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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Processo: 5039/08.5TBSXL.L1-1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DEFESA POR EXCEPÇÃO
IMPUGNAÇÃO MOTIVADA
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A defesa por excepção pode revestir duas formas, a saber : a defesa através de excepções dilatórias - defesa meramente
processual - ou a defesa através de excepções materiais ou substantivas - peremptórias - , ou seja, mediante a alegação de factos
que sirvam de causa modificativa, extintiva ou impeditiva do direito alegado pelo autor;
II - Quando o réu se defende por excepção ( cfr. Art.ºs 487º e 493º, do CPC ), em regra o facto constitutivo do direito alegado pelo
autor não é posto em causa, mas tão-só se alegam outros que, segundo o direito substantivo aplicável, infirmam os seus efeitos ;
III - Se o autor alega que, na sequência de contrato-promessa de compra e venda celebrado com o réu, veio a outorgar escritura
de compra e venda do imóvel que lhe prometeu vender, permanecendo porém por pagar pelo réu parte do preço daquele, e , em
sede de contestação, alegue o réu que nada deve porque não celebrou nenhuma escritura com o autor, não sendo de resto
proprietário do imóvel prometido comprar, o que se constata é, tão simplesmente, uma defesa por impugnação, ainda que
motivada.
IV - A locação financeira não é um contrato trilateral , envolvendo as partes do contrato de locação financeira propriamente dito
e o fornecedor da coisa a ser adquirida pelo locador financeiro para conceder depois o gozo à outra parte .
(Sumário da autoria do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
*
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1.Relatório.
A., Lda, com sede na ….., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma especial a que alude o Dec.Lei nº 108/2006, de 8
de Junho, contra B, residente na Rua ….. , pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 21.000,00 € , acrescida de juros de
mora, à taxa legal vencidos desde 31 de Agosto de 2002 até integral pagamento, liquidando os vencidos até 4 de Setembro de
2008 em 5.877,92 €.
Alegou para tanto e em síntese que :
Na sequência de contrato-promessa de compra e venda de fracção que ambos celebraram em 26/1/2000, acordado ficou que o
Réu pagar-lhe-ia o preço acordado ( € 49.879,79 ) no prazo de dois anos após a celebração da escritura de compra e venda ,
sendo que esta última veio a ser outorgada em Agosto de 2000 ;
Sucede que, até ao presente e não obstante o ter já interpelado por diversas vezes a alertá-lo para a sua situação de
incumprimento ( a última das quais em Fevereiro de 2008), apenas lhe pagou o réu a quantia de € 29.000,00, razão porque
permanece ainda por liquidar pelo Réu a quantia de € 21 000,00.
Citado o Réu, apresentou ele contestação , sintética ( com apenas 7 artigos ) , reconhecendo que nada pagou à autora já que nada
lhe devia, pois que com ela não celebrou uma qualquer escritura de compra e venda.
Notificado da referida contestação, veio o réu responder , sendo que , no seguimento de requerimento atravessado nos autos pela
Ré, proferiu o Juiz a quo o despacho que se segue :
“ (…) Vem o Réu requerer o desentranhamento da resposta apresentada pelo Autor à contestação, argumentando que o regime
previsto no art. 8°, nº 3 DL 108/2006 de 8 de Junho o não permite.
Cumpre decidir:
Efectivamente, o regime previsto no art. 8° DL 108/2006, de 8 de Junho aplicável á presente acção apenas permite, em regra, dois
articulados, só cabendo resposta à contestação quando o Réu apresente reconvenção ou quando a acção seja de simples apreciação
negativa, o que não ocorre nos presentes autos.
Esta limitação não pode afectar o direito ao contraditório, o qual é salvaguardado pela possibilidade do juiz convidar o autor a
pronunciar-se, por escrito, sobre excepções dilatórios ou peremptórias invocadas na contestação, ou admitir a apresentação de
articulados de resposta nestes casos, ou ainda pela possibilidade do Autor se pronunciar oralmente sobre tais questões no início da
audiência preliminar ou da audiência de julgamento, quando aquela não tenha lugar - art. 3°, nº 4 CPC e 2° DL 108/2006, de 8 de
Junho.
