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18/12/2018 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
A ré afirmou, em contestação, no dia 2 de Agosto de 2004, ter uma filha portuguesa, nascida em
Portugal no dia 17 de Setembro de 2001, por ela educada de harmonia com os costumes
portugueses, trabalhar com o cônjuge, B, num bazar deste último, manter o conhecimento tão
actual quanto possível dos acontecimentos relacionados com o panorama nacional e ser
considerada e respeitada no bairro onde reside e no local onde exerce a sua actividade.
Foi produzida prova por declarações, diligência que terminou no dia 18 de Novembro de 2004, e
a ré e o autor apresentaram alegações, a primeira no sentido de haver provado a sua ligação
efectiva à comunidade nacional, e o último no sentido contrário, e os vistos aos juízos
começaram no dia 15 de Dezembro de 2004.
A Relação, por acórdão proferido no dia 17 de Fevereiro de 2005, julgou a acção procedente,
com fundamento em a ré não haver demonstrado a sua efectiva ligação à comunidade nacional.
II
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4. Foi atribuída a B a nacionalidade portuguesa, à luz do artigo 1º, nº 1, alínea b), da Lei nº 37/81,
de 3 de Outubro, a qual foi objecto de registo civil no dia 2 de Março de 2000.
5. A ré veio para Portugal em 1998 e o casamento mencionado sob 3 foi objecto do assento nº 374-
A, lavrado na Conservatória dos Registos Centrais, Lisboa, no dia 23 de Julho de 2001.
9. A ré trabalha com B na exploração de uma loja do tipo loja dostrezentos, cumpre as suas
obrigações fiscais, é utente do Serviço Nacional de Saúde e visitou algumas regiões do País.
10. Não obstante atender os clientes na sua loja, tem dificuldade deleitura da língua portuguesa e na
sua compreensão.
11. É praticante do culto hindu, mas permeável a certos costumesocidentais, designadamente vestir-
se em conformidade com eles e permitir à filha a educação na escola portuguesa.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se ocorre ou não fundamento legal para a recusa da
aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da recorrente.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da
recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- devem ou não manter-se no processo os documentos que a recorrente apresentou com as
alegações no recurso de apelação? - síntese do núcleo de facto relevante no recurso;
- regime legal envolvente dos factos declarados provados pela Relação; - ocorrem ou não na
espécie os pressupostos positivos e negativos de aquisição da nacionalidade portuguesa pela
recorrente?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.
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1.
Comecemos pela análise da questão de saber se devem ou não manter- se no processo os
documentos que a recorrente apresentou com as alegações de recurso.
Trata-se, por um lado, de uma declaração emitida no dia 1 de Março de 2005 por uma agente do
Centro de Estudos e Formação de Informática da Base Informática, no sentido de que a
recorrente lá frequentava, desde 2 de Dezembro de 2004, um curso de português para
estrangeiros.
O recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça em análise segue os termos do recurso
de revista (artigo 26º, nº 2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa).
A lei expressa a lei que às alegações de recurso de revista podem juntar-se documentos
supervenientes, sem prejuízo do disposto no n.º 2 dos artigos 722º e 729º do Código de Processo
Civil (artigo 727º do Código de Processo Civil).
A mencionada ressalva tem a ver com a regra da proibição de o Supremo Tribunal de Justiça
sindicar o juízo da Relação sobre a apreciação das provas e a fixação dos factos materiais da
causa. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do erro na apreciação das
provas e da fixação dos factos materiais da causa quando houver ofensa de alguma disposição
expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe
determinado meio de prova, ou seja, em casos de prova vinculada. Acresce que a superveniência
dos documentos a que o artigo 727º do Código de Processo Civil se reporta é aferida em função
do momento em que se iniciarem os vistos aos juízes (artigo 706º, nº 2, do Código de Processo
Civil).
Nessa perspectiva, no recurso de revista propriamente dito, são supervenientes os documentos
formados ou conhecidos pelo apresentante depois do início do procedimento de vistos aos juízes
no recurso de apelação.
Todavia, porque estamos um primeiro grau de recurso, impõe-se, em termos de adaptação, que o
referencial da mencionada superveniência seja o momento do encerramento da discussão (artigo
524º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Nesta perspectiva, o primeiro dos referidos documentos é superveniente, o segundo não o é, e
ignora-se sobre se o terceiro o é ou não.
Mas a questão da superveniência não assume aqui qualquer relevo, porque os mencionados
documentos, conforme acima se referiu, não podem funcionar com vista à prova de algum facto
articulado pela recorrente.
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2.
Atentemos agora na síntese do núcleo de facto relevante no recurso de apelação interposto pela
recorrente.
B casou com a ré há cerca de dez anos, em Diu, República da Índia. Entretanto, há cerca de dez
anos, ele adquiriu a nacionalidade portuguesa por virtude de ter nascido no estrangeiro de
pai português ou de mãe portuguesa e haver declarado expressamente ou por via de inscrição do
seu nascimento no registo civil português (alínea b) do artigo 1º da Lei da Nacionalidade
Portuguesa).
