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TÓPICOS DE RESOLUÇÃO

Processo Civil – Parte Geral – 04 de janeiro de 2023

Nota: os tópicos de resolução que se seguem constituem os elementos que teriam de ser
obrigatoriamente referidos com vista à obtenção da cotação correspondente a cada
pergunta, sendo que aos mesmos haverá que acrescentar os dados relativos ao
enquadramento e à aplicação dos conceitos mencionados, do ponto de vista teórico e com
referência aos dados concretos e relevantes da hipótese, fundamentando, assim, as
respostas.
Todas as disposições mencionadas sem referência à respetiva fonte pertencem ao Código de
Processo Civil (“CPC”).

QUESTÃO A)
(i) Litisconsórcio de Anabela e Belmira

• A é contitular da relação jurídica material subjacente ao pedido formulado pela


sucursal contra Belmira. Logo, estamos perante uma situação de litisconsórcio;

• Em regra, o litisconsórcio é meramente voluntário (art. 32.º/1);

• Não há um litisconsórcio necessário legal (art. 33.º/1), convencional (art. 33.º/1) ou


natural (art. 33.º/2 e 3). Justificar;

• Consequência: não há qualquer ilegitimidade, a sucursal não teria de demandar A e B,


para que o primeiro pedido pudesse ser apreciado, mas demandando apenas B, o
tribunal só poderá conhecer da quota-parte da responsabilidade de B (alegadamente
correspondente a € 30.000), ainda que o pedido abranja a totalidade (art. 31.º/1/2.ª
parte).

(ii) Coligação com Carlos

• Coligação: duas relações materiais controvertidas e dois pedidos diferentes contra


diferentes réus (art. 36.º). Justificar;

• Identificação do fator de conexão material relevante: os pedidos não têm a mesma


causa de pedir, mas existe entre eles uma relação de dependência/prejudicialidade
(art. 36.º/1). Justificar;

• Compatibilidade processual:
o Ambos os pedidos seguem a forma única de processo declarativo comum
(arts. 37.º/1, 546.º/1 e 2/2.ª parte e 548.º). Justificar;
o Identidade de competência absoluta
§ Competência internacional

• Pedido 1 (contra B):


o Situação plurilocalizada. Justificar;
o Regulamento 1215/2012 não aplicável: âmbito de
aplicação material (ou objetivo) (art. 1.º) e temporal
(arts. 66.º e 81.º) verificados, mas âmbito de aplicação
espacial (ou subjetivo) não: Belmira (ré) não tem
domicílio num Estado-Membro (arts. 4.º/1 e 6.º/1, e
62.º), nem o pedido se acha abrangido pelo disposto nos
arts. 24.º e 25.º;
o É aplicável o CPC (art. 59.º);
o Os arts. 63.º e 94.º não se aplicam; o critério da
coincidência [art. 62.º/a)], conjugado com o art. 71.º/1)
não permite atribuir competência aos tribunais
portugueses; o critério da causalidade [art. 62.º/b)] sim,
tendo em conta que o contrato e o incumprimento
ocorreram em Portugal;
o Os tribunais portugueses são competentes.

• Pedido 2 (contra C):


o Situação doméstica. Justificar;
o Os tribunais portugueses também são competentes em
relação a este pedido.
§ Competência em razão da matéria e da hierarquia

• Igual para os dois pedidos:


o [Matéria] Tribunais judiciais (vs. outras ordens
jurisdicionais) (arts. 209.º/1 e 211.º CRP; 64.º CPC;
29.º/1 e 40.º/1 LOSJ + leis orgânicas/organização das
outras ordens de tribunais). Justificar;
o [Hierarquia] Tribunais judiciais de primeira instância
(vs. Relação e STJ) (arts. 67.º-69 CPC; 42.º, 52.º-56.º,
72.º, 73.º, 76.º LOSJ). Justificar;
o [Matéria] Dentro dos tribunais de primeira instância,
tribunais judiciais de comarca (vs. tribunais de
competência territorial alargada) (arts. 210.º/1 e
211.º/2 CRP; 29.º/1, 33.º, 40.º/2, 43.º/4, 79.º, 80.º, 83.º
e 111.º-116.º LOSJ). Justificar;
o [Matéria] Dentro dos tribunais judiciais de comarca,
juízos de competência genérica ou juízos cíveis
(vs. outros juízos de competência especializada
(arts. 211.º/2 CRP; 40.º/2, 80.º/2, 81.º e 117.º-129.º
LOSJ);

