Você está na página 1de 43

CORREÇÃO DO EXAME DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL I TAN

06 DE JANEIRO DE 2023

(Não exclui outros elementos de valoração)

Regência: Professora Doutora Isabel Alexandre

Lalo, cidadão mexicano com domicílio em Paris, intentou uma ação contra Xavier, cidadão brasileiro
com domicílio no Porto, peticionando a condenação de Xavier no cumprimento de um contrato de
compra e venda de um veículo automóvel.

Nos termos do contrato de compra e venda celebrado entre as partes no Porto, Lalo pagaria a Xavier
€20.000,00 pelo automóvel através de transferência bancária para a conta de Xavier sita no balcão
dos TTC do Porto, e Xavier entregaria o automóvel a Lalo no domicílio deste, no prazo máximo de 5
dias.

Responda fundamentadamente às seguintes questões:

1. Determine se os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes, bem como, em


caso afirmativo, qual o Tribunal português concretamente competente. (6 valores)
A nível internacional:
Conflito plurilocalizado (art. 8.º/4 CRP).
Aplicabilidade do Regulamento 1215/2012 (âmbito material, temporal, espacial).
Tratando-se de uma compra e venda de um bem, a regra geral do art. 4.º, n.º 1 concorre com
a regra do art. 7.º, n.º 1, al. a), ex vi do art. 5.º, n.º 1, todos do Regulamento. O Tribunal
competente é o do local onde o automóvel deveria ser entregue.
Quem defende que o art. 7.º, n.º 1, do Regulamento tem dupla funcionalidade, conclui que
os Tribunais de Paris são os tribunais competentes dentro do território francês.
Os Tribunais Portugueses são internacionalmente incompetentes.
Possibilidade de celebração de um pacto tácito de jurisdição (atributivo de jurisdição aos
tribunais portugueses), por via do disposto no art. 26.º, n.º 1 do Reg. 1215/2012.
Determinação do tribunal português concretamente competente, à luz dos critérios da
matéria, hierarquia, valor e forma de processo, e território: designadamente, referir a
inaplicabilidade do art. 117º da LOSJ (a propósito do critério do valor e forma de processo) e
a aplicabilidade do art. 71º, n.º 1, do CPC (a propósito do critério do território).
2. Suponha que Lalo e Benedita são portugueses domiciliados no México e que Lalo se encontra
a trabalhar, durante um ano, em Paris. Em sede de contestação, Xavier alega a ilegitimidade
de Lalo. Como deve o juiz proceder? (4 valores)
Problema de legitimidade conjugal ativa – art. 34.º, n.º 1, do CPC. Mesmo que o automóvel
fosse bem comum de L e B, a ação proposta por L tem natureza creditícia e não real, pelo que
dela não pode resultar a perda ou oneração desse bem; consequentemente, a previsão do
art. 34º, n.º 1 do CPC não está preenchida, não havendo litisconsórcio necessário.
Sanação em caso de preterição de litisconsórcio necessário – intervenção principal provocada
de Benedita, art. 316.º, n.º 1, do CPC.
Na falta de suprimento – verificação de exceção dilatória que resulta na absolvição de Xavier
da instância, por preterição de pressuposto processual – arts. 577.º, al. e) e 576.º, n.º 2, do
CPC.
Referir o art. 261º do CPC e a possibilidade de sanação do vício até ao trânsito em julgado da
decisão que declare a ilegitimidade da parte, por preterição de litisconsórcio necessário.
Referência, ainda, ao art. 30º, n.º 3, do CPC: L seria parte ilegítima se, na p.i., tivesse alegado
que o contrato de cv havia sido celebrado, não por si, mas por outra pessoa; neste caso, o
vício não seria sequer sanável (art. 261º do CPC, a contrario).

3. Considere que a petição inicial dá entrada no Tribunal português competente, sendo subscrita
por Rodrigues Fernandes, advogado, que protesta juntar procuração forense e assina a
referida petição com a menção “O Advogado em gestão de negócios”. Dois dias depois,
Rodrigues Fernandes junta procuração forense assinada por Lalo, apenas conferindo ao
mandatário poderes gerais de representação em juízo. Quid juris? (3 valores)
Obrigatoriedade do patrocínio judiciário – art. 40.º, n.º 1, al. a), do CPC, se valor do automóvel
superior a €5.000,00.
Patrocínio judiciário exercido por Rodrigues Fernandes em gestão de negócios – art. 49.º, n.º
1, do CPC.
Procuração forense junta aos autos a posteriori deve incluir a ratificação, por Lalo, dos atos
praticados pelo mandatário em juízo – art. 49.º, n.º 2, do CPC.
Suprimento – juiz notifica Lalo para proceder à ratificação dos atos praticados pelo advogado,
art. 49.º, n.º 3, do CPC.
Na falta de suprimento – condenação do advogado em custas e em eventual dano causado às
partes na ação, art. 49.º, n.º 3, do CPC.
4. Imagine que, na pendência da causa e na sequência de doença mental prolongada, Xavier vem
a ser sujeito a um processo de maior acompanhado. A respetiva sentença fixa um regime geral
de representação de Xavier, declarando-o incapaz, entre outras coisas, de celebrar negócios
jurídicos de disposição do seu património. O que deve fazer o juiz da ação intentada por Lalo?
(3 valores)
Xavier tem personalidade judiciária (por ter personalidade jurídica – artigos 11.º, n.º 2, do CPC
e 66.º, n.º 1, do CC) mas com a sentença de acompanhamento de maior deixa de ter uma
determinada medida de capacidade jurídica e, logo, de capacidade judiciária, i.e. de
suscetibilidade de estar por si em juízo (artigos 15.º do CPC e 67.º do CC).
Juiz deve promover oficiosamente o suprimento da incapacidade judiciária superveniente de
Xavier, ordenando a citação do acompanhante de Xavier, para que intervenha no processo,
nomeadamente ratificando atos já praticados por Xavier após a sentença de maior
acompanhado – arts. 27.º, n.º 1 e 28.º, do CPC.
Na falta de suprimento – art. 27.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC.
O vício da incapacidade judiciária ficou, em qualquer caso, sanado com a citação (como se vê
do art. 27º, n.º 1, do CPC), pelo que um eventual comportamento omissivo do acompanhante
não determinaria a absolvição de X da instância. Fazer referência à diversidade de regimes de
sanação do vício, consoante este atinja o autor ou o réu.

5. Ao tomar conhecimento da situação de Xavier descrita na questão anterior, e tendo a Lalo


sido devolvidos os €20.000,00 que havia pago pelo automóvel extrajudicialmente, através do
filho de Xavier, Lalo decide desistir do pedido. Pode fazê-lo? De que modo? (3 valores)
Lalo, enquanto autor, pode desistir do pedido em qualquer momento processual – art. 283.º,
n.º 1, do CPC.
Modo de realização – documento particular, autenticado ou autêntico ou por termo no
processo, art. 290.º, n.º 1, do CPC
É necessária uma sentença de homologação da desistência do pedido, para que esta produza
efeitos – art. 290.º, n.º 3, do CPC. A sentença homologatória absolveria o réu do pedido, deste
modo reproduzindo o conteúdo do negócio processual celebrado por L.
Efeitos – cessação da causa e extinção do direito à entrega do automóvel – arts. 284.º, 277.º,
al. d) e 285.º, n.º 1, do CPC.

Ponderação global: 1 (um) valor.


CORREÇÃO DO EXAME DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL I TAN – ÉPOCA DE COINCIDÊNCIAS

27 DE JANEIRO DE 2023

(Não exclui outros elementos de valoração)

Regência: Professora Doutora Isabel Alexandre

Considere a seguinte hipótese:

Abel, que reside habitualmente no Rio de Janeiro, tem uma moradia de férias em Faro.

Uma vez que o seu amigo Bento, que reside habitualmente em São Paulo, veio tirar uma
pós-graduação de 6 meses na Universidade do Algarve, emprestou-lhe essa mesma
moradia por este período, com a condição de tratar das flores e árvores plantados no
jardim da casa.

Bento, porém, aproveitou a oportunidade para arrendar a moradia a Carlos, tendo Abel
verificado, quando foi de férias para Faro, que a moradia se encontrava muito danificada,
ascendendo o prejuízo a 20.000 euros.

Recusando-se Bento a pagar os estragos, Abel demanda-o no Juízo Central Cível de Faro,
pedindo a sua condenação no pagamento dos 20.000 euros.

Com a contestação, Bento apresenta um documento escrito, assinado por si e por Abel,
no qual ambos se comprometem a, em caso de litígio referente à casa de Faro, demandar
a contraparte num tribunal de Lisboa, local aonde Bento muitas vezes se deslocava, por
aqui ter vários negócios.

Alega Bento, igualmente, que o autor dos estragos foi Carlos, razão pela qual era Carlos
que devia ter sido demandado.

Alega, finalmente, que Abel é casado com Diana no regime da comunhão de adquiridos,
devendo esta, portanto, ter dado o seu consentimento para a proposição da ação.

Após a contestação de Bento, Abel entrega na secretaria do tribunal um documento, por


si assinado, no qual declara que, por falta de tempo e disponibilidade mental, não pretende
prosseguir com a ação, pedindo que o juiz encerre o processo.
a) Aprecie a competência do Juízo Central Cível de Faro e as consequências da
sua eventual incompetência; (6 valores)
• Conflito plurilocalizado, necessidade de determinar a competência
internacional dos tribunais portugueses;
• Verificar aplicabilidade do Reg. 1215/2012;
• Apesar de o domicílio do réu se situar em Estado terceiro, o que em
princípio excluiria a aplicação do Reg. 1215/2012 (art. 6º/1), o art. 25º
deste Reg. encontra-se preenchido e, como tal, o Reg. é aplicável,
conferindo aquele art. 25º competência internacional aos tribunais
portugueses.
• Na ordem interna, referir os vários critérios de distribuição da
competência, indicando a infração dos critérios do território e do valor:
quanto ao primeiro, dizer que, apesar da dupla funcionalidade do pacto (de
jurisdição e de competência), os arts. 27º e 28º do Reg. 1215/2012 não
regulam este caso de incompetência em razão do território, pelo que há
que aplicar os arts. 102º e ss. do CPC; quanto ao segundo, além de
determinar o valor da causa à luz do 297º/1 do CPC, explicar por que
motivo um juízo central cível seria incompetente e relatar as
consequências da infração do critério do valor.

b) Analise a possibilidade de o juiz absolver Bento da instância, por


ilegitimidade, com fundamento na circunstância de os estragos terem sido
causados por Carlos; (3 valores)
• Explicar o art. 30º/3 do CPC e concluir que, caso ficasse provado que B
não era o autor dos estragos, devia ser absolvido do pedido e não da
instância, pois era parte legítima, segundo aquele preceito.

c) Analise a possibilidade de o juiz absolver Bento da instância, por


ilegitimidade, com fundamento na circunstância de Diana não ter consentido
na proposição da ação; (3 valores)
• Explicar que o caso não se subsume no art. 34º, n.º 1, do CPC, pelo que A
podia ter proposto a ação sozinho, e referir que, ainda que se subsumisse,
seriam aplicáveis os arts. 34º, 2, 311º, 316º e 261º, todos do CPC
d) Analise a possibilidade de o juiz absolver Bento do pedido, com fundamento
na desistência de Abel; (3 valores)
• Trata-se de uma desistência da instância e não do pedido, cuja eficácia
depende da aceitação do réu, nos termos do 286º/1. Ainda que fosse eficaz,
não podia conduzir à absolvição do pedido, pois através dela não se
extingue o direito do autor (cf. 285º e 290º/3)

e) Analise a possibilidade de o juiz absolver Bento da instância com fundamento


na circunstância, por este não alegada, da falta de constituição de advogado
por Abel. (3 valores)
• A falta de constituição de advogado, quando obrigatória, como era o caso
(art. 40º, n.º 1, al. a)), é de conhecimento oficioso, mas a absolvição da
instância só podia ter lugar depois do não acatamento do convite que, nos
termos do art. 41º, o juiz devia fazer. Uma absolvição da instância sem
precedência de tal convite geraria a nulidade da decisão (ou por força do
195º/1, ou por força do 615º/1, d), 2ª parte, dependendo da perspetiva, que
devia ser justificada).

