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18/12/2018 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Nacionalidade Portuguesa foi revogada pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 118/85, de 19 de Abril.


2. Para efeito de admissibilidade da junção de documentos no recurso de apelação para o
Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido na acção de oposição de aquisição
da nacionalidade portuguesa, o referencial temporal é o momento do encerramento da discussão
da matéria de facto.
3. Não podem continuar no processo e devem ser mandados desentranhar, em
enquadramento de incidente sujeito a custas, os documentos referentes a factos não articulados
pelas partes no âmbito da acção mencionada sob 1 que o recorrente tenha apresentado com as
alegações do recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça.
4. O elemento ligação efectiva à comunidade nacional constitui pressuposto essencial da
aquisição da nacionalidade portuguesa por estrangeiro casado com nacional português há mais
de três anos, que não tenha praticado de crime punível com pena de prisão de máximo superior a
três anos segundo a lei portuguesa nem exercido funções públicas ou prestado de serviço militar
não obrigatório a Estado estrangeiro.
5. A ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa envolve factores tais como o
domicílio, a estabilidade de fixação, a língua falada e escrita, aspectos culturais, sociais,
familiares, de amizade e económico-profissionais reveladores de sentimento de pertença à
comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro.
6. Não tem ligação efectiva à comunidade portuguesa para efeito de aquisição da
nacionalidade portuguesa a cidadã indiana casada, há dez anos, com um cidadão indiano, na
Índia, que então adquiriu a nacionalidade portuguesa por virtude de ter nascido em Diu de
português, a qual vive em Portugal há sete anos, onde lhe nasceu uma filha, portuguesa, e que
trabalha com o cônjuge na exploração de uma loja do tipo loja dos trezentos, atendendo clientes,
cumprindo as obrigações fiscais, beneficiando do Serviço Nacional de Saúde, experimentando
dificuldade de leitura e de compreensão da língua portuguesa, vestindo-se em conformidade com
os costumes ocidentais, permitindo à filha a educação na escola portuguesa, praticando o culto
hindu e que visitou algumas regiões do nosso País e afirmou não pretender deixá-lo, por dele
gostar e das suas gentes e modo de vida.
7. A interpretação da lei ordinária relativa à aquisição da nacionalidade portuguesa no
sentido mencionado sob 6 não infringe o disposto nos artigos 26º, nº 1 e 67º, nº 1, da
Constituição nem algum princípio nela consignado.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O Ministério Público intentou, no dia 22 de Junho de 2004, contra A, acção declarativa de


apreciação negativa, com processo especial, pedindo a declaração de falta de fundamento legal
para a aquisição por ela da nacionalidade portuguesa e a ordem de arquivamento do processo
administrativo tendente ao registo daquela aquisição pendente na Conservatória dos Registos
Centrais, com fundamento na falta de prova dos factos integrantes da sua ligação efectiva à
comunidade portuguesa.

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A ré afirmou, em contestação, no dia 2 de Agosto de 2004, ter uma filha portuguesa, nascida em
Portugal no dia 17 de Setembro de 2001, por ela educada de harmonia com os costumes
portugueses, trabalhar com o cônjuge, B, num bazar deste último, manter o conhecimento tão
actual quanto possível dos acontecimentos relacionados com o panorama nacional e ser
considerada e respeitada no bairro onde reside e no local onde exerce a sua actividade.

Foi produzida prova por declarações, diligência que terminou no dia 18 de Novembro de 2004, e
a ré e o autor apresentaram alegações, a primeira no sentido de haver provado a sua ligação
efectiva à comunidade nacional, e o último no sentido contrário, e os vistos aos juízos
começaram no dia 15 de Dezembro de 2004.
A Relação, por acórdão proferido no dia 17 de Fevereiro de 2005, julgou a acção procedente,
com fundamento em a ré não haver demonstrado a sua efectiva ligação à comunidade nacional.

