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Processo: 09122022 Processo Urgente Pré Data 09/12/2022

Contratual

Os Juízes Dr. Ana Catharina Souza, Dra. Ana Rita Brito, Dra. Beatriz Pereira
Teixeira, Dr. Duarte Martinho e Dra. Sophia Novoa, do Tribunal Administrativo de Círculo
de Cadeirinha;
Fazem saber que por

SENTENÇA

Nos presentes autos do processo administrativo especial, LUÍS ENGANADO, maior,


casado, empresário de construção civil, portador do Cartão Cidadão n.º 665483976 7 YXY,
válido até 15/09/2027, portador do número de identificação fiscal n.º 975236785, residente na
Rua Vieira de Andrade, nº62, 7654-021, Cadeirinha, acusou:
MIGUEL AVE-LIRA, maior, casado, Presidente da Câmara Municipal de Cadeirinha,
portador do Cartão Cidadão n.º 54287654 0 XYZ, residente no Bairro da Corrupção, n.º 3, 5º
esquerdo, 7654-983, Caldeirinha.
E
MUNICÍPIO DE CADEIRINHA, portador do NICP 566444675, com sede na Rua Pereira
da Silva, n.º 7, 7654-665, Caldeirinha.

Imputando-lhes a prática de celebração de um contrato-promessa para fins não


habitacionais referente à construção do Centro de Exposições Transfronteiriço de Cadeirinha
(CETC), em que padece de ilegalidades, nomeadamente, a violação do princípio da
proporcionalidade, da impossibilidade de realizar a prestação, do preterimento do
procedimento de concurso para empreitada de obras públicas e, consequentemente, os danos
na esfera de LUÍS ENGANADO pela conduta adotada pelos demandados.

1
Os arguidos apresentaram contestação e arrolaram testemunhas. Procedeu-se a
julgamento com a observância das formalidades legais.
Assim, compete ao presente Tribunal decidir as questões de mérito referentes à
validade do contrato-promessa de arrendamento para fins não habitacionais e a eventual
responsabilidade administrativa.

1. FUNDAMENTAÇÃO
1.1. Factos
Discutida a causa e produzida a prova, com relevância da decisão, resultam provados os
seguintes factos:
1.1.1. A celebração do contrato-promessa de arrendamento para fins não
habitacionais apresentado pelo Réu com o título “Minuta de Contrato
Promessa de Arrendamento para Fins Não Habitacionais” celebrado no
dia 10 de outubro de 2022. A apresentação deste documento é
essencial em termos de prova, nos termos do art. 364.º/1 do CC, e faz
prova plena, tendo em conta o consagrado no art. 376.º/1 do CC. É
importante, ainda, referir que este documento é considerado válido e
cumpre as formalidades previstas no art. 410.º/2 do CC.
1.1.2. A aprovação em sede de Assembleia Municipal para a celebração da
“Minuta de Contrato de Promessa de Arrendamento para Fins não
Habitacionais do Futuro Centro de Exposições de Cadeirinha”,
presente no Anexo III apresentado pelo demandado na Contestação,
em que realiza prova plena, nos termos do art. 369.º/1 e do art. 371.º/1
do Código Civil.
1.1.3. O pagamento no valor de 300 mil euros realizado pela Câmara
Municipal de Cadeirinha à sociedade Empreendimentos Verdes ou da
Cor que Quiser, apresentado pelo Autor no anexo IV, e confessado pelo
Réu no art. 15.º da Contestação, assim provados por confissão judicial

2
do Réu, no art. 30.º da Contestação, nos termos dos arts. 352.º, 356.º e
358.º/1 do Código Civil, assim realizando prova plena;
1.1.4. A intenção subjacente entre a Câmara Municipal de Cadeirinha e
sociedade Empreendimentos Verdes ou da Cor que Quiser de
celebrarem um contrato de empreitada, por confissão judicial do Réu,
nos arts. 16.º, 22.º e 30.º da Contestação. Que à luz dos arts. 352.º,
356.º e 358.º/1 do Código Civil realizam prova plena.
1.1.5. O pagamento dos 300.000,00 euros correspondente a um adiantamento
relativo ao valor da obra, por confissão judicial do Réu, no art. 15.º da
Contestação, sendo aceite a prova por confissão, nos termos do arts.
352.º, 356.º e 358.º/1 do Código Civil, assim realizando prova plena.
1.1.6. O documento apresentado no anexo VII da Contestação, onde é
comprovado o valor total da obra, correspondente a um montante de
7.977.461,28 euros. Sendo este documento apresentado como prova
pericial, nos termos do art. 388.º do Código Civil, apreciado livremente
pelo Tribunal à luz do art. 389.º do Código Civil.
1.1.7. O prazo de entrega da obra até 2025, por confissão judicial, no art. 21.º
da Contestação, sendo aceite a prova por confissão, nos termos dos
arts. 352.º, 356.º e 358.º/1 do Código Civil, assim realizando prova
plena.
1.1.8. O agendamento da Reunião entre Ricardo Unicórnio e Miguel
Ave-Lira para o dia 10 de outubro, tal como demonstrado no anexo VI
apresentado pela Petição Inicial. A troca de correspondência por via
eletrónica é considerada um documento eletrónico com força
probatória, nos termos do art. 3.º/1 e 10 do Decreto-Lei n.º 12/2021, de
09 de fevereiro, e não contendo assinatura digital certificada por
entidade credenciada serão apreciados nos termos gerais de Direito,
isto é, de acordo com as regras gerais da prova documental, plasmadas
no Código Civil. Assim, por não conter assinatura eletrónica é
livremente apreciado pelo julgador, no qual o presente Tribunal

