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R E V I S T A

SAPIENTIA N º
46 ANO 11 – DEZEMBRO/2023

EMBAIXADORA
EUGÊNIA BARTHELMESS
A crise da ordem liberal e a Entre Desafios e Mediação: Direito Internacional Humanitário
emergência do Sul Global A Postura do Brasil na e Direito de Guerra
Guerra Israel-Hamas

(Marcos Cordeiro Pires) (Karina Stange Calandrin) (Mayara Teixeira Ribeiro Magalhães)

C U R S O S A P I E N T I A . C O M . B R
EXPEDIENTE

Direção Geral
Priscila Zillo Sobral

Coordenadora e Editora-Chefe
Fernanda Magnotta

Revisão
Tg3 Design e Conteúdo

Agradecimentos
Eugênia Barthelmess
Ivo Lopes Yonamine
Karina Stange Calandrin
Marcos Cordeiro Pires
Mayara Teixeira Ribeiro Magalhães
Paulo Matiazi
Rodrigo Teixeira
Yasmin Abril Monteiro Reis

Endereço
Av. Queiroz Filho, 1560 - Vila Hamburguesa,
São Paulo - SP - Brasil - CEP: 05319-000

ISSN da publicação digital: 2446-8827

R E V I S T A S A P I E N T I A . C O M . B R
EDITORIAL

Seja muito bem-vindo à 46ª edição da Revista Sapientia.

Nesta edição, iniciamos nossa revista com uma entrevista com a embaixadora
Eugênia Barthelmess, que compartilhou conosco um pouco de sua trajetória
profissional e falou sobre a relação Brasil x Ásia.

Sobre Diplomacia, falamos sobre a crise da ordem liberal e a emergência do


Sul Global.

Já em Espaço Aberto, o tema abordado foi a disputa estratégica entre EUA e China
e como o Brasil está posicionado no tabuleiro geopolítico do século XXI.

Depois, em Perspectivas da Política Externa, a doutora e mestre em Relações


Internacionais, Karina Stange Calandrin, falou sobre a postura do Brasil na Guerra
Israel-Hamas.

Em seguida, em Professor Sapientia Comenta, a professora de Direito do Sapientia,


Mayara Ribeiro, falou sobre Direito Internacional Humanitário e Direito de Guerra.

Por fim, não se esqueça de conferir as Iniciativas Sapientia, com tudo que aconteceu
por aqui nos últimos meses, e as indicações especiais dos nossos professores em
Sapientia Indica.

Boa leitura!

Equipe Sapientia
Sapientia Aedificat
ADVERTÊNCIA

A Revista Sapientia é uma publicação do Curso Sapientia, preparatório para


o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata. Seu conteúdo tem cunho
estritamente acadêmico sem nenhuma relação oficial com o Ministério das
Relações Exteriores ou quaisquer outros órgãos do governo. Tampouco as
opiniões dos entrevistados e autores dos artigos publicados expressam ou
espelham as opiniões da instituição Sapientia. Esta revista é imparcial política
e ideologicamente e procurará sempre democratizar as discussões, ouvindo
diferentes opiniões sobre um mesmo tema. Nosso maior objetivo é fomentar o
debate, salutar à democracia e à construção do conhecimento e da sabedoria
dos candidatos à Carreira de Diplomata. A marca Sapientia é patenteada. É
permitida a reprodução das matérias e dos artigos, desde que previamente
autorizada por escrito pela Direção da Revista Sapientia, com crédito da fonte.
SUMÁRIO

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ENTREVISTA DE CAPA

Embaixadora
Eugênia Barthelmess

23
SOBRE DIPLOMACIA

A crise da ordem liberal e


a emergência do Sul Global
Marcos Cordeiro Pires

29
ESPAÇO ABERTO

Disputa estratégica entre EUA e China:


como o Brasil está posicionado no
tabuleiro geopolítico do século XXI?
Yasmin Abril Monteiro Reis
35
PERSPECTIVAS DA
POLÍTICA EXTERNA

Entre Desafios e Mediação: A Postura


do Brasil na Guerra Israel-Hamas
Karina Stange Calandrin

41
PROFESSOR
SAPIENTIA COMENTA

Direito Internacional Humanitário


e Direito de Guerra
Mayara Teixeira
Ribeiro Magalhães

46
INICIATIVAS SAPIENTIA

Saiba mais sobre o Curso Regular


Extensivo 2.0, o Programa Primeiros
Passos e as Trilhas de Francês e
Espanhol do Zero para o CACD
nesta edição da Revista Sapientia.
52
SAPIENTIA INDICA

Os professores do Curso Sapientia,


Ivo Lopes Yonamine e Rodrigo Teixeira,
fazem indicações de conteúdos para
complementar os estudos para o CACD.

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CHARGE

Metas de 2024
Paulo Matiazi
ENTREVISTA

Eugênia
embaixadora

Barthelmess
Nessa edição de nossa Revista temos o prazer de receber, para uma conversa
exclusiva, a embaixadora Eugênia Barthelmess. A embaixadora é uma diplomata
de carreira no serviço exterior brasileiro, tendo ingressado no mesmo no início de
1989. Ela é a embaixadora do Brasil em Cingapura desde fevereiro de 2020. Antes
de sua chegada em Cingapura, ela ocupava o cargo de diretora para a América do
Sul no Ministério das Relações Exteriores do Brasil desde 2013.

Anteriormente, a embaixadora Barthelmess foi designada, em diferentes


capacidades, para as embaixadas do Brasil na Bolívia, Reino Unido e Equador,
além de ter servido nas Missões Permanentes do Brasil na OEA em Washington e
na União Europeia em Bruxelas. Ela foi agraciada com a Grã-Cruz da Ordem de Rio
Branco do Brasil (2018); a Ordem do Mérito Aeronáutico da Força Aérea Brasileira
(2017); a Medalha do Mérito Tamandaré da Marinha do Brasil (2016); e a Ordem
do Mérito Naval da Marinha do Brasil (2023). Também é Grande Oficial da Ordem
Nacional do Mérito da República do Paraguai (2018).
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A embaixadora nasceu em 1959, possuindo diplomas de bacharel e mestrado


em literatura.

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ENTREVISTA

Embaixadora Eugênia Barthelmess com colegas embaixadores do GRULAC e da ASEAN em Singapura

Acervo pessoal

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Embaixadora Eugênia Barthelmess falando pela presidência brasileira do G20,


com os embaixadores da Índia e da Indonésia em Singapura

Acervo pessoal
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ENTREVISTA

Revista Sapientia - Embaixadora,


poderia nos contar um pouco sobre sua
trajetória pessoal e como ela a levou
a ingressar na carreira diplomática?

Embaixadora Barthelmess - Prestei o


concurso de entrada na carreira em 1988
e fui admitida na primeira tentativa. Em
Curitiba, de onde sou, não havia cursos
preparatórios, e nem eu tinha qualquer
notícia da existência deles. Acredito
que meu desconhecimento da mística
que sempre cercou o concurso terá me
ajudado a não encarar as provas com
excessivo assombro.

No período em que tenho estado a serviço


do Itamaraty, tenho visto transformações
importantes na estrutura do Ministério no
que se refere à organização do tratamento
dos temas internacionais. Os assuntos de
que eu cuidava na Divisão das Nações
Unidas, minha primeira lotação em Brasília
– desarmamento, direitos humanos,
ilícitos transfronteiriços – vieram a gerar
novas divisões e mesmo departamentos
inteiros, à medida que o nosso arcabouço
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interno procurou adaptar-se a uma


realidade cada vez mais complexa.

Hoje, como então, o Ministério conta com


um quadro reduzido de funcionários

Fonte: MOLPIX / Shutterstock.com

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ENTREVISTA

diplomáticos. Éramos mil diplomatas então, hoje somos


cerca de mil e quinhentos. Este é o número total, que
abarca o conjunto dos diplomatas brasileiros, somados os
que se encontram no Ministério, em Brasília, e os que estão
servindo nos mais de 200 postos no exterior. O orçamento do
Ministério das Relações Exteriores corresponde a menos da
quarta parte de um por cento (meros 0,21%) do orçamento
dos três Poderes. O serviço exterior brasileiro, respeitado
internacionalmente apesar dessas limitações materiais, é um
dos mais eficientes do mundo em termos de custo-benefício.

Revista Sapientia - Quais postos mais marcaram a sua carreira


até o momento e por quê?

Embaixadora Barthelmess - Não há postos mais – ou menos –


importantes. Do ponto de vista pessoal, todos deixam sua marca
nos diplomatas e suas famílias; deixam amizades e lembranças
que são, em última análise, o conjunto da nossa própria vida.
Da perspectiva profissional, cada posto, cada país traz o seu
próprio desafio e a sua própria recompensa em termos de
aprendizado e de enriquecimento da experiência de trabalho.

Revista Sapientia - Com tem sido o período em Singapura?


Quais são as prioridades do Brasil em relação a esse país,
em particular?

Embaixadora Barthelmess - Ao assumir a chefia da embaixada,


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em fevereiro de 2020, eu não conhecia Singapura e não tinha


experiência anterior de trabalho com outros países da região.
Por mais ampla que seja a preparação para a condução de
um posto, a dinâmica do cotidiano é uma grande revelação.
Singapura é uma plataforma não apenas regional, mas global,

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ENTREVISTA

de comércio, transportes, finanças, serviços, maiores, como Egito, Coreia do Sul, Reino
ciência, tecnologia e inovação. Unido ou Rússia.

