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EXM.º(ª) SR.

(ª) JUIZ(ÍZA) DE DIREITO DO 2º JUÍZO DO 1º JUIZADO ESPECIAL DA


FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE –
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROC. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA Nº 5126411-43.2020.8.21.0001

PARTE AUTORA: GESSI SOARES DE OLIVEIRA

PARTE RÉ: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PEDIDO DE CONCESSÃO DE AJG

A PARTE AUTORA, já qualificada no processo em epígrafe, vem,


por seus procuradores signatários, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência,
como lhes facultam os arts. 41 e ss., da Lei nº 9.099/1995, interpor o presente

RECURSO INOMINADO

conforme as razões que seguem em anexo, requerendo sejam elas recebidas,


processadas e encaminhadas à C. TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS
DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, deixando de comprovar o recolhimento das
custas recursais, tendo em vista o pedido de concessão da gratuidade de justiça (art. 98,
§ 7º, do CPC).

Nestes termos, pede deferimento.

Porto Alegre, 14 de julho de 2022.

p.p.

MARCELO LIPERT, EMMANUEL FRÍAS SAMPAIO,


OAB/RS 41.818 OAB/RS 119.058
RAZÕES DE RECURSO INOMINADO

EMÉRITOS JULGADORES!

COLENDA TURMA RECURSAL!

Trata-se de ação em que se postula, diante do reconhecimento


administrativo acerca da existência de cargos vagos e do preenchimento dos requisitos
exigidos nos arts. 16 e 18 da Lei n° 14.234/2013, seja a parte ré condenada a efetivar a
promoção funcional da parte autora à classe “D” do cargo de Auxiliar de Enfermagem,
implantando-se o correto posicionamento na tabela de vencimentos, bem como a pagar
as diferenças remuneratórias daí decorrentes, em parcelas vencidas e vincendas.

Citado, o Estado do Rio Grande do Sul contestou o feito aduzindo,


em síntese, que: (i) estariam prescritas as parcelas vencidas antes do quinquênio do
ajuizamento da ação; (ii) inexistiria direito subjetivo à promoção; e (iii) a pretensão
encontraria óbice na Súmula nº 42/TJRS e na Súmula Vinculante nº 37/STF (evento 2,
PET14).

Sobreveio sentença de improcedência, embasada no entendimento


de que “conforme entendimento pacificado na jurisprudência, a promoção de classe não é
direito subjetivo do servidor, mas ato discricionário da Administração Pública, dependendo
de juízo de conveniência e oportunidade”, pois “o Estado não vinculou os servidores aptos
à efetiva promoção para o cargo de Auxiliar de Enfermagem Classe "D", apenas elencou
quais servidores da Classe "C" poderiam ser promovidos por cumprirem os requisitos
necessários, nesse caso, por antiguidade” (evento 33).

Logo, necessária a reforma da v. sentença, na medida em que deve


ser analisado e deferido o pedido de gratuidade judiciária, bem como ser a ré condenada
a efetivar a promoção funcional, já reconhecida administrativamente, da parte autora à
classe “D” do cargo de Auxiliar de Enfermagem.

I. PRELIMINARMENTE: DA NECESSÁRIA APRECIAÇÃO DO


PEDIDO DE CONCESSÃO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA.

Antes de mais nada, a parte autora requer seja apreciado o pedido


de concessão da gratuidade de justiça, cuja análise ficou postergada para a fase recursal.

A parte autora, ao ajuizar a ação em trâmite na origem, requereu,


por intermédio de seus procuradores, a concessão da gratuidade, declarando, para os
efeitos e sob as penas da lei, não possuir condições de custear as despesas do processo
sem comprometer o sustento próprio e da família. Postulou a concessão da gratuidade,
portanto, por meio de simples declaração nos autos, como lhe facultam os artigos 98 e 99
do CPC, mas também anexou Demonstrativos de Pagamento atualizados comprovando a
renda mensal auferida (evento 2, OUT47, OUT48 e OUT49).

É indiscutível que a autora é pessoa hipossuficiente, tendo


auferido renda bruta de R$ 1.345,46 e renda líquida de R$ 954,55, conforme
Demonstrativo de Pagamento da competência 08/2021 (evento 2, OUT49, p. 10):
Logo, espera e requer a concessão da Gratuidade Judiciária à
autora, por não possuir condições de custear as despesas do processo sem
prejuízo financeiro próprio.

De toda e qualquer sorte, conforme prevê o art. 98 do CPC, a parte


que não disponha de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os
honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, mediante simples
requerimento na petição inicial, contestação, petição para ingresso de terceiro ou em
recurso, por intermédio de seus procuradores, consoante expressos poderes constantes
na procuração constante no feito principal.

Referida declaração de insuficiência de recursos, consoante dispõe


os §§ 2º e 3º do art. 99 do CPC, presume-se verdadeira: Presume-se verdadeira a
alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural, somente podendo
ser elidida por prova contida nos autos em sentido contrário § 2o O juiz somente poderá
indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos
pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o
pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.

