Você está na página 1de 15

Caso prático

n.º 4
Pressupostos
Processuais
Caso prático n.º 4
Maia Som, Lda., sociedade comercial sediada na Maia, celebrou um contrato pelo qual se obrigou a fornecer, durante
oito meses, determinada quantidade de «Cd-Roms» a Vox Editora, Lda., com sede em Faro.

Desde março de 2018 a vendedora deixou de fazer as entregas contratualizadas, situação que causou a Vox Editora,
Lda, até ao momento da proposição da ação, prejuízos no valor de €12 876, 00, incluindo juros vencidos.

Esta última sociedade comercial resolveu o contrato de fornecimento, após diligências – que se revelaram infrutíferas
– junto da fornecedora para efetuar as prestações em falta.
Vox Editora, Lda, propôs ação de condenação contra a sucursal em Faro de Maia Som, Lda, pedindo o pagamento dos
aludidos € 12 876, 00, a que acrescem os juros que se vencerem até à reparação integral dos prejuízos causados.

Na contestação, a Ré arguiu a sua incapacidade judiciária, visto tratar-se de uma simples sucursal sem poderes
decisórios a nível da empresa, e também a ilegitimidade da Autora, por se tratar de uma sociedade comercial em
liquidação, logo, sem poderes para conduzir o processo.
Caso prático n.º 4
1) Caracterize os elementos fundamentais da causa.
Resolução:
• Elementos fundamentais da causa = elementos delimitadores do objeto do processo (pedido, partes e causa de
pedir)
• Partes – Vox Editora, Lda. (Autora) // sucursal de Faro da Maia Som, Lda. (Ré)
• Pedido: que seja a Ré condenada ao pagamento de 12.876,00€, a que acrescem os juros que se vencerem até à
reparação integral dos prejuízos causados.
• Causa de Pedir – qual é a relação material controvertida?
• Contrato de Fornecimento celebrado entre as Partes, que foi incumprido, alegadamente, pela Maia Som,
Lda.

2) Qual forma de processo segue a presente ação?


Resolução:
• Ação declarativa de condenação (artigo 10.º, n.º 3 alínea b) do CPC);
• Artigos 546.º e 548.º do CPC
Caso prático n.º 4
2) Qual forma de processo segue a presente ação?
(Cont.) Resolução:
• Artigo 546.º do CPC
“1 - O processo pode ser comum ou especial.
2 - O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei [artigos 878.º e ss. do CPC]; o processo
comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial.” (sublinhado e negrito nossos)
• Artigo 548.º do CPC
“O processo comum de declaração segue forma única.” (sublinhado nosso)
Não obstante, e atento o valor da causa (artigo 297.º, n.º 1 do CPC), seria de considerar se era aplicável ao caso a
ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato não superiores a 15.000 euros (DL
n.º 269/98, de 01.09.).
Não era aplicável, visto que a obrigação exigida pela presente ação emerge de uma situação de responsabilidade civil
contratual, e não da relação material controvertida “contrato de fornecimento”.
Portanto,
A presente ação declarativa de condenação seria de processo comum, seguindo forma única (artigos 546.º e 548.º do
CPC).
Sem prejuízo, vejam-se os artigos 597.º e 468.º, n.º 5 do CPC.
Caso prático n.º 4
3) Verifica-se a incapacidade judiciária da Ré com base no fundamento por ela invocado?

Resolução:
• Capacidade judiciária enquanto pressuposto processual (artigos 15.º a 29.º do CPC)
• Capacidade judiciária = suscetibilidade de estar, por si, em juízo (artigo 15.º, n.º 1 do CPC), tendo por base a
capacidade jurídica de exercício de direitos (n.º 2 do mesmo preceito).

A Ré, ao invocar a sua incapacidade judiciária (já vamos ver se bem ou mal), defendeu-se de que forma?
• Exceção dilatória, doutrinalmente, qualificada de exceção processual (artigo 577.º, c) 2.ª parte do CPC e 578.º, 1.ª
parte, também do CPC).

Na verdade, o facto de a Ré ser uma “simples sucursal sem poderes decisórios a nível da empresa” relevaria não ao
nível da sua eventual incapacidade judiciária, mas sim, e antes, da sua PERSONALIDADE JUDICIÁRIA (artigos
11.º a 14.º do CPC).
Caso prático n.º 4
3) Verifica-se a incapacidade judiciária da Ré com base no fundamento por ela invocado?

(Cont.) Resolução:
• PERSONALIDADE JUDICIÁRIA (artigos 11.º a 14.º do CPC).
[artigo 11.º do CPC]
“1 - A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte.
2 - Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária. ”= [princípio da equiparação]

Há, contudo, casos em que a lei estende a personalidade judiciária a entidades desprovidas de personalidade
jurídica – sucursais (órgãos de entidades que se descentralizaram).

