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ADVOCACIA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA

Daniela Victor de Souza Melo1

Unidade 2 – Prerrogativas processuais da Fazenda Pública


1) Da revelia
Embora se fale sempre em prerrogativas processuais da Fazenda Pública,
algumas delas decorrem da própria natureza das pessoas jurídicas de Direito Público,
cujos bens são afetados a prestação de serviços em prol da coletividade, por imperativo
constitucional.
A execução contra a Fazenda Pública, por exemplo, não pode ser estruturada
com ouma execução civil comum, porque não haverá constrição, nem expropriação de
seus bens, devendo a efetivação de sentenças condenatórias de dar mediante a
expedição de precatório ou requisição de pequeno valor.
Já foi dito sobre a necessidade de se promover uma análise individualizada dos
benefícios processuais concedidos à Fazenda Pública para verificar sua compatibilidade
com os direitos fundamentais processuais.
Passaremos a analisar cada uma das prerrogativas previstas no CPC, mas antes
trataremos da hipótese de a Fazenda Pública, que é presentada em juízo pela Advocacia
Pública, devidamente citada, não apresentar contestação em juízo.
A revelia pode ser definida como a ausência de contestação tempestiva. Sendo a
peça de resposta do réu às alegações do autor, sua ausência gera efeitos sobre a análise
da relação jurídica de direito material em jogo.
Embora a revelia também gere efeitos processuais, trazendo consequências no
trâmite de desenvolvimento do processo2, interessa-nos aqui o efeito material: a
presunção de veracidade das alegações de fato trazidas pelo autor. É o que dispõe o art.
344 do Código de Processo Civil:
Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão
verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.

1
Procuradora do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Tributário pela UFMG. Doutoranda em
Direito Tributário pela UFMG.
2
A revelia, por exemplo, implica na dispensa de intimação do réu para os atos do processo, correndo os
prazos contra o réu revel que não comparece nos autos da data de publicação do ato decisório no órgão
oficial (art. 346). No entanto, o revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no
estado em que se encontrar.
O efeito material da revelia, contudo, não se aplica sobre a Fazenda Pública.
Seja em razão da indisponibilidade do direito, seja pela presunção de legitimidade dos
atos administrativos, deve o magistrado, mesmo na hipótese de não apresentação de
contestação pela Fazenda Pública, determinar a instrução do feito para que a parte
autora possa se desincumbir do ônus de provar os fatos constitutivos de seu alegado
direito.3
É o que dispõem os arts. 345, inciso I, e 348 do Código de Processo Civil:
Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:
(...)
II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

Art. 348. Se o réu não contestar a ação, o juiz, verificando a inocorrência do efeito
da revelia previsto no art. 344 , ordenará que o autor especifique as provas que
pretenda produzir, se ainda não as tiver indicado.

Assim, sendo o direito da Fazenda Pública indisponível, não se admite o efeito


material da revelia quando a Fazenda Pública é ré, conforme previsão do art. 345, II, do
Código de Processo Civil. Esse é o entendimento consagrado no Superior Tribunal de
Justica:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL.
FATOS E PROVAS. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. EXAME. REVELIA. ENTE
FAZENDÁRIO. EFEITOS. INAPLICABILIDADE.
1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões
publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de
admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado n. 3 do Plenário do
STJ).
2. Para a decretação da fraude à execução fiscal é desnecessário ao julgador
perquirir acerca da boa-fé subjetiva do adquirente do bem em razão da presunção ex
lege de má-fé, sendo inaplicável, in casu, a interpretação consolidada no enunciado
da Sumula 375 do STJ. Precedentes.
3. Consolidou-se nesta Corte o entendimento segundo o qual não se aplica à
Fazenda Pública o efeito material da revelia, nem é admissível, quanto aos fatos

3
CPC
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à
impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior
facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de
modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a
oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do
encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes,
salvo quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.
que lhe dizem respeito, a confissão, em face da indisponibilidade dos bens e
direitos sob sua responsabilidade.
4. Hipótese em que, para a decretação da fraude à execução fiscal (ou seu
afastamento), faz-se necessário a verificação da circunstância de ter a alienação do
bem reduzido o patrimônio do executado à situação de insolvência, sendo certo que
o contexto fático delineado no acórdão recorrido não é suficiente à verificação desta
circunstância, cabendo às instâncias ordinárias a sua apreciação, sob pena de
supressão de instância.
5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1171685/PR, Rel. Ministro
GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/08/2018, DJe
21/08/2018)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FINSOCIAL.
MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTAS. ACÓRDÃO RECORRIDO EM
CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE, CONSOANTE
A QUAL AS EMPRESAS QUE SÃO EXCLUSIVAMENTE PRESTADORAS DE
SERVIÇOS SUBMETEM-SE AO RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO
PARA O FINSOCIAL, NOS MOLDES ESTABELECIDOS PELOS ARTS. 7o. DA
LEI 7.787/1989, 1o. DA LEI 7.894/1989 E 1o. DA LEI 8.147/1990. HIPÓTESE EM
QUE A AUTORA, A DESPEITO DE INTIMADA POR DIVERSAS VEZES, NÃO
LOGROU CARREAR AOS AUTOS A DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA A
RESPALDAR SUA PRETENSÃO. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART.
1.022 DO CÓDIGO FUX. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA
CONTRIBUINTE REJEITADOS.
1. Os Embargos de Declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade,
eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado. Ressalte-se, por
oportuno, que esta Corte admite a atribuição de efeitos infringentes a Embargos de
Declaração apenas quando o reconhecimento da existência de eventual omissão,
contradição, obscuridade ou erro material a acarretar, invariavelmente, a
modificação do julgado, o que não se verifica na hipótese em tela.
2. No presente caso não há qualquer omissão a ser sanada, uma vez que o acórdão
embargado encontra-se devidamente fundamentado, adotando a jurisprudência
consolidada desta Corte de que as empresas exclusivamente prestadoras de serviços
submetem-se ao recolhimento da contribuição para o FINSOCIAL, nos moldes
estabelecidos pelos artigos 7° da Lei 7.787/1989, 1° da Lei 7.894/1989 e 1° da Lei
8.147/1990. Consignou, também, que, a despeito de ser intimada por diversas vezes
na origem, a autora não logrou trazer aos autos qualquer documento que
comprovasse que desenvolvia atividade mista à época da cobrança do Finsocial
questionado nestes autos.
3. No pertinente à alegada violação do art. 334, III do CPC/1973, imperioso destacar
que o crédito tributário reveste-se do caráter de direito indisponível da Fazenda
Pública, de sorte que inaplicável ao caso o efeito material da revelia, não sendo
possível admitir a presunção de veracidade decorrente de ausência de
manifestação do Ente Fazendário em relação aos fatos alegados pela
Contribuinte em sua inicial. Precedente: AgInt no AREsp. 1.171.685/PR, Rel.
Min. GURGEL DE FARIA, DJe 21.8.2018.
4. Não se constatando a presença de quaisquer dos vícios elencados no art. 1.022 do
Código Fux, discordância da parte quanto ao conteúdo da decisão não autoriza o
pedido de declaração, que tem pressupostos específicos, os quais não podem ser
ampliados.
5. Embargos de Declaração da Contribuinte rejeitados.
(EDcl no AgRg no REsp 1196915/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/08/2019, DJe 28/08/2019)

