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ISSN Impresso: 2316-1299


ISSN Eletrônico: 2316-3127

JURISDIÇÃO PENAL: BUSCA DA VERDADE,


IMPARCIALIDADE E LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

Paula Rainna Nascimento Santos1 RESUMO


Robson Cosme de Jesus Alves2 O presente artigo tem como tema a Jurisdição Pe-
nal, procurando analisar, sobretudo, a relação exis-
tente entre a busca da verdade, a imparcialidade e o
livre convencimento motivado do magistrado. Para
tanto, inicialmente apresenta-se a concepção de
jurisdição penal não como mero poder estatal, mas,
fundamentalmente, como garantia constitucional.
Em seguida, são examinados os aspectos referen-
tes à busca da verdade no exercício da jurisdição,
demonstrando a necessidade de desconstrução do
mito da verdade real ou absoluta e de dissemina-
ção da concepção de busca da verdade processual,
construída dentro de um devido processo penal,
através do complexo probatório carreado aos au-
tos, daí a análise da íntima relação entre prova e
verdade. Posteriormente, procura-se refletir sobre
a imparcialidade e o livre convencimento motiva-
do do julgador enquanto garantias constitucionais
limitadoras da busca da verdade no exercício da
jurisdição penal. Desse modo, considerando a ativi-
dade jurisdicional penal como garantidora do siste-
ma de garantias constitucionais, entre as quais se
inserem a imparcialidade e o livre convencimento
motivado, conclui-se não ser legítima a busca da
verdade a todo custo, mas de uma verdade cons-
1. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Univer-
truída em processo regular, através da atividade
sidade Tiradentes: Email: paularainna@hotmail.com
probatória das partes, por meio do livre convenci-
2. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pro-
mento de julgador imparcial.
fessor Universitário. Email: rcjalves@gmail.com

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PALAVRAS-CHAVE penal ante os valores da atual ordem constitucio-


nal e do Estado Democrático de Direito, consta-
Jurisdição penal. Verdade. Imparcialidade. Livre tando que a atividade jurisdicional não pode ser
convencimento compreendida como mero poder estatal, mas es-
sencialmente como uma garantia constitucional do
acusado e da sociedade como um todo, tendo como
ABSTRACT escopo primordial a efetivação de diversas outras
garantias constitucionais. Por conseguinte, objeti-
This article focuses on the Criminal Jurisdiction,
va-se demonstrar que, nesse cenário, não é admi-
trying to analyze, especially the relationship be-
tida qualquer outra forma de busca da verdade que
tween the search for truth, impartiality and free-
não com máximo respeito ao sistema de direitos e
-motivated conviction of the magistrate. There-
garantias decorrentes da Constituição.
fore, initially presents the conception of criminal
jurisdiction not as a mere state power, but funda-
Para tanto, faz-se mister a abordagem de deter-
mentally as constitutional guarantee. Then they
minadas questões, a saber: a concepção de jurisdi-
examined the aspects related to the search for
ção como garantia constitucional; a desconstrução
truth in the exercise of jurisdiction, demonstra-
do mito da verdade real ou absoluta a ser buscada
ting the need to deconstruct the myth of real or
a qualquer preço, ainda que com violação de garan-
absolute truth and spread the concept of truth-
tias; a busca pela verdade processual, mais identifi-
-seeking procedures, built within a criminal due
cada como verossimilhança e extraída dos elemen-
process, through complex evidence adduced be-
tos probatórios contidos nos autos, com respeito
fore the Court, then the analysis of the intimate
às garantias e formalidades processuais; a íntima
relationship between evidence and truth. Subse-
relação entre prova e verdade processual, pois é por
quently, we try to reflect on the impartiality and
meio daquela que se busca esta; a postura de juiz-
free-motivated conviction of the judge while limi-
-instrutor e o risco de que este abandone o seu pa-
ting constitutional guarantees of seeking truth in
pel constitucional de garantidor para transformar-
the exercise of criminal jurisdiction. Thus, consi-
-se em inquisidor, com comprometimento da sua
dering the criminal court activity as guarantor of
imparcialidade; a imparcialidade e o livre convenci-
the constitutional safeguards system, including
mento do magistrado como elementos limitadores
fall impartiality and free-motivated conviction, it
e legitimadores da busca da verdade no exercício
appears not to be legitimate the pursuit of truth at
da jurisdição penal.
all costs, but a true built in regular process throu-

gh evidential activity of the parties, by means of
free conviction in an impartial judge. 2 JURISDIÇÃO PENAL COMO
GARANTIA CONSTITUCIONAL
KEYWORDS
Historicamente tem preponderado a ideia de
Criminal Jurisdiction. Truth. Impartiality. Free-Mo- jurisdição como poder do Estado de dizer o direito
tivated Conviction. no caso concreto. Desse modo, ainda predomina
nos dias atuais a concepção de jurisdição penal
  como atividade a serviço da efetivação do poder
1 INTRODUÇÃO punitivo, ou seja, desempenhada e definida se-
gundo as necessidades deste, restando ao acusa-
O presente estudo versa sobre a Jurisdição Pe- do apenas a submissão a tal poder.
nal, especialmente no tocante à relação existente
entre a busca da verdade, a imparcialidade e o livre Ocorre que, a prevalência da noção de jurisdi-
convencimento motivado do julgador. Pretende-se, ção como mero poder estatal enfatiza o aspec-
por meio deste, analisar a concepção de jurisdição to da coação, do autoritarismo, de tal forma que