Interpôs a ré recurso de apelação, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:


- a ligação à comunidade nacional decorre de factores como a língua, a família, a cultura, as
relações de amizade, a integração sócioeconómica, reveladores de um sentimento em relação à
comunidade portuguesa;
- os factos provados revelam a sua efectiva ligação à comunidade portuguesa em tudo
semelhante à generalidade dos cidadãos portugueses;
- o acórdão recorrido infringiu, além do mais, o direito fundamental à nacionalidade
portuguesa e da unidade da nacionalidade familiar previstos nos artigos 26º e 67º da
Constituição;
- em consequência, deve ser revogado, concedendo-se a nacionalidade portuguesa à
recorrente e ordenando-se o respectivo registo.

Respondeu o autor, em síntese de conclusão de alegação: - a recorrente está, em relação à


comunidade nacional, - prevalentemente, em fase de abordagem, mas preservando as suas
origens, gostos, alimentação e tradições;
- exige-se um maior aprofundamento e intensificação do entrosamento para a integração
social, psicológica e cultural na comunidade nacional; - a recorrente não revela estar em situação
de integração efectiva na comunidade nacional, pelo que deve manter-se o acórdão recorrido.

II

É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:


1. B nasceu no dia 17 de Maio de 1969, em Diu, República da Índia, filho de C e de D.

2. A ré nasceu no dia 4 de Julho de 1972 em Botad, Bhavnagar,República da índia, filha de E e de


F, e tem a nacionalidade indiana.

3. B e a ré casaram um com o outro, no dia 5 de Julho de 1995, naConservatória do Registo Civil


de Diu, República da Índia.

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4. Foi atribuída a B a nacionalidade portuguesa, à luz do artigo 1º, nº 1, alínea b), da Lei nº 37/81,
de 3 de Outubro, a qual foi objecto de registo civil no dia 2 de Março de 2000.

5. A ré veio para Portugal em 1998 e o casamento mencionado sob 3 foi objecto do assento nº 374-
A, lavrado na Conservatória dos Registos Centrais, Lisboa, no dia 23 de Julho de 2001.

6. G, nascida no dia 17 de Setembro de 2001, na freguesia de São Jorgede Arroios, município de


Lisboa, é filha da ré e de B, cujo assento de nascimento, com o nº 15/2002, foi lavrado no dia 4
de Janeiro de 2002 na 11ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa.

7. O Posto Marítimo Fiscal de Imigração da Estação de Polícia Sihor,Distrito Bhavnagar, Diu,


República da Índia, e a Direcção dos Serviços de Identificação Criminal da Direcção-Geral da
Administração da Justiça, Ministério da Justiça, República Portuguesa certificaram, nos dias 27
de Janeiro de 2003 e 23 de Maio de 2003, respectivamente, nada constar sobre a ré no registo
criminal.

8. A ré declarou, no dia 27 de Junho de 2003, na Conservatória doRegisto Civil de Moscavide,


pretender adquirir a nacionalidade portuguesa.

9. A ré trabalha com B na exploração de uma loja do tipo loja dostrezentos, cumpre as suas
obrigações fiscais, é utente do Serviço Nacional de Saúde e visitou algumas regiões do País.

10. Não obstante atender os clientes na sua loja, tem dificuldade deleitura da língua portuguesa e na
sua compreensão.

11. É praticante do culto hindu, mas permeável a certos costumesocidentais, designadamente vestir-
se em conformidade com eles e permitir à filha a educação na escola portuguesa.

12. Não pretende sair do País porque - segundo afirma - gosta de


Portugal, das suas gentes e do seu modo de vida

III

A questão essencial decidenda é a de saber se ocorre ou não fundamento legal para a recusa da
aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da recorrente.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da
recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- devem ou não manter-se no processo os documentos que a recorrente apresentou com as
alegações no recurso de apelação? - síntese do núcleo de facto relevante no recurso;
- regime legal envolvente dos factos declarados provados pela Relação; - ocorrem ou não na
espécie os pressupostos positivos e negativos de aquisição da nacionalidade portuguesa pela
recorrente?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.

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Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela análise da questão de saber se devem ou não manter- se no processo os
documentos que a recorrente apresentou com as alegações de recurso.
Trata-se, por um lado, de uma declaração emitida no dia 1 de Março de 2005 por uma agente do
Centro de Estudos e Formação de Informática da Base Informática, no sentido de que a
recorrente lá frequentava, desde 2 de Dezembro de 2004, um curso de português para
estrangeiros.

