Você está na página 1de 75

lOMoARcPSD|6157625

Relações Privadas Internacionais

Relações Privadas Internacionais (Universidade Catolica Portuguesa)

A StuDocu não é patrocinada ou endossada por alguma faculdade ou universidade


Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)
lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
Relações Privadas Internacionais

A. Introdução
1. Situações privadas transnacionais como objeto de análise
à As relações privadas internacionais são objeto de análise e estudo essencialmente por duas
razões:
• Porque não há uma só ordem jurídica universal, mas antes vários ordenamentos jurídicos
que regulam de forma diferente as relações jurídico-privadas
• Porque ocorrem relações entre as pessoas que apresentam um caráter plurilocalizado, ou
seja, contacto com vários ordenamentos jurídicos
• Ex: um italiano quer casar em Portugal com uma cidadã portuguesa
o Art. 49º CC: capacidade matrimonial de cada nubente afere-se pela lei pessoal
o Art. 31º/1 CC: lei pessoal é a lei da nacionalidade
à Temos então, antes de mais, que definir o que são relações privadas e o que são relações privadas
internacionais
• Relações privadas: as relações são consideradas privadas de acordo com o critério dos
sujeitos e serão, portanto, relações privadas aquelas em que nenhum dos sujeitos envolvidos
atue no exercício da autoridade pública
o Ex: entre dois particulares; entre o Estado ou pessoa coletiva pública e um particular, mas
em que o Estado não atua revestido do seu poder de imperium (ex: compra de
equipamento de escritório)
• Relações privadas internacionais: as situações jurídicas classificam-se quanto à sua
localização no espaço, em 3 tipos de acordo com Jitta:
o Situações puramente internas: situações que apresentam contacto com a ordem
jurídica do foro
§ Ex: contrato celebrado entre portugueses para ser executado em Portugal
o Situações relativamente internacionais: situações puramente internas em relação a
uma ordem jurídica que não a do foro, ou seja, que não a portuguesa
§ Ex: contrato celebrado entre dois chineses, para ser executado na China
o Situações absolutamente internacionais: situações que apresentam contactos com
vários ordenamentos jurídicos e que são, portanto, internacionais ou transnacionais
§ (O professor prefere a expressão transnacionais porque evita confusões com
o termo internacionais, que significa entre nações ou entre Estados)

2. O DIP e as Relações Privadas Internacionais


à O Direito Internacional Privado prende-se com o conjunto de normas que regem as relações
privadas internacionais, sendo um quadro normativo de segundo grau, posto que é um direito sobre a

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
aplicação do direito, ou seja, um conjunto de normas que vão regular conflitos de leis e determinar qual a lei
aplicável – arts. 14º a 65º CC
à No entanto, é preferível centrar a análise no quadro problemático das relações privadas
internacionais, por vários motivos:
• Primeiro, porque a regulamentação das situações privadas internacionais deixou de ter
assento no direito nacional dos EM, para passar a ter assento predominantemente no DUE,
nomeadamente o DUE originário (tratados) e no DUE derivado, como os Regulamentos, que
gozam de efeito direto na nossa ordem jurídica
o Exemplos:
§ Regulamento de Roma I – obrigações contratuais
§ Regulamento de Roma II – obrigações extracontratuais
§ Regulamento de Roma III – divórcio
§ Etc.
• Em segundo lugar, porque existem várias relações privadas internacionais que são,
atualmente, reguladas por várias ordens jurídicas transnacionais (não estaduais)
o Ex: Direito Canónico; Comité Olímpico Internacionais
o Normas que regulam situações privadas internacionais, criadas dentro de
determinadas organizações e que não podem ser consideradas DIP, e muito menos
direito de conflitos de leis

3. Problemas suscitados pelas situações privadas internacionais


3.1. Competência Internacional dos Tribunais
à O primeiro problema será, desde logo, saber qual o tribunal competente para dirimir o litígio
emergente de uma situação plurilocalizada à problema de conflito de jurisdições
• Atualmente, este problema é solucionado pelas normas do Regulamento 1215/2012 –
Regulamento Bruxelas I (matéria civil e comercial) e do Regulamento 2201/2003 –
Regulamento Bruxelas II bis (matéria matrimonial e responsabilidade parental)
à Obviamente que a questão da competência internacional dos tribunais e a determinação da lei
aplicável para regular determinada situação jurídica transnacional estão interligadas mas não há
coincidência absoluta entre fórum e ius, ou seja, podemos ter um tribunal competente de um EM que tem
que aplicar um direito diferente do do foro.
• Ex: Americano reside habitualmente em Portugal à os tribunais portugueses são competentes
para decidir da sucessão (art. 4º Reg. 650/2012) + de cuiús escolheu para reger a sua sucessão
a lei da sua nacionalidade (lei americana)

3.2. Reconhecimento de Decisões estrangeiras


à As situações privadas transnacionais também levantam o problema do reconhecimento das
decisões dos tribunais e da sua execução num outro país, sendo que tal situação está hoje regulada no
Reg. Bruxelas I
2

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18

3.3. Escolha da lei aplicável – Direito dos conflitos de leis


à É este problema da determinação do direito aplicável para regular uma situação absolutamente
internacional, que tem contacto com vários ordenamentos jurídicos, que vai ocupar a disciplina de RPI, dado
que teremos que escolher qual a lei aplicável
à Ao longo do tempo, e em termos históricos, existiram inúmeras abordagens metodológicas muito
diferenciadas entre si.
à Uma das primeiras correntes seria aquela que considerava que se devia escolher o direito que
fosse mais justo à sendo que se lhe seguiu outra teoria, segundo a qual ter-se-ia que analisar as normas e
ver se a norma, pela sua redação, se queria ou não aplicar àquela situação
à Depois, entre os Sec. XVIII e XIX, afirmou-se o princípio da territorialidade das leis, inspirado na
soberania estadual:
• As leis operam no território de um Estado, mas não para além dele
• As leis vinculam todos aqueles que estão no território do Estado, quer permanente, quer
temporariamente
à Assim, as autoridades de um Estado aplicariam apenas e sempre o direito desse Estado, e só
pela cortesia internacional se reconheceriam situações jurídicas constituídas e consolidadas noutro Estado
à Ora, o princípio da territorialidade das leis não pode ser seguido no que concerne as RPI, por
vários motivos:
• Em primeiro lugar, porque não tem em conta as expectativas das partes, levando a uma total
frustração das mesmas
o Ex: casal de japoneses que sempre viveram e casaram em França. Não faz sentido que
um deles venha a Portugal para pedir a anulação do casamento com base numa causa
admitida pelo Direito da Família português
• Por outro lado, tal levaria a uma grande insegurança jurídica, pois cada tribunal, ao aplicar o
direito do foro, iria regular as situações de forma diferente, havendo uma absoluta desarmonia
internacional de decisões
• Por outro lado, ainda, gerar-se-ia uma indesejável corrida ao foro que aplicasse o direito mais
conveniente para as partes
à No entanto, note-se que, no domínio das normas de Direito Público, o princípio da territorialidade
desempenha ainda hoje um papel central, como nas normas penais, administrativas e processuais. Assim,
não se aplica, em princípio, o direito público de outro Estado em Portugal, embora tal se tenha que coadunar
com normas de DUE que criam cada vez mais entorses a este princípio da territorialidade de Direito Público
(tabu do DP)
à A superação do princípio da territorialidade deu-se com Savigni, que considerava que se terá que
acautelar um princípio fundamental de proteção das legítimas expectativas das partes quanto ao direito que
lhes é aplicável à princípio da não transitividade

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Não se pode aplicar a uma situação uma lei que com ela não tinha qualquer contacto no
momento da sua constituição
• Para regular uma situação jurídica, deve ser aplicada a lei ou leis que apresentem contactos
com a mesma, determinando-se depois qual a lei a aplicar com base nas normas de conflitos
de leis no espaço que elegerão uma lei de acordo com os laços de maior proximidade com
a situação

3.4. A nacionalidade
à Outro problema que surge no quadro das RPI é o da nacionalidade, posto que este tipo de relações
implicam a determinação prévia da nacionalidade dos sujeitos envolvidos
• Dado que em Portugal e noutros Estados da UE é a nacionalidade dos indivíduos que
determina a lei reguladora das matérias relativas ao seu estatuto pessoal (capacidade de
exercício de direitos, capacidade matrimonial – arts. 25º CC e 31º/1 CC, etc.)
à Ora, a nacionalidade de um individuo é definida exclusivamente por cada Estado, sendo uma
prerrogativa da soberania estadual, sendo que em Portugal vigora a lei 37/81, alterada pela Lei orgânica
2/2006 e 9/2015
à Quanto à resolução de conflitos positivos de nacionalidades, ou seja, quando os sujeitos possuem
dupla nacionalidade, teremos que:
• Art. 27º LN: se uma das nacionalidades for portuguesa, só esta releva face à lei portuguesa
(independentemente de ser a sua nacionalidade efetiva ou não)
• Art. 28º LN: se o conflito for entre duas ou mais nacionalidades estrangeiras, releva aquela
onde o plurinacional tem a sua residência habitual ou, na falta desta, a do Estado com o qual
mantenha uma relação mais estreita
o Note-se, no entanto, que consagrando o DUE o critério da residência habitual como
critério na determinação da lei aplicável, tem havido consequentemente uma regressão
do critério da nacionalidade

3.5. Condição jurídica dos estrangeiros


à O quinto problema que as relações privadas transnacionais podem suscitar diz respeito à definição
da situação jurídica dos estrangeiros perante a nossa ordem jurídica e os nossos tribunais
à O “Direito dos estrangeiros”, pessoas singulares ou coletivas, consiste em normas materiais e
princípios de direito público que reservam para os estrangeiros um tratamento diferente daquele que é dado
aos nacionais
• Ex: no tratado de adesão da Dinamarca à UE, esta reservou-se o direito de limitar aos
estrangeiros a aquisição de propriedade imobiliária
à Tal tratamento, que acentua a diferença entre a condição de estrangeiro e de nacional, colocará
desde logo problemas ao nível da questão da igualdade de tratamento no espaço da UE, contendendo com
o princípio da proibição da discriminação em razão da nacionalidade, consagrado no art. 18º TFUE

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Ex: teremos uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais
à Em Portugal, existem dois princípios que enquadram o Direito dos Estrangeiros:
• Princípio da equiparação
o Este princípio está constitucionalmente consagrado no art. 15º/1 CRP, prevendo que
os estrangeiros que se encontram ou residam em Portugal gozam dos mesmos
direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português
o Não obstante, o próprio art. 15º/2 CRP, prevê exceções quanto aos direitos políticos
e ao exercício de funções públicas que não tenham caráter predominantemente
técnico
o Quanto ao gozo dos direitos civis por estrangeiros em Portugal, o art. 14º/1 CC
estabelece o princípio da equiparação, embora no texto deste artigo in fine, se
salvaguarde a existência de disposições legais em contrário
o Assim, resulta do art. 15º/2 CRP e do art. 14º/1 in fine CC, que o princípio da
equiparação se confronta com limites impostos por normas que limitem aos
estrangeiros o gozo de determinados direitos, públicos ou privados, em Portugal
§ Ex1: art. 4º CT (igualdade de tratamento do trabalhador estrangeiro) + art. 5º/1
CT (exigência de forma escrita para o contrato de trabalho celebrado com
trabalhador estrangeiro) à MAS, art. 5º/6 CT (tal não se aplica a cidadãos do
espaço económico europeu à para não contender com o art. 18º TFUE)
§ Ex2: art. 31º/1 CC (estabelece que determinadas matérias são reguladas pela lei
da nacionalidade do individuo em causa)
o Não obstante, embora estes limites possam conduzir a um tratamento diferenciado
dos cidadãos estrangeiros face aos cidadãos nacionais, não se considera que tal viole
o princípio da equiparação, tal como se encontra consagrado na CRP
• Princípio da reciprocidade – art. 14º/2 CC
o Este princípio afirma que não serão atribuídos aos estrangeiros os direitos que, sendo
concedidos pelo respetivo Estado aos seus nacionais, o não sejam aos portugueses
em igualdade de circunstâncias
o Quanto à conformidade do princípio da reciprocidade com a CRP, é entendimento
dominante que não há qualquer violação da Constituição, posto que é a mesma, no
art. 15º/2 CRP, que permite que, por lei ordinária, se consagrem exceções ao
princípio da equiparação/ princípio do tratamento nacional
o Quanto à conformidade do princípio da reciprocidade como DUE, note-se que o
mesmo viola o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade,
consagrado no art. 18º TFUE, até porque este princípio não prevê qualquer tipo de
exclusão

4. Fontes de Direito de conflito de leis


à Existem, essencialmente, 3 tipos de fontes do Direito de Conflito de leis:
5

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Fontes internas
• Fontes internacionais
• Fontes europeias
à MAS, também se considera a existência de fontes transnacionais autónomas

4.1. Direito de conflitos de leis de fonte interna


à As regras de conflitos de leis de fonte interna encontram-se, desde logo, nos arts. 25º a 65º CC:
• Arts. 25º a 34º CC: âmbito da lei pessoal e direitos de personalidade
• Arts. 35º a 45º CC: obrigações contratuais e não contratuais
• Arts. 46º a 48º CC: direitos reais
• Arts. 49º a 61º CC: direito da família
• Arts. 62º a 65º CC: direito das sucessões
à Note-se que uma situação privada internacional pode convocar leis diferentes para regular
diferentes questões, mas para a mesma questão, apenas podemos ter uma determinada lei competente
• Ex: casamento à uma lei competente para a forma do casamento e outra lei competente para o
regime de bens
à Por outro lado, existem inúmeras normas de conflitos consagradas em diplomas diversos, como
por exemplo:
• Art. 5º CT
• Art. 3º CSC: que determina qual a lei pessoal da Sociedade Comercial, ou seja, a lex
societatis, que depois tem que se coadunar com o âmbito da lei pessoal em relação às
pessoas coletivas (art. 33º CC)
• Art. 60º DL 275/93, relativo ao direito real de habitação periódica, etc.
à Não obstante, o quadro de predominância das fontes internas na criação de normas de conflitos
de leis tem vindo a ser alterado, havendo uma diminuição crescente do seu âmbito de aplicação por força
do peso crescente das fontes de DUE na última década
à Em terceiro lugar, note-se que neste âmbito, a jurisprudência dos tribunais portugueses tem
escassa relevância, contrariamente ao que acontece no ordenamento jurídico francês, em que as normas
de direito de conflitos foram sendo criadas pela Court de Cassation
• Pelo contrário, os tribunais portugueses, incluindo os tribunais superiores, ignoram muitas
vezes o caráter internacional das situações com que se confrontam, ignoram o Direito dos
conflitos e tratam as situações como se fossem puramente internas, sujeitando as mesmas
ao direito material português (ex: Ac. STJ Evelyn Fernley)
• Ora, as normas de conflitos de leis aplicáveis em Portugal não são normas facultativas que
os tribunais podem ou não aplicar, não são normas que estão na livre disposição das partes,
mas sim normas imperativas que não podem ser derrogadas

4.2. Direito de conflitos de leis de fonte internacional


6

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Existem numerosos tratados internacionais e convenções de que Portugal é parte e que unificam
o direito de conflitos de leis em matérias específicas. Note-se, no entanto, que o que se unifica não é o
direito material que vai ser chamado a regular determinada situação internacional, mas sim os critérios de
determinação da lei aplicável
• Ex: convenções de Haia; convenção de Roma de 1980
à Note-se que, quanto ao âmbito de aplicação das convenções ou tratados internacionais, serão
estes instrumentos de DIP que determinam nos seus artigos iniciais se são ou não de aplicação universal,
ou seja, se se aplicam sempre independentemente de os critérios determinarem que a lei aplicável é a de
um Estado que seja ou não parte da convenção
à Estes tratados e convenções, embora sejam formalmente instrumentos de Direito Internacional
Público, contêm normas de Direito Internacional Privado, ou seja, normas de conflitos que determinam a lei
aplicável às relações privadas internacionais, pelo que tal não significa que o Direito Internacional Público
seja chamado a regular diretamente relações privadas internacionais
• No entanto, a Convenção de Washington de 1965 é um tratado internacional onde se prevê
que os princípios gerais do DI, preceitos materialmente de DI Público, possam vir a ser
chamados para regular relações privadas internacionais, nomeadamente para a resolução
de diferendos relativos a investimentos entre Estados e nacionais de outros Estados
à Embora o costume internacional não seja frequentemente chamado para regular os conflitos de
leis, a regra clássica lex rei sitae de que a titularidade de Direitos reais sobre bens imóveis deve ser regulada
pela lei do território onde se situam os imóveis é uma regra de DI Consuetudinário, costume esse vertido no
art. 46º CC

4.3. Direito de conflitos de leis de fonte europeia


à Importa, em primeiro lugar, que as normas de DUE primário têm bastante relevância na
regulamentação das situações privadas transnacionais na UE, nomeadamente as normas do TFUE relativas
às liberdades fundamentais de circulação
à Não obstante como fonte de Direito de conflitos de leis vigentes nos EM, iremos apenas considerar
os Regulamentos e Diretivas, ou seja, o DUE derivado
à Como é que o DUE começou a intervir no domínio do direito de conflito de leis?
• Nos anos de 1967/68, começou a colocar-se o seguinte problema: existe um mercado interno
ou comum, estabelecem-se contratos transnacionais, mas depois uma decisão judicial
proferida face a esses contratos num determinado EM não vai ser reconhecida noutro EM
• Para resolver esse problema, criou-se uma 5ª liberdade: a liberdade de circulação de
decisões judiciais em matéria civil e comercial, com salvaguarda apenas de razões de ordem
pública
o Não obstante, para assegurar a liberdade de circulação das decisões judiciais, ou
seja, o reconhecimento e execução de uma decisão proferida pelos tribunais de um
EM por outro EM, era necessário definir o montante quais os tribunais competentes

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
para proferirem a decisão judicial, tendo nascido a Convenção de Bruxelas de 1968
(hoje Regulamento de Bruxelas I ou Regulamento 1215/2012)
• Como o importante era a circulação de decisões judiciais e, para tal, era instrumental a
decisão de quais os tribunais competentes para dirimir o litígio para que depois a decisão
proferida fosse reconhecida, a Convenção de Bruxelas de 1968 não tratou da matéria do
Direito de Conflitos de Leis
• Surgiu, então, o problema de que como muito raramente existiam regras de competência
exclusiva, vários eram os tribunais internacionalmente competentes
o Não existindo regras de conflitos de leis, um tribunal competente de um EM iria
escolher a lei aplicável de acordo com as suas regras internas de direito de conflitos
e outro tribunal competente de outro EM iria escolher a lei aplicável de acordo com
as suas regras internas de direito de conflito de leis
• Como a partir do momento em que o litigio estivesse a ser julgado num tribunal de um EM já
não se poderia colocar a mesma ação noutro tribunal de outro EM devido à exceção de
litispendência, tal levaria à corrida ao tribunal onde uma das partes considerasse que a lei
aplicável lhe seria mais favorável – fórum shopping
• Para resolver este problema, nasceu a Convenção de Roma de 1980, estabelecendo regras
de conflitos de leis
o Vendedor de empresa francesa celebra um contrato de compra e venda de mercadoria
com um comprador de empresa alemã
§ Tribunais competentes:
• Do domicilio do réu (tribunais alemães)
• Do cumprimento da obrigação (tribunais franceses)
§ Convenção de Roma: regra de que a lei aplicável será a do Estado onde se realiza
a prestação característica, ou seja, lei do Estado do vendedor (lei francesa)
• Depois, nasce em 2002 o Tratado de Amesterdão que, nos seus arts. 61º, al. c) e 65º (hoje
81º/2, al. c) TFUE) consagra a competência da UE para legislar em matéria de conflitos de
leis e jurisdição
• Consagrada esta competência legislativa da UE em matéria do Direito de Conflitos de Leis,
o legislador europeu começou a emanar Diretivas e Regulamentos neste âmbito:
o Diretivas
§ As diretivas procuram harmonizar parcelas de direito privado material dos EM,
entre as quais se encontram normas de Direito de conflitos, ou seja, preceitos
de DUE que conformam o poder dos EM na delimitação do âmbito de aplicação
espacial das suas regulamentações nacionais de transposição
• Ex1: Diretiva 93/13/CEE à cláusulas abusivas nos contratos celebrados
com consumidores – art. 6º/2
o DL 249/99 (altera DL 446/85) – art. 23º

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o O art. 23º DL 249/99 é inequivocamente uma regra de escolha de
lei (conexão do contrato com um EM) que tem na sua base o art.
6º/2 da Diretiva 93/13/CEE
• Ex2: Diretiva 96/71/CE, que determina quais as disposições normativas do
EM de acolhimento de um trabalhador destacado que se aplicam em
detrimento das disposições de DT do EM de origem
o Normas imperativas relativas à retribuição mínima
o Regulamentos
§ Desde o ano de 2000, e tendo por base jurídica o atual art. 81º/2, al. c) TFUE,
que o legislador comunitário adotou uma série de regulamentos com relevância
como fontes de Direito dos Conflitos:
• Reg. (CE) 1346/2000, hoje Reg. (UE) 2015/848, relativo aos processos
de insolvência
• Reg. (CE) 864/2007 – Roma II, relativo à lei aplicável às obrigações
extracontratuais
• Reg. (CE) 593/2008 – Roma I, relativo à lei aplicável às obrigações
contratuais (que derivou da Convenção de Roma de 1980)
• Reg. (UE) 1259/2010 – Roma III, relativo à lei aplicável em matéria de
divórcio e separação judicial
• Reg. (UE) 650/2012, matéria das sucessões
• Reg. (UE) 2016/1103 – Roma IV, matéria dos regimes matrimoniais
à Quanto a esta atividade legislativa da UE no domínio do Direito de Conflitos de Leis, alguns
autores, como Luís de Lima Pinheiro, insurgem-se contra a mesma com base em diferentes argumentos:
• Referindo que nos EUA existem tantos direitos de conflitos de leis quantos Estados
o Argumento que não procede, dado que o mau exemplo dos EUA que gera muita
insegurança jurídica quanto ao conhecimento ex ante pelos cidadãos e empresas da
lei aplicável, não deve ser seguido pela UE
• Referindo que a unificação do Direito de conflitos de leis deveria ter lugar através da
celebração de convenções internacionais entre os EM
o Ora, a única Convenção deste tipo adotada com sucesso na UE foi a Convenção de
Roma de 1980 e ainda assim só em 2004 o TJUE passou a ter competência para a
sua interpretação.
§ Todos os outros projetos de convenções se frustraram e os sucessivos
alargamentos da UE mostraram ser irrealista uma unificação do Direito dos
Conflitos por via convencional, resultante da iniciativa voluntária dos EM
• Referindo que a divergência entre os Direitos de Conflitos dos EM não é suscetível de
prejudicar o bom funcionamento do mercado interno, pelo que faltaria base jurídica para a
atuação do legislador da União

