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4º ano, Direito – 2021/2022 | Universidade Lusíada - Porto

Direito Internacional Privado – 1º Semestre


(Práticas 3)

09.12.2021
Manuel e Joaquim, portugueses e residentes no Porto celebraram, num cartório notarial em Paris,
onde o automóvel estava em exposição temporária, um contrato de compra e venda de um
automóvel de coleção pelo valor de 45.000€.
O preço foi pago de imediato por cheque bancário emitido por um banco sediado no Luxemburgo e
o vendedor, Manuel, ficou de entregar o automóvel a Joaquim dali a 2 meses em Portugal uma vez
que Joaquim ainda não tinha pronta a garagem onde iria guardar o veículo.
Acontece que, durante aquele período em que o veículo ainda estava com Manuel, uma forte
chuvada destruiu o armazém onde o automóvel estava guardado tendo este ficado severamente
danificado.
Admita que está pendente em Portugal uma ação para aferir o incumprimento deste contrato, diga
qual a solução material a adotar.

Neste momento está pendente uma ação nos tribunais portugueses uma ação relativa ao não cumprimento,
à impossibilidade objetiva de cumprimento desta obrigação, mas temos de saber qual é a lei
materialmente aplicável para esta questão.

Como é que resolvemos esta questão?


Temos matéria de estatuto obrigacional, novamente o não cumprimento de um contrato de compra e
venda.

Quanto aos sujeitos, Manuel e Joaquim:


 Nacionalidade: OJ português;
 RH: OJ português.

Facto – CCV: OJ francês.

Efeitos – obrigacionais:
 Pagamento do preço: OJ francês (entrega do cheque – há aqui uma nova relação jurídica
creditícia);
 Relação crédito (emergente da utilização de um título de crédito – o banco sacado é
luxemburguês): OJ luxemburguês;
 Entrega da coisa: OJ português (nunca chegou a ser entregue porque a coisa pereceu).

Facto que levou à destruição da coisa: OJ português.

Portanto, temos uma relação privada relativamente internacional, porque o OJ português é um destes OJs,
mas está num tribunal português pendente a respetiva ação, que para nós será relativa à repartição do
risco pelo perecimento da coisa antes de cumpridos todos os efeitos do contrato. Temos de saber qual é,
agora, a norma de conflito para resolver esta questão.

Ora, a norma é o art. (?).


Nos termos do art. (?), ao direito interno prevalece todas as normas jurídicas decorrentes de convenções
de que Portugal faça parte ao nível da UE, todas as diretivas com aplicabilidade direta. Ora, nesta situação
temos coincidência no que tange às matérias dos arts. 41º e 42º. Esta matéria tem que, em primeiro lugar,
verificar da aplicabilidade do respetivo regulamento, se concluirmos pela aplicabilidade do regulamento,
esquecemos o código civil e tratamos no âmbito do regulamento.

Os arts. 41º e 42º dizem respeito às obrigações emergentes de negócio jurídico – essa matéria está no
Regulamento de Roma I.

Temos que ver se, em primeiro lugar, esta questão é resolvida pelo regulamento, e como é que nós
sabemos?
Através da verificação de 3 âmbitos: o âmbito material, que está no art 1º e é particularmente relevante
porque com eles esgotamos a matéria da qualificação – isto porquê? Porque ao nível dos regulamentos,

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interpretamos a questão de facto, portanto, todas as questões relativas às obrigações de negócios jurídicos
estão no regulamento de Roma I, com exceção da matéria relativa à capacidade de sujeitos, exceto aquilo
que está no art 13º do regulamento que, basicamente, o que tem é a proteção do comércio jurídico local
como uma norma especial, mas o resto é regulado pelo CC.

Portanto, o âmbito material está no art. 1º, e com isto, se concluirmos pela aplicabilidade do âmbito
material, fixamos a questão da qualificação, não temos de nos preocupar com mais nada.

Nos termos deste artigo, aplica-se a todas as relações emergentes de contratos, civis ou comerciais, que é
o caso – temos uma questão civil. Seja como for, chegaríamos na mesma ao CC desde que não suscite
questões administrativas, fiscais ou aduaneiras.

