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LEGISLAÇÃO INTERNA
RESUMO:.
ABSTRACT:.
KEYWORDS:.
INTRODUÇÃO
1
Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Especialista em Direito
Tributário pelo mesmo instituto e em Processo Civil pela COGEA PUC-SP. Advogado.
guilherme@olblaw.com.br.
2
Segundo o artigo 2º da Convenção de Viena de 1969, tratado é “um acordo internacional celebrado por escrito
entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, que de dois ou mais
instrumentos conexos, qualquer que seja a sua denominação particular”.
3
Cf. Mizabel Abreu Machado Derzi, in Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, Aliomar Baleeiro, 7ª
ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 412. No mesmo sentido, Betina Treiger Grupenmacher, Tratados
Internacionais em Matéria Tributária e a Ordem Interna, São Paulo, Dialética, 1999, p. 9. Nas palavras da autora:
“A tendência, cada vez mais acentuada, à globalização importa incremento das relações econômicas no plano
internacional e, como corolário, a necessidade de integração de mercados”. Veja também Celso de Albuquerque
Mello, Ratificação de Tratados, Freitas Bastos, 1966, pp. 11-12.
Consequentemente, a efetivação de tais acordos, inclusive em matéria tributária4, mais
do que conveniência política, revela verdadeira necessidade, pois como bem preconiza Luís
Eduardo Schoueri, “o crescimento dos tratados internacionais insere-se em um cenário de
concorrência internacional entre os países, que, qual agentes num mercado altamente
competitivo, buscam de todas as maneiras atrair investimentos internacionais5”.
De outra parte, além dessa função, tais acordos são instrumentos eficazes na
diminuição de incertezas jurídico-tributárias que acometem os chamados “contribuintes
globalizados6”, fenômeno conhecido por bitributação7 (ou pluritributação).
A questão gira em torno de dois pontos específicos, como precisamente pinça Alberto
Xavier:
“O problema da relevância dos tratados internacionais na ordem interna desdobra-se
em duas questões distintas: (i) a de saber quais as condições em que as normas
internacionais ganham relevância na ordem interna; e (ii) a de determinar qual o valor
formal hierárquico na ordem interna das normas internacionais que aí ganharam
relevância, ou seja, se vale na ordem interna como normas internacionais ou como
simples normas de direito interno”8
Diríamos mais, no debate brasileiro, a celeuma sobre o regime jurídico dos tratados,
especificamente em matéria tributária, é relevante também em função: (i) o artigo 5º, § 2º, da
Constituição Federal de 1988, que incluiu no rol de direitos e garantias individuais aqueles
decorrentes de tratados internacionais; (ii) o artigo 98 do Código Tributário Nacional, que
4
Vale lembrar que os acordos relativos a essa matéria não se limitam a evitar a dupla (ou múltipla) tributação.
Também outros, “mesmo versando sobre matéria própria (comércio, cooperação, tráfego internacional, etc),
trazem disposições de natureza tributária, como condição para o implemento do quanto se identifica como seu
objeto principal, geralmente mediante a concessão de benefícios fiscais típicos”, Heleno Tôrres, “Tratados e
convenções internacionais em matéria tributária e o federalismo fiscal”, Revista Dialética de Direito Tributário,
86, São Paulo, Dialética, 2002.
5
“Tratados e convenções internacionais sobre tributação” in Direito Tributário Atual, vol. 17, Instituto Brasileiro
de Direito Tributário, São Paulo, Dialética, 2003, p. 20.
6
MARINO, Giuseppe. La residenza nel diritto tributário, apud Heleno Taveira Tôrres in Pluritributação
internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 39.
7
Nas palavras de Heleno Taveira Tôrres: “Trata-se a pluritributação internacional de um fenômeno complexo e
que advém sempre de um concurso de pretensões impositivas, na incidência de normas tributárias relativas a
impostos semelhantes, contemporaneamente, sobre o mesmo sujeito passivo, fazendo com que este suporte uma
carga tributária superior à que estaria submetido caso estivesse sobre a égide de uma única autoridade fiscal: a do
local da fonte efetiva de rendimentos, nos moldes do princípio da territorialidade”, op. cit., p. 40.
8
Alberto Xavier, Direito tributário internacional do Brasil, 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2007.
enuncia que tais acordos “revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão
observados pela que lhes sobrevenha.
Ocorre que o pleito fora julgado improcedente, sentença esta mantida em sede recursal,
o que ensejara a interposição de recursos especial e extraordinário. Com o provimento do
recurso pelo STJ9, a União também interpusera recurso extraordinário, em que defende a
mantença da tributação aos contribuintes residentes ou domiciliados fora do Brasil. Sustenta,
que a incidência do art. 98 do CTN, na situação em apreço, ao conferir superioridade hierárquica
aos tratados internacionais em relação à lei ordinária, transgredira os artigos 2º; 5º, II e § 2º; 49,
I; 84, VIII, todos da Constituição Federal.
1. PREMISSAS ADOTADAS
9
CITAR
jurídicas, as quais submeteremos, no presente trabalho, às categorias do constructivismo lógico-
semântico.
10
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência, 6ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 22.
11
“Cada pessoa, cada objeto, cada elemento natural ou artificial de nossa paisagem, cada força ou organização
‘comunica-se’ continuamente. Comunicar, neste caso, quer simplesmente dizer difundir informação sobre si,
apresentar-se ao mundo, ter um aspecto que é interpretado, embora tacitamente, por qualquer um que esteja
presente”, in UGO VOLI, Manual de Semiótica, apud IVO, Gabriel. "O direito e a inevitabilidade do cerco da
linguagem", in CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Constructivismo Lógico Semântico, Vol. I, São Paulo:
Noeses, 2014, p. 72.