Comente a seguinte afirmação:

“As nulidades processuais têm um regime muito semelhante ao das anulabilidades do


direito civil” (2 valores)

Descrever os traços essenciais do regime das nulidades principais e secundárias, referindo


que, no caso destas últimas, o seu não conhecimento oficioso e a existência de um prazo
para a arguição do vício as aproximam do regime das anulabilidades substantivas; referir
também que, no caso das nulidades principais, a circunstância de serem, em última
análise, sanáveis com o trânsito em julgado da decisão final as aproxima das
anulabilidades substantivas.
EXAME DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL I TAN

ÉPOCA DE RECURSO – COINCIDÊNCIAS

Regência: Professora Doutora Isabel Alexandre – 22 de fevereiro de 2022 – 90 minutos

I.

Em 15 de novembro de 2021, Andreia, cidadã brasileira domiciliada no Porto Santo


(Madeira), comprou à sociedade Four à Pain, Lda., com sede em Lille (França) e sucursal
em Lisboa, dois fornos industriais para instalar na sua Pizzaria Pizzalolo, também sita na
capital portuguesa.

Os fornos foram entregues e instalados na data acordada, 10 de dezembro de 2021.

Contudo, ambos os fornos padeciam de um defeito de fabrico que os impedia de


funcionar à temperatura máxima permitida pelo modelo, essencial à confeção das pizzas
da Pizzalolo, o que Andreia só descobriu a 15 de dezembro de 2021.

Suponha que é advogado/a e que Andreia se dirige ao seu escritório em 20 de dezembro


de 2021, com a pretensão de propor uma ação judicial contra a Four à Pain, Lda., para
obter uma indemnização de €40.000,00 pelos lucros que deixou de obter com almoços
e jantares, por não conseguir confecionar as suas pizzas.

1. Indique: i) o tipo de ação a propor; ii) o pedido e a respetiva causa de pedir; iii) o
valor da ação; iv) a forma de processo. (2 valores)

Ação declarativa de condenação (art. 10.º, n.º 2, al. b), do CPC)


Pedidos subsidiários (art. 554.º, n.º 1, do CPC): reparação dos fornos ou a sua
devolução; pedido cumulativo (art. 555.º, n.º 1, do CPC): condenação no
pagamento de indemnização.
Causa de pedir: celebração do contrato de compra e venda, defeito dos fornos;
prejuízos resultantes da instalação de produto defeituoso.
Forma de processo comum (art. 546.º do CPC) que segue forma única (art. 548.º
do CPC).

1
2. Andreia pergunta-lhe se pode demandar a sociedade Four à Pain, Lda. no
Tribunal Judicial do Funchal ou se tem de propor a ação nos Tribunais Franceses.
Qual a sua resposta? (5 valores)

O conflito é plurilocalizado, pelo que há que determinar os tribunais


internacionalmente competentes.
Aplicabilidade do Regulamento 1215/2012 (âmbito material, temporal,
espacial).
A regra geral do art. 4.º, n.º 1 concorre com a regra do art. 7.º, n.º 1, al. a), ex vi
do art. 5.º, n.º 1, todos do Regulamento.
Quem defende que o art. 7.º, n.º 1, do Regulamento tem dupla funcionalidade,
conclui que os Tribunais de Lisboa são os tribunais competentes dentro do
território português.
Caso contrário, há que determinar quais os tribunais territorialmente
competentes, de acordo com o direito interno.
Os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes.
O Tribunal do Funchal é relativamente incompetente, sendo esta incompetência
de conhecimento oficioso (cf. 102.º, 104.º, n.º 1, al. a), 71.º, n.º 1, todos do CPC).

3. Imagine que Andreia e a Four à Pain, Lda. convencionaram a competência


exclusiva dos Tribunais Franceses. Contudo, não é feita qualquer referência a
este acordo na contestação da Ré. Qual a relevância destes factos para a
competência dos Tribunais Portugueses? (3 valores)

A validade do pacto de jurisdição depende da verificação dos requisitos do art.


25.º do Regulamento 1215/2012.
Se o representante da sociedade contesta e não alega a incompetência dos
Tribunais Portugueses, forma-se um pacto tácito, nos termos do artigo 26.º, n.º
1, do Regulamento 1215/2012.

2
4. Suponha que na sua contestação a Four à Pain, Lda. alega que celebrou um
contrato de compra e venda e prestação de serviços que cumpriu integralmente.
Em face desta argumentação, a Ré é parte legítima? (3 valores)

A legitimidade processual (artigo 30.º do CPC) refere-se à possibilidade de estar


em juízo quanto a um certo objeto e assegura que estão em juízo, como autor e
como réu, sujeitos que têm uma relação com esse objeto.
A legitimidade pertence a quem é o alegado titular, ativo ou passivo, da situação
subjetiva invocada em juízo.
A legitimidade processual não se confunde com o mérito da pretensão do autor.
Assim, a improcedência do pedido da Autora não retira legitimidade processual
à Ré.

5. Suponha agora que Andreia sai do seu escritório tão esclarecida que decide
pleitear por si. Pode fazê-lo? Caso responda negativamente, quais as
consequências da falta de constituição de mandatário? (2 valores)

A constituição de advogado é obrigatória nas causas de competência de tribunais


com alçada, em que seja admissível recurso ordinário (art. 40.º, n.º 1, al. a), do
CPC, isto é, nas causas com valor superior a € 5.000 (cf. art. 44.º, n.º 1, LOSJ).
É aqui o caso, pelo que o juiz deveria determinar a notificação de Andreia para a
constituição de mandatário, sob pena de a Ré ser absolvida da instância (artigo
41.º do CPC).

6. Se fosse a Four à Pain, Lda. a não constituir mandatário, as consequências seriam


as mesmas? (2 valores)

Não. Se a Ré não constituísse mandatário após a sua notificação para tanto, a


sua defesa ficaria sem efeito (artigo 41.º do CPC).

II.

3
Comente a seguinte afirmação, constante do sumário de um acórdão de um tribunal
superior português (TRC, 3-5-2021, proc. 1250/20):

“Proferida decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório, em desrespeito


pelo estatuído no art. 3º, nº 3, do NCPC, incorre-se numa nulidade processual, nos
termos do art. 195º, nº 1, do mesmo diploma, e não numa nulidade da sentença, por
omissão de pronúncia, do art. 615º, nº 1, c), do referido código” (3 valores)

Análise da relação entre o princípio da proibição das decisões surpresa e o princípio do


contraditório. Referência aos artigos 20.º, n.º 4, da CRP, 3.º, n.ºs 1 e 3, 608.º, n.º 2, in
fine e 609.º, n.º 1, do CPC.

Distinção entre a nulidade processual (omissão de um ato legalmente prescrito na


sequência processual), atinente à sua existência do ato, e a nulidade da sentença ou do
despacho (vício do conteúdo do ato, por ex. por omissão de pronúncia), referente aos
limites do ato.

FIM

4
Direito Processual Civil I (Noite)
Regente: Prof. Doutora Isabel Alexandre
Exame – Época Normal
07 de janeiro de 2021 | Duração da prova: 1h30

Tópicos de Correção

1. Concorda com a decisão do juiz de se considerar competente para conhecer do litígio?


(6 v.)
• O conflito é plurilocalizado, uma vez que tem pontos de contacto relevantes com mais de
um ordenamento jurídico. Assim, deve o aluno começar por analisar a matéria da
competência internacional, em particular, verificar se o direito da competência
internacional da União Europeia é o aplicável na aferição da competência internacional
dos tribunais portugueses, dada a sua prevalência face às regras internas sobre
competência internacional (cf. artigo 8.º/4 da Constituição da República Portuguesa e
artigo 62.º do CPC);
• Analisar os vários âmbitos de aplicação do Regulamento (CE) n.º 1215/2012 de 12/12,
concluindo que o mesmo não é aplicável por falta de preenchimento do seu âmbito
subjetivo ou espacial (art. 6.º).
• O art. 26.º do Reg. 1215/2012 não conferiria competência aos tribunais portugueses,
pois pressupõe que o Reg. 1215/2012 é aplicável; o art. 25.º do Reg. 1215/2012 também
não conferiria competência aos tribunais portugueses, pois não delimita os litígios, ou a
relação jurídica que está na origem dos litígios que abrange;
• Devem, então, aplicar-se as regras internas de competência internacional para aferir se
os tribunais portugueses são internacionalmente competentes (arts. 62.º, 63.º e 94.º
CPC). O art. 63.º não atribui competência internacional aos tribunais portugueses e pelo
art. 94.º o pacto continua a não produzir efeitos. Aplica-se o art. 62.º/a) (a referência à
alínea b) também seria considerada, desde que bem fundamentada: os factos integrantes
dos pressupostos da responsabilidade civil ocorreram em território nacional), que
remete para os arts. 70.º e ss. Assim, de acordo com o art. 71.º/2, se o lugar onde ocorreu
o dano foi Coimbra, os tribunais portugueses são competentes;
• O tribunal onde o A. propôs a ação é competente em razão da matéria (art. 40º/1 LOSJ).
É também competente em razão da hierarquia: atribuição de competência aos Tribunais
Judiciais de 1.ª Instância, porquanto a presente ação não se enquadra em nenhum dos
casos de competência dos Tribunais da Relação, nem do STJ (cfr. arts. 67.º a 69.º do
CPC, 29.º/3, 42.º, 52.º e ss, 72.º e ss, e 80.º/1 da LOSJ). Em razão da matéria, dentro dos
tribunais judiciais, há a considerar o seguinte: não são competentes os Tribunais de
competência territorial alargada (cfr. artigos 111.º e ss da LOSJ), pelo que são
competentes os Tribunais de Comarca (cfr. 64.º do CPC, 79.º e 81.º/1 da LOSJ).
Relativamente ao desdobramento do Tribunal de Comarca em Juízos, ficam também
afastados os Juízos referidos nos arts. 118.º a 129.º da LOSJ, sendo competentes em
razão da matéria tanto os juízos centrais cíveis como os juízos locais cíveis (arts. 117.º e
130.º da LOSJ). Uma vez que em razão da matéria são competentes estes dois juízos, há
que utilizar o critério do valor da causa para se saber qual o juízo que é, a final, o
competente (art. 41.º da LOSJ): atribuição de competência ao Juízo Local, por se tratar
de ação de valor inferior a € 50.000,00 (cfr. arts. 66.º do CPC, 41.º, 117.º/1/a) e 130.º/1
da LOSJ), apurado de acordo com as regras previstas nos arts. 296.º e ss do CPC. Assim,
de acordo com o art. 297.º/1, 1.ª parte, do CPC, o valor da causa seria € 25.000,00. Em
razão do território, já se tinha visto que era aplicável o art. 71º/2 (Coimbra);
• O Juízo Local Cível com jurisdição no município de Coimbra é o Juízo Local Cível de
Coimbra, conforme se refere no mapa III anexo ao ROFTJ;

1
Direito Processual Civil I (Noite)
Regente: Prof. Doutora Isabel Alexandre
Exame – Época Normal
07 de janeiro de 2021 | Duração da prova: 1h30

• Identificar a incompetência relativa por violação das regras de competência em razão


do território (art. 102.º). Referir que o pacto não podia valer como pacto de competência,
face ao art. 95º. Esta incompetência é de conhecimento oficioso (o art. 104.º/1/a) refere
o art. 71.º/2), e a consequência seria a remessa para o tribunal competente (art. 105.º/3);
• Em suma, o juiz não deveria ter-se considerado competente para conhecer do litígio.
Pelo contrário, deveria tê-lo remetido para o Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da
Comarca de Coimbra.