Registre-se, contudo, que em um precedente da 4ª Turma, o Superior Tribunal de


Justiça admitiu que a pessoa jurídica de direito público sofra o efeito material da revelia,
por entender que o litígio, o caso, cuidava de típica questão de direito privado no âmbito
da Administração Pública.
DIREITO CIVIL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA EM FACE DE MUNICÍPIO.
CONTRATO DE DIREITO PRIVADO (LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS COM
OPÇÃO DE COMPRA). AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO. EFEITOS
MATERIAIS DA REVELIA. POSSIBILIDADE. DIREITOS INDISPONÍVEIS.
INEXISTÊNCIA. PROVA DA EXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO.
DOCUMENTAÇÃO EXIBIDA PELO AUTOR. PROVA DO PAGAMENTO.
NÃO OCORRÊNCIA. ÔNUS QUE CABIA AO RÉU. PROCEDÊNCIA DO
PEDIDO. CONCLUSÃO A QUE SE CHEGA INDEPENDENTEMENTE DA
REVELIA.
1. Os efeitos materiais da revelia não são afastados quando, regularmente citado,
deixa o Município de contestar o pedido do autor, sempre que não estiver em litígio
contrato genuinamente administrativo, mas sim uma obrigação de direito privado
firmada pela Administração Pública.
2. Não fosse por isso, muito embora tanto a sentença quanto o acórdão tenham feito
alusão à regra da revelia para a solução do litígio, o fato é que nem seria necessário
o apelo ao art. 319 do Código de Processo Civil. No caso, o magistrado sentenciante
entendeu que, mediante a documentação apresentada pelo autor, a relação contratual
e os valores estavam provados e que, pela ausência de contestação, a inadimplência
do réu também.
3. A contestação é ônus processual cujo descumprimento acarreta diversas
consequências, das quais a revelia é apenas uma delas. Na verdade, a ausência de
contestação, para além de desencadear os efeitos materiais da revelia, interdita a
possibilidade de o réu manifestar-se sobre o que a ele cabia ordinariamente, como a
prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (art.
333, inciso II, CPC), salvo aqueles relativos a direito superveniente, ou a respeito
dos quais possa o juiz conhecer de ofício, ou, ainda, aqueles que, por expressa
autorização legal, possam ser apresentados em qualquer tempo e Juízo (art. 303,
CPC).
4. Nessa linha de raciocínio, há nítida diferença entre os efeitos materiais da revelia
– que incidem sobre fatos alegados pelo autor, cuja prova a ele mesmo competia – e
a não alegação de fato cuja prova competia ao réu. Isso por uma razão singela: os
efeitos materiais da revelia dispensam o autor da prova que lhe incumbia
relativamente aos fatos constitutivos de seu direito, não dizendo respeito aos fatos
modificativos, extintivos ou impeditivos do direito alegado, cujo ônus da prova pesa
sobre o réu. Assim, no que concerne aos fatos cuja alegação era incumbência do réu,
a ausência de contestação não conduz exatamente à revelia, mas à preclusão quanto
à produção da prova que lhe competia relativamente a esses fatos.
5. A prova do pagamento é ônus do devedor, seja porque consubstancia fato
extintivo do direito do autor (art. 333, inciso II, do CPC), seja em razão de
comezinha regra de direito das obrigações, segundo a qual cabe ao devedor provar o
pagamento, podendo até mesmo haver recusa ao adimplemento da obrigação à falta
de quitação oferecida pelo credor (arts. 319 e 320 do Código Civil de 2002).
Doutrina.
6. Recurso especial não provido (STJ, REsp 1084745/MG, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Quarta Turma, julgado em 06/11/2012, DJe 30/11/2012).

2) Prerrogativas processuais da Fazenda Pública: foro, prazos diferenciados, prescrição,


reexame necessário, despesas processuais, honorários de sucumbência, multas e outras
prerrogativas
2.1. Foro
Não se pode falar em prerrogativa de foro para as ações em que for parte a
Fazenda Pública. O foro é regido por regras de competência territorial, competência
funcional (nas diversas leis de organização judiciária que preveem varas específicas
para a Fazenda Pública em determinadas localidades), e constitucional, na definição de
matérias de competência da Justiça Federal.
O art. 109 da Constituição da República assim define a competência da Justiça
Federal – que é absoluta – em razão da pessoa e da matéria:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem
interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de
falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do
Trabalho;
II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou
pessoa domiciliada ou residente no País;
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou
organismo internacional;
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens,
serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas
públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e
da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a
execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente;
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste
artigo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei,
contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
VII - os habeas corpus , em matéria criminal de sua competência ou quando o
constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a
outra jurisdição;
VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal,
excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência
da Justiça Militar;
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de
carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação,
as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
XI - a disputa sobre direitos indígenas.
§ 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde
tiver domicílio a outra parte.
§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em
que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu
origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
§ 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que
forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e
julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for
sede de vara federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de
2019)
§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal
Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.
§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da
República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes
de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá
suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou
processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
Observe-se que nas causas em que a União, a competência territorial para
processamento da ação veio prevista diretamente pela Constituição Federal: sendo a a
União autora, serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte;
sendo ré, poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor,
naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja
situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
Nessa linha, também dispôs o Código de Processo Civil:
Art. 51. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a
União.
Parágrafo único. Se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de
domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de
situação da coisa ou no Distrito Federal.

Esses mesmos critérios de competência territorial vão se aplicar quando se tratar


de ação em que figure como parte, ou como assistente ou oponente entidade autárquica
instituída pela União Federal ou empresa pública federal, tendo em vista o disposto no
oart. 109, I, da CR/88.
O CPC/2015 estendeu aos Estados-membros e ao Distrito Federal os critérios de
competência territorial aplicados à União Federal:
Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor
Estado ou o Distrito Federal.
Parágrafo único. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser
proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou
a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado.

Aplicou o legislador a mesma lógica no § 5º do art. 46, prevendo que a


execução fiscal será proposta no foro do domicílio do réu, no de sua residência ou no
local onde for encontrado.
Em relação ao Municípios, na ausência de disposição específica na lei
processual, prevalecem os critérios gerais de competência territorial previstos nos arts.
46 e 47 do CPC/2015.
Tanto o art. 52, como o § 5º do art. 46, abrem a possibilidade de que o ente
federado seja demandado ou tenha que demandar em outros Estados da Federação.
Tal fato motivou a propositura, ainda em 2016, da ADIN 5492, pelo Governador
do Estado do Rio de Janeiro, que questiona dispositivos do novo código, dentre os quais
o artigo 46, § 5º e 52, parágrafo único.
Um dos argumentos apontados para a inconstitucionalidade invocada está o de
que a obrigação do Estado demandar no foro do domicílio do autor, fora dos limites de
seu território, “violaria o contraditório pleno e a ampla defesa, esvaziando a Justiça
estadual e dando margem ao abuso de direito no processo”. Quanto à execução fiscal
invocou-se ainda que o dispositivo afeta a sustentabilidade financeira da Federação, pois
“sendo a execução fiscal o veículo por excelência de satisfação do crédito tributário, o
quadro levará a que se potencialize a guerra fiscal, conferindo a outro Estado a última
palavra sobre a interpretação de normas tributárias de ente distinto, possivelmente até
mesmo em benefício próprio – na hipótese, por exemplo, de sobreposição de interesses
fazendários.”4
A ADIN ainda não foi julgada pelo STF. Contudo, caso não seja declarado
inconstitucional, é necessário ao menos que se dê aos dispositivos uma interpretação
conforme a Constituição, para que fique restrito aos limites do território de cada Estado-
membro.
Ao acrescentar a nova hipótese de competência, o legislador ordinário parecer ter se
baseado no artigo 109, §§ 1º e 2º da Constituição Federal, que trata da competência da
Justiça Federal.
Art. 109. […] § 1o As causas em que a União for autora serão aforadas na seção
judiciária onde tiver domicílio a outra parte. § 2o As causas intentadas contra a
União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor,
naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde
esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

Mas a Constituição também trouxe regras específicos para a Justiça Estadual:


Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos
nesta Constituição.
§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a
lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

A unicidade do judiciário não afasta a atribuição de competências.


Talvez a interpretação mais adequada seria a limitação territorial da regra
contida no novo CPC, mantendo-se a possibilidade do ajuizamento no domicílio do
autor, mas desde que respeitada a limitação jurisdicional.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal não decide a questão, os dispositivos
seguem em plena vigência. Mas os próprios advogados têm relutado em ajuizar ações

4
Inicial da ADIn 5.492-RJ, pp. 15-16. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/
consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4959031> Acesso em:
22.maio.2017
em estados diferentes daquele do ente federativo demandado, o que acaba evitando qie a
doutrina se aprofunde no assunto.
De todo modo, na linha do que foi requerido na ADI 5492, o que se espera é a
limitação da competência instituída nos arts. 46, § 5º, e 52 aos limites territoriais do ente
federativo acionado, em atendimento ao previsto na Constituição Federal,
especialmente, o pacto federativo.
2.2. Prazos diferenciados
Passando a tratar das prerrogativas processuais da Fazenda Pública, entre elas
destacam-se os prazos diferenciados e a intimação pessoal. O CPC neste ponto
estabelece um regime uniforme dessas prerrogativas, tanto para a Fazenda Pública,
como para o Ministério Público e a Defensoria Pública.
O CPC 2015 pôs fim a controvérsia que versava no regime anterior, onde a
prerrogativa de intimação pessoal estava restrita à União, e às execuções fiscais, em
virtude do disposto na Lei n° 6.830/80.
Atualmente, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como suas
autarquias e fundações, gozam todos de prazo em dobro para as suas manifestações
processuais:
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas
autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as
suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação
pessoal.
§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de
forma expressa, prazo próprio para o ente público.

