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22/04/24, 16:08 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 316/2024 .

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ACÓRDÃO Nº 316/2024

Processo n.º 263/2024


3 Secção
Relator: Conselheiro João Carlos Loureiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. reclamou para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do
Tribunal Constitucional – LTC), do despacho proferido em 08/02/2024, que não admitiu o recurso
por si interposto.
2. A presente reclamação versa sobre um recurso de constitucionalidade que constitui incidente
no Processo n.º 320/23.6YPRT, em que o recorrente é requerido.
2.1. Nesse processo, A. foi detido em execução de um Mandado de Detenção Europeu
(MDE) emitido pelas autoridades competentes da República Checa e executado nos termos da Lei
n.º 65/2003, de 23 de agosto (que aprovou o Regime do MDE).
2.2. Realizada no Tribunal da Relação do Porto a audição do detido, este declarou não consentir na
execução do mandado e consequente entrega ao Estado requerente, vindo a deduzir oposição no
prazo fixado para o efeito.
2.3. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 29/11/2023, determinou a execução do
mandado.
2.4. Inconformado, o requerido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por
acórdão de 29/12/2023, negou provimento ao recurso.
2.5. O requerido arguiu a nulidade e pediu a reforma desse acórdão.
2.6. Por despacho de 12/01/2023, foi ordenada a tradução para a língua checa dos pontos
10.i), 10.ii), 11.iii) e 12.iv) do Capítulo II e do Capítulo III do acórdão de 29/12/2023 e a respetiva
notificação ao requerido.
2.7. A arguição de nulidade e o pedido de reforma referidos em “2.5.” foram indeferidos por
acórdão proferido em 18/01/2024.
2.8. O acórdão de 18/01/2024 foi notificado ao mandatário do requerido por via eletrónica
nesse mesmo dia.
2.9. O requerido foi notificado pessoalmente no dia 26/01/2024 da tradução para língua
checa das partes «II. Fundamentação» e «III. Decisão» do acórdão de 18/01/2024.
3. Por requerimento apresentado em 07/02/2024, o requerido interpôs recurso do acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/2024 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos seguintes termos:
«A., Recorrente no processo à margem identificado, não se podendo conformar com o Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a inconstitucionalidade suscitada, vem, nos termos e ao
abrigo do disposto nos artigos 70.º e ss. da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (de ora em
diante, LTC), designadamente da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º do referido diploma legal,
interpor RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz nos termos e
com os fundamentos seguintes:
O presente requerimento de interposição de recurso, encontra-se sustentado por consulta/parecer
jurídico elaborado – in casu – pelo Exmo. Sr. Professor Doutor Paulo Pinto de Albuquerque,
Doctor Honoris Causa Mult., e Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade
Católica, ora solicitado pelo aqui Recorrente e que fundamentalmente aborda o caso sub judice, sobre:
(I) o objeto da questão de inconstitucionalidade, (II) o direito à interpretação e à tradução na
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, (III) os princípios gerais da jurisprudência do Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos, (IV) os casos portugueses do Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos, (V) o direito à interpretação e à tradução na Diretiva 2010/64/EU, (VI) o regime da
Diretiva 2010/64/EU, (VII) a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a Diretiva
2010/64/EU, (VIII) a implementação da Diretiva 2010/64/UE pelos Estados-Membros,
(IX) a implementação da Diretiva 2010/64/UE em Portugal, (X) os fundamentos da decisão de
não inconstitucionalidade, (XI) o fundamento da violação do princípio da igualdade, (XII) o
fundamento da indefinição do início da contagem dos prazos e (XIII) o fundamento da reserva da
assistência técnico-jurídica ao defensor;
O Arguido, aqui recorrente, está disponível para entregar, desde já, o sobredito parecer para
apreciação dos Exmos. Colendos Conselheiros, caso assim o Tribunal entenda.
A. DA DECISÃO RECORRIDA
O presente recurso vem interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/2024,
que indeferiu a arguição das nulidades e inconstitucionalidade invocadas, bem como a pretendida

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reforma do acórdão, formulados pelo requerido em requerimento de 12/01/2023.
B. ALÍNEA DO N.º 1 DO ARTIGO 70.º DA LTC AO ABRIGO DA QUAL É
INTERPOSTO O PRESENTE RECURSO
O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica do
Tribunal Constitucional.
Com efeito, nos termos da mencionada disposição legal, cabe recurso para o Tribunal Constitucional,
em secção, das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo, como sucedeu in casu.
Entende o Recorrente que a norma prevista no artigo 92.º, n.º 3, do Código Processo Penal, na
redação da Lei n.º 52/2023, de 28.8, conjugado com o artigo 113.º, n.º 10, do Código de Processo
Penal, quando interpretados no sentido de que a notificação ao mandatário, que não conhece a língua
materna do arguido, se encontra ferida de inconstitucionalidade, por violação do artigo 32, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH.
O Arguido, ora Recorrente, suscitou a inconstitucionalidade da norma ínsita no disposto do artigo
92.º, n.º 3, do Código Processo Penal, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP e do artigo 6.º, n.º
1, da CEDH, nas alegações de reclamação para a conferência, que interpôs para o Supremo
Tribunal de Justiça.
C. DA LEGITIMIDADE DO RECORRENTE
Nos termos do n.º 2 do artigo 72.º da LTC, o Arguido, ora Recorrente, tem legitimidade para a
interposição do presente recurso, na medida em que suscitou a inconstitucionalidade da norma que
pretende ver apreciada, de modo processualmente adequado, perante o Supremo Tribunal de Justiça,
em termos em que este estava obrigado a conhecê-la, como efetivamente conheceu na decisão recorrida,
na qual considerou não ser inconstitucional o disposto da norma do artigo 92.º, n.º 3, do CPP, por
violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH.
Com efeito, a decisão do STJ ignora jurisprudência importantíssima do TEDH sobre a específica
questão suscitada, devendo o artigo 32.º, n.º 1, da CRP ser interpretado e aplicado à luz daquela
jurisprudência europeia.
D. DA TEMPESTIVIDADE DO RECURSO
O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional de decisão jurisdicional que
aplique ou recuse a aplicação de norma, cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada no processo é
de 10 dias. Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 75.º da LTC, o presente recurso é interposto
dentro do prazo de 10 dias, contados a partir da data de notificação da decisão recorrida ao
Arguido.*
(*) O arguido foi notificado, pessoalmente, no dia 26 de Janeiro passado. O terminus do prazo para
interposição de recurso teve lugar no dia 5 de Fevereiro passado, pelo que o segundo dia útil de multa,
termina no dia de hoje, 07 de Fevereiro, data da entrega do presente recurso, com tal valor já auto
liquidado.
E. AS NORMAS CUJA INCONSTITUCIONALIDADE SE PRETENDE QUE O
TRIBUNAL APRECIE
Com o presente recurso, pretende-se que o Tribunal aprecie a constitucionalidade normativa, da
norma ínsita no artigo 92.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32.º, n.º 1,
da CRP e do artigo 6.º, n.º 3, al. e), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, do artigo 2.º,
n.º 1, e do artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 2010/64/UE, lidos à luz do artigo 47.º e do artigo 48.º,
n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da efetividade.
Efetivamente, alegou o Recorrente, que, caso o Tribunal considere que a notificação ao arguido da
decisão traduzida não tem caráter de obrigatoriedade, seja declarada a inconstitucionalidade da
interpretação normativa da conjugação da falta de notificação ao arguido, a que aludem os artigos
92.º, n.º 3, e 113.º, n.º 10, do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da
República (de ora em diante, CRP).
Mais exatamente, o arguido suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma extraída do artigo
92.º, n.º 3, na redação da Lei n.º 52/2023, de 28.8, conjugado com o artigo 113.º, n.º 10, do
CPP, quando interpretados no sentido de que a notificação ao mandatário, que não conhece a língua
materna do arguido, é suficiente para que tal notificação se mostre cumprida, por violação das
garantias de defesa do arguido, a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou o artigo 92.º, n.º 3, do CPP na
nova redação dada pela Lei n.º 52/2023, à luz do direito da União Europeia, bem como admitiu
que o artigo 92.º, n.º 3, do CPP na redação da Lei n.º 52/2023, de 28.8, consagra o direito
previsto nos artigos 2.º, n.º 7, e 3.º, n.ºs 4, 6 e 7, da Diretiva 2010/64/UE do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010 (de ora em diante, a Diretiva 2010/64/UE),
invocando assim jurisprudência constitucional que entendeu pertinente.
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou o artigo 92.º, n.º 3, do CPP, conjugado
com o disposto no artigo 113.º, n.º 10, do CPP, no sentido de que (1) a notificação da decisão
tomada pelos tribunais superiores em via de recurso pode ser feita ao defensor do arguido, não tendo
de ser notificada a este pessoalmente, e (2) o prazo legalmente previsto para a interposição do recurso
de constitucionalidade se inicia com a notificação da decisão recorrida ao respetivo mandatário e não,
também, à que eventualmente seja feita ao arguido.
O Supremo Tribunal de Justiça considerou expressamente que, não obstante a revisão do artigo 92.º
do CPP operada pela Lei n.º 52/2023, de 28.8, a citada jurisprudência constitucional se mantinha
válida na íntegra e que era aplicável no caso concreto.

