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18/12/2018 Acordão do Tribunal Central Administrativo

Aditamento:

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ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL
Decisão Texto Integral:
ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
A..., com os sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa, datada de 22-
12-2009, que julgou procedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa,
intentada pela Digna Magistrada do Ministério Público junto daquele tribunal.
Para tanto, formulou as seguintes conclusões:
“A) Vem o presente recurso interpor da douta sentença de 22-12-2009 que concedeu provimento ao autor e
julgou procedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e em consequência determinou o
arquivamento do processo de registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
B) Não se conformando a ora recorrente com a mesma e entendendo que a douta sentença recorrida
enferma de ilegalidade, vem a mesma apresentar recurso.
C) Nos termos do ar go 9º da Lei da Nacionalidade [bem como ar go 56º, nº 2 do Regulamento da
Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237A/2006, não está em causa aferir da ligação
efec va mas sim da inexistência de ligação efec va à comunidade nacional.
D) Questões substancialmente diferentes.
E) A mencionada ligação efec va à comunidade nacional é verificada através de circunstâncias objec vas que
revelem um sen mento de pertença a essa comunidade, como é o caso da língua, relações de amizade,
ligações profissionais com portugueses, domicílio, hábitos sociais, apetências culturais, inserção económica
e ainda interesse pela história e realidade presente do país.
F) Neste sen do vai o Acórdão do STJ, de 5-12-2002 [Processo nº 02B3582], disponível em www.dgsi.pt/jstj e
ainda o Acórdão do STJ, de 11-1-2001 [Processo nº 3534/00];
G) Os factos relevantes para a aquisição de nacionalidade são também a declaração do próprio interessado
em adquirir a nacionalidade portuguesa, o que em 22 de Agosto de 2008, a recorrente declarou querer
adquirir a Nacionalidade Portuguesa, nos termos do ar go 3º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, com base na
união de facto, bem como a junção de prova que contrariou a oposição deduzida pelo Ministério Público,
nomeadamente, a inexistência de ligação efec va à comunidade nacional pois juntou documentos que
comprovam a sua efec va ligação à comunidade nacional.
H) Não se afigura exigível à recorrente a demonstração de uma maior ligação aPortugal, do que aquela que
resulta da normal e diária convivência familiar, com o marido português, convivência essa de há mais de
sete anos, quer tenha sido em tempo de namoro, união de facto e casamento!
I) A ora recorrente vive no seio de uma família portuguesa alargada além da família portuguesa que
regularmente visita em Portugal.
J) A recorrente casada com um português, filho de um português, a sua inserção na comunidade portuguesa
presente no Rio de Janeiro é intensa, con nua e ininterrupta, par cipando a mesma no dia a dia cultural da
referida comunidade.
K) Espírito par lhado quer em Portugal quer no Brasil, não só com os familiares mas também com os
amigos da sua família.
L) Provas bastantes e suficientes da ligação efec va à comunidade nacional portuguesa do Brasil, com a qual
resulta comprovada a sua iden ficação no seio do meio onde vive.
M)Nos termos do ar go 57º, nº 1 do Regulamento, dispõe-se que "quem requeira a aquisição da nacionalidade
portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efec va
à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do ar go anterior".
N) O que foi feito e bem pela ora recorrente.

