteriores ao
julgamento, regulado nos artigos 356.º e 357.º do CPP, em especial, a reprodução ou leitura
permitidas de declarações do arguido (357.º do CPP).

Depois de 2013
Artigo 357.º

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Direito Processual Penal 2022/2023

Reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido


1. A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no
processo só é permitida:
a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual
tiverem sido prestadas; ou
b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de
defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto
na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º.
2. As declarações anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas em
audiência não valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344.º.

Artigo 141.º
Primeiro interrogatório judicial de arguido detido
4. Seguidamente, o juiz informa o arguido:
a) [...];
b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser
utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste
declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da
prova.

Para a alínea b) operar as declarações têm de ser prestadas perante MP ou Juiz de


Instrução sendo mais amplo do que o mesmo artigo anterior a 2013, assim, as que são
prestadas perante OPC não podem ser lidas ou reproduzidas sem ser a pedido do arguido. O
segundo requisito é ter assistência do defensor pois qualquer interrogatório de arguido por
qualquer autoridade judiciária é obrigatória assistência do defensor (artigo 64.º, n.º 1, alínea
b) do CPP). o terceiro requisito é que o arguido, aquando desse interrogatório pré audiência de
julgamento (no inquérito ou instrução) tem de ser informado expressamente nos termos do
artigo 141.º, n.º 4, alínea b) do CPP, isto é, de que tem Direito ao silêncio e que, abdicando
desse Direito, poderá prestar as declarações que pretender sobre o objeto, porém, é advertido
que aquilo que disser poderá ser usado, mesmo no silêncio do mesmo no futuro,
nomeadamente, na audiência de julgamento desde que sejam prestadas validamente perante
o MP ou Juiz de Instrução. Ainda existe outro requisito que se encontra no artigo 141.º, n.º 7
do CPP que é o registo das declarações em áudio ou audiovisual para que o Juiz de julgamento
possa ouvir/ver (o referido quanto ao Juiz vale também para o interrogatório por MP – artigo
143.º do CPP com remissão para o artigo 141.º do CPP).

Estrutura acusatória
Para o Regente a alteração legislativa de 2013 põe em crise a estrutura acusatória do
processo penal porque compromete a imparcialidade do Juiz pois fica de alguma maneira
comprometido por um juízo feito por terceiros. Do mesmo passo, ameaça um conjunto de
princípios congruentes, desde a igualdade de armas, passando pelo Direito ao silêncio, até à
oralidade e à imediação.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Redução de garantias
O Regente também defende que existe redução de garantias pois o arguido pode ficar
limitado nas suas garantias de defesa, pois saberá que, se falar durante os interrogatórios,
tudo o que disser poderá ser usado contra si em julgamento, o que pode retirar-lhe qualquer
vantagem de tentar esclarecer o seu envolvimento nos factos em curso de investigação. Tal
redunda numa restrição do seu Direito de audiência e defesa em geral, nomeadamente, a
possibilidade do arguido poder utilizar as declarações prévias ao julgamento para explicar
como meio para justificar o seu comportamento levando à antecipação do silêncio o que leva a
um problema na eficácia.

Antecipação do silêncio
Não está demonstrado que o sacrifício dos princípios possa ser compensado por
ganhos de eficácia no processo penal. Pelo contrário, é provável que a alteração legislativa
possa desencadear, na prática, a reação do arguido de antecipar o silêncio para uma fase
anterior ao julgamento, retirando assim à investigação criminal um importante instrumento de
recolha de informação para o esclarecimento da verdade material.

NOTA: A nossa alteração legislativa parece ser melhor, mas, provavelmente, não coincide com
nenhum efeito benéfico porque, do ponto de vista da investigação, os arguidos sabendo que
tudo o que disserem pode ser usado contra eles passaram a antecipar o silêncio.

Provas repetíveis
Para o Regente o reforço da estrutura acusatória do processo penal português deveria
passar antes pela adoção de um sistema inspirado no modelo italiano de desentranhamento
das provas repetíveis dos autos que seguem para a fase de julgamento. Designadamente,
desentranhamento das declarações processuais de arguido anteriores ao julgamento. Assim,
defende a criação de duas partes do processo em que a primeira parte seria todo o processo
até à audiência de julgamento e o que é necessário na audiência de julgamento seria,
basicamente, a acusação e o julgamento só com base na acusação e nas chamadas provas
irrepetíveis, ou seja, aquelas que não se podem mesmo repetir como, por exemplo, a autópsia.
Já as provas repetíveis são do conhecimento do MP e de todos os sujeitos, mas não são do
conhecimento do Juiz de julgamento para garantir a imparcialidade deste. No Direito italiano
as provas repetíveis não podem ir para o Juiz de julgamento ficando este como tábua rasa
garantindo-se a imparcialidade e imediação total em que tudo o que possa ser repetido é
desentranhado do processo ficando no fascículo preliminar que não é sujeito a julgamento.
A posição do Regente defende esta estrutura deve-se ao facto de considerar
inconstitucional o artigo 357.º, n.º 1, alínea b) do CPP tal como está por violação do princípio
das garantias de defesa do arguido e, sobretudo, da estrutura acusatória pois
constitucionalmente está garantida a estrutura acusatória em que a entidade que julga tem de
ser independente da entidade que investiga, mas a partir do momento em Juiz de julgamento
está condicionado a usar provas prestadas perante a entidade que investiga deixa de existir a
separação total de quem julga e quem investiga. Este juízo de inconstitucionalidade implica a
repristinação do regime anterior a 2013 pois numa posição como a do Regente só é conforme
à CRP as declarações prestadas em fase anterior ao julgamento se estiverem verificadas as

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Direito Processual Penal 2022/2023

condições do regime anterior a 2013 (1. Que o arguido não use o Direito ao silêncio; 2.
Existência de discrepâncias e 3. Que tenham sido prestadas perante o Juiz de Instrução).

Modelo italiano
O Direito italiano consagra a separação, na audiência preliminar (udienza preliminare),
dos autos destinados ao julgamento (fascicolo per il dibattimento), nos termos do artigo 431.º
do CPP, relativamente aos autos do Ministério Público (fascicolo del pubblico ministero), nos
termos do artigo 433.º do CPP. Os autos do Ministério Público são conhecidos das partes, mas
não do Juiz de julgamento, a fim de garantir a imparcialidade do último.

Estrutura da Sentença penal


A fase de julgamento tem três fases: 1. Saneamento em que o Juiz de julgamento
aprecia se a acusação ou a pronúncia se podem ser seguidas ou se, pelo contrário, há questões
prévias que impedem conhecimento e atuação do julgado e, se nada obstar, o Tribunal marca
a audiência de julgamento tendo o arguido o Direito de oferecer a prova; 2. Audiência de
julgamento que consiste na apresentação da prova e no debate da mesma e 3. Sentença em
que o Tribunal elabora a Sentença.

Dever de fundamentação
O dever de fundamentação da sentença é uma garantia de um julgamento equitativo
(fair trial), como tem sido afirmado pelo TEDH, por exemplo, nos casos Hadjianastassiou v.
Greece, Acórdão do TEDH de 16.12.1992 (Queixa n.º 12945/87) (1992) e Salov v. Ucrânia,
Acórdão do TEDH de 06.09.2005 (65518/01) (2005), entre outros, isto é, não é aceitável que
uma Sentença condenatória possa não conter os elementos necessários a que qualquer
destinatário compreenda em como se chegou aquela decisão, ou seja, é necessário conter a
fundamentação para que qualquer pessoa estranha ao processo ao ler consiga seguir um
método racional utilizado pelo julgador para chegar aquela decisão e a estruturada própria
Sentença assegura essa ideia porque a fundamentação é a parte mais importante porque é
nessa parte que o Juiz tem de sustentar as razões que podem ser cognoscíveis por um terceiro
incluindo o Juiz de recurso, ou seja, a fundamentação tem de ser tão exata que permita a
quem esteja a rever a decisão também consiga fazer uma repetição do percurso do Juiz de 1.ª
instância (artigo 374.º do CPP).
Na fundamentação da Sentença penal, o julgador (i) enumera os factos provados e não
provados; (ii) expõe completamente, mas de maneira concisa, os motivos de facto e de direito
que justificaram a decisão e (iii) indica, examinando-as criticamente, as provas que serviram
para formar a convicção do Tribunal.

Questão de facto e questão de direito


No artigo 368.º do CPP temos a questão de culpabilidade – responsabilidade – e
dentro desta existe a matéria de facto e a matéria de Direito e, havendo responsabilidade,
temos a determinação da sanção (artigo 369.º do CPP) o que significa que uma Sentença nunca
poderá começar com a aplicação da sanção ao arguido pois isso terá de ser a última coisa. Na
estrutura, primeiro, terá que se demonstrar os fatos provados e não provados; as razoes de
facto do exame crítico da prova; questões de Direito, isto é, face aos factos dados como

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Direito Processual Penal 2022/2023

provados quais são os elementos do típico que estão preenchidos e, estando preenchidos
totalmente, o arguido deve ser condenado fazendo, então a dosimetria da sanção e do tipo de
sanção e tudo isto assenta numa distinção entre factos e Direito.
Uma terminologia desde há muito consolidada no domínio processual chama questões
de direito às conclusões suscetíveis de reexame por um tribunal de revista com poderes de
cassação ou de substituição da sentença recorrida e questões de facto àquelas que não são
reexamináveis, no entanto, não há uma distinção entre a questão de facto e a questão de
direito não implica que haja uma separação entre conceitos fácticos pré-jurídicos e conceitos
jurídicos e o Professor Castanheira Neves defendia que a distinção entre factos e Direito dava
jeito para efeitos de recurso de revista em que a matéria de facto assente no primeiro Tribunal
não admite recurso perante outro Tribunal, a não ser que a matéria de facto seja
manifestamente contraditória. A revista fica assim limitada aos vícios de legalidade, seja por
verificação de alguma nulidade, seja por desaplicação ou por incorreta aplicação de normas
jurídicas, por exemplo, o conceito de dolo eventual é seguramente um conceito jurídico, ainda
que tenha de ser preenchido com factos e a decisão sobre o dolo eventual revelado pelo
agente, ora arguido, durante a prática do facto punível é da competência exclusiva das
instâncias não porque a questão não seja jurídica, mas porque se entende que o tribunal de
revista não deve revisitar a prova dos factos.

Estrutura da Sentença penal


A estrutura da sentença contém o relatório, a fundamentação e o dispositivo.

Artigo 374.º
(Requisitos da sentença)
1. A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c) A indicação do destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime,
com expressa menção das disposições legais aplicadas;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido
apresentada.
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos
provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível
completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a
decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a
convicção do tribunal.
3. A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime, com
expressa menção das disposições legais aplicadas;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.

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Direito Processual Penal 2022/2023

4. A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas


Processuais em matéria de custas.

No CPP italiano, nos requisitos da Sentença, obriga o Tribunal à «exposição concisa dos
motivos de facto e de direito sobre os quais se fundou a decisão, com a indicação das provas
utilizadas na própria decisão e a enunciação das razões pelas quais o Juiz considera não
atendíveis as provas contrárias», no fundo, não só tem de dizer porque é que ignorou a prova
como tem de demonstrar não acredita naquela prova, em bom rigor, é o exame crítico da
prova.

Comparação com a acusação


A acusação (artigo 283.º do CPP) tem menor exigência do que uma Sentença pis não
tem uma exigência de fundamentação ao mesmo nível que tem a exigência de uma Sentença,
desde logo, o exame critico das provas não é exigido.

Comparação com a pronúncia


A pronúncia (artigo 307.º do CCP), em bom rigor, é uma acusação só que feita pelo
Juiz, logo, tem menor exigência do que uma Sentença.

Aula teórica – 24.10.2022

Os processos especiais
Existem três formas especiais de processo penal:
 Sumário (artigo 381.º e seguintes do CPP);
 Abreviado (artigo 391.º-A e seguintes do CPP);
 Sumaríssimo (artigo 392.º e seguintes do CPP).

São meios de aceleração processual com simplificação da tramitação, mediante a


verificação de circunstâncias legalmente descritas que apontam para a desnecessidade da
forma de processo comum. São de aplicabilidade limitada pelo tipo de crime ou pelo limite
máximo da pena legal e dependente de circunstâncias específicas: detenção em flagrante
delito (sumário); especial simplicidade da prova (abreviado) e consenso quanto à pena a
aplicar (sumaríssimo) o que há de comum entre os três é que são processos rápidos e
simplificadas, mas a criação de cada um deles tem uma ideia própria.

Caraterísticas
 Todos eles são formas mais céleres e não há instrução nos processos especiais (artigo
286.º, n.º 3 do CPP) e, eventualmente, não haverá o inquérito pois pode ser suprimido
e o julgamento é acelerado;
 São subsidiariamente aplicáveis as regras do processo comum (artigo 386.º, n.º 1 e
391.º-E do CPP);
 São prioritários relativamente à forma de processo comum (subsidiário) que
consubstancia um direito do arguido à forma especial do processo.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Prioridade
 A não verificação dos pressupostos legais da forma especial obriga à aplicação
subsidiária do processo comum (forma aplicável em todos os casos em que a lei não
imponha o processo comum), sob pena de nulidade insanável (artigo 119.º, alínea f)
do CPP);
 O emprego indevido da forma de processo comum é cominado com nulidade sanável e
dependente de arguição, mais solene, quando a lei determine a aplicação de processo
especial (artigo 120.º, n.º 2, alínea a) do CPP).

NOTA: As nulidades processuais podem ser insanáveis (artigo 119.º do CPP) conhecida a todo
o tempo sanando-se com o transito em julgado e é de conhecimento oficioso e sanáveis (artigo
120.º do CPP) que carecem de ser arguidas sob pena de se convalidarem passado determinado
tempo e quando a Lei não qualifique a nulidade entende-se que é dependente de remissão.

Processo sumário
Requisitos cumulativos
1. Detenção em flagrante delito em qualquer modalidade (artigo 381.º, n.º 1, alínea a) ou
b) do CPP);
2. Punível com pena de prisão e não apenas com multa;
3. Efetuada por entidade policial (artigo 255.º, n.º 1, alínea a) do CPP), autoridade
judiciária ou particular e, neste caso desde que tenha sido lavrado auto sumário de
entrega do detido até 2h após a detenção (artigo 255.º, n.º 1, alínea b) e 381.º, n.º 1,
alínea b) do CPP);
4. Competência do tribunal singular.
NOTA: Não se aplica a crimes particulares (artigo 255.º, n.º 4 do CPP), pois não há detenção
em flagrante delito por crimes particulares, mas apenas identificação do suspeito (artigo 250.º
do CPP).

Detenção em flagrante delito


No artigo 254.º do CPP temos as finalidades da detenção em flagrante delito, entre
elas, o julgamento sob a forma sumária.
Existem três modalidades de detenção em flagrante delito:
a) Stricto sensu (artigo 256.º, n.º 1, 1.ª parte do CPP) – corresponde à prática de atos de
execução em curso tal como definidos no artigo 22.º, n.º 2 do CP = plena atualidade e
“visibilidade"/perceção por quaisquer sentidos;
b) Quase flagrante delito (artigo 256.º, n.º 1, 2.ª parte do CPP) – logo após o termo da
execução (tem de haver uma ligação fáctica e temporal com a comissão do crime);
c) Presunção de flagrante delito (artigo 256.º, n.º 2 do CPP) – o agente for, logo após o
crime (Acórdão do TRP, de 01.02.2012, Proc. 1947/11.4JAPRT-B.P1), perseguido por
qualquer pessoa ou encontrado com objetos ou sinais que mostrem claramente que
acabou de o cometer ou de nele participar.
NOTA: Todas estas modalidades cumprem o requisito do processo sumário porque o artigo
381.º do CPP não distingue dizendo apenas que tem de haver detenção.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Casos especiais
 Crime permanente (artigo 256.º, n.º 3 do CCP – executa-se imediatamente, mas a
consumação perdura no tempo) – visibilidade da prática do crime e do envolvimento
do agente  só flagrante delito stricto sensu.

Dificuldades
 Crimes que careçam de prova pericial: v.g., tráfico de estupefacientes. Antes da prova
pericial pode haver lugar à detenção em flagrante delito? Sim (artigo 387.º, n.º 7 e 8 e
389.º, n.º 4 do CPP).
A detenção em flagrante delito não serve só para julgar o detido em processo sumário,
tendo outras finalidades como o artigo 254.º, n.º 1, alínea a) do CPP.

Crime punível com pena de prisão


 Crime de natureza pública ou semipública, desde que a queixa seja apresentada em
ato seguido à detenção  os crimes particulares não admitem detenção em flagrante
delito;
 Crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos;
 Ou superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso efetivo, se o MP entender ser
aplicável pena até 5 anos, desde que seja inferior a 5 anos a pena mínima abstrata do
crime mais grave em concurso.
 O atual artigo 381.º, n.º 2 do CPP é paralelo ao artigo 16.º, n.º 3 do CPP, mas só para
casos do artigo 14.º, n.º 2, alínea b) do CPP.

Jurisprudência obrigatória
Acórdão Tribunal Constitucional n.º 174/2014, DR, I Série de 13-03-2014:
«Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 381.º, n.º 1,
do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro,
na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena
máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do art. 32.º/1
e 2 CRP», ou seja, o TC declarou que este limite não é conforme às garantias do processo penal
porque «Como o Tribunal Constitucional tem reconhecido, o julgamento através do tribunal
singular oferece ao arguido menores garantias do que um julgamento em tribunal coletivo,
porque aumenta a margem de erro na apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão
menos justa (entre outros, os acórdãos n.ºs 393/89 e 326/90). É desde logo a maior abertura
que a intervenção de órgão colegial naturalmente propicia à ponderação e discussão de
aspetos jurídicos e de análise da prova que permite potenciar uma maior qualidade de decisão
por confronto com aquelas outras situações em que haja lugar ao julgamento por juiz singular»
e ainda «Não subsiste motivo para que, em caso de flagrante delito, o recurso ao processo
sumário se não mantenha dentro do limite abstrato máximo de competência do juiz singular
quando intervenha em processo comum. Ainda que não haja obstáculo a que o âmbito de
aplicação do processo sumário se estenda aos casos em que a pena a aplicar em concreto não
deva ultrapassar os cinco anos por via do funcionamento de um mecanismo equivalente ao

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Direito Processual Penal 2022/2023

previsto no artigo 16.º, n.º 3, do CPP, que o Tribunal considerou já não ser inconstitucional
(acórdão n.º 296/90)».

Detenção
 Entidade policial ou autoridade judiciária – poder/dever de detenção (artigo 255.º, n.º
1, alínea a) do CPP); ou
 Particular, em caso de impossibilidade de recurso em tempo útil à força pública –
poder/direito de detenção (artigo 255.º, n.º 1, alínea b) do CPP) com dever de entregar
imediatamente o detido a uma das entidades da alínea a), que tem de lavrar auto
sumário da entrega e comunicar ao MP (artigo 255.º, n.º 2 e 259.º, alínea b) do CPP).

Prazos
 O Julgamento deve iniciar-se até 48h (artigo 387.º, n.º 1 do CPP) ou até 20 dias após a
detenção (artigo 387.º, n.º 2, alínea c) do CPP). Se não for respeitado o prazo (artigo
390.º, n.º 1, alínea b) do CPP) dá lugar a reenvio do processo para outra forma, mas o
MP decide qual a nova forma (artigo 390.º, n.º 2 do CPP).

Questão
Qual a invalidade decorrente da preterição do prazo?
 Nulidade insanável (artigo 119.º, alínea f) do CPP)?
 Mera irregularidade (artigo 118.º, n.º 2 e 123.º do CPP)?
 Ou prazo meramente ordenador?
Segundo o Acórdão do TRE de 30/06/2015, proc. n.º 267/10.6GTABF.E1 (Relatora: Isabel
Duarte) «Impõe-se discernir entre os requisitos essenciais do processo sumário, expressos no
art. 381.º do C.P.P., e as meras regras de marcação de audiência, expressas no art. 387.º, 2 - As
consequências do seu incumprimento são diferentes. O incumprimento dos primeiros origina
nulidade insanável, prevista no art. 119.º al. f), do citado CPP. O incumprimento do disposto no
art. 387.º, n.ºs 1 e 2, constitui mera irregularidade».

Competência do tribunal singular


 Não ser crime da competência do tribunal coletivo por reserva de competência
qualitativa (artigo 14.º, n.º 2, alínea a) e 14.º, n.º 1 do CPP), ou seja, tratar-se de crime
da competência do tribunal singular (artigos 16.º conjugado com o artigo 390.º, n.º 2
do CPP), conforme Acórdão do TC n.º 174/2014.

Decisão do MP

 A decisão sobre a forma sumária compete ao MP;


 Não há inquérito, mas pode haver diligências de prova cuja realização terá de respeitar
os prazos para o julgamento em processo sumário (artigo 382.º, n.º 5 do CPP);
 Também compete ao MP a decisão sobre a promoção de medidas previstas nos artigo
280.º ou 281.º, ex vi artigo 384.º: arquivamento em caso de dispensa de pena ou
suspensão provisória do processo, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do
assistente.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Questão
Podendo a suspensão provisória do processo durar entre 2 a 5 anos (artigo 282.º, n.º 1
e 5 do CPP), será compatível com a celeridade do processo sumário?
O arquivamento em caso de dispensa de pena e a suspensão provisória do processo
precedem a fase do julgamento em processo sumário, mas não prescindem da intervenção do
Juiz de Instrução nos termos gerais.

Constituição de arguido
 Constituição de arguido do detido em flagrante delito (artigo 58.º, n.º 1, alínea c) do
CPP) e quando se constitui alguém como arguido deve-se imediatamente comunicar os
seus Direitos e deveres;
 Apresentação imediata ao MP para interrogatório sumário, se este assim entender
(artigo 382.º, n.º 2 do CPP), em ordem a apurar se se verificam os pressupostos e
requisitos de aplicação do processo sumário;
 Apresentação ao Tribunal competente para julgamento em processo sumário, se o MP
não promover o arquivamento em caso de dispensa de pena ou a suspensão provisória
do processo (artigo 382.º, n.º 2 e 384.º, n.º 1 e 2 do CPP);
 Em regra, tem de haver libertação se o detido não for apresentado ao Juiz em ato
seguido à detenção, com notificação para as finalidades previstas no artigo 385.º, n.º 2
do CPP (artigo 385.º, n.º 1 e 3 do CPP).

Manutenção da detenção
 A manutenção da detenção pode verificar-se até ser presente à autoridade judiciária
(artigo 385.º, n.º 1, alínea a), b) ou c) do CPP);
 Arguido pode exercer o direito ao prazo para preparar a sua defesa – direito de defesa
(artigo 382.º, n.º 2 e 383.º, n.º 2 do CPP);
 O modo de funcionamento da acusação e audiência vem no artigo 389.º do CPP;
 Não é obrigatório que haja acusação do MP podendo ser substituída pela leitura do
auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção, ainda que completado,
desde que respeite os requisitos do artigo 283.º, n.º 3 do CPP.

Julgamento

 Processo sumário concentra-se na fase do julgamento, sem impor um inquérito, nem


admitir instrução e a fase do julgamento reduzida ao mínimo indispensável para a boa
decisão da causa (artigo 386.º do CPP);
 Se não for possível verificar as outras condições existe o reenvio para outra forma do
processo, só nos casos do artigo 390.º do CPP;
 A própria Sentença é simplificado sendo, em regra, oral (artigo 389.º-A do CPP).

Diligências de prova
As diligências de prova requeridas pelo arguido serão compatíveis com a audiência
de julgamento na forma sumária (artigo 387.º, n.º 4 do CCP)?

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Direito Processual Penal 2022/2023

Segundo o Acórdão do TRC de 18-05-2016, processo n.º 141/15.0PFCBR.C1 «A


substituição de despacho, proferido no decurso de julgamento realizado em processo sumário,
por outro que defira prova testemunhal requerida, devendo a audiência ser reaberta para
produção desses meios de prova, determinada por decisão do tribunal da relação, não implica
a alteração da forma do processo, porquanto os prazos consignados no artigo 387.º do CPP
não são aplicáveis em caso de reabertura de audiência ordenada por tribunal de recurso»,
portanto, o TRC considera que sim. «Torna-se assim claro que relativamente a prova requerida
e no momento legalmente prescrito, como é o caso, o tribunal deve ordenar a realização da
prova requerida, ainda que entenda que não é indispensável para a descoberta da verdade e
boa decisão da causa, desde que o meio de prova indicado seja legalmente admissível e não
seja notória a sua irrelevância, superfluidade, inadequação, impossibilidade ou dificuldade de
obtenção ou a natureza dilatória do requerimento».

