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Direito Internacional Privado

Faculdade de Direito
Licenciatura em Direito – 4º ano
1.ª Frequência/ Exame
01/02/2021
Duração: 90 minutos (sem tolerância)

 É admissível a consulta da legislação – não anotada nem comentada – relevante em matéria de


Direito Internacional Privado.
 As respostas deverão ser cabalmente fundamentadas tendo em consideração a base legal
aplicável a cada caso, com a devida argumentação jurídica face à solução apresentada e, sempre
que aplicável, posições doutrinárias e jurisprudenciais relevantes.

I1
António, natural de Lima, no Perú, com residência habitual em Brasília, celebrou
há mais de 10 anos, nesta cidade, um contrato de compra e venda de um imóvel situado
em Paris. António adquiriu o imóvel a Bento, com dupla nacionalidade, portuguesa e
alemã, com residência habitual em Viana do Castelo. O contrato foi formalizado num
documento particular (não autenticado) e o preço foi pago no momento da respetiva
assinatura.
Em virtude da pandemia, António resolveu mudar-se definitivamente para
França em abril de 2020 – onde já passava grandes temporadas de férias – e passou a
habitar o imóvel. Meses mais tarde foi surpreendido por Carla, portuguesa, com
residência habitual em Austin, Texas, EUA, filha de Bento – entretanto falecido – que
alegou que a compra e venda era nula por falta de cumprimento dos requisitos de forma
e que o imóvel era seu, na qualidade de única herdeira do seu pai.
Discute-se agora nos tribunais portugueses a propriedade daquele imóvel,
invocando António que, independentemente de se encontrar inscrita no registo a
propriedade do imóvel a favor de Carla, ele é o proprietário – peticionando o
reconhecimento e a declaração de ser ele o único legítimo possuidor e proprietário –
alegando para o efeito que,
a) “[D]esde 8 de janeiro de 2009 está na posse do referido prédio, a qual
se manteve ininterruptamente até à presente data, de forma pública,
pacífica e de boa-fé, nunca tal posse sido contestada até setembro de
2020, pelo que adquiriu a propriedade do referido prédio por
usucapião”.
Considerando que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes,
admita que,
a) Em todos os ordenamentos jurídicos a compra e venda de bens imóveis só é
formalmente válida se for outorgada por escritura pública ou documento
autenticado.
b) Em todos os ordenamentos jurídicos a posse do direito de propriedade, mantida
por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, a aquisição do direito, e a
usucapião é uma forma de aquisição originária de direitos reais, num regime
idêntico ao previsto no Código Civil Português.
c) No ordenamento jurídico francês a usucapião de bens imóveis pode dar-se ao
fim de 10 anos, independentemente da posse ser de boa ou má fé, e haver ou não

1
Caso prático inspirado na jurisprudência portuguesa do STJ, no âmbito do processo n.º
460/11.4TVLSB.L1.S2, 7.ª secção
registo; solução idêntica é perfilhada no ordenamento jurídico norte-americano,
incluindo no regime legal do Estado do Texas.
d) O ordenamento jurídico brasileiro e do Perú têm uma solução material idêntica à
portuguesa.
e) O ordenamento jurídico francês, quanto à questão sub judice, considera
competente a lei da nacionalidade daquele que invoca a usucapião e faz dupla
devolução. Idêntica solução é adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas
pratica devolução simples.
f) O ordenamento jurídico do Perú considera competente a lei da residência
habitual da titular do direito real que se encontra inscrita no registo predial e é
anti-devolucionista.
g) O ordenamento jurídico norte-americano considera competente da residência
habitual – no momento do termo inicial da posse – daquele que invoca a
usucapião e pratica devolução dupla. Este ordenamento jurídico é complexo e
não tem normas de direito interlocal para resolver situações conflituais internas.

II2
AA, Lda., sociedade comercial de Direito Português, com sede no Porto,
intentou ação declarativa de condenação, contra BB, S.L., sociedade de Direito
Espanhol, com sede em Madrid alegando, em resumo, que “[...] ajustou com a mesma
um contrato de compra e venda de uma grua, e formação para a utilização da mesma, e
pagou o respetivo preço global (€ 125.000,00), não tendo, porém, a Ré, ao arrepio do
que acordara com a Autora, dado formação ao pessoal desta e não tendo os técnicos
que a primeira disponibilizou para a montagem demonstrado conhecer o
funcionamento da máquina. Ao invés do que fora incutido pela Ré, a grua, ao ser
colocada em funcionamento, evidenciou vários problemas e não trazia consigo o
respetivo manual – o que foi comunicado à Ré –, [...]. Nessa sequência, a Autora veio a
perder o interesse na manutenção do negócio e a comunicar àqueloutra a intenção de o
resolver, solicitando a devolução do preço pago e o levantamento da máquina, o que
até agora não sucedeu”.
A grua foi adquirida por contrato celebrado em Madrid e tendo a Ré obrigação
de a entregar na sede da Autora e após esta entrega, a Autora procedeu ao pagamento
integral do preço acordado através de transferência bancária. A formação seria dada na
sede da Autora nos 15 dias seguintes à entrega da grua, o que nunca se verificou.
A Ré contestou, alegando, em resumo, que, “[...] face ao disposto no artigo
1484.º do Código Civil Espanhol, aqui aplicável, não está obrigada a indemnizar a
Autora [...] uma vez que os direitos exercidos pela Autora já haviam caducado à data
da apresentação da petição inicial [...]”.
Considerando que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes,
admita que,
a) A posição assumida pela Ré na contestação está de acordo com a solução
material prevista no Código Civil Espanhol.
b) Em Portugal os alegados direitos da Autora ainda não teriam caducado, uma
vez que no ordenamento jurídico Espanhol o prazo de caducidade é
manifestamente mais curto.
2
Caso prático adaptado da jurisprudência portuguesa do STJ, no âmbito do processo n.º
693/10.0TVPRT.C1.P1.S1, 7.ª secção

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