12
“Para se obter o domínio das formas lógico-gramaticais é preciso isolar a pura sintaxe das categorias de
significação, os puros modos combinatórios e os tipos de significação (significações nominais, adjetivas,
atributivas, predicamentais, relacionais), independentemente dos objetos das significações. Podemos dizer: as
combinações possíveis – que dão significações unitárias, ou que evitam o sem-sentido – decorrem das
significações como objetos universais (eidéticos ou ideais), e não como objetos das significações. O sem-sentido
não é objetal: não resulta da incomunicabilidade entre objetos pertencentes a domínios diversos. (...) O que
afirmamos provém do nível em que se coloca a análise gramatical-lógica. Sendo o primeiro estrato lógico, sem
compromisso com o valor de verdade, não entrando em consideração a contradição ou a não-contradição, o
necessariamente falso e o necessariamente verdadeiro, quer lógico-formal, quer ontológico-formal, então pouco
importa, primeiro, a incompatibilidade material dos objetos postos pelas significações. O possível sintaticamente
não corresponde ao possível logicamente (no sentido estrito que Husserl distingue) e ao possível ontologicamente”
VILANOVA, Lourival. “Teoria das Formas Sintáticas: anotações à margem da Teoria de Edmund Husserl”,
Escritos Jurídicos e Filosóficos, vol. 2, São Paulo: Axis Mundi/IBET, 2003, pp. 96-97.
13
Cf. idem, p. 111.
Quando as proposições se articulam em juízos hipotéticos condicionais, estamos diante
das normas jurídicas, como estrutura lógico-sintática de significação, como ensina Lourival
Vilanova14:
14
"Níveis de linguagem em Kelsen (norma jurídica/proposição jurídica)", in Escritos Jurídicos e Filosóficos, vol.
2, São Paulo: Axis Mundi/IBET, 2003, p. 218.
15
“Aliás, é nesse sentido que Raz se refere aos dois axiomas da teoria kelseniana, os quais seriam tidos por auto-
evidentes e não precisariam ser comprovados, à semelhança dos postulados científicos. Ambos se referem à norma
fundamental e determinam que: 1) dadas duas normas jurídicas, se uma autoriza direta ou indiretamente a outra,
ambas devem necessariamente pertencer ao mesmo ordenamento jurídico; 2) todas as normas jurídicas de
determinado sistema são autorizadas, direta ou indiretamente, por uma única norma fundante” MATOS, Andityas
Sores de Moura Costa. "Norma fundamental: ficção, hipótese ou postulado?", in KELSEN, Hans, Sobre a teoria
das ficções científicas: com especial consideração da filosofia do "como se" de Vaihinger, tradução Vinicius
Matteucci de Andrade Lopes, Rio de Janeiro: Via Verita, 2012, pp. 41-42.
16
“Nem tudo que está dentro da Constituição serve de critério-de-pertinência das proposições jurídicas de um dado
sistema. Sim as proposições que estatuem sobre a forma e indicam que órgão está habilitado competencialmente
para criar normas (incluir as proposições constitucionais de revisão ou reforma constitucional). São proposições
normativas sobre proposições normativas. Grande parte do sobredireito” VILANOVA, Lourival. Estruturas
lógicas e Sistema de Direito Positivo, São Paulo: Noeses, 2005, p. 261.
direito, poderão assumir tanto a posição de norma derivante, como a de norma derivada. Aquela
traz a programação para a criação desta, mediante o regramento da autoridade competente,
procedimento próprio e, em certa medida, os limites conceptuais.
Segundo essa perspectiva, é possível se afirmar que o sistema do direito positivo possui
estrutura hierarquizada de derivação. Parte de norma jurídica pressuposta, que dá fundamento
de validade para as normas jurídicas construídas a partir dos enunciados constantes do texto
constitucional que, por sua vez, servem de condicionantes à atividade enunciativa do legislador
infraconstitucional.
17
VILANOVA, Lourival. "Níveis de linguagem em Kelsen (norma jurídica/proposição jurídica)", in Escritos
Jurídicos e Filosóficos, vol. 2, São Paulo: Axis Mundi/IBET, 2003, pp. 212-214.
18
Idem, p. 215.
O processo de positivação do direito pressupõe a interpretação e aplicação como
processo único, o qual se consubstancia, mediante ato de fala (enunciação), num novo produto,
duas novas normas jurídicas em sentido amplo inseridas no sistema: a norma introdutora, cuja
significação é construída a partir da enunciação-enunciada, e a norma introduzida, que tem por
índice temático de construção de sentido o enunciado-enunciado.
Muito bem. Diversas foram as teorias que tentaram justificar a (in)existência de duas
ordens jurídicas, podendo elas ser aglomeradas nas correntes monista e dualista. A primeira que
tentou explicar essas relações se deu no início do século XIX e, em princípio, se baseava na
concepção hegeliana de soberania, segundo a qual o Estado seria o “Deus real”21, negando-se,
dessa forma, até a existência do direito internacional, o qual era tratado como um “direito
externo de Estado”22.
19
A exemplo, podemos citar: Celso de Albuquerque Mello, Ratificação de tratados, São Paulo: Freitas Bastos,
1966, p. 49 et. seq.; Francisco Rezek, Direito Internacional Público, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 4 et. seq.;
Heleno Taveira Tôrres, op. cit., pp.552-559; Carlos Roberto Husek, Curso de Direito Internacional Público, 9ª
ed., São Paulo, LTR, 2009, pp. 47-58. Élcio Fonseca Reis, “Os tratados internacionais e seu regime jurídico no
direito tributário brasileiro – o problema da isenções heterônomas” in Revista de Direito Tributário, nº 77, São
Paulo: Malheiros, 1997, pp. 245-248; Eduardo Pugliese Pincelli, cit., pp. 673-678.
20
Nas palavras do professor Eduardo Pugliese Pincelli: “Os termos monismo e dualismo têm sido utilizados de
maneira ambígua pela doutrina brasileira, o que dificulta a compreensão da matéria”, op. cit., p. 674.
21
G. W. F. Hegel, Liniamenti di filosofia del diritto, apud Luigi Ferrajoli, A soberania no mundo moderno, São
Paulo, Martins Fontes, 2007, p. 36.
22
Ibidem, p. 37.