• Compatibilidade entre os pedidos (art. 555.º): também verificada. Justificar.

• Conclusão: é admissível a coligação.

(iii) identificação do tribunal competente (continuação)

• Competência em razão do valor e da forma de processo


o Forma: v. supra
o Valor:
§ Pedido 1: 60.000€ (art. 301.º/1);
§ Pedido 2: 4.500€ (art. 297.º/1);
§ Valor da ação: correspondente à soma dos dois (art. 297.º/2/1.ª parte);
valor total de 64.500€;

o É competente um juízo central cível [arts. 117.º/1/a)].

• Competência territorial
o Pedido 1: art. 80.º/3, por não ser possível a determinação do tribunal
competente com recurso ao art. 71.º/1: “(…) tribunal do lugar em que se
encontrar; não se encontrando em território português, (…) do domicílio do
autor, e, quando este domicílio for em país estrangeiro, (…) tribunal de Lisboa”;
não havendo dados na hipótese que permitam concluir que Belmira se
encontra em território português, terá de ser demandada no tribunal do
domicílio da sucursal, ou seja, no tribunal com competência sobre o município
de Aveiro;
o Pedido 2: art. 71.º/2: “lugar onde o facto ocorreu”, Aveiro;
o Conclusão: é competente um juízo central cível do Tribunal Judicial da
Comarca de Aveiro (Anexo II à LOSJ), competente para todos os pedidos.

(iii) alteração do domicílio de Belmira (Paris)


Se Belmira fosse domiciliada em Paris, os tribunais portugueses seriam também competentes
– não ao abrigo do art. 62.º/b) do CPC, mas ao abrigo do art. 7.º/1/a) e b), primeiro travessão,
ou do art. 8.º/a) do Regulamento 1215/2012, que, nesta hipótese já seria aplicável, ao abrigo
dos arts. 4.º/1, 6.º/1 e 62.º/2.

B)

Problema de (in)admissibilidade da prova testemunhal

• Regra geral da admissibilidade da prova por testemunhas (art. 392.º do Código Civil);

• Anabela pode ser testemunha porque não é parte na ação, ainda que seja parte da
relação material controvertida subjacente ao primeiro pedido (art. 496.º);

• Mas, a convenção de arbitragem (cláusula arbitral compromissória, cfr. art. 1.º/3 da


Lei da Arbitragem Voluntária) não é válida porque não foi escrita (arts. 2.º/1-5 e 3.º da
mesma Lei);

• Os arts. 364.º/1 e 393.º/1 do Código Civil consideram inadmissível o recurso a prova


testemunhal para fazer prova das declarações negociais que houvessem de ser
reduzidas a escrito, como requisito da respetiva validade;

• Mas poderá admitir-se o depoimento da testemunha quanto ao facto de o acordo ter


sido oral;

• Não tendo sido observada a forma escrita, a convenção de arbitragem é


manifestamente nula e o juiz não deverá absolver a ré da instância com fundamento
na existência de convenção de arbitragem (art. 5.º/1 LAV).