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Todavia, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu, no entanto, que o arguido tem o direito a ter
conhecimento pessoal e na sua língua materna dos trechos essenciais do acórdão de 29.12.2023,
tendo determinado que se procedesse a essa notificação pessoal por despacho de 12.1.2024 e tendo
também ordenado similar notificação do acórdão de 18.1.2024. Ou seja, o Supremo Tribunal de
Justiça reconheceu que as decisões em causa (29.12.2023 e 18.1.2024) estão incluídas entre aquelas
cuja notificação conjunta ao advogado e ao arguido é imposta pelo artigo 110.º, n.º 13, do CPP,
corrigindo assim, uma ilegalidade anteriormente cometida, qualificando a mesma como uma simples
irregularidade e não uma nulidade relativa, como vinha arguida pelo defensor na peça processual de
11.1.2024.
E mais decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que o prazo legalmente previsto para a interposição
do recurso se inicia com a notificação da decisão ao mandatário e não à que eventualmente seja feita
ao arguido, quer ele domine ou não a língua portuguesa.
Ora, estes dois efeitos consequenciais do entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça
sobre a invocada inconstitucionalidade mantêm-se e são prejudiciais para o arguido, porquanto e não
obstante ele já ter sido notificado pessoalmente da tradução em língua checa das decisões em causa de
29.12.2023 e de 18.1.2024, esta apenas notificada ao arguido a 26/01/2024, mantém-se, por
conseguinte, o interesse no conhecimento da questão suscitada pelo arguido, nos termos e para os
efeitos, nomeadamente, do disposto no artigo 34.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
(Aliás em conformidade com os princípios gerais da jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos, que interpretou o artigo 6.º, n.º 1, e 3, al. c), da Convenção Europeia dos
Direitos Humanos, no sentido de que o arguido estrangeiro que não tem o domínio da língua
portuguesa deve ser notificado pessoalmente na sua língua materna ou em outra língua que domine
dos acórdãos em causa, para poder exercer o direito ao recurso, e portanto, o momento em que o
arguido foi notificado da tradução do acórdão constitui o dies a quo para a interposição do respetivo
recurso.)
Como refere o Ex.º Sr.º Professor Doutor Paulo Pinto de Albuquerque, no sobredito parecer
elaborado pelo mesmo: “Acresce que a jurisprudência constitucional invocada pelo Supremo Tribunal
de Justiça não tem em conta os parâmetros normativos da Convenção Europeia do Direitos
Humanos e da Diretiva 2010/64/UE, no tocante à posição processual e aos direitos do arguido
estrangeiro que não domina a língua portuguesa.”
É precisamente o princípio da igualdade que impõe que o arguido que não domina a língua do
processo seja notificado dos documentos essenciais na sua língua ou em língua que domine e que o
prazo para recorrer ou reclamar da decisão notificada comece a correr desde essa data.
A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça olvidou a jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos sobre a notificação dos acórdãos dos tribunais superiores a um arguido e da
contagem do dies a quo para interposição de recurso desses acórdãos, sendo que, tal omissão é tão
mais lamentável quando os acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em causa foram
proferidos contra Portugal, censurando uma deficiência sistémica do processo penal português.
Os acórdãos em questão foram proferidos no caso Panasenko c. Portugal e no caso Meggi Cala c.
Portugal, onde no caso Panasenko, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou Portugal
por não ter considerado como dies a quo do prazo para o recurso de um acórdão do Tribunal da
Relação o momento em que o arguido estrangeiro, que não tem o domínio da língua portuguesa, foi
notificado da tradução escrita do acórdão, mas antes o momento em que foi notificado do acórdão em
língua portuguesa.
O Supremo Tribunal de Justiça também deixou fora do alcance da sua resenha da jurisprudência
constitucional o notável acórdão do Tribunal Constitucional n.º 476/04, confirmado pelo não menos
notável acórdão n.º 418/05, cuja importância foi destacada pelo Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos. (Com efeito, naqueles acórdãos, o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucionais
os artigos 113.º, n.º 9, e 411.º, n.º 1, do CPP, interpretados no sentido de que a notificação de uma
decisão condenatória relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso seria a notificação
ao defensor, independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem excetuar os
casos em que este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória.)
Mais uma vez refere o Sr.º Professor Doutor Paulo Pinto de Albuquerque, no parecer in casu: “Em
bom rigor, a notificação pessoal dos documentos referidos no n.º 10 do artigo 113.º do CPP ao
arguido justifica-se por uma razão crucial, que é a de permitir ao arguido conhecer e impugnar as
decisões fundamentais tomadas no processo caso o defensor o não faça ou o faça contra as suas
indicações. A norma visa, no fundo, proteger o arguido das famigeradas situações de carência de
defesa no processo penal português, que têm sido objeto de tão viva censura do Estado português no
Tribunal de Estrasburgo.”
Dito de outro modo, a notificação ao arguido das decisões previstas no artigo 113.º, n.º 10, do CPP
(quer ele domine ou não a língua do processo) é imperiosa para lhe permitir exercer os direitos
previstos nos artigos 98.º e 63.º, n.º 2, do CPP.
Sendo assim, deve concluir-se que é inconstitucional a norma extraída do artigo 92.º, n.º 3, na
redação da Lei n.º 52/2023, de 28.8, conjugado com o artigo 113.º, n.º 10, do CPP, quando
interpretados no sentido de que a notificação ao mandatário, que não conhece a língua materna do
arguido, é suficiente para que tal notificação se mostre cumprida, por violação das garantias de defesa
do arguido, a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, o artigo 6.º, n.º 3, al. e), da Convenção
Europeia dos Direitos Humanos, o artigo 2.º, n.º 1, e o artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva

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2010/64/UE, lidos à luz do artigo 47.º e do artigo 48.º, n.º 2, da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia e do princípio da efetividade.
Nestes termos e nos mais de Direito, requer a V. Exas. se dignem admitir o presente recurso para o
Tribunal Constitucional, com subida imediata, com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos
artigos 69.º, 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2, 75.º, 75.º-A e 78.º, n.º 3 da LTC.
Pede deferimento.»
4. Foi proferido despacho, em 08/02/2024, de não admissão do recurso de constitucionalidade,
com os seguintes fundamentos:
«O requerido A. veio, em 07-02-2024, apresentar requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, relativamente ao decidido no acórdão de 18-01-2024 (Ref.ª Citius 12123088), “(...) ao
abrigo do disposto nos artigos 70.º e ss. da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (de ora em diante,
LTC), designadamente da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º do referido diploma legal, (...)”.
Invoca a sua legitimidade e a tempestividade do requerimento de interposição do recurso – justificando esta,
porquanto o requerido foi notificado (pessoalmente no Estabelecimento Prisional junto da P J do Porto, onde
se encontra preso) no dia 26 de janeiro de 2024, pelo que o prazo do recurso (de 10 dias) teria ocorrido em 5
de fevereiro de 2024, ocorrendo o segundo dia útil seguinte no dia 7 de fevereiro de 2024.
Sucede que o Senhor advogado do requerido foi notificado do acórdão deste STJ de 18-01-2024, por via
eletrónica, nesse mesmo dia, 18-01-2024 (Ref.ª Citius 12128653), pelo que, nos termos do disposto no art.
113.º, n.ºs 11 e 12, do CPP, o início do prazo do recurso da decisão que pretende impugnar ocorreu no dia
23-01-2024.
O arguido pretende, assim, prevalecer-se do estatuído no n.º 10 in fine do art. 113.º do CPP ex vi do art.
34.º da Lei n.º 65/2003, de 23-08, para demonstrar estar em tempo para apresentar o requerimento de
interposição de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, contabilizando o respetivo prazo de 10
dias, da notificação feita pessoalmente ao arguido, em 26-01-2024.
Apreciando a questão da tempestividade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, importa
referir que o requerente a justifica nos seguintes termos:
“O arguido foi notificado, pessoalmente, no dia 26 de Janeiro passado. O términus do prazo para interposição
de recurso teve lugar no dia 5 de Fevereiro passado, pelo que o segundo dia útil de multa termina no dia de
hoje, 07 de Fevereiro, data da entrega do presente recurso, com tal valor já auto liquidado.”
Dir-se-á, preambularmente, que, sob pena de flagrante e injustificada contradição com os fundamentos do
acórdão de 18-01-2024, ora recorrido, esse entendimento do requerente, quanto à tempestividade do recurso,
não pode merecer acolhimento.
Com efeito, ali se deixou exarado que:
“Em primeiro lugar, por um lado, a questão da obrigatoriedade da notificação das decisões dos tribunais
superiores (apenas) ao advogado não se confunde com o direito de o arguido/requerido que não compreende
português conhecer os documentos processuais essenciais para a sua defesa e as partes essenciais das decisões que
os afetem, traduzidos para a sua língua; por outro lado, a omissão da notificação simultânea do acórdão, ou
de partes suas, traduzidas para a sua língua pode ser processualmente regularizada em momento posterior – o
que, de resto, se determinou já, mediante apresentação do requerimento do arguido – sem que tal signifique
que só a partir de tal ocorrência se deve contar o prazo de recurso ou de reclamação. Entendimento diverso
seria um entendimento desrazoável e infundado, por se poder estabelecer uma solução de injustificada
discriminação material entre arguidos que falassem e compreendessem o português (p. ex., nacionais e cidadãos
brasileiros e dos PALOP) e arguidos a quem houvesse de traduzir as decisões por não compreenderem
português, ficando, assim, o início da contagem do prazo de interposição de recurso/reclamação dependente da
circunstância, aleatória, de o arguido dominar, ou não, a língua portuguesa.
Em segundo lugar, o vício processual que tal situação integraria nunca seria a nulidade – pelo que já se
defendeu supra, e por não estar expressamente prevista como tal mas sim a mera irregularidade, a qual pode
ser sanada, ou por não arguida tempestivamente, ou por ser ordenada a sua regularização, o que ocorreu já
(art. 123.º do CPP).
Invoca, ainda, o arguido a inconstitucionalidade da “interpretação normativa da conjugação dos artigos 92.º,
n.º 3, e 113.º, n.º 10, do Código do Processo Penal, quando interpretados no sentido de que a notificação ao
mandatário, que não conhece a língua materna do arguido, é suficiente para que tal notificação se mostre
cumprida, por violação das garantias de defesa do arguido, a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição
da República portuguesa”.
Ainda que se afigure a este Supremo Tribunal que a suscitada questão de (in)constitucionalidade de tal
interpretação não reveste suficiente densidade normativa para permitir desencadear a fiscalização concreta de
constitucionalidade, sempre deixaremos formuladas algumas considerações respeitantes à dimensão
constitucional da questão.
Tendo tido já por diversas vezes oportunidade para se pronunciar sobre a temática, o Tribunal Constitucional
tem entendido, de forma constante e consolidada, sem que se conheçam posicionamentos alternativos, que “da
norma do artigo 113.º, n.º 10, do CPP não resulta a obrigação de notificação de acórdão proferido pelos
tribunais superiores ao arguido e que este preceito legal, quando interpretado no sentido de a notificação da
decisão tomada pelos tribunais superiores em via de recurso poder ser feita ao defensor do arguido, não tendo de
ser notificada a este pessoalmente, não padece de inconstitucionalidade” (cf., entre muitos outros, Acórdãos TC
n.º 59/99, n.º 512/04, n.º 275/06, n.º 399/2009, n.º 234/2010, n.º 667/2014, n.º 31/2017, n.º
746/2021, n.º 195/2022, e n.º 810/2023).
Por outro lado, o Tribunal Constitucional também tem concluído pela ausência de incompatibilidade com a
Constituição do entendimento de que o prazo legalmente previsto para a interposição do recurso de
constitucionalidade se inicia com a notificação da decisão recorrida ao respetivo mandatário e não, também, à

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que eventualmente seja feita ao arguido (cf., entre muitos outros, os Acórdãos TC n.ºs 399/2009,
234/2010, 680/2016, 31/2017 e 746/2021, 46/2023, bem como as Decisões Sumárias n.ºs
649/2016 e 32/2021).
Conforme acima já se antecipou, a questão da obrigatoriedade de notificação de decisões dos tribunais
superiores ao advogado (e não ao arguido) não se confunde com o direito de o arguido ou requerido que não
compreende a língua do processo em causa à tradução para a sua língua dos documentos essenciais à sua
defesa, no quadro de um processo justo e equitativo.
Importa estabelecer essa distinção: o entendimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional de ausência de
inconstitucionalidade da interpretação de que as decisões dos tribunais superiores em recurso não têm de ser
notificadas ao arguido, desde que o sejam ao advogado/defensor e de que o início do prazo para o recurso (ou
reclamação) se conta desde essa notificação é, aqui, inteiramente aplicável.
Mas esta questão não se confunde com o direito do arguido/requerido, conferido ao abrigo da Diretiva
2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho. Da efetivação desse direito não decorre que só a
contar da notificação da tradução dos documentos ou decisões ao arguido/requerido que não compreende a
língua do processo se inicia a contagem do prazo de recurso ou de reclamação de tal decisão, caso a notificação
tenha sido anteriormente efetuada ao advogado ou defensor.
Na verdade, a (aleatória) circunstância de o arguido em processo penal ou de requerido em processo de
mandado de detenção europeu não compreender português não pode implicar nenhuma significativa alteração
daquele entendimento. Em primeiro lugar, a assistência técnico-jurídica é sempre assegurada pelo advogado ou
pelo defensor; em segundo lugar, o entendimento alternativo implicaria a existência de um critério
injustificadamente diferenciado para se determinar o início da contagem do prazo de recurso/reclamação,
consoante o arguido compreendesse, ou não, a língua do processo em causa. Nos casos de arguidos ou
requeridos que compreendessem o português bastaria a notificação ao advogado e o prazo contar-se-ia desde tal
data; no caso de arguidos que não compreendessem português, seria obrigatória a “notificação” do mesmo, além
da do advogado, e só após a data da efetivação da última notificação se iniciaria a contagem do prazo de
recurso ou de reclamação, o que decorre da parte final do n.º 10 do art. 113.º do CPP.
Este resultado não pode ser aceite, porque, desde logo, além de incorrer em injustificada discricionariedade e
vulnerar o princípio da igualdade (art. 13.º da Constituição), deixaria na indefinição, em consequência da
aleatoriedade do período de elaboração da tradução, não só o início da contagem dos prazos de
recurso/reclamação, mas também o decurso de prazos processuais máximos, respeitantes a medidas de coação,
de execução de pedidos de cooperação judiciária e outros prazos processuais a apreciar globalmente, o que, em
casos de celeridade processual pretendida, p. ex., pelo sistema de organização e funcionamento do MDE,
traria indesejáveis consequências que se traduziriam no seu bloqueio.”
Acresce a esta fundamentação que a natureza urgente do processo de Mandado de Detenção Europeu (art.
33.º da Lei n.º 65/2003) não pode compadecer-se com a imprevisibilidade de situações em que, face à
ausência ou escassez de tradutores credenciados para procederem a uma tradução cabal, os prazos legais
deslizassem para além dos limites máximos previstos.
A racionalidade intrínseca dessa fundamentação assenta na distinção entre os pressupostos do trânsito em
julgado da decisão (ou acórdão, no caso)/prazo de recurso e a observância do direito à tradução para a língua
dos arguidos que não dominam o português, das decisões, ou de partes essenciais das mesmas, que os afetem.
Assim, tratando-se o acórdão recorrido (de 18-01-2024) de uma decisão de tribunal superior, não se afigura
inconstitucional a interpretação de não ser obrigatória a sua notificação ao arguido/requerido que não domine
a língua portuguesa, desde que a mesma seja feita ao seu advogado, contando-se o prazo de impugnação da
decisão desde essa data, e de nenhuma outra.
No dia 26-01-2024 foi, tão só, dada efetividade ao direito do requerido a ter acesso à tradução para a sua
língua das partes essenciais do acórdão de 18-01-2024.
Ora, reiterando o que se deixou exarado no acórdão ora recorrido, “Da efetivação desse direito não decorre
que só a contar da notificação da tradução dos documentos ou decisões ao arguido/requerido que não
compreende a língua do processo se inicia a contagem do prazo de recurso ou de reclamação de tal decisão, caso
a notificação tenha sido anteriormente efetuada ao advogado ou defensor.”
Por ser assim, a data relevante para o trânsito em julgado do acórdão de 18-01-2024 é a data da sua
notificação ao Senhor advogado, ou seja, o próprio dia 18-01-2024. A essa data deve ser aferida a contagem
do prazo de dez dias de interposição de recurso, do art. 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15-11, pelo que,
presumindo-se o Senhor advogado notificado no dia 22-01-2024 (art. 113.º, n.ºs 11 e 12, do CPP e artigos
247.º, n.º 1, e 248.º, n.º 1, do CPC ex vi do art. 69.º da Lei n.º 28/82), o trânsito em julgado do acórdão
de 18-01-2024 ocorreu em 01-02-2024 (sendo certo que o prazo máximo de tolerância consagrado nos
artigos 107.º-A do CPP e 139.º, n.ºs 5 a 7, do CPC ocorreu em 06-02-2024).

