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22/04/24, 16:17 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 307/2024 .

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ACÓRDÃO Nº 307/2024

Processo n.º 313/24


2.ª Secção
Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio apresentar


reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (doravante designada por LTC), do despacho proferido naquele tribunal que,
em 1 de fevereiro de 2024, não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

2. O aqui reclamante recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da


Relação do Porto, que julgou parcialmente procedente a apelação, decidindo «decretar a inibição de A.
para administrar património de terceiros, por um período de três anos; decretar a inibição para o exercício do comércio
de A. durante um período de três anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular órgão de sociedade
comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; condenar
A. a indemnizar os credores da devedora insolvente no montante de € 288.000,00 (90% de 320.000,00), até às
forças do seu património.» Por acórdão datado de 20 de dezembro de 2023, decidiu-se não admitir o
recurso de revista excecional.
Inconformado, o recorrente apresentou reclamação da decisão que não admitiu o recurso, ao
abrigo do artigo 643.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que, por acórdão datado de 31 de janeiro
de 2024, foi indeferida.

3. Paralelemente à apresentação da aludida reclamação, interpôs recurso para o Tribunal


Constitucional, nos seguintes termos:
«A., Recorrente nos autos à margem referenciados e neles devidamente identificado, tendo
sido notificado da decisão singular proferida por esse Venerando Tribunal, da qual não é admitido
recurso ordinário, vêm do mesmo interpor
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
O que fazem com os fundamentos seguintes:
Colendos Juízes Conselheiros
Do Tribunal Constitucional
1. O presente recurso é interposto ao abrigo dos artigos 70. °, n.º 1, al. b) e n.º 2, 71.º,
n.º 1, 72.º, nº 1, al. b) e n.º 2, 75.º, n.º 1 e 75.º-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
2. O Recorrente suscitou no recurso que interpôs da Sentença datado de 10 de maio de
2023 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 3, a
inconstitucionalidade da interpretação produzida das disposições conjugadas dos artigos a) a e) do n.º
2 do artigo 189.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por violação dos artigos
18.º, n.º 2 e 26.º da Constituição da República Portuguesa.
3. Designadamente, além de motivado e fundamentado, o recurso do Recorrente
concluiu que:
«(...) CLIX. E perante tal excessividade, a Sentença em crise está eivada de inconstitucionalidade, porque
viola os princípios e direitos constitucionais protegidos e consagrados na Constituição da República Portuguesa,
nomeadamente o direito ao trabalho e com liberdade de escolha, o direito à iniciativa económica e até à propriedade
privada (cfr. artigos 58º, n° 1, 47.º, nº 1, 61.º, n.º 1 e 62.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa).
(...)»
4. Como se vê, no referido recurso, alegou o ora Recorrente a inconstitucionalidade material
da interpretação e aplicação sufragada pelo douto Tribunal a quo do disposto na alínea d) do nº 2 e 4
do art. 189º do CIRE, no âmbito da aplicação das referidas normas legais no cálculo do valor da
indemnização devida aos credores, por esta revelar-se excessiva e desproporcional face ao acervo
factual julgado provado, o que se consubstancia na violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa e atenta contra os preceitos do artigo 26.º da Constituição da República
Portuguesa, que não consente a restrição a um direito fundamental, violando os princípios da
proibição do excesso, da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade ali ínsitos.
5. Na verdade, relevando o acervo factual julgado provado nos autos, as indemnizações
aplicadas no presente processo não visam salvaguardar o interesse dos credores, assumindo antes,
uma natureza sancionatória, que colide com os ditames da restrição contidos no artigo 18.º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa e que atenta contra os preceitos do artigo 26.º da Constituição
da República Portuguesa, que não consente a restrição a um direito fundamental, violando os
princípios da proibição do excesso, da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade ali ínsitos.
6. De facto, os Tribunais têm entendido que a condenação das pessoas afectadas pela
qualificação a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente tem a natureza de sanção

