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DOS FATOS:

Em maio de 4299, 5 exploradores de cavernas, da Sociedade Espeleológica adentraram no


interior de uma formação de rochas calcárias e quando estavam no fundo desta, um
desmoronamento de terra e pedras impossibilitou a saída dos homens, que permaneceram no
seu interior 32 dias até serem resgatados. Porém, nem todos foram resgatados com vida,
infelizmente, um deles, foi encontrado morto, e não morreu de forma natural após um mês
preso na caverna, e sim assassinado de forma fria e cruel por seus quatro outros
companheiros. Durante o período em que estiveram trancafiados, os exploradores,
representados por Roger Whetmore, conseguiram contato com o exterior já no vigésimo dia
através de um rádio transistorizado que era capaz de enviar e receber mensagens, hora então
em que foram informados pelos engenheiros responsáveis pelo salvamento que seria
necessário mais dez dias até realizarem a operação de socorro. Neste mesmo momento,
informando aos médicos que a comida era escassa (repito, escassa, não nula, escassa no
dicionário significa “não abundante, de que há pequena quantidade”) o médico disse ser baixa
a probabilidade de sobrevivência sem comida alguma, contudo, vale salientar, ainda havia
alimentos, mesmo que precários, disponíveis para o grupo. O rádio então é desligado, e
apenas 8 horas depois é retomado o contato, com o questionamento de Roger Whetmore se
eles sobreviveriam comendo a carne de um deles, e o presidente da comissão dos médicos a
contragosto (que significa contra a vontade dele, disse que sim, apenas confirmando o que os
próprios exploradores já sabiam, mas deixando claro q não seria a favor de tal ato) e em
seguida Roger pergunta se seria viável tirarem a sorte para sacrificar um dos membros para
servir de alimento aos demais e nenhuma autoridade presente, dentre médicos, sacerdotes e
integrantes da missão de salvamento responderam tal questionamento. O contato pelo rádio
então é novamente perdido, acreditando que teria acabado a bateria, o que foi esclarecido
pelas provas periciais seguintes que não, que ainda havia bateria no aparelho. E no 32º dia,
quando os 4 réus foram resgatados, foi constado pelos laudos da perícia que Roger Whetmore,
o mesmo que se comunicava em nome dos exploradores foi morto no 23º dia, menos de 72hr
após o último contato com o mundo exterior e em que foi confirmado que ainda possuíam
alimentos no interior da caverna.

Segundo depoimento dos acusados, que é a única prova testemunhal que temos, Roger
Whetmore que supostamente teria proposto de se alimentarem de um deles e em seguida
sugerir que fora tirado na sorte, jogando dados, qual dos homens seria sacrificado, e ainda
que, após muita discussão todos os membros teriam concordado. De acordo com os 4 réus
ainda, Roger teria desistido de última hora do suposto acordo, pedindo mais 7 dias antes de
realizarem tal ato, mas os 4 réus continuaram com a ideia e um dos acusados jogou o dado em
seu lugar e que coincidentemente ou não foi o mais azarado, tendo então Roger sua vida
ceifada.

DOS DIREITOS:

Boa noite, senhores jurados, Excelentíssimo Juiz Professor Luciano e todos aqui presente; no
dia de hoje vocês terão a oportunidade de fazer justiça a um caso que ocorreu exatamente e
coincidentemente nesse mesmo mês de maio que estamos, então pensem e reflitam de
acordo com a lei, que é nosso maior e melhor instrumento de garantia da ordem e do bem
estar social e suas convicções para fazer justiça à morte de Roger Whetmore e todos seus
familiares.
Hoje, vocês estão aqui presentes seguindo nossa Constituição que em seu artigo 5º inciso
XXXVIII reconhece a instituição do júri para julgar os crimes dolosos contra a vida.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

E foi exatamente isso que ocorreu dentro daquela caverna: um homicídio doloso contra a vida
da vítima, Roger Whetmore, doloso porque houve a intenção e a vontade de matar, do
contrário ele não estaria sendo julgado aqui, já que os crimes culposos, onde não há a
voluntariedade de se realizar a ação, no caso sub judice, homicídio, não são de competência
deste tribunal.