Com o tempo, ela se tornou mais flexível. O direito internacional, antes negado, passou
a ser tolerado, dentro dos limites da discricionariedade de adoção de seus preceitos pelo
Estado23. Tal teoria é denominada monista com prevalência do direito interno.
“(...) os que adotam a primazia do Direito Interno fundamentam tal concepção nos
seguintes alicerces:
a) a inexistência de autoridade internacional superior aos Estados e a conseqüente
liberdade destes para apreciar as suas obrigações internacionais e escolher os meios
de as cumprir;
b) a fundamentação das obrigações internacionais no Direito Constitucional Interno,
pois seria este que determinaria o órgão competente para assumir obrigações
internacionais, bem como a validade dessas normas”24.
Já no final do século XIX, surgiu na Alemanha, tendo como precursor Heinrich Triepel,
e na Itália, com Anzilotti, a teoria que prezava pela existência de duas ordens jurídicas em
separado, denominada de dualismo
Por essa teoria, concebia-se a existência de duas ordens jurídicas distintas, internacional
e interna, “de tal modo que a validade jurídica de uma ordem interna não se condiciona à sua
sintonia com a ordem jurídica internacional”25.
“a) As fontes do Direito Internacional são diferentes das fontes do Direito Interno,
porque as primeiras resultam da vontade coletiva dos Estados ou de organismos
internacionais, por meio de tratados, e as segundas advêm de um só Estado na
produção de seu Direito Interno.
b) A eficácia da norma internacional ocorre na área internacional, ainda que também
possa viger na área interna por aceitação de cada Estado, enquanto a norma interna só
tem eficácia no território do Estado.
c) Uma norma internacional pode vir a influenciar o Direito Interno; raramente
ocorrerá de forma contrária. Tal influência far-se-á mediante a ‘recepção de normas’
com a incorporação da norma pretendida ao Direito Interno”26.
A teoria dualista sofreu severas críticas, dentre as quais se destacam as proferidas por
Hans Kelsen. Segundo o mestre de Viena, sob o ponto de vista lógico, a construção dualista é
23
Cf. Francisco Rezek, op. cit., p. 4.
24
Élcio Fonseca Reis, op. cit., pp. 246-247
25
Francisco Rezek, op.cit., p. 4.
26
Carlos Roberto Husek, op. cit., p. 48.
insustentável, pois não há como se estabelecer um fechamento sistêmico do Direito27. Isto é, os
ordenamentos estatais e internacionais só podem pertencer a um único sistema.
Assim, Kelsen defendeu que a unidade entre as ordens estatais e a ordem internacional
só pode ser produzida em dois sentidos. Pelo primeiro, monismo com prevalência do direito
interno, o fundamento de validade do direito internacional é explicado a partir de uma
delegação da ordem jurídica estadual.
27
Nas palavras do autor: “(...) Esta construção dualista – ou melhor, ‘pluralista’, se levarmos em conta a pluralidade
das ordens jurídicas estaduais – é, no entanto, insustentável, mesmo do ponto de vista lógico, quando tanto as
normas de Direito Internacional como as das ordens jurídicas estaduais devem ser consideradas como normas
simultaneamente válidas, e validas igualmente como normas jurídicas. Nesta concepção, compartilhada também
pela doutrina dualista, está já contido o postulado teorético-gnosiológico que obriga a abranger todo o Direito num
só sistema, quer dizer, a concebê-lo de um ponto de vista único como um todo fechado sobre si. Na medida em
que a ciência jurídica que apreender como Direito o material que se lhe oferece com as características do Direito
Internacional, precisamente da mesma maneira como o faz para aquele material que se apresenta como Direito
estadual, que dizer, na medida em que o pretende abranger sob a categoria de norma jurídica válida, ela impõe-se
– precisamente como ciência da natureza – a tarefa de descrever o seu objeto como uma unidade” (grifos nossos),
in Teoria Pura do Direito, tradução João Baptista Machado, São Paulo, Martins Fontes, 2003, pp. 364-365.
28
Ibidem, pp. 371-372.
29
Ibidem, p. 374.
Kelsen, nessa hipótese, a fim de trazer unidade sistêmica ao Direito, desloca a norma
fundamental da ordem estatal para a ordem internacional. Segundo o autor, se as normas criadas
pelos Estados os vinculam, é porque existe uma norma pressuposta que considera o costume
dos Estados como fonte criadora de Direito.
O inicial significado dos termos refere-se ao que expomos anteriormente30. Por outro
lado, existem autores que fazem menção a eles para se referirem ao procedimento de
internalização dos tratados internacionais na ordem jurídica brasileira31.
Com efeito, o termo monismo passou a ser utilizado quando se defendia ser dispensável
a existência de procedimento de internalização, ao passo que o dualismo, quando ele se
mostrava forçoso.
Vemos com isso que a celeuma já instalada cresceu de magnitude, pois os termos
passaram a incluir não só a já intricada discussão a respeito da unidade ou pluralidade de
sistemas, como também a discussão a respeito da (des)necessidade de um procedimento interno
para que os tratados internacionais ingressem no sistema de direito positivo brasileiro.
30
Se filiando ao fiel uso dos termos, podemos citar Francisco Rezek: “Para os autores dualistas – dentre os quais
se destacaram no século passado Carl Heinrich Triepel, na Alemanha, e Dionisio Anzilotti, na Itália -, o dirieto
internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal modo
que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua sintonia com a ordem internacional”, in op.
cit., p. 4. Veja também, Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 24ª ed., pp. 227-228.
31
Nesse sentido, podemos citar o professor Celso de Albuquerque Mello: “Algumas teorias têm procurado explicar
o direito do estado de fixar os órgãos competentes para a ratificação. A primeira delas é a defendida pelos dualista”
in op. cit., p. 51.
Por essa razão, entendemos que a discussão entre monismo e dualismo deve ser
criteriosamente tratada, de forma que seja estabelecido, como premissas, quais são os conceitos
utilizados.
