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O Caso dos Exploradores de Caverna

Publicado por Aline Duarte


há 7 anos
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Em meados de maio de 4299, cinco indivíduos resolveram realizar uma expedição a fim de explorar uma caverna no
planalto central de Commonwealt. Ocorre que ao adentrarem na caverna houve um deslizamento de terra que acabou por
obstruir a entrada ocasionando a permanência dos indivíduos dentro da caverna. Com a demora em voltar à suas casas e
nenhum tipo de notícia, os familiares resolveram acionar o resgate, que graças a indicações deixadas pelos trabalhadores
puderam localizar o exato local da tragédia.

O grupo de resgate apoiado por outros especialistas, tais como, geólogos e engenheiros, deram início a tentativa de
salvamento, que por sua vez demandou grandes gastos e esforços das equipes responsáveis, tendo ainda 10 (dez)
trabalhadores sido mortos em decorrência de um dos deslizamentos frequentes que ocorreram devido a remoção dos escombros.

Em poder dos trabalhadores presos na caverna havia uma máquina sem fio que permitia enviar e receber mensagens.
Tendo essa descoberta em mãos, o grupo de resgate instalou um equipamento similar à máquina e que graças a ele foi possível
estabelecer contato com os indivíduos. Estabelecendo contato com os exploradores estes ficaram sabendo que levaria no
mínimo dez dias até que fossem salvos pela equipe de resgate. A partir desta informação, perguntaram a um médico presente na
operação de resgate, se a condição na qual estavam e as poucas rações que ingeriram garantir-lhes-iam a sobrevivência por
mais dez dias. A resposta foi negativa, afirmando o médico que haviam poucas possibilidades de sobrevivência sem alimento por
dez dias.

Após algumas horas em silêncio e restabelecida comunicação, foi perguntado ao chefe dos médicos se eles sobreviveriam
por mais dez dias caso comessem a carne humana de um deles. Com resistência o médico disse que sim. A partir desta
resposta, um dos trabalhadores de nome Whetmore, perguntou se seria correto que tirassem na sorte quem seria a vítima pra tal
ato. Consultado um juiz, um oficial do governo, um médico e até um padre, nenhum se apresentou como tal conselheiro para
discutir a questão. Após isso a transmissão foi encerrada, supondo que as baterias da máquina haviam acabado. Na libertação
dos exploradores descobriu-se que o próprio Whetmore havia sido morto por seus companheiros de trabalho, a fim de ser servido
de alimento a eles próprios.

O próprio Whetmore apresentou a ideia de que um deles deveria ser sacrificado para que os outros pudessem sobreviver.
Com um dado resolveram tirar a sorte para decidir quem seria morto, porém ao começar os lançamentos dos dados, o próprio
Whetmore decidiu que era melhor que esperassem mais uma semana para então tomarem a decisão tão difícil, porém o grupo o
acusou de quebra da boa vontade e continuou com o lançamento dos dados. Na vez de Whetmore um dos trabalhadores
perguntou a ele se poderia jogar os dados por ele, após nenhuma objeção feita os dados foram lançados e o resultado foi
contrário a Whetmore que foi morto por seus companheiros.

Após o salvamento e a recuperação médica dos exploradores, todos foram indiciados pelo assassinato de Roger Whetmore.
Após um longo veredicto especial proposto pelo representante do júri e aceito pelo Promotor de Justiça e Advogado de Defesa,
os jurados decidiram que os trabalhadores eram culpados pela morte, sendo estes condenados a forca pelo Juiz. Após a
liberação dos jurados, estes e o próprio juiz solicitaram ao chefe do executivo a comutação da pena para prisão de seis meses.
Nenhuma ação foi realizada até a decisão dos juízes.

Juiz Truepenny (Presidente)

O Juiz começa sua exposição afirmando que a decisão do júri e do juiz era realmente o único caminho a ser seguido, e que
o estatuto não permite que seja feita uma concessão baseada nas condições em que estavam os exploradores. Alega que o
princípio da clemência deve ser posto frente ao caso, ou seja, que o Chefe do executivo atenda o pedido de clemência dos réus,
caso contrário terá ele que estabelecer novas audiências que demandaria tempo. A clemência por sua vez não ofenderia as leis e
a justiça seria feita.