É um país pioneiro na condução mundial de Quando cheguei ao posto, estava paralisado


temas de vanguarda – economia verde, o exame, pelas autoridades sanitárias de
digitalização, manufaturas avançadas, Singapura, de qualquer novo pedido de
proteínas alternativas, mercado de carbono, habilitação de frigorífico brasileiro para
arbitragem comercial e regulamentação exportação ao mercado local. Já em abril de
do comércio digital. Trata-se de uma 2020 conseguimos destravar essa paralisia,
economia com enorme capacidade de que datava de 2017. Hoje, temos mais de 200
investimento; basta dizer que Singapura é frigoríficos brasileiros habilitados, com mais
o principal investidor estrangeiro na China. de 340 autorizações para produtos específicos.

Para o Brasil, Singapura é importantíssimo Entre a data da minha chegada e hoje,


parceiro comercial e investidor cada vez a embaixada obteve 29 conquistas em
mais relevante. Este pequeno país é o sétimo negociações com o governo de Singapura
destino global das exportações brasileiras e o na área de promoção comercial, entre as
nosso segundo destino na Ásia, depois apenas quais nada menos do que 11 aberturas de
da China. Em 2022, o Brasil exportou para mercado para produtos brasileiros. Com o
Singapura mais de 8,3 bilhões de dólares, com apoio inestimável da Adidância Agrícola,
superávit na balança comercial em favor do lado encontram-se em curso sete outras negociações
brasileiro da ordem de 7,3 bilhões de dólares. para a abertura do afluente mercado local
Esses resultados vão se repetir ao final de 2023. para o produto brasileiro do agronegócio e
para a conclusão de novos acordos bilaterais.

Singapura depende do Brasil para a


diversificação da sua segurança alimentar. O As principais empresas brasileiras – Petrobras,
país compra do Brasil 77% da carne de aves Vale, Embraer, Braskem, BRF, Seara, Raizen,
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congeladas, 57% da carne bovina congelada e CBMM, Weg – mantêm sedes em Singapura.
50,8% da carne suína congelada que consome. Grandes empresas de Singapura – Olam,
Em 2022, o Brasil exportou 600 milhões de Wilmar, Bracell, Shopee, Sembcorp, Keppel,
dólares em carnes para Singapura, o que é bem ST Engineering – atuam no Brasil. Os dois
mais do que para tradicionais compradores grandes fundos soberanos de Singapura, GIC
de carne brasileira com populações muito e Temasek, ambos com imensa capacidade de

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ENTREVISTA

Falando em sessão privativa do Milken Institute, em setembro, em Singapura

Acervo Pessoal

investimento, têm escritórios no Brasil. Se há Eu noto que há um interesse cada vez maior
um centro mundial de inovação e tecnologia no Brasil por Singapura, tanto de parte do
onde vale a pena promover a presença setor público quanto da iniciativa privada.
brasileira, esse centro é Singapura. Pude criar Apenas ao longo deste ano de 2023, a
na embaixada um setor de ciência e tecnologia Embaixada organizou ou apoiou 25 missões
que tem sido muito bem sucedido. Em 2022 brasileiras a Singapura, de delegações
trouxemos três startups brasileiras, e em 2023, parlamentares, de governos estaduais ou
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doze startups, selecionadas no Brasil por municipais, de federações de indústria, de


diferentes órgãos do governo, para participar empresas brasileiras que vêm participar das
da SWITCH, a principal feira de inovação do grandes feiras globais que acontecem aqui.
Sudeste da Ásia. Pela segunda vez, o Brasil Juntamente com o notável crescimento do
teve o privilégio de ser Global Partner da comércio bilateral nos últimos quatro anos,
SWITCH, onde se concretizam importantes tem havido um aprofundamento recente do
contatos e oportunidades de negócios. relacionamento político entre Singapura e

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ENTREVISTA

o Brasil. O chanceler Vivian Balakrishnan Livre Comércio Mercosul-Singapura, primeiro

esteve em Brasília em abril de 2023, no que desse gênero entre o Mercosul e um país

foi a primeira visita desse nível desde 2013. asiático, são cada vez mais promissoras

Balakrishnan manteve encontros dinâmicos as perspectivas de contínuo

e produtivos, que eu pude testemunhar, com adensamento da relação política e

o presidente Lula, o vice-presidente Alckmin, econômica bilateral.

a ministra Marina Silva, e conduziu com o


ministro Mauro Vieira a primeira reunião de Revista Sapientia - E em relação à Ásia,
consultas políticas entre os dois países. Brasil e em geral? O que o Brasil busca nessa parte
Singapura têm interesses comuns importantes do mundo e quem são os aliados
nas áreas de segurança alimentar, manutenção mais importantes?
de cadeias de suprimento, livre comércio e
sustentabilidade. No momento em que está por Embaixadora Barthelmess - O eixo
ser assinado, no Rio de Janeiro, o Acordo de econômico-comercial do mundo deslocou-se
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Com a ministra de Sustentabilidade e Meio Ambiente de Singapura, Grace Fu

Acervo Pessoal

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ENTREVISTA

para a Ásia. Regressou à Ásia, melhor de 660 milhões de pessoas (três vezes a

dizendo, após um período de cerca de 200 população brasileira). E um mercado

anos em que esteve excepcionalmente consumidor cada vez mais afluente, com PIB

ancorado no Atlântico Norte, na região que que equivale a três vezes o PIB do Brasil.

se convencionou chamar de “Ocidente”. Tomada em conjunto, a Asean seria hoje

É impossível superestimar a importância a quinta economia global. A Asean é o

econômica e comercial da China, segunda primeiro parceiro comercial da China

economia do mundo, principal parceiro e o terceiro parceiro comercial do

comercial do Brasil desde 2009 e principal Brasil, caminhando para ser o segundo.

parceiro comercial de mais de 120 países. Ou


da Índia, hoje a quinta economia global. A Nesse ambiente dinâmico, que é uma usina
extraordinária recuperação econômica da geradora de riqueza e comércio, há enorme
China, em um período de cerca de apenas espaço de ampliação para a entrada de
50 anos, contribuiu, como é natural, para produtos brasileiros, tanto manufaturados
a promoção do crescimento, no mesmo quanto do agronegócio. O Brasil obteve, em
período, de outras economias asiáticas, 2022, a condição de Parceiro de Diálogo
em particular das economias da Asean. Setorial da Asean, que dividimos com outros
sete países e que confere um desejável grau

A Asean, Associação das Nações do Sudeste de institucionalização política aos contatos

Asiático, é desde 1992 uma área de livre com essa região tão afluente. O apoio de

comércio que reúne Singapura e outros Singapura, que é o país com maior PIB

nove parceiros (Brunei, Camboja, Filipinas, nominal per capita do bloco, foi fundamental

Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e para a obtenção desse nível de formalização

Vietnã). Algumas dessas economias (Indonésia, do diálogo entre o Brasil e a Asean.

Malásia, Tailândia, Filipinas, Vietnã) têm


peso populacional e econômico considerável. Revista Sapientia - Quais são os principais
Outras, como Laos ou Camboja, vêm desafios que o Brasil enfrenta atualmente
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apresentando sinais notáveis de dinamismo no contexto asiático? Como a senhora


crescente. Juntos, esses dez países são lida com isso enquanto embaixadora?
a região que mais cresce no mundo. O
PIB da Asean duplicou no decorrer dos Embaixadora Barthelmess - O mundo mudou.
últimos dez anos e voltará a duplicar ao O centro econômico, e mesmo político, das
longo da próxima década. Para o Brasil, a considerações já não está exclusivamente
Asean representa um mercado de consumo no chamado “Ocidente”. Estão tendo lugar

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ENTREVISTA

transformações tectônicas do jogo de vez na história as economias da China e do


forças internacional que é preciso saber Japão, somadas às da Coreia do Sul, dos dez
acompanhar. Aqueles países que souberem países da Asean, da Austrália e da Nova
“read the room”, como se diz, poderão Zelândia não existisse. Trata-se do maior
beneficiar-se neste momento de oportunidades acordo de livre comércio da Ásia – e do mundo.
que talvez não voltem a se apresentar. Os raros comentários americanos e europeus
Assim como, para acompanhar as sobre a RCEP limitam-se a apontar o caráter
complexidades de uma realidade modesto das reduções tarifárias acordadas
internacional nova, soubemos promover as (o que é fato, uma vez que em matéria
transformações necessárias na estrutura tarifária o novo acordo consolida vantagens
interna do Itamaraty, também deveremos recíprocas previamente concedidas entre as
saber revisitar a política de distribuição da partes). Os aspectos inovadores dessa grande
força de trabalho dos diplomatas no exterior. parceria regional em termos de regras de
Somadas as vagas para diplomatas em todas origem cumulativas, concorrência, comércio
as embaixadas do Brasil nos países da Asean, eletrônico, compras governamentais ou
há 36 apenas. Somente na cidade de Genebra, facilitação alfandegária não são discutidos,
há hoje 43 vagas para diplomatas brasileiros, e muito menos as repercussões expressivas
distribuídas entre quatro postos. Na cidade de que essas inovações trarão sobre as relações
Paris, há 37 vagas, distribuídas entre quatro de comércio entre os seus integrantes e
postos. Ao contrário das vagas na Europa, nem terceiros países.
todas as vagas na Asean estão preenchidas.