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civil.
7. O seu objectivo é a prevenção de comportamentos que consubstanciam a violação
dos deveres dos administradores em prejuízo dos credores através da sua responsabilização
(responsabilidade civil) pelos danos que sejam consequência adequada da actuação que conduz à
qualificação da insolvência como culposa.
8. Trata-se, assim, de uma previsão que faz acrescer à responsabilidade genérica prevista
nos artigos 64.º, n.º 1, alínea b), e 78.º do Código das Sociedades Comerciais, uma responsabilidade
específica dos administradores perante os credores sociais numa situação de insolvência da pessoa
colectiva devedora.
9. João Labareda e Carvalho Fernandes, in Código da Insolvência e Recuperação de
Empresas Anotado, 2.ª edição, página 736, observam que a forma com esta responsabilidade está
desenhada “releva que, a mais da função ressarcitória que realiza, assume manifestamente um caráter
de penalização pela culpa da insolvência". Para estes autores o modelo "recuperou substancialmente a
solução que fora acolhida nos artigos 126.º-A e 126º-B do CPEREF, introduzidos pelo DL 315/98,
de 20 de Outubro", embora com diferenças relevantes, de que aqui se destaca o facto da nova lei não
fazer "nenhuma referência à possibilidade de a responsabilidade ser limitada ao dano efectivamente
causado pelo culpado quando inferior ao do passivo não coberto pelas forças da massa,
diferentemente do que sucedia com a parte final do n.° 1 do art.º 126.º-B". Anotam ainda que deste
modo se permite "ao juiz referenciar factores que, designadamente, em razão das circunstâncias do
processo, devam mitigar o recurso, puro e simples, a meras operações aritméticas de passivo menos
resultado do activo" abrindo consequentemente "espaço para uma reflexão atinente ao grau de culpa
atribuído aos atingidos pela qualificação de insolvência".
10. O Tribunal Constitucional, no douto Acórdão n.º 280/2015, in
www.tribunalconstitucional.pt, considerou a este respeito que "a determinação do período de tempo de
cumprimento das medidas inibitórias previstas nas alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 189º do CIRE (inibição para a
administração de patrimónios alheios, exercício de comércio e ocupação de cargo de titular de órgão nas pessoas colectivas
aí identificadas) e, naturalmente, a própria fixação do montante da indemnização prevista na alínea e) do n.° 2 do
mesmo preceito legal, deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa
qualificação legal".
11. Nessa medida, deve entender-se que a medida da condenação deve reflectir a
gravidade da conduta que determinou a qualificação da insolvência como culposa, ponderando a
culpa do afectado à luz do princípio da proporcionalidade.
12. Segundo esse critério, a indemnização deve corresponder ao montante dos danos
causados pelo comportamento do afectado que conduziu à qualificação da insolvência.
13. Se, por exemplo, a qualificação da insolvência decorre de um comportamento que se
traduziu na dissipação de todo ou parte considerável do património do devedor, a indemnização deve
ascender ao valor do património destruído ou dissipado que se não fosse esse comportamento iria
responder pela satisfação dos créditos.
14. É por isso que as normas em apreço estabelecem que o juiz deve fixar o valor das
indemnizações devidas e, se isso não for possível, fixar, ao menos, os critérios que permitirão liquidar
o seu valor, o que não seria minimamente necessário se a indemnização devesse corresponder apenas
à diferença entre o valor dos créditos e o pagamento a ser obtido na distribuição do produto da
liquidação do active.
15. Sucede que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 12 de
Setembro de 2023 de que ora se recorre apreciou tal inconstitucionalidade, concluindo, pela
manutenção do resultado interpretativo da primeira instância.
16. O Tribunal da Relação do Porto manteve uma aplicação de normas num sentido
interpretativo inconstitucional, cuja apreciação ora se requer, decidindo, a fls., que:
"No que respeita ao quantum indemnizatório a fixar, rege o disposto no n.º 4 da aludida norma legal.
Contudo, não nos fornece a lei, em concreto, quais os critérios de fixação, mas o montante a indemnizar terá
necessariamente como limite a observar, por um lado, o valor dos créditos não satisfeitos, e, por outro lado, o do
património pessoal dos responsáveis. Sublinhe-se que o limite indemnizatório legal é fixado até montante dos créditos
não satisfeitos e não no valor dos actos culposos apurados em concreto. Com pertinência, veja-se o recente Acórdão do
STJ de 22.06.2021, relator Sr. Juiz Conselheiro Barateiro Martins, onde se pode ler: «... A qualificação como culposa
de uma insolvência - consistindo no escrutínio das condições em que eclodiu ou se agravou uma situação de insolvência -
tem em vista "moralizar o sistema": aplicar certas medidas/sanções ao(s) culpado(s) por tal criação ou agravamento,
não permitindo que, havendo culpado(s), o(s) mesmo(s) passe(m) impune(s). (...) Assim, no caso da indemnização
consagrada no art.º189.º, n.º2, alinea e), do CIRE, será atendendo e apreciando as circunstâncias do caso (tudo o que
está provado no processo) que o juiz pode/deve fixar as indemnizações em que condenará as pessoas afectadas. E entre
as circunstâncias com relevo para apreciar a proporcionalidade ou desproporcionalidade da indemnização a fixar
encontram-se os elementos factuais que revelem o grau de culpa e a gravidade da ilicitude da pessoa afectada (da
contribuição do comportamento da pessoa afectada para a criação ou agravamento da insolvência): mais estes (os
elementos respeitantes à gravidade da ilicitude) que aqueles (os elementos respeitantes do grau de culpa), uma vez que
estando em causa uma insolvência culposa, o factor/grau de culpa da pessoa afectada não terá grande relevância como
limitação do dever de indemnizar, sendo o factor/proporção em que o comportamento da pessoa afectada contribuiu para
a insolvência que deve prevalecer na fixação da indemnização.» CJuanto ao património pessoal dos responsáveis, apenas
se apurou que o requerido A. exerceu actividade de promotor imobiliário e encontra-se actualmente aposentado, tem
77anos de idade, e aufere de reforma cerca de € 1.400,00 mensais. No que concerne aos requeridos B. e C. nada se
apurou. Ponderando todos estes elementos, e porque face à gravidade dos factos (protagonizados pelo requerido A.) não
se justificará a ponderação da indemnização em valores muito inferiores ao do passivo que se verificar quedar-se por
satisfazer, parece-nos justo fixar-se a indemnização devidos aos credores (tendo em atenção o princípio "par conditio
creditorum", havendo aquela indemnização que ser integrada na massa e distribuídos pelos credores cujos créditos
reconhecidos, não hajam obtido satisfação) consistente no pagamento do montante dos créditos não satisfeitos, até às

