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A. Introdução
1. Situações privadas transnacionais como objeto de análise
à As relações privadas internacionais são objeto de análise e estudo essencialmente por duas
razões:
• Porque não há uma só ordem jurídica universal, mas antes vários ordenamentos jurídicos
que regulam de forma diferente as relações jurídico-privadas
• Porque ocorrem relações entre as pessoas que apresentam um caráter plurilocalizado, ou
seja, contacto com vários ordenamentos jurídicos
• Ex: um italiano quer casar em Portugal com uma cidadã portuguesa
o Art. 49º CC: capacidade matrimonial de cada nubente afere-se pela lei pessoal
o Art. 31º/1 CC: lei pessoal é a lei da nacionalidade
à Temos então, antes de mais, que definir o que são relações privadas e o que são relações privadas
internacionais
• Relações privadas: as relações são consideradas privadas de acordo com o critério dos
sujeitos e serão, portanto, relações privadas aquelas em que nenhum dos sujeitos envolvidos
atue no exercício da autoridade pública
o Ex: entre dois particulares; entre o Estado ou pessoa coletiva pública e um particular, mas
em que o Estado não atua revestido do seu poder de imperium (ex: compra de
equipamento de escritório)
• Relações privadas internacionais: as situações jurídicas classificam-se quanto à sua
localização no espaço, em 3 tipos de acordo com Jitta:
o Situações puramente internas: situações que apresentam contacto com a ordem
jurídica do foro
§ Ex: contrato celebrado entre portugueses para ser executado em Portugal
o Situações relativamente internacionais: situações puramente internas em relação a
uma ordem jurídica que não a do foro, ou seja, que não a portuguesa
§ Ex: contrato celebrado entre dois chineses, para ser executado na China
o Situações absolutamente internacionais: situações que apresentam contactos com
vários ordenamentos jurídicos e que são, portanto, internacionais ou transnacionais
§ (O professor prefere a expressão transnacionais porque evita confusões com
o termo internacionais, que significa entre nações ou entre Estados)
3.4. A nacionalidade
à Outro problema que surge no quadro das RPI é o da nacionalidade, posto que este tipo de relações
implicam a determinação prévia da nacionalidade dos sujeitos envolvidos
• Dado que em Portugal e noutros Estados da UE é a nacionalidade dos indivíduos que
determina a lei reguladora das matérias relativas ao seu estatuto pessoal (capacidade de
exercício de direitos, capacidade matrimonial – arts. 25º CC e 31º/1 CC, etc.)
à Ora, a nacionalidade de um individuo é definida exclusivamente por cada Estado, sendo uma
prerrogativa da soberania estadual, sendo que em Portugal vigora a lei 37/81, alterada pela Lei orgânica
2/2006 e 9/2015
à Quanto à resolução de conflitos positivos de nacionalidades, ou seja, quando os sujeitos possuem
dupla nacionalidade, teremos que:
• Art. 27º LN: se uma das nacionalidades for portuguesa, só esta releva face à lei portuguesa
(independentemente de ser a sua nacionalidade efetiva ou não)
• Art. 28º LN: se o conflito for entre duas ou mais nacionalidades estrangeiras, releva aquela
onde o plurinacional tem a sua residência habitual ou, na falta desta, a do Estado com o qual
mantenha uma relação mais estreita
o Note-se, no entanto, que consagrando o DUE o critério da residência habitual como
critério na determinação da lei aplicável, tem havido consequentemente uma regressão
do critério da nacionalidade
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à Por outro lado, para compreender a abordagem conflitual clássica, importa compreender quais os
seus princípios orientadores:
• Princípio da harmonia jurídica internacional
o Um dos princípios orientadores do Direito de conflitos de leis será a de que se o
primordial é acautelar os interesses das partes e aplicar a lei mais próxima à situação
a regular, então qualquer que seja o tribunal chamado a decidir o litigio, a lei aplicável
será sempre a mesma
o Ou seja, a meta ou objetivo é que haja uma uniformidade de decisões dos tribunais
relativamente à lei aplicável, independentemente do Estado onde o problema se
coloque