Antes de começar a tese de acusação baseado nos fatos narrados, lhes convido para pensar.
Será que Roger Whetmore realmente se manteve calado, depois da desistência da ideia de
sacrificar um deles? Será que realmente os dados escolheram Whetmore para ser sacrificado,
ou em um consenso seus 4 “amigos” resolveram que ele seria o escolhido enquanto falava ao
rádio? Será que ele foi escolhido por ser o mais velho e talvez o mais fraco, já que ele que
representava todos por ter mais experiência? Será que tudo que os 4 acusados depuseram é
realmente a verdade sobre os fatos? Ou será que tudo não passa de meias verdades para
construir uma grande mentira? Pouca importa porque na realidade os 4 assassinos escolheram
o destino da vítima.

A defesa poderá tentar argumentar que dentro da caverna eles estariam em um Estado a parte
da sociedade fora do território Estatal ou ainda tentar argumentar dizendo que estavam
agindo pela ótica do direito natural ao firmar o pacto entre eles.

Não há que se falar que eles não estavam no território nacional para aplicação da lei pelo
isolamento dentro da caverna, e que nossa norma jurídica não seria aplicável nesse e em tais
casos de desastres com pessoas isoladas como o em questão. Nenhum dispositivo jurídico abre
tal precedência, devendo ser então observado a Lei e o princípio da territorialidade que neste
caso deixa claro no nosso código penal no artigo 5º que a lei deve ser aplicada em todo
território brasileiro, definindo todo sua abrangência, não excluindo em nenhum dos seus
parágrafos tal hipótese que possa ser levantada pela defesa. Ainda assim, tal ato, mesmo que
cometido fora do território brasileiro seria julgado e criminalizado aqui, segundo consta no
artigo 7º II- a, uma vez que o Brasil é obrigado a reprimir os assassinatos e a tortura, pelos
tratados internacionais que o Estado acolheu.

Tal argumento, de forma alguma, não pode ser usado pela defesa ainda, uma vez que a
comunicação com o exterior da caverna e o Estado se manteve ativa através do rádio, que em
nenhum momento ficou sem bateria ou incomunicável para poder eles próprios definirem um
contrato social. Que perigo e que precedência isso abriria para o ordenamento jurídico e a
soberania do Estado. Imaginem se em todas favelas brasileiras, onde o Estado não consegue
atuar efetivamente, os traficantes, milicianos, facções criminosas por tal brecha levantada,
resolvam criar as próprias leis e normas, impondo que podem matar, estuprar, torturar sem
serem punidos. Aliás, tal fato já ocorre em são paulo pelo PCC, conhecido como tribunal do
crime, onde seus líderes acusam e julgam sem nenhum processo legal pessoas, torturando,
decapitando e assassinando-as. E eles vão dizer que por o Estado, não se fazer efetivo em tais
localidades o ato é legal, baseado no Direito Natural? Isso é um absurdo e uma violação
imensurável da lei, dos princípios e dos direitos. E assim como o tribunal do crime é ilegal, e
não encontra acolhimento em nosso dispositivo jurídico, tal hipótese do direito natural
também deve ser totalmente afastada ao caso em questão.

Territorialidade

   Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de


direito internacional, ao crime cometido no território nacional. 

        § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional


as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo
brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações
brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no
espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. 

        § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de


aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas
em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas
em porto ou mar territorial do Brasil.

Extraterritorialidade 

        Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro

 II - os crimes:  

        a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; 

Não pode se falar ainda em legítima defesa, que imprescinde de requisitos incontestáveis para
se constatar. Leia-se o artigo

 Legítima defesa

              Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios


necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem .

Então eu questiono. Qual a injusta agressão Roger Whetmore praticou para ser repelida? Em
hipótese alguma há embasamento para esse dispositivo ser aplicado no caso. Só poderíamos
falar em legitima defesa a favor de Roger, caso este estivesse sobrevivido após injusta e cruel
agressão aplicada a ele. Porém nem chance de se defender a vítima teve, uma vez que eram 4
homens contra apenas 1.
A defesa tentará ainda comover os senhores alegando que os acusados estavam em estado de
necessidade pela fome sofrida pelos dias sem comer, situação essa que não ocorreu de forma
absoluta. Lembro aos senhores que no 23º dia, no qual foi morto Roger, há menos de 72 horas
antes, havia certeza, repito, a certeza, de que havia alimento para os cinco, e sim, apesar de
haver comida, realmente ela era pouca, mínima, mas mínima a ponto de durar mais algumas
horas, mínima mas suficiente para continuarem vivos, sendo desnecessário então o ato de
canibalismo para sobrevivência. E, por mais pessimistas que formos, podemos dizer que eles
ficaram no máximo 48 horas sem comida até assassinarem Roger para se alimentarem apenas
segundo eles. Então lhes questiono: será que o assassinato realmente foi movido pela fome,
pela necessidade fisiológica? 48hr sem alimento é um estado de necessidade do corpo para
praticar tal crueldade? Ou será que os 4 foram movidos por outros motivos que não quiseram
expor no julgamento? Será que durante a discussão que tiveram, algo ocorreu que levasse os
quatro a se voltarem contra a vítima? Eu não consigo ter essa afirmativa e tenho convicção que
nenhum dos senhores tem essa certeza. Destaco ainda, 2 casos de sobrevivência de desastres,
2 casos semelhantes ao sub judice, que me preocupei em encontrar para tal analogia, para não
restar dúvidas aos senhores, já que os casos a seguir são de pessoas que ficaram justamente
presos em cavernas, no mesmo ambiente escuro, úmido e estressante que os 4 réus e a vítima
do caso julgado, e nem por isso tomaram tal decisão cruel. O primeiro aconteceu em 2018 na
Tailândia onde 12 crianças e o técnico da equipe de futebol de 25 anos ficaram presos após
entrarem numa caverna para se abrigarem das fortes chuvas no local e que até serem
encontrados permaneceram 9 dias sem nenhum tipo de alimento. O segundo de 33 mineiros
chilenos, que ficaram soterrados na mina de San José em 2010 há 700 metros de profundidade
por 69 dias em que até o 17º dia eles não se alimentaram, que só depois do contato por uma
sonda com o exterior dos destroços no 18º dia em que eles começaram a repor seus níveis de
glicose e gordura. Então eu indago, porque crianças de 11 a 16 anos conseguiram ficar 9 dias
sem comer e os 4 acusados não puderam suportar nem 3, pois vos lembro, até o 20º dia do
desastre ainda havia comida e 3, apenas 3 dias depois Roger foi morto. Ora, como pode isso
ter ocorrido? Uma criança ficar 9 dias sem se alimentar e 4 adultos saudáveis não ficarem 3 ou
menos? Por que os 33 mineiros conseguiram ficar 17 dias sem comer, e os 4 réus não puderam
esperar pelo menos mais 7 dias de jejum como sugerido por Roger, já que o contato com o
mundo externo já tinha sido feito e o resgaste estava em andamento? Porque não houve mais
consulta no rádio durante os 10 dias subsequentes se ainda havia bateria se estavam com
tanta fome e preocupados com seu salvamento? A conclusão que eu chego é que a morte de
Roger não foi motivada pela inanição, que não existia no momento do assassinato. Mesmo
porque, segundo médicos e cientistas, como o Médico Nutrólogo especialista Evandro José de
Almeida Figueiredo do Hospital Albert Einstein, é possível sobreviver cerca de 40/50 dias sem
comer, que mais grave é a privação da água e sono, coisas que não ocorreram, e que há relatos
de pessoas que já ficaram até 200 dias sem se alimentarem. Um dos sobreviventes chilenos
relatou ainda que dentro da caverna brincavam dizendo que quem fosse o primeiro a morrer
serviria de alimento aos outros. Vejam só a diferença de pessoas de valores e morais para
esses 4 cruéis acusados, eles apenas praticariam antropofagia caso um deles viesse a morrer e
de forma alguma sacrificariam um deles para sua sobrevivência como foi feito. Eram um por
todos e todos por um e não um sozinho e quatro contra ele. Essa é a diferença.