Neste caso, defendeu-se o Réu apenas por impugnação como decorre linearmente do articulado por este apresentado.
Como tal, não cabe direito de resposta ao autor, nem pode o mesmo, a pretexto de vir pronunciar-se sobre o teor dos documentos
apresentados pelo Réu, sem contudo impugnar o respectivo teor ou por em causa a veracidade dos mesmos, ampliar a causa de pedir
alegando factos que deveria ter feito constar da petição inicial.
Pelo exposto, julgo não escritos os art.s 1º a 16° do mencionado articulado de resposta.
Custas pelo Autor fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Notifique (…) “.
Realizada a audiência preliminar (em face da possibilidade do conhecimento imediato do mérito da causa, cfr. despacho
proferido) e inviabilizada nela a conciliação das partes, foi de seguida proferido despacho saneador/sentença , conhecendo o
tribunal a quo de imediato do mérito da causa, julgando a acção improcedente e, em consequência, absolvendo o Réu do pedido.
No essencial, estriba-se o tribunal a quo¸ em sede de fundamentação do saneador /sentença proferido ,no facto de não ter a
autora logrado provar os factos integradores da causa de pedir - incumprimento de prestação contratual - conforme lhe era
imposto pelo art. 342° do Código Civil. razão porque devia soçobrar a pretensão que veio apresentar a Tribunal.
Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor recurso de apelação, formulando na respectiva peça recursória as
seguintes conclusões:
- O Apelado, em sede de Contestação, deduziu uma excepção peremptória ;
- Com efeito, o Apelado, através do através dos artigos 3.°, 4.° e 6.° da sua Contestação, refere expressamente que não deve
qualquer quantia à Apelante, por não ter havido celebrado o contrato prometido ;
- Ou seja, o Apelado acrescenta "contra-factos" que se traduzem na putativa não produção de efeitos do contrato-promessa dos
autos e, consequentemente, na inexistência de qualquer dívida à A, aqui Apelante;
- Em suma, o Apelado afirma que nunca pagou qualquer quantia à Apelante, pelo facto de o contrato-promessa não ter
produzido quaisquer efeitos;
- Precisamente, o Apelado insinua que o contrato-promessa dos autos é apenas "letra morta", mormente por não ter sido
celebrada qualquer escritura de compra e venda ;
- Ora, tal alegação expressa na Contestação extingue o efeito dos factos articulados pela Apelante, o que, por sua vez, determina
a absolvição do Apelado do pedido;
- Neste seguimento, face à alegação do Apelado, de que o mesmo nada deve à A por não ter celebrado com esta qualquer
escritura e que não é proprietário do imóvel prometido comprar à Apelante - consubstanciado tal alegação numa dedução de
excepção peremptória extintiva - a A, no exercício do direito ao contraditório, pronunciou-se por escrito através do seu
articulado datado de 13 de Março de 2010;
- Assim, face à apresentação de tal articulado de resposta à contestação, impunha-se a admissão de tal articulado;
- Nestes termos, o douto despacho em crise, que julga não escritos os artigos 1º a 16° da Resposta à Contestação, sonega à
Apelante o seu direito ao contraditório, pelo que deverá determinar-se a revogação do douto despacho sob censura, substituindo-
se por outro que admita a Resposta à Contestação e, consequentemente, considere os factos aí elencados;
- Ademais, a respeito do douto saneador-sentença, saliente-se que o Tribunal só pode conhecer do mérito da causa no despacho
saneador se o estado do processo o permitir, tal como prevê a norma do artigo 510.°, n.º 1, alínea b) do CPC ;
- Com efeito, a antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que o processo possibilita tal decisão, sem necessidade de mais
provas, ou que a prova dos factos que permanecem controvertidos seja irrelevante;
- Porém, os factos alegados na Resposta à Contestação não são, de todo, indiferentes para uma decisão de mérito;
-Pelo contrário, é imperioso o prosseguimento dos autos para discussão em sede de audiência de julgamento dos factos alegados