3
considera como provado. Mais, este facto é ainda corroborado pelo
depoimento de parte feito por MIGUEL AVE-LIRA - sendo este
depoimento livremente apreciado pelo Tribunal nos termos do art.
358.º/4 do Código Civil - e pela prova testemunhal, feita aquando do
Julgamento, por ISABEL CERTEZAS e RICARDO UNICÓRNIO -
livremente apreciada pelo Tribunal à luz do art. 396.º do Código Civil.
1.1.9. O Certificado permanente que habilita a Empreendimentos Verdes e da
Cor que Quiser para a construção de obras, presente no anexo VI da
Contestação, realizando prova plena, nos termos do arts. 362.º, 369.º/1
e 371.º/1 do Código Civil.
1.1.10. A data de conhecimento pelo Autor (primeira semana de novembro de
2022) da celebração do contrato-promessa de arrendamento para fins
não habitacionais, livremente apreciada pelo Tribunal à luz do art.
466.º/3 do Código de Processo Civil, ex vi do art. 1.º do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos.

Aos factos não provados:


1.1.11. O contrato-promessa de arrendamento previsto no anexo V do Autor,
devido à falta de assinatura dos outorgantes, sendo esta necessária para
realizar prova plena de documento particular, nos termos dos arts.
366.º e 376.º/1 do Código Civil;
1.1.12. A impossibilidade física devido a impugnação efetuada pelos Réus e a
ausência de provas por parte do Autor que comprovem tal facto, nos
termos do art. 342.º/1 do Código Civil.
1.1.13. O dano patrimonial alegado pela Petição Inicial (arts. 141.º e ss.), uma
vez que não foi apresentada qualquer tipo de prova, nos termos do art.
342.º/1 do Código Civil.

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Motivação
O Tribunal fundou a convicção com base na análise crítica e conjugada com as
provas documentais juntas aos autos, entrecruzadas entre si e com as provas produzidas em
audiência, procurando-se os seus pontos de convergência e/ou dissonância.
Cabe ao Tribunal, desde já, reconhecer a importância deste processo. O Tribunal
considera existir um interesse público comprovado e justificado. É de interesse para qualquer
região do nosso país, que tanto depende do turismo e da cultura, a construção de um Centro
de Exposições como o que está agora em análise. Tendo em conta o anexo VII apresentado
pela Contestação, é possível verificar que outros municípios já possuem uma estrutura
semelhante que tem como fim servir os mesmos propósitos culturais. Uma construção com
esta envergadura compõe um enorme impulso na região do Alto Minho.
Já que o Município tem investido de forma superior até à média nacional naquilo que
diz respeito ao desporto e cultura e que não consegue de forma proporcional potenciar a
participação dos próprios municípios neste âmbito, é reconhecida a necessidade de existência
de um Centro deste tipo, que permitirá atrair, no âmbito cultural, cidadãos nacionais e
cidadãos estrangeiros, e fora das épocas altas.
Por fim, o Tribunal considera que o benefício que a população pode ter é superior aos
custos - tendo também em conta ainda que o Município já tem em vista formas de cobrir os
custos da obra - e entende que, à luz do art. 9.º/al. d) da CRP, desta forma há uma melhor
concretização no que diz respeito ao bem-estar e à qualidade de vida dos cidadãos.
Não obstante o dito supra, cabe agora a este Tribunal analisar a matéria de facto e de
direito e definir qual seria o melhor procedimento para a prossecução deste interesse público
relevante.

1.2. Direito
1.3. Questões Processuais
1.3.1. Forma do Processo
O autor adotou no art. 16.º da Petição Inicial a forma de ação administrativa comum.
Todavia, a forma de processo mais adequada é a ação administrativa urgente, na modalidade

5
de contencioso pré-contratual urgente, nos termos do arts. 97.º/1 al. c), 100.º, 101.º e 102.º do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA).
O contencioso pré-contratual urgente é “a ação que deve ser utilizada, desde logo,
quando esteja em causa a ilegalidade de quaisquer decisões administrativas relativas à
formação dos referidos contratos - desde que se trate da violação de normas que possam pôr
em causa a validade do acto de adjudicação”1. Por este sentido, coloca-se em causa a
validade do ato realizado pela Câmara Municipal de Cadeirinha em adjudicar a sociedade
Empreendimentos Verdes ou da Cor que Quiser na construção do Centro de Exposições
Transfronteiriço de Cadeirinha (CETC), o que significa que a forma de processo adequada é a
ação administrativa urgente.
O erro na forma do processo é decorrente do uso de um meio processual inadequado
à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido, de acordo com o
Tribunal Administrativo Norte no acórdão do dia 13 de maio de 2021 no processo n.º
01424/11.3BEBRG. Dessa forma, constitui uma nulidade de conhecimento oficioso,
decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada
em juízo, que impõe a convolação do processo para a forma adequada consoante o art. 193º
do CPC, conforme o acórdão proferido pelo Tribunal Central Norte no dia 15 de setembro de
2017 no processo n.º 00154/12.3BEMDL.
Assim, o presente tribunal, à luz dos poderes de gestão processual, deve convolar a
acção comum intentada para a sua impugnação em ação administrativa especial. Para isso, é
necessário que, em primeiro lugar, esteja respeitada a tempestividade do contencioso
pré-contratual. Segundo o art. 101.º do CPTA, a ação para este tipo de processo deve ser
intentada no prazo de um mês por qualquer pessoa que tenha legitimidade nos termos gerais,
sendo que, neste caso, a contagem do prazo se inicia a partir da data de conhecimento do ato
por parte do autor (art. 59.º/3/b) do CPTA). É tido como provado, supra no ponto 1.1.10, que
o autor teve conhecimento da celebração do contrato na primeira semana de novembro, tendo
sido, portanto, respeitado o prazo de um mês, uma vez que a ação foi intentada no dia 25 de
novembro.

