Você está na página 1de 5

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PRÁTICA

CASO PRÁTICO Nº9

Pergunta 5 - O lugar do cumprimento da obrigação de entrega do produto das


vendas em Portugal tem alguma influência na determinação da competência do
Tribunal da Comarca de Braga?
Nós temos o nosso sistema autónomo de competência internacional, mas os
Regulamentos Europeus têm prioridade face ao sistema autónomo, mas apenas quando
o Regulamento seja aplicável ao caso. Para isso é preciso que os seus âmbitos materiais,
temporais e territoriais estejam preenchidos.
Quanto ao âmbito material, sabemos que este Regulamento aplica-se à
competência judiciária em matéria civil e comercial, sendo que estamos perante um
contrato de agência – contrato comercial, tendo como sub-modalidade o contrato de
prestação de serviços. Ora, este âmbito estava preenchido, nos termos do artigo 1º do
Regulamento. Portugal aderiu a quase todos os regulamentos europeus, inclusive a este.
O artigo 81º do Regulamento na parte final diz que este é diretamente aplicável a todos
os aderentes. Ora, como Portugal aderiu a este Regulamente, este âmbito também estava
preenchido. Quanto ao âmbito territorial, tínhamos de referir o artigo 66º do
Regulamento, que aplica-se aos Regulamentos de ações instauradas em 10 de janeiro
2015 ou data posterior. Neste caso, e como todos os âmbitos estavam preenchidos,
aplicava-se o Regulamento UE nº1215/2012.
Ora, à partida a competência internacional dos tribunais determina-se através da
regra geral do artigo 4º do Regulamento que diz que uma pessoa domiciliária num
estado-membro deve ser demandada nos tribunais desse estado-membro.
Perante o nosso caso prático, o domicílio do réu era em França. Aplicando-se o
artigo 4º do Regulamento seriam internacionalmente competentes os tribunais franceses.
Contudo, existe uma norma que permite ao autor optar por outros tribunais de outros
Estados-Membros – artigo 5º do Regulamento. Este artigo diz que o autor pode em
algumas situações optar por demandar o réu noutros tribunais de outro Estado-Membro
que não o Estado-Membro dele, mas este direito de opção não é ilimitado. Só se
justifica reconhecer a competência internacional ao abrigo destas regras da secção 2 a 7
do Regulamento quando por aplicação dessas regras especiais a solução seja diferente
da que seria se se aplicasse o artigo 4º do Regulamento. Se da aplicação das regras
especiais a solução for igual à solução do artigo 4º do Regulamento não há direito de
opção.
A alínea b) do artigo 7º nº1 do Regulamento concretiza o que deve ser entendido
como lugar de cumprimento de obrigação. O primeiro parágrafo não é aqui aplicável,
porque respeita aos contratos de compra e venda, o que não é o caso. O segundo
parágrafo desta alínea do artigo 7º nº1 respeita aos contratos de prestação de serviços,
onde o lugar relevante é no Estado-Membro onde os serviços devam ser prestados.
Em abstrato, é aplicável este artigo 7º alíneas a) e b) (segundo parágrafo) do
Regulamento. “Em abstrato” porque o lugar do cumprimento de obrigação segundo este
artigo é o lugar onde os serviços devam ser prestados. Ora, no enunciado a globalidade
dos serviços deviam ser prestados em França.
A solução que resulta desta norma especial (artigo 7º do Regulamento) é
diferente da solução do artigo 4º do Regulamento? Não, em ambos os artigos seriam
competentes os tribunais franceses (tribunais do domicílio do réu – artigo 4º - e
tribunais dos Estados-Membros onde os serviços deveriam ser prestados – artigo 7º).
Assim, em concreto, não é o artigo 7º do Regulamento que fundamenta a competência