2. Concorda com a decisão do juiz de considerar improcedente a exceção de falta de


patrocínio judiciário invocada por R.? (2 v.)

• O patrocínio judiciário nesta ação seria obrigatório, nos termos do art. 40.º/1/a) CPC.
Justificação;
• Não era suficiente a presença de um advogado estagiário para que este pressuposto se
considerasse preenchido (arts. 40.º/2 e 42.º). Visto que o A. não constituiu advogado,
falta um pressuposto processual, o que consubstancia uma exceção dilatória de
conhecimento oficioso (arts. 577.º/h) e 578.º);
• O juiz não tinha razão. Descrição de qual deveria ter sido o comportamento a adotar
(art. 41.º).

3. Concorda com a decisão do juiz de considerar improcedente a exceção de incapacidade


do A. invocada por R.? (3 v.)

• O A. é maior acompanhado, pelo que é necessário verificar se tem capacidade de


exercício, para posteriormente se concluir se tem ou não capacidade judiciária (art.
15.º/2 CPC). Nos termos dos arts. 138.º e ss do CC, a incapacidade de exercício dos
maiores acompanhados depende do conteúdo do acompanhamento (cf. art. 145.º do CC),
correspondendo a sua incapacidade judiciária à medida daquela incapacidade de
exercício;
• A incapacidade judiciária do maior acompanhado é suprida pela representação do
acompanhante, se o maior acompanhado estiver sujeito a um regime de representação
(arts. 138.º e ss CC, 1921.º/1 CC, 16.º/1CPC); se não estiver, aplica-se o art. 19.º do
CPC;
• Tendo a ação sido proposta por acompanhado não representado, que esteja sujeito a
regime de representação, o juiz deveria providenciar pelo suprimento desta
incapacidade judiciária (art. 28.º/1), nos termos dos arts. 28.º/2 e 27.º/1 e 2. Explicação.
Se o acompanhante não ratificasse nem renovasse a petição inicial, a R. seria absolvida
da instância;
• Se o maior acompanhado não estiver sujeito a regime de representação, mas de
autorização, é defensável a aplicação do art. 29.º na sanação do vício;

2
Direito Processual Civil I (Noite)
Regente: Prof. Doutora Isabel Alexandre
Exame – Época Normal
07 de janeiro de 2021 | Duração da prova: 1h30

4. Concorda com a decisão do juiz de considerar que a ação poderia ser proposta apenas
contra R., não sendo necessária a presença de D.? (5 v.)

• A indemnização constitui uma dívida incomunicável, nos termos do art. 1692.º/b) CC,
pois não se preenche a parte final desta norma;
• Assim, nos termos do art. 1696.º/1, só responderão por esta dívida os seus bens próprios
e a sua meação nos bens comuns;
• Se a ação de condenação ao pagamento da indemnização for procedente, o A. poderá
requerer apenas a execução destes bens. Assim, a ação não está compreendida em
nenhuma das partes do n.º 3 do art. 34.º, em especial na 2.ª, que seria a mais plausível;
• Em suma, o tribunal decidiu bem, pois não há litisconsórcio necessário. A resposta deve
ser acompanhada de uma explicação adequada dos conceitos.

5. Concorda com o motivo pelo qual o juiz acabou por absolver R. da instância? (2 v.)

• Embora o tribunal considere provado que não foi R. quem causou o dano, da forma como
o A. configurou a relação material controvertida, R. era parte legítima (30.º/3);
• Explicação da forma como se verifica a legitimidade singular;
• Se fica provado que não foi R. quem destruiu o veículo, a mesma deveria ser absolvida
do pedido, e não da instância, como aconteceria se fosse parte ilegítima.

6. Comente a admissibilidade e consequências da ação proposta por A. (2 v.)

• Qualificação da ação proposta por A. como ação declarativa de simples apreciação


positiva para concluir que estamos perante um caso de falta de interesse processual,
porquanto o meio processual usado por A. não é o adequado;
• Pelo contrário, A. deveria ter proposto uma ação declarativa de condenação (art.
10.º/2/b)), na medida em que, como daquela ação não resulta nenhum comando de
cumprimento (e, por isso, nenhum título executivo), o A. teria sempre de instaurar uma
ação de condenação para garantir o pagamento da indemnização;
• Sendo o interesse processual um pressuposto processual, a consequência seria a
absolvição do réu da instância. Referência à problemática da consagração legal do
interesse processual.

3
EXAME DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL I TAN

Regência: Professora Doutora Isabel Alexandre – 18 de fevereiro de 2022 – 90 minutos

1. Acção declarativa de condenação em processo comum (arts. 10.º, n.ºs 1 e 2 al b)


e 546.º do CPC). Deve ser ponderada a AECOP (DL 269/98 de 01.09), pelo valor
que estava em causa, mas afastada pelo facto de o valor peticionado estar
relacionado com responsabilidade civil contratual (o que está fora do escopo
deste tipo de processo especial).
2. Conflito plurilocalizado; art. 8.º/4 CRP; Aplicação do regulamento 1215/2012 por
estarem preenchidos os seus âmbitos: material (art. 1.º, n.º 1, não excluída pelo
n.º 2), temporal (art. 66.º) e espacial (art. 6.º a contrario); Não existe qualquer
pacto de jurisdição (art. 25.º) nem se trata de matéria de competência exclusiva
(art. 24.º), nem nenhuma das matérias dos arts. 18.º, n.º 1 e 21.º, n.º 2; Neste
caso, poderia ser atribuída a competência ao tribunal do domicílio do Réu (art.
4.º) ou, em alternativa (art. 5.º), ao Tribunal do lugar do cumprimento da
obrigação (art. 7.º, n.º 1). No primeiro caso, os tribunais portugueses são
competentes internacionalmente, sendo que também no segundo, se se
presumisse que o local de entrega também teria sido em Portugal. A nível
interno: Em razão da matéria (I) são competentes os Tribunais judiciais, por o
litígio não estar legalmente atribuído a outra ordem jurisdicional,
nomeadamente aos Tribunais Administrativos (artigos 64.º do CPC e 40.º e 80.º
da LOSJ); Em razão da hierarquia, são competentes os Tribunais de Primeira
Instância (artigos 67.º a 69.º do CPC e 42.º, 79.º e 80.º da LOSJ); Em razão do
território, é competente o Tribunal do domicílio do Réu, nos termos do artigo
71.º, n.º 1, do CPC); Dentro da Comarca de Lisboa, por exclusão da competência
dos Tribunais de competência alargada e de outros juízos de competência
especializada, será competente para a ação um Juízo Central Cível (se valor da
ação > €50.000,00) ou um Juízo Local Cível (se valor ≤ €50.000,00), nos termos
dos artigos 81.º, 83.º 41.º e .º, 117.º da LOSJ. Em conclusão, é competente para
a ação o Juízo Local Cível de Lisboa. Caso a acção fosse proposta no Tribunal da
Concorrência, Regulação e Supervisão, com sede em Santarém, deveria ser
considerada a incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria, e o
réu absolvido da instância (arts. 96.º, al a), 97.º, n.º 2 e 99.º do CPC) .
3. No caso da acção que visasse o pagamento da reparação, não era obrigatória a
constituição de Mandatário, atendendo a que o valor da acção (art. 297.ºdo CPC)
não é superior à alçada do Tribunal da Relação (arts. 40.º, n.º 1 al. a) e 629.º, n.º
1 do CPC e art. 44.º da LOSJ), nem se trata de acção que, independentemente do
valor, é sempre possível recorrer (arts. 40.º, n.º 1 al b) e 629.º, n.ºs 2 e 3 do CPC).
Já no que respeita à segunda questão, por se tratar de uma acção que teria o
valor de 5.500,00€ (art. 301º, n.º 1 do CPC), já seria obrigatória a constituição de
Mandatário (arts. 40.º, n.º 1 al. a) e 629.º, n.º 1 do CPC e art. 44.º da LOSJ).
4. Sendo Aurora menor de idade, tem personalidade judiciária (por ter
personalidade jurídica – artigos 11.º, n.º 2, do CPC e 66.º, n.º 1, do CC) mas não
tem, em regra, capacidade judiciária, i.e. suscetibilidade de estar por si em juízo,
em virtude da sua reduzida capacidade de exercício de direitos (artigos 15.º do
CPC e 67.º do CC), com excepção das ações respeitantes a atos jurídicos que a
menor pode praticar por si própria (artigo 127.o do CC), o que não sucede no
caso concreto. Assim, Aurora deveria estar representado na ação pelos seus pais,
sendo estes citados para a ação nos termos do artigo 16.º do CPC. Trata-se de
um problema de incapacidade judiciária suscetível de sanação, devendo o juiz,
oficiosamente, providenciar pela regularização da instância, ordenando a citação
dos representantes legais da menor para ratificarem, se assim entenderem, o já
processado (artigos 27.º, n.º 1 e 28.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). O vício sanar-se-ia com
a citação dos representantes legais.
5. Intervenção do Ministério Público (art. 21.º).

II

Explicação dos princípios da gestão processual, no sentido das decisões que sejam
tomadas quanto a aspectos formais deverem ser fundamentadas de forma clara e
inequívoca, garantindo o exercício dos direitos das partes, como seja o direito ao
contraditório (art. 3.º do CPC).
Indicar que o modo como é feita a gestão do processo pode afectar, em última análise,
o direito de acesso à Justiça, consagrado no art. 20.º CRP, que deve garantir que as
partes têm acesso aos actos judiciais, e ao exercício dos seus direitos substantivos e
processuais.