na Resposta à Contestação ;
- Mais, a não prova do facto constante do artigo 3.° da PI não é bastante para apartar a Apelante da prova do incumprimento
contratual do Apelado ;
- Consequentemente, a não prova do facto constante do artigo 3.0 da PI, por si só, não poderia determinar a improcedência da
acção;
- Com efeito, apesar de não ter resultado provado que foi outorgada escritura de compra e venda entre a Apelante e o Apelado,
há a considerar, tal como resultou provado, que no dia 31 de Agosto de 2000, no oitavo escritório notarial de Lisboa,
compareceram como outorgantes C e D, na qualidade de legais representantes da A. e E e F, na qualidade de procuradores da
Sociedade G, S.A. e pelos primeiros foi dito que em nome da sociedade sua representada e pelo preço de 20.000.000$00, que já
receberam, vendem à sociedade que os segundos representam a fracção dos autos, tendo os segundos declarado que para a
sociedade sua representada aceitam a venda nos termos exarados e que o imóvel adquirido se destina a um contrato de locação
financeira;
- Note-se, também, que o sobredito contrato de locação financeira veio a ser celebrado entre a sociedade cujo sócio-gerente é o
Apelado e o " G, S.A." ;
- Ora, o referido contrato de locação financeira foi celebrado ao abrigo do nº 1 da cláusula terceira do contrato-promessa dos
autos;
-Tal cláusula contratual previa que o Apelado solicitasse um financiamento bancário para pagar os 18.000.000$00 devidos no
acto da outorga da escritura, tendo as partes sujeitado a validade do contrato promessa à obtenção de tal financiamento;
-Precisamente, o Apelado, para financiar a aquisição do imóvel, celebrou um contrato de locação financeira com o " G, S.A.";
- Nessa decorrência, o Apelado pediu à Apelante para vender a fracção dos autos ao " G, S.A.";
- Pelo que a Apelante celebrou o contrato prometido com o " G, S.A." a pedido e no interesse do Apelado e em cumprimento do
contrato-promessa dos autos, sendo que em simultâneo com a venda da fracção pela Apelante, o Apelado celebrou com o " G,
S.A.", em nome da sociedade da qual é sócio maioritário e único gerente, o respectivo contrato de locação financeira da fracção
do autos;
- Ou seja, a venda da fracção ao " G, S.A." não desobriga o Apelado de cumprir o pagamento integral do preço, uma vez que a
Apelante cumpriu integralmente as suas obrigações contratuais, designadamente vendendo a fracção ao " G, S.A.";
- Em suma, a Apelante veio a vender a fracção ao " G, S.A." a pedido e no interesse do Apelado de forma a este obter o
financiamento a que contratualmente se obrigou na cláusula 3.8 do contrato-promessa dos autos ;
- Sendo que a cláusula do contrato promessa que estipula a obrigatoriedade do Apelado pagar a quantia de 10.000.000$00 no
prazo de dois anos após a celebração da escritura, tem uma vigência que se prolonga para além da outorga da escritura de
compra e venda da fracção ;
-Logo, é extemporâneo afirmar-se, como faz o Tribunal a quo no douto saneador/sentença, que a Apelante não provou os factos
integradores da causa de pedir ;
- Assim, não está a Apelante impossibilitada de fazer prova do incumprimento da prestação contratual do Apelado, pelo que a
decisão de mérito dos autos é extemporânea ;
- Ainda, avulta que o Apelado alegou na sua Contestação que não pagou à Apelante qualquer quantia e que, do mesmo modo,
nada lhe deve;
- Consequentemente, deverão prosseguir os autos a fim de se apurar qual o montante em dívida por força do incumprimento do
contrato-promessa pelo Apelado ;
- Ademais, como se expôs no ponto 1, terão, do mesmo modo, de prosseguir os autos a fim de se apurar os factos constantes da
Resposta à Contestação;
-Termos em que deverá revogar-se o douto despacho saneador de mérito, substituindo-se por outro que ordene o prosseguimento
dos autos, seguindo-se os seus ulteriores termos até final;
Conclui a apelante por impetrar a procedência do recurso de apelação, pois que só assim será feita a costumada JUSTIÇA.