o Este princípio de harmonia decisória internacional exprime um princípio mais geral de
segurança jurídica, de previsibilidade “ex ante” de qual a lei aplicável
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6.3. Integração das críticas no sistema conflitual – pluralismo metodológico nos direitos de conflitos
modernos
à A integração das críticas no sistema conflitual prendeu-se sobre tudo com:
• O apuramento da justiça conflitual
• A influência das preocupações de realização da justiça material na escolha da lei
• A influência da análise do interesse governamental nos sistemas modernos de Direito de
conflitos de leis
• A orientação metodológica substantivista – o DIP Material
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D. Existem Reflexos da Teoria do DIP material no Sistema Conflitual Português, na medida em que o nosso
sistema tem normas materiais destinadas a regular diretamente situações internacionais
à O art. 51/2º e 3º CC não visa decidir qualquer conflito de leis, estabelecendo critérios para
determinação da lei competente, mas apenas estabelecer um requisito material de organização do processo
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1. O Elemento de Conexão
à É o elemento de conexão que determina/ reconhece uma lei como competente para regular a
situação internacional em causa. É este elemento que destaca um dos elementos de facto que aligam a
situação plurilocalizada para reconhecer determinado ordenamento jurídico, como competente;
• Exemplos:
o Art. 46º CC: Local da situação das coisas;
o Art. 43º CC: Local onde decorre a principal atividade;
o Art. 28/1º, 31/1º CC: Nacionalidade;
à Note-se, no entanto, que o elemento de conexão reconhece competência a uma determinada
ordem jurídica, mas apenas para regular uma determinada problemática jurídica, indicada na regra de
conflitos pelo conceito quadro;
• Exemplos:
o Art. 46º CC: Regime da posse, propriedade e direitos reais;
o Art. 43º CC: Gestão de negócios;
à Assim, teremos que:
• Elementos de conexão à Reconhece qual a lei competente;
• Conceito-quadro à Circunscreve o âmbito de competência da lei designada como
competente (para o que é que essa lei é competente);
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2. O Conceito Quadro
à Trata-se de um conceito jurídico que individualiza uma determinada problemática jurídica para dar
resposta à qual é competente o ordenamento jurídico indicado pelo elemento de conexão;
• Ex. art. 49º CC: Posse, propriedade e demais direitos reais; art. 30º CC: tutela e institutos
análogos de proteção do incapaz;
à A função do conceito quadro, da regra de conflitos, é assim delimitar o âmbito de aplicação da
ordem jurídica reconhecida como competente pelo elemento de conexão;
à Desta forma, o objeto do conceito quadro será uma problemática jurídica (ex. tutela e institutos
análogos de proteção do incapaz) e, portanto, uma questão de direito;
• Não obstante, o Savigny considerava que o objeto do conceito quadro seria, não uma
questão jurídica, mas sim uma relação jurídica, e outros autores consideram que será uma
situação da vida ou de facto;
• Ora, uma situação de facto pode desencadear muitas questões jurídicas e muitas relações
jurídicas diferentes;
o Ex. Acidente de automóvel:
§ Problemática sucessória;
§ Problemática de responsabilidade civil extracontratual;
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B. O Problema de Qualificação
à Já vimos que o elemento de conexão reconhece a competência de um ordenamento jurídico,
sendo que a interpretação do elemento de conexão (ex. nacionalidade) não levanta problemas posto que
não é uma operação particularmente complexa;
à Por outro lado, vimos que o conceito quadro tem por função delimitar ou circunscrever a
competência do ordenamento jurídico reconhecido como competente pelo elemento de conexão. Ora, como
o conceito quadro se refere a conceitos jurídicos, tal coloca problemas, quer de interpretação, quer de
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à A e B celebram um contrato em PT, em 1985, que foi expressamente sujeito pelas partes à lei
portuguesa, e pelo qual, B fica devedor de uma quantia a A.