Tal é a centralidade dada pelo CPC à declaração de carência de


recursos para litigar sem o amparo da gratuidade judicial, que o poder para firmá-la
e assiná-la deve constar em cláusula específica, forte na dicção do caput do art. 105
do CPC:

Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento


público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar
todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a
procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual
se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar
declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de
cláusula específica.
(grifado)

O CPC, dessa forma, modificou o regime de concessão da


gratuidade judicial previsto na Lei 1.060 de 1950, mediante o reconhecimento da
presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência, e a necessidade de
inclusão de cláusula especial específica na procuração, autorizando o advogado da
parte a firmá-la e assiná-la.

A declaração de hipossuficiência enquanto elemento basilar para a


concessão da gratuidade judicial, é de igual forma o entendimento da melhor doutrina,
conforme bem aponta o doutrinador e magistrado do TRF da 4ª Região Artur César de
Souza:
Preceitua o § 3º do art. 99 do atual C.P.C. que se presume verdadeira
a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
A comprovação do estado de necessidade da pessoa carente, sendo
pessoa física, dar-se-á pela simples declaração de insuficiência de recursos
para pagamento das despesas processuais e dos honorários de advogado.
Em se tratando de pessoa natural, a simples declaração, no
próprio requerimento de que é pobre e não possui condições de arcar
com as despesas processuais é suficiente para a concessão da
gratuidade da justiça. (Grifado) SOUZA. Artur César de. Código de
Processo Civil: anotado, comentado e interpretado: parte geral (arts. 1 a
317). São Paulo: Almedina, 2015, p. 569.

Ou seja, para a concessão do benefício da gratuidade judicial, no


contexto do CPC, a parte requerente deve: i) encontrar-se em situação de
insuficiência de recursos para arcar com os custos do processo e ii) requerer a
concessão do benefício da gratuidade judicial - acompanhada de declaração
simples de carência de recursos, requisitos esses devidamente preenchidos pela parte
autora nos autos, motivo pelo qual lhe assiste o direito ao pleiteado benefício da
gratuidade da justiça.

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, vem anulando decisões


que deferem ou indeferem a gratuidade com fundamento unicamente na remuneração
mensal percebida, visto que tal critério importa em violação ao disposto na Lei nº
1.060/50:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. PROCESSO CIVIL.


GRATUIDADE DA JUSTIÇA. RENDIMENTO INFERIOR A DEZ SALÁRIOS
MÍNIMOS. CRITÉRIO SUBJETIVO NÃO PREVISTO EM LEI. DECISÃO
QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
1. Na linha da orientação jurisprudencial desta Corte, a decisão
sobre a concessão da assistência judiciária gratuita amparada em
critérios distintos daqueles expressamente previstos na legislação de
regência, tal como ocorreu no caso (remuneração líquida inferior a dez
salários mínimos), importa em violação aos dispositivos da Lei nº
1.060/1950, que determinam a avaliação concreta sobre a situação
econômica da parte interessada com o objetivo de verificar a sua real
possibilidade de arcar com as despesas do processo, sem prejuízo do
sustento próprio ou de sua família. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(STJ, RESp nº 2013/0269216-9, Relator Ministro Sérgio Kukina, data
do julgamento: 10/09/2013)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
GRATUITA. LEI 1.060/1950. ADOÇÃO DE CRITÉRIO NÃO PREVISTO EM
LEI. RENDA LÍQUIDA INFERIOR A 10 SALÁRIOS MÍNIMOS.
NECESSÁRIO RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O Tribunal de origem decidiu que a autora faz jus à assistência
judiciária gratuita porquanto aufere renda inferior a 10 (dez) salários
mínimos, o que possibilitaria presumir o seu estado de miserabilidade.
Contudo, o critério adotado como parâmetro para o deferimento do
benefício vindicado não encontra amparo na Lei 1.060/1950.
Precedentes.
2. Agravo regimental não provido.”
(STJ, AgRg no RESpº 1.419.900, Relator Ministro Mauro Campbell
Marques, data da decisão: 10/12/2013)

Ademais, importa destacar que o E. STJ já decidiu, em caso de


todo semelhante ao presente, que o indeferimento da gratuidade com base em
critério eminentemente subjetivo – qual seja, como na hipótese em apreço, a renda
líquida da postulante – viola o binômio possibilidade-necessidade, sendo
imperioso, em casos tais, conferir aquele que requer o benefício a possibilidade de
comprovar que não possui recursos para custear as despesas do processo. Eis os
exatos termos da decisão:

“Compulsando os autos verifica-se que o Tribunal de origem indeferiu


o benefício da assistência judiciária gratuita pleiteado pelo ora agravante,
em face deste auferir rendimentos superiores a 10 (dez) salários mínimos.
Confira-se, a propósito, o seguinte excerto do acórdão
[...]
Na espécie, o contracheque constante do evento 1 dos autos
originários (CHEQ3) demonstra que o agravante recebe renda
superior a dez salários mínimos mensais, motivo pelo qual entendo
pelo indeferimento do benefício.
[...]
Depreende-se, portanto, que o elemento utilizado pela instância de
origem para indeferir o pedido de justiça gratuita foi a remuneração
percebida pelo agravante, o qual revestiu-se de caráter subjetivo.
Ocorre, porém, que tal análise pelo Juízo não pode ser efetuada
de modo subjetivo, ou seja, segundo seus próprios critérios, devendo
ser considerado o binômio possibilidade-necessidade, com vistas a
verificar se as condições econômicas-financeiras do requerente
permitem ou não arcar com tais dispêndios judiciais, bem como evitar
que aquele que possui recursos venha a ser beneficiado,
desnaturando o instituto.
(...)
Assim, diante da impossibilidade de se aferir, na sede especial,
se o agravante têm ou não capacidade de arcar com as custas do
processo, deve o Juízo a quo conceder prazo, dando-lhe a
oportunidade para comprovar seu estado de miserabilidade.
Ante o exposto, conheço do agravo para, desde logo, dar
provimento ao recurso especial (art. 544, § 4º, II, "c", do CPC), a fim de
que o Juízo a quo conceda prazo ao recorrente para que comprove seu
estado de miserabilidade e, somente após, decida acerca da concessão do
benefício da assistência judiciária gratuita.”
(STJ, AgREsp nº 190.177/RS, Relator Ministro Benedito Gonçalves,
data da decisão: 27/08/2012)

Logo, a simples análise da renda percebida mensalmente pela


postulante não é critério seguro para infirmar a declaração de hipossuficiência econômica,
que tem presunção legal de veracidade. Conforme demonstrado, a jurisprudência desta
Corte e do E. STJ tem afastado a adoção do valor do vencimento mensal como parâmetro
para a análise do requerimento de AJG. Desse modo, deve ser deferido o benefício da
gratuidade, uma vez que a parte autora declarou, sob as penas da lei, não possuir
condições de custear as despesas do processo, não tendo sido tal declaração
sequer contestada pela parte ré.

Há que se destacar, em que pese as disposições normativas acerca


da gratuidade judicial tenham sofrido sensível alteração com o traslado quase que integral
das normas constantes na Lei nº 1.060/50 para o CPC, que o entendimento
jurisprudencial no sentido de que a declaração de hipossuficiência é suficiente para a
concessão da gratuidade judicial mantém-se inalterado, fortes nas dicções dos artigos 98
e 99.

Desta forma, uma vez atendidos os dois requisitos constantes no


CPC, quais sejam, insuficiência de recursos para arcar com os custos do processo e
pedido expresso de concessão do benefício, impositiva a reforma da decisão proferida na
origem, para o efeito de que seja deferida a gratuidade judicial à parte agravante.

II. RAZÕES DE REFORMA DA SENTENÇA: DO DIREITO À


PROMOÇÃO FUNCIONAL.

II.1. Do reconhecimento administrativo dos cargos vagos

A parte ora recorrente é servidora pública estadual, pertencente ao


Quadro Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotada no Instituto Psiquiátrico Forense
Maurício Cardoso – IPF, regida pela Lei Complementar n.º 10.098/94 e demais legislação
aplicável.

Em 26 de julho de 2017, foram publicados no Diário Oficial do


Estado (DOE) os demonstrativos do Quadro Geral dos Funcionários Públicos do Estado,
quanto aos cargos existentes no período de 31 de julho de 2016 a 31 de janeiro de 2017.
Nos termos do anexo I do DOE, o cargo de Auxiliar de Enfermagem, grau “D”, possuía 38
(trinta e oito) cargos vagos até 31 de janeiro de 2017 (evento 2, OUT5, p. 3):
(...)

Nesse sentido, a Secretaria de Estado de Modernização


Administrativa e dos Recursos Humanos do Rio Grande do Sul publicou, em 22 de junho
de 2018, a listagem dos servidores aptos à promoção para o grau “D”, mediante a qual
foram elencados 32 (trinta e dois) servidores, de acordo com o critério de antiguidade,
conforme pode ser observado no excerto abaixo (evento 2, OUT5, p. 6):
A promoção dos servidores ocupantes do cargo de auxiliar de
enfermagem pelos critérios de merecimento e de antiguidade foi efetivada mediante
publicação no DOE de 29 de junho de 2018. Ocorre que nessa publicação foi determinada
a promoção de apenas 09 (nove) servidores da classe/grau “C” para classe/grau “D”, de
modo que foram arbitrariamente excluídos outros 23 (vinte e três) servidores que se
encontravam aptos à promoção funcional. Vejamos (evento 2, OUT5, p. 10):
Ou seja, apesar de haver 38 (trinta e oito) vagas, nos termos da
publicação do DOE de 26/07/2017, apenas 09 (nove) promoções foram efetivadas,
restando, portanto, 29 (vinte e nove) vagas que não foram preenchidas e que poderiam
ser ocupadas pelos demais 23 (vinte e três) servidores aptos à promoção.

Diante da preterição injustificada da promoção funcional dos


servidores enquadrados no cargo de Auxiliar de Enfermagem, da classe “C” para a classe
“D”, no mês de julho de 2018 foram enviados diversos pedidos de reconsideração ao
Estado do Rio Grande do Sul, que agrupou os requerimentos sob o protocolo de n°
19/1300-0000290-0 – dentre os quais, o da parte recorrente (evento 2, OUT5, p. 1).