No dia 07-02-2024 – data da apresentação do requerimento de interposição do recurso de fiscalização


concreta de constitucionalidade –, o prazo de interposição de recurso do acórdão de 18-01-2024 achava-se, por
isso, ultrapassado.
Pelo exposto, não obstante a legitimidade do recorrente, e não cabendo formular convite nos termos e para os
efeitos do art. 75.º-A, n.º 5, da Lei n.º 28/82, constata-se que o requerimento de interposição do recurso foi
apresentado fora de prazo, pelo que, nos termos do disposto nos artigos 75.º, n.º 1, a contrario, e 76.º, n.ºs 1 e
2, da Lei n.º 28/82, de 15-11, não se admite o recurso do requerido, para o Tribunal Constitucional.»
5. O recorrente reclamou desse despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4
do artigo 76.º e do artigo 77.º da LTC, nos seguintes termos:

«Questões prévias:

https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240316.html 6/16
22/04/24, 16:08 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 316/2024 .
I
Tal como suscitado no requerimento de interposição de recurso, ora não admitido, a reclamação aqui
em causa encontra-se sustentada por consulta/parecer jurídico elaborado – in casu – pelo Ex.º Sr.
Professor Doutor Paulo Pinto de Albuquerque, Doutor Honoris Causa Mult. e Professor
Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Católica, ora solicitado pelo aqui Recorrente,
que se junta em anexo e cujo tema de pedido de parecer/consulta, para o que na presente reclamação
releva, foi o seguinte:
É inconstitucional a norma extraída do artigo 92.º n.º 3, do Código de Processo Penal, na redação
da Lei n.º 52/2023, de 28.08, conjugado com o artigo 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal,
quando interpretados no sentido de que a notificação ao mandatário, do presente Acórdão/Sentença,
que não conhece a língua materna do arguido, é suficiente para que tal notificação se mostre
cumprida, a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da Repúblico?
O sobredito parecer aborda o caso sub judice, sobre: (I) o objeto da questão de inconstitucionalidade,
(II) o direito à interpretação e à tradução na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, (III) os
princípios gerais da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, (IV) os casos
portugueses do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, (V) o direito à interpretação e à tradução
na Diretiva 2010/64/EU, (VI) o regime da Diretiva 2010/64/EU, (VII) a jurisprudência do
Tribunal de Justiça sobre a Diretiva 2010/64/EU, (VIII) a implementação da Diretiva
2010/64/UE pelos Estados-Membros, (IX) a implementação da Diretiva 2010/64/UE em
Portugal, (X) a refutação da decisão de não inconstitucionalidade, (XI) o fundamento da violação do
princípio da igualdade, (XII) o fundamento da indefinição do início da contagem dos prazos, (XIII)
o fundamento da reserva da assistência técnico-jurídica ao defensor, (XIV) a sustentação da
declaração de inconstitucionalidade, (XV) os vícios da tradução dos presentes autos e (XVI) a
sanção dos vícios dos presentes autos;
II
Releva, porém, e na sequência da elaboração da presente reclamação, a qual, como sabemos, tem por
base uma clara divergência sobre a contagem de prazos da notificação da decisão ao Arguido, na
versão traduzida, apurou o mesmo, um grave e desconforme “procedimento”, não só quanto à
idoneidade e capacidade da Sr.ª tradutora escolhida pelo Tribunal, como também pela qualidade e
autenticidade da tradução levada a efeito por aquela, da decisão em causa.
III
Por essa razão, nos termos sobreditos e tendo em conta que o direito à interpretação e à tradução é,
pois, instrumental ao exercício pleno do direito de defesa, o arguido em ato simultâneo à presente
reclamação, por ser esse o meio processualmente adequado, interpõe requerimento de arguição de
nulidade, junto do STJ, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. c), do CPP, suscitando, ainda, na
mesma peça processual, inconstitucionalidades, nomeadamente por considerar que é inconstitucional a
norma extraída do artigo 92.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 52/2023,
de 28.8, conjugado com os artigos 113.º, n.º 10, 120.º, n.º 2, al. c), e 122.º, n.º 1, do mesmo
diploma, quando interpretados no sentido de que a nomeação como tradutora de sentença ou acórdão
de pessoa de nacionalidade estrangeira, que não consta da lista oficial de tradutores judiciais no seu
país de origem, nem apresenta certificação oficial que a habilite a traduzir documentos jurídicos, não
determina a nulidade consequencial de todos os atos processuais que dependerem daquela nomeação,
incluindo todas as traduções por ela realizadas, por violação das garantias de defesa do arguido, a
que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, o artigo 6.º, n.º 3, al. e), da Convenção Europeia dos
Direitos Humanos, o artigo 2.º, n.ºs 1 e 8, e o artigo 3.º, n.ºs 1 e 9, da Diretiva 2010/64/UE,
lidos à luz do artigo 47.º e do artigo 48.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia e do princípio da efetividade.
IV
Por essa razão, o Parecer aqui junto, da autoria do Ex.º Sr. Professor Doutor Paulo Pinto de
Albuquerque, aborda igualmente as questões supra enunciadas, para além daquela que constitui
objeto da presente reclamação.
A. DA TEMPESTIVIDADE DA RECLAMAÇÃO
1.º
O prazo de reclamação da não admissibilidade da interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional de decisão jurisdicional que aplique ou recuse a aplicação de norma, cuja
inconstitucionalidade tenha sido suscitada no processo é de 10 dias.
Nos termos da conjugação dos artigos 69.º da LTC e 643.º, n.º 1, do CPC, bem como nos termos
previstos no n.º 4 do artigo 76.º da LTC, a presente reclamação é interposta dentro do prazo de 10
dias, contados a partir da data de notificação da decisão recorrida.*
(*) O mandatário foi notificado, no dia 09 de Fevereiro passado. O términos do prazo para
interposição de presente reclamação teve lugar no dia 22 de Fevereiro passado, pelo que o terceiro dia
útil de multa termina no dia de hoje, 27 de Fevereiro, data da entrega da presente reclamação, com
tal valor já auto liquidado. Todavia e não obstante o aqui arguido considerar como válido o critério
do “dies a quo” ao mesmo, notificado da decisão em crise apenas a 20 de Fevereiro, a contagem de
prazo relativa à interposição da presente reclamação teve por base o “critério das cautelas”, ou seja,
ao aqui mandatário.
B. DA DECISÃO DO INDEFERIMENTO DA ADMISSÃO DO RECURSO, POR
EXTEMPORANEIDADE
2.º