A rejeição de requerimento de prova do arguido – inquirição de 2 testemunhas que o


mesmo não conseguira identificar em momento anterior – gera nulidade dependente de
arguição por preterição de ato legalmente obrigatório de investigação (artigo 120.º, n.º 2,
alínea d) do CPP)?
Compatibilidade do artigo 387.º, n.º 4 do CPP com o artigo 340.º do CPP quanto ao
poder/dever de investigação?
Segundo o Acórdão do TRC de 18-05-2016, processo n.º 141/15.0PFCBR.C1 «[Discute-
se a] conformidade deste preceito com as normas constitucionais que exigem que o processo
penal assegure todas as garantias de defesa, que a audiência de julgamento esteja
subordinada ao princípio do contraditório e que o processo seja equitativo (conceito que vai
muito para além da noção de igualdade de meios entre as partes e radica também na
necessidade de um processo justo e com efetivos meios de defesa e ampla possibilidade de
contradição) [...]».«“[Há que proceder] a interpretação lata do conceito de indispensabilidade
do depoimento para a descoberta da verdade [art. 387.º/4], que não pode ser analisado na
exclusiva perspetiva de quem julga, mas na perspetiva da defesa e da indispensabilidade e
idoneidade do meio para a tentativa de prova da sua tese em contraponto com a tese da
acusação. [...] assim é evidente a compressão intolerável do contraditório [...] a que a forma
sumária do processo não pode conduzir. É [deste modo] que deve ser interpretado o preceito
citado, sob pena de desconformidade constitucional [...]», portanto, se houver um
requerimento de prova é incompatível com o exercício cabal da defesa se for negado pelo
Tribunal.
Conclusão
É uma forma de processo mais expedita que não comporta algumas das fases do
processo comum (inquérito e instrução), mas, apesar de tudo, é mais formal do que o processo
sumaríssimo e baseia-se na ideia de que se deve saltar fases do processo comum e avançar o
mais rapidamente possível para a fase do julgamento, quando a prova é relativamente simples
por se alicerçar na evidência própria das situações de flagrante delito.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Processo abreviado
Requisitos cumulativos
1. Pena de prisão até 5 anos (abstrata ou limitada pelo MP) ou multa, podendo ser mais
do que 5 anos (artigo 16.º, n.º 3 do CPP);
2. Evidência probatória (artigo 391.º-A, n.º 1 e 3 do CPP), mas é incompatível com os
prazos curtos do processo sumário daí o legislador ter tido a necessidade de criar uma
forma intermédia, também acelerada, mas que preenchesse o vazio entre o processo
sumário que tem um prazo de duração muito curto e o processo comum com todas as
suas fases.
 Processo que assenta na especial simplicidade e evidência da prova, da qual,
porém, têm de resultar indícios suficientes no sentido do artigo 283.º, n.º 1 e 2
do CPP, ou seja, «a prova não apresenta, do ponto de vista dos factos e do
direito, qualquer dificuldade e pode ser facilmente esclarecida».
 Questiona-se se o n.º 3 é taxativo pois desapareceu a menção
“nomeadamente”.

Pena de prisão até 5 anos


 Crime punível com pena de prisão até 5 anos, ou superior a 5 anos, mesmo em caso de
concurso efetivo, se o MP entender que em concreto deva ser aplicável pena até 5
anos, em paralelo com o previsto no artigo 16.º, n.º 3 do CPP. Necessário é a pena
abstrata mínima do crime mais grave em concurso ser inferior a 5 anos;
 Mutatis mutandis, valem as considerações sobre a competência do Tribunal singular
no processo sumário (Acórdão TC 174/2014).

Prazos
 Sucedâneo mais moroso do processo sumário (artigo 384.º, n.º 4 e 391.º-A, n.º 3,
alínea a) do CPP).
 A fase de inquérito não é obrigatória, pois a acusação pode ser deduzida por remissão
para o auto de notícia ou para a denúncia (artigo 391.º-B, n.º 1 do CPP);
 Havendo inquérito, a acusação autónoma terá de ser deduzida no prazo de 90 dias a
contar da notícia do crime ou da apresentação de queixa (artigo 391.º-B, n.º 2 do CPP).
A preterição deste prazo é uma irregularidade ou é apenas ordenador?

Tramitação
 Tratando-se de crime particular, a acusação do MP para julgamento em processo
abreviado só possível depois de deduzida a acusação particular (artigo 285.º e 391.-B,
n.º 3 do CPP);
 A suspensão provisória do processo é compatível com o processo abreviado (artigo
391.º-B, n.º 4 do CPP)? Mutatis mutandis, a discussão sobre a suspensão provisória do
processo quanto ao processo sumário também vale para o processo abreviado;
 Saneamento do processo (artigo 391.º-C do CPP), com possibilidade de rejeição da
acusação do MP ou do particular, nos termos do artigo 311.º do CPP;
 É possível o reenvio do processo ao MP para promoção sob outra forma de processo
só se for inadmissível no caso o processo abreviado (artigo 391.º-D, n.º 1 do CPP);

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Direito Processual Penal 2022/2023

 Porém, se o MP deduzir acusação em processo comum com intervenção do tribunal


singular ou requerer aplicação de pena ou medida de segurança não privativas da
liberdade em processo sumaríssimo, a competência para o seu conhecimento
mantém-se no tribunal competente para o julgamento na forma abreviada (n.º 2).
 Julgamento segue as regras do processo comum, salvo quanto ao disposto no artigo
391.º-E, n.º 2 do CPP;
 Sentença (equiparação à sentença da forma sumária sendo, regra geral, oral) – artigo
391.º-F do CPP.

Conclusão
 Garante parte do formalismo do processo comum, com algumas alterações de
natureza formal (não obrigatoriedade do inquérito/inexistência de instrução);
 Finalidade do processo abreviado é submeter o arguido a julgamento o mais
rapidamente possível, nos casos de pequena e média criminalidade fortemente
indiciados porque sustentados em provas evidentes e de fácil produção;
 Sucedâneo do processo sumário quando, apesar da detenção em flagrante delito, não
seja possível o julgamento em processo sumário dentro do prazo legal.

Processo sumaríssimo
Requisitos cumulativos
1. Crime punível com pena de prisão até 5 anos, mesmo em caso de concurso efetivo, ou
só com pena de multa (artigo 392.º, n.º 1);
2. Requerimento do MP, ouvido o arguido, ou por iniciativa do arguido;
3. Avaliação do MP da conveniência do processo sumaríssimo quando entender que a
pena ou medida de segurança a aplicar não deve ser privativa de liberdade (artigo
392.º, n.º 1 do CPP):
a) Sendo crime particular, exige-se a concordância do assistente quanto ao
conteúdo do requerimento do MP (artigo 392.º, n.º 2 do CPP).
b) Desde que não haja rejeição pelo juiz (artigo 395.º do CPP), nem oposição do
arguido (artigo 396.º e 398.º do CPP), segue-se de imediato a decisão
condenatório (artigo 397.º do CPP).

Tramitação
 Requerimento do MP não pode limitar-se a remeter para o auto de notícia ou para a
denúncia;
 Forma que contempla fase preliminar de inquérito, destinada a recolher prova
indiciária dos factos e da sua autoria, bem como os elementos de facto necessários à
escolha da pena ou medida de segurança não privativas da liberdade.
 O que implica:
a) Constituição do suspeito como arguido;
b) Realização do respetivo interrogatório;
c) Nos crimes particulares, no final do inquérito, concordância do assistente
prévia ao requerimento do MP para julgamento em processo sumaríssimo.

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Direito Processual Penal 2022/2023

 O requerimento do MP é mera proposta e, havendo rejeição pelo Juiz (artigo 395.º do


CPP), este pode:
a) Reenviar o processo para outra forma (artigo 395.º, n.º 1 do CPP), valendo o
requerimento do MP como acusação;
b) Ou propor sanção diferente na sua espécie ou medida da requerida pelo MP,
mediante acordo deste e do arguido (artigo 395.º, n.º 1, alínea c) e 2 do CPP).
Salvaguarda do poder jurisdicional de aplicação da sanção.
 Se o Juiz não rejeitar a promoção do MP, notifica o arguido (artigo 396.º do CPP);
 Se o arguido deduzir oposição, o juiz ordena o reenvio para outra forma do processo,
valendo o requerimento do MP como acusação (artigo 398.º do CPP);
 Se o arguido não deduzir oposição, passa-se logo à decisão condenatória na pena
proposta e acordada, a qual é insuscetível de recurso ordinário;
 O arguido só pode aceitar ou rejeitar, pura e simplesmente, o requerimento do MP,
i.e., não apenas parcialmente ou com condições, negociando o seu conteúdo;
 Tendo havido aceitação pelo juiz e rejeição pelo arguido do requerimento do MP,
aquele Juiz pode ser alvo de recusa caso venha a intervir na outra forma do processo
para que foi remetido o mesmo arguido e o mesmo facto (artigo 43.º, n.º 1 e 3 e 398.º
do CPP).

Conclusão
Esta forma de processo visa a pacificação social em torno do consenso obtido. Trata-se de
um processo expedito, aplicável à pequena e média-baixa criminalidade, alicerçado nas ideias
de consenso e dissuasão da prática futura de crimes, que prescinde da instrução na fase inicial,
e da audiência na fase do julgamento.

Aula teórica – 28.10.2022

Sujeitos processuais
Arguido
O processo criminal assegura todas as garantias de defesa a todas as pessoas como,
por exemplo, arguido, suspeito, testemunhas, etc. (artigo 32.º, n.º 1 da CRP) e o CPP distingue
as figuras de suspeito e de arguido contendo uma definição material de suspeito no artigo 1.º,
alínea e) do CPP, mas não contém nenhuma definição material de arguido porque o legislador
partiu do princípio de que não teria utilidade pois só se é arguido quando se assume
formalmente esse instituto, ou seja, o suspeito não é arguido se não estiver constituído como
tal, no entanto, aponta simplesmente os casos de constituição de arguido, nos termos do
artigo 57.º, 58.º e 59.º, indicando os direitos e deveres processuais que lhe correspondem,
enquanto sujeito processual.

Artigo 61.º do CPP


Direitos e deveres do arguido
1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da
lei, dos direitos de:

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Direito Processual Penal 2022/2023

d) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe
forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar.
3. Recaem em especial sobre o arguido os deveres de:
b) Responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua
identidade.

Artigo 342.º, n.º 2 CPP


 No antigo n.º 2 do artigo 342.º do CPP (1987), o arguido estava obrigado a responder
com verdade sobre os seus antecedentes criminais na audiência de julgamento;
 O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 695/95 considerou essa disposição
inconstitucional por violação das garantias de defesa (artigo 342.º do CPP), do direito
ao silêncio e da presunção de inocência e desapareceu esta obrigatoriedade de falar a
verdade sobre os antecedentes criminais.

Testemunha
O artigo 342.º, n.º 1 do CPP diz que as garantias de defesa do processo são de toda a
gente, não dizendo quem e isto é muito importante para perceber qual é o estatuto da
testemunha porque esta não tem Direito ao silêncio e se mentir comete o crime de falso
testemunho, ao contrário do arguido, mas a “testemunha não é obrigada a responder a
perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilização penal” (artigo
132.º, n.º 2 do CPP).

Jurisprudência do TEDH
Artigo 6.°, n.º 2 da CEDH (Direito a um processo equitativo)
«Qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua
culpabilidade não tiver sido legalmente provada» e, relativamente ao Direito ao silêncio, uma
pessoa que fique calada, em princípio, não se presume culpada.

Nemo tenetur
A principal dimensão da ideia de processo equitativo é até mais vasta do que o Direito ao
silêncio que se designa por nemo tenetur se ipsum accusare (ninguém pode ser obrigado a
culpar-se) e este princípio de que ninguém deve ser obrigado a contribuir para a sua própria
incriminação engloba:
 O direito ao silêncio;
 O direito de não facultar meios de prova.

Acórdão Funke vs. França (1993)


Tem a ver com a entrega de documentos e o TEDH pronunciou-se sobre a condenação
em multa (amende) e sanção pecuniária compulsória (astreinte) de J.-G. Funke, que se tinha
recusado, após busca domiciliária por suspeitas de evasão fiscal em que foram descobertos
livros de cheques de contas bancárias localizadas no estrangeiro, a fornecer aos inspetores
extratos dessas contas e que poderiam, eventualmente, ser usados contra ele como prova. O
TEDH concluiu que o direito de não fornecer provas contra si próprio fora violado no seu
núcleo essencial, pois não havia processo-crime instaurado e o investigado estava a ser usado

57
Direito Processual Penal 2022/2023

como única fonte para a descoberta de possíveis indícios da prática de crime, o que constituía
violação do direito a um processo justo e equitativo (artigo 6.º, n.º 1 da CEDH).
Para o Regente, a decisão do TEDH parte dos seguintes princípios: 1. Ter contas no
estrangeiro não são indícios e há muitas razões para se ter contas no estrangeiro sem ser para
fugir aos impostos; 2. Não sendo indício não é implícita a prática de um crime; 3. Se ele é
suspeito da prática de um crime não tem de colaborar com a justiça por ter o Direito ao
silêncio e a não entregar provas; 4. Estamos à espera que uma pessoa que se presume
inocente seja a principal fonte contra si o que é contra uma espécie de Princípio da liberdade.

Acórdão Murray vs. Reino Unido (1996)


Neste caso, estava em causa a valoração do silêncio do arguido em que Murray fora
detido pela polícia quando descia as escadas de um prédio onde foram descobertos um
sequestrado e os sequestradores, militantes do IRA, mas recusou-se sempre, no inquérito
policial e durante a audiência de julgamento, a prestar declarações, o que não impediu o
Tribunal de fazer inferências que levaram à condenação do acusado. O TEDH considerou,
apesar de tudo, que nem o julgamento tinha sido injusto, nem o princípio da presunção de
inocência tinha sido violado (não havendo, por conseguinte, violação do artigo 6.º, n.º 1 e 2 da
CEDH), já que a presença do acusado no prédio e a sua falta de explicação para o facto eram
bastantes para a sua condenação com base no simples senso comum. Acresce que o TEDH
considerou que a questão de saber se o Direito ao silêncio é, ou não, absoluto deve ser
respondida negativamente, pois não se pode pretender que a decisão de um acusado de ficar
calado durante todo o processo-crime não traga necessariamente implicações quando o juiz
tiver de avalia as provas que contra ele existem.

Acórdão Saunders vs. Reino Unido (1996)


Aqui estava em causa a valoração de declarações prestadas sob coerção Saunders fora
condenado num processo-crime com base em declarações que prestara sob coerção (i.e., sob
cominação de desobediência), em procedimento de investigação administrativo, aos
inspetores do Ministério do Comércio e Indústria britânico, o que violava o seu Direito à não
autoincriminação (artigo 6.º, n.º 1 e 2, CEDH). O TEDH considerou que o Direito de não
contribuir para a sua própria incriminação não pode ficar confinado às declarações de
admissão da prática de ilícitos, nem a considerações diretamente autoincriminatórias, mas
deve abarcar quaisquer depoimentos obtidos sob coerção, incluindo os autoexculpatórios, que
pudessem depois ser usados, em sede de processo-crime, para pôr em causa outras
declarações do acusado ou para minar a sua credibilidade, como sucedera, de resto, no caso
em apreço. O TEDH decidiu, por conseguinte, que tinha havido violação do princípio do
processo equitativo, tal como previsto no 6.º, n.º 1, da CEDH. Assim, ninguém pode ser
confrontado em Tribunal em fase de julgamento com declarações anteriores gravadas, mesmo
que sejam autoexculpatórias, porque isso pode minar a credibilidade das suas declarações se
elas não tiverem sido voluntárias, mas sim sob coerção.
Esta Jurisprudência é conhecida por causa do Obiter dictum que se trata de uma
opinião Doutrinária de uma decisão, ou seja, comentários que o Tribunal faz a propósito do
caso, mas que não contribui para a decisão do caso pois é uma opinião e esta é especialmente
representativa porque o Tribunal impõe restrições ao Direito à não auto incriminação «O

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Direito Processual Penal 2022/2023

direito à não autoincriminação concerne, em primeiro lugar, ao respeito pela vontade de um


acusado em manter o silêncio. Tal como é interpretado na generalidade dos sistemas jurídicos
das partes contratantes da Convenção, o mesmo não abrange a utilização, em quaisquer
procedimentos penais, de dados que possam ser obtidos do acusado recorrendo a poderes
coercivos, contanto que tais dados existam independentemente da vontade do suspeito, tais
como, inter alia, os documentos adquiridos com base em mandado, as recolhas de saliva,
sangue e urina, bem como de tecidos corporais com vista a uma análise de ADN», portanto, o
Tribunal reconhece o Direito à não incriminação com base na vontade do suspeito não
colaborar, mas se determinados elementos (documentos adquiridos com base em mandado,
recolhas de saliva, sangue e urina, bem como tecidos corporais com vista a uma análise de
ADN) existirem independentemente da vontade dele então ele já ão se pode opor à sua
obtenção.

Acórdão Weh vs. Áustria (2004)


Neste Acórdão estamos perante o dever de identificação do condutor em que Weh
fora punido com multa por falta de indicação completa da identidade e morada da pessoa que
conduzira o seu veículo automóvel na altura em que este foi referenciado em excesso de
velocidade. O TEDH considerou que tinha sido solicitado ao queixoso um esclarecimento
meramente factual, o que não era diretamente incriminador, além de que essa informação
não poderia ser obtida de outro modo. Não houve, concluiu o TEDH, violação do Direito ao
silêncio, nem da prerrogativa de não autoincriminação. O TEDH considerou que o queixoso não
estava a ser substancialmente afetado por uma acusação relacionada com a condução em
excesso de velocidade, nem no contexto de procedimentos penais em curso quando o pedido
lhe foi dirigido, nem no contexto de procedimentos penais subsequentes. Acresce que o TEDH
considerou que tinha sido solicitado ao queixoso um esclarecimento meramente factual – ou
seja, a indicação da identidade e morada do condutor do carro registado em nome dele –, o
que não era diretamente incriminador, além de que essa informação não poderia ser obtida de
outro modo. Não houve, concluiu o TEDH, violação do Direito ao silêncio, nem da prerrogativa
de não autoincriminação. Assim, o TEDH defende que quando ele não respondeu só lhe
estavam a pedir uma informação estritamente fatual e dali não se poderia retirar diretamente
a responsabilidade dele pelo excesso de velocidade, portanto, não há nada que viole o fair
trial.

Outros acórdãos
 Acórdão 21/03/2001 (Heaney e McGuinness vs. Ireland), sobre o direito ao silêncio;
 Acórdão 03/08/2001 (J.B. vs. Suíça), sobre a entrega de documentos que fazem prova
de evasão fiscal;
 Acórdão 21/01/2009 (Bykov vs. Rússia), sobre a necessidade de se preservar o núcleo
essencial do direito ao silêncio;

Balanço
Não há uma teoria geral do nemo tenetur com base no TEDH, tanto mais que os casos
decididos revelam inúmeras particularidades, além de que têm motivações muito concretas e
focadas nos argumentos apresentados pelos sujeitos processuais. A Jurisprudência do TEDH só
autoriza a conclusão de que o nemo tenetur não é absoluto, mas admite ponderações no

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Direito Processual Penal 2022/2023

confronto com outros interesses juridicamente tutelados, desde que se garanta a preservação
do núcleo essencial daquele direito.
O nemo tenetur não consta expressamente do texto da CRP, mas a Doutrina e a
jurisprudência portuguesas são unânimes não só quanto à vigência daquele princípio no direito
processual penal português, como quanto à sua natureza constitucional. Há quem baseie o
princípio nas garantias processuais consagradas nos artigos 20.º, n.º 4, in fine e 32.º, n.º 1 da
CRP. Outros, porém, consideram que o princípio carece ainda de uma fundamentação última
de carácter não processualista, mas antes de ordem material ou substantiva, ligando-o aos
direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana, nos termos do artigo 1.º da CRP.

Diretiva da presunção de inocência


Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de março de 2016 relativa
ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em
julgamento em processo penal
Artigo 7.º
Direito de guardar silêncio e direito de não se autoincriminar
1. Os Estados-Membros asseguram que o suspeito ou o arguido têm o direito de guardar
silêncio em relação ao ilícito penal que é suspeito de ter cometido ou em relação ao
qual é arguido.
2. Os Estados-Membros asseguram que o suspeito ou o arguido têm o direito de não se
autoincriminar.
3. O exercício do direito de não se autoincriminar não impede a recolha pelas
autoridades competentes de elementos de prova que possam ser legitimamente
obtidos através do exercício legal de poderes coercivos e cuja existência é
independente da vontade do suspeito ou do arguido.
4. Os Estados-Membros podem autorizar que as suas autoridades judiciais, ao proferirem
a sua decisão, tenham em conta a atitude de cooperação do suspeito ou do arguido.
5. O exercício do direito de guardar silêncio e do direito de não se autoincriminar dos
suspeitos ou dos arguidos não deve ser utilizado contra os mesmos, nem pode ser
considerado elemento de prova de que cometeram o ilícito penal em causa.
6. Este artigo não deverá impedir os Estados-Membros de decidir, em caso de infrações
menores, que a tramitação do processo, ou de determinadas fases do mesmo, pode
ser feita por escrito ou sem que o suspeito ou o arguido seja interrogado pelas
autoridades competentes sobre a infração em causa, desde que o direito a um
processo equitativo seja respeitado.

Âmbito de aplicação
A presente Diretiva aplica-se às pessoas singulares que são suspeitas da prática de um
ilícito penal ou que foram constituídas arguidas em processo penal e a todas as fases do
processo penal, isto é, a partir do momento em que uma pessoa é suspeita da prática de um
ilícito penal ou é constituída arguida ou é suspeita ou acusada de ter cometido um alegado
ilícito penal, até ser proferida uma decisão final sobre a prática do ilícito penal e essa decisão
ter transitado em julgado.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Aula teórica – 31.10.2022

Objeto do processo
Nesta matéria importa o artigo 1.º, alínea f) do CPP para saber se existiu alteração
substancial de factos utilizando para o efeito dois critérios: 1. Critério qualitativo (crime
diverso) e 2. Crime quantitativo (quando existe aumento da penalidade), portanto, se a
questão não for da alteração substancial de factos não vamos a este artigo. Se não se tratar de
uma alteração substancial de factos temos de resolver a questão aquém e se for na Instrução
vamos ao artigo 303.º do CPP, se for no Julgamento temos de ir ao artigo 358.º e 359.º do CPP.
O artigo 303.º, n.º 1 do CPP trata da alteração não substancial de factos; o n.º 3 trata
da alteração substancial de factos não autonomizáveis; o n.º 4 da alteração substancial de
factos autonomizáveis e o n.º 5 trata de alteração de qualificação jurídica.
No Julgamento esta matéria está dividida em dois artigos e no artigo 358.º, n.º 1 do
CPP temos a alteração não substancial de factos e no n.º 3 temos a alteração da qualificação
jurídica. No artigo 359.º do CPP temos a alteração substancial de factos, no n.º 1 temos
alteração substancial de factos não autonomizáveis; no n.º 2 os factos autonomizáveis e no n.º
3 temos uma solução de consenso entre o arguido, o assistente e o MP.

Relevância do objeto do processo


1. Para decidir se estamos, ou não, em litispendência;
2. Para decidir os limites do caso julgado;
3. Para decidir a amplitude da atividade probatória;
4. Para saber se estando a alguém a ser julgado noutro processo se está, ou não, em risco
a proibição do ne bis in idem (alguém que seja julgado e condenado duas ou mais
vezes pelos mesmos factos);
5. Delimitar o objeto dos recursos;
6. Competência, legitimidade, etc.

Identidade do objeto do processo


O problema da identificação e da definição do objeto do processo só surge num
sistema de processo penal que tenha uma estrutura acusatória, em que o Tribunal age,
portanto, no pressuposto da existência de uma prévia acusação (em sentido material:
acusação, pronúncia). É uma questão própria dos sistemas de processo penal que separam a
investigação em sentido amplo, a instrução em sentido amplo e o julgamento porque se
estivermos num sistema puramente inquisitório em que existe concentração de papeis de
instrução e julgamento numa mesma entidade não acontece. É nestes sistemas de estrutura
acusatória que o Tribunal está vinculado a uma acusação em sentido material (imputação de
um ou vários crimes) e o Juiz pode investigar autonomamente, mas sobre os factos que
constam na acusação não tendo poderes de investigação exteriores à acusação em sentido

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Direito Processual Penal 2022/2023

material, estando limitado pelo tema que foi constituído como objeto do processo e que pré-
fixado à sua intervenção.