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o Ora, o legislador da UE e o TJUE não têm concordado com esta posição e, desde o
Tratado de Lisboa que não é indispensável que a intervenção da UE no domínio do
Direito de Conflitos de Leis seja necessária para o bom funcionamento do mercado
interno
à A intervenção legislativa da UE de uniformização do Direito de Conflitos de Leis é bastante
importante para:
• Não existir uma incerteza quanto à lei aplicável, num espaço que se pretende seja de
liberdade, segurança e justiça
• Evitar o fenómeno do fórum shopping, embora tal não aconteça no caso do Reg. 1346/2000,
substituído pelo Reg. 2015/848 relativo aos processos de insolvência
o Ex: com a liberdade de circulação, basta mudar de forma real e efetiva a residência habitual
para se sujeitar a um regime de insolvência mais favorável

5. Direito de Conflitos face ao DIP e ao DUE


à A regulamentação das situações privadas transnacionais tem vindo a complexificar-se devido a 3
grandes razões:
• Pelo facto de os indivíduos serem considerados sujeitos de Direito Internacional (e não
apenas os Estados) havendo, nomeadamente, uma tutela internacional de direitos humanos
o Ex: Convenção Europeia dos Direitos do Homem
• Pela existência do DUE originário e derivado que tem eficácia externa e primazia relativa aos
direitos nacionais dos EM
o Note-se que os preceitos do TFUE relativos às liberdades fundamentais de circulação
conferem diretamente direitos aos particulares que estes podem invocar contra os EM
como forma de contestarem regulamentações imperativas nacionais que limitem estes
seus direitos de circulação no território da UE
• Pela dificuldade de se traçar uma linha de demarcação clara entre normas de DI Público e
de DI Privado
o Por exemplo, temos normas que, quanto ao critério dos interesses, são normas de DI
Público e que, quanto ao critério dos sujeitos, são normas de DI Privado
§ Ex: Direito do Trabalho, Direito Bancário, Direito do Consumo

5.1. Direito de Conflitos e Direito Internacional Público


à A noção de Direito Internacional prende-se com “o conjunto de normas criadas pelas fontes
próprias da comunidade internacional, ou seja, pela comunidade que é formada pelos sujeitos de DI”
à O Direito Internacional tem relevância para determinar os limites impostos à autoridade soberana
dos Estados, quer a nível legislativo, quer administrativo, ou seja, o DI impõe limites espaciais ao exercício
do poder de imperium pelos Estados

10

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Quanto ao poder de imperium dos Estados, fala-se em jurisdiction, ou seja, na competência ou
autoridade dos Estados, que pode dividir-se em 3 categorias:
• Jurisdiction to prescribe: competência para adotar atos legislativos e até administrativos
relativamente a pessoas, condutas/ atividades e coisas situadas no seu território
o Qualquer Estado dispõe inequivocamente do poder de adotar atos legislativos e
administrativos destinados a regular pessoas, atividades e bens que se situam no seu
território à princípio da territorialidade
o Por outro lado, de acordo com a teoria dos efeitos, qualquer Estado pode também
adotar atos relativos a condutas ocorridas no estrangeiro, e ainda que praticadas por
estrangeiros, que produzam os seus efeitos no território desse Estado
§ Ex: Lei 19/2012, art. 2º/2 – Reg. Jurídico da Concorrência
• Ex: Angola e Brasil negoceiam o direito de transmissão de eventos
desportivos em Portugal
o Por outro lado, ainda, qualquer Estado tem autoridade para regular as condutas dos
seus nacionais, ainda que praticadas no estrangeiro, com base na conexão da
nacionalidade
o Assim, os Estados são dotados de uma ampla jurisdiction to prescribe, que apenas
tem como limite negativo o imposto pelo princípio da não transitividade, ou seja, aos
Estados não é licito exercerem a sua autoridade para regularem pessoas, atividades
ou coisas que não tenham qualquer conexão com o próprio Estado
• Jurisdiction do adjudicate: competência para sujeitar pessoas, atividades ou coisas a
processos judiciais nos seus tribunais
• Jurisdiction to enforce: competência para utilizar os meios de coerção material do Estado
para fazer cumprir as suas disposições ou decisões ao nível da lei, de atos administrativos e
de decisões judiciais
o Apesar da ampla autoridade dos Estados para emanarem atos normativos, mesmo
com alcance extraterritorial, diferente é a sua competência para adotarem atos de
coerção material que deem cumprimento efetivo a esses atos normativos
o No domínio da jurisdiction to enforce, o DI impõe limites de natureza positiva,
nomeadamente havendo um princípio estrito de territorialidade
o Assim, as autoridades estatais detentoras de poderes de coerção material não podem
exercer as suas funções, fazendo cumprir as suas prescrições normativas, no
território de outro Estado sem o seu consentimento.

Qualificação de normas como de Direito Público ou Direito Privado


à Note-se que é decisiva a qualificação das normas como de Direito Público ou de Direito Privado,
na medida em que se estiverem em causa intervenções estaduais de Direito Público impõem-se os limites
estabelecidos pelo DI Público, nomeadamente os limites à jurisdiction to enforce

11

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Pelo contrário, estando em causa intervenções normativas de direito privado, então teremos que
ter em consideração as normas de conflitos de leis de DI Privado, que determinarão se deve ou não ser
aplicado o direito de determinado Estado

O Ac. STJ Upmann Habana


à Colocava-se, desde logo, a questão de saber se:
• Houve uma nacionalização sem indemnização, ou seja, um confisco da sociedade comercial
privada em causa
• Houve apenas uma intervenção temporária do Governo Cubano que produziu uma simples
alteração do regime jurídico societário de designação dos administradores das sociedades
comerciais
à Ora, se se tratasse de um confisco, estaríamos num ato de natureza política pública (Direito
Público Cubano) e, portanto, não poderia produzir efeitos extraterritoriais dadas as limitações à jurisdiction
to enforce
• Neste caso, um tribunal português não está obrigado a assegurar acriticamente a eficácia
cubana na sociedade comercial, sendo que, no caso concreto, tratando-se de um confisco,
tal é contrário ao Direito Internacional
à Pelo contrário, tratando-se de uma mera questão de direito cubano das sociedades, seria o mesmo
aplicável, nos tribunais portugueses por força das regras de conflitos de leis dos arts. 3º CSC (critério da
sede efetiva para determinar a lex societatis) e 33º CC (lei pessoal da sociedade)
à O que aconteceu foi que, tendo por base um juízo acrítico formalista, o STJ nem sequer levantou
a questão e decidiu escudando-se na qualificação da situação, tendo por base os arts. 3º CSC e 33º CC,
aplicando, portanto, a lei cubana

5.2. Direito de Conflitos e Direito da União Europeia


à Nas relações entre o Direito de conflitos e o DUE na regulamentação das situações privadas
transnacionais, vamos centrar-nos sobre a compreensão do impacto exercido pelo DUE originário sobre os
sistemas de conflitos de leis dos EM na regulamentação destas situações
à Note-se que, desde logo, as normas de conflitos de leis de fonte nacional têm que estar em
conformidade com a CRP, mas também, desde a adesão à UE, em conformidade com o plano supranacional
do DUE originário, ou seja, em conformidade com os Tratados da UE, mais especificamente com o TFUE
(sobretudo os artigos relativos às liberdades de circulação e o art. 18º TFUE, relativo à proibição da
discriminação)
• Ac. Boukhalfa TJUE 1996 à cidadã belga trabalha na embaixada alemã em Argel
o Direito dos conflitos alemão
§ Trabalhadores alemães nas embaixadas alemãs à direito alemão
§ Trabalhadores estrangeiros nas embaixadas alemãs à direito do Estado onde se
localiza a embaixada – direito argelino

12

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o O TJUE considerou que a norma de direito dos conflitos alemã violava o princípio do art. 18º
TFUE
• Ac. Garcia Avello TJUE
o Identifica o princípio da proibição da discriminação em razão da nacionalidade (art. 18º
TFUE) com o princípio da igualdade material, ou seja, tratar igual o que é igual e tratar
diferente o que é diferente
o Estabelece que o DUE originário confere aos cidadãos europeus oportunidade de
contestarem regulações estaduais imperativas, às quais se vejam sujeitos por força do
Direito dos Conflitos, que entravem o exercício das liberdades, ainda que não sejam
discriminatórias
• Ac. Grunkin e Paul TJUE
o Este acórdão aborda várias questões essenciais
§ A de que está em causa o sistema de direito de conflitos alemão
§ A de que os sistemas de conflitos dos Estados Membros estão também sujeitos ao
escrutínio exercido pelas disposições do TFUE relativas aos direitos fundamentais
de circulação, ainda que se tratem de normas de conflitos referentes ao estatuto
pessoal dos cidadãos da UE
§ Marca a passagem de um princípio de proibição de medidas nacionais
discriminatórias, para um princípio de proibição de medidas nacionais que apesar de
indistintamente aplicáveis, entravam o direito a circular na UE
o Por outro lado, no ac. Gebhard 1995, o TJUE refere que as medidas nacionais suscetíveis
de afetar ou tornar menos atraente o exercício das liberdades para serem compatíveis com
o DUE têm que:
§ Não serem discriminatórias
§ Justificarem-se por razões imperativas de interesse geral (ordem pública)
§ Serem adequadas
§ Serem proporcionais ao objetivo que se visa atingir
o Ora, no ac. Grunkin e Paul, as razões objetivas de ordem pública invocadas pelo governo
alemão não foram consideradas justificativas e nem sequer passaram no teste de adequação
à O TJUE segue como fio condutor o princípio do reconhecimento mútuo, que inspira todo o DUE,
relativo às liberdades de circulação. Assim, situações adquiridas validamente num EM (neste caso, o nome),
têm que ser reconhecidas pelos Estados Membros
• Embora o Tribunal ressalve que o EM pode invocar uma possível violação da ordem pública
(cláusula de salvaguarda) para afastar o reconhecimento de uma situação constituída
validamente noutro EM.
• Não obstante, a invocação da ordem pública nacional não deixará de ficar sujeita ao controlo
da sua compatibilidade com o DF de circulação conferido aos cidadãos da UE pelo TFUE,
designadamente ao controlo da proporcionalidade (interesse que se visa proteger com a

13

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
razão de ordem pública invocada vs. Custos que envolva para o exercício do direito de
circulação dos cidadãos europeus no território da UE

6. Métodos de regulamentação das situações privadas internacionais


à Existem vários métodos possíveis para lidar com a regulamentação das situações privadas
internacionais, o que pode ser comprovado através de uma análise da evolução histórica
à Atualmente temos um pluralismo metodológico que resulta da tese clássica de inspiração
Savigniana, das críticas efetuadas à mesma (antítese) e de uma síntese posterior que parte da teoria
clássica, integrando na mesma algumas das críticas

6.1. Abordagem conflitual clássica Savigniana


à A base metodológica essencial em que se fundam os sistemas de direito de conflitos de leis
europeus na regulamentação das situações privadas internacionais é o sistema conflitual desenvolvido por
Savigny em 1849
à Esta metodologia conflitual clássica apresenta uma série de características essenciais:
• Em primeiro lugar, Savigny considerava que a questão fundamental suscitada pelas relações
privadas internacionais é a da escolha do direito estadual a aplicar, dado tratarem-se de
relações jurídicas plurilocalizadas
o Para determinar qual a lei aplicável para Savigny, ter-se-ia que adotar um mecanismo
de escolha, tendo por base um critério normativo que superasse a aplicação
automática do direito do foro, tendo por base o princípio da territorialidade
o Este critério, para o autor, seria o de encontrar a “sede” ou o “centro de gravidade” da
relação jurídica internacional e aplicar o ordenamento jurídico do local dessa mesma
“sede”
§ Trata-se, assim, de um critério de proximidade, procurando determinar qual o
ordenamento jurídico que tem a conexão mais estreita com a situação privada
internacional
• Para Savigny, o interesse que se deve assegurar com base neste critério de proximidade é o
da proteção dos interesses ou expectativas das partes envolvidas na situação privada
internacional
o O autor considera que existe uma sujeição voluntária das partes ao direito que deve
ser respeitada por forma a determinar qual a lei aplicável
§ Ex: quanto ao estatuto pessoal dever-se-ia aplicar a lei da residência habitual,
posto que se as partes foram viver para determinado Estado sujeitam-se
voluntariamente ao direito do mesmo
§ Quanto à celebração de um contrato, dever-se-ia aplicar a lei do local (Estado)
onde o mesmo foi celebrado, na medida em que as partes, ao escolheram
determinado local, sujeitam-se voluntariamente a esse ordenamento jurídico

14

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
§ Quanto às obrigações contratuais, pela mesma ordem de razões, deve ser
aplicada a lei do lugar do cumprimento
• Para Savigny, a justiça do direito de conflitos de leis é, pois, uma justiça conflitual-formal. O
que está aqui em causa é um critério formal, neutro, de aplicação da lei mais próxima e não
de aplicação da lei mais justa materialmente.
o Assim, o mais justo é aplicar a lei que tem uma posição relativa de maior proximidade
espacial face à situação a regular
o Note-se que, se se tivesse o critério da justiça material, tal levaria a que existissem
algumas desvantagens:
§ Em primeiro lugar, o que é mais justo depende desde logo das conceções de
justiça dominantes em cada ordem jurídica nacional
§ Em segundo lugar, o critério da justiça material geraria uma maior incerteza
quanto à determinação da lei aplicável e, consequentemente, uma maior
imprevisibilidade
§ Em terceiro lugar, será bem mais difícil obter um consenso quanto à existência
de uma solução materialmente mais justa
o Assim, o critério de justiça conflitual de proximidade tem a vantagem de assegurar
maior previsibilidade e segurança para os particulares quanto à determinação da lei
reguladora das relações privadas internacionais em que são parte
• Note-se, no entanto, que para Savigny não bastava o critério da maior proximidade para
determinar a lei aplicável, tendo por base a “sede” da relação jurídica. Havia, ainda, que
destacar uma conexão relevante em relação a cada questão ou problemática jurídica
suscitada pela situação privada internacional

à Por outro lado, para compreender a abordagem conflitual clássica, importa compreender quais os
seus princípios orientadores:
• Princípio da harmonia jurídica internacional
o Um dos princípios orientadores do Direito de conflitos de leis será a de que se o
primordial é acautelar os interesses das partes e aplicar a lei mais próxima à situação
a regular, então qualquer que seja o tribunal chamado a decidir o litigio, a lei aplicável
será sempre a mesma
o Ou seja, a meta ou objetivo é que haja uma uniformidade de decisões dos tribunais
relativamente à lei aplicável, independentemente do Estado onde o problema se
coloque
o Este princípio de harmonia decisória internacional exprime um princípio mais geral de
segurança jurídica, de previsibilidade “ex ante” de qual a lei aplicável

15

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o Claro que tal objetivo ou meta é de difícil concretização, posto que teriam desde logo
os Estados que concordar em adotar um determinado critério comum para definir qual
a lei mais próxima
§ Ex: ac. Grunkin e Paul, relativamente ao nome
• Alemanha = lei mais próxima é a da nacionalidade
• Dinamarca = lei mais próxima é a da residência
o Assim, para promover a harmonia jurídica internacional, os legisladores de conflitos
de leis têm procurado adotar critérios que sejam suscetíveis de se tornarem
universais, como o do princípio da autonomia da vontade na determinação da lei
reguladora das relações privadas internacionais
§ Sendo as próprias partes a decidirem que lei se aplica, acaba por se garantia
a harmonia decisória internacional, onde quer que a questão se coloque
• Princípio da paridade de tratamento entre a lei do foro e a lei estrangeira
o Este princípio traduz a ideia de que o Direito de Conflitos de leis deve conceder
tratamento igual do direito do foro e ao direito de outros Estados.
§ Assim, deve ser indiferente para o tribunal aplicar o direito nacional ou o direito
estrangeiro, pois só desta forma se garante a harmonia decisória internacional
o Para Savigny, este princípio decorria da sua convicção da existência de uma
comunidade de direito entre as nações, apesar da diversidade de direitos locais/
nacionais
o Não obstante, importa que para um juiz é diferente aplicar o direito do foro, que
conhece melhor, e com o qual se sente mais à vontade, do que aplicar um direito
estrangeiro com o qual se sente menos confortável
§ Por este motivo, ao princípio da paridade de tratamento, contrapõe-se o
princípio da promoção da boa administração da justiça, dado que ao aplicar
uma lei estrangeira são maiores os riscos da sua má aplicação e
consequentemente, maior a dificuldade em fazer justiça no caso concreto
§ No entanto, se prevalecesse o princípio da boa administração da justiça como
base orientadora da escolha da lei, acabar-se-ia por aplicar sempre o direito
do foro/ direito interno, o que colocaria em causa quer o princípio da harmonia
internacional, quer o da paridade de tratamento, e o que acabaria também por
conduzir ao fenómeno do fórum shopping
§ Assim, o princípio da boa administração da justiça cede claramente, face aos
restantes princípios, num sistema clássico europeu de direito de conflitos
§ Desta forma, só em situações verdadeiramente excecionais e em casos
isolados é que se atende ao interesse da boa administração da justiça

16

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o No nosso ordenamento jurídico, o art. 22º/1 CC estabelece que não sejam aplicados
os preceitos da lei estrangeira quando tal ofenda os princípios fundamentais da ordem
pública internacional do Estado português
§ No entanto, aplicam-se as normas estrangeiras mais adequadas para resolver
a situação e só depois, subsidiariamente, o direito português (art. 22º/2 CC)
o Note-se que estas razões de ordem pública internacional são uma cláusula de
salvaguarda que permite uma limitação à aplicação do direito estrangeiro, mas de
natureza excecional
§ Ex1: Sr. Argelino quer casar em Portugal com uma senhora Argelina. No entanto,
o senhor já é casado com duas mulheres
• Art. 49º CC: capacidade matrimonial é regulada pela lei pessoal – lei da
nacionalidade (art. 31º/1 CC)
• No entanto, ainda que a lei argelina o permitisse, em Portugal não se
celebraria o matrimónio devido a razões de ordem pública nacional do
Estado Português
§ Ex2: um casal argelino está em Portugal e a senhora pretende pedir o divórcio
• Admitamos que a lei argelina só permite aos maridos pedir o divórcio
• Nesse caso, os tribunais portugueses iriam regular o divórcio aplicando a
lei argelina, mas “depurando” a mesma, ou seja, não aplicando apenas a
norma que viola o princípio da igualdade
• Princípio da efetividade
o O princípio da efetividade ou da lei com melhor competência prende-se com o facto
de que as soluções a que se chegue pela aplicação das regras de conflitos terem que
poder ser efetivas, ou seja, terem que ser exequíveis no Estado em que se destinam
a produzir efeitos
o De acordo com este princípio, o direito mais próximo enquanto lei aplicável poderá ter
que ceder à aplicação de outro direito que possa ser efetivo
§ Ex: cidadão inglês morre em Portugal e possui imóveis em França
• Art. 62º CC: regra de conflitos segundo a qual a lei aplicável para regular
a sucessão é a lei pessoal (art. 31º/1 CC) ou seja a lei da nacionalidade
à aplica-se a lei inglesa
• No entanto, o Direito Francês determina que, no que diz respeito à
sucessão de imóveis situados em França, a lei francesa é que regula a
sucessão
• Ora, quanto à lei francesa, ela vai impor-se no que concerne a sucessão
de imóveis, dada a exclusividade da sua aplicação prática, dado que a
decisão proferida pelo tribunal português quanto à partilha dos bens
imóveis para ser executada vai depender das autoridades francesas
• Assim:

17

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o Tribunal português, antes da adoção do regulamento europeu das
sucessões internacionais
§ Sucessão de bens imóveis – lei francesa
§ Restante sucessão – lei inglesa
• Princípio da harmonia interna
o Este princípio exprime a ideia de que no seio de uma ordem jurídica não pode admitir-
se contradições normativas (antinomias)
o Ora, nas situações privadas internacionais, como as normas de conflitos podem levar
a que leis diferentes venham a regular questões jurídicas diferentes numa mesma
situação de facto controvertida, torna-se mais premente ainda o estabelecimento de
mecanismos que promovam uma maior coerência e harmonia material interna
o Assim, tem havido uma preocupação na opção por estatutos unitários para regular as
várias questões jurídicas parciais incluídas numa mesma situação privada
internacional controvertida
§ Ex: Regulamento europeu das sucessões internacionais à utilização do elemento
de conexão da nacionalidade do de cuiús à data da morte, para designar a lei
reguladora da sucessão sem diferenciação (por exemplo, independentemente do
Estado onde se situem os bens do de cuiús, e independentemente de serem bens
móveis ou imóveis)

6.2. Críticas à metodologia conflitual clássica


à Desde os anos 30 do século XX que vários autores dos EUA têm contestado a metodologia
conflitual clássica assente numa ideia de aplicação da lei mais próxima determinada por regras de conflitos
rígidas e for mais que são materialmente neutras em relação ao conteúdo material dos direitos em contacto
com a situação
à Consideram uns que a escolha de lei deve orientar-se pela aplicação da lei materialmente mais
justa (David Cavers) e outros pela aplicação da lei em função dos interesses governamentais envolvidos
(Brainerd Currie)
à Outros autores consideram ainda que não se deve realizar uma escolhe entre as várias leis
estaduais, mas antes tentar chegar a soluções materiais próprias/ específicas para regular as situações
internacionais

Teoria da lei materialmente mais justa – David Cavers


à Para compreender as críticas de David Cavers (1902-1988) ao sistema conflitual clássico importa
ter em conta que o mesmo assenta em regras rígidas e completamente neutras em relação aos interesses
de justiça material
à Um exemplo paradigmático foi o do Ac. Carroll no domínio da responsabilidade extracontratual:
• Existia um comboio que atravessava os Estados do Tennessee, do Alabama e do Mississípi