Para o caso, seria, especialmente, relevante o artigo 13.º do CPC, sobre a “Personalidade Judiciária das Sucursais”
“1 - As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a
ação proceda de facto por elas praticado.
2 - Se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais,
delegações ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a ação
derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um
estrangeiro domiciliado em Portugal.” (sublinhado e negrito nossos)
Caso prático n.º 4
3) Verifica-se a incapacidade judiciária da Ré com base no fundamento por ela invocado?

(Cont.) Resolução:
• Aqui, não se aplicava o art. 13.º, n.º 1 do CPC, porque o contrato de fornecimento foi celebrado com a
Administração Principal (sediada na Maia).
• Também não se aplicava o n.º 2 do artigo 13.º do CPC, porque a sede não era no estrangeiro.

Faltava, portanto, PERSONALIDADE judiciária à sucursal Ré para figurar como parte na ação (não se tratava,
pois, de uma questão de incapacidade judiciária, como alegou a Ré).
• A falta de personalidade judiciária consubstancia (aqui, atendendo ao caso) uma exceção dilatória sanável.
• De que forma a falta era sanada?
• Art. 14.º do CPC – mediante a chamada à ação da ADMINISTRAÇÃO PRINCIPAL.
Caso prático n.º 4
3) Verifica-se a incapacidade judiciária da Ré com base no fundamento por ela invocado?
(Cont.) Resolução:
• Dá-se a hipótese às Partes para que procedam ao saneamento da exceção dilatória em causa, no despacho pré-
saneador (art. 590.º, n.º 2 a) do CPC) – que ocorre quando da fase da gestão inicial do processo.
• Nos termos do art. 6.º, n.º 2 do CPC, o juiz deve promover todas as diligências para que se proceda à
regularização da instância. Deve o Tribunal proceder à citação da Administração Principal, para que esta,
chamada à ação, ratifique o processado ou não o fazendo, este se repita desde o início.

Se a falta não for sanada,


• O juiz irá conhecer da exceção dilatória (por falta de personalidade judiciária) no Despacho Saneador (art. 595.º,
n.º 1, a) do CPC), julgando-a procedente: “Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam
sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;”
(sublinhado e negrito nossos)

Nota final [a propósito do art. 590.º do CPC]:


Note-se que, via de regra, não há despacho liminar (e quando é que a lei prevê os despachos liminares? art. 226.º,
n.º 4 do CPC).
Caso prático n.º 4
4) A circunstância de a Autora se encontrar em liquidação interfere com a legitimidade ativa para a ação em curso?

Resolução:
A questão, a colocar-se, seria ao nível da personalidade judiciária (e não da legitimidade) da Autora.

Para que a sociedade Autora se encontrasse em liquidação, antes tinha de ter sido dissolvida.
• E quando entra a sociedade em liquidação (artigos 146.º a 165.º do CSC)?
• “[artigo 146.º do CSC] 1 - Salvo quando a lei disponha de forma diversa, a sociedade dissolvida entra
imediatamente em liquidação, nos termos dos artigos seguintes do presente capítulo, aplicando-se ainda, nos
casos de insolvência e nos casos expressamente previstos na lei de liquidação judicial, o disposto nas
respectivas leis de processo.” (negrito e sublinhado nossos)
• Portanto, a sociedade entra imediatamente em liquidação quando dissolvida (salvo quando a lei disponha de
forma diversa).

• Sendo que, quanto às causas de dissolução imediata da sociedade, vejam-se os artigos 141.º e ss. do CSC.
Caso prático n.º 4
4) A circunstância de a Autora se encontrar em liquidação interfere com a legitimidade ativa para a ação em curso?
(Cont.) Resolução:
A sociedade Autora estava em processo de liquidação (já havia sido dissolvida, mas ainda não estava extinta, por
referência ao artigo 160.º, n.º 2 do CSC: “A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do
disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação.” - negrito nosso).
A sociedade em liquidação mantem a sua legitimidade ativa para ser parte na ação? A questão não é de legitimidade,
mas sim de personalidade judiciária.
• A resposta encontra-se no artigo 146.º, n.º 2 do CSC:
• “A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das
disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as
necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.” (negrito nosso)
• E quando a sociedade se extinguir, pelo registo do encerramento da liquidação?
• A sua personalidade judiciária cessa. Mas veja-se o artigo 162.º do CSC
“1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela
generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2
e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.” (negrito e sublinhado nossos)
Caso prático n.º 4
5) Em que fase do processo deve o juiz pronunciar-se sobre a defesa apresentada por Maia Som, Lda.?

Resolução:
• Recordando o que alegou a Ré, na contestação: “arguiu a sua [da Ré] incapacidade judiciária, visto tratar-se de
uma simples sucursal sem poderes decisórios a nível da empresa, e também a ilegitimidade da Autora, por se tratar
de uma sociedade comercial em liquidação, logo, sem poderes para conduzir o processo.”