Tendo em vista o conceito de sistema por nós adotado, não há como acatar a teoria
monista, pois as normas de direito constitucional (ápice das ordens jurídicas “parciais”) não
possuem regras de estrutura referentes à produção de normas internacionais, tampouco a ordem
internacional possui essas regras de forma a englobar as normas daquelas32. Resta, portanto,
somente a possibilidade de uma concepção dualista - ou melhor, pluralista - de ordens jurídicas.
Por outro lado, se os termos forem utilizados de forma a significar a discussão a respeito
da (des)necessidade de um procedimento interno para que os tratados internacionais ingressem
no sistema de direito positivo brasileiro, é pela análise de seus enunciados prescritivos que
deveremos buscar a resposta.
32
Cf. Eduardo Pugliese Pincelli, cit., p. 681.
33
Heleno Tôrres, cit., p. 561. Já nas palavras de Alberto Xavier, “o Direito Internacional Público convencional,
depois de transformado, assumiria o grau hierárquico do respectivo ato interno que operasse tal transformação”,
cit., p. 35. Veja também, Celso de Albuquerque Mello, cit., p. 51 e Betina Treiger Grupenmacher, cit., pp. 68-69.
Por fim, pela teoria da incorporação os tratados internacionais só produzem efeitos
jurídicos válidos no direito interno quando recepcionados por uma ordem legislativa, entrando
em vigor com a ratificação.
De acordo com essa teoria, para que os tratados façam parte da ordem jurídica interna,
é necessária a colaboração do Legislativo, não para a aprovação de lei, mas apenas para
autorizar o chefe de estado a concluir o procedimento de ratificação34.
A Constituição Federal, em seu artigo 21, confere competência à União para “manter
relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais”, e o enunciado
previsto no artigo 84, VIII, determina ser de competência privativa do Presidente da República
“celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso
Nacional”.
Por sua vez, o artigo 49, I, do texto constitucional prevê a competência exclusiva do
Congresso Nacional para “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.
34
Cf. Heleno Tôrres, “Tratados e convenções em matéria tributária e o federalismo fiscal brasileiro”, Revista
Dialética de Direito Tributário, nº 68, São Paulo, Dialética, 2002,p. 43.
35
Mesmo que a professora Flávia Piovesan tenha se utilizado do termo ato, ao invés de processo, entendemos que
nada impede que empreguemos a segunda expressão. Isso, porque como bem observou Eurico Marcos Diniz de
Santi, ao tratar do termo ato administrativo, citando Carlos Santiago Nino, existem expressões que apresentam
dois significados, um referente ao processo e outro ao resultado da atividade, fenômeno denominado de
ambigüidade processo/produto. Nas palavras do autor: “Se em posse é possível distinguir três significados, em ato
administrativo, pode-se identificar o que Carlos Santiago Nino chama de ambigüidade processo/produto e que
consiste no fato de que um mesmo termo apresenta dois significados: um relativo à atividade ou ao processo e o
outro, ao produto ou resultado dessa atividade ou processo”, in “Lançamento, decadência e prescrição no direito
tributário”, Curso de Iniciação em Direito Tributário, São Paulo, Dialética, p. 52.
36
Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2006,
pp. 48-49.
Assim, a celebração de tratado pelo Presidente da República, ou quem lhe faça as vezes
(plenipotenciários e representantes diplomáticos dotados de Carta de Plenos Poderes), não é
condição suficiente, sendo necessário o referendo do Congresso Nacional.
A fase de negociação pode ou não vir a resultar em um tratado. Para que este seja
criado é necessário o consenso entre as partes pactuantes. Ela se inicia com a intervenção de
agentes37 e se finda com a autenticação38, “ato pelo qual as partes declaram concluído o
processo de formulação do acordo e que tem por objetivo prático fixar o texto que será
submetido a ratificação”39.
37
Alberto Xavier, cit., p. 105.
38
Idem.
39
Idem.
40
Francisco Rezek, op. cit. p. 38.
41
Ibidem, pp. 39-40.
Por sua vez, na negociação coletiva é comum “a convocação de uma conferência
diplomática internacional, votada exclusivamente à feitura de um ou mais tratados, ou a uma
pauta de discussão mais ampla, em que se inscreva, contudo, alguma produção
convencional”42.
Por se tratar de negociações com múltiplos Estados, os idiomas são os mais diversos,
razão pela qual, normalmente, as partes escolhem aqueles que serão utilizados no trabalho de
produção do texto convencional, bem como aqueloutros em que pretendem lavrar as versões
autênticas do texto acabado43.
42
Ibidem, p. 41.
43
Cf. Francisco Rezek, op. cit., p. 42.
44
“It is of the essence of the ‘law-making’ treaty that its provisions are ‘directly’ a source of international law,
whereas this is not the case with the ‘traité-contrat’ which purports only to lay down special obligations between
the states parties”, Treaty as a source of International Law apud Celso de Albuquerque Mello, op.cit. p.12.
45
Cf. Celso de Albuquerque Mello, op.cit. p.13.
negociações duras e demoradas. É preciso ter-se a sorte de escutar, de vez em quando,
ainda que em raras oportunidades, em fim de noite, as experiências relatadas pelas
pessoas que participaram de negociações envolvendo acordos de bitributação. Tal
como uma negociação que se arrastou tanto sobre pontos fundamentais, até que se
aproximava a hora do vôo de volta; é nesse momento, quando a outra parte ainda
espera fechar negociações nessa rodada, que se pode esperar uma pré-disposição para
concessões sob a pressão do tempo. Ou ainda, sobre quaisquer negociações noturnas,
nas quais aquele fisicamente mais robusto tem mais vantagem. Ainda, sobre aquela
delegação anfitriã que prometeu um jantar frio após as negociações, deixando a
comida já preparada visível na ante-sala e a negociação continuou impiedosamente
(parece que a delegação anfitriã, neste ínterim, foi se servindo individualmente).