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O) Neste sen do, vide a jurisprudência do STJ [Acórdão de 25-2-1993, Recurso nº 83.422], onde se considerou
que "os fundamentos de oposição à aquisição derivada da nacionalidade portuguesa, considerados no ar go
9º da Lei nº 37/81 de 03/10, cons tuem meros indícios de factores impedi vos da aquisição da nacionalidade
[...] e que carecem de ser completados com a prova de outros factores que sejam expoentes manifestos
dessa indesejabilidade...".
P) Se tais pressupostos não passam de factores que podem obstaculizar a aquisição derivada da nacionalidade
portuguesa, então haverá que reconhecer que quem os alegar tem de demonstrar a sua existência.
Q) Incumbia ao Ministério Público, como autor da oposição, o ónus de provar a existência de factos que
tornam impedi vo o direito [aquisição à nacionalidade].
R) No caso da sentença ora recorrida, não pode considerar-se sa sfeito o ónus probatório que recaía
sobre o Ministério Público e não se pode afirmar que conseguiu refutar a prova que a ora recorrente fez da
sua ligação à comunidade nacional.
S) Tal como decidido no Acórdão do TCA Sul, de 13-11-2008 [Recurso nº 03697/08] e Acórdão do TCA Sul
[Processo nº 03697/2008];
T) Invoca ainda a douta sentença recorrida como fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade
portuguesa, o facto de a ora recorrente exercer no Brasil as funções de Promotor de Jus ça, o que entende
consubstanciar o exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico.
U) Quanto às suas funções de "Promotora de Jus ça subs tuta", exercidas pela ora recorrente há que atentar
no facto de que há uma profunda divergência quanto à natureza jurídica do cargo de Promotor de Jus ça
em Portugal e no Brasil. V) A começar pelo tulo de Magistrado que um membro do Ministério Público
Português ostenta em Portugal, em divergência com o que ocorre no Brasil, onde o Promotor de Jus ça não
é membro do Poder Judiciário.
X) De facto, basta analisar a cer dão de casamento da ora recorrente, junta aos autos, onde se verifica que o
seu marido é qualificado como Magistrado e a ora recorrente como Promotora de Jus ça.
W) Com efeito, é opinião geral dos maiores especialistas brasileiros em Direito Administra vo, que um
membro do Ministério Público no Brasil não é agente polí co, possuindo perfil meramente técnico.
Y) É notória a diferença entre Magistrado do Ministério Público Português e Promotor de Jus ça do Ministério
Público Brasileiro, em virtude do aspecto meramente técnico conferido à função este úl mo, pelo que se
considera provado serem de índole predominantemente técnica as funções exercidas pela ora recorrente.
Z) Face a todo o exposto, deve a sentença ora recorrida ser julgada improcedente, e em consequência ser
dado provimento ao presente recurso fazendo-se a habitual e acostumada JUSTIÇA”.
O recorrido não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


A sentença recorrida considerou provada, com base nos documentos juntos aos autos, a seguinte
factualidade:
i. A... fez dar entrada na Conservatória dos Registos Centrais em 22 de Agosto de 2008 de "Declaração
para aquisição da nacionalidade portuguesa" com fundamento em viver em união de facto com cidadão
português há mais de três anos – cfr. doc. de fls. 13 dos autos.
ii. A... nasceu em 6 de Agosto de 1975 no Estado brasileiro da Bahia – cfr. doc. de fls. 14 dos autos.
iii. Filha de Francisco Gualberto de Faria Alvim e de Maria de Lourdes Mendonça Alvim, ambos
cidadãos brasileiros – cfr. doc. de fls. 14 dos autos. iv. A... é cidadã nacional da República Federa va do
Brasil – cfr. docs. de fls. 18, 19, 20 e 21 dos autos.
v. A... reside habitualmente na rua Domingos Ferreira, 170 AP 104, Copacabana, Rio de Janeiro, Brasil
– cfr. docs. de fls. 12 e de fls. 24 dos autos.