Para estas, para além de serem questões de direito público, há mormente normas de direito da UE que
tratam especificamente esta questão. Portanto, o nosso caso é um contrato civil entre privados, portanto,
está no âmbito material do Roma I e agora temos de verificar à contrario se não é nenhum dos contratos
que está excluído nos termos do nº2, ou seja, este número tem uma lista de contratos e obrigações que
apesar de serem de natureza civil ou comercial, o regulamento não trata delas.
É alguma das questões que aqui temos?
Se dermos uma vista de olhos, percebemos que ela tem matéria tipicamente de alguns NJs pessoais,
questões relativas a casamentos, sucessões, etc, tem questões relativas a direitos adjetivos, algumas
questões de contratos comerciais como são os “trusts”, que são garantias muito particulares, inclusive há
uma diretiva própria para elas. Depois tem matéria relativa à capacidade das partes. Fora isso é o
regulamento Roma I que trata de tudo.

Portanto, tudo o que tem o nº2 do art. 1º, nunca aplicaríamos os arts. 41º e 42º, porque são matérias muito
especiais, portanto, tem questões relativas à filiação ou matrimónio ou às sucessões ou então não está, de
todo, regulado no CC.

Neste caso o nosso contrato é de matéria civil, não suscita nem questões fiscais nem administrativas nem
aduaneiras.
Está ou não excluído do âmbito de aplicação do nº2? Está lá ou não? Não está e, por isso, está verificado
o âmbito material.

Quanto ao segundo âmbito, o âmbito espacial, previsto no art. 2º, não há aqui nenhum tipo de limite –
este âmbito determina o princípio da universalidade, ou seja, quem aplica os regulamentos é a lex fori se
esse estado for um estado-membro da UE, com exceção da Dinamarca que não está vinculado.
Este âmbito determina que o elemento de conexão não tem de remeter para um Estado-membro, pode
determinar a escolha de qualquer lei ou qualquer Estado, esteja ou não vinculado ao regulamento.
Portanto, se neste regulamento aparecer a lei do Burkina Faso, será essa a lei a ser aplicada sem problema
nenhum. Ora, no nosso caso, nunca se colocaria essa questão porque todos os OJs são Estados-membros,
mas, se se colocasse, ao nível do regulamento de Roma I, não há limite à aplicação porque esta é
universal, portanto dá para escolher qualquer lei no âmbito do regulamento.
Assim, este âmbito também está verificado.

Quanto ao âmbito temporal, o contrato tem de ter sido celebrado depois da entrada em vigor do
regulamento que é, de acordo com o art. 28º, 17 de dezembro de 2009. Portanto, verifica-se este âmbito
temporal.

Nota: mesmo que seja antes de 2009 e, portanto, não se possa aplicar o regulamento de Roma I, antes do
regulamento havia a convenção de Roma que é muito parecida ao regulamento. Na vida prática, só se por
acaso o NJ fosse anterior à década de 80 é que voltávamos ao CC (não há casos deste na jurisprudência).

No nosso caso, verificam-se os 3 âmbitos e, portanto, é aplicável o Regulamento de Roma I para esta
questão.
Significa que a conexão da lei que nós escolhermos será aquela que resulta das normas de conflito do
regulamento e esquece-se o CC. Se falhasse uma destas é que, aí sim, votaríamos ao CC.

No âmbito do Regulamento de Roma I, este é avesso ao reenvio e, portanto, qualquer escolha de lei que
façamos, fazemos imediatamente uma RM e o assunto morre ali.
Como é que agora escolhemos a norma de conflitos?

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Já sabemos que o regulamento tem normas gerais e normas especiais. As normas especiais são para
contratos típicos, os de transportes (de mercadorias ou pessoas), de seguros, de trabalho e contratos com
consumidores. Se o nosso contrato for algum destes, aplicamos a regra especial.

Não sendo o nosso contrato nenhum destes, vamos aplicar as regras gerais do regulamento que estão nos
arts. 3º e 4º.
A regra geral do regulamento é para todos os contratos (mesmo para os em especial) – recorde-se que a
única limitação que tem é porque tem, sobretudo em consideração o princípio da projeção da parte mais
fraca, que tem alguns limites à autonomia da vontade mas o princípio regra do RRI é, nos termos do art.
3º, a autonomia da vontade, ou seja, é aplicável a lei que as partes escolheram para regular o seu contrato.