Princípios do objeto do processo


1. Princípio da identidade – o Professor Castanheira Neves, quanto à identidade, diz que
o critério “é a individualidade do caso jurídico, com a sua unidade concreto
problemática, que se impõe à regulamentação processual”.
2. Princípio da unidade ou indivisibilidade – significa que se tivermos um único problema
jurídico, embora com várias vertentes, que suscite a aplicação do Direito deve ser
resolvido num único processo. O CPP admite a separação de processos, mas em certas
circunstâncias excecionais não é desejável porque uma separação de processos pode
implicar incómodos para as testemunhas que têm de ir várias vezes prestar
depoimentos em processos diferentes, incómodos para o arguido que nunca mais se
livra dos processos; dificuldades na aplicação da justiça porque se não há uma pena
única não estamos a respeitar os fins das penas do artigo 40.º do CP, questões da
prova e risco de existirem contradições de julgados quanto aos elementos de prova
que sejam semelhantes;
3. Princípio da consunção – um processo único deve ser tratado de modo unitário e
indivisível, mas se, porventura, depois de terminado com uma decisão transitada em
julgado não pode haver novo processo no futuro que incorpore situações que deviam
ter sido julgadas naquela altura, mas que não eram do conhecimento da autoridade;
4. Princípio da vinculação temática – devido à estrutura acusatória do processo, quem
julga tem o objeto do processo pré-delimitado pelas instâncias da investigação.

Alteração de factos
Depois de fixado o objeto do processo (acusação consolidada) podem aparecer factos
novos. Se surgirem factos novos podem ser: 1. Factos totalmente independentes o que, em
termos substantivos, daria lugar a um concurso efetivo real de infrações (concurso efetivo são
vários factos pelos quais ele vai ser punido podendo ser ideal ou real (através de ações
independentes cometeu vários crimes)) com o objeto do processo em curso tendo de ser
punido pelos crimes numa pena única, mesmo que seja em processos diferentes, mas do
ponto de vista processual se se descobrirem estes factos inteiramente novos deve-se extrair
certidão do processo e comunicar à entidade competente que é o MP que deverá abrir um
outro inquérito quanto aos factos totalmente novos, nos termos do artigo 262.º, n.º 2 do CPP;
2. Factos que são “apenas” uma variação dos mesmos factos, ou seja, quando os factos são os
mesmos, mas passaram por uma alteração segundo novos elementos que integram a narrativa
e só quando chegamos à conclusão que há uma alteração de factos é que temos de questionar
se alteração de factos é, ou não, substancial (artigo 1.º alínea f) do CPP  dois critérios: crime
diverso o que não significa que é um tipo legal de crime diferente porque o tipo legal pode ser
o mesmo e o crime ser diferente como, por exemplo, o arguido está acusado de homicídio,
mas entretanto descobre-se que a vítima era sua ascendente (critério qualitativo) e agravação
dos limites máximos da penalidade (critério quantitativo)). Se verificarmos que existe uma
alteração substancial de factos temos, ainda, de questionar se essa alteração substancial de
factos implica, ou não, uma alteração na qualificação jurídica, mas, segundo a Doutrina

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Direito Processual Penal 2022/2023

dominante, a inversa não é verdadeira, ou seja, não podemos dizer que uma mera alteração
da qualificação jurídica corresponde a uma alteração substancial de factos.

Fixação do objeto do processo


A primeira vez que se fixa, ainda que provisoriamente, o objeto do processo, nos
crimes públicos e semipúblicos, é a partir do despacho de acusação pelo MP (artigo 283.º, n.º 1
do CPP) ou do requerimento para a abertura da instrução pelo assistente se pretender
introduzir factos que constituam uma alteração substancial (artigo 287.º, n.º 1, alínea b) do
CPP) em que o despacho de pronúncia do Juiz vai consolidar o objeto do processo e, nos
crimes particulares, a partir da acusação particular (artigo 285.º, n.º 1 do CPP) que passa a
vigorar o princípio da vinculação temática.

Jurisprudência
Não há factos novos
ACRL 947/10.6PEAMD.L1-5 Alteração não substancial dos factos
Relator: LUÍS GOMINHO
Data do Acórdão: 31.01.2012
I. Não é qualquer modificação da factualidade provada, em relação ao que se
mostre vertido na redação da respetiva acusação ou pronúncia, que é
merecedora de ser qualificada como alteração não substancial dos factos;
II. A prova de aspetos circunstanciais da conduta do agente, que conduzem a
precisões ou concretizações dos factos imputados, que em nada alteram o objeto
do processo, no sentido de constituírem uma surpresa relevante para a defesa ou
de tornarem diferente os eventos fenomenológicos que são objeto da acusação,
não constituem alteração que mereça o enquadramento justificativo do artigo
358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
O Regente concorda com a decisão do Tribunal pois não é qualquer alteração que merece
ser qualificada como alteração de factos ainda que seja na modalidade não substancial porque
são aquelas alterações que afetam a estratégia da defesa ou que afetam o conhecimento dos
factos sob Júdice e que justificam a aplicação do regime da alteração não substancial de factos.

Alteração não substancial de factos


ACRG 605/07-1 Alteração não substancial dos factos
Relator: TOMÉ BRANCO
Data do Acórdão: 21.05.2007
I. No acórdão impugnado dá-se como provado que o crime ocorreu às 21 horas,
quando na acusação constava ter o mesmo tido lugar pelas 17 horas, pelo que,
com base em tal discrepância, alega o recorrente que se mostra verificada a
nulidade da decisão nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP, uma vez
que não foi dado cumprimento ao estatuído no artigo 358.º ou 359.º do CPP;
II. [...].
III. No caso, é manifesto que houve alteração dos factos pois, comparadas a acusação
e o acórdão, constata-se, para além do mais, que a hora em que uma e outra é
indicada como tendo ocorrido os factos é diferente;

63
Direito Processual Penal 2022/2023

X. Sendo certo que o arguido tem que defender-se dos factos que lhe são imputados,
não podendo ser surpreendido com factos novos, diferentes daqueles que lhe
foram imputados na acusação, a verdade é que a alteração da hora nem sequer
“alarga” o objeto do processo, não o faz perder a sua identidade – não se passa a
um diferente objeto do processo, que assim se mantêm, pois os crimes por que o
recorrente vinha acusado – roubo do artigo 210.º, n.º 1 e 2, alínea b) do CP – são
os mesmos pelos quais veio a ser condenado, sendo a pena, em abstrato,
também a mesma, pelo que não houve, alteração substancial ou até mesmo não
substancial dos factos descritos na acusação por via da alteração da hora dos
factos, pelo que não se verifica a apontada nulidade da sentença.
Nunca em abstrato se pode dizer que a diferença das 21 horas para as 17 horas não
constitui sequer uma alteração não substancial de factos, pode ser que não constitua.

Alteração substancial de factos


ACRL 13375/02.8TDLSB.L1 Alteração substancial e não substancial de factos
3.ª Secção Desembargadores: Jorge Raposo - Fernando Ventura
Sumário elaborado por Ivone Matoso
Data do Acórdão: 02.11.2011
I. Nos termos e para os efeitos do artigo 1.º, alínea f) do CPP, a noção de crime
diverso pode reportar-se ao mesmo tipo legal, desde que existam elementos
diferenciadores essenciais em relação aos factos descritos na acusação ou na
pronúncia que determinem uma diminuição das garantias de defesa.
II. Por esta razão, e a fim de prevenir prejuízos graves para a preparação da defesa,
faz-se equivaler à imputação ao arguido de um “crime diverso” a alteração factual
que consistir no acrescentamento, aos factos descritos na acusação, de um facto
(novo), sem o qual o arguido não poderia ser criminalmente condenado.
III. No caso, os factos pelos quais a arguida foi condenada são naturalisticamente
diferentes dos que lhe eram imputados na acusação, os atos de execução em que
se manifestam também são diversos, com uma imagem social autonomizável
(antes correspondendo a uma ação contrária às legis artis, agora a uma omissão
de um dever de vigilância) e foram praticados num período temporal que, apesar
de próximo, é significativamente distinto – o que determinou a impossibilidade de
a arguida se defender destes novos factos  o crime é diverso não porque o
crime é diferente, mas porque a sua imagem social é diferente;
IV. A alteração dos factos e a conjugação destes com os factos não provados e a
consequente condenação não pode deixar de ser considerado como uma decisão
surpresa que afeta as garantias de defesa e põe em causa as garantias de um
processo justo e leal, assim como a imprescindível tutela da confiança, como
elementos de um processo equitativo, tanto mais que, não fosse a alteração de
factos, a arguida seria absolvida.
Para o Regente, a última frase deita muito a perder na fundamentação do Acórdão porque
depois de falar na estratégia da defesa o Acórdão parece que diz que só consideramos a
afetação da estratégia da defesa naqueles casos em que o facto novo ao surgir tem o efeito
radical de dele depender o arguido ser condenado ou absolvido e, para o Regente, é uma

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Direito Processual Penal 2022/2023

exigência demasiado forte porque pode haver fatos novos que afetam a estratégia da defesa,
mas que não depende a condenação ou absolvição, mas só a agravação da pena
concretamente aplicada.

O regime da alteração substancial de factos


Só se existir uma alteração substancial dos factos é que questionamos se são:
 Factos novos autonomizáveis (factos coligados que são separados à força) – temos
uma história distorcida por factos novos e queremos saber até que ponto é que esses
factos novos podem ser tratados separadamente porque se poderem ser separados à
força podem dar lugar à abertura de um outro inquérito devendo o processo em curso
seguir os seus trâmites. Assim, se forem autonomizáveis, podemos abrir duas vias em
que o principal segue, os novos são comunicados ao MP para abrir um inquérito novo
e no Julgamento passa-se o mesmo;
 Factos novos não autonomizáveis.

Os factos novos autonomizáveis


 Instrução (artigo 303.º, n.º 4 do CPP) – devem ser destacados do processo e dar lugar à
abertura de inquérito noutro processo penal (ressalvados os crimes semipúblicos e
particulares), devendo o processo em curso prosseguir os seus trâmites;
 Julgamento (artigo 359.º, n.º 2 do CPP) – devem igualmente ser comunicados ao MP
para que proceda por eles.

Autonomização
Existem dois quadros de situações em que os factos são autonomizáveis:
 Concurso ideal de infrações – no concurso efetivo enquadram-se aqueles casos em
que a pessoa comete vários crimes dos quais deve ser efetivamente punida se se fizer
a prova (artigo 30.º, n.º 1 do CP) podendo ter o concurso efetivo real (várias ações
separadas) ou ideal (uma única ação que produz vários crimes) e pode-se dividir o real
e ideal em homogéneo e heterogéneo consoante seja várias vezes o mesmo tipo de
crime ou crimes diferentes. Um concurso ideal ocorre, por exemplo, quando o arguido
através de uma única ação pode ter cometido ofensas à integridade física grave de
duas ou três pessoas devendo ser punido, mas descobre-se que através da mesma
ação produziu crimes de dano no património de outra pessoa distinta deste catálogo
de vítimas e a questão é sabermos se podemos autonomizar os factos novos que
constituem uma alteração substancial. Se for um concurso real podemos dizer que são
factos completamente novos pois são várias ações separadas no tempo e no espaço;
 Casos duvidosos  crimes complexos – costuma-se falar em crimes complexos
quando temos uma composição de dois ou mais crimes, por exemplo, existe uma
acusação de um furto e descobre-se na Instrução ou no Julgamento que existiu
violência e o Regente tem muitas dúvidas que um crime complexo possa ser desfeito
em dois e dar origem a dois processos porque depois não se consegue fazer prova nem
de um nem de outro porque não se consegue fazer duas histórias separadas.

65
Direito Processual Penal 2022/2023

No anteprojeto do CPP de 1987


Figueiredo Dias concebera a solução de conferir ao Juiz de Instrução poderes para
pronunciar por factos que constituíssem uma alteração substancial dos descritos na acusação
ou no RAI. Era uma solução aplicável à Instrução, mas não ao Julgamento, baseando-se no
argumento de que ainda se estaria no âmbito de uma fase de investigação, como se o
inquérito e a instrução fossem duas subfases de uma única instância de investigação.
Na redação primitiva do CPP de 1987, o CPP não dava solução expressa à questão da
alteração substancial dos factos não autonomizáveis em relação ao objeto do processo porque
se entendeu que a função do Juiz de Instrução não era tanto uma função inquisitória, mas sim
uma função judicial de controlo e, se essa função é judicial, ele não deve poder acrescentar
factos novos e, portanto, mudou-se a interpretação e o Juiz está condicionado pela acusação
do MP ou do assistente que pode requerer a abertura de instrução para acrescentar factos que
constituem uma alteração substancial.

Alteração substancial de factos não autonomizável na Instrução


A Doutrina dividia-se e se o Juiz de Instrução descobrisse factos que constituíssem uma
alteração substancial de factos existiam, essencialmente, três Doutrinas: 1. Enviava o processo
novamente para inquérito para este ser repetido e integrar os factos novos; 2. Arquivava o
processo e comunicava ao MP para que abrisse um novo processo com todos os factos ou 3.
Continuava aquele processo e ignorava os factos novos.

Repetição do inquérito
A tese da repetição do inquérito foi a que se tornou mais conhecida de início e a
primeira pessoa que tratou do assunto entre nós foi o Professor Frederico Isasca na sua tese
de Mestrado e dizia que o CPP, antes de 2007, não tem solução para isto existindo uma lacuna,
então a lacuna deve ser integrada pois não conseguimos fazer analogia legis e, por isso, vamos
ao CPC (artigo 4.º do CPP) buscar o regime da suspensão da instância (artigo 276.º, n.º 1,
alínea c) e 279.º, n.º 1, in fine, do CPC à data de 2003), assim, o Juiz de Instrução que descobre
factos novos e constituem uma alteração substancial suspende a instância, envia para trás e
fica a aguardar que o MP incorpore os novos factos.
Esta solução foi muito criticada por muitos autores pois a suspensão da instância, em
princípio, é uma figura em que o processo fica parado e aqui, em rigor, não fica parado e,
depois, este regime também se esquece que a relação entre o Juiz de Instrução e o MP não é
hierárquica pois o Juiz não manda no MP.

Novo processo
De seguida, o Dr. Souto de Moura criticou e arrasou a tese do Dr. Frederico Isasca
defendendo que a solução tem de passar pelo arquivamento do processo com decisão formal
através do regime da absolvição da instância do artigo 288.º do CPC porque faltam
pressupostos processuais e a absolvição da instância não impede a abertura de um novo
processo porque não faz caso julgado material sendo uma decisão estritamente formal.
Esta solução teve bastante sucesso e tornou-se a Jurisprudência dominante.

66
Direito Processual Penal 2022/2023

Continuação do processo
Existia uma terceira posição que era da Professora Teresa Pizarro Beleza e do Regente
que, talvez, seja a posição mais impopular em que a resposta compatível com a estrutura
acusatória do processo penal, no qual a função do Juiz de Instrução é materialmente judicial (e
não materialmente policial ou de averiguações), era a última das três: nada a fazer quando
ocorresse, na fase de instrução (por maioria de razão, o mesmo valia na fase de julgamento),
ou seja, segundo a estrutura acusatória do processo e o Princípio da vinculação temática cabia
à averiguação descobrir esses factos e integrá-los no despacho de acusação ou o assistente na
abertura de instrução e, se não o fizeram, precludiu essa hipótese não podendo o Juiz fazer
esse trabalho mesmo que descubra e, por outro lado, isto não é assim tao grave porque só
acontece nos casos relativamente a quantidade de pena e não à punição em si porque, pr
exemplo, se não se julgar um indivíduo por ter matado o pai, ainda assim vai ser julgado por
ter matado uma pessoa estando em causa a quantidade de pena, portanto, são circunstâncias
modificativas agravantes especiais nominadas em que não é um sacrifício total da verdade
material, mas sim uma ponderação equilibrada entre princípios e os exemplos-padrão
referidos a uma cláusula agravante determinada (artigo 132.º do CP) nunca teriam, por
definição, a relevância suficiente para sustentar sozinhos um objeto de processo à parte.
O problema da alteração substancial de factos já não se punha quanto ao
conhecimento das circunstâncias modificativas agravantes comuns nominadas (a reincidência,
artigo 75.º e 76.º do CP) porque, embora não se tenha optado entre nós pelo sistema da
césure, o CPP confere autonomia às operações de determinação da sanção no contexto da
deliberação e votação da decisão, sem, contudo, constituir com elas uma particular fase do
julgamento, sendo só nessa altura que se deverá dar relevo ao conhecimento dos
antecedentes criminais do arguido (e, portanto, à efetiva consideração da reincidência), nos
termos do artigo 369.º do CPP.

Alteração substancial de factos não autonomizável no Julgamento


As soluções não eram as mesmas para a fase de Julgamento porque aqui continuavam
a existir três soluções (repetição de inquérito, novo processo ou continuação do processo em
curso), mas a posição de Frederico Isasca já não era a repetição do inquérito passando a ser a
continuação do processo em curso tomando em consideração os factos novos até ao limite da
pena dos factos acusados e o Professor Frederico Isasca defendia que se se descobrisse que o
arguido matou o pai vai continuar a ser punido por homicídio simples, mas vai ser considerado
o facto de a vítima ser um ascendente para se aproximar a pena do limite máximo.

Factos novos não autonomizáveis – 2007


A posição da Professora Teresa Pizarro Beleza e do Regente, que era muito impopular,
foi a que venceu na Lei porque em 2007 no Conselho da UMRP (constituída pelo Governo para
mexer nas Leis penais no âmbito de um pacto de justiça que tinha sido estabelecido entre os
dois maiores partidos: Partido Socialista e Partido Social Democrata) e, sobretudo, no seu
período de discussão a Proposta de Lei n.º 109/X, baseada no anteprojeto de revisão do CPP
apresentado pela UMRP, continha a redação dos artigos 303.º, 358.º e 359.º que ficou na
versão definitiva, atualmente em vigor. No artigo 303.º, n.º 3 do CPP temos os factos novos

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Direito Processual Penal 2022/2023

não autonomizáveis e no n.º 4 os factos novos autonomizáveis, já no artigo 359.º, n.º 1 do CPP
temos os factos novos não autonomizáveis e no n.º 2 os factos novos autonomizáveis.

Problemas de interpretação
Para o Regente, o regime da alteração substancial de factos tem de respeitar a
estrutura acusatória do processo penal e a revisão de 2007 do CPP contribuiu para tornar isso
claro, ao afastar explicitamente as soluções Doutrinárias e Jurisprudenciais que punham isso
em causa. O fragmento textual “nem implica a extinção da instância” tem de ser interpretado
no sentido de que a Lei afasta agora qualquer decisão meramente formal de extinção da
instância, designadamente a solução da absolvição da instância. A Lei consagra agora a solução
do prosseguimento da instrução ou do julgamento, com sacrifício dos factos novos não
autonomizáveis.
Todavia não é a posição dominante na Doutrina, mesmo os autores que não
concordam com esta solução entendem que o legislador afastou as teorias de regresso ao
inquérito ou de absolvição da instância e preferiu a ideia de que o processo se mantém
limitada aqueles factos.

Tribunal Constitucional
O Acórdão do TC n.º 226/2008, de 21 de abril de 2008 (Vítor Gomes), concluiu «pela
não inconstitucionalidade da norma do artigo 359.º do Código de Processo Penal, na redação
resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, interpretada no sentido de, perante uma
alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, resultante de factos
novos que não sejam autonomizáveis em relação ao objeto do processo – opondo-se o arguido
à continuação do julgamento pelos novos factos –, o tribunal não pode proferir decisão de
extinção da instância em curso e determinar a comunicação ao Ministério Público para que
este proceda pela totalidade dos factos».

Para o Regente a solução que se chegou não é a ideal, mas é razoável e foi considerada
conforme à CRP pelo TC.

Problemas difíceis
Existe um problema que não foi resolvido pela reforma de 2007 nem em nenhuma das
reformas posteriores que são os crimes alternativos (crimes cujos tipos legais têm elementos
comuns, mas têm um ou vários elementos distintos) como, por exemplo, o arguido é acusado
de furto e descobre-se na Instrução (artigo 303.º do CPP) ou no Julgamento (artigo 359.º do
CPP) que não podia ter subtraído a coisa porque a mesma já antes lhe tinha sido entregue,
embora depois se tivesse apropriado dela, portanto, existiu uma apropriação e não uma
subtração. A questão é que a ação típica faz parte dos elementos sujeitos a prova e se tivermos
numa situação destas e se partirmos do princípio que todos os elementos do tipo têm de ser
provados, o Juiz não pode substituir a subtração pela apropriação e não provado um elemento
tem de decidir em conformidade absolvendo do furto o que significa que se pode formular
uma decisão definitiva que transite em julgado o que significa que aplicar o regime legal da
alteração não substancial de factos não autonomizáveis aos crimes alternativos implica um
sacrifício total da verdade material.

68
Direito Processual Penal 2022/2023

Crimes alternativos
Na falta de solução legal expressa para o problema da alteração substancial de factos
que implique a subsunção dos factos num tipo de crime alternativo por comparação com o
objeto do processo em curso, a verdade é que o problema não deixará de se pôr na prática.

Direito comparado Alemanha e Espanha


Outras ordens jurídicas têm a solução prevista na Lei como o regime alemão que é
uma espécie de acusação adicional em que no momento de produção de prova a questão
surge e, em fase de audiência de Julgamento, é permitido que o MP faça uma acusação
adicional corretiva e o regime espanhol que permite que o Juiz faça a integração durante a
produção de prova em audiência de Julgamento e decida desde que na acusação o MP faça
uma acusação alternativa, ou seja, que diga que não sabe se foi uma apropriação ou subtração
pois aí o Juiz já não estará a violar o Princípio da vinculação temática.

Critério de decisão
Para o Regente existe aqui um problema que carece de solução e não pode esperar
por uma reforma legislativa para ser resolvido e propõe que, no mínimo, deve exigir-se que a
imputação alternativa conste já do despacho de acusação ou do despacho de pronúncia sendo
uma solução menos má e muito discutível.

Aula teórica – 04.11.2022

Escutas
O regime está regulado no artigo 187.º e 188.º do CPP 6 e segue depois um modelo
paradigma porque é estendido a outros meios por via do artigo 189.º do CPP, portanto, o
regime das escutas telefónicas é, simultaneamente, um regime paradigmático para outros
métodos similares.
Trata-se de um método oculto na medida em que é realizado com o
desconhecimento/ignorância do visado e, sendo oculto, é mais evasivo dos Direitos
fundamentais (Diretos materiais) pois, por exemplo, a CRP estabelece no artigo 34.º da CRP
inviolabilidade do domicílio e da correspondência e de outros meios de comunicação, ou seja,
estabelece como Direito fundamental o Direito à palavra, autodeterminação comunicacional,
integridade e inviolabilidade dos sistemas comunicacionais e tem maior probabilidade de lesar
nemo tenetur se ipsum accusare, garantias de defesa, contraditório.

Origem
Na República Alemã nasce a regulamentação ao abrigo do «estado de necessidade
constitucional» como prevenção face às intrusões, nomeadamente, por via dos países do Leste
sendo necessário escutas telefónicas devido à diversidade e complexidade de certa

6
Há quem defenda que o artigo 190.º do CPP só se aplica a falhas menos graves relativamente
aos requisitos do artigo 187.º e 188.º do CPP.

69
Direito Processual Penal 2022/2023

criminalidade designada por criminalidade organizada especialmente económico-financeira


transfronteiriça pois necessitavam um meio mais eficaz.
Tal como o TEDH no caso Jalloh v. Germany, de 11.07.2006, veio dizer que apesar das
dificuldades que possamos ter no combate à criminalidade nunca podemos negociar as
exceções relativas a Direitos e liberdades da CEDH, ou seja, tem de haver um equilíbrio entre
criminalidade complexa que justifica e exige regimes mais robustos e, portanto, mais evasivos
de Direitos fundamentais como, por exemplo, as escutas.