1
dos tribunais franceses, mas sim o artigo 4º do Regulamento, que é a regra geral. Logo,
é este último artigo que se aplica.
A leitura de normas gerais e especiais deste Regulamento é diferente da estudada
em Introdução ao Direito, onde norma especial revoga a norma geral. Neste caso, é um
direito de opção, onde as soluções têm de ser diferentes para se poder aplicar a norma
especial.
O facto de o lugar de cumprimento ser em Portugal não tornaria competentes os
tribunais portugueses, porque a regra que fundamentava a competência dos tribunais
franceses era o artigo 4º do Regulamento, que segundo este o lugar era o domicílio do
réu.
Aplica-se o Regulamento, porque face ao caso estavam verificados os 3 âmbitos.
No entanto, caso falha-se um dos âmbitos (não era o caso), teríamos de analisar o nosso
sistema autónomo de competência internacional. Neste sentido, são relevantes os artigos
94º, 62º e 63º do CPC.
O artigo 94º respeita ao pacto privativo de jurisdição, que é um acordo onde as
partes atribuem jurisdição a tribunais de um determinado Estado-Membro. Este artigo
não se aplicava neste caso. O artigo 63º tem prioridade em relação ao artigo 62º, pois
prevê matérias de competência exclusivas dos tribunais portugueses, como, por
exemplo, em matérias de direitos reais, insolvência, sociedades, etc. Ora, não estávamos
perante nenhuma dessas matérias. Por outro lado, o artigo 62º alínea a) contem o
princípio da coincidência, que diz que os tribunais portugueses serão internacionalmente
competentes quando também o sejam por aplicação das regras internas de competência
em razão de território – artigos 70º e ss. do CPC.
Aqui, nesta concreta ação, o artigo aplicado de competência internacional seria o
artigo 71º do CPC, que prevê a competência em razão do território quanto a ações em
que se exija o cumprimento da obrigação. O domicílio do réu era em França, logo,
também ao abrigo do nosso sistema autónomo de competência internacional, se teria de
reconhecer competência aos tribunais franceses e não aos tribunais portugueses.
A 2ª parte do artigo 71º nº1 do CPC confere, em algumas situações, o direito de
opção ao autor, mas para que este exista é preciso uma de duas coisas: que o réu seja
pessoa coletiva ou que o autor e réu tenham domicílio na mesma área metropolitana –
Lisboa ou Porto. Neste caso não se aplica, porque o réu era pessoa singular e também o
réu tinha domicílio em França, logo autor e réu não viviam na mesma área.
Concluindo, também o nosso sistema autónomo impunha a competência
internacional aos tribunais franceses.

Pergunta 6 - Podia a competência internacional dos tribunais franceses fundar-se


na circunstância de a atividade desenvolvida por Louis Poulet se localizar no
mercado francês?
O facto de a atividade do réu ser desenvolvida em França pode afetar a
competência internacional dos tribunais franceses ou não? É um critério relevante à luz
do Regulamento?
Ora, tal como já vimos, aplica-se o Regulamento, uma vez que estavam
preenchidos os 3 âmbitos – material, territorial e temporal. Logo, o Regulamento tem
prioridade sobre a competência autónoma. Aplica-se, portanto, o artigo 4º do
Regulamento, dado que é a regra geral. Em algumas situações o autor tem opção de
escolha em relação ao tribunal onde irá demandar o réu – artigo 5º do Regulamento.
Assim, em abstrato, poder-se-ia aplicar o artigo 7º do Regulamento, que é uma
norma especial. Segundo este artigo, relevaria o lugar conjunto da prestação de serviços,
que no caso era França. Ora, o artigo 7º do Regulamento não dizia expressamente se era

2
relevante como elemento de conexão o lugar de desenvolvimento da atividade do réu. A
verdade é que a redação deste artigo é outra, sendo o lugar conjunto da prestação de
serviços.
Neste sentido, a solução continua a ser dada pelo artigo 4º do Regulamento.
Logo, os tribunais competentes seriam os franceses, não pelo facto de a atividade do réu
ser em França, mas pelo seu domicílio ser nesse país.