• Fase intermédia do processo, designada de “Fase da gestão inicial do processo” (artigos 590.º a 598.º do CPC).
• Quanto à questão da alegada falta de capacidade judiciária, já atrás dissemos que tratar-se-ia de falta de
personalidade judiciária (que é uma exceção dilatória, neste caso, sanável, devendo o juiz convidar à sanação
quando do despacho pré-saneador e conhecer, afinal, no despacho saneador).
• Quanto à pretensa ilegitimidade da Autora, não se tratava de ilegitimidade, mas sim, a ocorrer, de falta de
personalidade judiciária da sociedade Autora, em liquidação (que não se verifica). Também seria conhecida pelo
tribunal, quando do despacho saneador (artigo 595.º, n.º 1 a) do CPC).
Caso prático n.º 4
6) Será possível a sanação de algum dos aspetos em que essa defesa se fundamentou?
Resolução:
• Recuperando o que se disse atrás, sobre a 1.ª modalidade de defesa expedida na contestação: i.e. “arguiu a sua [da
Ré] incapacidade judiciária, visto tratar-se de uma simples sucursal sem poderes decisórios a nível da empresa,
[…]”.
• Na verdade, o facto de a Ré ser uma “simples sucursal sem poderes decisórios a nível da empresa” relevaria
não ao nível da sua eventual incapacidade judiciária, mas sim, e antes, da sua PERSONALIDADE
JUDICIÁRIA (artigos 11.º a 14.º do CPC).
• Faltava PERSONALIDADE judiciária à sucursal Ré para figurar como parte na ação (não se lhe aplicava o
artigo 13.º do CPC).
• Estando em falta o pressuposto da PERSONALIDADE judiciária, tal consubstancia uma exceção dilatória
(neste caso) sanável.
• De que forma a falta era sanada?
• Art. 14.º do CPC – mediante a chamada à ação da ADMINISTRAÇÃO PRINCIPAL.
Nos termos do art. 6.º, n.º 2 do CPC, o juiz deve promover todas as diligências para que se proceda à regularização
da instância [artigo 590.º, n.º 2 a) do CPC]. Deve o Tribunal proceder à citação da Administração Principal, para
que esta, chamada à ação, ratifique o processado ou não o fazendo, este se repita desde o início.
Conhecimento da exceção ocorre em sede de despacho saneador (artigo 595.º, n.º 1 a) do CPC).
Caso prático n.º 4
7) Imagine que a Autora moveu a ação contra Artur Marques, gerente de Maia Som, Lda. Quais são as partes da ação?
Resolução:
• Partes – Vox Editora, Lda. (Autora) // gerente, Artur Marques (Réu)

Note-se que:
• Não foi intentada ação contra Maia Som, Lda., mas sim contra o gerente da dita empresa, a título pessoal (não
está aqui em representação).
• Se Artur Marques estivesse em representação, teríamos uma hipótese de representação orgânica, sendo que a
Parte era a representada (a sociedade Maia Som, Lda.).
7.1.) A ação é admissível?
Resolução:
Artur Marques não é sujeito na relação material controvertida, tal como foi configurada pela Autora. A Autora
configurou a relação material entre si e a Maia Som, Lda.
Aqui, Artur Marques não estava a atuar como representante da empresa, pelo que se verifica a existência de uma
exceção dilatória, doutrinalmente, exceção processual por falta de legitimidade passiva.
Art. 30.º (n.ºs 1 e 3) do CPC. Artur Marques deveria ser absolvido da instância (pq a exceção dilatória era
insanável, no caso; art. 278.º, n.º 1 d) do CPC).
Referências bibliográficas
• Quanto à(s) forma(s) de processo:
• FREITAS, José Lebre de, “A ação declarativa comum, à luz do Código de
Processo Civil de 2013”, Gestlegal, 4.ª edição, págs. 21 a 29 (exceto “2.2.
alçada do tribunal”).
• “Código de Processo Civil Anotado”, de Isabel Alexandre e Lebre de Freitas,
vol. 2.º, arts. 362.º a 626.º, Almedina, 4.ª edição, ver a anotação dos artigos
546.º (págs. 467 a 469) e 548.º (págs. 473 e 474) do CPC.

• Quanto à personalidade judiciária enquanto pressuposto processual:


• Veja-se a anotação de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre aos artigos 11.º a
14.º do CPC, vertida nas páginas 57 a 68 do CPC anotado (vol. 1.º), supra
identificado.
Referências bibliográficas
• Quanto ao suprimento de exceções dilatórias e seu conhecimento:
• Veja-se a anotação de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre aos artigos 590.º e
595.º, por referência ao CPC anotado atrás identificado (cfr. páginas 620 a
630, quanto ao despacho pré-saneador, e as páginas 655 a 661, quanto ao
despacho saneador).

Você também pode gostar