18

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• A Sociedade de caminhos de ferro era do Alabama e nela trabalhava como guarda-freios o Sr.
Carroll residente no Alabama
• O Sr. Carroll teve um acidente ocorrido no Mississípi devido à rutura de um elo de ligação das
carruagens, em consequência da negligência dos seus colegas na colocação e verificação do elo
defeituoso, e sofreu danos graves em resultado desse acidente
• Segundo o Direito do Mississípi, o Sr. Carroll não tinha direito a ser indemnizado pela entidade
patronal, mas apenas pelos seus colegas negligentes; mas segundo o direito do Alabama a
entidade patronal seria responsável
• O Sr. Carroll demandou a entidade patronal num tribunal do Alabama e este considerou que a lei
aplicável, por que mais próxima, era a lei do Mississípi dado ser a lei do Estado onde se verificou
o evento danoso e, portanto, não concedeu ao lesado qualquer indemnização
à Vemos, pois, que foi aplicada de forma mecânica uma regra rígida de escolha da lei (local onde
se produziu o dano), abstendo-se o tribunal de quaisquer outras considerações, não tendo nomeadamente
dado qualquer relevância ao facto de a conduta negligente que deu origem ao dano se ter verificado no
Alabama
à Para Covers, esta “escolha de olhos vendados” e aplicação mecânica das regras de conflito não
era admissível, considerando que os juízes decidem litígios entre pessoas concretas e, portanto, têm que
fazer justiça considerando as particularidades dos factos, o conteúdo material dos vários Direitos envolvidos
e os direitos materiais em presença
à O autor considerava que na escolha da lei aplicável não se podiam utilizar apenas critérios
estritamente formais tendo que se ter também em consideração critérios de justiça material. Como esta sua
tese poderia conduzir a uma enorme insegurança e incerteza na escolha da lei, o autor acabou por elaborar
um conjunto de princípios de preferência à um conjunto de diretrizes (não vinculativas) orientadoras dos
juízes na escolha da lei aplicável e que tinham na sua base um misto de preocupações:
• Com a localização da situação, por um lado
• E com a realização da justiça material, por outro lado
à Quanto à dimensão localizadora da situação, procura-se em primeiro lugar determinar quais as
leis mais próximas da situação a regular (ex: local da atuação danosa, da verificação do dano, do domicilio do
lesado)
à Depois, quanto à dimensão material, a escolha será feita, de entre as leis mais próximas, segundo
um critério substantivo, atendendo ao conteúdo dessas leis
à No domínio da responsabilidade extracontratual, a escolha da lei deveria ser inspirada pela ideia
da escolha da lei que mais protege o lesado
à Note-se que a tese defendida por David Cavers pode ser alvo de algumas críticas:
• Os princípios que formulou eram demasiado indeterminados, não dando indicações seguras
quanto à lei aplicável “ex ante”, o que gera grandes incertezas e inseguranças
• Os princípios têm um âmbito de aplicação limitado ao domínio da responsabilidade
extracontratual

19

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• A ideia da aplicação da lei mais favorável ao lesado é discutível em termos políticos. Não
podemos, em geral, adotar este tipo de critério
o Só devemos adotar esta posição de maior proteção em relações nas quais se verifica
existir uma parte mais débil ou vulnerável
§ Ex: Direito do Trabalho e Direito do Consumo à porque o trabalhador e o consumidor
têm menor poder negocial
à Atualmente, no art. 45º/1 CC, determina-se que a lei aplicável será a do local onde se verificou a
principal atividade causadora do prejuízo (conduta negligente) – lei do Alabama
à No art. 4º do Reg. Roma II, teríamos a lei do país onde ocorreu o dano (art. 4º/1), mas também
a lei do país onde o lesado e o lesante tenham a mesma residência habitual (art. 4º/2) ou o direito que rege
uma relação contratual pré-existente entre lesante e lesado (art. 4º/3) – lei do Alabama

Governmental Interest Analysis – Brainerd Currie


à Brainerd Currie (1912-1965), apelidado de “angry young man”, rompeu radicalmente com o
sistema conflitual clássico e foi considerado como o pai das análises funcionais da escolha da lei
à Desde logo, Currie considerava que a lei é, por natureza, destinada à prossecução de objetivos
legislativos dos Estados e, portanto, os conflitos de leis seriam conflitos de interesses governamentais ou
de objetivos de política pública
à Assim, escolher a lei aplicável de acordo com a abordagem conflitual clássica que ignora
completamente os interesses governamentais, seria o mesmo que adotar um critério de “moeda ao ar”, pelo
que neste sentido as regras de conflitos de lei não são necessárias e deviam ser suprimidas
à Segundo este autor, deveria ser utilizada uma metodologia baseada em 2 passos:
• Em primeiro lugar, teríamos que analisar as normas em presença e determinar os interesses
governamentais que lhes estão subjacentes (finalidade das normas)
• Em segundo lugar, teríamos que verificar se, tendo em conta os interesses das normas, elas
se pretendem aplicar ao caso concreto, delimitando assim o seu âmbito de aplicação espacial
à Segundo esta metodologia proposta por Currie, o autor considera que poderiam surgir diferentes
tipos de conflitos:
• Conflitos falsos ou aparentes
o Quando, depois de analisada a ratio das normas legais em presença, se chega à
conclusão de que apenas uma das leis se pretende aplicar
o Para Currie, estes eram não apenas os conflitos de leis mais frequentes, como também
os mais simples, na medida em que, considerados os interesses governamentais
visados, apenas uma lei se pretende aplicar
§ Ex: Ac. Babcok vs. Jackson
• O Sr. e a Sra. Jackson, de NY, dão boleia a uma vizinha, a Sra. Babcok, para
irem passar um fim de semana ao Ontário

20

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• O Sr. Jackson perde o controlo do carro, tem um acidente, e a Sra. Babcok sofre
graves danos
• Para Currie, temos, desde logo, que identificar as leis em presença e analisar
os interesses governamentais que estas visam proteger:
o Lei de NY: pretende proteger as vítimas de acidentes causados por conduta
negligente e, portanto, atribuir-lhes o direito à indemnização
o Lei do Ontário: pretende proteger os interesses das seguradoras, evitando
conluios entre passageiros transportados gratuitamente e os
transportadores, de modo a defraudar as seguradoras
• Depois, teremos que determinar se, tendo em conta os interesses que visam
proteger, as leis se pretendem aplicar ao caso concreto:
o Lei de NY tem interesse em aplicar-se porque estava em causa uma lesada
de NY
o Lei de Ontário não tem interesse em aplicar-se porque a seguradora em
causa não é do Ontário, mas sim de NY
• Teremos, assim, um conflito falso ou aparente, dado que apenas uma das leis
se pretende aplicar
• Conflitos verdadeiros ou autênticos
o Neste caso, analisados os interesses governamentais que as leis em presença visam
prosseguir, conclui-se que ambas as leis se pretendem aplicar à situação em apreço à
estes conflitos, embora mais raros, são bastante mais complexos
o Para o autor, verificando-se a existência de um conflito verdadeiro, posto que ambas as
leis se pretendem aplicar, a solução passava por aplicar a lei do foro, dado que os
tribunais servem para prosseguir os objetivos e interesses do Estado a que pertencem
e, portanto, não vão deixar de prosseguir esses interesses em favor dos interesses de
outro Estado (justificação “soberanista”)
§ Ex: Ac. Lilienthal vs. Kaufman
• Temos um devedor do Oregon, decretado incapaz no Oregon e um credor da
Califórnia
• O contrato foi celebrado na Califórnia e devia também aí ser cumprido
• Vejamos as leis em presença e os interesses que visam proteger:
o Lei do Oregon: o devedor é do Oregon, e a lei visa proteger o património
dos incapazes por habitual prodigalidade, de modo a proteger a família do
mesmo e até a própria autoridade pública do Oregon
o Lei da Califórnia: o credor é da Califórnia e a lei visa assegurar o
cumprimento dos contratos e a satisfação dos credores
• Assim, ambas as leis pretendem aplicar-se ao caso concreto, pelo que temos
um conflito real de leis à como in casu, a ação para pagamento de quantia certa
foi proposta num tribunal do Oregon, aplicar-se-á a lei do Oregon

21

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Caso do foro desinteressado
o Poder-se-ia dar o caso de o conflito ser autêntico, mas envolver duas leis estrangeiras,
situação em que para Currie, aplicar-se-ia a lei que mais se assemelhasse, pelo seu
conteúdo, à solução prevista pela lei do foro
o Nesta situação, o que relevaria era uma consideração de boa administração da justiça
e a necessidade de evitar que o juiz desse preferência a uma lei que fosse a mais
diferente relativamente ao seu direito nacional
• A situação do unprovided for case
o Seria o caso de nenhuma das leis em contacto se pretender aplicar à situação em
apreço, pelo que teríamos uma espécie de “vácuo” jurídico, ou de falta de
regulamentação
o Para Currie, dever-se-ia aplicar a lei do foro, ainda que esta não pretenda regular a
situação controvertida, de modo a evitar que o juiz, ao aplicar outra lei, emitisse um juízo
de valor desfavorável em relação às soluções adotadas na sua ordem jurídica ao
considerar mais adequada uma solução estrangeira
à A teoria desenvolvida por Currie pode ser alvo de algumas críticas, como sejam:
• Ainda que uma norma imperativa de direito privado prossiga interesses públicos do Estado
onde vigora, não se pode considerar que esta imperatividade tenha um valor tal que qualquer
conflito de leis se traduza num conflito de índole político-pública e, portanto, num conflito de
soberanias entre Estados
• Por outro lado, não é possível deduzir de toda e qualquer ratio de uma regra de direito material
quais os limites da sua aplicação espacial. Há muitas normas donde não se pode deduzir se
se querem ou não aplicar
o Ex: art. 1601º CC – impedimentos dirimentes absolutos ao casamento à como sabemos
se se quer aplicar só a nubentes portugueses? Porque não a nubentes residentes em
Portugal, ou até a nubentes que pretendem contrair casamento em Portugal?
o Assim, sem normas de conflitos, não conseguimos, por regra, definir o âmbito de
aplicação das normas de direito material
• Por último, a tesse de Currie também é criticável dado que existem vários interesses
prosseguidos por uma norma, pelo que dificilmente se conseguiria individualizar um só objetivo
considerando ser o único relevante que inspira a norma
• Podemos ainda concluir que esta tese seria incapaz de assegurar a previsibilidade das
decisões, pois baseia-se numa análise casuística e que, no caso dos conflitos reais, ao aplicar
a lei do foro acaba por se afastar da promoção da harmonia jurídica internacional e conduzir
ao fórum shopping.
o Além disso, nos casos em que se aplica a lei do foro, quando o conflito é entre duas
leis estrangeiras, ou quando não existe lei que pretenda aplicar-se ao caso concreto,
esta tese viola o princípio da não transitividade

22

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Apesar destas críticas, a tese de Currie ainda hoje é seguida pelos tribunais de mais de metade
dos EUA, apesar de nunca se ter conseguido afirmar na Europa, como uma alternativa aceitável à
abordagem conflitual clássica
à Não obstante, a tese de Currie teve o aspeto meritório de ter chamado à atenção para a cegueira
da tese clássica relativamente aos interesses político-legislativos dos Estados
à Quando se nos depara uma norma de direito privado que visa a prossecução de um interesse
governamental imperativo e bem identificado do Estado, essa norma poderá ter ser aplicada,
independentemente das regras de conflitos, a todas as situações que se integrem na sua facti-species,
sendo designadas como normas de aplicação imediata e constituindo um reflexo evidente da teoria de Currie
na regulamentação das situações privadas internacionais no direito de conflitos europeu moderno.

6.3. Integração das críticas no sistema conflitual – pluralismo metodológico nos direitos de conflitos
modernos
à A integração das críticas no sistema conflitual prendeu-se sobre tudo com:
• O apuramento da justiça conflitual
• A influência das preocupações de realização da justiça material na escolha da lei
• A influência da análise do interesse governamental nos sistemas modernos de Direito de
conflitos de leis
• A orientação metodológica substantivista – o DIP Material

6.3.1. O apuramento da Justiça Conflitual


à O apuramento da justiça conflitual prende-se com uma resposta às críticas de que o sistema
clássico é demasiado rígido e mecânico na escolha da lei
• MAS, o que se verifica é que, não abdicando do elemento essencial da escolha da lei mais
próxima, se procura apurar o sistema, corrigindo-o de acordo com as críticas do que foi alvo
à Especializações das regras de conflitos
• Tendo-se começado a perceber que a utilização de regras de conflitos demasiado gerais pode
levar a soluções desajustadas às exigências do caso concreto, o sistema procurou
especializar as regras de conflitos atendendo às particularidades das situações
• Assim, em vez de se dizer que a regulação de toda e qualquer questão jurídica que se coloque
na situação plurilocalizada X passa pela aplicação da lei Y, passaram a criar-se regras de
conflitos especializadas para cada questão jurídica
o Tal levou à evolução do número de regras de conflitos à codificação mais extensa
§ Exemplo:
• Determinação da lei aplicável ao casamento (arts. 49º-55º CC)
o Lei reguladora das relações pessoais (arts. 49º-52º CC) VS lei
reguladora das relações patrimoniais (53º-54º CC)
• Regulamento Roma I

23

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o Lei Reguladora
§ Contratos de trabalho
§ Contratos com consumidores
§ Contratos de seguro
• Regulamento Roma II
o Lei Reguladora
§ Responsabilidade do produtor
§ Danos ambientais
§ Os diferentes artigos do Código Civil e dos Regulamentos Roma I e II tratam
da regulação dos vários problemas jurídicos que podem ser suscitados por uma
situação plurilocalizada apontando para a aplicação de leis diferentes que se
consideram mais próximas para a regulamentação de cada questão
individualizada
o Outra manifestação da especialização das regras de conflitos é a criação de regras de
conflitos mais complexas que promovem a aplicação da lei efetivamente mais próxima,
atendendo às situações concretas
§ Exemplo:
• Lei do local onde se verificou a conduta causadora do dano (art. 45º/1 CC)
o MAS, o art. 45º/3 CC atende às especializações de lesante e lesado
terem a mesma nacionalidade ou a mesma residência habitual
• Art. 4º/1 Regulamento Roma II à local onde se consuma o dano
o MAS, o art. 4º/2 atende às especializações de lesante e lesado terem
a mesma residência no momento do dano
§ A especialização das regras de conflito prende-se com dois fenómenos:
• Especialização das regras de conflito criando-se novas regras que
individualizam, dentro da mesma situação, questões jurídicas diferentes
• Especialização das regras de conflito dentro da mesma norma, levando
à aplicação de critérios diferentes consoante hajam diferentes
elementos de conexão
o Tudo isto tem em vista a aplicação da lei mais próxima
à Concretização judicial do Princípio da Proximidade
• Outra forma de apuramento da justiça conflitual baseia-se na ideia de que cabe ao juiz
escolher a lei mais próxima a aplicar na situação concreta
o Existe uma espécie de diretiva genérica segundo a qual deve ser o juiz, na situação
concreta, que vai decidir qual é a lei mais próxima da situação a regular
• Arts. 52º/2 e 60º/2 CC: concretização judicial do princípio da proximidade no sistema
conflitual português
o MAS, tal será sempre uma conexão subsidiária face às demais:
§ Art. 52º/1 CC: nacionalidade comum
24

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
§ Art. 52º/2 1ª parte CC: residência habitual comum
§ Art. 52º/2 2ª parte CC: lei mais próxima da vida familiar
o Risco da concretização judicial: o critério é muito vago e indeterminado, gerando uma
grande incerteza jurídica à não se estabelece ex ante qual a lei a aplicar, ficando esta
apenas estabelecida a posteriori com a decisão do juíz
§ Assim, o Professor considera que tal princípio apenas pode ser aplicado
subsidiariamente
à Cláusula de exceção
• Uma terceira manifestação do apuramento da justiça conflitual é a existência de uma cláusula
geral expressa, que permita ao juiz corrigir o resultado da aplicação de uma regra de conflitos,
quando essa aplicação, no caso concreto, contrariar a afirmação dos próprios princípios de
justiça conflitual de proximidade
• O legislador português não consagrou no CC de 1966 a figura da cláusula geral de exceção
o Por outro lado, o legislador suíço consagrou no art. 15º da lei de DIP da Suíça de
1987, uma cláusula de exceção com alcance geral, embora para a aplicação da
mesma tenha que haver uma dupla verificação:
§ A lei indicada pelas regras de conflitos tem de ter uma ligação ténue com a
situação
§ Tem de existir outra lei que tenha uma conexão mais próxima com a situação
a regular
o MAS, por força do art. 4º/3 do Regulamento Roma II, no nosso ordenamento jurídico
vigora uma cláusula expressa de exceção à permite ao juiz corrigir o “juízo” de
proximidade realizado pelas regras de conflito consagradas no art. 4º/1 e 2, desde
que haja uma conexão manifestamente mais estreita com a lei de um país diferente
§ O legislador europeu teve a preocupação de definir, nesse mesmo artigo, o
conceito de conexão manifestamente mais estreita
• Ex: relação pré-existente entre as partes, como um contrato
o Embora seja raro, no ordenamento jurídico português, a existência de uma cláusula
expressa de exceção, poderemos considerar que no art. 45º/3 CC há uma correção
legal expressa da conexão base no domínio da responsabilidade extra-contratual
• Esta questão de existência ou não de uma cláusula expressa de exceção é diferente da Tese
da Cláusula de Exceção Implícita, defendida por Cunhal Sendim em relação ao artigo 52º
CC
o De acordo com este autor, a ratio do art. 52º CC seria a da aplicação da lei mais
próxima (52º/2 in fine CC) à deveria ser considerada a existência de uma exceção
implícita que permite a aplicação de outra lei, que não a referida no art. 52º/1 e 52º/2
1ª parte CC

25

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o Não se pode admitir esta tese porque não podemos olhar para um preceito e pretender
apenas fazer uma redução teleológica do mesmo, considerando ter apenas por
finalidade um princípio de proximidade
§ As regras de conflito têm também por finalidade a certeza e previsibilidade ex
ante de qual a lei que vai ser aplicada à se se considerar que existe uma
cláusula de exceção implícita não se tem em conta também esta finalidade
§ Apesar de se compreender que pode não haver segurança e previsibilidade
nos casos em que a lei permite às partes escolherem a lei aplicável e estas
não o fazem, tal não se admite nos casos em que a lei não permite às partes
escolherem a lei aplicável, como é o caso do casamento, no qual se insere o
art. 52º CC
o Também não se pode admitir a tese de Maria João Fernandes, segundo a qual existiria
uma cláusula de exceção implícita com caráter geral na medida em que todas as
regras de conflito exprimem o princípio da proximidade

6.3.2. Influência das preocupações de realização da justiça material


à Outra forma de integração das críticas no sistema conflitual clássico prendeu-se com a influência
das preocupações de realização da justiça material (reflexos de David Cavers) e que levou a que:
• Se criassem normas de conflitos elaborados tendo em conta o resultado material
• Seja utilizado o princípio da aplicação da lei mais favorável
à Regras de conflitos de conexão material
• Regra de conflito que, em vez de escolherem a lei em função de puros critérios de
proximidade, escolhem a lei em função do resultado material a que ela conduz e que se
pretende que se produza no caso em concreto
• Exemplo:
o Art. 45º/2 CC: opção do legislador português de aplicação do direito do Estado onde se
verificou o dano, em detrimento do direito do Estado onde se verificou a conduta
causadora do dano (45º/1 CC) à reflete uma preocupação material de proteção do lesado
o Art. 65º CC: esta norma estabelece conexões múltiplas alternativas, que visam assegurar
o resultado material de facilitar a validação formal do testamento e que exprime um
princípio de DIP Moderno à princípio da conservação dos negócios jurídicos
à Princípio da aplicação da lei mais favorável
• Existem situações em que a lei determina como critério, que intervém na escolha da lei
aplicável, um resultado material de proteção de uma categoria específica de pessoas
o O critério deixa de ser o da lei mais próxima da situação a regular, e passa a ser o da
aplicação da lei mais favorável a uma das partes na relação
• Exemplos:
o Art. 6º Lei 98/2009, de 4 de setembro: relativo à reparação de acidentes de trabalho e
de doenças profissionais à estabelece a possibilidade de o trabalhador escolher entre a
26

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
lei portuguesa (posto a empresa ser portuguesa) e a lei do Estado onde ocorreu o
acidente, consoante a que lhe seja mais favorável
o Art. 38º DL 178/96: aos contratos de agência que se desenvolvam em Portugal, só se
aplica outra lei que não a portuguesa se se mostrar mais favorável ao agente
§ Neste caso, não é o agente que escolhe a lei mais favorável, mas sim o juiz à no
caso concreto, vai escolher e aplicar a lei mais vantajosa para o agente
• Problema: é difícil ao juiz determinar qual a lei mais favorável àquele
agente concreto
o Ex: é mais favorável receber hoje 100.000€ de indemnização ou
receber 3.000€ por ano ao longo da vida?
o Art. 7º Reg. Roma II: relativo aos danos ambientais à o lesado pode escolher entre a lei
do Estado onde se verificou a conduta danosa e a lei do Estado onde se verificou o dano
(ex: poluição de um rio)
• A Diretiva 96/71 – destacamento de trabalhadores
o O art. 6º do Reg. Roma I refere que, na falta de escolha da lei, o contrato de trabalho
é regulado pela lei do Estado onde, ou a partir do qual, o trabalhador realiza
habitualmente a sua prestação laboral
§ Tal levava a que um trabalhador português colocado na Alemanha auferisse o
salário português, o que não era do agrado, nem dos trabalhadores, nem das
empresas, nem do governo alemão, pois gerava uma concorrência desleal e
um dumping social
o A Diretiva 96/71 surge para colmatar esta situação, impondo que as empresas
garantam aos trabalhadores destacados as condições no EM onde o trabalho for
executado (art. 2º/1 Diretiva 96/71)
§ MAS, segundo o art. 3º/7 da Diretiva 96/71, estas condições de trabalho do
EM de destino apenas se aplicam se forem mais favoráveis ao trabalhador
face às condições do EM de origem
• Assim, esta Diretiva consagra o princípio da aplicação da lei mais
favorável à a decisão de qual a lei mais favorável será tomada pelo
julgador, exigindo-lhe a realização de uma tarefa de comparação de
leis

6.3.3. Influência da análise do interesse governamental


à Teoria da análise do interesse governamental de Brainerd
• A categoria de normas espacialmente autolimitadas pode se subdividir:
o Normas materiais espacialmente autolimitadas stricto sensu
o Normas de aplicação imediata

