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13 de Outubro de 2023

Resumo e Interpretação do Caso


do Exploradores da Caverna
Publicado por Paulo Couto há 7 anos

Por Paulo Renato Castillo Couto

Trabalho apresentado ao Prof. Dr. José de Resende Junior para


a disciplina de Filosofia Jurídica, do 2º Semestre do Curso de
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

14 de Novembro de 2013

Resumo do caso:
Os acusados são membros da Sociedade Espeleológica, que se
dedica a exploração amadora de cavernas. No ano de 4299 os
quatros, na companhia de Roger Wheatmore, também membro
desta sociedade, adentraram em uma caverna de rocha calcária.
Houve, porém, um desmoronamento nesta caverna ao ponto
que os exploradores, já distantes da entrada, se encontraram
presos. Estes então decidiram permanecer próximos a entrada
para esperar um eventual resgate.
Quando foi percebida a ausência por demasiado longa de Whe-
atmore e companhia iniciou-se o esforço para localiza-los. Na
sede da Sociedade Espeleológica foram encontradas indicações
que revelavam onde estavam presentes os exploradores. Uma
equipe de socorro foi prontamente enviada.

O resgate se mostrou extremamente difícil. A equipe original


teve que ser suplantada por homens e máquinas, cujo trans-
porte para a isolada região tinha um custo elevado. Um enorme
campo temporário de trabalhadores, repleto dos mais diversos
especialistas, foi estabelecido, e novos deslizamento se mostra-
ram um empecilho ao resgate, inclusive matando dez operários.
Os fundos da Sociedade Espeleológica rapidamente se exauri-
ram. Foram necessários trinta e dois dias para finalmente li-
berta-los.

Durante o resgate foi constatado que os recursos alimentícios


dos exploradores eram insuficientes e que não haviam vegetais
ou animais que pudessem vir a servir de sustento para estes.
Temia-se então que os exploradores não sobrevivessem até a
conclusão do resgate. No vigésimo dia descobriu-se que os ex-
ploradores haviam levado um rádio. Com a instalação de seme-
lhante equipamento no campo de trabalhadores foi possível a
comunicação com estes. Os exploradores, ao receberem a notí-
cia de que seriam necessários mais dez dias para seu resgate,
requisitaram um médico para informar-lhes se conseguiriam
sobreviver este período sem suprimentos. O presidente da co-
missão respondeu que a chance era escassa. Roger Wheatmore
então, falando em seu nome e em de seus colegas, indagou aos
médicos se estes poderiam sobreviver por tal período de tempo
se quatro deles se alimentassem da carne de um dos demais. O
presidente da comissão respondeu, a contragosto, que sim.
Wheatmore indagou se seria justo decidir por sorteio que deve-
ria ser sacrificado, porém nenhum dos médicos se atreveu a
responder tal questão. Wheatmore pediu por juízes, autorida-
des governamentais e até por sacerdotes para auxiliar na deci-
são, porém ninguém se mostrou disposto a tanto. O rádio, en-
tão, se silenciou pelo que se constatou, posteriormente com-
provado que de forma errônea, por falta de baterias. Quando os
exploradores finalmente foram resgatados descobriu-se que
Wheatmore havia sido morto e servido de alimento aos seus
colegas.

Os exploradores afirmaram que fora Wheatmore que primeira-


mente sugeriu o sacrifício de um deles para alimentar os ou-
tros, e também fora ele que teve a ideia de usar de sorteio. Os
outros exploradores alegaram que haviam se mostrados adver-
sos a proposição, porém foram convencidos eventualmente.
Fora decidido que eles tirariam a sorte nos dados. Porém, antes
do lançamento, Wheatmore mudou de ideia e propôs que espe-
rassem por mais uma semana. Os outros exploradores acusa-
ram-lhe de quebrar o acordo e lançaram os dados em seu lugar.
Ao perguntarem para Wheatmore se este tinha alguma objeção
quanto à forma de lançamento dos dados, este respondeu nega-
tivamente. Sua sorte foi adversa e Wheamore foi morto. Depois
de serem levados à um hospital para serem tratados por desnu-
trição os exploradores foram acusados do homicídio de Roger
Wheatmore. Os exploradores foram considerados pelo juiz de
primeira instância culpados, e foram condenados a execução
pela forca. O juri do caso enviou para o Poder Executivo um pe-
dido de que a sentença fosse comutada para seis meses de pri-
são. O Poder Executivo não se manifestou até o ponto do julga-
mento do recurso pela segunda instância.

