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Caso prático

n.º 5
Pressupostos
Processuais
Caso prático n.º 5
CONFECÇÕES – T, LDA., propôs uma ação em que pediu a condenação de UNIX, S.A., no pagamento da importância de €
134.738,00, correspondente aos prejuízos que alegou ter sofrido com o não cumprimento pela Ré do contrato celebrado entre
ambas as partes. Nos termos desse contrato, segundo o alegado na p. i., UNIX, S.A. tinha-se obrigado a fornecer mensalmente a
CONFECÇÕES – T, LDA., durante o período de dois anos, 850 metros de tecido para confeção de peças de roupa que a Autora
destinava à exportação. Sem aviso prévio, as entregas do mencionado tecido foram interrompidas ao fim de oito meses, o que
levou a Autora a optar pela resolução do mencionado contrato.
Agora, CONFECÇÕES – T, LDA. pretende ser ressarcida dos prejuízos resultantes do não cumprimento, que considerou
atingirem o valor da importância peticionada, à qual acrescem juros de mora contados à taxa legal, a partir da citação da Ré e até
ao pagamento integral do montante da condenação.

Na contestação, UNIX, S.A. alegou que, como a Autora bem sabia, o tecido em questão é fabricado pela empresa espanhola
VORTEX, S.A. A Ré foi incumbida pela Autora de funcionar como intermediária nos contactos a estabelecer com a empresa
fabricante do tecido, sendo o contrato de fornecimento concluído, na realidade, entre CONFECÇÕES – T, LDA. e VORTEX,
S.A. Em conformidade com o exposto na contestação, a Ré pediu a absolvição do pedido.
O Tribunal, depois de analisada a prova, convenceu-se de que a Ré interviera no contrato como simples intermediária, que pusera
em contacto a Autora com a sociedade espanhola fabricante do tecido. Perante isto, considerou que tinha sido levantada na defesa
a questão da ilegitimidade passiva e, por isso, absolveu UNIX, S.A. da instância na sentença final.
Caso prático n.º 5
QUESTÕES:
1) Caracterize os elementos fundamentais da causa.
Resolução:
• Elementos fundamentais da causa = elementos delimitadores do objeto do processo (pedido, partes e causa de
pedir)
• Partes – Confecções, T. Lda. (Autora) // Unix, S.A. (Ré)
[quanto aos (efetivos) sujeitos da relação material controvertida, segundo apurado pelo tribunal, após produzida
prova, foram a Confecções, T. Lda., aqui Autora, e a Vortex, S.A., sociedade espanhola]
• Pedido: que seja a Ré condenada ao pagamento de 134.738,00€, ao qual acrescem juros de mora contados à
taxa legal, a partir da citação da Ré e até ao pagamento integral do montante da condenação.
• Causa de Pedir – qual é a relação material controvertida?
• Contrato de Fornecimento celebrado entre as Partes, que foi incumprido, alegadamente, pela Unix, S.A.
Caso prático n.º 5
QUESTÕES:
2) A absolvição da instância fundada na ilegitimidade processual pode ter lugar na sentença final ou deve essa decisão
ser proferida em fase processual anterior?
Resolução:
Pode, nos termos do art. 608.º, n.º 1 do CPC. Mas será que estávamos perante um problema de falta de legitimidade
processual…?
• Legitimidade processual como pressuposto processual (arts. 30.º a 39.º do CPC).
• A defesa da Ré consubstanciou, no entender do Tribunal, uma defesa por exceção dilatória (art. 577.º, e) do
CPC), de conhecimento oficioso (art. 578.º, 1.ª parte do CPC), neste caso insanável; e, por força disso, absolveu
a Ré da instância (art. 278.º, n.º 1 d) do CPC).
Sucede, porém, que…
• A Ré tem legitimidade processual, pois que, nos termos do art. 30.º, n.º 3 do CPC, se diz que “Na falta de
indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os
sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.” (negrito e sublinhado nossos)
• Diferente resposta deverá dar-se à questão de saber se a Ré tem legitimidade material (i.e. é ou não sujeito da
relação material controvertida, aqui o contrato de fornecimento).
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QUESTÕES:
2) A absolvição da instância fundada na ilegitimidade processual pode ter lugar na sentença final ou deve essa decisão
ser proferida em fase processual anterior?
(Cont.) Resolução:
Com efeito, e sendo um problema de falta de legitimidade material (e não processual, pois que, conforme
configurada a relação material controvertida pela Autora, a Unix, S.A. era nela sujeito dessa relação – art. 30.º, n.º 3
do CPC):
- Fez mal o Tribunal quando absolveu a Ré da instância;
- A absolvição da instância justificar-se-ia em falta de legitimidade processual (que é aqui o pressuposto
processual, a que se reporta o art. 30.º do CPC). Este pressuposto NÃO ESTAVA em falta.
O que faltava à Ré era legitimidade material por não ser sujeito na relação material controvertida (conclusão a
que o Tribunal chegou depois de produzida e valorada a prova).
Como tal, a Ré deveria ter sido, integralmente, absolvida do pedido (a legitimidade material articula-se com a
questão de fundo, o mérito; é uma condição da ação; ao passo que a legitimidade processual está no plano da
admissibilidade da ação).
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QUESTÕES:
2) A absolvição da instância fundada na ilegitimidade processual pode ter lugar na sentença final ou deve essa decisão
ser proferida em fase processual anterior?
(Cont.) Resolução:
Se se tratasse de falta de legitimidade processual (que não é o caso), o tribunal poderia conhecer dela, em termos
meramente abstratos/teóricos, na sentença, nos termos do artigo 608.º, n.º 1 do CPC.
Ainda que, por regra, o conhecimento das exceções dilatórias e perentórias tem lugar quando do despacho saneador
(artigo 595.º, n.º 1 a) do CPC), na fase da gestão inicial do processo (fase intermédia).
Até porque, repare-se:
- (A existir) seria um caso de ilegitimidade processual SINGULAR. Não faria qualquer sentido só se absolver a Ré
da instância na sentença final (nos termos do art. 608.º, n.º 1 do CPC). Ter-se-ia admitido a prática de todos os atos
processuais, ter-se-ia admitido toda a tramitação processual para nada!!
• Note-se que, aqui, não haveria lugar a despacho pré-saneador (com fundamento e para os efeitos do art. 590.º,
n.º 2, a) do CPC), visto que a exceção dilatória (que o Tribunal entendeu ter sido) invocada pela Ré, a verificar-se,
era insanável.
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QUESTÕES:
2) A absolvição da instância fundada na ilegitimidade processual pode ter lugar na sentença final ou deve essa decisão
ser proferida em fase processual anterior?
(Cont.) Resolução:
Por último, refira-se que:
- O facto de a Ré ser parte na relação material controvertida é facto constitutivo do direito da Autora – art. 342.º,
n.º 1 do CC. Daí que, chegando-se à conclusão pela prova produzida que tal não se verifica, deva a Ré ser
absolvida do pedido.
- Se a Autora tivesse dúvida sobre quem era parte na relação material controvertida, poderia recorrer à figura
da pluralidade subjetiva subsidiária (art. 39.º do CPC).
pluralidade subjetiva subsidiária (art. 39.º do CPC)
“É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu
diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da
relação controvertida.” (negrito nosso)
(recorrendo-se ao art. 39.º do CPC) Se depois se viesse a apurar que o sujeito da relação material controvertida
era a Ré face ao qual deduziu um pedido subsidiário, já estariam assegurados os efeitos da ação.
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QUESTÕES:
3) Como aprecia a decisão do Tribunal proferida na sentença?
(Cont.) Resolução:
Conforme atrás referido,
- A decisão do tribunal pela absolvição da Ré da INSTÂNCIA foi errada.
Porquanto,
- A Ré era parte (legítima), tinha legitimidade processual (à luz do n.º 3 do art. 30.º do CPC).
- O que faltava à Ré Unix, S.A. era legitimidade material (pela prova produzida, concluiu-se que não era sujeito da
relação material controvertida).

