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SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

1 - INTRODUÇÃO

Os sistemas processuais penais inquisitivo e acusatório são reflexo da


resposta do processo penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado
da época. Historicamente, quando o Estado se viu mais ameaçado pela
criminalidade, a lei penal material recrudesceu e, junto com ela, reduziram-se
as garantias processuais do acusado, justamente para que a lei material
pudesse ser aplicada mais eficazmente.

Atualmente, pode-se constar que predomina o sistema acusatório nos


países que respeitam a liberdade individual e que possuem uma sólida
base democrática. Em sentido oposto, o sistema inquisitório predomina
historicamente em países de maior repressão, caracterizados pelo
autoritarismo ou totalitarismo, em que se fortalece a hegemonia estatal em
detrimento dos direitos e garantias individuais.

De maneira geral, a doutrina costuma afirmar que no Brasil


predomina um sistema processual misto, sendo inquisitório na fase policial
e acusatório quando se inicia a fase judicial. Isto, na verdade, é um equívoco,
pois hoje em dia não existe mais nenhum sistema puro (seja acusatório, seja
inquisitivo): todos são mistos, possuindo características de um e de outro, por
vezes predominando uma em detrimento das outras e vice-versa.

2 - CARACTERÍSTICAS

Inquisitivo Acusatório

Quanto à
Informal Formal (formalização das
acusação (não precisa de condutas consideradas
acusação formal, ilícitas, e apontamento do
iniciando-se a ação responsável – art. 41 do
penal sem forma CPP)
estabelecida
previamente)

Não há divisão Há divisão


Quanto à
(o mesmo ente/pessoa (julgamento, acusação,
divisão de funções
vai acusar, defender e defesa)
processar)
Quanto às
Não há garantias, ou são Há amplas garantias
garantias de defesa
mitigadas estabelecidas à favor do
Estado de Liberdade

Não existe isonomia Existe


Quanto à processual Acusação e defesa possuem
isonomia processual tratamento isonômico

Não existe publicidade (o Existe publicidade como


procedimento é secreto, regra, salvo quando houver
como regra) interesse público relevante.
Quanto à publicidade do * esse segredo não atinge o
processo advogado legalmente
constituído.

O acusado não pode se Manifestação da acusação e


manifestar ou se depois da defesa.
manifesta antes.
Quanto à
manifestação das partes

Concentração na As partes, e somente elas,


produção de provas nas deverão produzir as provas
Quanto à mãos do único ente ou de suas alegações.
produção de provas
órgão que acusa e julga

A prisão é regra. O réu é livre, a exceção é a


Quanto à prisão
prisão e a liberdade
3 - SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO – A OPINIÃO DO SENSO
COMUM (SISTEMA MISTO) E DA DOUTRINA CONSTITUCIOAL (ESSÊNCIA
ACUSATÓRIA NA TEORIA, MAS, NA PRÁTICA, MARCADAMENTE
INQUISITORIAL)

Como já dito, a doutrina tradicional brasileira costuma apontar que o


nosso sistema processual penal contemporâneo é misto, seja porque
predomina o inquisitório na fase pré-processual e o acusatório na fase judicial,
seja porque mesmo na fase judicial convivem características inquisitoriais e
acusatórias.

Entretanto, segundo a doutrina constitucional do processo penal e


manifestações neste sentido do próprio STF, o sistema processual brasileiro
é acusatório, uma vez que os resquícios inquisitivos do CPP/41 devem ser
reinterpretados conforme as disposições da CF/88, que assegura claramente o
sistema acusatório.

Portanto, o processo penal deve ser lido à luz da Constituição e não o


contrário. Os dispositivos do Código de Processo Penal é que devem ser objeto
de uma releitura mais acorde aos postulados democráticos e garantistas da
CF.

Recentemente, o denominado Projeto Anticrime (Lei 13.964/2019)


introduziu o artigo 3.º-A no Código de Processo Penal:

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na
fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

Em que pese todos os sistemas processuais penais contemporâneos


apresentem uma característica mista, é possível identificar o núcleo de um
sistema processual penal a partir da análise concomitante de duas
características: a divisão de funções entre acusação e julgamento, e a
gestão da prova na mão das partes, não do juiz (esta segunda característica
garante a manutenção da primeira durante todo o transcurso do processo).

Questão polêmica diz respeito, justamente, à gestão da prova no


processo penal de cunho acusatório. Quem pode e deve produzir provas no
processo penal? O sistema acusatório impõe que as provas ficam a cargo
exclusivo das partes (acusação e defesa), pois o Juiz é um representante do
Estado que está não acima, mas para além das partes, na medida em que ele
deve se colocar de modo absolutamente imparcial na discussão, possibilitando,
assim, que avalie as provas do ponto de vista mais neutro possível. Só
assim será possível que ele, ao mesmo tempo, examine a imposição da pena e
garanta um processo justo ao acusado.

Portanto, segundo o sistema acusatório, seriam substancialmente


inconstitucionais todos os artigos do CPP que atribuam poderes
instrutórios e/ou investigatórios ao juiz. Uma vez que, a oficiosidade do juiz
na produção de prova, sob o amparo do princípio da “verdade real”, é
procedimento eminentemente inquisitório e agride o critério basilar do Sistema
Acusatório, qual seja, o de que a gestão da prova é encargo específico da
acusação e da defesa.

Assim, por exemplo, seriam inconstitucionais, por violação ao princípio


acusatório, os seguintes artigos do CPP:

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer


o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no
caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou
peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro
órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao
qual só então estará o juiz obrigado a atender.

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao
juiz de ofício:
...
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória,
ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer
agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

Este posicionamento passivo do Juiz no sistema acusatório é criticado,


normalmente, em nome da “verdade real” que se buscaria no processo penal,
que muitas vezes não pode ser atendida por conta das deficiências na
produção das provas pelas partes. Entretanto, a verdade real é um mito. Num
sistema processual democrático, próprio de países que deixaram para trás o
ranço inquisitório, o que se busca é um julgamento JUSTO ao acusado, que
não é mais considerado meio de prova para obtenção de uma verdade
(justamente o raciocínio que permitiu torturas das mais variadas
espécies), e sim sujeito de direitos. E isso só é possível se o Juiz for
imparcial, o que, por sua vez, pressupõe que ele não esteja contaminado em
seu convencimento por nenhuma forma de persecução que se lhe outorgue em
nome desta falácia que é a busca da verdade real.

Aliás, deficiências probatórias, quando existentes, são comumente


perceptíveis pelo lado da defesa. O MP (tanto em âmbito Estadual como
Federal) é um órgão extremamente organizado, preparado e estruturado, o
mesmo não se podendo dizer da defensoria pública. O que se deve fazer para
resolver eventuais deficiências probatórias, sob o ponto de vista da opinião
doutrinária moderna e constitucional do processo penal, é fortalecer as partes,
não outorgar poderes instrutórios aos juízes criminais.

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