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acaba abrindo espaço para: práticas arbitrárias próprio, sua legitimação se dá pela estrita ob-
em nome da concretização do poder de punir; re- servância às regras do jogo democrático, que
lativização de garantias constitucionais do cida- limitam o seu exercício, já que todo poder ten-
dão; ilimitada liberdade de iniciativa probatória do de a ser autoritário, então precisa ser contro-
magistrado, a pretexto de alcançar a verdade real lado pelo próprio poder. Não se confere poder
– que na realidade não passa de verdade imposta pelo simples poder, mas poder comprometido
dogmaticamente pelo poder – entre outros abu- com a missão constitucional.
sos, incompatíveis com os valores de um Estado
Democrático de Direito. Nesse contexto, o escopo primordial da juris-
dição penal e legitimador do seu exercício é a efe-
Em um Estado Democrático de Direito, que é tivação das garantias constitucionais. Destarte, o
fundado na tutela da liberdade do cidadão contra processo penal, necessário ao exercício da jurisdi-
o arbítrio do poder estatal, por meio de um sis- ção penal, não é mero viabilizador das sanções do
tema de direitos e garantias consagrados consti- Direito Penal ou mero instrumento para a concre-
tucionalmente, a atividade jurisdicional deve ser tização do poder punitivo. É, precipuamente, ins-
compreendida não como mero poder, mas, sobre- trumento de garantias tanto do indivíduo quanto
tudo, como garantidora desse sistema de direitos da legitimidade do próprio procedimento por meio
e garantias constitucionais, uma vez que, nas pa- do qual é exercida a Jurisdição Penal. Nesse senti-
lavras de Lopes Jr. (2006, p. 47): do, aduz Rangel (2012, p. 56) que:

A efetividade da proteção está em grande parte Em regra, nos grandes Manuais de Processo Pe-
pendente da atividade jurisdicional, principal res- nal, há a definição de que o processo penal é a
ponsável por dar ou negar a tutela dos direitos ‘disciplina jurídica que se ocupa com a atuação
fundamentais. Como consequência, o fundamento jurisdicional do Direito Penal, as atividades da
da legitimidade da jurisdição e da independência Polícia Judiciária, os órgãos respectivos e seus
do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua auxiliares’, ou o Direito que faz ‘atuar as relações
função de garantidor dos direitos fundamentais já reguladas pelo direito substancial’ [...]. Tais
inseridos ou resultantes da Constituição. Nesse definições colocam o processo penal em uma
contexto, a função do juiz é atuar como garantidor posição de mero aplicador das sanções do Direi-
dos diretos do acusado no processo penal. to Penal, como uma ciência meramente auxiliar,
subsidiária ou supletiva do papel repressor do
Assim, sob a ótica constitucional, a jurisdição Estado. Como se o processo penal não fosse, ele
penal é uma atividade complexa, pois embora seja sim, um instrumento de garantia do cidadão con-
uma parcela do poder estatal é, simultânea e pre- tra abusos do Estado. O verdadeiro escudo contra
ponderantemente, uma atividade limitadora deste atos abusivos do Estado à liberdade de locomo-
e garantidora do indivíduo a ele submetido. Re- ção do indivíduo e o seu status dignitatis. Essa
presenta para o cidadão a garantia não apenas de ideia diminui o papel verdadeiro que a ciência do
ser julgado perante um magistrado, mas perante processo penal desempenha em um Estado De-
um magistrado imparcial, natural e garantidor, por mocrático de Direito, isto é, a de um Direito Cons-
meio de um devido processo penal, culminando titucional aplicado.
na prolação de decisão que reflita o livre conven-
cimento do julgador, construído a partir da ativi- Ferrajoli (2002, p. 39) sustenta que a jurisdi-
dade probatória das partes, obtendo assim uma ção penal, assim como toda atividade judicial, é
verdade processualmente válida. um “saber-poder”, ou seja, uma combinação de
conhecimento e de autoridade. Porém, salienta
Conforme ressalta Lopes Jr. (2012, p. 253), que o poder, entendido como coação exercida
no sistema constitucional democrático o poder sobre o sujeito passivo da relação processual
não está autolegitimado, não se basta por si penal, somente está legitimado quando funda-