Pergunta 7 - O facto de o contrato ter sido concluído em Portugal pode determinar


a competência internacional dos tribunais portugueses à luz do princípio da
causalidade?
O princípio da coincidência está no nosso sistema autónomo, nomeadamente no
artigo 62º alínea a) do CPC. Por outro lado, o princípio da causalidade está previsto no
nosso sistema autónomo no artigo 62º alínea b) do CPC. Segundo este último artigo, ele
só pode ser ponderado se a competência internacional fosse apreciada através do nosso
sistema autónomo e não pelo sistema europeu.
Este princípio diz que serão internacionalmente competentes os tribunais
portugueses quando tenha sido praticado em Portugal o facto que serve a causa de pedir
ou algum dos factos que a integram. A verdade é que este artigo tem sido criticado,
porque tenta recolher o máximo de ações para os tribunais portugueses. No entanto,
atualmente não tem tido grande força esta crítica, porque raramente se aplica o sistema
autónomo. Contudo, também se critica este artigo dado que se atribui competência
internacional aos tribunais portugueses desde que um qualquer facto da causa de pedir
tenha ocorrido em Portugal, seja ele essencial ou não.
Perante a informação do caso prático seria possível reconhecer competência
internacional aos tribunais portugueses ao abrigo do artigo 62º alínea b) do CPC? É em
Portugal que se celebra o contrato, que é um facto essencial da ação. Portanto, seria o
suficiente ao abrigo deste artigo para atribuir-se competência internacional aos tribunais
portugueses.

Pergunta 8 - Em que termos deve ser fundamentada, com rigor, a incompetência


internacional dos tribunais portugueses?
Tal como já se verificou, no caso prático aplica-se o Regulamento Bruxelas I
Reformulado, dado que estavam preenchidos os 3 âmbitos: material (artigo 1º nº1 e 2 do
Regulamento), temporal (artigo 66º nº1 do Regulamento) e territorial (artigo 81º e arts.
4º e 6º do Regulamento). Neste sentido, o Regulamento prevalece sobre o sistema
autónomo – artigo 59º 1ª parte do CPC.
No sistema autónomo do estado português existe o artigo 63º do CPC, que prevê
matérias de competência exclusiva dos tribunais portugueses. Também o Regulamento
Bruxelas I tem um artigo que prevê matérias da competência exclusiva de um tribunal
de um determinado Estado-Membro – artigo 24º do Regulamento. Contudo, neste caso
prático não existe competência exclusiva dos tribunais portugueses (artigo 24º do
Regulamento), aplicando-se, portanto, o artigo 4º do Regulamento, que prevê o
domicílio do réu, no caso era França. Ora, esta norma é a regra geral e determina a
competência internacional dos tribunais franceses, a menos que fosse de aplicar uma
solução diferente por referência a alguma das normas das secções 2 a 7 daquele capítulo
(ex vi artigo 5º nº1 do Regulamento).
Em relação ao artigo 7º nº1 do Regulamento (lugar do cumprimento da
obrigação) era abstratamente aplicável ao caso sub judice. A verdade é que o conjunto
das obrigações do contrato aponta para a França. No entanto, a competência
internacional dos tribunais franceses resulta do artigo 4º do Regulamento, pois com o

3
artigo 7º do Regulamento não se aponta para um “outro Estado-Membro” diferente
daquele ao qual o artigo 4º reconhecia jurisdição.
Se a ação tivesses sido interposta em Tribunal português, este poderia apreciar
da sua (in) competência (princípio da kompetenz-kompetenz). Tendo a ação sido
interposta em tribunais portugueses estaríamos perante uma incompetência absoluta, por
violação das regras de competência internacional – artigo 96º alínea a) in fine, 576º nº2
e 577º alínea a), todos do CPC. Esta exceção dilatória era de conhecimento oficioso
(artigo 578º 1ª parte do CPC) e sendo julgada procedente o réu seria absolvido da
instância – artigo 278º nº1 alínea a) do CPC – e formar-se-ia um caso julgado formal
(artigo 620º e 579º nº1, ambos do CPC).