O referido processo administrativo trata das 22 (vinte e duas)


promoções dos auxiliares de enfermagem lotados no Instituto Psiquitátrico Forense
Maurício Cardoso, as quais deveriam ter sido efetivadas no ano de 2018. Todavia,
conforme exposto no excerto acima apresentado, o processo administrativo encontra-se
sem previsão de solução, em virtude da morosidade injustificada dos setores
competentes, considerando que a Administração já admitiu que a supressão das 23
(vinte e três) vagas existentes – publicadas no DOE em 26/07/2017 – ocorreu por
equívoco.

Ocorre que, passados mais de 3 (três) anos do protocolo


administrativo, o Estado do Rio Grande do Sul ainda não respondeu ao requerimento.
Nesse contexto, foi inclusive protocolada denúncia dirigida ao Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Sul, sob o n° 01413.000.848/2019, pelo Sindicato dos
Servidores Públicos do Estado (SINDSEPERS). Desse modo, a Administração, além de
não efetivar a promoção dos servidores, vem negando eficácia ao seu direito de resposta,
na medida em que a análise do pedido de reconsideração está sendo postergada, o que
configura verdadeiro ato ilícito por omissão e flagrante desrespeito ao princípio
constitucional da eficiência.
Daí a justificativa para o ingresso da presente ação, na medida em
que o ato administrativo que efetivou a promoção de apenas 9 (nove) dos 32 (trinta e
dois) servidores aptos foi realizado em desacordo com a previsão legal a respeito das
promoções funcionais e desconsiderou, de forma arbitrária, o número de vagas
anteriormente informado pela própria Administração.

II.2. Preenchimento dos requisitos legais para promoção


funcional. Da proteção da boa-fé e da confiança dos
administrados perante o estado.

Como mencionado, o pedido administrativo de reconsideração


protocolado pela parte autora encontrava-se pendente de análise efetiva até a data do
ajuizamento desta ação, o que configura verdadeiro ato ilícito por omissão. Desse modo,
preliminarmente, convém mencionar que a conduta administrativa constitui inobservância
da duração razoável do processo administrativo e lesão ao princípio da eficiência por
parte da administração.

Nesse sentido, veja-se que, mesmo quem defende a


responsabilidade subjetiva do Estado nos casos de ato omissivo, admite a
responsabilidade do Poder Público nos casos de “falta de serviço”, aduzindo, ainda, a
existência de uma presunção juris tantum de culpa do Estado, que deveria ter agido, mas
não o fez, ou o fez deficientemente, “comportando-se abaixo dos padrões legais que
normalmente deveriam caracterizá-lo”.1 Nesse contexto, na própria Constituição Federal
está consagrado o direito de requerer e receber informações de órgãos públicos, os quais
devem obedecer aos prazos legais:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXIII – todos tem direito a receber dos órgãos públicos informações
de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas
aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado;

Além disso, a Constituição Federal de 1988 erigiu ao status de


garantia constitucional o princípio da eficiência, através da previsão, entre os direitos e
garantias fundamentais, da razoável duração do processo, tanto no âmbito judicial quanto
administrativo, in verbis:

Art. 5. (...)

1 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 978.
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação.

A atividade administrativa, dessa forma, deve se desenvolver no


sentido de dar pleno atendimento ou satisfação às necessidades a que visa suprir, em
momento oportuno e de forma adequada. Impõe-se aos agentes administrativos, em
outras palavras, o cumprimento estrito do “dever de boa administração”, o que está
sendo absolutamente descumprido pela parte ré.

De qualquer forma, independentemente da resposta ao pedido de


reconsideração formulado na via administrativa, o Estado do Rio Grande do Sul,
efetivamente, reconheceu no DOE a existência de 38 (trinta e oito) cargos vagos de
Auxiliar de Enfermagem, grau “D”, até 31 de janeiro de 2017. Nesse sentido, vejamos o
disposto na Constituição Estadual a respeito das promoções funcionais:

Art. 31. Lei complementar estabelecerá os critérios objetivos de


classificação dos cargos públicos de todos os Poderes, de modo a garantir
isonomia de vencimentos.
(...)
§ 3.º As promoções de grau a grau, nos cargos organizados em
carreiras, obedecerão aos critérios de merecimento e antigüidade,
alternadamente, e a lei estabelecerá normas que assegurem critérios
objetivos na avaliação do merecimento.