1
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa: Lições, Almedina, 2021, p. 252.

6
Além disso, para que seja possível a convolação, ainda é preciso que os fundamentos
invocados correspondam à forma processual adequada, ou seja, a petição inicial apresentada
deve ser idónea para este efeito. Assim, tendo em conta que os pedidos tiveram como
fundamento a necessidade de ser instaurado um concurso público para a formação de um
contrato de empreitada de obras públicas e que o Município de Cadeirinha violou as regras de
contratação pública, como abaixo será mais desenvolvido, pode-se dizer que o âmbito
objetivo do contencioso pré-contratual se encontra preenchido. Dessa forma, procede-se a
convolação da forma do processo.

1.3.2. Da Legitimidade

A legitimidade ativa no contencioso pré-contratual deve ser aferida conforme os arts.


55.º e 68.º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos, respectivamente, no
que toca à ação de impugnação de actos administrativos e a ação de condenação à prática de
ato devido.

Neste viés, tanto o art. 55.º/1/a) apresenta enquanto pressuposto para a legitimidade
processual ativa que o autor seja titular de um interesse direto e pessoal, sendo que tal é
aferido em função da necessidade de tutela judicial e da adequação do meio processual
utilizado pelo Autor. Com a expressão “directo” pretende-se determinar se o autor está
verdadeiramente numa situação de lesão de seus direitos, ou seja, é necessário que exista um
interesse atual e efetivo. Por sua vez, a expressão “pessoal” está relacionada com o facto do
autor reclamar para si próprio a utilidade que se pretende obter com a ação2.

No caso em concreto, há um interesse directo e pessoal uma vez que, como


desenvolvido abaixo, está a ser violado o direito de concorrência em concurso público do
autor. Assim, a declaração de nulidade do ato de adjudicação atribuído do Município de
Cadeirinha a sociedade Empreendimentos Verdes ou da Cor que Quiser apresenta uma
utilidade pessoal ao autor3, na medida em que tal ato decorreu da preterição do procedimento

2
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almeida, 2020, pp. 232 e 233.
3
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almeida, 2020, p. 234.

7
de contratação pública. De forma a apresentar consequências desfavoráveis na esfera do
autor, pelo facto de ter violado o interesse legalmente protegido de ser candidato ao concurso
público devido, e assim de ter sido avaliada a sua proposta, de acordo com o entendimento
proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no dia 26 de setembro de 2013 no
processo n.º 10300/13.

Ainda, apresenta legitimidade para condenar o Município de Cadeirinha à prática de


abertura do concurso público, nos termos do art. 68.º/1/a) do CPTA, na medida em que tem
um interesse legalmente protegido em ser candidato à construção do CETC, de forma a que
se encontra violado o direito à concorrência.

1.4. Do contrato

Através do n.º 3 do art. 95.º do CPTA é possível verificar que “Nos processos
impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que
tenham sido invocadas contra o ato impugnado (...)”.
Ao fundamento da declaração de nulidade por impossibilidade física, esta ocorre, de
acordo com o Sr. Professor Antunes Varela quando “a prestação de acto irrealizável (por
exceder a capacidade do homem, contrariar a força inelutável da natureza, etc), bem como a
prestação da coisa que não exista, nem possa vir a existir nos termos da obrigação”4. O
demandante alega a impossibilidade física devido à ausência do terreno para construção (art.
124.º da Petição Inicial), de forma a impossibilitar a prestação do contrato-promessa de
arrendamento para fins não habitacionais. Todavia, o contrato-promessa é um contrato que,
ambos ou apenas um dos contraentes, assumem o compromisso de emitir declarações
negociais correspondentes a um outro contrato, o contrato prometido5. Assim, a ausência do
terreno ou prédio não acarreta a impossibilidade física no contrato-promessa de arrendamento
para fins não habitacionais e nem a falta do início da execução da obra.

4
VARELA, Antunes, Das obrigações em geral, Vol I, Almedina, 1994, p. 817.
5
AFONSO, Ana, Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, p.
79.

8
No mesmo sentido, consoante o apresentado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 21 de fevereiro de 2019, número do processo 7590/15.1T8L.SB.L1.S1, nada obsta
que o promitente-arrendatário se vincule a arrendar coisa que não tem legitimidade ou
capacidade para alienar, “uma vez que sempre pode adquirir, entretanto, essa capacidade ou
legitimidade, pode adquirir a propriedade ou o consentimento do proprietário desta, de
modo a poder cumprir a promessa; todavia, se não o conseguir, torna-se responsável pelo
incumprimento de um compromisso validamente assumido. Assim, o contrato-promessa não é
nulo por impossibilidade física ou legal do objeto (art. 280.º, n.º 1, do CC).”. Dessa forma, é
de concluir que o contrato-promessa dos autos não padece de nulidade por impossibilidade
física, não merecendo, por conseguinte, qualquer censura.
E mais, o Ordenamento Jurídico português permite a celebração de
contratos-promessa em que o objeto é um bem futuro, pelo que, no caso concreto, esta
situação se verifica. Analisando o caso concreto, a sociedade Empreendimentos Verdes ou da
Cor que Quiser que realizaria a obra, ficaria ainda responsável pela aquisição de um terreno
para a construção do edifício, logo estávamos perante um bem futuro, que poderia, ou não,
vir a ser adquirido pela sociedade em causa.
Assim, apenas é necessário que a sociedade Empreendimentos Verdes ou da Cor que
Quiser adquira posteriormente um terreno ou um prédio para implementar o CETC à data da
construção da obra, sob pena de incumprimento do contrato. A impossibilidade física apenas
ocorre quando não exista nenhum terreno ou prédio em Cadeirinha que permita a construção
do CETC na , sendo este um facto não provado no ponto 1.1.12.
Ao fundamento de impossibilidade legal, foi provado no ponto 1.1.9 a existência do
certificado que habilita a sociedade Empreendimentos Verdes ou da Cor que Quiser, assim
não há qualquer impossibilidade legal.
Porém, antes de mais, é necessário dizer que a celebração de contratos por parte da
Administração Pública com recurso ao direito privado deve obedecer ao princípio da
liberdade de escolha limitada, segundo o Sr. Professor José Carlos Vieira de Almeida. Não
havendo determinação legislativa expressa, a utilização do direito privado por um ente
público só é admissível, nos termos da lei, quando seja necessária ou conveniente à