Pergunta 9 - As normas do sistema autónomo português de competência


internacional podem, em alguma medida, contribuir para fundamentar a decisão
de julgar incompetente o tribunal onde a ação foi proposta?
Aos tribunais portugueses cabe apreciar da sua própria competência
internacional, segundo o artigo 59º do CPC, de acordo com as normas de competência
internacional vigentes e aplicáveis em cada caso.
Neste caso prático, aplica-se o Regulamento 1215/2012, que tem primazia face
ao sistema autónomo de competência internacional. Assim, era através do artigo 4º nº1
do Regulamento que se fundamentaria a incompetência dos tribunais portugueses.

CASO PRÁTICO Nº10

Recordando:
Existem duas formas de processo: comum e especial – artigo 546º nº1 CPC. A
maior parte dos processos especiais constam do CPC – artigos 878º e ss. No entanto,
existem processos especiais fora do CPC, como a ação especial para cumprimento de
obrigações pecuniárias emergentes de contrato com valor não superior a 15 mil euros –
DL 269/98.
Um artigo relevante é o artigo 547º do CPC, que prevê o poder de adequação
formal do juiz. Este artigo relaciona-se com o dever de gestão processual previsto no
artigo 6º nº1 do CPC. Já o artigo 548º é um artigo que se limita a dizer que o processo
comum de declaração segue forma única – remissão para os artigos 511º nº1 parte final,
468º nº4 e 597º. Por fim, o artigo 549º nº1 limita-se a dizer que na falta de disposições
particulares no processo especial aplicam-se subsidiariamente as normas do processo
comum.
Parte A – As formas do processo
Pergunta 1 - António propõe uma ação declarativa para cumprimento de
obrigação pecuniária de € 35 000, emergente de contrato de fornecimento de bens,
celebrado com Pedro. Qual a forma de processo aplicável?
Estamos perante uma ação declarativa de condenação – artigo 10º nº3 alínea b)
do CPC – em que se pede o valor de 35 mil euros correspondente a uma obrigação
pecuniária de um contrato de fornecimento de bens.
Esta ação não se aplica à ação especial de cumprimento de obrigações
pecuniárias emergentes de contrato, pois o valor do caso prático era superior a 15 mil
euros. Ora, a ação tem o valor de 35 mil euros e os artigos que fundamentam o valor da
ação são os artigos 296º nº1 e 297º nº1 do CPC. Assim sendo, aplica-se o processo
comum, visto que segundo o artigo 546º nº1 e 2 do CPC, “o processo comum é
aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial”.

4
Deste modo, seria aplicável o processo comum da declaração, que segue forma
única, nos termos do artigo 548º do CPC.

Pergunta 2 - José propõe uma ação declarativa para cumprimento de obrigação


pecuniária de € 13 000, emergente de contrato de mútuo, celebrado com Manuel.
Qual a forma de processo aplicável?
Estamos perante uma ação declarativa de condenação (artigo 10º nº3 alínea b) do
CPC), em que se pede o valor de 13 mil euros relativos a uma obrigação pecuniária,
emergente de um contrato de mútuo.
Neste caso seria aplicável o processo especial, pois temos uma ação especial de
cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato com valor não superior
a 15 mil euros – DL 269/98, de janeiro de 2009. No caso prático o valor era de 13 mil
euros e os artigos que fundamentam o valor da ação são os artigos 296º nº1 e 297º nº1
do CPC.
O regime das ações especiais de cumprimento de obrigações pecuniárias
emergente de contrato com valor não superior a 15 mil euros é muito pequeno. Neste
sentido, caso não se encontre a solução neste regime como se resolve o problema? Ora,
quando há falta de disposição especial aplicam-se supletivamente as normas de processo
comum declarativo previstas no CPC (artigos 546º nº2 1ª parte e, sobretudo, 549º nº1 2ª
parte).

Você também pode gostar