A justificativa apontada para os prazos mais dilargados residem na constatação


de que a Fazenda Pública possui uma série de limitações que acabam por gerar uma
maior dificuldade para a prática dos atos processuais, se comparada aos particulares.
Na unidade anterior, já tratamos dessas dificuldades, cabendo novamente
pontuá-las utilizando-nos das lições de Marco Antônio Rodrigues:
Em primeiro lugar, pode-se mencionar a dificuldade material na obtenção de
informações, que afeta diretamente o ônus de responder a demanda. As pessoas
jurídicasde direito público, sobretudo a União e os Estados, possuem muitas vezes
uma estrutura administrativa enorme, o que acarreta uma dificuldade grande na
verificação de dados que permitam a construção das teses de resposta a serem
adotadas. O Poder Público, apesar de ter evoluído muito em favor da promoção do
princípio da eficiência, é dotado de formalidades que são necessárias para a proteção
aos próprios princípios e regras constitucionais ou infraconstitucionais regentes da
Administração. Dessa forma, na obtenção de informações na atuação processual não
há uma igualdade de oportunidades entre as pessoas jurídicas de direito público e os
particulares em geral, o que justifica seja dado um tratamento diferenciado às
primeiras. Além disso, outro elemento que deve ser destacado é a ausência de
escolha pelo Procurador do ente público quanto às ações que irá patrocinar, o que
acarreta que tenha frequentemente um volume incomum de prazos processuais a
cumprir, e mesmo uma maior dificuldade para atuar em causas que não lhe sejam tão
convenientes.
Diante disso, pode-se afirmar que a previsão de prazos diferenciados para
manifestações processuais não ofende a isonomia. Ao contrário, protege a igualdade
material, estando justificada na própria razoabilidade da distinção.5

Acrescente-se que os advogados públicos não têm a possibilidade de escolher


em quantos processos pretendem peticionar, ou quantas ações conseguem acompanhar.
Não existe a possibilidade de recusarem uma demanda sob o fundamento de excesso de
trabalho. Pelo contrário, vêm-se obrigados a trabalhar com uma quantidade muito
superior de processos do que os advogados privados, estes sim livres para restringir ou
não as suas causas.
No entanto, há autores que discordam dessa posição. Para André Almeida
Garcia, essa visão não mais se justifica, não sendo possível concluir que o Poder
Público tenha sempre mais dificuldades que um particular para promover sua atuação
em juízo.
Segundo pontua o autor, é possível mesmo que em grandes centros urbanos, com
procuradorias estruturadas, a situação inclusive se inverta. Cita como exemplo caos de
ações que envolvam pedidos de fornecimentos de medicamentos, ou vagas em escolas,
casos em que os Estados, como litigantes habituais nessas matérias, possuem defesas
prontas para a discussão. Nessa situação, atenderia à isonomia justamente a inversão da
situação, qual seja, a ampliação do prazo para o litigante particular.
Como a medida da igualdade deve ser analisada diante do caso concreto, não
sendo possível definir aprioristicamente quem teria direito ao prazo estendido, e como
não seria razoável deixar a cargo do magistrado esta definição em cada caso, propõe o
autor que nas ações em que uma das partes for a Fazenfda Pública, o benefício do prazo
estendido seja aplicado a ambos os litigantes.
O CPC de 2015 acabou com a distinção que existia no regime anterior de
distinção de tratamento entre prazos para contestação (que eram contados em
quádruplo) e prazos para recursos (que eram contados em dobro), e estabeleceu que a
Fazenda Pùblica disporá de prazo em dobro para todas as suas manifestações. A regra
se aplica em qualquer procedimento.

5
RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. Atlas. 2. ed., Edição do Kindle, pp.
70/72.
Alguns autores entendem que a extensão do prazo aplicar-se-ia apenas aos
prazos legais, não abrangendo aquelas hipóteses em que o próprio juiz fixa o prazo, ao
argumento de que nestes casos magistrado já teria levado em conta que seu destinatário
seria a Fazenda Pública.6
No entanto, o Fórum Nacional do Poder Público teve entendimento em sentido
contrário:
Enunciado 53 – Os prazos comuns fixados pelo juiz devem ser contados em dobro
para a Fazenda Pública.

Além da contagem em dobro, as Fazendas Públicas, após o novo CPC, se


beneficiam da intimação pessoal, em todo e qualquer processo.
Não obstante, em um precedente específico, a 2ª Turma do STJ entendeu que
não haveria prerrogativa de intimação pessoal para advogado publico estadual, distrital
e municipal, salvo em execuções fiscais:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
INTEMPESTIVIDADE. INTIMAÇÃO PESSOAL DO PROCURADOR
ESTADUAL. DESNECESSIDADE.
1. A jurisprudência do STJ entende que os Procuradores Estaduais, do Distrito
Federal e dos Municípios não possuem prerrogativa de intimação pessoal, exceto
quando se tratar de Execução Fiscal, o que não é o caso dos autos.
2. Conforme consignado na decisão agravada, verifica-se que o recorrente foi
intimado da decisão agravada em 31/03/2017, tendo-se interposto o Agravo em
Recurso Especial somente em 22/05/2017. Logo, inadmissível, porquanto
intempestivo,visto que sua interposição ocorreu fora do prazo de 30 (trinta) dias
úteis, nos termos do art. 183, do art. 994, VIII, c.c. os arts. 1.003, § 5º, 1.042 e 219
todos do Código de Processo Civil.
3. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp 1146421/MA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018)
Tal precedente nega vigência ao disposto no art. 183 do CPC.
Entende-se por Fazenda Pública: a União, os Estados, o Distrito Federal, os
Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público. As sociedades
de economia mista e as empresas públicas não gozam dessa prerrogativa, eis que seu
regime jurídico é de direito privado.

6
Nesse sentido, cf. CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 18. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2021, pág. 35.
Ressalva o § 2º do art. 183 do CPC que “não se aplica o benefício da contagem
do prazo em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o
ente público.” Cabe pontuar algumas hipóteses, deixando claro que eventual inovação
legislativa pode excluir ou incluir situações não contempladas nesse momento.
a) Prazo para contestar ação popular
A Lei n° 4.717/65 estabelece, em seu artigo 7º, inciso IV, que o prazo para
contestar é de 20 dias, prorrogáveis por mais 20 a requerimento do interessado, se
particularmente difícil a produção da prova documental.7
Assim, não se aplica o art. 183 a tal prazo para resposta, pois a ação popular é
demanda típica de controle jurisdicional da Fazenda Pública, já possuindo regra
específica a prever a prorrogação de prazo.
Porém, quanto a outras manifestações processuais na ação popular, permanece
aplicável o artigo 183 do Código de Processo Civil.
b) Prazos nos Juizados Especiais Federais e nos Juizados Especiais da
Fazenda Pública
As Leis 10.259/01 e 12.153/09, que regulam, respectivamente, os Juizados
Especiais Federais e nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, preveem
expressamente que a Fazenda Pública não gozará de prazo diferenciado nos processos
que lá tramitem:
Lei n° 10.259/2001
Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da
Justiça Federal
(...)
Art. 9o Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual
pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos,
devendo a citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência
mínima de trinta dias.