Há cerca de sete anos, veio a ré para Portugal e, há cerca de quatro anos, ocorreu o registo em
Portugal do seu casamento, ou seja, um ano depois de haver sido operado o registo da aquisição
da nacionalidade portuguesa por parte do seu cônjuge a que acima se fez referência. Quando a ré
vivia em Portugal há cerca de três anos, isto é, há cerca de quatro anos, nasceu G, portuguesa,
filha dela e de B.
Cerca de cinco anos depois de viver em Portugal, ou seja, há cerca de dois anos, a ré declarou
pretender adquirir a nacionalidade portuguesa. Trabalha com o cônjuge na exploração de uma
loja do tipo loja dos trezentos, cumpre as suas obrigações fiscais e é utente do Serviço
Nacional de Saúde.
Não obstante atender os clientes na referida loja, tem dificuldade de leitura e de compreensão da
língua portuguesa.
É permeável a certos costumes ocidentais, designadamente vestindo-se em conformidade com
eles e permitindo à filha a educação na escola portuguesa.
Pratica o culto hindu, visitou algumas regiões do nosso País e afirmou não pretender deixá-lo,
por dele gostar, tal como das suas gentes e modo de vida.
3.
Vejamos agora o regime legal aplicável aos factos declarados provados pela Relação.
A todos é reconhecido o direito à cidadania, e a família, como elemento fundamental da
sociedade, tem direito à protecção do Estado e da sociedade e à efectivação de todas as
condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (artigos 26º, nº 1 e 27º, nº 1, da
Constituição).
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No que concerne à lei ordinária, esta expressa, além do mais, que o cidadão estrangeiro casado há
mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante
declaração feita na constância do matrimónio (artigo 3º, n.º 1, da Lei 37/81, de 3 de Outubro,
alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto, e 11º, n.º 1, do Regulamento da Nacionalidade
Portuguesa).
Com efeito, a lei prescreve, por um lado, que a aquisição da nacionalidade pelo estrangeiro
casado há mais de três anos com um nacional português que manifeste a vontade nesse sentido
depende da não verificação de algum dos fundamentos de oposição a essa aquisição,
designadamente a não comprovação pelo interessado de ligação efectiva à comunidade nacional,
a prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos segundo a lei
portuguesa, e o exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a
Estado estrangeiro (artigo 9º, alíneas a) a c), da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro).
Visa evitar que por via do casamento com cidadão português assumam o estatuto de membro na
nossa comunidade de pessoas que pouco ou nada tenham de comum com ela.
Não define a lei o que deve entender-se por ligação efectiva à comunidade nacional. Mas ela tem
a ver com a identificação, por parte do interessado, com a comunidade nacional, como realidade
complexa em que se incluem factores objectivos de coesão social.
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Não é despiciendo para o efeito, além do mais, como meros índices da ligação efectiva à
comunidade portuguesa, a fixação com carácter de permanência em Portugal do próprio e dos
seus familiares, o trabalho em Portugal, a aprendizagem e a prática da língua portuguesa, as
relações sociais, humanas, de integração cultural, de participação na vida comunitária
portuguesa, designadamente em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de
apoio, bem como a nacionalidade portuguesa dos filhos.
Tendo em conta a fácil mobilidade das pessoas entre países e continentes, a integração de
Estados em comunidades várias, num quadro de globalização, o aspecto linguístico não pode ser
considerado essencialmente relevante no âmbito da ligação efectiva à comunidade nacional,
devendo ponderar-se o facto de o candidato à nacionalidade portuguesa ser um estrangeiro, em
regra oriundo de comunidade cultural e socialmente diversa da portuguesa.
Para a avaliação do pressuposto ligação efectiva à comunidade nacional releva a voluntária
aproximação do interessado à comunidade nacional portuguesa, em termos de se poder concluir
sobre a sua identificação cultural e social com ela.
4.
Atentemos agora sobre se ocorrem ou não, na espécie, os pressupostos positivos e negativos de
aquisição da nacionalidade portuguesa pela recorrente.
Estão preenchidos os requisitos do casamento da recorrente com um cidadão português há mais
de três anos e de manifestação da vontade daquela, durante a constância do matrimónio, no
sentido de adquirir a nacionalidade portuguesa.
Ademais, não estão provadas a prática pela recorrente de crime nem o exercício de funções
públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.
Resta, pois, verificar se os factos provados revelam ou não a ligação efectiva da recorrente à
comunidade nacional portuguesa.
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Por outro lado, ao invés do que a recorrente afirmou, tendo em conta o conteúdo dos artigos 26º,
nº 1 e 67º, nº 1, da Constituição, a interpretação que a Relação fez das supracitadas normas
ordinárias da lei da nacionalidade não infringiu o disposto naqueles artigos da lei fundamental ou
algum princípio nela consignado.
5.
Finalmente, sintetizemos a solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.
A lei não permite que os documentos mencionados sob 1 relevem no caso vertente, a sua junção
com as alegações de recurso é ilegal, impõese o seu desentranhamento.
Os factos provados não revelam todos os pressupostos positivos e negativos de aquisição da
nacionalidade portuguesa pela recorrente. Ao decidir nesse sentido, o acórdão recorrido não
infringiu qualquer das normas indicadas pela recorrente.
IV
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