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prossecução dos fins públicos, no contexto da especialidade das atribuições e com exclusão
do núcleo das funções de autoridade”6.
Assim, a celebração de um contrato-promessa de arrendamento para fins não
habitacionais para a construção do CETC não é necessária ou conveniente à prossecução de
fins públicos. Isto devido a ausência de fundamentos que justifiquem a preterição do
princípio da concorrência, da igualdade e da obrigatoriedade do concurso público (infra
desenvolvido) face aos benefícios da construção do CETC com este instrumento de
regulação. Dessa forma, não era admissível a utilização do direito privado para regular a
construção do CETC.
O demandante, no art. 95.º da Petição Inicial, invocou que o Contrato-Promessa de
Arrendamento para Fins não Habitacionais celebrado entre a Câmara Municipal de
Cadeirinha e a Empreendimentos Verdes ou da Cor que Quiser é um negócio simulado e que
subjcante a este está um contrato de empreitada de obras públicas (negócio dissimulado).
A simulação é regulada no art. 240º do Código Civil e apresenta os seguintes
pressupostos: I) o acordo entre o declarante e o declaratário; II) com o intuito de enganar
terceiros; III) existência de divergência entre a declaração negocial e a vontade real do
declarante.
O Sr. Professor Pedro Pais Vasconcelos define o pacto simulatório como o “acordo
que tem como conteúdo a estipulação entre as partes da criação de uma aparência negocial,
da exteriorização de um negócio falso, e a regulação do relacionamento entre o negócio
aparente assim exteriorizado e o negócio real”7.
O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães do dia 25/11/2021 com o número
processo 3589/19.7T8VCT-A.G1 indica um conjunto de indícios que permitem aferir a
existência de simulação, sendo eles “as condições pessoais e/ou patrimoniais dos envolvidos,
as relações mantidas entre si, os factos que precedem a declaração do negócio, as
circunstâncias em que foi declarado, o seu próprio conteúdo (aqui merecendo especial
atenção os valores declarados e a forma de pagamento acordada e/ou efetivo pagamento), as

6
ALMEIDA, José Carlos Vieira de, Lições de Direito Administrativo, Coimbra Jurídica, 2017, p. 87.
7
VASCONCELOS, Pedro Pais de, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 2012, p. 584.

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circunstâncias ocorridas posteriormente à sua declaração mas com ele relacionadas e os
movimentos bancários registados entre as contas bancárias tituladas pelos envolvidos”.
Assim, o presente tribunal considera provado a existência deste pacto, na medida em
que as partes celebraram um suposto contrato-promessa de arrendamento para fins não
habitacionais (Ponto 1.1.1); decorre ainda uma divergência entre a declaração negocial e a
vontade real dos declarantes, visto que é provado por confissão dos Réus que subjacente ao
negócio era um contrato de empreitada (Ponto 1.1.4); e há o intuito de enganar terceiros, que
pode ser aferido conforme indícios socialmente típicos para descortinar a intenção das partes.
Os factos que comprovam a simulação decorrem da confissão do réu, como aferidos
acima, e não dos depoimentos das testemunhas efetuados em sede de audiência final, isto
devido a proibição prevista no art.394º/1 e 2 do Código Civil.
Aos indícios socialmente típicos, é expectável e exigido que o Município de
Cadeirinha, enquanto ente público, tenha conhecimentos do procedimento de contratação
pública, sendo que os mesmos admitiram que estava subjacente um contrato de empreitada
nos pontos 22 e 30 da contestação. Além disso, nos procedimentos de negociação do
contrato-promessa de arrendamento para fins não habitacionais teve contacto com Ricardo
Unicórnio, sendo este PhD na área pela Universidade Mula-Ruça e tem conhecimento que a
celebração do respectivo contrato permite fugir do controlo do Tribunal de Contas previsto no
art. 44.º e ss. da (Lei n.º 98/97).
Com isso, cabe ainda a este Tribunal fazer referência à pré-fiscalização por parte do
Tribunal de Contas. À luz do art. 46.º/1 al. b) LOPTC o Tribunal de Contas deve proceder a
uma fiscalização prévia já que se trata de uma obra pública, todavia à luz do art. 48.º/1
LOPTC esta fiscalização pode não ocorrer, uma vez que, o valor de 300.000,00 euros apenas
corresponde a um adiantamento relativo ao valor total da obra (7.977.461,28 euros), sendo
este valor total da obra tido como provado de acordo com a Tabela 1 da página 1, apresentada
como anexo VII da Contestação. Portanto, isto permite afirmar que a escolha desta
modalidade de contratação foi intencional. Assim, permite aferir por indícios um intuito das
partes de enganar terceiros e, consequentemente, confirmar a existência de simulação.
Assim, o negócio dissimulado é uma empreitada de obras públicas, e esta é definida
no art. 343.º/1 do CCP enquanto “o contrato oneroso que tenha por objecto quer a execução