Direito comparado
O regime alemão é bastante mais extenso que o nosso e no Brasil existe um regime
que é uma espécie de uma mistura do regime alemão com o português. Em Portugal temos o
regime do artigo 187.º do CPP a 188.º do CPP distinguido pelo artigo 189.º do CPP.

Portugal
O artigo 187.º do CPP diz-nos os pressupostos de substância e o artigo 188.º do CPP
encontram-se os pressupostos de formalidade e poderá ser útil por causa das respetivas
violações atenderem a diferentes tipos de nulidades.
O artigo 187.º, n.º 1 do CPP diz-nos que só podem ser realizadas escutas telefónicas
para investigação de crimes catálogo, ou seja, não podem existir escutas telefónicas fora do
objeto definido por esse catálogo. Tem o âmbito subjetivo, ou seja, quem pode ser visado
pelas escutas telefónicas que se encontram no n.º 4. O âmbito temporal encontra-se definido
no n.º 6 (três meses renovável). Quanto ao âmbito funcional, as escutas telefónicas apenas
podem ser utilizadas na fase de inquérito, conforme o n.º 1 e, de acordo com o cumprimento
do Princípio da judicialidade (por despacho fundamentado do Juiz de Instrução e mediante
requerimento do Ministério Público) e da proporcionalidade
(indispensabilidade/impossibilidade de recurso a outros meios menos evasivos, assim, o Juiz
deve demonstrar porque é que a escuta telefónica é necessária (inexistência de outros meios),
adequada (ponderação com correspondência entre meio e fim) e proporcional stricto senso
(demonstração de que é o único possível) não podendo ser requerido outro meio não oculto
como, por exemplo, buscas ou oculto menos evasivo como, por exemplo, vigilância pontual),
assim, as escutas telefónicas não são o meio normal de investigação.
O artigo 188.º do CPP tem uma tramitação criticada por alguns autores por ser
demasiado excessiva e detalhada que acaba por ser um manual de procedimentos para os OPC
e não um artigo verdadeiro do CPP, mas o legislador pretendeu acautelar e, por isso,
consagrou um conjunto de procedimentos que são simultaneamente garantias, assim, o artigo
188.º do CPP consagra a forma de se realizar uma escuta telefónica em que o Juiz autoriza, ao
abrigo do artigo 187.º do CPP, e o OPC concretiza a realização dessa escuta telefónica:
1. OPC lavra o auto e elabora relatório no qual indica as passagens relevantes para a
prova, etc.;
2. ...
3. De 15 em 15 dias apresenta ao MP a transcrição do que lhe pareceu mais relevante;
4. O MP leva ao conhecimento do juiz... no prazo máximo de quarenta e oito horas para
que este valide a transcrição das escutas relevantes, ou seja, não há um automatismo
entre o OPC e MP  acompanhamento judicial efetivo;

70
Direito Processual Penal 2022/2023

5. ...
6. Sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo anterior, o juiz determina a destruição
imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo;
7. ...
8. ...
9. Só podem valer como prova as conversações ou comunicações que ...
10. O tribunal pode proceder à audição das gravações ...
11. As pessoas cujas conversações ou comunicações... podem examinar...
12. Os suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações... são guardados em
envelope lacrado... e destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser
termo ao processo.
13. Após o trânsito em julgado..., os suportes técnicos que não forem destruídos são
guardados em envelope lacrado, junto ao processo, e só podem ser utilizados em caso
de interposição de recurso extraordinário.

Revisão de 2007
Esta revisão trouxe algumas criticas devido ao artigo 188.º do CPP ser considerado um
manual e não uma norma do CPP, mas na verdade é uma garantia dos visados da escuta
telefónica e, nos termos do Acórdão do STJ 3/2017 de fixação de jurisprudência afirma que
nada pode ser destruído até ao termo dos prazos referidos no n.º 8 do artigo 188.º do CPP
(prazo do RAI ou da Contestação) pois o arguido pode, querendo, ter acesso ao conteúdo
integral das escutas para ponderar utilizar para a demonstração da sua inocência.

Princípio da subsidiariedade
Há quem defende que este Princípio já decorre da proporcionalidade e o Professor
considera que tem um conteúdo autónomo, ou seja, está para além da própria
proporcionalidade. A subsidiariedade é a tal demonstração de que, por um lado, não é possível
realizar outros métodos menos evasivos do que a escuta telefónica e, por outro lado, proibir-
se a cumulação de métodos ocultos de maneira que isso gere uma vigilância total, isto é, a
subsidiariedade impõe que haja limites de cumulação de métodos abertos ou ocultos pois tem
de haver um espaço mínimo reservado à dignidade da pessoa humana, assim, por exemplo,
encobertos, escutas telefónicas e escutas ambientais é uma mistura excessiva tendo de se
optar por algum.

Regime dos conhecimentos fortuitos


Primeiramente é necessário distinguir os conhecimentos fortuitos dos conhecimentos
de investigação e, estes últimos, consistem num pedido ao Juiz de Instrução autorização para
realizar escutas telefónicas para investigar o crime de tráfico e descobre-se o dito, mas
também se descobre que o visado cometeu o crime de furto e o OPC sabe que está em curso
outra investigação precisamente do caso de furto, mas a escuta telefónica autorizada pelo Juiz
de Instrução para investigar o crime de tráfico de estupefacientes só pode ser utilizada para a
prova de um crime de furto simples nos termos do artigo 187.º, n.º 7 do CPP:
 Se for cumprido o âmbito objetivo, isto é, o crime descoberto tem de pertencer ao
catálogo do artigo 187.º, n.º 1 do CPP;

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Direito Processual Penal 2022/2023

 Que seja um dos visados do âmbito subjetivo nos termos do artigo 187.º, n.º 4 do CPP;
 Que se demonstre a indispensabilidade (artigo 187.º, n.º 7 do CPP = artigo 187.º, n.º 1
do CPP);
 Validação pela autoridade judiciária, ou seja, é necessário que no processo de origem
o MP solicite extração de certidão e no processo de destina seja validada essa escuta.
O artigo 187.º, n.º 7 do CPP afirma que já pode valer como notícia de infração, isto é,
poderá ser aberto um inquérito, mas como o crime de furto simples depende de queixa é
válido que a extração da certidão sirva como denúncia aguardando que o titular apresente
queixa para ser aberto o processo crime.

Proibição de provas
A não verificação dos requisitos de substância gera a proibição de prova, isto é, uma
escuta telefónica ilegal por violação do artigo 187.º do CPP (violação de substância) gera uma
proibição de prova nos termos do artigo 126.º, n.º 3 do CPP.
Os métodos absolutamente proibidos não admitem nenhuma ponderação nem com
consentimento nem com permissão legal, por exemplo, mesmo que a Lei dissesse que a
tortura era válida, esse método é sempre proibido (artigo 126.º, n.º 1 e 2 do CPP).
Os métodos relativamente proibidos só são proibidos se não cumprirem um regime
legalmente previsto ou se não houver consentimento do visado, por exemplo, uma escuta
telefónica viola o artigo 34.º da CRP quando não é respeitado o regime legal do artigo 187.º do
CPP.
O artigo 188.º do CPP como é um artigo procedimental gera uma nulidade dependente
de arguição (artigo 120.º do CPP).
Sendo prova proibida por desrespeito a uma condição de substância gera uma
proibição de prova seja um método absolutamente proibido ou relativamente proibido.
A proibição de prova consiste em:
 Proibição de produção: não devem ser obtidas, isto é, o OPC não o devia fazer;
 Proibição de valoração: não devem ser utilizadas para a condenação do visado;
 Não devem ser repetidas;
 Devem ser desentranhadas, ou seja, são retiradas do processo e colocadas num
envelope à parte ficando como apenso ao processo lacrado porque pode o arguido
futuramente vir a considerar que aquela escuta que era proibida é o único meio de
prova que poderá provar a sua inocência;
 Têm efeito-à-distância;
 Permanecem além do transito em julgado e são fundamento do recurso extraordinário
de revisão (artigo 449.º, n.º 1, alínea e) do CPP);
 Tem a característica única de nunca se sanar nem com o transito em julgado, ao
contrário das nulidades insanáveis do artigo 119.º do CPP que na realidade se sanam
como transito em julgado;
 Só têm um efeito que é servir de prova contra os autores da prova ilícita.

Efeito à distância
É tão proibido a escuta como aquilo a partir da qual se obteve essa mesma escuta, por
exemplo, se a escuta diz onde se encontra o cadáver e se esta for ilegal, as perícias feitas ao

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Direito Processual Penal 2022/2023

cadáver não podem ser consideradas porque a nulidade das escutas contamina as provas
subsequentes desde que exista uma relação cronológica, lógica e valorativa.

Acórdão STJ 1/2018 (fixação de jurisprudência) – artigo 190.º do CPP


A violação do prazo de 48 horas, imposto no n.º 4 do artigo 188.º do CPP, para o MP
levar ao Juiz os suportes técnicos, autos e relatórios referentes a escutas telefónicas, constitui
nulidade dependente de arguição sob pena de sanção, nos termos do artigo 190.º e 120.º
ambos do CPP.

Aula teórica – 07.11.2022

A apreensão de e-mails na Lei do cibercrime


Hipótese
 Abel é suspeito da prática de um crime de acesso ilegítimo (artigo 6.º da Lei n.º
109/2009).
 O MP promoveu a realização de uma busca domiciliária para obtenção de provas
digitais, incluindo mensagens de correio eletrónico eventualmente guardadas no
computador pessoal de Abel, tendo a diligência sido autorizada pelo juiz de instrução.
 Durante a diligência, o MP realizou cópia em duplicado dos dados informáticos e
mensagens de correio eletrónico armazenados no computador pessoal de Abel.
 A posterior análise pericial à cópia digital certificada que foi junta aos autos revelou
não só indícios da prática do crime de acesso ilegítimo, mas também imagens de
pornografia de menores (artigo 176.º do CP).

Questões
1. A busca domiciliária seria legítima para pesquisar e apreender dados informáticos e
e-mails?
A busca domiciliária vem prevista no artigo 177.º do CPP e tem uma proteção
constitucional no artigo 34.º, n.º 1 da CRP em que se prevê que há uma inviolabilidade do
domicílio e, portanto, só pode ser ordenada ou autorizada pelo Juiz nos termos do artigo 34.º,
n.º 2 da CRP, do artigo 174.º, n.º 3 (o artigo 174.º do CPP é o regime geral para todas as
buscas); 177.º, n.º 1 e 269.º, n.º 1, alínea c) e 2 do CPP.
Para que a busca seja ordenada ou autorizada, é necessário, de acordo com o n.º 2 do
artigo 174.º do CPP, que haja indícios de que objetos relacionados com um crime ou que
possam servir de prova, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em
lugar reservado ou não livremente acessível ao público.
O despacho judicial de autorização deve delimitar concretamente a finalidade daquela
busca, o que se pretende com a busca, que objetos é que se espera que sejam apreendidos
para impedir que seja dada uma carta branca ao MP que poderia gerar fishing expeditions, em
função da promoção do MP.
O juízo a efetuar pelo Juiz de Instrução exige uma fundamentação relevante, sustentada
em indícios, não sendo necessário que os mesmos atinjam o grau de indícios suficientes (pois

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Direito Processual Penal 2022/2023

se fossem indícios suficientes o MP já poderia acusar), mas também não podendo ser simples
suspeitas.
As proibições de prova decorrem do artigo 32.º, n.º 8 da CRP que estabelece as
garantias do processo criminal e este artigo determina que «[s]ão nulas todas as provas
obtidas mediante [...] abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência
ou nas telecomunicações” e, por sua vez, o artigo 126.º, n.º 3 do CPP comina que «nulas, não
podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio,
na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular»,
portanto, se entrarmos numa habitação sem despacho de autorização para que se possa
proceder à busca e apreensão de determinados objetos que se considerem estar relacionados
com o crime, as provas obtidas estão sujeitas ao regime das proibições de prova.
Quanto aos requisitos da busca domiciliária só pode ser efetuada entre as 7 e as 21
horas, sob pena de nulidade (artigo 177.º, n.º 1 do CPP), contudo, nem todas as nulidades têm
o mesmo regime pois as nulidades processuais são diferentes das proibições de prova o que
significa que se pode ter no mesmo artigo previsão sob pena de nulidade e essa nulidade não
ser sempre a mesma dependendo do regime aplicável (nulidade processuais e proibições de
prova) e uma das bases legais que permite identificar que as nulidades processuais e as
proibições de prova têm um regime diferente é o artigo 118.º, n.º 3 do CPP cabendo ao
interprete perceber quando a Lei diz sob pena de nulidade se é uma nulidade processual em
que se aplica o regime do artigo 118.º e seguintes do CPP ou se estamos perante uma
verdadeira proibição de prova que tem um regime diferente que emana do artigo 32.º, n.º 8
da CRP.
Relativamente a formalidades antes de se proceder a busca, é entregue, salvo nos
casos do n.º 5 do artigo 174.º do CPP, a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a
diligência se realiza, cópia do despacho que a determinou, na qual se faz menção de que pode
assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se
apresente sem delonga (artigo 176.º, n.º 1 CPP).
Quando se realiza uma busca é com vista a proceder a uma apreensão e os órgãos de
polícia criminal podem efetuar apreensões no decurso de buscas (artigo 178.º, n.º 4 do CPP).
Assim, não é ilegítimo, nem invulgar que uma diligência de busca domiciliária sirva
também para a pesquisa e apreensão de dados informáticos e mensagens de correio
eletrónico desde que sejam respeitados todos os requisitos.

2. Poderiam ser pesquisados e apreendidos dados informáticos?


Primeiramente devemos ter em atenção a Lei do cibercrime (Lei n.º 109/2009) que
revogou a Lei n.º 109/91 (Lei da Criminalidade Informática) e transpôs para a ordem jurídica
interna a Decisão Quadro relativa a ataques contra sistemas de informação (2005) e adaptou o
Direito interno à Convenção sobre Cibercrime/Budapeste (2001).
As disposições processuais da Lei do Cibercrime aplicam-se a processos relativos a crimes
previstos nesta Lei (artigo 11.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 109/2009) e este é o caso do crime
acesso ilegítimo (artigo 6.º da Lei n.º 109/2009) que foi o crime que o Abel alegadamente
cometeu aplicando-se este artigo.
Artigo 11.º
Âmbito de aplicação das disposições processuais

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Direito Processual Penal 2022/2023

1. Com exceção do disposto nos artigos 18.º e 19.º, as disposições processuais previstas
no presente capítulo aplicam-se a processos relativos a crimes:
a) Previstos na presente lei;
b) Cometidos por meio de um sistema informático (vale para qualquer crime
como, por exemplo, crime de homicídio através de acesso informático); ou
c) Em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte
eletrónico (é a alínea mais utilizada).
2. As disposições processuais previstas no presente capítulo não prejudicam o regime
da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho.

A autoridade judiciária (artigo 1.º, alínea b) do CPP – Juiz de Instrução enquanto Juiz das
liberdades e garantias ou MP enquanto titular do inquérito penal) é competente para autorizar
ou ordenar por despacho que se proceda a uma pesquisa de dados informáticos num
determinado sistema informático, devendo, sempre que possível, presidir à diligência (artigo
15.º, n.º 1 da Lei n.º 109/2009 que versa sobre a pesquisa de dados informáticos e o artigo
16.º da Lei n.º 109/2009 que versa sobre a apreensão de dados informáticos e o artigo 17.º da
Lei n.º 109/2009 sobre a apreensão de mensagens de correio eletrónico e registos de
comunicações de natureza semelhante). O Regente entende que numa busca domiciliária a
realizar no âmbito de um inquérito penal, deve ser o juiz de instrução a autorizar a pesquisa de
dados informáticos, que tem de ser promovida pelo Ministério Público, na qualidade de titular
do inquérito penal e o Juiz de Instrução deve, sempre que possível, presidir à diligência porque
entende que se para a busca domiciliária é necessário um despacho do Juiz de Instrução, então
para se pesquisar dados informáticos que estão alojados em algum sistema informático que
está, por sua vez, contido nessa casa ou dependência da casa, numa interpretação conjugada
dos preceitos deve ser o Juiz de Instrução a autorizar ou ordenar a diligência.
Quanto ao despacho de autorização, a pesquisa de dados informáticos pode ocorrer no
quadro de uma busca domiciliária e se a pesquisa de dados informáticos não constar do
despacho de autorização da busca domiciliária, pode ser emitido um despacho complementar.
Quando, no decurso de uma pesquisa informática forem encontrados dados ou
documentos informáticos necessários à produção de prova, tendo em vista a descoberta da
verdade, a autoridade judiciária competente autoriza ou ordena por despacho a apreensão
dos mesmos (artigo 16.º, n.º 1 da Lei n.º 109/2009) e no âmbito de uma busca domiciliária a
realizar no âmbito de um inquérito penal, deve ser o Juiz de Instrução a autorizar a apreensão
de dados informáticos, que tem de ser promovida pelo Ministério Público, na qualidade de
titular do inquérito penal seguindo a mesma linha de raciocínio da pesquisa, mas o órgão de
polícia criminal pode efetuar apreensões, sem prévia autorização da autoridade judiciária, no
decurso de pesquisa informática legitimamente ordenada e executada nos termos do artigo
anterior, bem como quando haja urgência ou perigo na demora (artigo 16.º, n.º 2 da Lei n.º
109/2009).
Caso sejam apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja suscetível
de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respetivo
titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao
Juiz, que ponderará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto

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Direito Processual Penal 2022/2023

(artigo 16.º, n.º 3 da Lei n.º 109/2009) sendo esses dados ou documentos apresentados ao Juiz
encapsulados.
Esta ideia de proteção dos dados pessoas e íntimos assenta no artigo 8.º da CEDH e no
artigo 26.º da CRP.
No caso em apreço, podiam ser pesquisados e apreendidos dados informáticos se o Juiz de
instrução assim o tivesse autorizado no âmbito da diligência de busca domiciliária, a que, em
princípio, deveria ter presidido. Se a pesquisa de dados informáticos não constasse do
despacho de autorização da busca domiciliária, podia ser emitido um despacho judicial
complementar. Se o juiz de instrução presidisse à diligência, como deveria ter acontecido, a
apreensão cautelar pelo órgão de polícia criminal ainda assim poderia fazer sentido,
dependendo das condições concretas de realização da busca domiciliária.

3. Poderiam ser pesquisados e apreendidos e-mails?


O que está em causa quando se fala de e-mails é de correspondência existindo o regime
geral no artigo 179.º do CPP. O artigo 8.º da CEDH e o artigo 34.º da CRP estabelecem o sigilo
da correspondência e o CPP estabelece regimes diferentes para a ingerência das autoridades
públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação.
O CPP de 1987, no artigo 190.º, dispunha que o disposto nos artigos 187.º, 188.º e 189.º
era correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por
qualquer meio técnico diferente do telefone. No CPP de 1998, o artigo 190.º passou a prever
que o disposto nos artigos 187.º, 188.º e 189.º era correspondentemente aplicável às
conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone,
designadamente correio eletrónico ou outras formas de transmissão de dados por via
telemática, bem como à interceção das comunicações entre presentes. Já em 2007, o artigo
189.º, passou a dispor que 1. O disposto nos artigos 187.º e 188.º é correspondentemente
aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente
do telefone, designadamente correio eletrónico ou outras formas de transmissão de dados por
via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à interceção das
comunicações entre presentes e 2. A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização
celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só ́ podem ser
ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a
crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo
artigo. Em 2009 é aprovada a Lei do cibercrime que detém o artigo 17.º com epígrafe a
apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante e que
dispõe «[q]uando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um
sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a
que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou
registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por
despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da
verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de
correspondência previsto no Código de Processo Penal», assim, já não se aplica o artigo 187.º e
188.º do CPP, mas sim o artigo 179.º do CPP que é a apreensão de correspondência e o artigo
17.º da Lei do cibercrime.

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Direito Processual Penal 2022/2023

O legislador tentou alterar a redação do artigo 17.º do CPP e aproximá-la ao artigo 16.º,
designadamente, de poder ser a autoridade judiciária competente a autorizar ou ordenar, por
despacho, a apreensão de mensagens de correio eletrónico contrariamente ao estipulado no
artigo 17.º que dispõe que é o Juiz. O TC no Acórdão 687/2021 pronunciou-se pela
inconstitucionalidade destas normas e entendeu que não poderia ser o MP a autoridade
judiciária competente para proceder à apreensão das mensagens de correio eletrónico
argumentando que:
1. A Lei do Cibercrime versa sobre quaisquer crimes (não se circunscrevendo à
investigação de práticas criminosas de especial gravidade);
2. O sistema informático objeto da pesquisa pode vir a revelar-se bastante alargado,
considerando que poderá versar também sobre “outro [sistema informático] a que
seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro”;
3. Acedem-se a dados de tráfego que extravasam os dados de conteúdo;
4. Para além de existir uma ingerência nas comunicações, é possibilitado o conhecimento
de uma serie de dados pessoais; e
5. Estamos perante uma matéria com um grau significativo de indeterminabilidade, uma
vez que nos encontramos num contexto de permanente evolução tecnológica;
6. A intervenção do Juiz de Instrução, enquanto juiz das garantias, justifica-se uma vez
que o seu escrutínio constitui uma “garantia adicional de ponderação dos direitos e
liberdades atingidos no decurso de uma investigação criminal”.
Nos termos do artigo 17.º da Lei do Cibercrime, só o Juiz pode autorizar ou ordenar, por
despacho, a apreensão de e-mails que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta
da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de
correspondência previsto no Código de Processo Penal.