Explicação dos princípios da cooperação, da igualdade das partes, e da boa-fé no


processo civil.
TÓPICOS DE CORREÇÃO

EXAME DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL I TAN - FINALISTAS

07 DE SETEMBRO DE 2023 – 90 MINUTOS

Regência: Professora Doutora Isabel Alexandre

a) Atendendo à pretensão de Alexandre, identifique o tipo de ação proposta, o


pedido, a causa de pedir e a forma de processo. (4 valores)

Ação declarativa com natureza mista: tem como finalidade resolver o contrato de compra
e venda celebrado com a HF (constitutiva), bem como a condenação da mesma no
pagamento de uma indemnização (condenatória) – art. 10.º, n.ºs 1 e 2 als. b) e c), do
CPC;
Pedido: resolução do contrato de compra e venda; condenação no pagamento de uma
indemnização pelos prejuízos decorrentes do incumprimento do contrato – art. 798.º e ss
do CC;
Causa de pedir: pedido de resolução – contrato de compra e venda (celebração) e o seu
incumprimento definitivo; pedido indemnizatório – causa de pedir complexa que envolve
os factos que ditam o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil
contratual (facto ilícito e culposo, ligado a um dano que causalmente ocasionou) – art.
5.º, n.º 1 do CPC;
Forma de processo comum (art. 546.º do CPC), que segue forma única (art. 548.º do
CPC). Deve ser ponderada a aplicação dos regimes previstos no DL n.º 269/98, de 01/09,
mas afastada pelo facto de o objeto da ação se encontrar fora do escopo deste tipo de
procedimento/processo especiais (art. 1.º do diploma preambular).

b) A ação foi proposta no Tribunal competente? Quid iuris em caso negativo? (4,5
valores)

Conflito plurilocalizado: é necessário averiguar se os Tribunais portugueses são


internacionalmente competentes. Havendo mais do que um diploma aplicável,
determinar se o Regulamento 1215/2012 é aplicável, atendendo ao primado do direito
da União Europeia sobre a legislação nacional (arts. 8.º, n.º 4 da CRP e 59.º do CPC);
Análise dos âmbitos de aplicação (material, espacial/subjetivo e temporal) e concluir que
se encontravam preenchidos. De notar que esta questão é independente da (eventual)
personalidade judiciária da HF LLC – Sucursal em Portugal, a qual deve ser analisada
na questão d); a ação foi efetivamente proposta contra a sucursal que tem domicílio num
Estado-Membro;
Ainda que a ré não tivesse domicílio num Estado-Membro, poderia, ainda assim, aplicar-
se o Regulamento, caso a situação fosse enquadrável no art. 24.º ou existisse um pacto
de jurisdição que conduzisse à aplicação do art. 25.º, o que não se verifica no caso;
Sendo aplicável o Regulamento, são internacionalmente competentes os Tribunais
portugueses por aplicação do disposto no art. 7.º, n.º 1, al. a), em conjugação com o 1.º
travessão da al. b), que concorre com a regra geral do art. 4.º, n.º 1, ex vi art. 5.º, n.º 1,
todos do Regulamento; referir ainda que, quem defende que o art. 7.º, n.º 1 do
Regulamento tem dupla funcionalidade, entende, por esta via, que, dentro do território
português, serão competentes os Tribunais de Lisboa;
Na ordem interna, o Tribunal competente em razão da hierarquia é o Tribunal de
primeira instância (arts. 67.º do CPC e 42.º, 79.º e 80.º da LOSJ). Quanto à matéria, são
competentes os Tribunais judiciais (o objeto do litígio não se encontra legalmente
atribuído a outra ordem jurisdicional, nomeadamente, aos Tribunais Administrativos e
Fiscais – cfr. arts. 64.º do CPC, 40.º, n.º 1 e 80.º da LOSJ);
Não pertencendo a questão à competência legalmente fixada para os Tribunais de
competência territorial alargada (arts. 111.º a 116.º da LOSJ), será competente o
Tribunal de comarca (art. 80.º, n.º 1 da LOSJ);
Dentro da comarca, atendendo a que ação não cairia no âmbito de nenhum juízo de
competência especializada, será competente um Juízo Local Cível, pois o valor da ação
é inferior a €50.000,00 – arts. 296.º, 297.º, n.ºs 1 e 2, 301.º, n.º 1 do CPC e 41.º, 81.º e
130.º, n.º 1 da LOSJ;
Em razão do território, será competente o Tribunal do domicílio da ré (Lisboa) nos
termos do art. 71.º, n.º 1 do CPC;
Em conclusão: a ação não foi proposta no Tribunal competente uma vez que, in casu, é
competente o Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Com efeito,
o Juízo de Comércio de Lisboa é materialmente incompetente para a causa, o que
configura exceção dilatória de conhecimento oficioso, cuja procedência gera a
absolvição da ré da instância – arts. 96.º, al. a), 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º al. a), 578.º
e 278.º, n.º 1 al. a), do CPC.

c) A sua resposta seria a mesma se, no contrato celebrado, constasse a seguinte


cláusula: “Para qualquer litígio emergente do presente contrato serão competentes
os Tribunais de Chicago”? (3 valores)

Uma cláusula contratual com uma redação nos termos descritos configuraria um pacto
de jurisdição, que atribuiria competência exclusiva aos Tribunais de Chicago;
Analisar os requisitos de validade do pacto ao abrigo do CPC (e não do Regulamento,
uma vez que o Tribunal eleito não é o Tribunal de um Estado-Membro);
Em princípio, o pacto seria válido, assim retirando a competência aos Tribunais
portugueses;
Em caso de violação, verificar-se-ia uma incompetência absoluta, decorrente da violação
de um pacto atributivo de jurisdição que, contudo, não seria de conhecimento oficioso;
caso a ré não arguisse a exceção, a mesma não poderia ser conhecida pelo Tribunal.

d) A Happy Furniture, LLC – Sucursal em Portugal apresentou contestação na qual


alegou a falta de personalidade judiciária. O que deve o juiz fazer? (2,5 valores)

Definição do pressuposto da personalidade judiciária e o princípio da equivalência entre


a personalidade jurídica e a personalidade judiciária – art. 11.º do CPC;
Fundamentação de que as sucursais não possuem personalidade jurídica, só tendo
personalidade judiciária nos termos do art. 13.º do CPC;
Análise da possibilidade de aplicação do art. 13.º, n.º 1 do CPC (se o contrato de compra
e venda e o incumprimento se devesse à própria sucursal de Lisboa, o que a hipótese
parece afastar);
Análise da possibilidade de aplicação do art. 13.º, n.º 2 do CPC (caso o contrato de
compra e venda e o incumprimento se devesse à administração principal, a qual está
domiciliada nos EUA), porquanto o autor é português, sendo de concluir pela verificação
dos pressupostos de aplicação. Porém, se os mesmos não estivessem reunidos, referir que
a falta de personalidade judiciária seria considerada uma exceção dilatória, cuja
sanação deveria ser promovida, nos termos do art. 14.º do CPC.
Em conclusão: o argumento da ré não seria procedente, devendo o juiz proferir despacho
nesse sentido.

e) Suponha que, distribuído o processo, o juiz se apercebe que ele próprio tem uma
ação contra a Happy Furniture, LLC, na qual se discute uma situação semelhante
à de Alexandre. O que deve fazer? (2,5 valores)

Está em causa, essencialmente, o principio da independência e da imparcialidade dos


Tribunais, implicando por isso a análise do sentido e alcance de tal princípio;
Em concreto, parecem estar reunidos os pressupostos do instituto da suspeição, nos
termos do art. 120.º, n.º 1, al. c) do CPC;
O juiz, embora não podendo declarar a sua suspeição, poderia pedir a dispensa, nos
termos do art. 119.º, n.º 1 do CPC; já qualquer uma das partes poderia deduzir a
suspeição, nos termos do art. 121.º, n.º 2 do CPC;
Em ambos os casos, a ultrapassagem do prazo implicaria a caducidade do direito de
requerer a dispensa (pelo juiz) ou de arguir a suspeição (neste ponto, veja-se
concretamente o disposto no art. 121.º, n.º 3 do CPC).

f) Imagine que o Tribunal condena a Happy Furniture no pagamento da quantia de


€ 1.500,00 a Alexandre, a título de indemnização pelos prejuízos causados,
acrescido de montante a título de indemnização por danos morais, por entender
que o incumprimento era particularmente grave. Fê-lo, igualmente, sem ouvir
nenhuma das partes no processo. Quid iuris? (2,5 valores)

Análise do principio do dispositivo, na vertente do pedido, bem como do contraditório e


dos deveres do Tribunal no cumprimento de ambos;
A violação do primeiro gera a nulidade da sentença (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC) e é
passível de recurso; já a violação do segundo princípio gera uma nulidade processual
(art. 195.º do CPC) e é passível de reclamação/arguição de nulidade (também é
configurável uma nulidade de sentença por excesso de pronúncia, devendo o aluno
fundamentar a posição que adota quanto a este ponto não consensual na doutrina e
jurisprudência).
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DO EXAME DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL I TAN

(Não exclui outros elementos de valoração)

Regência: Professora Doutora Isabel Alexandre – 21 de janeiro de 2022

I.

A Pastéis, Docinhos e Companhia, Lda., proprietária da loja do R/C Esq. do prédio sito
na Praça Luís de Camões, n.º 10, Lisboa, instaurou em 30 de abril de 2019 uma ação
contra a Administração do Condomínio Camões, representada pela Gestcondominum,
Lda. e contra todos os Condóminos, cuja citação se requer, dado o seu elevado número,
na pessoa do Administrador, ao abrigo do artigo 1433.º, n.º 6, do CC, peticionando ser
nula, inválida, ineficaz ou de nenhum efeito a convocatória e as deliberações da
Assembleia Geral do Condomínio de 10 de janeiro de 2019, por violação do disposto,
entre outros, dos artigos 1432.º e 1433.º, n.º 4, do CC.

Citada para contestar, a Administração do Condomínio Camões alegou:

(i) A violação, pela Autora, do dever de identificar os Réus “todos os


Condóminos”, pois a relação que juntou não cumpre a exigência legal
determinada pela alínea a) do nº 1 do artigo 552.º do CPC, sendo insuficiente
a remissão para um documento anexo à petição inicial de onde conste a
listagem dos Condóminos;
(ii) A Administração do Condomínio não tem legitimidade passiva para a
presente ação;
(iii) A legitimidade passiva para a presente ação não pertence a todos os
Condóminos.

Peticionando assim a absolvição da instância de todos os Réus.

A Autora respondeu em sede de audiência prévia, argumentando que, nos termos do


artigo 1433.º, n.º 6, do CC, a representação judiciária dos Condóminos cabe ao
administrador ou a pessoa que a Assembleia nomear para o efeito, pugnando pela
improcedência da exceção aduzida pelo Réu.