C)

Problema relativo ao pressuposto processual do patrocínio judiciário

• O patrocínio era obrigatório neste caso (arts. 40.º/1/a) e 629.º/1 CPC, e 44.º/1 LOSJ).
A causa tem valor superior à alçada dos tribunais de primeira instância – v. resposta à
questão 1, supra;

• João não é advogado, é estudante de Gestão, e como tal estamos perante um caso de
falta de constituição de advogado (art. 41.º);

• O juiz deve providenciar pelo suprimento da falta de constituição de advogado, neste


caso, determinando a notificação de Belmira (em despacho avulso, antes da sentença)
para constituir advogado dentro de prazo certo, sob pena de ficar sem efeito a defesa
(arts. 6.º/2 e 41.º);

• Embora o momento próprio para conhecer da verificação dos pressupostos


processuais seja a fase do saneamento e condensação (após os articulados), a falta de
constituição de advogado pode ser conhecida em qualquer altura.
D)

Problema relativo à força probatória da prova documental e da prova por confissão

• Prova documental
o Documento particular simples (art. 363.º/2/2.ª parte do Código Civil).
Justificar;
o Força probatória formal dos documentos particulares simples (art. 374.º do
Código Civil). Explicar;
o Força probatória material dos documentos particulares simples (art. 376.º do
Código Civil): só abrange as declarações das partes (no caso, que o
representante da sucursal declarou que recebeu de Anabela e Belmira a
quantia de 60.000€). Para se considerarem provados os factos declarados, é
necessária a confissão;

• Prova por confissão


o Noção (art. 362.º do Código Civil);
o Confissão extrajudicial (art. 355.º/4 do Código Civil), em documento particular;
o Força probatória (art. 358.º/2 do Código Civil): “(…) considera-se provado nos
termos aplicáveis a a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a
quem a represente, tem força probatória plena”;

• Nos termos conjugados dos arts. 376.º/2 e 358.º/2 do Código Civil, ter-se-á, assim, por
plenamente provado, além da declaração, que o representante da sucursal recebeu
de Anabela e Belmira a quantia de 60.000€ ou, por outras palavras, o pagamento;

• Nos termos do art. 465.º/1, a confissão é irretratável. Explicação;

• Porém, nos termos do art. 359.º do Código Civil, a autora poderá tentar contrariar
aquela prova se, além de alegar e provar que não recebeu a quantia de 60.000€,
provar que errou acerca desse facto ou que foi vítima de alguma falta ou vício da
vontade.

E)

Problema de distribuição do ónus da prova

• Ónus da prova: conceito, regras legais de repartição (arts. 342.º e segs. do Código Civil)
e teoria da norma. Explicação;

• Aplicação: identificação da norma-base e das respetivas previsão e estatuição


(art. 798.º do Código Civil); a autora teria o ónus de provar os factos correspondentes
(i) à constituição da obrigação de pagamento, (ii) o incumprimento da obrigação
contratual em causa, (iii) a culpa de Belmira, (iv) o dano, (v) o nexo de causalidade
entre o facto e o dano, como factos constitutivos do direito alegado – cfr. arts. 342.º/1
e 798.º do Código Civil;

• Contudo, o art. 799.º estabelece uma presunção legal de culpa e o art. 344.º
estabelece expressamente a inversão da regra de repartição do ónus da prova
“quando haja presunção legal”; e, no mesmo sentido, o próprio art. 799.º, n.º 1,
estabelece que “[i]ncumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o
cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”;

• Tendo em conta a presunção, bastaria à autora provar: (i) a existência da obrigação


de pagamento, (ii) o incumprimento dessa obrigação, (iii), o dano e (iv) o nexo de
causalidade. Nos termos do art. 799.º/1 do Código Civil, provada a falta de
cumprimento, a culpa tem-se por plenamente provada (sem prejuízo da possibilidade
que assiste ao devedor de provar o facto contrário, i.e., que a falta de cumprimento
da obrigação não procede de culpa sua – cfr. art. 355.º/2 do Código Civil);

• No caso, não tendo Belmira conseguido ilidir a presunção legal em causa, provando
que a falta de cobertura do cheque não lhe era imputável, e estando provados todos
os factos correspondentes aos demais pressupostos da responsabilidade civil
contratual, o tribunal deverá julgar contra ela, condenando-a no pedido.

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