Diante disso, necessário atentar ao que dispõe a Lei n° 14.234/2013,


a qual reestruturou o Quadro Geral dos Funcionários Públicos do Estado. No caso em
comento, verifica-se que foi cumprida a exigência contida no art. 16 da Lei n°
14.234/2013, segundo o qual a promoção ocorrerá quando existir cargo vago para
provimento no grau subsequente, mantido o mesmo nível, dentro da respectiva
categoria funcional, in verbis:

Art. 16. A promoção constitui a passagem do servidor de um grau ou


classe para o (a) imediatamente superior, quando existir cargo vago para
provimento no grau ou classe subsequente, mantido o mesmo nível,
dentro da respectiva categoria funcional. (grifo nosso)

Outrossim, os requisitos necessários à promoção funcional


foram preenchidos pelos servidores, nos termos da disposição contida no art. 18 da
Lei n° 14.234/2013, destacando-se a efetiva existência de cargos vagos no grau
pretendido, o que evidencia o direito preterido pela Administração. Vejamos os
parâmetros para a apuração da promoção funcional no âmbito do serviço público
estadual:

Art. 18. A promoção por antiguidade será determinada pelo tempo,


em número de dias de efetivo exercício do servidor no cargo e no grau ou
na classe a que pertencer, recaindo a promoção no servidor que possuir
maior tempo no grau ou na classe.
§ 1.º Para o servidor concorrer à promoção por antiguidade, serão
observados os seguintes critérios:
I - ter cumprido o estágio probatório;
II - ter interstício mínimo de 1.095 (um mil e noventa e cinco) dias de
efetivo exercício no grau ou na classe;
III - não ter sofrido punição nos últimos 12 (doze) meses com pena de
suspensão, convertida ou não em multa.
§ 2.º Na classificação por antiguidade, quando ocorrer empate de
tempo no grau ou na classe, terá preferência o servidor que tiver:
I - mais tempo de serviço na categoria funcional;
II - mais tempo de serviço público estadual;
III - mais tempo de serviço público em geral; e, persistindo o empate,
IV - maior idade.

Ademais, o fato de a Administração ter (i) elencado os servidores


como aptos à promoção e (ii) divulgado a existência de cargos vagos na classe “D”, tudo
publicado no Diário Oficial do Estado, criou a natural expectativa de que os atos
praticados pela Administração fossem regulares e estáveis, acreditando-se na sua
efetivação. Ao revés, o que se vê é uma conduta, por parte da Administração, de vulnerar
prerrogativas dos administrados e de contrariar os próprios atos.

Há vários aspectos a serem abordados no exame da matéria.


Iniciamos pela necessária submissão da Administração Pública ao princípio da
legalidade, o que significa dizer que sua atuação deve ser pautada pela estrita
observância da lei em sentido amplo e que o Estado de Direito exige que o poder estatal
seja exercido dentro de limites previamente estabelecidos, para preservar os direitos e
garantias fundamentais que integram o sistema normativo. Estruturada em idêntica
premissa – da adequação dos atos administrativos ao sistema legal – a presunção de
legitimidade dos atos administrativos é um desdobramento conceitual do princípio da
legalidade.

Paralelamente, o princípio da segurança jurídica visa a proteger a


confiança dos administrados que acreditaram na legalidade dos atos praticados pela
Administração Pública, conferindo estabilidade a todo o tráfego jurídico. Tal circunstância
revela, por si só, a importância que se deve atribuir aos atos praticados pela
Administração e seus devidos reflexos na esfera material dos administrados: se é verdade
que a Administração deve agir segundo princípio da legalidade, também é indispensável à
preservação do Estado de Direito a proteção da boa-fé ou confiança que os
administrados têm na ação do Estado, quanto à sua lealdade e conformidade com as
leis.

Sobre a proteção da confiança e boa-fé dos administrados, Paulo


Modesto assinala:
Nas relações com os administrados, a boa-fé assegura a proteção da
confiança, valor fundamental no Estado de Direito, uma vez que oferece
vedação a toda atuação contrária à conduta reta, normal e honesta que
cabe desejar no tráfego jurídico, assegurando também os efeitos jurídicos
esperados justificadamente pelo sujeito que atuou de boa-fé.
O dever de agir de boa-fé, para manter a confiança mútua entre os
sujeitos da relação, além disso, obriga também a um dever de coerência no
comportamento (GONZALEZ PEREZ) e de fidelidade às declarações feitas
a outrem (KARL LARENZ). Isto obriga os sujeitos da relação a responderem
por todo o desvio contrário a uma conduta leal, sincera e fiel no trato
jurídico.2

Os conflitos ou antinomias entre os princípios da legalidade e da


segurança jurídica ocorrem justamente quando o Poder Público – in casu,
injustificadamente – decide desfazer atos administrativos que seriam capazes que gerar
benefícios e vantagens incorporados ao patrimônio dos administrados, que, de boa-fé,
acreditaram serem tais atos válidos. O imperativo de justiça exige a adoção de critério de
prevalência de um princípio sobre o outro, conferindo maior importância à legalidade dos
atos da Administração Pública ou à proteção da confiança dos administrados. Sobre o
tema, citamos a notável lição do consagrado administrativista Almiro do Couto e Silva:
Nem sempre é fácil discernir, porém, diante do caso concreto, qual o
princípio que lhe é adequado, de modo a assegurar a realização da Justiça:
o da legalidade da Administração Pública ou o da segurança jurídica? A
invariável aplicação do princípio da legalidade da Administração Pública
deixaria os administrados, em numerosíssimas situações atônitos,
intranqüilos e até mesmo indignados pela conduta do Estado, se a este
fosse dado, sempre, invalidar seus próprios atos - qual Penélope, fazendo e
desmanchando sua teia, para tornar a fazê-la e tornar a desmanchá-la - sob
o argumento de ter adotado uma nova interpretação e de haver finalmente
percebido, após o transcurso de certo lapso de tempo, que eles eram
ilegais, não podendo, portanto, como atos nulos, dar causa a qualquer
conseqüência jurídica para os destinatários.
Só há relativamente pouco tempo é que passou a considerar-se que
o princípio da legalidade da Administração Pública, até então tido como
incontrastável, encontrava limites na sua aplicação, precisamente porque se
mostrava indispensável resguardar, em certas hipóteses, como interesse
público prevalecente, a confiança dos indivíduos em que os atos do Poder
Público, que lhes dizem respeito e outorgam vantagens, são atos regulares,
praticados com a observância das leis.