Lei 12.153/2009
Dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do
Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.
(...)
Art. 7o Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual
pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos,

7
Lei n° 4.717/65:
Art. 7º A ação obedecerá ao procedimento ordinário, previsto no Código de Processo Civil,
observadas as seguintes normas modificativas:
(...)
IV - O prazo de contestação é de 20 (vinte) dias, prorrogáveis por mais 20 (vinte), a requerimento
do interessado, se particularmente difícil a produção de prova documental, e será comum a
todos os interessados, correndo da entrega em cartório do mandado cumprido, ou, quando for o
caso, do decurso do prazo assinado em edital.
devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada com antecedência
mínima de 30 (trinta) dias.

c) Prazo para impugnação ao cumprimento de sentença e para embargos à


execução pela Fazenda Pública
Nos termos do disposto no art. 535 do CPC, a Fazenda Pública será intimada
pessoalmente no cumprimento de sentença, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias
e nos próprios autos, impugnar a execução.8
Tratando-se execução de título extrajudicial, a Fazenda Pública será citada para
apresentar embargos no prazo de 30 (trinta dias), conforme previsão do art. 910 do
CPC.9
Sendo ambos prazos específicos e próprios para a Fazenda Pública, a eles não se
aplica o benefício da contagem em dobro.
d) Prazos na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de
constitucionalidade
Disciplinadas na Lei 9.868/99, essas ações provocam o controle abstrato de
constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e só podem ser propostas pos
determinados legitimados previstos constitucionalmente.
Entre os legitimados, não se encontram as Fazendas Públicas, aqui entendidas
como a União, Estados, Distrito Federal, suas autarquias ou fundações, não se
permitindo à pessoa jurídica de direito público interessada a interposição de recursos
nesses tipos de ação.
O STF, aliás, já firmou entendimento no sentido de que não se aplicam aos
processos de controle concentrado de constitucionalidade as prerrogativas processuais
dos entes públicos, tal como prazo recursal em dobro e intimação pessoal:
Processo Constitucional. Agravo Regimental em Ação direta de
inconstitucionalidade. Desprovimento. 1. As prerrogativas processuais dos entes

8
Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa
ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a
execução, podendo arguir: (...)
9
Art. 910. Na execução fundada em título extrajudicial, a Fazenda Pública será citada para opor
embargos em 30 (trinta) dias.
§ 1º Não opostos embargos ou transitada em julgado a decisão que os rejeitar, expedir-se-á precatório
ou requisição de pequeno valor em favor do exequente, observando-se o disposto no art. 100 da
Constituição Federal .
§ 2º Nos embargos, a Fazenda Pública poderá alegar qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como
defesa no processo de conhecimento.
§ 3º Aplica-se a este Capítulo, no que couber, o disposto nos artigos 534 e 535 .
públicos, tal como prazo recursal em dobro e intimação pessoal, não se aplicam aos
processos em sede de controle abstrato. 2. Agravo regimental não provido.
(ADI 5814 MC-AgR-AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno,
julgado em 06/02/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-171 DIVULG 06-08-
2019 PUBLIC 07-08-2019)

e) Prazo para a Fazenda Pública responder à ação rescisória


O prazo de resposta da ação rescisória guarda como particularidade o fato de não
se tratar de uma prazo puramente legal, mas misto, devendo o relator, estando em
ordem a petição inicial e não sendo o caso de indeferimento, determinar a citação do réu
para responder, estabelecendo um prazo de no mínimo 15 e no máximo 30 dias para
resposta:
Art. 970. O relator ordenará a citação do réu, designando-lhe prazo nunca inferior a
15 (quinze) dias nem superior a 30 (trinta) dias para, querendo, apresentar resposta,
ao fim do qual, com ou sem contestação, observar-se-á, no que couber, o
procedimento comum.

Leonardo Carneiro da Cunha entende que se trata de um prazo judicial, e, como


tal, já seria levada em conta pelo juiz, no momento de sua fixação, o fato de se tratar de
demanda contra a Fazenda Pública.10
No entanto, não foi esse o entendimento que restou consagrado pelo STF e pelo
STJ:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO PARA CONTESTAÇÃO.
ARTIGO 188 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
1. A regra do artigo 188 do Código de Processo Civil, referente à dilação de prazos
processuais, é aplicável ao prazo de resposta para a ação rescisória.
2. Precedentes do STF e do STJ. 3. Recurso especial conhecido (REsp 363.780/RS,
Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 27/08/2002, DJ 02/12/2002, p.
379).

AÇÃO RESCISORIA. PRAZO EM QUADRUPLO PARA AUTARQUIA


OFERECER CONTESTAÇÃO. MANTEM-SE O BENEFICIO ESTABELECIDO
PELO ART. 188 DO CPC, MESMO APOS O ADVENTO DA CARTA POLITICA
DE 1988. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (AgRg
na AR 250/MT, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 13/06/1990, DJ 06/08/1990, p. 7317)

PRAZO. AÇÃO RESCISÓRIA. (CONTESTAÇÃO). FAZENDA PÚBLICA. CPC,


ART-188 (APLICAÇÃO). O PRAZO PARA A FAZENDA PÚBLICA
CONTESTAR E AQUELE ESTABELECIDO NO ART-188 DO CPC. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO, POR MAIORIA DE VOTOS.
(RE 94960, Relator(a): RAFAEL MAYER, Primeira Turma, julgado em
24/11/1981, DJ 08-10-1982 PP-10190 EMENT VOL-01270-02 PP-00487)

10
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, pp.
44-45.
Embora proferidas ainda na vigência do CPC/1973, tal entendimento é
plenamente aplicável ao novo diploma processual, uma vez que a não aplicação do
benefício previsto no art. 183 somente se dará em casos de previsão legal expressa (art.
182, § 2º).
f) Os prazos na suspensão de segurança
O pedido de suspensão de segurança é um incidente processual que visa a
proteção do interesse público diante da concessão de um provimento jurisdicional que
cause grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
Seu regramento encontra-se previsto de maneira esparsa na legislação e será
melhor estudado na próxima unidade. Basta destacar, nesse momento, que o pedido de
suspensão de segurança destina-se apenas a suspender os efeitos de decisão que cause
grave lesão à saúde, economia, segurança ou ordem pública, não se submeter a prazo
específico, podendo, portanto, ser interposto a qualquer momento até o trânsito em
julgado.
Dispõe o art. 4° da Lei 8.437/92:
Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do
respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar
nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do
Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de
manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à
ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
§ 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação
cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto
não transitada em julgado.
§ 2o O Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em
setenta e duas horas.
§ 3o Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de
cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição.
(...)

Apesar da previsão do prazo de 5 dias para interposição do agravo (art. 4º, § 3º


da Lei 8.437/92), com o advento do novo Código de Processo Civil a maior parte da
doutrina entende que esse prazo passou a ser de 15 dias, consoante art. 1070 do CPC/15,
segundo o qual “é de 15 (quinze) dias o prazo para a interposição de qualquer agravo,
previsto em lei ou regimento interno de tribunal, contra decisão de relator ou decisão
unipessoal proferida em tribunal”.
Esse também é o entendimento consagrado no Enunciado nº 58, da I Jornada de
Direito Processual Civil, do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado nº 58. "O prazo para interposição do agravo previsto na Lei n. 8.437/92 é
de quinze dias, conforme o disposto no art. 1.070 do CPC".
Sobre o benefício da contagem do prazo em dobro, prevista no art. 183 do CPC,
no âmbito do Supremo Tribunal Federal, é pacífico o entendimento no sentido de que o
prazo para o agravo interno nos pedidos de suspensão não deve ser contado em dobro,
por existir prazo específico para a Fazenda Pública no art. 4º, § 3º, da Lei nº 8.437/1992,
aplicando-se, assim, a exceção do § 2º do artigo 183 do CPC.
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. PRAZO
RECURSAL. ARTIGO 188 DO CPC. PRAZO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Lei 4348/64 e superveniência da Lei 8437/92. Conciliação de sistemas legais
pertinentes à possibilidade de suspensão de medida liminar e de tutela antecipada.
Desfazimento de aparente assimetria processual então existente entre as ações de
mandado de segurança e os demais procedimentos de contracautela. Precedente do
Tribunal Pleno. 2. Agravo regimental. Cabimento do recurso contra a decisão que
defere ou indefere o pedido de suspensão de liminar ou de tutela antecipada, no
prazo de cinco dias. Contagem em dobro do prazo para recorrer quando a parte for a
Fazenda Pública ou o Ministério Público. Inaplicabilidade do artigo 188 do Código
de Processo Civil à espécie, tendo em vista o disposto no artigo 4º, § 3º, da Lei
8437/92. Agravo regimental não conhecido. (STF, Pleno, SS 2.198 AgR-AgR/PE,
Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 03.03.2004, DJe 02.04.2004, p.10).

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA.


