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Ministério Público em 13 de maio de 2022 em Juiz de Fora - MG

CHRISTIAN MARTINS ALVES WESLEY HENRIQUE DE LIMA


PROMOTOR DE JUSTIÇA PROMOTOR DE JUSTIÇA

LEONARDO JOSÉ DUARTE FONSECA MARIA BEATRIZ RODRIGUES ASSUNÇÃO


PROMOTOR DE JUSTIÇA PROMOTOR DE JUSTIÇA

NATHÁLIA MARIA DE OLIVEIRA TAVARES PEDRO LUCAS PACHECO RODRIGUES


PROMOTORA DE JUSTIÇA ROSA
PROMOTOR DE JUSTIÇA

LUIZA EDUARDA DE SOUZA CAJAIBA


PROMOTORA DE JUSTIÇA

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 1º VARA CRIMINAL DA COMARCA


DE JUIZ DE FORA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Denunciado: Os quatro exploradores de cavernas da Sociedade Espeleológica
Vítima: ROGER WHETMORE
CRIMES: Art. 121, § 2º, incisos, IV, do Código Penal Brasileiro; Art. 288, do
Código Penal Brasileiro.
O PROMOTOR DE JUSTIÇA TITULAR DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA
CRIMINAL DA COMARCA DE JUIZ DE FORA, no uso de suas atribuições
legais e constitucionais, com base no art. 129, I, C.F. /88 e art. 41 CPP, vem
oferecer DENÚNCIA contra os quatro membros da Sociedade Espeleológica.
DOS FATOS:
Em maio de 4299, 5 exploradores de cavernas, da Sociedade Espeleológica
adentraram no interior de uma formação de rochas calcárias e quando estavam
no fundo desta, um desmoronamento de terra e pedras impossibilitou a saída
dos homens, que permaneceram no seu interior 32 dias até serem resgatados.
Porém, nem todos foram resgatados com vida, infelizmente, um deles, foi
encontrado morto, e não morreu de forma natural após um mês preso na
caverna, e sim assassinado de forma fria e cruel por seus quatro outros
companheiros. Durante o período em que estiveram trancafiados, os
exploradores, representados por Roger Whetmore, conseguiram contato com o
exterior já no vigésimo dia através de um rádio transistorizado que era capaz
de enviar e receber mensagens, hora então em que foram informados pelos
engenheiros responsáveis pelo salvamento que seria necessário mais dez dias
até realizarem a operação de socorro. Neste mesmo momento, informando aos
médicos que a comida era escassa o médico disse ser baixa a probabilidade
de sobrevivência sem comida alguma, contudo, vale salientar, ainda havia
alimentos, mesmo que precários, disponíveis para o grupo. O rádio então é
desligado, e apenas 8 horas depois é retomado o contato, com o
questionamento de Roger Whetmore se eles sobreviveriam comendo a carne
de um deles, e o presidente da comissão dos médicos a contragosto e em
seguida Roger pergunta se seria viável tirarem a sorte para sacrificar um dos
membros para servir de alimento aos demais e nenhuma autoridade presente,
dentre médicos, sacerdotes e integrantes da missão de salvamento
responderam tal questionamento. O contato pelo rádio então é novamente
perdido, acreditando que teria acabado a bateria, o que foi esclarecido pelas
provas periciais seguintes que não, que ainda havia bateria no aparelho. E no
32º dia, quando os 4 réus foram resgatados, foi constado pelos laudos da
perícia que Roger Whetmore, o mesmo que se comunicava em nome dos
exploradores foi morto no 23º dia, menos de 72hr após o último contato com o
mundo exterior e em que foi confirmado que ainda possuíam alimentos no
interior da caverna.
Segundo depoimento dos acusados, que é a única prova testemunhal que
temos, Roger Whetmore que supostamente teria proposto de se alimentarem
de um deles e em seguida sugerir que fora tirado na sorte, jogando dados, qual
dos homens seria sacrificado, e ainda que, após muita discussão todos os
membros teriam concordado. De acordo com os 4 réus ainda, Roger teria
desistido de última hora do suposto acordo, pedindo mais 7 dias antes de
realizarem tal ato, mas os 4 réus continuaram com a ideia e um dos acusados
jogou o dado em seu lugar e que coincidentemente ou não foi o mais azarado,
tendo então Roger sua vida ceifada.
DOS DIREITOS E DOS ARGUMENTOS PARA ACUSAÇÂO:
Desta forma, seguindo nossa Constituição que em seu artigo 5º inciso XXXVIII
reconhece a instituição do júri para julgar os crimes dolosos contra a vida, os
denunciados cometeram o crime de homicídio doloso na modalidade
qualificada
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a


lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;