Ainda que se deduzam cinqüenta por cento das histórias, por conta da ‘conversa de
negociador’, semelhante à ‘conversa de pescador’ ou ‘de caçador’, ainda assim restará
suficiente para não deixar dúvidas de que os acordos implicam uma luta dura e
maliciosa, na qual as partes que negociam estão prontas e dispostas a se valer de todas
as vantagens que se oferecem. Isto não pode ser desconsiderado na interpretação do
acordo”46.
Tal classificação, todavia, vem sendo rechaçada por grande parte da doutrina47, uma
vez que “a função essencial de todo tratado é a de criar normas jurídicas gerais ou
individuais”48.
46
Klaus Vogel, Steuerberater-Jahrbuch, apud Luís Eduardo Schoueri, op. cit. p. 575.
47
Veja, por exemplo, Francisco Rezek, cit. p. 29. Em sentido contrário, Luís Eduardo Schoueri, cit, p. 576. Nas
palavras do autor: “Diante das circunstâncias como são negociados os acordos de bitributação, que levam em
consideração as peculiaridades dos Estados-contratantes, em um regime de concessões mútuas, não abertas a
terceiros países, cujo resultado não é uma norma geral de direito internacional público, mas mero conjunto de
renúncias recíprocas de poderes de tributar, parece correto estarmos, na classificação adotada pelo Ministro
Cunha Peixoto, diante de um tratado convencional”.
48
“La fonction essentielle de tout traité est de créer des norms juridiques generals ou individuelles”, Hans Kelsen,
Théorie du Droit International Public, apud Celso de Albuquerque Mello, cit., p. 14.
49
Celso de Albuquerque Mello, cit., p. 15.
50
Nas palavras de Genaro R. Carrió: “Los juristas creen que esas clasificaciones constituyen la verdadera forma
de agrupar las reglas y los fenómenos, en lugar de ver en ellas simples instrumentos para uma mejor comprensión
de estós. Los fenómenos – se cree –deben acomodarse a las clasificaciones y no a la inversa. Las clasificaciones
no son ni verdaderas ni falsas, son serviciales o inútiles; sus ventajas o desventajas están supeditadas al interes que
guia a quien las formula, y a su fecundidad para presentar um campo de conocimiento de una manera más
facilmente comprensible o más rica em consecuencias prácticas deseables”, Notas sobre el Derecho y Lenguaje,
(CHECAR PÁGINA), p. 63.
pretendemos é desfazer o estudo do direito do “sistema de fundamentos óbvios” tão bem
colocado por Alfredo Augusto Becker51
Isto é, ela traduz o “aceite precário e provisório, não irradiando efeitos jurídicos
vinculantes. Trata-se de mera aquiescência do Estado em relação à forma e ao conteúdo do
tratado”52.
51
Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributário, 4ª ed., São Paulo, Noeses, 2007.
52
Flávia Piovesan, cit., p. 47.
53
Em sentido contrário veja, por exemplo, Paulo de Barros Carvalho, “Tratados internacionais em matéria
tributária – estudo de um caso concreto”, in Direito Internacional Humanismo e Globalidade, p. 111; Heleno
Tôrres, cit., p. 564.
encargos ou compromissos gravosos para o patrimônio nacional, tem que ser
submetido ao referendo congressual. Logo, os tratados, os acordos, as convenções
internacionais, sempre dependem de referendo do Congresso Nacional,
independentemente de serem ou não gravosos ao patrimônio nacional”54.
Superada a controvérsia, passemos a análise do rito do referendo congressual.
“é produto do processo legislativo (art. 59, VI da CF) que tem regime célere de
aprovação (art. 151, I, ‘j’, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e art. 376
do Regimento Interno do Senado Federal) por maioria simples (art. 109, II do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados). Quando aprovado, o presidente do
Senado determina sua publicidade, acompanhado do inteiro teor do Tratado ou
Convenção, no Diário do Congresso Nacional”56.
Sobre este ponto, merece destaque a controvérsia existente a respeito da função do
Decreto Legislativo, sendo muitos os entendimentos defendidos.
Para Paulo de Barros Carvalho, os tratados internacionais não possuem força vinculante
na ordem interna, devendo, por obediência ao princípio da legalidade, o decreto legislativo
54
José Afonso da Silva, Comentário Contextual à Constituição, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, p. 403. Com o mesmo
entendimento, mas com outros argumentos, veja Roque Antonio Carrazza, cit., p. 232.
55
Heleno Taveira Tôrres, cit., p. 563.
56
Heleno Taveira Tôrres, “Aplicação dos tratados e convenções internacionais em matéria tributária no direito
brasileiro”, in Tratados Internacionais na Ordem Jurídica Brasileira, São Paulo, Aduaneiras, 2005, p. 147.
recolher a matéria daqueles. Assim, é ele o veículo que, “uma vez publicado no Diário Oficial
da União, imprimirá vigência a todos os seus dispositivos”57.
Por sua vez, Heleno Tôrres entende que é pelo decreto legislativo há a: “manifestação
jurídica de vontade que faz inserir no ordenamento nacional norma autorizativa para o que o
órgão Presidência possa ratificar”58.
Em sentido semelhante, mas não idêntico, Alberto Xavier defende que o referendo do
Congresso Nacional reveste “a natureza de uma autorização para ratificação”59. Nas palavras
do ilustre jurista:
Muitas vezes, o sistema não remete suas normas às normas contidas em seu interior,
já feitas ou por fazer, mas reenvia a normas de outro sistema (assim no direito
internacional privado). Normas de outro sistema - do direito internacional - ingressam
no sistema estatal por meio da fonte formal deste. Ora, inexiste fontes de construção
de normas sem normas que estatuem tais "fontes".
A forma é o fundo aparecendo, como nos ensina Paulo de Barros Carvalho. Numa visão
normativista, na qual validade e hierarquia são tidas como axiomas, não é possível conceber
que as deliberações aprovadas em convênios ingressem numa ordem jurídica parcial sem que
57
Paulo de Barros Carvalho, cit., p. 110. Nesse mesmo sentido, Heleno Tôrres, verbis: “A vigência do acordo
começará a contar exclusivamente a partir do ato de ratificação, como previsto no corpo do tratado, pela aprovação
mediante o Decreto Legislativo expedido pelo Congresso Nacional”, “Tratados e convenções em matéria tributária
e o federalismo fiscal”, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 56, São Paulo, Dialética, 2002.