Que um arranjo comercial asiático, maior


O desafio de dotar os postos do Brasil, na Ásia do que o da União Europeia, esteja em vigor
em geral e no Sudeste da Ásia em particular, da há dois anos, desde janeiro de 2022, e que
capacidade de atuação diplomática condizente isso tenda a ser ignorado, ou minimizado,
com a importância central da região, depende reflete a incapacidade das fontes tradicionais
de esforço de adaptação a informações novas de informação de digerir determinadas
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– e nem tão novas. Impressiona-me sempre, realidades. É preciso que essa limitação não
por exemplo, o enorme silêncio que cerca contamine a nossa própria capacidade de
hoje, nas publicações ocidentais, a entrada formulação de políticas. Não será a eterna
em vigor da Parceria Econômica Regional leitura de publicações como o “Economist”,
Abrangente (RCEP). É como se esse acordo, o “Foreign Affairs” ou o “Wall Street Journal”,
que abarca 30% do PIB mundial e 30% da que há 50 anos vêm alertando seus assinantes
população mundial, e que reúne pela primeira sobre o iminente declínio econômico da

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ENTREVISTA

China, que nos proporcionará uma visão atual, baseado em radical multiplicação do
realista do atual cenário internacional. número de funcionários e hierarquia muito mais
Tampouco é escassa a literatura especializada fluida. A chancelaria indiana prefere, como
de qualidade que poderia nos ajudar a a nossa, restringir a quantidade de pessoal,
preencher o isolamento informacional que fazendo de cada diplomata um ator polivalente e
pareceria prevalecer. Entre nós, destacam-se extremamente atarefado. São opções possíveis.
os trabalhos da professora Fernanda Magnotta, Conheço, como tantos colegas meus, a
da FAAP; do professor Dawisson Belém experiência de negociar, em Bruxelas,
Lopes, da UFMG; do professor Guilherme com delegações da Comissão Europeia
Casarões, da FGV. Na Ásia, para mencionar amparadas por número importante de
apenas um autor de Singapura, a obra do advogados e assessores técnicos, enquanto
embaixador Kishore Mahbubani é de leitura do lado brasileiro somos um ou dois. Tive
obrigatória: “The Asian 21st Century”, que a oportunidade, em Brasília, em 2016, de
reúne ensaios recentes desse experimentado conduzir com o Representante Especial
diplomata, é de acesso gratuito on-line. para América Latina da chancelaria chinesa,
acompanhado de delegação numerosa,
Revista Sapientia - Considerando que a negociação extremamente formal e inflexível,
senhora já serviu em importantes postos que no entanto, com o passar das horas,
desses vários locais, como a senhora foi evoluindo para solução aceitável aos
compararia, do ponto de vista do exercício da dois lados.
função, o processo de negociações com os pares
nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia?
Uma coisa é certa: negociando com
contrapartes asiáticos, europeus ou
Embaixadora Barthelmess - A pergunta é
norte-americanos, os diplomatas brasileiros
interessantíssima. Cada serviço diplomático
tenderão na grande maioria dos casos a estar
tem um estilo, um modus faciendi próprio.
em minoria – mas será a equipe brasileira
No Itamaraty, seguimos uma escola mais
a que tenderá a extrair da negociação os
propriamente europeia de funcionamento da
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melhores resultados.
chancelaria, com grande profissionalização
e respeito à hierarquia. Há um artigo clássico
Revista Sapientia - Em relação à tese da
em que o embaixador George Kennan explica
senhora “Brasil e União Europeia: A Construção
como se deu, ao final da Segunda Guerra, a
de uma Parceria Estratégica”, como avalia
transição do Departamento de Estado entre o
a relevância dessa parceria no contexto
modelo anterior, europeu na forma, e o formato

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ENTREVISTA

atual das relações internacionais e como ela primeiro momento, o México chegou a ser
pode influenciar futuras colaborações entre cogitado como esse parceiro com capacidade
esses atores? para dialogar de igual para igual com a UE.
A decisão final recaiu no entanto sobre o

Embaixadora Barthelmess - A iniciativa de Brasil. Vários fatores motivaram essa escolha:

estabelecimento de uma parceria estratégica o peso da posição do Brasil nas negociações

formal entre o Brasil e a União Europeia não comerciais multilaterais; o projeto brasileiro

partiu do Brasil, mas do lado europeu. A então de integração da América do Sul; a liderança

Direção Geral de Relações Exteriores da brasileira no setor de energias alternativas; o

Comissão Europeia – que era como o embrião papel fundamental que o Brasil desempenha

do atual Serviço Europeu de Ação Exterior – como maior economia do Mercosul e da

propôs ao Conselho Europeu, em 2005, uma América Latina; a capacidade da diplomacia

reavaliação das relações da UE com a América brasileira de atuação global e de articulação

Latina, de forma a passar a privilegiar um diplomática em esferas tão distintas como o

único país-chave junto ao qual sustentar mais G4, o G8+5 ou o G-20; o fato de que o Brasil

efetivamente os interesses europeus. Em um já mantinha parcerias estratégicas bilaterais


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Fonte: Beto Gomez / Shutterstock.com

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ENTREVISTA

com seis dos Estados-membros (Alemanha, ou insights que obteve sobre a forma como
França, Reino Unido, Portugal, Espanha e a parceria estratégica entre Brasil e União
Itália); o interesse do Brasil por parcerias no Europeia tem se transformado ao longo
mundo em desenvolvimento (IBAS, Cúpulas do tempo?
América do Sul-África e América do Sul-Países
Árabes); e a valorização dos BRICs pela UE,
Embaixadora Batherlmess - Participei
naquele momento, como nova fronteira de
da negociação da primeira reunião de
expansão econômica.
nível presidencial entre o Brasil e a União
Europeia, que aconteceu em Lisboa em 2007
Ao estabelecer com grandes atores e durante a qual foi formalizada a parceria;
emergentes (China, Rússia, Índia, Brasil, e das negociações da segunda cúpula (Rio
África do Sul) essas complexas estruturas de Janeiro, 2008), quando foi adotado um
institucionais de articulação que são as ambicioso Plano de Ação Conjunto; da terceira
Parcerias Estratégicas, a União Europeia (Estocolmo, 2009); e da quarta (Brasília, 2010).
procurava, àquela altura, consolidar
uma presença internacional própria, por Das resistências iniciais, formuladas
oposição ao protagonismo dos Estados principalmente pela Espanha, que percebia
Unidos como porta-voz do “Ocidente”. na escolha do Brasil como interlocutor
Minha avaliação é de que esse objetivo privilegiado uma diminuição de seu status
europeu específico não se concretizou. como mediadora do diálogo europeu
Independentemente disso, há evidente com a América Latina – mas também,
interesse, tanto para a UE como para o curiosamente, pelo próprio Itamaraty – a
Brasil, em manter ativa, e inclusive a dotar dinâmica evoluiu de forma rápida e positiva.
de novo fôlego, a complexa rede de canais Multiplicaram-se os canais de contato político
de comunicação estabelecida ao amparo e estabeleceu-se rede de diálogos setoriais
da Parceria Estratégica. A União Europeia, que passou a funcionar de forma eficiente,
enorme projeto bem-sucedido de integração como costuma acontecer quando as áreas
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regional, e o Brasil, campeão da integração técnicas são colocadas em coordenação direta.


sul-americana, terão sempre muito
a ganhar ao investir em graus cada
A previsão era de que as reuniões de cúpula
vez maiores de aproximação política.
teriam lugar anualmente. A partir da quinta
cúpula (Bruxelas, 2012), e sobretudo da sexta
Revista Sapientia - Durante a pesquisa da
(Brasília, 2013), o entusiasmo inicial passou
senhora, quais foram as principais conclusões

19
ENTREVISTA

a ceder lugar à retórica mais burocrática. dólares, que é o principal investidor estrangeiro
A sétima e última das cúpulas Brasil-União no Brasil. Se os canais remanescentes da
Europeia realizou-se em Bruxelas, em 2014. Parceria Estratégica – o Diálogo Político de
Alto Nível (ministerial) e os Encontros de Altos

Penso que as vicissitudes da política interna Funcionários (vice-ministerial) – viessem

brasileira que tiveram início a partir de então proximamente a ser complementados pela

estiveram entre os fatores a desencorajar a retomada das reuniões presidenciais com

continuidade dos contatos no mais alto nível. a União Europeia, o Brasil só teria a ganhar

Do lado europeu, Bruxelas precisou conviver, com isso.

do início de 2017 ao final de 2020, com uma


administração norte-americana abertamente Revista Sapientia - Como a senhora enxerga
hostil à chamada aliança transatlântica, o o papel do acordo Mercosul-UE na construção
que no entanto não lhe trouxe maior grau da parceria mais longeva entre Brasil e União
de autonomia em termos de política externa. Europeia, considerando seus principais
impactos e gargalos de implementação?
Hoje, em particular diante da perspectiva
de próxima conclusão do acordo de livre Embaixadora Barthelmess - A iniciativa de
comércio Mercosul-UE, não haveria por que negociação de um acordo comercial com o
não procurar superar a paralisia que sobreveio, Mercosul também partiu do lado europeu. Em
relançando o relacionamento político no mais 1995, receosa de ver sua presença comercial
alto nível. Claro que a União Europeia não é na América Latina em geral e no Mercosul
mais a mesma de 2007, ou sequer a de 2014, em particular ser deslocada pela perspectiva
havendo empalidecido diante da consolidação de adoção do projeto norte-americano da
da influência da Ásia no cenário global, e não Alca, lançado em dezembro de 1994, a União
tendo sabido, entrementes, desvincular-se Europeia propusera a negociação de um
como ator internacional das flutuações da Acordo de Associação com o nosso bloco que
política doméstica norte-americana. É preciso incluiria, como outros acordos do gênero,
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ter presente que 2024 será, novamente, um pilar de comércio, um pilar político, e
ano de eleição presidencial nos Estados um pilar de cooperação. Abandonadas as
Unidos, com os riscos que isso acarreta negociações da Alca e afastada em 2005 a
para a relação Bruxelas-Washington. perspectiva de consolidação de um oligopólio
Estamos falando, ao mesmo tempo, de um norte-americano no continente, desapareceu
protagonista com mais de 500 milhões de um importante elemento de interesse
habitantes e PIB de mais de 18 trilhões de europeu no sucesso da negociação. A

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ENTREVISTA

espetacular consolidação da presença processos periódicos de atualização. Penso,


comercial global da China veio a constituir, embora rejeitando o argumento do “acordo
mais tarde, um fator renovado de pelo acordo”, que tudo o que puder promover
encorajamento, do ponto de vista europeu, o comércio internacional é bem-vindo e
à conclusão da negociação com o Mercosul. pode ser aproveitado pelo Brasil para a
dinamização da economia interna. Lembro do

No decorrer da longa negociação, a imbatível caso dos Estados Unidos, que já não podem,

competitividade do Brasil e dos demais por dogmas de ordem doméstica, juntar-se a

parceiros do Mercosul no setor agrícola foi qualquer novo arranjo internacional de livre

um problema constante para a União Europeia. comércio, o que sem dúvida os enfraquece,

Diante da necessidade de manutenção do em particular na Ásia. Penso que um acordo

protecionismo europeu – dado que a questão pode ser não um fim, mas o começo de algo.

agrícola se confunde com a própria gênese da


UE – foram sempre considerados excessivos Revista Sapientia - Por fim, que mensagem

os custos políticos internos, na Europa, de gostaria de deixar para os jovens diplomatas

eventual flexibilização nessa área. ou aspirantes ao CACD?