Como sabemos, no RRI, ao contrário do CC, a autonomia da vontade é conexão suficiente para
internacionalizar a relação jurídica, o que significa que se tivermos uma RJ puramente interna, as partes,
não obstante, podem escolher uma lei estrangeira para regular aquelas RJ. Neste caso, o único limite que
têm são as regras imperativas do direito interno. Portanto, imagine-se que neste contrato todos os
elementos da RJ estavam em Portugal, por exemplo, nada impedia que as partes escolhessem outra lei
qualquer.
Qual é o limite? Se essa lei, por alguma razão tivesse uma situação material diferente em relação a uma
norma imperativa do OJ português, nesse caso, aplicava-se a norma portuguesa. Para todas as outras
regras, aplica-se a lei escolhida pelas partes.

Também já sabemos que, nos termos do art 3º, não há limites quanto à escolha da lei. Ou seja, não vigora
no Regulamento de Roma I, o princípio da não transitividade. Significa isto que as partes podem escolher
uma lei que esteja em contacto com a sua RJ ou qualquer outra e não têm de justificar a escolha
(contrariamente ao CC, onde tem de existir um interesse legítimo). É, portanto, muito mais liberal do que
o legislador do CC.

Neste caso, as partes escolheram alguma lei para regular o contrato? Não conseguimos aplicar a regra
geral do art. 3º e, portanto, vamos para os critérios supletivos, ou seja, a falta de escolha de lei.
Como é que o legislador organizou a escolha de lei? Estabeleceu, no art. 4º/1, conexões especiais para
alguns contratos. Se o nosso contrato estiver numa destas alíneas, então aplica-se esta conexão.

Ora, não está, a mais próxima seria a CV de mercadorias, mas, neste caso, nem se pode classificar a CV
esporádica de um automóvel como sendo CV de mercadorias. Portanto, não há nenhuma regra especial do
nº1, não tendo regra especial do nº 1 vamos para o nº2, para qualquer outro contrato que não está no nº1, a
conexão é a lei da RH do contraente que tem a prestação característica do contrato que é a
contraprestação da prestação pecuniária, portanto, o vendedor, Manuel, significa que é a RH do vendedor
do veículo automóvel, Portugal. A não ser que as partes ou alguma das partes demonstre que existe uma
conexão manifestamente mais estreita com outro OJ, neste caso eles têm residência habitual em PT, são
ambos portugueses.
É verdade que o negócio foi celebrado em frança, onde se produziu o efeito real, porém, o contrato foi
celebrado ocasionalmente em França porque ocorreu lá a exposição dos veículos, o Luxemburgo tem a
ver com a relação prévia, portanto também não tem grande ligação. Neste caso concreto seria o OJ
português e, como já foi verificado o âmbito material, temos a qualificação feita a priori, portanto aplica-
se a lei portuguesa.

Notas:
(1)
Como é evidente, estamos a falar de um regulamento comunitário, portanto, todos os EM com exceção da
Dinamarca o aplicam, significa que num caso prático de um teste ou exame disser que a ação está
pendente em França, qual é a lei materialmente aplicável? Aplica-se o mesmo regulamento comunitário,
se a lei do foro for a França, ou qualquer outro EM. Nestes EM nunca há conflitos efetivos de lei porque
todos eles aceitam aplicar uma e a mesma lei. A única coisa que sabemos, com toda a certeza, é que
estamos a tratar de um regulamento comunitário. Ou seja, se isto estivessem em L1 (frança), frança tem o
mesmo art. 1º, o mesmo âmbito material, fazia uma referência material para Portugal e aplicava-se a lei
portuguesa. Era exatamente a mesma solução.

(2)
Nem sempre é fácil encontrar prestações características do contrato, se esta é a contraprestação da
prestação pecuniária, significa que temos de ter uma prestação diferente de uma prestação pecuniária, que

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nem sempre acontece. P.e., no contrato de mútuo, em que alguém entrega dinheiro e devolve dinheiro,
são duas prestações pecuniárias. Ou então um contrato que não tem nenhuma prestação pecuniária, por
exemplo uma permuta. Como é que se determina então? Se não se consegue utilizar o art. 4º/2 tem de se
passar, imediatamente, para o último critério, tem de se encontrar a conexão manifestamente mais
estreita. Por exemplo, se neste caso este carro fosse trocado por outro em vez de comprado, tínhamos de
encontrar a conexão manifestamente mais estreita, que seria o OJ português. Mas note-se o seguinte, o
legislador, nos termos do art. 4º, sobretudo nos critérios supletivos, privilegiou o princípio da maior
ligação individual, note-se que no art. 4º/2 a conexão regra não é o lugar onde as partes celebraram o
contrato, mas sim o da RH, significa que quando vamos à procura da conexão manifestamente mais
estreita que leva o princípio da maior ligação individual e é o princípio da maior proximidade. Portanto,
as conexões que estão mais próximas dos sujeitos.