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quer, conjuntamente, a concepção e a execução de uma obra pública que se enquadre nas
subcategorias previstas no regime de ingresso e permanência na actividade de construção”.
Desta definição resulta que, para estarmos perante uma empreitada de obras públicas,
é necessária a verificação de dois pressupostos cumulativos. O primeiro deles corresponde à
exigência de pelo menos um dos outorgantes ser um “contraente público”. Nesse sentido, os
art. 2º e 3º do CCP, elencam um conjunto de entidades que podem ser consideradas como
contraentes públicos, estando as autarquias locais previstas na al. c) do n.º1 do art. 2.º, dentre
as quais o Município de Cadeirinha se enquadra. O segundo requisito prende-se com a
necessidade de estar em causa uma obra pública, a qual, segundo o art. 343.º/2, é definida
como “o resultado de quaisquer trabalhos de construção, reconstrução, ampliação,
alteração ou adaptação, conservação, restauro, reparação, reabilitação, beneficiação e
demolição de bens imóveis executados por conta de um contraente público”. Uma vez que o
CETC será construído por conta do Município de Cadeira e visa prosseguir um interesse
público, este pode ser considerado como uma obra pública.
O contrato de empreitada de obras públicas possui duas fases: uma fase de formação e
uma fase de execução contratual. A primeira refere-se ao procedimento de adjudicação, no
qual se encontram os procedimentos pré-contratuais a adotar. A escolha de tais
procedimentos deve ter em consideração as normas de contratação pública (art. 16.º e ss. do
CCP) e as regras de concorrência de mercado.
Nesse sentido, o art. 19º do CCP (Código dos Contratos Públicos) define que os
procedimentos de contratação pública possíveis para as empreitadas de obra pública são: I)
Concurso Público com ou sem publicação no Jornal Oficial da União Europeia; II) Consulta
Prévia; ou III) Ajuste Direto.

A princípio, a escolha do procedimento deve ser determinada consoante o valor do


contrato (art. 18.º do CCP) ou o procedimento poderá ser escolhido através de critérios
materiais ou de outras regras, conforme os artigos 24.º a 33.º do CCP. Todavia, o recurso aos
critérios materiais é excecional e sua aplicação depende da verificação dos diferentes
requisitos legalmente previstos. Além disso, para utilizar estes critérios o órgão competente
para a decisão de contratar deve fundamentar de forma clara e objetiva que no caso em

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concreto se reúnem todos os pressupostos necessários, sendo que em caso de dúvida quanto à
verificação destes deve ser utilizado o critério do valor.

Na situação em concreto, foi utilizado o procedimento do ajuste direto, segundo o


qual a entidade adjudicante convida diretamente uma entidade à sua escolha a apresentar
proposta (art. 112.º/2 do CCP). Entretanto, a escolha do procedimento não é válida, consoante
o art. 19.º/d) do CCP, só é possível recorrer ao ajuste direto se o contrato tiver um valor
inferior a 30.000,00 euros. Como o valor da obra corresponde a um montante de quase 8
milhões de euros, a utilização do método do ajuste direto é proibida.

Cabe, portanto, verificar se os pressupostos da aplicação dos critérios materiais estão


preenchidos. Neste caso, importa mencionar em especial o critério material que está previsto
no art. 24.º/1, al. c), segundo o qual o ajuste direto pode ser adotado nos casos de urgência
imperiosa. Em primeiro lugar, para que este critério se aplique, é necessário que esteja em
causa algo que não pode deixar de ser feito com celeridade, caso contrário serão provocados
prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação. Depois, também é necessário que tenham
ocorrido acontecimentos imprevisíveis, que constituem uma surpresa e que não podiam ter
sido antecipados. Por fim, tais circunstâncias imprevisíveis não podem ser atribuídas à falta
de diligência da entidade adjudicante. Assim, este critério deve se confinar na medida do
necessário.

Com base nos requisitos exigidos pelo artigo, pode afirmar-se que tal critério material
não pode ser invocado. Desde logo, a construção de um Centro Cultural Multiusos não possui
um caráter de urgência imperiosa, por mais que sirva para fomentar o turismo ou criar postos
de emprego. Isto porque não há indícios que uma falta de celeridade e utilização dos meios
procedimentais normais vá impedir a construção do Centro Cultural Multiusos em momento
posterior ou que serão causados danos irreparáveis ao Município de Cadeirinha.
Relativamente aos outros critérios materiais previstos nos artigos 24.º e 25.º do CCP, os
pressupostos destes também não se encontram preenchidos. Portanto, conclui-se pela
proibição de utilização do procedimento de ajuste direto neste caso em concreto e a

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consequente nulidade do contrato de empreitada de obras públicas por força do princípio da
liberdade de escolha limitada e do art. 161.º/2/g) do Código de Procedimento Administrativo.

Dessa forma, tendo-se em consideração que não é possível utilizar outros


procedimentos para a realização da empreitada devido ao valor do contrato (art. 19.º do
CCP), considera-se que, neste caso, o concurso público era obrigatório. Este é o
procedimento pelo qual todas as entidades interessadas e que venham a poder satisfazer as
condições de habilitação podem candidatar-se a concorrer, apresentando as suas propostas na
sequência de anúncio público. O concurso público tem uma grande importância, pois ele é o
procedimento que melhor assegura a prossecução de dois princípios fundamentais do Código
dos Contratos Públicos: o princípio da concorrência e o princípio da igualdade.