58
Heleno Tôrres, “Tratados internacionais em matéria tributária”, Revista da Academia Brasileira de Direito
Constitucional, vol. 5, 2004, pp. 75-76.
59
Alberto Xavier, cit., p. 106. No mesmo sentido Roque Antonio Carrazza, para quem o “o decreto legislativo não
ratifica o acordo, mas apenas autoriza o chefe do Executivo Federal a concluí-lo”, Curso de Direito Constitucional
Tributário, p. 229.
60
Alberto Xavier, “Tratados superioridade hierárquica em relação à lei face à constituição federal de 1988”,
Revista de Direito Tributário, 66, São Paulo, Malheiros, 1994, p. 34.
61
VILANOVA, Lourival. "Níveis de linguagem em Kelsen (norma jurídica/proposição jurídica)", in Escritos
Jurídicos e Filosóficos, vol. 2, São Paulo: Axis Mundi/IBET, 2003, p. 213.
haja um ato de enunciação (ato de fala), por autoridade competente, observando procedimento
próprio – ambos previstos no próprio sistema estadual -, que as reenvie mediante a
materialização de documento normativo (texto), formado por enunciado-enunciado e
enunciação enunciada, os quais servirão de índice temático para a construção de novas normas
jurídicas do ente político competente.
Em nosso entender, é a opinião de Paulo de Barros Carvalho a que mais se coaduna com
o nosso ordenamento jurídico, pois somente este veículo introdutor atende os princípios da
legalidade, federativo e da república.
Todavia, a vigência na ordem jurídica interna será diferida para a data de publicação do
Decreto Executivo, etapa posterior à ratificação. Isso porque, no nosso ordenamento jurídico,
com a publicação do Decreto Legislativo é dada autorização para que o Presidente da República
ratifique o tratado internacional, ficando a seu cargo decidir discricionariamente62 o melhor
momento para tal.
Após termos falado das fases de assinatura, negociação, referendo e ratificação, cabe
tratarmos da função do decreto executivo, veículo introdutor que, segundo entendemos, confere
a vigência aos enunciados-enunciados introduzidos pelo Decreto-Legislativo.
62
Heleno Tôrres, cit., p. 568. Veja também, José Francisco Rezek, cit., p. 52.
Assim, é o decreto executivo que conferirá vigência aos enunciados-enunciados
inseridos no sistema pelo decreto-legislativo. Nesse sentido, entende Roque Antonio Carrazza,
para quem “a ratificação dos tratados internacionais não é levada a efeito pelo Congresso
Nacional, mas, sim – após a aprovação desta Casa Legislativa -, pelo Presidente da República,
por meio de decreto”63; e Alberto Xavier, cuja opinião vai no sentido de ser a publicação do
decreto executivo no Diário Oficial que produz “efeitos ‘ex tunc’ com relação às datas previstas
no tratado para a vigência deste (Parecer Normativo CST nº 3/79)”64.
Nesse mesmo sentido, tem julgado o Supremo Tribunal Federal65 e o Superior Tribunal
de Justiça66.
Analisadas as teorias que tentam explicar a relação dicotômica entre direito interno e
internacional, e pormenorizado o iter de formação dos tratados internacionais, bem como o
momento em que eles tornam-se vigentes no ordenamento brasileiro, passemos a analisar qual
foi o patamar hierárquico conferido pelo ordenamento jurídico brasileiro aos enunciados-
enunciados decorrentes de tratados internacionais em matéria tributária.
A primeira questão que colocamos neste capítulo diz respeito ao status que
Constituição da República dá ao “tratado internacional” em matéria tributária após a sua
incorporação, e, em decorrência disso, a sua hierarquia, quando comparado com norma
tributária interna.
Para Paulo de Barros Carvalho, o tratado internacional não possui força vinculante na
ordem jurídica interna, devendo seu conteúdo ser apreendido através do decreto legislativo.
Por sua vez, a opinião de Heleno Tôrres pode ser resumida no seguinte excerto:
“Toda essa descrição sobre a possibilidade de resolução de conflitos em matéria de
63
Roque Antonio Carrazza, cit., p. 228.
64
Alberto Xavier, cit., p. 107.
65
Veja, por exemplo, Agravo Regimental na Carta Rogatória nº 8279 /AT, Relator Ministro Celso de Mello,
Tribunal Pleno, DJ de 10/08/2000 .
66
Para efeitos de ilustração, Resp 157561/SP, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma,
DJ de 08/03/1999, p. 220.
67
Cf. Paulo de Barros Carvalho, cit., pp. 109-110.
tratados visa demonstrar que a Constituição Federal deixou muito bem definida a
posição dos tratados em face das leis, do que se conclui:
I – o tratado mantém-se como ’Direito Internacional’ na ordem interna, comprovando
o dualismo, afinal, dispo sobre ‘declarar a inconstitucionalidade de tratado ou de lei
federal’ seria despiciendo, se o ‘tratado’ fosse ‘lei’ para o direito interno, cabendo
falar apenas em declaração de inconstitucionalidade de ‘leis’;
II – as distribuições de competências aos juízes federais e tribunais, com
exclusividade para as matérias veiculadas por tratados internacionais, na mesma linha,
também seriam inúteis, bastando expressa referência à ‘lei federal’;
III – os tratados firmados pela República são mantidos no direito interno subordinados
à Constituição e com prevalência de aplicabilidade sobre qualquer lei, complementar
ou ordinária; federal, estadual, distrital ou municipal; anterior ou posterior ao seu
ingresso na ordem jurídica”68.
Já Alberto Xavier preleciona que, em razão do artigo 5º, § 2º, da Constituição da
República, o ordenamento jurídico brasileiro elegeu o sistema monista com cláusula de
recepção plena, razão pela qual os tratados valem na ordem interna como tal, só podendo ser
revogados mediante denúncia
68
Heleno Tôrres, cit., pp. 576-577.