E, por outro, de um cartão revelador de que a recorrente era sócia da


Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Amadora desde 14 de Julho de 2004, e
de um outro cartão, não datado, revelador da sua aderência ao Unimed.
A recorrente não articulou no instrumento de contestação da acção nem em qualquer outro
articulado os factos a que os mencionados documentos se reportam, pelo que, mesmo no quadro
da acção, não podiam realizar a função probatória que lhes é própria (artigo 362º do Código
Civil).

O recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça em análise segue os termos do recurso
de revista (artigo 26º, nº 2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa).

A lei expressa a lei que às alegações de recurso de revista podem juntar-se documentos
supervenientes, sem prejuízo do disposto no n.º 2 dos artigos 722º e 729º do Código de Processo
Civil (artigo 727º do Código de Processo Civil).
A mencionada ressalva tem a ver com a regra da proibição de o Supremo Tribunal de Justiça
sindicar o juízo da Relação sobre a apreciação das provas e a fixação dos factos materiais da
causa. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do erro na apreciação das
provas e da fixação dos factos materiais da causa quando houver ofensa de alguma disposição
expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe
determinado meio de prova, ou seja, em casos de prova vinculada. Acresce que a superveniência
dos documentos a que o artigo 727º do Código de Processo Civil se reporta é aferida em função
do momento em que se iniciarem os vistos aos juízes (artigo 706º, nº 2, do Código de Processo
Civil).
Nessa perspectiva, no recurso de revista propriamente dito, são supervenientes os documentos
formados ou conhecidos pelo apresentante depois do início do procedimento de vistos aos juízes
no recurso de apelação.
Todavia, porque estamos um primeiro grau de recurso, impõe-se, em termos de adaptação, que o
referencial da mencionada superveniência seja o momento do encerramento da discussão (artigo
524º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Nesta perspectiva, o primeiro dos referidos documentos é superveniente, o segundo não o é, e
ignora-se sobre se o terceiro o é ou não.
Mas a questão da superveniência não assume aqui qualquer relevo, porque os mencionados
documentos, conforme acima se referiu, não podem funcionar com vista à prova de algum facto
articulado pela recorrente.

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Em consequência são os mencionados documentos absolutamente impertinentes e,


consequentemente, devem ser mandados retirar do processo e entregar à recorrente (artigo 543º,
nº 1, do Código de Processo Civil).
Trata-se de um incidente do processo para efeito de condenação no pagamento de custas (artigo
543º, nº 1, do Código de Processo Civil e 16º, nº 1, do Código das Custas Judiciais).
Em consequência é a recorrente responsável pelo pagamento das custas do incidente (artigo 543º,
nº 1, e 16º, nº 1, do Código das Custas Judiciais).
Tendo em contra o valor da causa e a simplicidade do incidente em causa, julga-se adequado,
tendo em conta o princípio da proporcionalidade, fixar a taxa de justiça no montante
correspondente a uma unidade de conta (artigo 16º, nº 1, do Código das Custas Judiciais).

2.
Atentemos agora na síntese do núcleo de facto relevante no recurso de apelação interposto pela
recorrente.
B casou com a ré há cerca de dez anos, em Diu, República da Índia. Entretanto, há cerca de dez
anos, ele adquiriu a nacionalidade portuguesa por virtude de ter nascido no estrangeiro de
pai português ou de mãe portuguesa e haver declarado expressamente ou por via de inscrição do
seu nascimento no registo civil português (alínea b) do artigo 1º da Lei da Nacionalidade
Portuguesa).
Há cerca de sete anos, veio a ré para Portugal e, há cerca de quatro anos, ocorreu o registo em
Portugal do seu casamento, ou seja, um ano depois de haver sido operado o registo da aquisição
da nacionalidade portuguesa por parte do seu cônjuge a que acima se fez referência. Quando a ré
vivia em Portugal há cerca de três anos, isto é, há cerca de quatro anos, nasceu G, portuguesa,
filha dela e de B.