O princípio da concorrência é um “princípio-tronco da contratação pública”,


funcionando como balizador da atuação da Administração nas relações com os particulares.
Trata-se de um critério normativo efetivo, que obriga as entidades adjudicantes a adotar
procedimentos de adjudicação acessíveis a todos os operadores económicos interessados na
oferta pública. Nesse sentido, o princípio da concorrência está intimamente relacionado à
igualdade de acesso, de condições de participação e de tratamento dos concorrentes, de
maneira a demonstrar não só respeito pelo mercado como também proteção do interesse
público financeiro.

O princípio da igualdade, por sua vez, determina que os concorrentes devem receber
igualdade de tratamento na apresentação, na comparação das propostas e na avaliação, sendo
submetidos às mesmas regras e condições. Dessa forma, prestigia-se a transparência da
concorrência pública e a não-discriminação.

Coloca-se agora a questão de verificar se neste caso poderia ser aplicada a figura do
concurso público urgente, previsto nos art. 155.º e ss. do CCP. Para que exista a urgência
prevista nestes artigos é necessário que estejam em causa bens e serviços de uso corrente, ou
seja, que sejam essenciais e estejam sempre a ser utilizados, o que justificaria a pressa na sua
aquisição. Além disso, ainda é preciso que tais bens ou serviços se encontrem em uma
situação atual ou iminente de carência.

14
É verdade que a construção de um Centro Cultural pode ajudar a fomentar o turismo,
dinamizar a economia e promover mais postos de trabalho, porém, o aproveitamento de um
Centro Cultural não se configura como algo fundamental e de utilização corrente que possa
justificar o recurso à figura do concurso público urgente. Ademais, no ponto 21 da
contestação, foi admitido pelo próprio Réu que a obra só estava prevista para ser finalizada
em 2025, tendo o contrato sido assinado em 2022, é de concluir que caráter de urgência não
se encontra verificado no caso concreto.

Cabe ainda analisar a violação do princípio da proporcionalidade que foi invocado


pelo Autor. Este princípio encontra-se consagrado no art. 7.º CPA e tem ainda previsão
constitucional no n.º 2 do art. 266.º CRP. Se trata de um princípio fundamental do Estado de
Direito, que permite que exista uma limitação ao poder público, de forma a salvaguardar
sempre a máxima realização do interesse público. Ou, nas palavras do Sr. Professor Rebelo
de Sousa e do Sr. Dr. André Salgado de Matos8, este princípio corresponde ao “mais apurado
parâmetro de controlo da atuação administrativa ao abrigo da margem livre decisão”.
Aludindo à posição do Sr. Professor Freitas do Amaral9, o princípio da proporcionalidade
abrange três pressupostos essenciais: a adequação, a necessidade e o equilíbrio.

A adequação significa que as medidas tomadas têm de ser ajustadas ao fim que se
pretende atingir. A necessidade implica que seja tido como medida a menor lesão dos direitos
e interesses dos particulares. O equilíbrio, por sua vez, pressupõe que os benefícios esperados
através da aplicação de uma medida administrativa sejam adequados e necessários
relativamente aos possíveis custos a acarretar. Qualquer medida tomada pela Administração
que viole, pelo menos, um destes requisitos cumulativos, é tida como uma medida ilegal.
Assim, é possível nestes termos analisar se existiu ou não violação do princípio colocado em
causa pela Petição Inicial.

Tendo em conta o exposto, este Tribunal considera que existiu violação do princípio
da proporcionalidade, na medida em que o critério da adequação não se encontra preenchido,

8
SOUSA, M., MATOS, A., Direito Administrativo Geral - Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, Dom
Quixote, p. 207.
9
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina.

15
uma vez que, o Município não tomou a medida mais adequada para o fim a que se propôs,
pois, como foi indicado supra, a medida mais adequada à construção do Centro era a abertura
de um concurso público para averiguar qual o melhor candidato à construção em causa.
Estando um dos critérios não preenchidos, o Tribunal não tem de analisar os outros dois
critérios, podendo concluir que o princípio foi violado, mas atentando para os outros critérios,
é possível afirmar que a não realização de concurso público prejudica o interesse dos
particulares, na medida em que não é tida como a mais ajustada a escolha relativa ao
empreiteiro, feita por MIGUEL AVE-LIRA; analisando o último critério, o do equilíbrio,
também não se encontra verificado já que o custo-benefício não se encontra garantido sem a
realização de um concurso público.

Portanto, por força dos art. 66.º/1 e 95º/5 do CPTA e tendo em conta o exposto supra,
este Tribunal determina que o Município de Cadeirinha tem a obrigação de abrir a
modalidade de concurso público prevista no art. 130.º e ss. do Código dos Contratos
Públicos, assegurando assim, da melhor forma, o respeito pela concorrência e igualdade. O
concurso público deve ser publicado no Diário da República, conforme o art. 130.º/1 do CCP.
Como o valor do contrato é inferior ao limite de 5.225.000,00 euros estabelecido no art.
474.º/3 al. a) do CCP, não é obrigatória a publicação no Jornal Oficial da União Europeia
(art. 19.º/b) CCP).

1.5 Responsabilidade Civil Administrativa

LUÍS ENGANADO pede a condenação do réu, MIGUEL AVE-LIRA, no pagamento


de uma indemnização nos termos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e
demais entidades públicas, cfr. Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro. Este pedido
indemnizatório surge na sequência do prejuízo patrimonial (cfr. art. 156.º da Petição Inicial)
que o autor alega ter sofrido por não ter sido aberto o concurso público, exigível por lei, para
a construção de uma empreitada pública, destinado à construção do CETC.