Resumo dos Votos:

Foster
O juiz acredita que o veredito do caso afeta mais do que apenas
o destino dos acusados, e sim a própria lei da sociedade onde
vivem (Commonwealth). Foster afirma que condenar os acusa-
dos é contrário ao senso comum. Em um primeiro argumento o
juiz afirma que o direito positivo de sua sociedade é incapaz de
julgar este caso e que, por conseguinte, deveria o tribunal valer-
se do direito natural, pois o direito pressupõe a possibilidade de
convivência em sociedade, o que não se aplica à realidade do
caso. Foster compara a situação com caso de extraterritoriali-
dade, onde, fora da área jurisprudencial, os acusados, hipoteti-
camente, não seriam julgados. Ele afirma que os exploradores
estavam separados da jurisprudência do Commonwealth por
razões morais, que seriam tão válidas quanto as geográficas. O
juiz também aponta o fato de que a princípio Roger Wheatmore
havia concordado com o sacrifício e, portanto, havia formado
um contrato com os demais exploradores. Foster também
afirma que é errado tomar a vida humana como um valor abso-
luto, apontando tal concepção como ilusória. Para comprovar
este ponto o juiz remete aos dez trabalhadores que morreram
no processo de resgate dos exploradores, indagando o por que
da validade de tal sacrifício e não o de Wheatmore.

Foster parte então para uma segunda linha argumentativa, hi-


poteticamente rejeitando todos os seus argumentos anteriores
e partindo do princípio de que o direito positivo do Com-
monwealth tem de fato validade no caso. O juiz aponta que
toda a lei positiva requer uma interpretação racional que vai
além da escrita literal de determinada norma. O juiz exempli-
fica com o conceito de legitima defesa, que escusa o acusado de
homicídio mesmo não estando escrita palavra por palavra na
legislação. Refutando a ideia de que ao interpretar a lei o judi-
ciário usurpa o poder legislativo Foster afirma que ninguém
contrata um funcionário incapaz de ler nas entrelinhas e que
não tenha capacidade de abstração.

De acordo com os argumentos apontados J. Foster vota que os


acusados são inocentes.
Tatting
O juiz começa afirmando acreditar ser incapaz de julgar o caso
sub judice de forma puramente objetiva, suprimindo o seu lado
emocional. Tatting procede então a criticar o julgamento de
Foster, chamando-o de contraditório e falacioso. Tatting indaga
o momento em que o direito natural se sobrepôs ao positivo e
aponta uma série de inexatidões por parte da teoria de Foster.
Alem disso o juiz lembra de que a autoridade do tribunal em
que ministram vem da lei, e não de uma suposta "lei da natu-
reza", e que se de fato este suposto estado natural inviabiliza o
uso do direito positivo no julgamento, o tribunal não teria au-
toridade de julgar o caso. Ele também critica o patamar de im-
portância que Foster dá aos contratos, pois Tatting afirma que
o juiz que o precedeu em seu voto implicou que não só o con-
trato é irrescindível como também a conservação dos pactos é
superior à prevenção do homicídio. Tatting mostra mais incon-
gruências da noção de direito natural de Foster e afirma ser
completamente contrário às suas conclusões.

O juiz então continua a criticar o voto de Foster, agora em sua


segunda parte, a chamando de nebulosa e ambígua. Também
afirma Tatting que nesta parte Foster considera apenas a fun-
ção preventiva do direito, esquecendo-se então da função retri-
butiva e da de reabilitação. Os diferentes propósitos, por conse-
guinte, dificultariam uma analise puramente teleológica da lei.
Tatting também refuta a comparação de Foster entre o caso sub
judice e a legitima defesa, uma vez que esta não é dotada de in-
tenção. Depois de apresentar uma série de problemas lógicos
na argumentação de Foster, Tatting conclui que não é capaz de
chegar em um veredito, uma vez que discorda de seu predeces-
sor mas mesmo assim não consegue se convencer de que o
certo é condenar os acusados.

De acordo com os argumentos apresentados J. Tatting se abs-


teve da votação.
Keen
Keen começa seu voto esclarecendo duas questões que acredita
não ser relevantes para o tribunal. A primeira é a decisão do Po-
der Executivo em relação ao pedido de clemência. O juiz critica,
inclusive, o Presidente do Tribunal por ter instruído o chefe do
Executivo nesta matéria. Ele também explica que se fosse ele o
Presidente daria clemência total aos acusados mas, como juiz,
seu julgamento será baseado na lei. A segunda é a matéria mo-
ral do caso, do qual o juiz decide se abster, uma vez que acre-
dita que sua função seja aplicar o direito de seu país. Ele, assim
como Tatting, critica Foster de maneira incisiva.

O juiz então explica como a lei do Commonwealth diz que


"Aquele que intencionalmente prive outrem à vida ser punido
com a morte" e que não existe necessidade de alongar a discus-
são sobre o caso, uma vez que é evidente que os acusados o fi-
zeram. Seguindo a lei, então, eles deveriam ser condenados,
pois Keen acredita que a função do juiz é aplicar a lei indepen-
dendo de seus valores pessoais. Ele então procede, buscando
exemplos na história recente de seu país, a explicar os perigos
do Poder Judiciário afastar demais seus julgamentos do signifi-
cado evidente da lei em busca da satisfação de suas convicções
pessoais, explicando como este atrito com o Poder Legislativo
causou uma guerra civil e explicando o porque ele acata à su-
premacia deste. Keen explica, com certo ar de deboche, o pro-
cesso pelo qual ele acredita que juízes como Foster elaboram
seus julgamentos, dando entender que estes são subjetivos,
egoístas e contrários à lei. O juiz explica a impossibilidade de se
julgar baseando se na pretensão do conhecimento do propósito
da lei, pois este não é simples nem óbvio. Insistindo na necessi-
dade de aplicar a lei escrita e reconhecendo a possibilidade de
sua decisão ser impopular o juiz conclui seu voto.