INTEMPESTIVIDADE. INAPLICABILIDADE DE CONTAGEM EM DOBRO
DO PRAZO RECURSAL. ART. 15 DA LEI N. 12.016/2009: CINCO DIAS.
PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO.
(SS 4390 AgR-quinto, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA (Presidente), Tribunal Pleno,
julgado em 05/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-037 DIVULG 26-02-
2018 PUBLIC 27-02-2018)

Já o STJ oscila em relação à matéria, com precedentes em ambos os sentidos:

AGRAVO INTERNO. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE NÃO


CONFIGURADA. SUSPENSÃO DE JULGADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DO ESTADO. DECISÃO DE QUE SE BUSCA SUSPENDER OS EFEITOS, QUE
APENAS DETERMINA A OBEDIÊNCIA AOS EXATOS TERMOS DA
LIMINAR DEFERIDA EM PRIMEIRO GRAU. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DE GRAVE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA
PÚBLICAS. ARGUMENTAÇÃO DO AGRAVANTE VINCULADA
EXCLUSIVAMENTE AO MÉRITO DA DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO
INTERNO DESPROVIDO.
1. Preliminarmente, afasta-se a alegação de intempestividade do recurso, tendo em
vista que a questão do prazo em dobro para recorrer, inclusive no âmbito da
suspensão de liminar e sentença ou segurança, encontra respaldo na jurisprudência
da própria Corte Especial, bem como nos demais órgãos julgadores do Superior
Tribunal de Justiça. Ademais, a controvérsia foi dirimida com a redação do novo
Código de Processo Civil, em seu art. 183, quando diz que "A União, os Estados, o
Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito
público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais,
cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal ". A exceção à regra do caput
também foi prevista no § 2.º do referido artigo, que exige para a não aplicação do
benefício de contagem em dobro a menção expressa feita pela lei de regência, o que
não se verifica no caso da suspensão de segurança.
2. A execução de medida liminar deferida em desfavor do Poder Público pode ser
suspensa pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, quando a ordem tiver o
potencial de causar grave lesão aos bens tutelados pelo art. 4.º da Lei n.º 8.437/1992
e art. 15 da Lei n.º 12.016/2009, a saber, à ordem, à saúde, à segurança e à economia
públicas. (...) (AgInt na SS 2.902/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE
ESPECIAL, julgado em 01/02/2018, DJe 20/02/2018)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO AGRAVO INTERNO NO


RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. PRAZO EM DOBRO.
ART. 188 DO CPC/73. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO
STJ. 1. A jurisprudência deste Tribunal, em consonância com o entendimento da
Suprema Corte, afirma que não se aplica o disposto no art. 188 do CPC/1973, que
determina a aplicação do prazo em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda
Pública ou o Ministério Público, aos pedidos de suspensão de segurança.
Precedentes: AgInt. no AREsp 280.749/RN, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira
Turma, DJe 6/2/2017 e AgR-AgR, na SL 586, Relatora. Ministra. Cármen Lúcia
(Presidente), Tribunal Pleno, DJe de 25/8/2017.
2. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1754306/CE, Rel. Ministro
BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/07/2019, DJe
02/08/2019)
2.3. Prescrição
As demandas propostas contra a Fazenda Pública estão condicionadas à
observância de um prazo prescricional diferenciado da regra geral, prevista no Código
Civil. De maneira uniforme, o Decreto n° 20.910/32, recepcionado com força de lei pela
Constituição da República de 198811, estabelece a prescrição quiquenal das ações contra
a Fazenda Pública:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo
e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual
for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do
qual se originarem.

11
O Decreto, gestado pelo Governo Provisório após a Revolução de 1930, foi recepcionado com força de
lei pelas Cartas preterias e também pela Constituição Federal vigente, dado o exercício cumulativo da
função legislativa pelo Executivo Nacional no período ditatorial.
Embora o dispositivo diga que a prescrição quinquenal incide sobre todo e
qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, doutrina e jurispudência tem
entendimento pacificado de que o prazo de prescrição previsto no Decreto n° 20.910/32
incide apenas em relação aos direitos pessoais.
ADMINISTRATIVO E CIVIL. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO.
PRESCRIÇÃO DO DECRETO Nº 20.910/32. INAPLICABILIDADE.
PROPRIEDADE. DIREITO MATERIAL EM DISCUSSÃO DE NATUREZA
REAL. PRESCRIÇÃO DO ANTIGO CÓDIGO CIVIL. I - Não obstante a autora ter
intitulado a ação de anulatória de ato administrativo, fica clarividente dos autos que
a demanda é reivindicatória, sendo certo que o direito material em conflito é de
natureza real, pois, apesar de ter sido incluído dentre os pleitos formulados na
exordial a anulação da portarias que arrecadaram as terras, não resta dúvida de que a
pretensão final buscada pela ora recorrida é a restituição dos imóveis. II - Sem
embargo do disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, que expressamente prevê
que a prescrição qüinqüenal tem aplicação em qualquer tipo de direito ou ação em
face da Fazenda Pública, é assente na doutrina e na jurisprudência o entendimento
de que, em se tratando de ações que envolvam direitos reais, o prazo prescricional é
o comum, ou seja, o do Código Civil. Precedente: REsp. nº 623.511/RJ, Rel. Min.
LUIZ FUX, DJ de 06/06/05. III - Recurso especial improvido (REsp 770.014/MT,
Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 19/12/2005). (grifamos)

A prescrição quinquenal foi instituída com o nítido objetivo de beneficiar a


Fazenda Pública, uma vez que a legislação geral (Código Civil 1916) estabelecia um
prazo vintenário de prescrição.12
No entanto, o Código Civil de 2002 reduziu consideravelmente os prazos de
prescrição, passando a prever, por exemplo, que é de 3 anos o prazo prescricional da
pretensão de reparação civil.
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 3 o Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias,
pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
(...)

Demonstrando o intuito de beneficiar a Fazenda Pública, o próprio Decreto nº


20.910/32, em seu art. 10, estabelece que suas disposições não alteram as previsões de
menor prazo prescricional para as pretensões contra a Fazenda Pública, constantes de
leis e regulamentos.

12
CC de 1916:
Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinàriamente, em vinte anos, as reais em dez, entre
presentes e entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas.
Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo,
constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.

Diante disso, renomados doutrinadores passaram a defender que após a entrada


em vigor do Código Civil de 2002, o prazo de prescrição para ações de indenização
contra a Fazenda Pública teria passado a ser de 3 anos, conforme disposto no art. 206, §
3º, V da lei civil.
Isso porque se a finalidade das normas foi a de conferir uma prerrogativa para a
Fazenda Pública, estabelecendo um prazo menor de prescrição para as demandas a
serem propostas contra ela, não haveria razão para o prazo geral ser inferior àquele
outorgado às pessoas jurídicas de direito público.
A jurisprudência do STJ divergiu durante um bom tempo, havendo precedentes
em ambos os sentidos. Até que em 2012, decidindo um recurso representativo da
controvérsia, definiu que prescreve em cinco anos todo e qualquer direito ou ação
movida contra a Fazenda Pública, seja ela federal estadual ou municipal, inclusive
indenização por reparação civil, firmando a seguinte tese constante do Tema 553:
Tema 553. Aplica-se o prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto
20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em
detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002.