4. O Juiz de Instrução deveria ser o primeiro a visualizar as mensagens de correio


eletrónico apreendidas?
Para o Regente o artigo 17.º da Lei do Cibercrime permite fazer uma apreensão provisória
de e-mails, no decurso de pesquisas informáticas, devendo, contudo, as mensagens ser
presentes ao juiz para que determine a sua apreensão e junção ao processo e questiona-se,
nesta apreensão cautelar, se será que esse mecanismo supõe que quem procede à pesquisa
possa ter tomado conhecimento do conteúdo das mensagens em causa (artigo 16.º e 17.º do
CPP) e se não se exige que o Juiz seja o primeiro a ter conhecimento de todas as mensagens
(como acontece no correio físico – artigo 17.º da Lei do Cibercrime e 179.º, n.º 3 do CPP) e
discute-se na Doutrina se o «correspondentemente aplicável» do artigo 17.º da Lei do
cibercrime impõe que seja o Juiz o primeiro a ver, nos termos do artigo 179.º do CPP ou se
deixa essa margem e não se aplique esta norma.
A letra do artigo 17.º da Lei do Cibercrime aponta para a possibilidade de quem procede à
pesquisa encaminhar para o Juiz de Instrução as mensagens com relevância para o caso
concreto, cabendo a este decidir se as apreende ou não, mas nunca pode haver e-mails
apreendidos para ser utilizados como prova sem que haja intervenção do Juiz de Instrução
nesse sentido, ou seja, a preensão definitiva tem de ser ordenada pelo Juiz de Instrução e a
questão prévia é saber se a entidade que está a proceder à pesquisa pode, ou não, visualizar as
mensagens antes de as encaminhas para o Juiz de Instrução e, para a Assistente, é necessário

77
Direito Processual Penal 2022/2023

fazer uma diferenciação da forma como a pesquisa é efetuada porque se for efetuada através
de key words consegue-se apreender em bloco aquelas mensagens e enviar ao Juiz de
Instrução, se não já não será possível pois a apreensão será realizada consoante se vai vendo.
Uma questão muito debatida na Doutrina e Jurisprudência é saber se faz sentido haver
uma diferenciação entre mensagens de correio eletrónico abertas e fechadas porque o artigo
179.º do CPP só se aplica às cartas fechadas e a Doutrina entende que só é correspondência,
para efeitos deste artigo, as cartas que estejam fechadas sendo uma carta aberta tratada como
documento (artigo 178.º do CPP) e o TRL já proferiu Acórdãos em sentido contrário,
ultimamente tinha vinda a proferir uma Jurisprudência razoável no sentido de dizer que não
faz sentido a distinção e, há pouco tempo, proferiu um Acórdão em que distingue mensagens
de correio eletrónico abertas e fechadas «O artigo 17.º da Lei do Cibercrime não faz qualquer
distinção entre mensagens de correio eletrónico abertas e não abertas»; «O aberto ou não
aberto ou, mais corretamente, lido ou não lido, não é uma qualquer forma de proteção do
conteúdo da mensagem, contrariamente ao que sucede com os envelopes no correio
corpóreo»; «“a questão apenas se pode colocar relativamente a mensagens que estão nos
servidores dos ISP, não as já ́ descarregadas para os sistemas informáticos dos seus
destinatários. Isto porque a CCiber apenas distingue entre dados informáticos em trânsito (a
recolher em tempo real – artigos 20.º e 21.º) e dados informáticos armazenados (artigo 19.º)»
e, para Rogério Bravo, «[A mensagem de correio electrónico] por natureza, não é fechada, não
é envelopável, não é unívoca quanto ao número de destinatários e não circula em ambiente
seguro [...]. E, sobretudo, é, no seu estado natural imaterial». Para o Procurador Rui Cardoso
«o artigo 17.º determina a correspondente aplicação do regime de apreensão de
correspondência do CPP, não a aplicação integral. Esta só deve ser feita naquilo que não
contrariar o já previsto na própria LCC; a remissão para o CPP não pode sobrepor-se ao regime
especial de prova eletrónica previsto na LCC», assim «Se fosse intenção do legislador aplicar
integralmente o regime de apreensão da correspondência do CPP, bastar-lhe-ia ter dito que “à
apreensão de mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza
semelhante é aplicável o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP”. Não o
fez. Porquê selecionar e repetir no artigo 17.º da LCC apenas um dos requisitos já previstos no
artigo 179.º do CPP (grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova)? Nessa
interpretação, seria redundante», assim, «durante o inquérito, o Ministério Público, depois de
tomar conhecimento do seu conteúdo, deve apresentar ao juiz suporte com as mensagens de
correio eletrónico ou semelhantes cautelarmente apreendidas (ou melhor, os dados
informáticos que as constituem), juntamente com requerimento fundamentado para
apreensão daquelas que considere de grande interesse para a descoberta da verdade ou para
a prova, após o que o juiz apreciará, tomando conhecimento do seu conteúdo, e decidirá
autorizar ou não autorizar a apreensão formal», «[n]o inquérito, o Juiz de instrução autoriza a
apreensão, mas é o Ministério Público que a ela procederá (ou, por regra, determinará OPC a
fazê-lo). Note-se que a apreensão poderá não ser de tudo o requerido pelo Ministério Público
e assim haverá necessidade de proceder à apreensão apenas daquilo que for autorizado
através da forma prevista no artigo 16.º, n.º 7, alínea b) (realização de uma cópia só com esses
dados), para que será necessário conhecimentos técnicos e ferramentas informáticas que os
magistrados dificilmente possuirão», portanto, na opinião do Procurador, o Juiz de instrução

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Direito Processual Penal 2022/2023

não tem de ser o primeiro a tomar conhecimento das mensagens sendo o MP que deve fazer
essa triagem.
Na Jurisprudência estão publicadas algumas decisões sobre esta matéria e no Acórdão do
TRL de 06.02.2018, processo 1950/17.0 T9LSB-A.L1-5 (Relator: João Carrola) considerou-se que
«a LCC remete expressamente para o regime geral previsto no CPP, sem redução do seu
âmbito, antes se impondo a sua aplicação na sua totalidade, pelo que, sob pena de nulidade,
se exige que seja o juiz de instrução o primeiro a tomar conhecimento do conteúdo das
comunicações», assim, neste Acórdão entendeu-se que não poderia ser o MP a tomar
conhecimento em primeiro lugar tendo de ser, obrigatoriamente, o Juiz de Instrução. Em
sentido contrário existe o Acórdão do TRG de 29.03.2011, processo 735/10.0GAPTL- A.G1
(Relatora: Maria José́ Nogueira), em que se considerou ser de aplicar à apreensão de uma SMS
o disposto no artigo 17.º da LCC, mas podendo o Ministério Público aceder ao seu conteúdo
antes da decisão de apreensão [formal] do juiz de instrução.
Concluindo, para o Regente, o Ministério Público, depois de tomar conhecimento do seu
conteúdo, deve apresentar ao Juiz suporte com as mensagens de correio eletrónico ou
semelhantes cautelarmente apreendidas (ou melhor, os dados informáticos que as
constituem), juntamente com requerimento fundamentado para apreensão daquelas que
considere de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, após o que o Juiz
apreciará, tomando conhecimento do seu conteúdo, e decidirá autorizar ou não autorizar a
apreensão formal.

5. Poderiam ser utilizadas como prova as imagens de pornografia de menores?


O crime de pornografia de menores vem previsto no artigo 176.º do CPP onde se prevê no
n.º 5 que «[q]uem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso,
através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do
n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos» e, neste caso, o artigo 11.º, n.º 1, alínea b) da
LCC também será aplicável por ser cometido através de meio informático porque as fotografias
estavam alojadas no sistema informático pesquisado e na Lei não temos nada que nos diga
exatamente que solução se deve adotar neste caso e no CPP também não existe nenhuma
disposição dirigida a esta matéria e, por isso, a Doutrina não se debruça exaustivamente sobre
esta questão, mas no Direito norte-americano é uma questão muito descortinada e a plain
view doctrine foi inicialmente desenvolvida para o ambiente físico, portanto, quando no
âmbito de uma busca efetuada os OPC encontravam cassetes de pornografia infantil e se
poderiam, ou não, apreender essas cassetes. Atualmente, procurou adaptar-se esta ideia da
plain view doctrine ao ambiente digital, portanto, se no âmbito de uma busca se se encontrar
documentos que não se procurava e que são reconduzíveis à prática de outro crime pode-se
tomá-los em consideração? A plain view doctrine é uma exceção à regra geral de que é preciso
um mandato para que possa ser feita a apreensão e a Doutrina permite que a prova recolhida
seja utilizada ainda que a pessoa que procedeu à apreensão não estivesse autorizado para tal
desde que se verifiquem as seguintes condições:
 O agente tem de estar naquela posição legalmente, portanto, tem de haver um
fundamento para que o agente esteja no sítio onde está, ou seja, o agente estar ali
porque está à procura de prova para o crime que devia procurar;

79
Direito Processual Penal 2022/2023

 O carater incriminatório do objeto deve ser imediatamente apreensível, portanto,


deve ser algo que o agente olhe e consiga perceber imediatamente que aquilo pode
ser um objeto de um crime;
 O agente tem de poder aceder ao objeto de forma legítima, ou seja, estar na casa de
forma legítima e poder aceder, por exemplo, a uma gaveta de forma legítima.
No ciberworld parece que esta aplicação pode ser, por vezes, mais difícil porque a ideia de
que uma coisa está imediatamente à nossa vista é algo mais difícil de concretizar no Mundo
cibernético do que no Mundo físico. Existe muita Jurisprudência em sentido bastante
divergente a este respeito também com critérios bastantes diferentes e, atualmente, existem,
essencialmente, três orientações Jurisprudenciais a este respeito: 1. Há Jurisprudência que
aceita a aplicação da plain view doctrine para o ambiente digital tal como é aplicada para o
ambiente físico defendendo que tem plena aplicação; 2. Existe uma corrente Jurisprudencial
que entende que a plain view doctrine não pode ser aplicada ao ambiente digital e um dos
principais argumentos é a quantidade infinita de informação que existe nos sistemas
informáticos e 3. Por fim, existe uma Doutrina mais intermédia que introduz um requisito
adicional para se aplicar a plain view doctrine em que apenas pode haver uma apreensão no
decurso dessa pesquisa informática se o agente ou a entidade que tiver a efetuar a pesquisa
tiver encontrado de forma inadvertido, ou seja, se não houver qualquer intenção de o
encontrar e este requisito tem algumas críticas na Jurisprudência, nomeadamente, pelo facto
de parecer muito subjetivo pois parecer que depende de o agente dizer que estava a pesquisar
para outro crime e, por isso, tem-se assistido ao surgimento de uma transformação deste
requisito para a apreensão depender de uma razoabilidade, portanto, independentemente do
que o agente diga o que interessa é se, do ponto de vista objetivo, era expetável que tivesse
aquela atuação.

Aula teórica – 11.11.2022

A apreensão de e-mails na Lei do cibercrime (continuação)

Aula teórica – 14.11.2022

Objeto do processo (continuação)

Aula teórica – 18.11.2022

Proibições de prova
Prova ilícita
A atividade probatória no Processo Penal não poder exercida a qualquer preço,
designadamente, respeitando as garantias de defesa e violando Direitos fundamentais dos

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Direito Processual Penal 2022/2023

visados, mas ainda se discute qual é a justificação para a existência de limitações à atividade
probatória e se forem violadas essas limitações quais são os “remédios”.
As diferenças estruturais entre os modelos de processo penal de cunho inquisitivo
(europeu continental) e adversarial (anglo-americano), especialmente em relação ao conceito
de verdade (verdade material ligada aos poderes autónomos de investigação do Juiz ou
verdade formal dependente da iniciativa probatória das partes), fazem com que seja mais fácil
de impor uma regra de exclusão probatória nos sistemas adversariais do que nos sistemas de
cunho inquisitivo.

Delimitação entre prova irregular e prova ilícita


Devemos distinguir a prova irregular da prova ilícita porque muitas vezes estão fixadas
regras procedimentais para a obtenção da prova no CPP que se não forem cumpridas a prova
irregular, mas essas regras procedimentais têm, sobretudo, em atenção objetivos epistémicos
(limites epistémicos à obtenção da prova. A prova ilícita não é apenas uma violação de regras
procedimentais para obtenção da prova, mas sim a obtenção da prova através da violação de
Direitos fundamentais, por exemplo, o procedimento para obtenção da prova pode ser as
regras do reconhecimento de suspeitos, o nosso CPP usa o modelo designado de
reconhecimento em linha em que se coloca uma série de pessoas lado a lado semelhantes e,
depois, através de um vidro que só se vê de um lado a vítima ou testemunha vêm as pessoas
para dizerem se é alguém daquela linha o autor do facto. Nos EUA prefere-se o procedimento
sequencial que consiste em entrar pessoa a pessoa e há quem diga que este procedimento é
mais fidedigno. No nosso CPP, exigindo-se o reconhecimento em linha, se esta regra
procedimental for violada a prova é irregular e o efeito é uma nulidade probatória no sentido
em que não se cumpriu o procedimento estabelecido. Outra coisa é a prova ilícita, por
exemplo, agredir alguém até que ele fale violando a sua integridade física.
A obtenção ou produção de evidências (i.e., meios de prova) em processo penal é uma
atividade regulada que procura não só impedir que sejam cometidos excessos, mas também
garantir a segurança epistémica. Dado que as normas que regulam a atividade probatória são
de natureza distinta (i.e., epistémicas vs. garantísticas), as violações que eventualmente
ocorram dão lugar a vícios e consequências jurídicas diversas:
a) Prova irregular
b) Prova ilícita

Prova irregular
A prova é irregular quando forem ignoradas normas que regulam o procedimento para
a sua obtenção ou produção, mas sem chegar a afetar direitos fundamentais e trata-se de
hipóteses em que as evidências assim obtidas ou produzidas podem ser declaradas nulas ou
convalidadas, nos termos das nulidades processuais do artigo 118.º e seguintes do CPP. Em
princípio, seguem o regime das nulidades dependentes de arguição, nos termos do artigo
120.º do CPP.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Prova ilícita
A prova é ilícita naqueles casos em que a sua obtenção ou produção se tornou possível
através da violação de valores ou Direitos fundamentais consagrados nas Constituições
políticas dos Estados de Direito.

EUA
Nos EUA esta matéria começa por ter sede constitucional, designadamente, nas
adendas a Constituição como a 4.ª emenda que trata das buscas e apreensões. A
Jurisprudência vinculativa norte-americana (case law) começou por afirmar que as provas
ilícitas devem ser excluídas (exclusionary rule) como forma de disciplinar a atividade dos
agentes de investigação criminal perante o risco de violação de direitos fundamentais dos
cidadãos, especialmente os previstos na 4.ª Emenda à Constituição Norte-Americana (Bill of
Rights).
Esta regra surgiu na Jurisprudência norte-americana por finalidades de disciplina, ou
seja, para controlar as polícias e os Procuradores de Justiça (equivalente ao nosso MP) com o
objetivo de referir que não vale tudo para obterem provas e se fizerem as coisas com violação
da 4.ª emenda as provas obtidas têm de ser excluídas.
A 4.ª Emenda proíbe as buscas e apreensões sem que haja motivo razoável e mandado
judicial baseado em causa provável, suportado por informações fundamentadas transmitidas
ao Tribunal emissor, geralmente por um agente da justiça. O Supremo Tribunal dos EUA
(Supreme Court of the United States) adotou, pela primeira vez, a regra de exclusão relativa a
buscas e apreensões ilegais (search and seizure exclusionary rule) no caso Weeks v. United
States (1914) e tornou-a aplicável não apenas ao nível federal, mas também ao nível estadual
no caso Mapp v. Ohio (1961).

Alemanha
Na Alemanha esta matéria não se chama regra de exclusão probatória, mas sim
proibição de prova e vem regulado nos §136 e 136ª do CPP alemão, embora não venha
regulada genericamente, mas apenas por causa dos interrogatórios. A Lei processual penal
alemã estabelece regras para o interrogatório de indiciados, nos termos do § 136 e, em
comparação com o UK Police and Criminal Evidence Act (PACE) 1984 ou com os precedentes
vinculativos dos tribunais dos EUA, a StPO alemã tem um sistema menos detalhado quando se
trata de disciplinar o poder de investigação da polícia, a salvaguarda das garantias processuais
do visado em cada etapa da investigação e as sanções contra a má conduta policial.
O §136A StPO proíbe técnicas de interrogatório agressivas e extrai as devidas
consequências para a valoração das evidências porventura recolhidas dessa forma.
A expressão proibições de prova (Beweisverbote) foi inventada por Beling, que a
utilizou pela primeira vez numa conferência inaugural proferida no ano de 1902, em Tübingen.
Beling pretendia através dessa designação referir que existem limitações à descoberta da
verdade material no processo penal que o Estado se impõe a si mesmo, em parte como forma
de respeitar a esfera da personalidade do cidadão investigado, noutra parte também como
forma de preservar certos interesses públicos. Atualmente, a doutrina alemã subdivide
atualmente as proibições de prova em proibições de produção de prova
(Beweiserhebungsverbote) e proibições de valoração de prova (Beweisverwertungsverbote) e

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Direito Processual Penal 2022/2023

impõe um princípio de independência entre as duas espécies de proibições o que significa que
nem sempre uma proibição de produção gera uma proibição de valoração e podem existir
proibições de valoração que não tenham na sua origem nenhum vício na obtenção da prova.

EUA versus Alemanha


Quanto ao fundamento, nos EUA o fundamento das regras de exclusão probatória é
um fundamento de disciplina (nos termos da 4.ª adenda seria obrigar os titulares da
investigação criminal a respeitar as garantias constitucionais da maneira mais eficaz) e na
Alemanha é um fundamento de tutela dos Direitos fundamentais pois há travões à descoberta
da verdade visto que esta não pode ser descoberta a qualquer preço.
A distinção entre os fundamentos é importante porque delimita os destinatários
(quem é que tem de respeitar as regras de promoção probatória e quem é que pode violar as
proibições constitucionais). Se forem regras de disciplina dirigem-se às autoridades (entidades
públicas) que fazem a investigação criminal, mas não aos cidadãos, ou seja, se as provas forem
obtidas por particulares não interessa como porque a regra de disciplina só se aplica aos
agentes da investigação criminal, já no caso de serem regras de tutela dos Direitos
fundamentais dirigem-se a todos (autoridades públicas e particulares), assim, a prova obtida
ilicitamente por particular também está contaminada.
Outra distinção é que nos EUA se uma autoridade da investigação viole Direitos
constitucionais (como os que constam na 4.ª emenda), como a norma tem uma função de
disciplina, a exclusão probatória é de conhecimento oficioso e aplica-se a exclusão da prova.
No sistema alemão, que tutela os Direitos fundamentais, a prova obtida por violação das
previsões de prova, que na Alemanha são fundamentalmente relativas ao interrogatório, a
exclusão não é automática (seja por entidades públicas ou particulares) sendo sempre algo
daquilo que a Jurisprudência do TC alemão entender conforme o juízo de ponderação de
acordo com os critérios da proporcionalidade, portanto, analisam a gravidade do crime; a
gravidade da violação e se havia a possibilidade de obter a prova de outra forma, ou seja, não
deitam fora a prova contaminada sem ser feita esta ponderação.

83
Direito Processual Penal 2022/2023

Jurisprudência do TEDH
O TEDH, sobre esta matéria, segue a CEDH e a interpretação que faz da Convenção à
luz dos Direitos dos 46 Estados-membros tendo, pelo menos, três artigos muito importantes
nesta matéria: o artigo 6.º da CEDH (Direito a um processo equitativo – a questão a fazer a
este propósito é se a prova obtida em violação dos Direitos fundamentais quer por entidades
públicas, que por particulares compromete o Princípio do processo equitativo e, se a resposta
for afirmativa, quais são as consequências); artigo 3.º da CEDH (Proibição da tortura – a
proibição da tortura e dos maus-tratos é considerada pelo TEDH uma proibição absoluta cuja
violação ofende também o princípio do processo equitativo estabelecido pelo artigo 6.º da
CEDH e implica a proibição de valoração de evidências obtidas por esse modo, assim,
provavelmente o Estado condenado seria obrigado a reabrir o processo para decidir excluindo
toda a prova (direta e sequencial) que resultasse da utilização desses meios) e artigo 8.º da
CEDH (Direito ao respeito pela vida privada e familiar – esta ingerência é proibida salvo quando
estiver prevista na Lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja
necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico
do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da
moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros, portanto, o TEDH exige uma
norma habilitante nas ordens jurídicas internas. No tocante à violação do artigo 8.º da
Convenção, a Jurisprudência do TEDH, valendo-se de um raciocínio de ponderação de
interesses, acaba não extraindo consequências dessa violação para o funcionamento do
processo equitativo como um todo, à luz do artigo 6.º da Convenção, desde que ao acusado,
no caso concreto, tenham sido dadas oportunidades de contestar a prova em questão, tenham
sido respeitados os seus outros direitos de defesa e não haja dúvidas sobre a fiabilidade da

84
Direito Processual Penal 2022/2023

prova – o que é, genericamente, o caso para as provas obtidas em violação do artigo 8.º da
Convenção, ou seja, se a prova for obtida através de uma busca ilegal o TEDH não diz que ela
tem de ser desentranhada e que todas as provas dela derivada não possam ser utilizadas, o
TEDH questiona se, apesar disso, o acusado teve oportunidade de se pronunciar sobre aquela
prova (garantias de controlo da veracidade da prova obtida). Sendo assim, a Jurisprudência do
TEDH parece não fornecer quaisquer regras de exclusão da prova, as quais, enquanto critérios
operativos a nível nacional, possam constituir remédios efetivos contra a utilização de provas
obtidas em violação do artigo 8.º da Convenção).

Portugal
A prova aqui é utilizada apenas em dois sentidos: como métodos de obtenção de prova
e como meios de prova.
Os métodos de prova são os procedimentos usados pelas autoridades judiciárias e
pelas polícias criminais para a aquisição de evidências ou meios de prova com vista à sua
utilização no processo penal tendo o artigo 126.º da CPP como epígrafe os métodos proibidos
de prova (não inclui só o interrogatório pois é um artigo mais geral). No caso do artigo 126.º,
n.º 1 e 2 do CPP vigora uma proibição absoluta de obtenção de provas através dos meios ali
indicados, ainda que sejam obtidas a coberto do consentimento do titular dos direitos em
causa, já no n.º 3 do mesmo artigo a proibição é afastada pelo acordo do titular dos direitos
em causa, ou então é removida mediante as ordens ou autorizações emanadas de certas
autoridades, nos termos da Lei. Assim sendo, a busca domiciliária (artigo 177.º do CPP), a
apreensão de correspondência (artigo 179.º do CPP), a apreensão de documentos em
escritório de advogado ou consultório médico (artigo 180.º do CPP) e as escutas telefónicas
(artigo 187.º do CPP) ou equiparadas (artigo 189.º do CPP) são permitidas nas condições
expressamente previstas na Lei (proibições relativas), ou seja, existe uma norma habilitante
conforme exigência da CEDH
Os meios de prova não devem ser obtidos mediante procedimentos contrários aos
Direitos fundamentais de liberdade, salvo nos casos expressamente previstos na Constituição
e, comparando com o artigo 3.º e 8.º da CEDH, podemos dizer que temos meios de obtenção
de prova absolutamente proibidos (artigo 32.º, n.º 8, 1.ª parte da CRP) e temos meios de
obtenção de prova relativamente proibidos (artigo 32.º, n.º 8, 2.ª parte e 34.º, n.º 2, 3, e 4 da
CRP)
Quando se discute o significado e o alcance do artigo 32.º, n.º 8 da CRP e do artigo
126.º do CPP vem à baila a discussão de saber se são normas de tutela de Direitos
fundamentais ou se são normas de disciplina porque o nosso sistema não é exatamente igual
nem ao sistema alemão nem ao americano. Para o Regente são normas de disciplina porque a
proibição de certos métodos de obtenção de prova dirige-se preferencialmente aos órgãos de
perseguição penal, a começar pelas autoridades judiciárias (e.g., Ministério Público) e a
terminar nos OPC, mas também ao Juiz de Instrução; ao Juiz de Julgamento; aos restantes
sujeitos processuais e também aqueles que atuam ao abrigo de poderes concedidos por Lei,
mas não se dirigem aos particulares defendendo que a ilicitude na obtenção de provas por
particulares consubstancia uma proibição de valoração e não de produção de prova, sendo
destinatários do artigo 126.º do CPP, enquanto norma de disciplina, apenas os órgãos de
perseguição penal, ao passo que a conduta dos particulares é regulada pelos normativos

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Direito Processual Penal 2022/2023

substantivos. Neste sentido, os particulares não estão diretamente vinculados às regras de


proibição de prova, encontrando-se vinculados, porém, às normas penais para as quais o
legislador remete, por exemplo, o artigo 167.º do CPP.
Em princípio, a consequência processual do reconhecimento do carácter proibido das
provas devia ser a proibição de as mesmas serem utilizadas como fundamento de decisões
prejudiciais ao arguido, devendo essas provas ser desanexadas dos autos, uma vez que,
perdida a sua única utilidade, serviriam agora apenas para as entidades decisórias continuarem
a avaliar, na prática, algo que verdadeiramente não deviam conhecer.

Proibições de valoração de prova


De resto, a proibição de utilização (= valoração) das provas proibidas afigura-se como a
melhor maneira de o legislador prevenir a tentação de obtenção das provas a qualquer preço,
por parte das instâncias formais de controlo social. É como se o legislador anunciasse aos
virtuais prevaricadores: – Não sucumbais ao canto de sereia da obtenção das provas a
qualquer preço, porquanto isso vos custaria a inutilização absoluta dos meios de prova
ilicitamente obtidos, nem sequer se podendo repetir essas provas por outros meios. Por
exemplo, se invadistes o domicílio do suspeito sem a devida autorização judicial e nesse local
encontrastes a arma do crime, então é como se tivésseis destruído essa prova material.

Artigo 118.º, n.º 3 do CPP


O artigo 118.º, n.º 3, CPP dispõe que “[a]s disposições do presente título não
prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova”, ou seja, o regime das
nulidades processuais do artigo 118.º e seguintes CPP não se aplica às proibições de prova do
artigo 126.º do CPP. Quando muito, a nulidade cominada no artigo 126.º do CPP obedece a um
regime sui generis.