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forças dos respectivo patrimónios, sendo a cargo do requerido A. 90% de tal montante de créditos não satisfeitos que se
vier a apurar, e apenas 10% a cargo dos requeridos C. e B., ainda que em regime de solidariedade entre todos os
afectados (cfr. alínea e) do n.º 2 do art.º 189.º do CIRE). Entende o apelante que a sua condenação a indemnizar os
credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos no processo de insolvência, na proporção de 10%, até às
forças do seu património, afigura-se desproporcional e desajustada. Consigna-se que a conclusão CXLIII padece de
lapso manifesto quando refere a sua condenação a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não
satisfeitos no processo de insolvência, na proporção de 10%, porquanto a percentagem correcta é de 90%. Sustenta o
apelante que a indemnização a fixar aos credores não prescinde de nexo de causalidade entre a actuação do devedor e o
montante dos créditos não satisfeitos, não prevendo a lei qualquer presunção relativa ao nexo de causalidade. Caso
contrário, estaríamos perante uma responsabilidade objectiva, que apenas pode existir nos casos expressamente previstos
na lei, sob pena de subversão de todo o sistema ressarcitório, punindo-se o devedor pela verificação de danos que não lhe
são imputáveis. Acrescenta que as sanções em causa não visam salvaguardar o interesse dos credores, assumindo antes,
uma natureza sancionatória, que, in casu, colide com os ditames da restrição contidos no artigo 18.°, n.º 2, CRP e que
atenta contra o disposto no artigo 26° CRP, que não consente a restrição a um direito fundamental, violando os
princípios da proibição de excesso, da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade ali ínsitos. Conclui que os
afectados pela qualificação da insolvência devem apenas responder na medida em que o prejuízo possa/deva ser
atribuído ao acto ou actos determinantes da culpa."
17. A supra mencionada violação da norma constitucional foi invocada no mencionado
recurso e refere-se a tema essencial na determinação dos efeitos da qualificação da insolvência
imputados pessoalmente aos aqui Recorrentes.
18. O Recorrente suscitou também a mesma questão de inconstitucionalidade, nas
suas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça que interpôs do Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto, datado de 2 de Outubro de 2023:
I. Sem prejuízo de se tratar claramente de uma interpretação de tais normas claramente desconformes
aos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso.
II. A propósito do princípio da proporcionalidade, tem o Tribunal Constitucional entendido que "as
decisões que o Estado (lato sensu) toma têm de ter uma certa finalidade ou uma certa razão de ser, não podendo ser
ilimitadas nem arbitrárias e que esta finalidade deve ser algo de detetável e compreensível para os seus destinatários. O
princípio da proibição de excesso postula que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido
haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma "justa medida" e encontra sede no artigo 2º da Constituição. 0
Estado de direito não pode deixar de ser um «Estado proporcional»" (cfr. o Acórdão n.º 387/2012).
III. No controlo da proibição do excesso, tem o Tribunal Constitucional seguido na análise da relação de
adequação entre um meio e o respetivo fim (princípio da proporcionalidade em sentido amplo) uma metódica de aplicação
assente num triplo teste, tal como sintetizado no Acórdão n.º 634/93 (além deste, v., entre muitos, os Acórdãos nºs
25/84, 85/85, 103/87, 455/87, 64/88, 69/88, 223/88, 392/89, 221/90, 285/92, 1182/96, 159/2007,
632/2008, 173/2009, 166/2010, 401/2011, 461/2011, 353/2012, 187/2013, 340/2013, 474/2013,
602/2013 e 509/2015).
IV. No caso vertente, haverá que atender, ao critério formulado no Acórdão nº 530/2008 do Tribuna!
Constitucional: existe excesso, neste contexto, se se puder concluir que a interpretação da(s) norma(s) em causa
determina, para a generalidade de situações, que o interessado se veja obrigado a suportar o pagamento de uma
indemnização de valor superior aos danos concretamente apurados.
V. Mas também está em causa o princípio da igualdade, nomeadamente na sua vertente de proibição do
arbítrio, porque na verdade, na fixação da indemnização por danos patrimoniais há um princípio geral conformador da
obrigação de indemnização - a reconstituição da situação atual hipotética (cfr. o artigo 562.° do Código Civil) - e, bem
assim, um modo comum de cálculo da indemnização em dinheiro, ou seja, de acordo com a teoria da diferença (artigo
566.º, nº 2, do Código Civil): «a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial
do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
VI. Numa perspetiva material ou substantiva, a igualdade jurídica corresponde a um conceito relativo e
valorativo assente numa comparação de situações: estas, na medida em que sejam consideradas iguais, devem ser tratadas
igualmente; e, na medida em que sejam desiguais, devem ser tratadas desigualmente, segundo a medida da diferença.
VII. Com efeito, a Constituição não proíbe todo e qualquer tratamento diferenciado, proíbe, isso sim, as
discriminações negativas atentatórias da (igual) dignidade da pessoa humana e as diferenças de tratamento sem uma
qualquer razão justificativa e, como tal, arbitrárias.
VIII. Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão nº 39/88:
«A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as
situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas
proporcionado: a justiça, como princípio objetivo, "reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de
proporcionalidade" - acentua Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 1972,
p. 29).
O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja:
proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação
razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual
situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em
categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13º.
Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados.
O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado quando as
medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento
material bastante.»
IX. Para além das hipóteses de tratamento diferenciado baseado no sexo, raça, língua, religião e demais
'categorias suspeitas' identificadas no artigo 13.º da Constituição - relativamente às quais vale uma proibição
tendencialmente absoluta de discriminação - domínios há em que, pela natureza das posições afetadas, a averiguação da
viabilidade constitucional do estabelecimento de diferenciações entre grupos ou categorias de sujeitos postulará um