1
1. Considerando a pretensão da Autora Pastéis, Docinhos e Companhia, Lda.,
indique o tipo de ação, a forma de processo, o pedido e a causa de pedir. (3
valores)
Ação declarativa constitutiva (anulação de deliberação social) – artigo 10.º,
n.ºs 1, 2 e 3, alínea c), do CPC.
Forma de processo comum, porquanto ao caso não é aplicável qualquer
processo especial, nomeadamente os constantes dos artigos 878.º e ss. do CPC
ou do DL 269/98.
Pedido – corresponde ao efeito jurídico que se pretende obter (artigo 581.º,
n.º 3, do CPC), in casu, a anulação da deliberação tomada pela Assembleia
Geral do Condomínio de 10 de janeiro de 2019.
Causa de pedir (artigos 5.º, n.º 1 e 581.º, n.º 4, do CPC) – factos de que decorre
a ilegalidade da deliberação (por falta de verificação dos requisitos legais de
validade da convocatória de uma assembleia geral).

2. Suponha que após a audiência prévia o Tribunal proferiu despacho saneador,


decidindo pela verificação da exceção dilatória insuprível da ilegitimidade
passiva da Administração do Condomínio Camões, por, em seu entender, dever
ter sido demandado o próprio Condomínio Camões, nos termos do artigo 1437.º
do CC (com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro 1) e,
em consequência, absolveu aquela Administração da instância. Ordenou
contudo o prosseguimento da ação contra o Condomínio Camões. O Juiz decidiu
corretamente? (5 valores)
O Condomínio não tem personalidade jurídica, mas tem (uma limitada)
personalidade judiciária nas ações em que por ele pode intervir o
administrador no exercício do poder de representação judiciária – artigos 12.º,

1
Artigo 1437.º
Representação do condomínio em juízo
1 — O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser
demandado em nome daquele.
2 — O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da
universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
3 — A apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece
de autorização da assembleia de condóminos.

2
alínea e) do CPC, 1433.º, n.º 6, do CC (como réu), n.º 6 e 1437.º, n.ºs 1 e 2, do
CC (como autor ou réu).
Distinção entre:
a) A legitimidade processual passiva (artigo 30.º do CPC), enquanto interesse
em contradizer a ação (titularidade de um direito + interesse na
procedência ou improcedência da ação) – que será do próprio condomínio
ou dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação (neste
ponto há divergência doutrinária e jurisprudencial); e
b) A representação judiciária – que cabe ao administrador do Condomínio,
caso a ação seja proposta contra o Condomínio. A parte processual é o
representado (o Condomínio ou os condóminos) e não o representante (o
Administrador).
Na ação de anulação da deliberação da Assembleia do Condomínio está em
causa o que foi decidido pelo órgão colegial e que a todos os condóminos
vincula, pelo que o litígio ocorre entre o condómino e o Condomínio.
Por isso, a representação judiciária do lado passivo cabe ao Administrador do
Condomínio (ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito).
O segmento “condóminos contra quem são propostas as ações”, constante do
n.º 6 do art. 1433.º do CC deve interpretar-se como reportando-se ao
Condomínio.
A ilegitimidade passiva do Administrador do Condomínio e dos Condóminos
(individualmente) é uma exceção dilatória cuja verificação importa a
absolvição dos Réus da instância declarativa (artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º,
alínea e), do CPC).
Cabe porém equacionar a possibilidade de o juiz convidar a Autora a corrigir o
vício, admitindo a substituição da Gestcondominium e dos condóminos pelo
Réu Condomínio Camões, em exercício do seu poder-dever de gestão
processual (artigo 6.º, n.º 2, e 590.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC). Não
poderia, porém, o juiz, por tal importar violação do princípio dispositivo,
determinar tal substituição, sem o impulso da Autora.

3
(Para casos semelhantes resolvidos na jurisprudência, vide o acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de julho de 2021 (processo n.º
3054/19.2T8FNC.L1-6, Ana Calafate e jurisprudência aí citada).
3. Suponha que o proprietário de uma das frações autónomas é o João, com 17
anos de idade, que a herdara de sua avó. Citado para a ação, João resolveu
elaborar a contestação por si próprio, dizendo singelamente que quem
participava nas Assembleias de Condomínio eram os seus pais.
3.1. O que deve o juiz fazer? (2,5 valores)

Sendo João menor de idade, tem personalidade judiciária (por ter


personalidade jurídica – artigos 11.º, n.º 2, do CPC e 66.º, n.º 1, do CC) mas não
tem, em regra, capacidade judiciária, i.e. suscetibilidade de estar por si em
juízo, em virtude da sua reduzida capacidade de exercício de direitos (artigos
15.º do CPC e 67.º do CC).

A exceção é feita para ações respeitantes a atos jurídicos que o menor pode
praticar por si próprio (artigo 127.º do CC), o que não sucede no caso concreto.

Assim, João deveria estar representado na ação pelos seus pais, sendo estes
citados para a ação de anulação da deliberação da Assembleia de Condóminos,
nos termos do artigo 16.º do CPC.

Trata-se de um problema de incapacidade judiciária suscetível de sanação,


devendo o juiz, oficiosamente, providenciar pela regularização da instância,
ordenando a citação dos representantes legais do João para ratificarem (ou
não) o já processado (artigos 27.º, n.º 1 e 28.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). O vício sanar-
se-ia com a citação e não, como sucederia se afetasse a parte ativa, com a
intervenção do representante.

Ainda, caso se considere obrigatória a constituição de mandatário para a


presente ação (artigo 40.º, n.º 1, alínea a) e 301.º, n.º 1, do CPC – por hipótese,
€5.000,01 de valor da ação), deveria o juiz determinar a notificação dos
representantes legais do João para a sua constituição, sob pena de ficar sem
efeito a defesa (artigos 41.º do CPC).

3.2. E se João atingir a maioridade no decurso da ação? (2,5 valores)


4
Quando João atinge a maioridade, deve ser oficiosamente notificado pelo
Tribunal para, querendo, ratificar o processado durante a sua menoridade
(artigo 28.º, n.º 2, analogicamente). Pode ainda João fazê-lo espontaneamente
no processo, de forma expressa ou pela prática de qualquer ato
posteriormente à notificação (ratificação tácita). Lugar paralelo: possibilidade
de o maior pedir a anulação dos atos que praticou como menor (artigo 125.º,
n.º 1, alínea b), do CC).

4. Imagine agora que a Pastéis, Docinhos e Companhia, Lda., com sede no Porto,
entra em litígio com a European Gourmet, Gmbh, com sede em Friburgo,
Alemanha, a propósito da área de logradouro que cabe a cada uma na
exploração das lojas dos R/C Esq. e Dto. Decide então intentar uma ação contra
a European Gourmet, para delimitação do espaço do logradouro que cabe ao uso
exclusivo de cada uma. Está porém na dúvida se deve propor a ação nos
Tribunais Portugueses ou nos Tribunais Alemães. Quid juris? (4 valores)
O litígio é plurilocalizado, apresentando elementos de conexão com Portugal e
com a Alemanha. Sendo ambos Estados-Membros da União Europeia, há que
verificar a aplicação do Regulamento 1215/2012.
a) Cabe no seu âmbito material de aplicação – matéria civil, não excluída pelo
artigo 1.º do Regulamento.
b) Âmbito temporal verificado – ação posterior a 10 de janeiro de 2015 (artigo
81.º do Regulamento.
c) O litígio que opõe as partes refere-se à delimitação de uma parte comum
afeta ao seu uso exclusivo, sendo por isso referente ao conteúdo do direito
de propriedade sobre um imóvel. O artigo 24.º, n.º 1, do Regulamento
atribui aos Tribunais do Estado-Membro onde se situa o imóvel
competência exclusiva para o julgamento de litígios relativos a direitos
reais sobre imóveis. Por isso, são internacionalmente competentes os
Tribunais Portugueses.
d) Internamente:
a. Em razão da matéria (I) são competentes os Tribunais judiciais, por
o litígio não estar legalmente atribuído a outra ordem jurisdicional,

5
nomeadamente aos Tribunais Administrativos (artigos 64.º do CPC
e 40.º e 80.º da LOSJ).
b. Em razão da hierarquia, são competentes os Tribunais de Primeira
Instância (artigos 67.º a 69.º do CPC e 42.º, 79.º e 80.º da LOSJ).
c. Em razão do território, é competente o Tribunal da situação do
imóvel, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do CPC e 43.º, n.ºs 3 e 5, da
LOSJ). Estando o imóvel sito em Lisboa, é competente o Tribunal
Judicial da Comarca de Lisboa.
d. Dentro da Comarca de Lisboa, por exclusão da competência dos
Tribunais de competência alargada e de outros juízos de
competência especializada, será competente para a ação um Juízo
Central Cível (se valor da ação > €50.000,00) ou um Juízo Local Cível
(se valor ≤ €50.000,00), nos termos dos artigos 81.º, 83.º 41.º e 117.º
da LOSJ.
e. Em conclusão, é competente para a ação o Juízo (Central ou Local)
Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

II.

Comente o seguinte sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de abril


de 2019 (processo n.º 73674/18.4YIPRT.L1-2, Arlindo Crua): (3 valores)

- Para a pertinente determinação da forma do processo a aplicar, não basta olhar e


ponderar, apenas, se estamos ou não perante o cumprimento de uma obrigação
pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000 €, antes urgindo,
igualmente, para além da verificação e preenchimento de tais pressupostos, indagar se
o pedido formulado está em consonância com o fim para qual foi estabelecida ou criada
a forma processual a que o autor recorreu, bem como ter em atenção e ponderação se
o litígio subjacente e natureza do contrato/relação obrigacional em causa implica o
conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais
exigente, de forma a acautelar os direitos das partes em litígio;

6
- Pelo que, apesar do concreto preenchimento dos pressupostos objetivos exigidos para
a utilização do procedimento de injunção – cumprimento de obrigação pecuniária
emergente de contrato, concretamente contrato de empreitada/gestão de obra;
obrigação pecuniária de valor inferior a 15.000,00 €, estando em causa concretamente
o valor de 10.866,18 € – a complexidade das questões apreciandas podem ilegitimar o
uso, por parte do Requerente, do procedimento de injunção.

- A verificação de tal ocorrência configura exceção inominada, obstativa do


conhecimento do mérito da causa e determinante de decisão de absolvição da instância,
nos quadros dos artigos 577º e 578º, ambos do Cód. de Processo Civil.

Abordar os conceitos e as finalidades do procedimento de injunção e do processo para


o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não
superior a €15.000,00, bem como a sua natureza (administrativa ou judicial).

Explicitar que o âmbito material da injunção está limitado a obrigações pecuniárias


emergentes de contrato ou de transações comerciais, neste último caso
independentemente do valor (artigo 1.º do Diploma Preambular do DL 269/98 e DL
n.º 32/2003 de 17 de fevereiro).

Equacionar que o alegado incumprimento de um contrato de empreitada pode


importar a discussão do próprio contrato (incumprimentos do prazo de entrega,
cumprimento defeituoso da obra, alterações ao acordado) e não do simples não
pagamento de uma tranche do preço acordado entre as partes.

O procedimento de injunção, bem como o processo para o cumprimento de obrigações


pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00, têm como
finalidade a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os Tribunais da
massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança
de dívidas, sendo pautado pela sumariedade e celeridade.