Mas as demandas propostas contra a Fazenda Pública, uma vez fundadas em


alegação de tortura, são imprescritíveis, conforme jurisprudência pacificada do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. DANOS MORAIS. TORTURA POR POLICIAL
MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE DAS PRETENSÕES ASSOCIADAS À
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
HISTÓRICO DA DEMANDA
1. Cuida-se, na origem, de Ação Indenizatória por Danos Morais, movida por Luiz
Marcos Pereira contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, buscando
reparação pelo abalo moral suportado em decorrência de tortura e tentativa de
homicídio a que foi submetido por policial militar no exercício das funções durante
procedimento de revista e patrulhamento de rotina.
2. O Juiz de 1º grau, acolhendo o argumento de que ocorreu a prescrição quinquenal,
extinguiu o processo com resolução de mérito.
3. O Tribunal a quo negou provimento à Apelação do ora recorrente e assim
consignou: "Na hipótese dos autos, o evento danoso ocorreu em 26.06.1995, sendo a
presente ação indenizatória ajuizada tão somente em março de 2005, ou seja, quando
o lapso prescricional quinquenal já estava superado desde junho de 2000." (fl. 180).
TORTURA
4. A petição inicial narra condutas que se enquadram em crime de tortura. Vejamos:
"Em ato contínuo, Éder passou a torturar o requerente, enfiando- lhe o dedo no
orifício em que o projétil da arma teria lhe feito e também dando tapas em cima do
ferimento para provocar um maior sangramento (doc n º 21) e dizia, 'se você cair,
acabo de te matar '. Quando a dor passou a ser insuportável e o requerente perder
suas forças, pediu ao Eder para que lhe matasse (doc nº 07) pois estava sofrendo
muito. Éder disse ao seu companheiro, Sd Antônio, 'vamos leva-lo para a desova',
referindo-se à um local para acabar de mata-lo" (fl. 6, grifo acrescentado).
IMPRESCRITIBILIDADE DE ATOS DE TORTURA PRATICADOS POR
AGENTES DE SEGURANÇA DO ESTADO
5. A Constituição da República não estipulou lapso prescricional para o exercício do
direito inalienável à dignidade humana, quando violada por atos de tortura. É, pois,
imprescritível a pretensão indenizatória da vítima, tanto mais se a grave violação
ocorre por deliberada ação ou omissão, a mando ou no interesse de agentes públicos
que exercem o poder estatal de garantir a segurança e integridade das pessoas.
Nessas hipóteses, não se aplica a prescrição de cinco anos prevista no artigo 1º do
Decreto 20.910/1932.
6. Precedentes do STJ que, embora tratem da época do Regime Militar, em tudo se
amoldam ao presente caso: AgRg no REsp 1.163.157/RS, Rel. Ministro Humberto
Martins, Segunda Turma, DJe 22.2.2010; AgRg no Ag 1.337.260/PR, Rel. Ministro
Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13.9.2011; AgRg no REsp 828.178/PR,
Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 8.9.2009; AgRg no
Ag 1.339.344/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 28.2.2012.
7. Por caracterizar inaceitável atentado aos fundamentos mais elementares do Estado
de Direito, a tortura por agente estatal é imprescritível. Pouco importando tenha sido
praticada em período ditatorial ou na plenitude do regime democrático. Naquele
caso, por constituir ofensa que, normalmente, se devia suportar calado. Neste, por
desmoralizar a legitimidade e corroer a justificativa ético-política da própria ordem
democrática.
8. Recurso Especial provido. (REsp 1454807/SP, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 19/04/2017)
2.4. Reexame necessário
O duplo grau de jurisdição obrigatório, rebatizado de remessa necessária pelo
CPC de 2015, está previsto no art. 496, in verbis:
Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão
depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas
respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
§ 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz
ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo
tribunal avocá-los-á.
§ 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa
necessária.
§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito
econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:
I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações
de direito público;
II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as
respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que
constituam capitais dos Estados;
III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas
autarquias e fundações de direito público.
§ 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada
em:
I - súmula de tribunal superior;
II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de
Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
assunção de competência;
IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito
administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou
súmula administrativa.
Trata-se, portanto, da exigência de que certas sentenças proferidas em desfavor
das pessoas jurídicas de direito público sejam necessariamente revistas pelo Tribunal
como condição para sua eficácia.
Determinadas sentenças de mérito, portanto, devem ser obrigatoriamente
reexaminadas pelo Tribunal ao qual está vinculado o juiz que a proferiu, sob pena de
jamais transitarem em julgado. Nesse sentido, dispõe a Súmula 423 do Supremo
Tribunal Federal:
Súmula 423. Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso "ex
officio", que se considera interposto "ex lege".
Curioso notar que o enunciado se refere a recurso ex officio, porque emitido
ainda na vigência do Código de 1939, que tratava do duplo grau obrigatório ao tratar do
recurso de apelação – que poderia ser “voluntária” (art. 821) ou “necessária ou ex
officio” (art. 822).
No entanto, parte da doutrina sempre se insurgiu contra essa natureza recursal
atribuída ao instituto, razão pela qual o CPC/1973 dele tratou em capítulo separado da
parte relativa aos recursos, posicionando-o topograficamente na parte relativa à coisa
julgada.
O duplo grau obrigatório refere-se apenas às sentenças de mérito. O Superior
Tribunal de Justiça possui precedentes no sentido de que o duplo grau obrigatório só
deve ser efetuado em face de sentenças definitivas, e não em face de terminativas. Por
todos, é de ver:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA.
EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. REMESSA EX OFFICIO. NÃO-
CABIMENTO.
1. O art. 475 do CPC e incisos, na redação original, anterior, portanto, a instituída
pela Lei n. 10.352/2001, ao tratar do reexame obrigatório em favor da Fazenda
Pública no tocante ao processo de execução, limitou o seu cabimento apenas à
hipótese de procedência dos embargos opostos à execução; por conseguinte, afastou
a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição em caso de sentença que julga extinta
execução fiscal sem exame de mérito.
2. Recurso especial improvido.
(REsp 512.017/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA
TURMA, julgado em 03/10/2006, DJ 06/11/2006, p. 302)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL


CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM
JULGAMENTO DO MÉRITO. VERBA DE SUCUMBÊNCIA. REEXAME
NECESSÁRIO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. NÃO CABIMENTO DA
REMESSA.
1. A condenação da Fazenda Nacional ao pagamento de honorários advocatícios em
sentença extintiva do processo, sem resolução de mérito, não tem o condão de forçar
observância à remessa oficial.
2. "A imposição do dever de pagamento dos honorários advocatícios possui natureza
condenatória, mas reflete mera decorrência da derrota da parte, de modo que, se se
entender que representa, por si, hipótese sujeita ao disposto no art. 475 do CPC, o
procedimento da submissão ao duplo grau de jurisdição constituirá regra aplicável
em qualquer hipótese, isto é, nos casos de julgamento com ou sem resolução do
mérito, conclusão, em nosso sentir, inadmissível" (AgRg no AgRg no AgRg no
AREsp 338.583/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 3/2/2016).
3. O instituto do reexame necessário, remessa oficial ou duplo grau de jurisdição
obrigatório constitui regra de exceção, e, como tal, as hipóteses de cabimento devem
sofrer interpretação restritiva.
4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 770.853/SP, Rel.
Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe
08/04/2021)

O legislador elegeu hipóteses em que as sentenças contrárias ao Poder Público


precisam ser objeto de reexame pelo Tribunal ao qual vinculado o juízo, para que
produzam efeitos.
Acrescente-se que, por se tratar de prerrogativa processual da Fazenda Pública,
por óbvio que o reexame obrigatório não pode piorar a situação do Poder Público.
Nesse sentido é o enunciado da Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 45 - No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação
imposta a Fazenda Pública.

Cumpre, agora, analisar se o instituto se legitima diante dos direitos


fundamentais inerentes ao processo. Cândido Dinamarco entende que se trata de regra
anacrônica, que não se coaduna com a realidade atual da advocacia pública, altamente
qualificada e capacitada, concluindo que esse benefício processual não se justifica na
isonomia, configurando um verdadeiro privilégio estatal.13
No entanto, a nosso ver o art. 475 do Código de Processo Civil não afronta a
igualdade. O benefício tem menos a ver com o corpo jurídico das Advocacias Públicas -
de fato parte das pessoas jurídicas de direito público conta com um grupo de
procuradores bastante qualificado - do que com a situação peculiar da Fazenda Pública,
pois se depara com dificuldades em sua estrutura administrativa.
Ademais, o reexame necessário prestigia o interesse público, na medida em que
submete a duas instâncias as decisões contrárias à Fazenda Pública, decisões estas que
ao fim e ao cabo acabam atingindo todos os cidadãos a quem o Estado deve servir.
Vale destacar que o próprio CPC cuidou de estabelecer ponderações no reexame
necessário, dispensando-o algumas situações.
Observe-se que o art. 496 do CPC não previu reexame necessário nos casos em
de sentença proferida em embargos à execução propostos pela Fazenda Pública. Sendo
13
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. I. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 232.
improcedentes os embargos, a consequência será a de condenação da Fazenda Pública a
pagar o valor executado, o que também acarreta prejuízos ao Erário.
O STJ possui precedentes no sentido de que não cabe o reexame necessário
nesses casos, sendo prevalente da jurisprudência daquela Corte o entendimento de que
as hipóteses de remessa obrigatória estão taxativamete previstas na legislação
processual:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.
EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL OPOSTOS PELA
FAZENDA NACIONAL. REMESSA NECESSÁRIA. ART. 475, II, DO CPC.
DESCABIMENTO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A
JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR.
1. Cinge-se a controvérsia acerca do cabimento do Reexame Necessário (art. 475 do
CPC) na hipótese em que se rejeita os embargos à execução opostos pela Fazenda
Pública.
2. Não se vislumbra a ocorrência de nenhum dos vícios elencados no artigo 535 do
CPC a reclamar a anulação do julgado, mormente quando o aresto recorrido está
devidamente fundamentado. Não há que se confundir decisão contrária ao interesse
da parte com ausência de fundamentação ou negativa de prestação jurisdicional.
3. O inciso II do art. 475 do CPC é cristalino ao estabelecer que está sujeita ao
reexame necessário a sentença de procedência, no todo ou em parte, dos embargos à
execução de dívida ativa da Fazenda Pública. No caso, julgaram-se improcedentes
os embargos à execução movida pela Ré. Obediência à exigência do inciso I do
referido diploma legal (duplo grau de jurisdição), reverificado no processo de
conhecimento.
4. A teor da jurisprudência desta Corte Superior, a sentença que rejeita ou julga
improcedentes os embargos à execução opostos pela Fazenda Pública não está
sujeita ao reexame necessário (v.g.: AgRg no AREsp n. 89.520/DF, Rel. Ministro
Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 15/8/2014; REsp n. 1.064.371/SP, Rel.
Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 4/5/2009).
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 766.072/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 05/02/2016)