Por sua vez, Lúcia Vale Figueiredo (RDA 201/210), afirma:


Sem dúvida, um valor eventualmente a proteger seria o cumprimento
da ordem jurídica. Mas, por outro lado, encontram-se outros valores,
também albergados no ordenamento, merecedores de igual proteção, como
a boa-fé, a certeza jurídica e a segurança das relações estabelecidas. 3

2 MODESTO, Paulo. Controle Jurídico do Comportamento Ético da Administração Pública no Brasil”, Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, 209:71-80, jul./set.1997.
3 WINTER, Vera Regina Loureiro Winter. A boa-fé no direito privado e no direito público. Justiça do Trabalho-rev. de

jurisp. trab. do RGS, Porto Alegre, v. 168, p. 93-119, 1997.


No que tange ao caráter do ato administrativo que concede a
promoção de classe, sabe-se que na relação de administração, não há, propriamente, o
exercício de um poder, mas sim de uma função pública. O poder é mera decorrência,
mero instrumento para que se cumpra o dever. Há, portanto, um dever-poder,4 que é
próprio de toda função pública: “ao Executivo incumbe o dever-poder de gerir a res
publica, ao Judiciário incumbe o dever-poder de aplicar o Direito e, ao Legislativo, o
dever-poder de integrar o ordenamento jurídico, inovando-o”.5

O exercício desse dever-poder materializa-se mediante atos


administrativos, exarados pelo Estado – ou por quem lhe faça as vezes, tal como
concessionários – por meio de “providências jurídicas complementares da lei a título de
lhe dar cumprimento”.6 É na consecução das finalidades legais que reside, por óbvio, o
sentido do agir da Administração, sendo que administrar é cumprir a lei, já que a atividade
administrativa pressupõe a preexistênia de uma regra jurídica. Desse modo, a
Administração pública só age debaixo da legislação, não havendo nem liberdade, nem
vontade pessoal e ao administrador só é dado fazer o que a lei autoriza, nada mais.

Assim, cumpre verificar a contribuição de Ruy Cirne Lima, segundo a


qual a relação de administração é aquela que se estrutura sob o influxo de uma finalidade
cogente, em que preponderam finalidade e deve “asseverar que esta relação somente é
jurídico-administrativa, nem tanto pela subordinação à finalidade cogente, mas pela
imantação ditada pelos princípios superiores, explícitos e implícitos, regentes da
Administração Pública (notadamente moralidade, impessoalidade, legalidade,
economicidade, publicidade e confiança ou boa-fé)”.7

O controle dos atos administrativos, atualmente, ultrapassa o mero


conceito de legalidade, para incorporar o de legitimidade. A própria Constituição Federal
entende a necessidade dessa integração e do controle judicial ao prever, em seu art. 5°,
inciso XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”.

Desse modo, a atuação discricionária passa, como se viu, do


exercício de uma certa margem de liberdade prevista na lei. Nesse sentido, “la potestad
discrecional se va al traste cuando de facto la Administración se ve inexorablemente
limitada a una única actuación por mucho que, sobre el papel, la norma no determine una
consecuencia, o delegue alguna facultad, o no estipule qué medio ha de utilizarse”.8 Isso

4 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998,
p. 15.
5 GRAU, Eros. Poder Discricionário. Revista de Direito Público, 93/41, janeiro/março 1990, p. 43.
6 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 12ª ed. São Paulo, Malheiros, 2000, p. 330.
7 Idem, p. 16.
8 SALAVERRÍA, Juan Igartua. Discrecionalidad técnica, motivación y control jurisdicional. Madrid: Civitas, 1998, p. 37.
porque é somente em um contexto concreto que se pode determinar se as opções
possíveis são realmente várias e, portanto, é só então que haverá sentido referir-se ao
exercício de um poder discricionário. Ou seja, só se estará diante de verdadeiro poder
discricionário se a aplicação da lei permitir uma pluralidade de soluções justas.

O poder discricionário consiste em eleger uma entre uma penca de


opções razoáveis. Assim, mesmo que a Administração entenda estar diante de opção
discricionária, o contexto pode demonstrar que, em vez de várias, só haja uma opção
possível, o que incumbe ao Judiciário aferir. In casu, a única solução justa consiste na
efetivação das promoções dos servidores em razão do reconhecimento
administrativo acerca do preenchimento dos requisitos e da existência de cargos
vagos.