Se tivéssemos um bem imóvel, nesse caso não consideraríamos Portugal porque já seria necessariamente
uma regra do nº1 do art. 4º (direitos pessoais ou reais de gozo sobre imóveis).

16.12.2021
(17 dez 2019)
Charles, inglês, residente em habitualmente em Portugal, vendeu a Hansen, alemão, que reside
habitualmente em Madrid, uma garrafa de vinho do Porto que há muito Hansen procurava.
O contrato foi celebrado no Dubai onde as partes se encontravam, por coincidência, de férias.
Acontece que, mais tarde Charles arrepende-se de ter celebrado o negócio e vem, perante os
tribunais portugueses invocar a invalidade do negócio alegando que, nos termos da lei do Qatar o
negócio é formalmente inválido já que devia ter sido celebrado por documento particular. Nos
termos desta lei, qualquer negócio, cujo valor ultrapasse 10.000,00€ - como era o caso em concreto –
deve ser reduzido a escrito.
As partes estabeleceram, nos termos do contrato, em qualquer situação decorrente do contrato,
seria aplicável o direito material do Qatar.
Considere que:
 O OJ do Qatar, em matéria de reenvio, pratica RM e considera competente a lei do lugar
da celebração do negócio;
 O OJ do Dubai, nesta matéria, considera competente a lei da nacionalidade do vendedor e
pratica DD;
 Com exceção do Qatar, todos os ordenamentos consideram o negócio formalmente válido.

Qual a lei aplicável ao caso concreto?

Temos aqui uma relação entre Charles e Hansen, um CCV de uma garrafa de vinho do Porto.
Matéria de estatuto obrigacional, concretamente, uma questão de validade formal do negócio.
Quanto às conexões:
Sujeitos:
 Vendedor, Charles – nacionalidade: OJ português; RH: OJ português;
 Comprador, Hansen – nacionalidade: OJ alemão; RH: OJ espanhol.

Facto – não temos informação, por isso consideramos as obrigações, ou os efeitos, do contrato, tendo o
contrato sido celebrado no OJ dos Emirados Árabes Unidos (Dubai – há uma lei comum aos estados dos
EAU).

Temos aqui também como elemento de conexão a autonomia da vontade – estabeleceram no contrato que
em qualquer situação decorrente do contrato seria aplicável o direito material do OJ do Qatar.
Estamos no estatuto obrigacional, mas no âmbito da matéria extra obrigacional (RR II) também pode ser
relevante a autonomia da vontade, ainda que num afloramento um pouco diferente, mas, neste caso, é
particularmente intensa a questão da autonomia da vontade.

Está nos tribunais portugueses a questão da validade formal, portanto, Portugal é a lex fori.
Nesta matéria, qual é a conexão que vamos escolher?

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Desde já, sendo matéria de estatuto obrigacional, a nossa primeira fonte de DIP é o Regulamento de
Roma I.

Neste âmbito, temos de verificar os 3 âmbitos:


 Âmbito material – art. 1º - obrigações emergentes de contratos com natureza civil, que não em
afloramento fiscal, aduaneiro ou administrativo, a não ser que esteja excluído este contrato nos
termos do nº2 do art. 1º - neste caso não está – este âmbito verifica-se;
 Âmbito espacial – art. 2º - quanto a este não temos qualquer problema, porque o regulamento
tem subjacente o princípio da universalidade, portanto, independentemente de termos OJ em
contacto com esta RJ que não são estados membros, o regulamento aplica-se, ainda que a
conexão dê origem à aplicabilidade de uma lei diferente do estado membro – o âmbito espacial
está verificado;
 Âmbito temporal – art. 28º - ele teria de ser celebrado depois de 17 de dezembro de 2019 –
âmbito verificado.