https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240316.html 7/16
22/04/24, 16:08 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 316/2024 .
O requerido A., em 07.02.2024, apresentou requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional, relativamente ao decidido no acórdão de 18-01-2024 (Ref.ª Citius
12123088), “(…) ao abrigo do disposto nos artigos 70.º e ss. da Lei Orgânica do Tribunal
Constitucional (de ora em diante. LTC), designadamente da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º do
referido diploma legal,)…)”.
3.º
Invocou ali a sua legitimidade e a tempestividade do requerimento de interposição do recurso,
justificando esta, porquanto o requerido foi notificado (pessoalmente no Estabelecimento Prisional
junto da PJ do Porto, onde se encontrava preso) no dia 26 de janeiro de 2024, pelo que o prazo do
recurso (de 10 dias) teria ocorrido em 5 de fevereiro de 2024, ocorrendo o segundo dia útil de multa
no dia 7 de fevereiro de 2024.
4.º
Na fundamentação da rejeição in casu, invoca o STJ que o aqui Mandatário do requerido: “foi
notificado do acórdão deste STJ de 18-01-2024, por via eletrónica, nesse mesmo dia, 18-01-2024
(Ref.ª Citius 12128653), pelo que, nos termos do disposto no art. 113.º, n.ºs 11 e 12, do CPP, o
início do prazo do recurso da decisão que pretende impugnar ocorreu no dia 23-01-2024” e não,
como entende o arguido, a 26-01-2024 (sublinhado e negrito nosso).
5.º
Note-se que, que a divergência de tal entendimento, sobre o início da contagem de prazo, espelha uma
dilação temporal de APENAS 3 DIAS, o que face à reiterada fundamentação sobre “prazos
processuais máximos” por parte dos tribunais “a quo”, não pode colher.
6.º
E mais refere o despacho em crise que: “O arguido pretende, assim, prevalecer-se do estatuído no n.º
10 in fine do art. 113.º do CPP ex vi do art. 34.º da Lei n.º 65/2003, de 23-08, para
demonstrar estar em tempo para apresentar o requerimento de interposição de recurso de fiscalização
concreta de constitucionalidade, contabilizando o respetivo prazo de 10 dias da notificação feita
pessoalmente ao arguido, em 26-01-2024”.
7.º
Pelos fundamentos supra aduzidos, entendeu o Douto STJ que a data relevante para o trânsito em
julgado do acórdão de 18-01-2024 é a data da sua notificação ao aqui mandatário, ou seja, o
próprio dia 18-01-2024.
8.º
Pois entende que “a essa data deve ser aferida a contagem do prazo de dez dias de interposição de
recurso, do art. 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15-11, pelo que, presumindo-se o Senhor advogado
notificado no dia 22-01-2024 (art. 113.º, n.ºs 11 e 12, do CPP e artigos 247.º, n.º 1 e 248.º, n.º
1, do CPC ex vi do art. 69.º da Lei n.º 28/82), o trânsito em julgado do acórdão de 18-01-2024
ocorreu em 01-02-2024 (sendo certo que o prazo máximo de tolerância consagrado nos artigos
107.º-A do CPP e 139.º, n.ºs 5 a 7, do CPC ocorreu em 06-02-2024). No dia 07-02-2024 –
data da apresentação do requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade –, o prazo de interposição de recurso do acórdão de 18-01-2024, achava-se, por
isso, ultrapassado”.
9.º
Pelos factos sobreditos, considerou o STJ que, não obstante a legitimidade do recorrente, e não
cabendo formular convite nos termos e para os efeitos do art. 75.º-A, n.º 5, da Lei n.º 28/82,
considerou que o requerimento de interposição do recurso foi apresentado fora de prazo, pelo que, nos
termos do disposto nos artigos 75.º, n.º 1, a contrario, e 76.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 28/82, de 15-
11, decidiu, assim, não admitir o recurso do requerido, para o Tribunal Constitucional, por
extemporaneidade.
10.º
Até porque no requerimento de interposição de Recurso para este Douto tribunal, a decisão recorrida
teve por base o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/2024, que indeferiu a arguição
das nulidades e inconstitucionalidade invocadas, bem como a pretendida reforma do acórdão,
formulados pelo requerido em requerimento de 12/01/2023, o qual, foi interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.
C. DA LEGITIMIDADE DO RECORRENTE/RECLAMANTE
11.º
Nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, o Arguido, ora Recorrente, aqui Reclamante, tem
legitimidade para a interposição da presente reclamação, na medida em que o recurso não foi
admitido, nos termos da conjugação da segunda parte do n.º 2 do artigo 76.º LTC, e artigo 75.º-A,
ambos da LTC, porquanto foi considerado interposto fora do prazo, bem como foi suscitada, no
recurso ora interposto, a inconstitucionalidade da norma que pretendia ver apreciada, de modo
processualmente adequado, perante o Supremo Tribunal de Justiça, em termos em que este estava
obrigado a conhecê-la, como efetivamente conheceu na decisão recorrida, na qual considerou não ser
inconstitucional o disposto da norma do artigo 92.º, n.º 3, do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º
1, da CRP e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH.
12.º
Com efeito, a decisão do STJ ignora jurisprudência importantíssima do TEDH sobre a específica
questão suscitada, devendo o artigo 32.º, n.º 1, da CRP ser interpretado e aplicado à luz daquela
jurisprudência europeia.

https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240316.html 8/16
22/04/24, 16:08 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 316/2024 .
13.º
Entende o Recorrente que a norma prevista no artigo 92.º, n.º 3, do Código Processo Penal, na
redação da Lei n.º 52/2023, de 28.8, conjugado com o artigo 113.º, n.º 10, do Código de Processo
Penal, quando interpretados no sentido de que a notificação ao mandatário, que não conhece a língua
materna do arguido, se encontra ferida de inconstitucionalidade por violação do artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa e do artigo 6, n.º 1, da CEDH.
14.º
O Arguido, ora Recorrente, aqui Reclamante, suscitou previamente a inconstitucionalidade da
interpretação normativa da norma ínsita no disposto do artigo 92.º, n.º 3, do Código Processo Penal,
por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, não só nas alegações de
reclamação para a conferência, que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça, mas também no
recurso de que aqui reclama.
C. DOS CONCRETOS FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO:
15.º
Como supra referido, no recurso ora interposto, não admitido, sob o qual versa a presente reclamação,
importa salientar que mesmo tinha como objetivo que o Tribunal apreciasse a constitucionalidade
normativa da norma ínsita no artigo 92.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, por violação do artigo
32.º, n.º 1, da CRP e do artigo 6.º, n.º 3, al. e), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, do
artigo 2.º, n.º 1, e do artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 2010/64/UE, lidos à luz do artigo 47.º e do
artigo 48.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da
efetividade.
16.º
Efetivamente, alegou ali o Recorrente, aqui Reclamante, que, caso o Tribunal considerasse que a
notificação ao arguido da decisão traduzida não tinha caráter de obrigatoriedade, fosse declarada a
inconstitucionalidade da interpretação normativa da conjugação da falta de notificação ao arguido, a
que aludem os artigos 92.º, n.º 3, e 113.º, n.º 10, do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição da República (de ora em diante, CRP).
17.º
Neste desiderato, releva que o Reclamante suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma
extraída do artigo 92.º, n.º 3, na redação da Lei n.º 52/2023, de 28.8, conjugado com o artigo
113.º, n.º 10, do CPP, quando interpretados no sentido de que a notificação ao mandatário, que não
conhece a língua materna do arguido, é suficiente para que tal notificação se mostre cumprida, por
violação das garantias de defesa do arguido, a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, o que na
presente reclamação reitera.
18.º
Ora, no despacho em crise, o Ex.º Senhor Colendo Conselheiro Relator limitou-se, tão só, a reiterar
os fundamentos já aduzidos da decisão que resultou do pedido de reforma para a conferência, cuja
inconstitucionalidade fora invocada e assim apreciado o seu mérito, porquanto no mesmo reitera: “Da
efetivação desse direito não decorre que só a contar da notificação da tradução dos documentos ou
decisões ao arguido/requerido que não compreende a língua do processo se inicia a contagem do prazo
de recurso ou de reclamação de tal decisão, caso a notificação tenha sido anteriormente efetuada ao
advogado ou defensor.”
19.º
E nesse sentido mais invoca que: “Por ser assim, a data relevante para o trânsito em julgado do
acórdão de 18-01-2024 é a data da sua notificação ao Senhor advogado, ou seja, o próprio dia 18-
01-2024. A essa data deve ser aferida a contagem do prazo de dez dias de interposição de recurso,
do art. 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15-11, pelo que, presumindo-se o Senhor advogado
notificado no dia 22-01-2024 (art. 113.º, n.ºs 11 e 12, do CPP e artigos 247.º, n.º 1 e 248.º, n.º
1, do CPC ex vi do art. 69.º da Lei n.º 28/82), o trânsito em julgado do acórdão de 18-01-2024
ocorreu em 01-02-2024 (sendo certo que o prazo máximo de tolerância consagrado nos artigos
107.º-A do CPP e 139.º, n.ºs 5 a 7 do CPC ocorreu em 06-02-2024). No dia 07-02-2024, data
da apresentação do requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade o prazo de interposição de recurso do acórdão de 18-01-2024, achava-se, por
isso, ultrapassado.”
20.º
Ora, fica claro que quer no acórdão recorrido, quer no despacho aqui reclamado o Supremo Tribunal
de Justiça interpretou e aplicou o artigo 92.º, n.º 3, do CPP na nova redação dada pela Lei n.º
52/2023, à luz do direito da União Europeia, bem como admitiu que o artigo 92.º, n.º 3, do CPP
na redação da Lei n.º 52/2023, de 28.8, consagra o direito previsto nos artigos 2.º, n.º 7, e 3.º, n.ºs
4, 6 e 7 da Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de
2010 (de ora em diante, a Diretiva 2010/64/UE), invocando assim jurisprudência constitucional
que entendeu pertinente.
21.º
Objetivamente, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou o artigo 92.º, n.º 3, do CPP,
conjugado com o disposto no artigo 113.º, n.º 10, do CPP, no sentido de que (1) a notificação da
decisão tomada pelos tribunais superiores em via de recurso pode ser feita ao defensor do arguido, não
tendo de ser notificada a este pessoalmente, e (2) o prazo legalmente previsto para a interposição do
recurso de constitucionalidade se inicia com a notificação da decisão recorrida ao respetivo mandatário
e não, também, à que eventualmente seja feita ao arguido;