Não são por isso adequados a decidir litígios em que possam estar em causa
indemnizações pelo incumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, com profusa
produção probatória ou pedidos reconvencionais.

7
Enquadrando-se o litígio no âmbito material delimitado pelo DL n.º 269/98, o
problema não é de utilização indevida do procedimento ou processo, não se
verificando por isso erro na forma.

Contudo, se o pedido formulado não for compatível com a forma procedimental ou


processual da injunção ou do processo para o cumprimento de obrigações pecuniárias
emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00 (respetivamente),
maxime por importar questões cuja complexidade exija, em abono do direito a um
processo justo e equitativo, a utilização da forma comum, deve o Tribunal, no exercício
do seu poder-dever de adequação processual, mandar tramitar o processo sob a forma
comum (artigo 547.º do CPC) e não absolver os requeridos/réus da instância por
verificação de exceção dilatória inominada (artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, do CPC),
contrariamente ao que decidiu o douto Tribunal da Relação no acórdão sub judice.

FIM

8
EXAME DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL I TAN

Regência: Professora Doutora Isabel Alexandre – 25 de janeiro de 2022 – 90 minutos

Questão 1

Não tendo a herança em causa sido aceite, trata-se de uma herança jacente (art. 2046.º
do CC).

Definição do conceito de personalidade judiciária, e indicação do critério da coincidência


(com a personalidade jurídica).

Extensão da personalidade no caso da herança jacente, de acordo com o art. 12.º al. a)
do CPC.

A falta de personalidade judiciária não é sanável (excepto no caso previsto no art. 14.º
do CPC) razão pela qual daria origem a uma excepção dilatória e à consequente
absolvição do R. da instância

Questão 2

Obrigatoriedade de constituição de Advogado, atento o valor da causa (Arts. 40.º, n.º 1


al. a) e 629.º, n.º 1 do CPC)

Não tendo sido constituído Advogado, o juiz deve notificar a parte para o fazer, nos
termos do art. 41.º, sob pena de se considerar verificada uma excepção dilatória, e
consequentemente o Réu ser absolvido da instância.

Questão 3

Não existia qualquer questão de competência internacional, por não se tratar de um


conflito plurilocalizado.

Em razão da matéria, são competentes os Tribunais Judiciais, atendendo a que o


presente litígio não estava legalmente atribuído a qualquer outra ordem jurisdicional
(art. 64.º do CPC e arts. 40.º e 80.º da LOSJ);

Em razão da hierarquia, são competentes os Tribunais de 1.ª Instância (arts. 67.º a 69.º
do CPC e arts. 42.º, 79.º e 80.º da LOSJ)
Em razão do território, é competente o Tribunal do domicílio do Réu (art. 71.º do CPC),
atenta a relação contratual existente e as obrigações daí decorrentes (contrato de
arrendamento).

Excluindo-se a competência dos tribunais de competência alargada, é competente o


juízo cível, e há então que definir o valor da causa e a forma do processo, concluindo-se
que a competência seria do juízo local cível de Lisboa, por se tratar de uma acção de
valor inferior a 50.000,00€ em processo comum, nos termos dos artigos 81.º, 83.º 41.º
e 117.º da LOSJ..

Questão 4

A menoridade de Ricardo colocaria um problema quanto à sua capacidade judiciária,


enquanto susceptibilidade de estar, por si, em juízo, tendo por base e por medida a
capacidade de exercício (art. 15.º do CPC e arts. 122.º, 123.º e 127.º do CC). Não se
tratando de qualquer excepção à incapacidade dos menores, Ricardo carecia de
capacidade jurídica e judiciária para estar por si em juízo.

Atendendo a que a acção foi proposta contra a Herança, Ricardo não era parte no
processo, e, nessa medida, não se colocava qualquer problema de capacidade judiciária
neste âmbito.

Questão 5

Indicação e explicação do princípio do dispositivo, no sentido de delimitar o objecto do


processo (art. 3.º do CPC);

O Tribunal, por estar delimitado pelo princípio do dispositivo nos seus poderes de
cognição e decisão, não pode proferir uma sentença em objecto diverso daquele que
lhe fora pedido, nem em quantidade superior, sob pena de nulidade (arts. 609.º, n.º 1 e
615.º, n.º 1 al. e) do CPCP), razão pela qual a sentença é nula e recorrível (art. 615.º, n.º
4 do CPC).

II

Explicação do princípio do contraditório e o seu principal escopo

Conjugação com o princípio da igualdade das partes


CORREÇÃO DO EXAME DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL I TAN DE 22 DE FEVEREIRO DE 2023

COINCIDÊNCIAS – RECURSO

(Não exclui outros elementos de valoração)

Em 01 de setembro de 2018, Marcus, brasileiro domiciliado em Braga, celebrou com a Imotrusting,


S.A., sociedade com sede na Cidade do Cabo, África do Sul, um contrato de compra e venda de um
apartamento sito em Paris, França, pelo preço de um milhão de euros.

No contrato de compra e venda, as partes incluíram a seguinte cláusula: para todos os litígios
emergentes do presente contrato, são competentes os Tribunais Judiciais da Comarca do Porto,
Portugal.

A 2 de fevereiro de 2019, tendo Marcus pago o preço mas não tendo recebido as chaves do imóvel,
intentou no Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga uma ação contra a
Imotrusting, S.A., na qual peticionou a entrega do imóvel objeto do contrato de compra e venda.

Em sede de contestação, a Imotrusting, S.A., alegou: (i) a incompetência do Tribunal; (ii) a


ilegitimidade processual de Marcus, casado em regime de comunhão de adquiridos com Anabela,
cidadã portuguesa domiciliada em Braga, presente no momento da celebração da escritura pública de
compra e venda do imóvel.

Responda fundamentadamente às seguintes questões:

1. Indique: (i) o tipo de ação proposta; (ii) o pedido e a respetiva causa de pedir; (iii) o valor da ação;
(iv) a forma de processo. (4 valores)

Ação declarativa de condenação (arts. 10.º, n.ºs 1 e 2 al b), do CPC).

Forma de processo comum (546.º do CPC), porquanto ao caso não é aplicável qualquer processo
especial, nomeadamente os constantes dos artigos 878.º e ss. do CPC ou do DL 269/98.

Pedido – corresponde ao efeito jurídico que se pretende obter (artigo 581.º, n.º 3, do CPC), in casu, a
entrega do imóvel.

Causa de pedir (artigos 5.º, n.º 1 e 581.º, n.º 4, do CPC) – factos de que decorre o direito real de
propriedade e a obrigação de entrega do imóvel, em especial, a celebração do contrato de compra e
venda.

Valor – o da coisa, 1 milhão de euros (artigos 296.º, n.º 1 e 302.º, n.º 1, do CPC).

2. O Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga é competente para dirimir o presente
litígio? (7 valores)

Competência internacional:

Conflito plurilocalizado art. 8.º/4 CRP.


O Regulamento 1215/2012 é inaplicável: embora estejam preenchidos os âmbitos material (art. 1.º,
n.º 1, não excluída pelo n.º 2) e temporal (art. 66.º), não está preenchido o âmbito espacial, porque a
Imotrust está sediada fora da UE (arts 4.º, n.º 1 e 6.º, n.º 1)

Há que verificar se os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes à luz do CPC.

Existe um pacto de jurisdição, que atribui competência aos Tribunais Portugueses (Porto), nos termos
do art. 94.º, n.º 1, do CPC.

O litígio tem conexão com mais de uma ordem jurídica e os pressupostos no n.º 3 do art. 94.º do CPC
estão aparentemente preenchidos. Nomeadamente, o litígio diz respeito a direito disponível, justifica-
se pelo domicílio de uma das partes, pessoa singular, se situar em Portugal, não estão em causa regras
que atribuam competência exclusiva aos Tribunais Portugueses e o pacto reveste a forma escrita,
mencionando expressamente a atribuição de competência aos Tribunais portugueses.

Assim, os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes.

Competência interna:

A cláusula introduzida pelas partes no contrato de compra e venda não é apenas um pacto de
jurisdição, mas também um pacto de atribuição de competência (interna) aos Tribunais da Comarca
do Porto.

O pacto de competência pode afastar a competência em razão do território, nos termos do art. 94.º,
n.º 1, 2.ª parte, do CPC. Não é aplicável a 3.ª parte do n.º 1, do art. 94.º, ainda que se trate de um
litígio sobre um imóvel, pois quanto a esse ponto o pacto de jurisdição consumiu o pacto de
competência.

O pacto encontra-se reduzido a escrito e inserido no próprio contrato de compra e venda, pelo que é
formalmente válido (art. 94.º, n.º 2, do CPC).

Sendo o pacto válido, o Tribunal Judicial da Comarca de Braga é incompetente para julgar a causa.
Trata-se de uma incompetência relativa (art. 102.º do CPC), dependente de arguição pela Ré (art.
103.º, n.º 1, do CPC), que tem como consequência a remessa do procesos para o Tribunal competente
(art. 105.º, n.º 3, do CPC).

3. O que deve o juiz fazer se, em anexo à contestação da Imotrusting, S.A., subscrita pelo Dr. Albino
Xavier, estiver uma procuração forense assinada pelo sócio-gerente da Ré, concedendo poderes
forenses gerais à sociedade de advogados ZYX e Associados – Sociedade de Advogados, RL, da qual o
Dr. Albino Xavier é associado? (3 valores)

A procuração forense tem subjacente um contrato de mandato forense celebrado entre a Imotrusting
e a ZYX. A procuração confere ao representante (ZYX) o poder de agir em juízo em nome do
representado (Imotrusting) (art. 262.º do CC).

Nos termos do art. 43.º do CPC, o mandato judicial pode ser conferido por instrumento público ou por
documento particular, nos termos do Código do Notariado e legislação especial, ou por declaração
verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo.

Tendo o mandato com representação sido regularmente concedido, por meio de procuração escrita,
por quem vincula a Ré (o seu sócio-gerente), e sendo o Dr. Albino Xavier associado da sociedade
mandatada, não se verifica qualquer irregularidade do mandato. Assim, o juiz deve mandar prosseguir
os autos.
4. A exceção de ilegitimidade de Marcus, deduzida pela Ré, deve ser julgada procedente? Porquê? (5
valores)

Análise da existência de um litisconsórcio legal – legitimidade conjugal ativa (art. 34.º, n.º 1, do CPC).

Estando os cônjuges casados em regime de comunhão de adquiridos, o apartamento só pode ser


alienado com o consentimento de ambos os cônjuges, independentemente de ser bem próprio ou
comum (artigo 1682.º-A, n.º 1, a), do CPC). A ação contra a Imotrust deveria por isso ter sido proposta
por Marcus e Anabela, à luz do art. 34.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC.

A ilegitimidade plural é uma exceção dilatória (art. 577.º, e), do CPC) que pode ser suprida nos termos
do art. 316.º, n.º 1, do CPC, através do chamamento de Anabela (a convite do juiz ou por iniciativa das
partes). Na ausência de suprimento, a ilegitimidade origina a absolvição da Imotrust da instância (art.
576.º, n.º 2, CPC).