Os três âmbitos estão verificados, pelo que agora temos de ver se este é um dos contratos especialmente
regulados no regulamento: consumo, trabalho, transporte, etc. Não sendo nenhum destes, significa que
vamos aplicar as regras gerais relativamente ao contrato – a regra geral está no art. 3º - lei escolhida pelas
partes, ou seja, OJ do Qatar.

L1 - L2
Lex fori OJ do Qatar
Portugal

Nos termos do art. 20º, fazemos uma referência material, porque no âmbito do regulamento não há
possibilidade de reenvio, o que significa que somos necessariamente anti-devolucionistas, e aplicamos a
lei do Qatar, e a questão da qualificação fica arrumada com o âmbito material. Significa que se
conseguirmos legitimar a aplicabilidade da lei do Qatar, é esta que se aplica!
Mas o Qatar não tem nenhuma conexão com a RJ, é exclusivamente a autonomia da vontade. É isto
algum entrave?
Não vigora aqui o princípio da não transactividade, podemos escolher uma lei qualquer. Mas o art. 3/3º
aplica-se quando? Não se podem violar normas imperativas quando o quê?
Diz o nº3: “caso todos os outros elementos relevantes da situação se situem, no momento da escolha, num
país que não seja o país da lei escolhida, a escolha das partes não prejudica a aplicação das disposições da
lei desse outro país não derrogáveis por acordo”
Portanto, a estatuição é que se pode escolher, não se pode é violar normas imperativas da lei do país – que
país? Do país onde esteja no momento da escolha todos os elementos da RJ. Quando todos os elementos
da RJ estão num único país, as partes podem escolher a lei de outro sem qualquer problema, ou seja, é
possível internacionalizar RJ que sejam puramente internas num único país, mas quando isso acontece o
limite é não poder violar as normas imperativas da lei do país onde se encontrem os elementos da RJ.

Ora, no nosso caso nem sequer temos isso, porque os elementos da RJ já estão dispersos por vários
ordenamentos jurídicos, portanto, nem sequer temos aqui o limite do art. 3º/3.
E repare-se, aquilo que não temos no nosso CC, que é o princípio da não transitividade, é que nós
podemos escolher a lei do qualquer país, tenha ou não contacto com a RJ, e até podemos escolher a lei de
um país diferente quando a RJ é puramente interna. Para esta última situação é que temos um limite – não
podemos violar normas imperativas do estado em que temos todos os elementos da RJ.

Ora, no nosso caso temos pelo menos 5 estados diferentes para esta RJ, o que significa que a nossa RJ já
não seria puramente interna, pelo que já não teríamos o limite do art. 3º/3.
Portanto, podemos escolher a lei que quisermos, sem preocupações de normas imperativas, tenha contacto
ou não com a RJ.

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Então, relativamente à escolha do Qatar, nada a opor.

Significa que, de facto, Charles tem razão – o contrato é, enfim, se for a consequência do OJ português,
nulo, por falta de verificação dos requisitos de forma. E normalmente a nulidade tem a ver com os
requisitos de forma.

Mas vejamos com atenção que temos aqui um problema para resolver!
Temos aqui duas questões importantes: é verdade que estamos no âmbito do estatuto obrigacional, mas
estamos na questão da validade do negócio – quando estamos na validade do negócio, é verdade que não
estamos neste âmbito material que aqui está, desde que conjugado com os arts. 10º e 11º, porque o art. 1º
diz “todas as obrigações decorrentes de negócios jurídicos”. A questão que se coloca é: e a montante?
Quando está em causa a validade do negócio jurídico?
É que repare-se, literalmente deste âmbito material o que resulta são os efeitos de um contrato. Ou seja,
temos um contrato, e trata-se de saber qual é a obrigação da parte, se está bem cumprida, quando se
cumpre, etc.
Quando temos um problema de validade a questão que se coloca é a de saber se há ou não contrato.

E a questão é, então: aplica-se ou não o Regulamento de Roma I?


Aplica-se, mas temos de o conjugar com os arts. 10º e 11º.
No art. 10º, concluímos que também se aplica às questões de validade substancial – aplicando-se a lei que
as partes teriam escolhido se o contrato fosse válido.
E o art. 11º também se aplica às questões de validade formal, só que, apesar de tudo, significa que esta
questão, quer a validade formal, quer a validade substancial, faz parte do âmbito do art. 1º.
Repare-se, quer o art. 10º, quer o art. 11º, demonstram que o conceito quadro do art. 1º é mais amplo,
porque os efeitos de um contrato válido podem ser a apreciação da própria validade do NJ.