27

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Normas materiais espacialmente autolimitadas stricto sensu: normas materiais que auto-
delimitam o seu âmbito de aplicação espacial de forma expressa, ou tendo em conta os fins
ou objetivos visados
o Estas normas circunscrevem o seu âmbito de aplicação material em termos mais
limitados relativamente ao âmbito de competência, conferida pelas regras de conflitos
do foro, do ordenamento jurídico a que pertencem
o Este conjunto de normas apresentam um conjunto de pressupostos para a sua
aplicação que levam a que não se apliquem ao “todo”, mas apenas a determinadas
situações, tendo por base uma finalidade específica
o Exemplos:
§ Art. 36º DL 248/86 à relativo ao estabelecimento comercial de responsabilidade
limitada (EIRL)
• Determina que este diploma legal só se aplica aos EIRL que:
o Tenham sido constituídos em Portugal
o Tenham a sua sede principal e efetiva em Portugal
• Se não existisse o art. 36º com esta redação, a lei reguladora de um EIRL,
por força do art. 33º CC e do art. 3º/1 CSC, seria a portuguesa, desde que
o EIRL tivesse a sua sede efetiva em Portugal
o Assim, a um EIRL constituído em França, mas com a sede efetiva
em Portugal, aplica-se o direito português para o regular, mas não
se aplica o regime de separação patrimonial consagrado no DL
248/86
§ Art. 481º CSC à as normas referentes às sociedades coligadas apenas se
aplicam se todas as sociedades envolvidas tiverem a sua sede em Portugal
o Existem, também, normas materiais em que o seu caráter autolimitado não decorre
de disposições que expressamente definem o seu âmbito de aplicação, mas sim a
partir da análise da ratio legis à análise das finalidades que a norma visa prosseguir
e dos interesses que o legislador pretende realizar com essas normas
§ É a análise do fim da norma material que permite dizer que essa norma não é,
afinal, aplicável ainda que a ordem jurídica a que essa norma pertence seja
competente, de acordo com as regras de conflito do foro
§ Exemplo:
• Estado X: regime especial de exclusão da responsabilidade
extracontratual das instituições de caridade, no caso e danos causados
por condutas negligentes de funcionários dessas instituições no exercício
das suas funções
o Finalidade: apenas se pretende aplicar às instituições de caridade
que desenvolvam a atividade no Estado X

28

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
§ Para identificar uma norma material espacialmente autolimitada pela simples
análise da sua ratio legis, temos que conseguir identificar e individualizar o
interesse que a norma visa prosseguir para depois poder deduzir que a norma
te um âmbito de aplicação material mais restrito
o Embora se chegasse a um mesmo resultado através da Tese de Currie, enquanto
este autor considerava as regras de conflito desnecessárias, a Teoria das Normas
Materiais espacialmente autolimitadas apenas se aplica depois de terem atuado as
regras de conflitos do foro
o As regras de conflitos de leis e as nomas materiais espacialmente autolimitadas
§ São parecidas à ambas utilizam critérios de conexão espaciais
• MAS, possui certas diferenças:
o Regras de conflito: utilizam os critérios de conexão espacial
para levar a cabo uma escolha de lei
o Normas materiais espacialmente autolimitadas: utilizam os
critérios de conexão espacial para se autoexcluírem da
aplicação num certo tipo de situações em que a ordem jurídica
é competente de acordo com o sistema de regras de conflito
o Quando o juiz se depara com uma norma material espacialmente autolimitada deve:
§ Respeitar o que a norma determina quanto ao seu campo espacial de
aplicação
§ Manter a competência da ordem jurídica designada como tal pelas regras de
conflitos, mas procurar a solução para o caso concreto no regime geral dessa
ordem jurídica, excluindo a norma material espacialmente autolimitada
• Normas de aplicação imediata
o As normas de aplicação imediata (NAI) são normas que alargam o seu campo de
aplicação relativamente à competência que é reconhecida pelas regras de conflito do
foro, à ordem jurídica à qual pertencem
§ Também se designam de normas internacionalmente imperativas
o Art. 9º/1 Reg. Roma I + Art. 16º Reg. Roma II: uma NAI é uma disposição cujo
respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse
público, a ponto de exigir a sua aplicação em qualquer situação abrangida pelo seu
âmbito de aplicação, independentemente da lei que de outro modo seria aplicada ao
contrato por força do presente regulamento
§ Uma vez que os Estados visam realizar um conjunto de objetivos de interesse
público, desenvolvem, para o efeito, normas de caráter imperativo que têm em
vista salvaguardar esse interesse público, mesmo quando estão em causa
situações internacionais

29

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o São normas com caráter imperativo reforçado, que pretendem aplicar-se mesmo a
situações internacionais que não estejam sujeitas ao Direito desse Estado, de acordo
com as regras de conflitos à são normas internacionalmente imperativas que
expandem o campo de aplicação da ordem jurídica em que se integram
o Exemplo de NAI no nosso ordenamento jurídico:
§ Normas do DL 446/85 à relativas ao regime das cláusulas contratuais gerais
• Art. 23º DL 446/85: um consumidor não pode ser privado em Portugal
deste regime, desde que o contrato de consumo apresente uma conexão
estreita com o direito português
o Como está em causa um contrato, este pode ser regido por uma
lei escolhida pelas partes (art. 3º Reg. Roma I) à MAS, a escolha
da lei não pode privar o consumidor da proteção que lhe seja
conferida pela lei do país onde tem a sua residência habitual (art.
6º Reg. Roma II)
§ Se o contrato for regido por uma lei escolhida pelas partes
e o consumidor não tiver a sua residência habitual em
Portugal, em princípio, o regime das cláusulas contratuais
gerais português não seria aplicável, se esse regime não
fosse internacionalmente imperativo
o As NAI aplicam-se independentemente do que determinam as regras de conflito do
foro à não é necessário, sequer, determinar qual a lei que seria aplicável de acordo
com as regras de conflito
§ Têm um âmbito de aplicação autónomoà definem o seu âmbito de aplicação
autonomamente, independentemente das regras de conflito, não havendo
necessidade de intervenção prévia destas regras
o Exemplo 2:
§ Normas do DL 178/86 à relativas à cessação do contrato de agência
• Art. 38º DL 178/86: aos contratos de agência que se desenvolvam
exclusiva ou preponderantemente em território nacional, só é aplicável
legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime de cessação,
se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente
o Mesmo que, de acordo com as regras de conflitos, seja outra a lei
aplicável, aplica-se sempre este regime português se o contrato se
desenvolver em Portugal e a lei portuguesa for mais favorável ao
agente
o As situações acima descritas prendem-se com normas em que o caráter
internacionalmente imperativo foi expressamente assinalado pelo legislador
§ Exemplo: Acórdão Unamar

30

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• A lei belga relativa ao contrato de agência estabelece que toda e qualquer
atividade de um agente comercial com sede na Bélgica está sujeito ao
regime estabelecido na lei belga e são competentes o s tribunais belgas
(art. 27º)
o O legislador belga elevou de forma expressa o regime belga do
contrato de agência à categoria de NAI
o O problema coloca-se, sobretudo, quando estamos perante NAI anónimas à
situações em que o legislador não tenha expressamente assinalado o caráter
internacionalmente imperativo das normas, pelo que as mesmas nada nos dizem
acerca do seu âmbito de aplicação
§ Nestes casos, é necessário realizar duas tarefas:
• Identificar uma norma como NAI pela via interpretativa à através da
análise da sua ratio legis ou finalidade
• Delimitar o âmbito de aplicação espacial dessas normas identificadas
como NAI, pela via interpretativa à esta tarefa é especialmente difícil
§ Esta categoria de NAI surgiu em Portugal pela via doutrinal, tendo sido
acolhida em várias decisões jurisprudenciais
• Doutrina à Moura Ramos: defende que o art. 53º CRP, que proíbe os
despedimentos sem justa causa, é uma NAI tendo em conta a sua
finalidade de interesse público de proteção dos trabalhadores à nesta
identificação de uma norma como sendo uma NAI, há uma
manifestação da análise do interesse governamental defendida por
Brainerd Currie
o Moura Ramos determina, pela via interpretativa relacionada
com a finalidade da norma, que o âmbito de aplicação espacial
desta proibição de despedimento sem justa causa irá se
prender com:
§ Contratos executados em Portugal
§ Contratos executados no estrangeiro que envolvam
uma entidade patronal portuguesa e um trabalhador
português, ou um trabalhador estrageiro residente em
Portugal
• Jurisprudência à Ac. Rhode Island do STJ de 1994
o No caso em apreço, tínhamos um contrato de trabalho entre um
trabalhador de nacionalidade portuguesa, residente em Rhode
Island, e o consulado português em Rhode Island
o De acordo com as regras de conflitos estabelecidas no CC, como
as partes convencionaram que o contrato seria regulado pela lei
americana, esta será a lei aplicável à Art. 41º/1 CC: princípio da
31

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
autonomia privada em sede de designação da lei aplicável aos
contratos plurilocalizados
o Ora, a lei americana do Estado de Rhode Island permite o
despedimento sem justa causa, ou seja, o despedimento ad nutum
(“for a good reason, for a bad reason or for no reason at all)
o O STJ seguiu a abordagem conflitual clássica, considerando que
o art. 53º CRP pode apenas intervir como elemento que permita
definir a exceção da ordem pública internacional à não segue a
metodologia de Moura Ramos
§ MAS, o STJ fez uma interpretação muito restritiva do art.
22º CC no que concerne aos “princípios fundamentais” da
ordem pública internacional do Estado português.
• É certo que o art. 22º CC terá um âmbito de
aplicação excecional que se afere quanto a serem
produzidos “efeitos intoleráveis” para os princípios
fundamentais da nossa ordem jurídica
• É também certo que os princípios fundamentais
que integram a ordem pública internacional
portuguesa formam um conjunto mais restrito do
que o conjunto de todos os princípios que formam
a nossa ordem pública interna, pelo que serão
apenas as traves mestras ou princípios basilares
• O problema é que o STJ não entende como
formando a ordem pública internacional
portuguesa um princípio basilar com consagração
constitucional como o da proibição da justa causa
de despedimento
§ Por outro lado, o STJ teve uma abordagem
excessivamente formal considerando que, por força do art.
41º/1 CC, sendo a lei aplicável de Rhode Island, deve-se
aplicar sempre esta lei
§ Além disso, o STJ não procedeu a qualquer valorização
material de elementos de conexão com a ordem jurídica
portuguesa, como sejam a tratar-se de um trabalhador
português e a entidade patronal ser o Estado Português
(consulado)
• Esta jurisprudência do STJ de 1994 foi sujeita a uma significativa inflexão
com o Ac. de 1998 de 30 de setembro, que teve as suas raízes no Ac.
Ecco do TR do Porto de 1991:

32

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o Neste caso, celebrou-se um contrato de trabalho entre um cidadão
alemão residente em Portugal, e a empresa Ecco dinamarquesa,
que tem uma empresa subsidiária em Portugal
§ Em virtude do princípio da autonomia da vontade, foi
escolhido que a lei reguladora do contrato seria a lei
dinamarquesa
§ O contrato de trabalho era executado em Portugal
o De acordo com o Ac. Ecco, a um contrato executado em Portugal
aplica-se o regime português de despedimentos à este regime é
de aplicação necessária e imediata aos CT em que a prestação
laboral se desenvolva em Portugal
§ Assim, não só o art. 53º CRP é uma NAI, como também o
são todas as normas que densificam este princípio
constitucional de proibição de despedimentos sem justa
causa (procedimento disciplinar, noção de justa causa,
direito à reintegração etc.)
o Hoje, com base no art. 8º Reg. Roma I, aplica-se sempre o regime
de despedimentos português, ainda que não fosse considerado
NAI porque “a escolha realizada pelas partes não pode privar o
sujeito da proteção que lhe é conferida pela lei do local onde tem
lugar a prestação laboral” (lex loci laboris)
o O Ac. STJ 1998 aplica a proibição de despedimento sem justa
causa, considerando-a uma norma de aplicação imediata a uma
situação em que a prestação laboral se desenvolvia
exclusivamente no estrangeiro (França), na medida em que estava
em causa um trabalhador português e uma entidade patronal
portuguesa (consulado português em Nantes)
§ Diferença entre as vias metodológicas à exceção de ordem pública e as NAI
• São duas vias metodológicas que se excluem mutuamente, não se
complementando
o Ambas convivem pacificamente no Reg. Roma I (art. 9º - NAI/
art. 21º - exceção de ordem pública) mas, na análise de uma
situação, terá que se optar por uma ou por outra via
• A metodologia clássica da ordem pública
o É necessário que se apliquem plenamente as regras de
conflitos para determinar qual a lei aplicável, conduzindo à
aplicação de um direito estrangeiro
o Esse direito estrangeiro, ao permitir o despedimento ad nutum
(sem justa causa), leva à produção de efeitos em Portugal
manifestamente incompatíveis com os princípios da ordem
33

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
pública internacional portuguesa, pelo que se recusa a
aplicação desse direito estrangeiro (21º/1 CC) e aplica-se
subsidiariamente o regime de despedimento português (22º/2
CC)
• A metodologia das NAI
o Aplicam-se logo as NAI (53º CRP + Código Trabalho)
o Não se aplicam ou consideram sequer as regras de conflitos
que determinam qual a lei reguladora do contrato individual de
trabalho
• Qual a orientação metodológica mais aceitável?
o A questão que se levanta em desfavor das NAI é que, embora
não se afigure como um problema de maior relevo, a
identificação pela via interpretativa de uma norma como NAI
através da análise da sua ratio ou finalidade, considerando os
interesses fundamentais que a norma visa prosseguir, a
identificação do seu campo de aplicação autónomo suscita
bastantes dúvidas
§ É bastante incerto, e até arbitrário, a identificação
concreta do seu campo de aplicação à questão em
saber se art. 53º CRP quer aplicar-se a trabalhadores
portugueses contratados por entidades patronais
portuguesas, mesmo que os trabalhadores portugueses
nunca tenham residido em Portugal
• Se a norma quer assegurar uma proteção a
trabalhadores portugueses onde quer que
residam, coloca-se a questão de saber se tem de
se conceder idêntica proteção aos nacionais de
outros EM que são cidadãos europeus (18º e ss.
TFUE) contratados por empresas portuguesas
onde quer que residam habitualmente à âmbito
de aplicação subjetivo
• Quanto aos trabalhadores estrangeiros, é
necessário também determinar o que são
“habitualmente residentes em Portugal”
o Questão em saber se se aplica a
residência habitual no momento em que
são contratados, desde que tenham
alguma vez residido habitualmente em

34

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
Portugal no passado, ou que mantenham
a sua residência habitual em Portugal
durante o período em que trabalham no
estrangeiro à noção de residência
habitual
o Assim, não se cria um duplo encargo, e uma desvantagem
concorrencial, para as empresas portuguesas que têm que
respeitar:
§ O direito do trabalho estrangeiro à lex loci laboris
§ O direito do trabalho português relativo aos
despedimentos sem justa causa
o Como deve agir o juiz quando se depara com uma NAI?
§ NAI da lei de foro – lex fori
• Se a NAI pertence ao ordenamento jurídico do foro, o juiz é obrigado a
aplica-la (art. 9º/2 Roma I) à ao juiz compete prosseguir os interesses
fundamentais do ordenamento jurídico a que pertence
• No entanto, para lá do plano constitucional, temos o plano de DUE, que
estabelece limites a essa aplicação:
o DUE originário
§ Limites impostos pela cidadania da EU, existindo
proibições da prática de atuações discriminatórias
§ Limites impostos pelas liberdades da circulação
económica à proibição de atuações que, apesar de não
serem discriminatórias, consistem entraves da liberdade
de circulação, seja a liberdade de entrada ou de saída
• Exemplo: aplicação da NAI do foro de proibição de
despedimento sem justa causa é um entrave à LPS
por parte de operadores portugueses que tenham
trabalhadores seus num EM da EU (duplo encargo)
o DUE derivado
§ O art. 9º/2 Roma I não é um cheque em branco para
que os EM’s identifiquem as suas NAI e as apliquem
sem mais
§ Ac. Unamar do TJUE: foi imposto ao juiz belga que, para
invocar a NAI das suas normas relativas ao contrato de
agência, têm de estar cumpridas determinadas condições,
até porque ambos os EM tinham transposto a Diretiva
§ NAI da lex causae

35

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Consiste numa NAI que pertence ao ordenamento jurídico da lei
designada como competente pelas regras de conflitos
• O juiz aplica esta NAI da lex causae, como aplica qualquer outra norma
desse ordenamento jurídico, e que seja pertinente para a resolução do
caso
• No entanto, tal também tem limites:
o A norma ser contrária à ordem pública internacional do foro à
exceção de ordem pública
o A norma ser contrária à ordem pública internacional europeia, o
que pode acontecer quando se trate de uma NAI pertencente a
um ordenamento jurídico de um Estado que não é membro da
EU
o Limites decorrentes do próprio Direito Internacional
§ Exemplo: Ac. Upmann Habana à jurisdiction to enforce
§ NAI de um terceiro Estado
• É uma NAI que não pertence nem à lei do foro, nem à lei considerada
competente segundo as regras de conflitos do foro
• À partida, o juiz não tem que aplicar as NAI de um terceiro Estado, nem
sequer deve fazê-lo, pelo que não terá de seguir os ditames de um
“soberano” estrangeiro à essa ordem jurídica não é considerada
competente pelas regras de conflitos do foro
• MAS, o art. 9º/3 Roma I refere que pode ser dado prevalência às NAI
da lei do país em que as obrigações decorrentes do contrato devam
ser ou tenham sido executadas, na medida em que segundo essas NAI
o contrato seja ilegal
o Significado de “dar prevalência”
§ Exemplo 1: Caso das máscaras nigerianas
• As máscaras eram consideradas património
histórico-cultural nigeriano, vigorando uma
proibição absoluta da sua importação
• Mesmo assim, as suas máscaras foram exportadas
para a Alemanha, sendo danificadas no transporte
em Hamburgo à existia um contrato de seguro das
máscaras
• Por força das leis de conflitos, a lei aplicável aos
contratos de seguros era a lei alemã
o MAS, aquele contrato tinha por objeto a
exportação indevida das máscaras, por
força de uma NAI nigeriana
36

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• O juiz alemão acabou por dar guarida à NAI
nigeriana através da figura dos bons costumes à
“seria contra os bons costumes alemães um
contrato que tivesse por objetivo bens que eram
património cultural de outro Estado, que proibia a
sua exportação”
§ Exemplo 2: Caso do vinho do Porto
• Estava em causa um contrato de compra e venda
para exportar vinho do Porto para uma República
do Oriente
• O contrato foi submetido à lei portuguesa por
escolha das partes
• Entretanto, na República do Oriente, entrou em
vigor uma proibição absoluta do comércio de
bebidas alcoólicas, com fortes sanções penais
• O importador do vinho do Porto pediu num tribunal
português que fosse aplicada a NAI islâmica de
modo a evitar o cumprimento das suas obrigações
perante o exportador português
• A lei que regula o contrato é a portuguesa (41º/1
CC) mas o juiz pode considerar a lei islâmica como
um mero dado de facto, e, por via do art. 137º CC,
será relevante para a resolução do contrato por
alteração superveniente das circunstâncias
• Assim, tratando-se de um NAI de um terceiro Estado, existirá uma
tomada em consideração da legislação estrangeira como um mero
dado de facto à a resolução do caso em concreto será sempre dada
pela aplicação da lei competente

6.3.4. A orientação metodológica substantivista – o DIP Material


à Na regulamentação das situações privadas internacionais, temos a metodologia clássica à
determina a lei competente com base em critérios de proximidade, e a única salvaguarda pelos princípios
jurídicos do foro é a exceção de ordem pública,
• Foi se apurando através da especialização das regras de conflito da concretização judicial do
princípio da proximidade
à Surgiram, ainda, duas outras orientações mais “agressivas” para a metodologia clássica, e que
tiveram influência na mesma:
• As preocupações com a justiça material

37

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• A análise dos interesses político-governamentais à NAI que funciona autonomamente,
prescindindo das regras de conflito de leis
à Uma terceira orientação metodológica é a Orientação Subjetivista
• Constitui uma espécie de reedição moderna de uma ideia que remonta ao Ius Gentium
• Considera que as situações jurídicas internacionais devem ser reguladas por normas
especiais de Direito Internacional Privado Material à conjunto de normas que regulam elas
próprias a situação privada internacional, dando uma resposta/ solução material direta e
específica ao caso concreto
• Os defensores desta orientação consideram que a orientação clássica, baseada em regras
de conflito de leis que determinam como competente a lei de um determinado ordenamento
jurídico nacional, não é adequada à as normas materiais dos Estados foram concebidas para
regular situações internas e não atendem a especificidades das situações plurilocalizadas
o Consideram que o direito de conflitos não tem razão de ser, na medida em que não
devem existir normas que apontem como competente, para regular uma situação
privada internacional, o ordenamento jurídico do Estado A ou B, mas sim normas que
regulem elas próprias as situações privadas internacionais
• Os defensores desta teoria consideram que este DIP material poderia ser criado através de
duas grandes vias/ fontes:
o Via legislativa: estas soluções legislativas de DIP material poderiam ser desenvolvidas
pelo legislador interno ou pelo legislador internacional
§ Soluções legislativas internas
• Cada ordenamento jurídico estadual seria composto por dois conjuntos
de normas:
o Normas destinadas à regulamentação de situações internas
o Normas destinadas à regulamentação de situações
internacionais
• Este sistema de criação de normas de DIP material não elimina a
escolha da lei competente para regula a situação privada internacional
à continuam a ser necessárias as regras de conflito de leis para
determinar qual o ordenamento jurídico competente
o Dentro desse ordenamento jurídico é que se aplicariam as
normas elaboradas pelo legislador interno, para regularem as
situações internacionais
• Por outro lado, este sistema cria uma duplicação de quadros
normativos na ordem jurídica competente à é uma solução claramente
complicada e desvantajosa para o legislador interno

38

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Exemplo: em 1964, a Checoslováquia seguiu este sistema, criando o
Código do Comércio Internacional, que regulava as relações estabelecidas
entre empresas checoslovacas e empresas estrangeiras
o Tal apenas se compreende porque as empresas checoslovacas
eram públicas à havia o monopólio do Estado e eram reguladas
por uma espécie de direito administrativo nas relações comerciais
que estabeleciam entre si
o Assim, as empresas estrangeiras nunca admitiriam que as suas
relações com as empresas checoslovacas fossem reguladas pelo
Direito Administrativo Checo

1.2. Situações Legislativas Internacionais


à Outra forma de se criarem normas de DIP material seria através de Convenções Internacionais
de Unificação de Direito Material, criando um direito privado internacional que prescinde do direito de
conflitos.
• Exemplos deste tipo de solução legislativa internacional são:
o Convenções de Varsóvia de 1929, relativo às condições do transporte aéreo de
pessoas; limites de responsabilidade...
o Convenções de Genebra de 1956 sobre transporte rodoviário;
o Convenções de Viena de 1980 sobre o contrato internacional de compra e venda de
mercadorias, em matéria de formação e de cumprimento do contrato (não de validade
do contrato);
à Este tipo de criação de normas de DIP material confronta-se com 4 tipos de problemas relevantes:
• 1. As convenções não abarcam todo o tipo de questões que se podem suscitar nas relações
internacionais;
o Por exemplo, a convenção de Viena 1980 não consagra normas relativas à validade
do contrato;
• 2. Os Estados são livres de ratificarem ou não, as convenções, como sucede com a
Convenção de Viena 1980 que é ratificada por todos os Estados, exceto Portugal e Inglaterra;
• 3. Existem domínios nos quais os Estados têm tradições culturais e jurídicas muito
enraizadas e dispares entre si, o que impede o desenvolvimento de um verdadeiro DIP
material;
• 4. Estas Convenções colocam problemas de interpretação, ou seja, colocam-se as regras no
papel, mas depois as aplicações das mesmas pelos Tribunais podem ser completamente
diferentes. Não existindo uma autoridade jurisdicional competente para a sua interpretação
(ex. TJUE para o DUE) é difícil existir uma interpretação conforme e uniforme;