69
Alberto Xavier, cit., pp. 119-120.
É ele que introduz na ordem interna as prescrições contidas inicialmente no tratado
internacional.
As razões para essa afirmativa vão ao encontro do que dissemos bem no início do
estudo, uma norma só poderá ser considerada válida para um sistema se a sua produção
obedecer às regras que ele concebe como legítimas (regras de estrutura).
A pergunta que se faz nesse ponto é como compatibilizar isso com todas as disposições
constitucionais que se referem à expressão “tratado”.
“Os membros das Casas Legislativas, em países que se inclinam por um sistema
democrático de governo, representam os vários segmentos da sociedade.
(...)
Ponderações desse jaez nos permitem compreender o porquê dos erros,
impropriedades, atecnias, deficiências e ambigüidades que os textos legais
cursivamente apresentam. Não é, de forma alguma, o resultado de um trabalho
sistematizado cientificamente”.
Sintetizando o exposto, é o decreto legislativo que introduz na ordem interna os
enunciados-enunciados constantes do tratado internacional. Entretanto, sua vigência interna é
diferida para o momento em que se dá a publicação do Decreto Executivo, condicionado à
diferida à troca de instrumentos de ratificação.
70
Flávia Piovesan, cit., p. 45.
71
Alberto Xavier, cit., p. 131.
Em nosso entender, o enunciado nada mais faz do que explicitar regra72 de antinomia
clássica, a de lex specialis derogat generalis. Firmamos nosso entendimento com base nas
lições de Geraldo Ataliba e Aires F. Barreto:
“Os acordos internacionais tributários são leis que descrevem as hipóteses de
incidências dos tributos diversos. São especiais porque prescrevem a) regulações
diferentes, peculiares e específicas, para b) situações especiais discriminadas para
alguns, enquanto as leis tributárias contêm a.1) regras gerais ou específicas para b.1)
todas as situações gerais ou específicas que descrevem
...Em resumo, por tratar-se de leis especiais – no confronto com a lei que cria o tributo
– o acordo ou o tratado internacional prevalece sobre essa, não podendo ser revogados
(leis especiais não são revogadas pela geral).
Assim, a prevalência das normas dos tratados não provém de sua índole internacional
nem de uma superioridade extrassistêmica do direito internacional: essa prevalência
decorre direta e simplesmente de nosso ordenamento jurídico”73
Dessa forma, por ser enunciado de lei especial, não poderá ser revogado por lei de
caráter geral, numa aplicação do método de solução de antinomias – que é histórico, e não
lógico - do lex specialis derogat generalis.
CONCLUSÕES
72
Regra essa que como, bem aponta José Souto Maior Borges, não constitui princípio lógico, mas contingente e
cambiante técnica de invalidação normativa pela ordem jurídica positiva. Vide Obrigação tributária (uma
introdução metodológica), 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 124.
73
Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto, “Acordo Brasil-Itália de Navegação Aérea. Aspectos Tributários”,
relatório apresentado in Seminário Internacional sobre Finanças Públicas e Imposição: Confrontos dos Sistemas
Latino-americanos e Europeu, Roma, jul. 1992, pp. 12-13, apud, Misabel Derzi, in Aliomar Baleeiro, cit., pp. 411-
412.
pluralidade de sistemas jurídicos. Noutro, reporta-se a existência ou não de um procedimento
interno para que os tratados internacionais ingressem no sistema de direito positivo brasileiro.
4. No sentido original, tendo em vista o pressuposto tomado a respeito do conceito
de sistema jurídico, só podemos conceber a existência da teoria dualista (na verdade, pluralista),
uma vez que as normas de direito constitucional (ápice das ordens jurídicas “parciais”) não
possuem regras de estrutura referentes à produção de normas internacionais, tampouco a ordem
internacional possui esse tipo de regras de forma a englobar as normas daquelas.
5. No Brasil, o procedimento de celebração dos tratados internacionais possui
natureza complexa, pois envolve a participação de Executivo e Legislativo, podendo ser
dividido nas fases de negociação, assinatura, referendo do Congresso Nacional, ratificação.
6. A classificação dos tratados em contratuais e normativos é inútil, pois não
demonstra a realidade do fenômeno convencional. Ambos, a despeito da transação, criam
normas jurídicas.
7. Em homenagem ao princípio da legalidade, federativo e da república, é o decreto
legislativo, o instrumento eleito constitucionalmente como veículo introdutor do conteúdo dos
tratados internacionais.
8. Possui duas funções, a de norma “autorizativa” para o ato de ratificação pelo
Presidente da República; e a segunda, a de conferir validade ao tratado internacional após a
ratificação, numa espécie de reenvio para o ordenamento jurídico pátrio dos enunciados
pactuados
9. Todavia, a vigência na ordem jurídica interna será diferida para a data de
publicação do Decreto Executivo, etapa posterior à ratificação. Isso porque, no nosso
ordenamento jurídico, com a publicação do Decreto Legislativo é dada autorização para que o
Presidente da República ratifique o tratado internacional, ficando a seu cargo decidir
discricionariamente o melhor momento para tal.
10. Haverá assim momentos distintos de vigência no âmbito internacional e no
âmbito interno, pois a ratificação, como colocamos, é ato discricionário, razão pela qual nos
parece difícil aceitar que, caso o Presidente da República não ratifique o tratado, os enunciados-
enunciados introduzidos pelo decreto legislativo venham a vigorar no âmbito interno.
11. Em relação à hierarquia, é o decreto legislativo que introduz no ordenamento
jurídico o conteúdo do tratado internacional, razão pela qual ele terá a hierarquia do conteúdo
introduzido. Como no caso tratamos dos tratados em matéria tributária, ele terá hierarquia de
lei (ordinária ou complementar).
12. Quando a Constituição Federal se utiliza repetidamente do termo “tratado”, ela
está o fazendo com intuito meramente prático, a fim de evitar que o aplicador do direito se
escuse de utilizar o seu conteúdo trazido pelo decreto legislativo, após a sua entrada em vigor
com o advento do Decreto Executivo.