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escrutínio mais rigoroso ou um controlo mais intenso das escolhas realizadas pelo legislador, quer quanto ao seu
fundamento, quer quanto à sua dimensão ou medida.
X. Sempre que assim suceder, a possibilidade de uma censura baseada no princípio da igualdade não
dependerá da ausência evidente de um qualquer fundamento ou motivo objetivo, que se afigure compreensível face à ratio
do regime questionado.
XI. Ao invés, a conclusão de que determinada lei é arbitrária apenas será evitada em presença de um
fundamento razoável, suscetível não apenas de tornar racionalmente inteligível a opção por um tratamento desigual, como
ainda de assegurar a adequação ou razoabilidade da medida da diferença que é imposta, face ao fundamento invocado.
XII. Seja qual for o exato recorte deste domínio ou o preciso ponto em que a sua fronteira deva ser em
definitivo traçada, é dado assente que a densidade do escrutínio postulado pelo princípio da igualdade, para além de
gradativa, deverá ser tanto mais intensa quanto mais inequívoca for a jusfundamentalidade das posições atingidas pelo
tratamento desigual.
XIII. Ou, inversamente, tanto menos intensa quanto mais exclusiva se revelar a ligação da medida
questionada ao espectro das escolhas políticas inerentes à definição do interesse público e/ou à seleção dos meios
adequados para o concretizar.
XIV. Como acontece com qualquer outra indemnização que visa reparar um dano, a indemnização aqui
em causa terá que ser fixada tendo em conta o concreto prejuízo que se pretende indemnizar e que, de acordo com as
regras fixadas nos artigos 562.º e 563.º do CC e no citado art.º 189.º do CIRE corresponderá ao valor dos créditos
que não foram satisfeitos por causa e em consequência da concreta conduta do afetado que determinou a qualificação da
insolvência. Tal prejuízo poderá corresponder à globalidade dos créditos que não sejam satisfeitos ou poderá corresponder
apenas a uma parte deles.
XV. Ora, aplicando-se as mesmas regras gerais (arts. 562º e 563º do CC), não se compreende por que
razão é que no caso de estar em causa uma indemnização devida por alguém, em sede de qualificação de insolvência
como culposa, o cálculo de determinação do quantum indemnizatório é agravado, e de modo arbitrário?!?!?
XVI. Pelo que é exatamente isso que o acórdão recorrido defende ao fixar como limite de indemnização o
valor dos imóveis objeto de venda quando sabe (está provado, com base em documentos autênticos) que o preço de venda
de tais imóveis foi recebido pela sociedade Insolvente."
19. A procedência da inconstitucionalidade suscitada é suscetível, pois, de determinar a
revogação da decisão recorrida, influindo na decisão do fundo da causa, nomeadamente quando à
questão de facto indicada.
20. Certo é que as interpretações normativas do preceito supra citado produzidas no
Acórdão ora recorrido, violam manifestamente o disposto no artigo 18.º, n.º 2 e 26.º da Constituição
da República Portuguesa.
Termos em que, deve o presente Recurso ser admitido e, após alegações, ser conhecido de
mérito e merecer provimento, declarando-se a inconstitucionalidade normativa suscitada, com os
legais efeitos.»

4. Por despacho de 29 de janeiro de 2024, o recorrente foi notificado para, no prazo de 5


dias, indicar qual é a decisão da qual interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, tendo sido
indicado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 20 de dezembro de 2023.