Em sede de contra-alegações, ao invés, considera a apelada que o despacho saneador/sentença não merece qualquer censura, a
que acresce que, na sua óptica , e , manifestamente , a defesa apresentada pelo Apelado em sede de Contestação reveste a
natureza de Impugnação, porquanto limitou-se a negar ou a contrariar os factos articulados pela Apelante, razão porque ,
considerando que âmbito do Regime Processual Civil Experimental aprovado pelo D.L. nº 108/06, exclui-se a possibilidade de
outros articulados que não a PI e a Contestação, exigindo-se para que outros articulados existam que se trate de acção de simples
apreciação negativa ou que junto com a contestação o Réu apresente pedido reconvencional, as condições de admissibilidade de
articulado posterior à contestação - que não se verificaram nos presentes autos - apenas existiriam no âmbito do nº 3 do Artigo
8.° do diploma indicado.
Destarte, conclui o apelado, bem andou o tribunal a quo em considerar como não escritos os artigos 1.° a 16° do
articulado/resposta da apelante e, em sede de saneador/sentença, decidir que não havia elementos integradores da causa de
pedir, pelo que a absolvição do Apelado do pedido foi, nos termos da alínea b) do n." 1 do artigo 510° do C.P.C., uma decisão
correcta e conforme com o direito processual.
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Thema decidenduum
1.1. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do
recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil ), as questões a apreciar e a decidir são as
seguintes :
a) Se bem andou o tribunal a quo em julgar não escritos os art.s 1º a 16° do articulado de resposta da apelante .
b) Se bem andou o tribunal a quo em , após a realização da audiência preliminar e, em sede de despacho saneador, conhecer de
imediato do mérito da causa, por não existir factualidade relevante e controvertida carecida de prova ;
*
2.Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo foram considerados provados os seguintes factos :
2.1.- Por documento escrito datado de 26 de Janeiro de 2000 declarou a autora prometer vender ao Réu e este prometeu
comprar-lhe pelo preço de 30.000.000$00 a fracção autónoma designada pela letra "A" , correspondente ao rés-do-chão direito
do prédio urbano sito na Rua …., descrito na Conservatória do Registo predial de ….. sob o n.º … a fls. 22 do livro B-80 e
inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...;
2.2.- Acordaram igualmente as partes por declaração que consta no documento referido supra que o preço seria pago da seguinte
forma: 2.000.000$00 na data da outorga do contrato promessa, a título de sinal e princípio de pagamento; 18.000.000$00
entregues na data de celebração da escritura do contrato definitivo a ter lugar 90 dias após a celebração do contrato promessa e
os restante 10.000.000$00, no prazo de dois anos após a outorga da escritura de compra e venda;
2.3.- No dia 31 de Agosto de 2000 no oitavo escritório notarial de Lisboa, compareceram como outorgantes C e D, na qualidade
de legais representantes da Autora e E e F, na qualidade de procuradores da G, S.A. e pelos primeiros foi dito que em nome da
sociedade sua representada e pelo preço de 20.000.000$00 que já receberam, vendem à sociedade que os segundos representam a
fracção autónoma designada pela letra "A" do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo predial de … sob o nº …., e
inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …, tendo os segundos declarado que para a sociedade sua representada
aceitam a presente venda nos termos exarados e que o imóvel ora adquirido se destina a um contrato de locação financeira ;
2.4.- A aquisição da mencionada fracção encontra-se inscrita a favor do G, S.A. através da AP. 104 de .../.../... encontrando-se
igualmente inscrita sobre a mencionada fracção pela AP. 105 de .../.../... uma locação financeira pelo prazo de dez anos com início
a 31/08/2000, a favor da Sociedade X, Lda ;
*
Pelo tribunal a quo foram considerados como não provados os seguintes factos :
- Que a escritura de compra a venda a que se referia o contrato promessa celebrado entre Autora e Réu foi outorgada em Agosto
de 2000 .