Embaixadora Barthelmess - O Brasil, grande


Decorridos já agora quase 30 anos de
economia que raras vezes ao longo dos últimos
negociação, o processo pareceria estar em vias
50 anos deixou de estar entre as dez primeiras
de ser concluído. São conhecidas as críticas
do mundo, é ator cuja voz é ouvida com atenção
que se fazem ao acordo: este seria assimétrico,
na esfera internacional.
e não apenas em termos tarifários; consolidaria
o papel do Mercosul como exportador apenas
de commodities; não garantiria suficientemente Não poderia ser de outra forma, tratando-se
os interesses ofensivos do Mercosul na UE no do país que ocupa metade da área da
setor industrial e de serviços. Sem conhecer o América do Sul; que corresponde à metade
texto da minuta de acordo, penso que não seria da sua população; e cujo PIB equivale à
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impossível argumentar, alternativamente, que metade do PIB sul-americano. Ao país que é


um acordo comercial pode ser, muitas vezes, gigantesca potência exportadora global, que
não um ponto de chegada, mas um ponto é o maior produtor de petróleo da América
de partida. Os instrumentos internacionais, Latina e que exerce reconhecida liderança
em particular os de comércio, são documentos nas discussões multilaterais de comércio
dinâmicos, que podem evoluir e ser e de combate à mudança do clima; que
emendados, e que costumam passar por integra tanto o BRICs quanto o G20, e que é

21
ENTREVISTA

apreciado universalmente por sua tradição entre a percepção interna e a realidade externa.
conciliatória e capacidade de negociação O Brasil é grande e é como país grande que
e mediação. deve falar e que deve ser ouvido. Aspirantes
ao CACD e diplomatas no início da carreira
devem preparar-se para estar em condições
Ao contrário do que gostaria de fazer crer um
de – descartando as preocupações de atores
certo cânone que circula entre nós, o Brasil não
aos quais a visibilidade e o protagonismo do
padece de qualquer “déficit de poder” no cenário
Brasil não convêm – representar os interesses
global. Em nosso país, observamos o caso raro
de um país de enorme relevância regional e
de uma classe bem-pensante que postula
global e utilizar as ferramentas da política
uma percebida inferioridade da capacidade
externa para prosseguir no caminho do
brasileira de influência em relação a outros
desenvolvimento interno.
atores internacionais. Os próprios diplomatas
brasileiros não são impermeáveis, por vezes, a
essa ilusão. Trata-se de uma curiosa decalagem
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Com o vice-ministro de Comércio e Indústria de Singapura, Alvin Tan

Acervo Pessoal

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SOBRE DIPLOMACIA

A crise da
ordem liberal
e a emergência
do Sul Global
por Marcos Cordeiro Pires - Possui graduação em História (1990),
mestrado em História Econômica (1996), doutorado em História Econômica,
todos pela Universidade de São Paulo (2002) e Livre Docência em Economia
Política Internacional pela Unesp (2013). É professor na Unesp - Faculdade
de Filosofia e Ciências - Campus de Marília, nos cursos de graduação em
Relações Internacionais e pós-graduação em Ciências Sociais e no Programa
de Pós-Graduação em Relações Internacionais ‘‘San Tiago Dantas’’ (Unesp/
PUC-SP/Unicamp).
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SOBRE DIPLOMACIA
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24
SOBRE DIPLOMACIA

Vivemos numa era de mudanças disruptivas. livre-comércio, o modelo democrático-


Ao mesmo tempo que vivenciamos a Quarta liberal e a chamada “ordem internacional
Revolução Industrial, uma das transformações baseada em regras”. Com o colapso da União
tecnológicas mais significativas da história, que Soviética, iniciou-se o chamado período
amplia a capacidade produtiva a níveis nunca de unipolaridade, em que o governo de
antes vistos por meio da integração física e Washington agiu em defesa dos seus interesses
digital, também enfrentamos os gigantescos de forma bastante egoísta e, em alguns casos, de
desafios da fome, da pobreza extrema, das costas para o Conselho de Segurança da ONU.
alterações climáticas e do aquecimento global.
Por outro lado, estamos acompanhando uma O exemplo mais evidente foi a invasão
novidade impressionante que é o aumento do estadunidense do Iraque em 2003, quando
peso, o desenvolvimento político e econômico Washington se valeu do falso pretexto de que
do Sul Global, particularmente dos países o governo de Saddam Hussein possuía armas
BRICS, recentemente ampliado na reunião de de destruição em massa para mudar o regime.
Cúpula de Johanesburgo, na África do Sul. Sobre este episódio, vale a pena assistir
Mas, infelizmente, também assistimos com o documentário “Sinfonia de um Homem
horror à eclosão de guerras civis e regionais em Comum” (Globo Filmes, 2023), que trata da
diferentes partes do mundo, como no Iêmen, atuação do embaixador José Maurício Bustani,
Síria, Ucrânia e Palestina. Uma nova ordem primeiro diretor geral da Organização para a
emerge, enquanto a antiga está agonizando. Proibição de Armas Químicas (OPAQ), que
tentou impedir a invasão do Iraque ao provar
Para refletir sobre este tema, temos que que o país não possuía o suposto arsenal. Sua
recuar um pouco no tempo. A Conferência de integridade lhe custou o cargo, pois o governo
Bretton Woods, em 1944, criou as bases para a de George W. Bush agiu para a sua deposição
reorganização do mundo no período de 1945 a da liderança do órgão, particularmente
1989. Este período coincidiu com a consolidação do assessor de segurança John Bolton.
da ONU e a criação de diversas organizações
internacionais que lidam com distintos temas Enquanto no discurso o governo dos
transfronteiriços, como alimentação, aviação Estados Unidos ainda defende uma ordem
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civil, energia nuclear, habitação, finanças, internacional livre e aberta baseada na


comércio etc. Este intervalo de tempo também competição dentro das “regras do jogo”,
foi marcado pela competição entre Estados sua estratégia internacional aplicada desde
Unidos e União Soviética por meio da Guerra 1992, conhecida como “Doutrina Wolfowitz”,
Fria. Do ponto de vista dos países capitalistas, atua para impedir que qualquer país possa
o governo de Washington estimulou o rivalizar com os estadunidenses em termos

25
SOBRE DIPLOMACIA

de capacidade industrial, tecnológica e de Cabul, no dia 31 de agosto de 2021: “Temos


defesa, mesmo os seus aliados mais próximos. que aprender com nossos erros. Esta decisão
Desde 2008 o Japão e a União Europeia estão sobre o Afeganistão não diz respeito apenas ao
perdendo peso econômico em comparação Afeganistão. Trata-se de pôr fim a uma era de
com os EUA. O avanço da Otan sobre os grandes operações militares para remodelar
escombros do Comecon e da antiga União outros países. As operações futuras devem
Soviética realça esta estratégia. O mesmo ter objetivos claros e alcançáveis. Precisariam
acontece com as atuais ações de Washington também de se concentrar no interesse
para conter o desenvolvimento chinês por meio básico de segurança nacional dos EUA”.
de uma guerra comercial, política e tecnológica.
É preciso considerar que, desde a crise
A ordem liberal baseada nas regras financeira global de 2008, a ordem internacional
estabelecidas pelos Estados Unidos está em liderada pelos Estados Unidos tem enfrentado
crise. O Ocidente já não pode oferecer uma nova gama de dificuldades, uma vez
“bens coletivos internacionais” como que os países do G7 já não dispõem de meios
outrora. A OMC está paralisada em meio para enfrentar sozinhos os novos desafios que
às medidas protecionistas dos EUA, que surgiram desde então. A criação de novos
retomou de forma explícita suas políticas fóruns internacionais para lidar com novas
industriais. O uso do dólar como arma questões globais é exemplo disso. O G20 foi
política está minando gradativamente o seu alçado de uma reunião ministerial para uma de
poder global. As intervenções em nome cúpula com o objetivo de coordenar as medidas
da democracia e dos direitos humanos em econômicas para mitigar os efeitos da crise do
países como a Líbia, Afeganistão, Iraque e subprime, em 2008. Desde então, as reuniões
Síria têm provocado catástrofes humanitárias incorporaram diversos temas globais, como a
e uma enorme onda de refugiados. mudança climática ou o empoderamento
feminino. Também as Conferências das Nações

Neste contexto, é preciso considerar que não é Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COPs)

mais possível impor interesses e valores a outros mudaram de patamar. Em 2009, durante a
COP 15, em Copenhagen, os chefes de Estado
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países que não sejam baseados na história de


cada nação, por mais que isso entre em choque se envolveram para criar uma plataforma de

com os valores ocidentais. A retirada das ação conjunta. A isso se junta a Conferência

tropas norte-americanas do Afeganistão pode das Nações Unidas sobre Desenvolvimento

exemplificar esta questão. Em 31 de agosto de Sustentável (CNUDS), a Rio+20, em 2012.