5. Por despacho datado de 1 de fevereiro de 2024, entendeu-se inadmissível este recurso, com
os seguintes fundamentos:
«(…)
A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pela Formação
do Supremo Tribunal de Justiça em 20.12.2023, nos termos do artigo 70.°, n.° 1, b), da Lei do
Tribunal Constitucional.
Alega a inconstitucionalidade material da interpretação e aplicação sufragada pelo douto
Tribunal a quo do disposto na alínea d), do n° 2 e 4, do artigo 189° do CIRE, no âmbito da aplicação
das referidas normas legais no cálculo do valor da indemnização devida aos credores, por esta revelar-
se excessiva e desproporcional face ao acervo factual julgado provado, o que se consubstancia na
violação do artigo 18.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa e atenta contra os preceitos do
artigo 26.° da Constituição da República Portuguesa, que não consente a restrição a um direito
fundamental, violando os princípios da proibição do excesso, da adequação, da exigibilidade e da
proporcionalidade ali ínsitos.
A admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional obedece à observância de rigorosos requisitos que visam a racionalização da
atividade daquele Tribunal.
Um desses requisitos é o de que os preceitos legais ou as interpretações normativas cuja
inconstitucionalidade é arguida tenham constituído a ratio decidendi do aresto impugnado.
Parafraseando inúmeros acórdãos do Tribunal Constitucional, considerando o caráter ou função
instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base,
exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão
recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada, pois, só assim,
um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão. Como
o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, caso a norma impugnada não tenha
constituído determinante do julgado, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do
objeto do recurso, por falta de interesse processual, já que, qualquer que seja o juízo formulado por
este Tribunal sobre a questão jurídico-constitucional, a decisão impugnada mantém-se incólume.
Ora, lendo o acórdão recorrido, o acórdão da Formação proferido em 20.12.2023, facilmente
se verifica que a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se alega foi por ele aplicada, pelo
que essa interpretação não integrara a ratio decidendi daquele aresto, não devendo por essa razão, o
recurso ser admitido.»

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6. Notificado desta decisão, o recorrente apresentou reclamação, ao abrigo do artigo 76.º, n.º
4, da LTC, nos seguintes termos:
«(…)
1. Compulsado o teor do Despacho que antecede, está em crise a eventual não
admissão do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional por,
alegadamente, não poder o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objeto do recurso, por
falta de interesse processual, já que, qualquer que seja o juízo formulado por este Tribunal sobre a
questão jurídico- constitucional, a decisão impugnada mantém-se incólume.
2. E ainda por se entender que, lendo o acórdão recorrido, o acórdão da formação
proferido em 20/12/2023, facilmente se verifica que a interpretação normativa cuja
inconstitucionalidade se alega foi por ele aplicada, pelo que essa interpretação não integra a ratio
decidendi daquele aresto, não devendo por essa razão, o recurso ser admitido.
3. Porém, o Recorrente não pode em absoluto e com todo o respeito, concordar com
o entendimento pugnado no Despacho que antecede.
4. Estatui o disposto no artigo 76º nº 4 da Lei do Tribunal Constitucional que "do
despacho que indefira o requerimento de interposição de recurso ou retenha a sua subida, cabe reclamação para o
Tribunal Constitucional."
Vejamos:
5. Refere o despacho que antecede que o recurso para o Tribunal Constitucional foi
interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional.
6. Determina o referido preceito legal que "cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em
secção, das decisões dos Tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o
processo".
7. Nos termos do disposto no artigo 76º nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional, "o
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando não satisfaça os
requisitos do artigo 75.--A, mesmo após o suprimento previsto no seu n.° 5, quando a decisão o não admita, quando o
recurso haja sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos
previstos nas alíneas b) e f) do n.º1 do artigo 70º, quando forem manifestamente infundados."
8. Ora, da análise da decisão em crise, entende o Recorrente, salvo o devido respeito
por opinião diversa, não estarem em causa o facto de a decisão não admitir recurso, a
intempestividade do prazo de recurso, nem tão pouco a falta de legitimidade do Recorrente.
9. Um outro requisito para o indeferimento do requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional é a não satisfação dos requisitos constantes do artigo 75º A da
Lei do Tribunal Constitucional, o qual refere, na sua alínea b) que cabe recurso para o Tribunal
Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais, que apliquem norma cuja inconstitucionalidade
haja sido suscitada durante o processo.
10. Ora, do requerimento deve, pois, constar a indicação da norma ou princípio
constitucional ou legal que se considere violado, bem como da peça processual na qual o Recorrente
suscitou a questão da inconstitucionalidade.
11. Requisito que o Recorrente teve em consideração e que o mesmo cumpriu.
Senão vejamos:
12. Referiu o Recorrente, no seu requerimento de interposição de Recurso para o
Tribunal Constitucional que "o Recorrente suscitou no recurso que que interpôs da sentença datada de 10 de maio
de 2023 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Comércio de Santo Tirso - Juiz 3, a
inconstitucionalidade da interpretação produzidas dos disposições conjugadas dos artigos a) a e) do nº 2 do artigo 189º
do Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas, por violação dos artigos 18º nº 2 e 26º da Constituição da
República Portuguesa." (sublinhado nosso).
13. E continuou referindo que "designadamente, além de motivado e fundamentado, o recurso do
Recorrente concluiu que: (...) CLIX. E perante tal excessividade, a sentença em crise está eivada de
inconstitucionalidade, porque viola os princípios e direitos constitucionais protegidos e consagrados na Constituição da
República Portuguesa, nomeadamente o direito ao trabalho e com liberdade de escolha, o direito à iniciativa económica e
até à propriedade privada (cfr. artigos 58º nº1, 47º nº 1, 61º nº 1, 62º nº 1, todos da Constituição da República
Portuguesa). (...)" (sublinhado nosso).
14. Mais referiu o Recorrente, no seu requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional que "como se vê, no referido recurso, alegou o ora Recorrente a
inconstitucionalidade material da interpretação e aplicação sufragada pelo douto Tribunal a quo do
disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 189º do CIRE, no âmbito da aplicação das referidas normas
legais no cálculo do valor da indemnização devida aos credores, por esta revelar-se excessiva e
desproporcional face ao acervo factual julgado provado, o que se consubstancia na violação do artigo
189 nº 2 da Constituição da República Portuguesa e atenta contra os preceitos do artigo 26º da
Constituição da República Portuguesa, que não consente a restrição a um direito fundamental,
violando os princípios da proibição do excesso, da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade
ali ínsitos." (sublinhado nosso).
15. Ora, perante o acima explanado, não se consente que o indeferimento do
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o tenha sido com
fundamento no não cumprimento dos requisitos do artigo 75º A da Lei do Tribunal Constitucional.
16. Tal como não se consente que o tenha sido com fundamento na não admissão da
decisão, na intempestividade do prazo ou na falta de legitimidade do Recorrente.
17. E ainda que tal requerimento não cumprisse os requisitos do artigo 75º A da lei do
Tribunal Constitucional, o que não se admite, deveria o Recorrente ser convidado ao aperfeiçoamento
o que, no caso concreto, não sucedeu.