No que diz respeito a se existe lugar a indemnização, estamos perante uma


divergência doutrinária. Grande parte da doutrina considera que só existe direito a uma

16
indemnização quando o ato é substituído e não renovado, uma vez que apenas considerando
essa hipótese fica provado que a ilegalidade cometida foi determinante para o sentido em que
a decisão foi tomada. O Sr. Professor Mário Aroso de Almeida considera10 que se: (1) o ato
for renovado (não é esta a situação do nosso caso), há que atender a que as normas relativas
aos procedimentos de contratação pública são ditadas (também) no interesse dos participantes
no procedimento11, sendo que ainda assim poderia haver indemnização; (2) se o ato em vez
de renovado fosse substituído, o particular teria direito a indemnização caso tivesse
sustentado a impugnação na ofensa a um direito subjetivo ou interesse legalmente protegido.
Ora, haverá sempre a violação de um interesse legalmente protegido quer na hipótese (1) quer
na (2), dado que (cfr. art. 147.º da Petição Inicial) LUÍS ENGANADO sente-se lesado
“porque este ato ilícito não lhe permitiu entrar na disputa pela feitura do CETC”.

No entanto, LUÍS ENGANADO sustentou a impugnação com base na preterição do


concurso público devido (cfr. art. 155.º da Petição Inicial), não pedindo uma indemnização
com base no dano (não patrimonial) que decorre da preterição do concurso público, mas antes
com base num dano patrimonial (cfr. art. 156.º da Petição Inicial). O autor sustenta os seus
danos, presumindo que ganharia o concurso público, se este tivesse sido aberto. Dessa forma,
o problema que releva neste caso concreto é a da não certeza de que, sendo aberto concurso
público, LUÍS ENGANADO veria a obra a ser-lhe atribuída, já que não há matéria de facto
que permita sustentar que seria o escolhido.

No documento da contestação, nomeadamente entre os arts. 70.º e 74.º, é revelado que


o fundamento para afastar a responsabilidade civil e o dever de indemnização por parte do
réu, MIGUEL AVE-LIRA, seria o facto deste pressuposto invocado pelo autor - o recurso ao
concurso público - não se encontrar preenchido, não sendo de cariz obrigatório. No entanto,
o que ficou provado neste Tribunal não vai de encontro às alegações da Contestação, como
supra referido, uma vez que, o Município da Cadeirinha, tem a obrigação de abrir a
modalidade de concurso público, ao abrigo do respeito pelos princípios

10
ALMEIDA, Mário Aroso, Teoria Geral do Direito Administrativo, Cf. p. 636.
11
ALMEIDA, Mário Aroso de, ob. cit. pp. 638 e 639, nota 875.

17
constitucionais-administrativos determinados e tendo em consideração a base legal também
supra referida.

Desta forma, o Tribunal não dá como provado os factos alegados pela Contestação,
mas também não considera que não existe matéria de facto que comprove a afirmação por
parte de LUÌS ENGANADO, ou seja, que aberto o concurso público, a obra ter-lhe-ia sido
atribuída, como é supra referido.

Todavia, a abertura de procedimento de concurso público constitui, de facto, um


interesse legalmente protegido, na medida em que as normas relativas aos procedimentos de
contratação pública são ditadas, inclusive, no interesse dos participantes no procedimento
(cfr. supra, ponto 1.5). Deste modo, seja o ato renovado ou não, poderá sempre haver uma
indemnização com base na violação de um interesse legalmente protegido que constitui, em
si mesma, um dano passível de ser ressarcido12: dano de natureza não patrimonial, cuja
quantificação deve ser feita à luz de um critério de equidade, independentemente de saber se
resultaram prejuízos para o interessado, tendo como base legal o art. 7.º/2, o art. 9.º/1, o art.
3.º/1, o art.10.º/2 previstos pela lei n.º 67/2007 e art. 100.º do CPTA. O dano autónomo
decorre, no fundo, da violação da lei por parte da Administração Pública que está,
evidentemente, vinculada ao princípio da legalidade e, concomitantemente, ao facto de que
isto viola um interesse legalmente protegido de qualquer potencial candidato ao concurso
público preterido.

No caso em concreto, só poderá considerar-se a existência de prejuízo caso LUÍS


ENGANADO faça prova de que ganharia o concurso no caso de a ilegalidade não ter sido
cometida. Porém, como não há provas neste sentido, não haverá prejuízo na medida em que o
ato praticado é considerado nulo e o concurso público será aberto, ou na medida em que não
ocorrendo esta reabertura, pudesse ao menos ser demonstrado que ainda que praticado o ato
sem a ilegalidade, a decisão teria sido tomada com o mesmo conteúdo (no entanto, isto só é
demonstrado, de acordo com o Professor Mário Aroso de Almeida, se o ato for renovado).
Logo, tendo em consideração que o Tribunal determinou supra a obrigatoriedade da abertura

12
Cfr. Mário Aroso de Almeida, ob.cit., p. 638.

18
do concurso público, consoante as regras do art. 19º e 130º e ss do CCP, restará efectivamente
a indemnização pelo dano autónomo oriundo da violação da norma de proteção (uma vez que
o autor tem um interesse legalmente protegido na celebração do concurso público).