https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240316.html 9/16
22/04/24, 16:08 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 316/2024 .
22.º
E ainda considerou e reiterou que, não obstante a revisão do artigo 92.º do CPP, operada pela Lei
n.º 52/2023, de 28.8, a citada jurisprudência constitucional se mantinha válida na íntegra e que
era aplicável no caso concreto.
23.º
Todavia, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu, no entanto, que o arguido tem o direito a ter
conhecimento pessoal e na sua língua materna dos trechos essenciais do acórdão de 29.12.2023,
tendo determinado que se procedesse a essa notificação pessoal por despacho de 12.1.2024 e tendo
também ordenado similar notificação do acórdão de 18.1.2024.
24.º
Ou seja, o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu que as decisões em causa (29.12.2023 e
18.1.2024) estão incluídas entre aquelas cuja notificação conjunta ao advogado e ao arguido é
imposta pelo artigo 113.º, n.º 10, do CPP, corrigindo assim, uma ilegalidade anteriormente
cometida, qualificando a mesma como uma simples irregularidade e não uma nulidade relativa, como
vinha arguida pelo defensor na peça processual de 11.1.2024.
25.º
E mais decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que o prazo legalmente previsto para a interposição
do recurso se inicia com a notificação da decisão ao mandatário e não à que eventualmente seja feita
ao arguido, quer ele domine ou não a língua portuguesa.
26.º
Ora, estes dois efeitos consequenciais do entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça
sobre a invocada inconstitucionalidade mantêm-se e são prejudiciais para o arguido, porquanto e não
obstante ele já ter sido notificado pessoalmente da tradução em língua checa das decisões em causa de
29.12.2023 e de 18.1.2024 – esta apenas notificada ao arguido a 26/01/2024 –, mantém-se,
por conseguinte, o interesse no conhecimento da questão suscitada pelo arguido, nos termos e para os
efeitos, nomeadamente, do disposto no artigo 34.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
(Aliás em conformidade com os princípios gerais da jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos, que interpretou o artigo 6.º, n.º 1, e 3, al. c), da Convenção Europeia dos
Direitos Humanos, no sentido de que o arguido estrangeiro que não tem o domínio da língua
portuguesa deve ser notificado pessoalmente na sua língua materna ou em outra língua que domine
dos acórdãos em causa, para poder exercer o direito ao recurso, e portanto, o momento em que o
arguido foi notificado da tradução do acórdão constitui o dies a quo para a interposição do respetivo
recurso.)
27.º
Como refere o Ex.º Sr.º Professor Doutor Paulo Pinto de Albuquerque, no sobredito parecer
elaborado pelo mesmo: “Acresce que a jurisprudência constitucional invocada pelo Supremo Tribunal
de Justiça não tem em conta os parâmetros normativos da Convenção Europeia do Direitos
Humanos e da Diretiva 2010/64/UE, no tocante à posição processual e aos direitos do arguido
estrangeiro que não domina a língua portuguesa.”
28.º
É precisamente o princípio da igualdade que impõe que o arguido que não domina a língua do
processo seja notificado dos documentos essenciais na sua língua ou em língua que domine e que o
prazo para recorrer ou reclamar da decisão notificada comece a correr desde essa data.
29.º
A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça olvidou a jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos sobre a notificação dos acórdãos dos tribunais superiores a um arguido e da
contagem do dies a quo para interposição de recurso desses acórdãos, sendo que, tal omissão é tão
mais lamentável quando os acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em causa foram
proferidos contra Portugal, censurando uma deficiência sistémica do processo penal português.
30.º
Os acórdãos em questão foram proferidos no caso Panasenko c. Portugal e no caso Meggi Cala c.
Portugal, onde no caso Panasenko, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou Portugal
por não ter considerado como dies a quo do prazo para o recurso de um acórdão do Tribunal da
Relação o momento em que o arguido estrangeiro, que não tem o domínio da língua portuguesa, foi
notificado da tradução escrita do acórdão, mas antes o momento em que foi notificado do acórdão em
língua portuguesa.
31.º
Igualmente no referido parecer aqui junto, o Ex.º Senhor Professor Doutor Paulo Pinto de
Albuquerque refere abundante jurisprudência, no que toca ao direito à interpretação e à tradução na
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, nomeadamente quanto a:
A. Os princípios gerais da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos:
“35. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem uma vasta jurisprudência sobre o direito à
interpretação e à tradução estabelecida à luz do disposto no artigo 6.º, n.º 1, e 3, al. e), da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
36. A importância da jurisprudência europeia para a correta interpretação do artigo 92.º do CPP
já foi salientada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 547/98, que julgou não
inconstitucional o artigo 92.º, n.º 2, do CPP, quando interpretado no sentido da admissibilidade da
notificação da acusação ao arguido estrangeiro sem tradução escrita, mas apenas oral. Na verdade, o

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argumento fundamental do Tribunal foi retirado do acórdão proferido no famoso caso Kamasinski,
adiante referido.
37. O artigo 6.º, n.º 3, al. e), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos garante o direito à
assistência gratuita de um intérprete para tradução de todos os documentos do processo e
interpretação de todas as declarações que sejam necessárias para o arguido exercer plenamente a sua
defesa e beneficiar de um julgamento justo.
38. Compete ao tribunal o ónus de provar que o arguido estrangeiro percebe a língua do processo e
não o inverso. O dever de averiguar as necessidades de assistência linguística não depende de um
pedido expresso do arguido ou suspeito, mas da ocorrência de circunstâncias que suscitem a dúvida
obre o seu domínio da língua do processo, como por exemplo, ser estrangeiro ou residir no estrangeiro.
Para tanto, não basta provar que o arguido possui um domínio básico da língua do processo ou de
uma terceira língua em que a interpretação esteja disponível, sendo necessário que se prove que ele tem
um domínio da língua que lhe permite exercer plenamente o seu direito de defesa. Quando o arguido
é representado por um advogado, não é suficiente que o defensor conheça a língua do processo. Exige-
se que o arguido seja capaz de compreender o processo e de informar o defensor de qualquer facto ou
argumento que deva ser apresentado em sua defesa.
39. O artigo 6.º, n.º 3, al. e), aplica-se não apenas às declarações orais prestadas na audiência de
julgamento, mas também aos documentos do processo. A capacidade do arguido se exprimir
oralmente na língua do processo não é suficiente para garantir uma defesa efetiva se o arguido não
tiver capacidade paro ler documentos. No entanto, não se exige a tradução escrita de todos os
documentos do processo. A escolha dos documentos a traduzir deve ser feito de molde a permitir ao
arguido ter conhecimento do processo contra ele deduzido e defender-se, nomeadamente apresentando
ao tribunal a sua versão dos acontecimentos.”
B. Os casos portugueses do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos:
“42. O Supremo Tribunal de Justiça olvidou a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos sobre a notificação dos acórdãos dos tribunais superiores a um arguido e da contagem do
dies a quo para interposição de recurso desses acórdãos.
43. Esta omissão é tão mais lamentável quando os acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos em causa foram proferidos contra Portugal, censurando uma deficiência sistémica do
processo penal português.
44. Os acórdãos em questão foram proferidos no caso Panasenko c. Portugal22 e no caso Meggi
Cala c. Portugal23.
45. No caso Panasenko, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou Portugal por não ter
considerado como dies a quo do prazo para o recurso de um acórdão do Tribunal da Relação o
momento em que o arguido estrangeiro que não tem o domínio da língua portuguesa foi notificado da
tradução escrita do acórdão, mas antes o momento em que foi notificado do acórdão em língua
portuguesa.
46. No caso Meggi Cala, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou Portugal por
considerar como dies a quo do prazo para o recurso de um acórdão do Tribunal da Relação o
momento em que o defensor foi notificado e não o momento em que o arguido foi notificado, apesar de
o arguido ter informado que só neste momento tinha tido conhecimento do acórdão notificado. O
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos também censurou a jurisprudência “particularmente
rigorosa” do Supremo Tribunal de Justiça ao exigir ao arguido uma prova negativa e, portanto,
"impossível", do facto de não ter tido conhecimento do acórdão que pretendia atacar, quando o seu
advogado lhe não deu conta do mesmo.
47. Em suma, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos interpretou o artigo 6.º, n.º 1, e 3, al.
c), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos no sentido de que o arguido estrangeiro que não
tem o domínio da língua portuguesa deve ser notificado pessoalmente na sua língua materna ou em
outra língua que domine dos acórdãos em causa, para poder exercer o direito ao recurso, e portanto, o
momento em que o arguido foi notificado da tradução do acórdão constitui o dies a quo para a
interposição do respetivo recurso. (22 Panasenko c. Portugal, n.º 10418/03, 22.7.2008. 23 Meggi
Cala c. Portugal, n.º 24086/11, 2.2.2016. 24 Panasenko c. Portugal, n.º 10418/03, §§ 49, 52
e 53, 22.7.2008. 25 Meggi Cala c. Portugal, n.º 24086/11, §§ 32, 46-48, 2.2.2016.).”
32.º
Bem como releva no sobredito parecer a Diretiva 2010/64/EU, nomeadamente quanto (I) à
abordagem ao direito à interpretação e à tradução, (II) à jurisprudência do Tribunal de Justiça, (III)
à implementação desta Diretiva pelos Estados-Membros e (IV) sobre a implementação da mesma
em Portugal.
33.º
É ali referido que: “96. Em síntese, resulta quer dos considerandos 14, 17 e 30 da Diretiva
2010/64/UE quer da própria redação do seu artigo 3.º, em especial do seu n.º 1, que o direito à
tradução nele previsto está concebido com o fim de permitir às pessoas em causa exercer os seus
direitos de defesa, incluindo o direito ao recurso, e garantir a equidade do processo. Quando um ato
processual é notificado apenas na língua do processo em causa a uma pessoa que não domine essa
língua, essa pessoa não está em condições de compreender o que lhe é imputado e não pode, portanto,
exercer validamente os seus direitos de defesa se não lhe for facultada a tradução do referido ato numa
língua que fale ou compreenda.
97. A violação dos direitos previstos na Diretiva 2010/64/UE não pode ser submetida a um
regime de arguição e sanação no termos do qual a referida violação deve ser arguida pelo beneficiário