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22/04/24, 16:17 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 307/2024 .
18. Isto porque, tal como determina o disposto no artigo 75º A nº 5 da Lei do Tribunal
Constitucional que "se o requerimento de interposição de recurso não indicar algum dos elementos previstos no
presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias."
19. O que, reitera-se, não sucedeu nos presentes autos.
20. Não existindo, pois, qualquer fundamento para o indeferimento do requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, com base na não satisfação dos requisitos
previstos no artigo 75º A, na não admissão da decisão, na intempestividade do prazo ou na falta de
legitimidade,
21. Coloca-se a questão de saber se o requerimento terá sido indeferido com base no
fundamento de que "no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º, quando forem
manifestamente infundados".
22. Atendendo ao supra exposto bem como ao teor do despacho de que agora se
reclama, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, assim perceciona o Recorrente que o recurso para o
Tribunal Constitucional é manifestamente infundado.
23. Para o efeito, não indica o Supremo Tribunal de Justiça qualquer fundamento legal.
24. Mas entende o Recorrente ter fundamento o recurso para o Tribunal Constitucional,
uma vez que incide sobre questões de inconstitucionalidade de normas jurídicas suscitadas adequada e
processualmente nos autos.
25. De acordo com a fundamentação aduzida pelo Supremo Tribunal de Justiça, o
recurso para o Tribunal Inconstitucional é manifestamente infundado com base no entendimento
daquele Tribunal, que tem vindo a defender que um dos requisitos para os recursos de
inconstitucionalidade é o de que os preceitos legais ou interpretações normativas cuja
inconstitucionalidade é arguida tenham constituído a ratio decidendi do aresto impugnado.
26. Todavia e salvo o devido respeito, a decisão de admissão ou de não admissão do
requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional restringe-se ao determinado no artigo 76 nº 2
da Lei do Tribunal Constitucional.
27. Sendo os requisitos ali previstos os únicos que poderão fundamentar a decisão de
admissão ou não admissão do recurso.
Acresce que,
28. Ao tribunal de cuja decisão haja recaído um requerimento de recurso para o
Tribunal Constitucional, está vedado conhecer do objeto concreto do requerimento de recurso no
despacho que decide da admissibilidade ou não desse mesmo recurso.
29. Na verdade, tal decisão cabe ao Juiz Relator do Tribunal Constitucional no âmbito
do exame preliminar e decisão de admissibilidade ou decisão sumária de não admissibilidade, nos
termos do disposto no artigo 78º A da Lei do Tribunal Constitucional.
30. Nos termos do referido preceito legal, "Se entender que não pode conhecer-se do objeto do
recurso ou que a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do
Tribunal ou por ser manifestamente infundada, o relator profere decisão sumária, que pode consistir em simples
remissão para anterior jurisprudência do Tribunal."
31. Ora, lendo-se o Despacho de que agora se reclama, parece que se está perante um
exame preliminar do requerimento de recurso fora do quadro normativo previsto no artigo 78º A da
Lei do Tribunal Constitucional.
32. Quanto ao entendimento de que "considerando o caráter ou função instrumental dos recursos
de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo - base", entende o Recorrente que o Supremo
Tribunal de Justiça está a antecipar que o Tribunal Constitucional não conheceria das questões
colocadas.
33. Na verdade, não sabemos.
34. Pelo que é insuficiente tal entendimento por parte do Supremo Tribunal de Justiça.
35. Ademais, nenhuma decisão, nenhum recurso, nenhum exercício de um direito
fundamental como o é o Recurso para o Tribunal Constitucional, que é um direito irrenunciável
(artigo 74º nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional), pode desempenhar uma função instrumental.
36. Ora, ao decidir-se antecipadamente, como o fez o Supremo Tribunal de Justiça, que
"os recursos de inconstitucionalidade desempenham uma função instrumental", por o Tribunal Constitucional só
poder "conhecer uma questão de inconstitucionalidade quando exerça influência no julgamento da causa", reduz-se a
elevada relevância jurídico-constitucional das decisões do Tribunal Constitucional.
37. Sendo o direito de recurso para o Tribunal Constitucional irrenunciável, a não
admissibilidade do requerimento de recurso não pode ter como fundamento material um
adiantamento de uma decisão que ainda não foi proferida, ou seja, cabe ao Tribunal Constitucional
decidir se a questão de inconstitucionalidade exerce ou não influência no julgamento da causa.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, requer-se a
V. Exa. a revogação do despacho reclamado e, em consequência, deve o requerimento de
recurso para o Tribunal Constitucional ser admitido, prosseguindo os seus ulteriores termos
legais.
Subsidiariamente, por mera cautela e dever de patrocínio, deve ser proferido
despacho de aperfeiçoamento.»