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do no saber, no conhecimento construído pelo processo, enquanto ritual de reconstrução do


julgador por meio do devido processo penal, fato histórico, nunca será o fato, mas apenas
com respeito ao sistema de garantias mínimas. uma aproximação ritualizada do fato. No mes-
Dessa forma, o saber, isto é, a racionalidade, o mo sentido, ressalta Badaró (2003, p. 28-31)
cognitivismo processual, deve prevalecer sobre que:
o poder, limitando-o, coibindo assim o despotis-
mo penal e o decisionismo orientado por valores No campo processual, a busca da verdade –
que não a verdade processual. com a consequente certeza judicial – se dá por
meio de um processo de reconstrução históri-

3 A BUSCA DA VERDADE NO ca. Por tal motivo, a atividade do juiz costuma


ser comparada à do historiador; ambos devem
EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO reconstruir um fato passado, irrepetível e não
PENAL diretamente conhecível. Este juízo investiga-
tivo, diversamente do juízo lógico, jamais per-
3.1 MITO DA VERDADE REAL E mitirá que se atinja uma certeza absoluta. A
VIOLAÇÃO DE GARANTIAS certeza processual, assim como a certeza do
CONSTITUCIONAIS historiador, será sempre relativa. Por ser o co-
nhecimento humano, por natureza e definição,
A descoberta da verdade constitui um dos incompleto, é impossível chegar à certeza ab-
mais antigos e fascinantes anseios do homem, soluta do fato. A certeza absoluta, decorrente
em todas as atividades que exerce, em qualquer de um juízo lógico, como a certeza que se pode
área do conhecimento. No Direito, notadamente chegar no campo da lógica formal, jamais será
no âmbito Penal e Processual Penal, a questão atingida pelo juiz. Por ter que trabalhar com
da verdade ganha especial destaque, sobretu- uma reconstrução histórica, o juiz, assim como
do em virtude da relevância social que possuem o historiador, jamais terá absoluta certeza de
os bens jurídicos penalmente tutelados e o bem que a alegação sobre um determinado fato é
jurídico em jogo no processo penal, qual seja, a verdadeira ou falsa. A prova nunca dará ao juiz
liberdade do acusado. uma certeza, mas somente uma aproximação,
maior ou menor da certeza dos fatos.
Tradicionalmente, significativo setor da comu-
nidade jurídica costuma tratar a chamada “verda- Desse modo, como a verdade em termos ab-
de real” ou “absoluta” como princípio informador solutos é inatingível, a chamada “verdade real
do processo penal e como o escopo primordial ou absoluta” não passa de verdade imposta
deste, ensejando assim a disseminação do dogma dogmaticamente pelo poder. Entretanto, o dis-
ou mito da verdade real, cujos efeitos são percebi- curso da verdade real continua sendo utilizado
dos ainda nos dias atuais. para fundamentar supressão de garantias do
acusado, ampliação ilimitada da iniciativa pro-
Ocorre que o mito da verdade real conduz a batória do magistrado, com violação da sua im-
uma série de perigos e armadilhas. Primeira- parcialidade, entre outras práticas arbitrárias,
mente porque, como afirma Ferrajoli (2002, p. sob o argumento da relevância dos interesses
42), a ideia de alcance da verdade real ou ab- em jogo no processo penal e da garantia da se-
soluta é uma “ingenuidade epistemológica”, gurança jurídica, baseado na lógica de que os
em razão da impossibilidade de se atingir um fins justificam os meios. Frise-se que, por meio
conhecimento absoluto acerca de fatos passa- da interiorização desse discurso, estimulador
dos, irrepetíveis e sobre os quais não se tem de pânico na sociedade, esta acaba muitas ve-
conhecimento direto, mas somente indireto, zes por tolerar tais práticas, sem a consciência
por meio do complexo probatório dos autos. de que “risco e insegurança sempre existirão,
Conforme explica Lopes Jr. (2006, p. 33-34), o mas é sempre melhor risco com garantias pro-

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cessuais do que risco com autoritarismo” (LO- 3.2 VERDADE PROCESSUAL:


PES JR., 2006, p. 68). É por isso que, consoante DESCONSTRUINDO O MITO DA
assevera Oliveira (2012, p. 323): VERDADE REAL
Talvez, o maior mal causado pelo citado princí- Diante da impossibilidade de alcance da verdade
pio da verdade real tenha sido a disseminação dos fatos em termos absolutos – em virtude das limi-
de uma cultura inquisitiva, que terminou por tações epistemológicas e das restrições processuais
atingir praticamente todos os órgãos estatais (garantias do acusado) ¬– constata-se a necessidade
responsáveis pela persecução penal. Com efei- de desconstrução do mito da verdade real e, conse-
to, a crença inabalável segundo a qual a verdade quentemente, da concepção de que atividade jurisdi-
estava efetivamente ao alcance do Estado foi a cional tem como objetivo a perseguição da verdade
responsável pela implantação da ideia acerca da real ou absoluta a qualquer preço. No entanto, não
necessidade inadiável de sua perseguição, como significa que o julgador pode abrir mão da busca da
meta principal do processo penal. O aludido prin- verdade para proferir decisão com base em critérios
cípio, como da verdade real, tinha a incumbência arbitrários ou irracionais, pois, conforme assevera
de legitimar eventuais desvios das autoridades Ferrajoli (2002, p. 38), “se uma justiça penal integra-
públicas, além de justificar a ampla iniciativa mente com verdade constitui uma utopia, uma justi-
probatória reservada ao juiz em nosso processo ça penal completamente sem verdade equivale a um
penal. A expressão, como que portadora de pode- sistema de arbitrariedade”.
res mágicos, autorizava uma atuação judicial su-
pletiva e substitutiva da atuação ministerial (ou Isso significa que no exercício da jurisdição penal
da acusação). Dissemos autorizava, no passado, o julgador deve buscar uma verdade humanamente
por entendermos que, desde 1988, tal não é mais possível, extraída das provas existentes nos autos,
possível. A igualdade, a par conditio (paridade de por meio de um devido processo penal e com o má-
armas), o contraditório e a ampla defesa, bem ximo respeito aos direitos e garantias do acusado,
como a imparcialidade, de convicção e de atua- em suma, “uma verdade processualmente válida”
ção, do juiz, impedem-no. (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 1997, p.
130). Ou seja, deve buscar uma verdade processual,
Destarte, resta evidente a necessidade de des- identificada como probabilidade ou verossimilhança,
construção do mito da verdade real como princípio por ser uma verdade em termos relativos, aproxima-
informador do processo penal, por ser incompa- tivos, probabilísticos, construída dentro do processo
tível com os valores do Estado Democrático de penal, instrumento destinado à reconstrução do
Direito, com a atual ordem constitucional, com fato histórico, à maior aproximação possível deste,
o perfil acusatório que o constituinte conferiu à à identificação da hipótese mais provável, nos limi-
atividade jurisdicional e com o processo penal tes impostos pela ordem jurídica. Afinal, a busca pela
constitucional garantista. É notório que esse mito verdade processual é valor que legitima o exercício
deturpa a função jurisdicional, pois, ao estabele- da função jurisdicional.
cer como objetivo principal da jurisdição a busca
pela verdade a qualquer custo, ainda que fora das Devemos buscar a verdade processual, identifica-
regras procedimentais, transforma o julgador em da como verossimilhança (verdade aproximada),
inquisidor, autorizando práticas arbitrárias, relati- extraída de um processo pautado no devido pro-
vizando garantias como legalidade, imparcialidade cedimento, respeitando-se o contraditório, a am-
do julgador, contraditório, ampla defesa, presun- pla defesa, a paridade de armas e conduzido por
ção de inocência, entre outras. Assim, o aludido magistrado imparcial. O resultado almejado é a
mito rompe com a concepção de jurisdição como prolação de decisão que reflita o convencimento do
garantia e de julgador como garantidor da máxi- julgador, construído com equilíbrio e que se reveste
ma eficácia dos direitos fundamentais, concepção como a justa medida, seja por sentença condenató-
esta que orienta o Estado Democrático de Direito. ria ou absolutória. (TÁVORA, ALENCAR, 2012, p. 62).

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Conforme preleciona Ferrajoli (2002, p. 38), no do ônus probatório, de modo que, caso não con-
exercício da jurisdição penal a busca pela verda- siga desincumbir-se de tal ônus, carreando aos
de tem como fator legitimante a estrita obser- autos provas suficientes para desconstituir essa
vância às “regras do jogo”. Por conseguinte, tra- presunção, a consequência deverá ser a absolvi-
ta-se de uma verdade mais controlada quanto ção. No mesmo sentido, salientam Távora e Alen-
ao método de aquisição, sobretudo porque: deve car (2012, p. 394) que:
estar corroborada por provas recolhidas por
meio de técnicas normativamente preestabele- É necessário que enxerguemos o ônus da prova
cidas; é sempre uma verdade apenas provável em matéria penal à luz do princípio da presunção
e opinativa; na dúvida, ou na falta de acusação de inocência, e também do favor réu. Se a defesa
ou de provas ritualmente formadas, prevalece a quedar-se inerte durante todo o processo, tendo
presunção de não culpabilidade. Assim, conso- pífia atividade probatória, ao final do feito, estan-
lida-se o valor do formalismo como garantia do do o magistrado em dúvida, ele deve absolver o
indivíduo no exercício da jurisdição penal, inclu- infrator. A responsabilidade probatória é inte-
sive contra a introdução de “verdades reais ou gralmente conferida à acusação, já que a dúvida
absolutas”, tão arbitrárias quanto intoleráveis. milita em favor do condenado. A balança pende
em prol deste, já que o art. 386 do CPP, nos inci-
Desse modo, resta evidente que: sos II, V e VII, indica que a debilidade probatória
implica na absolvição.
Conceitos como ‘verdade absoluta’ ou ‘verdade
material’, mais serviram para justificar abusos Assim, resta evidente que, à luz dos princípios
processuais do que para contribuir para uma e garantias constitucionais, no processo penal não
melhoria da eficácia epistemológica do processo há que se falar em distribuição do ônus da prova
como instrumento de realização de justiça. Ne- entre acusação e defesa, mas na sua atribuição
gar tais conceitos e afirmar que a verdade deve integral ao órgão da acusação. Ademais, sob uma
ser entendida como ‘elevadíssima probabilidade’ perspectiva diferenciada e positiva, reconhece-se
é um caminho seguro para a busca da justiça. No a prova como um direito subjetivo conferido ao
processo o acertamento dos fatos é um objetivo acusador e ao acusado, oportunizando a ambos a
a ser seguido, embora se tenha consciência da contribuição para a formação do convencimento
impossibilidade de atingir a ‘verdade objetiva ou do magistrado.
absoluta’. (BADARÓ, 2003, p. 62).
Como decorrência do princípio e consequência do