Ponderação global: 1 valor


EXAME DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL I TAN

13 DE FEVEREIRO DE 2023 – 90 MINUTOS

Regência: Professora Doutora Isabel Alexandre

Considere a seguinte hipótese:


Adair, domiciliado em Marraquexe, vendeu à sociedade BELCOCHE, com sede em
Madrid e sucursal em Elvas, um automóvel clássico pelo valor de 50.000 euros.
O automóvel foi entregue em Elvas a um trabalhador da sucursal da BELCOCHE,
tendo também sido aí pago o preço.
Logo após a compra e venda, o referido trabalhador teve um acidente de viação,
ocasionado por deficiência no funcionamento dos travões do automóvel.
A sucursal da BELCOCHE propõe então, no Juízo Central Cível de Portalegre, uma
ação contra Adair, pedindo a anulação do mencionado contrato de compra e venda do
automóvel, com fundamento em erro sobre o estado em que o mesmo se encontrava.
Adair apresenta contestação no prazo legal, assinando-a ele próprio e alegando que
atuara na venda como mero intermediário de Malik, seu primo e verdadeiro dono do
automóvel, conforme título de registo de propriedade que junta.
Na sentença, o juiz entende que não pode anular a venda, uma vez que Adair nunca
tinha tido a propriedade do veículo. Contudo, como atuara dolosamente em relação à
sociedade BELCOCHE, fazendo-lhe crer que o automóvel estava em boas condições,
condena-o a pagar-lhe uma indemnização de 20.000 euros.

Aprecie as seguintes questões:

a) Admissibilidade da proposição da ação perante os tribunais


portugueses e consequências da eventual inadmissibilidade; (3 valores)

Conflito plurilocalizado. O Reg. 1215/2012 não se aplica na determinação da


competência internacional porque o réu está domiciliado fora da EU; aplicação
do CPC. Conjugando o art. 62/a com o art. 80/1, os tribunais portugueses não
seriam competentes. O art. 62/b só conferia essa competência se o erro, que era
a causa de pedir da ação, tivesse ocorrido em Portugal. O lugar do erro é, em
princípio, o lugar da celebração do contrato, que se desconhece. Pressupondo-
se que o contrato foi celebrado em Madrid ou Marraquexe, os tribunais
portugueses seriam incompetentes, o que geraria incompetência absoluta, não
sanável por falta de arguição do réu (pois o vício era de conhecimento oficioso,
não sendo concebível a celebração de pacto tácito atributivo de jurisdição, à
luz do CPC) e, consequentemente, absolvição do réu da instância. Não se
considera que o art. 62/c possa estar preenchido.
b) Pressupondo a competência internacional dos tribunais portugueses,
admissibilidade da proposição da ação no Juízo Central Cível de Portalegre
e consequências da eventual inadmissibilidade; (3 valores)

Aplicar os critérios da matéria (dupla vertente), hierarquia, território e valor e


forma de processo. Referir, em particular, que atendendo ao valor (art. 301/1
CPC), era competente um juízo local cível, o que gerava incompetência
relativa. Em função do território, tudo indicava que o réu não se encontrava em
PT, pelo que seria competente o tribunal do domicílio do autor (Elvas),
segundo o art. 80/3, 2ª parte. Referir que segundo o mapa III anexo ao ROFTJ,
no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre existe o Juízo Local Cível de
Elvas, para o qual o Juízo Central Cível de Portalegre devia remeter o processo
(se não houvesse motivo de absolvição da instância). Referir os traços gerais
do regime da incompetência relativa.

c) Admissibilidade da proposição da ação pela sucursal da BELCOCHE


e consequências da eventual inadmissibilidade; (3 valores)

Analisar o art. 13.º CPC e concluir que nem o n.º 1 nem o n.º 2 estão
preenchidos. Aplicar o art. 14.º e referir que o vício só estaria sanado caso
houvesse ratificação ou repetição do processado pela adm. principal; se não,
absolvição do réu da instância.

d) Admissibilidade da contestação assinada por Adair e consequências


da eventual inadmissibilidade; (3 valores)

Referir que segundo o art. 40/1 a) CPC (conjugado com os arts 301/1, 629/1,
44/1 LOSJ) era obrigatório constituir advogado. Referir o art. 41º CPC e dizer
que, não sendo constituído advogado no prazo assinado pelo juiz, ficaria sem
efeito a defesa (solução idêntica à aplicação do regime da revelia).

e) Consequências, na presente ação, da atuação de Adair como mero


intermediário na venda; (4 valores)

Referir e explicar o art. 30/3 CPC e dizer que, tendo A sido identificado na p.i.
como vendedor, o problema não era de legitimidade processual, mas de mérito,
devendo A ser absolvido do pedido e não da instância, caso se concluísse que
era um mero intermediário.

f) Regularidade da sentença. (4 valores)

Afronta óbvia do princípio do dispositivo, na vertente da disponibilidade das


partes sobre o objeto do processo civil. Referir que o objeto integra o pedido e
a causa de pedir. Referir que no caso o objeto do pedido e o objeto da
condenação eram diversos. Aplicação do 615/1 e 2.ª parte CPC.
Tópicos de correção
(nota: não se indicam, para este efeito, preceitos legais, mas a fundamentação das
respostas não dispensa obviamente essa indicação)

Exame de Direito Processual Civil I – Turma da Noite – Regência: Isabel Alexandre – 8 de


setembro de 2021 – Duração: 90 minutos

I
Considere a seguinte hipótese:
Numa excursão que realizou ao Dubai, Abel, residente em Ponta Delgada, conheceu uma
senhora simpatiquíssima, Bruna, residente no Canadá, que já há muito tempo emigrara
de Portugal e sofria com saudades do País.
Generoso por natureza, Abel entregou-lhe as chaves de uma casa que possuía em
Albufeira, onde Bruna se viria a instalar dois meses depois.
Em breve Bruna organizou festas nesta casa, a qual se encontrava parcialmente
destruída quando Abel aí se deslocou.
Desgostoso por Bruna se recusar a pagar os prejuízos, que ascendiam a 50.000 euros,
Abel demandou-a em Santarém, no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão,
pedindo a sua condenação neste montante. Com a petição inicial juntou um documento
escrito, assinado por si e por Bruna, no qual ambos manifestavam a vontade de que a
ação decorresse neste Tribunal.

Analise as seguintes questões (cotação de cada questão: 3 valores):


a) Possibilidade de instauração da ação num tribunal português;
Verificar se, do Reg. 1215/2012, podia resultar a competência internacional dos
tribunais portugueses. Referir que, embora a ré estivesse domiciliada fora da UE,
as partes haviam escolhido a jurisdição portuguesa, celebrando um pacto
atributivo, do que resultava tanto a aplicação daquele regulamento ao caso
concreto, como a competência internacional dos tribunais portugueses. Referir
que, caso o pacto atributivo de jurisdição fosse inválido, a competência
internacional dos tribunais portugueses podia resultar tanto do princípio da
coincidência como do princípio da causalidade.
b) Possibilidade de instauração da ação no tribunal escolhido pelas partes e
consequências dessa eventual impossibilidade;
A ação devia ter sido instaurada no juízo local cível do lugar do facto ilícito ou do
dano, pelo que se verificava uma incompetência em razão da matéria (dentro
dos tribunais judiciais) e do território, aplicando-se o regime da primeira, por ser
mais gravoso. Não era possível a celebração de pacto de competência que
afastasse as regras legais sobre competência em razão da matéria, nem as regras
legais sobre competência em razão do território para as ações de
responsabilidade civil extracontratual.
c) Possibilidade de a ação ser instaurada apenas contra Bruna, uma vez que é
casada com Cristóvão no regime da comunhão de adquiridos, e consequências
dessa eventual impossibilidade;
Tratava-se de dívida incomunicável, pelo que a ação deve ser instaurada apenas
contra B, não se preenchendo a previsão da 2ª parte do art. 34º/3 CPC, a única
cuja aplicação podia ser de ponderar. Caso se tratasse de litisconsórcio
necessário passivo, haveria ilegitimidade passiva, sanável mediante intervenção
de C.
d) Possibilidade de Abel, que se encontra sujeito ao regime de acompanhamento
com representação, instaurar por si a ação, e consequências dessa eventual
impossibilidade;
Referir a necessidade de suprimento da incapacidade judiciária de A através do
seu acompanhante. Analisar o regime da incapacidade judiciária em sentido
estrito, que se verificaria, e referir que o mesmo é diferente, consoante o vício
atinja o autor ou o réu.
e) Possibilidade de o juiz, face à não constituição de advogado por Abel, absolver
imediatamente Bruna da instância, e meio de reação de Abel a tal absolvição;
O juiz tem o dever de providenciar no sentido da sanação dos vícios suscetíveis
de sanação, neste caso convidando A a constituir advogado. Só no caso de A não
acatar o convite tal consequência seria possível. Omitindo o juiz o cumprimento
do dever, verificar-se-ia uma nulidade processual que afetaria também a
validade da sentença de absolvição da instância (como ato dependente da
omissão verificada) ou, noutra perspetiva (igualmente aceitável, desde que
fundamentada), uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
f) Possibilidade de Bruna vir a ser condenada na desocupação da casa de Albufeira.
Referir as várias manifestações do princípio dispositivo, nomeadamente o
princípio do pedido, e proibição do juiz de condenar em pedido não formulado.
Referir que se verificaria uma nulidade da sentença.

II
Comente a seguinte afirmação (cotação: 2 valores):
“Em processo civil, o juiz pode qualificar livremente os factos alegados pelas partes, mas
não pode considerar factos não alegados pelas partes. Dois princípios fundamentais do
direito processual civil conduzem a estas consequências.”
Analisar a consagração legal dos princípios da oficiosidade e da disponibilidade privada,
distinguindo o primeiro do princípio do inquisitório em matéria de factos. Referir a
particularidade da vigência, nos processos de jurisdição voluntária, do princípio do
inquisitório em matéria de factos.
Direito Processual Civil I – Turno Noite
Regência: Professora Doutora Isabel Alexandre - 13.04.2021 – Duração: 90 min.

Tópicos de correção

1. Apreciação do pressuposto processual da legitimidade processual, base legal,


consequências processuais, diferentes modalidades. Diferenciação entre a legitimidade
singular e plural e, nesta última, entre o litisconsórcio voluntário e necessário, unitário
e simples. Diferenciação sucinta do regime jurídico, quanto às consequências do caso
julgado e tramitação processual, entre as referidas classificações. Aplicação da
modalidade de litisconsórcio passivo necessário natural. Apreciação do Art. 33.º, n.º 2
do CPC, discutindo as diferentes posições jurisprudenciais e doutrinárias a propósito do
conceito de efeito útil. Apreciar se a ilegitimidade por preterição do litisconsórcio
necessário está abrangida pela previsão da 2.ª parte do Art. 278.º, n.º 3 do CPC.

2. Apreciação da personalidade judiciária da herança, nos termos do disposto no Art. 12.º,


al. a) do CPC. Qualificação do pressuposto processual e identificação das consequências
da sua falta. Diferenciação das heranças jacentes e indivisas para efeito de atribuição
de personalidade judiciária. No caso destas últimas, e na eventualidade da Demandada
ser a própria herança indivisa, discutir a possibilidade de aplicação dos Arts. 6.º, n.º 2
ou 14.º do CPC, por analogia.