Como dito anteriormente, o próprio CPC cuidou de estabelecer restrições ao


reexame necessário, dispensando-o em algumas situações. Essas restrições, que já
vinham ocorrendo ao longo das reformas ao CPC/73, acabaram sendo ampliadas no
CPC de 2015, que estabeleceu diversos casos em que fica afastado tal instituto. São
elas:
1) Quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor
certo e líquido inferior a: 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas
autarquias e fundações de direito público; 500 (quinhentos) salários mínimos para os
Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os
Municípios que constituam capitais dos Estados; 100 (cem) salários mínimos para todos
os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.
No entanto, em se tratando de sentença ilíquida, impõe-se o reexame obrigatório,
porque nesses casos não se pode afirmar categoricamente que a condenação ou direito
envolvido se enquadraria no limite que afasta o instituto. Nesse sentido, é pacífico o
entendimento do STJ, que, por meio de sua Súmula 490, ainda na vigência do CPC/73,
asseverou:
Súmula 490 - A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou
do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a
sentenças ilíquidas.

2) Quando a sentença proferida estiver fundada em súmula de tribunal superior;


em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de
Justiça em julgamento de recursos repetitivos; em entendimento firmado em incidente
de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; ou em
entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo
do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula
administrativa.
2.5. Dos ônus financeiros da Fazenda Pública nos processos
A legislação processual também confere um tratamento diferenciado à Fazenda
Pública quando se trata de arcar com as despesas processuais, multas e honorários de
sucumbência.

a) Despesas processuias
Em regra, ressalvadas as causas relativas à justiça gratuita, as partes, ao
requererem qualquer diligência ou prática de ato processual, devem antecipar-lhes as
despesas, conforme determina o art. 82 do CPC:
Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes
prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-
lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena
satisfação do direito reconhecido no título.
§ 1º Incumbe ao autor adiantar as despesas relativas a ato cuja realização o juiz
determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público, quando sua
intervenção ocorrer como fiscal da ordem jurídica.
§ 2º A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou.

O termo despesa engloba três diferentes espécies de custos processuais: as custas


(que são taxas devidas pela prestação dos serviços públicos judiciais), os emolumentos
(que também têm natureza jurídica de taxa, mas destinadas a remunerar os cartórios), e
outras despesas (como despesas periciais, despesas com transporte do oficial de justiça,
etc.).
Dispõe o art. 91 do CPC que “as despesas dos atos processuais praticados a
requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública
serão pagas ao final pelo vencido.”14 A regra é antiga e remonta à Lei de Execução
Fiscal.15
Como as taxas e emolumentos constituem despesas de natureza tributária, na
maior parte dos Estados se dispensa a Fazenda Pública do seu pagamento, mas o mesmo
não ocorre com as chamadas outras despesas, nem com o ressarcimento ao vencedor
das despesas processuais que ele antecipou. Assim, a Fazenda Pública só arcará com
custas e emolumentos caso vencida na demanda, hipótese na qual deverá reembolsar o
vencedor tudo aquilo que ele despendeu no processo.
Com relação às despesas periciais, cada parte deve arcar com os honorários do
perito nas provas periciais que requerer, ou quando a perícia for requerida por ambas as
partes ou determinada pelo juízo, poderá o magistrado estabelecer o rateio das despesas
entre as partes (art. 95 do CPC).
Assim, se a Fazenda Pública requerer a prova pericial, deverá ela arcar com os
honorários do expert. No entanto, o legislador abriu a possibilidade de que as perícias
requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública
sejam realizadas por entidade pública, conforme consta do art. 91, § 1º do CPC.
b) Honorários advocatícios
Diz o art. 85 do CPC que a sentença condenará o vencido a pagar com
honorários da sucumbência em favor do advogado do vencedor.16 Confirmando a regra

14
Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do
Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido.
§ 1º As perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública
poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores
adiantados por aquele que requerer a prova.
§ 2º Não havendo previsão orçamentária no exercício financeiro para adiantamento dos honorários
periciais, eles serão pagos no exercício seguinte ou ao final, pelo vencido, caso o processo se encerre
antes do adiantamento a ser feito pelo ente público.
15
Lei n° 6.830/80
Art. 39 - A Fazenda Pública não está sujeita ao pagamento de custas e emolumentos. A prática
dos atos judiciais de seu interesse independerá de preparo ou de prévio depósito.
Parágrafo Único - Se vencida, a Fazenda Pública ressarcirá o valor das despesas feitas pela parte
contrária.
16
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou
definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da
condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado
da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios
estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito
econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito
econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
§ 4º Em qualquer das hipóteses do § 3º :
I - os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a
sentença;
II - não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V,
somente ocorrerá quando liquidado o julgado;
III - não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a
condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa;
IV - será considerado o salário-mínimo vigente quando prolatada sentença líquida ou o que estiver em
vigor na data da decisão de liquidação.
§ 5º Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido
pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do
percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e
assim sucessivamente.
§ 6º Os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o
conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.
§ 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje
expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da
causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o
disposto nos incisos do § 2º.
§ 9º Na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a
soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas.
§ 10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo.
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o
trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º,
sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do
vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
§ 12. Os honorários referidos no § 11 são cumuláveis com multas e outras sanções processuais, inclusive
as previstas no art. 77 .
§ 13. As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados
improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal,
para todos os efeitos legais.
§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos
privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de
sucumbência parcial.
§ 15. O advogado pode requerer que o pagamento dos honorários que lhe caibam seja efetuado em
favor da sociedade de advogados que integra na qualidade de sócio, aplicando-se à hipótese o disposto
no § 14.
§ 16. Quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da
data do trânsito em julgado da decisão.
prevista no art. 23 da Lei n° 8.906/94, o CPC estabelece que os honorários de
sucumbência pertencem ao advogado, que poderá em seu nome executar a sentença
nessa parte.
Ainda que atue em causa própria, garante a lei ao advogado a titularidade do
direito aos honorários (art. 85, § 17).
Quando se refere aos ônus da sucumbência, tanto no ressarcimento de despesas,
quanto no pagamento de honorários, embora o CPC fale em “vencedor” e vencido”, a
condenação no pagamento de tais verbas é regida pelo princípio da causalidade,
segundo o qual aquele que deu causa indevidamente à demanda deve responder pelos
seus ônus financeiros.
Embora na maioria das vezes seja a parte vencida quem deve arcar com os ônus
da sucumbência, há casos, no entanto, em que a parte vencedora pode ser condenada
nos honorários sucumbenciais, em virtude do princípio da causalidade. Alexandre Feitsa
Câmara nos traz um exemplo:
Tome-se como exemplo a hipótese em que, proposta “ação de consignação em
pagamento”, contesta o credor alegando insuficiência da quantia ofertada e
consignada. O autor, reconhecendo a insuficiência, complementa o depósito, razão
pela qual o juiz, na sentença, julgará seu pedido procedente, declarando a extinção
da obrigação pelo pagamento por consignação. Ora, embora julgado procedente, o
pedido, não se pode negar que a recusa original de credor em receber o pagamento
era justa, o que significa dizer que foi o devedor quem deu causa à instauração do
processo. Assim sendo, apesar de vencedor, o devedor terá de arcar com as despesas
processuais e honorários advocatícios da parte adversária.17

Acrescente-se que em alguns casos apenas a aplicação do princípio da


sucumbência não será suficiente para definir de quem seria a responsabilidade pelo
pagamento das despesas do processo. Isso se dá em alguns casos de extinção do
processo sem julgamento do mérito. Em tais casos, pelo princípio da causalidade,
deverá o magistrado fazer um raciocínio, perquirindo quem deu causa a instauração da
demanda.
Também a Fazenda Pública, quando vencida, ou melhor, quando der causa ao
ajuizamendo da demanda, deverá arcar com os ônus da sucumbência. Enquanto nas
causas em geral os honorários advocatícios a serem fixados pelo juiz devem ser

§ 17. Os honorários serão devidos quando o advogado atuar em causa própria.