4 PROVA E VERDADE exercício da ampla defesa, pode-se afirmar que o


réu tem direito à prova. Desnecessário afirmar que

A prova está intimamente relacionada à obten- igual direito assiste ao órgão da acusação, já que

ção de uma verdade processual, isto é, à construção o direito do réu à prova tem como pressupostos

de uma verdade dentro de um devido processo pe- a existência e o exercício do direito da acusação.

nal. É por meio do conjunto probatório carreado aos O exercício desse direito se estenderá a todas as

autos que o julgador deve buscar, no curso de um suas fases, é dizer: a da obtenção, a da introdução

processo regular, a reconstrução do fato histórico, a e produção no processo e, por fim, a da valoração

maior aproximação possível deste, com o máximo da prova, na fase decisória. (OLIVEIRA, 2012, p. 334).

respeito aos direitos e garantias individuais.


Outro ponto fundamental a respeito da relação
É inegável que o sistema de provas tem como entre prova e verdade é a discussão em torno da
valores basilares a presunção de inocência, o favor (in) constitucionalidade da atribuição de iniciativa
rei ou favor réu e o in dúbio pro reo. Como o réu probatória ao órgão julgador. Isso porque o art.
goza de presunção de inocência e a dúvida milita 156, I, do Código de Processo Penal prevê que po-
em seu favor, compete à acusação a integralidade derá o juiz, de ofício, ordenar a produção antecipa-

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da de provas consideradas urgentes e relevantes, a separação de funções imposta pelo sistema


observando a necessidade, adequação e propor- acusatório e com garantias como a imparcia-
cionalidade da medida. Por sua vez, o inciso II do lidade do juízo. Assim, fortalece o mito da ver-
referido dispositivo faculta ao magistrado, de ofí- dade real ou absoluta, buscada incondicional-
cio, determinar, no curso da instrução, ou antes, de mente, ainda que com supressão de garantias.
proferir sentença, a realização de diligências para Por essa razão e por diversas outras, Lopes Jr.
dirimir dúvida sobre ponto relevante. (2012, p. 156) critica veementemente o aludido
dispositivo, aduzindo que:
Observa-se que a Constituição Federal – de-
mocrática e garantista – consagrou o sistema O art. 156 sempre foi um grande problema, es-
processual penal acusatório, caracterizado pela pecialmente para aqueles comprometidos com o
nítida separação entre as funções de acusar, sistema acusatório-constitucional. Incrivelmen-
julgar e defender, atribuídas a sujeitos proces- te, com a reforma operada pela Lei n. 11.690/2008,
suais distintos, possibilitando que o poder li- ficou ainda pior. É insuficiente pensar que o sis-
mite o próprio poder, com o objetivo de conter tema acusatório se funda a partir da separação
arbitrariedades. Essa separação de funções no inicial das atividades de acusar e julgar. Isso é
contexto da jurisdição penal é imprescindível um reducionismo que desconsidera a complexa
para a efetivação da garantia de imparcialidade fenomenologia do processo penal. De nada basta
do órgão julgador. uma separação inicial com o Ministério Público
formulando a acusação, se depois, ao longo do
Porém, verifica-se no Código de Processo procedimento, permitirmos que o juiz assuma
Penal a manutenção de dispositivos baseados um papel ativo na busca da prova ou mesmo na
na lógica inquisitorial, logo, inconstitucionais prática de atos tipicamente da parte acusadora.
por contrariarem a opção constitucional pelo Nesse contexto, o art. 156 do CPP funda um sis-
sistema acusatório. Conforme assevera Carva- tema inquisitório, pois representa uma quebra da
lho (2010, p. 91): igualdade, do contraditório, da própria estrutura
dialética do processo. Como decorrência, fulmi-
A iniciativa de propositura da ação penal ao Mi- nam a principal garantia da jurisdição, que é a
nistério Público, agregada à série de princípios imparcialidade do julgador. Está desenhado um
relativos ao devido processo legal nominados processo inquisitório. [...]. Pronto, consagraram
entre os direitos e garantias individuais (pre- o juiz-instrutor-inquisidor, com poderes para, na
sunção de inocência, ampla defesa, publicidade, fase de investigação preliminar, colher de ofício
duplo grau de jurisdição, vedação da prova ilí- a prova que bem entender, para depois, no pro-
cita, motivação das decisões, nemo tenetur se cesso, decidir a partir de seus próprios atos. De-
detegere), demarcou a opção constitucional por cide primeiro, a partir da prova que ele constrói,
estrutura processual acusatória. No entanto e depois, no golpe de cena que se transforma o
a manutenção dos dispositivos do Código de processo, formaliza essa decisão. Tampouco os
Processo Penal que centralizam o processo na critérios de necessidade, adequação e proporcio-
figura do Juiz, mormente no que tange à ges- nalidade legitimam tal ativismo judicial, pois são
tão da prova, mantém forte traço inquisitório, vagos, imprecisos e manipuláveis.
invertendo a ênfase constitucional de protago-
nismo das partes. Ademais, a atribuição de iniciativa probatória
ao juiz confere a este a possibilidade de primei-
É o que ocorre com o art. 156 do aludido di- ro decidir, se comprometendo com uma hipótese
ploma legal, que atribui poderes instrutórios ao prévia, com uma “verdade” preestabelecida, para
juiz, facultando a ele assumir um papel ativo na depois buscar material probatório que justifique a
busca da prova, exercer atividade supletiva ou decisão tomada. Desse modo, ao invés de formar
substitutiva das partes, rompendo assim com o seu convencimento por meio das provas carre-