No que diz respeito à responsabilidade por dano autónomo derivado da violação de


normas legais referidas no art. 19º do Código de Contratos Públicos, há ainda que atender ao
disposto na Lei n.º 67/2007 para aferir a verificação dos pressupostos da responsabilidade
civil extracontratual, quer do Município de Cadeirinha, quer do titular do órgão pois,
determinando-se que MIGUEL AVE-LIRA agiu com dolo (como requer o Autor no art. 151.º
da Petição Inicial, do qual se faz prova na medida em que o réu pretendia contornar a
fiscalização do Tribunal de Contas), ou com culpa grave (o que será certamente indiscutível
neste caso - cfr. art. 8.º/1 da Lei n.º 67/2007), existe responsabilidade solidária entre o titular
do órgão (MIGUEL AVE-LIRA) e o Município nos termos do art. 8.º/ 2, daquele mesmo
diploma legal. No entanto, é necessário determinar, ainda, os restantes pressupostos:

Primeiramente, segundo o art. 1.º/2 da Lei nº 67/2007: o Estado ou as demais pessoas


colectivas de direito público devem agir ao abrigo da função administrativa no exercício de
prerrogativas de autoridade pública, sendo que o nº 3 do mesmo artigo determina que os
titulares dos órgãos estão também abrangidos. Tal pressuposto encontra-se preenchido, uma
vez que o Presidente da Câmara, Miguel Ave-Lira, praticou um ato administrativo no
exercício das suas funções. Devemos ter ainda em consideração o artigo 3.º/2, no que diz
respeito à indemnização por dano autónomo, independentemente do ato ser eventualmente
substituído e o concurso público celebrado. O artigo 3.º/1 verificar-se-ia neste caso mas isso
não exclui a indemnização por dano autónomo. No que diz respeito ao artigo 8.º/2 (em
obediência ao princípio constitucional vertido no art. 22.º CRP, sobre a responsabilidade das
entidades públicas), este pressuposto se encontra preenchido nos termos supra expostos. No
entanto, nos termos do 8.º/3 e 6.º previstos pela Lei n.º 67/2007, há direito de regresso
obrigatório por parte da autarquia contra MIGUEL AVE-LIRA (pois este age com dolo -
10.º/1 da Lei n.º 67/2007); pelo que a autarquia serve apenas enquanto garante do pagamento
da indemnização ao particular. Referindo o pressuposto, previsto pelo artigo 9.º/1 da Lei n.º
67/2007, corresponde a faute para Mário Aroso de Almeida (culpa e ilicitude), tendo já sido

19
apurado que MIGUEL AVE-LIRA age com dolo, em concordância com as alegações do
autor.

No caso do dano autónomo, o facto ilícito é a violação da norma legal, prevista pelo
art.19º, a) e b), assim como o art.130º e ss do CPP, como supra referido. Esta norma legal tem
como objetivo a tutela de interesses legalmente protegidos, concretamente os interesses
legalmente protegidos de LUÍS ENGANADO, na participação do concurso público devido e
não realizado. É por demais evidente, perante este tipo concreto de dano, que há nexo de
causalidade (que advém precisamente da violação daquela norma legal e da não realização do
concurso).

Assim, LUÍS ENGANADO tem direito a ser indemnizado pelo dano autónomo
derivado de violação da norma legal que tutela o seu interesse legalmente protegido em ser
parte de concurso público não realizado da forma devida por MIGUEL AVE-LIRA. Assim,
LUÍS ENGANADO poderá executar esta sentença de forma a garantir a sua participação em
concurso público a realizar, tendo-se em consideração que a obra não chegou a ser
construída, pelo que não se verifica um caso de perda de chance, e que a sentença determina
a abertura de concurso público. Verifica-se ainda que a mera violação daquela norma legal
que tutela o seu interesse protegido será sempre fonte de obrigação de indemnização nos
termos supra expostos (i.e., responsabilidade solidária da autarquia e de MIGUEL
AVE-LIRA, de forma a garantir o seu pagamento ao Autor, embora com direito de regresso
obrigatório da autarquia contra o Réu uma vez que o ato ilegal foi praticado com dolo.

No entanto, determinando-se a condenação da Administração à substituição do acto


ilegal praticado e à abertura do concurso público devido, não existe qualquer dano
patrimonial do tipo alegado pelo Autor, mas antes um dano autónomo decorrente da violação
de uma norma legal que tutela um interesse legalmente protegido do Autor. Ora, a
indemnização pedida não tem por base este dano autónomo, pelo que resta a este tribunal
indeferir o pedido de indemnização. Apenas poderia ser atribuída a indemnização no caso de
se fundar neste dano autónomo, não no dano patrimonial, uma vez que não há provas da
existência deste, no entanto este Tribunal pode apenas ocupar-se das questões suscitadas

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pelas partes, não sendo possível extravasar o objeto do pedido e condenar em quantidade
superior ou em objeto diverso do pedido.

2. DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes do Tribunal Administrativo
Círculo de Cadeirinha em:
● Declarar a nulidade do contrato-promessa de arrendamento para fins não
habitacionais; e
● A obrigatoriedade, por parte do Município, de seguir o procedimento legal devido no
caso concreto, que corresponde à abertura de concurso público para uma empreitada
de obras públicas, destinadas à construção do CETC.
Decide ainda este Tribunal no sentido do pagamento das custas processuais, nos
termos gerais do art. 529.º do Código de Processo Civil, pelo que cabe ao vencido esse
pagamento na proporção em que o for.

Os juízes
Sr.ª Doutora Ana Catharina Souza
Sr.ª Doutora Ana Rita Brito
Sr.ª Doutora Beatriz Pereira Teixeira
Sr. Doutor Duarte Martinho
Sr.ª Doutora Sophia Novoa

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