2021, em discurso na Casa Branca, o presidente


Joe Biden comentou os acontecimentos em Hoje em dia, aumentaram demasiadamente
os desafios transfronteiriços, como as crises

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SOBRE DIPLOMACIA

migratórias, o crime organizado, o cibercrime Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina,


e a regulamentação da inteligência artificial. Egito e Irã aderiram ao Grupo. Este processo
Diante disso, um número maior de atores mostra que a nova ordem multipolar deve
estão se envolvendo nesses debates, sejam ser uma construção vinda de baixo e não
os países em desenvolvimento, sejam uma imposição vinda de cima. O novo Grupo
os membros da sociedade civil, como BRICS é inclusivo e incorpora países com
movimentos sociais e ambientalistas. diferentes graus de desenvolvimento e
uma grande diversidade cultural. Esta nova

Deve-se prestar atenção no que ocorre no realidade pode promover a coordenação

Sul Global. Em agosto de 2023, foi anunciada financeira e impulsionar o comércio por meio

a expansão do Grupo BRICS. Etiópia, Arábia do uso de moedas locais, além de incluir

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27
SOBRE DIPLOMACIA

dois gigantes das finanças globais, como a Pequim, em 20 de novembro, para pressionar
Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. Israel por uma trégua e a permissão de envio
Esta nova ampliação dará ao grupo uma de ajuda humanitária para os palestinos. O
estatura produtiva para apoiar a transição maior envolvimento da China em assuntos
energética, além de possuir ampliar os meios globais é uma novidade interessante.
para fomentar o desenvolvimento de outros
países do Sul Global, como o Novo Banco de Por fim, em meio a um maior protagonismo dos
Desenvolvimento e o Banco de Investimentos países do Sul Global, é necessário enfatizar que
em Infraestrutura da Ásia. O anúncio da todos as nações buscam o desenvolvimento
não adesão aos BRICS feita pelo novo para oferecer melhores condições de vida
governo argentino não altera esta tendência. ao seu povo. Não existe uma hierarquia de
culturas e civilizações. Nenhum modelo
É importante ressaltar que este alargamento universal se adapta a todas as realidades e
vai ao encontro das iniciativas chinesas só pode ser sustentado pela força. Por isso, o
em matéria de Desenvolvimento Global, hegemonismo e a homogeneização do mundo
Segurança Global e Civilização Global, que devem ser refutados. O jardim da humanidade
estão a tornar-se um novo paradigma para é composto por mil flores, que lhe conferem
a construção de uma ordem internacional uma beleza única. Uma nova ordem mundial
inclusiva e multipolar. A Iniciativa da Nova Rota deve permitir a cooperação internacional
da Seda está criando um novo paradigma de para que cada nação possa construir um
investimentos para o desenvolvimento, levando modelo econômico e social que garanta
os Estados Unidos a criar a Development Finance aos seus cidadãos prosperidade, segurança
Corporation (DFC) para concorrer com os e estabilidade.
financiamentos chineses.

Acerca da Iniciativa de Segurança Global,


em fevereiro de 2023, a China buscou criar
um roteiro para a solução da Guerra na
Ucrânia. Além disso, teve papel destacado
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na reaproximação entre os governos de


Riad e Teerã, em abril de 2023, até então
os principais rivais no contexto do Oriente
Médio. Recentemente, por conta dos episódios
na faixa de Gaza, diversos chanceleres de
países árabes e muçulmanos se reuniram em

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ESPAÇO ABERTO

Disputa estratégica
entre EUA e China:
como o Brasil está posicionado no
tabuleiro geopolítico do século XXI?
por Yasmim Abril Monteiro Reis - É mestranda no Programa de Pós-graduação
em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior de Guerra (PPGSID/ESG).
Assistente de Pesquisa voluntária no subgrupo de Biodefesa e Segurança Alimentar
do Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval (LSC/EGN) e
colaboradora no INCT-INEU/OPEU. www.cursosapientia.com.br

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ESPAÇO ABERTO

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Estudar a política externa dos Estados Unidos e compreender seus


direcionamentos políticos atuais perpassa pelo entendimento da sua formação
como nação. Dessa forma, a formação territorial dos Estados Unidos refere-se ao
século XVIII, a qual limitou-se a faixa costeira estreita a leste do país, o que hoje
são os estados do Maine e da Geórgia. Em vista disso, esse período se caracterizou
pela colonização dos britânicos sobre as 13 colônias britânicas. Aqui, ressalta-se
que as 13 ex-colônias expandiram, e hoje englobam os seguintes estados: New
Hampshire, Massachusetts, Maine, Rhode Island, Connecticut, Nova York,
Vermont, Nova Jersey, Pensilvânia, Delaware, Maryland, Virgínia, Kentucky,
Virgínia Ocidental, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Tennessee e Geórgia.

Além disso, sublinha-se ainda que, entre os séculos XVII e XVIII, imigrantes
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europeus cruzaram o Atlântico em busca da liberdade religiosa e de uma


melhor qualidade de vida no “novo mundo”. O “novo mundo” aqui concerne
às Américas frente ao “velho mundo” Europeu. Nesse contexto, formou-se, aos
poucos, a sensação de pertencimento àquele espaço geográfico. No entanto,
ao mesmo tempo, a coroa britânica elevou os impostos sobre seus colonos,
em razão dos custos da Guerra, o que culminou na guerra de independência

30
ESPAÇO ABERTO

norte-americana em 1776 devido à insatisfação Em vista disso, durante o século XIX, os EUA
da população local habitante das 13 colônias. tinham uma política tanto externa quanto de
segurança regional focada na América Latina.

Após a declaração de independência do Reino Essa preocupação com o continente hemisférico

Unido, os Estados Unidos começaram o projeto declinou, no entanto, com o avanço imperialista

de formação territorial, a qual denominou-se dos EUA, sobretudo, para Europa e Ásia.

como a expansão para o Oeste. Desse modo, de


forma concisa, os EUA iniciaram um projeto de Dessa forma, a política externa e de defesa dos

formação de uma nação entre os séculos XVIII EUA se direcionou para a Europa, nos anos

e XIX. Anos após sua independência, James seguintes, em razão das Grandes Guerras no

Monroe (1817-1825) chegou à presidência do continente. Já em relação à Ásia, na sequência,

país, e junto a sua ascensão à Casa Branca surgiu os EUA buscaram reforçar sua segurança

a Doutrina Monroe (1823). Essa doutrina nasceu energética por meio dos recursos naturais

com o discurso do presidente Monroe, feito no existentes naquela região. Apesar disso, vale

Congresso norte-americano, em 2 de dezembro sublinhar que, entre as Primeira e Segunda

de 1823, estabelecendo que, a partir daquele Guerras Mundiais e o direcionamento político

momento, os Estados Unidos reivindicaram a quase que total para Ásia, teve o período da

liderança e influência sobre todo o “hemisfério Guerra Fria (1946-1991). Nesse intervalo, os

ocidental” para si, com a finalidade de findar EUA se voltam para a região da América Latina,

as intervenções europeias no continente devido, sobretudo, a um evento em meio à

(Teixeira, 2014). Sublinha-se aqui, que disputa entre EUA e a antiga União Soviética:

“hemisfério ocidental” (western hemisphere, a Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962. Diante

em inglês) refere-se ao continente americano. da ameaça de a disputa soviético-americana


se aproximar da área de influência histórica

Desse modo, essa Doutrina ficou conhecida dos EUA, algumas medidas foram tomadas

pelo slogan “América para os americanos”. pelos sucessivos governos norte-americanos,

Ao mesmo tempo, nesse contexto histórico, o como o apoio a regimes militares na região,
como os que vigoravam no Brasil (1964),
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Brasil foi colônia de Portugal até o século XIX.


Dessa forma, o processo de independência na Argentina (1966) e no Chile (1973).

brasileira em 1822 também foi importante para


o projeto de política externa norte-americano. Com o fim da Guerra Fria, findou-se o
Diante disso, infere-se que o reconhecimento período da bipolaridade de poder no sistema
imediato dos EUA da independência do Brasil internacional, fazendo os EUA assumirem a
também era um programa para as Américas. posição (brevemente) unipolar no sistema.

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ESPAÇO ABERTO

Fonte: diloka107 / Freepik.com

Isso significa que, naquele momento, o do internacional favorável aos seus interesses
imediato pós-Guerra Fria, não havia potência nacionais. Concomitantemente, porém, outro
contestadora à ordem ocidental preconizada evento de grande relevância e impacto
pelos EUA, país então sem rival à altura em estava acontecendo: a ascensão chinesa.
termos de recursos, principalmente militares.
Para Teixeira Júnior (2020, p. 9), “é possível Nozaki, Leão e Martins (2011, p. 195)
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afirmar que nos últimos 30 anos, o padrão de argumentam que “a compreensão dos
distribuição de poder global (polaridade) acontecimentos mais relevantes da passagem
mudou: de bipolar na guerra fria para de do século XX ao XXI passa, necessariamente,
polaridade indefinida nos anos 1990 e, por uma reflexão acerca do colapso da União
estruturando-se na atualidade em um padrão das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e
multipolar”. Os EUA assumem, dessa forma, pela ascensão da China”. Dessa maneira, nota-se
uma posição dentro da distribuição de poder que há uma nova competição entre as grandes

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ESPAÇO ABERTO

potências no âmbito do sistema internacional estratégicos do país, a política externa


era emergente entre os EUA e a China, a qual brasileira não deve optar por um alinhamento
desafiava a preponderância norte-americana automático nem a um, nem a outro, e sim
ainda existente desde a década de 1990. preconizar sua soberania e papel de potência
regional no entorno estratégico brasileiro.
Nesse contexto, a ascensão chinesa tem
impactado a distribuição do poder global Dessarte, ante a nova dinâmica de política de
internacional, já que suas políticas externa e equilíbrio de poder e uma reavaliação dos
de defesa têm avançado à luz da perspectiva tabuleiros geopolíticos, espera-se que o Brasil
econômica tanto para a África quanto tenha uma postura que espelhe seus interesses
para as Américas. Frente a isso, os EUA nacionais, frente aos novos desafios que estão
identificaram que a disputa estratégica por vir no século XXI.
com a China está se aproximando de sua
área de influência histórica, a qual tem sido
negligenciada, desde o final da década de
1990, na política externa norte-americana.