Artigo 32.º, n.º 8 da CRP e artigo 126.º do CPP


“São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade
física ou moral da pessoa […].” – proibição absoluta
“São nulas todas as provas obtidas mediante […] abusiva intromissão na vida privada,
no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.” – proibição relativa
porque depende de arguição
As palavras absoluta e relativa têm causado grande dificuldade técnica e suscitado
diferentes interpretações ao longo da história recente do CPP e a primeira distinção que
devemos fazer é que as proibições absolutas e relativas não têm nada a ver com a nulidade
absoluta e relativa. O CPP de 1987 em grande medida é inspirado pelo Professor Figueiredo
Dias que foi buscar as proibições de prova à inspiração alemã pois não existia na nossa ordem
jurídica e não quis deixar a palavra nulidade cair, daí dizer que são nulas não podendo ser
utilizadas, porque teve receio de colocar na Lei, por exemplo, que são proibidas não podendo
ser utilizados, que o aplicador da Lei pudesse pensar que o “são proibidas” era mais fraco do
que “são nulas”, mas, ao longo do tempo estabeleceu no capitulo das nulidades processuais a
norma do artigo 118.º, n.º 3 do CPP que é muito importante ligar ao artigo 126.º do CPP.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Autonomia técnica
Na verdade, a nulidade mencionada nos artigos 32.º, n.º 8 da CRP e 126.º do CPP não é
uma nulidade em sentido técnico processual, mas uma ‘nulidade’ dotada de uma autonomia
técnica completa em face do regime das nulidades processuais. Acontece, porém, que o
legislador português não quis levar a autonomia técnica das proibições de prova tão longe a
ponto de prescindir do emprego da palavra ‘nulidade’ neste contexto. Mas poderia e deveria
tê-lo feito, simplesmente cominando, com muito mais rigor, que: “São proibidas, não podendo
ser utilizadas, as provas...”. As nulidades insanáveis sanam com o trânsito em julgado, mas as
violações das proibições de prova não se sanam com o transito em julgado.

Artigo 126.º, n.º 1 do CPP


O artigo 126.º, n.º 1 do CPP (o n.º 2 é meramente explicativo do n.º 1) proíbe
implicitamente a produção das provas mediante a ofensa da integridade física ou moral das
pessoas, por isso mesmo que comina a nulidade das provas obtidas dessa maneira. Ademais, o
preceito proíbe expressamente a valoração dessas provas, porquanto acrescenta que as
mesmas não podem ser utilizadas, subentenda-se na fundamentação da acusação, da
pronúncia ou da sentença condenatória.

Artigo 126.º, n.º 3 do CPP


O artigo 126.º, n.º 3 do CPP não contém um regime diverso do anterior. O preceito diz
que “são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante
intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
Esses métodos configuram atentados contra Direitos de liberdade cuja importância não fica
atrás das situações descritas nos números anteriores do artigo 126.º do CPP. Donde se percebe
que o legislador tenha cominado igualmente a nulidade – a mesma espécie de nulidade – das
provas obtidas dessa maneira, determinando que essas provas tão pouco podem ser utilizadas.
É verdade que tanto o artigo 32.º, n.º 8 da CRP, tal como o artigo 126.º, n.º 3 do CPP
admitem a restrição desses direitos nos casos e segundo as formas previstos na Lei, mas esses
casos ficam já de fora das proibições de prova, sendo aliás métodos de prova permitidos e
regulamentados. Acresce que os direitos em causa são disponíveis, obstando assim o acordo
do respetivo titular à ofensa dos mesmos (volen; non fit injuria).

Regime sui generis


O regime sui generis das nulidades cominadas pelo artigo 126.º do CPP consiste
essencialmente no seguinte: são nulidades de conhecimento oficioso a todo o tempo e podem
ser atacadas excecionalmente depois do trânsito em julgado da decisão final, caso só sejam
descobertas depois disso, como, aliás, consta do artigo 449.º, n.º 1, alínea e) do CPP. Em suma,
a prova ilícita:
 Não pode ser utilizada;
 Não pode ser repetida;
 Deve ser desentranhada dos autos;
 Produz um efeito à distância que se comunica aos meios de prova causalmente
vinculados à prova ilícita;

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Direito Processual Penal 2022/2023

 Serve unicamente para se proceder disciplinar, criminal e civilmente contra quem a


obteve (artigo 126.º, n.º 4 do CPP).
 Serve como fundamento de recurso extraordinário de revisão (artigo 449.º, n.º 1,
alínea e) do CPP)
Assim, para o Regente, se quisermos dizer que é uma nulidade porque o legislador usa a
palavra nula, é uma nulidade que não tem a ver com o artigo 118.º, n.º 3 do CPP, mas sim uma
nulidade sui generis com um regime próprio.

Aula teórica – 21.11.2022

Proibições de prova (continuação)

Aula teórica – 25.11.2022

Efeito à distância das proibições de prova


A Doutrina baseada na Jurisprudência norte-americana e alemã tem sido aplicada
diretamente pelo TC e Tribunais comuns portugueses.
A Doutrina jurisprudencial dos frutos da árvore envenenada (fruit of the poisonous
tree doctrine) ou da mácula (taint doctrine) e a sua equivalente germânica, também chamada
teoria da mácula (Makel-Theorie), dizem que as provas que atentam contra os direitos de
liberdade acarretam um efeito à distância que torna inaproveitáveis as provas secundárias a
elas causalmente vinculadas, por exemplo, alguém é torturado pela polícia para dizer onde
escondeu algo (as declarações confessórias dele são a prova primária) e o lugar onde está
escondido se forem recuperar é a prova secundária e a questão é saber se o vício na obtenção
da prova primária se transporta para a prova secundária, daí termos a representação da árvore
envenenada que surgiu no âmbito da regra de exclusão.

EUA
A origem da Doutrina jurisprudencial da mácula foi o caso Silverthorne Lumber Co. v.
United States, decidido pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América, em 1920 em
que os agentes federais apreenderam ilegalmente documentos nas instalações da sociedade
comercial Silverthorne e que um Tribunal de comarca mandou devolver, tendo o promotor de
justiça promovido perante um grande júri a notificação dos arguidos para produzirem os
mesmos documentos, sob cominação de multa. Em recurso, o Supremo Tribunal dos Estados
Unidos da América decidiu que as referidas intimações eram nulas.
Juiz Conselheiro Oliver Wendell Holmes, Jr. (Relator):
«A essência de uma norma de proibição de aquisição de provas de certa maneira não se limita
a determinar que as provas assim adquiridas não poderão ser utilizadas em tribunal, mas
também que não poderão ser usadas de maneira nenhuma. É claro que isto não significa que
os factos assim obtidos se tornem sagrados e inacessíveis. Se a informação acerca dos mesmos
for obtida através de uma fonte independente, então esses factos podem ser provados tal

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Direito Processual Penal 2022/2023

como quaisquer outros, mas o conhecimento obtido pelo Estado por meios ilícitos não pode
ser por si usado da maneira pretendida».
A expressão frutos da árvore envenenada surgiu pela pena do igualmente famoso Juiz
Conselheiro Felix Frankfurter, no caso Nardone v. United States, de 1939 e a fundamentação
utilizada foi que o efeito à distância é a única forma de impedir que os investigadores policiais,
os procuradores e os juízes menos escrupulosos se aventurem à violação das proibições de
produção de prova na mira de prosseguirem sequências investigatórias às quais não chegariam
através dos meios postos à sua disposição pelo Estado de Direito. Como o efeito à distância
tem um impacto dramático no processo e na prova, a partir do momento em que se
estabeleceu o efeito à distância também se começaram a procurar as exceções do efeito à
distância e há uma série de exceções Jurisprudenciais que são case law vinculativo tendo como
raciocínio que o efeito à distância pode ser atenuado por uma série de exceções, que se
reconduzem à ideia de saber se as provas secundárias poderiam ter sido obtidas na falta da
prova primária maculada.

Exceções ao efeito à distância


Exceção da fonte independente
A primeira decisão que consagrou as exceções, foi no caso Silverthorne Lumber Co. v.
United States e foi também a primeira a estabelecer a exceção da fonte independente
(independent source) sendo vistas como exceções nominadas, assim, nos EUA a história da
teoria dos frutos estarem envenenados é, também, desde o início a história das exceções e
esta decisão foi a primeira a estabelecer a exceção de fonte independente em que as provas
secundárias podem ser admitidas se tiverem sido obtidas posteriormente também por via
autónoma e legal. A exceção da fonte independente foi reafirmada no caso Murray v. United
States, de 1988.

Exceção da conexão atenuada


A segunda exceção é a chamada exceção da conexão atenuada e apareceu no caso
Nardone v. United States foi estabelecida a exceção da conexão atenuada (attenuated
connecton), segundo a qual as provas secundárias podem ser admitidas se, como escreveu o
Juiz Conselheiro Frankfurter, “a conexão se tiver tornado tão atenuada a ponto de dissipar a
mácula”.

Exceção “a não ser”


A terceira exceção foi criada no caso Wong Sun v. United States, de 1963, e trata-se da
exceção ‘a não ser’ (but for), conforme a qual não basta “defender que todas as provas são
frutos da árvore proibida simplesmente porque não teriam sido descobertas, a não ser por
causa das ações ilegais da polícia”. Tratava-se de um caso em que o arguido confessara os
factos após uma detenção ilegal, mas só o fizera depois de ter sido posto em liberdade, tendo,
não obstante, regressado voluntariamente à esquadra para produzir a declaração confessória.
O Supremo Tribunal dos EUA decidiu que essa declaração confessória não estava contaminada
pela prévia detenção ilegal, apesar de reconhecer que Wong Sun nunca teria confessado os
factos se não tivesse havido a detenção  isto também vale como exceção e a prova
secundária é aproveitada.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Exceção da descoberta inevitável


Outra exceção é a descoberta inevitável que surgiu no caso Nix v. Williams, de 1984, o
Supremo Tribunal dos EUA aplicou o conceito de descoberta inevitável (inevitable discovery)
para admitir como prova o cadáver da vítima, que tinha sido descoberto pela polícia na
sequência de uma confissão do suspeito obtida de forma ilegal. O Supremo Tribunal dos EUA
argumentou que, de qualquer forma, o cadáver teria sido descoberto pelas equipas de busca
já constituídas, afirmando que “a grande maioria dos tribunais, estaduais e federais,
reconhecem uma exceção de descoberta inevitável à norma de exclusão”. Trata-se de uma
variante da fonte independente, mas difere desta exceção na medida em que não se exige
aqui que a polícia tenha, de facto, obtido as provas também através de uma fonte autónoma e
legal, mas apenas que tivesse podido, hipoteticamente, fazê-lo, como foi esclarecido no caso
State v. Boll, de 2002.
A exceção da descoberta inevitável já foi aplicada até mesmo para salvar a prova
primária maculada, como aconteceu no caso Clough v. State, de 1976.
Muitos comentadores têm-se manifestado contra a exceção da descoberta inevitável,
chamando a atenção para o facto de poder destruir o efeito preventivo do efeito à distância e
da própria proibição das buscas e apreensões ilegais, na medida em que uma aplicação
automática da ideia de descoberta inevitável incentivara as polícias a adotarem
comportamentos inconstitucionais, mas a Jurisprudência tem estabelecido limites à própria
exceção da descoberta inevitável.
No caso Nix v. Williams, o Supremo Tribunal dos EUA estipulou que a exceção só teria
aplicação se a acusação demonstrasse com um grau de probabilidade superior a 50 %
(preponderance of the evidence) que a informação teria sido inevitavelmente descoberta por
meios legais.
No caso United States v. Griffin, de 1974, o Supremo Tribunal dos EUA considerou que
a acusação não podia pretender que a descoberta era inevitável só porque a polícia acreditava
que tinha indícios fortes (probable cause) para fazer uma busca domiciliária sem mandado,
tencionando obtê-lo subsequentemente.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Exceção da boa-fé
Há quem defenda que ainda existe uma quinta exceção que é a boa-fé, mas tem
muitas reservas e a proteção da 4.ª Emenda contra buscas e apreensões injustificadas permite,
em via de regra, que um arguido consiga a exclusão das provas de um julgamento se forem
apreendidas de forma inconstitucional. Como já vimos, existem várias exceções à regra de
exclusão probatória. Uma delas envolve as evidências que as autoridades legais apreendam de
boa-fé. Se a polícia cometer um erro razoável ao conduzir uma busca, as evidências de um
crime que encontrar poderão ser admitidas. O Supremo Tribunal dos EUA decidiu que um juiz
pode considerar as evidências obtidas numa busca que parecia ter uma base legal como uma
busca apoiada por um mandado.
Devido à controvérsia em torno da exceção de boa-fé, alguns Estados não a aplicam
nos seus Tribunais e outros Estados aplicam uma versão limitada dessa exceção. Tal ocorre
porque os Estados têm o direito de conceder maiores liberdades aos seus cidadãos de acordo
com suas próprias Constituições para além das contidas na Constituição dos Estados Unidos da
América.

Alemanha
A Jurisprudência norte-americana tende a usar o raciocínio hipotético que é
comparável ao critério lícito alternativo que, por vezes, se usa no direito Penal material e que,
em certa medida, é parecido com as exceções norte-americanas da descoberta inevitável, por
exemplo, vão ver o que aconteceria se não tivesse sido obtida a prova daquela forma proibida
e se, ainda assim, por meios lícitos teriam lá chegado; se não fosse impossível chegar por
meios lícitos com determinado grau de probabilidade a prova pode ser aproveitada, portanto,
também têm Doutrina do efeito à distancia e também têm exceções quase todas as exceções
são contidas numa ideia geral de raciocínio hipotético para ver o que aconteceria se a atuação
fosse lícita e, para o Regente, são menos desenvolvidas do que as exceções norte-americanas.

TEDH
Também segue a Doutrina do efeito à distância, por exemplo, no caso Schenk vs. Suíça
(12.07.1988) em que o Senhor Schenk contratou o Senhor Pauty para matar a Senhora Schenk,
através de anúncio anónimo num jornal francês. Porém, o Senhor Pauty avisou a Senhora
Schenk e ambos se dirigiram às autoridades. Já na pendência do processo-crime adrede
instaurado, o Senhor Pauty procedeu à gravação do telefonema efetuado pelo Senhor Schenk,
que havia combinado ligar para confirmar se o trabalho já estaria efetuado, tendo tal servido
de prova para a condenação do Senhor Schenk. O TEDH apreciou à luz do artigo 6.º da CEDH e
considerou que o processo-crime em que foi utilizada a gravação de chamada telefónica
realizada por Pauty foi considerado justo no seu todo (fair as whole), considerando os
seguintes fatores:
I. Todos os direitos de defesa de Schenk foram respeitados;
II. Schenk teve oportunidade de sindicar a autenHcidade da prova;
III. Schenk solicitou diligências de investigação contra Pauty, que foram realizadas;
IV. Schenk teve oportunidade de sujeitar Pauty a contrainterrogatório;
V. Schenk foi condenado também com base noutras provas.

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Direito Processual Penal 2022/2023

No caso Gäfgen vs. Alemanha (01.06.2010) foi feita uma análise e fundamentação a dois
níveis:
I. Violação de direitos fundamentais da CEDH?
II. Uso da prova obtida através da violação de direitos fundamentais infringe o artigo
6.º da CEDH?
A prova obtida por tortura torna o processo injusto como um todo, não dependendo
do impacto da prova ilícita na condenação. Havendo maus-tratos não constitutivos de tortura,
exige-se a demonstração do impacto da utilização da prova para a condenação para que haja
violação do artigo 6.º da CEDH, assim, para o TEDH se houve tortura a proibição é absoluta e a
prova não pode ser utilizada, se houve maus-tratos que não sejam tortura tem de se ver a
importância que teve para a condenação e só se tiver sido absolutamente determinante em
que haverá violação do artigo 6.º da CEDH.

Portugal
O efeito à distância foi reconhecido pela primeira vez pelo Tribunal Judicial de Oeiras
(Sentença do 3.º Juízo, de 5 de março de 1993, Proc. n.º 777/91, 2.ª Secção) «a nulidade do
primeiro dos meios de prova é extensiva ao segundo, impossibilitando, da mesma forma, o
julgador de extrair deste último qualquer juízo valorativo».
Jurisprudência
Acórdão do TC n.º 198/2004
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de março de 2004 (Moura
Ramos) tratava-se de apreciar a questão de inconstitucionalidade normativa de saber se a
norma do artigo 122.º, n.º 1 do CPP (efeito à distância – “bem como os dele dependerem”)
pode ser interpretada como autorizando, face à nulidade de escutas telefónicas, a utilização
de outras provas, distintas das escutas e subsequentes, tais como confissões dos arguidos que
não teriam existido se soubessem da nulidade das escutas. O TC afirmou a inteira vigência
entre nós da Doutrina do efeito à distância, mas, no caso em apreciação, invocando a
doutrina estabelecida pelo Supremo Tribunal dos EUA no caso Wong Sun v. United States,
considerou que a invalidade da prova primária não afetava uma posterior confissão voluntária
e esclarecida quanto às suas consequências, tratando-se de um ato independente praticado
de livre vontade. Em referência ao artigo 122.º do CPP, o TC considerou que «esta norma
abre um espaço interpretativo no qual há que procurar relações de dependência ou de
produção de efeitos (o artigo 122.º, n.º 1 do CPP fala em atos dependentes ou afetados pelo
ato inválido) que, com base em critérios racionais, exijam a projeção do mesmo valor que
afeta o ato anterior». O TC decidiu que «o entendimento do artigo 122.º, n.º 1 do CPP,
subjacente à decisão recorrida, segundo o qual este abre a possibilidade de ponderação do
sentido das provas subsequentes, não declarando a invalidade destas, quando estiverem
em causa declarações de natureza confessória, mostra-se constitucionalmente conforme,
não comportando qualquer sobreposição interpretativa a essa norma que comporte ofensa
ao disposto nos preceitos constitucionais invocados».

Acórdão do STJ de 06.05.2004, processo n.º 04P774 – Relator Pereira Madeira


Este Acórdão é uma decisão mais consistente em que o STJ reconhece o efeito à
distância, porém admitindo que se possa proceder a limitações, mediante ponderações,

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quando se trate de proibições relativas de prova, nomeadamente devido à preterição de


requisitos de forma das escutas telefónicas (artigo 188.º do CPP).

Acórdão do STJ de 07.06.2006, processo n.º 06P650 – Relator Henriques Gaspar


O STJ reconheceu o efeito à distância, porém não automático, sobre as provas
secundárias havendo que estabelecer-se um “nexo de antijuridicade”.
«[…] Pode, hoje, considerar-se assente na doutrina e na jurisprudência (cf., por todos, o
acórdão do TC de 24-03-2004) que a projeção da invalidade de prova em matéria de
legitimidade ou validade da prova sequencial a prova nula não é automática, e que, em cada
caso, há que determinar se existe um nexo de antijuridicidade que fundamente o "efeito-à-
distância", ou se, em diverso, existe na prova subsequente um tal grau de autonomia
relativamente à prova inválida que destaque o meio de prova subsequente substancialmente
daquela».
Sufragando as exceções ao efeito à distância e aplicando a fonte independente:
«[…] A doutrina foi formada no contexto jurídico anglo-saxónico de afirmação da "regra da
exclusão", segundo a qual uma prova obtida em violação dos direitos constitucionais do
acusado não pode ser usada contra este; mas a extensão da "regra da exclusão" às provas
reflexas e a projeção de invalidade foi sempre conformada e limitada por circunstâncias
particulares que determinam que a invalidade da prova se não projete à prova reflexa. São os
casos de prova obtida por "fonte independente", "descoberta inevitável" ou "mácula
dissipada“. V - No caso de "fonte independente", a produção de prova autónoma
corroborando os conhecimentos também derivados da prova inválida afastaria o "efeito-à-
distância"; a confissão ou a prova testemunhal autónoma têm sido consideradas o paradigma
da chamada "fonte independente". VI Num caso em que, confrontada a fundamentação da
matéria de facto e a enunciação dos elementos de prova de que as instâncias se serviram para
formar a convicção sobre os factos, se verifica que a convicção do tribunal coletivo, com a
concordância do tribunal da Relação, foi formada com base, entre outros elementos, na
confissão dos arguidos, em vigilâncias, buscas e apreensões, sendo que em todos estes
elementos estão presentes fontes independentes, no sentido da formulação dos modelos de
decisão da doutrina referida, bem como outros meios de prova e de obtenção da prova que
poderiam - deveriam - levar a idêntico resultado, revelando os factos através de outra
atividade de investigação legítima, a invalidade das interceções não se projeta
consequencialmente em termos de ilegitimar as provas subsequentes referidas,
administradas e valoradas pelas instâncias”.

Acórdão do STJ de 31.01.2008, processo n.º 06P4805 – Relator Carmona da Mota


O STJ reconhece o efeito à distância, porém admitindo que se possa proceder a
limitações, mediante ponderações, quando se trate de proibições relativas de prova e já não
quando se trate de proibições absolutas:
«[…] será justamente no âmbito dos efeitos à distância dos «métodos proibidos de prova»
que se poderá dar consistência prática a essa distinção entre os métodos previstos no n.º 1 do
artigo 126.º e os previstos no n.º 3, pois que, enquanto os meios radicalmente proibidos de
obtenção de provas inutilizará – expansivamente – as provas por eles direta e indiretamente
obtidas, já deverá ser mais limitado - em função dos interesses conflituantes – o efeito à

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distância da «inutilização» das provas imediatamente obtidas através dos demais meios
proibidos de obtenção de provas (ofensivos não do «valor absoluto da dignidade do homem»,
mas de «interesses individuais não diretamente contendentes com a garantia da dignidade da
pessoa», como a «intromissão sem consentimento do respetivo titular» na «vida privada»,
«no domicílio», na «correspondência» ou nas «telecomunicações»)».
Concluindo que devido à preterição de requisitos de forma das escutas (188.º CPP), poderia
limitar-se o efeito à distância mediante juízos de ponderação e proporcionalidade:
«[…] não se afiguram «desproporcionados» os limitados efeitos sequenciais que as instâncias
possam ter retirado das escutas anuladas (com base, aliás, «não nos seus “requisitos e
condições de admissibilidade” - art. 187.º - mas nos “requisitos formais” das correspondentes
“operações”»), tendo em conta, por um lado, a própria «limitação – em função dos interesses
conflituantes – do efeito à distância da «inutilização» das provas (i)mediatamente obtidas
através dos meios proibidos de obtenção de provas previstos no n.º 3 do art. 126.º do CPP (já
que ofensivos não do «valor absoluto da dignidade do homem», mas de «interesses
individuais não diretamente contendentes com a garantia da dignidade da pessoa») e, por
outro, a «necessidade» de «otimização da concordância prática dos interesses em conflito)
(“inviolabilidade das comunicações telefónicas” versus “verdade material” e “punição dos
culpados”).»

Acórdão do STJ de 20.02.2008, processo n.º 07P4553 – Relator Armindo Monteiro


O STJ reconhece o efeito à distância: “[…] não se suscitando dúvidas de que aquela
invalidade derivada da busca sem autorização judicial contamina as demais provas postuladas
ao nível da inves1gação e em estrita conexão com elas, pois que subsiste um evidente nexo
de an1juridicidade entre a prova principal e a secundária, mercê de um nexo causal
informa7vo entre elas que não pode ser usado contra o arguido”.
Contudo, e reproduzindo as exceções invocadas no Ac. do TC 198/2004, considera não terem
sido contaminadas todas as provas secundárias: «Já quanto ao demais produto
estupefaciente e à caçadeira apreendidos na casa da Rua R…, e ao revólver con7do no interior
do veículo do arguido JS, essa busca e apreensão inscrevem-se no âmbito de uma persistente
e prévia a1vidade inves1gatória que, a par7r da denúncia de que o arguido, familiares e seus
correios, estavam ligados ao tráfico, levou a interceções telefónicas prévias à busca e
apreensão a fim de não o deixar escapar à malha penal, em qualquer caso, pelo que se pode
concluir que tal obtenção de prova não se mostra contaminada pela busca e apreensão
nulas».

Acórdão do STJ de 16.04.2009, processo n.º 08P3375 – Relator Souto de Moura


Reafirmando o Ac. de 31.01.2008, reconhece o efeito à distância, porém admitindo
que se possa proceder a limitações, mediante ponderações, quando se trate de proibições
relativas de prova e já não quando se trate de proibições absolutas:
«[…] A doutrina dos “frutos da árvore venenosa” não teve nunca entre nós o “efeito dominó”
de inquinar todas as provas que em qualquer circunstância apareçam posteriormente à prova
proibida e com esta relacionadas (vide Ac. do TC n.º 198/04). Daí que, só caso a caso e
perante uma prudente análise dos interesses em jogo é que se poderá avaliar a extensão dos
efeitos da prova inquinada. Importa apurar um nexo de dependência não só cronológica,

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Direito Processual Penal 2022/2023

como lógica e valorativa, entre a prova inquinada e a que se lhe seguiu. VII - Importa distinguir
entre interesses individuais que contendem diretamente com a dignidade humana (tortura,
coação, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas) e a violação de
interesses sem esse estigma, como pode ser o caso de simples intromissão na vida privada,
domicílio, correspondência ou comunicações. Se no primeiro caso está posta de lado qualquer
transigência em relação à prova subsequente, já no segundo é possível uma concordância
prática entre interesses conflituantes, com respeito pelos parâmetros da necessidade e
proporcionalidade (vide Ac. do STJ de 31-01-2008, Proc. n.º 4805/06 - 5.ª)».
Concluindo que, devido à preterição de requisitos de forma das escutas telefónicas (188.º
CPP), poderia limitar-se o efeito à distância, não operando um “efeito dominó”:
«[…] estão em confronto a inobservância dos requisitos formais das escutas (não da sua
admissibilidade) e a verdade material ao serviço da justiça penal. A impossibilidade de ser
utilizado como prova o resultado das escutas efetuadas, ficou a dever-se ao postergar do
princípio do contraditório, que por sua vez está ao serviço dos direitos da defesa. Acontece é
que as provas ulteriormente conseguidas estiveram abertas a todo o contraditório. Não custa
pois, aqui, negar o pretendido ‘efeito dominó’».