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adas para os autos, o julgador acaba por formá-lo cessuais nela estabelecida, com as garantias nela
antecipadamente, ou seja, por realizar um pré- consagradas, enfim, com a nova ordem constitu-
-julgamento para, em seguida e de ofício, produzir cional vigente. Afinal, consoante enfatizam Távora
provas destinadas a confirmá-lo. e Alencar (2012, p. 396):

[...] e, assim seguem insistindo, contra a Cons- A busca da verdade [...] não pode levar o ma-
tituição, em manter o Sistema Inquisitório que gistrado a refugar o seu papel constitucional,
se retira, antes de tudo, do CPP, em permanente travestindo-se em juiz inquisidor e perdendo a
conflito com o modelo constitucional que recla- necessária imparcialidade para apreciar o feito. O
ma um devido processo legal e, assim, incom- tênue limite entre a busca da verdade e a fron-
patível com aquele no qual o juiz é o senhor teira de resguardo ao sistema acusatório e a re-
do processo, senhor das provas e, sobretudo partição de poderes deve ser reavivado, a fim de
– como sempre se passou no Sistema Inquisi- evitar arbítrios e impedir que a prova produzida
tório – pode decidir antes e depois sair à cata pelo juiz que perdeu os limites da fronteira, venha
da prova que justifique a decisão antes tomada. transmudar-se em prova ilícita.
(COUTINHO, 2009, p. 109).
Assim, no processo penal acusatório-demo-
Claramente, essa postura de juiz-instrutor crático a iniciativa probatória deve ser conferida
conduz o julgador a usurpar funções atribuídas inteiramente às partes, devendo o magistrado
constitucionalmente às partes, retira-o da po- constituir o seu convencimento a partir das pro-
sição de equidistância em relação a estas, que vas por elas carreadas aos autos. Destarte, diante
é indispensável para a adequada apreciação do da ausência de provas suficientes para demons-
caso penal, além de estimular pré-julgamentos, trar os elementos caracterizadores do crime, não
o que compromete a sua imparcialidade, garantia caberá ao julgador assumir a iniciativa probatória,
fundamental da jurisdição. Assim, faz com que o usurpando papel constitucional das partes. Na
magistrado abandone o seu papel constitucio- verdade, caberá a ele decidir pela absolvição do
nal de garantidor, para assumir o de inquisidor. acusado por insuficiência de provas para a con-
O acusado deixa de ser visto como sujeito de di- denação, com fulcro no art. 386, VII, do Código de
reitos, transformando-se em mero objeto de in- Processo Penal, uma vez que a dúvida deve militar
vestigação, submetido a um inquisidor que está em favor do imputado, que tem a presunção de
autorizado a extrair a verdade a qualquer custo. inocência assegurada constitucionalmente.
Em suma, nas palavras de Rangel (2011, p. 11), o
ativismo probatório: 5 IMPARCIALIDADE E LIVRE
[coloca] o juiz no papel de investigador, descendo
CONVENCIMENTO MOTIVADO:
do seu lugar supra partes (distante dos interes- LIMITES À BUSCA DA VERDADE
ses das partes), para procurar aquilo que acha NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO
que é a verdade, ou que ele quer que seja a verda-
PENAL
de. Trata-se do juiz inquisidor. Do juiz que, ao in-
terrogar, já sabe o que vai fazer: condenar ou ab-
A imparcialidade do órgão julgador é caracte-
solver. Depois de decidir, no seu (sub)consciente,
rística inerente ao exercício da jurisdição, funda-
ele vai atrás da prova para justificar sua decisão.
mental ao regular desenvolvimento do processo
penal constitucional democrático e elemento pri-
Por conseguinte, não restam dúvidas de que
mordial no sistema processual penal acusatório,
a atribuição de iniciativa probatória ao julgador,
consagrado constitucionalmente. Corresponde à
como prevê a legislação processual penal, é in-
posição de alheamento do julgador em relação ao
compatível com o sistema acusatório adotado
interesse das partes, indispensável para a devida
pela Lei Maior, com a nítida divisão de papéis pro-
apreciação do caso penal, para a busca da verdade