Dessarte, “para a América do Sul, a primeira


década do século XXI representou uma
importante era de transformações sociais,
políticas, econômicas e estratégicas, que
trouxeram um renascimento da região
como espaço geopolítico e geoeconômico”
(Pecequilo, 2013, p. 101). Assim, infere-se que
houve um avanço chinês tanto econômico
quanto energético cada vez maior na região,
desde a chegada do então presidente Donald
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Trump (2017-2021) à Casa Branca escalonou


a disputa entre EUA e China por meio de
discursos e medidas contra o gigante asiático.

Nesse contexto de disputa estratégica na


região, qual é o papel do Brasil? Por serem
ambos, China e EUA, importantes parceiros

33
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S OD A P O L Í T I C A E X T E R N A

Referências:

NOZAKI, William Vella; LEÃO, Rodrigo Pimentel Ferreira; MARTINS, Aline Regina
Alves. A ascensão chinesa e a nova geopolítica e geoeconomia das relações sino-russas.
In: A China na nova configuração global: impactos políticos e econômicos. Brasília:
Ipea, p. 195-234, 2011.

PECEQUILO, C. S. A América do Sul como Espaço Geopolítico e Geoeconômico: o


Brasil, os Estados Unidos e a China. Carta Internacional, v. 8, n. 2, p. 100-115, 2013.
Disponível em: https://www.cartainternacional.abri.org.br/Carta/article/view/113.

TEIXEIRA, Carlos Gustavo Poggio. Uma política para o continente – reinterpretando


a Doutrina Monroe. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 2, n. 57,
p. 115-132, 2014.

TEIXEIRA JÚNIOR, Augusto W. M. O Entorno Estratégico Brasileiro na Geopolítica


das Grandes Potências: a crise da Venezuela e seus impactos para o brasil. Centro de
Estudos Estratégicos do Exército: Artigos Estratégicos, Brasília, v. 8, n. 1, p. 7-26, 2020.
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PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA

Entre Desafios
e Mediação:
A Postura do Brasil na
Guerra Israel-Hamas
por Karina Stange Calandrin - Doutora e mestre em Relações Internacionais
pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP).
Foi pesquisadora visitante do departamento de Peace and Conflict Management
da Universidade de Haifa em Israel e do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de São Paulo (IRI-USP). Atualmente, realiza pesquisa de pós-doutorado
no IRI-USP e é também professora do curso de Relações Internacionais na
Universidade de Sorocaba (UNISO).
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PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA

Fonte: Below The Sky / Shutterstock.com

O posicionamento do Brasil na guerra entre Israel e o Hamas revela uma intricada


teia de considerações diplomáticas, buscando um equilíbrio entre a condenação aos
ataques terroristas e os apelos pela paz na região. O governo brasileiro, por meio
de uma nota oficial, expressou veemente repúdio aos bombardeios perpetrados
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pelo Hamas em Israel, lamentando também o desmoronamento dos Acordos


de Paz de Oslo e reafirmando o compromisso com a solução de dois Estados.

Vale ressaltar que, mesmo diante da condenação dos ataques do Hamas, o Brasil adota uma
posição singular em relação à classificação do grupo como terrorista. Enquanto países como
Israel, Estados Unidos e a União Europeia rotulam o Hamas como uma organização terrorista,
o Brasil, alinhado com a determinação da ONU, não o inclui nessa categoria, diferenciando-o

36
PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA

de entidades como Boko Haram e Al-Qaeda. seu empenho e envolvimento direto nos
Essa distinção tem gerado debates internos, contatos com líderes mundiais, revelando
sobretudo entre membros do Partido dos detalhes das negociações. Em contrapartida,
Trabalhadores (PT), que se manifestaram aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro
contra a classificação do Hamas como buscam creditar ao atual presidente o sucesso
grupo terrorista. O presidente Lula, embora no resgate do grupo, gerando uma narrativa
tenha condenado os ataques do grupo, de disputa que transcende os limites do
apelou à comunidade internacional por conflito em si. A participação do ministro das
uma intervenção humanitária urgente e um Relações Exteriores, Mauro Vieira, evidencia
cessar-fogo imediato. Essa ação se destaca, a relevância política do resgate, enfatizando
especialmente pela presidência provisória o papel central do governo Lula na condução
do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. das negociações. O recente encontro entre
Bolsonaro e o embaixador de Israel no
O governo brasileiro, ainda, demonstrou Brasil, Daniel Zohar Zonshine, que não tinha
agilidade e eficácia ao conduzir o processo relação com os brasileiros em Gaza, também
de repatriamento de brasileiros em Israel e acrescentou uma dimensão adicional a essa
na Faixa de Gaza, destacando-se pela rápida trama política, refletindo a dinâmica intrincada
mobilização do Ministério das Relações que envolve o Brasil, Israel e a Palestina.
Exteriores e pelo uso estratégico de aviões
da Força Aérea Brasileira (FAB). Em meio A atuação do Brasil nesse cenário internacional,
ao conflito entre Israel e o grupo Hamas, o embora enfrentando desafios decorrentes de
governo brasileiro agiu de forma proativa para impasses entre os Estados Unidos, Rússia e
assegurar a segurança e o retorno dos cidadãos China no Conselho de Segurança, representa
brasileiros afetados pela escalada de violência uma oportunidade para o país demonstrar
na região, sendo um dos primeiros países a sua habilidade em trabalhar pelo consenso e
realizar uma operação da mesma natureza. diálogo em questões globais. Essa
iniciativa contribui para a construção
de uma imagem positiva do Brasil no
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Entretanto, as negociações para a repatriação


de brasileiros na Faixa de Gaza adicionam uma âmbito internacional, restaurando sua

complexidade política ao posicionamento do reputação após episódios polêmicos

Brasil no cenário internacional. Essa disputa durante a gestão anterior de Jair Bolsonaro.

não apenas permanece no campo diplomático,


mas também se desdobra em um jogo político Contudo, as críticas ao presidente Lula também
interno. O governo do presidente Lula destaca surgem, especialmente em relação à demora em

37
PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA

classificar o Hamas como grupo terrorista e por Nas recentes declarações do presidente Luiz
suas declarações que equipararam os papéis de Inácio Lula da Silva, ele comparou a operação
Israel e do Hamas no conflito. A discussão em militar de Israel na Faixa de Gaza aos ataques
torno da resposta de Israel e da caracterização do grupo Hamas, caracterizando ambos como
dos eventos como atos de terrorismo ou “atos terroristas”. Essa situação assemelha-se
crimes de guerra adiciona uma camada ao episódio anterior em que o presidente Lula
de complexidade à análise desse cenário. equiparou o conflito entre Rússia e Ucrânia,
provocando controvérsias e recebendo

Comparando a posição do Brasil na guerra críticas por tentar estabelecer paralelos

Israel-Hamas com a situação na Guerra nas responsabilidades de ambas as nações

da Ucrânia, observamos uma dinâmica na guerra.

diplomática complexa. No caso ucraniano,


o presidente Lula inicialmente sugeriu Ao comparar ambas as situações, percebemos
que a decisão de guerra envolvia tanto a uma constante busca do Brasil por uma
Rússia quanto a Ucrânia, uma afirmação postura imparcial e favorável à paz. No
contestada pela União Europeia e pelos entanto, a capacidade de mediação do Brasil
Estados Unidos. Essa postura gerou críticas é questionada, tanto no contexto do conflito
e a necessidade de uma correção de rumo. ucraniano quanto no embate entre Israel e
Hamas. A sugestão de criar um “G20 da paz”

A mudança no discurso de Lula, sugere uma evidencia a busca por um papel mais ativo

autoanálise e a percepção do equívoco em na promoção da paz global, mas a eficácia

equiparar Rússia e Ucrânia em termos de dessa proposta permanece em debate, dada

responsabilidade pelo conflito. A importância a complexidade das relações internacionais.

dessa retificação se mostrou necessária para


posicionar o Brasil de forma mais sensata Essa postura errática pode ter implicações
e alinhada às causas iniciais do conflito significativas na posição de mediador almejada
ucraniano. Paralelamente, na guerra Israel- pelo Brasil em questões internacionais.
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Hamas, a posição brasileira também envolve Essas declarações levantam preocupações


nuances. O governo brasileiro condenou os quanto à imparcialidade do Brasil, elemento
ataques do Hamas, expressou solidariedade crucial para desempenhar um papel efetivo
a Israel e manifestou seu compromisso com a na mediação de conflitos internacionais. Ao
solução de dois Estados. No entanto, o Brasil fazer comparações polêmicas e percebidas
não classifica o Hamas como organização como equivocadas, o Brasil corre o risco de
terrorista, seguindo a designação da ONU. perder a imagem de mediador imparcial,

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PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA

Fonte: Freepik / Freepik.com

minando a confiança necessária para mediar comprometendo as negociações e acordos em


de maneira justa e equilibrada. As partes outras áreas da diplomacia global brasileira.
envolvidas nos conflitos em questão podem Declarações controversas também têm o
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ficar desconfiadas da capacidade do Brasil de potencial de diminuir a credibilidade do


mediar de forma objetiva, o que pode dificultar Brasil no cenário internacional, afetando
a aceitação internacional do País neste papel. sua capacidade de influenciar positivamente
Além disso, o Brasil pode enfrentar resistência as negociações e os resultados desejados.
por parte de outros atores internacionais A repetição dessas declarações pode
que buscam uma mediação neutra, e as comprometer a consistência da política
relações bilaterais podem ser prejudicadas, externa brasileira, prejudicando a eficácia do

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PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA

País em promover a paz e a estabilidade global.