***
3.Motivação de direito.
3.1.- Da decisão do tribunal a quo que considerou/ julgou como não escritos os art.s 1º a 16° do articulado de resposta da
apelante.
Porque de decisão interlocutória proferida pelo tribunal a quo se trata, e porque relativamente à mesma se verificam outrossim
os pressupostos recursórios do nº 1, do artº 678º, do CPC , podendo assim ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto
da decisão final ( cfr. nº 3, do artº 691º, do CPC ), importa começar por conhecer da correcção do despacho do tribunal a quo e
que, relativamente ao articulado de resposta à contestação pelo apelante apresentada, julgou como não escritos os respectivos
art.s 1º a 16°.
Ora, como ambas as partes o reconhecem, in casu ,a resposta à contestação, como decorre do preceituado no art.º 8º, nº 3, do DL
nº 108/2006, de 8/6, e artº 3º, nº3, do CPC, apenas seria processualmente admissível caso o réu , na respectiva contestação, se
tivesse defendido por excepção, devendo a resposta cingir-se à respectiva matéria e, outrossim, caso o Réu tivesse deduzido
pedido reconvencional , ou , em última análise, se a acção fosse de simples apreciação negativa.
A defesa por excepção pode revestir duas formas, a saber : a defesa através de excepções dilatórias - defesa meramente processual
- ou a defesa através de excepções materiais ou substantivas - peremptórias - , ou seja, mediante a alegação de factos que sirvam
de causa modificativa, extintiva ou impeditiva do direito alegado pelo autor ( vide a propósito o Prof. Anselmo de Castro, in
Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 214 e segs e João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil, III, 1980,
pág. 94 e segs. ).
Quando o réu se defende por excepção ( cfr. artºs 487º e 493º, do CPC ), em regra o facto constitutivo do direito alegado pelo
autor não é posto em causa, mas tão só se alegam outros que, segundo o direito substantivo aplicável, infirmam os seus efeitos .
Assim, por exemplo, o réu reconhecerá que, efectivamente, celebrou determinado contrato de compra venda com o autor,
estando portanto obrigado a pagar o preço do bem, mas, porque já o pagou, mostra-se extinto o crédito de que o autor se arroga
credor ( cfr. artº 342º,nº2, do CC ).
Ao invés, quando o réu afirma a falsidade ou inexactidão dos fundamentos essenciais, de facto ou de direito, do pedido do autor,
e daí tira como conclusão, evidentemente, que deve ser absolvido de todo ou parte do pedido, defende-se tão só por impugnação (
Cfr. João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil, III, 1980, pág. 94 e segs ).
Exemplificando, mais uma vez, caso o autor alegue que celebrou determinado contrato de compra venda com o Réu, e este
último , em sede de contestação, refira que , efectivamente , chegaram ambas as partes a negociar a celebração de um contrato
de compra e venda, mas, no final, não chegaram a um qualquer entendimento, não aceitando o autor o pagamento a prestações,
o que se constata é, tão simplesmente, uma defesa por impugnação, ainda que motivada.
No que concerne aos factos que integram a defesa por excepção, o réu está na mesma posição que o autor - reus in excipiendo fit
actor , cfr. art.º 342º, nº 2, do CC - pois que a si incumbe o ónus da sua alegação e prova, cabendo ao autor, apenas ,o ónus da sua
contestação e contraprova.