Ora, sendo a qualidade da Ré - de sujeito da relação material controvertida - facto constitutivo do direito de ação da
Autora, sobre quem caberia o ónus de alega-lo e demonstrá-lo (art. 342.º, n.º 1 do CC), caso se dê por não
provado esse facto, a consequência seria a absolvição da Ré do pedido (porque o problema é de mérito).
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QUESTÕES:
4) Teria UNIX, S.A. interesse processual na interposição de um recurso?
Resolução:
- critério-regra para a interposição de recurso: critério do vencimento (art. 631.º, n.º 1 do CPC).
“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte
principal na causa, tenha ficado vencido.” (negrito nosso)
- Repare-se que a Ré, na contestação, ao invocar ser mera intermediária no contrato de fornecimento, concluiu
pedindo que fosse absolvida do pedido (e foi, apenas, absolvida da instância).
Ora,
- A UNIX, S.A. teria interesse processual na interposição de recurso, pois que ao ser absolvida da instância tal
origina a formação de um CJ (meramente) formal (art. 620.º do CPC).
- Quando, na verdade, a UNIX, S.A., por não ser parte na relação material controvertida, deveria ter sido
absolvida do PEDIDO, formando-se CJ material (art. 619.º do CPC).

Conclusão: a UNIX, S.A. teria interesse processual na interposição de recurso (art. 631.º, n.º 1 do CPC).
Caso prático n.º 5
QUESTÕES:
5) De que forma poderia CONFECÇÕES – T, LDA. garantir o efeito útil daquela concreta ação?
Resolução:
- Nesta ação, a Ré teria sido, erradamente, absolvida da instância.
- Depois de transitada em julgado a decisão proferida, formava-se caso julgado FORMAL, que não funciona,
numa futura ação que venha a ser interposta, como exceção dilatória de CJ (art. 577.º, i) do CPC).
Consequentemente, a Autora poderia intentar a mesma ação, com a mesma causa de pedir e formular pedido
idêntico, apenas corrigindo quem indicava na parte passiva, aproveitando de certos efeitos resultantes da 1.ª ação (cfr.
n.ºs 2 e 3 do art. 279.º do CPC)
“1 - A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto.
2 - Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis
derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for
intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição
da instância. 3 - Se o réu tiver sido absolvido por qualquer dos fundamentos compreendidos na alínea e) do n.º 1 do
artigo anterior, na nova ação que corra entre as mesmas partes podem ser aproveitadas as provas produzidas no
primeiro processo e têm valor as decisões aí proferidas.” (sublinhado e negrito nossos)
Referências bibliográficas
• Legitimidade processual (art. 30.º do CPC):
Cfr. “Código de Processo Civil Anotado” de Isabel Alexandre e Lebre de Freitas, vol. 1.º, arts. 1.º a
361.º, Almedina, 4.ª edição, páginas 91 a 94;
Cfr. “Código de Processo Civil Anotado” de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Pires de
Sousa, Vol. I, artigos 1.º a 702.º, 2.ª edição, páginas 63 a 65 (note-se que, segundo os autores, o
conhecimento da ilegitimidade processual não deverá ser relegada pelo juiz para a sentença, nos
termos do artigo 608.º, n.º 1 do CPC).
• Pluralidade subjetiva subsidiária (art. 39.º do CPC):
Cfr. “Código de Processo Civil Anotado” de Isabel Alexandre e Lebre de Freitas, vol. 1.º, arts. 1.º a
361.º, Almedina, 4.ª edição, páginas 110 a 112 (anotação ao art. 39.º);
• Efeitos e alcance da absolvição da instância (art. 279.º do CPC):
Cfr. “Código de Processo Civil Anotado” de Isabel Alexandre e Lebre de Freitas, vol. 1.º, arts. 1.º a
361.º, Almedina, 4.ª edição, páginas 565 a 568.
• Relativamente ao artigo 608.º do CPC, veja-se:
Cfr. “Código de Processo Civil Anotado” de Isabel Alexandre e Lebre de Freitas, vol. 2.º, arts. 362.º
a 626.º, Almedina, 3.ª edição, página 712 (parte da anotação ao art. 608.º);

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