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processual, para a livre formação de seu convenci- Destarte, a garantia da motivação das decisões,
mento, sem sujeitar-se a qualquer forma de pres- prevista expressamente no art. 93, IX, da Cons-
são ou manipulação interna ou externa. tituição Federal, possibilita um controle objetivo
sobre a observância de diversas outras garantias
Na medida em que o Estado-juiz chamou para como a legalidade, a imparcialidade do julgador e
si a tarefa de administrar a justiça, proibindo o o devido processo penal, coibindo arbitrariedades
exercício arbitrário das próprias razões, exige-se no exercício da função jurisdicional. Com brilhan-
do órgão julgador um desinteresse por ambas as tismo, enfatiza Fernandes (2012, p. 139) que:
partes. Ou seja, deve o Estado-juiz interessar-se
apenas pela busca da verdade processual, esteja Evoluiu a forma de se analisar a garantia da mo-
ela com quem estiver, sem sair de sua posição tivação das decisões. Antes, era tratada como
supra partes. (RANGEL, 2011, p. 20). garantia técnica do processo, com objetivos endo-
processuais: proporcionar às partes conhecimen-
Cumpre destacar que a imparcialidade e a in- to da fundamentação para impugnar a decisão;
dependência do juízo são garantias fundamentais permitir aos órgãos judiciários de segundo grau o
tanto para aquele que exerce a jurisdição, como exame da legalidade e da justiça da decisão. Agora,
para aqueles que demandam perante ela e para é vista como garantia de ordem política, garantia
a sociedade como um todo. Com o intuito de criar da própria jurisdição. Os destinatários da motiva-
condições para a efetivação de tais garantias, em ção não são mais somente as partes e os juízes
seu art. 95 a Constituição Federal estabelece para de segundo grau, mas também a comunidade que,
o magistrado uma série de garantias (vitalicieda- pela motivação, tem condições de verificar se o juiz
de, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios) decide com imparcialidade e com conhecimento
e, também, de vedações (a exemplo da vedação à de causa. Às partes sempre interessa verificar na
dedicação à atividade político-partidária). motivação se as suas razões foram objeto de exa-
me pelo juiz. A este também importa a motivação,
Por sua vez, o sistema do livre convencimen- pois, através dela, evidencia a sua atuação impar-
to motivado ou da persuasão racional, adotado cial e justa. [grifos nossos].
no processo penal brasileiro, representa outra
garantia fundamental tanto para o julgador Outrossim, a motivação é elemento que legi-
quanto para os jurisdicionados. Significa que, tima o processo de formação do convencimento
embora o juiz esteja adstrito às provas pro- do julgador, a construção da verdade no proces-
duzidas no processo, ele possui liberdade para so penal, permitindo constatar se a decisão ju-
atribuir valor às mesmas na formação de seu dicial foi fruto do saber, do amplo conhecimento
convencimento, na busca pela verdade proces- acerca do caso penal por meio dos elementos
sual, pois não existe valor prefixado, ou seja, não probatórios contidos nos autos e não mera ma-
existe tarifação legal. No entanto, essa liberda- nifestação do poder, da autoridade do órgão jul-
de na apreciação da prova não é absoluta ou ili- gador. Sem a garantia da fundamentação das
mitada, não se confunde com mero arbítrio, uma decisões, as demais garantias processuais res-
vez que, consoante salienta Bonfim (2012, p. 95): tariam enfraquecidas ou inócuas, pois, confor-
me ressalta Lopes Jr. (2012, p. 253):
Essa liberdade conferida ao juiz [na apreciação
das provas] encontra equilíbrio na obrigatorieda- Só a fundamentação permite avaliar se a racio-
de de que este exponha, motivando as decisões nalidade da decisão predominou sobre o poder,
que proferir, os elementos de prova que fun- principalmente se foram observadas as regras do
damentam suas decisões e as razões – pois os devido processo penal. Trata-se de uma garantia
fundamentos devem ser racionais – pelas quais fundamental e cuja eficácia e observância legiti-
esses elementos serão considerados determi- mam o poder contido no ato decisório. Isso porque,
nantes. (ART. 381, III, do CPP). no sistema constitucional democrático, o poder não