7. O Ministério Público emitiu parecer, no qual veio reforçar o entendimento adotado na


decisão reclamada, acerca da inadmissibilidade do recurso, nos seguintes termos:
«1. Está em causa nos presentes autos apreciar a reclamação apresentada pelo recorrente A.
do despacho do Senhor Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, proferido nos autos supra
identificados, em 01-02-2024, que decidiu não admitir o recurso que o ora reclamante havia
interposto para o Tribunal Constitucional.

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22/04/24, 16:17 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 307/2024 .
2. Pronunciando-nos sobre a reclamação apresentada, antecipamos o entendimento de que
não assiste razão ao reclamante, porquanto se afigura inteiramente procedente a fundamentação do
despacho do Senhor Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, supracitado.
3. Como é sabido, o sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade incide sobre
normas, e não é um “contencioso de decisões” seja qual for a sua natureza (cfr., CARLOS LOPES
DO REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional,
Coimbra: Almedina, 2010, pp. 26, 98; JORGE REIS NOVAIS, Sistema Português de Fiscalização da
Constitucionalidade. Avaliação Crítica, Lisboa: AAFDL Editora, 2019, p. 51).
4. Caracterizando-se, como é sabido, o sistema de fiscalização concreta de
constitucionalidade pela normatividade, o objeto normativo constitui a condição essencial do recurso de
constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
5. Não se trata, porém, da única condição. Neste tipo de recursos, exige-se ainda (e exige-se
cumulativamente): (i) o esgotamento prévio dos recursos normalmente admissíveis na ordem
jurisdicional em questão; (ii) a prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa (com
o específico sentido atrás apontado), “durante o processo” e “de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela
conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC); e, enfim, (iii) a aplicação, na decisão recorrida, como ratio
decidendi, da norma tida por inconstitucional pelo recorrente, na concreta interpretação
correspondente à dimensão normativa delimitada no requerimento de recurso, pois “[…] só assim
um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão” (Ac.
TC n.º 372/2015).
6. Na verdade, é patente a falta de integração da questão de constitucionalidade na ratio
decidendi da decisão recorrida (o acórdão da formação proferido a 20-12-2023) uma vez que que se
visou expressamente a apreciação do disposto no artigo 189 n.ºs 2 e 4 do CIRE e tal norma não
integrou a ratio decidendi da decisão impugnada pelo que um eventual julgamento de
inconstitucionalidade que sobre o mesmo incidisse não teria a virtualidade de se projetar na solução
jurídica dada ao caso pelo tribunal recorrido.
7. Pensamos, por outro lado, que seria, in casu, inexigível a formulação de qualquer convite ao
aperfeiçoamento do requerimento, ao abrigo do art. 75.º-A, n.ºs 5 e 6 da LTC,
8. Pois, conforme refere Lopes do Rego, «(…) importa distinguir claramente os planos dos
pressupostos do recurso de constitucionalidade – enunciados e especificados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 70.º e
no artigo 72.º da Lei n.º 28/82 – e os requisitos formais do requerimento de interposição do recurso de fiscalização
concreta, enumerados neste artigo 75.º-A – sendo manifesto que o convite ao aperfeiçoamento só tem sentido e utilidade
quando – verificando-se plausivelmente os pressupostos do recurso – faltam apenas alguns requisitos formais do
respectivo requerimento de interposição» (Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do
Tribunal Constitucional, cit., p. 217),
9. Assim, a aludida circunstância, por obstar a que pudesse ser conhecido o mérito do
recurso, por falta de pressuposto essencial, impediria, a nosso ver, que o mesmo pudesse ser
admitido,
10. Tal óbice não foi minimamente contrariado pelo teor da reclamação apreciada que
confirma, aliás, o bem fundado da douta decisão reclamada, uma vez que nada contrapõe de relevante
à sua fundamentação.
11. Pelo exposto, e assente nas razões do despacho reclamado, afigura-se ao
Ministério Público que deve a reclamação ser indeferida.»