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desses direitos num determinado prazo, sob pena de sanação, quando esse prazo começa a correr
ainda antes de a pessoa em causa ter sido informada, numa língua que fale ou compreenda, por um
lado, da existência e do alcance do seu direito à interpretação e à tradução e, por outro, da existência
e do conteúdo do documento essencial em questão, bem como dos efeitos a ele associados. A
imperatividade resultante da aplicação das normas das Diretivas e da Jurisprudência do Tribunal de
Justiça, atendendo ao princípio do primado do Direito da União reconhecido pelo artigo 8.º, n.º 4, da
CRP, determina a desaplicação do regime da arguição e sanação das nulidades relativas estabelecido
pelo artigo 120.º, n.º 3 do CPP.”
34.º
O Supremo Tribunal de Justiça também deixou fora do alcance da sua resenha da jurisprudência
constitucional o notável acórdão do Tribunal Constitucional n.º 476/04, confirmado pelo não menos
notável acórdão n.º 418/05, cuja importância foi destacada pelo Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos (com efeito, naqueles acórdãos, o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucionais
os artigos 113.º, n.º 9, e 411.º, n.º 1, do CPP, interpretados no sentido de que a notificação de uma
decisão condenatória relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso seria a notificação
ao defensor, independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem excetuar os
casos em que este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória).
35.º
Mais uma vez refere o Sr.º Professor Doutor Paulo Pinto de Albuquerque, no parecer in casu:
“127. Em bom rigor, a notificação pessoal dos documentos referidos no n.º 10 do artigo 113.º do
CPP ao arguido justifica-se por uma razão crucial, que é a de permitir ao arguido conhecer e
impugnar as decisões fundamentais tomadas no processo caso o defensor o não faça ou o faça contra
as suas indicações. A norma visa, no fundo, proteger o arguido das famigeradas situações de carência
de defesa no processo penal português, que têm sido objeto de tão viva censura do Estado português no
Tribunal de Estrasburgo.”
36.º
Dito de outro modo, a notificação ao arguido das decisões previstas no artigo 113.º, n.º 10, do CPP
é imperiosa para lhe permitir exercer os direitos previstos nos artigos 98.º e 63.º, n.º 2, do CPP.
37.º
A doutrina portuguesa discutiu durante mais de uma década se a Diretiva tinha sido inteiramente
implementada no que respeita à tradução de documentos do processo, tendo o legislador dado razão
àqueles que se pronunciaram no sentido da necessidade de uma reforma do artigo 92.º do CPP, que
foi realizada finalmente pela Lei n.º 53/2023, de 28.8.
38.º
A interpretação do artigo 92.º do CPP, na redação da dita Lei n.º 53/2023, está submetida à
efetivação do direito à interpretação e à tradução consagrado no artigo 6.º, n.º 3, al. e), da Convenção
Europeia dos Direitos Humanos e na Diretiva 2010/64/UE.
39.º
O princípio da igualdade impõe que o arguido que não domina a língua do processo seja notificado
dos documentos essenciais na sua língua ou em língua que domine e que o prazo para recorrer ou
reclamar da decisão notificada comece a correr desde essa data.
40.º
Sendo assim, no recurso ora apresentado pelo aqui reclamante, concluiu-se que é inconstitucional a
norma extraída do artigo 92.º, n.º 3, na redação da Lei n.º 52/2023, de 28.8, conjugado com o
artigo 113.º, n.º 10, do CPP, quando interpretados no sentido de que a notificação ao mandatário,
que não conhece a língua materna do arguido, é suficiente para que tal notificação se mostre
cumprida, por violação das garantias de defesa do arguido, a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP,
o artigo 6.º, n.º 3, al. e), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o artigo 2.º, n.º 1, e o
artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 2010/64/UE, lidos à luz do artigo 47.º e do artigo 48.º, n.º 2, da
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da efetividade.
41.º
Neste sentido, a presente reclamação, assenta na divergência quanto ao critério da notificação do
acórdão do pedido de reforma, bem como trata questões primordiais dos direitos, liberdades e
garantias, constitucionalmente consagrados.
42.º
E veja-se, indeferir a mesma seria, com o devido respeito que é muito, coartar ao arguido, aqui
Reclamante, as garantias de um processo justo e equitativo, de que também trata o artigo 32.º da
CRP.
43.º
O recorrente tem legitimidade, invocou devidamente as inconstitucionalidades suscitadas, é estrangeiro,
não domina a língua portuguesa, porquanto torna-se imperioso permitir ao mesmo conhecer e
impugnar as decisões fundamentais tomadas no processo e que contra si diretamente são tomadas.
44.º
Até porque, não tendo o reclamante o domínio da língua portuguesa, e sendo apenas notificado da
tradução escrita do acórdão a 26 de Janeiro passado, e notificado em momento anterior, do acórdão
em língua portuguesa, não permite cumprir o que a jurisprudência tem vindo a acolher, conforme
supra indicado.
45.º

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Com a devida vénia, o Douto Tribunal Constitucional pode acolher tal entendimento, no sentido de
considerar como válido que a notificação ao mandatário, que não conhece a língua materna do
arguido, NÃO é suficiente para que tal notificação se mostre cumprida, por violação das garantias
de defesa do arguido, a que alude o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, o artigo 6.º, n.º 3, al. e), da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o artigo 2.º, n.º 1, e o artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva
2010/64/UE, lidos à luz do artigo 47.º e do artigo 48.º, n.º 2, da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia e do princípio da efetividade.
46.º
E assim, deferindo a presente reclamação e considerar como tempestiva a interposição do
requerimento do recurso ora interposto, deverá considerar que a notificação ao arguido das decisões
previstas no artigo 113.º, n.º 10, do CPP é imperiosa para lhe permitir exercer os direitos previstos
nos artigos 98.º e 63.º, n.º 2, do CPP.
Nestes termos e nos mais de Direito, requer a V. Exas. se dignem admitir a presente reclamação,
para o Tribunal Constitucional, com subida imediata, com efeito suspensivo, nos termos da
conjugação do disposto nos artigos 69.º, 76.º, n.º 2, a contrario, 75.º-A e 76.º, n.º 4, todos da
LTC.»
6. Simultaneamente, arguiu a nulidade de todos os atos processuais dependentes da
nomeação de tradutora nos autos, o que foi indeferido com fundamento em intempestividade, por
despacho proferido em 05/03/2024.
7. Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da
reclamação, por extemporaneidade do recurso de constitucionalidade interposto.
8. Notificado para, querendo, se pronunciar sobre a possibilidade de indeferimento da
reclamação com fundamento diferente do invocado na decisão reclamada, o reclamante pugnou pela
admissibilidade do recurso, reiterando, no essencial, os fundamentos da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
9. Nos termos do artigo 76.º da LTC, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão
recorrida apreciar a admissibilidade do respetivo recurso (n.º 1) e do despacho que o indefira cabe
reclamação para o Tribunal Constitucional (n.º 4).
Para a procedência da reclamação não basta afastar qualquer argumento de rejeição do recurso
afirmado na decisão reclamada, uma vez que a reclamação apenas poderá ser julgada procedente se
não se verificarem outros motivos – mesmo que não considerados naquela decisão – que igualmente
a sustentem.
10. O recurso de constitucionalidade não admitido foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC. Para além de o recurso aí previsto dever observar os requisitos formais
constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC e ser interposto de uma decisão jurisdicional, no
prazo definido no artigo 75.º da LTC, a sua admissibilidade, segundo jurisprudência constitucional
reiterada e uniforme, depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: «a suscitação
pelo recorrente, em termos tempestivos e adequados (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), de uma questão
de inconstitucionalidade normativa; a efetiva aplicação, expressa ou implícita, de tal norma ou
interpretação normativa, em termos de a mesma constituir “ratio decidendi” ou fundamento jurídico da
decisão proferida no caso concreto; o esgotamento dos normais meios impugnatórios existentes no
ordenamento adjetivo que rege a atividade do tribunal que proferiu a decisão recorrida; finalmente,
que o recurso não seja de considerar, em termos de análise liminar, como manifestamente
infundado» – Carlos Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal
Constitucional, Coimbra, Almedina, 2010, p. 75.
Acresce que, na nossa ordem jurídica, o controlo da constitucionalidade tem natureza
estritamente normativa, ou seja, versa necessariamente sobre “normas” ou “interpretações
normativas”, estando, portanto, excluída, a apreciação pelo Tribunal Constitucional do mérito das
decisões.
11. A presente reclamação incide sobre o despacho que não admitiu o recurso de
constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em
18/01/2024.
Segundo o despacho reclamado, o recurso de constitucionalidade não foi admitido por ser
intempestivo, com base na seguinte fundamentação: o prazo de 10 dias para a sua interposição
iniciou-se com a notificação ao mandatário do requerido/recorrente, ora reclamante, do acórdão
recorrido, a qual, nos termos do disposto no artigo 113.º, n.os 11 e 12, do Código de Processo Penal,
se presume feita no dia 22/01/2024, daí que na data em que o recurso foi interposto – 07/02/2024
– o referido prazo já estava ultrapassado.
12. Como se disse, o tribunal a quo considerou que o termo inicial do prazo de 10 dias para
interpor o recurso de constitucionalidade coincidiu com a notificação do acórdão recorrido ao
mandatário do requerido/recorrente, ora reclamante.
Com a interposição do presente recurso visa o recorrente a fiscalização da constitucionalidade da
interpretação dos artigos 92.º, n.º 3, e 113.º, n.º 10, ambos do Código de Processo Penal no sentido
de que a «notificação ao mandatário que não conhece a língua materna do requerido é suficiente para que [a
notificação prevista naquele artigo 113.º, n.º 10] se mostre cumprida».
A norma objeto do recurso está ligada à contagem do prazo para a prática dos atos subsequentes
à notificação, designadamente para a interposição do recurso de constitucionalidade, na medida em
que a notificação do acórdão recorrido constitui o dies a quo desse prazo.