Cerca de cinco anos depois de viver em Portugal, ou seja, há cerca de dois anos, a ré declarou
pretender adquirir a nacionalidade portuguesa. Trabalha com o cônjuge na exploração de uma
loja do tipo loja dos trezentos, cumpre as suas obrigações fiscais e é utente do Serviço
Nacional de Saúde.
Não obstante atender os clientes na referida loja, tem dificuldade de leitura e de compreensão da
língua portuguesa.
É permeável a certos costumes ocidentais, designadamente vestindo-se em conformidade com
eles e permitindo à filha a educação na escola portuguesa.
Pratica o culto hindu, visitou algumas regiões do nosso País e afirmou não pretender deixá-lo,
por dele gostar, tal como das suas gentes e modo de vida.

3.

Vejamos agora o regime legal aplicável aos factos declarados provados pela Relação.
A todos é reconhecido o direito à cidadania, e a família, como elemento fundamental da
sociedade, tem direito à protecção do Estado e da sociedade e à efectivação de todas as
condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (artigos 26º, nº 1 e 27º, nº 1, da
Constituição).

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No que concerne à lei ordinária, esta expressa, além do mais, que o cidadão estrangeiro casado há
mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante
declaração feita na constância do matrimónio (artigo 3º, n.º 1, da Lei 37/81, de 3 de Outubro,
alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto, e 11º, n.º 1, do Regulamento da Nacionalidade
Portuguesa).

É essencialmente relevante para o estabelecimento do vínculo de nacionalidade a vontade do


interessado estrangeiro, verificado que seja o pressuposto do casamento com nacional português
há mais de três anos, de algum modo sob motivação da protecção do interesse da unidade da
nacionalidade familiar.
Todavia, apesar do interesse da família nuclear da unidade de nacionalidade de pais e filhos, a lei
não o arvorou em elemento suficiente ou particularmente relevante para a aquisição da
nacionalidade por estrangeiros com fundamento em casamento com cidadãos portugueses.

Com efeito, a lei prescreve, por um lado, que a aquisição da nacionalidade pelo estrangeiro
casado há mais de três anos com um nacional português que manifeste a vontade nesse sentido
depende da não verificação de algum dos fundamentos de oposição a essa aquisição,
designadamente a não comprovação pelo interessado de ligação efectiva à comunidade nacional,
a prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos segundo a lei
portuguesa, e o exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a
Estado estrangeiro (artigo 9º, alíneas a) a c), da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro).

E, por outro, dever o interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa pelo casamento


comprovar a sua ligação efectiva à comunidade nacional, por qualquer meio de prova -
documental, testemunhal ou outro legalmente admissível (artigo 22º, n.º 1, alínea a), do
Regulamento da Nacionalidade Portuguesa).
Assim, o elemento ligação efectiva à comunidade nacional constitui, efectivamente, um
pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa pelo estrangeiro casado com nacional
português há mais de três anos, a par da manifestação da sua vontade nesse sentido.

Visa evitar que por via do casamento com cidadão português assumam o estatuto de membro na
nossa comunidade de pessoas que pouco ou nada tenham de comum com ela.
Não define a lei o que deve entender-se por ligação efectiva à comunidade nacional. Mas ela tem
a ver com a identificação, por parte do interessado, com a comunidade nacional, como realidade
complexa em que se incluem factores objectivos de coesão social.

A ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa envolve, naturalmente, factores vários,


designadamente o domicílio, a língua falada e escrita, os aspectos culturais, sociais, familiares,
de amizade, económicos, profissionais e outros, reveladores de um sentimento de pertença à
comunidade portuguesa, em Portugal ou no estrangeiro.

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Não é despiciendo para o efeito, além do mais, como meros índices da ligação efectiva à
comunidade portuguesa, a fixação com carácter de permanência em Portugal do próprio e dos
seus familiares, o trabalho em Portugal, a aprendizagem e a prática da língua portuguesa, as
relações sociais, humanas, de integração cultural, de participação na vida comunitária
portuguesa, designadamente em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de
apoio, bem como a nacionalidade portuguesa dos filhos.

Tendo em conta a fácil mobilidade das pessoas entre países e continentes, a integração de
Estados em comunidades várias, num quadro de globalização, o aspecto linguístico não pode ser
considerado essencialmente relevante no âmbito da ligação efectiva à comunidade nacional,
devendo ponderar-se o facto de o candidato à nacionalidade portuguesa ser um estrangeiro, em
regra oriundo de comunidade cultural e socialmente diversa da portuguesa.
Para a avaliação do pressuposto ligação efectiva à comunidade nacional releva a voluntária
aproximação do interessado à comunidade nacional portuguesa, em termos de se poder concluir
sobre a sua identificação cultural e social com ela.