2. Pela Via Jurisdicional


39

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Neste caso, as normas de DIP material seriam criadas através da atividade dos tribunais, que
adaptaram as suas normas internas a situações internacionais;
• Um exemplo prende-se com a jurisprudência francesa do séc. XX em relação a uma norma,
segundo a qual o Estado francês nas suas relações com particulares não se podia submeter
a uma jurisdição arbitral. Ora os tribunais franceses concluíram que este limite imposto pelo
direito francês não era sustentável no plano internacional, pelo que desenvolveram uma
norma especial para as situações privadas internacionais, segundo a qual se permitia aos
organismos públicos franceses sujeitarem-se à arbitragem voluntária nas suas relações
contratuais com entidades estrangeiras

C. Tese de Arthur von Mehren (1922 – 2006)


à Esta tese foi muito importante nesta orientação substantivista, que se baseava na criação de
normas de DIP material de fonte jurisprudencial considerando que os tribunais perante uma situação privada
internacional teriam que:
• Procurar obter uma solução adequada e materialmente justa para o litígio concreto;
• Aplicar simultaneamente, de forma combinada, as várias leis em contacto com a situação de
forma a haver harmonia decisória jurídica internacional;
à Devendo procurar-se uma solução de compromisso entre as soluções apresentadas pelas várias
leis, formulando-se uma nova solução específica para regular a situação internacional controvertida.
à Ainda que este autor tenha como grande mérito o reconhecimento de que o DIP clássico tem a
insuficiência de ignorar as especificidades das situações internacionais, a sua orientação padece de alguns
problemas na medida em que embora no caso da arbitragem o juiz disponha de uma margem maior de
apreciação no domínio judicial, tal é bastante mais difícil, além de que poria em causa o mínimo de
previsibilidade relativo à regulação das situações privadas internacionais;
à Por outro lado, tal solução é bastante difícil quando as soluções legislativas dos dois
ordenamentos jurídicos, em confronto, são incompatíveis.
• Por exemplo, o que fazer se uma lei recusa a arbitragem e a outra a aceita? Ou ainda, será
que se uma lei exclui a responsabilidade civil e outra concede ao lesado uma indemnização
de 1000€, será ajustado conceder-se uma indemnização de 500€?
à Note-se, no entanto, que esta tese de Von Mehren não é de todo “descabida”, posto que ao nível
da UE, o TJUE acaba por pôr, a mesma em prática, chegando a soluções de compromisso quando estão
em confronto o direito primário da UE e o direito constitucional de um EM;

D. Existem Reflexos da Teoria do DIP material no Sistema Conflitual Português, na medida em que o nosso
sistema tem normas materiais destinadas a regular diretamente situações internacionais
à O art. 51/2º e 3º CC não visa decidir qualquer conflito de leis, estabelecendo critérios para
determinação da lei competente, mas apenas estabelecer um requisito material de organização do processo

40

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
preliminar de publicações para o casamento de 2 portugueses no estrangeiro ou de 1 português com
estrangeiro;
à O art. 2233º CC também não é nenhuma regra de conflitos, posto que apenas, impõe uma
exigência de validade para o testamento feito por português no estrangeiro (“forma solene”);
à O art. 3º CSC quanto à transparência internacional da sede da SC também consagra exigências
de validade;
à São, pois, normas que regulam diretamente situações privadas internacionais, pelo que de DIP
material de fonte legislativa interna;

6.5. Conclusões – Pluralismo Metodológico


à Pode concluir-se, por todo o exposto, que na regulamentação das situações privadas
internacionais coexistem diversas metodologias, pelo que se fala em pluralismo metodológico;
à Claro que continuamos a ter um sistema de regulamentação das situações internacionais de matriz
clássica, ou seja, tendo como base as regras de conflito de leis. Não obstante, estas regras não apresentam
a sua rigidez e formalidade originais atendendo a interesses de justiça material e a interesses fundamentais
de ordem pública dos Estados;
à Por outro lado, a metodologia clássica convive com a metodologia das NAI que tem vindo a emergir
nos últimos decénios;
à Importa, no entanto, que continua a ser a metodologia clássica que tem a maior ponderação neste
pluralismo metodológico, como se pode ver pelo facto na EU a regulamentação das situações privadas
internacionais continuar a depender fundamentalmente das regras de conflitos de leis – Regulamentos
Roma I e II.

Parte II – Teoria Geral do Direito de Conflito de Leis


à Na teoria geral do direito de conflito de leis vamos abordar a regra de conflitos, o problema de
qualificação, a consideração dos sistemas conflituais estrangeiros, a aplicação do direito material estrageiro,
a ordem pública internacional e a fraude à lei;

A. A Teoria Geral da Norma de Conflitos


à A Teoria Geral das Regras de Conflitos encontra-se vertida nas disposições gerais relativas aos
conflitos de leis – art. 14º - 24º CC.
à Já no que diz respeito à EU em que os regulamentos surgem por áreas temáticas, não há nenhum
regulamento relativo à parte geral dos conflitos de leis. No entanto, cada regulamento acaba por consagrar
diversos conceitos gerais, como seja, por exemplo, o conceito de ordem pública.
à Importa ainda que as regras de conflitos de leis se diferencias das regras de direito material, na
medida em que:
• 1. As regras de direito material têm uma hipótese legal (conjunto de situações de facto) e
uma estatuição (consequência material);

41

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• 2. As regras de conflitos de leis têm dois elementos completamente diferentes: o elemento
de conexão, o conceito quadro;
à Por outro lado, a consequência da regra de conflitos também é ela bastante diferente, posto que
apenas designa qual a ordem jurídica competente para dar resposta ao problema material colocado (não dá
portanto, como na estatuição, uma solução material para o caso), delimitando o âmbito de competência dos
vários ordenamentos jurídicos em contacto com a situação;

1. O Elemento de Conexão
à É o elemento de conexão que determina/ reconhece uma lei como competente para regular a
situação internacional em causa. É este elemento que destaca um dos elementos de facto que aligam a
situação plurilocalizada para reconhecer determinado ordenamento jurídico, como competente;
• Exemplos:
o Art. 46º CC: Local da situação das coisas;
o Art. 43º CC: Local onde decorre a principal atividade;
o Art. 28/1º, 31/1º CC: Nacionalidade;
à Note-se, no entanto, que o elemento de conexão reconhece competência a uma determinada
ordem jurídica, mas apenas para regular uma determinada problemática jurídica, indicada na regra de
conflitos pelo conceito quadro;
• Exemplos:
o Art. 46º CC: Regime da posse, propriedade e direitos reais;
o Art. 43º CC: Gestão de negócios;
à Assim, teremos que:
• Elementos de conexão à Reconhece qual a lei competente;
• Conceito-quadro à Circunscreve o âmbito de competência da lei designada como
competente (para o que é que essa lei é competente);

1.1. Diferentes Formas de Conexão


à Normalmente as regras de conflitos utilizam uma conexão simples, ou seja, um só elemento de
conexão;
• Ex: art. 62º CC: Lei da nacionalidade do de cujus, será a lei que rege a sucessão por morte;
à No entanto, existem regras de conflito com conexões múltiplas, ou seja, que utilizam vários
elementos de conexão, e que podem ser de três tipos:
• Conexão Múltipla Subsidiária
o Designam-se como competentes duas ou mais ordens jurídicas, mas uma das
conexões só funciona na impossibilidade da conexão principal;
§ Ex. Art. 52º CC à Art. 52º/1 CC: - Lei da nacionalidade comum;
Art. 52º/2 CC: - Lei da residência comum;
- Lei do país + por exemplo, a vida familiar;
§ Art. 8/2º do Reg. Roma I
42

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Conexão Múltipla Cumulativa
o Efetiva aplicação simultânea de dois ou mais ordenamentos para a regulação da
mesma questão jurídica;
§ Ex. Art. 60º CC à Art. 60º/1 CC: - A constituição da adoção é regulada pela lei
pessoal do adotante;
+
Art. 60º/4 CC: - A adoção tem que ser permitida pela lei que regula
as relações entre o adotando e os seus progenitores;
o Para que a adoção seja possível, é necessário que ambas as leis o permitam, pelo
que as conexões múltiplas cumulativas acabam por dificultar a produção de um
determinado resultado;
o Diferente da conexão múltipla, podemos ter ainda a cumulação de conexões, caso
em que uma determinada lei só é aplicável, quando vários elementos de conexão
apontem simultaneamente para ela;
§ Ex. Art. 52º CC à Só se aplica a lei nacional comum, quando as duas leis
nacionais convergem na mesma lei;
o Temos ainda uma outra forma de conexão, que é a aplicação adaptada ou combinada
de várias ordens jurídicas, ou seja, os vários pressupostos de uma mesma
consequência jurídica devem ser apreciados por leis diferentes;
§ Ex. art. 49º CC à Capacidade matrimonial é apreciada para cada nubente pela
sua lei pessoal;

1.2. Momento Temporal Relevante da Conexão


à Os elementos de conexão podem mudar com o tempo, sendo que pela sua natureza uns serão
mais invariáveis do que outros;
• Ex. Relativamente aos bens imóveis, como o elemento de conexão é o lugar onde os mesmos
se situam, este elemento de conexão será invariável ¹ será o caso relativamente aos bens
móveis, à residência habitual, que é suscetível de mudar ao longo do tempo;
à No caso das conexões móveis ou variáveis, por vezes o legislador cristaliza no tempo, o elemento
de conexão determinando qual o momento temporal relevante;
• Ex. Art. 62º CC: Lei pessoal do autor da sucessão “ao tempo do falecimento deste”;
• Ex. Art. 53º CC: Lei da nacionalidade dos nubentes “ao tempo da celebração do casamento”;
à No entanto, existem conexões móveis ou variáveis, em que a regra de conflitos nada diz e é
importante fixar qual o momento temporal relevante para aferir da operacionalidade do elemento da
conexão;
• Ex. Art. 52/2º CC: quanto à residência habitual dos cônjuges, ela pode ser uma num determinado
momento e outra noutro momento;
• O mesmo pode acontecer num contrato de trabalho, em que o trabalhador realize a sua prestação
num Estado e, depois, noutro;
43

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Temos nestes casos um problema complexo de sucessão de estatutos que implica, não apenas
a consideração das regras de conflitos de leis no espaço, mas também no tempo;
à Via de regra, se o legislador nada diz, valerá a conexão atual (art. 52º CC), no entanto os efeitos
constituídos ao abrigo do estatuto anterior, não podem deixar de ser reconhecidos;

1.3. Interpretação e Aplicação do Elemento de Conexão


à Se o elemento de conexão se refere a um puro dado de facto, como o local da situação de
determinado bem ou da ocorrência de determinado facto, então a interpretação desse conceito e a
apreciação da sua verificação em concreto não oferece particulares dificuldades, fazendo-se de acordo com
o ordenamento do foro;
à O problema coloca-se quando o elemento de conexão faz apelo a conceitos técnico-jurídicos,
como sejam o conceito de nacionalidade, de residência habitual e de domicilio ... casos em que a
concretização do elemento de conexão se faz por recurso, via de regra, à lex causar;
à Conexão da Nacionalidade
• Serão as regras sobre a nacionalidade da ordem jurídica da pessoa em relação à qual se
discute se é ou não nacional que serão aplicáveis para determinar a sua nacionalidade de
um determinado Estado (lex causae) e não as regras da lex fori;
• No que se refere aos apátridas, a sua lei pessoal terá de ser definida por recurso a outras
conexões como, por exemplo, a da residência habitual (art. 32º CC);
• No que se refere aos refugiados políticos, há uma irrelevância excecional da nacionalidade
posto que os mesmos rejeitam o Estado do qual são nacionais, pelo que por esta razão não
lhes será aplicável a lei desse Estado. Assim, de acordo com o art. 12º da Convenção de
Genebra relativa ao estatuto dos refugiados (1951), a lei pessoal dos refugiados será a do
Estado do seu domicílio ou da sua residência;
• Havendo um conflito positivo de nacionalidades, aplica-se o art. 27º e 28º da nossa lei da
nacionalidade;
à Conexão da Residência Habitual
• Em Portugal, o conceito de residência habitual implica a existência de habitualidade,
permanência e efetividade da residência num determinado Estado;
• No entanto, para interpretar e concretizar a conexão da residência habitual num determinado
Estado, temos que recorrer à lex causae e não à lex fori;
• Caso surjam conflitos positivos de residência habitual, é defensável que se aplique
analogicamente a solução prevista na lei da nacionalidade para o caso da dupla
nacionalidade;
• Caso surjam conflitos negativos poder-se-á recorrer a uma conexão subsidiária, como, por
exemplo, o lugar onde a pessoa se encontrar;
• Nos regulamentos da EU o conceito de residência habitual tem um significado autónomo que
acaba por ser muito aberto o que permite que as autoridades de cada EM considerem que o

44

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
sujeito tem residência habitual no seu território, o que dificulta a possibilidade ex ante para
os indivíduos quanto a saber qual a lei da sua residência habitual e que irá regular as
situações jurídicas de que sejam parte (ex: regulamento 650/2012 das sucessões);
• Não obstante, existem regulamentos, como o regulamento Roma I que define o conceito de
residência habitual de acordo com uma ideia de permanência e habitualidade mínima de 6
meses;
à Conexão de Domicílio
• Em Portugal, o conceito de domicílio consagrado no art. 82º CC corresponde, em princípio,
ao lugar da residência habitual;
• No Entanto, no Reino Unido e na Irlanda, a conexão do domicílio representa um laço muito
mais estável que se aproxima da nacionalidade posto que é visto como “o domicílio de
origem”, ou seja, o lugar de onde sou e para onde quero voltar;
• O Regulamento Bruxelas II (divórcio/ separação e poder paternal) consagra um
entendimento de domicílio de acordo com a noção do Reino Unido e da Irlanda;
o Entre nós alguns autores defendem que a concretização do domicílio deverá ser
levada a cabo de acordo com a lex causae, tal como se faz para a conexão da
residência habitual;

2. O Conceito Quadro
à Trata-se de um conceito jurídico que individualiza uma determinada problemática jurídica para dar
resposta à qual é competente o ordenamento jurídico indicado pelo elemento de conexão;
• Ex. art. 49º CC: Posse, propriedade e demais direitos reais; art. 30º CC: tutela e institutos
análogos de proteção do incapaz;
à A função do conceito quadro, da regra de conflitos, é assim delimitar o âmbito de aplicação da
ordem jurídica reconhecida como competente pelo elemento de conexão;
à Desta forma, o objeto do conceito quadro será uma problemática jurídica (ex. tutela e institutos
análogos de proteção do incapaz) e, portanto, uma questão de direito;
• Não obstante, o Savigny considerava que o objeto do conceito quadro seria, não uma
questão jurídica, mas sim uma relação jurídica, e outros autores consideram que será uma
situação da vida ou de facto;
• Ora, uma situação de facto pode desencadear muitas questões jurídicas e muitas relações
jurídicas diferentes;
o Ex. Acidente de automóvel:
§ Problemática sucessória;
§ Problemática de responsabilidade civil extracontratual;

45

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
§ Problemática das relações entre os cônjuges (ex. responsabilidade do cônjuge do
lesante pelo pagamento das dívidas originadas pela responsabilidade civil
perante o lesado);
• Para dar resposta a estas diferentes problemáticas podem ser considerados competentes
diferentes ordenamentos jurídicos, tendo por base diferentes regras de conflitos. Assim, o
conceito quadro tem por objeto uma determinada problemática individualizada, ou seja, uma
questão de direito;

3. A Função da Regra de Conflitos


à As regras de conflitos desempenham a função de determinação da lei ou leis competentes para
regularem uma certa situação internacional;
à No entanto, existem duas formas fundamentais de conceber a ação das regras de conflitos:
• Regras de conflitos unilaterais que delimitam a competência de um só ordenamento
jurídico;
• Regras de conflitos bilaterais que delimitam a competência de um qualquer ordenamento
jurídico, seja o do foro, seja o de uma lei estrangeira;
à Poderíamos ter ainda regras de conflitos imperfeitamente bilaterais que determinam como lei
aplicável, tanto a lei estrangeira, como a do foro, mas só se ocupam de certas situações que apresentam
contactos com a ordem jurídica de foro;
• Art. 51/1º CC: para que se aplique esta regra de conflitos é necessário que esteja em
causa o casamento de dois estrangeiros em Portugal;
à O Direito de Conflitos de leis portuguesas adota claramente um sistema bilateralista, na medida
em que:
• Se concebem as regras de conflitos, como normas destinadas a dirimir o concurso entre
várias leis potencialmente aplicáveis em virtude do contacto com a situação em apreço;
• Se orienta pela salvaguarda do princípio da paridade de tratamento entre a lei do foro e
as leis estrangeiras;
à No entanto, tem como exceções a existência de uma regra de conflitos imperfeitamente bilateral
– art. 51/1º CC – e a existência de uma regra de conflitos unilateral – art. 28º CC;
à Quanto à regra de conflitos unilateral do art. 28/1º CC (e art. 13º do Regulamento Roma I) a
mesma deve-se à razão fundamental da proteção de terceiros, na medida em que determina a aplicação do
direito português, de modo a evitar a anulabilidade do negócio;
• Ex. Sr. Z, natural de Singapura, tem 20 anos e celebra um contrato com o Sr. P, em Portugal,
e de nacionalidade portuguesa. O Sr. P sabia a idade do sr. Z, mas não sabia que em
Singapura a maioridade apenas se atinge aos 21 anos;
• De acordo, com o art. 28/1º CC, será aplicado o direito português, e não a lei pessoal do
incapaz;

46

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à É claramente uma regra excecional que apenas determina a aplicação da lei portuguesa numa
situação concreta bem delimitada. Por outro lado, o próprio art. 28/3º CC vem bilateralizar a regra unilateral
do nº 1, quando a lei portuguesa consagre regras semelhantes às nacionais;
à Também o direito de conflitos da EU, é claramente bilateralista, como é notório nos regulamentos
Roma I e II;
à No entanto, atualmente assiste-se a um certo revivalismo contemporâneo do unilateralismo com
a “entrada em cena” das NAI, na medida em que estas normas atuam de modo unilateral, impondo a sua
aplicação imediata e necessária de forma autónoma e prescindindo das regras de conflitos;
à Do ponto de vista histórico, importa que nos secs. XIX e XX houve uma grande discussão acerca
de saber se as regras de conflitos de leis deveriam ser unilaterais ou bilaterais. Enquanto que o Código Civil
francês e o Código de Seabra consagravam regras de conflitos unilaterais, o BGB introduziu as regras de
conflitos bilaterais;
à Em 1966, havia em Portugal uma grande discussão no sentido de se consagrarem regras de
conflito bilaterais, na medida em que tal implicaria uma rutura com o modelo anterior;
à Grande parte da decadência no unilateralismo, ficou a dever-se à adoção de Convenções em
matéria de regras de conflitos de leis, visto que para que as convenções unificassem o direito de conflitos
teriam que consagrar regras bilaterais, ou seja, regras que reconhecessem e delimitassem a competência,
tanto da lei do foro, como da lei estrangeira;
à A primeira corrente unilateralista foi a do unilateralismo falta, que partia do pressuposto de que a
lei do foro é a lei de competência geral. Assim, a regra de conflitos seria um mero mecanismo de
reconhecimento e delimitação da competência de uma lei estrangeira para regular uma determinada
situação privada internacional, externa ou estranha à ordem do foro;
à A segunda corrente unilateralista foi a do unilateralismo introverso (ronaldo quadri), segundo a
qual as regras de conflito têm por função definir o âmbito de aplicação material do ordenamento do foro.
Assim, estas regras determinariam apenas os casos em que são aplicadas as normas do ordenamento
jurídico a que pertencem;
• Ex. Code Civil francês de 1800 – art. 3º alínea 3ª: “As leis relativas ao estado e à capacidade
das pessoas regem os cidadãos franceses, mesmo que residam no estrangeiro”
• O problema que se colocaria seria o de saber o que é que se passaria quando estivessem
em causa cidadãos não franceses, ou seja, como é que se determinaria a lei competente
quando se está fora do ordenamento jurídico do foro;
• O que fez a Court de Cassation foi bilateralizar pela via jurisprudencial esta regra de
conflitos considerando que estando perante cidadãos não franceses a lei competente para
determinar o estado e capacidade das pessoas, seria a lei da sua nacionalidade;
à Quanto ao bilateralismo, segundo o qual as regras de conflitos têm por função reconhecer e
delimitar a competência de um ordenamento jurídico, para o qual aponte o elemento de conexão, qual quer
que ele seja tal é importante na medida em que:

47

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Continuando a existir vários direitos materiais, têm as regras de conflito que apontar para
qualquer um deles, como sendo competente para regular a situação privada internacional;
à Note-se que no DUE apenas poderíamos ter regras unilaterais nos casos em que existe uma
uniformização do direito, ou seja, no que diz respeito à matéria de DUE Privado regulado nos Regulamentos
e que é ainda pouco significativa;
• Nos restantes casos em que apenas temos a harmonização do direito através de Diretivas
teremos sempre que ter regras bilaterais;
• Não obstante, consagram-se algumas vezes regras de conflitos unilaterais que têm por
objetivo assegurar uma determinada forma de aplicação material das Diretivas;
o Ex. art. 3º/4 - Reg. Roma I: imagine-se que as partes celebrantes de um contrato que
só tem contacto com os EM da EU, decidem submeter o mesmo ao Direito dos EUA.
Esta autonomia da vontade, da escolha da lei aplicável, não pode prejudicar a
aplicação de DUE imperativo. Ou seja, o art. 3º/4 Roma I visa assegurar a
competência das Diretivas;
• Pode, no entanto, acontecer que por via das regras de conflitos bilaterais se reconheça
como competente um determinado ordenamento jurídico que, por via das suas próprias
regras de conflito, não se pretende aplicar àquela situação privada internacional;
• Ora, como as regras de conflito vão remeter para o direito material de outro ordenamento
jurídico (e não remetem para o direito de conflitos desse mesmo ordenamento), esta vai
sempre aplicar-se;
à Importa ainda que atualmente se assiste ao regresso do unilateralismo “selvagem”, ou seja, a um
unilateralismo que prescinde das regras de conflitos de lei, que tem vindo a desenvolver-se cada vez mais;
• Este unilateralismo decorre das normas de aplicação imediata, quer sejam as mesmas
definidas expressamente como NAI (art. 38º do DL 178/86 sobre o contrato de agência),
quer sejam as mesmas consideradas como NAI pela via interpretativa, atendendo às
finalidades ou interesses que as mesmas visam proteger;
• Note-se que as NAI, impondo que se apliquem as regras jurídicas do ordenamento do
foro, acabam por funcionar de forma unilateral, na medida em que reconhecem e
delimitam como competente aquele ordenamento jurídico do qual são parte integrante;