8. Em 20 de março de 2024, foram remetidos os elementos processuais em falta, conforme


solicitado pela Relatora.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentos

9. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos


cumulativos da admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a
existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação;
o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou
interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; e
ainda a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente
adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da
República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Nestes termos, cabe discernir se, no presente caso, se verificam os requisitos enunciados.

10. O ora reclamante, no requerimento de interposição do recurso, invocou a


inconstitucionalidade das normas do artigo 189.º, n.º 2, alíneas a) a e), do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 26.º da Constituição (cf. parágrafo
2. do requerimento). Todavia, não apresenta, de forma absolutamente clara, o concreto critério

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normativo extraído dos mencionados preceitos que considera inconstitucional; reportando-se, antes,
aos termos em que suscitou a questão perante os tribunais a quo, que, de resto, revelam a
heterogeneidade da respetiva delimitação.
Apesar de não ter clarificado o concreto critério normativo extraído dos mencionados
preceitos que considera inconstitucional, tem pertinência imediata assinalar, independentemente de
qualquer outra análise sobre o objeto do recurso, que aquele preceito legal não foi convocado para
integrar a ratio decidendi da decisão recorrida.

11. A este propósito, importa começar por assinalar, de acordo com o esclarecimento
prestado pelo ora reclamante em 31 de janeiro de 2024, que o presente recurso se reporta ao acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça datado de 20 de dezembro de 2023.
Ora, compulsado o aresto recorrido, constata-se que o tribunal a quo se limitou a apreciar a
admissibilidade do recurso de revista interposto pelo ora reclamante, tendo concluído, nos termos
relatados, pela respetiva rejeição, em aplicação das regras processuais que regulam a admissibilidade
(nomeadamente, os artigos 671.º e 672.º, do Código de Processo Civil). Concretamente, na decisão
recorrida, o tribunal a quo conclui que se gerou uma situação de dupla conformidade decisória,
afastando, nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil a
admissibilidade da revista ordinária. Quanto à admissibilidade da revista excecional, o tribunal
recorrido negou-a, com fundamento no incumprimento do ónus de «indicar, na sua alegação, os aspetos
de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão
recorrido se encontra em oposição» (artigo 672.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil).
Configurando a admissibilidade do recurso um pressuposto lógico da apreciação do mérito do
recurso, bem se compreende que o artigo 189.º, n.º 2, alíneas a) a e), do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas jamais haja sido convocado como ratio decidendi da decisão recorrida. É,
pois, evidente que os preceitos em voga não foram aplicados na decisão recorrida.

11.1. Conforme sabemos, o pressuposto atinente à aplicação da norma ou dimensão


normativa que configura objeto do recurso como ratio decidendi da decisão recorrida constitui
decorrência da função instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade, que tem sido
considerada pela jurisprudência deste Tribunal como um dos pressupostos de admissibilidade do
recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. O sentido de tal exigência reconduz-se, a
final, à suscetibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade que se pretende submeter à
apreciação do Tribunal Constitucional se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica
adotada no tribunal a quo. Tal possibilidade efetiva-se quando a decisão sobre a questão de
constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, conduzindo
necessariamente uma reponderação da resolução do caso pela instância a quo, o que apenas sucederá
quando a norma delimitada como objeto do recurso constitua o fundamento jurídico determinante
da solução dada ao pleito pela instância recorrida.
Em consonância, revelando-se que os preceitos legais indicados pelo reclamante não
integraram a ratio decidendi da decisão recorrida, um eventual julgamento de inconstitucionalidade que
sobre a mesma incidiria não teria a virtualidade de se projetar na solução jurídica dada ao caso pelo
juiz a quo, razão pela qual não se conhece do recurso.

Nestes termos, mostrando-se ociosa a apreciação dos restantes pressupostos de


admissibilidade do recurso, face à sua necessária verificação cumulativa, conclui-se, desde já, pela
respetiva inadmissibilidade. Em coerência, impõe-se o indeferimento da presente reclamação,
confirmando-se a inadmissibilidade, pelo fundamento apontado, do recurso de constitucionalidade
interposto nos autos.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, sem
prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 11 de abril de 2024 - Mariana Canotilho

A Relatora, que participou na sessão por videoconferência, certifica os votos de


conformidade dos Senhores Conselheiros António José da Ascensão Ramos e Gonçalo de Almeida Ribeiro,
Vice-Presidente.
Mariana Canotilho

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22/04/24, 16:17 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 307/2024 .

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