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18/02/2019 O retorno de uma vítima do tráfico internacional de pessoas
Já adulta, trabalhou como catadora. Era do lixo que vinha a sua renda
mensal de 250 reais. Foi graças ao serviço de gente como Ana que a
cidade ganhou um aterro sanitário. Mas, como aprendeu com a sua
família, o sustento não vem apenas de um lugar. E, como muitos
pobres da zona rural, Ana passou a buscar seu ganha-pão de cidade
em cidade.
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18/02/2019 O retorno de uma vítima do tráfico internacional de pessoas
Ana conta que, mesmo não tendo “um centavo na carteira”, não teve
problema algum ao desembarcar em Lisboa, na madrugada do dia 8
de março. De lá, ela foi levada para uma região mais afastada da
capital, que ela não sabe dizer onde é.
Ana conta que, além da prostituição, a casa também lucra com tráfico
de drogas. Segundo ela, a cocaína atrai muitos clientes que alugam
quartos e ficam trancados, por um ou dois dias, com mulheres,
obrigando-as a usar também.
A casa
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18/02/2019 O retorno de uma vítima do tráfico internacional de pessoas
Ana se lembra que o lugar era um sobrado com portão cinza. Conta
que, da janela do quarto, dava pra ver um pomar de mexerica e
laranja. Em outros cantos da casa, era possível ver uma piscina,
sauna, jardim e um imenso pátio, que todas eram privadas de usar – a
não ser se fosse com clientes. No andar de cima, havia oito quartos,
onde elas dormiam e atendiam clientes que buscavam apenas um
serviço de poucas horas. Nos fundos, havia outros dormitórios
especiais, alugados para estadias de mais de um dia.
“Tinha noite que eu fazia até dez programas. Você faz 100
euros, 200 euros, e fica devendo 50. Você nunca sai de lá. É um
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18/02/2019 O retorno de uma vítima do tráfico internacional de pessoas
Elas eram obrigadas a fazer tudo que o cliente pedia. Era o dono que
dizia até onde elas podiam ir ou não. E assim, eram expostas a todo
tipo de violência.
Liberdade
Após dois meses em Lisboa, Ana foi transferida para outra cidade
portuguesa. A mudança aconteceu tarde da noite, o que limitou sua
lembrança sobre o trajeto. No cativeiro, o desejo pela morte era
unânime. “Não havia vida ali”.
O que impedia ela e outras mulheres de tentar suicídio, por vezes, era
a lembrança da família. E foi lá que, consumida pela tristeza, ela
adoeceu.
“Eu deitei, rezei e pedi pra Deus me ajudar. No outro dia, eu acordei
com a pele toda coçando, toda marcada. Minha pele ficou igual à
escama de peixe. Ficou toda machucada e sangrava”.
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18/02/2019 O retorno de uma vítima do tráfico internacional de pessoas
Com a piora da doença, ela foi transferida novamente. Desta vez, para
um apartamento num lugar que Ana suspeita ser a ilha de
Formentera, próxima a Ibiza, nas Baleares espanholas.
Salvação
No dia 1 de agosto, direcionada pelo consulado, Ana foi acolhida pelo
programa SICAR cat, que é ligado à entidade católica Adoratrices, em
Barcelona, e tem como prioridade atender mulheres vítimas do
tráfico de pessoas.
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18/02/2019 O retorno de uma vítima do tráfico internacional de pessoas
Repressão ao crime
Atualmente, o caso de Ana está sendo investigado pela Unidade de
Repressão ao Tráfico de Pessoas da Polícia Federal (URTP), que
recebeu a denúncia do consulado brasileiro em Barcelona. A Divisão
atualmente é comandada pela delegada Janaína Gadêlha, que
informou que já tem feito os encaminhamentos necessários na
expectativa de solucionar o caso.
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18/02/2019 O retorno de uma vítima do tráfico internacional de pessoas
A caminho de casa
Ana desembarcou no Brasil no dia 17 de setembro, pouco mais de seis
meses depois de ter partido para a Europa. Embora estivesse de volta
à sua terra, o medo não deixou que ela esperasse nem mesmo sua
irmã chegar ao aeroporto. Pegou um táxi e foi direto para a sua
cidade. Em casa, para evitar qualquer tipo de lembrança dos piores
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18/02/2019 O retorno de uma vítima do tráfico internacional de pessoas
dias de sua vida, ela queimou todas as roupas e qualquer coisa que
podia lembrá-la dos dias de cativeiro.
A depressão é o desafio atual. Ela não quer mais sair de casa. Ainda
faz uma série de exames para descobrir se pegou alguma doença, e é
acompanhada por psicólogo e psiquiatra. Passou a tomar remédios de
tarja preta, que lhe custam 800 reais por mês.
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18/02/2019 O retorno de uma vítima do tráfico internacional de pessoas
“Mãe, a senhora tem que voltar, por mais que dói a senhora ainda tá
viva!”.
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