4.
Atentemos agora sobre se ocorrem ou não, na espécie, os pressupostos positivos e negativos de
aquisição da nacionalidade portuguesa pela recorrente.
Estão preenchidos os requisitos do casamento da recorrente com um cidadão português há mais
de três anos e de manifestação da vontade daquela, durante a constância do matrimónio, no
sentido de adquirir a nacionalidade portuguesa.
Ademais, não estão provadas a prática pela recorrente de crime nem o exercício de funções
públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.
Resta, pois, verificar se os factos provados revelam ou não a ligação efectiva da recorrente à
comunidade nacional portuguesa.

Conforme resulta do acima exposto, a circunstância de a recorrente atender os clientes no


estabelecimento, cumprir as suas obrigações fiscais e ser utente do Serviço Nacional de Saúde,
por se tratar de elementos de natureza económica e profissional, não permite a conclusão da sua
ligação efectiva à comunidade nacional.
Acresce, embora só por si, conforme já se referiu, não fosse o bastante para excluir o conceito de
ligação efectiva da recorrente à comunidade nacional, que ela experimenta dificuldade de leitura
e de compreensão da língua portuguesa.
Ademais, os elementos objectivos da sua permeabilidade ao costume ocidental relativo ao
vestuário que usa, da sua permissão à filha da sua educação na escola portuguesa e da sua a
visita de algumas regiões do nosso País também não revelam a aludida integração comunitária.
A mesma irrelevância ocorre, para o mencionado efeito, com o elemento subjectivo de a
recorrente gostar de Portugal, das suas gentes e do modo de vida delas.
Oriunda de uma sociedade culturalmente diversa da sociedade portuguesa, não revela em relação
a ela aproximação voluntária tal que permita, em termos de razoabilidade, a conclusão da sua
identificação social e cultural com ela.

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Na realidade, os factos provados não revelam, em termos de razoável aproximação, a


comunhão da recorrente com os costumes, a tradição e a cultura que caracterizam a
comunidade nacional portuguesa. Em consequência, tal como foi considerado pela Relação, a
conclusão não pode deixar de ser no sentido de que a recorrente não cumpriu o ónus de
alegação e de prova dos factos reveladores de que está efectivamente integrada na comunidade
nacional portuguesa.

Por outro lado, ao invés do que a recorrente afirmou, tendo em conta o conteúdo dos artigos 26º,
nº 1 e 67º, nº 1, da Constituição, a interpretação que a Relação fez das supracitadas normas
ordinárias da lei da nacionalidade não infringiu o disposto naqueles artigos da lei fundamental ou
algum princípio nela consignado.

5.
Finalmente, sintetizemos a solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.
A lei não permite que os documentos mencionados sob 1 relevem no caso vertente, a sua junção
com as alegações de recurso é ilegal, impõese o seu desentranhamento.
Os factos provados não revelam todos os pressupostos positivos e negativos de aquisição da
nacionalidade portuguesa pela recorrente. Ao decidir nesse sentido, o acórdão recorrido não
infringiu qualquer das normas indicadas pela recorrente.

Improcede, por isso, o recurso de apelação.


A isenção objectiva de custas que constava do artigo 27º da Lei da Nacionalidade Portuguesa foi
revogada pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 118/85, de 19 de Abril.
Vencida no recurso, é recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º,
n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Como se ignora a situação económica da recorrente, e
tendo em conta a estrutura finalística da acção, julga-se adequado fixar à causa o valor para
efeito de custas equivalente ao do respectivo valor processual (artigos 312º do Código de
Processo Civil e 6º, nº 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais).

IV

Pelo exposto, determina-se o desentranhamento e a entrega à recorrente dos documentos


mencionados sob 1, condena-se aquela no pagamento das custas do incidente, com taxa de
justiça de oitenta e nove euros, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no
pagamento das custas respectivas, com base no valor de catorze mil novecentos e sessenta e três
euros de noventa e cinco cêntimos.

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