Juiz Foster

O ministro Foster, primeiro a apresentar suas conclusões e fundamentos, acredita na inocência dos réus. Parte
primeiramente do argumento de que os réus estavam em uma caverna fechada, sem alimentos, longe da sociedade e da
positividade das leis que ordenam a conduta dos indivíduos de um Estado. Afirma então que trata-se do direito natural dos
homens, uma lei acima do direito positivo e que nas condições que estavam os réus era a única possível na situação. Afirma que
a circunstâncias em que se encontravam os réus, onde a sobrevivência só seria possível a partir da morte de um deles, faz com
que toda a ordem legal que suporta o ordenamento perca seu sentido e força. Conclui que os réus estavam em um estado
natural e não no estado de sociedade civil, sendo assim toda a lei aplicada pelo Commonwealth não caberia aos réus, e que a
forma de decisão sobre quem seria morto foi decidida em comum acordo entre todos, e como criador da ideia o próprio
Whetmore. Acredita que as condições da vida humana faz com que os seres humanos acreditem no valor absoluto da vida, o que
para ele é pura ficção, tendo ainda como seu exemplo a morte dos dez trabalhadores no próprio resgate dos réus, afirmando que
se a vida de dez pessoas foi sacrificada para salvar cinco, indagando se os engenheiros e servidores públicos não sabiam do
risco que estes estavam correndo, como a vida de um indivíduo não pode ser sacrificada para salvar quatro sem que os mesmos
sejam vistos como assassinos?
O segundo argumento do Juiz Foster é que partindo de antigos ensinamentos da sabedoria jurídica, um indivíduo poderá
violar a letra da lei, sem violar a própria lei. A interpretação da lei muitas vezes pode não ser aplicada literalmente, nestes casos
é dever do Juiz aprimorar a lei em um caso concreto. Expõe ainda o caso de legítima defesa, haja vista que os réus estavam
necessitando do alimento para sua sobrevivência, ou seja, mataram Whetmore para que não morressem de fome o que
caracteriza legítima defesa, onde a lei para tal terá sempre que ser interpretada de acordo com o caso objetivo.

Juiz Tatting

O ministro começa sua decisão apontando o quanto é difícil para ele colocar suas emoções de lado para com o caso e
decidir com base apenas na racionalidade. Em seu segundo ponto, discorda do estado de natureza defendido pelo Juiz Foster, e
afirma que os argumentos de seu colega encontram-se robustos de contradições. Pergunta qual o momento em que os
exploradores aderiram ao estado de natureza? Quando o acordo do jogo de dados foi feito? E afirma que todas essas incertezas
produzem contradições e problemas para a definição do caso. Expõe ainda sobre o conteúdo do tal "código natural", onde
conforme esse sistema um acordo valeria mais que a própria vida do indivíduo, tal acordo ainda seria irrevogável, e caso alguém
desistisse de participar seria forçado através da violência.
Na segunda linha de raciocínio do Juiz Foster, o Ministro Tatting afirma que a legítima defesa requer algo ocasionado por
impulso como forma de repelir uma agressão, e do contrário, um assassinato é algo premeditado. Por fim o Ministro menciona
sua incapacidade de resolução do caso e se abstém de proferir qualquer decisão.

Juiz Keen

O ministro Keen começa sua exposição mencionando a separação dos poderes de um Estado, onde de acordo com suas
funções, ao poder judiciário cabe unicamente julgar e que de nenhum modo deveria este adentrar a esfera executiva a fim de
opinar ou influenciar o Chefe do Executivo acerca da clemência para com os exploradores. Ainda em se tratando das funções do
judiciário, deixa claro que ao mesmo só compete aplicar a lei do País, e não decidir se o ato de assassinato foi certo ou errado,
injusto ou justo. Defende que se devem deixar de lado os aspectos morais que envolvam o caso, e que aos juízes apenas os
aspectos legais devem ser discutidos, indo contra ao estado de natureza defendido pelo Juiz Foster.
A partir da ideia de lacuna criada por Foster, o ministro Keen argumenta a proposta do § 12-A "Aquele que
premeditadamente retirar a vida de outrem deverá ser punido com a morte", expõe que não se trata de algo concreto, porém tal
estatuto reflete a convicção que assassinato é definitivamente crime. Mais adiante defende que legítima defesa é aplicada para
casos de resistência à determinada ameaça que agrida a vida de um indivíduo, sendo assim, não cabe ao caso, pois Whetmore
não ameaçou a vida de seus colegas de trabalho.
Por fim a conclusão do Juiz é a confirmação da condenação dos réus partindo do pressuposto que a decisão de casos de
forma muito mais interpretativa do que legal, prejudicaria futuramente à linguagem do estatuto.