B. O Problema de Qualificação
à Já vimos que o elemento de conexão reconhece a competência de um ordenamento jurídico,
sendo que a interpretação do elemento de conexão (ex. nacionalidade) não levanta problemas posto que
não é uma operação particularmente complexa;
à Por outro lado, vimos que o conceito quadro tem por função delimitar ou circunscrever a
competência do ordenamento jurídico reconhecido como competente pelo elemento de conexão. Ora, como
o conceito quadro se refere a conceitos jurídicos, tal coloca problemas, quer de interpretação, quer de

48

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
aplicação do conceito quadro de uma regra de conflitos, na medida em que os conceitos jurídicos têm
significados diferentes em diferentes ordenamentos jurídicos;
• Ex. Conceito de casamento à há ordenamentos em que se admitem os “casamentos de facto”
(informais); noutros, os casamentos polígamos; noutros os casamentos entre pessoas do
mesmo sexo...
à Ora sendo as regras de conflitos bilaterais que podem, portanto, designar como competente quer
a ordem jurídica do foro, quer outra ordem jurídica; O conceito quadro para poder delimitar a competência
de qualquer lei terá que ser um conceito “aberto”, ou seja, um conceito universal;
à Assim, terá o conceito quadro que se referir, não a um determinado instituto jurídico (ex. gestão de
negócios), mas sim a uma determinada problemática (ex. problema de intervenção bem-intencionada no
património alheio);

1. A Interpretação do Conceito Quadro da Regra de Conflitos


à A interpretação do conceito quadro pode ser levada a cabo, de acordo com 4 abordagens distintas:
• Lex formalis fori;
• Lex materialis fori;
• Lex causae;
• Direito comparado;

1.1. Interpretação do conceito quadro, segundo a Lex Formalis Fori


à Esta interpretação do CQ de acordo com a lex formalis fori é a posição adotada pelo legislado
português, no sistema das regras de conflitos de leis;
à Esta abordagem sugere que o conceito quadro deva ser interpretado como um “conceito questão”,
ou seja, como designando um problema jurídico sobre o qual a lei competente seja chamada a pronunciar-
se;
• Assim, não deve o CQ ser, inversamente, interpretado como um “conceito resposta”, ou
seja, como um instituto jurídico que apenas pode ser entendido à de determinado direito
material positivo;
o Ex: art. 43º CC – Gestão de Negócios
§ Não pode ser entendido como o instituto da gestão de negócios, regulados nos
artigos 464º e ss. CC que estabelece um determinado regime de direito
material (conceito resposta)
§ Tem que ser entendido, como visando a problemática da intervenção bem-
intencionada no património alheio;
• Só quando o CQ é interpretando como visando determinada problemática pode ter uma
dimensão universal, posto que o que os diferentes ordenamentos jurídicos têm em comum
são os problemas a resolver e não as respostas que dão aos mesmos, pois essas variam
de ordenamento jurídico para ordenamento jurídico;
o Ex. Intervenção bem-intencionada no património alheio
49

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
§ PT: pode dar lugar à indemnização do gestor pelo dominus;
§ UK: Não há lugar a qualquer indemnização;
• Claro que fazendo o CQ parte das regras de conflito do foro, tem o mesmo que ser
interpretado, de acordo com o direito do foro. Assim, a interpretação da regra de conflitos
vai ser levada a cabo de acordo com os critérios de interpretação do foro, mas de forma
independente do direito material do foro;
• O CQ vai assim ser interpretado, de acordo com a lex formalis fori, ou seja, tendo em
conta a finalidade que o CQ tem na resolução dos conflitos de leis. Que finalidade? A de
circunscrever a competência do ordenamento jurídico reconhecido como competente pelo
elemento de conexão, pelo que terá que ser um conceito aberto e universal;
• O art. 30º sugere este modo de interpretação do CQ, quando refere “tutela e institutos
análogos de proteção aos incapazes”. A expressão “institutos análogos...” ajuda a
esclarecer de que se trata da problemática jurídica de proteção dos incapazes, e não da
“tutela”, tal como a entendemos no direito material português, pelo que o CQ inclui todos
os institutos jurídicos que visem interesses ou finalidades semelhantes (proteção do
incapaz), ainda que possam ter designações diferentes nos diferentes ordenamentos
jurídicos;

1.2. Interpretação do CQ, segundo a Lex Materialis Fori


à Esta posição, perfilhada na doutrina italiana clássica, considera que o CQ da regra de conflitos do
foro deve ser interpretado, de acordo com o significado material do direito do foro;
• Ex. 43º CC – Gestão de Negócios: “Seria interpretada de acordo com o conceito de gestão de
negócios do art. 464º CC”;
• Ex. 52º CC – Casamento e Relações conjugais: “Seria interpretado de acordo com o
significado do direito material português, ou seja, como “uma união entre duas pessoas”.
Assim eventuais casamentos a quatro pessoas não seriam automaticamente abrangidos pelo
art. 52º CC;
à Tal levaria a que pudessem existir lacunas no sistema das regras de conflitos que teriam que ser
preenchidos através da criação de uma regra de conflitos ad hoc;
à Tal teoria tem, desde logo, o problema de o CQ em vez de delimitar a competência da ordem
jurídica designada, estar de imediato a resolver a questão controversa de direito material;
• Ex. Estar-se-ia, desde logo, a responder à questão de saber se há, ou não, um casamento
entre quatro pessoas;
à Por outro lado, tal abordagem poderia negar ad initio a aplicação de uma determinada lei no
próprio domínio da sua competência;
• Ex. Se, de acordo com a lei do foro, não se aceitar o casamento polígamo, então teríamos
que não haveria casamento entre 4 pessoas. Se o elemento de conexão apontar como
competente a lei da nacionalidade, esta lei competente para regular a relação entre os

50

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
cônjuges não se vai aplicar, porque se considerará, à luz do direito material português, que
não há casamento;
à Por último, esta teoria viola o princípio da paridade de tratamento, dado que se condiciona a
aplicabilidade da lei estrangeira a uma pré-compreensão do caso, segundo a lei material do foro;

1.3. Interpretação do CQ, segundo a Lex Causae


à Para esta teoria, o CQ deve ser interpretado, de acordo com o significado que lhe é atribuído no
ordenamento “de chegada”, ou seja, na ordem jurídica designada competente pela regra de conflitos;
à Tal teria, desde logo, o problema do CQ não ter um significado unívoco, porque teria tantos
significados quanto os ordenamentos jurídicos existentes, o que faria com que o CQ fosse um “conceito em
branco” ou um “conceito camaleónico”;
à Por outro lado, tal teoria também implicaria que se abdicasse do princípio base, segundo o qual a
interpretação das regras de conflito do direito português deve fazer-se, de acordo com o direito português,
ao qual essas normas pertencem;

1.4. Interpretação do CQ, segundo o Direito Comparado


à Segundo esta teoria, para interpretarmos o CQ teríamos que determinar o que é materialmente
comum a um mesmo conceito jurídico nos vários ordenamentos jurídicos;
à Ora tal seria bastante difícil, na medida em que existem conceitos de direito material relativamente
aos quais não se consegue determinar o que têm em comum;
• Ex. Conceito de casamento à monogâmico, poligâmico, de facto, entre pessoas do mesmo
sexo, entre pessoas do sexo diferente...

2. A Qualificação. O problema da Aplicação do CQ


à Aqui chegados, temos que:
• O elemento de conexão reconhece uma lei como competente;
• O CQ circunscreve o âmbito de competência dessa lei;
à Mas, como sabemos que disposições vamos aplicar do ordenamento jurídico competente?
• Vamos aplicar apenas o conteúdo normativo do ordenamento jurídico competente que
responde ao problema identificado;

2.1. O art. 15º do Código Civil


à “A competência atribuída a uma lei abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela
função que têm nessa lei, integram o regime do instituto visado na regra de conflitos”;
à O art. 15º CC é um preceito de caráter original, face às várias codificações de direito de conflitos,
existindo neste preceito legal duas grandes originalidades;
à A primeira originalidade do art. 15º CC é que faz uma precisão quanto ao sentido da referência
feita ao ordenamento jurídico competente;

51

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• A regra de conflitos refere-se a normas de direito material da ordem jurídica competente;
• A regra de conflitos não atribui uma competência geral a todos os preceitos do
ordenamento jurídico competente;
• A regra de conflitos apenas reconhece competência a um ordenamento para que dele se
apliquem somente as normas materiais que respondam à questão de direito identificada
pelo CQ da regra de conflitos;
o Ex. Morte de uma pessoa casada: à lei da última nacionalidade do de cujus,
reconhece-se competência para regular apenas o problema da sucessão do de cujus;
o Assim, estando em causa também a problemática da liquidação do património
conjugal, tal não vai ser respondido pela última lei da nacionalidade do de cujus,
mas sim, pela nacionalidade comum do casal ou da sua residência habitual, que
pode ser outra lei;
• Assim, desta primeira originalidade decorre que a referência feita a uma ordem jurídica
não é uma referência global, mas apenas circunscrita a determinadas normas. Aplicar-se-
ão, portanto, apenas as normas que respondam à questão identificada no CQ;
• Note-se que a resposta dada pelo ordenamento jurídico competente, tanto pode ser uma
resposta positiva, como negativa. Por exemplo, no Reino Unido é juridicamente irrelevante
a intervenção bem-intencionada no património alheio, pelo que não gera direitos para o
“gestor”, nem obrigações para o “dominus”;
à A segunda originalidade do art. 15º CC diz respeito à aplicação do CQ, ou seja, à qualificação;
• Se é certo que a regra de conflitos apenas remete para certas normas do ordenamento
jurídico competente, também é certo que teremos que saber como identificar as normas
que serão em concreto aplicáveis;
• O art. 15º CC refere que serão aplicáveis as normas cujo conteúdo e função, que têm na
lei competente, integram o regime do instituto visado pela regra de conflitos, ou seja,
integram a problemática identificada pelo CQ;
• A operação de qualificação será uma qualificação de normas, tendo que se verificar se a
norma do ordenamento jurídico competente se subsume ao CQ da regra de conflitos;
• A qualificação destas normas implica, desde logo, a descoberta da ratio das normas
materiais da lei competente por forma a determinar se as mesmas prosseguem interesses
e finalidades relativas à problemática individualizada pelo CQ;
• Por outro lado, a qualificação das normas deve ser feita no contexto da ordem jurídica a
que as normas pertencem, portanto o que se trata é de descobrir o conteúdo e as
finalidades que essas normas prosseguem nessa ordem jurídica, havendo paridade entre
a lei do foro e a lei estrangeira;
• Exemplo 1:
o Temos um contrato de compra e venda que é regulado pelo direito português à arts.
874º e ss. CC;

52

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
o É pacífico que o art. 892º CC que determina a nulidade do contrato de compra e venda
de bens alheios é uma norma claramente do domínio contratual, que fere de invalidade
um negócio jurídico que afeta patrimonialmente um terceiro;
o E o art. 877º CC referente à venda a filhos e netos? à É certo que este preceito está
sistematicamente integrado nas normas relativas ao contrato de compra e venda. Mas
qual o seu conteúdo e finalidade? à O art. 877º CC pretende evitar que um contrato
de compra e venda oculte uma doação, tendo por finalidade assegurar uma igualdade
do tratamento dos filhos e, portanto, tem finalidades que se prendem com o acautelar
das relações familiares. Assim, esta norma não será aplicada no caso de uma compra
e venda celebrada entre cidadãos estrangeiros, ainda que a compra e venda deva ser
regulada pela lei portuguesa (porque competente). O art. 877º CC apenas será
aplicado, quando a lei competente seja a portuguesa, mas para regular as relações
entre pais e filhos (art. 57º CC);

Hipótese prática de qualificação

à A e B celebram um contrato em PT, em 1985, que foi expressamente sujeito pelas partes à lei
portuguesa, e pelo qual, B fica devedor de uma quantia a A.
à A e B são nacionais do Estado X e, em 1986, contraem casamento no Estado X, onde sempre
residiram, tendo sido o divórcio decretado em 2006 nesse mesmo Estado X.
à Em 2005 B vem residir para Portugal.
à A intenta em PT uma ação contra B em 2016 por forma a obter o cumprimento da obrigação de
pagamento da dívida. B alega que a dívida se encontra prescrita e A invoca a aplicação do art. 318º a) CC.
à Em Portugal e no Estado X, temos um prazo de prescrição geral de 20 anos, mas o prazo não
se conta da mesma maneira, porque em Portugal existe a causa de suspensão do prazo do art. 318º a)
CC, e no Estado X não existe essa causa de suspensão da prescrição;

1º passo:
à EC
• Lei portuguesa
o Autonomia da vontade
§ Art. 41º CC: lei designada pelos sujeitos;
§ Art. 40º CC: inclui a prescrição;
§ Convenção de Roma: 3º e 10º d);
§ [Reg. Roma I: 3º e 12º d)]
• Lei do Estado X
o Nacionalidade comum
§ Art. 52/1º CC;
§ Exclui-se do Reg. Roma I as obrigações entre cônjuges (1º e 2º b));
à CQ

53

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Lei portuguesa
o Competente para regular as obrigações contratuais, incluindo a prescrição;
• Lei do Estado X
o Competente para regular as relações entre cônjuges; os efeitos pessoais do
casamento;
• Os CQs referem-se a 2 problemáticas diferentes;
à No 1º passo, temos sempre que identificar quais as regras de conflitos aplicáveis, bem como qual é o
elemento de conexão e qual é o conceito quadro e como se interpreta o mesmo (lex formalis fori – como um
conceito questão que individualiza uma problemática);

2º passo: Qualificação do art. 318º a) CC


à Sendo que do ordenamento jurídico competente só vamos aplicar as normas, cujo conteúdo e função
visem a problemática do CQ, teremos que verificar se o art. 318º a) CC visa a problemática da prescrição;
à É certo que o art. 318º a) CC está incluindo sistematicamente no domínio da prescrição e refere-se a
uma causa de suspensão da prescrição;
à O seu conteúdo determina que a “prescrição não começa, nem corre entre os cônjuges, ainda que
separados judicialmente de pessoas e bens”;
à Por que razão estabeleceu o legislador este preceito? à Se este preceito não existisse, o prazo de
prescrição começaria e correria normalmente entre os cônjuges, o que significaria que um dos cônjuges teria que
intentar uma ação contra o outro, visando o cumprimento da obrigação antes que esta prescrevesse. Se tal
acontecesse, seria um constrangimento para o cônjuge autor e também um fator de perturbação na vida do casal.
Assim, a finalidade visada pelo legislador com o art. 318º a) CC terá sido a salvaguarda da estabilidade da relação
conjugal. Deste modo, esta finalidade prende-se, não com a prescrição para a qual é competente a lei portuguesa,
mas com a relação entre os cônjuges para a qual é competente a lei do Estado X, pelo que não se poderá aplicar
o art. 318º a) CC e, consequentemente, a obrigação, de acordo com a lei do Estado X que regula a relação entre
os cônjuges estará prescrita;
à Diferente seria se estivesse em causa o prazo de prescrição (art. 309º CC), pois o direito português é
competente para regular a prescrição;

3. Os Problemas gerados pela Qualificação no Sistema Conflitual Português


à O sistema conflitual português defende de modo rigoroso o princípio da paridade de tratamento
entre a lei do foro e a lei estrangeira a dois grandes níveis:
• Quer quanto à interpretação do conceito quadro que deve ser feita, considerando o CQ
como um “conceito questão”, ou seja, como visando determinada problemática sobre a
qual a lei competente é chamada a pronunciar-se e, tendo como finalidade, circunscrever
a competência dessa mesma lei;
• Quer quanto à aplicação do conceito quadro (art. 15º CC), na medida em que determina
que se descubra qual o conteúdo e finalidade que as normas prosseguem no contexto da
ordem jurídica competente (quer seja, ou não, a do foro);

54

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Ora, esta paridade de tratamento pode gerar problemas a 3 grandes níveis:
• Conflitos positivos ou conflitos de qualificações;
• Dupla fundamentação de uma pretensão jurídica;
• Ausência de fundamentação de uma pretensão jurídica;
à ... que poderão ser resolvidos pelo recurso a dois métodos distintos:
• Hierarquização das próprias regras de conflitos;
• Adaptação das próprias regras de conflitos ou adaptação das normas materiais aplicáveis;

3.1. Os Conflitos Positivos ou Conflitos de Qualificações


à Como à partida, as regras de conflitos conferem e delimitam, através do conceito quadro, um
âmbito de competência diferente aos vários ordenamentos jurídicos os conflitos positivos são bastante raros,
pois cada ordem jurídica será apenas competente para responder a determinada problemática, para regular
determinada matéria diferente da regulada por outra ordem jurídica;
à No entanto, pode acontecer que se apliquem, por força de duas regras de conflitos diferentes,
dois ordenamentos jurídicos que aos responderem às problemáticas para as quais são competentes acabem
por responder de forma contraditória à questão para a qual o outro ordenamento jurídico é competente. Há,
neste caso, uma autonomia, ou seja, uma contradição normativa e valorativa, ou seja, uma contradição
lógica entre a aplicação das duas leis diferentes;
à Exemplo:
• Temos um contrato de compra e venda celebrado em Portugal e sujeito pelas partes ao Direito
português. Assim, por força do art. 3º do Reg. Roma I, a lei portuguesa será competente para
regular o contrato, de acordo com o critério da autonomia da vontade das partes;
• Esse contrato de compra e venda tem por objeto um quadro valioso que se encontra na
Alemanha. Ora, por força do art. 46º, a lei alemã será a lei competente para regular o “regime
da posse, propriedade e demais direitos reais”, posto que é no território alemão que se situa
o quadro (lex rei sitae);
• Aplicando, simultaneamente, estas duas leis teremos que:
o Por força do art. 408º CC e do art. 879º a) CC, a propriedade transmite-se por mero
efeito do contrato, pelo que o contrato de compra e venda produz efeitos obrigacionais
e reais;
o Já no direito alemão, competente para regular o regime da propriedade, não vigora a
regra da transmissão da propriedade por mero efeito do contrato. Há num primeiro
momento, um contrato de alienação que apenas produz efeitos obrigacionais,
assumindo as partes, as obrigações futuras de transferir a propriedade e pagar o
preço. Há depois um segundo contrato, o contrato de disposição, que implica a
transferência da propriedade, tendo efeitos reais. E, num terceiro momento, a
transferência da propriedade verifica-se com a entrega da coisa (bens móveis) ou com
a inscrição da coisa no livro de registos (bens imóveis);

55

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Ora aplicando simultaneamente o direito português e o direito alemão, cada um na sua esfera
de competência (regulação do contrato e regulação da propriedade) teremos uma contradição
lógica ou normativa. Não se poderá assim imputar ao contrato de compra e venda sujeito ao
direito português o efeito real de transmissão da propriedade, pois cabe ao direito alemão
definir quando e, em que termos, se transmite a propriedade do bem e este direito não permite
a sua transferência por mero efeito do contrato;
à Note-se que para que haja um conflito positivo terá que existir uma verdadeira contradição lógica.
Assim, diferente será o caso de termos uma lei competente para apreciar a validade formal de um negócio
jurídico e outra lei competente para apreciar a validade material do mesmo negócio jurídico, sendo que cada
um desses ordenamentos responderá, via de regra, efetivamente à sua questão sem responder
sincreticamente a outra questão fora do seu âmbito de competência;

3.2. Dupla Fundamentação de uma Pretensão Jurídica


à Neste caso, o que teremos é que aplicando preceitos normativos de duas ordens jurídicas
diferentes, chamadas a regular duas questões diferentes na mesma situação internacional controvertida, se
produz um resultado jurídico incoerente com o que cada uma das ordens jurídicas pretendia que se
produzisse. Nestes casos já não teremos uma contradição lógica, mas antes uma contradição teleológica,
pois cada uma das leis, de acordo com a finalidade dos seus preceitos, pretende um determinado resultado
incoerente entre si;
à Exemplo:
• Vamos imaginar que um cidadão português com residência habitual em Inglaterra falece neste
país, não tendo deixado testamento, nem sucessíveis. Esse cidadão português deixa em
Inglaterra uma valiosíssima coleção de quadros;
• A sucessão do cidadão português será regulada pela lei portuguesa, posto que é a sua lei
pessoal (lei da nacionalidade) à data do falecimento (art. 62º CC). Por outro lado, o direito
inglês será competente para regular o regime da propriedade dos bens, posto que estes se
situam no seu território (art. 46º CC);
• Ora, por força da aplicação do art. 2152º CC, o Estado será chamado à herança do falecido,
enquanto herdeiro em sentido próprio e, portanto, por força do regime da sucessão, para o
qual o direito português é competente, os bens ficarão para o Estado Português. Por outro
lado, quando aos bens que estão no seu território, o direito inglês determina que existe um
direito de apropriação do Estado Inglês (a coroa), pelo que os bens serão propriedade da
coroa inglesa (right to escheat);
• Assim, para a mesma pretensão jurídica de que os bens não fiquem “res nulius” temos uma
dupla fundamentação: a de que pertencerão ao Estado Português, enquanto herdeiro do
falecido (art. 2152º CC) e a de que pertencerão à coroa inglesa pela via da apropriação dos
bens que se situam no seu território (right to escheat);

3.3. Ausência de Fundamentação de uma Pretensão Jurídica

56

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Neste caso, o que teremos é que, por força da aplicação de preceitos normativos de duas ordens
jurídicas diferentes, chamadas a regular duas questões diferentes, se vai produzir um resultado que
nenhuma das duas ordens jurídicas pretendia que se produzisse. Haverá uma contradição teleológica, na
medida em que, por força dos preceitos das duas ordens jurídicas e da finalidade dos mesmos, vai-se
produzir um resultado que nenhuma das leis pretende;
à Exemplo:
• Imagine-se agora que o cidadão é inglês, reside habitualmente em Portugal e cá falece
deixando um património de quadros valiosos;
• A lei que regula a sucessão é a lei inglesa (art. 62º CC) e esta lei, visando evitar a “res nulius”
determina a apropriação pela coroa dos bens situados no seu território (right to escheat). No
entanto, como os bens estão situados em território português, tal pretensão jurídica de que os
bens fiquem para a coroa, carece de fundamentação;
• Por outro lado, a lei portuguesa também visa evitar a “res nulius” através do art. 2152º CC que
consagra o Estado português como herdeiro em sentido próprio. No entanto, como a lei
portuguesa não é competente para a sucessão, mas apenas para o regime de propriedade
das coisas (art. 46º CC) existirá ausência de fundamentação para que os bens fiquem para o
Estado português;
• Assim, por força desta contradição teleológica, os bens acabariam por ficar “res nulius”, o que
não é pretendido por nenhuma das duas ordens jurídicas;