Dito isto, a autora vem carrear para os autos um terceiro “articulado“ (a resposta à contestação) já que, no seu entender, o Réu
se defendeu por excepção na sua contestação, pois que, ao dizer que nada lhe deve, pelo facto de o contrato-promessa não ter
produzido quaisquer efeitos, em última análise está a acrescentar contra-factos, ou seja, a defender-se por excepção.
Porém, é nosso entendimento de que o Réu, pura e simplesmente, se limitou a negar ou impugnar , embora motivadamente (
regra geral os réus não deixam de justificar a negativa , apresentando uma versão dos factos diversa, de forma a que a negativa
ganhe uma outra consistência e credibilidade - cfr. o Prof. Anselmo de Castro, in ob. citada, pág. 213) a versão apresentada pela
autora no seu requerimento inicial, sustentando não ter outorgado uma qualquer escritura de compra e venda com ela, não
sendo de resto proprietário do imóvel que à autora prometeu comprar e, assim, nada lhe deve.
Ou seja, contrariamente ao que entende a autora, jamais o Réu, na sua contestação, admite ou reconhece que tenha existido um
qualquer contrato de compra e venda de bem imóvel celebrado por escritura pública (cfr. artº 875º do CC) e, desta forma,
manifestamente impugna, antes não reconhece, o facto constitutivo do direito alegado pela autora na sua petição inicial, que
assim não é aceite e antes é posto em causa,.
Assim sendo e sem margem para quaisquer dúvidas, não existe uma qualquer defesa por excepção na contestação do réu e, como
tal, vedado estava à autora à mesma responder (aproveitando ainda o articulado de resposta para, ao arrepio e em violação do
disposto no artº 273º,nº1, do CPC, alterar a causa petendi, pois que, agora, estaria ela alicerçada em escritura outorgada entre a
autora e o “G, S.A. “, e não entre a autora e o réu ).
Destarte, consubstanciando o articulado de " resposta à contestação" pela autora apresentado, em rigor, a prática pela autora de
acto processualmente inadmissível, nulo ( cfr. artº 201º, do CPC ) portanto, bem andou portanto o tribunal a quo em proferir o
despacho impugnado em sede de instância recursiva de apelação, que assim se deve manter nos seus precisos .
Improcede, em consequência, a apelação nesta parte.
*
3.2.- Se bem andou o tribunal a quo em, imediatamente após a realização da audiência preliminar e, em sede de despacho
saneador, conhecer de imediato do mérito da causa, por alegadamente não existir factualidade relevante e controvertida carecida
de prova.
Considerando a juiz do tribunal a quo , aquando da designação da audiência preliminar, que lhe era possível conhecer de
imediato do mérito da causa, logo após a sua realização proferiu saneador/sentença, julgando a acção totalmente improcedente.
Antes porém, determinou a notificação (o que foi feito) do Réu para requerer a junção aos autos da escritura de compra e venda
a que alude a autora no articulado de resposta (outorgada com o G, S.A.), o que foi feito, mostrando-se tal documento junto aos
autos e daí a factualidade vertida no item 2.3. da motivação de facto.
Contra tal opção (de decisão do mérito da causa em sede de saneador) insurge-se a apelante, considerando que em sede de
resposta à contestação alegou factualidade com interesse para a boa decisão da causa, razão porque, permanecendo ela
controvertida, impunha-se o prosseguimento dos autos.
Adiantando desde já o nosso veredicto, afigura-se-nos que nada há a apontar à opção da Juiz a quo, pois que, na sequência do
despacho proferido pela primeira instância e datado de 21/5/2009 (o referido no item 3.1. do presente Acórdão), como que
prejudicadas se mostram o grosso das conclusões da apelante em sede de instância recursória, sendo que , parte da factualidade
por esta última alegada na sua petição mostrava-se já provada ( por não ter sido pelo apelado impugnada a vertida no artº 1º da
petição inicial ) e, a impugnada e com interesse para a decisão da acção, como de resto o reconheceu antecipadamente a própria
autora, não havia forma de em sede de audiência de julgamento vir a provar-se ( o que só poderia suceder por documento ), pois
que, afinal , veio ela a celebrar uma escritura de compra e venda com uma entidade terceira ( o G, S.A.) que não com o réu .