à A e B são nacionais do Estado X e, em 1986, contraem casamento no Estado X, onde sempre
residiram, tendo sido o divórcio decretado em 2006 nesse mesmo Estado X.
à Em 2005 B vem residir para Portugal.
à A intenta em PT uma ação contra B em 2016 por forma a obter o cumprimento da obrigação de
pagamento da dívida. B alega que a dívida se encontra prescrita e A invoca a aplicação do art. 318º a) CC.
à Em Portugal e no Estado X, temos um prazo de prescrição geral de 20 anos, mas o prazo não
se conta da mesma maneira, porque em Portugal existe a causa de suspensão do prazo do art. 318º a)
CC, e no Estado X não existe essa causa de suspensão da prescrição;
1º passo:
à EC
• Lei portuguesa
o Autonomia da vontade
§ Art. 41º CC: lei designada pelos sujeitos;
§ Art. 40º CC: inclui a prescrição;
§ Convenção de Roma: 3º e 10º d);
§ [Reg. Roma I: 3º e 12º d)]
• Lei do Estado X
o Nacionalidade comum
§ Art. 52/1º CC;
§ Exclui-se do Reg. Roma I as obrigações entre cônjuges (1º e 2º b));
à CQ
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(2) Método de adaptação à das regras de conflitos + das normas materiais aplicáveis
à Uma primeira forma de resolução destes problemas será adaptar a regra de conflitos (alterá-la)
para que conduza à aplicação da lei considerada mais próxima da situação a regular; ou então criação de
uma nova regra de conflitos (ad hoc) especializada para lidar com a situação em apreço;
à Uma segunda forma será a da adaptação das normas materiais aplicáveis:
• Adaptando uma ou ambas as normas, de modo a compatibilizar a sua aplicação;
o Ex. Excluir o efeito real do contrato de compra e venda (art. 879º a) CC);
• Criação de uma norma material ad hoc a partir das 2 soluções, como uma espécie de
solução equitativa;
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(A) O TJUE ao interpretar os CQ dos Regulamentos Roma I e Roma II, através de reenvios prejudicias,
já afirmou a interpretação autónoma dos mesmos salientando que:
• A interpretação dos CQ é autónoma em relação às interpretações dos EM’s
• A interpretação do CQ é uma interpretação funcional, ou seja, uma interpretação em
função da finalidade que preside aos Regulamentos e em função da finalidade daquele
preceito do regulamento
(B) Outras vezes, o TJUE interpreta os CQ das regras de conflitos dos instrumentos legislativos de direito
internacional privado europeu não por referencia à finalidade dos regulamentos e dos seus preceitos-
finalidade de delimitar a competência de um ordenamento jurídico – mas por referencia ao direito
privado material da UE.
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à Por um lado, o DUE expande o conteúdo da OPI dos EM’s na medida em que passam a integrar
na mesma os princípios e normas fundamentais do direito da EU indispensáveis ao funcionamento do
mercado interno
à No Ac. TJUE Eco Swiss refere-se que os preceitos da Constituição Económica Europeia,
nomeadamente os preceitos relativos ao DUE da Concorrência, são parte integrante da OPI Europeia e,
portanto, da OPI de cada EM. Assim, mesmo que um EM considerasse que os preceitos relativos ao direito
da concorrência não faziam parte da sua OPI, agora já não o pode considerar.
à Certo é que, por força de vários acórdãos do TJUE, se põe em causa a característica da nacionalidade
da OPI na medida em que o que passamos a ter é uma OPI Europeia que pelos princípios do Efeito Direto
e do Primado é parte integrante da OPI de cada EM alargando/expandindo a mesma.