A aferição da validade do ato, assim, passa pela consulta da pauta


axiológica constante da Constituição da República. Trata-se de um controle substancial e
qualitativo, não sendo possível afirmar a existência de ato administrativo inteiramente
insindicável pela forte razão de que inexiste competência administrativa desvinculada da
ratio juris do sistema. O resultado de tudo isso parece ser a ampliação da hipóteses de
sindicabilidade do ato administrativo:

Quando a lei faz uma previsão específica incompleta do interesse


público caberá ao Judiciário examinar se a Administração a completou
coerentemente com o sistema, utilizando os princípios instrumentais da
realidade e da razoabilidade. A integração deve ter a mesma natureza
axiológica do ato integrado.9

Assiste à parte autora, portanto, o direito à efetivação da promoção


funcional da classe “C” para a classe “D”, haja vista a existência de expressa previsão
administrativa que reconhece o cumprimento dos requisitos exigidos no art. 18 da Lei
14.234/2013 pelos servidores, assim como a existência de cargos vagos, de acordo com
o previsto do art. 16 da mesma disposição legal, o que vinculou o Estado do Rio Grande
do Sul ao cumprimento das promoções.

Salienta-se, por fim, que não se está diante de requerimento de


aplicação de efeitos retroativos à promoção de classe e sim da sua própria concessão,
com o reconhecimento do direito às parcelas vencidas e vincendas daí decorrentes – de
modo que não há que se falar em afronta à Súmula n° 42 do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul no pleito objeto da presente ação, o que se abordará a
seguir.

9MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade – Novas Reflexões sobre os Limites e
Controle da Discricionariedade, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 83.
II.3. Erro administrativo assumido pelo próprio estado.
Inaplicabilidade do art. 17 da Lei Estadual nº 14.234/2013, da
Súmula nº 42/TJRS e da Súmula nº 473/STF ao caso concreto.
Relativização da discricionariedade administrativa.

Como referido no relato supra, o douto juízo a quo decidiu pela


improcedência da ação, ao entender que o Estado “apenas elencou quais servidores da
Classe "C" poderiam ser promovidos por cumprirem os requisitos necessários” e
fundamentou que não haveria direito subjetivo da autora à promoção, sendo, este, ato
discricionário do estado, a depender do juízo de conveniência e de oportunidade do Chefe
do Poder Executivo Estadual, forte no artigo 17, da Lei Estadual nº 14.234/2013.

Entretanto, respeitosamente, o MM. Juízo de origem olvidou-se de


fatos cruciais para o deslinde da causa! É que o Estado admitiu, em sede de processo
administrativo, que a promoção da autora e de outros Auxiliares de Enfermagem,
do grau “C” para o grau “D”, somente não ocorreu em função de
ERRO ADMINISTRATIVO QUE O PRÓPRIO ESTADO CAUSOU.

Reitere-se: havia 38 (trinta e oito) vagas disponíveis para provimento


como Auxiliar de Enfermagem, de grau “D”, conforme Anexo I do DOE de 26/07/2017 (fl.
17), das quais apenas 9 (nove) foram providas por promoções de Auxiliares de
Enfermagem oriundos de grau “C”, conforme DOE de 29/06/2018 (fl. 24), restando 29
(vinte e nove) vagas não preenchidas para outros 23 (vinte e três) servidores de mesmo
cargo e grau sem promoção, vide DOE de 22/06/2018 (fl. 23). Sendo o cargo de Auxiliar
de Enfermagem considerado uma “Categoria Funcional, em extinção”, desde o advento
da Lei Estadual nº 14.234/2013 (artigos 7º e 9º), a única forma de provimento de tais
vagas é por promoção (artigo 8º).

Ocorre que, por erro administrativo da Divisão de Recursos


Humanos (DIRHU), ocorreu a diminuição das 38 vagas disponíveis para 9, com a
“extinção” indevida de 29 vagas de Auxiliar de Enfermagem, grau “D”, no controle
do Sistema RHE. A seguir, a Comissão de Regulamentação de Promoções orientou
à reativação ou reabertura das vagas encerradas, com a promoção de todos os
servidores aptos, retroativamente à data em que teriam direito, em manifestação
datada de 11/02/2019, no marco do Processo Administrativo Eletrônico nº 19/1300-
0000290-0, que apurou a situação dos servidores nesta situação.

Em sequência, o próprio DIRHU verificou um subdimensionamento


de vagas livres do cargo de Auxiliar de Enfermagem, grau “D”, em relação aos ocupantes
do mesmo cargo em grau “C”, de forma que providenciou a recomposição do quadro
de vagas do grau “D” para que alcançasse 22 (vinte e duas) vagas livres, que
viessem a comportar as promoções dos servidores de grau “C”. A Divisão de
Direitos e Vantagens (DIVAN) também apontou o subdimensionamento de vagas quando
do envio de dados à PROCERGS e sugeriu autorização para “encaminhamento à Casa
Civil de listagem complementar de promoções retroativas a 29 de junho de 2018
exclusivamente para os 18 servidores em questão” que fariam jus a promoção (incluindo a
autora), salvo 3 servidores impedidos.