Dir-se-á que a autora, ao previamente delinear a estratégia a adoptar com vista à instauração da acção, e ao configurar a relação
material controvertida assente em contrato de compra e venda outorgado com o réu, no seguimento de contrato-promessa
anterior com ele celebrado, como que procedeu a erro de análise, erro que , implicitamente, mas já tarde, pretendeu remediar ao
atravessar nos autos ( em 7/1/2010 ) requerimento de desistência da instância .
Recordando, configurou a apelante a relação controvertida como dizendo ela respeito a uma transferência de propriedade de
bem imóvel para o réu, em consonância com contrato-promessa entre ambos celebrado, estando ainda por pagar parte do
respectivo preço.
Sucede que, ao invés, porque o contrato definitivo foi celebrado com uma entidade financiadora terceira, que não com o réu,
óbvio é que a obrigação de pagar o preço ( cfr. art.º 879º do CC ), apenas podendo recair sobre o adquirente, que não é o réu, tal
só poderia conduzir à improcedência da acção ( cfr. artº 342º,nº1, do CC ).
De resto, ainda que de certo modo dos itens 2.3. e 2.4. da motivação de facto resulte que tenha o réu tenha celebrado um contrato
de locação financeira com uma entidade financiadora com vista à possibilidade de vir a adquirir a fracção autónoma
identificada em 2.1. , a verdade é que a locação financeira não é um contrato trilateral (1) [ envolvendo as partes do contrato de
locação financeira propriamente dito e o fornecedor da coisa a ser adquirida pelo locador financeiro para conceder depois o gozo
à outra parte ] , pois que o locador financeiro celebra com um fornecedor escolhido pela sua contraparte ( no contrato de locação
financeira ) o contrato de aquisição da coisa ( que esta também elegeu ) , em execução do contrato de locação financeira, sendo
que é também em cumprimento da obrigação de conceder ao locatário o gozo desse bem que lho entrega
Concluindo, a apelação da autora improcede in totum .
***
4- Sumário
a) A defesa por excepção pode revestir duas formas, a saber : a defesa através de excepções dilatórias - defesa meramente
processual - ou a defesa através de excepções materiais ou substantivas - peremptórias - , ou seja, mediante a alegação de factos
que sirvam de causa modificativa, extintiva ou impeditiva do direito alegado pelo autor;
b) Quando o réu se defende por excepção ( cfr. artºs 487º e 493º, do CPC ), em regra o facto constitutivo do direito alegado pelo
autor não é posto em causa, mas tão só se alegam outros que , segundo o direito substantivo aplicável, infirmam os seus efeitos ;
c) Se o autor alega que, na sequência de contrato-promessa de compra e venda celebrado com o réu , veio a outorgar escritura de
compra e venda do imóvel que lhe prometeu vender , permanecendo porém por pagar pelo réu parte do preço daquele, e , em
sede de contestação, alegue o réu que nada deve porque não celebrou nenhuma escritura com o autor, não sendo de resto
proprietário do imóvel prometido comprar, o que se constata é, tão simplesmente, uma defesa por impugnação, ainda que
motivada.
d) A locação financeira não é um contrato trilateral , envolvendo as partes do contrato de locação financeira propriamente dito e
o fornecedor da coisa a ser adquirida pelo locador financeiro para conceder depois o gozo à outra parte .
*
5. Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em, não concedendo provimento ao
recurso de apelação apresentado pela autora :
5.1.- Manter a decisão ( saneador/sentença ) do tribunal a quo .
*
Custas pela apelante.
***
(1) Cfr, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in Direito das Garantias , pág. 436 e segs.
***
Lisboa, 11 de Janeiro de 2011

António Santos
Folque de Magalhães.
Maria Alexandrina Branquinho

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