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está autolegitimado, não se basta por si próprio. los atos de inquérito...’. Quando um juiz faz isso
Sua legitimação se dá pela estrita observância das na sentença, está dizendo (discurso não revela-
regras do devido processo penal, entre elas o dever do) que condenou com base naquilo produzido
(garantia) da fundamentação dos atos decisórios. no inquérito policial (meros atos de investiga-
ção), negando o contraditório, o direito de defe-
Quanto à garantia do livre convencimento mo- sa, a garantia da jurisdição etc., pois no processo
tivado, é importante frisar que o art. 155 do Códi- não existem provas suficientes. Quem precisa
go de Processo Penal, com redação dada pela Lei cotejar e invocar o inquérito policial quando a
11.690/08, impede o magistrado de fundamentar prova judicializada é suficiente? [...].
sua decisão exclusivamente nos elementos colhi-
dos na investigação, ressalvadas as provas cau- Desse modo, resta evidente que a imparcialidade
telares, não repetíveis e antecipadas. É inegável e o livre convencimento motivado constituem ga-
que o texto atual do referido dispositivo legal re- rantias não apenas do acusado, como também do
presenta um avanço, mas ainda assim é alvo de julgador e da sociedade como um todo. São elemen-
severas críticas feitas pelos que defendem a ne- tos limitadores e legitimadores da busca da verdade
cessidade de um avanço ainda maior, que seria no exercício da jurisdição penal. Coíbem a busca da
impedir o julgador de fundamentar sua decisão verdade de forma ilimitada, a qualquer custo, pois
em elementos colhidos no inquérito policial, sem impõem como legítima tão somente aquela que
as garantias do contraditório, da ampla defesa e ocorra com respeito às formalidades processuais.
da jurisdição. Corroborando esse entendimento,
afirma Lopes Jr. (2008, p. 155) que: 6 CONCLUSÃO
O art. 155 não teve coragem para romper com
No decorrer do presente estudo, restou demons-
a tradição brasileira de confundir atos de prova
trado que, considerando os valores da atual ótica
com atos de investigação, com graves reflexos
constitucional e de um Estado Democrático de Direito,
na eficácia probatória deles. A redação vai mui-
a Jurisdição Penal deve ser compreendida não como
to bem, até o ponto em que inseriram a palavra
mera manifestação de poder ou autoridade, mas,
errada, no lugar errado. E uma palavra, faz mui-
preponderantemente, como uma garantia constitu-
ta diferença... Bastou incluir o ‘exclusivamente’
cional. Logo, constatou-se a necessidade de descons-
para sepultar qualquer esperança de que os
trução do mito da verdade real, por ser incompatível
juízes parassem de condenar os réus com base
com os valores constitucionais, uma vez que rompe
nos atos do famigerado, inquisitório e supera-
com a concepção de jurisdição como garantia e de
do inquérito policial.
julgador como garantidor da máxima eficácia dos di-
reitos fundamentais, transformando-o em inquisidor,
Seguiremos assistindo a sentenças que, negan-
autorizando a busca da verdade a qualquer custo, ain-
do a garantia de ser julgado a partir de atos de
da que com supressão de garantias.
prova (realizados em pleno contraditório, por
elementar), buscarão no inquérito policial (me-
Assim, verificou-se que, no exercício da jurisdi-
ros atos de investigação e sem legitimidade
ção penal, o julgador deve buscar uma verdade ex-
para tanto) os elementos (inquisitórios) neces-
traída das provas existentes nos autos, por meio
sários para a condenação. Significa dizer que
de um devido processo penal e com o máximo res-
nada muda, pois seguirão as sentenças ‘fazen-
peito aos direitos e garantias do acusado, ou seja,
do de conta que...’ o réu está sendo julgado com
uma verdade processual. Nesse contexto, obser-
base nas provas colhidas no processo, quando
vou-se que a atribuição de poderes instrutórios
na verdade, os juízes continuarão utilizando as
ao juiz, facultando a ele assumir um papel ativo
clássicas viradas linguísticas do ‘cotejando a
na busca da prova, vai de encontro à concepção de
prova judicializada com os elementos do inqué-
verdade processual e fortalece o mito da verdade
rito...’ ou ‘a prova judicializada é corroborada pe-
real ou absoluta, buscada ilimitadamente.

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Por fim, restou evidente que as garantias coibindo arbitrariedades. Logo, ante a atual or-
consagradas constitucionalmente, em especial, dem constitucional, na atividade jurisdicional
a imparcialidade do juízo e o livre convencimen- penal não se admite qualquer outra forma de
to motivado do magistrado, são limitadoras e busca da verdade que não com máximo respeito
legitimadoras do exercício da jurisdição penal, às garantias.

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Recebido em: 8 de março de 2014


Avaliado em: 11 de março de 2014
Aceito em: 11 de março de 2014

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