Sendo exatamente isso que ocorreu dentro daquela caverna: um homicídio
doloso contra a vida da vítima, Roger Whetmore, doloso porque houve a
intenção e a vontade de matar, do contrário ele não estaria sendo julgado aqui,
já que os crimes culposos, onde não há a voluntariedade de se realizar a ação,
no caso sub judice, homicídio, não são de competência deste tribunal.
Antes de começar a tese de acusação baseado nos fatos narrados, lhes
convido para pensar. Será que Roger Whetmore realmente se manteve calado,
depois da desistência da ideia de sacrificar um deles? Será que realmente os
dados escolheram Whetmore para ser sacrificado, ou em um consenso seus 4
“amigos” resolveram que ele seria o escolhido enquanto falava ao rádio? Será
que ele foi escolhido por ser o mais velho e talvez o mais fraco, já que ele que
representava todos por ter mais experiência? Será que tudo que os 4 acusados
depuseram é realmente a verdade sobre os fatos? Ou será que tudo não passa
de meias verdades para construir uma grande mentira? Pouca importa porque
na realidade os 4 assassinos escolheram o destino da vítima.
A defesa poderá tentar argumentar que dentro da caverna eles estariam em um
Estado a parte da sociedade fora do território Estatal ou ainda tentar
argumentar dizendo que estavam agindo pela ótica do direito natural ao firmar
o pacto entre eles.

Não há que se falar que eles não estavam no território nacional para aplicação
da lei pelo isolamento dentro da caverna, e que nossa norma jurídica não seria
aplicável nesse e em tais casos de desastres com pessoas isoladas como o em
questão. Nenhum dispositivo jurídico abre tal precedência, devendo ser então
observado a Lei e o princípio da territorialidade que neste caso deixa claro no
nosso código penal no artigo 5º que a lei deve ser aplicada em todo território
brasileiro, definindo todo sua abrangência, não excluindo em nenhum dos seus
parágrafos tal hipótese que possa ser levantada pela defesa. Ainda assim, tal
ato, mesmo que cometido fora do território brasileiro seria julgado e
criminalizado aqui, segundo consta no artigo 7º II- a, uma vez que o Brasil é
obrigado a reprimir os assassinatos e a tortura, pelos tratados internacionais
que o Estado acolheu.

Tal argumento, de forma alguma, não pode ser usado pela defesa ainda, uma
vez que a comunicação com o exterior da caverna e o Estado se manteve ativa
através do rádio, que em nenhum momento ficou sem bateria ou incomunicável
para poder eles próprios definirem um contrato social. Que perigo e que
precedência isso abriria para o ordenamento jurídico e a soberania do Estado.
Imagine se em todas favelas brasileiras, onde o Estado não consegue atuar
efetivamente, os traficantes, milicianos, facções criminosas por tal brecha
levantada, resolvam criar as próprias leis e normas, impondo que podem matar,
estuprar, torturar sem serem punidos. Aliás, tal fato já ocorre em são paulo pelo
PCC, conhecido como tribunal do crime, onde seus líderes acusam e julgam
sem nenhum processo legal pessoas, torturando, decapitando e assassinando-
as. E eles vão dizer que por o Estado, não se fazer efetivo em tais localidades
o ato é legal, baseado no Direito Natural? Isso é um absurdo e uma violação
imensurável da lei, dos princípios e dos direitos. E assim como o tribunal do
crime é ilegal, e não encontra acolhimento em nosso dispositivo jurídico, tal
hipótese do direito natural também deve ser totalmente afastada ao caso em
questão.
Territorialidade

   Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e


regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. 

        § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território


nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a
serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as
aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade
privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou
em alto-mar. 

        § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo


de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-
se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo
correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

Extraterritorialidade 

        Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro

 II - os crimes:  

        a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; 

Não pode se falar ainda em legítima defesa, que imprescinde de requisitos


incontestáveis para se constatar. Leia-se o artigo

 Legítima defesa

        Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente


dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu
ou de outrem.

Então eu questiono. Qual a injusta agressão Roger Whetmore praticou para ser
repelida? Em hipótese alguma há embasamento para esse dispositivo ser
aplicado no caso. Só poderíamos falar em legitima defesa a favor de Roger,
caso este estivesse sobrevivido após injusta e cruel agressão aplicada a ele.
Porém nem chance de se defender a vítima teve, uma vez que eram 4 homens
contra apenas 1.
A defesa tentará ainda comover o júri alegando que os acusados estavam em
estado de necessidade pela fome sofrida pelos dias sem comer, situação essa
que não ocorreu de forma absoluta. Lembro-o que no 23º dia, no qual foi morto
Roger, há menos de 72 horas antes, havia certeza, repito, a certeza, de que
havia alimento para os cinco, e sim, apesar de haver comida, realmente ela era
pouca, mínima, mas mínima a ponto de durar mais algumas horas, mínima mas
suficiente para continuarem vivos, sendo desnecessário então o ato de
canibalismo para sobrevivência. E, por mais pessimistas que formos, podemos
dizer que eles ficaram no máximo 48 horas sem comida até assassinarem
Roger para se alimentarem apenas segundo eles. Então lhes questiono: será
que o assassinato realmente foi movido pela fome, pela necessidade
fisiológica? 48hr sem alimento é um estado de necessidade do corpo para
praticar tal crueldade? Ou será que os 4 foram movidos por outros motivos que
não quiseram expor no julgamento? Será que durante a discussão que tiveram,
algo ocorreu que levasse os quatro a se voltarem contra a vítima? Eu não
consigo ter essa afirmativa e tenho convicção que nenhum dos jurados e nem
mesmo o Juiz tem essa certeza. Destaco ainda, 2 casos de sobrevivência de
desastres, 2 casos semelhantes ao sub judice, que me preocupei em encontrar
para tal analogia, para não restar dúvidas aos senhores, já que os casos a
seguir são de pessoas que ficaram justamente presos em cavernas, no mesmo
ambiente escuro, úmido e estressante que os 4 réus e a vítima do caso
julgado, e nem por isso tomaram tal decisão cruel. O primeiro aconteceu em
2018 na Tailândia onde 12 crianças e o técnico da equipe de futebol de 25
anos ficaram presos após entrarem numa caverna para se abrigarem das fortes
chuvas no local e que até serem encontrados permaneceram 9 dias sem
nenhum tipo de alimento. O segundo de 33 mineiros chilenos, que ficaram
soterrados na mina de San José em 2010 há 700 metros de profundidade por
69 dias em que até o 17º dia eles não se alimentaram, que só depois do
contato por uma sonda com o exterior dos destroços no 18º dia em que eles
começaram a repor seus níveis de glicose e gordura. Então indago, porque
crianças de 11 a 16 anos conseguiram ficar 9 dias sem comer e os 4 acusados
não puderam suportar nem 3, pois vos lembro, até o 20º dia do desastre ainda
havia comida e 3, apenas 3 dias depois Roger foi morto. Ora, como pode isso
ter ocorrido? Uma criança ficar 9 dias sem se alimentar e 4 adultos saudáveis
não ficarem 3 ou menos? Por que os 33 mineiros conseguiram ficar 17 dias
sem comer, e os 4 réus não puderam esperar pelo menos mais 7 dias de jejum
como sugerido por Roger, já que o contato com o mundo externo já tinha sido
feito e o resgaste estava em andamento? Porque não houve mais consulta no
rádio durante os 10 dias subsequentes se ainda havia bateria se estavam com
tanta fome e preocupados com seu salvamento? A conclusão que eu chego é
que a morte de Roger não foi motivada pela inanição, que não existia no
momento do assassinato. Mesmo porque, segundo médicos e cientistas, como
o Médico Nutrólogo especialista Evandro José de Almeida Figueiredo do
Hospital Albert Einstein, é possível sobreviver cerca de 40/50 dias sem comer,
que mais grave é a privação da água e sono, coisas que não ocorreram, e que
há relatos de pessoas que já ficaram até 200 dias sem se alimentarem. Um dos
sobreviventes chilenos relatou ainda que dentro da caverna brincavam dizendo
que quem fosse o primeiro a morrer serviria de alimento aos outros. Vejam só a
diferença de pessoas de valores e morais para esses 4 cruéis acusados, eles
apenas praticariam antropofagia caso um deles viesse a morrer e de forma
alguma sacrificariam um deles para sua sobrevivência como foi feito. Eram um
por todos e todos por um e não um sozinho e quatro contra ele. Essa é a
diferença.
Por todos esses argumentos e casos apresentados não há que se falar que
estavam em estado de necessidade. Ressalto ainda, os mais de 19 milhões de
pessoas que vivem em situação de fome no Brasil, de insegurança alimentar
gravíssima, que teve um aumento de mais de 80% na pandemia de Covid-19
segundo dados do IBGE e da Rede Pessan. Imagine se todas essas pessoas
alegassem estado de necessidade para sair por aí matando uma as outras
para se alimentar, voltaríamos aos primórdios da humanidade. E é a nossa lei
que garante que isso não ocorra, que garante o nosso estado de bem-estar
social, nossa civilidade, devendo ser aplicada sem nenhuma exceção no caso
julgado hoje, pois além de se fazer justiça à vítima, devemos garantir a Lei e a
Ordem para o presente e futuro das nossas gerações.
Além de afastar a materialidade do Estado de necessidade, pelos fatos citados,
afasto ainda a formalidade deste, que não cabe ao caso. Leia-se o artigo.