De acordo com os argumentos apresentados J. Keen vota a fa-


vor da condenação.
Handy
O ultimo juiz inicia criticando a postura de todos os anteriores
afirmando que estes se prenderam muito a legalismos. Handy
acredita que o foco principal é, com a postura de funcionários
públicos, decidir o que deve ser feito com os acusados. Ele pro-
cede então a explicar sua concepção de como o governo não é
feito de leis ou conceitos abstratos, mas sim por pessoas, e que
o poder judiciário é o que tem o maior potencial de se distan-
ciar do cidadão comum. Handy então explica como o juiz,
sendo funcionário público, deveria ter as formalidades e con-
ceitos abstratos como instrumentos e aplicá-los ao caso con-
creto, tornando-os assim mais eficientes e próximos ao senso
comum. Este método aproximaria o poder da população, o que,
para Handy, é essencial para a manutenção da legitimidade e da
ordem, mais do que o direito natural de Foster ou o positivismo
estrito de Keen.

Handy decide analisar aspectos não utilizados pelos julgadores


que o precederam, como a opinião pública em que, sob análise,
revelou ser em grande maioria a favor do perdão dos acusados.
O juiz não acredita que declarando os acusados inocentes per-
deria assim entre a população a noção de legitimidade da lei,
uma vez que tal veredito seria condizente como a vontade geral
dos cidadãos. Handy longamente critica a ideia de apelar para o
executivo e aponta tanto não só como um contrassenso mas
também explica como isto pode ter resultados inesperados e
contrários a vontade do povo. Handy indigna-se com a resistên-
cia que se tem a usar o senso comum em assuntos referentes
ao governo. O juiz aponta ao primeiro caso que julgou onde um
sacerdote de um determinado culto se infiltrou em outro e ex-
pos seus pontos de vista, propiciando um conflito em que este
saiu ferido. Handy explica que, ainda jovem, foi incapaz de en-
contrar entre as doutrinas jurídicas algo que ajudasse na reso-
lução do litígio, mas, porém, encontrou suas respostas no senso
coumum. Handy afirma que o caso atual é semelhante. Por fim
o juiz conclui que os acusados são inocentes e que a sentença
deveria ser reformada.

Entretanto, J. Handy opta por não participar da votação.

Voto pessoal:
O caso apresentado nesta obra levanta a pergunta de como deve
ser aplicada a lei em situações extremas. A situação existente
no livro não é de nenhuma forma comum e dificilmente acon-
teceria novamente em condições iguais, portanto uma análise
teleológica do direito seria muito difícil, uma vez que é impro-
vável que a lei da comunidade fictícia de Newgarth, como a de
qualquer outra sociedade, tenha sido feita levando em conside-
ração todas as ínfimas possibilidades. Por isto pretendo emba-
sar meu voto não em uma análise do propósito da lei que trata
do homicídio mas sim do propósito da lei em geral. Sócrates,
séculos antes de nossa era, afirmava que o propósito da lei era
criar segurança jurídica. Talvez o filósofo grego, então, acredi-
tasse que estes homens deveriam ser punidos, pois a priori é
isto que diz a lei. Porém, segurança jurídica implica no na ideia
de que a lei terá o resultado esperado pela maioria da popula-
ção. Note-se que não afirmei "desejado", e sim "esperado". A se-
gurança vem da concordância da sentença jurídica com a expec-
tativa criada pela lei. Qual é a expectativa que deveria ser tirada
do caso apresentado? A expectativa que é criada quando se
diz:"Em uma situação extrema você terá o seu direito a vida
preservado perante a lei a qualquer custo" não é muito solida,
uma vez que se a situação é de fato extrema não é possível pre-
ver tal coisa. Porém ao se dizer: Em uma situação extrema você
terá o direito de preservar a própria vida com os meios que
achar necessário"não só é mais logicamente correta, uma vez
que este princípio pode ser aplicado, como segue mais o senso
comum de que o ser humano tem o direito de lutar pela sua
auto preservação. Mencionando o" senso comum " eu parto en-
tão para um segundo ponto: A lei deve ser expressão da von-
tade geral do povo que esta regula, como afirma o contratua-
lista Rousseau. E muito fácil perceber que a vontade da popula-
ção de Newgarth é a da absolvição dos acusados. Não só o juiz
Handy se refere a uma pesquisa que indicaria que 90% da po-
pulação seria a favor da absolvição, mas também é possível per-
ceber que os próprios juízes, homens versados no direito, tam-
bém a apoiam em seu foro pessoal. Concluo então que não
existe motivo para aplicar uma lei de forma que esta não vá ge-
rar resguarda jurídica futura nenhuma e vá contra a vontade da
população que a legitima.

Voto, portanto, na absolvição dos acusados.

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/resumo-e-interpretacao-do-caso-do-


exploradores-da-caverna/346307234

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