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Verifica-se, assim, uma estreita relação entre o objeto do recurso e o próprio direito a
interpor recurso para o Tribunal Constitucional, cujo exercício tempestivo depende do sentido
interpretativo conferido aos artigos 93.º, n.º 2, e 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal e do
juízo que recaia sobre a sua conformidade constitucional. Com efeito, na hipótese de se entender que
a interpretação normativa é inconstitucional, o prazo para interpor recurso para o Tribunal
Constitucional contar-se-ia desde a notificação pessoal ao requerido da tradução do acórdão
recorrido, sendo, nesse caso, tempestivo.
Por conseguinte, não pode o tribunal recorrido rejeitar o recurso por intempestividade com
base num critério normativo cuja constitucionalidade é questionada nesse mesmo recurso, sob pena
de o recorrente «ficar preso nas malhas de um círculo vicioso» (expressão usada no Acórdão n.º
146/2018 proferido a propósito de uma situação equiparável à dos presentes autos).
13. Todavia, conforme se referiu, para a procedência da reclamação não basta afastar o
argumento de rejeição do recurso afirmado na decisão reclamada, uma vez que a reclamação apenas
poderá ser julgada procedente se não se verificarem outros motivos – mesmo que não considerados
naquela decisão – que igualmente a sustentem.
Importa, pois, determinar se estão, ou não, preenchidos os pressupostos de admissibilidade
do recurso interposto pelo reclamante.
Além de o objeto do recurso ser idóneo, resulta do requerimento de arguição de nulidade e
reforma do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/12/2023 que a questão de
constitucionalidade foi suscitada previamente e de modo processualmente adequado, cumprindo-se o
requisito do artigo 72.º, n.º 2, da LTC. Acresce que a norma sindicada foi efetivamente aplicada pelo
tribunal a quo, como resulta do teor do acórdão recorrido («o entendimento jurisprudencial do Tribunal
Constitucional de ausência de inconstitucionalidade da interpretação que as decisões dos tribunais superiores em recurso
não têm de ser notificadas ao arguido, desde que o sejam ao advogado/defensor [...] é aqui inteiramente aplicável») e é
confirmado no despacho ora reclamado [«tratando do acórdão recorrido (18/01/2024) de uma decisão de
tribunal superior, não se afigura inconstitucional a interpretação de não ser obrigatória a sua notificação ao (...)
requerido que não domine a língua portuguesa, desde que a mesma seja feita ao seu advogado»].
Se é, assim, certo que no acórdão recorrido se conclui que a lei não exige a notificação das
decisões ao requerido que não domina a língua do processo, desde que o sejam ao advogado ou
defensor – o que corresponde à interpretação normativa impugnada –, não é menos verdade que se
afirma também que, ainda que assim não fosse, o vício (a existir) não corresponderia a qualquer
nulidade, mas sim a mera irregularidade, entretanto sanada mediante a notificação ao requerido das
partes essenciais do acórdão de 29/12/2023 (cf. o ponto 2.6. do Relatório, supra).
A este respeito importa notar que o tribunal a quo sempre salientou a distinção entre a
obrigatoriedade da notificação conjunta e o direito do requerido que não compreende a língua do
processo à tradução dos documentos essenciais, não só no acórdão recorrido [«a questão da
obrigatoriedade da notificação das decisões dos tribunais superiores (apenas) ao advogado não se confunde com o direito
de o (...) requerido que não compreende português conhecer os documentos processuais essenciais para a sua defesa e as
partes essenciais das decisões que o afetem traduzidos para a sua língua»], como no despacho proferido em
12/01/2024 que ordenou a tradução para a língua checa de certos excertos da fundamentação e da
decisão do acórdão de 29/12/2023 [«sendo questões distintas a (...) obrigatoriedade de notificação e o direito à
tradução reconhecido ao requerido, nos termos dos artigos 2.º, n.º 7, e 3.º da Diretiva 2010/64/UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 20 de outubro de 2010], como, ainda, no despacho ora reclamado [«a questão da
obrigatoriedade de notificação de decisões dos tribunais superiores ao advogado (e não ao arguido) não se confunde com o
direito de o arguido ou requerido que não compreende a língua do processo em causa à tradução para a sua língua dos
documentos essenciais à sua defesa, no quadro de um processo justo e equitativo»]. Apesar de esta distinção gerar
alguma ambiguidade quanto à ideia de sanação (na medida em que o tribunal a quo parece aceitar que
um ato de certa natureza é apto a suprir a omissão de um ato de natureza diversa), a verdade é que o
próprio recorrente admite a correção, como resulta do próprio requerimento de interposição do
recurso para o Tribunal Constitucional [«o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu que as decisões em causa
(29.12.2023 e 18.01.2024) estão incluídas entre aquelas cuja notificação conjunta ao advogado e ao arguido é
imposta pelo artigo 113.º, n.º 10, do CPP, corrigindo assim, uma ilegalidade anteriormente cometida, qualificando a
mesma como uma simples irregularidade e não uma nulidade relativa, como vinha arguida pelo defensor na peça
processual de 11.01.2024»] e na reclamação que deu origem aos presentes autos [«o Supremo Tribunal de
Justiça reconheceu que as decisões em causa (29.12.2023 e 18.01.2024) estão incluídas entre aquelas cuja notificação
conjunta ao advogado e ao arguido é imposta pelo artigo 113.º, n.º 10, do CPP, corrigindo assim, uma ilegalidade
anteriormente cometida, qualificando a mesma como uma simples irregularidade e não uma nulidade relativa, como
vinha arguida pelo defensor na peça processual de 11.01.2024»].
As considerações precedentes, globalmente consideradas, permitem concluir que se trata de
um fundamento alternativo para negar a pretendida declaração de uma omissão contrária à lei
processual, inutilizando a apreciação da constitucionalidade da norma indicada, já que, mesmo em
caso de procedência do recurso, a decisão recorrida sempre se manteria com base no fundamento
que não vem questionado (cf. Carlos Lopes do Rego, ob. cit., p. 63, e, entre muitos outros, o Acórdão
n.º 222/2023). No caso, esta razão de inutilidade do recurso, que tem por base a insuscetibilidade de
modificação da decisão recorrida por via do pretendido recurso de constitucionalidade, é reforçada
pela afirmação inequívoca do recorrente no sentido de aceitar a sanação do vício que invocou, ao
ponto de deixar exposta, a par da inutilidade, uma autêntica perda de interesse em agir, no que
respeita a ver suprida a falta de notificação.

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Deste modo, não sendo o recurso viável, pelo que se disse, quanto a esta questão, restaria,
eventualmente, uma discussão útil sobre outra diversa, em que a primeira se projeta
consequencialmente, sem com ela se confundir: a da contagem do prazo para prática de um ato
processual subsequente à notificação (cf. a parte final do artigo 113.º, n.º 10, do Código de Processo
Penal). Esta última foi, efetivamente, debatida no processo. No entanto, o recorrente não levou essa
dimensão ao objeto do recurso com a autonomia que permitiria reconhecer uma norma impugnada
respeitante unicamente às regras de contagem de prazos processuais.
Impõe-se, em suma, a confirmação da decisão reclamada, ainda que com base em diferente
fundamentação.

III – Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) indeferir a presente reclamação;
b) condenar o reclamante em custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC (artigo
7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios constantes do n.º
1 do artigo 9.º, do mesmo diploma legal).

Lisboa, 11 de abril de 2024 - João Carlos Loureiro - Joana Fernandes Costa - José João Abrantes

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