    Estado de necessidade

        Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato


para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de
outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias,
não era razoável exigir-se. 

Observem, a lei diz de perigo atual, não futuro, eles ainda não estavam em
estado de inanição quando mataram a vítima, e havia outros diversos modos
de evitar tal ato, cito aqui o mais óbvio de todos, esperar que um deles
morresse, o mais fraco, para que aí sim se alimentassem da carne dele, mas
não, eles foram frios e calculistas para assassinarem Roger Whetmore, eles
atuaram intencionalmente com muita resolução depois de horas de discussão a
respeito do que fariam. E por último lhes pergunto, não era razoável exigir-se a
vida? A vida que é um direito fundamental descrito no nosso Art 5º da CF e
como todos os direitos fundamentais sendo inalienável, que não pode ser
transferido para alguém, e irrenunciável, que não se pode abrir mão, e que
segundo os 4 acusados, depois de um simples jogo de dados que ninguém
sabe se de fato existiu, eles tomaram para si o direito do que fazer com a vida
de Roger, tal decisão é totalmente inconstitucional de acordo com as
características dos direitos fundamentais citados. Inconstitucional ainda, uma
vez que não ouve a segurança garantida pelo ainda artigo 5º da nossa
constituição, já que a segurança citada em tal dispositivo, não é o de
segurança pública advinda das forças policiais, mas sim de segurança jurídica,
devendo todo julgado e decisão ter seu devido processo legal, garantido a
ambas as partes, contraditório e ampla defesa. Ora até mesmo esses 4
assassinos estão tendo garantido esses direitos, pois devemos cumpri-los, mas
os mesmos não respeitaram tais direitos da vítima que teve sua vida ceifada
sem ao menos poder se defender. É essa justiça que vocês querem fazer aqui
hoje?

DA APELAÇÂO:
Pelos fatos citados, eu peço a condenação dos réus, já que não restam
dúvidas diante das provas, dos autos e do exposto que a conduta dos 4
acusados se enquadra perfeitamente no crime do art. 121, parágrafo segundo
inciso IV do nosso código penal e pela associação criminosa, crime do art. 288.

  Homicídio qualificado

        § 2° Se o homicídio é cometido “matar alguém:”

  IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que


dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;

 Associação Criminosa

        Art. 288.  Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico


de cometer crimes:   

        Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.     

        Parágrafo único.  A pena aumenta-se até a metade se a associação é


armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.     

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