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vi. Em 26 de Junho de 2008 A... vivia em regime de união de facto há mais de três anos com João Filipe
Nunes Ferreira Mourão – cfr. doc. de fls. 24 dos autos. vii. João Filipe Nunes Ferreira Mourão é cidadão
nacional português, natural do Brasil – cfr. docs. de fls. 25 e 33 dos autos.
viii. A... exerce o cargo de Promotor de Jus ça, no qual foi inves da em 1-7-2005, tendo em vista a sua
aprovação no XXVII Concurso Público para ingresso na Carreira do Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro, e “vitaliciada” em 1-92007, exercendo as funções ins tucionais do Ministério Público elencadas no
ar go 129º da Cons tuição da República Federa va do Brasil – cfr. doc. de fls. 47 dos autos. ix. A... casou no
Rio de Janeiro com João Filipe Nunes Ferreira Mourão em 6 de Setembro de 2008 – cfr. cópia de cer dão
de fls. 78 dos autos.
x. A... visitou Portugal em Abril de 2007 – cfr. doc. de fls. 22 dos autos. xi. A... visitou Portugal em Maio
de 2009 – cfr. doc. de fls. 100 dos autos. xii. Nas visitas que fez a Portugal A... esteve em Vila Real,
Lisboa [onde visitou a Torre de Belém e o Monumento aos Descobrimentos], a cidade do Porto, e a
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – cfr. docs. de fls. 79 a 86 dos autos.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Como se viu, o objecto do presente recurso jurisdicional é a sentença do TAC de Lisboa, datada de 22-12-
2009, que julgou procedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa
intentada pelo Ministério Público contra A..., ao abrigo das disposições conjugadas dos ar gos 5º, 9º, alíneas
a) e c), 10º, nº 1, 25º e 26º, da Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], na redacção introduzida pelo ar
go 1º da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, e ar gos 4º do DL nº 237-A/06, de 14/12, e 56º e segs. do
Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo mesmo DL.
E fê-lo por ter vislumbrado dois fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: não se
ter provado qualquer circunstância que pudesse revelar um sen mento estável de pertença à comunidade
nacional portuguesa e pelo facto daquela, promotora de jus ça no Brasil, exercer funções públicas sem
carácter predominantemente técnico, o que no entender da sentença recorrida integra inequivocamente o
fundamento de oposição previsto na alínea c) do ar go 9º da Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade],
na redacção introduzida pelo ar go 1º da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4.
Inconformada, a ré pede a revogação da sentença sob censura, alegando para tanto que fez prova da sua
efec va ligação à comunidade nacional e, por outro lado, que as funções de promotor de jus ça que exerce
no Brasil correspondem, nos termos da Cons tuição da República Federa va do Brasil, a funções públicas
com carácter predominantemente técnico, pelo que também não se mostra verificado o fundamento de
oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto na alínea c) do ar go 9º da Lei nº 37/81, de 3/10
[Lei da Nacionalidade]. Vejamos então se assiste razão à recorrente, começando por apreciar a justeza do
decidido no tocante à verificação do fundamento de oposição previsto na alínea c) do ar go 9º da Lei nº
37/81, de 3/10, posto que verificado este, fica irremediavelmente comprome do o êxito do presente
recurso jurisdicional, de nada valendo a demonstração da existência da efec va ligação da recorrente à
comunidade nacional.
Isto dito, importa determinar se, face à Cons tuição da República Federa va do Brasil, o exercício das
funções de Promotor de Jus ça da carreira do Ministério Público no Estado do Rio de Janeiro, corresponde
ao exercício de funções [de natureza pública] com carácter predominantemente técnico.
Nos termos do ar go 127º, corpo, da Cons tuição da República Federa va do Brasil, “o Ministério Público é
ins tuição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrá co dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, estabelecendo o seu § 1º
que “são princípios ins tucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência
funcional”.
E, nos termos do ar go 129º, nºs I a IX, da Cons tuição da República Federa va do Brasil, cons tuem funções
ins tucionais do Ministério Público, entre outras, “a promoção da acção penal pública, a promoção da

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acção de incons tucionalidade, o exercício do controle externo da ac vidade policial e a requisição de


diligências de inves gação e a instauração de inquérito policial”.
De acordo com o ensinamento do Prof. Jorge Miranda, no Manual de Direito Cons tucional, Tomo V, 2ª
edição, a págs. 29, citado na decisão recorrida, na função jurisdicional do Estado “define-se o Direito [iuris
dic o] em concreto, perante situações da vida [li gios entre par culares, entre en dades públicas e entre par
culares e en dades públicas, e aplicação de sanções], e em abstracto, na apreciação da cons tucionalidade e
da legalidade de actos jurídicos [maxime, de actos norma vos]”.
Ora, tal como entendeu a sentença recorrida, a Cons tuição da República Federa va do Brasil estabelece
inequivocamente que o Ministério Público integra ainda a função jurisdicional do Estado, razão pela qual se
afigura não ser possível qualificar o exercício das funções dos respec vos agentes como sendo
predominantemente técnicas, já que os mesmos detêm uma ligação e envolvência de tal forma intensa
com o Estado brasileiro [como ins tuição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado] que jus
fica a inviabilização duma ligação ao Estado Português, mesmo através da aquisição derivada da
nacionalidade, cons tuindo por isso o exercício dessas funções – de carácter não predominantemente
técnico, repita-se – fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, tal como previsto na
alínea c) do ar go 9º da Lei da Nacionalidade.
E, sendo assim, fica desde logo prejudicada a apreciação da inexistência do outro fundamento – a efec va
ligação da recorrente à comunidade nacional – que a sentença recorrida teve por verificado.
Destarte, improcedem todas as conclusões da alegação da recorrente.

IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os Juízes do 2º Juízo do TCA Sul, em negar
provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Outubro de 2010

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