§ 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor,
é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.
§ 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.
17
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 8. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003,
v, I, p. 156.
estipulados entre 10% e 20% do valor da condenação, do proveito econômico obtido, ou
não sendo possível apurá-lo, do valor atualizado da causa (art. 85, § 2º), mesmo nos
casos de improcedência do pedido e de extinção sem resolução de mérito (art. 85, § 6°),
nas causas em que a Fazenda Pública for parte, os honorários deverão ser fixados de
acordo com percentuais indicados em uma lista contida no § 3º do art. 85.
Valor da condenação, proveito Percentuais mínimos e
econômico ou valor da causa máximos aplicáveis
Até 200 salários mínimos Entre 10% e 20%
De 200 até 2.000 salários mínimos Entre 8% e 10%
De 2.000 até 20.000 salários mínimos Entre 5% e 8%
De 20.000 até 100.000 salários mínimos Entre 3% e 5%
Acima de 100.000 salários mínimos Entre 1% e 3%
Valor do salário mínimo em 2021 = R$ 1.100,00 (mil e cem reais)

O CPC de 2015 alterou completamente a forma de cálculo dos honorários


advocatícios nas ações em que uma das partes for a Fazenda Pública. Isso porque, no
regime anterior, a regra geral para os honorários de sucumbência, prevista no seu artigo
20, é de que seriam arbitrados entre 10% e 20% do valor da condenação, e, nas causas
em que a Fazenda Pública for vencida na demanda, os honorários deveriam ser
arbitrados de acordo com a equidade, sem necessariamente respeitar os limites ali
estabelecidos – entre 10% e 20% do valor da condenação (art, 20, § 4º, CPC/1973).
Eram frequentes as condenações em valores fixos, justamente com base na
equidade.
Na nova sistemática, o legislador procurou abandonar ao máximo o uso da
equidade para a definição dos honorários sucumbenciais, afastando os subjetivismos no
momento da condenação.
c) Preparo recursal
Reza o art. 1007 do CPC que o recorrente, no ato da interposição do recurso,
deve comprovar o preparo quando a legislação de organização judiciária assim o exigir,
sob pena de deserção.18

18
Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela
legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de
deserção.
§ 1º São dispensados de preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, os recursos interpostos pelo
Ministério Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados, pelos Municípios, e respectivas
autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.
No entanto, no mesmo dispositivo, determina o CPC que “são dispensados de
preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, os recursos interpostos pelo
Ministério Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados, pelos Municípios,
e respectivas autarquias.” (art. 1.007, § 1º)
Além de dispensadas do preparo para interpor recursos no processo civil, a
Fazenda Pública também está liberada de depósito prévio nos casos em que a lei o exige
como condição de admissibilidade do recurso:
Lei n° 9.494/97
Art. 1o-A. Estão dispensadas de depósito prévio, para interposição de recurso, as
pessoas jurídicas de direito público federais, estaduais, distritais e municipais.

d) Multas processuais
O CPC estabelece diferentes tipos de multas no processo, ora de natureza
coercitiva, como é o caso das astreintes (arts. 536 e 537 do CPC), ora punitiva (como,
por exemplo, a estabelecida pelo art. 77, § 2º, em razão da prática de ato atentatório à
dignidade da justiça).
Existem, ainda as multas relativas à utilização indevida de meios de impugnação
a decisões judiciais. A primeira delas é a multa em virtude da interposição de recursos
protelatórios. A parte que interpõe recurso manifestamente protelatório é reputada
litigante de má-fé (art. 80, VII), e, como tal, deve ser condenada no pagamento da multa
prevista no art. 81 do CPC:
Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar
multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor
corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a
arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.
§ 1º Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um
na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se
coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada
em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.

§ 2º A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se


o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 3º É dispensado o recolhimento do porte de remessa e de retorno no processo em autos eletrônicos.
§ 4º O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo,
inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o
recolhimento em dobro, sob pena de deserção.
§ 5º É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa
e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4º.
§ 6º Provando o recorrente justo impedimento, o relator relevará a pena de deserção, por decisão
irrecorrível, fixando-lhe prazo de 5 (cinco) dias para efetuar o preparo.
§ 7º O equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção,
cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o
vício no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-
lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.

Especificamente em relação ao agravo interno, cabível contra decisão do relator


para levar a apreciação da questão ao órgão colegiado do tribunal, também chamado de
agravo regimental, prevê o art. 1.021, § 4º, do CPC, multa para o agravante a ser paga
ao agravado, fixada entre 1% e 5% do valor atualizado da causa, caso o recurso seja
declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, pelo
órgão colegiado, em decisão fundamentada.
Para a utilização de outros recursos, o § 5º do mesmo dispositivo prevê a
necessidade de depósito prévio da multa arbitrada, à exceção da Fazenda Pública e do
beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final.
Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o
respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do
regimento interno do tribunal.
§ 1º Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os
fundamentos da decisão agravada.
§ 2º O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se
sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo
retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em
pauta.
§ 3º É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão
agravada para julgar improcedente o agravo interno.
§ 4º Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou
improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada,
condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento
do valor atualizado da causa.
§ 5º A interposição de qualquer outro recurso está condicionada ao depósito prévio
do valor da multa prevista no § 4º, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário
de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final.

Também no caso de interposição de embargos de declaração manifestamente


protelatórios, prevê o CPC multa a ser aplicada inicialmente no percentual de até 2% do
valor da causa. Havendo reiteração dos embargos de declaração protelatórios, essa
penalidade poderá ser majorada para até 10%, e seu depósito prévio condicionará a
interposição de outros recursos, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de
gratuidade da justiça, que a recolherão ao final.

Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e


interrompem o prazo para a interposição de recurso.
§ 1º A eficácia da decisão monocrática ou colegiada poderá ser suspensa pelo
respectivo juiz ou relator se demonstrada a probabilidade de provimento do recurso
ou, sendo relevante a fundamentação, se houver risco de dano grave ou de difícil
reparação.
§ 2º Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o
tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado
multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa.
§ 3º Na reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa
será elevada a até dez por cento sobre o valor atualizado da causa, e a interposição
de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa, à
exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a
recolherão ao final.
§ 4º Não serão admitidos novos embargos de declaração se os 2 (dois) anteriores
houverem sido considerados protelatórios.

No CPC de 1973, não havia previsão expressa se tais multas incidiriam sobre a
Fazenda Pública, havendo alguma discussão acerca do seu estabelecimento. O CPC de
2015 põe fim a eventuais questionamentos, ao prever que tais multas são sim aplicáveis
às pessoas jurídicas de direito público, que, no entanto, terão a prerrogativa de apenas
recolhê-las ao final.
Desse forma, a exigibilidade das multas em questão fica sujeita a uma eventual
derrota da Fazenda Pública no recurso interposto sem o depósito prévio da multa. Caso
haja reversão da decisão agravada ou embargada, evidencia-se que o recurso interposto
não era protelatório, e, portanto, a multa perde sua eficácia e não precisa ser recolhida.
Uma terceira espécie de multa é a que incide em sede de ação rescisória. Isso
porque, sendo uma ação que busca desconstituir decisão judicial transitada em julgado,
o legislador, na intenção de proteger a autoridade da coisa julgada, além de limitar as
hipóteses de cabimento da ação rescisória, previu que o autor deve efetuar o depósito de
5% do valor da causa, a ser revertido ao réu como multa se a demanda for, por
unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente.19
No processo do trabalho, essa multa é de 20%, conforme previsto no art. 836 da
CLT. Como a CLT dedica apenas um artigo para o tema, aplicam-se, supletivamente, as
regras da ação rescisória previstas nos arts. 966 a 975 do CPC/2015, conforme
determinado na Instrução Normativa 39/2016 do TST.

19
Art. 968. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 319 ,
devendo o autor:
I - cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento do processo;
II - depositar a importância de cinco por cento sobre o valor da causa, que se converterá em multa caso
a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente.
§ 1º Não se aplica o disposto no inciso II à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às
suas respectivas autarquias e fundações de direito público, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e
aos que tenham obtido o benefício de gratuidade da justiça.
E o CPC dispensa o depósito da multa quando o autor da ação for a União,
Estados, Distrito Federal, Municípios, suas autarquias e fundações de direito público,
além do Ministério Público e do beneficiário da gratuidade da justiça.

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