Juiz Handy

Expõe seus argumentos primeiramente voltados para as discussões formuladas por seus colegas, sobre, direito positivo e
direito natural, linguagem e proposta do estatuto, entre outros questionamentos que estão para ele fora das questões primordiais
para a decisão. A questão da natureza legal é que realmente é o foco a ser tratado e isso ainda não foi discutido.

Considera que governantes e governados devem ter um comum acordo, e que ao governante cabe por vezes ter suas
ações baseadas no sentimento dos governados. Afirma que a ruina de uma sociedade é justamente a falta da junção das ideias e
opiniões de governantes e governados. Como fundamento para seu argumento expõe o próprio caso dos exploradores, e que a
repercussão do caso causou enorme comoção pública, tendo ainda jornais e revistas realizados artigos e matérias sobre o caso.
Em uma pesquisa de opinião realizada pelo público 90% dos entrevistados expressaram-se pela absolvição dos réus ou que os
liberasse com uma punição simbólica. Deste modo o juiz afirma que a corte deveria preservar a opinião pública e firmar um
razoável acordo para que seja definida a inocência dos réus.

Se tratando da lei penal, o ministro argumenta que a realidade da lei penal oferece 4 caminhos para que se fuja da punição,
e destes quatro, três não garantem que influências morais, emocionais ou pessoais não possam influenciar quem as adote na
hora da decisão.

O fato primordial é que a sobrinha do ministro Handy é amiga íntima da secretária do Chefe do Executivo, e o ministro tem
seguridade através do que ela o disse, que o Chefe do Executivo não comutara a sentença caso os exploradores forem
considerados violadores da lei vigente. O Ministro Handy gostaria de poder decidir juntamente com o próprio chefe do executivo,
a partir de opiniões e argumentos, a solução do caso. Por fim conclui que os réus são inocentes e a sentença deve ser anulada.

Conclusão

O caso não pode ser definido como observou o juiz Foster, alegando que os exploradores se encontravam num estado de
natureza. Não há estado de natureza, a lei alcança o homem onde quer que ele esteja, até porque os próprios exploradores já
haviam estado na sociedade civil e tinham a consciência e a racionalidade do que é certo e errado, justo e injusto. O estado de
natureza é ficção, jamais aconteceu. Se a justificativa do assassinato fosse um estado de natureza, como dentro deste estado os
indivíduos escolheram como decidir quem seria a vítima, e mais, como proibiram Whetmore de desistir do acordo? Se estes
indivíduos tiveram a consciência de acusar um de seus colegas de quebra de contrato, sabiam também que caso cometessem o
crime seriam julgados pelos seus atos como assim determina a lei vigente. De certa forma Whetmore foi coagido a aceitar o
contrato, isso na visão de Kant não se caracteriza como contrato, o contrato é a vontade livre das partes, ou seja, nenhum dos
exploradores poderia ter o direito sobre a pessoa de Whetmore.

Quanto à legítima defesa, não houve, por parte de Whetmore qualquer ato contra a vida de seus colegas que justificassem
o assassinato. E em se tratando de lacuna vale-se lembrar dos ensinamentos de Kelsen, onde este deixa claro que a lacuna no
direito permite que o Juiz crie uma sanção para uma conduta que era permitida, ou vice-versa, o que acaba por ocasionar
instabilidade no sistema normativo.

O argumento do juiz Handy também não condiz com o sistema normativo vigente. Se existe os três casos em que ele
mencionou que possa haver influências emocionais ou pessoais na decisão, este não deveria existir. Não se pode esquecer que
a discussão de fato é, se houve ou não crime por parte dos réus, e não se um indivíduo usa de suas emoções e arbítrios
pessoais para decidir uma sentença, o que caracterizaria algo injusto por não contar com fundamentação na lei.

Concluo que a sentença deve ser mantida sob o argumento que a legislação de um Estado deve ser cumprida,
independentemente de opiniões subjetivas a acerca de cada caso concreto, até porque isso não tira sua validade. Nas palavras
de Sócrates encerro meus argumentos: “É preciso que os homens bons cumpram as leis más para que os homens maus sejam
punidos pelas leis boas”. A segurança jurídica deve ser preservada.

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