Portanto, para manter uma posição forte como
mediador, é essencial que o Brasil adote uma
abordagem equilibrada, evitando comparações
polêmicas e mantendo a imparcialidade em
relação a conflitos internacionais. Isso ajudaria
o País a preservar sua reputação como um
agente confiável na promoção da paz e na
resolução de disputas. Em ambas as situações,
a alteração de posicionamento do
presidente Lula reflete a sensibilidade
da diplomacia brasileira em contextos
de tensão internacional, buscando evitar
grandes atritos com as partes envolvidas.

Ademais, a postura do Brasil visa a equilibrar


condenações aos atos terroristas, apelos
pela paz e uma atuação diplomática eficaz
no contexto internacional. A divergência
na classificação do Hamas reflete a adesão
brasileira à posição da ONU, enquanto a
chancelaria brasileira busca ativamente uma
intervenção humanitária e um cessar-fogo,
especialmente para proteger os civis afetados
pelo conflito.
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PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

Direito Internacional
Humanitário e
Direito de Guerra
por Mayara Teixeira Ribeiro Magalhães - Advogada. Mestra em Saúde Coletiva:
Políticas e Gestão pela Faculdade de Medicina da Unicamp. Pós-graduada em Processo
Civil pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Pós-Graduada em Processo Penal pela Escola Paulista da Magistratura. Especialista em
Direito e Gestão pela Escola Nacional da Advocacia. Possui graduação em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
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PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA
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Fonte: duallogic / elements-envato.com

42
PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

O Direito Internacional Humanitário deve ser com outros Estados. Com isso, recorrer
analisado sob a perspectiva de parte integrante à força traduzia o atributo supremo de
do Direito Internacional Público. Em que pese exercício da sua própria soberania estatal.
a discussão doutrinária a esse respeito, não
deve prosperar a ideia de que se trata de um A estruturação do Direito de Guerra
ramo apartado. Trata-se de uma vertente como uma vertente importante do Direito
importante a ser apreciada e que estabelece, Internacional Humanitário trouxe o debate
através do conjunto de regras, as normas e consolidação sobre o que era, ou não, uma
que irão reger as relações entre Estados em guerra justa, ou seja, uma guerra legítima
tempos de paz; e, ainda, normas que delimitam perante a comunidade internacional.
as relações estatais em conflitos armados.

Para isso, o Direito de Guerra se sustenta em


Seja em que se trata o direito da paz ou o direito considerações filosóficas e ideológicas ao nível
da guerra, temos a previsão jurídica tutelada do direito concebido como regime político
pelo Direito Internacional Público. Significa das nações vivendo esta situação que se
dizer que temos um interesse da comunidade desdobra no reconhecimento da comunidade
internacional a ser protegido, e, portanto, a internacional em uma guerra legal.
observância e respeito às normas são o ponto
crucial para proteção e efetivação dos direitos Apesar de a Primeira Convenção de Genebra,
humanos também em tempos de guerra, em 1864, ser celebrada como um grande
delimitando as ações do Estado que deve marco no primeiro instrumento multilateral do
respeito perante à comunidade internacional. Direito Internacional Humanitário, normas e
costumes prévios a esta data regulavam o tema
O Direito Internacional de Guerra possui suas em tratados internacionais bilaterais (entre
regras e delimitações, de forma que a maior Estados). Isso demonstra que a construção
falácia disseminada no imaginário popular do Direito segue a lógica de uma construção
é que “na guerra, vale tudo”. Não é verdade. que visa acompanhar os anseios e valores
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sociais, políticos e econômicos de determinado

A história do direito da guerra determina toda período da coletividade, e, não seria diferente

a trajetória do próprio Direito Internacional ao tratar da construção do direito internacional

Público, condicionando de uma maneira e os valores da comunidade internacional.

decisiva o processo de sua elaboração.


Cabe ressaltar que os Estados soberanos Com a proibição do uso da força pela
recorreriam à força nas suas relações comunidade internacional, referendada pela

43
PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

Carta das Nações Unidas, a solução de conflitos toda conduta nas situações de conflito armado.
por meio de enfrentamentos armados, em regra, Ao se propor a reger as situações em que se
deixa de ser uma possibilidade aos Estados. usa a força armada, este direito tem dois ramos
que correspondem aos seus dois objetivos:

Ainda que haja exceções a serem


consideradas, os conflitos armados deixam a) limitar o recurso a determinados meios
de ser, para a comunidade internacional, de combate nas hostilidades, e;
um instrumento primário a ser sustentado
e utilizado na resolução dos conflitos entre
b) proteger as vítimas do conflito.
Estados. Com isso, consolida-se o princípio
fundamental de proibição do uso da força.
Estes dois ramos do Direito Internacional
Humanitário atendem respectivamente, por
As exceções admitidas a esse princípio são
razões históricas, pelos nomes de “Direito de
apenas nas hipóteses de:
Haia” e “Direito de Genebra”.

1) guerra por legítima defesa em razão


de ataque armado por outro Estado em seu
território, conforme os ditames do art. 51 da
Carta das Nações Unidas;

2) guerra em razão de enfrentamento


armado fundada nas regras do princípio de
autodeterminação dos povos; bem como,

3) nas medidas de segurança coletiva


diante de ameaça da paz e segurança
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internacionais nas hipóteses do capítulo VII da


Carta das Nações.

Desta maneira, o Direito Internacional


Humanitário adquire características mais
específicas ao mostrar-se como regime geral de

44
PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

Referências:

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos:


fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991.

PIOVESAN, Flávia. A Constituição de 1988 e os tratados internacionais de proteção aos direitos


humanos. Revista da PGE, n. 6, p. 1, 1996.

SWINARSKI, Christophe. Direito internacional humanitário: como sistema de proteção internacional


da pessoa humana: principais noções e institutos. Núcleo de estudos da violência, Universidade de
São Paulo, 1990.

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Fonte: create jobs 51 / Shutterstock.com

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INICIATIVAS SAPIENTIA

Iniciativas
sapientia
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INICIATIVAS SAPIENTIA

Acervo pessoal PRISCILA ZILLO

Fonte: Andrii Yalanskyi / Shutterstock.com

Queridos sapientes,

Chegamos ao fim de mais um ano e, como sempre, ele foi recheado de novidades e
conteúdos relevantes para a diplomacia por aqui. Com isso, que tal lembrarmos de
alguns dos acontecimentos mais marcantes do Sapi em 2023?
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Abrimos novas turmas para o Curso Regular Extensivo 2.0, o Programa


Primeiros Passos, a Trilha de Francês do Zero e a Trilha de Espanhol do Zero
- todos planejados para atender diferentes momentos da vida dos candidatos e
com o objetivo em comum de serem uma fonte de estudos inovadora e planejada
minuciosamente para aumentar o foco e a produtividade durante a preparação para
o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, o famoso CACD.

47
INICIATIVAS SAPIENTIA

Além disso, estreamos nossa mais nova websérie, “Reinserção


Internacional do Brasil”, que você pode conferir clicando aqui.

E se você pensa que acabou, se enganou. Desde o começo deste


ano, já compartilhamos muitos artigos interessantes no Blog Sapi,
a nossa plataforma voltada para a publicação de indicações de
leituras importantes para o concurso, fatos históricos e atualidades,
dicionários jurídicos e de economia, entre outros temas que todo
aspirante a diplomata deve saber.

Para ler os conteúdos do Blog, basta acessar o nosso site


(www.cursosapientia.com.br).

CURSO REGULAR EXTENSIVO 2.0

O Curso Regular Extensivo (CRE) versão 2.0 tem como finalidade


preparar candidatos para a 1ª fase do exame do Concurso de
Admissão à Carreira de Diplomata (CACD), fornecendo todo o
conteúdo programático elencado no edital de forma inteligente
e organizada.

As aulas são ministradas através do método expositivo/teórico e


acompanhadas de material complementar, permitindo ao candidato
construir um caderno de estudos objetivo e atualizado. Inéditas,
elas também apresentam exercícios, bibliografias e estratégias
de estudo.
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Acesse o site www.cursosapientia.com.br para conhecer nossa


proposta e garantir a sua vaga na nova turma do Curso Regular
Extensivo 2.0.

48
INICIATIVAS SAPIENTIA

PROGRAMA PRIMEIROS PASSOS

Se você precisa atualizar suas estratégias de


estudos para o próximo CACD, o Programa
Primeiros Passos foi desenvolvido
especificamente para você!

O Programa é um treinamento 100% on-line, feito


sob medida para quem precisa de orientações
básicas para estudar para o Concurso da
Diplomacia. Ele foi desenvolvido por professores
especialistas em aprovação no CACD e tem como
objetivo te ajudar a sistematizar e planejar a sua
preparação partindo do absoluto zero.

Para saber mais sobre o Programa Primeiros


Passos e garantir a sua vaga, basta acessar o nosso
site (www.cursosapientia.com.br).