Acórdão do STJ de 12.11.2015, processo n.º 320/13.4 GCBNV.E1.S1 – Relator Souto de


Moura)
Reafirma o efeito à distância, porém para que tal proceda exige uma “conexão lógica”
especialmente exigente entre a prova primária (escuta ilícita) e as secundárias (declarações
de depoimentos produzidos no julgamento), num caso semelhante ao Ac. do TC 198/2004:
«A nulidade da prova produzida em audiência, por via do efeito à distância invocado pelo
recorrente, através de atos subsequentes às escutas, tem que derivar de um nexo de
dependência cronológica, lógica e valorativa entre estes e aquelas. Considerar que as
declarações e testemunhos ouvidos em audiência, não seriam os mesmos se soubessem da
invalidade das escutas a que foram sujeitos os arguidos, seria levar o efeito à distância a
proporções que não respeitam a composição de interessem em jogo, o estabelecimento de
uma alegada relação de causa e efeito, já não quanto à produção do tipo de prova
subsequente, e sim quanto ao próprio teor das declarações e depoimentos prestados. II - A
relação entre a prova “primária” inválida e a prova “secundária” tem que se estabelecer num
plano objetivo. A não ser assim, qualquer motivação subjetiva que tivesse originado certa
confissão ou depoimento, e que o seu autor concluísse não ter razão de ser, levaria a inquinar
a prova oral produzida..
Cita inclusivamente o Acórdão do TEDH no caso Gäfgen c. Alemanha:
«[…] em que esteve em causa uma confissão extraída sob tratamento desumano (prova
anulada) a que se seguiu uma segunda confissão esclarecida e independente, produzida em
condições de liberdade : " - 187. La Cour estime que, dans les circonstances de la cause du
requérant, la non-exclusion des preuves matérielles litigieuses, recueillies à la suite d’une
déclaration extorquée au moyen d’un traitement inhumain, n’a pas joué dans le verdict de
culpabilité et la peine prononcés contre le requérant. Les droits de la défense et le droit de ne
pas contribuer à sa propre incrimination ont eux aussi été observés, de sorte qu’il y a lieu de
tenir l’ensemble du procès du requérant pour équitable. 188. En conséquence, il n’y a pas eu
violation de l’article 6 §§1 et 3 de la Conven0on." (In hIp://hudoc.echr.coe.int.). Aí se

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considerou ser de excluir o efeito à distância por se estar perante uma "fonte independente"
e um caso de "mácula dissipada".»

Acórdão do STJ de 31.05.2017, processo n.º 559/12.0JACBR.C2.S1 – Relatora Rosa Tching


Não só se reconhece o efeito à distância como aplica a exceção da descoberta
inevitável:
«Apesar da doutrina da “árvore envenenada”, da nulidade de busca domiciliária realizada
durante a noite, sem prévio despacho judicial, e sem a autorização do arguido, cotitular da
habitação (mas com o consentimento da sua mulher), não se projeta o efeito à distância, à luz
do regime do art. 122.º do CPP, às munições da mesma marca, modelo e calibre daquelas que
deflagraram os projéteis que atingiram a vítima que foram apreendidas durante a busca, dado
que se verifica a chamada limitação da descoberta inevitável pois a busca, por um lado, foi
levada a cabo com autorização de um dos comproprietários da casa, sem qualquer fraude,
coação ou violência e, por outro lado, a realização da busca sempre poderia ser alcançado - e
seria, seguramente na evolução normal do processo logo que o recorrente fosse constituído
arguido com uma busca realizada com mandado judicial, nos termos permitidos pelas
restantes alíneas do preceito (art. 174.º onde se insere a norma [n.º 5, al. b)] julgada
inconstitucional na aplicação efetuada), concluindo-se, assim, pela possibilidade de valoração
do meio de prova dessas munições».

Doutrina portuguesa
Figueiredo Dias, já antes do Código de Processo Penal atual, defendia como
claramente inscrita no artigo 32.º da CRP a “doutrina que os alemães cognominam do
Fernwirkung des Beweisverbots e os americanos do fruit of the poisonous tree”.
Costa Andrade, em Proibições de Prova, afirma que a doutrina da independent source
“legitima a valoração de provas secundárias sempre que elas foram ou poderiam ter sido
obtidas por via autónoma e legal, à margem da exclusionary rule que impende sobre a prova
primária. Cabendo, contudo, precisar as exigências particularmente apertadas de que os
tribunais americanos fazem depender a valência duma causalidade hipotética. Tal só ocorrerá
nos casos em que a produção da prova secundária, por via independente e legal, se possa, em
concreto, considerar como ‘imminent, but in fact unrealized source of evidence’ (‘inevitable
discovery exception’)”.
Helena Morão trata do efeito remoto das proibições de prova e da sua limitação, mas
critica a relevância dos percursos hipotéticos de investigação.
Paulo Pinto de Albuquerque aceita limitações ao efeito à distância, mas recusa a
invocação de percursos hipotéticos de investigação e, em especial, a doutrina da descoberta
inevitável.
O Regente já sustentou que a invocação de percursos hipotéticos de investigação não
pode ser aceite sem reflexão, sob pena de se tornar ineficaz o sentido preventivo das
proibições de prova, mas, com as limitações que a jurisprudência norte-americana tem vindo
paulatinamente a impor à doutrina da descoberta inevitável, esta acaba sendo a mais
adequada aos juízos de ponderação envolvidos no caso concreto.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Base legal
Tem sido frequente a referência ao artigo 122.º, n.º 1 do CPP: «As nulidades tornam
inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem
afetar». Esta referência é duvidosa, atendendo à autonomia técnica das proibições de prova e,
portanto, à sua independência relativamente ao regime das nulidades processuais, no âmbito
do qual se inscreve o próprio artigo 122.º do CPP.
A jurisprudência constitucional, no Acórdão do TC n.º 198/2004, de 24 de março de
2004 (Moura Ramos), já teve ocasião de demonstrar que a afirmação genérica das garantias de
defesa que está contida no artigo 32.º, n.º 1 da CRP «bastaria para que entre esses direitos de
defesa se considerasse incluído o de ver excluídas do processo (tornadas ineficazes, inválidas
ou nulas) as próprias provas ilegais reportadas a valores constitucionalmente relevante».
«Assim, o n.º 8 do mesmo artigo 32.º, mais não faz do que sublinhar e tornar indiscutível esse
direito à exclusão, enquanto dimensão específica e indissociável do direito a um processo
penal com todas as garantias de defesa. Não teria sen6do, estando em causa valores (os
elencados no artigo 32.º, n.º 8) a que a Constituição confere tal importância, que a prova que
os atingisse e fosse obtida com inobservância das regras que permitem a compressão desses
mesmos valores, produzisse consequências processuais que ficassem aquém da nulidade
dessas provas”.
Helena Morão considera que o recurso à norma do artigo 122.º, n.º 1 do CPP é
desnecessário para a fundamentação de uma sede normativa reguladora de um princípio de
efeito à distância das proibições de prova no nosso sistema processual penal, pois basta o
fundamento constitucional contido no artigo 32.º, n.º 8 da CRP.
Em escritos anteriores procurei amparar o efeito à distância das proibições de prova
no artigo 122.º, n.º 1 do CPP, mas esta posição não era, de facto, congruente com a minha
defesa de uma independência técnica completa das proibições de prova em face do regime
das nulidades processuais. Por conseguinte, creio que a referência ao artigo 122.º, n.º 1 do CPP
só pode servir de argumento a fortiori, considerando que se a lei reconhece o efeito à
distância das nulidades processuais quando poderá estar em causa, por exemplo, a violação de
formalidades de prova, então por maioria de razão ter-se-á de reconhecer o efeito à distância
das proibições de prova quando está em causa a violação de direitos de liberdade.

Aula teórica – 28.11.2022

Buscas
Hipótese
Na residência de Salomé, sita em..., funciona um lar ilegal, que acolhe três idosas (com
idades aproximadas de 74, 85 e 94anos).É frequente os vizinhos ouvirem as referidas pessoas
de idade avançada a gritar. Salomé já recusou algumas vezes as visitas dos familiares das
pessoas idosas. Também não permitiu a entrada na mencionada casa à Segurança Social, nem
prestou qualquer informação.
O Ministério Público abriu inquérito contra Salomé por suspeita da prática de crime de
abandono e/ou de maus-tratos, previsto(s) e punido(s), respetivamente, pelos artigos 138.º,
n.º 1, alínea b) e 152°-A, n.º 1, alínea a) ambos do CP. O MP promoveu a realização de busca

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Direito Processual Penal 2022/2023

domiciliária, para obtenção de prova, suspeitando que na casa de Salomé pudessem ser
encontradas provas dos crimes.
O Juiz de Instrução indeferiu a promoção do Ministério Público no sentido de ser
realizada a referida busca domiciliária. O Juiz de Instrução sugeriu antes a audição prévia da
médica do Centro de Saúde.

Despacho do Juiz de Instrução


“Atenta a inviolabilidade do domicílio (n.º 1 do artigo 34.º da CRP), a busca domiciliária só
pode ser ordenada ou autorizada pelo Juiz, nos termos dos artigos 34.º, n.º 2 da CRP, artigo
174.º, n.º 3, artigo 177.º, n.º 1 e 269.º, n.º 1, c) e 2 do CPP.
“Todavia, para que a busca seja ordenada ou autorizada, é necessário, de acordo com o n.º 2
do artigo 174.º do CPP, que haja indícios de que objetos relacionados com um crime ou que
possam servir de prova, ou o arguido ou outra pessoa que deve ser detida, se encontram em
lugar reservado ou não livremente acessível ao público.”
“Ou seja, em primeira linha, exige-se que haja indícios da prática de um crime, o que não se
verifica, a nosso ver, nos autos”.
“A prova recolhida, até ao momento, é manifestamente escassa para se concluir nesse sentido.
“Não se mostra, de todo, suficiente o facto de a suspeita não ter acedido à solicitação da
Segurança Social de visitar a sua casa, nem o facto de ter recusado, segundo o que se sabe, por
uma vez, a visita de familiares das pessoas alegadamente acolhidas em sua casa (sem se apurar
em que circunstâncias tal recusa ocorreu), nem, ainda e sem mais, o facto de se ouvirem gritos
(alegadamente das idosas).”
“É que, em lado algum, no relatório de ocorrência é relatado que as idosas estão a ser
maltratadas, se apresentam malnutridas, etc.”
“Ademais, resulta do relatório de ocorrência junto aos autos que as idosas serão assistidas por
uma médica do Centro de Saúde, pelo que se nos afigura que, previamente, se deverá
diligenciar pela sua inquirição, estando esta especialmente habilitada para se pronunciar sobre
o estado de saúde e demais condições de acolhimento das idosas”.

Recurso do MP
O Ministério Público interpôs recurso da decisão para o Tribunal da Relação:
“[D]as duas uma: esta diligência levaria à confirmação dos indícios, sendo, por isso, inútil.”
“Ou, no caso de a médica do Centro de Saúde não vislumbrar elementos de prova indiciários
de abandono e/ou maus-tratos, também daqui não resultaria uma negação dos indícios já
existentes (gritos das idosas, recusa por parte dona do ‘lar ilegal’ em permitir o acesso aos
elementos da Segurança Social e até mesmo a familiares das idosas que as querem visitar).”
“A busca domiciliária é, pois, a única forma de descobrir a verdade, seja ela qual for”.
Segundo o Ministério Público: o Juiz de Instrução, ao indeferir a promovida busca, teria violado
o disposto nos 174.º, n.º 1 a 4, e 177.º, n.º 1, do CPP, no sentido de que existiam indícios,
suspeitas da prática, por parte de Salomé, de eventual crime de abandono e/ou de maus-
tratos.

Problema jurídico

98
Direito Processual Penal 2022/2023

A questão em apreciação prende-se, pois, com a constatação da existência ou não de


pressupostos legais, no caso, que permitissem autorizar a busca domiciliária solicitada pelo
Ministério Público.

Pressupostos da busca domiciliária


Para se ordenar a realização de uma busca domiciliária, a Lei exige a verificação de
indícios de que os objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou o
arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontrem em lugar reservado ou não
livremente acessível ao público (artigo 174.º, n.º 2 do CPP).
A busca domiciliária só pode ser ordenada ou autorizada por Juiz (artigo 177.º, n.º 1,
do CPP), com exceção dos casos referidos no artigo 177.º, n.º 3, do CPP, em que pode também
ser ordenada pelo Ministério Público ou ser efetuada por órgão de polícia criminal e só pode
ser efetuada entre as 7 e as 21 horas (artigo 177.º, n.º 1, do CPP), com exceção das situações
do artigo 177.º, n.º 2, do CPP.

Formalidades
Antes de se proceder à busca, deve ser entregue, salvo nos casos do n.º 5 do artigo
174.º do CPP, a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realize, cópia do
despacho que a determinou, na qual se faz menção de que pode assistir à diligência e fazer-se
acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga (artigo
176.º, n.º 1 do CPP).

Dever de fundamentação
O juízo a efetuar pelo Juiz exige uma fundamentação relevante, sustentada em
‘indícios’, não sendo necessário que os mesmos atinjam o grau de ‘indícios suficientes’, mas
também não podendo ser simples ‘suspeitas’.

Acórdão do TRL
O Tribunal da Relação decidiu revogar a decisão de primeira instância e ordenou que
fosse efetuada nova decisão, agora deferindo a requerida busca domiciliária nos termos
legalmente admissíveis:
“[O] que está em causa, nos autos, é saber se existem indícios a que se refere o artigo 174.º,
n.os 1 e 2, do CPP, ou seja, ‘de que os objetos relacionados com um crime ou que possam
servir de prova, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontrem em lugar
reservado ou não livremente acessível ao público’”.
Face ao conjunto factual disponível em que se sustenta o despacho em apreciação, existem
neste caso os seguintes indícios:
a) Está identificada uma pessoa [Salomé] em cuja habitação funcionará um lar onde se
encontram pelo menos 3 idosos a quem é paga uma contraprestação (cf. relatório da
ocorrência efetuada pela GNR e declarações prestadas por uma participante e informação da
Segurança Social ao Ministério Público);
b) Tal ‘lar’ é ilegal, na medida que não tem autorização da Segurança Social (cf. doc. da
Segurança Social);

99
Direito Processual Penal 2022/2023

c) A pessoa (identificada) recusou-se a consentir na entrada dos serviços de fiscalização da


Segurança Social e recusou-se a prestar qualquer informação;
d) Houve queixas (identificadas) de que teriam sido ouvidas ‘as idosas a gritar’ no interior da
residência;
e) A um familiar de uma das idosas terá sido recusada a entrada no ‘lar’
Nesta conformidade decide-se revogar a decisão dae primeira instância e ordenar que seja
efetuada nova decisão, agora, deferindo a requerida busca domiciliária nos termos legalmente
admissíveis.
Concluindo, promover uma busca domiciliária exige uma fundamentação e a busca, ao
contrário da escuta telefónica, não é uma diligência para obtenção de prova de última rácio,
mas também não é algo que se faça porque sim pois tem de haver indícios objetivos
suportados em provas.

Aula teórica – 02.12.2022

Não houve aula

Aula teórica – 05.12.2022

Não houve aula – Frequência

Aula teórica – 09.12.2022

As medidas de coação e de garantia patrimonial


As medidas de coação estão previstas no artigo 191.º e seguintes do CPP e as de
garantia patrimonial no artigo 227.º e 228.º do CPP e são meios processuais que limitam a
liberdade pessoal e/ou patrimonial do arguido, bem como a liberdade patrimonial de outros
eventuais responsáveis por prestações patrimoniais derivadas ou relacionadas com a prática
do crime, ou seja, são o conjunto de meios que o legislador entendeu serem capazes de fazer
cumprir os deveres do arguido ao processo concreto e para fazer garantir que o património
seja suficiente no caso de haver responsabilidade patrimonial. As finalidades são: (i) acautelar
o normal e imperturbado desenvolvimento do procedimento criminal; prevenir/evitar a fuga
ou a continuação da atividade criminosa (medidas de coação); (ii) garantir a execução das
decisões condenatórias (medidas de garantia patrimonial).
O artigo 61.º, n.º 6, alínea d) do CPP dispõe que o arguido tem o dever de sujeitar-se a
medidas de coação e de garantia patrimonial e, sendo um dever especial, remete para as
medidas de coação e de garantia especificadas na Lei o que quer dizer que existe uma
taxatividade das medidas de coação e de garantia patrimonial não existindo abertura para
outras. No entanto, o arguido deve sujeitar-se a estas medidas, mas sem afetar a sua defesa ou

100
Direito Processual Penal 2022/2023

a presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 1 da CRP) até ao trânsito em julgado da decisão
condenatória.

Exigências cautelares vs. exigências de punição


Não devemos confundir as exigências processuais de natureza cautelar que legitimam
a imposição de uma medida de coação ou de garantia patrimonial a alguém que se presume
inocente (artigo 191.º, n.º 1, 193.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3 do CPP  fins intra-processuais que
servem para garantir o mínimo de estabilidade e para que se garantam as condições para
acautelar a decisão) com as exigências de punição, que justificam a condenação a uma pena de
quem foi declarado culpado. Daí que, em regra, se dê a imediata extinção das medidas de
coação logo que proferidas decisões que infirmem a existência de tais exigências processuais
cautelares (artigo 214.º do CPP).
O artigo 214.º do CPP dispõe que as medidas de coação se extinguem de imediato
com:
a) O arquivamento do inquérito;
b) A não pronúncia;
c) A rejeição da acusação por ser manifestamente infundada nos termos do artigo 311.º,
n.º 2, alínea a) do CPP (saneamento);
d) A sentença absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto recurso;
e) Com o trânsito em julgado da sentença condenatória, iniciando-se então o
cumprimento da eventual pena, sendo exceção o TIR que apenas se extingue com a
extinção da pena.

Distinção das medidas de coação e medidas de garantia patrimonial


As medidas de coação (artigo 196.º a 202.º do CPP) pressupõe que exista processo em
curso e prosseguem finalidades intra-processuais (pressupostos gerais do artigo 204.º do CPP –
fins das medidas da coação). Servem para garantir a presença do arguido nos atos para os
quais for convocado; assegurar a aquisição, conservação ou veracidade da prova e são apenas
aplicáveis ao arguido, incluindo pessoas coletivas conforme, por exemplo, o artigo 196.º, n.º 4;
197.º, n.º 3 e 199.º, n.º 3 do CPP.
Já as medidas de garantia patrimonial (artigo 227.º e 228.º do CPP) visam garantir que
no final do processo as quantias devidas são pagas (multa, custas, indemnização, perda de
produtos e vantagens de facto ilícito típico ou pagamento do valor correspondente, etc.) e são
aplicáveis ao arguido ou ao responsável civil (artigo 227.º, n.º 3 (≠ artigo 197.º do CPP) e 228.º,
n.º 5 do CPP).

Medidas de coação
Existem quatro aspetos que devemos ter em atenção relativamente às medidas de
coação:
 Condições gerais de aplicação (artigo 192.º do CPP);
 Pressupostos gerais (artigo 204.º e 192.º, n.º 6 do CPP);
 Princípios gerais (artigo 191.º, 193.º e 194.º do CPP);
 Requisitos específicos de cada medida (artigo 196.º e 202.º do CPP).

101
Direito Processual Penal 2022/2023

Condições gerais de aplicação (artigo 192.º do CPP)


 Pela positiva – Tem de existir uma prévia constituição como arguido nos termos do
artigo 58.º do CPP (artigo 192.º, n.º 1 do CPP). Diferentemente o arresto (medida de
garantia patrimonial) pode ser aplicado sem prévia constituição formal como arguido,
quando esta puser em sério risco o seu fim ou a sua eficácia (artigo 192.º, n.º 3 a 5 do
CPP);
 Pela negativa – A inexistência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção
do procedimento criminal (artigo 192.º, n.º 6 do CPP). Bastam “fundados motivos para
crer” na sua existência, ou seja, quando temos alguém que atuou ao abrigo da legitima
defesa, essa atuação quando seja manifesta e sem qualquer dúvida não tem fundado
motivo para crer, logo, não deve aplicar-se medidas de coação devido da falta da
omissão geral e inexistência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção
do procedimento.

Pressupostos gerais (artigo 204.º e 192.º, n.º 6 do CPP)


Os fins do artigo 204.º do CPP relacionam-se com as providências cautelares, ou seja,
os fins das medidas de coação são:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e,
nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova ou na
“Instrução” = produção de prova, logo, engloba também a fase de julgamento;
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do
arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem
e a tranquilidade públicas.
Estes crimes relacionam-se com as restrições das providências cautelares porque são
reconduzíveis às categorias tradicionais do fumus comissi delicti e do periculum libertatis
(artigo 204.º do CPP).
O fumus comissi delicti significa que tem sempre de existir indiciação da prática de certo
crime pelo agente (nas medidas de coação mais graves, sob a forma de “fortes indícios” –
artigo 196.º a 203.º do CPP), ou seja, não há nenhuma medida de coação que não exija indícios
e, pela negativa, ausência de fundados motivos para crer na existência de uma causa de
isenção de responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal (artigo 192.º, n.º 6 do
CPP à contrari).

Qual o limite constitucional da perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas?


Não pode submeter-se alguém a uma medida de coação apenas como resposta ao
alarme social e aos sentimentos gerais de insegurança suscitados pela prática do crime, se no
caso concreto não se verificarem específicas necessidades processuais cautelares.
Historicamente, a perturbação grave da ordem e tranquilidade pública foi pensada
para os casos em que se receava que o povo fizesse justiça pelas próprias mãos, “linchando” o
delinquente, e, portanto, de algum modo, pretendendo preservar-se a sua vida e integridade
física. Porém, num Estado de Direito será admissível restringir a liberdade do arguido para
preservar a sua vida/integridade física da “fúria” popular? Ou a ordem e tranquilidade públicas
terão de ser asseguradas de outra forma?