13. O enunciado do artigo 98 do Código Tributário Nacional traz uma
impropriedade técnica, ao falar em revogação, ao invés de derrogação. Não se trata de uma
conferência supralegal aos “tratados” em matéria tributária, mas, simplesmente, é explicitar a
regra de antinomia clássica, lex specialis derogat generalis.
BIBLIOGRAFIA
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Francisco Rezek, Direito Internacional Público, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 4 et. seq.; Heleno Taveira Tôrres,
op. cit., pp.552-559;
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da isenções heterônomas” in Revista de Direito Tributário, nº 77, São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 245-248;
Veja também, Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 24ª ed., pp. 227-228.
1
Nesse sentido, podemos citar o professor Celso de Albuquerque Mello: “Algumas teorias têm procurado explicar
o direito do estado de fixar os órgãos competentes para a ratificação. A primeira delas é a defendida pelos dualista”
in op. cit., p. 51.
1
Cf. Eduardo Pugliese Pincelli, cit., p. 681.
1
Heleno Tôrres, cit., p. 561. Já nas palavras de Alberto Xavier, “o Direito Internacional Público convencional,
depois de transformado, assumiria o grau hierárquico do respectivo ato interno que operasse tal transformação”,
cit., p. 35. Veja também, Celso de Albuquerque Mello, cit., p. 51 e Betina Treiger Grupenmacher, cit., pp. 68-69.
1
Cf. Heleno Tôrres, “Tratados e convenções em matéria tributária e o federalismo fiscal brasileiro”, Revista
Dialética de Direito Tributário, nº 68, São Paulo, Dialética, 2002,p. 43.
1
Mesmo que a professora Flávia Piovesan tenha se utilizado do termo ato, ao invés de processo, entendemos que
nada impede que empreguemos a segunda expressão. Isso, porque como bem observou Eurico Marcos Diniz de
Santi, ao tratar do termo ato administrativo, citando Carlos Santiago Nino, existem expressões que apresentam
dois significados, um referente ao processo e outro ao resultado da atividade, fenômeno denominado de
ambigüidade processo/produto. Nas palavras do autor: “Se em posse é possível distinguir três significados, em ato
administrativo, pode-se identificar o que Carlos Santiago Nino chama de ambigüidade processo/produto e que
consiste no fato de que um mesmo termo apresenta dois significados: um relativo à atividade ou ao processo e o
outro, ao produto ou resultado dessa atividade ou processo”, in “Lançamento, decadência e prescrição no direito
tributário”, Curso de Iniciação em Direito Tributário, São Paulo, Dialética, p. 52.
1
Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2006,
pp. 48-49.
1
“It is of the essence of the ‘law-making’ treaty that its provisions are ‘directly’ a source of international law,
whereas this is not the case with the ‘traité-contrat’ which purports only to lay down special obligations between
the states parties”, Treaty as a source of International Law apud Celso de Albuquerque Mello, op.cit. p.12.
1
Cf. Celso de Albuquerque Mello, op.cit. p.13.
1
Klaus Vogel, Steuerberater-Jahrbuch, apud Luís Eduardo Schoueri, op. cit. p. 575.
1
Veja, por exemplo, Francisco Rezek, cit. p. 29. Em sentido contrário, Luís Eduardo Schoueri, cit, p. 576. Nas
palavras do autor: “Diante das circunstâncias como são negociados os acordos de bitributação, que levam em
consideração as peculiaridades dos Estados-contratantes, em um regime de concessões mútuas, não abertas a
terceiros países, cujo resultado não é uma norma geral de direito internacional público, mas mero conjunto de
renúncias recíprocas de poderes de tributar, parece correto estarmos, na classificação adotada pelo Ministro
Cunha Peixoto, diante de um tratado convencional”.
1
“La fonction essentielle de tout traité est de créer des norms juridiques generals ou individuelles”, Hans Kelsen,
Théorie du Droit International Public, apud Celso de Albuquerque Mello, cit., p. 14.
1
Celso de Albuquerque Mello, cit., p. 15.
1
Nas palavras de Genaro R. Carrió: Notas sobre el Derecho y Lenguaje, apud Eurico Marcos Diniz di Santi, op.
cit., nota de rodapé 29, p. 63.
1
Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributário, 4ª ed., São Paulo, Noeses, 2007.
Paulo de Barros Carvalho, “Tratados internacionais em matéria tributária – estudo de um caso concreto”, in Direito
Internacional Humanismo e Globalidade, p. 111; Heleno Tôrres, cit., p. 564.
José Afonso da Silva, Comentário Contextual à Constituição, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, p. 403.
Com o mesmo entendimento, mas com outros argumentos, veja Roque Antonio Carrazza, cit., p. 232.
1
Heleno Taveira Tôrres, “Aplicação dos tratados e convenções internacionais em matéria tributária no direito
brasileiro”, in Tratados Internacionais na Ordem Jurídica Brasileira, São Paulo, Aduaneiras, 2005, p. 147.
Tôrres, verbis:
“Tratados e convenções em matéria tributária e o federalismo fiscal”, Revista Dialética de Direito Tributário, nº
56, São Paulo, Dialética, 2002.
Heleno Tôrres, “Tratados internacionais em matéria tributária”, Revista da Academia Brasileira de Direito
Constitucional, vol. 5, 2004, pp. 75-76.
Alberto Xavier, “Tratados superioridade hierárquica em relação à lei face à constituição federal de 1988”, Revista
de Direito Tributário, 66, São Paulo, Malheiros, 1994, p. 34.
Veja, por exemplo, Agravo Regimental na Carta Rogatória nº 8279 /AT, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal
Pleno, DJ de 10/08/2000 .
Para efeitos de ilustração, Resp 157561/SP, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ
de 08/03/1999, p. 220.
Regra essa que como, bem aponta José Souto Maior Borges, não constitui princípio lógico, mas contingente e
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