TRILHAS DE FRANCÊS E ESPANHOL


DO ZERO PARA O CACD

As Trilhas de Francês e Espanhol do Zero para


o CACD têm como objetivo preparar candidatos
iniciantes no estudo das línguas francesa e
espanhola para atender às exigências dessas
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disciplinas no Concurso da Diplomacia. As Trilhas


de Francês e Espanhol oferecem o passo a passo
completo para quem está começando a estudar
esses idiomas do absoluto zero, ou se encontra no
nível iniciante, mas quer entender o que a banca
irá exigir do candidato no momento da prova.
Fonte: Marcelo Moryan / Shutterstock.com

49
INICIATIVAS SAPIENTIA

Diferente do que muitos pensam, para ser aprovado no


concurso, o candidato não precisa necessariamente
adquirir fluência nesses idiomas, e sim
dominar de forma plena a estrutura das provas
e as exigências da banca examinadora,
que avaliam majoritariamente a competência da escrita.
Trazer este domínio para você é justamente o objetivo
das novas Trilhas de Francês e Espanhol do Zero.

Para saber mais sobre nossas Trilhas de Francês e


Espanhol e fazer sua inscrição, basta acessar o nosso site
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QUER SER DIPLOMATA, MAS NÃO


SABE POR ONDE COMEÇAR?

Saiba que para isso criamos a Orientação


Pedagógica Individual para o CACD, uma
orientação 100% on-line e gratuita, cujo objetivo
é orientar candidatos iniciantes que ainda não
fazem ideia de como iniciar a preparação para
o concurso.

Nossa intenção é ajudar você, futuro diplomata,


que ainda não tem clareza de qual estágio da
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preparação se encontra ou está com dificuldade


de traçar seu planejamento de forma estratégica,
a encontrar um plano de estudos ideal
considerando as suas maiores necessidades
e dificuldades.

50
INICIATIVAS SAPIENTIA

Que tal fazer o teste? Quanto antes você traçar o


seu programa de estudos, com base no seu perfil de
aprendizado, mais perto da aprovação no concurso
você estará.

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SAPIENTIA INDICA

Sapientia
indica
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SAPIENTIA INDICA

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Fonte: vchal / Shutterstock.com

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SAPIENTIA INDICA

A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG – https://www.


gov.br/funag/pt-br) está em operação intensa, e positiva, de
retomada neste ano de 2023. Depois de inatividade nos últimos
anos, a FUNAG tem lançado muito material, de extrema
utilidade para o CACD! Vale enfatizar que, em termos diretos e
prosaicos, a FUNAG é nada menos que a “editora” do Itamaraty,
de modo que suas publicações são potentes indicativos de
assuntos cobrados em prova. Dois vértices metalinguísticos
(lembrem-se da função metalinguística: aquela que fala de si
mesma) principais comparecem na prova de Língua Portuguesa:
a metadiplomacia e a metalinguagem de língua portuguesa.
Professor
Ivo Lopes Yonamine Enfatizo os três seguintes conjuntos de materiais:
Português
1) Os discursos de posse – não esqueçam que o CACD é
uma extensa entrevista de emprego. São leituras obrigatórias
estes dois discursos: o de Mauro Vieira, como chanceler
(https://www.gov.br/funag/pt-br/centrais-de-conteudo/
noticias/discurso-do-embaixador-mauro-vieira-por-ocasiao-
da-posse-no-cargo-de-ministro-de-estado-das-relacoes-
exteriores-brasilia-2-de-janeiro-de-2023); e o de Maria Laura
da Rocha, como Secretária-Geral (https://www.gov.br/funag/
pt-br/centrais-de-conteudo/noticias/discurso-de-posse-da-
embaixadora-maria-laura-da-rocha-no-cargo-de-secretaria-
geral-das-relacoes-exteriores-palacio-itamaraty-brasilia-
4-de-janeiro-de-2023). Muitas convergências são notáveis,
tais como a busca de aprofundamento na representatividade
no Itamaraty, especialmente em gênero e em raça;
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2) Os materiais sobre Língua Portuguesa – há muitas


publicações sobre o assunto, o que nos acende o alerta da
possibilidade de que o tema seja cobrado. A título de exemplo,
vale citar Margens (https://funag.gov.br/biblioteca-nova/
produto/1-1233), com glossário sobre nossa língua.
Fonte: jakkaje879 / Shutterstock.com

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SAPIENTIA INDICA

3) A metadiplomacia em si – em diálogo com o primeiro item, foi publicado DiplomatAs


(atenção à engenhosa marcação de gênero, na maiúscula – https://funag.gov.br/biblioteca-nova/
produto/1-1231), que reúne simbólicas sete biografias de mulheres diplomatas, escritas por diplomatas
mais jovens. É especialmente valioso o artigo-capítulo sobre Mônica de Menezes Campos, a primeira
mulher diplomata negra a ingressar no Ministério das Relações Exteriores. Uma das autoras do
artigo, Rafaela Seixas Fontes, participa da Mentoria Mônica de Menezes Campos (https://www.
instagram.com/mentoriamonicademenezes/), nobre projeto para afrodescendentes aspirantes ao
CACD. Importantíssimo frisar que a última turma formada no Instituto Rio Branco (IRBr) justamente
recebeu o nome de Mônica de Menezes Campos!

Lembro que são apenas alguns exemplos e recomendo demais que se explore a página
da FUNAG.

Desejo excelentes estudos!

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SAPIENTIA INDICA

O livro “Os filósofos profanos” (The Wordly Philosophers,


no original), do professor Robert Heilbroner, apresenta
a história do pensamento econômico, passando por
alguns de seus principais autores, com uma abordagem e
linguagem que conquistou milhões de leitores no mundo.

No prefácio à sexta edição, o autor conta sobre a busca do título


ideal: colocar o termo “economia” no título poderia afastar muitos
leitores, dada a aridez dos temas econômicos, o que iria de encontro
a seu objetivo de levar os temas econômicos para o grande público.
No Brasil, o livro foi traduzido sob o título “A história do pensamento
Professor econômico” e incorporado na famosa coleção “Os Economistas”.
Rodrigo Teixeira
Economia De fato, comparado a outros livros de história do pensamento
econômico, a abordagem de Heilbroner é muito mais amigável
e interessante, em especial para os não-economistas. A cada
capítulo, ele fala dos principais autores situando-os no
contexto de sua época, tanto no plano das transformações
históricas como no das ideias, bem como trazendo à tona as
suas biografias, que certamente tiveram também importante
influência nas obras. Fica muito mais fácil, desta forma,
compreender os conceitos econômicos, apresentados de maneira
a mostrar quais os fenômenos concretos que as teorias buscavam
explicar ou os problemas concretos que buscavam resolver.

Nesta linha, antes de apresentar as ideias dos autores, o primeiro


capítulo após a Introdução, intitulado “A Revolução Econômica”,
trata da evolução das sociedades humanas no âmbito de sua
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reprodução econômica, culminando no capitalismo, onde o


desenvolvimento da divisão do trabalho, da produção para a troca,
do comércio, da propriedade privada e do trabalho assalariado,
levaram a um crescimento inédito, na história da humanidade,
da capacidade de a espécie humana produzir bens e serviços e
transformar a natureza de acordo com suas necessidades. Esta
Fonte: Freepik / Freepik.com

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SAPIENTIA INDICA

revolução propiciou o terreno fértil para os “filósofos profanos”, ou seja, os pensadores que passaram
a se ocupar não da ética, política, estética, teologia ou outras preocupações filosóficas tradicionais,
mas sim com a reprodução econômica da sociedade. Permitiu que eles lançassem as bases de uma
nova ciência, uma vez que a realidade concreta, com o desenvolvimento do mercado, havia retirado
as relações econômicas dos laços comunitários das sociedades mais simples e as colocado na esfera
social propriamente dita.

Nesta esfera social, os indivíduos vêem as variáveis econômicas (produção, preços, juros etc.) como
resultado de interações entre muitos outros indivíduos, e, portanto, fora de um controle planejado
do que, como, quanto e para quem produzir. Esta exterioridade do objeto, das relações sociais
econômicas, frente aos indivíduos, empreendida pela própria evolução histórica, foi fundamental
para que fosse possível construir os conceitos e teorias que buscariam explicar tais fenômenos e
suas regularidades, abrindo espaço para a nova ciência.

Capítulos como “O mundo maravilhoso de Adam Smith”, que retrata o otimismo do pai da Ciência
Econômica, no final do século XVIII, com a sociedade que surgia sobre os escombros das relações
feudais e na esteira da Revolução Industrial, e “Os sombrios pressentimentos do pároco Malthus e
David Ricardo”, que retrata o pessimismo do século XIX com o rápido crescimento populacional e a
possibilidade de uma estagnação do progresso econômico (o “estado estacionário”, que ressurge no
século XX no famoso modelo de Solow), são excelentes registros de como os conceitos e teorias da
economia estão intrinsecamente ligados à realidade e aos problemas concretos de seu tempo. A obra
trata ainda de Stuart Mill, os socialistas utópicos, Karl Marx, Thorstein Veblen, Alfred Marshall, John
M. Keynes e Joseph Schumpeter, os maiores pensadores e os que influenciam as ideias econômicas
até hoje. Por tudo isto, indico fortemente a leitura desta obra magistral de Heilbroner, especialmente
para os que não tiveram formação em economia, pois encontrarão no livro, além de um excelente
complemento dos seus estudos, uma forma leve e instigante de aprender as teorias econômicas que
contrasta com a frieza, aridez e falta de contexto dos manuais de economia.
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Boa leitura!

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CHARGE

Metas de 2024
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Paulo Matiazi

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R E V I S T A
SAPIENTIA INDICA

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