6.2. O DUE também intervém através da Imposição de Limitações à Invocação e Intervenção da Exceção
de OPI pelos EM’s
à A invocação da exceção de OPI por um EM tem em vista recusar a aplicação, nesse EM, de
preceitos de um direito estrangeiro ou recusar o reconhecimento de uma situação constituída noutro EM
à Ora, tal invocação não é isenta de controlo pelo DUE na medida em que as razões invocadas para
a exceção de OPI ficam desde logo sujeitas ao controlo da sua compatibilidade com as liberdades de
circulação consagradas nos Tratados da EU.
à Por outro lado, a própria aplicação da exceção de OPI terá também que ser compatibilizada com
os custos que tal envolve para as liberdades de circulação nomeadamente através da analise do seu caráter
proporcional.
6.3. O DUE intervém também nele domínio através do Processo de Europeização da reserva de OPI
prevista em textos de Direito Derivado da UE
à Vários são os instrumentos de direito derivado da EU que reconhecem aos EM’s a possibilidade
de invocarem a sua OPI de modo a recusarem a aplicação de preceitos estrangeiros incompatíveis com a
mesma – arts. 21º e 26º ROMA I e II – ou a recusarem o reconhecimento e execução de decisões proferidas
pelos tribunais de outros EM – art. 45º/1 a) Bruxelas I bis.
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6.4. Intervém ainda o DUE através de uma Tendência para a “privatização” da exceção de OPI nos
instrumentos recentes de DIP da EU
à Note-se que a exceção de OPI tem sido tradicionalmente considerada como uma válvula de
segurança destinada a proteger os ordenamentos jurídicos dos EM’s contra uma decisão judicial estrangeira
que ofenda os seus princípios ético-jurídicos fundamentais; pelo que seria irrelevante o facto dos particulares
envolvidos nessa relação considerarem ou não que existia uma violação da OPI
à Não obstante, o Regulamento Bruxelas I (44/2001) e o Regulamento Bruxelas I bis
(1215/2012) alteraram significativamente a conceção da OPI constante da Convenção de Bruxelas.
à Assim, e pese embora a exceção de OPI se mantenha como fundamento para a recusa quer do
reconhecimento de uma decisão estrangeira de outro EM (art. 45º/1 a) Regulamento de Bruxelas I bis)
quer para a recusa da exceção dessa decisão (art. 46º); a verdade é que tal exceção de OPI tem que ser
invocada pelo particular contra quem é pedida a execução da decisão
à Do mesmo modo, nos termos do Regulamento 805/2004 quanto ao pagamento de quantia certa,
se determina que se o devedor não contestar a divida e for condenado a pagar; esta sentença vale como
titulo executivo não podendo a sua execução ser contestada pelo devedor com base na exceção da OPI
Em conclusão:
à A exceção de OPI deve ser considerada como uma clausula de interpretação restritiva
à Saber ou não o que cabe na exceção de OPI continua a ser da competência dos EM’s mas o
TJUE tem competência para definir o conceito de OPI e consequentemente os limites dentro dos quais um
tribunal de um EM pode recorrer à invocação do conceito de OPI
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D. Fraude à Lei
à Uma segunda causa de afastamento do Direito designado competente pelas regras de conflitos
de leis do foro é a Exceção da Fraude à lei
à Importa, no entanto, que a Fraude à lei é diferente da Ordem Pública Internacional essencialmente
por duas razões:
• A 1ª razão é que enquanto a OPI apenas afasta a aplicação de uma lei estrangeira designada
como competente, a exceção da Fraude à lei permite afastar a aplicação da lei competente
qualquer que ela seja, incluindo a lei portuguesa.
• A 2ª razão é que enquanto a Exceção de OPI visa proteger os valores materiais da ordem
jurídica do foro (os princípios ético-jurídicos fundamentais do foro) a Exceção da Fraude à lei
visa salvaguardar a autoridade das regras de conflitos de leis do foro
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E. O Reenvio
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o Transmissão de competências
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