3.4. Métodos de Resolução dos Problemas


à Em 1º lugar importa que nem o nosso Código Civil, nem nenhum outro ordenamento jurídico
apresenta qualquer regulamentação para os problemas de conflitos positivos, de dupla fundamentação ou
de ausência de fundamentação de uma pretensão jurídica. Tal prende-se com o facto de não existirem ainda
soluções suficientemente sedimentadas que justifiquem a sua consagração legislativa;
à Assim, os métodos de resolução destes problemas terão que ser encontrados pelos tribunais, de
modo a tomar uma decisão ajustada à situação de conflito em apreço, sendo que existem duas vias
alternativas possíveis:
• O método de hierarquização;
• O método de adaptação;

(1) Método de Hierarquização das Regras de Conflitos


à Trata-se da criação de regras e conflitos de segundo grau, ou seja, de regras de conflitos que
estabeleçam uma hierarquização das regras de conflitos primárias, afastando a aplicação de uma delas em
favor de outra;
à Esta hierarquização basear-se-á na prevalência de uma determinada conexão que a situação
tenha com um ordenamento jurídico em detrimento da conexão que tenha com outro;
à Quanto aos conflitos positivos de qualificações poderíamos ter como critérios de hierarquização:
• Prevalência da conexão substância, face à conexão da forma;
57

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Prevalência da conexão real, face à conexão pessoal ou obrigacional, porque as coisas
têm uma conexão mais próxima e efetiva a um território (Estado) do que as pessoas;
• Regime matrimonial e regime sucessório: aplicar-se-ão sucessivamente;
• Ex. No caso da questão das “res nulius” dever-se-á dar prevalência à conexão real, ou seja, à
lei do Estado em que se situam as coisas, e não ao regime da sucessão;
à Do ponto de vista dos critérios mais gerais de hierarquização das regras de conflitos, poderíamos
ter:
• 1) Atribuição de preferência à lei escolhida pelas partes;
• 2) Atribuição de preferência à lei especial face à lei mais geral;

(2) Método de adaptação à das regras de conflitos + das normas materiais aplicáveis
à Uma primeira forma de resolução destes problemas será adaptar a regra de conflitos (alterá-la)
para que conduza à aplicação da lei considerada mais próxima da situação a regular; ou então criação de
uma nova regra de conflitos (ad hoc) especializada para lidar com a situação em apreço;
à Uma segunda forma será a da adaptação das normas materiais aplicáveis:
• Adaptando uma ou ambas as normas, de modo a compatibilizar a sua aplicação;
o Ex. Excluir o efeito real do contrato de compra e venda (art. 879º a) CC);
• Criação de uma norma material ad hoc a partir das 2 soluções, como uma espécie de
solução equitativa;

4. Interpretação do CQ das Regras de Conflitos dos Instrumentos legislativos de Direito de Conflitos da UE


à Existem cada vez mais regras de conflitos de fonte europeia nomeadamente regras de conflitos
de leis vertidas em Regulamentos da UE – Regulamentos Roma I, Roma II
à Ora, assim sendo e para que essas regras de conflitos sejam aplicadas de forma uniforme nos
diferentes Estados Membros (porque os regulamentos uniformizam as regras de conflitos de leis) os
conceitos quadro quando vertidas nas mesmas tem que ser interpretados de forma uniforme e não por
referência ao direito do foro de cada EM.
Se assim não fosse, por um lado frustrar-se-ia o objetivo de uniformização das regras de conflitos e,
por outro lado, violar-se-ia o principio de DUE de Interpretação Conforme.
à Assim, a interpretação dos CQ dos Regulamentos tem que ser uma interpretação autónoma de
Direito Europeu, ou seja, uma interpretação feita à luz do DUE e tendo em consideração a finalidade que
esses CQ têm no DUE. Só desta forma será respeitado o principio da paridade de tratamento entre os vários
direitos privados materiais dos diferentes EM’s.
à Esta interpretação autónoma visa sobretudo duas grandes finalidades:
• A uniformidade de aplicação dos Regulamentos Europeus de Direito Internacional Privado
• A salvaguarda do efeito útil dos Regulamentos na criação de uma disciplina conflitual
uniforme das relações privadas internacionais na EU que assegure a harmonia decisória
entre todos os tribunais de todos os EM’s da EU.

58

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Note-se que esta interpretação autónoma dos CQ dos Regulamentos de Conflitos de lei da UE, se
aproxima de uma interpretação teleológico-funcional do CQ, ou seja, de uma interpretação dos CQ como
um elemento da regra de conflitos que visa delimitar a competência de um determinado ordenamento jurídico

(A) O TJUE ao interpretar os CQ dos Regulamentos Roma I e Roma II, através de reenvios prejudicias,
já afirmou a interpretação autónoma dos mesmos salientando que:
• A interpretação dos CQ é autónoma em relação às interpretações dos EM’s
• A interpretação do CQ é uma interpretação funcional, ou seja, uma interpretação em
função da finalidade que preside aos Regulamentos e em função da finalidade daquele
preceito do regulamento

Acórdão Ergo Insurance (2016)


à O TJUE refere que os CQ de “obrigação contratual” e de “obrigação extracontratual” (Roma I e Roma
II) devem ser interpretados de forma autónoma relativamente aos direitos nacionais dos EM’s

Acórdão Tacconi (2002)


à Referindo que os conceitos de “matéria contratual” e de matéria extracontratual” são conceitos
autónomos, em relação aos direitos nacionais dos EM’s, o TJUE procura dar-lhes um significado próprio,
de DUE, descobrindo um denominador comum aos vários direitos nacionais dos EM’s.
à Começa por referir que será material extracontratual o que não for matéria contratual – definição por
exclusão.
Depois refere que “matéria contratual” pressupõe a existência de uma “obrigação” que define como um
“compromisso livremente assumido de uma parte perante a outra”
à Só esta interpretação baseada na ideia da existência ou não de uma “auto-vinculação” permite que os
diferentes juízes de diferentes EM’s consigam compreender os CQ; na medida em que “haver ou não um
compromisso livremente assumido de uma parte perante outra” será denominador comum aos diferentes
EM’s
à Note.se que se assim não fosse, para um jurista inglês seria incompreensível que se considerasse
como uma obrigação contratual, por exemplo, a rutura abrupta das negociações tendentes à conclusão
de um contrato como dando lugar a uma obrigação de indemnização.
à Assim, para o TJUE esta rutura e correspondente indemnização insere-se no domínio extracontratual.

(B) Outras vezes, o TJUE interpreta os CQ das regras de conflitos dos instrumentos legislativos de direito
internacional privado europeu não por referencia à finalidade dos regulamentos e dos seus preceitos-
finalidade de delimitar a competência de um ordenamento jurídico – mas por referencia ao direito
privado material da UE.

Acordão Henkel (2002)

59

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Tratava-se de saber se a noção de “matéria extracontratual” abarcava ações destinadas a inibir
um operador económico de um EM de utilizar cláusulas contratuais gerais abusivas noutro EM
à Neste caso, visando definir-se o alcance de uma regra de conflitos de jurisdições prevista no
Regulamento Bruxelas I, o TJUE define o CQ por referencia à Diretiva 93/13 (clausulas contratuais gerais)
de modo a assegurar a prossecução dos fins próprios dessa Diretiva enquanto direito privado material da
UE
à Aplica aqui a doutrina do efeito útil para que se permita que a ação possa ser proposta num EM
que não o Estado em que o comerciante está domiciliado por forma a se assegurar o cumprimento da diretiva

C. A Ordem Pública Internacional (OPI)


à Quando uma ordem jurídica é designada competente por força das regras de conflitos de leis do
foro, ainda assim poderá haver normas dessa ordem jurídica que não serão aplicáveis por razões que se
prendem com a salvaguarda de interesses materiais fundamentais da ordem jurídica do foro; intervindo a
exceção de OPI do foro como um mecanismo da evicção/ afastamento da lei estrangeira

1. A OPI no Sistema Conflitual Português


à Quando se fala em ordem publica no direito português, temos que diferenciar os dois sentidos que
este conceito assume:
• Ordem publica interna (ordem publica no direito material português)
• Ordem publica internacional (O.P.I no direito de conflitos europeus)

1.1. A ordem Pública Interna


à Este conceito de ordem publica interna surge no art. 280º/2 CC, segundo o qual é nulo o negocio
jurídico contrário à ordem pública
à Trata-se de um conceito indeterminado que se refere a um conjunto de normas imperativas do
ordenamento português que limitam a livre atuação dos particulares; quer tendo em vista dirigir o seu
comportamento num determinado sentido, quer tendo em vista proteger certas pessoas ou interesses
específicos (IRS e Direito Penal VS trabalhadores e consumidores)

1.2. A ordem Pública Internacional


à Este conceito de OPI surge no art. 22º do CC (mas também no art. 1651º/2 CC e 980º f) CPC)
como limite à aplicação de Direito estrangeiro ou ao reconhecimento de decisões proferidas por tribunais
estrangeiros
à Trata-se de uma clausula geral ou válvula de segurança destinada a proteger os princípios ético-
jurídicos fundamentais que entram a nossa ordem jurídica ou seja as traves mestras da ordem jurídica do
foro

60

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Para definir este conceito de OPI não podemos simplesmente partir da ordem pública interna pois
tal levaria a que sempre que uma lei estrangeira divergisse das nossas normas imperativas seria a mesma
afastada, o que teria por consequências que:
• Só se aplicaria direito estrangeiro em Portugal quando dissesse respeito a matérias em que
o nosso ordenamento jurídico regulasse por normas supletivas
• As regras de conflitos de leis perderiam o seu sentido de delimitação da competência das
ordens jurídicas em contacto com a situação
à Ex. Existe um ordenamento jurídico, reconhecido como competente, no qual a maioridade se atinge
aos 17 anos.
• Não posso afastar esta norma estrangeira apenas porque contraria a norma imperativa
portuguesa (art. 122º CC) que determina que a maioridade se atinge aos 18 anos
à Tratam- se apenas de preceitos que não podem, de todo, ser postos em xeque pela aplicação de
uma lei estrangeira posto que determinariam que a ordem do foro fosse totalmente desvirtuada nos seus
traços ético-jurídicos matriciais
• Ex. se a lei estrangeira determinasse que todos os sujeitos com personalidade jurídica gozam de
capacidade de exercício de direitos

2. Conceção Apriorística ou Aposteríoristica da OPI


à Segundo uma Conceção Aposteriorística da OPI apenas depois de se determinar a competência
da lei estrangeira, através das regras de conflitos de leis, é que se verificará se a aplicação de certas normas
dessas leis, conduzirão no caso concreto à produção de efeitos chocantes/intoleráveis na ordem jurídica do
foro
à É esta a conceção adotada pelo sistema conflitual português, plasmada no art. 22º CC em que a
exceção de OPI é considerada uma entorse ao principio da paridade entra a lei do foro e a lei estrangeira
só podendo ser aplicada e invocada de forma muito restritiva
à Note-se que, de acordo com o art.22º/2º CC a ordem jurídica estrangeira não deixa de ser
competente. Continuar-se-ão a aplicar as normas mais apropriadas da lei estrangeira e só subsidiariamente
(em desespero da causa) as regras de direito português.
à Ex. Temos um casal do Estado X no qual só o marido pode pedir o divorcio.
• Esta norma será afastada por invocação da exceção de OPI posto que viola o principio da
igualdade que é um principio ético-jurídico estruturante do nosso sistema jurídico. No entanto
continua a ser a lei do Estado X a lei competente para regular divorcio
à Diferentemente, a Conceção Apriorística da OPI considera que a OPI será constituída por um
conjunto de preceitos definidos a priori em cada ordem jurídica como sendo direta e imediatamente
aplicáveis na regulamentação da situação jurídica internacional.
à Note-se que nos Regulamentos Roma I e Roma II da EU, nos arts. 16º e 26º respetivamente,
também se adota uma conceção Aposteriorística do conceito da OPI, ou seja, um conceito mais flexível
centrado no caso concreto e na apreciação dos resultados a que levaria a aplicação da lei estrangeira.

61

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Diferentemente, a conceção apriorística acaba por funcionar no domínio das NAI sendo uma
conceção mais rígida e que está consagrada nos arts. 9º e 16º dos regulamentos Roma I e Roma II
(respetivamente)

3. OPI Permissiva ou Positiva


à A exceção de OPI será permissiva quando conduzir à não aplicação de uma lei estrangeira que
impedisse a produção de um determinado resultado. Afastando a aplicação da norma estrangeira a exceção
da OPI vai permitir a produção de um resultado material que de outra forma não se verificaria.
à Ex. no caso anterior do divorcio, a exceção da OPI ao afastar a norma do Estado X vai permitir à
esposa obter o divorcio
à A exceção de OPI será proibitiva quando afaste a aplicação de uma norma estrangeira de
modo a proibir que se produza um resultado material que esta norma estrangeira permite
à Ex. Imagine-se que um cidadão do Estado X pretende casar-se em Portugal sendo já anteriormente
casado.
• Ora, em Portugal esse casamento bígamo seria intolerável pelo que a exceção da OPI o que vai
fazer é impedir o funcionamento da norma do Estado X que permite esse casamento, de modo a
proibir que tal resultado se produza

4. Características da cláusula de exceção da OPI


à Trata-se de um mecanismo excecional dado que a ordem jurídica designada como competente
apenas e só não será aplicada quando da sua aplicação resultarem consequências inaceitáveis de acordo
com as conceções ético-jurídicas fundamentais do foro.
à A cláusula de exceção da OPI tem um Carater Indeterminado dado que carece de preenchimento
pelo tribunal de acordo com as circunstancias do caso concreto. Assim, embora alguns preceitos normativos
possam ser á partida considerados como integrantes da OPI portuguesa terá que se verificar se no caso
concreto são afetados suficientemente para que se possa invocar a exceção de OPI.
à A OPI tem também uma Característica de Atualidade, ou seja, o conceito de OPI é mutável ao
longo do tempo
à Ex. Até em 2009 permitir o casamento de duas pessoas do mesmo sexo seria contrário à nossa OPI.
Atualmente o que seria contrário à nossa OPI seria proibir o casamento de duas ou mais pessoas do mesmo
sexo
à A OPI tem um cariz nacional, ou seja, os preceitos que constituem a OPI não apenas variam no
tempo, mas também no espaço na medida em que o que é considerado como chaves mestras do
ordenamento jurídico português não coincide, nem tem que coincidir, com os preceitos que se consideram
fundamentais na República Popular da China.
Assim, a designação de internacional refere-se apenas ao tipo de relações (internacionais) em que a
exceção de ordem pública intervém.

5. O Modus Operandis da Exceção da OPI


62

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Em primeiro lugar importa logo que a exceção da OPI intervém ex oficio, ou seja, caberá ao juiz, sem
que que veja essencial os valores do foro ameaçados, fazer funcionar a exceção da OPI (art. 980 al. f) CPC)
não estando dependente da invocação pelas partes
• Nota: diferentes são os casos do Regulamento Bruxelas I no qual se determina que a
oposição ao reconhecimento de uma sentença estrangeira com base na exceção de OPI tem
que ser invocada pela parte contra quem a sentença vai ser executada...
... e do Regulamento 805/2004 que determina que se existir uma divida que não seja contestada
e for proferida uma sentença condenatória para o pagamento de quantia certa, essa sentença
é um titulo executivo europeu não podendo ser invocada a exceção da OPI

à Depois, o modo de funcionamento da exceção da OPI obriga à ponderação da essencialidade dos


interesses da ordem jurídica do foro e os efeitos negativos que se produzirão sobre esses interesses.
à Ex. Um guineense morre em Portugal e tem uma mulher em Portugal e duas na Guiné. Qual o destino
a dar à pensão de viuvez?
• Em Portugal, o interesse que se pretende proteger com a proibição da poligamia são
fundamentais e visam impedir a perpetuação de um estereótipo de dominação machista.
• Mas será que ao distribuirmos a pensão da viuvez pelas 3 mulheres se produzem resultados
intoleráveis em Portugal?
• Ora, ainda que implicitamente se reconheça a poligamia, ao dividir-se a pensão por 3 mulheres,
apenas uma reside em Portugal e não se produzem cá efeitos intoleráveis. (¹ seria se todas
vivessem cá e viessem reclamar, cada uma, a pensão de viuvez na íntegra)
à Por outro lado, é ainda necessário considerar a gravidade da divergência entre a solução da lei
estrangeira e a solução da lei portuguesa.
Só pode haver uma violação da OPI do foro quando a lei estrangeira apresente uma divergência
séria e grave, quanto aos efeitos da sua aplicação, face á lei do foro.
à Ex. Divórcio obtido unilateralmente numa caixa multibanco
• Será que o reconhecimento em Portugal de um divorcio, com estas características, ocorrido no
estrangeiro seria violador da OPI portuguesa? Existe uma grave divergência entre os efeitos do
nosso regime unilateral de divorcio e este divorcio por multibanco? Não parece dado que o que
está em causa é uma diferença apenas no modo de realizar o divorcio, ou seja, uma divergência
quanto a um elemento acessório e que é uma divergência que não é grave e séria.
à Teremos ainda que no modus operandis da exceção de OPI analisar os contactos que ligam a
situação ao nosso ordenamento jurídico. Note-se que quantos mais contactos tenha a situação com o nosso
ordenamento jurídico, maior a possibilidade de se violar a OPI portuguesa posto que os efeitos se farão
sentir em PT com maior intensidade.
à Ex. Inglês vive e morre cá e deixa todo o seu património por testamento a mulher, deserdando os filhos.
A aplicação do direito sucessório inglês pode ser compatível com a nossa OPI posto que os efeitos da deserdação
não se fazem sentir em Portugal na medida em que os filhos são ingleses e não residem cá (se residissem cá já
haveria violação da OPI)

63

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Por ultimo, há ainda que fazer a distinção entre Situações a Constituir e Situações a reconhece.
Note-se que como nas situações a reconhecer o efeito intolerável já se terá produzido será mais facilmente
tolerado na ordem jurídica do foro.
à Ex. Será mais facilmente admissível reconhecer uma situação de bigamia para efeitos sucessórios do
que admitir a celebração de um casamento bígamo em Portugal.

6. O impacto do DUE no funcionamento da exceção da OPI


6.1. O DUE intervém desde logo ao nível da Modelação do Conteúdo da noção de OPI das ordens
jurídicas dos vários EM’s

à Por um lado, o DUE expande o conteúdo da OPI dos EM’s na medida em que passam a integrar
na mesma os princípios e normas fundamentais do direito da EU indispensáveis ao funcionamento do
mercado interno
à No Ac. TJUE Eco Swiss refere-se que os preceitos da Constituição Económica Europeia,
nomeadamente os preceitos relativos ao DUE da Concorrência, são parte integrante da OPI Europeia e,
portanto, da OPI de cada EM. Assim, mesmo que um EM considerasse que os preceitos relativos ao direito
da concorrência não faziam parte da sua OPI, agora já não o pode considerar.
à Certo é que, por força de vários acórdãos do TJUE, se põe em causa a característica da nacionalidade
da OPI na medida em que o que passamos a ter é uma OPI Europeia que pelos princípios do Efeito Direto
e do Primado é parte integrante da OPI de cada EM alargando/expandindo a mesma.

6.2. O DUE também intervém através da Imposição de Limitações à Invocação e Intervenção da Exceção
de OPI pelos EM’s
à A invocação da exceção de OPI por um EM tem em vista recusar a aplicação, nesse EM, de
preceitos de um direito estrangeiro ou recusar o reconhecimento de uma situação constituída noutro EM
à Ora, tal invocação não é isenta de controlo pelo DUE na medida em que as razões invocadas para
a exceção de OPI ficam desde logo sujeitas ao controlo da sua compatibilidade com as liberdades de
circulação consagradas nos Tratados da EU.
à Por outro lado, a própria aplicação da exceção de OPI terá também que ser compatibilizada com
os custos que tal envolve para as liberdades de circulação nomeadamente através da analise do seu caráter
proporcional.

6.3. O DUE intervém também nele domínio através do Processo de Europeização da reserva de OPI
prevista em textos de Direito Derivado da UE
à Vários são os instrumentos de direito derivado da EU que reconhecem aos EM’s a possibilidade
de invocarem a sua OPI de modo a recusarem a aplicação de preceitos estrangeiros incompatíveis com a
mesma – arts. 21º e 26º ROMA I e II – ou a recusarem o reconhecimento e execução de decisões proferidas
pelos tribunais de outros EM – art. 45º/1 a) Bruxelas I bis.