Mas agora olhemos para o art. 11º.


É que a validade formal, apesar de tudo, tem aqui regras mais particulares – “um contrato celebrado por
pessoas ou pelos seus representantes que se encontrem no mesmo país aquando da sua celebração é válido
quanto à forma, se preencher os requisitos de forma prescritos pela lei reguladora da substância (Qatar, lei
que as partes escolheram neste caso), determinada nos termos do presente regulamento, ou pela lei do
país em que é celebrado” – é que, tal e qual como acontece no art. 10º, a lei que as partes escolheram vai
determinar também os requisitos ou a lei aplicável, quer para a substância, quer para a forma.

Só que no que tange à forma o art. 11º estabelece um outro princípio – de facto, é a lei do Qatar que vai
determinar a validade formal deste negócio, ou o contrato, ainda que não seja válido perante a lei da
substância, continua a ser válido se tiver sido cumprida a lei do lugar onde o ato foi celebrado – aqui o ato
foi celebrado no Dubai, e o Dubai considera ou não o negócio formalmente válido? O Dubai considera
formalmente válido.
Significa isto que apesar de se aplicar a lei do Qatar, é verdade, quanto à questão da validade formal o
negócio pode ser válido desde que cumpra os requisitos de uma outra lei, apesar de não ser a lei escolhida
pelas partes – neste caso é a lei do Dubai.

O negócio seria formalmente válido, apesar de a lei escolhida pelas partes determinar a respetiva
invalidade e ser essa lei escolhida pelas partes também aquela que regula a validade formal. Mas é essa ou
outra. E neste caso a outra, Dubai, determina a respetiva validade.

Atenção aos arts. 10º e 11º e à questão da capacidade, que está fora, no art. 1º/2, com exceção do art. 13º
RRI. Ou seja, a questão da capacidade das partes poderem ou não celebrar o negócio não está no
regulamento, está expressamente excluída, nos termos do art. 1º/2, com exceção do art. 13º - “num
contrato celebrado entre pessoas que se encontram no mesmo país, uma pessoa singular considerada
capaz segundo a lei desse país só pode invocar a sua incapacidade que resulte da lei de outro país se, no
momento da celebração do contrato, o outro contraente tinha conhecimento dessa incapacidade ou a
desconhecia por negligência” – temos aqui a proteção do comércio jurídico local, o que significa que num
caso prático, se se colocar a questão da capacidade da parte para celebrar o negócio jurídico, vamos ao
regulamento, no regulamento não conseguimos aplicar o regulamento, porque está expressamente
excluído, vamos ao CC e resolvemos por lá. Só que agora, ao invés de irmos para o art. 28º, se tivermos
matéria relativa a questões contratuais, já não aplicamos o art. 28º, porque quanto a essa parte o âmbito
material já é aplicável nos termos do regulamento. Significa que se concluirmos que o negócio é inválido

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por falta de capacidade de um dos sujeitos fazemos todas as tentativas de aproveitar o negócio menos o
art. 28º, porque agora a matéria dele está regulada no RRI, e vamos para o art. 13º, e é muito mais
simples: aqui a única coisa que temos de saber é se a contraparte sabia ou não sabia da incapacidade. Se
não sabia, então aproveita o negócio – já não há princípios de reciprocidade, questões relativas a tipos
contratuais, nada!

Nota: pôr no art. 28º uma nota a dizer que primeiro está o art. 13º RRI – porque a capacidade de facto
continua no CC, mas nesta altura o art. 28º CC está consumido pelo art. 13º RRI.
+
Remissão art. 1º RRI para os arts. 10º e 11º RRI para as questões de validade. Aplicamos o regulamento
na mesma, não tem problema algum, faz parte do âmbito, mas veja-se: sobretudo na validade formal
temos mais particularidades do que aquelas que podem resultar da mera escolha de lei, nomeadamente
aproveitar o negócio de acordo com determinadas leis de outros países, como é o caso – é a lei do Qatar
que resolve tudo, mas, não obstante, o negócio é válido de acordo com uma das leis que está no art. 11º, e
o negócio é formalmente válido, ponto final, ainda que as partes tenham escolhido uma lei e essa lei
determine a invalidade do negócio.

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