102
Direito Processual Penal 2022/2023

Princípios gerais (artigo 191.º, 193.º e 194.º do CPP)


 Legalidade (artigo 18.º, n.º 2 da CRP e artigo 61.º, n.º 6, alínea d) e 191.º, n.º 1 do CPP)
 taxatividade das medidas de coação não existindo medidas de coação atípicas,
análogas ou arbitrárias;
 Proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 e 3 da CRP e 193.º do CPP) em sentido amplo, nos
seus três vetores: necessidade, adequação e proporcionalidade stricto sensu/justa
medida;
 Subsidiariedade (artigo 193.º, n.º 2 e 3 do CPP)  deve-se aplicar a medida menos
gravosa:
 Subsidiariedade das mais graves face às menos graves;
 Última ratio da prisão preventiva (artigo 202.º do CPP)
 Direito de defesa e ao contraditório (artigo 194.º, n.º 4, 7 e 8 do CPP);
 Audição prévia – regra (artigo 61.º, n.º 1, alínea b) e 194.º, n.º 4 do CPP);
 Judicialidade/reserva de juiz (artigo 32.º, n.º 4 da CRP e artigo 268.º, n.º 1, alínea b) e
194.º, n.º 1 do CPP). O TIR (artigo 196.º do CPP) é a única medida que não está sujeita
à judicialidade pois é única medida obrigatória com a constituição de arguido e é de
aplicação obrigatória pelo Juiz, MP e OPC levando alguns autores a considerar que o
TIR não é uma verdadeira medida de coação por não estar sujeito à proporcionalidade
obrigatória nem à judicialidade e, por outro lado, há quem defenda que é uma medida
de coação não só porque a Lei define, mas porque restringe os Direitos, liberdade e
garantias fundamentais (artigo 196.º, n.º 2 e 3 do CPP);
 Precariedade (artigo 212.º, n.º 1, alínea b), 3 e 4; 213.º; 214.º; 215.º e 218.º do CPP)

Princípio da legalidade
Só podem ser aplicadas as medidas de coação previstas na Lei, porque só a Lei pode
restringir Direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 2 da CRP e artigo 61.º, n.º 6, alínea
d), e 191.º, n.º 1 do CPP).
A legalidade implica a tipicidade/taxatividade das medidas de coação (artigo 191.º do
CPP), que só podem ser as seguintes (por ordem crescente de gravidade):
 Termo de identidade e residência – TIR (artigo 196.º do CPP);
 Caução “carcerária” (artigo 197.º e 205.º a 208.º do CPP) – medida de coação
destinada a assegurar a presença em atos processuais ou o cumprimento de
obrigações derivadas de outra medida de coação (conforme artigo 208.º do CPP) ≠
caução “económica”= medida de garantia patrimonial (artigo 227.º do CPP);
 Obrigação de apresentação periódica (artigo 198.º do CPP);
 Suspensão do exercício de profissão, função, atividade ou direitos (artigo 199.º do
CPP);
 Proibição e imposição de condutas (artigo 200.º do CPP) – medida de coação que,
mediante consentimento, inclui o tratamento de dependência que favoreceu a prática
do crime. Exceção: artigo 55.º do DL n.º 15/93 – Medida de coação de obrigação de
tratamento de toxicodependência em estabelecimento adequado;
 Obrigação de permanência na habitação (artigo 201.º do CPP);
 Prisão preventiva (artigo 202.º do CPP).

103
Direito Processual Penal 2022/2023

Princípio da proporcionalidade lato sensu


As medidas de coação e de garantia patrimonial só podem ser aplicadas em função da
sua estrita necessidade/exigibilidade face às concretas exigências processuais de natureza
cautelar, aferidas no momento em que ocorre a sua aplicação, (re)avaliação ou reexame
(artigo 212.º e 213.º do CPP). Devem ser adequadas às exigências cautelares do caso concreto,
sendo a necessidade, adequação e proporcionalidade também critério de escolha entre as
medidas legalmente previstas (artigo 193.º, n.º 2; 201.º, n.º 1 e 202.º, n.º 1 do CPP).
As medidas de coação devem ser estritamente proporcionais (e não excessivas) ante a
gravidade do crime e as sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas
(proporcionalidade stricto sensu), por isso, a aplicação das medidas de coação mais graves
(proibição e imposição de condutas, Obrigação de permanência na habitação e prisão
preventiva) depende da existência de “fortes indícios” da prática de facto doloso punível com
pena de prisão superior a 3 anos (artigo 200.º; 201.º e 195.º do CPP) ou 5 anos (artigo 202.º do
CPP).
É também manifestação da proporcionalidade o disposto no artigo 193.º, n.º 4 do CPP
«a execução das medidas de coação e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício
de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o
caso requer».

Princípio da subsidiariedade
Só podem ser aplicadas as medidas de coação mais gravosas, quando outras medidas
menos intrusivas se revelarem, no caso, inadequadas ou insuficientes face às concretas
exigências processuais cautelares.
A prisão preventiva é duplamente subsidiária (artigo 28.º, n.º 2 da CRP):
 Por ser privativa da liberdade (artigo 193.º, n.º 2 do CPP) e
 Por ser subsidiária da Obrigação de permanência na habitação (artigo 193.º, n.º 3 do
CPP).

Direito de defesa e ao contraditório


As regras da audição prévia encontram-se no artigo 61.º, n.º 1, alínea b) e 194.º, n.º 4
do CPP.
Para M.J. ANTUNES (p. 149) a audição do arguido é condição de aplicação da medida
de coação, logo, se, fora dos casos de impossibilidade fundamentada, esta for aplicada sem
prévia audição do arguido, deve ser imediatamente revogada por ter sido aplicada fora das
condições previstas na lei (artigo 212.º, n.º 1, alínea a) do CPP).
À audição aplica-se o artigo 141.º, n.º 4 do CPP, remissão que define o objeto da
audição, assim, o arguido deve ser informado:
 Dos factos que lhe são imputados;
 Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua
comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da
verdade ou não criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica, ou a liberdade
dos participantes processuais ou das vítimas.

104
Direito Processual Penal 2022/2023

Audiência prévia
O artigo 194.º, n.º 7 e 8 do CPP dispõe que, em regra, não podem ser considerados, para
fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coação ou garantia patrimonial, quaisquer
factos ou elementos que lhe não tenham sido comunicados durante a audição; e o arguido e o
seu defensor podem consultar os elementos do processo determinantes da aplicação da
medida de coação ou garantia patrimonial, durante o interrogatório judicial e no prazo
previsto para a interposição de recurso da decisão de aplicação da medida de coação (artigo
219.º e 411.º do CPP).

Princípio da precariedade
Manifestações:
 Artigo 212.º, n.º 4 do CPP – toda e qualquer medida de coação é, a todo o tempo,
oficiosamente ou a requerimento do MP ou do arguido:
a) Imediatamente revogada quando se verificar que desapareceram as
circunstâncias que justificaram a sua aplicação [n.º 1, alínea b) do CPP];
b) Substituída por outra menos grave, ou por forma menos gravosa da sua
execução, se se atenuarem as exigências cautelares que a determinaram (n.º
3).
 Artigo 213.º do CPP – reexame oficioso obrigatório dos pressupostos da prisão
preventiva e da obrigação de permanência na habitação:
a) No prazo máximo de três meses a contar da data da sua aplicação ou do
último reexame;
b) Se tiverem sido proferidos despachos de acusação, pronúncia ou decisão que,
a final, conheça do objeto do processo e não determinem a extinção da
medida aplicada.
 Existe uma controvérsia no reexame obrigatório previsto artigo 213.º do CPP)
que consiste no momento de discussão ampla sobre os pressupostos de
aplicação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação,
independentemente de existir ou não alteração das circunstâncias? Ou apenas
deve alterar-se a medida de coação se se tiverem modificado as circunstâncias,
atenuando-se as exigências cautelares, como parece decorrer do preceito
vizinho, o artigo 212.º, n.º 3 do CPP? Ou seja, não existindo alteração de
circunstâncias, o dever de reexame cumpre-se mediante remissão para a
decisão anterior que aplicou ou manteve a medida de coação? (ver adiante)
 Artigo 214.º do CPP – extinção em caso de proferimento de decisões que infirmem a
existência de exigências processuais cautelares (remissão).
 Artigo 215.º e 218.º do CPP – submissão das medidas de coação a prazos máximos de
duração, findos os quais se extinguem ou são substituídas por outra(s) (artigo 217.º,
n.º 2 do CPP).

Princípio da judicialidade
Judicialidade/reserva de Juiz (mediante despacho fundamentado) e prévia promoção
pelo MP na fase de inquérito/princípio do pedido (artigo 194.º, n.º 1 do CPP), devendo
distinguir-se consoante a fase processual:

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Direito Processual Penal 2022/2023

 No inquérito (artigo 194.º, n.º 2 e 3 do CPP) por decisão fundamentada do Juiz de


Instrução, mediante prévia promoção pelo MP.
 Porém, o Juiz de Instrução poderá aplicar medida de coação mais grave do que
a requerida, desde que não tenha como fundamento a alínea b) do artigo
204.º do CPP.
o Critério – durante o inquérito não pode o Juiz de Instrução aplicar
medida mais grave do que a requerida pelo MP, quando a decisão seja
fundada no perigo de perturbação do inquérito.
o Justificação do critério – equilíbrio entre a reserva de Juiz/judicialidade
e o respeito pela direção do inquérito, por parte do MP.
 Existem dúvidas sobre a constitucionalidade desta solução de 2013 devido:
o Erosão do papel do Juiz de Instrução como Juiz das liberdades na fase
de inquérito e estrutura acusatória (artigo 32.º, n.º 4 e 5 da CRP):
 Nos casos em que a Lei permite ao Juiz de Instrução aplicar
medida de coação mais grave face à promovida pelo MP (com
fundamento nas alínea a) e c) do artigo 204.º do CPP), isso
habilitar o Juiz de Instrução a formular um juízo que
transcende a função de garantia dos direitos fundamentais.
o Interferência com o estatuto constitucional do MP (artigo 219.º da
CRP):
 Apesar de o dominus do inquérito ser o MP, o Juiz de Instrução
poderá, dessa forma, negar/alterar a definição da estratégia
da investigação deferida ao MP.
 Na fase da instrução (artigo 194.º, n.º 1 do CPP) – competência judicial, mesmo
oficiosamente (i.e., por iniciativa do Juiz de Instrução), desde que seja ouvido o MP
(artigo 194.º, n.º 1 do CPP) e o arguido (artigo 194.º, n.º 4 do CPP);
 No julgamento (artigo 375.º, n.º 4 do CPP) –competência judicial, mesmo
oficiosamente (i.e., por iniciativa do Juiz de Instrução), desde que seja ouvido o MP
(artigo 194.º, n.º 1 do CPP) e o arguido (artigo 194.º, n.º 4 do CPP).
NOTA: apesar do Juiz, nas fases de instrução ou de julgamento, poder aplicar medida de
coação “ex officio”, nada impede que qualquer interveniente possa requerer-lhe a aplicação da
medida.

Existe uma discussão relativamente à admissibilidade de a APC (em caso de urgência


ou perigo na demora), bem como o arguido ou o assistente poderem requerer a aplicação de
medidas de coação ao Juiz de Instrução nos termos do artigo 268.º, n.º 2 do CPP:
 Sim: previsão legal expressa (PPA).
 Não: o artigo 194.º do CPP é norma especial que prevalece sobre o artigo 268.º, n.º 2
do CPP (MJA);
 Tomada de posição – sim, mas haverá que distinguir quem tem interesse no pedido
(não o arguido, mas sim o assistente) e a fase processual: na instrução será admissível,
porque o Juiz de Instrução é o dominus desta fase, porém não no inquérito, atendendo
à função das medidas de coação e ao necessário equilíbrio entre direção do inquérito
pelo MP e papel do Juiz de Instrução na fase de inquérito.

106
Direito Processual Penal 2022/2023

E a APC pode solicitar a aplicação de medidas de coação ao Juiz de Instrução, em caso de


urgência ou perigo na demora, na fase de inquérito?
Ainda que seja discutível, só se tal requerimento for posteriormente ratificado pelo MP
atendendo a que o mesmo detém a direção do inquérito.

Desrespeito dos princípios e condições de aplicação das medidas de coação


Para M.J. ANTUNES (p. 140) defende que tal desrespeito significa que as medidas de
coação foram aplicadas fora dos casos e condições previstas na Lei, impondo-se a sua imediata
revogação, oficiosamente ou a requerimento (artigo 212.º, n.º 1, alínea a) do CPP – espécie de
habeas corpus por determinação legal?)
Esta uma consequência que decorre do direito constitucional à liberdade e à
segurança, no sentido de só se ser privado da liberdade nas hipóteses e condições previstas na
Lei (artigo 27.º, n.º 1 da CRP), ou seja, não deveria aplicar-se o regime geral das nulidades e
irregularidades (artigo 118.º e seguintes do CCP) cominado para a violação das disposições da
lei processual penal. Todavia, sobretudo em virtude de alterações à versão primitiva do CPP, a
Lei vem estabelecendo expressamente a nulidade em matéria de desrespeito das condições
legais de aplicação das medidas de coação (artigo 194.º, n.º 1, 3 e 6 do CPP). Que tipo nulidade
é esta? (ver adiante)

Despacho fundamentado do Juiz


A motivação encontra-se no artigo 194.º, n.º 6 e 7 do CPP e discute-se se a
fundamentação do despacho pode ser cumprida por remissão para a promoção do MP
existindo duas posições:
 Inadmissibilidade da motivação por remessa para a promoção do MP – o despacho
judicial deve ser fundamentado (artigo 97.º, n.º 5 do CPP): a motivação deve resultar
de uma ponderação concreta e individual, própria daquele Juiz – necessário respeito
dos artigos 205.º, n.º 1; 32.º, n.º 4 e 202.º, n.º 2 da CRP.
 Admissibilidade

Acórdão do TC n.º 391/2015


“(…) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo
Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão que decreta a medida de
prisão preventiva, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público”.
“...só uma decisão que resulte de uma ponderação própria dá conteúdo material efetivo à
reserva de juiz (…). Mas a circunstância de a fundamentação da decisão que coloca um arguido
em prisão preventiva, proferida por um juiz, remeter para anterior promoção do Ministério
Público, não permite, só por si, retirar a conclusão que ela não traduz uma opção livre,
autónoma e independente do seu subscritor. (…) o cumprimento do dever de fundamentação
das decisões judiciais pode assumir, conforme os casos, uma certa geometria variável, sendo
entregue ao legislador ordinário a tarefa de definir as formas e o grau de fundamentação
exigível…” (destaques nossos)

Apreciação crítica

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Direito Processual Penal 2022/2023

 São condições (fixadas pela jurisprudência constitucional) para a admissibilidade da


fundamentação através de remessa para a promoção:
i. Que a decisão judicial revele ainda um juízo concreto que traduza uma “opção
livre, autónoma e independente” do próprio; e
ii. Que o legislador ordinário fixe/defina, de acordo com a sua liberdade de
conformação, os parâmetros, “as formas e o grau de fundamentação exigível”.
No caso em apreço, não há norma habilitante que defina a forma ou o grau de
fundamentação, e, muito menos, norma sobre a admissibilidade da remessa para a promoção
do MP conforme, por exemplo, o que sucede em matéria de sentença (proferida oralmente)
na forma de processo sumária (artigo 389.º-A do CPP):
1. A sentença é logo proferida oralmente e contém:
a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão
para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão (…)” –
destaques nossos.
Em suma: o legislador admitiu a remissão quanto aos factos provados e não provados,
mas a motivação, ainda que concisa, não pode ser realizada através de remissão.

Diferentemente, em matéria de medidas de coação, o legislador ordinário não utilizou


tal “liberdade de conformação” não havendo norma habilitante que admita a remessa e fixe os
seus limites e parâmetros (de “geometria variável”) podendo, por, isso concluir-se que é, no
mínimo, muito duvidosa segundo os próprios parâmetros fixados pelo TC, a
constitucionalidade da interpretação normativa segundo a qual o despacho judicial que
aplique medida de coação (mais grave que o TIR) pode fundamentar-se na remessa para a
promoção do MP.

Preterição ou violação de normas “sob pena de nulidade” (artigo 194.º, n.º 1, 3, 4 e 6 do CPP)
Não integrando o catálogo do artigo 119.º do CPP, prima facie não constitui nulidade
insanável. Parece que só integrariam a previsão do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP, a
preterição do artigo 194.º, n.º 1 do CPP, durante o inquérito; a falta de audição do arguido,
mas não a violação das disposições do número 3 e 6.

Será a nulidade do artigo 120.º, n.º 1 do CPP dependente de arguição, sob pena de sanação
(artigo 118.º, n.º 1 do CPP)?
Quanto à falta de audição do arguido, conforme o Acórdão do TRL, de 19.10.2017,
processo n.º 3110/13.OJFLSB-B.L1-9 “(...) uma vez que a lei impõe a audição pessoal do
arguido, antes da aplicação da medida de coação ou de garantia patrimonial, a sua falta há-de
constituir a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c) do CPP ...” (ausência do
arguido quando a lei impõe a sua presença).
Nulidade que atinge o procedimento de aplicação da medida de coação e,
consequentemente, o despacho que a aplicou (artigo 122.º do CPP), sempre que, sendo
possível a audição do arguido, este não tenha sido pessoalmente ouvido, não obstante a
presença do defensor, conforme NUNO BRANDÃO.

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Direito Processual Penal 2022/2023

Parece que, além disso, ainda pode haver revogação ou substituição da medida,
oficiosamente ou mediante requerimento:
 Revogação nos termos do artigo 212.º, n.º 1, alínea a) do CPP, por a medida de coação
ter sido aplicada fora das hipóteses e condições previstas na Lei;
 Substituição da medida, ao abrigo do artigo 212.º, n.º 3 do CPP.
Também deve ser admissível o recurso nos termos do artigo 219º do CPP.

Se o artigo 194.º, n.º 4 do CPP estabelece que a regra é o arguido ser ouvido previamente,
a violação dessa regra corresponde à não audição do arguido quando era obrigatória essa
audiência, assim, era necessário que o Juiz fundamentasse a impossibilidade do artigo 194.º,
n.º 4 do CPP, logo, se o Juiz não fundamentar a impossibilidade e aplicar uma medida de
coação, exceto o TIR por ser de aplicação obrigatória, o Juiz estará a praticar um ato nulo
insanável aplicando-se o artigo 119.º, alínea c) do CPP por não ter sido previamente ouvido.
O artigo 194.º, n.º 1 do CPP tem como primeira regra a judicialidade pois menciona o
“despacho do Juiz” no seu texto, assim, a aplicação da medida de coação mais grave necessita
sempre de despacho do Juiz, na fase de inquérito o Juiz de Instrução (artigo 268.º, n.º 1, alínea
b) do CPP; na fase de instrução o Juiz que presida a fase de instrução, portanto, o Juiz de
Instrução e na fase de julgamento o Juiz de julgamento (artigo 375.º, n.º 4 do CPP). O
problema ocorre quando o inquérito se coaduna com a decisão da medida de coação do Juiz
de Instrução e sempre que, durante o inquérito, o Juiz decidir aplicar medida de coação
depende de prévia promoção pelo MP (artigo 194.º, n.º 1 do CPP), ou seja, o Juiz de Instrução
nunca pode aplicar medida de coação mais grave que o TIR se não tiver sido promovido pelo
MP.

Requisitos específicos de cada medida de coação (artigo 196.º a 202.º do CPP)


 Em especial, o TIR (artigo 196.º do CPP):
 Única medida obrigatória com a constituição de arguido;
 Aplicável por OPC, MP ou Juiz de Instrução;
 Cumulável com qualquer outra medida;
 Constitui uma exceção aos vários princípios já referidos (reserva de Juiz,
proporcionalidade, necessidade, etc.);
 Discute-se se será uma verdadeira (materialmente) medida de coação
existindo duas posições:
o Não é verdadeira medida de coação atentas as exceções referidas;
o É uma verdadeira medida de coação, dadas as restrições intensas de
Direitos, liberdades e garantias que tal medida comporta (v.g., a
restrição da privacidade e do direito de defesa, com a possibilidade de
realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, desde
que notificado para a morada constante do TIR) – artigo 196.º, n.º 2 e
3 do CPP
 Em especial, a prisão preventiva (artigo 202.º do CPP):
 Última ratio/subsidiariedade;
 “Fortes indícios”;
 Crime doloso;

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 Punível com pena de prisão superior a 5 anos (artigo 202.º, n.º 1, alínea a) do
CPP ou crimes expressamente constantes das alíneas b) a e) do artigo (artigo
202.º, n.º 1 do CPP) – crimes de catálogo.
o Casos especiais: artigo 203.º, n.º 2 do CPP (atenuação dos requisitos
gerais para aplicação da PP).
 Periculum libertatis (remissão);
 Fumus comissi delicti (remissão).
 Questiona-se qual é o crivo/critério de “fortes indícios”:
o A aplicação da medida de coação pode ser anterior à acusação, para a
qual são exigidos “indícios suficientes”. Como compatibilizar os dois
critérios? “Suficientes” é mais exigente que “fortes”?
 Se o crivo de “indícios suficientes” é exigido para a acusação
(artigo 283.º do CPP) e para a pronúncia (artigo 308.º do CPP),
e se tal exigência é similar à convicção do julgador, então,
“suficientes indícios” corresponde à totalidade, e “fortes
indícios” será um crivo menor (um “minus”) face aos
“suficientes” (J. Noronha Silveira);
 Atendendo aos progressivos níveis de exigência (suspeita
fundada, indícios suficientes, fortes indícios e convicção para a
condenação), que estão na proporção direta da restrição
intensa de Direitos, liberdades e garantias: indícios suficientes
(probabilidade maioritária?) serão um “minus” face aos fortes
indícios (probabilidade qualificada?).
 Também se questiona se, em caso de concurso de crimes dolosos puníveis,
cada um, com pena de 3 anos (v.g., artigo 203.º, n.º 1 do CP), poderá aplicar-se
a prisão preventiva e existem duas soluções possíveis:
o Sim: a pena é superior a 5 anos em cúmulo;
o Não: o crime doloso não é punível com pena de prisão superior a 5
anos;
o Uma solução possível: em caso de concurso, só poderá justificar a
prisão preventiva o crime doloso punível com pena mais grave.
 Impedimentos: o artigo 40.º, alínea a) do CPP estará preenchido caso o Juiz
de Julgamento aplique a prisão preventiva no decurso do julgamento?
o Interpretação literal do artigo 40.º, alínea a) do CPP o Juiz que aplique
a prisão preventiva fica impedido, a partir desse momento, de
(continuar a) participar no julgamento.
 Haverá impedimento, devendo o juiz ser substituído com as
consequências ao nível da perda de eficácia da prova já
produzida e necessidade de repetição da mesma… repetição
do julgamento;
 Mais grave: como o Juiz terá de proceder ao reexame
obrigatório (artigo 213.º do CPP) da prisão preventiva ou da
obrigação de permanência na habitação, no máximo de 3 em 3
meses, se o julgamento ainda não estiver encerrado, qualquer

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Direito Processual Penal 2022/2023

(outro) Juiz estaria novamente impedido de continuar a


participar no julgamento se mantiver a prisão.
o Interpretação teleológica: evitar pré-juízos antes do início da
produção de prova. Logo, a partir do início da produção de prova em
sede de julgamento, deixa de fazer sentido o impedimento (até
porque o Juiz terá de valorar – formular juízos sobre a credibilidade de
cada prova – desde o início da sua produção).
 A finalidade do artigo 40.º do CPP é mantida integralmente se
o impedimento do Juiz de Instrução for restringido ao
momento anterior ao início da produção de prova.

Modos de impugnação
1. Recurso (artigo 219.º do CPP):
 Recorribilidade geral;
 A inexistência de inutilidade superveniente do recurso do despacho que
aplicou a medida de prisão preventiva ou de obrigação na permanência na habitação,
quando tenha havido reexame e manutenção da prisão preventiva ou da obrigação de
permanência na habitação seguida de recurso desta última (artigo 213.º, n.º 5 do CPP).
 Ratio - não haver na prática irrecorribilidade da decisão prévia, em especial da
decisão que aplicou as medidas mais gravosas, que, por isso, estão sujeitas ao
reexame obrigatório, no máximo, de 3 em 3 meses.
 Quem tem legitimidade para recorrer?
 Arguido;
 MP, mesmo contra o interesse do arguido.
o Acórdão do STJ (de fixação de jurisprudência) n.º 16/2014 «É
admissível recurso do Ministério Público de decisão que indefere,
revoga ou declara extinta medida de coação por ele requerida ou
proposta».
 E o Assistente, poderá?
o Discussão sobre a admissibilidade, maxime tendo em conta os
requisitos gerais do artigo 204.º do CPP.
2. Providência de “habeas corpus” por prisão ilegal – (artigo 222.º do CPP):
 Providência directamente perante o STJ (artigo 222.º, n.º 1 do CPP);
 Urgente;
 Qualquer pessoa tem legitimidade para a requerer «qualquer cidadão no gozo
dos seus direitos políticos» (artigo 222.º, n.º 2 do CCP)
 Requisitos – ilegalidade da prisão, porquanto:
 Efetuada ou ordenada por entidade incompetente;
 Motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
 Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial (artigo
222.º, n.º 2 do CPP).
 Questiona-se o que seja prisão ilegal por “ser motivada por facto pelo qual a Lei a não
permite”?

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Direito Processual Penal 2022/2023


Jurisprudência do STJ: interpretação restritiva, pois o “habeas corpus” não é o
meio adequado à verificação dos fortes indícios do crime – que devem ser
suscitados através de recurso.
 Não havendo litispendência/caso julgado entre o recurso e a providência de “habeas
corpus” – artigo 219.º, n.º 2 do CPP.
3. Pedido de revogação/substituição perante o próprio Juiz de Instrução (artigo 212.º, n.º
4 do CPP)

Aula teórica – 12.12.2022

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