64

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Ora, a invocando os EM’s a exceção de OPI com base em regulamentos da EU essa cláusula de
exceção de ordem pública terá que ser interpretada e aplicada dentro dos limites que decorrem da finalidade
que a cláusula visa prosseguir no regulamento.
à Assim, como o disse expressamente o TJUE no Ac. Krombach, a noção de ordem publica não
constitui um conceito em branco fornecido pelo regulamento que permita incluir nele todo e qualquer principio
ou disposição nacional considerada de natureza imperativa fundamental no plano do direito interno dos
EM’s. Para que seja violada a OPI de um EM terá que haver uma violação: (1) inaceitável, (2) de um principio
fundamental, (3) manifesta de direitos fundamentais do EM
à Assim, os Direitos Fundamentais assumem presentemente uma relevância crescente na
conformação atual do conteúdo da cláusula de exceção de ordem pública prevista nos regulamentos da EU
à Não obstante, reconhece o TJUE que poderão existir outros princípios fundamentais (¹ dos DF’s
e nomeadamente dos DLG’s dos EM’s) suscetíveis de integrar o conceito de ordem pública, mas terão os
mesmos que ter dimensão constitucional e ficarão, também eles, sujeitos ao escrutínio do DUE
à Ex. No acórdão Ac. Krombach, o TJUE considerou como principio fundamental do direito comunitário
o “direito à defesa efetiva do arguido” pelo que integraria o conceito de ordem pública

6.4. Intervém ainda o DUE através de uma Tendência para a “privatização” da exceção de OPI nos
instrumentos recentes de DIP da EU
à Note-se que a exceção de OPI tem sido tradicionalmente considerada como uma válvula de
segurança destinada a proteger os ordenamentos jurídicos dos EM’s contra uma decisão judicial estrangeira
que ofenda os seus princípios ético-jurídicos fundamentais; pelo que seria irrelevante o facto dos particulares
envolvidos nessa relação considerarem ou não que existia uma violação da OPI
à Não obstante, o Regulamento Bruxelas I (44/2001) e o Regulamento Bruxelas I bis
(1215/2012) alteraram significativamente a conceção da OPI constante da Convenção de Bruxelas.
à Assim, e pese embora a exceção de OPI se mantenha como fundamento para a recusa quer do
reconhecimento de uma decisão estrangeira de outro EM (art. 45º/1 a) Regulamento de Bruxelas I bis)
quer para a recusa da exceção dessa decisão (art. 46º); a verdade é que tal exceção de OPI tem que ser
invocada pelo particular contra quem é pedida a execução da decisão
à Do mesmo modo, nos termos do Regulamento 805/2004 quanto ao pagamento de quantia certa,
se determina que se o devedor não contestar a divida e for condenado a pagar; esta sentença vale como
titulo executivo não podendo a sua execução ser contestada pelo devedor com base na exceção da OPI

Em conclusão:
à A exceção de OPI deve ser considerada como uma clausula de interpretação restritiva
à Saber ou não o que cabe na exceção de OPI continua a ser da competência dos EM’s mas o
TJUE tem competência para definir o conceito de OPI e consequentemente os limites dentro dos quais um
tribunal de um EM pode recorrer à invocação do conceito de OPI

65

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à O TJUE tem considerado que o conceito de OPI se “reduz” ao conceito de Direitos Fundamentais
/ DLG’s consagrados nas Constituições dos EM’s; embora admita que possam existir algumas
especificidades e, portanto, existirem outros preceitos fundamentais que caibam no conceito de OPI
à Por outro lado, note-se que havendo uma logica de maior equivalência entre os Direitos dos EM’s
do que entre o Direito de um EM e o Direito dos Estados Terceiros; há uma maior limitação da invocação da
exceção de OPI quando está em causa a lei, reconhecida como competência, de outro em (do que a de um
Estado Terceiro)

D. Fraude à Lei
à Uma segunda causa de afastamento do Direito designado competente pelas regras de conflitos
de leis do foro é a Exceção da Fraude à lei
à Importa, no entanto, que a Fraude à lei é diferente da Ordem Pública Internacional essencialmente
por duas razões:
• A 1ª razão é que enquanto a OPI apenas afasta a aplicação de uma lei estrangeira designada
como competente, a exceção da Fraude à lei permite afastar a aplicação da lei competente
qualquer que ela seja, incluindo a lei portuguesa.
• A 2ª razão é que enquanto a Exceção de OPI visa proteger os valores materiais da ordem
jurídica do foro (os princípios ético-jurídicos fundamentais do foro) a Exceção da Fraude à lei
visa salvaguardar a autoridade das regras de conflitos de leis do foro

1. A fraude à lei no Direito de Conflitos de leis Portuguesas


à Quando se fala em Fraude à lei no Direito Civil (art. 294º CC) tem-se em vista situações em que
um sujeito procura contornar uma proibição legal ou uma norma que lhe é desfavorável, pondo-se a coberto
de outra norma que lhe é favorável e recorrendo a um outro tipo negocial que não é proibido e que
formalmente é inatacável.
à Estas operações de fraude à lei não violam uma proibição legal diretamente, não ofendem a letra
da lei, mas vão contra a lei “de forma disfarçada” ou indireta posto que violam o espirito da lei ou seja a
teleologia das normas
à Este tipo de fraude à lei afere-se através de um processo interpretativo determinando se a
finalidade da norma objeto de fraude foi efetivamente violada pelas partes através de uma manobra
fraudatória. Neste processo interpretativo as intenções fraudatórias das partes são irrelevantes, havendo
uma conceção objetiva da fraude à lei
à Quando se fala na Fraude à lei no Direito de Conflitos de leis (art. 21º CC) esta apresenta
diferenças significativas em relação à fraude à lei no direito civil:
• A fraude à lei tem uma relevância autónoma sendo prevista e regulada no art. 21º CC como
uma categoria dogmática com autonomia no Direito de Conflitos (não tem, portanto, uma
dimensão meramente interpretativa)

66

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• A fraude à lei tem por objeto de fraude as próprias regras de conflitos do foro visando a exceção
da fraude à lei salvaguardar a autoridade das próprias regras de conflitos
• A Fraude à lei tem uma dimensão subjetiva na medida em que o art. 21º CC exige que exista
um “intuito fraudulento”

2. Tipos de Atuação de Fraude à lei


à Podemos ter essencialmente 3 tipos de atuação das partes que podem configurar situações de
Fraude à lei:
a) Internacionalização Fictícia da Situação
b) Modificação do Elemento de Conexão da Situação Internacional
c) Intervenção ao Nível da Situação Jurídico-factual Internacional

a) Internacionalização Fictícia da Situação


à Neste caso, as partes criam de modo artificial uma situação internacional
à Ex. As partes pretendem celebrar entre si um contrato de mútuo com a taxa de juro muito elevada não
admitida em Portugal. Então:
• Deslocam-se a Inglaterra para aí celebrarem o contrasto porque de acordo com a regra de conflitos
o direito aplicável seria o do local da celebração do contrato
• Celebram este contrato determinado que a lei aplicável ao mesmo, com base na autonomia da
vontade, é a lei inglesa
à Note-se que embora o DUE não consagre uma cláusula geral de Fraude à lei, como faz o legislador
português no art. 21º CC, este tipo de situações acaba por estar acautelado no art. 3º/3 do Regulamento
Bruxelas I

b) Modificação do Elemento de Conexão da Situação Internacional


à Neste caso as partes conseguem alterar o elemento de conexão de modo a que seja aplicável à
situação o direito de um outro Estado.
à Exemplo:
• A Princesa de Beauffremont pretendia desde 1870 divorciar-se do seu marido, mas tal não era
permitido pela lei francesa
• Então, renunciou à nacionalidade francesa e adquiriu a nacionalidade alemã e conseguiu que fosse
decretado o divórcio por um tribunal de Dresden
• O problema foi que a Princesa fez tudo isto sem se deslocar do seu castelo em Paris e a Court de
Cassation considerou que houve uma manipulação da nacionalidade com intenção fraudatória
à Note-se que atualmente este tipo de situação de modificação do elemento de conexão pode
ocorrer com maior frequência através da mudança de residência habitual.
à No entanto, no quadro da EU as mudanças de residência são legitimadas, ao abrigo da liberdade
de circulação e de residência, desde que haja de facto uma mudança de residência efetiva (Ac. TJUE

67

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
Centrus). Ou seja, a mudança de residência tem que ser genuína e têm que se assumir todas as
consequências da nova condição de residente noutro EM.

c) Intervenção ao Nível da Situação Jurídico-Factual Internacional


à Neste caso as partes alteram a situação jurídico-factual de modo a ficarem a coberto de um
conceito-quadro diferente de uma regra de conflitos diferente
à Exemplo: Caso Caron (Court de Cassation – 1985)
• Um cidadão francês residente nos EUA pretendia deserdar os filhos quanto aos bens imoveis que
possuía em França.
• As regras de conflito de leis francesas quanto à sucessão de bens imoveis determinavam como
competente a lei do local dos bens (França) e de bens móveis a lei da residência (EUA)
• O Sr. Caron o que fez foi mudar a titularidade dos bens imoveis para uma SC por quotas e assim
transformou os bens imóveis em bens moveis (quotas), podendo deserdar os filhos à luz do direito
dos EUA.
• A Court de Cassation considerou tal situação como de fraude à lei

3. Requisitos da Fraude à lei


à No sistema conflitual português, nos termos do art. 21º CC, para que exista uma situação de
Fraude à lei têm que estar preenchidos 3 requisitos cumulativos:
• Existir uma regra de conflitos objeto de fraude, ou seja, uma regra de conflitos que as partes
pretendem que não se aplique
• Existir uma regra de conflitos instrumento de fraude, ou seja, uma regra de conflitos que as
partes pretendem que se aplique porque reconhece como competente um Direito que lhes é
mais conveniente
• Existir um “intuito fraudulento”, ou seja, existir uma intenção fraudatória das partes que
criaram determinada situação com o animus de escapar à aplicação de uma certa regra de
conflitos; sendo que esta intenção fraudatória tem que ser comprovada por elementos
objetivos
à Exemplo
• Um cidadão português (A) conheceu uma cidadã maltesa (B) em Malta onde casaram, à luz do
Direito Maltês e onde sempre residiram
• O casal pretende divorciar-se, mas o Direito Maltês não o permite
• O casal muda a sua residência para Portugal e nos termos do art. 55º e 52º CC a lei reguladora
do divorcio será a lei da residência comum do casal, a lei portuguesa, posto que a parte não tem
a mesma nacionalidade
à Ora a regra de conflitos objeto de fraude será o art. 55º/1 e art. 52º/2 posto que as partes não
pretendem que se aplique a regra de conflitos que determina a competência da lei da residência habitual
em Malta. A regra de conflitos instrumento de fraude é a mesma regra, mas que vai determinar como
competente a lei da residência habitual em Portugal
68

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Quanto ao intuito fraudulento, tal apenas existe se se verificar que, apesar de cada um dos
cônjuges ter fixado realmente a sua residência em Portugal durante mais de 6 meses, apenas estiveram cá
“de férias”, só com uma aparência de residência comum, ausentando-se frequentemente de Portugal e tendo
abandonado o nosso país logo após terem obtido o divórcio.

4. Impacto do DUE sobre a exceção da fraude à lei


à Em 1º lugar, importa desde logo que os Regulamentos da EU não consagram nenhuma cláusula
relativa á exceção da fraude à lei, como faz o legislador português no art. 21º CC
• Apenas o Regulamento Roma V (relativo às sucessões internacionais) refere no seu art. 26º
que os órgãos jurisdicionais não ficam impedidos por este regulamento de invocar a fraude à
lei
• Não obstante os Regulamentos da UE não consagrarem uma cláusula relativa à fraude à lei,
existem no DUE mecanismos pontuais de controlo da fraude à lei como, por exemplo, o art.
3º/3 Regulamento Roma I
• Note-se que o art. 3º/1 Reg. Roma I permite às partes escolherem a lei que rege o contrato
• No entanto, de acordo com o art. 3º/3 Reg. Roma I, se o contrato apresenta todos os
contactos relevantes com uma ordem jurídica, as partes ao escolherem uma lei estrangeira
não deixam de estar sujeitas às disposições imperativas da lei do Estado com o qual o
contrato apresenta todos os contactos relevantes
• Tal solução visa obstar a uma internacionalização fictícia do contrato celebrado entre as
partes
à Outra questão diferente é a do impacto do DUE primário sobre a exceção da fraude à lei
• Importa que as liberdades fundamentais de circulação consagradas no TFUE colocam
alguma “pressão” sobre a aplicação pelos EM da exceção da fraude à lei, limitando a sua
invocação pelos EM
• Exemplo: ac. Centros do TJUE (9/3/1999)
o Um casal dinamarquês (Bryde) pretendia construir uma sociedade comercial na
Dinamarca sem ter de respeitar a exigência de um capital mínimo elevado imposta pelo
direito societário dinamarquês
o Decidiram então constituir a SC Centros no Reino Unido, onde o capital mínimo era de 1
libra, e depois constituíram uma sucursal na Dinamarca, onde se desenvolve toda a
atividade comercial
o As autoridades dinamarquesas recusaram o registo da sucursal, e colocou-se a questão
de saber se esta recusa constituía uma restrição incompatível com o Direito de
Estabelecimento
o O TJUE afirmou que uma SC que tenha sido regularmente constituída num EM que não
faça depender o seu reconhecimento do facto de aí ter uma atividade económica (como
sucedia no Reino Unido) goza do direito de constituir um estabelecimento secundário
noutro EM, pelo que não haveria qualquer abuso do direito de estabelecimento, tendo a
69

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
Dinamarca que reconhecer a SC constituída no Reino Unido e que aceitar o registo da
sua sucursal
• Assim, a fraude à lei encontra limites à sua atuação impostos pelo DUE primário que intervém
como um plano normativo constitucional de caráter supraestadual que os EM são obrigados
a respeitar
à Princípio geral de DUE de proibição de práticas abusivas e fraude a normas de DIP Europeu
derivado
• Questão diferente é a de saber como reage o DUE quando são as suas próprias regras de
conflitos, previstas em instrumentos de DIP Europeu derivado (regulamentos e diretivas),
que são objeto de fraude
• O TJUE já se pronunciou, referindo que a aplicação de normas de DUE derivado não pode
ser alargada de modo a abranger práticas abusivas dos operadores económicos – Ac. Starke
• Este princípio de proibição de práticas abusivas formulado pelo TJUE é composto por dois
elementos:
o Em 1º lugar, a operação conduzida pelo particular tem que ter por resultado a obtenção
de uma vantagem cuja concessão contraria o objetivo prosseguido pelas disposições
de DUE invocadas
o Em 2º lugar, terão que as operações levadas a cabo pelo particular terem sido
realizadas com a finalidade de beneficiar das vantagens previstas nas disposições
invocadas de DUE, furtando-se à sujeição a normas mais desfavoráveis a que estaria
sujeito se não realizasse essas operações
• Destes dois elementos, resulta que para o TJUE, o elemento central na verificação objetiva
da existência de uma prática abusiva é a noção de que o particular desenvolve “operações
ou expedientes puramente artificiais”
• Este princípio da proibição de práticas abusivas intervém a dois níveis distintos:
o Desde logo, impõe que a interpretação e aplicação das normas de conflitos contidas
nos Regulamentos se devem conformar com este princípio
o Que a invocação da exceção da fraude à lei, feita por um EM, tem também que se
conformar com este princípio
• Assim, não será legítimo invocar-se uma fraude à lei quando um cidadão emigra para outro
EM, mesmo que tenha em vista beneficiar, por exemplo, de um regime sucessório que lhe
seja mais favorável, desde que corresponda a uma mudança genuína e real de residência
habitual desse cidadão
o Se assim não fosse, o cidadão ver-se-ia restringido, ilegitimamente, do gozo dos
benefícios decorrentes do exercício real e genuíno da sua liberdade de circulação na
EU.

E. O Reenvio

70

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à Outra questão que se coloca, e que se prende com a consideração dos sistemas conflituais
estrangeiros, é o que fazer no caso de estarmos perante conflitos negativos de sistemas em que nenhuma
das leis, de acordo com as suas regras de conflitos, se considera competente para resolver a situação
privada internacional
à Quando Savigny concebeu o modelo clássico, assumiu que o objetivo a prosseguir era a harmonia
decisória internacional à independentemente do tribunal incumbido de dirimir o litígio, a lei aplicável seria a
mesma e visaria a salvaguarda dos interesses dos particulares envolvidos na situação internacional privada
• Para além disso, este modelo assumia ainda que, no que toca ao estatuto pessoal, a lei
aplicável seria a do domicílio, e no que toca aos contratos, a lei aplicável seria a do local do
cumprimento da obrigação
à No entanto, no final do séc. XIX e início do séc. XX, os Estados foram adotando as suas próprias
regras de conflitos de leis, diferentes de Estado para Estado, o que levou a que:
• Fosse difícil assegurar a harmonia decisória internacional
• Surgissem conflitos de sistemas, ou seja, conflitos de 2º grau
à Exemplo:
• O Sr. Forgo morreu em França no séc. XIX sem herdeiros próximos e possuindo um vasto
património mobiliário que veio a ser reclamado por uns parentes colaterais afastados da Baviera
• De acordo com as regras de conflitos de leis francesas, quanto à sucessão de bens móveis, a
competência é reconhecida à lei do domicílio de origem do de cujus à neste caso, seria a lei da
Baviera
o No entanto, considerando-se que a referência da lei francesa é uma referência global,
significa que aponta para as regras de direito de conflitos da lei da Baviera à teoria da
devolução simples
• Ora, de acordo com as regras de conflitos de leis da Baviera, para a sucessão de bens móveis é
competente a lei do último domicílio do de cujus à neste caso, seria aplicável a lei francesa
• Há um conflito negativo de sistemas à de acordo com o sistema conflitual francês a lei francesa
não era competente, e de acordo com o sistema conflitual da Baviera, a lei da Baviera também
não era competente
à Surge a questão do reenvio como forma de resolução dos conflitos negativos de sistemas
• Pode revestir duas formas ou modalidades
o Retorno de competências

o Transmissão de competências

1. O Reenvio no sistema conflitual português

71

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
à No nosso Código Civil, temos a previsão do reenvio através de um regime bastante complexo,
consagrado nos arts. 16º a 19º do CC
à Princípio geral: a referência feita pelas normas de conflitos de leis será uma referência material
(art. 16º CC), ou seja, uma referência para o direito interno/ material estrangeiro
• A regra será de que não se trata de uma referência global para as regras de conflitos da lei
competente, mas apenas para o seu direito interno, ou seja, exclui-se o reenvio
• No entanto, este princípio geral de exclusão do reenvio comporta duas exceções:
o Aceitação do reenvio sob a forma de transmissão de competências (art. 17º CC)
o Aceitação do reenvio sob a forma de retorno de competência (art. 18º CC)
• MAS, estas exceções apenas ocorrem nos termos dos arts. 17º e 18º CC, cuja finalidade é
assegurar a harmonia decisória internacional
à Reenvio por transmissão de competências (art. 17º CC)
• RC Lei Portuguesa à Lei 2 (RC) à Lei 3 (RC) – considera-se competente
o Aplica-se a lei 3 por uma questão de harmonia decisória internacional
§ RC lei Portuguesa (art. 17º/1 CC) à manda aplicar a lei 3
§ RC lei 2 à manda aplicar a lei 3
§ RC lei 3 à considera-se competente, pelo que se aplica esta lei
à Reenvio por retorno de competências (art. 18º CC)
• RC Lei Portuguesa à Lei 2
Retorno por referência material
• Note-se que, no caso em que a lei 2 seja a lei francesa ou a lei inglesa, que seguem a Teoria
da Devolução Simples, fazendo uma referência global à lei competente, então remetem para
as nossas regras de conflitos à assim, será competente a lei francesa ou a lei inglesa

2. Influência do DUE no Reenvio


à No DUE, o Reenvio está em vias de extinção, uma vez que se prevê a exclusão do reenvio (arts. 20º
Roma I + 24º Roma II + 11º Roma III)
• MAS, o art. 20º Roma I refere “salvo disposição em contrário no presente regulamento”,
remetendo para o art. 7º/3 2º parágrafo Roma I à reenvio implícito
• Esta exclusão do reenvio pelo DUE tem uma honrosa exceção, dado que no art. 34º Roma V se
admite o reenvio:
o Reenvio sob a forma de retorno (art. 34º/1 alínea a) Roma V)

o Reenvio sob a forma de transmissão de competências (art. 34º alínea b) Roma V)

72

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
§ Aplica-se a lei da Argentina, para salvaguardar a harmonia decisória internacional

NOTA: um cidadão brasileiro vive em Portugal e pretende aqui contrair casamento


à Art. 49º CC: capacidade matrimonial e regulada pela lei pessoal
à Art. 31º/1 CC: lei pessoal é a lei da nacionalidade à competência da lei brasileira
à Lei brasileira: faz uma referência material ao direito interno do país do domicílio
• Art. 81º/1 CC: aplica-se a lei portuguesa para aferir a capacidade matrimonial do cidadão brasileiro

F. Reconhecimento dos direitos adquiridos


à Neste caso, o que está em causa é um conflito positivo de sistemas conflituais, na medida em
que, de acordo com as suas próprias regras de conflitos, ambas as leis se consideram competentes
à Exemplo:
• Sr. Manuel e a Sra. Maria, ambos portugueses, emigram para o Brasil e casam-se no Brasil
• De acordo com o art. 49º CC e o art. 31º/1 CC, a lei portuguesa considera-se competente para
aferir a capacidade matrimonial de ambos os nubentes porque é a sua lei pessoal (lei da
nacionalidade)
• De acordo com as regras de conflitos da lei brasileira, a lei brasileira é competente porque é a lei
do país onde foi celebrado o matrimónio
à Quanto ao conflito positivo de sistemas, importa desde logo distinguir dois tipos de situações:
• Situações a constituir
o Se vão casar em Portugal, aplica-se a lei portuguesa
o Se vão casar no Brasil, aplica-se a lei brasileira
• Situações a reconhecer
o Aqui colocava-se um grande problema porque a Teoria Clássica de Savigny
considerava que apenas se reconheciam a situações já constituídas se tivessem sido
constituídas de acordo com a lei que a regra de conflitos designasse como competente
§ Assim, Manuel e Maria só seriam considerados casados em Portugal se o
tivessem feito em conformidade com a lei portuguesa
à O legislador português percebeu, muito precocemente, que o não reconhecimento, no domínio
pessoal, de situações constituídas regularmente pela lei do domicílio habitual seria insustentável, porque:
• Éramos um país de grande emigração
• Nos Estados Unidos, a lei competente era a lei da residência habitual
à Assim, consagrou-se o art. 31º/2 CC que reconhece as situações constituídas no país da
residência habitual, em conformidade com a lei desse país, desde que esta se considere competente
• Exemplo: Manuel e Maria casaram no Brasil (residência habitual), de acordo com a lei brasileira,
considerando-se a lei brasileira competente
à Este reconhecimento de direitos adquiridos visa:
• A salvaguarda das legítimas expetativas dos particulares

73

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)


lOMoARcPSD|6157625

Sofia Marques de Aguiar Carvalho


2017/18
• Evitar situações claudicantes à ex: sou casado num Estado onde casei e não sou considerado
casado noutro Estado
o Tal permitiu assegurar a continuidade e estabilidade das situações jurídicas no
domínio pessoal, que é o domínio onde tal mais se impõe (nome, filiação, casamento)

1. O reconhecimento de direitos adquiridos no DUE


à Em 2009, O DUE consagrou no Ac. Grundig-Paul, através do TJUE, um princípio de
reconhecimento das situações constituídas no domínio pessoal
• Neste acórdão, e por força da aplicação das normas relativas às liberdades fundamentais de
circulação e à cidadania, o TJUE forçou a Alemanha a reconhecer o nome atribuído aos cidadãos
europeus de acordo com a lei da residência habitual (lei dinamarquesa), em vez de com a lei da
nacionalidade (lei alemã)
à O art. 31º/2 CC teve o mérito de cerca de 40 anos antes ter antecipado o princípio do
reconhecimento de situações constituídas no domínio pessoal, que o TJUE vei a consagrar por aplicação
das regras relativas às liberdades e à cidadania

74

Descarregado por Pedro Rolino (pipasrolino@hotmail.com)

Você também pode gostar