Por todos esses argumentos e casos apresentados não há que se falar que estavam em estado
de necessidade. Ressalto ainda, os mais de 19 milhões de pessoas que vivem em situação de
fome no Brasil, de insegurança alimentar gravíssima, que teve um aumento de mais de 80% na
pandemia de Covid-19 segundo dados do IBGE e da Rede Pessan. Imaginem se todas essas
pessoas alegassem estado de necessidade para sair por aí matando uma as outras para se
alimentar, voltaríamos aos primórdios da humanidade. E é a nossa lei que garante que isso não
ocorra, que garante o nosso estado de bem-estar social, nossa civilidade, devendo ser aplicada
sem nenhuma exceção no caso julgado hoje, pois além de se fazer justiça à vítima, devemos
garantir a Lei e a Ordem para o presente e futuro das nossas gerações.

Além de afastar a materialidade do Estado de necessidade, pelos fatos citados, afasto ainda a
formalidade deste, que não cabe ao caso. Leia-se o artigo.

      Estado de necessidade

              Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de


perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito
próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. 

Observem, a lei diz de perigo atual, não futuro, eles ainda não estavam em estado de inanição
quando mataram a vítima, e havia outros diversos modos de evitar tal ato, cito aqui o mais
óbvio de todos, esperar que um deles morresse, o mais fraco, para que aí sim se alimentassem
da carne dele, mas não, eles foram frios e calculistas para assassinarem Roger Whetmore, eles
atuaram intencionalmente com muita resolução depois de horas de discussão a respeito do
que fariam. E por último lhes pergunto, não era razoável exigir-se a vida? A vida que é um
direito fundamental descrito no nosso Art 5º da CF e como todos os direitos fundamentais
sendo inalienável, que não pode ser transferido para alguém, e irrenunciável, que não se pode
abrir mão, e que segundo os 4 acusados, depois de um simples jogo de dados que ninguém
sabe se de fato existiu, eles tomaram para si o direito do que fazer com a vida de Roger, tal
decisão é totalmente inconstitucional de acordo com as características dos direitos
fundamentais citados. Inconstitucional ainda, uma vez que não ouve a segurança garantida
pelo ainda artigo 5º da nossa constituição, já que a segurança citada em tal dispositivo, não é o
de segurança pública advinda das forças policiais, mas sim de segurança jurídica, devendo todo
julgado e decisão ter seu devido processo legal, garantido a ambas as partes, contraditório e
ampla defesa. Ora até mesmo esses 4 assassinos estão tendo garantido esses direitos, pois
devemos cumpri-los, mas os mesmos não respeitaram tais direitos da vítima que teve sua vida
ceifada sem ao menos poder se defender. É essa justiça que vocês querem fazer aqui hoje?

DA APELAÇÂO

Pelos fatos citados, eu peço a condenação dos réus, já que não restam dúvidas diante das
provas, dos autos e do exposto que a conduta dos 4 acusados se enquadra perfeitamente no
crime do art. 121, parágrafo segundo inciso IV do nosso código penal.

  Homicídio qualificado

              § 2° Se o homicídio é cometido “matar alguém:”

  IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou


torne impossivel a defesa do ofendido;

Termino, deixando aos senhores jurados e ao senhor Juiz as questões que dificilmente serão
esclarecidas: O que foi discutido e qual a causa da discussão que antecedeu a morte de Roger
Whetmore? Como Roger foi morto? Quais foram suas últimas palavras? Por que os réus não
quiseram esperar mais dias como proposto? O que realmente motivou tal ato? Será mesmo
que ouve azar da vítima?

Enfim senhores jurados, a justiça está em vossas mãos, não se deixem levar pelo discurso
emotivo e falacioso que a defensoria irá expor em seguida. Votem com a razão e com a
consciência como futuros defensores do direito que serão, de que esse caso, além de fazer
justiça a Roger Whetmore e seus familiares, garantirá a manutenção da ordem da nossa
sociedade.

Obrigado a todos.

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