Desta forma, o juízo partiu de premissa equivocada, restando por


aplicar o entendimento do caput do artigo 17, da Lei Estadual nº 14.234/2013 (“A
promoção dos servidores de que trata esta Lei será realizada, observado o juízo de
conveniência e oportunidade do Chefe do Poder Executivo Estadual, obedecendo aos
critérios de merecimento e de antiguidade, alternadamente, nos termos estabelecidos
nesta Lei e em regulamento”), nos moldes da Súmula nº 42/TJRS (“Atribuir efeito
retroativo a promoção de servidor público é ato discricionário do Poder Executivo, não
cabendo ao Judiciário impô-lo”) e da Súmula nº 473/STF (“A administração pode anular
seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se
originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados
os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”).

Isso, pois não se trata de impor judicialmente, ao estado, efeito


retroativo à promoção da autora, como se tal promoção não tivesse sido já
providenciada administrativamente, mas apenas de fazer valer a promoção não ocorrida
apenas por falha sistêmica da Administração. Tampouco se trata de preterir juízo de
conveniência e oportunidade da Administração, pois a autora certamente já teria
sido promovida não fosse o erro administrativo; com efeito, é a Administração que
está a fazer “juízo de conveniência sobre juízo de conveniência”, ignorando o
próprio erro administrativo que foi causa única da não promoção da autora e de
outros servidores e contrariando sua orientação inicial.

Poder-se-ia dizer, ademais, que não se busca rediscutir o mérito da


causa, muito menos trazer novos elementos após a sentença, mas, sim, tão somente
considerar fatos já trazidos aos autos, que o distinguem de hipóteses de “direito subjetivo
à nomeação”, sendo verdadeiro direito líquido e certo à promoção, tolhido por erro
administrativo da DIRHU em sistema estadual de dados.

No mais, possível o controle dos atos administrativos


discricionários quando a Administração, ao exercer juízo de oportunidade e
conveniência, contrariar princípios que regem a atuação administrativa – in casu,
notadamente, os princípios da legalidade e da segurança jurídica, como já argumentado
em subtópico anterior, ao, injustificadamente, decidir o Poder Público desfazer atos
administrativos que seriam capazes de gerar vantagens e benefícios incorporados ao
patrimônio dos administrados, que, de boa-fé, acreditaram serem tais atos válidos.
Sobre o assunto, confira-se outro ensinamento de Paulo Modesto:

É certo que os conceitos tradicionais de "oportunidade" e


"conveniência", empregados para aludir ao núcleo da discricionariedade,
são "quase-ocos", elípticos ou insuficientes para uma descrição analítica do
âmbito de exercício legítimo da competência discricionária. Possuem
fronteiras flexíveis que, à luz do caso concreto, comprimem ou estendem as
margens de apreciação da escolha pública legítima conforme o conflito
imponha a prévia análise de custo-benefício, a avaliação de impacto e
efeitos prospectivos, a precaução qualificada, a tutela da confiança, a
necessidade ou não de normas de transição, entre outras situações comuns
que podem conduzir em concreto a competência discricionária a zero.
Presente essa circunstância, ocorre a delimitação dinâmica da competência
em concreto, a exigir motivação específica do agente administrativo e do
controlador, não bastando a simples invocação genérica da previsão
abstrata da norma de competência.10

Para além da discussão sobre o conteúdo jurídico vago e sobre o


limite não absoluto dos conceitos de “oportunidade” e “conveniência”, escusar-se
por detrás de tais noções, mesmo após admitido o erro administrativo que limitou
as promoções de Auxiliares de Enfermagem, de grau “C” a “D”, a apenas nove, é,
justamente, agir contra os princípios da legalidade e da segurança jurídica.

Destarte, o recurso merece provimento, e a sentença, reforma.

10MODESTO, Paulo. O erro grosseiro administrativo em tempos de incerteza. Revista Consultor Jurídico. Publicado
em: 30 de julho de 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jul-30/interesse-publico-erro-grosseiro-
administrativo-tempos-incerteza>.
III. DOS PEDIDOS

ISSO POSTO, e contando com os digníssimos e abalizados


suprimentos desse E. Colegiado, espera e confia a parte autora-recorrente que
Vossas Excelências acolham e provejam o presente RECURSO INOMINADO, para o
efeito de reformar a sentença:

A) deferindo o benefício da gratuidade judiciária, na medida em


que preenchidos todos os pressupostos para tanto; e

B) condenando a parte ré a efetivar a promoção funcional da


parte autora à classe “D” do cargo de Auxiliar de
Enfermagem – providenciando-se a implantação do correto
posicionamento na tabela de vencimentos –, bem como ao
pagamento das diferenças remuneratórias daí decorrentes,
em parcelas vencidas e vincendas.

Nestes termos, pede deferimento.

Porto Alegre, 14 de julho de 2022.

p.p.

MARCELO LIPERT, EMMANUEL FRÍAS SAMPAIO,


OAB/RS 41.818 OAB/RS 119.058

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