3. Verificação dos âmbitos de aplicação do Regulamento n.º 1215/2012: demonstração


que todos se encontram preenchidos, tendo especial atenção ao art. 6.º e art. 62.º do
Reg.; demonstração de que a ação não respeita a competências exclusivas (art. 24.º do
Reg.), nem foi celebrado pacto de jurisdição (art. 25.º do Reg.). Identificação da relação
entre a competência especial do art. 7.º/1 do Reg. e a competência geral resultante do
art. 4.º do Regulamento. Na eventualidade de serem Demandados os demais
outorgantes do Contrato de sociedade por força de litisconsórcio necessário, análise do
Art. 8.º/1 do Reg. e conclusão pela competência internacional do tribunal português.
Análise da competência interna. Existia uma incompetência em razão do território, uma
vez que um dos réus tinha domicílio na Figueira da Foz – análise dos arts. 80.º/1 e 82.º,
ambos do CPC. Trata-se de uma incompetência relativa (art. 102.º do CPC), que carece
de alegação pelo réu (art. 103.º do CPC) e que, se julgada procedente, levaria à remessa
do processo para o tribunal competente (art. 105.º/3 do CPC). Tomar posição sobre a
existência ou não de incompetência em razão da matéria uma vez que a ação de
anulação do contrato de sociedade compete ao juízo de comércio e não a um juízo cível
(cf. art. 128.º/1/b) da LOSJ). Todavia, embora a Comarca de Lisboa tenha juízo de
comércio, a Comarca de Évora não tem juízo de comércio (art. 77.º/1 do DL 49/2014)
e, nesses casos, compete ao juízo central cível julgar a ação de anulação do contrato
(art. 117.º/2 da LOSJ). Na eventualidade de apenas Bernardo ser o Demandado, o
tribunal português é internacionalmente incompetente. Neste último cenário, análise
do Art. 26.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, ambos do Reg., considerando que o Réu era parte revel
e qualificação da incompetência, como absoluta (art. 96.º/a) do CPC), que deve ser
conhecida oficiosamente caso o Réu não compareça (art. 28.º do Reg.). Esta
incompetência absoluta é uma exceção dilatória, nominada e insuprível (art.
571.º/2/1.ª parte do CPC e art. 576.º/2 do CPC), que conduz, no caso concreto, à
absolvição da instância (art. 99.º/1 do CPC e art. 278.º/1/a) do CPC), sendo que deve
ser analisado com cuidado o art. 99.º, n.º 3 do CPC.

4. Análise do regime da representação judiciária previsto no Art. 25.º do CPC e sua


articulação com o pressuposto processual da capacidade judiciária, base legal,
consequências processuais, diferentes modalidades. Apreciar se a falta de
representação judiciária do lado passivo está abrangida pela previsão da 2.ª parte do
Art. 278.º, n.º 3 do CPC. Modo de sanação, nomeadamente discutindo a aplicação ou
não do Art. 27.º do CPC. Efeito da não sanação da falta do pressuposto processual.

5. Apreciação do pressuposto processual do patrocínio judiciário, base legal,


consequências processuais, diferentes modalidades. Apreciar se a falta de patrocínio
judiciário do lado ativo está abrangida pela previsão da 2.ª parte do Art. 278.º, n.º 3 do
CPC. Modo de sanação. Efeito da não sanação da falta do pressuposto processual.

6. Análise dos princípios do contraditório e do dispositivo e do princípio da oficiosidade.


Desenvolvimento do conceito de decisão-surpresa e explicitação dos seus efeitos.
Poderes e deveres do Tribunal quanto ao contraditório. Efeitos da decisão-surpresa e
consequências processuais (discutir se a decisão-surpresa constitui uma nulidade
processual secundária ou se integra uma nulidade de sentença).
Tópicos de correção:
I

1- Os restantes membros do grupo também celebraram o contrato e não estão presentes na ação;
- Indicar que todos os membros do grupo têm interesse em demandar enquanto sujeitos da relação material
controvertida como configurada pelo A., nos termos do art. 30.º/1 e 3.
- Afastar a existência de litisconsórcio necessário legal, convencional, e natural justificando.
- Concluir que o litisconsórcio é voluntário, pelo que não existe qualquer ilegitimidade que levasse à
absolvição do Réu da instância.
- Explicar que A. só pode exigir 1/4 do crédito, pelo que se aplica a parte final do art. 32.º/1, só devendo o
juiz conhecer da sua quota-parte.

2- B não está acompanhado por C, que também é devedora;


- Aplicação do art. 34.º/3, por se tratar do lado passivo, e da segunda parte, porque apenas B celebrou o
contrato.
- A dívida é comunicável nos termos do art. 1691.º/a), porque C consentiu na celebração do contrato.
- Concluir que é aplicável o art. 1695.º, devido ao regime de bens, e explicar a existência de uma divergência
doutrinária acerca do carácter necessário do litisconsórcio passivo, nesta situação, dado que o litisconsórcio
necessário é do interesse do credor e este pode, além disso, desconhecer a comunicabilidade da dívida,
tomando uma posição sobre a mesma.

3- O Tribunal é incompetente;
- Conflito ser plurilocalizado;
- Referir o primado do Direito da EU;
- Afastar a aplicabilidade do Regulamento n.º 1215/2012, pois embora se preencham os âmbitos material e
temporal, não se verifica o âmbito espacial, por o réu não ter domicílio num EM e não se verificar nenhum
dos casos dos arts. 18.º/1, 21.º/2, 24.º e 25.º.
- Afastar a aplicabilidade dos arts. 63.º e 94.º CPC, que prevalecem sobre o art. 62.º.
- Analisar o art. 62.º, e concluir pela aplicação da sua alínea b) - (o contrato foi celebrado em Portugal).
- Concluir pela competência dos tribunais judiciais, de primeira instância.
- Concluir que a competência em razão do território seria aferida pelo art. 80.º/3, - os tribunais do lugar
do domicílio do autor.
- Afastar, quanto à matéria, a competência dos tribunais de competência territorial alargada.
- Concluir que quer pelo valor da causa quer pela forma de processo, seria o juízo local cível competente.
- Identificar uma incompetência relativa em razão do valor, que conduziria à remessa para o tribunal
competente (art. 105.º/3).

4- B não constituiu advogado e não pretende fazê-lo;


- Explicar que o patrocínio judiciário é obrigatório, referindo toda a base legal necessária, quer do CPC
quer da LOSJ, e determinando corretamente o valor da causa (15.000,00€, pelo art. 301.º).
- Explicar que o patrocínio judiciário do lado passivo é obrigatório mas nunca haveria absolvição do réu da
instância (art. 577.º al. h).
- Aplicação do art. 41.º

II
Suponha agoramque o Juiz considera procedente a excepção invocada em I, 2 e decide absolver o
Réu da instância.
Todavia, o Juiz não dá a A. a oportunidade de se pronunciar quanto às excepções invocadas. Quid
iuris?

- Identificar a violação do princípio do contraditório


- Ponderação intervenção principal provocada, cujo convite deveria ter sido formulado pelo Juiz ao A. com
base no princípio da gestão processual.
Direito Processual Civil I – Turno Noite
Regência: Professora Doutora Isabel Alexandre - 08.04.2021 – Duração: 90 min.

Tópicos de Correcção:

1. a) Constituição obrigatória de advogado (arts. 40.º, n.º 1 al. a) e 629.º, n.º 1 do C.P.C.).

b) Notificação com prazo certo para a constituição de advogado, sob pena de abolvição
da instância atendendo a que a falta é do A.

2. a) Análise da competência em função da jurisdição, hierarquia, matéria (tanto no


confronto entre as várias ordens de tribunais, como dentro da ordem dos tribunais
judiciais).

b) O juízo central cível era incompetente em razão do valor (art. 117.º LOSJ a contrario)
- calcular, a este propósito, o valor da causa -, o que leva à remessa do processo para o
Tribunal competente (arts. 102.º, 104.º, n.º 2 e 105.º, n.º 3 do C.P.C.), que seria o juízo
local cível ou o juízo de competência genérica (art. 130º/1 LOSJ).

c) Também ao nível territorial existia uma incompetência, se se entendesse que o art.


71.º, n.º 2 do C.P.C. atribui apenas competência ao tribunal do lugar do facto ilícito (caso
em que a acção deveria ter sido proposta no Tribunal de Guimarães). Se se entendesse,
porém, que este preceito atribui também competência ao tribunal do lugar do dano (que,
no caso da ofensa aos direitos de personalidade através da internet, é qualquer lugar),
podia ser competente o tribunal de Lisboa.

d) Devido à incompetência relativa, em razão do território, o processo seria remetido


para o Tribunal competente nos termos dos arts. 102.º, 104.º, n.º 2 e 105.º, n.º 3 do C.P.C..

3. a) Conflito plurilocalizado.
b) Referência ao primado do Direito da União Europeia.

c) Ponderação da aplicação do Regulamento 1215/2012 de 12 de Dezembro: encontram-


se preenchidos os âmbitos do Regulamento (material, temporal e espacial).

d) Competência do Tribunal de Roma por aplicação do art. 7.º, n.º 2 do Regulamento,


sem prejuízo da competência estabelecida no art. 4.º (conjugado com o art. 5.º) do
Regulamento. Referir que o art. 7º/2 tanto se refere ao tribunal do lugar do facto ilícito
como ao tribunal do lugar do dano, embora a escolha do tribunal tenha consequências no
plano da indemnização que pode vir a ser decretada.

e) Consequências da incompetência internacional, caso existisse (conjugar as regras do


Reg. com as regras do CPC sobre incompetência absoluta).

4. a) Identificação do problema da capacidade judiciária por se tratar de menor de idade


(art. 15.º do C.P.C.). Referir também que o problema não é de personalidade judiciária.

b) Necessidade de representação por ambos os progenitores (art. 16.º, n.ºs 1 e 3 do


C.P.C.) que deveriam ter sido citados para a acção.

c) Existe a possibilidade de sanação nos termos dos arts. 27.º, n.ºs 1 e 2 e 28.º, n.º 2 do
C.P.C.).

d) Assinalar o diferente regime de sanação do vício e as diferentes consequências do vício


não sanado, conforme atinja o autor ou o réu.

II

a) Identificação da questão da legitimidade: ponderação de um litisconsórcio necessário


passivo.

b) Aplicação do art. 34.º, n.º 3 1.ª parte do C.P.C.: litisconsórcio necessário passivo por
o facto ter sido praticado por ambos os cônjuges.
c) Possibilidade de sanação através da intervenção principal provocada nos termos do
art. 316.º do C.P.C., sob pena de absolvição da instância enquanto consequência jurídica
da excepção dilatória decorrente da ilegitimidade processual. Referir também o regime
do art. 261º/1. Referir que o juiz não pode ordenar oficiosamente a intervenção do cônjuge
em falta, pois tal afrontaria uma das vertentes do princípio dispositivo.

Você também pode gostar